CONSELHO ECONÓMICO E SOCIAL A REFORMA DOS SISTEMAS DE SAÚDE Análise Comparada de Sete Países da OCDE TRADUÇÃO PORTUGUESA A PARTIR DA VERSÃO OFICIAL DESTA PUBLICAÇÃO DE QUE A OCDE É EDITOR ORIGINAL • LISBOA • CONSELHO ECONÓMICO E SOCIAL A REFORMA DOS SISTEMAS DE SAÚDE Análise Comparada de Sete Países da OCDE TRADUÇÃO PARA PORTUGUÊS A PARTIR DE TEXTOS EM FRANCÊS E INGLÊS, VERSÕES OFICIAIS DESTA PUBLICAÇÃO ORGANIZAÇÃO DE COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICOS ESTUDOS DE POLÍTICA DE SAÚDE, N.º 2 2 ORGANIZAÇÃO DE COOPERAÇÃO E DE DESENVOLVIMENTO ECONÓMICOS Por força do Artigo 1º da Convenção assinada em 14 de Dezembro de 1960, em Paris, e que entrou em vigor em 30 de Setembro de 1961, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE) tem por objectivo promover políticas que visem: realizar a mais forte expansão da economia e do emprego e uma progressão do nível de vida nos países Membros, mantendo a estabilidade financeira, e contribuir assim para o desenvolvimento da economia mundial; contribuir para uma sã expansão económica nos países Membros, assim como nos países não membros em vias de desenvolvimento económico; contribuir para a expansão do comércio mundial numa base multilateral e não discriminatória em conformidade com as obrigações internacionais. Os países Membros originários da OCDE são: a Alemanha, a Áustria, a Bélgica, o Canadá, a Dinamarca, a Espanha, os Estados Unidos, a França, a Grécia, a Irlanda, a Islândia, a Itália, o Luxemburgo, a Noruega, os Países-Baixos, Portugal, o Reino Unido, a Suécia, a Suiça e a Turquia. Os países seguintes tornaram-se ulteriormente Membros por adesão nas datas a seguir indicadas: o Japão (28 de Abril de 1964), a Finlândia (28 de Janeiro de 1969), a Austrália (7 de Junho de 1971) e a Nova-Zelândia (29 de Maio de 1973). A Comissão das Comunidades Europeias participa nos trabalhos da OCDE (artigo 13 de Convenção da OCDE). Também disponível em inglês com o título: THE REFORM OF THE HEALTH CARE A COMPARATIVE ANALYSIS OF SEVEN OECD COUNTRIES © OCDE 1992 Os pedidos de reprodução ou de tradução totais ou parciais desta publicação devem ser dirigidos ao: Director do Serviço das Publicações, OCDE 2, rue André-Pascal, 75775 PARIS CEDEX 16, FRANÇA 3 A edição desta obra foi publicada pela OCDE – Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos, Paris, sob o título em francês: La reforme dês systèmes de santé: Analyse comparée de sept pays de l’OCDE. Traduzido e reproduzido de acordo com autorização. Esta tradução © é do Conselho Económico e Social, 1995. Tanto a tradução como a edição destes documentos foram executados sob a estrita responsabilidade do Conselho Económico e Social. Edição: Conselho Económico e Social Tradução e Revisão: Dra. Maria da Conceição Tavares da Silva Tiragem: 2500 exemplares Depósito Legal N.º 89.084/95 ISBN 972-96034-9-9 Execução gráfica: Antunes & Amílcar, Lda. Acabado de imprimir em Novembro de 1995 4 PREÂMBULO Para atingir os seus objectivos, a maior parte dos governos recorre a reformas. Os responsáveis pela elaboração das políticas não prevêem, e de facto não podem prever, a evolução de sistemas muito complexos porque o meio envolvente evolui de maneira imprevisível. Nos sistemas de saúde, como noutros sistemas de resto, as reformas sucedem-se constantemente. Porquê então, nestas condições, consagrar-lhes um estudo? As reformas das políticas - aplicadas ou previstas - nestes últimos cinco anos ultrapassaram, em ambição e em alcance, as dos vinte ou trinta anos precedentes que foram, contudo, muito importantes, de tal modo o caminho que conduz ao acesso universal aos cuidados e a um financiamento equilibrado está semeado de ciladas. Os sistemas de prestação dos cuidados tiveram que se adaptar às tecnologias que se tornam omnipresentes à evolução igualmente rápida da demografia médica. A partilha das responsabilidades entre sectores público e privado conheceu tensões, mas, no conjunto, os sistemas de saúde dos países da OCDE saíram-se bastante bem. Há, contudo, uma coisa que é previsível, a mudança. Qualquer problema novo gera tensões. É portanto, necessário dar aos sistemas um novo fôlego e criar as condições propícias a uma melhoria das normas de qualidade. No domínio da saúde, como noutros, a OCDE desempenha um papel permanente de observatório das políticas. Está em curso uma análise das principais reformas sob os auspícios do Grupo de Trabalho sobre a Política Social. O estudo que se segue é o resultado da primeira fase dos trabalhos. Incide sobre sete países da Europa: Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Irlanda, Países Baixos e Reino Unido. A segunda fase será consagrada a outros países. Segundo a análise, todos os Estados Membros estão confrontados aproximadamente com os mesmos problemas de gestão dos seus sistemas de saúde, o que era previsível. Mas o que é mais surpreendente é a convergência dos objectivos prosseguidos, a semelhança das soluções colocadas para os atingir, e isto apesar da diversidade das culturas e do carácter peculiar das instituições nacionais. Convém sublinhar que esta convergência se produziu sem concertação internacional prévia. Os países aqui estudados recorreram todos a experiências centradas sobre temas comuns e foram constrangidos pela austeridade orçamental. Este relatório, preparado em 1989-1990, deve-se a Jeremy Hurst, Consultor do Ministério da Saúde, Reino Unido. Jeremy Hurst agradece aos numerosos peritos, funcionários, investigadores e a todas as pessoas que lhe forneceram relatórios e 5 informações e que lhe apresentaram os seus comentários sobre as versões anteriores. O secretariado da OCDE inclui as principais alterações ocorridas em 1991 e 1992. Este volume é publicado sob a responsabilidade do Secretário Geral da OCDE. T. Y.Alexander Director da Educação, do Emprego, do Trabalho e dos Assuntos Sociais 6 Índice Resumo Glossário Capítulo 1. Capítulo 2. Introdução e principais questões Subsistemas de financiamento e de prestação dos cuidados médicos 8 12 18 28 A REFORMA DOS SISTEMAS DE SAÚDE: Capítulo 3. Capítulo 4. Capítulo 5. Capítulo 6. Capítulo 7. Capítulo 8. Capítulo 9. Bélgica França Alemanha Irlanda Países Baixos Espanha Reino Unido 45 68 89 121 146 173 190 ANÁLISE DOS SETE SISTEMAS: Capítulo 10. Expansão e funcionamento dos sete sistemas de saúde Capítulo 11. Comparações e avaliação Capítulo 12. Conclusões 7 222 230 247 RESUMO O financiamento e a prestação dos serviços de saúde continuam a suscitar problemas aos países Membros da OCDE. Variáveis dum país para outro, esses problemas são nomeadamente os seguintes: – persistência de lacunas no acesso aos serviços e na protecção dos rendimentos quando se tornam necessários cuidados médicos; – aumento demasiado rápido das despesas de saúde; e – inquietações quanto à eficácia e aos resultados. Estes problemas estão em parte ligados a fenómenos – nomeadamente, a evolução demográfica e tecnológica – que escapam, no essencial, ao controlo dos poderes públicos. No entanto, resultam até certo ponto, de insuficiências que é possível remediar agindo sobre o modo de financiamento, de pagamento e de regulação dos sistemas de saúde. Este relatório é um estudo comparativo das reformas dos sistemas de saúde empreendidas nos anos 80 em sete países da OCDE: Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Irlanda, Países Baixos e Reino Unido. Se este estudo se centra sobre as reformas, é porque, em período de reforma os responsáveis governamentais se interrogam mais sobre os objectivos dos sistemas de saúde, sobre os problemas com que se confrontam assim como sobre as soluções mais adequadas. Parece difícil, à primeira vista, fazer comparações entre estes sete países. Os modos de financiamento e de prestação dos cuidados médicos são neles muito diferentes. No entanto, observando melhor, apercebemo-nos de que estes sistemas assentam todos sobre alguns subsistemas, combinados de maneira diferente, que se encontram com regularidade nestes países e noutros países da OCDE. Além disso, estes sistemas são em geral dominados por apenas um ou dois subsistemas. Posto de lado o caso do pagamento directo pelo doente, podem-se identificar seis grandes subsistemas que implicam a intervenção duma terceira entidade pagadora. Existem dois grandes modos de financiamento possíveis no caso da terceira entidade pagadora: i) financiamento por contribuições voluntárias (ou de regime privado); e ii) financiamento por contribuições obrigatórias (ou de regime público) ou pelo imposto. No que diz respeito ao modo de prestação, a terceira entidade pagadora pode recorrer a três fórmulas: a) reembolso ao doente das despesas médicas feitas (indemnizações de seguro) - não existe nenhum vínculo entre o segurador e o prestador de cuidados; 8 b) contratos directos com os prestadores, muitas vezes independentes - o sistema de pagamento está geralmente ligado à actividade; c) propriedade e gestão dos prestadores no quadro de um sistema integrado - o sistema de pagamento não está geralmente ligado à actividade. Nos anos 80, os sistemas de saúde dos sete países eram dominados por um ou vários dos três subsistemas que implicam um financiamento obrigatório. A Bélgica recorria ao mesmo tempo ao sistema de reembolso (a favor dos doentes) por um regime público e ao sistema de contrato público. A França associava o sistema de reembolso por um regime público, o sistema de contrato e o sistema integrado. A República Federal da Alemanha e os Países Baixos apoiavam-se essencialmente sobre o sistema de contrato público. A Irlanda e o Reino Unido combinavam o sistema de contrato público e o sistema integrado. Os Länder da parte oriental da Alemanha e a Espanha apoiavam-se, principalmente, sobre o sistema público integrado. O seguro de doença voluntário representava menos de 15% das despesas de saúde em cada um destes países. As dificuldades encontradas por cada país tendiam a depender dos subsistemas de prestações e de financiamento aí dominantes: – os sistemas que continuavam a apoiar-se sobre mecanismos de reembolsos públicos tinham a maior dificuldade em controlar os custos; – nos países que se apoiavam sobre o sistema de contrato público, as dificuldades estavam ligadas muitas vezes à ausência de concorrência e aos excessos de regulamentação; – os países que se apoiavam no sistema público integrado tinham que fazer face a problemas de gestão e a uma falta de receptividade relativamente às expectativas dos utentes. Nos anos 80, todos os sete países considerados empreenderam reformas, mais ou menos importantes, do seu sistema de saúde. Vários países, em particular a Espanha, a Irlanda e os Países Baixos, tomaram novas medidas para alargar a cobertura do seu sistema público de saúde, proporcionando aos últimos grupos da população que dele não beneficiavam ainda uma cobertura de base. Apesar de numerosas declarações a favor duma privatização do financiamento, nenhum dos outros países tomou verdadeiramente medidas para reduzir o lugar ocupado pelo regime público. 9 A maior parte dos países tomou importantes iniciativas para reduzir as despesas. Na maior parte dos casos, os governos reforçaram as comparticipações nas despesas. No entanto, a maior parte das reformas tendentes a conterem as despesas incidiu sobre a oferta. Assim, foi nomeadamente aplicada com determinação a fórmula dos orçamentos globais prospectivos, sobretudo para as despesas hospitalares, na Alemanha, na Bélgica, em França e nos Países Baixos. Todos os sete países reduziram muito a taxa de crescimento das suas despesas de saúde, nos anos 80, em comparação com os anos 70. Os países que continuaram a apoiar-se em parte no sistema de reembolso público conseguiram-no menos bem do que os que se apoiaram sobre o sistema de contrato público e sobre o sistema integrado. O aspecto essencial das reformas dos anos 80 foi talvez a introdução de mecanismos incentivadores e regulamentares mais eficientes dirigidos aos prestadores e aos seguradores, com o objectivo de aumentar a produtividade de recursos limitados. Podem-se distinguir três tipos de evolução: – Houve uma certa convergência para o sistema de contrato público. A Bélgica e a França introduziram fórmulas contratuais mais estritas nos seus sistemas de reembolso, e o Reino Unido e os Länder da Alemanha oriental abandonaram os seus sistemas integrados a favor de sistemas de contrato. – Certos países empreenderam a reforma do próprio sistema de contrato privilegiando doravante: a liberdade de escolha dos consumidores; decisões de compra activas e informadas de preferência a um financiamento passivo pelos terceiros pagadores; e uma concorrência organizada entre prestadores. Isto foi particularmente notório na Alemanha, mas modificações idênticas puderam ser observadas na Bélgica e nos Países Baixos. Os novos sistemas contratuais caracterizam-se por sistemas de pagamento mistos, nos quais se conjugam limites orçamentais com um modo de remuneração dos prestadores ligado à actividade. A ideia é a de que, deixando os poderes públicos ficar numa posição um pouco retirada, permitir-se-á aos mecanismos de auto-regulação desempenhar um papel mais importante. – Finalmente, dois países - os Países Baixos e o Reino Unido - lançaram experiências que se traduzem na instauração de uma concorrência entre os terceiros pagadores no quadro do regime público. As experiâncias tentadas nesses dois países são bastante diferentes. Nos Países Baixos prevê-se que os consumidores tenham a possibilidade de escolher entre as caixas de seguro de doença e seguradores privados, havendo uma caixa central que recebe contribuições ligadas aos rendimentos e paga prémios ligados aos riscos a seguradores em situação de concorrência. Isto redunda na instituição um sistema complexo de senhas de compras médicas. A experiência tentada no Reino Unido consiste em confiar uma parte do orçamento destinado aos hospitais a certos 10 grandes consultórios de generalistas (em concorrência). Assim, os generalistas podem comprar certos serviços hospitalares em benefício dos seus doentes. Este último tipo de reformas é particularmente controverso. Nos Países Baixos, as reformas só são introduzidas gradualmente e no Reino Unido são ainda recentes. É a razão por que não é ainda possível apreciar plenamente os seus resultados. No entanto, parece poder-se já dizer que os generalistas, que têm um direito de fiscalização sobre uma parte dos valores destinados aos hospitais, utilizam esse novo poder de compra para negociar serviços hospitalares de melhor qualidade para os seus doentes. 11 GLOSSÁRIO Encontrar-se-á neste glossário a definição de algumas das palavras-chaves empregadas neste relatório: Adesão aberta: Período durante o qual um segurador pode ser obrigado a aceitar qualquer novo membro ou qualquer novo aderente, seja qual for o risco que implique tal aceitação. Concorrência: Rivalidade entre dois (ou mais) vendedores no concernente a receitas, quotas de mercado ou outras vantagens. Concorrência organizada: Regulação dum mercado dos cuidados médicos pelos poderes públicos, apoiando-se estes sobre os mecanismos da concorrência para atingirem objectivos de eficiência no quadro de intervenções públicas que prosseguem outros objectivos, por exemplo objectivos de equidade. Concorrentes de referência: Comparação, em ternos de preço e de qualidade, entre bens e serviços específicos propostos por monopólios ou oligopólios no mercado local e bens e serviços análogos propostos em mercados afastados. Mesmo se não houver directamente concorrência entre o mercado local e os mercados afastados, uma tal comparação pode fazer aparecer a margem de concorrência potencial e pode ajudar um comprador a conhecer a sua margem de negociação ou um organismo regulador a encorajar um comportamento concorrencial. Contrapeso: Por exemplo, exercício dum poder de compra concentrado para se contrapor a um poder de monopólio. Contribuição: Imposição fiscal a título de seguro obrigatório de doença, muitas vezes no quadro dum regime de segurança social. O encargo pode repartir-se entre o empregador e o assalariado. O montante da contribuição representa muitas vezes uma proporção fixa dos rendimentos entre um limite mínimo e num limite máximo. Cuidados médicos de base: Conjunto mínimo ou núcleo central de serviços médicos e paramédicos. Excedente de honorários: Despesas suplementares que o prestador faz suportar ao doente acima das tabelas de seguro convencionadas ou das tarifas contratuais e de qualquer forma de participação no custo definida previamente pelo terceiro pagador. O excedente de honorários é normalmente uma consequência indirecta do sistema de reembolso e do poder de monopólio do médico (ou de uma situação de oferta inelástica), uma vez que a capacidade financeira do doente se acha aumentada pelo seguro. Execução e controlo: Regulação pelos poderes públicos de um mercado de saúde mediante uma planificação central pormenorizada e pela fixação dos preços, das quantidades e das capacidades; ou ainda regulação pelos poderes públicos dum sistema de saúde público integrado através duma gestão 12 operacional. O objectivo é geralmente planificar e gerir a afectação dos recursos e prosseguir objectivos de eficiência sem recorrer aos mecanismos de mercado nem à concorrência. Externalidades: Efeitos externos – custos ou vantagens – decorrentes de um processo de produção ou de consumo que sofrem indivíduos e grupos que não estão directamente ligados a esse processo sem beneficiar de (ou suportar) nenhuma compensação em troca. Por exemplo, a imunização de um indivíduo contra uma doença infecciosa pode bloquear a transmissão da doença a outros indivíduos que não estão directamente envolvidos e que não pagam nada pela protecção de que beneficiam. Resulta daí uma vantagem externa. Franquia (dedutível): Participação nas despesas sob a forma de um montante fixo que deve ser pago em contrapartida de um serviço, antes que qualquer prestação possa ser efectivada. Homologação: Processo pelo qual uma agência ou uma organização avalia um estabelecimento e reconhece que ele satisfaz certos critérios profissionais. Imposto degressivo: Imposto correspondente a uma parte decrescente do rendimento à medida que este aumenta. Imposto progressivo: Imposto correspondente a uma parte crescente do rendimento à medida que este aumenta. Modelo de actuação: Relação entre o doente e o médico em que o médico aplica a sua competência técnica e subordina os seus próprios interesses aos do doente no momento do diagnóstico, da prescrição e do tratamento. Monopólio: Um único vendedor. Monopólio bilateral: Mercado em que um único comprador se encontra em face de um vendedor também único. Monopsónio: Um único comprador. Mutuais (França) e mutualidades (Bélgica): Seguros de doença privados, sem fim lucrativo ou sociedades de socorros. Oligopólio: Número limitado de vendedores. Orçamento global (abreviatura para «orçamento global prospectivo»): Montante global em dinheiro, fixado previamente, destinado a cobrir o custo total de um serviço, geralmente durante um ano. Pagamento por acto: Pagamento a um prestador por cada acto ou serviço prestado. Pagamento por capitação: Pagamento de um montante fixo a um prestador por cada pessoa que figura na sua lista ou está inscrita junto dele para um período determinado. Os pagamentos variam em função do número de doentes inscritos, mas não em função do número de serviços fornecidos a cada doente. 13 Pagamentos directos: Pagamentos suportados directamente pelo doente, sem intervenção de um seguro. A participação no custo é uma forma de pagamento directo. Participação nas despesas (comparticipação): Disposição de um regime de seguro de doença ou de um sistema de terceiro pagador em virtude da qual o indivíduo coberto deve suportar uma parte do custo dos cuidados médicos que recebe. Diversamente de um prémio de seguro de doença, de uma contribuição ou de um imposto que são pagos haja consumo médico ou não, a participação no custo (comparticipação) só ocorre se houver consumo de cuidados. Prémio: Montante pago no quadro de um seguro voluntário. Os prémios podem estar ligados aos riscos (são então calculados em função dos riscos actuariais ou do historial de procura de prestações por parte de cada indivíduo) ou podem ser fixos ou calculados na base de uma taxa colectiva (média para um grupo de indivíduos). Prestações: No domínio do seguro de doença, pagamento em dinheiro efectuado para regularização de uma procura de acordo com uma apólice de seguro ou ainda serviço prestado coberto por um regime de seguro. Procura induzida pelos prestadores: Capacidade atribuída aos médicos de estimular a procura de serviços, quer se trate de serviços assegurados por eles mesmos ou de serviços de colegas. Regime público de seguro de doença: Ver «Seguro de doença obrigatório». Regime social de seguro de doença: Expressão utilizada principalmente para designar um regime obrigatório ou público de seguro de doença que faz geralmente parte de um regime de segurança social, financiado por contribuições específicas (na maior parte dos casos incidindo sobre os salários) e gerido por caixas de seguro autónomas ou quase autónomas, mutualidades ou companhias de seguros privadas. Regulação: Intervenção dos poderes públicos no mercado de saúde ou no sistema de saúde através de regulamentações. Existem essencialmente duas modalidades de regulação; uma regulação dirigida no sentido da concorrência ou do mercado (geralmente favorecendo a liberdade de escolha entre os consumidores e encorajando a autonomia e a concorrência entre os seguradores e/ou os prestadores); e uma regulação do tipo execução-controlo (que vai muitas vezes contra a liberdade de escolha dos consumidores e a autonomia e a concorrência entre os seguradores e/ou os prestadores). Remuneração ligada à actividade: Ver «Pagamento por acto» e «Pagamento por capitação». 14 Resultados no plano da saúde: Modificações no estado de saúde (sob o ponto de vista da mortalidade e da morbilidade) resultante da prestação de serviços de saúde (ou de outros tipos de serviços). Risco subjectivo: O facto de estar coberto por um seguro pode incentivar o segurado a assumir riscos e a aumentar a sua procura de serviços de saúde (ou de serviços reabilitação) baixando o custo líquido dos serviços. O risco suportado pelo segurador acha-se assim agravado e, se o risco subjectivo não for controlado, isso pode acarretar um agravamento da procura de reembolsos e um encarecimento dos prémios de seguro. Salariado: Remuneração de um montante fixo para um período determinado, que não varia nem em função do número de indivíduos a que os serviços são assegurados nem em função do número de serviços fornecidos. Seguro de danos: Ver «Sistema de reembolso». Seguro de doença obrigatório: Seguro de doença no quadro de um regime público obrigatório. As contribuições para o seguro de doença obrigatório equivalem a um imposto. Pode ser à entidade patronal que é imposta a obrigação de pagar contribuições em nome dos seus assalariados. As contribuições estão geralmente ligadas aos rendimentos. O seguro de doença obrigatório é, na maior parte dos casos, gerido por organismos públicos, mas pode sê-lo por organismos de seguros privados, como é o caso nos Países Baixos relativamente ao regime de seguro dos funcionários Selecção dos riscos: Processo pelo qual os seguradores (ou os prestadores) que são remunerados por um prémio fixo ou sem conexão com os riscos (ou por capitação) se esforçam por atrair uma clientela que apresenta riscos inferiores à média e por desencorajar ou recusar uma clientela que apresenta riscos superiores à média. Seguro de doença privado: Ver «Seguro de doença voluntário». Seguro de doença voluntário: Seguro de doença subscrito e financiado voluntariamente pelos indivíduos ou por um empregador em nome dos seus assalariados. Um seguro voluntário pode ser proposto por um organismo público ou parapúblico como acontece na Irlanda. Sistema de assistência social: Sistema em que as prestações de doença efectuadas por um regime público com terceiro pagador dependem de condições de rendimentos ou de recursos. Sistema do contrato: Expressão empregada neste estudo para designar o seguro de doença obrigatório ou voluntário que implique o pagamento directo, por força de um contrato, pelo segurador ou por uma terceira entidade, ao prestador, dos serviços prestados a um segurado (ver os gráficos 2.4 e 2.5, 15 capítulo 2). As prestações são fornecidas ao doente em espécie, muitas vezes gratuitamente. Neste sistema, os prestadores são muitas vezes prestadores independentes e os pagamentos efectuados a um segurador por força do contrato são muitas vezes pagamentos por capitação ou por acto. Nos Estados Unidos, o sistema abrange dois tipos de seguro voluntário: o seguro de grupo (Groupe Practice Model) e o seguro individual (Individual Practice Model) que são duas formas de redes de cuidados cobrindo o essencial dos serviços que o doente procura (os Healt Maintenance Organisations, H.M.O.). Sistema integrado: Expressão utilizada neste relatório para designar um sistema de seguro de doença obrigatório ou voluntário ou um sistema de financiamento por terceiro pagador no qual as prestações de seguro e os cuidados são fornecidos pela mesma organização no quadro de um sistema integrado verticalmente (ver os gráficos 2.6 e 2.7, capítulo 2). Neste sistema, os médicos são em princípio assalariados e os hospitais financiados com base num orçamento global. Como no sistema de contrato, as prestações são fornecidas ao doente em espécie, muitas vezes gratuitamente. Nos Estados Unidos, a forma mais conhecida de sistema integrado voluntário é a forma de HMO em que os médicos são empregados assalariados (Staff Model). O sistema integrado, na sua versão de regime público, implica um financiamento pelos puderes públicos muitas vezes essencialmente através do imposto, e uma prestação de cuidados por um dispositivo público. Sistema de reembolso: Expressão empregada aqui para designar um sistema de seguro de doença obrigatório ou voluntário que implique reembolsos em dinheiro aos doentes, pela totalidade ou por uma parte do custo dos cuidados médicos que eles recebem. Fala-se também de «seguro de danos» (ver os gráficos 2.2 e 2.3, capítulo 2). Neste sistema, na sua forma pura, não há nenhum vínculo entre o terceiro pagador e o prestador. Solidariedade: Palavra empregada principalmente nos países europeus, que exprime o pôr em comum obrigatório dos riscos no quadro dum regime público de seguro de doença no qual as contribuições para os cuidados são função da capacidade de pagamento e a oferta de cuidados é função da necessidade de cuidados. Taxa moderadora fixa (Co-payment∗): Participação no custo sob a forma de um montante fixo a pagar em contrapartida de um serviço. Taxa moderadora proporcional (Co-insurance∗): Participação no custo de um serviço numa proporção determinada. Em França e na Bélgica, fala-se correntemente de «ticket modérateur». ∗ Em inglês no original, N. da T. 16 Terceiro pagador: Qualquer organismo, público ou privado, que assume o encargo ou assegura os cuidados médicos recebidos pelo beneficiário no momento em que esses cuidados são ministrados. As duas outras partes, nesta relação com três intervenientes, são, em primeiro lugar, o doente e, em segundo lugar, o prestador. O terceiro pagador pode ser uma companhia de seguros privada, um organismo parapúblico, como uma caixa de seguros de doença ou, directamente, uma instância da administração. Referência Bibliográfica U.S. House of Representatives (1976) - A Discursior Dictionary of Health Care, U.S. Governement Printing Offices, Washington, 1976. 17 Capítulo 1 INTRODUÇÃO E PRINCIPAIS QUESTÕES INTRODUÇÃO O financiamento, a prestação e o funcionamento dos serviços de saúde suscita ainda problemas aos países da OCDE apesar do êxito de numerosas medidas aplicadas desde meados dos anos 70. Este relatório examina a maneira como esses problemas são enfrentados em sete países da OCDE. Dirige-se aos governos dos países da OCDE porque eles são responsáveis pelo financiamento, pela regulamentação e pela prestação dos serviços médicos. O exame destas questões far-se-á através da comparação das reformas recentes ou previstas dos sistemas de saúde dos países seleccionados. Geralmente, podem-se tirar importantes ensinamentos dos países que reformam os seus sistemas de saúde. É essa uma ocasião para os responsáveis políticos se interrogarem seriamente sobre os objectivos, os estabelecimentos de cuidados existentes, as causas dos problemas com que se acham confrontados e as soluções que se lhes oferecem. Se bem que existam entre esses países diferenças bem conhecidas no respeitante à cultura médica (Payer, 1989), aos estabelecimentos de cuidados (Rappel, 1984) e à própria prática da medicina (McPherson, 1990), as comparações das reformas podem fazer ressaltar os problemas comuns e as soluções comuns. Os países da OCDE partilham os mesmos objectivos em matéria de cuidados e a diversidade aparente dos modos de financiamento e de organização dos cuidados médicos esconde o facto de cada sistema se compor de um número bastante pequeno de subsistemas, dos quais alguns têm tendência para predominar. Uma secção ulterior deste capítulo e o capítulo seguinte permitirão voltar ao assunto. Os países sobre os quais incide este estudo situam-se todos na Europa Ocidental. Foram escolhidos por várias razões: a importância das reformas que se realizaram nos anos 80 ou encaram no princípio dos anos 90; a medida em que eles representam os diversos tipos de sistemas de saúde que se encontram nos países da OCDE; o desejo da respectiva administração de participar no estudo; finalmente, a economia que a realização de inquéritos num mesmo continente permite. O estudo apoia-se, além disso, sobre a experiência dos países da América do Norte. Os países estudados classificam-se em três grandes grupos, representando cada um deles um dos principais tipos de sistemas de saúde existentes nos países membros da OCDE. Países Baixos – cuidados financiados ao mesmo tempo pela segurança social e por regimes de seguro privados e efectivados essencialmente por prestadores privados; 18 Alemanha, Bélgica e França – cuidados financiados essencialmente pela segurança social e efectivados ao mesmo tempo por prestadores privados e públicos; Espanha, Irlanda e Reino Unido – cuidados financiados essencialmente pelo imposto e efectivados principalmente por prestadores públicos. É preciso fazer uma distinção na política de saúde entre a prestação de serviços de saúde e a produção de saúde propriamente dita. A saúde da população não depende unicamente dos cuidados médicos, mas também de muitos outros factores como o nível e o modo de vida, a habitação, o regime alimentar e o ambiente. Este estudo limita-se à prestação dos cuidados de saúde e aos seus efeitos sobre a saúde da população. Por outras palavras, incide essencialmente sobre o financiamento, a organização e os resultados da medicina preventiva, dos cuidados médicos primários e dos cuidados hospitalares – tudo prestações que exigem a intervenção de médicos, de pessoal de enfermagem e de outros profissionais médicos e paramédicos. O estudo não trata da promoção da saúde no sentido mais amplo da expressão nem dos cuidados dentários. Também não examina em profundidade os cuidados de longa duração, em especial os que se situam na charneira dos serviços de saúde e dos serviços sociais. Este capítulo tem por finalidade: – expor alguns dos principais objectivos da política de saúde; – examinar as vantagens e inconvenientes da iniciativa privada e das instituições públicas no que diz respeito aos cuidados médicos; – expor alguns problemas que suscitam, hoje em dia, o financiamento e a prestação dos cuidados nos sete países examinados. O capítulo 2 passa em revista alguns dos principais subsistemas de financiamento e de prestação de cuidados. Os sete sistemas de saúde propriamente ditos e as suas reformas recentes são expostos em pormenor nos capítulos 3 a 9. O capítulo 10 apresenta comparações estatísticas sobre o crescimento e o funcionamento dos sistemas de saúde dos sete países. O capítulo 11 compara e avalia as reformas realizadas, sendo o capítulo 12 consagrado a conclusões de ordem política. OBJECTIVOS COMUNS DAS POLÍTICAS DE SAÚDE Os países estudados fixaram os mesmos objectivos às suas políticas de saúde. Em resumo, e para retomar a análise de Barr (1990), esses objectivos são os seguintes: Possibilidades de acesso a cuidados suficientes e equitativos: todos os cidadãos deveriam poder beneficiar de um mínimo de cuidados médicos e à mesma necessidade deveria corresponder o mesmo tratamento, pelo menos no sector financiado por fundos públicos. 