Pensar o Brasil Roberto Amaral São inumeráveis os prejuízos causados à humanidade (particularmente aos povos dos países subdesenvolvidos ou emergentes) pelo império das políticas neoliberais. Destacamos dois, e não necessariamente os mais contundentes: a) a eliminação, da agenda política, da temática do desenvolvimento e b) a redução do debate econômico ao cotidiano da vida financeira -- os humores do mercado, as cefaléias das bolsas de valores, as ciclotimias do câmbio-- isto é, o imediatismo da ciranda financeira. Nada de estrutural. Dito de outra forma: o planejamento de médio e longo prazos, as grandes estratégias, tudo isso passou a ser amaldiçoado. Porque uma das características dessa política é dissociar povo, gente, ser humano, de suas estatísticas. E já que o mundo está globalizado, não podemos pensar em nações, em projetos nacionais, e se não há mais nações, não há mais, mesmo, povos, gente. O resultado dessa política, que se abateu sobre nossos países como um dogma fundamentalista, foi a destruição do desenvolvimento asiático, a depredação da África, a estagnação da América Latina e o aprofundamento do apartheid social. O Brasil conheceu décadas ‘perdidas’ e índices de crescimento medíocres. Mas a tragédia se abateu sobre a Argentina, exatamente aquele país que com mais rigor e subserviência observou os ditames do receituário privatista e recessivista do neoliberalismo. Houve exceções, e são sempre mencionáveis os exemplos da Coréia do Sul e da China que investiram no médio e no longo prazos, promoveram reformas estruturais e planejaram o futuro que começam a usufruir. Na verdade, nenhum macro-objetivo estratégico pode ser alcançado sem planos estruturantes de curto e médio prazos calcados no conhecimento sistematizado e concreto da realidade nacional. O que requer, para além dos mecanismos institucionais próprios, e do desenvolvimento da capacidade técnico-científica, a participação da sociedade. E antes de tudo, decisão política. Vale dizer, carecemos de um Plano Nacional, o projeto de uma nova sociedade, que unifique os povos desta nação em torno de objetivos comuns, como a democracia e o desenvolvimento econômico, pilares do objetivo final que deve ser a justiça social. O governo de mudanças do Presidente Lula veio ensejar essa nova visão de país, exigindo de todos, dirigentes e sociedade, pensar o Brasil com grandeza, na perspectiva de longo prazo e sob uma visão nacional genuína, que ilumine o caminho da emancipação. Porque o progresso não se mede, apenas, com taxas de inflação ou indicadores do crescimento do PIB: só há progresso com melhoria de qualidade de vida dos cidadãos. A idéia de desenvolvimento, como lembrava Celso Furtado, está associada, indissoluvelmente, a incremento da eficácia do sistema social de produção e a satisfação Escritor, professor universitário, ex-ministro de Estado de Ciência e Tecnologia, editor da revista pensarBrasil das necessidades elementares da população. O progresso técnico não pode ser entendido como uma abstração histórica, pois compreende um conjunto de transformações sociais, as quais, ensejando forte acumulação, também pode produzir a redução das desigualdades. Não tem mais sentido falar em ‘desenvolvimento sustentável’, como se o desenvolvimento fosse uma categoria auto-justificada: o que sanciona o desenvolvimento é o progresso social. Ele precisa responder a esta pergunta: a quem beneficia? Há uma certa ética da qual não podemos abrir mão. Se é possível estabelecer metas de inflação, por que não estabelecer metas de crescimento, metas de qualidade de vida, metas de distribuição de renda, metas de circulação de riquezas, metas de alfabetização, metas de leitura, metas de informação, metas, enfim, de cidadania? Com o propósito de contribuir para a construção de um Projeto Nacional de longo prazo, o Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, CEBELA, com o patrocínio da Capes e do CNPq, e o apoio da UNESCO, desenvolve o projeto Pensar Brasil, cujo escopo é promover uma reflexão, a mais profunda e multidisciplinar possível, e a mais livre possível, sem condicionantes ou a priori ideológicos, sobre a realidade brasileira e suas perspectivas no médio e longo prazos. Olhar para a frente. Por uma questão de método, escolhemos o bicentenário da Independência como marco referencial, e passamos a nos perguntar: que Brasil queremos ter em 2022 e o que precisamos fazer, a partir de hoje, para alcançar essa meta? Para responder a esta provocação estamos realizando, em Brasília e no Rio de Janeiro, uma série de 15 mesas-redondas sob os mais variados temas, reunindo filósofos, pesquisadores, cientistas e empresários num esforço mais do que tudo prospectivo e de reafirmação da crença, de que o desenvolvimento é possível e que ele depende apenas de nós. (30 de março de 2005)