XIII SEMINÁRIO OBSCOM/CEPOS 11 de dezembro de 2014, São Cristóvão - Sergipe REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE HEGEMONIA E TRABALHO CULTURAL NA INDÚSTRIA CULTURAL Bruna TÁVORA1 1 Universidade Federal de Sergipe, Programa de Pós-graduação em Comunicação e Sociedade – São Cristóvão- SE; [email protected] INTRODUÇÃO O surgimento da comunicação em nível global, tal como se conhece hoje, é o resultado da demanda por uma estrutura comunicacional e informativa em nível mundial, resultante da necessidade de comunicação entre empresas e setores econômicos transnacionais. Isto criou as condições para uma infraestrutura também global de distribuição de conteúdo comunicacional e cultural conformando, assim, a Indústria Cultural em meados dos anos 30. Esta década corresponde ao fim do liberalismo clássico e a instituição do Estado de Bem-Estar Social constituindo um novo pacto político entre o Estado e as pessoas cuja capacidade massiva de distribuição de informação da Indústria Cultural foram fundamentais (HABBERMAS, 1988). Por se tratar da produção de cultura, a difusão das mercadorias desse setor é também a difusão visões de mundo pela indústria e corresponde à necessidade do sistema em construir um consenso entre os diversos interesses que pautam a dinâmica social. A construção do consenso como estratégia de manutenção da estrutura social não surge com a Indústria Cultural. GRAMSCI (1985) destaca que é a partir da formação dos Estados Modernos que se observa a organização de uma cultura que busca disseminar ideias e valores entre os membros de uma sociedade com o objetivo de construir uma visão de mundo que sustente e mantenha a organização políticoeconômica. Nesse sentido, na sociedade capitalista, a classe que dirige as diversas instâncias de poder (Estado, mídia, empresas) lançam estratégias ideológicas de modo a obter a hegemonia política, ou seja, o consenso ativo das classes governadas. Desta forma, nos termos de BOLAÑO (2000), a Indústria Cultural se estrutura e passa a realizar as funções publicidade, necessária ao funcionamento dos mercados oligopólicos do capitalismo monopolista, e propaganda, relativa à reprodução ideológica do sistema. Com isso, a produção cultural é não apenas industrializada, mas a própria Indústria Cultural se torna aparelho privado de hegemonia, essencial nos processos de mediação simbólica no capitalismo avançado do século XX (BOLAÑO, 2000). Nesse sentido, o objetivo desse resumo expandido é apresentar uma aproximação teórica, fruto do trabalho ainda em andamento2 entre as contribuições do pensamento gramsciano - no que toca a função ideológica de organização de uma cultura com fins à manutenção do capitalismo - e o campo da Economia Política da Comunicação e da Cultura, considerando, dentre outros aspectos, as contribuições em torno da centralidade do trabalho cultural na dinâmica desse setor. MATERIAL E MÉTODOS Para realizar este trabalho, será realizada uma revisão bibliográfica que articula os estudos de Antônio Gramsci, com destaque para o trabalho do próprio autor “Os intelectuais e a organização da cultura” (1985) e outra voltada para o campo da Economia Política da Comunicação e da Cultura, a partir do trabalho de César Bolaño, com destaque para o livro “Indústria Cultural, Informação e Capitalismo” (2000). RESULTADOS E DISCUSSÃO 2 O trabalho está sendo desenvolvido no âmbito do mestrado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade da Universidade Federal de Sergipe XIII SEMINÁRIO OBSCOM/CEPOS 11 de dezembro de 2014, São Cristóvão - Sergipe O fenômeno histórico dos intelectuais e sua função na vida social preexistem à formação da burguesia enquanto classe hegemônica, tendo sido verificado ainda antes, no governo romano do mundo clássico ou na categoria de intelectuais eclesiásticos. Estes últimos, chamados pelo autor de intelectuais tradicionais estiveram organicamente ligados à classe aristocrática, e com ela compartilharam tanto os benefícios políticos quanto as funções de instrução e moral, constituindo a filosofia e a ciência que formaram a visão de mundo da época. Uma das determinantes mais marcantes características de todo grupo social que se desenvolve no sentido de domínio é sua luta pela assimilação e conquista “ideológica” que são tão mais rápidas e eficazes quanto mais o grupo em questão elaborar simultaneamente seus próprios intelectuais orgânicos (GRAMSCI, 1985, p.9). O intelectual orgânico será assim responsável pelas funções não militares, ligadas mais precisamente à organização da cultura (jurídica, politica, espiritual). Eles serão tão mais imbricados na luta política quanto mais complexa for a contradição do sistema e sua necessidade cíclica de autolegitimação. No entanto, não é a natureza intrínseca do trabalho intelectual que determina seu papel orgânico na estrutura social, uma vez que ele existe tanto na classe dirigente quanto na classe subalterna. Sua especificidade deve ser buscada “no conjunto do sistema de relações no qual estas atividades (e, portanto, os grupos que a personificam) se encontram, no conjunto geral das relações sociais”. Neste sentido, “todos os homens são intelectuais, poder-se-ia dizer então; mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais” (idem, p. 7). Esta função, da perspectiva de uma classe dominante como a burguesia do moderno Estado Nacional, tem por finalidade conseguir uma adesão espontânea das classes subalternas que favoreça a reprodução social do grupo dirigente. Assim, os intelectuais passam atuar como “comissários” 3 da classe dominante estabelecendo distintos espaços de mediação (escola, política, trabalho) entre estes