19 Protecção do rendimento: os doentes não deveriam ter que pagar cuidados médicos demasiado onerosos em relação aos seus rendimentos e o preço desses cuidados deveria estar fixado em função da sua capacidade de pagamento. Isso implica pelo menos três tipos de transferência: seguro (a necessidade de cuidados é imprevisível); poupança (as pessoas idosas recorrem mais aos serviços de saúde que os jovens) e redistribuição de rendimentos (pobreza e doença andam muitas vezes a par). Eficiência macroeconómica: as despesas de saúde devem representar uma fracção adequada do PIB. Eficiência microeconómica: convém escolher uma combinação apropriada de serviços que maximize, ao mesmo tempo, os resultados dos cuidados e a satisfação dos consumidores em relação à parte disponível do PIB gasta em serviços de saúde (eficácia atributiva). As despesas deveriam, além disso, ser reduzidas ao mínimo em relação à parte disponível (eficácia técnica e financeira). Nas vantagens, é necessário entrar em conta não só com o estado de saúde do doente, mas também com o seu grau de satisfação relativamente aos cuidados que lhe são ministrados assim como com a saúde e o bem-estar das pessoas que o estado do doente pode afectar. Nos custos, é preciso entrar em conta não só com as despesas directas (as prestações), mas também com o valor que o tempo representa para os doentes e para os membros da sua família, assim como com as despesas administrativas e as distorções regulamentares e fiscais. É preciso, além disso, procurar uma eficiência dinâmica, isto é, progressos tecnológicos e de organização que aumentem a produtividade de meios determinados. Liberdade de escolha do consumidor: o consumidor deve poder escolher os prestadores de cuidados, tanto do sector público como privado. Autonomia dos prestadores: os médicos e outros prestadores devem gozar do máximo de liberdade compatível com a realização dos objectivos acima citados , em particular no domínio da inovação médica e estrutural. Estes dois últimos objectivos poderiam ser tratados antes como meios do que como fins; são mencionados aqui porque há alguma razão para os tratar como desiderata de pleno direito. Estes objectivos envolvem talvez juízos de valor que variam de um país para outro e de uma região para outra de um mesmo país. Além disso, são por vezes incomparáveis uns com os outros e as opiniões divergem quanto ao grau de prioridade a conceder a cada um deles. VANTAGENS E INCONVENIENTES DO LIVRE JOGO DAS FORÇAS DO MERCADO 20 Em numerosos sectores das economias da OCDE, poder-se-iam atingir os objectivos acima enunciados deixando funcionar o livre jogo do mercado e tomando medidas gerais de redistribuição dos rendimentos. No fim de contas, o jogo da concorrência acompanhado duma redistribuição dos rendimentos é, em muitos ramos de actividade, o melhor meio que se concebeu para associar escolha dos consumidores, autonomia dos produtores, eficiência económica e equidade. Num mercado concorrencial, o consumidor é incitado a ponderar as vantagens que lhe trarão os bens e serviços que comprar em relação ao preço que lhe custarão. O produtor que quer realizar o máximo de proveitos é encorajado a maximizar o valor reconhecido do seu produto e a minimizar o seu custo. A concorrência faz com que os preços tenham uma relação estreita com os custos de oportunidade – pelo menos a longo prazo. A produção atingirá um valor máximo para uma determinada distribuição dos rendimentos. Além disso, num mundo marcado pela evolução constante das técnicas e por frequentes mutações estruturais, o facto de se deixar criar monopólios temporários sob o efeito de inovações pode contribuir para suscitar uma dinâmica de melhoria de eficiência. À primeira vista, este processo convinha também para os cuidados médicos que são essencialmente um serviço pessoal assegurado por profissionais e instituições privadas que são concorrentes potenciais. As externalidades em matéria de produção são pouco importantes, salvo no caso das doenças infecciosas que, tirando a SIDA, estão em regressão. A procura e a oferta de cuidados apresentam, todavia, certas particularidades que dissuadiram e dissuadirão, sem dúvida, sempre os países da OCDE de se remeterem exclusivamente, no que diz respeito à sua prestação, ao livre jogo dos mecanismos de mercado conjugado com uma redistribuição dos rendimentos (Culyer, 1989). Em primeiro lugar, uma redistribuição dos rendimentos é particularmente necessária quando se trata dos cuidados médicos, porque, segundo uma opinião muito espalhada e profundamente enraizada, todos os que têm necessidade deles deveriam beneficiar de cuidados de qualidade sem ter que suportar um encargo financeiro inaceitável. Além disso, existe muitas vezes uma relação estreita entre uma saúde deficiente e a incapacidade de pagar cuidados. Os organismos caritativos privados não são, sem dúvida, um bom meio de responder a este imperativo altruísta, por causa, nomeadamente, dos «aproveitadores»: cada um é tentado a deixar pesar sobre outrem o encargo da dádiva. Em segundo lugar, contrariamente ao que se passa em relação a grupos importantes, a necessidade de cuidados é frequentemente muito imprevisível e muitos onerosa para o indivíduo. Os sistemas de seguros podem contribuir para repartir o encargo financeiro, mas os seguradores privados propenderão a afastar os indivíduos de altos riscos ou a aumentar os prémios que estes devem pagar – por outras palavras, a estabelecer uma discriminação contra pessoas que são as mais 21 doentes e que são muitas vezes aquelas cujo rendimento é mais fraco (selecção dos riscos e agravamento do prémio). Às pessoas já atingidas por certas afecções será geralmente recusada a possibilidade de se segurarem contra essas doenças. É difícil estabelecer mecanismos de redistribuição dos rendimentos fundados no livre jogo do mercado e que permitam responder a tais situações. Mais ainda, o seguro de doença tende a suscitar um sobreconsumo. Nem o doente nem o médico têm uma suficiente preocupação de economia quando é um terceiro que assume o encargo do custo dos cuidados (risco inerente). Se bem que instituições privadas tais como as redes de cuidados coordenados tenham sido concebidas para assumir o risco inerente, elas não parecem capazes de responder, só por si, ao problema da selecção dos riscos. Em terceiro lugar, o consumidor está em posição de fraqueza no mercado dos cuidados de saúde pelo facto, nomeadamente, de estar mal informado. Sabe, sem dúvida, quando está doente, mas carece de conhecimentos para saber que remédios pode tomar e também para avaliar retrospectivamente a qualidade dos cuidados que recebeu, devido à complexidade e à novidade da tecnologia médica. Além disso, a doença pode, por si, alterar a sua capacidade de julgar. O consumidor é, portanto, obrigado a entregar-se essencialmente à opinião do médico e a obter a sua aprovação para a maior parte das grandes decisões de consumo. Nestas condições, cabe muitas vezes ao médico tomar decisões. É, portanto, difícil preservar toda a liberdade de decisão do consumidor. Outros mercados de bens e de serviços possuem uma ou duas destas características, mas raramente as três. As dificuldades de contar unicamente com o mercado privado dos cuidados incitaram, em medida variável, os governos a intervir no seu financiamento e na sua prestação. Todavia, se bem que as suas acções possam remediar total ou parcialmente os defeitos iniciais que procuraram corrigir, têm, muitas vezes. efeitos secundários indesejáveis. Uma das formas de intervenção mais difundidas foi a introdução do financiamento público dos cuidados de saúde primários para toda ou parte da população. Ela ocorreu, por exemplo, graças aos sistemas de seguro de doença obrigatório financiados por contribuições proporcionais aos rendimentos. Estes sistemas podem cobrir os grupos vulneráveis ou de fracos rendimentos, graças, muitas vezes, a deduções fiscais. Esses dispositivos podem ser muito eficazes para melhorar o acesso aos cuidados e a protecção dos rendimentos de grupos desfavorecidos. Frequentemente, porém, acarretaram níveis e taxas de crescimento das despesas públicas inaceitáveis: foi o caso que sucedeu particularmente quando foram instaurados à sombra de sistemas privados de seguro de doença. Uma outra forma corrente de intervenção muitas vezes instaurada, em parte para contrariar os efeitos secundários da primeira, consistiu numa regulação, pelo 22 governo, dos mercados privados ou mistos dos seguros e da prestação de cuidados. Os governos encorajaram numa certa medida a auto-regulação. Foi assim, por exemplo, que um dos primeiros resultados decisivos, na maior parte dos países, foi a liberalização da actividade dos médicos e de outros elementos do pessoal de cuidados altamente qualificados. Os governos concederam aos médicos e aos outros profissionais de saúde certos privilégios de auto-regulação e um monopólio colectivo de oferta em troca da adopção de uma ética e da manutenção de certas normas de competência e de prática. Além disso, os governos propiciaram a autoregulação por meio de políticas que favorecem o mercado e a concorrência. No entanto, a regulação foi, numa larga medida, autoritária e acompanhada de tentativas centralizadas para limitar a taxa de aumento dos prémios de seguro, fixar os preços, as quantidades e a qualidade dos serviços de saúde e planificar e controlar a capacidade. Esta regulação parece poder conter as despesas quando for aplicada com suficiente determinação. Padece, todavia, de tendências bem conhecidas para se tornar demasiado burocrática, para introduzir no mercado distorções e manifestações de rigidez e para ser absorvida pela indústria regulamentada. Quando se trata de medicina, a autoridade do Estado não parece ser mais fácil de exercer do que a do consumidor. Finalmente, os governos optaram muitas vezes por, simultaneamente, financiar e fornecer cuidados aos grupos vulneráveis ou a toda a população, por intermédio dos médicos assalariados, em actividade nos dispensários e hospitais públicos, com maior ou menor autonomia dos médicos no respeitante às questões clínicas. Estas práticas tiveram resultados diferentes segundo os países. No melhor dos casos, parecem poder responder às necessidades clínicas a um custo razoável através de prestações de boa qualidade. Implicam, no entanto, muitas vezes listas de espera e parecem favorecer um estilo de serviço brusco e impessoal. No pior dos casos, traduzem-se numa sobrecarga e numa qualidade medíocre dos serviços fornecidos em instalações em mau estado por um pessoal pouco motivado. Acontece também que os serviços públicos de saúde sejam corrompidos por «luvas» que os doentes pagam aos médicos. Na altura da redacção deste relatório, os antigos países comunistas da Europa central e oriental começavam a desmantelar os seus serviços de saúde monolíticos e autocráticos, financiados e assegurados pelo Estado, para os substituir por regimes de carácter mais liberal. O caso dos Länder da antiga Alemanha de Leste é examinado no capítulo 5. PROBLEMAS ACTUAIS DO FINANCIAMENTO E DA PRESTAÇÃO DOS CUIDADOS Os sete países estudados adquiriram já muita experiência para chegarem a dispositivos de financiamento e de prestação de cuidados que combinem as vantagens do mercado e as das instituições públicas, evitando ao mesmo tempo os 23 inconvenientes de um e das outras. A panóplia de disposições que adoptaram permitiu-lhes atingir alguns dos seus objectivos. Não obstante, a avaliar pela importância das reformas introduzidas nos anos 80, sem falar do debate político que suscitaram, a maior parte dos governos não está ainda satisfeita com os resultados do funcionamento do seu sistema de saúde. Os sete países conseguiram oferecer um acesso universal ou quase universal a cuidados de saúde primários de alta qualidade, muitos deles, independentemente dos recursos dos doentes. A maior parte destes países consegue agora, numa certa medida, dominar as despesas. Apesar disso, estes países continuam a confrontar-se com uma série de dificuldades no que diz respeito à eficácia, ao custo e à equidade da prestação e do financiamento dos cuidados. A importância destas dificuldades varia segundo os países, mas elas compreendem: – a continuação de um crescimento rápido das despesas de saúde em alguns países e pressões tendentes a aumentá-las em todos eles; – preocupações causadas por um sobreconsumo dos cuidados e uma supermedicalização dos problemas sociais em certos países; – preocupações com a insuficiência e o carácter impessoal dos cuidados e a falta de reacção dos prestadores em certos países; – um crescente alongamento das listas de espera em certos países; – variações importantes e inexplicáveis da actividade e dos custos unitários de um país para outro e no interior dos países; – uma preocupação provocada pela ausência de coordenação entre os prestadores de cuidados na maior parte dos países; – injustiças que subsistem nos domínios da saúde, do acesso aos cuidados e do seu reembolso em vários países. Algumas das circunstâncias que estão, talvez, na origem destes problemas escapam, mais ou menos, ao controlo dos governos. Outras, pelo contrário, relevam da sua competência e parecem poder constituir objecto, pelo menos em princípio, de reformas. Outros ainda parecem ocupar uma posição intermédia. Escapam mais ou menos ao controlo do governo: – as variações do estado de saúde dos indivíduos que resultam de factores biológicos, sociais e culturais; – o envelhecimento da população que tende a aumentar as despesas porque as pessoas idosas são as maiores utilizadoras de serviços; – a procura de cuidados médicos dum nível cada vez mais elevado que tem incidência sobre os serviços financiados por fundos públicos; e 24 – o progresso contínuo das tecnologias médicas geradoras de um aumento das despesas. Estes problemas põem-se, em diferentes graus, em todos os países da OCDE. A insuficiência de informações sobre o produto final dos serviços – por outras palavras, a influência que têm os serviços médicos sobre a saúde em si mesma – é um dos domínios que parece só relevar em parte do governo. Este é, talvez, o principal obstáculo a uma melhor gestão e à reforma dos sistemas de saúde. A questão de saber se isso deriva das dificuldades técnicas de medição dos resultados obtidos no plano da saúde ou deriva, antes, da forma como as informações clínicas são monopolizadas pelo corpo médico é discutível. Também aqui, a falta de informação sobre a eficácia dos serviços de saúde afecta todos os países da OCDE. Os factores que parecem relevar principalmente da competência dos governos e que podem constituir objecto de reformas são os seguintes: – carácter inadequado dos incentivos financeiros oferecidos aos prestadores; – práticas monopolistas e restritivas nefastas dos prestadores; – estruturas orgânicas e de gestão inapropriadas; – concepção medíocre dos mecanismos de regulação; e – lacunas a que se pode dar remédio no respeitante às informações sobre a eficácia e os custos. Estes problemas precisos variam conforme os países e foi em domínios como estes que os governos concentraram os seus esforços de reforma. Se bem que estes factores se prestem, em princípio, a reformas, os governos estão embaraçados pelo facto de não saberem bem que combinação de incentivos e de regulamentações poderia motivar melhor os prestadores. Não existe nenhum guia inteiramente fiável do comportamento dos médicos ou dos grandes organismos de fim não lucrativo que são os hospitais. No caso dos médicos, três modelos plausíveis, pelo menos, do seu comportamento foram enunciados (Tussing, 1985): – o modelo do «mandatário»: o médico fornece a perícia técnica e age unicamente no interesse do doente. Se o doente tira, ele próprio, o dinheiro do seu bolso, isto quererá dizer que ele será ajudado a escolher tratamentos que equilibrarão as vantagens prováveis dos cuidados e as despesas prováveis; – o modelo de interesse pessoal: o médico é nitidamente motivado pelo desejo de optimizar a combinação dos seus rendimentos e dos seus tempos livres; – o modelo da ética médica: o médico é motivado, antes de mais nada, pelo desejo de fazer tudo o que puder pelo doente, custe o que custar. 25 O estudo parte do princípio de que o comportamento da maior parte dos médicos é ditado por uma conjugação destes motivos. É a razão por que uma grande parte do relatório diz respeito à procura de soluções que recompensem os médicos e os outros prestadores tanto financeira como profissionalmente quando eles se preocuparem, como sempre fizeram, com o interesse do doente, mas tendo em linha de conta os custos. Por outras palavras, o seu objectivo é encorajar um comportamento rendível para a sociedade. Felizmente, pode-se demonstrar que não há, inevitavelmente, conflito entre a ética médica e a eficiência económica (Williams, 1989). Na introdução de reformas, os governos defrontam-se, também, com obstáculos políticos temíveis que se opõem a mudanças nos grandes sistemas públicos. Mesmo quando estão convencidos da superioridade técnica de novos sistemas, os governos não se encontram sempre em posição de força para introduzirem modificações. Um modelo útil da estrutura política do sistema de saúde faz a distinção entre três grupos de interesses principais: o dos consumidores, o de uma procura de racionalidade pela administração e o dos profissionais em situações de monopólio (Alford, 1975). O grupo dos consumidores é, muitas vezes, o mais fraco e o dos profissionais em situação de monopólio muitas vezes o mais forte. Ao procurarem racionalidade de administração, os governos são, muitas vezes, obrigados a abordar com prudência as reformas de saúde. Isto é tanto mais verdadeiro quanto, muitas vezes, os consumidores alinham ao lado dos profissionais em oposição às mudanças. Bibliografia Alford, R. (1975), Health Care Politics, University of Chicago Press. Barr, N. (1990), Economic Theory and the Welfare State: A Survey and Reinterpretation, Welfare State Programme, Documento de Estudo nº 54, London School of Economics and Political Science. Culyer, A. J. (1989), «The Normative Economics of Health Care Finance and Provision», Oxford Review of Economic Policy, Vol. 5, nº 1. McPherson, K. (1990), «Variations entre pays des pratiques médicales», in Les systèmes de santé: A la recherche d'efficacité, OCDE, Paris. Payer, L. (1989), Medicine and Culture, Londres, Victor Gollancz. Raffel, M. W. (1984), Comparative Health Systems, Pennsylvania State University. Tussing, A. D. (1995), Irish Medical Care Resources: An Economic Analysis, The Economic and Social Research Institute, Dublin, Documento 126, Novembro. Williams, A. (1989), Creating a Health Care Market: Ideology, Efficiency, Ethics and Clinical Freedom, NHS White Paper Occasional Paper 5, University of York, Março. 26 Capítulo 2 SUBSISTEMAS DE FINANCIAMENTO E DE PRESTAÇÃO DOS CUIDADOS MÉDICOS INTRODUÇÃO Os sete países que figuram neste estudo têm, à primeira vista, métodos muito diferentes de financiamento, de organização e de regulação dos seus serviços de saúde. Diferem quanto à medida em que se baseiam no pagamento directo pelos doentes, no seguro privado, no seguro social e no imposto para financiarem os serviços de saúde. Diferem quanto aos métodos de remuneração dos prestadores por organismos terceiros. Diferem, também, quanto à medida em que o governo se encarrega ele próprio da prestação dos cuidados ou a deixa em mãos privadas. Diferem ainda quanto à medida em que a regulação é do tipo dirigista ou visa favorecer e canalizar as forças do mercado ou assimiladas. Estas diferenças podem parecer limitar a utilidade de um estudo comparativo das reformas dos sistemas de saúde. Um exame mais atento revela, todavia, que, apesar desta aparente diversidade, os sete sistemas de saúde são constituídos a partir de um pequeno número de subsistemas de financiamento, de pagamento e de regulação, dos quais alguns tendem a predominar. Para bem compreender os sistemas nacionais e as recentes reformas que lhes foram aplicadas, seria útil identificar os mais correntes e formular hipóteses quanto às suas vantagens e aos seus inconvenientes em relação aos objectivos mencionados no capítulo anterior. Os modelos propostos por Evans (1981) podem ser utilizados para identificar os subsistemas e para descrever integralmente os sistemas dos sete países. Estes modelos resumem diferentes interacções entre cinco principais grupos de actores: a) os consumidores/doentes; b) os prestadores do primeiro recurso (como os médicos generalistas ou os farmacêuticos que vendem medicamentos); c) os prestadores de segundo recurso (como a maior parte dos serviços hospitalares e os farmacêuticos que aviam medicamentos receitados); d) as caixas de seguro (ou terceiros pagadores); e) o Estado enquanto regulador do sistema. As principais interacções entre esses cinco actores ocorrem nos domínios seguintes: prestação dos serviços, orientação dos doentes por prestadores de primeiro recurso para os de segundo recurso; pagamento das prestações; pagamento dos prémios de seguro; reembolso das despesas pelo seguro e diversas formas de regulação aplicadas pelo Estado. Os modelos são muito simplificados, mas ajudam a identificar os elementos-chave que se encontram correntemente em diferentes países. 27 SUBSISTEMAS DAS FONTES DE FINANCIAMENTO E DOS MÉTODOS DE PAGAMENTO DOS PRESTADORES Antes de estudar as diversas regulamentações públicas, é preciso examinar os principais subsistemas de fontes de financiamento e de métodos de pagamento dos prestadores. Podem-se destacar duas fontes principais de financiamento: o financiamento voluntário e o financiamento obrigatório (ou público); quatro métodos principais de remuneração dos prestadores de cuidados; pagamento pelo consumidor não segurado; pagamento pelo consumidor que é reembolsado pelo seu seguro; pagamento indirecto por terceiros em virtude de contratos de igual para igual; ou por meio de orçamentos e de salários no interior de uma organização integrada. Uma das oito combinações de financiamento e de pagamento que daí resultam (pagamento integrado obrigatório pelo doente) encontra-se, na realidade, muito raramente. Os sete modelos restantes são os seguintes: – pagamento voluntário integral pelo doente; – o modelo de reembolso (do doente) por um seguro voluntário (para evitar confusões, o termo «reembolso» não é utilizado neste trabalho senão no sentido de restituição aos doentes de somas por eles desembolsadas, o que corresponde ao uso francês e britânico); – o modelo de reembolso (do doente) por um regime público obrigatório; – o modelo de seguro voluntário com contrato; – o modelo de seguro público obrigatório com contrato; – o modelo voluntário integrado; – o modelo público integrado. Estes modelos, assim como diversos métodos de regulação pelo Estado, são expostos adiante, pormenorizadamente. Outras distinções desempenham um papel complementar nesta taxonomia. Em primeiro lugar, os sistemas obrigatórios com terceiro pagador são de duas ordens: os que são financiados principalmente por contribuições baseadas sobre os salários e administrados por caixas de doenças quase autónomas e os que são financiados principalmente pelo imposto e administrados por organismos públicos centrais ou locais. Em segundo lugar, os métodos de pagamento dos prestadores dividem-se em: honorários por acto; capitação (remuneração fixa por doente inscrito para um período determinado); e salários (pagamento por tempo decorrido). Podem-se descrever os dois primeiros métodos como estando ligados à prestação ou como permitindo «ao dinheiro seguir o doente» – o que é mais verdadeiro para os honorários por acto do que para a capitação. Em terceiro lugar, os métodos de pagamento dos hospitais dividem-se em: pagamento por doente, pagamento por dia 28 e orçamentos fixos globais. Ainda aqui, os dois primeiros métodos podem ser considerados como sendo função da prestação ou como permitindo «ao dinheiro seguir o doente». Finalmente, os prestadores de cuidados médicos repartem-se da seguinte forma: profissionais liberais e estabelecimentos independentes e profissionais assalariados e estabelecimentos públicos. Mas esta última distinção torna-se pouco nítida quando se trata de médicos assalariados que conservam a sua autonomia profissional. O modelo de pagamento voluntário integral pelos doentes O gráfico 2.1 expõe a forma mais simples e mais antiga do mercado dos cuidados privados sem seguro, mas em que as transacções entre consumidores (à esquerda) e prestadores do primeiro recurso e prestadores intervenientes após orientação (à direita) se fazem directamente segundo um modo de pagamento por acto. Os traços contínuos correspondem aos fluxos de prestações, os tracejados aos fluxos financeiros e os traços ondulados aos fluxos de orientação. Gráfico 2.1 – Sistema de pagamento voluntário dos cuidados médicos pelos doentes. Os prestadores de primeiro recurso e os prestadores intervenientes após orientação são apresentados como sendo múltiplos, a fim de mostrar que existe, geralmente, entre eles, uma concorrência devida à pressão dos consumidores (muitas vezes sujeita a restrições respeitantes a publicidade, a concorrência em matéria de preços e a outros factores). Conjugado com os gráfico 2.2 a 2.7, o gráfico 2.1 poderia também servir para ilustrar a participação nos custos no quadro de um seguro de doença voluntário ou obrigatório. 29 O doente gasta em função da sua capacidade de pagamento. Quando os seus rendimentos são insuficientes ou quando as despesas de saúde são imprevistas e catastróficas, este modelo não poderá permitir um acesso suficiente e equitativo aos serviços de saúde nem uma protecção suficiente dos rendimentos. Postos de lado estes problemas de distribuição e de riscos, pode-se duvidar da eficácia macroeconómica e microeconómica deste sistema. O consumidor estará plenamente consciente dos custos e terá, em geral, a escolha do prestador, mas não é certo que o consumidor seja realmente soberano, nem que ocorra uma concorrência efectiva, devido ao carácter assimétrico do conhecimento entre doentes e prestadores e à posse por estes de um poder monopolista colectivo. Este modelo parece o mais indicado quando se trata de despesas de saúde menores e de rotina. Dada a prevalência do sistema do terceiro pagador, o modelo de pagamento pelo doente não ocupa hoje senão um lugar secundário nos sistemas de saúde descritos neste relatório. Ele é universalmente utilizado para a compra de medicamentos sem receita e para a comparticipação nos custos no caso de medicamentos aviados por receita. As consultas médicas privadas são, muitas vezes, pagas pelo doente. Na Irlanda, mais de metade da população paga as consultas dos médicos generalistas. O modelo de seguro voluntário com reembolso dos doentes O funcionamento dos mercados privados de cuidados médicos pode ser melhorado pela instituição de seguro voluntário, mas este sistema tende, em geral, a ter efeitos secundários nefastos. O gráfico 2.2 mostra o funcionamento do sistema «clássico» do seguro voluntário do tipo «indemnização», que implica o reembolso aos doentes das suas despesas médicas e uma ingerência mínima nas transacções entre médicos e doentes como as que são representadas no gráfico 2.1. Esta fórmula caracteriza-se por: o pagamento directo por acto dos prestadores pelos consumidores; a concorrência entre seguradores; prémios ligados aos riscos; a ausência de vínculos entre seguradores e prestadores; o reembolso pelos seguradores das despesas médicas efectuadas pelos doentes no respeitante aos riscos cobertos pela sua apólice de seguro. Pode muito bem haver partilha dos custos entre doentes e seguradores. 30 Gráfico 2.2 – Seguro voluntário com reembolso dos doentes Deve-se fazer a distinção, no esquema que corresponde aos consumidores, entre a população que paga prémios e os consumidores/doentes que recorrem aos serviços de saúde. O modelo de seguro voluntário com reembolso dos doentes é preferível ao modelo de pagamento integral na medida em que os consumidores podem pôr em comum os riscos de despesas médicas imprevistas. Os doentes beneficiarão de uma certa protecção, pagando um prémio de determinado montante para eliminar a incerteza quanto à eventualidade, quer de conservarem rendimentos mais elevados (se permanecerem de boa saúde), quer de perderem dinheiro (se ficarem doentes e tiverem de fazer despesas médicas). Estas vantagens são, no entanto, reduzidas por despesas administrativas de tal ordem que é necessário geralmente aumentar de 10% o custo dos prémios em relação a um montante actuarialmente razoável. Esta fórmula apresenta, além disso, dois inconvenientes de grande importância. Em primeiro lugar, quando o consumidor está protegido por este tipo de seguro ou por outros, nada o incita a restringir a sua procura (donde a ideia de risco inerente); sabendo isso, os prestadores são incitados, num sistema de remunerações por acto, a suscitar a procura. A concorrência pode levar a aumentar o volume dos cuidados, a melhorar a sua qualidade e a aumentar os preços em vez de os reduzir. É a razão por que o modelo de reembolso se acompanha geralmente de uma participação nas despesas. A tendência para aumentar excessivamente as despesas reforçar-se-á se governos bem intencionados concederem uma dedução fiscal para os prémios de seguro de doença. O segundo inconveniente maior reside no facto de que nada será feito para eliminar as iniquidades sistémicas. O acesso ao seguro será função dos meios 31 financeiros do indivíduo. Os seguradores, preocupados com realizar o máximo de lucros e rivalizar com os seus concorrentes, sentem-se tentados a não segurar senão os indivíduos que apresentam poucos riscos ou a agravar os prémios correspondentes aos grandes riscos. As pessoas que sofrem já de certas afecções arriscam-se a enfrentar a recusa da possibilidade de se segurarem contra elas. Se o funcionamento dos seguros faz aumentar o preço dos cuidados, os grupos de fracos rendimentos correm o risco de sofrer com isso. Este sistema, qualificado de clássico por referência às obras americanas, era relativamente raro na Europa antes da introdução dos sistemas públicos de seguro de doença. Os sistemas de seguro voluntário que predominavam eram antes do tipo contratual ou integrado e forneciam prestações em espécie – precursores das redes de cuidados (ver adiante). Mas o sistema de reembolso encontrou muitas vezes, o seu lugar após o aparecimento dos regimes públicos. Encontram-se, hoje, fórmulas que se aproximam deste modelo no sector privado do Reino-Unido e dos Países Baixos. O modelo de seguro obrigatório com reembolso dos doentes O seguro público permite enfrentar os problemas de equidade e de selecção dos riscos que estão ligados ao seguro voluntário de doença ao tornar obrigatório o pôr em comum dos riscos, ao fixar as contribuições em função dos rendimentos e ao subsidiar as contribuições das categorias desfavorecidas («solidariedade»). O gráfico 2.3 representa o sistema de seguro público que assenta no mesmo princípio de reembolso que o precedente e comporta os seguintes aspectos: pagamento directo por acto dos prestadores pelos doentes; contribuições obrigatórias ligadas aos rendimentos; caixas de seguro de doença não concorrenciais; ausência de vínculos entre as caixas de seguro de doença e os prestadores; reembolso pelas caixas de seguro de doença das despesas médicas dos doentes cobertas segundo as modalidades do regime. Pode muito bem haver partilha das despesas entre os doentes e as caixas de seguro. Estas são, por vezes, diferentes segundo as profissões, os ramos de actividade ou as localidades; pode mesmo haver, para os consumidores, escolha entre as caixas, mas, se se quiser preservar a solidariedade, as taxas de contribuição devem ser uniformes e as subvenções cruzadas entre as caixas. É por isso que as caixas de seguro de doença não são apresentadas como múltiplas. Mas pode haver escolha dos prestadores pelos consumidores. 32 Gráfico 2.3 - Seguro obrigatório com reembolso dos doentes Este sistema pode ser concebido de forma a assegurar o grau de equidade desejado no acesso aos cuidados e o seu pagamento mediante contribuições obrigatórias. Doutro modo, tem tendência a apresentar os mesmos inconvenientes que os do seu equivalente do sector privado: risco inerente, procura induzida pelos prestadores e tendência para gastos administrativos elevados. Também aqui, pode-se atenuar o risco inerente instituindo uma participação obrigatória nas despesas ("ticket modérateur" em França). Sob outros pontos de vista, o sistema instaurado em França, nos anos 50, pareciase com este modelo mas, posteriormente, o Estado interveio para apoiar as caixas de seguro de doença, negociando tarifas de cuidados ao nível central com os médicos e outros prestadores independentes. Os regimes de seguro social belga e francês conservam elementos do modelo de seguro obrigatório. O modelo de seguro voluntário com contrato O sector privado na Europa criou, desde há muito, fórmulas de seguro de doença voluntário implicando relações contratuais entre seguradores e prestadores independentes que permitam a estes últimos (mas não aos outros) fornecer aos segurados serviços inteiramente gratuitos ou quase (Green, 1985; Abel-Smith, 1988). Foram elas as precursoras das redes de cuidados coordenados (HMO) que, nos Estados Unidos, celebram contratos com médicos ou grupos de médicos. O gráfico 2.4 mostra um modelo desse tipo, que comporta prestações fornecidas em espécie aos doentes, concorrência entre seguradores, prémios fixos e pagamentos directos por acto ou o pagamento pelos terceiros aos prestadores de um montante fixo por segurado. Os prestadores são indicados como múltiplos por meio de 33 tracejado para chamar a atenção para o facto de a concorrência ser dirigida mais pelos seguradores do que pelos consumidores. Este modelo apresenta-se sob diferentes formas: os seguradores podem estar sob o controlo dos consumidores (como nas primeiras mutualidades europeias); podem estar sob o controlo de médicos ou de outros prestadores (como nas associações contemporâneas de profissionais liberais, nos Estados Unidos) ou de organizações privadas independentes ao mesmo tempo dos consumidores e dos médicos. As prestações deste tipo de regime podem cobrir apenas os cuidados dos prestadores de primeiro recurso ou cobrir, ao mesmo tempo, os cuidados primários e os cuidados hospitalares. Este modelo apresenta duas características importantes: a escolha do consumidor limita-se, em geral, aos prestadores sob contrato e os seguradores têm, ao mesmo tempo, a motivação e os meios para negociarem cuidados económicos mas de alta qualidade para os consumidores. Se forem oferecidos cuidados hospitalares no quadro deste modelo, os médicos de primeiro recurso podem ser encarregados por contrato de desempenhar um papel de triagem. Os regimes voluntários de seguro de doença apresentam maiores probabilidades que o seguro «clássico» de assegurar a eficácia macro e microeconómica, graças ao contrapeso que representam os seguradores e a triagem realizada pelos médicos de primeiro recurso. Nas mãos dos médicos remunerados por acto, há o risco de que estas probabilidades não se concretizem (Enthoven, 1988). As pesquisas já antes efectuadas no Reino Unido (Green, 1985), assim como os estudos contemporâneos realizados nos Estados Unidos (Enthoven, 1988), levam, todavia, a pensar que nas mãos dos consumidores e de seguradores independentes, sendo os médicos remunerados na base de um montante fixo por segurado, este modelo permite realizar importantes economias sem prejudicar a qualidade. 34 Gráfico 2.4 - Seguro voluntário com contratos seguradores/prestadores As despesas de administração são provavelmente menos elevadas do que no caso do seguro clássico. O inconveniente maior está em que ele não permite verdadeiramente garantir a equidade ou a solidariedade. Se bem que as mutualidades tenham desempenhado um papel histórico importante na Europa, os seus mercados tendiam a limitar-se aos assalariados e às pessoas a seu cargo, o que excluía do seguro faixas importantes da população. Por outro lado, as mutualidades não gozavam de boa aceitação junto das associações de médicos, devido ao poder que elas davam às colectividades de consumidores no mercado local, à ameaça de controlo por não-profissionais que elas faziam pesar sobre os médicos e ao seu poder de restringir a parte das prestações remuneradas por acto. Elas foram, portanto, afastadas em benefício das caixas de doença obrigatórias, do pagamento por acto ou de negociações centrais dos montantes fixos por segurado e da «livre escolha do médico» quando da instauração dos sistemas nacionais (Green, 1985; Abel-Smith, 1988). Segundo Abel-Smith, a supressão da concorrência que daí resultou é o preço que os governos tiveram, muitas vezes, de pagar para assegurar a todos uma cobertura médica. Nem por isso deixou de ser verdade que as organizações do tipo das associações de profissionais liberais e de consultório de grupo com pré-pagamento numa base fixa são ainda correntes no sector privado espanhol. O modelo de seguro público com contrato A concepção fundamental do modelo com contrato (ou convenção) foi introduzida na Europa nos regimes de seguro de doença obrigatório. O gráfico 2.5 ilustra um modelo público com contrato: prestações efectivadas em espécie aos 35 beneficiários; caixas de seguro de doença não concorrenciais; contribuições obrigatórias em função do rendimento; prestadores independentes pagos por acto directamente pela caixa de seguro de doença ou na base de um montante fixo por segurado. Também este modelo se apresenta sob várias versões. Pode ser financiado pelo imposto em vez de o ser por contribuições. A caixa de seguro de doença pode ser substituída no papel de terceiro pagador pelo Estado ou pela colectividade local, até mesmo pelos prestadores de primeiro recurso relativamente aos prestadores que intervêm após orientação. E os prestadores, sobretudo quando se trata de hospitais, podem ser organismos públicos. As principais características deste modelo residem no facto de os terceiros pagadores serem públicos e terem relações contratuais com os prestadores; por outras palavras, há separação entre financiadores e prestadores. É também corrente que a remuneração dos prestadores esteja, pelo menos em parte, ligada ao trabalho efectuado. Gráfico 2.5 - Seguro obrigatório com contratos seguradores/prestadores É (ou, em certos casos, foi) corrente nos regimes europeus de seguro social que os prestadores obtenham o direito de se vincular a qualquer caixa de seguro de doença segundo o princípio da «livre escolha do médico». Esta fórmula pode alargar a escolha do consumidor em relação ao modelo voluntário, mas tem o inconveniente de transformar as caixas locais de seguro de doença em centros de pagamento passivos que não podem exercer o seu poder monopsónico∗ à escala local. Os honorários e as tarifas dos cuidados são então geralmente negociados entre as associações regionais ou nacionais de caixas de seguro de doença (ou os organismos ∗ Consultar o Glossário no início da obra. N. da T. 36 públicos centrais) e os prestadores (monopólio bilateral). Quando isto se combina com a escolha do prestador pelo doente, conduz a uma concorrência induzida pelo consumidor quanto à quantidade e à qualidade das prestações mas não quanto aos preços. O modelo público com contrato apresenta muitos pontos comuns com a versão do seguro voluntário. Pode preservar a liberdade de escolha do prestador pelo consumidor, se bem que isso dependa da importância dos contratos negociados pelos terceiros. Não oferece geralmente a liberdade de escolha do segurador. A eficácia macroeconómica tende a tornar-se responsabilidade do Estado. Este sistema oferece grandes possibilidades de assegurar a eficácia microeconómica porque ele permite associar a concorrência conduzida pelo consumidor no plano da qualidade ao estabelecimento de incentivos e regulamentações apropriadas nos contratos celebrados entre seguradores e prestadores, estando todavia ambos sujeitos a obrigações de informação. Se a remuneração for fixa, provavelmente poderão ser realizadas economias em relação ao sistema de reembolso. As despesas de administração serão também provavelmente inferiores às do sistema de reembolso. Sendo obrigatório, o sistema de contratos pode ser concebido de forma a garantir uma cobertura universal e o grau de equidade desejado. Sob formas diferentes, é agora o sistema predominante para os médicos de primeiro recurso na Alemanha, na Irlanda, nos Países Baixos e no Reino Unido e para os hospitais na Alemanha, na Bélgica, nos Países Baixos e no Reino Unido. Desempenha também um papel no pagamento dos prestadores do primeiro recurso, na Bélgica e em França. É, além disso, um modelo que continua a desenvolver-se e em volta do qual está centrada grande parte das reformas de que se trata nos capítulos 3 a 9. O modelo de seguro voluntário integrado Quando os sistemas de cuidados médicos foram introduzidos na Europa, certos grupos de consumidores e certos seguradores consideraram preferível empregar médicos assalariados e ser proprietários dos seus estabelecimentos de cuidados primários, ou mesmo dos seus serviços hospitalares, em vez de celebrar contratos com prestadores independentes. Esta fórmula foi redescoberta seguidamente nos Estados Unidos com o que se chama grupos multidisciplinares pré-pagos (PGP). O gráfico 2.6 representa a versão voluntária deste sistema com prestações em espécie aos doentes; seguradores concorrenciais; prémios voluntários calculados ao nível do conjunto dos seguradores; a integração vertical entre seguradores e prestadores, com remuneração destes últimos na base de salários e de orçamentos globais. Também aqui, há vários prestadores indicados em linhas descontínuas para mostrar que os consumidores podem escolher os seus prestadores depois de terem escolhido o seu segurador e que é este que limita a escolha deles. 37 Gráfico 2.6 - Seguro voluntário com integração seguradores/prestadores Este sistema deixa ao consumidor a livre escolha do seu segurador mas não dos prestadores. Restringe a autonomia dos prestadores ao mesmo tempo que preserva uma certa liberdade clínica. Oferece boas oportunidades de melhorar a eficácia macro e microeconómica porque incita à concorrência; permite gerir as prestações de cuidados (através dos médicos de primeiro recurso que asseguram a triagem e através do contrato de prestação de serviços) e oferece a perspectiva de realizar economias nas despesas administrativas devido à integração vertical. Mesmo se este sistema incitar a subproduzir, este inconveniente é compensado pela necessidade de o segurador atrair aderentes e conservá-los no mercado concorrencial do seguro. Todavia, como no caso dos modelos de seguro voluntário com reembolso e com contrato, é improvável que este modelo atinja o nível desejado de protecção dos rendimentos dos grupos vulneráveis ou o grau desejado de equidade, porque o acesso a um tal sistema de seguro depende da capacidade de pagamento e os seguradores terão tendência a seleccionar os riscos para fazer face à concorrência. Este sistema não gozava de boa reputação junto dos sindicatos de médicos na Europa e não sobreviveu, sob a forma voluntária, à instauração dos sistemas nacionais de seguro obrigatório (Abel-Smith, 1988). O modelo de seguro obrigatório integrado A versão pública do modelo integrado foi, no entanto, largamente adoptada nos sistemas obrigatórios. O gráfico 2.7 ilustra esta versão com: prestações fornecidas em espécie aos doentes; terceiro pagador organizado pelas autoridades centrais ou locais; financiamento pelo imposto e pagamento dos prestadores na base de salários e de orçamentos globais. Neste caso, o Estado é ao mesmo tempo o principal segurador e o principal prestador (por exemplo, a Veterans Administration nos 38 Estados Unidos). São possíveis variantes deste modelo, designadamente com um financiamento por contribuições de seguro social e uma autonomia clínica maior ou menor. Geralmente, os consumidores não podem escolher o seu seguro quando se trata dum sistema público. A sua escolha dos prestadores é igualmente limitada. Todavia, mesmo quando o consumidor pode escolher o seu prestador, isso nem sempre lhe é financeiramente possível (ver adiante). A versão pública do modelo integrado distingue-se pela inexistência de escolha do segurador e de escolha (eficaz) do prestador pelo consumidor. Comparados com a versão voluntária do modelo integrado, os incentivos a subproduzir não são compensados pela necessidade de os seguradores conservarem a clientela dos segurados. Comparada com o modelo público com contrato, a escolha do prestador pelo consumidor e a do hospital pelo médico de primeiro recurso – se bem que possam existir – são, em princípio, impossíveis. O dinheiro não segue o doente quando os prestadores são pagos na base de salários e de orçamentos globais. Isto significa que o sistema tem efeitos perversos (Enthoven, 1985) no sentido de que os prestadores dinâmicos são recompensados por um acréscimo de trabalho, mas não por um aumento dos seus recursos, enquanto que os que o não são beneficiam de uma vida tranquila e de recursos não utilizados. As filas de espera para os cuidados são correntes e os doentes tendem a tornar-se mais pedinchões reconhecidos do que consumidores exigentes. Além disso, este modelo não incita os prestadores a reduziram ao mínimo os custos unitários. É assim, por exemplo, que quando um hospital não gasta bastante no decurso dum ano, a sua verba é, muitas vezes, reduzida no ano seguinte. 39 Gráfico 2.7 - Seguro obrigatório com integração seguradores/prestadores A eficácia macroeconómica torna-se responsabilidade do Estado e, dado o carácter integrado do sistema, é-lhe relativamente fácil manter o conjunto das despesas de saúde ao nível que desejar. O modelo integrado permite provavelmente realizar economias suplementares de administração em relação ao modelo do contrato. Devido ao seu carácter obrigatório, permite assegurar uma cobertura universal e o grau de equidade desejado. É o modelo dominante em Espanha e nos hospitais públicos em França e na Irlanda e era, recentemente, ainda o modelo aplicado em relação ao hospitais públicos do Reino Unido. Uma versão totalitária era, praticamente, o único modelo existente na Alemanha de Leste antes da reunificação. Sistemas mistos Como o mostrarão os capítulos 3 a 9, os sete países têm todos sistemas de saúde que combinam vários destes sete subsistemas de financiamento e de prestação de cuidados. Há boas razões para isso. Os sistemas voluntários podem desempenhar o papel de válvula de segurança para os sistemas obrigatórios. Uma participação moderada nas despesas pode atenuar os efeitos de incitação ao consumo que resultam de uma cobertura generosa por um terceiro pagador, em particular no modelo de reembolso (van de Ven, 1983). O modelo de seguro público com contrato tem boa reputação no que diz respeito aos cuidados ambulatórios, provavelmente porque preserva a independência dos médicos. O modelo de assistência obrigatória integrado é apreciado no domínio dos cuidados hospitalares, em parte porque favorece o controlo das despesas. Todos os sistemas nacionais são, no entanto, dominados por apenas um ou dois destes subsistemas. 40 Em primeiro lugar, os modelos voluntários acabaram por já não desempenhar senão um papel menor ou complementar em todos os países, com excepção dos Países Baixos, onde o modelo de reembolso privado desempenhava ainda um papel importante no final dos anos 80. Em segundo lugar, entre os modelos obrigatórios, o modelo público com contrato e o modelo público integrado predominam, completados, na melhor das hipóteses, por uma pequena participação nos custos. Se bem que a Bélgica e a França utilizem ainda numa certa medida o modelo público de reembolso, este foi fundido com o modelo público com contrato ou, no caso dos hospitais públicos em França, suplantado pelo modelo integrado. A Alemanha, os Países Baixos e, mais recentemente, o Reino Unido recorrem principalmente ao modelo público com contrato. A Espanha utiliza, sobretudo, o modelo integrado e a Irlanda uma combinação dos dois. DIVERSIDADE DE REGULAÇÃO PELOS PODERES PÚBLICOS As variações de regulação dos sistemas de saúde pelos poderes públicos não foram ainda aqui examinadas. Do ponto de vista deste estudo, a distinção mais importante que parece dever ser feita é a diferença que existe entre: – as medidas governamentais que encorajam o jogo dos mecanismos do mercado e a auto-regulação; e – a intervenção governamental de tipo totalmente dirigista. As medidas tendentes a favorecer a auto-regulação podem ser descritas globalmente como medidas «a favor do mercado» e da «concorrência». Têm geralmente por objectivo a autonomia local dos consumidores, dos seguradores e dos prestadores, um bom equilíbrio dos poderes entre eles e dos incentivos a consumir, financiar e oferecer as prestações médicas de uma maneira eficaz em relação aos custos. A intervenção dirigista do Estado visa geralmente suplantar as forças do mercado ou levar a melhor sobre elas. Pode: especificar a cobertura das políticas de seguro, regulamentar as adesões e os prémios, controlar a quantidade, a qualidade e o preço dos serviços, fixar os salários e planificar as capacidades. De facto, todos os sistemas sobre que incide este estudo – com a provável excepção do da Alemanha de Leste antes da reunificação – conjugam os dois tipos de regulação. Numa certa medida, a combinação exacta depende da ideologia dos governos passados e presentes. Mas ela depende igualmente dos modelos predominantes de financiamento e de prestação. É difícil a um mercado livre dos cuidados médicos auto-regular-se. Devido à assimetria entre o conhecimento dos doentes, por um lado, e o dos profissionais de saúde, por outro, os sete governos concederam aos médicos (e outros profissionais de saúde) monopólios colectivos de oferta com auto-regulação em troca da adopção e do respeito de regras profissionais de ética. Para que não seja feito um uso abusivo 41 destes monopólios, pode ser necessária uma certa regulação pela concorrência. Como o seguro de doença privado tende a enfermar da selecção dos riscos e do risco inerente, e como este último pode ser neutralizado no modelo de seguro voluntário com contrato e nos modelos integrados, é possível que os governos introduzam medidas favoráveis à concorrência para encorajar o desenvolvimento destes modelos, sobretudo se eles puderem ser benéficos para os programas públicos que experimentam dificuldades em conter as despesas. Por outro lado, os governos podem intervir nos mercados privados de cuidados médicos através de regulamentações de tipo dirigista. Na Irlanda, por exemplo, o seguro de doença voluntário é assumindo por um segurador único, quase público, que impõe tabelas idênticas para todos. Nos Países Baixos, foi pedido aos seguradores privados que fornecessem o seguro de base a tarifas fixas para certas pessoas de alto risco que não preenchem as condições previstas para beneficiar de seguro público. No Reino Unido, todavia, onde o seguro de doença privado desempenha um papel estritamente complementar, o mercado dos seguros privados está relativamente pouco regulado. Nos casos em que os governos introduziram um financiamento público, adquiriram geralmente o controlo da função correspondente do seguro de doença – mais no caso de sistemas financiados a nível central do que no das caixas de seguro de doença quase independentes. Apesar disso, o modelo de reembolso público depara geralmente com problemas de contenção dos custos devido à sua falta de influência sobre os prestadores. Isto pode conduzir a uma regulação pormenorizada indirecta pelo Estado, por exemplo, da capacidade dos prestadores e dos preços que estão autorizados a pedir. O modelo de seguro público com contrato é menos vulnerável aos problemas de contenção das despesas e muito mais susceptível de auto-regulação local, sobretudo se os seguradores puderem exercer um poder monopsónico∗, se o dinheiro seguir o doente e se for estimulada a concorrência entre os prestadores. A Alemanha é um exemplo disso. O modelo integrado traz consigo um controlo do Estado sobre os seguradores e os prestadores. Paradoxalmente, este modelo pode coexistir com uma maior autonomia clínica que outros modelos (Schuls e Harrison, 1986) e com uma melhor delegação de poderes nos organismos locais de gestão, visto que assegura um quadro sólido de domínio das despesas. ∗ Consultar o Glossário no início da obra. N. da T. 42 RESUMO DAS HIPÓTESES SOBRE O DESEMPENHO DOS SUBSISTEMAS Efectuaram-se avaliações preliminares dos subsistemas de financiamento, de pagamento e de regulação dos cuidados médicos à luz dos objectivos políticos examinados no capítulo precedente. Decorrem daí algumas hipóteses sobre os desempenhos dos subsistemas, que serão úteis por ocasião do exame dos sistemas e das suas reformas nos capítulos 3 a 9. Ressaltam três pontos principais: todos os modelos voluntários têm dificuldade em atingir objectivos de adequação e de distribuição; os dois tipos de modelos de reembolso têm dificuldade em atingir o objectivo de contenção das despesas; há dúvidas quanto à aptidão do modelo público integrado para atingir os objectivos microeconómicos. Entre os sete subsistemas, foi o modelo de contrato público que recebeu a nota mais elevada. Quanto a todos os modelos, há um ponto de interrogação relativamente ao objectivo dos resultados no plano da saúde, porque não há praticamente provas de que um modelo seja melhor que outro sob este ponto de vista. A incerteza quanto aos resultados no plano da saúde é um obstáculo com que esbarram todos os governos nos seus esforços para melhorarem os desempenhos dos seus sistemas de saúde. Bibliografia Abel-Smith, B. (1988), «The Rise and Decline of the Early HMOs: Some International Experiences», The Milbank Quarterly, Vol.66, nº4. Evans, R.G. (1981), «Incomplete Vertical Integration: The Distintctive Structure of HealthCare Industry», in J. Van der Graar e M. Perlman (dir. Publ.), Health, Economics and Health Economics, Países Baixos, Amsterdão. Enthoven, A.C. (1985), Reflections on the Management of the National Health Service, Nuffield Provincial Hospitals Trust, Londres. Enthoven, A.C. (1988), Theory and Practice of Managed Competition in Health Care Finance, Amesterdão. Green, D.G. (1985), Working Class Patients and the Medical Establishment, Gower. Shultz, R. e Harrison, S. (1986), «Physician Autonomy in the Federal Republic of Germany, Great Britain and the United States», International Journal of Health Planning and Management, Vol. 2. van de Ven, W.P.M.M. (1983), «Effects of Cost-Sharing in Health Care», Effective Health Care, Vol.1, nº1. 43 Capítulo 3 A REFORMA DO SISTEMA DE SAÚDE NA BÉLGICA1 INTRODUÇÃO O sistema de saúde belga, como o sistema francês, pode ser descrito como uma combinação de seguro de doença nacional e de medicina liberal. O seguro de doença obrigatório cobre os grandes riscos do conjunto da população, e tanto os pequenos riscos como os grandes riscos de 85% da população. Cinco mutualidades (caixas de seguro de doença privadas sem fim lucrativo ou organismos de previdência) e uma caixa pública única asseguram a cobertura. Os doentes têm a liberdade de escolher o seu médico e, na sua maior parte, os prestadores são independentes e remunerados por acto. A primeira parte deste capítulo descreve a organização e o financiamento deste sistema. Se bem que não tenha havido uma refundição radical do sistema de saúde no decurso da última década, o governo introduziu, no entanto, um certo número de modificações importantes no sistema, no decurso dos anos 80. No essencial, estas modificações tinham como objectivo conter a progressão das despesas de saúde. Uma segunda parte deste capítulo examina o contexto em que se inscrevem as reformas, a saber nomeadamente a dificuldade de conter os custos e a necessidade de aumentar as receitas, para além das fraquezas estruturais inerentes ao sistema. Alguns dos principais ajustamentos feitos são aqui assinalados. São seguidamente estudados aspectos respeitantes ao crescimento das despesas de saúde e à eficácia do sistema, tanto do ponto de vista dos objectivos visados pelo governo em matéria de saúde como por comparação com os seis outros países deste estudo. Duas grandes questões dominam o debate sobre a política de saúde na Bélgica: como conter o custo da saúde no contexto do seguro de doença? E quem, no plano financeiro, suportará o agravamento do peso das despesas de saúde? Este capítulo termina com a apresentação de uma reforma introduzida recentemente, destinada a assegurar a contenção dos custos, que constituirá talvez a melhor maneira, a longo prazo, de preservar as vantagens da medicina liberal. DESCRIÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE Para retomar a tipologia apresentada no capítulo 2, o sistema saúde belga aparentase, ao mesmo tempo, com o sistema de reembolso público e com o sistema público de contrato. Os doentes pagam a maior parte dos cuidados ambulatórios e são, em parte, reembolsados pelas mutualidades. O essencial das despesas hospitalares é pago 44 directamente pelas mutualidades aos hospitais. A maior parte dos profissionais de saúde é independente e existem simultaneamente hospitais públicos e hospitais privados. O sistema está, ao mesmo tempo, submetido à regulamentação pelo poder público (aos níveis central e regional) e à auto-regulação dos seguradores e dos prestadores. O modo de organização do sistema reflecte a particularidade cultural e linguística do país, visto que há, por um lado, a Flandres, onde se fala neerlandês e, por outro lado, a Valónia, onde se fala francês, e Bruxelas, dita bilingue, gozando cada região de uma certa autonomia. O gráfico 3.1 descreve o modo de organização e de financiamento do sistema. Em baixo, à esquerda, figura a população, na qual a maior parte dos indivíduos se toma, mais cedo ou mais tarde, doente. Em baixo, à direita, figuram os prestadores, essencialmente independentes. No cimo do diagrama estão indicados os organismos terceiros pagadores. Os fluxos de serviços são indicados por linhas contínuas, e os fluxos de financiamento por tracejados. Os prestadores foram repartidos em várias categorias: serviços públicos de saúde; farmacêuticos independentes; profissionais independentes que asseguram cuidados ambulatórios; hospitais privados sem fins lucrativos, hospitais públicos; e casas de repouso e centros de cuidados de longa permanência. Seria necessário citar, além destes, as residências para pessoas idosas e os serviços de apoio no domicílio, que só em parte são financiados pelo seguro de doença e que não aparecem no diagrama. Os organismos terceiros pagadores foram repartidos em três categorias: as mutualidades no seu papel de prestadores de seguro obrigatório; as mutualidades no seu papel de prestadores de seguro complementar; e as companhias de seguros privadas. 45 Gráfico 3.1 – Esquema do funcionamento do sistema de saúde da Bélgica em 1987 (milhares de milhões de francos belgas) Fonte: HIVA, 1988. O total dos pagamentos efectuados a favor dos prestadores foi de 417 milhares de milhões de francos belgas, em 1987. Deste total, 36% foram financiados pelas contribuições para a segurança social, 39% pelo imposto, 10% correspondem ao défice da segurança social e a pagamentos diversos em benefício da segurança social, 3% foram financiados pelo seguro de doença voluntário e 12% estiveram a cargo dos doentes. Dos 88% suportados pelos seguros, cerca de dois terços correspondiam a pagamentos directos aos prestadores e aproximadamente um terço a reembolsos de quantias pagas pelos doentes (Wouters et al., 1988)2. RELAÇÕES ENTRE OS DOENTES E OS PRESTADORES Cuidados médicos ambulatórios Tanto os generalistas como os especialistas são profissionais independentes, remunerados por acto. Em geral, exercem isoladamente. Muitas vezes, dão consulta nos seus próprios consultórios e, se se trata de especialistas, nos serviços de consultas externas dos hospitais. O doente tem a liberdade de se dirigir, quer a um generalista, quer a um especialista, para uma consulta de cuidados primários. A remuneração recebida pelo especialista não é reduzida por se tratar de uma consulta de cuidados primários. Em parte porque o número de médicos em relação ao número de habitantes é elevado, os cuidados médicos ambulatórios são muito concorrenciais e os médicos parecem muito receptivos às expectativas dos doentes. Os generalistas fazem mais 46 visitas ao domicílio do que consultas no seu consultório. Os doentes raramente têm que esperar mais do que algumas horas pela visita do generalista depois de lhe terem telefonado (Nys e Quaethoven, 1984). No entanto, a ética médica leva a que haja muito pouca concorrência ao nível dos preços, pelo menos entre generalistas (Nonneman, 1990). O doente paga honorários (425 francos belgas por uma consulta de generalista, 558 francos belgas por uma visita ao domicílio e 713 francos belgas por uma consulta de especialista clássica, em 1989) em função de uma tabela estabelecida de comum acordo entre os representantes da profissão médica e as mutualidades; é, em parte, reembolsado por uma mutualidade mediante a apresentação da factura. No caso dos generalistas, a tarifa é inferior para os médicos que não seguiram um programa de reciclagem. Na maior parte das consultas médicas, o doente paga uma taxa moderadora («ticket modérateur») de 25%, enquanto as viúvas, os inválidos, os titulares de uma pensão de velhice e os órfãos (VIPO), que recebem um rendimento anual inferior a 356 113 francos belgas por agregado familiar em 1989, pagam em média 10%. Certos médicos não aceitaram as tarifas negociadas e, em certos casos, têm a liberdade de praticar excedentes de honorários. Esses médicos devem assinalar que não praticam as tarifas negociadas. No entanto, como há por todo o lado médicos que praticam as tarifas negociadas, isso não cria problemas às pessoas de fracos recursos. 47 Gráfico 3.2 – Esquema pormenorizado do sistema de saúde da Bélgica em 1989 Produtos farmacêuticos Os generalistas e os especialistas têm a liberdade de receitar os medicamentos que entendem e os doentes são reembolsados em proporções variáveis. Para efeitos de reembolso, os medicamentos estão repartidos em seis categorias. Os medicamentos destinados a tratar as doenças mais graves são reembolsados a 100%. Os outros medicamentos são reembolsados a 75, 50 e 40%, até mesmo 0% quanto aos 48 medicamentos que figuram numa lista negativa. No que diz respeito aos medicamentos preparados pelo farmacêutico, há um reembolso fixo. Cuidados de enfermagem e de cinesioterapia Os cuidados de enfermagem e os cuidados de cinesioterapia dispensados fora do hospital podem ser, em parte, suportados pelas mutualidades, com a condição de terem sido prescritos por um médico. Esses cuidados são pagos por acto. Normalmente, os segurados pagam 25% do custo dos cuidados de enfermagem no domicílio e 40% do custo dos cuidados de cinesioterapia. As viúvas, os inválidos, os pensionistas e os órfãos (VIPO) pagam 20% ou são, em certos casos, completamente isentos de qualquer comparticipação no custo. Cuidados hospitalares Os cuidados dispensados aos doentes hospitalizados e os cuidados externos são fornecidos, quer por hospitais privados sem fins lucrativos (61% das camas em 1987), quer por hospitais públicos (39% das camas). No total de camas, 68% encontram-se em hospitais gerais, 24% em estabelecimentos psiquiátricos e 8% nos hospitais onde são tratadas as doenças crónicas. Se bem que aproximadamente um hospital em cada três pertença às comunas, os hospitais municipais são considerados, para efeitos de seguro de doença, como hospitais privados. A maior parte dos especialistas que dispensa cuidados ambulatórios trabalha por marcação prévia no hospital. Controlam as admissões. Há pouco pessoal médico empregado a tempo inteiro. Quanto à componente que, nos cuidados, diz respeito à consulta de especialista e ao diagnóstico, o doente não paga senão a taxa moderadora, em função da tabela. A parte restante é paga directamente pelas mutualidades, se bem que possam ser aplicados suplementos aos doentes que ocupam camas no sector privado. Para os cuidados de enfermagem e o acolhimento (hospedagem apenas) numa enfermaria de mais de duas camas, o doente paga por dia 221 francos belgas (88 francos belgas para as crianças e os VIPO), montante que é agravado ao cabo de 90 dias. O doente tem de pagar, além disso, 25 francos belgas por dia para certos produtos farmacêuticos. As outras despesas são reguladas directamente pelas mutualidades. Se o doente ocupar um quarto privado ou semi-privado, a tarifa é aumentada. Casas de repouso e centros de cuidados de longa permanência As pessoas idosas que sofrem de doenças crónicas, mas que não têm necessidade de cuidados de grande intensidade técnica, têm acesso a casas de repouso e a centros de cuidados de longa permanência. Novos critérios de admissão nesses estabelecimentos foram definidos em 1983. Estão estreitamente ligados ao estado 49 físico e psicológico do doente. A hospedagem e a alimentação estão inteiramente a cargo dos doentes. Isso pode representar em média 35.000 francos belgas por mês. O seguro de doença assume o encargo do custo dos cuidados de enfermagem e do auxílio prestado aos doentes para os gestos da vida quotidiana. Como se verá mais adiante, os montantes pagos variam em função do grau de dependência (distinguemse quatro níveis de dependência). Residências para as pessoas idosas As pessoas idosas podem também ser admitidas em residências para pessoas idosas. Também aí, a hospedagem e a alimentação estão a cargo dos interessados, mas, se receberem cuidados de enfermagem, as despesas relativas a esses cuidados são assumidas pelas mutualidades, sempre em função do grau de dependência. Serviços públicos de saúde As autoridades públicas (aos níveis regional, provincial e local) organizam e financiam diversos serviços preventivos e curativos, tais como cuidados perinatais em consulta externa, consultas de saúde mental externas, medicina escolar e de empresa, e cuidados aos deficientes. RELAÇÕES ENTRE A POPULAÇÃO E OS TERCEIROS PAGADORES Seguro de doença obrigatório A Bélgica tem um regime de seguro de doença obrigatório desde 1945. O regime articula-se à volta de cinco mutualidades sem fim lucrativo que, anteriormente, tinham criado um sistema de seguro voluntário, e de uma caixa pública. As mutualidades estão organizadas sobre uma base essencialmente religiosa ou política. A maior parte dos assalariados, dos trabalhadores independentes e dos reformados é obrigada a inscrever-se numa caixa, mas pode escolhê-la livremente. Uma vez que o seguro obrigatório proporcionado pelas caixas e as taxas de contribuições que elas aplicam são iguais, as mutualidades não fazem concorrência umas às outras, para atrair novos membros, a não ser pelos serviços complementares que oferecem, pela proximidade geográfica e pela rapidez com que tratam dos processos. No entanto, a concorrência é forte, nomeadamente porque as receitas de que as mutualidades dispõem para a sua gestão dependem do número dos seus aderentes. Como as características dos aderentes das mutualidades são muito diferentes do ponto de vista do nível da remuneração e dos riscos, as caixas não têm idêntica capacidade de ganhos e encontram-se assim confrontadas com situações diferentes. A fim de 50 preservar a solidariedade, o Instituto Nacional de Seguro de Doença e Invalidez (INAMI) assegura a compensação dos excedentes e dos défices. As mutualidades recebem os seus recursos do INAMI e são supervisionadas por ele. O Instituto é gerido por um conselho de administração composto por representantes das entidades patronais, dos assalariados, dos prestadores e dos poderes públicos. O governo tem um direito de veto sobre as decisões. O regime obrigatório proporciona simultaneamente um seguro de doença e uma garantia de recursos em caso de doença. No que diz respeito ao seguro de doença, há dois regimes financeiramente distintos: o regime geral, que abrange tanto os grandes riscos como os riscos ligeiros e que cobre os assalariados e os funcionários, os reformados, os deficientes e os seus familiares, ou seja, 85% da população; e o regime dos trabalhadores independentes que não cobre senão os grandes riscos dos 15% restantes da população. Os grandes riscos implicam geralmente cuidados em regime de hospitalização e serviços técnicos especiais. Os riscos ligeiros envolvem os cuidados de consulta externa, os medicamentos, os cuidados dentários, etc. As duas grandes fontes de financiamento do seguro de doença obrigatório são as contribuições para a segurança social (58% das receitas, em 1987) e as subvenções públicas (42% das receitas). O resto dos recursos provêm de fontes adicionais: são, por exemplo, contribuições pagas pelos titulares de pensões de velhice e o produto das taxas sobre o seguro automóvel. A contribuição para o seguro de doença representava, em 1 de Janeiro de 1989, 2,55% do salário bruto para os assalariados e 3,80% para a entidade patronal, ou seja uma contribuição global de 6,35% sobre o salário bruto. Não há limite máximo («plafond») de rendimento nem limite mínimo («plancher») para o montante da contribuição cobrada sobre os salários. No caso dos trabalhadores independentes, a contribuição eleva-se a 3,20% de um rendimento anual com o limite máximo fixado em 2,1 milhões de francos belgas. Os titulares de uma pensão de velhice pagam uma contribuição de 2,55% sobre a pensão, a partir de certo montante. Seguro de doença voluntário Além do seguro de doença obrigatório, as mutualidades propõem um seguro de doença voluntário para os riscos menores (cuidados de consulta externa, medicamentos, cuidados dentários etc.) para os trabalhadores independentes e um seguro complementar para cobrir os serviços adicionais, para todos os seus aderentes. Cerca de 70% dos trabalhadores independentes subscrevem um seguro que cobre os riscos menores. Se bem que o seguro de doença privado ocupe um lugar relativamente restrito em todo o conjunto, conhece actualmente uma progressão regular, sobretudo para as despesas hospitalares. O seguro de doença privado é proposto por companhias 51 privadas de fim lucrativo. Representa um volume de negócios calculado em 5,5 milhares de milhões de francos belgas. Imposto Os serviços de saúde eram financiados, em 1987, na proporção de 39%, pelo imposto. Desta parte, cerca de dois terços correspondiam à subvenção atribuída ao regime de seguro de doença obrigatório e cerca de um terço ao custo dos serviços públicos de saúde. RELAÇÕES ENTRE OS TERCEIROS PAGADORES E OS PRESTADORES Cuidados ambulatórios e cuidados médicos no hospital Quanto aos serviços médicos e técnicos (por exemplo, exames de laboratório) utilizados no quadro de cuidados ambulatórios, eles são geralmente pagos pelo doente (e dão lugar, em seguida, a reembolso). Os serviços análogos utilizados no âmbito de uma hospitalização são geralmente custeados pelas mutualidades. A tabela dos reembolsos e dos pagamentos é negociada todos os anos entre os representantes das mutualidades e os representantes da profissão médica. Os acordos têm que ser aprovados pelo governo. Este dispositivo redunda num monopólio bilateral supervisionado pelo governo. Se um acordo for rejeitado por mais de 40% dos médicos, não pode ser aplicado e oferecem-se aos poderes públicos três possibilidades: – submeter um outro projecto de acordo aos médicos; – impor uma tabela para uma parte ou a totalidade dos serviços; – fixar os níveis de reembolso, ficando então os médicos livres para fixarem as suas próprias tarifas. Os honorários recebidos pelos especialistas pelo tratamento de doentes hospitalizados são geralmente divididos entre o hospital e o médico, mas a prática nesta matéria é muito variável. Produtos farmacêuticos Os preços de todos os medicamentos comercializados na Bélgica são submetidos a negociações, produto por produto, entre o Ministério dos Assuntos Económicos e os laboratórios farmacêuticos. Além disso, há negociações entre uma comissão do INAMI e os representantes da indústria farmacêutica sobre o preço dos medicamentos homologados para reembolso. 52 Cuidados de enfermagem e de cinesioterapia O pessoal de enfermagem e os cinesioterapeutas são remunerados por acto para os cuidados ambulatórios. Tal como para os cuidados ambulatórios e os cuidados médicos dispensados no hospital, a tabela de preços é negociada entre as mutualidades e os representantes dos profissionais. O governo tem um poder de veto e o acordo tem que ser aceite por 60% dos profissionais abrangidos para entrar em vigor. Os enfermeiros e os cinesioterapeutas têm a liberdade de recusar o acordo a título individual e de praticar excedentes de honorários∗ mas, se o fizerem, a taxa de reembolso dos seus doentes sofre uma redução de 25%. Desde Abril de 1991, os enfermeiros são remunerados na base de um montante diário fixo, em função do grau de dependência do doente. Cuidados hospitalares As mutualidades financiam directamente a maior parte dos custos de funcionamento dos hospitais. Até 1982, os custos respeitantes aos cuidados de enfermagem e a hospedagem eram financiados com base numa diária, avaliada retrospectivamente. Isto incitava os hospitais à despesa e ao prolongamento da duração das estadias. Desde 1982, os orçamentos e os objectivos em termos de número anual de dias de hospitalização são fixados de forma prospectiva pelo governo, mas as mutualidades continuam a pagar aos hospitais cada dia de hospitalização dos seus aderentes ao preço diário convencionado. Os hospitais que ultrapassam o objectivo que lhes é fixado, em termos de número de dias de hospitalização, recebem 30% do preço diário para cobrir os custos variáveis. Os hospitais que não atingem o objectivo que lhes é fixado recebem 50% do preço diário relativamente ao número de dias em falta, a fim de cobrirem os seus custos fixos. Os enfermeiros hospitalares e as outras categorias de pessoal hospitalar, tirando os médicos, são assalariados e os seus salários são negociados a nível central, com algumas variações a nível local. Na elaboração dos orçamentos, tem-se em linha de conta, em parte, a situação nos outros hospitais. As despesas dos hospitais englobam três grandes componentes: – amortização e outros custos ligados aos investimentos, que são financiados ao seu nível de custo efectivo e não são indexados; – custos respeitantes às prestações hoteleiras, que são harmonizados com os custos médios em hospitais da mesma categoria e são indexados; – custos respeitantes aos cuidados de enfermagem e aos fornecimentos médicos, que são progressivamente ajustados em função das especialidades praticadas e do nível de actividade clínica. ∗Ver Glossário no início da obra. N. da T. 53 Os orçamentos são concebidos para permitir um controlo dos custos globais. Como eles instauram uma uniformização dos custos entre hospitais da mesma categoria – e são função, em certa medida, do volume de actividade – os orçamentos incentivam também a eficácia. No entanto, os orçamentos não incluem os honorários dos especialistas que são geralmente partilhados com o hospital. Na prática, as quotas de dias de hospitalização não foram sensivelmente modificadas desde 1982 (Hermesse, 1986; De Cooman e Marchand, 1987). No que diz respeito ao financiamento dos investimentos, os hospitais privados e os hospitais públicos são tratados, em grande parte, da mesma maneira. Em princípio, a autorização para um projecto de construção ou de renovação é dado pelo Ministro da Saúde, à escala regional. Relativamente aos hospitais privados, o custo de investimento, limitado a um montante máximo por cama, é financiado na proporção de 60% por uma subvenção de equipamento das autoridades regionais. Os 40% restantes são financiados por empréstimos garantidos pelo poder público, reembolsáveis em 33 anos se se tratar de edifícios, em 10 anos se se tratar de material não médico e em 5 anos se se tratar de material médico. Estas despesas implicam que sejam incluídos no orçamento encargos de amortização e encargos financeiros, os quais são repercutidos no montante da diária pago pelas mutualidades. Quanto aos hospitais públicos, as percentagens são respectivamente 70 e 30%. As despesas relativas aos serviços técnicos médicos não incluídas no preço diário devem ser cobertas pelos honorários. Casas de repouso e centros de cuidados de longa permanência As mutualidades suportam os custos relativos aos cuidados de enfermagem e ao auxílio prestado para os gestos da vida quotidiana. Desde Abril de 1991, foram definidas tarifas diárias em função de quatro graus de dependência. Vão de 50 a 1 300 francos belgas por dia. Residências para as pessoas idosas As mutualidades assumem o encargo das despesas respeitantes aos cuidados de enfermagem e ao auxílio para os gestos da vida quotidiana se os residentes satisfizerem os critérios de admissão nas casas de repouso e nos centros de cuidados de longa permanência. As tarifas diárias são fixadas em função dos mesmos quatro graus de dependência que para as casas de repouso e os centros de cuidados de longa permanência, mas são inferiores. Vão de 35 a 840 francos belgas por dia. PLANIFICAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO PELOS PODERES PÚBLICOS 54 O sistema de saúde belga conjuga a planificação e a regulamentação directas pelos poderes públicos, aos níveis central e local, com a auto-regulação pelos seguradores e pelos prestadores. Os poderes públicos, ao nível central, são responsáveis, em última instância, pela extensão das prestações, pelo nível das contribuições do seguro de doença obrigatório, assim como pelas convenções e acordos que regem as relações entre as mutualidades e os prestadores. Desempenham um papel de primeira importância em matéria de contenção dos custos, pelo facto de participarem, pormenorizadamente, na elaboração dos orçamentos hospitalares, de terem direito de veto sobre o montante dos honorários e de negociarem os preços dos medicamentos. Os poderes públicos, ao nível, central desempenham também um papel motor na planificação (e, em parte, no financiamento) dos investimentos hospitalares. Estabelecem as normas de homologação que exigem que os hospitais respeitem certas normas estruturais e arquitectónicas, departamento por departamento. Além disso, têm a responsabilidade da acreditação dos médicos e do pessoal auxiliar. No entanto, a política respeitante ao acesso aos estudos médicos e aos diplomas é não intervencionista. Os controlos não incidem senão sobre os lugares de formação para os especialistas hospitalares. Em 1980, a estrutura constitucional da Bélgica foi profundamente remodelada. Importantes funções foram retiradas à administração central para serem confiadas às comunidades neerlandófona e francófona. Desde então, as autoridades regionais são responsáveis pela aplicação das normas de homologação para os hospitais, assim como pela planificação, e também, em parte, pelo financiamento dos investimentos hospitalares. Os ministérios regionais são responsáveis pela educação sanitária e pela medicina preventiva. No quadro desta regulamentação pelas autoridades centrais e locais, os consumidores, os terceiros pagadores e os prestadores gozam de uma grande autonomia. No âmbito do seguro de doença obrigatório, os consumidores têm a liberdade de escolher tanto o seu segurador como o seu prestador. As mutualidades, que se consideram como as representantes dos consumidores, desempenham um papel importante nas negociações com o pessoal médico e outro pessoal independente sobre as tarifas, assim como com os laboratórios farmacêuticos sobre os preços dos produtos farmacêuticos. Também aqui, há uma espécie de monopólio bilateral. As mutualidades desempenham também um papel determinante em matéria de recomendação de uma revisão do nível de participação dos doentes no custo dos serviços. Os próprios médicos formam uma Comissão (com metade dos membros designados pelo INAMI) que examina os casos em que a actividade de um médico ou as suas prescrições atingem níveis anormais. QUADRO DAS REFORMAS INTRODUZIDAS RECENTEMENTE 55 O sistema de saúde belga apresenta muitos pontos fortes. Assegura uma cobertura obrigatória global em matéria de doença a 85% da população e uma cobertura obrigatória em relação aos grandes riscos aos 15% restantes. Este sistema garante um alto nível de solidariedade e uma grande equidade no acesso aos cuidados. Os doentes gozam, mais amplamente do que nos seis outros países considerados neste estudo, de liberdade de escolha do prestador a que se dirigem. Os consumidores têm a liberdade de escolher tanto o seu segurador como o seu prestador. Não têm que passar obrigatoriamente por um generalista. O sistema deixa também uma grande autonomia aos prestadores. Praticamente todos os prestadores, incluindo os especialistas hospitalares, são remunerados por acto. É a razão por que parece existir uma grande concorrência, tanto ao nível dos cuidados ambulatórios como ao nível dos cuidados hospitalares (Nonneman, 1990). Se, segundo a medição extremamente parcial que se encontra disponível, os resultados em termos de saúde pública não parecem melhores do que em países comparáveis, o sistema parece, no entanto, corresponder muito bem às expectativas dos doentes. O acesso aos serviços de generalistas afigura-se particularmente rápido e prático, e são pouco numerosos os doentes que têm de esperar para serem hospitalizados Em contrapartida, levantam-se problemas quanto à contenção dos custos e ao aumento das receitas, o que não tem nada de surpreendente, nem num caso nem no outro. Independentemente do aumento da procura ligada ao envelhecimento da população e ao desenvolvimento constante de novas técnicas médicas de elevado custo, o sistema comporta incentivos financeiros conducentes ao aumento das despesas. Os consumidores quase não são incentivados a restringir a sua procura, apesar de uma fraca comparticipação no custo dos cuidados ambulatórios e de uma comparticipação simbólica no custo dos cuidados hospitalares. Além disso, os prestadores, na sua maioria, são fortemente incitados (do ponto de vista financeiro) a aumentar a sua actividade e a suscitar a procura porque são remunerados por acto. Se bem que as mutualidades, cuja acção era coordenada e apoiada pelos poderes públicos, tenham demonstrado o seu poder de negociação, nos anos 70, na altura de fixar as tarifas a aplicar aos seus aderentes, o volume de actividade permaneceu, em grande parte, não controlado. As despesas de saúde aumentaram rapidamente, nos anos 70, atingindo um nível mais elevado do que se poderia esperar tendo em conta o nível de vida na Bélgica. Por outro lado, o sistema apresenta deficiências estruturais. Por exemplo, a remuneração por acto parece ter favorecido mais a prescrição de medicamentos e os exames de laboratório do que a prevenção. Certos observadores notam que o nível de equipamento é excessivo em certos casos – por exemplo, demasiadas camas de hospital –, que o país carece de possibilidades de acolhimento em centros de cuidados de longa permanência e que há, comparativamente, um número excessivo de pequenos estabelecimentos hospitalares. 