e as classes subalternas. Com efeito, embora esse tipo de estrutura burocrática se inaugure no campo jurídico e da política, é no campo da cultura que ele ganha espessura. Isto porque, para que os Estados nacionais se legitimem, é preciso que ele constitua culturalmente seu povo (MONTERO, 1999, p.3). Se o processo, por si, já é problemático diante das condições desiguais de disputa da hegemonia entre as diferentes classes, ele se agravou com o surgimento da Indústria Cultural, a forma de comunicação e cultura especificamente capitalistas desenvolvida no período na fase monopolista da economia. A formação da Indústria Cultural impôs a mercantilização do processo cultural promovendo uma racionalização produtiva do setor que, desde sua constituição, passou a se organizar sob a lógica do sistema produtivo capitalista generalizando as relações de produção cultural sob a lógica econômica. O que ocorre, desde então, é a formação de diversas Indústrias Culturais com lógicas próprias que submetem a cultura ao aparato econômico a partir da contratação do trabalho cultural na produção das mais distintas mercadorias: livros, games, educação, música, cinema, televisão, etc. A problemática que aqui pretende-se apresentar está na especificidade do trabalho cultural que, submetido à lógica e produção da Indústria Cultural realiza não só a produção da mercadoria cultural, mas, ao mesmo tempo, configura uma outra, a audiência (BOLAÑO, 2000). Esta é a mercadoria fundamental que as organizações negociam no mercado da cultura, tendo as empresas de publicidade e o Estado como principais compradores. A capacidade de comunicação do setor capitalista de cultura com o público será fundamental e funcionará como espaço de organização de 3 (idem, p.11) XIII SEMINÁRIO OBSCOM/CEPOS 11 de dezembro de 2014, São Cristóvão - Sergipe uma cultura capaz de criar o consenso e as visões de mundo necessárias à manutenção da hegemonia da classe dirigente. Conclusão Observando as particularidades do setor, o que pode ser identificado é que esta mediação entre os interesses das classes dirigentes e das classes subaltermas é realizada, especificamente, pelo trabalho cultural, que possui a capacidade de diálogo e empatia com o público. Tal qual ocorrera na fase anterior à Indústria Cultural, quando a organização da cultura era implementada por intelectuais orgânicos vinculados de maneira mais ou menos explícita aos diversos interesses do Estado, na fase atual, a organização dessa cultura continua sendo desenvolvida por obra de intelectuais. No entanto, ela se descentraliza do Estado e passa a se realizar no interior do setor produtivo da cultura mediado por intelectuais contratados pelas empresas, os trabalhadores culturais (BOLAÑO, 2000), se capilarizando entre diversas instâncias de poder que ficaram conhecidas como aparelhos privados de hegemonia. “Na sua programação, produtos de entretenimento, culturais e jornalísticos se mesclam na socialização de informações e conteúdos necessários na construção da hegemonia” (RAMOS, 2005). Isto relocaliza o problema da mediação na produção industrial de cultura uma vez que demonstra que a construção dos produtos da indústria se dá a partir de uma apropriação cíclica das culturas populares, apropriando suas temáticas e incorporando seus trabalhadores no âmbito da própria indústria e, com isso, realizando o duplo processo de subsunção de que fala Bolaño. Pode-se sintetizar a questão, dizendo que o sistema é caracterizado, cada vez mais, e hoje de forma muito evidente, por uma dupla contradição: capitaltrabalho/economia-cultura. O caráter contraditório dessa situação, que abre possibilidades de autodeterminação e ao mesmo tempo impossibilita a sua efetiva realização, pode ser esclarecido, em termos econômicos, considerando o duplo movimento de expansão coordenada da lógica mercantil e de um setor não mercantil, que se dá, hoje, a serviço do capital, mas apontando já para a possibilidade de um novo e mais avançado modo de produção (2007, p.34) Destaque relevante, pois, revela as condições de construção da hegemonia, uma vez que demonstra que para proceder a este tipo de apropriação é necessário um tipo especial de trabalho, o trabalho cultural, que, em última instância, é o mediador fundamental entre o mercado da cultura e as pessoas. Assim, as expressões são constituídas no mundo da vida e, através de mecanismos sofisticados de apropriação, são incorporada ao âmbito da indústria. O fato se agrava com a ampla precarização do trabalho cultural e a necessidade de articulação aos grupos de poder para a viabilização econômica e de produção dos conteúdos culturais. REFERENCIAL TEÓRICO ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. A dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986. BOLAÑO, César. Trabalho Intelectual, Comunicação e Capitalismo. A re-configuração do fator subejtivo na atual reestruturação produtiva. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, Rio de Janeiro, p. 53 - 78, 01 dez. 2002 Indústria Cultural, Informação e Capitalismo. Ed. Hucitec, 2000. Campo Aberto. No prelo. 2013.. Trabalho, comunicação e desenvolvimento. In: Liinc em Revista, v.3, n.1, março 2007 GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da Cultura. RJ, Ed. Civilização Brasileira, 5ª ed., 1985 HABBERMAS, J. Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1988 MONTERO, P. A Cultura Popular na Fabricação da Identidade Nacional. Revista NOTÍCIAS FAPESP, no 42, p. 3, SP, Maio, 1999 RAMOS, Murilo César. A força de um aparelho privado de hegemonia. In: BRITTOS, Valério. BOLAÑO, César (Orgs): Rede Globo, 40 anos de poder e hegemonia. Ed. Paulus, 2005.