56 O sistema apresenta igualmente deficiências no plano da gestão. O facto de coexistirem a remuneração por acto para os especialistas e o orçamento para os custos respeitantes aos cuidados de enfermagem e à hospedagem provoca tensões entre os médicos e os administradores. Além disso, a informação sobre a gestão dos hospitais é, muitas vezes, insuficiente. AS REFORMAS DOS ANOS 80 Aumentar as receitas O alto nível do desemprego, no princípio dos anos 80, acentuou as dificuldades do sistema de saúde do lado das receitas. Em face dessas dificuldades, o Ministro dos Assuntos Sociais instituiu um fundo especial, em 1982, para restabelecer o equilíbrio financeiro, a curto prazo, no sistema de segurança social. Este fundo, que é alimentado por contribuições especiais pagas pelos assalariados, não está destinado a tomar-se um novo elemento estrutural permanente do sistema de segurança social. As fraquezas mais fundamentais do sistema no plano do financiamento (ligadas à degradação da relação entre contribuintes e beneficiários) foram, em parte, corrigidas por uma decisão governamental, no final de 1983: o governo decidiu aumentar a taxa das contribuições para o seguro de doença em 0,75%, elevando esta taxa para 6,35% do salário bruto. Os titulares de uma pensão de velhice têm que pagar, desde 1981, uma contribuição à taxa de 2,55% acima de um certo nível de rendimento. Todavia, esta contribuição não financia senão 4% do consumo de cuidados da população reformada. Limitar as despesas e enfrentar os problemas estruturais Cuidados ambulatórios Desde 1979, foi progressivamente estabelecido um sistema de perfis médicos abrangendo todos os médicos que receitam e as profissões para-médicas, por exemplo os cinesioterapeutas. Os perfis médicos são analisados por comissões e podem suscitar a aplicação de sanções ou mais amplas investigações quando há excessos. Em 1990, toda a tramitação de revisão dos exames e de selecção dos perfis médicos foi revista a fim de acelerar o processo de selecção e de aplicação das sanções. Podem ser aplicadas sanções pelas mutualidades e pode ser retirado a certos médicos o poder de orientação. São também organizadas comissões de base provincial, a fim de acelerar o processo de exame dos perfis médicos à escala local. Produtos farmacêuticos 57 Um novo sistema de reembolso dos medicamentos, preparado pelas mutualidades, foi introduzido nos finais de 1980. O novo sistema estabeleceu uma com participação no custo em função do preço do medicamento; a taxa moderadora é mais elevada para os medicamentos que não são verdadeiramente indispensáveis. Trata-se de uma mudança radical em relação ao passado em que não havia qualquer conexão entre o preço do medicamento e o montante a cargo do doente. Mais recentemente, o governo decidiu retirar da lista dos medicamentos reembolsáveis nada menos de 163 medicamentos produzidos industrialmente. Ao mesmo tempo, a taxa de reembolso de numerosos medicamentos (vasodilatadores periféricos e cerebrais, em especial) foi reduzida, sobretudo no caso de medicamentos cuja utilidade médica é contestada. Pensa-se que estas duas medidas reduzirão a taxa anual de progressão das despesas ligadas ao consumo de produtos farmacêuticos em cerca de um quinto. O governo tentou também estimular a produção e o consumo de medicamentos genéricos que são, em média, 10 a 15% menos caros que os medicamentos comercializados com uma marca. Todavia, até ao presente, estas medidas não tiveram qualquer êxito. Em 1990 foi criada uma Comissão de Transparência. Está encarregada de verificar se os preços dos medicamentos correspondem ao seu valor terapêutico unitário. Também estabeleceu uma lista positiva de medicamentos manipulados pelos farmacêuticos. Financiamento e reestruturação do sector hospitalar Em 1982, o governo anunciou reformas no sector hospitalar que previam: a introdução de orçamentos globais prospectivos; a redução do número de camas; a substituição de camas hospitalares para doenças graves por camas de casas de repouso e de centros de cuidados de longa permanência; e o encerramento ou a fusão de pequenos estabelecimentos hospitalares. A introdução do orçamento global comportava vários aspectos. Em primeiro lugar, é feito um orçamento para cada hospital. Em segundo lugar, é fixada uma quota de dias para cada hospital. Para além dessa quota, as diárias são pagas a uma taxa que só reflecte os custos variáveis. Sendo caso disso, os dias que faltarem em relação à quota são pagos a uma taxa que só reflecte os custos fixos. Além disso, verificou-se uma orientação gradual para a uniformização dos orçamentos dos hospitais em função das patologias tratadas e de critérios estruturais. Finalmente, procura-se conceber orçamentos que incitem à procura da qualidade e ao critério de avaliação médico. O projecto de redução do número de camas hospitalares assentava numa moratória: o número de camas de hospital não devia ultrapassar o número máximo atingido em 1 de Julho de 1982. Nenhum novo hospital podia ser aberto sem que outro, equivalente, fosse encerrado. Além disso, foram introduzidos incentivos financeiros para encorajar a supressão ou a transformação de um certo número de 58 camas (ver adiante). A medida traduziu-se, entre 1982 e 1989, por uma diminuição de 14% do número de camas hospitalares destinadas a cuidados em situações agudas, o que corresponde a metade do objectivo visado. A reestruturação do sector hospitalar previa a criação de serviços geriátricos especializados no hospital e a instauração de um plano de conversão em virtude do qual camas para cuidados destinados a doenças graves e afecções crónicas podiam ser transformadas em camas de geriatria ou em camas de casas de repouso e de centros de cuidados de longa permanência (tanto em hospital como em casa de repouso). Isto devia gerar economias porque os internamentos em casas de repouso e em centros de cuidados de longa permanência são reembolsados a uma taxa inferior à dos internamentos em estabelecimento hospitalar geral. No fim de 1989, cerca de 18 000 lugares tinham sido criados em casas de repouso e centros de cuidados de longa permanência em consequência do encerramento de salas nos hospitais de cuidados intensivos. No entanto, há ainda perto de 4 000 camas destinadas a doentes que sofrem de doenças de longa duração que não foram transformadas. O destino dessas camas é objecto de um debate político. O projecto de concentração do sector hospitalar implicava a aplicação de uma norma de homologação que exige um mínimo de 150 camas com o pessoal e os serviços correspondentes. Se um hospital não puder observar esta norma, deve fundirse com um outro estabelecimento ou encerrar. Novas medidas foram recentemente tomadas para suprimir camas de hospital e realizar economias nos investimentos. Em primeiro lugar, se os investimentos conduzirem a uma redução líquida do número de camas de 25% ou mais, as autoridades regionais estão autorizadas a reduzir a sua contribuição de 60 para 30%, tomando as mutualidades o resto a seu cargo. Por conseguinte, as autoridades regionais dão prioridade aos projectos de construção que reduzem o número de camas. Em segundo lugar, o Ministro da Saúde limitou a cerca de 5% por ano o aumento do orçamento de investimentos. As autoridades regionais não podem autorizar os projectos de construção cujo custo global exceda esse valor. Gestão dos hospitais e sistema de informação Uma lei de 1986 sobre os hospitais trata das relações entre os administradores dos hospitais e os médicos. Prevê: – a designação de um médico-chefe para participar na gestão do hospital; – a criação, obrigatoriamente, em cada hospital de um conselho médico investido de uma missão consultiva muito precisa; – a criação de uma comissão permanente para consultas entre os administradores e o pessoal médico; e 59 – a aplicação do princípio de facturação central obrigatória para os honorários médicos. Desde 1983, o sistema de recolha e transmissão de dados sobre a gestão dos hospitais melhorou muito e foi informatizado. Desde 1985, os hospitais têm que comunicar com as companhias de seguros através de bandas magnéticas, tal como os laboratórios de patologia. No entanto, o sistema informatizado ainda não atingiu o seu pleno desenvolvimento porque não inclui por enquanto dados acerca do diagnóstico pronunciado sobre doentes hospitalizados. A fim de remediar esta lacuna, desde Outubro de 1990, é pedido a todos os hospitais que façam figurar no processo dos doentes hospitalizados o diagnóstico principal e o diagnóstico secundário, os dados provenientes do serviço de facturação do hospital e o tipo de cuidados médicos prestados. Estes dados deveriam permitir uma análise dos doentes e dos custos com base em grupos homogéneos de diagnóstico (Diagnosis-related groups, DRG). O novo sistema de informação oferece numerosas possibilidades: estudos epidemiológicos, planificação hospitalar, normas de homologação e melhoria das técnicas de financiamento internas e externas. Financiamento dos exames de laboratório Até 1988, os exames de laboratório eram principalmente pagos por acto, na base de uma taxa média, tomando em conta a totalidade dos custos, fixos e variáveis. Este sistema estimulava a sobreprodução. Em 1985, no quadro do acordo estabelecido entre os médicos e as mutualidades, o Ministro da Saúde instituiu um orçamento nacional. No entanto, os exames de laboratório continuavam a ser reembolsados por acto e os prestadores, a título individual, não eram minimamente incitados a modificar o seu comportamento. A única sanção no caso de ultrapassagem do orçamento nacional era uma nova diminuição das taxas (diminuição de 30% em Agosto de 1988, por exemplo). A partir de 1 de Agosto de 1988, foi aplicado um certo número de medidas dirigidas no sentido da instauração de um novo sistema: os pagamentos baseiam-se nos internamentos no caso de doentes hospitalizados e em indicações de serviços prestados no caso de cuidados ambulatórios. Em 1989, o Ministro fixou de novo um orçamento nacional para os exames de laboratório e introduziu novos métodos de financiamento. Doravante, a lei estabelece que cada laboratório deve restituir uma certa percentagem, que varia com a sua dimensão, se o orçamento para os cuidados externos for ultrapassado. Quanto aos doentes hospitalizados, o pagamento por exame é, no essencial, substituído por um pagamento por dia, que vem somar-se ao pagamento por internamento. As taxas diárias foram calculadas sobre uma base histórica (dados verificados no passado) e os desvios são muito importantes de um hospital para outro. Em 1990 e 1991, foram tomadas medidas para corrigir essas taxas estabelecidas sobre uma base histórica de maneira a tomar em consideração os tipos de patologia tratados. 60 Os mesmos métodos foram aplicados, em 1989, ao tratamento dos custos das farmácias de hospital. Em 1990, encarou-se a extensão dessas técnicas aos serviços de radiologia. Cuidados psiquiátricos Em 1990, o governo decidiu aplicar uma nova política em relação aos serviços psiquiátricos: – nova redução do número de camas destinadas aos cuidados hospitalares de longo prazo. Os serviços de psiquiatria de hospital serão transformados em centros de cuidados psiquiátricos de longa permanência. Os centros de cuidados psiquiátricos de longa permanência gozarão do mesmo estatuto que os serviços das casas de repouso e dos centros de cuidados de longa permanência. De 20 000 camas existentes e ocupadas do sector psiquiátrico hospitalar, perto de 5 000 serão transformadas em camas de centros de cuidados de longa permanência. As quantias que os doentes terão de pagar nesses centros de cuidados psiquiátricos de longa permanência serão nitidamente mais elevadas que no sector hospitalar, porque aí as despesas de alimentação e alojamento ficam inteiramente a cargo do doente; – os doentes que tiverem permanecido mais de 5 anos num hospital psiquiátrico terão de pagar uma quantia mais elevada; – melhoria da qualidade dos cuidados nos serviços de cuidados intensos dos hospitais psiquiátricos. Os efectivos médicos passarão de 10 agentes para 30 camas a 12, ou mesmo 14, nos hospitais em que a duração média de permanência for inferior a um ano; – instauração de um programa de habitações protegidas, fora do quadro hospitalar, prevendo-se que a relação entre os efectivos médicos e o número de lugares seja de um para oito. Espera-se criar assim perto de 3 000 vagas em habitações protegidas; – estabelecimento de um serviço de coordenação entre os diversos serviços psiquiátricos e ambulatórios em estabelecimentos. O dispositivo terá um carácter voluntário, mas foi previsto um orçamento para assegurar a sua administração. 61 EVOLUÇÃO E RESULTADOS Segundo os números da OCDE, as despesas de saúde na Bélgica, convertidas em paridades de poder de compra, elevaram-se a 879 dólares por cabeça em 1987, ou seja, 16% a mais que as despesas observadas no Reino Unido, 80% a mais que em França e 43% a mais que nos Estados Unidos. É praticamente o valor que se obtém por uma recta de regressão entre a capitação das despesas de saúde e a capitação do PIB (Schieber e Poullier, 1989). No entanto, outras estimativas (Wouters et al., 1988), que estabelecem uma comparação entre as despesas de saúde na Bélgica e as despesas de saúde nos Países Baixos, com o mesmo método de estimativa que o utilizado pelo Ministério da Saúde neerlandês, tendem a mostrar que as despesas de saúde, na Bélgica, são de facto superiores em 10% ao nível indicado pela OCDE. Isso colocaria a Bélgica acima da recta de regressão entre a capitação das despesas de saúde e a capitação do PIB e 30% acima do Reino Unido, país com um nível de vida comparável. Esbarra-se com as mesmas dificuldades de medição das despesas de saúde quando se procura fazer comparações no tempo. Segundo os números da OCDE, as despesas de saúde em termos reais aumentaram fortemente entre 1980 e 1990, visto que cresceram 21 %. A parte das despesas de saúde no PIB passou de 6,6% em 1980, para 7,6%, em 1990. Foi o aumento mais rápido que ocorreu neste período nos sete países considerados, se bem que esta progressão seja muito mais fraca que a taxa aparente observada na Bélgica entre 1970 e 1980. Todavia, estas comparações devem ser manejadas com prudência porque se pensa que o domínio coberto pelos valores da despesa estimados para a Bélgica evoluiu ligeiramente com o tempo. Sendo assim, o governo conseguiu efectivamente limitar a amplitude do sector hospitalar dos cuidados relativos a doenças graves e patologias graves e melhorar a sua eficiência. O número de camas de hospitais gerais passou de 7,04 por 1 000 habitantes, em 1983, a 6,29 por 1 000 habitantes em 1988. Apesar desta redução de capacidade, a duração média de permanência baixou mais de 10% e a taxa de admissões aumentou ligeiramente no decurso do mesmo período (Ministério da Saúde Pública, 1988). Todavia, em vários outros sectores, o sistema achou-se encerrado num círculo vicioso. O aumento do volume de actividade, favorecido pelos mecanismos da remuneração por acto, acarretou uma diminuição do nível dos honorários em termos reais, mas esta foi imediatamente anulada por um novo aumento de volume de actividade. Efectivamente, os prestadores esforçaram-se por manter ou aumentar o seu rendimento real. Foi particularmente o que se observou quanto aos serviços de laboratório, até que o modo de pagamento fosse revisto no fim da década (Kesenne e Cannoodt, 1989). 62 Segundo os trabalhos da OCDE (1987), Schieber et al. (1991) e os números apresentados no quadro 10.2 (no capítulo 10), a situação é bastante clássica na Bélgica no concernente ao parque de camas hospitalares por 1 000 habitantes, ao número de admissões por 1 000 habitantes e à duração média da permanência no hospital. Em contrapartida, é um país em que o número de médicos por 1 000 habitantes é excepcionalmente elevado (próximo do que se observa em Espanha), em que o número de consultas por habitante está acima da média, e em que a relação entre o rendimento médio dos médicos e o rendimento médio dos assalariados é excepcionalmente baixa. Os jovens generalistas têm muitas vezes que contar com os ganhos da esposa para completar o seu rendimento. Não é assinalado que haja longas listas de espera para o hospital. Por outro lado, como mostra o quadro 10.3, o nível da mortalidade perinatal na Bélgica é bastante representativo dos níveis observados nos outros países considerados neste estudo, e baixou de forma bastante habitual, entre 1980 e 1986. O DEBATE PROSSEGUE Duas questões continuam a dominar o debate sobre a política de saúde na Bélgica: Como conter o custo da saúde no contexto do seguro de doença? Quem suportará o encargo do crescimento das despesas de saúde? O Ministro dos Assuntos Sociais organizou uma mesa-redonda sobre este tema, em 1989. Uma das principais questões examinadas pelos participantes foi a definição das responsabilidades que incumbem aos diferentes parceiros no sector da saúde. Os participantes nesta reunião reflectiram sobre um certo número de aspectos: responsabilidade financeira, papel dos dispositivos e acordos em matéria de tarifas, supervisão médica e controlo administrativo do seguro de doença. No seu relatório final, o Grupo de Trabalho Financeiro elaborou uma série de princípios relativamente ao financiamento dos cuidados: – é preciso manter um financiamento misto, por contribuições e pelo imposto, o que justifica a intervenção e o papel de todas as partes implicadas na gestão da segurança social; – as contribuições para a segurança social não devem aumentar e a parte do seguro de doença não deve crescer em detrimento dos outros ramos da segurança social; – a fiscalidade geral deveria cobrir o essencial das despesas de saúde, independentemente das contribuições, mas ela não deveria representar uma percentagem fixa do total e é pouco provável que, no futuro, ela possa ser muito aumentada; 63 – não há praticamente possibilidades de aumentar a participação dos doentes nos custos. O relatório final elaborado na sequência da mesa-redonda evoca a questão da contenção das despesas, mas limita-se a encarar a questão da dotação orçamental segundo uma óptica geral. Recomenda que se reparta uma dotação global dos poderes públicos, ao nível central, entre os diferentes sectores, sob a supervisão de comissões. No entanto, o relatório não indica nada de preciso sobre a maneira como as comissões deveriam funcionar. Recomenda também que se apurem e apliquem métodos de «orçamentalização» global. No seguimento destas propostas, em Dezembro de 1990, o governo apresentou um projecto de lei para a contenção das despesas, que modifica a lei sobre o seguro de doença e prevê um certo número de medidas: – fixação de um orçamento global para as despesas de saúde e fixação de vários orçamentos distintos por sectores; – obrigatoriedade da aplicação de mecanismos correctivos quando o orçamento global ou os orçamentos parciais forem ultrapassados; – criação de uma Comissão de Controlo Orçamental encarregada de velar pela realização dos objectivos em matéria orçamental e de propor os ajustamentos a introduzir; – atribuição de poderes ao ministro para intervir quando os prestadores de cuidados e as mutualidades não conseguirem atingir os seus objectivos em matéria orçamental. O projecto de lei é rico de consequências quanto ao equilíbrio entre a regulação do sistema de saúde pelos poderes públicos e a auto-regulação. Não confia responsabilidades financeiras acrescidas às mutualidades, mas reforça o papel dos poderes públicos no respeitante à contenção das despesas de saúde. Parece que poderia resultar daqui uma repartição mais clara das tarefas no respeitante ao sistema de saúde na Bélgica. Os poderes públicos teriam a plena responsabilidade da eficiência macroeconómica – ou da contenção geral das despesas de saúde – e os doentes, os seguradores e os prestadores procurariam a eficiência microeconómica num contexto estrito de solidariedade e de orçamentos globais. De uma certa forma, isso permitiria aos poderes públicos não terem que intervir no pormenor. Como os consumidores não estão sensibilizados para os custos, as mutualidades ficariam encarregadas de negociar os honorários e as tarifas com os prestadores e partilhariam a preocupação da contenção das despesas com os poderes públicos. Do mesmo modo, uma vez que os consumidores estão geralmente mal colocados para avaliar a qualidade técnica dos cuidados, seriam os prestadores e as 64 mutualidades que ficariam encarregados de elaborar procedimentos que garantissem melhor a qualidade. No entanto, parece que a Bélgica poderá continuar a confiar, como o faz tradicionalmente, na liberdade de escolha dos consumidores e na autonomia dos prestadores para assegurar a concorrência entre os prestadores, uma grande receptividade face à procura e um alto nível de satisfação dos doentes. Com efeito, uma preocupação mais nítida de eficiência macroeconómica é, talvez, a melhor forma, a longo prazo, de preservar a medicina liberal, com as vantagens que ela comporta em termos de liberdade de escolha do doente e de autonomia dos prestadores. Notas 1 Este capítulo inspira-se nos trabalhos de J. Hermesse, J. Kesenne e L. Moorthamer, Aliança Nacional das Mutualidades Cristãs e de A. de Wever J. Beeckmans, Ministério dos Assuntos Sociais (Bélgica). 2 Estas estimativas, calculadas apenas para o ano de 1987, situam-se a um nível ligeiramente mais elevado do que as do Secretariado da OCDE, porque compreendem as despesas das províncias e das comunas, mas também algumas rubricas que aparecem classificadas sob as epígrafes de ambiente, higiene e conforto nas contas de outros países. Bibliografia Blanpain, J.E. (1984), «The health services system in Belgium», in Reorienting Health Services, sob a direcção de Pannenborg, C.O., van der Werff, A., Hirsch, G.B. et Barnard, K., NATO Conference Series, Plenum Press, Nova lorque. Courrier Hebdomadaire (1989), CRISP, n.º 1255-1256. De Cooman, E. e Marchand, M. (1987), «Rules and Incentives for HospitaIs: the Belgian Financing System», Health Policy, 7. Feltesse, P. (1988), Aperçu de la situation des hôpitaux dans les pays de la CEE, ANMC (nota interna). Grinberg, G. e Dekeyser, T., Assurance maladie: Financement et régulation. 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Os modos de remuneração dos prestadores são extremamente variados. A primeira parte deste capítulo é consagrada à descrição das principais características deste sistema que, sob muitos pontos de vista, deve mais à acumulação no tempo de alterações pontuais do que à aplicação dum projecto unitário adoptado em determinado momento. Vários comentadores franceses fizeram notar que há uma espécie de contradição entre os princípios socialistas em que se inspira o regime nacional de seguro de doença, e os princípios de livre empresa em que se inspira implicitamente o exercício independente da medicina sob a etiqueta de «medicina liberal». O «casamento» imposto e difícil entre os dois princípios foi qualificada de «união onerosa» (Rodwin, 1981a) porque um e outro comportam incentivos ao incessante desenvolvimento dos serviços médicos. Se é certo que não foi introduzida qualquer modificação estrutural no regime de seguro social nestes últimos anos, os puderes públicos adoptaram um certo número de reformas modestas tendentes a estabilizarem a despesa global e a melhorarem o desempenho. Na segunda parte do capítulo, essas reformas serão examinadas e alguns exemplos mostrarão como o sistema reagiu no decurso dos últimos dez anos. Como o financiamento e o funcionamento do sistema de saúde se defrontam constantemente com dificuldades, abriu-se em França um debate sobre a necessidade de operar uma verdadeira refundição estrutural do sistema. O final do capítulo é consagrado a uma descrição e uma avaliação de algumas das fórmulas que foram encaradas. DESCRIÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE Em relação aos modelos apresentados no capítulo 2, o sistema de saúde francês é uma mistura complexa de quatro subsistemas, pelo menos. Na base, encontra-se um sistema de reembolso público associado a um modelo de contrato de serviço público para os tratamentos ambulatórios e os hospitais privados, ao qual se junta um modelo 67 público integrado para os hospitais públicos. O sistema público a que se chega então é completado por um seguro voluntário, segundo o modelo de reembolso. O gráfico 4.1 apresenta algumas grandes características do modo de organização e de financiamento dos cuidados médicos no final dos anos 80. Em baixo à esquerda, encontra-se a população, da qual 60% dos membros caem doentes e fazem apelo aos serviços médicos seja qual for o ano considerado, e em baixo à direita, os prestadores de serviços. Ao cimo encontram-se os terceiros pagadores, públicos e privados. Os fluxos de serviços estão representados em traço contínuo e os fluxos financeiros em tracejado. Os prestadores estão distribuídos da seguinte forma: os serviços de saúde públicos, os farmacêuticos, os generalistas e os especialistas que exercem a título liberal, os centros médicos ou «dispensários» municipais em que os médicos são assalariados, os hospitais públicos em que os médicos são assalariados (agrupando estes estabelecimentos cerca de dois terços das camas) e os hospitais privados, com fim lucrativo ou não lucrativo, em que os médicos são geralmente remunerados por acto (agrupando estes hospitais o restante terço das camas). Além disso, existem diversos tipos (não indicados no gráfico) de estabelecimentos de longa permanência e de serviços de cuidados de enfermagem e domicílio e de auxílio doméstico financiados, quer pelo regime de seguro de doença, quer pelo ramo de velhice da segurança social, quer pelo regime de assistência social, quer ainda por organismos privados. Os terceiros pagadores estão distribuídos como se segue: as caixas de seguro de doença obrigatório ou «caixas nacionais» (que são organismos quase autónomos que não relevam dos poderes públicos, e estão encarregados de assegurar o funcionamento do regime nacional de seguro de doença obrigatório que cobre 99% da população), as mutuais (organismos de seguro de fim não lucrativo) e os seguradores privados que cobrem cerca de 80% da população, por meio de um seguro voluntário complementar e organismos públicos como o Ministério da Saúde, que financiam essencialmente serviços públicos de saúde e atribuem um certo volume de capitais aos prestadores públicos. As prestações dos seguradores consistem em reembolsar os doentes da maior parte dos cuidados ambulatórios e em pagar directamente aos prestadores a maior parte dos cuidados hospitalares, sob reserva de uma participação do utente nas despesas em ambos os casos. O seguro social cobre mais de 70% das despesas totais de saúde, as mutuais cerca de 6%, o sector público cerca de 4%, os seguradores privados cerca de 2%, o que deixa aproximadamente 17% do total a cargo das famílias (CREDES, 1989). 68 Gráfico 4.1 - Esquema pormenorizado do funcionamento do sistema de saúde da França em 1988 RELAÇÕES ENTRE DOENTES E PRESTADORES As relações entre doente e médico continuam a reger-se, quanto ao essencial, pelos princípios da medicina liberal que remontam aos anos 20: – livre escolha do médico pelo doente; – liberdade do médico de prescrever e de escolher o seu local de exercício; 69 – pagamento por acto pelo doente, de forma ideal segundo acordo entre as duas partes sem intervenção exterior, e – sigilo absoluto. As únicas derrogações a estes princípios consistem na adopção pelos poderes públicos, em 1960, duma tabela de remuneração (ou «numenclatura» dos actos médicos) aplicável à escala nacional aos médicos liberais e, por outro lado, no facto de um terço dos médicos serem assalariados do Estado a tempo inteiro e um outro terço a tempo parcial, principalmente nos hospitais públicos. Nestas condições, o doente que necessita de cuidados médicos primários pode consultar qualquer médico. O generalista não desempenha a função de triagem. O doente paga, ele próprio, o serviço que lhe é prestado e o preço pedido corresponde a esse serviço, acrescido de um excedente de honorários, se o médico consultado estiver autorizado a recebê-lo. Do mesmo modo, se o doente receber uma receita do médico, dirige-se geralmente a um farmacêutico privado e paga ele próprio os medicamentos. O doente poderá, depois, fazer-se reembolsar de uma parte das despesas pela sua caixa de segurança social, sob reserva de uma comparticipação nas despesas (taxa moderadora) e de qualquer excedente de honorários. No entanto, cada vez mais doentes pagam apenas a taxa moderadora, sendo os farmacêuticos reembolsados directamente pela caixa de doença. Para as consultas médicas, a taxa moderadora representa normalmente 25% do preço devido nos termos da convenção; para os medicamentos «indispensáveis», é de 30%, mas atinge 60% para medicamentos ditos de «conforto». Cerca de 10% dos segurados estão isentos da taxa moderadora por sofrerem de uma doença de longa duração. Se o doente tiver contratado um seguro voluntário complementar, pode ser reembolsado de uma parte suplementar das suas despesas médicas, normalmente correspondente à totalidade da taxa moderadora; o excedente de honorários pode serlhe reembolsado na totalidade ou em parte segundo o tipo de cobertura de que beneficia. Existem, por outro lado, mais de 2 000 dispensários municipais em que médicos assalariados prestam os cuidados ambulatórios e preventivos. Estes dispensários desempenham um papel importante junto das famílias desfavorecidas, uma vez que o doente não tem que pagar senão a parte das despesas que não é coberta pela segurança social. Por vezes, o doente pode ser mesmo totalmente dispensado de pagar. Em caso de hospitalização, também o doente tem a liberdade de escolher entre o hospital público e o hospital privado, sendo os cuidados cobertos em ambos os casos sem discriminação pelo regime nacional de seguro de doença. Nos hospitais privados, «o dinheiro segue o doente», enquanto que os hospitais públicos são dotados de um orçamento global. Cerca de dois terços do número de camas encontram-se nos hospitais públicos. Os cuidados são aí dispensados por médicos assalariados a tempo 70 inteiro ou a tempo parcial. O restante terço das camas é gerido por clínicas privadas, na maior parte dos casos de fim lucrativo, em que os médicos são remunerados por acto. Frequentemente são médicos os proprietários dessas clínicas. Os hospitais públicos são geralmente grandes estabelecimentos, bem equipados para tratar os acidentes, as urgências e as patologias mais graves. Os hospitais privados são geralmente mais pequenos e tendem a especializar-se em cirurgia facultativa, em obstetrícia ou em cuidados de longa duração. Os dois tipos de estabelecimentos completam-se até certo ponto, mas entram, cada vez mais, em concorrência, adquirindo certas clínicas privadas os equipamentos requeridos para tratar dos casos mais complexos. Em princípio, os doentes, na sua maioria, têm que fazer a estadia num hospital público, sendo reembolsados depois, mas, na prática, as caixas liquidam a factura do hospital, não deixando o doente pagar senão a fracção da despesa que está a seu cargo (ou seja, no final de 1991, 55 F.F. por dia para os doentes hospitalizados com um seguro suplementar de 20% para as estadias de breve duração de menos de 30 dias, se o doente não estiver isento do pagamento). A despesa hospitalar não é financiada directamente pelos doentes senão na proporção de 4% do total. Finalmente, existe uma vasta rede de estabelecimentos de longa permanência que acolhem 4% da população de idade superior a 60 anos e também serviços de apoio no domicílio sob a forma de cuidados de enfermagem e de auxílio em tarefas domésticas (Rozenkier, 1990). AS RELAÇÕES ENTRE OS DOENTES E OS TERCEIROS PAGADORES A quase totalidade da população está coberta pelo seguro obrigatório de doença que faz parte do regime de segurança social. Este seguro cobre mais de 70% das despesas médicas totais. A inscrição em determinada caixa de seguro de doença está ligada à actividade exercida. A Caixa Nacional de Seguro de Doença dos Trabalhadores Assalariados (CNAMTS) cobre perto de 80% dos segurados obrigatórios, incluindo os reformados e as pessoas a cargo. Existe uma quinzena de caixas mais pequenas que cobrem, por exemplo, os empresários e os trabalhadores agrícolas, os trabalhadores independentes e certos grupos especiais de assalariados, como os mineiros e os empregados dos transportes públicos. Existe também uma rede de segurança de assistência médica em favor das pessoas que nunca tiveram emprego estável e que não podem assumir as suas despesas (cerca de 2,8 milhões de pessoas). As contribuições a pagar às caixas variam segundo o regime, mas são sempre função do rendimento. Para a CNAMTS, a contribuição da entidade patronal era, em Julho de 1992, de 12,6% e a do assalariado de 6,8% do montante total do salário, sem “tecto” de remunerações. Se o trabalhador contribuir também para uma mutual ou para um seguro privado na proporção aproximada de 2,5% do salário, é mais de um 71 quinto da remuneração (incluindo a contribuição da entidade patronal) que é afectado ao seguro de doença. Além disso, a entidade patronal tem que contribuir para um regime distinto que cobre os acidentes de trabalho. Os trabalhadores independentes, esses, pagam a totalidade da contribuição calculada com base no seu rendimento declarado. Desde 1980, a maior parte dos reformados paga um quantitativo equivalente a 1% da sua pensão. Existem várias fórmulas de subvenções cruzadas entre os diversos regimes porque há desequilíbrios entre as contribuições e as prestações. O Estado paga igualmente uma pequena subvenção de base fiscal, financiada em parte por uma taxa sobre o seguro automóvel e pelos impostos indirectos sobre o consumo de álcool e de tabaco. Estes regimes fornecem, ao mesmo tempo, prestações pecuniárias (sob a forma de subsídios de doença) e prestações em espécie (abrangendo os cuidados ambulatórios, os medicamentos, a maternidade, os cuidados dentários, os artigos médicos e a hospitalização). Os números citados não entram em conta com as prestações em numerário. A maior parte das prestações em espécie correspondentes a cuidados ambulatórios é objecto de um reembolso parcial das despesas médicas. Mas as diversas caixas pagam também directamente os cuidados hospitalares em proporções consideráveis. A CNAMTS e os outros seguradores obrigatórios são organismos não governamentais, quase autónomos, dotados de uma sede central para o conjunto do território francês e de uma rede de agências regionais e locais. São objecto de um controlo de gestão à escala nacional e à escala local pelas associações de assalariados e sindicatos, mas também estão sujeitos ao controlo estrito da administração central no que constitui essencialmente, uma função de interesse público. Em especial, as taxas de contribuições e as tabelas de remuneração negociadas com os prestadores de cuidados assim como os preços dos produtos farmacêuticos estão, sob o controlo da administração central. As «mutuais» (das quais vários milhares não contam senão um pequeno número de aderentes) e os seguradores privados não desempenham mais que um papel de complemento no sistema: cobrem a taxa moderadora, certos excedentes de honorários e um pequeno número de prestações que são suportadas pela segurança social. Estas mutuais são geralmente organizadas em benefício de grupos de assalariados ou de membros das profissões liberais e as contribuições assentam no princípio da solidariedade. Os seguradores privados, por seu turno, propõem os seus serviços no mercado livre e cobram prémios fixos em função do risco actuarial e das prestações garantidas. 72 AS RELAÇÕES ENTRE OS TERCEIROS PAGADORES E OS PRESTADORES No sector dos cuidados ambulatórios e do hospital privado (ou seja no sector «liberal»), a relação entre os organismos de seguro obrigatório e os médicos caracteriza-se desde há muito por uma luta entre o desejo de conter as despesas que anima os seguradores e o desejo de reservar «a medicina liberal» que anima a maior parte dos médicos (Godt, 1985). Desde 1960, a lei estabelece que uma tabela de remuneração dos generalistas e dos especialistas, válida à escala nacional, seja negociada entre os seguradores e os representantes dos médicos. Esta tabela ou «nomenclatura» de actos tem três componentes: uma lista de mais de 4 000 actos classificados em cerca de cinquenta código alfanuméricos (ou «letras chave»); uma escala de valores relativos para cada acto; e uma série de coeficientes monetários para os códigos alfanuméricos. O médico elabora a sua factura em conformidade com o número de pontos indicados em cada código. A actualização da lista dos actos e dos valores relativos é pouco frequente e o valor indicado não corresponde em geral, ao custo relativo dos diferentes actos. Quanto aos coeficientes monetários, são geralmente renegociados todos os anos. Os códigos alfanuméricos têm por função preservar o sigilo médico em favor do doente; as consultas, por exemplo, são indiferenciadas. A codificação serve também para dissimular, em grande parte, aos olhos dos seguradores os pormenores de carga de trabalho de cada médico. Os médicos têm a liberdade de não aderir à convenção estabelecida com o regime de segurança social, mas no final dos anos 80, cerca de 97% deles subscreviam esta convenção e eram ditos «convencionados». Todavia, os médicos convencionados têm a faculdade de escolher entre dois sectores de exercício: – No sector 1, os médicos aceitam ater-se à tabela de remuneração negociada, em troca de certas vantagens sociais; uma reforma concedida a título gratuito e um seguro de doença individual. Esta fórmula garante por sua vez ao doente ser reembolsado na proporção de 75% do preço da tabela. – No sector 2, os médicos estabelecem livremente o montante da sua remuneração (com «tacto e moderação») mas são obrigados a pagar contribuições para a sua reforma e o seu seguro de doença. Esta fórmula expõe o doente a «excedentes» de honorários, visto que o reembolso, pelas caixas de segurança social, é calculado segundo a tabela de remuneração de base. Em 1990, não eram menos de 26% os médicos que tinham escolhido exercer no sector 2, na sua maior parte especialistas e generalistas de grandes cidades. O fenómeno resulta, em parte do facto, da tabela de honorários não comportar nenhum elemento de ponderação em função, quer do prestígio do médico, quer das variações 73 geográficas de custo. É a razão pela qual se tornou difícil encontrar, no centro de cidades como Paris e Lyon, especialistas que exerçam no sector 1. Os seguradores não têm praticamente nenhum controlo sobre o volume de serviços médicos nem sobre o lugar de exercício dos médicos. Em contrapartida, seguem de perto o volume da actividade de cada médico e comunicam-lhe os resultados do controlo, na esperança de que esta informação de retorno influencie o seu volume de actividade. A sobreprescrição pode ser sancionada. No que diz respeito aos medicamentos, há uma lista de produtos reembolsáveis: os produtos farmacêuticos devem, efectivamente, ser aprovados para efeitos de reembolso a um preço que é fixado, produto por produto, pela Direcção Francesa dos Medicamentos. No que diz respeito aos produtos novos, a sua venda é autorizada a um preço bastante elevado que é suposto compensar, em parte, o custo da pesquisadesenvolvimento, mas, quando um medicamento não apresenta interesse terapêutico em relação aos seus concorrentes, só será incluído na lista se o seu preço for inferior ao deles. Desde 1990, os farmacêuticos são remunerados segundo uma escala móvel ligada ao custo do medicamento vendido por receita. Em regra geral, o doente paga, ele próprio, ao farmacêutico o preço dos medicamentos e é reembolsado depois pela sua caixa de segurança social. Mas está igualmente previsto que o farmacêutico seja pago directamente pela caixa quando o doente está dispensado de qualquer pagamento. Desde 1984 ou 1985, os hospitais públicos e certos hospitais privados de fim não lucrativo estão dotados de um orçamento de funcionamento global e prospectivo. As despesas são cobertas pelos diversos seguradores locais em função do número de dias de hospitalização contabilizados na zona geográfica de cada um deles. Nos hospitais públicos, os médicos são assalariados. A dotação orçamental destes estabelecimentos compreende uma verba para amortização de equipamento e para os encargos financeiros e é calculada em função das despesas anteriores. É a administração central que fixa a taxa de progressão de todas as dotações orçamentais globais e ela não deixa grande latitude para variações no plano local. A dotação é posta à disposição dos hospitais por duodécimos. A política dos poderes públicos consiste em procurar normalizar o montante da dotação para todos os hospitais em função do volume de trabalho. As despesas de investimento dos hospitais públicos são no essencial autofinanciadas (principalmente graças às verbas para amortizações) e cobertas por empréstimos. As subvenções públicas que são concedidas principalmente para vastos programas novos, não cobrem senão cerca de 10% dos investimentos recentes. Estas modalidades de financiamento favorecem geralmente os hospitais que beneficiam já de uma dotação confortável. 74 Os hospitais privados, pelo seu lado, recebem o reembolso, calculado por dia, dos internamentos hospitalares: os serviços dos médicos são remunerados separadamente por acto, segundo a mesma convenção que se aplica aos cuidados ambulatórios. As taxas praticadas cobrem as amortizações e os encargos financeiros. São negociadas entre os hospitais e os seguradores de acordo com as directivas dos poderes públicos sobre a progressão anual dos preços autorizada. A partir de 1992, foi estabelecida uma espécie de “tecto”, salvo para a cirurgia de urgência∗. O regime de seguro de doença obrigatório desempenha, além disso, um papel importante no financiamento dos cuidados de longa duração que são, em boa parte, assegurados pelo sistema hospitalar. Os cuidados de enfermagem no domicílio e os cuidados médicos, nos estabelecimentos especializados para pessoas idosas, são igualmente subsidiados. Entre as outras fontes de financiamento por uma terceira entidade, devem citar-se o ramo velhice do regime geral de segurança social e a assistência social (Rozenkier, 1990). A PLANIFICAÇÃO E A REGULAÇÃO ASSEGURADAS PELOS PODERES PÚBLICOS O sistema de saúde está, portanto, submetido a uma vigilância estreita dos poderes públicos: não se faz grande apelo à auto-regulação. Em vez de deixar as caixas de segurança social fazerem contrapeso, é a administração que toma a iniciativa do controlo das despesas e que assegura o planeamento. As caixas, segundo parece, são responsáveis perante as entidades patronais e os assalariados e, por conseguinte, estão expostas localmente a pressões quando negoceiam com os médicos e com os hospitais privados. Sob muitos pontos de vista, comportam-se mais como financiadores passivos do que como compradores activos. Acontece mesmo por vezes que se aliem passageiramente com os prestadores independentes contra os poderes públicos. O controlo dos poderes públicos exerce-se de várias formas, das quais as principais são: – regulação das taxas de contribuição para a segurança social: implicitamente, o princípio parece ser o de que a progressão das despesas de saúde não deve ser superior à do PIB; – controlo do orçamento global dos hospitais públicos; – controlo dos vencimentos e salários, assim como do número de postos de trabalho nos hospitais públicos; – supervisão das negociações sobre os honorários e os preços dos médicos e dos hospitais privados e controlo directo dos preços pagos pelos ∗ “chirurgie de jour” no original francês. N. da T. 75 seguradores pelos medicamentos e pelos artigos médicos (a partir de 1992, certas negociações podem ser feitas ao nível das caixas); – planeamento das compras de equipamento e das novas construções de hospitais públicos assim como dos hospitais privados (estabelecimento de uma «carta sanitária»); – controlo dos efectivos de estudantes admitidos no segundo ano dos estudos médicos a fim de travar a progressão do número dos médicos; – limitação (elevada) da relação entre o número de farmácias e o de habitantes (numerus clausus). Como o mostra o quadro 4.1, a administração central exerce essencialmente o seu controlo sobre os preços e sobre os novos investimentos. Em contrapartida, a actividade escapa largamente ao seu controlo, com ressalva do efeito indirecto da dotação orçamental global dos hospitais públicos. Quadro 4.1 - Regulação dos preços e do volume pelos poderes públicos1 Controlo dos preços Taxa de crescimento Hospitais públicos Orçamento global e controlo dos vencimentos e salários Hospitais privados Indemnizações diárias2 Médicos liberais Nomenclaturas e letras-chave Prestadores paramédicos independentes (laboratórios, ambulâncias, cuidados de enfermagem) Nomenclaturas e letras-chave3 Produtos farmacêuticos Preço público de reembolso 1 Preço unitário 76 Actividade Investimentos Camas, equipamentos pesados x Esquema sugerido por Christine Meyer, do Comissariado Geral do Plano. Com “tecto”, a partir de 1992 (salvo para a cirurgia de urgência). 3 Com “tecto”, a partir de 1992. 2 Controlo do volume x Camas, equipamentos pesados x Efectivos dos estudantes de medicina x Número de farmácias REFORMAS RECENTES No decurso da última década, a reforma de maior importância foi a adopção do princípio de um orçamento prospectivo global para os hospitais públicos (em 1984, para os hospitais mais importantes e, em 1985, para os outros). Como a ideia é conter as despesas, esta dotação global substitui então o regime de taxa regulamentada de progressão das diárias, o qual substituía já um modo de cálculo da diária que assentava, mais ou menos, na despesa retrospectiva. O sistema de preço diário incitava os directores de hospitais a prolongarem, ao máximo, a duração média da permanência hospitalar. A dotação global permite um controlo muito mais estrito da despesa total, mas proporciona, ao mesmo tempo, à escala local, uma maior liberdade de gestão. Desde o princípio dos anos 80, este controlo mais estrito dos hospitais públicos é apoiado por um controlo dos vencimentos e salários. Uma outra reforma com efeitos importantes consistiu, nos anos 80, em conceder aos médicos que prestam cuidados ambulatórios a liberdade de acederem ao sector 2 no âmbito da convenção que rege os honorários médicos, o que os autoriza a pedir ao doente um excedente de honorários. O acordo inclui uma disposição segundo a qual os doentes que consultam esses médicos não serão doravante reembolsados senão ao nível de uma percentagem previamente fixada da remuneração negociada à escala nacional. Esta fórmula substitui um dispositivo anterior nos termos do qual o privilégio de fixar livremente os seus próprios honorários só era concedido a um pequeno número de médicos escolhidos pelo seu renome científico; os doentes eram, então, reembolsados de determinada percentagem dos honorários efectivamente pagos. A reforma teve, segundo parece, por finalidade fazer suportar pelo doente (ou pelo seu seguro complementar) uma parte do financiamento de honorários médicos em progressão constante. A ideia era também a de que a liberdade que passava a ser reconhecida ao médico de escolher o sector 2 seria moderada pelo facto de os doentes suportarem integralmente o custo do excedente de honorários. Todavia, a adesão de um grande número de médicos ao sector 2 constitui agora obstáculo, nas grandes cidades, ao acesso aos especialistas por parte dos doentes de recursos modestos. Como observou Enthoven (1988), quando a curva da oferta é inelástica, a liberdade concedida aos prestadores de imporem esses excedentes de honorários permite-lhes avançarem até atingirem o montante correspondente à soma do pagamento coberto pelo seguro com o pagamento correspondente aos honorários antes do seguro, de tal modo que os utentes acabam por vir a encontrar-se não segurados. Além disso, as vantagens cada vez mais substanciais concedidas aos médicos do sector 1 começam a abalar a posição dos poderes públicos quando estes têm que negociar o montante dos honorários nos dois sectores. Em 1989, o Estado decidiu, portanto, congelar o acesso ao sector 2. Após intermináveis negociações entre os seguradores, a administração e os sindicatos de médicos, marcados por greves dos internos (jovens médicos hospitalares), cuja carreira poderia sofrer com 77 uma tal medida, foi assinado em Março de 1990 um novo acordo cujos principais elementos são os seguintes: – congelamento temporário do acesso ao sector 2, salvo para um determinado pequeno grupo de internos; – obrigatoriedade para os médicos que pertenciam já ao sector 2 de consagrarem 25% da sua actividade a serviços remunerados pela tarifa convencional negociada à escala do país, a cuidados inteiramente gratuitos ou ainda a algum outro serviço de interesse público; – o financiamento pelos médicos da formação médica contínua passou a ser assegurado pela retenção de uma quantia módica sobre os honorários; – aumento imediato dos honorários em 5 francos. Os poderes públicos adoptaram, também no decurso dos anos 80 e no princípio dos anos 90, um certo número de reformas menores ou «planos», principalmente com vista a travar a progressão das despesas, nomeadamente: – a supressão, em 1980, da limitação (“plafonnement”) das remunerações para efeitos de cálculo das contribuições salariais e, em 1984, para cálculo das contribuições patronais; – pequenos aumentos periódicos da fracção das despesas de medicamentos a cargo do doente e colocação a seu cargo de um modesto montante fixo hospitalar; – a adopção, em 1983, duma lista «negativa» de medicamentos, isto é, não reembolsáveis pelos seguradores; – várias reformas dos estudos médicos, incluindo um estreitamento dos mecanismos de controlo dos efectivos dos estudantes de medicina, de tal sorte que o número de diplomas concedidos passou de 6 400 em 1980, para 4 100 em 1988; – a adopção de um novo modo de remuneração dos farmacêuticos baseado agora numa escala móvel ligada ao preço dos medicamentos e já não numa determinada proporção desse preço; – a criação, em 1989, de um organismo nacional incumbido de proceder à avaliação das tecnologias médicas; – a adopção de medidas tendentes a encorajarem a medicina preventiva em certas regiões; – a adopção em 1986, 1990 e 1991, de novas medidas destinadas a limitarem o reembolso dos produtos farmacêuticos; 78 – a limitação das despesas de laboratório e de sala de operações nos hospitais privados: desde 1991, as despesas de laboratório têm que ser incluídas na diária do hospital, e o nível das despesas de salas de operações não deve exceder o de 1990. Um sistema de informação «medicalizado» deve ser instaurado, a partir de 1993, para fazer assentar os pagamentos numa base de actividade real; – negociação, em 1991, de acordos respeitantes aos serviços de laboratório de análises patológicas ou de ambulâncias para fixar um “tecto” às despesas de investimento (ao nível de 1990); – negociação, em 1991-1992, de acordos similares com os enfermeiros que exercem profissão liberal e com outras profissões ligadas à saúde; só o acordo com os médicos não entra em vigor por falta de ratificação. CRESCIMENTO E DESEMPENHO Em resumo, o sistema de saúde francês associa um seguro de doença universal de âmbito nacional com um regime pluralista de prestações e com a remuneração por acto de uma grande parte dos cuidados médicos. Os poderes públicos exercem um controlo estrito sobre os honorários e os preços, mas um controlo fraco sobre o volume dos factores de produção e sobre a actividade. Este sistema é essencialmente «induzido pela procura», pelo menos até à adopção em 1984-1985, do mecanismo do orçamento global para os hospitais públicos. Não é talvez surpreendente, nestas condições, constatar, segundo os números da OCDE, uma progressão rápida entre 1960 e 1985 da parte do PIB afecta às despesas de saúde, que passam de 4,2% em 1960, a 5,8% em 1970, a 7,6% em 1980 e a 8,8% em 1990. A França registou, portanto, nos anos 80, tal como a Bélgica, uma progressão da parte do PIB consagrada às despesas de saúde muito mais forte que os cinco outros países estudados aqui. Esta duplicação da parte das despesas de saúde em 25 anos parece-se muito com a evolução observada durante o mesmo período nos Estados Unidos, se bem que em França, a parte do PIB considerada seja mais fraca no princípio e no fim do período (Schieber e Poullier, 1989). Mas, nos Estados Unidos, a progressão das despesas acelerou-se, entre 1970 e 1990, enquanto que desacelerava em França; além disso, os preços relativos dos cuidados médicos computados baixaram regularmente durante este período, em França, enquanto aumentavam nos Estados Unidos entre 1975 e 1980 e depois entre 1980 e 1990 (Sandier, 1989 b). Em 1987, as despesas de saúde por habitante eram de 1105 dólares US em paridade de poder de compra, ou seja, um valor próximo do que é calculado para os Países Baixos e para a Alemanha, mas inferior em 50% ao valor calculado para os Estados Unidos e cerca de 50% superior ao do reino Unido. A despesa efectiva de saúde por habitante é ligeiramente superior à que se poderia esperar segundo uma 79 curva de regressão relacionando o PIB com as despesas de saúde que foi elaborada para os principais países da OCDE (Schieber e Poullier, 1989). Sempre de acordo com as estatísticas da OCDE actualizadas no quadro 10.2, capítulo 10, a França situa-se acima da média no respeitante às consultas de médicos, aos medicamentos receitados fora do hospital, às camas de hospital de cuidados intensivos, e às admissões hospitalares de casos graves. Todavia, a duração média de permanência hospitalar para doenças agudas é muito inferior à que se verifica na Alemanha e nos Países Baixos. A França conta também um número relativamente elevado de médicos por 1 000 habitantes (2,6 em 1989). Entre 1971 e 1987, este número duplicou, acarretando uma baixa do volume de negócios médio do generalista que representava, à partida, mais de três vezes o salário médio nacional e já não representava, no final do período, senão um pouco mais do dobro (Sandier, 1989 a). O volume das prestações efectuadas por médico aumentou também de forma regular. Que impacto tiveram, se o tiveram, estes diferentes movimentos no estado de saúde dos franceses? É difícil responder com segurança a esta questão, em parte porque os cuidados médicos não são o único factor determinante da saúde. Mas os números da OCDE (Schieber et al., 1989) levam a pensar que, em 1989, a França se situava na média dos países quanto à esperança de vida à nascença (72,7 anos para os homens, sendo a média da OCDE de 72, 2 anos, e 80,1 anos para as mulheres, sendo a média da OCDE de 79,0 anos). A França teria também registado neste período, parece, um balanço positivo no que diz respeito à mortalidade «evitável», isto é os óbitos devidos a certas causas que, segundo os médicos, respondem bem à intervenção médica (por exemplo, a mortalidade perinatal, a tuberculose e o acidente cérebro-vascular nos indivíduos que pertencem a grupo etário de 35 a 64 anos). Segundo Charlton e Velez (1986), entre 1956 e 1978, as taxas de mortalidade «evitável» recuaram mais rapidamente em França do que na Inglaterra e no País de Gales, nos Estados Unidos, na Itália e na Suécia, enquanto no Japão o número de óbitos devidos a essas mesmas causas baixava ainda mais fortemente. Os números da OMS sobre os anos de vida potencial perdidos de, 1960 a 1989, corroboram estas observações. Algumas das reformas efectuadas durante os anos 80 tiveram um efeito sensível, embora temporário, sobre as estatísticas nacionais: entre 1985 e 1987, a parte do PIB consagrada às despesas de saúde estabilizou-se em 8,5% e aumentou moderadamente até 1990. O fenómeno explica-se essencialmente pela adopção do princípio da dotação orçamental global dos hospitais públicos. Com efeito, as despesas hospitalares, que representavam 47% das despesas totais de saúde em 1985, não representavam mais de 45% aproximadamente, em 1988. Mas este resultado não foi alcançado senão à custa de greves do pessoal dos hospitais públicos, denunciando também estes últimos a concorrência desleal praticada em seu detrimento pelos hospitais privados (CREDES, 1989). 80 Os poderes públicos não conseguiram dominar tão bem as despesas relativas aos cuidados ambulatórios. Neste sector, a despesa aumenta mais de 50%, entre 1985 e 1990, principalmente por causa dos excedentes de honorários e do aumento do volume das prestações. O efectivo dos médicos autorizados a praticarem excedentes (os do sector 2) passou de 7% da totalidade dos médicos em 1980, a 26%, em 1989. Com o aumento da participação dos doentes nas despesas, isso explica que os pagamentos a cargo do doente, que representavam 15,6% das despesas de saúde em1980, representem 19,9% em 1988 (sendo aqui a definição de despesa de saúde ligeiramente mais estreita do que a adoptada para o cálculo dos números citados no princípio do capítulo). Pode-se, portanto, recear que se perpetue uma relação pouco positiva entre o consumo de cuidados médicos, por um lado, e rendimentos elevados e pertença a uma classe social favorecida, por outro (CREDES, 1989). O aumento da participação do utilizador nas despesas, todavia, quase não refreou a progressão das despesas de saúde. O volume das prestações continua a crescer rapidamente, apesar da informação de retorno de que se dispõe sobre a actividade dos médicos de profissão liberal. No conjunto, a progressão das despesas de saúde acelerou-se após 1987 e a parte do PIB consagrada aos cuidados médicos passou de 8,5% a 8,8% em 1990. Face ao défice da segurança social, os poderes públicos viramse obrigados, em Julho de 1991, a elevar a taxa de contribuição dos empregados. PONTOS FORTES, PONTOS FRACOS E SOLUÇÕES POTENCIAIS Em matéria de saúde, a França tem um balanço extremamente positivo no que diz respeito à realização dos objectivos expostos no capítulo primeiro. O sistema existente conseguiu assegurar a toda a população serviços de excelente qualidade e a igualdade de acesso aos cuidados está largamente alcançada. Consegue, além disso, assegurar a manutenção do rendimento dos utentes em caso de doença. Em relação às décadas anteriores, a progressão das despesas diminuiu de ritmo, nos anos 90. Os utentes gozam de uma liberdade de escolha extremamente ampla e os prestadores de um grau de autonomia igualmente elevado. Isto significa que existe no seio do sistema uma concorrência activa induzida pelos utentes e, à escala microeconómica, há eficácia, no sentido de que os médicos que asseguram cuidados ambulatórios e os hospitais privados respondem bem às necessidades dos doentes, de tal sorte que os utentes estão amplamente satisfeitos (Blendon et al., 1990). Subsistem, no entanto, certas dificuldades rebeldes, nomeadamente: ritmo de crescimento das despesas de saúde continua a ser relativamente rápido, o que favorece um défice recorrente do orçamento da segurança social; a progressão rápida do volume de certos serviços de cuidados intensivos leva a um provável desperdício e a actos inúteis; a organização dos cuidados de longa duração apresenta lacunas e põe-se a questão da eficácia dos hospitais públicos. Até certo ponto, estas dificuldades estão ligadas a condições que escapam ao controlo do governo, como o envelhecimento da 81 população e os progressos constantes das técnicas médicas, que são onerosas. No entanto, estas dificuldades resultam também da insuficiência dos mecanismos de incentivo aplicados quer do lado dos doentes, quer do lado dos prestadores; e o sistema de gestão está, muitas vezes, longe do ideal. No que diz respeito aos próprios doentes, a existência de um seguro de doença quase universal não os incita a moderar a sua procura espontânea de cuidados. Mesmo tendo a seu cargo uma parte elevada das despesas respeitantes aos cuidados ambulatórios, o efeito dissuasor do dispositivo é, em geral, compensado pelo recurso frequente ao seguro complementar. De qualquer, os doentes não estão, em geral, suficientemente informados para poderem contestar as decisões dos seus médicos em matéria de tratamento e de receituário. Ao mesmo tempo, a crescente frequência dos excedentes de honorários no quadro do sector 2 favoreceu a desigualdade entre os doentes que também tomaram consciência do custo dos cuidados. No tocante aos médicos dos consultórios urbanos e das clínicas privadas, a remuneração por acto e o crescimento dos efectivos estimularam fortemente a progressão do volume de outros tipos de actos, por exemplo o receituário e os exames auxiliares de diagnóstico. É verosímil que cada médico se fixe um objectivo em matéria de rendimento. Os poderes públicos conseguiram bem conter os honorários da tabela negociada mas este resultado é quase anulado pelo aumento do volume das prestações efectuadas pelo médico. No que diz respeito aos produtos farmacêuticos, a França regista uma das taxas de receituário mais elevadas entre os países da OCDE, associada a um nível de preços que é dos mais baixos, fenómeno que incitou muito pouco a indústria farmacêutica francesa a praticar activamente a pesquisadesenvolvimento. Os poderes públicos estão à procura de novos métodos de contenção dos preços dos produtos farmacêuticos, por exemplo propondo a criação de uma agência médica, em 1992, encarregada de assumir funções de regulação que estavam anteriormente a cargo de vários serviços. Noutros domínios, como o da prevenção, o dos hospitais públicos e o dos cuidados de longa duração, a expansão dos serviços foi limitada. No concernente aos cuidados de longa duração, por exemplo, a oferta não acompanha o aumento das necessidades ligado ao envelhecimento da população. Resulta daí, por vezes, um encargo financeiro intolerável para as pessoas idosas ou para a sua família. Não se vislumbra sempre uma relação clara entre a concepção dos mecanismos de incitação, a evolução das necessidades da população e os grandes objectivos da política de saúde. No respeitante aos hospitais públicos, a adopção do princípio do orçamento global e o controlo dos vencimentos e salários deram à administração central os meios de conter mais firmemente a progressão das despesas. Mas as tensões devidas aos severos constrangimentos orçamentais exacerbaram-se, uma vez que a maior parte dos hospitais privados beneficiava, por seu lado, de um regime aparentemente menos restritivo. Além disso, não é fácil, com uma fórmula de dotação orçamental global, 82 recompensar um estabelecimento que trata um maior número de doentes ou realiza ganhos de produtividade. Nos hospitais públicos, «o dinheiro já não segue o doente» e a possibilidade que lhes é dada de serem reembolsados dos suplementos reduz o efeito dos incentivos à contenção das despesas. Nestas condições, os hospitais privados parecem beneficiar de demasiada autonomia e incentivo enquanto que uma e outro fazem falta aos hospitais públicos. Os primeiros estão a negociar um enquadramento convencional, como se indica mais adiante. Sob vários aspectos, o sistema desencoraja a auto-regulação ou retira-lhe a sua eficácia. Em particular, a administração central deixa-se convencer a tentar periodicamente travar o crescimento das despesas. As reformas menores ou «planos» sucessivos têm efeitos positivos a curto prazo, mas não conseguem impedir a reaparição, ao fim de um ano ou dois, do défice da segurança social. É possível que, com esta acumulação regular de reformas relativamente modestas concebidas para o curto prazo, a França consiga adaptar o seu regime original, que assenta ao mesmo tempo num seguro de doença nacional, em hospitais públicos e numa medicina liberal, e realizar os objectivos fixados pelos poderes públicos. Foi com esta finalidade que o Parlamento adoptou, na Primavera de 1991, uma lei de reforma hospitalar. Para equilibrar as condições de competição entre hospitais públicos e hospitais privados, esta lei visa: – descentralizar a planificação hospitalar em benefício das regiões; – dar maior autonomia aos hospitais públicos no concernente ao seu orçamento de investimento assim como à criação e supressão de postos de trabalho; – estender a «carta sanitária» à utilização de técnicas médicas onerosas em vez de a limitar à aquisição de equipamentos; – impor a avaliação da actividade dos hospitais privados e, além disso, submeter estes últimos a um processo de homologação; – exigir dos hospitais privados que celebrem «convenções» com as caixas de seguro de doença precisando o volume de actividade esperado. Os poderes públicos estudaram também certas propostas tendentes a suprimir, a título de experiência, a regulamentação dos preços dos produtos farmacêuticos efectuada actualmente produto por produto, a favor de uma fórmula de “orçamentalização” global das sociedades farmacêuticas bastante próxima do sistema em vigor no Reino Unido (Pharmaceutical Price Regulation Scheme). A falta de consenso na indústria assim como entre os decisores governamentais não permitiu passar do estádio de reflexão à acção. 83 É possível, no entanto, que os poderes públicos não consigam realizar os seus grandes objectivos sem uma verdadeira refundição das estruturas do sistema. Aqui várias opções se oferecem ao governo. Uma delas consistiria em seguir a orientação adoptada pela Alemanha e pela Bélgica: impor a fórmula do orçamento global tanto para os serviços dos prestadores independentes como para os dos hospitais públicos e, ao mesmo tempo, incitar as caixas a desempenharem mais activamente um papel de comprador. Isso permitiria aos poderes públicos manterem-se um pouco mais afastados e talvez melhorasse o clima das discussões a travar sobre novos modos de remuneração dos prestadores no que diz respeito a certos serviços. Talvez uma fórmula mista, que fizesse apelo simultaneamente à remuneração por acto, à capitação e ao salário, pudesse romper o círculo vicioso criado pela espiral da baixa constante das remunerações e a da subida constante do volume das prestações. Ou então o governo francês poderia seguir o exemplo dos Países Baixos e encorajar a criação de mercados organizados tanto para o seguro de doença como para os próprios serviços de saúde. A este respeito, Giraud e Launois (1985) assim como Launois et al. (1985) propuseram um modelo de concorrência organizada que se inspira no «plano de saúde à escolha do consumidor» de Enthoven (1980). A França teria então que adoptar novas instituições inéditas neste país, em particular a das «redes de cuidados coordenados» (RSC) que se inspira na noção de Healt Maintenance Organisation (HMO) dos Estados Unidos. Como o HMO americano associa seguro de doença e prestações médicas, as propostas em causa prevêem que se deixasse ao utente a escolha, quer de um, quer das outras. O modelo encarado assentaria em seis princípios: a) manutenção da contribuição obrigatória calculada em função do rendimento e destinada a financiar um seguro de doença nacional; quer dizer que seria mantido o princípio da «solidariedade»; b) criação de grupos de seguradores/prestadores, as «redes de cuidados coordenados» (RSC) constituídas a partir dos actuais agentes do sistema de saúde; c) promoção da saúde no interesse da pessoa do segurado globalmente considerada (incluindo pela prevenção) através dessas RSC; d) financiamento das RSC principalmente por meio de capitações ponderadas em função do risco, que seriam transferidas para elas anualmente por intermédio do regime de seguro obrigatório; e) assunção, pelos utentes, de uma parte das despesas, a pagar não por ocasião dos cuidados, mas na altura do pagamento da capitação ponderada em função do risco, sendo esta participação, grosso modo, igual à que representa actualmente a taxa moderadora (20%); 84 f) encorajamento da concorrência entre RSC, entre as RSC e os prestadores remunerados por acto, e entre os prestadores que procuram a clientela das RSC. A finalidade de um tal sistema seria que a escolha do seu segurador por um utente que tomou consciência dos custos e da qualidade dos serviços suscite a concorrência em todos os sectores. Daí resultariam efeitos positivos tanto para o custo como para a eficácia dos cuidados médicos. Para que o princípio da solidariedade não seja subvertido, seria necessário adoptar certas regras que desencorajassem a tentação do segurador de operar uma selecção em função do risco e prever, por exemplo, a liberdade de adesão, mas seria necessário também precaver-se contra o auto-seguro. Parece, todavia, que se opõem enormes obstáculos políticos a uma refundição da estrutura inspirada em tais princípios e nada de tão revolucionário figura actualmente na ordem do dia da política de saúde. Os poderes públicos ficam-se, de momento, pela sua fórmula habitual; adoptar, uma a uma, reformas mais modestas do tipo das que examinámos, que procuram melhorar o desempenho do sistema instalado. 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Depois da reunificação, em Outubro de 1990, procurou-se, uma vez mais, reformar radicalmente os modos de financiamento e de prestação dos serviços de saúde na Alemanha oriental de modo a harmonizá-los com os que predominam no conjunto da Alemanha ocidental. A primeira parte deste capítulo incide sobre os modos de financiamento e de prestação dos cuidados médicos na Alemanha ocidental assim como sobre a intervenção dos poderes públicos na regulamentação e na planificação dos serviços de saúde. A segunda parte expõe a génese das reformas recentemente introduzidas pelos poderes públicos nas duas partes da Alemanha, descrevendo brevemente o sistema existente na antiga República Democrática Alemã. Uma experiência social pouco comum – um país com uma só língua e com uma história comum, compelido a uma diferenciação política, económica e social durante 40 anos – oferece uma ocasião rara para comparar o funcionamento de um sistema de saúde numa democracia liberal com o de um país comunista, considerando constantes as condições iniciais e numerosos factores potencialmente perturbadores (Light, 1985). O crescimento e o funcionamento dos dois sistemas serão comparados aqui, assim como a sua incidência no estado de saúde das populações abrangidas. Se é certo que a reforma do sistema de saúde na parte oriental do país se reveste da mais alta prioridade para as autoridades responsáveis, prosseguem, no entanto, os debates sobre a necessidade de reformar também o sistema existente na Alemanha ocidental. A concluir, serão examinadas várias questões em suspenso assim como o leque das soluções actualmente debatidas. 88 OS CUIDADOS MÉDICOS NA ALEMANHA OCIDENTAL A população da Alemanha ocidental tem acesso a uma vasta gama de serviços de saúde fornecidos, ao mesmo tempo, por prestadores públicos e independentes. O acesso aos serviços de saúde não está ainda entravado por pesados pagamentos directos. Cerca de 85% da população estão obrigatoriamente segurados e mais ou menos 13% estão-no a título voluntário em caixas obrigatórias de seguro de doença. A quase totalidade do resto da população – essencialmente pessoas que pertencem aos estratos superiores de rendimentos – tem um seguro de doença privado. Face aos modelos descritos no capítulo 2, o modelo predominante é o do contrato público. Vêm a seguir os modelos de contrato voluntário e de reembolso no quadro de um seguro voluntário. A maior parte das decisões em matéria de despesas é tomada conjuntamente pelas caixas de seguro obrigatório de doença e pelos prestadores segundo processos que são, ao mesmo tempo, muito descentralizados e muito formais. Existem cerca de 1100 caixas autónomas de seguro de doença. As associações dessas caixas negoceiam com as associações regionais de médicos para determinarem o montante global dos pagamentos a efectuar aos médicos que prestam cuidados ambulatórios. No caso dos hospitais, os representantes das caixas de seguro de doença negoceiam com os hospitais as taxas de pagamento. Nessas negociações, são tomadas em consideração as orientações relativas às taxas de aumento das despesas de saúde fixadas pela Comissão de Acção Concertada (organismo nacional composto por representantes das partes envolvidas no sistema de saúde, que se reúne duas vezes por ano para fixar as taxas máximas de aumento das despesas de saúde relativas a cuidados ambulatórios e dentários, medicamentos e outros fornecimentos médicos). Tendo a Alemanha uma estrutura federal, a regulamentação dos serviços de saúde está repartida entre a administração central, as administrações dos Länder e as administrações locais. O gráfico 5.1 ilustra, sob uma forma simplificada, algumas das principais relações existentes. Encontra-se em baixo, na parte esquerda do diagrama, a população, uma parte da qual consome cuidados (e, portanto, tem que ser contada como doente) no decurso de determinado ano, e em baixo, na parte direita, os prestadores que fornecem serviços de saúde aos doentes, e, no cimo do diagrama, os terceiros pagadores que recebem as contribuições, os prémios ou os impostos pagos pela população e pagam aos prestadores ou reembolsam os doentes das despesas relativas aos serviços que lhes são prestados. As linhas contínuas correspondem aos fluxos de serviços e as tracejadas aos fluxos financeiros. 89 Gráfico 5.1 - O sistema de saúde dos Länder ocidentais da Alemanha em meados dos anos 80 A quase totalidade da população está coberta por um seguro de doença. As caixas de seguro de doença obrigatório, que cobrem cerca de 88% da população, pagam directamente aos prestadores os serviços prestados às pessoas nelas inscritas. Entre as caixas de seguro de doença, podem-se distinguir as caixas «RVO» (Regulamentação sobre o seguro de Estado) que cobrem cerca de 60% da população e as caixas de substituição de que relevam cerca de 28% da população. Os seguradores privados, que cobrem aproximadamente 10% da população, pagam indemnizações sob a forma 90 tanto de reembolsos pecuniários como de pagamentos aos prestadores. As caixas de substituição e os seguradores privados são apresentados como sendo múltiplos pelo facto de existir uma certa concorrência no seio (e mesmo entre) desses segmentos do mercado. As administrações central, dos Länder e locais fazem parte dos fornecedores de fundos devido ao seu papel no financiamento dos serviços públicos de saúde e dos investimentos hospitalares. No que diz respeito às fontes de financiamento, cerca de 60% das despesas de saúde são financiadas pelas contribuições obrigatórias e voluntárias para o seguro de doença obrigatório e cerca de 21% pelo imposto, enquanto que 7% correspondem ao seguro privado e aproximadamente 11% a despesas não reembolsadas, pagas integralmente pelos doentes. Entre os prestadores figuram os serviços públicos de saúde, os farmacêuticos, os médicos liberais, os hospitais públicos, os hospitais privados de fim não lucrativo, os hospitais privados de fim lucrativo e os serviços de cuidados no domicílio. Os farmacêuticos, os médicos que prestam cuidados ambulatórios e os hospitais privados de fim não lucrativo são apresentados como sendo múltiplos, dado que existe, em geral, uma certa concorrência no seio dessas categorias. Alguns outros prestadores, como os dentistas, foram omitidos. As caixas de seguro de doença pagam aos prestadores sob a forma de orçamentos globais ou de pagamentos por acto. A maior parte dos investimentos hospitalares, tanto no sector público como no privado, é financiada pelos poderes públicos. A RELAÇÃO ENTRE OS DOENTES E OS PRESTADORES A maior parte dos doentes pode recorrer aos serviços médicos, sabendo que beneficia de cuidados muito completos e de alta qualidade entre os quais figuram os serviços preventivos, o planeamento familiar, a protecção da maternidade, os medicamentos vendidos por receita, os cuidados médicos ambulatórios, os cuidados dentários, os serviços de transporte dos doentes, a hospitalização, os cuidados no domicílio, a reeducação e os tratamentos em estações termais, assim como a garantia de rendimento durante as faltas por doença. Os serviços públicos de saúde e os serviços psiquiátricos são, todavia, considerados precários. As casas de repouso e as residências para pessoas idosas são mantidas, fora do sistema de seguro obrigatório de doença, por colectividades locais e organismos de beneficência. Estes são essencialmente financiados por pagamentos privados que constituem muitas vezes, objecto de prestações de auxílio social. Os doentes escolhem livremente um médico em regime liberal, generalista ou especialista. O acesso ao hospital é controlado por médicos que prestam cuidados ambulatórios e os doentes inscritos numa caixa de seguro de doença são normalmente obrigados a dirigir-se ao hospital mais próximo que disponha dos serviços 91 apropriados. Todavia, os doentes privados e os doentes cobertos por certas caixas de seguro de doença podem ser orientados para outros hospitais. Os cuidados ambulatórios e os cuidados hospitalares estão nitidamente separados. A maior parte dos hospitais não tem serviços de consultas externas e os médicos que prestam cuidados ambulatórios não têm geralmente acesso à prática hospitalar. Diz-se que este sistema suscita «cadeias de orientação» muito longas, uma duplicação dos equipamentos e a repetição dos mesmos exames de diagnóstico por diferentes médicos. Os serviços de cuidados ambulatórios estão bem equipados e têm acesso aos materiais de diagnóstico mais modernos. Se é verdade que os médicos liberais trabalham, na maior parte dos casos, isoladamente, as associações – geralmente de dois médicos especialistas do mesmo ramo – estão a multiplicar-se. No quadro do seguro obrigatório, os doentes despendem directamente somas pouco elevadas com os serviços médicos. Assim, em 1988, a soma a pagar pelo aviamento de uma receita era de 2 marcos por pessoa, as despesas hospitalares eram de 5 marcos diários, nos catorze primeiros dias passados no hospital, e as despesas de transporte de doentes que não exigissem cuidados urgentes eram de 5 marcos. No entanto, estas tarifas estavam sujeitas a “tectos” globais e eram objecto de isenções, nomeadamente para as crianças e as pessoas de baixos rendimentos. É naturalmente exigido um pagamento integral dos medicamentos comprados sem receita e dos cuidados médicos privados, incluindo os quartos particulares nos hospitais públicos. Os médicos recebem honorários mais elevados pelos doentes particulares do que pelos doentes inscritos numa caixa de seguro de doença. Segundo Ade e Henke (1990), isto pode redundar numa discriminação entre estes dois tipos de doentes. Segundo as estimativas da OCDE, o sector público suportou o encargo de 92% do custo dos cuidados ambulatórios e de 98% dos custos de hospitalização em 1987. A RELAÇÃO ENTRE A POPULAÇÃO E OS TERCEIROS PAGADORES Na Alemanha ocidental, 88% da população estão cobertos pelo seguro de doença obrigatório – estando duas pessoas, em cada cinco, a cargo dos contribuintes. Cerca de 10% da população – essencialmente funcionários, trabalhadores independentes, pessoas de rendimento elevado – estão inteiramente cobertos pelo seguro privado. A quase totalidade dos restantes 2% da população, em que se incluem os membros das forças armadas e da polícia assim como certas pessoas que beneficiam de assistência social, recebe serviços de saúde gratuitos. Menos de 0,5% da população – exclusivamente pessoas abastadas – não tem seguro de doença. A relação entre os inscritos obrigatórios e os inscritos voluntários numa caixa de seguro de doença é de cerca de 85 para 15. A inscrição é obrigatória para os trabalhadores cujo rendimento anual seja inferior a um certo nível (fixado em 54 900 marcos em 1989), para os pensionistas do Estado, para os membros de certas profissões e para determinadas outras pessoas de rendimentos modestos. Os 92 assalariados cujo rendimento seja superior ao “tecto” podem inscrever-se voluntariamente no regime obrigatório, constituindo outra solução o recurso ao seguro privado. A maioria das pessoas que pode segurar-se voluntariamente escolher uma caixa de seguro de doença de preferência a um segurador privado porque os prémios são, aí, geralmente inferiores para as pessoas casadas e para a família, assim como para as pessoas idosas e os trabalhadores de alto risco que anteriormente não estivessem cobertos por um seguro privado. Existe, portanto, uma selecção dos riscos que tende a orientar para as caixas de seguro de doença. O regime obrigatório é gerido por aproximadamente 1100 caixas autónomas que são, em geral, controladas por representantes dos empregados e dos assalariados. Existem dois grandes tipos de caixas, a saber as caixas abrangidas pela regulamentação sobre seguro de estado (RVO – Kassen) e as caixas livres homologadas (Ersatzkassen). As primeiras dirigem-se aos “colarinhos azuis” e aos “colarinhos brancos”. Algumas estão organizadas numa base local, outras numa base profissional e outras ainda ao nível das empresas. As segundas, que existiam já como associações de socorros mútuos quando o regime público foi instituído, dirigem-se essencialmente aos “colarinhos brancos” e estão em boa posição no mercado, devido a uma certa selecção dos riscos, para atraírem segurados voluntários. Cerca de metade do conjunto dos inscritos – essencialmente “colarinhos brancos” – pode escolher a sua caixa de seguro de doença. O grupo de caixas mais importante é o das caixas RVO organizadas numa base local (Ortskrankenkassen). Estas caixas dirigem-se essencialmente aos “colarinhos azuis” e proporcionam protecção social às pessoas desfavorecidas que não pertencem a nenhum grupo de assalariados (Eichhorn, 1984). A lei impõe às caixas de seguro de doença que proponham um certo número de prestações, as quais se têm multiplicado com o passar do tempo. Podem igualmente propor prestações suplementares, facultativas. As contribuições são compostas, no essencial, por contribuições dos trabalhadores e dos empregadores ligadas aos rendimentos (50/50) mas com “tecto”. No que diz respeito aos pensionistas do Estado, aos desempregados e aos deficientes, as contribuições são financiadas por uma caixa de segurança social, mas, no caso dos pensionistas, elas só cobrem cerca de metade do custo das prestações. Os custos suplementares são suportados pelas entidades patronais e pelos assalariados e existem, ao nível federal, subvenções cruzadas entre caixas de maneira a compensar, em parte, os efeitos da composição variável dos conjuntos de reformados. As caixas determinam livremente as suas taxas de contribuições dentro dos limites fixados pela lei (desde há pouco, 12%). Todavia, as taxas máximas podem ser ultrapassadas quando uma maioria de representantes dos empregadores e dos segurados votar a favor de taxas mais elevadas. Em 1988, os prémios fixaram-se, em média, em 12,9% dos rendimentos brutos, mas, devido a estruturas de risco diferentes, variaram entre 8 e 16% dos rendimentos segundo as caixas, tendo as caixas locais as taxas mais elevadas. As caixas entregam-se a uma 93 forte concorrência para atraírem segurados voluntários. Para esse efeito, tendem mais a propor prestações facultativas suplementares do que a baixar o montante dos prémios. No que diz respeito aos 10% da população que estão inteiramente cobertos por um seguro privado, a cobertura é assegurada por aproximadamente 45 seguradores de fim essencialmente não lucrativo. As prestações têm que ser, pelo menos, tão generosas como as prestações mínimas do regime obrigatório. Uma pequena percentagem de alemães subscreve um seguro privado suplementar para completar as prestações oferecidas pelo regime obrigatório. As franquias e co-seguro revestem-se de uma importância crescente. Os seguradores privados convencionaram colectivamente submeter a fixação dos seus prémios ao controlo de uma companhia federal de seguro. Os prémios iniciais são função da idade, do sexo, do risco, do número de pessoas a cargo e da partilha dos custos. São baixos para uma pessoa de 20 anos e elevados para uma pessoa de 50. Posteriormente, os prémios não variam em função da idade ou do risco, mas podem ser acrescidos em função do número de pessoas a cargo e da partilha dos custos assim como do aumento das despesas médicas. Este sistema implica uma forma de economia e desencoraja os indivíduos de mudarem de segurador. Os prémios de seguro de doença são objecto de uma certa dedução fiscal, mas até determinado limite, de tal sorte que, na realidade, os aumentos marginais dos prémios são geralmente financiados pelo rendimento colectável. Diversamente das caixas de seguro de doença, os seguradores privados realizam prestações, sob a forma de reembolso, em relação às facturas de médicos, mas pagam geralmente indemnizações diárias directamente aos hospitais. A RELAÇÃO ENTRE OS TERCEIROS PAGADORES E OS PRESTADORES As relações entre as caixas de seguro de doença e os médicos liberais têm um carácter muito formal. De acordo com a lei, os médicos estão organizados em associações regionais e nacionais que têm por função fornecer cuidados ambulatórios aos doentes inscritos em caixas de seguro de doença e que dispõem de poderes consideráveis sobre os médicos. Estas associações são completamente distintas dos sindicatos de médicos. Todos os médicos que têm as qualificações requeridas podem fazer uma oferta de serviço aos inscritos nas caixas de seguro de doença: uma vez que sejam aceites, devem aderir a uma associação de médicos. Estas associações negoceiam com as associações de caixas de seguro de doença à escala nacional as tarifas das prestações efectuadas aos doentes que relevam de uma caixa de seguro de doença. As tarifas são negociadas nos limites de uma taxa máxima de progressão das despesas recomendada para os cuidados ambulatórios; esta é fixada pela Comissão de Acção Concertada, a fim de manter a um nível constante as taxas de contribuição dos segurados. 94 Quando é celebrado um acordo local, a caixa de seguro de doença aceita, de facto, efectuar um pagamento fixo prospectivo à associação de médicos que o redistribui aos médicos, em função da sua actividade e de uma tabela de honorários. A associação controla a qualidade e o volume de prestações de cada médico e toma, sendo caso disso, medidas disciplinares. Este sistema assemelha-se a um monopólio bilateral ao nível da negociação do pagamento fixo, mas nem as associações de caixas de seguro de doença nem as associações médicas controlam o volume das prestações. O volume das prestações é, no essencial, determinado conjuntamente pelos doentes e pelos médicos, que não são incentivados, nem uns nem outros, a fazer economias. Ao nível de cada médico, existe concorrência quanto ao volume das prestações e dos rendimentos. Se um médico produzir, digamos, 10% de serviços suplementares, pode aumentar os seus rendimentos numa percentagem análoga. Todavia, se todos os médicos aumentarem em 10% o número das suas prestações, os honorários de cada um terão de ser reduzidos de 10% para manter as despesas globais nos limites convencionados e para que os rendimentos de cada médico permaneçam idênticos. Do mesmo modo, se o número de médicos aumentar 10% e se o volume das prestações por médico permanecer constante, os rendimentos de cada médico diminuirão 10% (Brenner, 1989). Recentemente, os pagamentos fixos foram divididos em parcelas para impedir que os serviços de diagnóstico sejam financiados em detrimento dos cuidados directos aos doentes (Ade e Henke, 1990). A tabela dos honorários utilizada pela associação de médicos compreende cerca de 2 500 actos, acompanhados de um valor relativo em pontos (negociado à escala nacional e raramente revisto) e de um valor monetário por ponto. Assim, uma consulta telefónica de um doente representa 80 pontos, uma consulta no domicílio 360 pontos e uma radiografia entre 360 e 900 pontos. Os valores monetários variam, geralmente, segundo os lugares e são, tradicionalmente, mais elevados para as caixas livres homologadas (Ersatzkassen) do que para as caixas RVO. São também inversamente proporcionais ao número de pontos facturados segundo o processo descrito acima. No que diz respeito aos doentes privados, existe uma tabela de remunerações legal, distinta, que utiliza a mesma gama de valores relativos em pontos. Os honorários são cerca de duas vezes mais elevados do que os pagos pelas caixas RVO. São autorizados excedentes de honorários (unicamente) para os doentes particulares, desde que seja utilizada a gama de valores relativos, mas isso é raro. Até 1989, as despesas farmacêuticas eram relativamente mal controladas. Os preços de grosso dos medicamentos eram fixados, unilateralmente, pelos fabricantes e os médicos redigiam as receitas sem serem incitados a adoptar um comportamento economicamente racional. Os doentes não participavam nas despesas senão em escassa medida. Por conseguinte, a concorrência através dos preços era limitada. Desde então, foi estabelecida uma lista de produtos não reembolsáveis, foram publicados, por iniciativa dos poderes públicos, os preços de medicamentos 95 comparáveis, foi encorajada a prescrição de medicamentos genéricos e foram submetidas a controlo as margens de lucro dos farmacêuticos. O «Contrato Bávaro» celebrado, em 1979, entre caixas de seguro de doença e a associação dos médicos da Baviera constitui uma variante interessante deste sistema. De acordo com esse contrato, a remuneração global dos médicos podia aumentar mais rapidamente que a taxa negociada, desde que se pudesse provar que tinham sido realizadas economias por influência dos médicos, nomeadamente no tocante a prescrições de medicamentos e à orientação dos doentes para os hospitais (os efeitos deste contrato serão examinados mais adiante). A Alemanha ocidental dispõe de três grandes categorias de hospitais: os hospitais públicos que podem ser propriedade do Estado federal, dos Länder ou das colectividades locais e representam 51% das camas; os hospitais privados que pertencem, muitas vezes, a instituições religiosas e representam 35% das camas; e os hospitais privados pertencentes, geralmente, a médicos que reúnem 14% das camas. As duas primeiras categorias empregam geralmente médicos assalariados e recebem das caixas de seguro de doença uma quantia fixa diária que inclui a remuneração dos médicos. Todavia, os médicos responsáveis por um serviço, num hospital público, podem ter uma clientela particular. Os hospitais de terceira categoria trabalham com médicos que são remunerados por acto e recebem das caixas de seguro de doença quantias fixas diárias que não incluem a remuneração dos médicos. As tarifas pagas pelos doentes particulares estão em conformidade com a tabela de honorários estabelecida para esta categoria de doentes e os médicos devem, geralmente, entregar uma parte dos seus honorários ao hospital. Como foi indicado acima, os médicos dos hospitais raramente dão consultas externas e os médicos que dispensam cuidados ambulatórios raramente têm acesso ao hospital. O financiamento dos hospitais faz-se numa dupla base: as despesas de exploração são essencialmente financiadas pelas caixas de seguro de doença e por seguradores privados, enquanto que as despesas de investimento, mesmo nos hospitais privados, são-no essencialmente pelos governos dos Länder. Se é certo que as caixas de seguro de doença são obrigadas, de acordo com a lei, a suportar as despesas de funcionamento dos hospitais, estes últimos têm a obrigação de funcionar em boas condições de rendibilidade. Desde 1986, o pagamento das despesas de exploração é essencialmente assegurado por dotações orçamentais globais prospectivas que são negociadas, à escala local, por representantes das caixas de seguro de doença e dos hospitais. Mais uma vez, estas negociações fazem pensar num monopólio bilateral. Apoiamse num exame pormenorizado das despesas de funcionamento, incluindo a remuneração dos médicos e a provisão para amortizações, assim como da taxa de ocupação prevista. Podem igualmente ser influenciadas por comparações com outros hospitais com bom desempenho. O objectivo é fixar uma tarifa quotidiana média 96 sobre a qual as caixas de seguro de doença se apoiem para pagarem cada dia de hospitalização dos seus beneficiários. As tarifas das prestações efectuadas aos doentes particulares são mais elevadas, mas baseiam-se numa tarifa quotidiana média. No quadro da dotação orçamental global, se o número efectivo de dias de hospitalização for superior aos dias de hospitalização previstos durante o ano, os hospitais só recebem 25% da tarifa quotidiana para os dias de hospitalização suplementares. Se o número efectivo de dias de hospitalização for inferior ao número ao número de dias de hospitalização previsto, o hospital recebe mesmo assim 75% da tarifa quotidiana em relação aos dias de hospitalização que faltem. Estas percentagens são fixadas a partir de uma estimativa dos custos fixos e de custos variáveis. Os hospitais podem transportar os seus excedentes para os anos seguintes e têm que suportar as perdas sofridas. Se as duas partes em negociação não conseguirem chegar a acordo sobre um orçamento prospectivo, a questão é submetida à arbitragem de um serviço de preços não governamental, neutro (Altenstetter, 1987). No respeitante a certos actos muito onerosos, como o enxerto de órgãos, podem, no entanto, ser efectuados pagamentos à margem do orçamento, na base do custo de cada acto. Encara-se a extensão desses pagamentos a mais de 100 actos, a fim de melhorar a transparência interna dos custos, facilitar as comparações externas e agir de modo que os pagamentos correspondam aos casos tratados. Desde 1986, todos os investimentos hospitalares relevam da responsabilidade exclusiva dos governos dos Länder. Os hospitais privados, incluindo os hospitais que pertencem a médicos, podem ser abrangidos por esses planos. O financiamento é assegurado por subvenções que são levadas a ganhos e perdas, uma vez que o investimento foi realizado. Além disso, certos investimentos privados são, ainda realizados em hospitais que pertencem a médicos, o que agrava o encargo usual das dívidas. A contenção dos custos dos serviços médicos financiados pelo sector privado assente essencialmente na participação dos doentes nas despesas, na concessão de prémios por procura de prestações moderadas e no vínculo entre os honorários dos prestadores e as taxas negociadas entre as caixas de seguro de doença e os prestadores, em conformidade com disposições legais. As negociações directas entre seguradores privados e prestadores são raras e a utilização dos recursos constitui objectivo de controlos limitados. Liga-se cada vez mais importância, na Alemanha ocidental, ao nível da qualidade dos cuidados. Um inquérito confidencial sobre a mortalidade e as complicações perinatais foi levado a efeito com sucesso, na Baviera, em 1980, e alargado, em seguida, ao conjunto da Alemanha ocidental. Um outro inquérito confidencial sobre os óbitos e complicações foi empreendido em relação a certos casos que teriam podido ser objecto de acompanhamento cirúrgica. A garantia da qualidade tornou-se uma obrigação legal para os hospitais e é objecto de negociações entre as caixas de 97 seguro de doença e as associações de médicos. A lei exige que o nível de qualidade seja garantido, mas não precisa de que maneira. Não está previsto, de momento, publicar informações sobre as taxas comparativas de óbitos e de complicações por hospital. Comparações válidas parecem tecnicamente difíceis de realizar e uma publicação dos resultados poderia dissuadir os médicos de darem a sua contribuição para o estudo dos acidentes e dos erros. Os serviços de saúde públicos são, essencialmente, efectivados por colectividades locais. Entre estes serviços figuram a luta contra as doenças infecciosas, a educação sanitária, a higiene da criança e da mãe e os serviços de saúde escolares. São financiados pelo conjunto das administrações públicas e, segundo Eichhorn (1984), são considerados um pouco como o parente pobre do sistema. LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO E PLANIFICAÇÃO A participação dos poderes públicos no sistema de saúde da Alemanha ocidental apresenta, pelo menos, três características, a saber: – um quadro jurídico estrito definido ao nível central; – nesse quadro, uma delegação de competências e de poderes muito importante nas caixas de seguro de doença, nas associações de médicos e noutros organismos; – uma repartição das restantes competências dos poderes públicos entre a administração central, a administração dos Länder e as colectividades locais. A autogestão (Selbstverwaltung) é um princípio importante do sistema de saúde alemão. Os poderes públicos delegam determinados poderes e responsabilidades em organismos regulamentados mas autónomos, como caixas de seguro de doença e associações de médicos, que representam grupos de interesses privados, mas cujos membros estão inscritos a título obrigatório. Estes organismos gozam de uma grande autonomia no quadro da regulamentação estabelecida ao nível central (Stone, 1980). O princípio da delegação de poderes aplica-se igualmente a certas instituições que têm por missão controlar e orientar o processo de negociação resultante da existência de um contrapeso ou de um monopólio bilateral. Vale nomeadamente para a arbitragem independente a que podem recorrer as partes que negoceiam os orçamentos dos hospitais. O mesmo acontece com a Comissão de Acção Concertada, instituída pela Lei de 1977 sobre a contenção dos custos, que tem por missão assegurar a estabilidade da taxa das contribuições de seguro de doença (Henke, 1986). Esta Comissão parece recorrer essencialmente à persuasão moral, evidenciando às partes o interesse que elas têm em evitar novas leis sobre a contenção dos custos (Schulenburg, 1990 b). Desde 1986, ela é assistida por um Conselho permanente de 98 peritos, que elabora um certo número de relatórios, que gozam de autoridade sobre as deficiências do sistema de saúde (como o número excessivo de camas de hospital) e contém propostas de reforma (atribuição de um papel de «filtro» aos generalistas, introdução de um sistema de remuneração fixa para os médicos que prestam cuidados ambulatórios, etc.) (Alber, 1989). No que diz respeito à repartição dos poderes, as diferentes administrações públicas têm competências distintas: – o governo federal é responsável pela elaboração dos textos legislativos, pelas orientações gerais e da jurisdição relativa ao sistema de seguro de doença; – os governos dos Länder são responsáveis pela aprovação dos actos legislativos federais (por intermédio dos seus representantes na Câmara Alta), pelo controlo local das caixas de seguro de doença e das associações de médicos, pela gestão dos hospitais públicos, incluindo hospitais universitários, pela planificação dos hospitais (cada Land estabelece um plano para o controlo das capacidades dos hospitais tanto públicos como privados), por todos os investimentos hospitalares autorizados pelo plano estabelecido por cada Land, pelo controlo das normas aplicáveis aos estudos médicos e, consequentemente, de maneira indirecta, pela inscrição dos estudantes em medicina. – as colectividades locais são responsáveis pelos serviços de saúde públicos, pela gestão dos hospitais locais, pelos investimentos realizados nesses hospitais, assim como pela gestão e pelo financiamento das casas “medicalizadas” públicas (que não estão cobertas pelo regime de seguro de doença obrigatório). Este dispositivo pode dar lugar a tensões. Assim, o governo federal e os governos dos Länder podem, por vezes não estar de acordo quanto às orientações gerais. As despesas hospitalares são, muitas vezes, fonte de conflitos na medida em que o governo federal tem tendência para se identificar com as caixas de seguro de doença enquanto que os governos dos Länder têm interesses importantes no fornecimento de serviços hospitalares. 99 GÉNESE DAS REFORMAS RECENTES Alemanha ocidental O sistema de saúde da Alemanha ocidental tende a enfermar de um certo número de problemas. Um primeiro problema, que compartilha com outros sistemas largamente tributários de terceiros pagadores, deriva de uma ausência geral de consciência dos custos. Os doentes e os prestadores são muito pouco incentivados de um ponto de vista financeiro a limitarem a sua procura de cuidados, no que diz respeito a uns, e a restringirem o volume dos cuidados prestados, no que toca aos outros. A concorrência tende a manifestar-se sob a forma duma luta dirigida mais para o aumento do volume dos cuidados e a melhoria da qualidade destes do que para a redução das despesas. Nestas condições, a determinação do nível das despesas faz-se no quadro das negociações entre seguradores e prestadores que se aparentam, como se viu, com um monopólio bilateral. Um segundo problema resulta do facto de, num tal mercado, o poder negocial dos compradores e dos vendedores não ser sempre igual. Em certos momentos – por exemplo, quando da «explosão dos custos», no princípio dos anos 70 – os prestadores tiveram a supremacia, enquanto que noutros – nomeadamente na fase seguinte de contenção dos custos – o equilíbrio de forças entre as duas partes foi maior. A maior parte das reformas de saúde que os poderes públicos empreenderam desde o fim dos anos 70, visava ou sensibilizar mais os consumidores e os prestadores para o problema dos custos ou reforçar o poder das caixas de seguro de doença nas suas negociações com os prestadores. Nos anos 80, os progressos mais enérgicos em matéria de despesas referiram-se aos produtos farmacêuticos e aos hospitais (Schneider, a publicar). Um outro problema diz respeito à atribuição talvez ineficaz, de certos recursos. Alguns comentadores observaram que a combinação de uma estrita especificação das prestações pelos poderes públicos com os incentivos oferecidos pela tabela de honorários gera um desequilíbrio a favor dos actos de diagnóstico e terapêuticas respeitantes a doenças graves e em detrimento dos serviços médicos individuais, da prevenção e dos cuidados de longa duração. Defende-se igualmente que o número de camas é excessivo e superior ao que é requerido pela duração média de permanência num hospital. Foi neste contexto que o governo federal decidiu tomar medidas legislativas tendentes a conter os custos. A lei de 1977 sobre a contenção das despesas de saúde (Stone, 1979) implicava a aplicação de um certo número de medidas importantes, das quais as principais são as seguintes: – a adopção do princípio de uma política de despesas ligada ao rendimento; 100 – a instituição da Comissão de Acção Concertada entre os parceiros envolvidos; – a reintrodução do que se poderia chamar orçamentos prospectivos fixos para os pagamentos efectuados pelas caixas de seguro de doença às associações de médicos; – a participação ou o aumento da participação dos doentes nas despesas relativas às placas dentárias, aos medicamentos aviados por receita e aos serviços de transporte; – o estabelecimento de uma lista de medicamentos não reembolsáveis (lista negativa); – a instalação de um sistema de partilha dos riscos para os reformados, válido para todas as caixas de seguro de doença. Uma nova lei sobre a contenção dos custos foi elaborada em 1982. Ela previa nomeadamente novos aumentos dos preços para os medicamentos aviados por receita e a publicação de listas de preços para medicamentos comparáveis. Em 1983, uma lei financeira adicional introduziu uma nova tarifa de 5 marcos por dia para os primeiros catorze dias das permanências hospitalares, uma nova tarifa de 10 marcos para os tratamentos de reeducação e uma nova tarifa de 2 marcos a pagar por medicamento. As despesas hospitalares tinham sido, em larga medida, deixadas à margem da lei de 1977. A lei de 1982 sobre a contenção das despesas hospitalares (Eichhorn, 1984) começou a dar remédio a esta situação por meio das seguintes disposições: – submissão das tarifas hospitalares diárias a negociações entre os representantes das caixas de seguro de doença e os dos hospitais; – participação tanto das associações das caixas de seguro como das associações dos hospitais na elaboração dos planos dos Länder relativos aos hospitais; – extensão da competência da Comissão de Acção Concertada aos hospitais. A reforma hospitalar prosseguiu com a lei de 1985 sobre o financiamento dos hospitais e a regulamentação de 1986 relativa ao pagamento dos hospitais (Altenstetter, 1987), que continham nomeadamente as disposições seguintes: – supressão do financiamento conjunto pelo governo federal e pelos governos dos Länder, dos investimentos hospitalares, que estão agora a cargo unicamente dos Länder; – adopção de orçamentos prospectivos globais para as despesas de exploração de cada hospital e negociação desses orçamentos entre os representantes das caixas de seguro de doença e os hospitais na base de montantes fixos e das taxas de ocupação previstas; 101 – fixação de tarifas diárias médias globais na base dos montantes fixos e de comparações com os de hospitais comparáveis com bom desempenho; – fixação dos pagamentos efectivos em 75% da tarifa diária convencionada, quando o número real de dias de hospitalização é inferior ao mínimo previsto, e de 25% dessa mesma tarifa para o número real de dias de hospitalização que ultrapassem o mínimo previsto; – possibilidade concedida aos hospitais de transportarem os seus excedentes para os anos seguintes; – recurso a uma instância de arbitragem neutra e não à arbitragem dos governos dos Länder em caso de diferendo; – possibilidade de pagamentos especiais ligados aos custos reais para certos actos muito onerosos; – manutenção, pelos hospitais, de estatísticas sobre os seus doentes – diagnóstico, serviço de hospitalização, idade e duração da estadia – em vista da determinação ulterior de preços baseados nos custos correspondentes aos diferentes tipos de casos. A lei de 1986 sobre a programação das necessidades permitiu às associações de médicos e às caixas de seguro de doença proibirem médicos recém-chegados instalarse em zonas em que o excesso de médicos de certas especialidades fosse superior a 50%. Além disso, foram tomadas medidas para permitir às associações de médicos e às caixas de seguro de doença incitarem os médicos à reforma antecipada. Finalmente, após uma brusca subida das taxas médias de contribuição que passaram, em meados dos anos 80, de cerca de 11,5% para perto de 13% em consequência do aumento do desemprego e de novos aumentos das despesas, o governo empreendeu um novo conjunto de reformas com a lei de 1989 sobre a Reforma dos Serviços de Saúde. Esta lei é a mais importante sobre o seguro de doença obrigatório desde a de 1911 (Schneider, a publicar). Procura tanto conter as despesas como financiar certas melhorias das prestações. É composta por seis grandes constituintes: – obrigatoriedade para os prestadores de adoptarem um comportamento mais racional do ponto de vista económico; – revisão da partilha das despesas; – modificações introduzidas nas prestações; – melhoria do controlo da qualidade, da actividade, do número de médicos e das condições de exercício; – modificações introduzidas nas taxas de contribuição; – adopção numa data ulterior de reformas mais fundamentais. 102 Obrigatoriedade para os prestadores de adoptarem um comportamento mais racional do ponto de vista económico O Ministério de Trabalho e dos Assuntos Sociais adoptou em relação aos medicamentos para que existem produtos de substituição (medicamentos que perderam a sua protecção por “brevet”) um sistema de pagamentos fixos baseados no preço mais baixo dos produtos, de natureza a produzirem o efeito pretendido. Deviam ser introduzidos por fases preços fixos: num primeiro momento, para os medicamentos que têm o mesmo ingrediente activo (cerca de 33% dos medicamentos lançados no mercado); em seguida, para os medicamentos que têm ingredientes equivalentes de um ponto de vista terapêutico e, finalmente, para os medicamentos com perfis farmacológicos comparáveis. No fim de contas, aproximadamente 55% dos medicamentos existentes no mercado deviam ser afectados directamente pela nova regulamentação (Jensen, 1990). Uma vez que tivessem sido instituídos pagamentos fixos para um determinado medicamento, seria suprimida a quantia a pagar aquando do aviamento da receita. Os médicos continuariam a ter a liberdade de prescrever um produto cujo preço ultrapassasse o nível do pagamento fixo, mas a diferença ficaria então a cargo do doente. Enquanto se esperava pela adopção de preços fixos, a soma a pagar na altura do aviamento da receita seria elevada de 2 para 3 marcos. Estas disposições tinham em vista criar uma concorrência pelos preços entre os fabricantes de produtos farmacêuticos. Um sistema análogo de pagamentos fixos, baseados no preço mais baixo de produtos igualmente eficazes, foi introduzido para outros artigos médicos. – Foram introduzidos processos mais rigorosos para controlar as receitas passadas pelos médicos que relevam de caixas de seguro de doença. – Foram impostas aos farmacêuticos novas obrigações, tais como a de fornecer equivalentes genéricos quando são prescritos pelo médico. – Às caixas de seguro de doença foi concedido o direito de rescindirem os contratos celebrados com hospitais dotados de capacidades excedentárias e não rendíveis. – Os hospitais foram obrigados a publicar listas de preços e os médicos a tomar em consideração a relação custo/eficácia do encaminhamento dos seus doentes para um outro nível de cuidados. – Foi previsto assegurar a coordenação entre os serviços de hospitalização e os serviços de consultas externas, de modo a reduzir os internamentos supérfluos. Para este efeito devia ser celebrada uma convenção entre as caixas de seguro de doença, os hospitais e os médicos que relevam das ditas caixas, recorrendo-se, sendo necessário, à arbitragem. 103 – Do mesmo modo, deviam ser criadas comissões de equipamento, a fim de se reduzirem as duplicações de equipamento nos hospitais e nos consultórios médicos. – Novos incentivos financeiros deviam ser instituídos pelos governos dos Länder, a fim de reduzir o número de camas de hospital excedentárias. – Foi concedido às caixas de seguro de doença o direito de experimentarem novas modalidades de prestações e de financiamento dos serviços, nomeadamente no que diz respeito à partilha das despesas, à supressão dos prémios ligados ao volume das procuras e ao pagamento dos prestadores de cuidados. As experiências em causa estão limitadas a uma duração de cinco anos e devem ser submetidas a uma avaliação científica. Revisão da partilha das despesas – A tarifa da diária de hospitalização deve passar de 5 marcos para 10, a partir de 1991. – A participação nas despesas de transporte dos doentes foi fortemente aumentada. – As condições de isenção de pagamentos para certos doentes foram revistas e foram fixados novos “tectos” ligados ao rendimento para as despesas totais a cargo dos indivíduos. Modificações introduzidas nas prestações – Certas prestações menores foram suprimidas. – Foi introduzido um certo número de novas prestações preventivas – essencialmente sob a forma de direitos a controlos médicos, nos diferentes escalões de idade. – Foi concedido um apoio financeiro às pessoas que têm a seu cargo doentes de longa duração. Assim, a partir de 1989, as caixas de doença pagaram até quatro semanas de licença aos membros da família que têm a seu cargo tais doentes e concedem, desde 1991, um subsídio de cuidados de longa duração sob a forma, quer de um pagamento de 400 marcos por mês ao membro da família em questão, quer de um pagamento de 750 marcos por mês destinado ao financiamento de 25 horas de cuidados de enfermagem profissionais. Melhoria de regulamentação 104 – Na sequência de negociações entre as caixas de seguro de doença e as associações de médicos, foram postos em prática programas de garantia de qualidade, relativamente tanto aos médicos que asseguram cuidados ambulatórios como aos médicos dos hospitais. O fornecimento de uma garantia de qualidade devia incumbir às partes envolvidas, mas está previsto, por exemplo, instaurar controlos trimestrais sobre amostras aleatórias que representem 2% dos médicos que asseguram os cuidados ambulatórios. – Está previsto transformar o serviço de exame médico num serviço consultivo independente encarregado de apoiar as caixas de seguro de doença. – Os governos dos Länder foram convidados a tomarem medidas para reduzirem, de forma indirecta, o número de estudantes admitidos em Medicina. – Está previsto submeter a condições mais rigorosas a possibilidade de os médicos exercerem em ligação com as caixas de seguro de doença. Modificações introduzidas nas taxas de contribuições – Foi fixado um limite de rendimentos para as contribuições de seguro de doença pagas pelos “colarinhos azuis”, os quais beneficiam assim das mesmas condições que os empregados. – As contribuições dos reformados foram elevadas para um nível correspondente ao nível médio das contribuições dos trabalhadores (6,4%) a partir de 1989. – As contribuições para os filhos segurados no quadro do sistema público por pais cobertos por um seguro privado deviam ser duplicadas. Reformas mais fundamentais Está previsto introduzir, numa data ulterior, reformas mais fundamentais incidindo sobre a modernização das estruturas administrativas das caixas de seguro de doença. Estas reformas teriam por objectivo reduzir os desvios existentes entre as taxas de contribuição, eliminar as distorções de concorrência e suprimir as desigualdades no tratamento dos trabalhadores manuais e dos empregados. Em Maio de 1992, o Ministério da Saúde introduzia um novo conjunto de reformas (Schneider, a publicar). Alemanha oriental 105 Antes da reunificação, a Alemanha oriental estava dotada de serviços de saúde centralizados e integrados, tanto financiados como fornecidos pelos poderes públicos. Os serviços farmacêuticos, os serviços de cuidados ambulatórios e os cuidados hospitalares estavam praticamente todos submetidos ao controlo do Estado e eram fornecidos gratuitamente aos doentes. Era atribuída uma importância especial aos centros de cuidados ambulatórios (policlínicas) e aos serviços de medicina do trabalho. As prestações eram financiadas, ao mesmo tempo, por taxas sobre os salários e pelo imposto geral. Os doentes podiam escolher os seus médicos, mas estes últimos eram assalariados e estavam sujeitos a um controlo estrito dos poderes públicos. O sector privado era muito restrito (cfr. gráfico 5.2, que mostra as principais características do sistema de saúde da antiga República Democrática Alemã, em 1989). Gráfico 5.2 - Esquema de funcionamento do sistema de saúde da antiga República Democrática Alemã Aquando das negociações que conduziram à reunificação, foi decidido dotar, dentro dos melhores prazos, o sistema de saúde da antiga RDA de bases financeiras e organizacionais idênticas às existentes na Alemanha ocidental. As principais modificações introduzidas ou encaradas foram as seguintes: – em 1 de Janeiro de 1991, uma rede completa de caixas locais de doença (Ortskrankenkassen) começou a funcionar na Alemanha oriental. Outras caixas de seguro de doença poderão ser criadas livremente. 106 – a grande maioria da população será segurada a título obrigatório em função dos níveis de rendimento. – a taxa das contribuições a pagar a todas as caixas de seguro de doença será fixada em 12,8% (ou seja a taxa média na Alemanha ocidental), durante pelo menos um ano. – o objectivo é realizar um equilíbrio entre as despesas e os rendimentos. Para melhor o conseguir, os honorários e tarifas de cuidados médicos, na Alemanha oriental, foram fixados em 45% dos que estavam em vigor na Alemanha ocidental (o que corresponde à diferença estimada entre os níveis de vida das duas partes da Alemanha). – no que diz respeito aos produtos farmacêuticos, os preços serão fixados de uma forma homogénea no conjunto da Alemanha, mas, nos Länder orientais, as caixas de seguro de doença obrigatório beneficiarão de um abatimento mais importante. Com efeito, a indústria farmacêutica comprometeu-se a partilhar com o Estado, numa certa medida, o encargo dos défices sofridos pelas caixas de seguro de doença, em consequência de preços elevados e de um forte consumo. – no respeitante à prestação de cuidados, as policlínicas e a medicina de grupo continuam a ser populares porque numerosos médicos que exercem na Alemanha oriental, nomeadamente velhos médicos, homens e mulheres, desejam continuar a trabalhar a tempo parcial. Como a maioria dos doentes continua a recorrer a esse tipo de prestações, as policlínicas serão mantidas, pelo menos temporariamente, mas serão objecto de um reexame no termo de um período de cinco anos (ou seja, em 1996). – os médicos poderão continuar a ser assalariados ou optar por um sistema de remuneração por acto, tal como existe na Alemanha ocidental. Isso não deixa, no entanto, de suscitar dificuldades porque, nos Länder ocidentais, os honorários incluem as despesas de funcionamento dos consultórios enquanto que, nos Länder orientais, os salários não entram em conta com as despesas gerais das policlínicas. – a necessidade de investimento para a conformação dos edifícios e equipamentos com as normas em vigor na Alemanha ocidental foi calculada em 20 milhares de milhões de marcos. DESEMPENHO DOS DOIS SISTEMAS Alemanha ocidental 107 Em resumo, a maior parte dos Alemães ocidentais está coberta por um seguro de doença obrigatório ou privado que lhes dá acesso a cuidados de qualidade e, em geral, praticamente não os incita a fazerem economias. Os consumidores escolhem livremente um médico que assegura cuidados ambulatórios, mas têm raramente a livre escolha do seu segurador. Os prestadores gozam de uma autonomia muito grande e são incentivados, financeiramente falando, a aumentar o volume dos cuidados dispensados, mas quando se põe a questão dos pagamentos, eles encontram-se confrontados com as associações de caixas autónomas de seguro de doença que estão encarregadas de estabilizar as taxas de contribuição dos seus membros. As negociações institucionalizadas e regulamentadas que se seguem assemelham-se a um monopólio bilateral, mesmo se as caixas de seguro de doença não podem controlar o volume das prestações. Aconteceu muitas vezes, no passado, que as negociações tenham sido favoráveis aos prestadores. Todavia, o governo federal esforça-se, desde há mais de dez anos, por fazer pender a balança a favor das caixas de seguro de doença elaborando leis para definir a orientação, ao nível nacional, relativamente às taxas de progressão das despesas, à adopção de orçamentos prospectivos fixos para as associações de médicos e para os hospitais e a uma arbitragem independente no que diz respeito às tarifas hospitalares. No conjunto, a concorrência pelos preços é fraca por oposição à concorrência pela qualidade, mas foram recentemente tomadas medidas para encorajar a concorrência pelos preços no domínio do fornecimento de produtos farmacêuticos e de serviços hospitalares. O governo federal conseguiu estabilizar a parte do PIB afecta a despesas de saúde, após a explosão de despesas do princípio dos anos 70. A parte do PIB correspondente a essas despesas tinha passado de 5,5% em 1970, a 7,8% em 1975. Segundo os números da OCDE, a parte das despesas de saúde era de 8,5%, em 1980, de 8,9% em 1988, e de 8,1% em 1990. Medidas em dólares, em paridade de poder de compra, as despesas de saúde por habitante foram de 1 093 dólares US, em 1987, ou seja, um valor próximo do registado em França e nos Países Baixos, mas superior em cerca de 50% ao do Reino Unido. As despesas de saúde por habitante situavam-se quase exactamente no nível que seria de esperar, segundo uma curva de regressão que relaciona essas despesas com o PIB por habitante, no conjunto dos países da OCDE (Schieber e Poullier, 1989). Fez-se notar, no entanto, que as despesas de saúde por habitante poderiam ser superiores à curva de regressão resultante dos números da OCDE. Certos comentadores indicam que as despesas de saúde, com exclusão das transferências, representaram entre 9 e 10% do PIB (ou do PNB) entre 1975 e 1984 (ver Reinhardt, 1981; Altenstetter, 1986; Henke, 1988 e 1990). A Alemanha parece ser um dos países da OCDE que não inclui senão uma parte das casas de repouso “medicalizadas”, no cálculo das despesas de saúde. 108 Como era de esperar, as despesas respeitantes aos serviços assegurados pelo sector privado progrediram mais rapidamente do que as despesas relativas aos serviços assegurados pelo sector público durante o período de contenção das despesas. A parte do sector privado nas despesas passou de 18%, em 1977, a 22%, em 1989 (Schneider, a publicar). No decurso dos dois últimos anos, o governo federal conseguiu realizar os objectivos financeiros que tinha fixado na lei de 1989 sobre a reforma do sistema de saúde. A taxa de progressão das despesas das caixas de seguro de doença caiu de 5,8%, em 1988, para 3%, em 1989. Umas 300 caixas de seguro de doença puderam baixar a sua taxa de contribuição e espera-se actualmente que as taxas médias de contribuição desçam para 12,6% em 1992 (contra cerca de 12,9% em 1988) em vez de subirem para 13,5%, na falta de reformas. Como foi indicado acima, a parte declarada nas despesas de saúde no PIB desceu de 8,9%, em 1988, para 8,2%, em 1989. Entre outras medidas, foram encerrados quatro hospitais não rendíveis e foram encarados vinte outros encerramentos. A adopção de um sistema de pagamentos fixos para os medicamentos deu muito bons resultados. Durante o primeiro ano, os preços dos medicamentos reembolsados pelo sistema baixaram de 21%, enquanto que os preços dos outros medicamentos aumentaram 2% (Schneider, a publicar). A maior parte dos fabricantes atingidos baixou rapidamente os seus preços para o nível do preço – “tecto”. Os consumidores mostraram-se pouco dispostos a pagar o preço dos medicamentos de marca mais caros. No que diz respeito aos volumes e aos preços, contam-se na Alemanha ocidental mais camas de hospital de cuidados intensivos por mil habitantes (7,6%), mais consultas de generalistas por habitante (10,8%) e mais medicamentos receitados fora dos hospitais por habitante (11,2%) que nos outros seis países deste estudo (ver quadro 10.2 no capítulo 10). Além disso, se bem que a duração média das estadias hospitalares tenha diminuído, é na Alemanha ocidental que a duração média das estadias hospitalares para casos graves é mais longa (13,5 dias em 1986). Não parecem existir listas de espera nos hospitais. O número de médicos por 1000 habitantes (2,8%) é superior à média dos sete países e as projecções levam a pensar que o número de médicos aumentará ainda em 50%, até ao ano 2000 (Brenner, 1989). A razão dos rendimentos dos médicos para o salário médio é excepcionalmente elevada, mas baixou com o aumento do número de médicos (Sandier, 1989). Segundo as estimativas, os preços médios dos medicamentos são os mais altos da Comunidade Europeia (SNIP, 1988). O contrato bávaro de 1979, que procurava incitar financeiramente os médicos a reduzirem pela sua prática de cuidados ambulatórios, as despesas ligadas às receitas e à orientação dos doentes para os hospitais, não produziu os resultados esperados. No conjunto, parece não ter havido praticamente qualquer substituição dos cuidados dispensados pelos médicos, em matéria de receituário e de orientação para os 109 hospitais, e de não ter sido registada qualquer economia. Isso pode explicar-se pelo facto de os incentivos financeiros previstos pelo contrato não deverem actuar senão a um nível global, o que não era de molde a levar os médicos, considerados isoladamente, a adoptarem uma atitude economicamente racional. Do mesmo modo, no que diz respeito às despesas hospitalares, a existência, no momento da assinatura do contrato, de um reembolso dos custos numa base diária significava que qualquer diminuição do número dos intervenientes hospitalares podia ser neutralizada pelo alongamento da duração das estadias ou a acumulação de custos fixos (Jurgen e Potthoff, 1987). Qual foi a incidência de um nível elevado e crescente das despesas sobre o estado de saúde da população? É uma questão a que foi difícil responder, porque numerosos outros factores, nomeadamente um nível de vida geralmente elevado e em progressão, influem na saúde. Todavia, é interessante assinalar que, em 1987, a Alemanha ocidental se situava na média dos países das OCDE para a esperança de vida à nascença dos homens e das mulheres. Em contrapartida, situava-se acima da média no respeitante à mortalidade perinatal, em 1989, na sequência dos progressos realizados desde os anos 60 em que se situava abaixo da média internacional. A mortalidade perinatal caiu assim de 2,6 por 100 nascimentos, em 1970, para 1,2, em 1980. Esta nítida melhoria foi seguida de novos progressos importantes traduzidos numa percentagem de 0,7, em 1988, ou seja, um êxito superior ao dos outros países abrangidos por este estudo. A Alemanha tem hoje a taxa de mortalidade perinatal mais baixa dos países da OCDE. Certos epidemiologistas, na Alemanha, consideram que as melhorias registadas nos anos 80 se explicam, pelo menos em parte, pela aplicação do programa de garantia de qualidade nos serviços hospitalares de obstetrícia. Finalmente, resulta dum inquérito recente sobre a avaliação que os consumidores fazem dos sistemas de saúde em dez países (Blendon et al., 1990) que os Alemães ocidentais estão relativamente satisfeitos com o seu regime de saúde. A percentagem de pessoas interrogadas que considera que só devem ser introduzidas no regime de saúde «modificações menores» coloca a Alemanha em terceiro lugar (em paridade com a França) no que toca ao grau de satisfação da sua população. 110 Alemanha oriental Se é verdade que a história completa da «experiência» social da República Democrática Alemã está ainda por escrever, uma maioria esmagadora de indivíduos, tanto na Alemanha oriental como na Alemanha ocidental, considera que «o socialismo não deu resultado». Não só a maioria dos indivíduos gozou, durante a maior parte do tempo, de uma maior liberdade pessoal no Ocidente do que no Leste, mas também o nível de vida progrediu muito mais rapidamente na República Federal. No que diz respeito mais especialmente aos serviços de saúde na antiga República Democrática Alemã, que razões se tem, todavia, para pensar que o sistema não funcionou? Não é fácil obter estatísticas sobre as despesas de saúde na antiga República Democrática Alemã, nem elas são necessariamente fiáveis. No entanto, as despesas com cuidados médicos foram quantificadas em 5,5% do rendimento nacional, em 1980, contra 8,5% na Alemanha ocidental, no mesmo ano (Ministério da Saúde, RDA, 1981). A razão do PNB por habitante na Alemanha oriental para o PNB por habitante na Alemanha ocidental foi diversamente estimado entre 0,56 e 0,81 (Lohmann, 1986). É claro que a RDA tinha um nível muito superior ao da RFA antes da reunificação e que consagrou proporcionalmente menores verbas aos serviços de saúde, de tal sorte que as despesas de saúde por habitante devem ter sido lá muito mais reduzidas. No concernente, todavia, aos recursos reais afectados à saúde e às actividades de serviços de saúde, os dois países parecem ter seguido vias bastante semelhantes. Segundo a Organização Mundial de saúde (1988), a República Democrática Alemã contava, em 1985, 2,3 médicos por 1000 habitantes contra 2,6 na República Federal. Em 1977, a RDA tinha, segundo certas fontes, 10,6 camas de hospital por 1000 habitantes contra 11,8 na RFA e os dois países tinham aproximadamente o mesmo número de dentistas e de farmacêuticos por 1000 habitantes (Lohmann, 1986). A duração das estadias hospitalares era aparentemente análoga nos dois países (Rosenberg e Ruban, 1986). Sendo o número de camas de hospital por 1000 habitantes praticamente o mesmo nos dois países, é lícito pensar que as taxas de admissão não diferiam sensivelmente. Finalmente, as tarifas de consultas praticadas pelos médicos parecem ter sido aproximadas, ou seja, 9 marcos por pessoa na RDA, em 1976 (Rosenberg e Ruban, 1986), e 10,9 marcos por pessoa na RFA, em 1975. Se a Alemanha de Leste beneficiava de um volume de serviços de saúde análogo ao da Alemanha ocidental, as suas despesas de saúde por habitante eram, no entanto, muito mais reduzidas em virtude dos preços muito mais baixos que lá eram praticados. No concernente ao estado de saúde da população, a esperança de vida à nascença, na Alemanha de Leste, que era de 69,9 anos para os homens e de 76,0 para as mulheres, em 1987, não estava muito atrás da Alemanha ocidental que era, nesse ano, 111 de 72,2 anos para os homens e de 78,9 anos para as mulheres. A taxa de mortalidade infantil, que atingia 7,2%, em 1950, tinha caído para 0,92%, em 1986. Se é verdade que a taxa de mortalidade infantil era superior à da Alemanha ocidental, em 1986 (0,85%), a diminuição da taxa registada na Alemanha de Leste, desde 1950, foi muito mais importante do que na Alemanha ocidental onde era, nesse ano, de 5,6%. A fazer fé nos números oficiais, a antiga RDA tinha estatísticas sanitárias muito honrosas, tendo em conta o seu nível de vida. As melhorias do estado de saúde parecem ter, mais ou menos, acompanhado as da Alemanha ocidental, se bem que o nível de vida tenha progredido muito mais lentamente a Leste. Dado que o volume bruto de vários grandes serviços de saúde era análogo nos dois países, poder-se-ia defender que o sistema da Alemanha de Leste era, pelo menos, tão eficaz como o de Oeste. É claro que a Alemanha de Leste carecia de um grande números dos equipamentos e dos medicamentos disponíveis a Ocidente. No entanto, parece que os médicos na Alemanha de Leste recebiam uma formação, pelo menos, tão longa como na Alemanha ocidental. Além disso, como observou Light (1985), se o sistema lestealemão retirou aos médicos uma parte da sua autonomia e se baseava numa gestão centralizada, por outro lado, estabeleceu a integração dos cuidados hospitalares e dos cuidados ambulatórios, ligou a saúde à habitação, ao local de trabalho e à escola, e pôs a tónica na prevenção (começando por lançar uma vasta campanha de vacinações obrigatórias para as crianças). Inversamente, se o sistema oeste-alemão privilegiou a autonomia dos médicos, das caixas de seguro de doença e dos doentes, e favoreceu a criação de um número considerável de serviços curativos com tecnologias de ponta, conservou a demarcação encorajada pelos médicos entre os hospitais e os cuidados ambulatórios e negligenciou certos aspectos da medicina preventiva. Se bem que os factores em jogo sejam, aqui, demasiadamente numerosos para que se possam determinar, com segurança, relações de causa e efeito, não é evidente que todos os pontos fortes estivessem concentrados na Alemanha ocidental. CONCLUSÕES: UM DEBATE PERMANENTE Alemanha ocidental A antiguidade do sistema de saúde na Alemanha ocidental comprova os seus numerosos pontos fortes. Como vimos, este sistema permitiu alcançar níveis elevados e equitativos de cuidados ao mesmo tempo que preservou a liberdade de escolha dos doentes e a autonomia dos prestadores. Sucessos muito importantes foram conseguidos nestes últimos anos, no respeitante à redução da mortalidade perinatal. As reformas tendentes a conter os custos permitiram estabilizar a parte do PIB afecta a despesas de saúde. Resulta também de um inquérito internacional sobre o grau de satisfação a respeito dos serviços de saúde que o sistema alemão regista bons resultados. 112 Estes objectivos foram realizados no quadro de um regime essencialmente financiado pelos poderes públicos que não implica, nem uma participação elevada dos utentes nas despesas, nem uma forte intervenção do estado nos processos de controlo. É verdade que a administração central desenvolveu uma política enérgica e eficaz no que diz respeito à taxa de progressão das despesas públicas e à planificação dos serviços hospitalares pelos governos dos Länder. Todavia, o sistema assenta essencialmente na auto-regulação, a qual é assegurada por uma partilha do poder de negociação entre as caixas de seguro de doença autónomas e os prestadores de cuidados e pela liberdade reconhecida aos consumidores de determinarem, em larga medida, o fluxo dos recursos afectos aos cuidados ambulatórios. Mais recentemente, foram tomadas várias iniciativas prudentes, no sentido de aumentar a concorrência entre os hospitais. De uma maneira geral, a fórmula dominante é a fórmula mista do reembolso que permite tanto despesas de base como uma remuneração da produtividade, no âmbito das dotações orçamentais globais. Se é certo que os poderes públicos conseguiram largamente conter os custos no decurso dos últimos 15 anos, continuam a exercer-se certas pressões desfavoráveis. Estas últimas resultam, em certa medida, de factores que escapam ao controlo dos poderes públicos, como o envelhecimento da população. A Alemanha ocidental vai defrontar-se, durante as próximas quatro décadas, com uma forte deterioração da relação inactivos/activos que suscitará problemas financeiros aos sistemas de segurança social e de saúde financiados por repartição (Schulenburg, 1990 b). Em certa medida, as pressões que se exercem sobre o sistema são imputáveis a factores que poderiam prestar-se a novas reformas. Entre esses factores figuram nomeadamente o número manifestamente excessivo de camas de hospital, a incitação persistente dos prestadores para aumentarem o volume e a qualidade dos cuidados e o baixo nível de concorrência entre seguradores e entre certos prestadores. Os trabalhos publicados na Alemanha parecem igualmente denotar uma certa preocupação a respeito da eficácia e da rendibilidade do sistema de saúde. Certos comentadores denunciam a existência de uma sobreprodução relativa de cuidados médicos, somáticos e curativos e de serviços que utilizam tecnologias de ponta, assim como uma subprodução relativa de serviços preventivos e psiquiátricos e de cuidados de longa duração. Este desequilíbrio parece resultar de uma estrita especificação das prestações, no quadro do sistema público, assim como da natureza e da estrutura das incitações que a remuneração por acto dos médicos e outros prestadores constituem. A eficiência dos hospitais foi objecto de um exame rigoroso (Ballay, 1990). A duração média das estadias hospitalares é considerada excessiva e poderia explicar-se pelo número excedentário de camas de hospital, pelo papel que sempre foi atribuído aos preços diários, pela nítida separação existente entre os cuidados ambulatórios e os cuidados hospitalares, pela falta de instalações de cuidados para as pessoas doentes e idosas e pelo duplo sistema de financiamento dos hospitais que faz com que os 113 governos dos Länder sejam responsáveis pela planificação das capacidades e dos investimentos correspondentes, mas não pela gestão dos custos. Mais ainda, os sentimentos estão divididas quanto à taxa de aumento do número de médicos. As projecções levam a pensar que o seu número aumentará em 50% até ao ano 2000. Um novo aumento do número de médicos poderia facilitar a instauração de uma estratégia concorrencial e reduzir mais os rendimentos relativos dos interessados, mas poderia também incrementar a procura de serviços remunerados por acto. Continua a pôr-se um problema de equidade, na medida em que a necessidades iguais não corresponde sempre um tratamento igual. De uma forma geral, os empregados dispõem de uma escolha mais larga de serviços de saúde que os operários, nomeadamente quando os seus rendimentos são superiores ao “tecto” fixado para o seguro obrigatório. Por outro lado, os indivíduos segurados a título obrigatório, que apresentem as mesmas características de riscos e disponham do mesmo rendimento, podem pagar contribuições diferentes pelo simples motivo de serem obrigados a inscrever-se em caixas de seguro de doença cujos beneficiários têm perfis de riscos diferentes. Finalmente, certos comentadores observam que as caixas de seguro de doença são objecto de uma regulamentação excessiva e não são suficientemente incentivadas a comportarem-se como compradores eficientes, agindo por conta dos seus beneficiários. A pressão concorrencial sobre as caixas é, se não inexistente, pelo menos muito limitada e a qualidade do controlo realizado pelos órgãos compostos por representantes dos empregadores e dos trabalhadores assalariados é considerada decepcionante. Alemanha oriental O sistema de saúde da Alemanha oriental, que agora começou a ser desmantelado em parte, poderia, também ele, reivindicar certos êxitos. Apesar de despesas relativamente modestas e de instalações medíocres, esse sistema permitiu melhorar certos indicadores de saúde como, por exemplo, a taxa de mortalidade infantil. Médicos bem preparados e ganhando um bom vencimento estavam, parece, em condições de fornecer uma grande parte da gama de cuidados médicos eficazes, através de um número relativamente restrito de medicamentos e de vacinas, assim como de equipamentos relativamente sumários. O sistema de saúde tirou provavelmente proveito de uma medicina de grupo pluridisciplinar e de uma boa integração dos cuidados ambulatórios e dos cuidados hospitalares. No entanto, as normas em matéria de infra-estrutura material eram um pouco laxistas, faltavam as tecnologias de ponta, os médicos gozavam de uma autonomia muito limitada e a liberdade de escolha deixada aos doentes não se concretizava através de incentivos financeiros para os prestadores. Como o sistema estava completamente desacreditado 114 devido à sua ligação à antiga RDA, o governo alemão decidiu abandonar definitivamente esse modelo de sistema de saúde integrado e autocrático em favor do modelo liberal de contrato concebido por Bismarck. SOLUÇÕES POSSÍVEIS Após a reunificação, foi concedida a mais alta prioridade à reforma do sistema em vigor na parte oriental do país, de modo a harmonizá-lo com o existente na parte ocidental. Como vimos, o governo decidiu instituir de novo caixas de seguro de doença para os alemães de Leste, fixar as taxas de contribuição a um nível correspondente ao nível médio na Alemanha ocidental e introduzir honorários e tarifas de cuidados correspondentes a, aproximadamente, metade dos praticados a Oeste. Ainda não se sabe exactamente que sorte acabará por ser reservada às policlínicas e ao exercício assalariado da medicina na Alemanha oriental. É possível que um sistema de saúde mais diversificado do que o existente até agora na Alemanha ocidental acabe por emergir da reunificação. Entretanto, o debate prossegue, quanto à necessidade de continuar a reformar o sistema instalado na Alemanha ocidental. Começou a ser examinado um novo dispositivo para o financiamento dos cuidados de longa duração que implicaria, quer a instauração de um sistema capitalizado, obrigatório para os seguradores privados que oferecem prestações pecuniárias, o qual serviria para pagar os cuidados dispensados nas casas de repouso “medicalizadas” ou os cuidados no domicílio, quer a introdução de uma nova prestação para os cuidados de longa duração que cobriria serviços de natureza análoga oferecidos (separadamente) pelas caixas de seguro de doença, por meio de contribuições obrigatórias no quadro de um financiamento por repartição. Está igualmente previsto reorganizar as caixas de seguro de doença, a fim de reduzir os desvios existentes entre as taxas de contribuição, suprimir as distorções de concorrência e pôr fim às desigualdades de tratamento entre os trabalhadores manuais e os empregados. Afigura-se que estes objectivos poderiam ser realizados à partida na Alemanha oriental. Propostas tendentes a conferir aos generalistas um papel de «filtro» e a substituir a remuneração por acto por um pagamento fixo, para os médicos que dispensam cuidados ambulatórios, foram formuladas pelo grupo de peritos encarregado de aconselhar a Comissão de Acção Concertada. Finalmente, peritos independentes propuseram reformas estruturais mais radicais, a fim de fazer funcionar plenamente a concorrência nos mercados do seguro e da prestação de cuidados (Gitter et al., 1989; Jacobs, 1989). As fórmulas propostas tendem a combinar o princípio da «solidariedade» que está ligado ao seguro de doença com um mercado competitivo tanto para o seguro como para as prestações de cuidados. Aparentam-se com as propostas Dekker, nos Países Baixos (ver capítulo 7) e com as ideias desenvolvidas em França (ver capítulo 4), a respeito de um modelo de concorrência organizada (Launois et al., 1985). No entanto, estas propostas ainda não 115 foram formuladas tão claramente como nos Países Baixos e, tal como em França, nada indica, de momento, que serão retomadas pelos poderes públicos. Bibliografia Ade, C. e Henke, K.D. (1990), «Medical Manpower Policies in the Federal Republic of Germany», Universidade de Hannover, texto policopiado, Novembro. Alber, J., (1989), «Structural Reforms in the West German Health Care System», documento preparado para uma conferência sobre as reformas dos sistemas de saúde, Universidade de Maastricht, 8-9 Dezembro. Alber, J. (1990), «Characteristics of the West German Health Care System, in E. Kolinski (dir. publ.), The Federal Republic – Forty Years on, Berg, Oxford, Nova Iorque. Altenstetter, C. (1986), «Reimbursement Policy of Hospitals in the Federal Republic of Germany, International Journal of Health Planning and Management», Vol. 1, pp. 189-211. Altenstetter, C. 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Este capítulo contém uma descrição do modo de financiamento e de prestação dos cuidados de saúde próprio deste sistema assim como das reformas que lhe foram introduzidas nos anos 80, sua evolução, seus pontos fortes e suas fraquezas. Neste sistema, o seguro facultativo desempenha um papel importante, mas a principal fonte de financiamento é o imposto, de modo que o Estado exerce um poder considerável sobre a evolução das despesas. Como estas progrediram rapidamente, durante os anos 70, enquanto a economia irlandesa se degradava, o governo decidiu, nos anos 80, reduzir fortemente as despesas de saúde reais, o que suscitou crescentes inquietações e controvérsias na opinião pública. Em reacção, o governo, em Junho de 1987, encarregou uma comissão de estudar o financiamento do sistema médico (Commission on Health Funding); esta apresentou o seu relatório em 1989 e propôs um certo número de grandes reformas, postas em prática em 1991. No final deste capítulo faz-se uma descrição e uma avaliação das recomendações desta comissão. DESCRIÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE O financiamento dos cuidados médicos, no sistema irlandês, é um exemplo do modelo de assistência social, isto é, a terça parte da população que tem recursos mais modestos (categoria I) tem direito à gratuitidade total dos serviços médicos financiados pela massa dos impostos. Até 1989, metade da população dotada de recursos médios tinha acesso, em condições mais limitadas, aos serviços gratuitos e as pessoas classificadas na camada superior de rendimentos, ou seja 15% da população, só acediam a eles em condições ainda mais limitadas. No quadro do regime público, os serviços de generalistas são assegurados em conformidade com o modelo integrado. Como o direito à prestação de cuidados é limitado, as despesas privadas têm um papel importante. É possível celebrar, facultativamente, um seguro de saúde privado, o que cerca de 30% da população faz. Não é possível, no entanto, celebrar o contrato senão com um único segurador público, o Conselho de Seguro de Doença Facultativo (Voluntary Health Insurance Board, VHI). As prestações são efectivadas por generalistas independentes e um leque de estabelecimentos hospitalares de beneficência e privados. O gráfico 6.1 apresenta os principais elementos do sistema: em baixo, à esquerda, encontra-se a população, a maior parte da qual recorrerá aos serviços médicos no 120 decurso de qualquer ano considerado; em baixo, à direita, os prestadores de serviços e, no cimo, os terceiros pagadores. Os fluxos de serviços são indicados em traço contínuo e os fluxos financeiros a tracejado. Gráfico 6.1 – O sistema de saúde na Irlanda Os prestadores estão distribuídos da seguinte forma: os serviços de saúde públicos, os farmacêuticos (retalhistas), os generalistas, os hospitais gerais de beneficência (com um certo número de camas privadas), os hospitais gerais públicos (com um certo número de camas privadas), os hospitais especiais públicos (destinados aos doentes de geriatria, atrasados mentais e doentes psiquiátricos), os serviços de saúde municipais 121 (incluindo os serviços de cuidados de enfermagem ao domicílio, os serviços dentários, os serviços de otologia e de oftalmologia) e os hospitais gerais e psiquiátricos privados. Os fluxos dos pagamentos directos do doente ao prestador são muito importantes. Os principais terceiros pagadores são o Ministério da Saúde e o Conselho de Seguro de Doença Facultativo (VHI). O quadro menciona igualmente as direcções regionais de saúde (em número de oito), encarregadas de financiar e de gerir os serviços públicos no plano local, assim como o Serviço de Pagamento dos Serviços Médicos Gerais [General Medical Services (Payments) Board] que financia, por conta das direcções regionais de saúde, as prestações dos generalistas e dos farmacêuticos aos doentes da categoria I. A maior parte dos serviços que relevam das finanças públicas é financiada por intermédio das direcções regionais de saúde, com excepção dos hospitais de beneficência que são financiados directamente pelo Ministério da Saúde. Os fluxos financeiros compreendem geralmente as despesas recorrentes e as subvenções de investimento, com excepção dos fluxos destinados aos profissionais independentes, como os farmacêuticos e os generalistas, em que figuram honorários e pagamentos que cobrem o reembolso anual de despesas de capital. Até uma data recente, o Conselho de Seguro de Doença Facultativo reembolsava aos seus aderentes das facturas de cuidados médicos cobertos pelas suas apólices. Mas este organismo estabelece doravante um limite aos seus pagamentos e paga directamente à maior parte dos prestadores, de tal modo que certos doentes têm que assumir o encargo dos excedentes. A RELAÇÃO ENTRE OS DOENTES E OS PRESTADORES Toda a gente tem direito a uma gama de serviços médicos modernos, mas as condições de acesso a certos serviços variam em função das cláusulas e da cobertura do seguro. A principal distinção é a que está estabelecida entre doentes públicos e doentes privados. Por exemplo, cerca de 40% das consultas de generalistas e 25% dos internamentos em hospitais gerais são privados (isto é, pagos). A participação do Estado na factura dos cuidados ambulatórios é uma das mais fracas dos países da OCDE (Poullier, 1990, quadro 19). Manifestamente, o acesso aos serviços privados é função quer dos meios financeiros do doente quer da cobertura do seu seguro, sendo este geralmente objecto de contrato por parte dos titulares de rendimentos elevados e médios. Todos os doentes podem escolher o seu generalista, mas, se os doentes privados mudam de médico à sua vontade, os do regime público são obrigados a inscrever-se junto de um generalista filiado nesse regime (convencionado) e têm que se dirigir à sua direcção regional de saúde se quiserem mudar de médico. Os generalistas 122 desempenham funções de triagem e encaminhamento e, em geral, preferem exercer sozinhos a fazê-lo em grupo. Tussing (1985) calculou que 72% das despesas hospitalares e 98% do custo dos medicamentos receitados relevam directa ou indirectamente das decisões dos generalistas. Faz notar igualmente que, na Irlanda, os generalistas enviam muito mais doentes para o hospital do que os seus colegas ingleses, o que se explica talvez pelo facto de exercerem, muitas vezes, sozinhos. No concernente às despesas, os hospitais vêm largamente à cabeça e mais de 60% dos médicos trabalham em meio hospitalar, dando consultas ou como internos. Quando o generalista passa uma receita, o doente, em regra geral, dirige-se a um farmacêutico retalhista para obter os medicamentos, mas, no meio rural, os médicos estão autorizados a aviar, eles próprios, as suas receitas. Os doentes privados pagam, geralmente, eles próprios, os medicamentos prescritos (ver abaixo as excepções), mas os da categoria I têm direito à gratuitidade dos medicamentos. Os honorários dos generalistas são livres para os doentes privados, mas não há verdadeira concorrência pelos preços. Os preços dos produtos farmacêuticos estão regulamentados, mesmo para os doentes privados. As condições de acesso aos cuidados são função da extensão do direito à prestação e do segurado contratado. Até uma data recente, os segurados estavam classificados em três categorias: Categoria I: Os adultos e as pessoas a seu cargo, considerados como não tendo meios para cobrirem, por si próprios, os serviços de generalista de que têm necessidade eles pessoalmente ou uma das pessoas a seu cargo. Representam cerca de 37% da população. Têm direito à gratuitidade da totalidade dos serviços médicos do regime público e recebem, para este efeito, um cartão de saúde. A concessão deste cartão é essencialmente função de um critério de recursos, mas a existência de uma doença crónica pode também ser tomada em consideração. Categoria II: Todos os outros adultos, assim como as pessoas a seu cargo, cujo rendimento é inferior a um certo limiar (16 000 libras para o ano orçamental de 1988/89). Estas pessoas representam perto de 48% da população. Têm direito à totalidade dos serviços de saúde do regime público (salvo os dos generalistas), e à gratuitidade dos medicamentos receitados, unicamente a partir de um certo limiar de despesas mensais ou em caso de doença crónica reconhecida. Além disso, os beneficiários desta categoria estão sujeitos, todos os anos, a uma franquia de 10 libras para a primeira consulta externa de serviço hospitalar, seja qual for o motivo da consulta, e de 10 libras por dia para os dez primeiros dias de hospitalização num estabelecimento público. Categoria III: Os adultos cujo rendimento é superior ao limiar de 16 000 libras por ano, assim como as pessoas a seu cargo. Em 1988, representavam cerca de 15% da população. Para além das exclusões aplicadas aos beneficiários da 123 categoria II, não beneficiam da gratuitidade dos serviços dos especialistas hospitalares nem da gratuitidade das consultas públicas de maternidade e de protecção infantil. Como os doentes da categoria II, estão sujeitos, em cada ano, a uma franquia de 10 libras por dia para os dez primeiros dias de hospitalização num estabelecimento público. Quadro 6.1. – O direito aos serviços médicos gratuitos e ao seguro de doença complementar, 1987 Sem seguro Com seguro (em percentagem da população) Total Efectivos da categoria I 36 1 37 Efectivos da categoria II 32 16 48 Efectivos da categoria III 4 11 15 72 28 100 Total Fonte: Estimativas da Commmission on Health Funding (1989) e de Nolan (1991). As categorias II e III foram fundidas em virtude de uma lei aprovada em 1991, a fim de que o sistema não compreenda senão duas categorias. Todos os cidadãos irlandeses têm direito à gratuitidade dos cuidados, incluindo hospitalização, no caso de doenças transmissíveis e de certas doenças crónicas reconhecidas, assim como para às despistagens na primeira infância e aos exames pediátricos. Em 1987, cerca de 30% da população tinha celebrado um contrato de seguro de saúde com o Conselho de Seguro de Doença Facultativo (VHI). O VHI propõe essencialmente duas apólices: a) uma apólice extensa, que cobre os honorários dos especialistas privados, a hospedagem particular ou semi-particular no hospital e certos serviços ambulatórios como os honorários de generalistas acima de certo limiar, e b) uma apólice mais limitada, que constitui um complemento aos direitos às prestações de base, como a hospedagem em hospital público e os serviços de especialista no hospital. Os subscritores optam, na sua grande maioria, pela apólice do primeiro tipo, incluindo muitos dos segurados sociais da categoria II, que têm já direito à gratuitidade de serviços públicos bastante extensos. Este sistema com três níveis coexistia com a faculdade de celebrar ou não um contrato de seguro complementar. Contavam-se, portanto, antes das reformas adoptadas recentemente, pelo menos seis categorias de doentes (ver quadro 6.2). Por ocasião de um mesmo tipo de hospitalização por doença aguda, o mecanismo de incitação financeira podia ser diferente para cada um dos grupos. Além disso, o modo de remuneração dos médicos podia variar segundo o grupo. Encontrar-se-á, no quadro 6.1, a estimativa dos beneficiários de cada categoria e, no interior de cada categoria, o 124 número de segurados voluntários e dos que não contrataram um seguro complementar. Quadro 6.2. – Acesso aos cuidados de médicos: o direito a prestações e ao seguro complementar, 1989 Os cuidados de saúde (públicos) gratuitos para os beneficiários. Exemplos de serviços suplementares cobertos pelo seguro de doença facultativo (VHI) para os segurados Da categoria I: 1.A hospitalização nos estabelecimentos públicos. 2.Os serviços médicos especializados. 3.Os serviços de maternidade e de protecção à primeira infância. 4.Todos os medicamentos com receita. 5.Os serviços dentários, oftalmológicos e otológicos. 6.Os serviços de generalista. 7.Todos os outros serviços de saúde do regime público. mais, por exemplo, a hospedagem semiparticular nos hospitais públicos, mais o tratamento nos hospitais privados e os honorários de especialistas privados. Da categoria II: 1.A hospitalização nos hospitais públicos sob reserva de uma franquia anual de 10 libras por dia para os dez primeiros dias. 2.Os serviços de especialistas, sob reserva de uma franquia de 10 libras aquando da primeira visita, seja qual for o motivo. 3.Os serviços de maternidade e de protecção da primeira infância. 4.Os medicamentos com receita, acima de uma franquia mensal de 28 libras, ou então no caso de certas doenças crónicas. 5.Todos os outros serviços de saúde do regime público (com exclusão dos serviços referidos no ponto 5 e 6 a favor da categoria I). mais, por exemplo, a hospedagem particular nos hospitais públicos, e ainda o tratamento em hospitais privados, os honorários dos especialistas privados, assim como as despesas de generalista e de consulta externa, após franquia de 170 libras por ano por família (100 libras para uma pessoa só) e sob reserva de um «tecto» de despesas de 1200 libras. Da categoria III: 1.A hospitalização nos hospitais públicos com a garantia de uma franquia anual de 10 libras por dia para os dez primeiros dias 4.Os medicamentos com receita, para além de uma franquia mensal de 28 Libras, ou então no caso de certas doenças crónicas 5.Todos os outros cuidados de saúde do regime público (com exclusão dos serviços mencionados no ponto 2, 3, 5 e 6 a favor da categoria I acima) mais, a hospedagem particular nos hospitais públicos e ainda o tratamento e os suplementos médicos nos hospitais privados, os honorários de especialistas privados e as despesas de generalista e da consulta externa acima de uma franquia de 170 libras por ano por família (100 libras para uma pessoa só) e sob reserva de um «tecto» de despesas de 1400 libras. Nota: Em 1991, a categoria III foi fundida com a categoria II. 125 A RELAÇÃO ENTRE OS DOENTES E OS TERCEIROS PAGADORES A Irlanda conta menos terceiros pagadores do que a maior parte dos países da OCDE. Só há dois que são importantes: o Ministério da Saúde (ou seja a administração central) e o Conselho de Seguro da Doença Facultativo (VHI). Em 1987, o Ministério da Saúde cobria aproximadamente 78% das despesas de saúde totais e o VHI perto de 9%; sendo o resto coberto, ou seja uns 13%, directamente pelos utentes (Stationary Office, 1989, quadro 4.1). O VHI financia essencialmente as suas despesas com base na massa geral do imposto; além disso, é cobrada uma contribuição para saúde de 1,25% do rendimento dos contribuintes não titulares de um cartão de saúde, sendo fixado a este rendimento um “tecto” que foi de 15 500 libras para o ano orçamental de 1988/89. Esta contribuição não representa, no entanto, senão cerca de 5% das despesas de saúde totais. O Ministério das Finanças exerce, à escala central, um controlo estrito do nível das despesas de saúde públicas em relação a cada exercício orçamental. O VHI tem de original o facto de ser patrocinado pela administração central que o regulamenta directamente, mas o seguro proposto não ser obrigatório. O organismo foi concebido para completar os serviços de saúde financiados pela fiscalidade que tomam essencialmente a seu cargo as camadas menos favorecidas da população (McDowell, 1989). Detém o monopólio do seguro de doença facultativo, o que lhe permitiu praticar, desde o princípio, um seguro de grupo modulado em função do grupo e, mais recentemente, exercer um monopsónio em relação aos prestadores. O VHI propõe um leque de apólices bastante limitado, sendo sete as principais (para mais pormenores, recorrer à Commission on Health Funding, 1989). Como a maior parte dos seguros privados, o VHI não cobre os problemas de saúde já existentes no momento da inscrição e não é possível inscrever-se depois dos 64 anos. 0 número das adesões aumentou rapidamente no final dos anos 70 e no princípio dos anos 80, num nível correspondente a 30% aproximadamente da população. O VHI efectuava inicialmente a maior parte das suas prestações sob a forma de reembolso das facturas médicas, depois adoptou, nestes últimos anos, a fórmula do pagamento directo dos especialistas e dos serviços hospitalares. Os contribuintes beneficiam de um abatimento do imposto sobre o rendimento, com base nos seus prémios de seguro, o qual é calculado à taxa marginal do imposto aplicável ao segurado e que se situa no intervalo que vai da taxa normal de 35% à taxa máxima de 58%, para o ano económico de 1988/89 (OCDE, 1989). O segurado beneficia, além disso, de um abatimento do imposto sobre o rendimento, com base em certas despesas médicas não reembolsadas, para além de uma franquia anual de 50 libras para uma pessoa só ou de 100 libras para uma família. As despesas ocasionadas pela maternidade, pelos cuidados dentários e pela oftalmologia não dão lugar a 126 qualquer abatimento. Em 1988, as despesas fiscais representavam 3% das despesas de saúde. A RELAÇÃO ENTRE OS TERCEIROS PAGADORES E OS PRESTADORES Até 1989, a maior parte dos generalistas era remunerada por acto em relação aos doentes da categoria I. Os honorários foram, então, substituídos por pagamentos por capitação ponderados em função da idade, do sexo e da distância do domicílio do doente e completados por honorários que remuneram um pequeno número de actos precisos. Diversamente do modo de pagamento em vigor no Reino Unido, não há, na remuneração do generalista, um abono de exercício (comparável a um salário). Um pequeno número de generalistas continua a ser assalariado. Dos 1800 generalistas irlandeses, cerca de 1500 efectuam as prestações do regime público devidas aos beneficiários da categoria I. Normalmente, a lista dos titulares do cartão de saúde respeitante a cada médico não deve comportar mais de 2 000 doentes. Os médicos têm geralmente a liberdade de aceitar ou não doentes na sua lista, mas, em certas condições, podem ser-lhes atribuídos doentes pelo GMS (Payments) Board. Além disso, 48% da população feminina tem direito aos cuidados de maternidade gratuitos, pelos quais os generalistas são remunerados por acto. Honorários e pagamentos por capitação são negociados entre os representantes dos médicos e o Ministério da Saúde. Em 1987, o nível dos honorários pagos pelo GMS (Payments) Board representava, em média, por acto, cerca de 60% dos honorários que eram pedidos aos doentes privados. Em linhas gerais, as autoridades do sector da saúde pagam ao farmacêutico os honorários correspondentes ao aviamento das receitas, assim como o custo dos produtos que entram na composição dos medicamentos fornecidos aos doentes com direito à gratuitidade. Mas a taxa de pagamento varia conforme o doente pertence à categoria I ou tem direito à gratuidade dos medicamentos em razão da cobertura das doenças crónicas das categorias II e III. Os doentes destas categorias II ou III podem ser reembolsados pela direcção regional de saúde da parte das suas despesas farmacêuticas que excede uma franquia mensal de 28 libras. O número dos medicamentos que é possível prescrever aos beneficiários é limitado: são excluídos principalmente os medicamentos que podem ser comprados sem receita. No âmbito de um acordo celebrado com a indústria farmacêutica, os preços dos medicamentos são regulamentados e estão alinhados pelos que são praticados no Reino Unido: isso permite controlar os preços de retalho dos medicamentos vendidos aos doentes privados porque a prática do farmacêutico retalhista é acrescer de 50% o preço de grosso. Um orçamento anual global destinado a cobrir as despesas de funcionamento não cobertas pelos doentes que pagam é atribuído aos hospitais públicos, gerais e especializados (de longa permanência). Todos os anos, este orçamento é revisto em 127 função da inflação, das modificações das prestações e da política governamental relativa à taxa de crescimento das despesas. Os hospitais gerais de beneficência recebem o seu orçamento directamente do Ministério da Saúde. Os outros hospitais públicos recebem-no das direcções regionais de saúde, elas próprias financiadas pelo Ministério. Nestes últimos anos, os orçamentos foram estabelecidos principalmente “no cume”, quer dizer essencialmente pelo Ministério da Saúde, após a intervenção, no entanto, de um elemento de negociação para avaliar as necessidades hospitalares. Existe também uma espécie de apelo à concorrência ou de negociação para a atribuição de um complemento de recursos destinado a encorajar certas iniciativas que visam melhorar a qualidade do serviço, tais como a redução das filas de espera, por exemplo. Está em curso o estudo de outros métodos de atribuição de recursos, como a tomada em consideração do conjunto dos casos tratados. Não são tomados em conta a amortização dos equipamentos nem os juros. As grandes despesas de equipamento são subvencionadas e colocadas sob o controlo directo do Ministério da Saúde. O essencial dos recursos dos hospitais privados é constituído pelos pagamentos dos doentes privados segurados no VHI. Este procura indemnizar os seus aderentes do custo integral da hospedagem hospitalar coberta pelas suas apólices. Acontece que este organismo explore o seu monopsónio para negociar os preços praticados pelos hospitais privados ou procure persuadir alguns destes estabelecimentos a recorrerem mais frequentemente à hospitalização de dia e a reduzirem a duração média da estadia hospitalar (Voluntary Health Insurance Board, 1987). Actualmente, o VHI paga directamente aos hospitais públicos e privados as prestações efectuadas aos seus segurados. Antes de 1991, só os doentes das categorias I e II tinham direito à gratuidade ou ao reembolso de uma parte muito grande dos serviços de especialista de que beneficiavam em cuidados ambulatórios ou no decurso da hospitalização. Desde que a categoria III se fundiu com a categoria II, em 1991, a regra aplica-se ao conjunto dos residentes. Cerca de 40% desses especialistas assumem a inteira responsabilidade dos doentes e estão autorizados a ter uma clientela privada. Os restantes especialistas são internos que exercem principalmente nos hospitais públicos. Cerca de 90% dos especialistas ocupam lugares em hospitais públicos e a grande maioria beneficia de um contrato a «tempo inteiro». Um novo contrato liga, desde 1991, os hospitais e os especialistas, permitindo a estes ocupar vários postos hospitalares. A sua remuneração varia segundo as funções e o direito de tratar, paralelamente, clientes privados. À semelhança dos internos, os especialistas são, doravante, assalariados para as prestações efectuadas aos doentes do regime público. São remunerados por acto quando tratam clientes particulares, incluindo, até 1991, todos os beneficiários da categoria III . 128 A PLANIFICAÇÃO E A REGULAÇÃO ASSEGURADOS PELOS PODERES PÚBLICOS O sector público desempenha um papel predominante no financiamento e, numa medida menor, na prestação e na gestão dos cuidados. No fim dos anos 80, cerca de quatro quintos das despesas de saúde totais relevavam do regime público e 9% eram cobertas pelo VHI que, sob certos pontos de vista, funciona como um organismo público. Os hospitais públicos concentram 74% das camas disponíveis e as oito direcções regionais de saúde asseguram alguns dos serviços de medicina urbana. A administração central esteve, portanto, em condições de exercer, directa ou indirectamente, um controlo considerável sobre o crescimento das despesas de saúde assim como sobre a fisionomia dos serviços. A Irlanda é um dos raros países da OCDE que conseguiu, durante os anos 80, não apenas refrear a progressão das despesas públicas de saúde, mas reduzir efectivamente as despesas reais em números absolutos. Só sectores relativamente limitados do ramo da saúde, que correspondem essencialmente aos serviços privados de generalista, estão sujeitos ao livre jogo dos mecanismos do mercado. Além dos diversos dispositivos públicos de financiamento e de gestão acima evocados acima, os poderes públicos exercem também um certo controlo sobre os efectivos de médicos, visto que as autoridades da Educação Nacional limitam o número de lugares reservados aos estudantes de Medicina e que existe, por outro lado, uma comissão (Comhairle na nOipideal) que regulamenta o número e o tipo de médicos especialistas a nomear para os hospitais e aconselha o Ministro da Saúde sobre a organização e o funcionamento dos serviços hospitalares. A administração central quase não procura intervir no concernente ao volume da actividade profissional dos médicos, mas o organismo pagador [GMS (Payments) Board] examina muito atentamente o volume de actividade e de receituário dos generalistas que tratam os titulares do cartão de saúde, e procede a um inquérito quando os pedidos de reembolso atingem um montante sensivelmente mais elevado do que a média. AS REFORMAS RECENTES Em 1989, o governo irlandês substituiu a remuneração por acto pelo pagamento por capitação relativamente às prestações efectivadas pela maior parte dos generalistas aos titulares do cartão de saúde (isto é, os doentes da categoria I). Foi a reforma mais importante levada a efeito durante a década anterior à apresentação do relatório da Commission on Health Funding. Ela explica-se pelo receio de ver a remuneração por acto dos generalistas interessados (para quem a tarifa convencionada 129 representava perto de 60% dos honorários cobrados aos doentes privados) encorajar a multiplicação das visitas, o excesso de receituário e a medicalização de afecções menores (Commission on Health Funding, 1989). Com efeito, certas indicações tendiam a provar que os titulares do cartão de saúde consultavam mais frequentemente, sob a forma nomeadamente de consultas de rotina, e que o volume das receitas era mais importante para esses doentes. Os generalistas são, assim, doravante, pagos segundo uma fórmula de capitação ponderada em função da idade do doente (segundo cinco grupos etários), do seu sexo, da distância entre o seu domicílio e o consultório do médico (ou seja, 20 categorias no total correspondentes aos cinco grupos etários e a 4 escalões de distância). Além disso, o médico recebe um suplemento se for chamado a prestar cuidados fora do horário normal e um pequeno número de prestações especiais é facturado segundo uma tabela especial. O médico tem direito a uma reforma e a diversas formas de férias pagas (ver Commission on Health Funding, 1989, anexo 11a). Deve assinalar-se igualmente uma série de outras reformas introduzidas no sistema desde o final dos anos 70, como se segue: − em 1979, os doentes da categoria III adquirem o direito à gratuidade da hospitalização num estabelecimento público, mas os honorários de especialistas ficam a seu cargo; − entre 1981 e 1983, nos termos de um novo contrato, os especialistas tornam-se assalariados no respeitante às prestações efectuadas aos doentes do regime público. Anteriormente, os especialistas dos hospitais de beneficência eram remunerados ao mesmo tempo por consulta em relação aos doentes externos e por dia de hospitalização em relação aos doentes hospitalizados; − em 1982, cerca de 900 artigos, representando sobretudo medicamentos vendidos sem receita, são riscados da lista dos medicamentos que era possível receitar no âmbito do regime público; − em 1983, os preços de grosso dos medicamentos são alinhados pelos praticados no Reino Unido; − em 1983 e 1984, elevação da franquia acima da qual os doentes podem fazer-se reembolsar das suas despesas farmacêuticas, segundo o regime de subsídio dos medicamentos; − elevação sensível, em valor real, em várias ocasiões, do preço do quarto privado e semi-privado nos hospitais públicos; − a partir de 1987, é aplicada uma franquia de 10 libras aos doentes da categoria II para a primeira consulta externa em hospital público e a mesma franquia diária para os dez primeiros dias de hospitalização num 130 estabelecimento público, enquanto os doentes da categoria III passam a assumir o encargo da franquia de hospitalização se ocuparem uma cama do regime público. Estas franquias foram elevadas para 12,50 libras em 1991; − Em 1991, na sequência de uma recomendação da Commission on Health Funding, a categoria III foi fundida com a categoria II. CRESCIMENTO E DESEMPENHO O sistema de saúde irlandês associa financiamentos públicos e facultativos às prestações públicas e privadas. São os impostos sobre o rendimento que constituem a fonte de financiamento mais importante e a administração central tem uma liberdade de acção extremamente extensa no concernente à taxa de crescimento das despesas, do que, de resto, dá claramente testemunho a evolução das despesas de saúde nos anos 80. Entre 1980 e 1986, a economia atravessou um período difícil e o crescimento foi negativo em quatro desses seis anos (OCDE, 1989). Os poderes públicos reagiram, contendo firmemente o crescimento das despesas públicas nominais quando verificaram que, na Irlanda, o nível das despesas públicas era relativamente elevado em face de países com um nível de vida semelhante. As despesas públicas com a saúde diminuíram em valor real na maior parte dos anos compreendidos entre 1980 e 1990 e, no fim do período, tinham baixado 8% em valor real. Registou-se simultaneamente uma baixa de 29% no número de camas de hospital reservadas para as doenças graves, uma redução de 29% na duração média de estadia hospitalar e uma baixa de 13% na taxa das admissões. Segundo os números da OCDE, as despesas privadas, por um movimento de compensação, aumentaram 55% em valor real e a parte dessas despesas privadas na despesa total passou de 18% aproximadamente para cerca de 25% em 1990. No entanto, como as despesas privadas são bastante menores do que as despesas públicas, a despesa total recuou, apesar disso, 5% em valor real no período considerado (Poullier, 1989). Os prémios do VHI aumentaram 45% em valor real entre 1980 e 1988 (Commission on Health Funding, 1989). Esta progressão foi considerável, mas é inferior à dos reembolsos individuais médios efectuados aos aderentes a um seguro de doença privado registada no Reino Unido durante o mesmo período e atingiu 91% em valor real. A comparação é falseada pelo facto de as clientelas dos seguradores e as apólices de seguro não serem as mesmas nos dois mercados, mas é-se, no entanto, tentado a concluir que o desvio entre os dois números está ligado às diferenças de estrutura entre os dois regimes de seguro: um monopsónio regulamentado na Irlanda e uma concorrência totalmente livre no Reino Unido. Na Irlanda, o aumento dos prémios apoiou-se numa extraordinária progressão dos abatimentos fiscais durante o período, que atingiu 350%, e esses abatimentos representam aproximadamente 28% 131 dos prémios do VHI em média (Commission on Health Funding, 1989, quadro 4.3, servindo os números indicados porem Poullier, 1989, quadro 13, como deflator). A diminuição das despesas totais de saúde, manifesta-se também por uma contracção da parte do PIB consagrada à saúde, a qual passou de 9,2%, em 1980, a 7,0%, em 1990. Esta contracção que atinge 24%, é a mais forte das que se registaram durante este período nos países da OCDE (ver capítulo 10). Pode-se ver nisto, até certo ponto, uma reacção ao crescimento excepcionalmente rápido durante os anos 70 da parte do PIB consagrada à saúde, que passou de 5,6%, em 1970, a 9,2% em 1980. Em 1987, a despesa com a saúde por habitante cifrava-se em 607 dólares US e era superior em 21% à despesa registada em Espanha, em 81% à do Reino Unido e em 27% à dos Estados Unidos. É um nível um pouco superior ao esperado com base numa curva de regressão que relaciona PIB por habitante com a despesa de saúde por habitante nos principais países da OCDE (Schieber e Poullier, 1989). Segundo a OCDE (1987), Schieber et al. (1991) (ver também o quadro 10.2), no princípio dos anos 80, as taxas, na Irlanda, são bastante clássicas para um país da OCDE no concernente às consultas médicas por habitante, às receitas, às camas de hospital para doentes graves, aos dias de hospitalização, aos internamentos hospitalares e à ocupação das camas. Mas regista-se um valor excepcionalmente baixo da duração média de internamento hospitalar por doença aguda (7,4 dias, em 1986) e um dos valores mais baixos no tocante ao número de médicos por 1000 habitantes (1,5, em 1987, contra 2,5, em média nos sete países estudados neste volume). No que diz respeito aos prazos de espera antes de um internamento hospitalar, não são publicados dados sistemáticos, mas um inquérito relativo a esta questão permite pensar que, em 1980, 7,8% da totalidade dos doentes hospitalizados tiveram que esperar mais de um mês antes de entrar no hospital, e 1,6% de entre eles mais de um ano (Tussing, 1985). Em 1989, a esperança de vida à nascença era de 77 anos para as mulheres e de 71 anos para os homens. A mortalidade perinatal era de 0,99% (quadro 10.3) em 1989. Estes valores de esperança de vida situam-se ao nível inferior da escala dos países da OCDE, mas o valor da mortalidade perinatal está, em contrapartida, próximo do topo. É difícil dizer com precisão o que determina o estado de saúde em qualquer país, mas é verosímil que os números se expliquem tanto por um nível de vida relativamente modesto como pelo desempenho dos serviços de saúde. A mortalidade perinatal não cessou de baixar regularmente no decurso das três últimos décadas e continuou a descer entre 1980 e 1989, apesar do crescimento muito modesto da economia até ao fim de 1987 e das compressões em valor real das despesas de saúde. No que diz respeito ao acesso aos cuidados para doenças agudas, a coexistência das três categorias e a faculdade de contratar um seguro de doença privado significam que a diferentes grupos de doentes correspondem diferentes mecanismos de 132 incitação financeira (ver os quadros 6.1 e 6.2). E, conforme os doentes relevam do regime público ou pertencem ao sector privado, os incentivos variam também para os prestadores. Certos inquéritos às famílias permitiram investigar que efeitos têm os dispositivos incentivadores existentes dos dois lados, utentes e prestadores, sobre a utilização efectiva dos serviços de saúde. Tussing (1985) procedeu, em 1980, a um inquérito às famílias no decurso do qual fez perguntas sobre o recurso aos cuidados médicos, a idade, o sexo, a actividade profissional, a categoria de beneficiários a que pertencia o inquirido e a sua cobertura por seguro, mas sem o interrogar sobre o seu estado de saúde. Serviu-se de uma análise de regressão para procurar os elementos determinantes da utilização de cuidados médicos. É interessante ver os resultados que obtém ao procurar verificar três hipóteses de trabalho: A primeira hipótese é a de que os doentes da categoria I, como são tratados gratuitamente por generalistas remunerados por acto, contabilizarão mais consultas e nomeadamente mais consultas de rotina após qualquer consulta inicial do que os doentes da categoria II ou III que têm que assumir o encargo dos serviços do generalista. Esta hipótese é fortemente confirmada pelos dados brutos recolhidos, que indicam que os doentes da categoria I contabilizam 2,5 vezes mais consultas de generalistas do que os doentes da categoria II e da categoria III, assim como pela análise de regressão realizada para tomar em consideração algumas das variáveis acessórias susceptíveis de desempenhar um papel. É verosímil, por exemplo, que o estado de saúde globalmente medíocre dos doentes da categoria I entre em linha de conta neste resultado. Mas a comparação entre a taxa de consulta de generalista observada na Irlanda e a que é registada no Reino Unido tende a indicar que, sendo a taxa de consultas nos dois países mais elevada nos grupos que ocupam os escalões inferiores de actividade profissional do que nos que se situam no topo, a taxa registada na base da escala é relativamente muito mais elevada na Irlanda. Como, no Reino Unido, todas as camadas da população beneficiam da gratuidade dos cuidados de generalista e o modo de remuneração do generalista é principalmente a capitação e o salariado, é, portanto lícito pensar que, na Irlanda, a taxa de consultas de generalistas nos doentes da categoria I é mais elevada porque, independentemente do estado de saúde desses doentes, a gratuidade dos cuidados é reservada exclusivamente aos rendimentos do trabalho mais modestos e os generalistas são remunerados por acto. A segunda hipótese é a de que a remuneração por acto, dos generalistas que tratam os doentes da categoria I incita esses médicos a avolumar a procura marcando aos doentes consultas de rotina. Mais precisamente, as consultas de rotina seriam mais numerosas quando o rendimento dos médicos está ameaçado, por exemplo quando, sendo todas as outras condições iguais, a relação entre o número de médicos e a população é mais elevada. E a pesquisa revela, de facto, que, na Irlanda, o número de 133 consultas de rotina cresce com essa relação. Além disso, depois de Tussing ter terminado os seus trabalhos, outras indicações vieram apoiar a ideia de que os generalistas induzem uma procura quando o seu rendimento se arrisca a ficar comprometido. A taxa de consultas dos doentes da categoria I aumentou, com efeito, 12%, passando de 5,8 por habitante, em 1980, a 6,5 por habitante, em 1987, numa época em que a progressão dos honorários em relação aos doentes desta categoria perdia cerca de 10% em valor real. A avaliar pelos inquéritos às famílias que estão disponíveis, nada permite dizer que as taxas de consulta se tenham intensificado relativamente às outras categorias de doentes (Commission on Health Funding, 1989, p. 209). As divergências assim observadas evocam os resultados a que conduz a comparação entre os diferentes modos de remuneração de médicos, praticados no Canadá e nos Estados Unidos (Barer, Evans e Labelle, 1988). Na terceira hipótese, os doentes das categorias II e III, que celebraram um contrato de seguro VHI, consultam mais frequentemente o generalista do que os doentes não segurados. A pesquisa confirma a hipótese, mas não permite saber se se deve imputar este resultado mais ao estado de saúde e à selecção praticada pelo segurador do que ao risco moral. Nolan (1991) pôde aprofundar algumas destas considerações por meio de um inquérito às famílias de 1987, o qual acrescenta às indicações respeitantes às famílias que figuravam já questionário utilizado por Tussing informações sobre o estado de saúde e sobre o rendimento. A variável estado de saúde é uma simples alternativa: o inquirido dá unicamente a saber se sofre – ou não – de uma doença ou de uma incapacidade grave. Na data do inquérito, os generalistas ainda eram remunerados por acto quando tratavam doentes da categoria I. Nolan observa, em números brutos, desvios da taxas de consultas entre os doentes da categoria I e os doentes das outras categorias que estão próximos dos de Tussing. E Nolan mostra que, sendo todas as outras condições iguais, o estado de saúde é efectivamente um elemento determinante nesses desvios. Quando o estado de saúde é tomado em conta numa análise de regressão análoga à que Tussing tinha realizado, a extensão do direito a prestações dos doentes da categoria I já não determina tão largamente o número das consultas anuais de generalistas, mas é preciso certamente continuar a atribuir-lhe uma boa parte do fenómeno. É possível que estes resultados se expliquem pelo carácter grosseiro da variável estado de saúde, mas nem por isso deixa de ser permitido pensar que os incentivos que existem, tanto do lado do médico como do lado do doente, desempenham, uns e outros, o seu papel na frequência de utilização dos serviços de generalista. Nolan mostra igualmente que, uma vez tomadas em consideração certas outras variáveis explicativas, incluindo o estado de saúde, há uma relação positiva e importante entre a cobertura do seguro de doença, por um lado, e, por outro, as consultas de generalista, o recurso ao hospital e a duração da hospitalização. Todavia, como a variável estado 134 de saúde que foi utilizada tem um carácter sumário, pode ser que o efeito do seguro de doença tenha sido sobrestimado. Após a substituição, em Março de 1989, da remuneração por acto pela fórmula da capitação para os serviços de generalista prestados aos doentes da categoria I, dispõese de novas indicações acerca do efeito produzido sobre a taxa de actividade pelos mecanismos de incitação existentes do lado dos prestadores; segundo as primeiras observações, as taxas de consulta teriam baixado cerca de 20% no decurso do primeiro ano. OS PONTOS FORTES E OS PONTOS FRACOS DO SISTEMA Os serviços públicos O sistema de saúde original que associa, na Irlanda, financiamentos públicos e privados, assim como prestações públicas e privadas, permite ao conjunto da população aceder a serviços completos de excelente qualidade. Além disso, a despesa respeitante à prestação dos serviços públicos está repartida por toda a população, de acordo com um regime fiscal ligeiramente progressivo (Rottman e Reidy, 1988). A extensão variável do direito a prestações assegura uma protecção completa aos titulares de rendimentos mais fracos que teriam as maiores dificuldades em assumir e encargo das suas despesas médicas. E todos estes elementos positivos foram alcançados no quadro de um sistema, cujas despesas, depois de terem aumentado rapidamente nos anos 70, foram fortemente reduzidas no decurso dos anos 80. O sistema irlandês apresenta, no entanto, certas deficiências análogas às que conhecem outros países da OCDE. O período de crescimento rápido das despesas (sobretudo das despesas públicas) pôs em evidência a tendência para a inflação própria dos sistemas financiados essencialmente por terceiros pagadores e para taxas insustentáveis, se não forem contidas. Quando é um terceiro pagador, por exemplo o Estado, que cobre a maior parte dos cuidados médicos, o doente não tem qualquer tendência para economizar. E quando o generalista, que tem uma função de triagem e encaminhamento, é, como acontecia na Irlanda até 1989, remunerado por acto em relação aos doentes do regime público, ele experimenta uma verdadeira incitação a avolumar a procura. Nos anos 80, a administração conseguiu contrariar os mecanismos inerentes ao sistema que favoreciam a inflação das despesas públicas. As técnicas utilizadas consistiram em regulamentar os honorários do generalista (mas não o volume da sua actividade), em moderar o orçamento global dos hospitais públicos, em suprimir camas, em encerrar certos estabelecimentos hospitalares e em generalizar o salariado para os médicos hospitalares especializados. No fim da década, foi decidido passar a remunerar os generalistas por capitação no respeitante à parte da sua clientela que está 135 coberta pelo regime público. Mas estas medidas foram acompanhadas por uma ligeira redução do número das admissões nos hospitais públicos, por um alargamento das listas de espera e por protestos vigorosos contra a degradação das condições de acesso aos cuidados, para os doentes em regime público. Estes mecanismos experimentados e eficazes, que servem para moderar as despesas dos prestadores trouxeram também consigo, em teoria pelo menos, certos problemas de incitação que são bem conhecidos. Tratando-se dos generalistas, por exemplo, o pagamento por capitação parece favorecer a substituição de uma medicalização excessiva por uma medicina demasiado sumária. É possível fazer face ao problema, desde que os doentes estejam em condições de perceber que o desempenho do generalista é medíocre e possam então mudar de médico; por outras palavras, a concorrência pode servir de garantia contra a insuficiência dos cuidados. Tratando-se dos hospitais, a fórmula do orçamento global, calculada da forma mais estrita, não é de molde a recompensar os estabelecimentos cujo desempenho é satisfatório. A concorrência entre hospitais públicos ainda não foi encorajada na Irlanda. Os especialistas hospitalares que são assalariados podem ser tentados a tratar superficialmente os seus doentes, sobretudo se forem solicitados por uma clientela privada. Pode acontecer também que os especialistas descarreguem sobre os internos uma parte demasiado grande das suas responsabilidades. No conjunto, os doentes correm o risco de não receber toda a atenção requerida. Certos comentadores formulam também críticas sobre a gestão dos serviços públicos de saúde e denunciam, em particular, as carências de informação relativas à gestão. Mais precisamente, a Commission on Health Funding (1989) constata que as funções políticas e as funções de execução não estão dissociadas como deveriam; que não está judiciosamente estabelecido o equilíbrio entre a tomada de decisão à escala nacional e as competências locais; que os médicos não participam suficientemente na gestão; que a transparência é insuficiente; e que os serviços conexos estão mal integrados. A comissão assinala também lacunas graves em matéria de informação, nomeadamente no que diz respeito ao custo dos tratamentos, às necessidades, aos resultados e à qualidade dos cuidados. Os serviços privados Não tem verdadeiramente cabimento interrogarmo-nos sobre os raros serviços de saúde que o doente toma integralmente a seu cargo pagando directamente ao prestador. O sistema foi concebido de modo a que sejam principalmente pessoas com meios para pagar e que, por outro lado, tenham optado por não se segurar que se encontram face a esta obrigação. Os interesses fazem as suas escolhas e os médicos as deles, com pleno conhecimento de causa, isto é, sabendo perfeitamente qual será a despesa, se bem que, para lá de uma certa franquia, as despesas médicas não 136 reembolsadas dêem lugar a abatimentos fiscais. Na prática, todavia, os contribuintes que pedem para beneficiar desses abatimentos são pouco numerosos. No entanto, 30% da população têm actualmente um contrato de seguro de doença privado com do VHI, que exerce um monopólio neste domínio. Aqui, levantam-se três questões: a selecção em função do risco, o risco moral e o abatimento fiscal. i) O VHI serviu-se do monopólio que detém para impor o seguro de grupo. Esta política goza da simpatia do público, porque favorece as pessoas cuja saúde é relativamente má. Mas provavelmente também encorajou os doentes de alto risco a negociarem uma apólice inadequada com o VHI (Nolan, 1991) e uma certa subutilização do seguro pelas pessoas de boa saúde. ii) A maior parte das apólices cobre integralmente a hospitalização em certos casos determinados, assim como todos os serviços de generalista e os cuidados externos acima de uma franquia de 100 libras para uma pessoa só e de 170 libras para uma família. Isto quer dizer que os doentes que celebraram um contrato de seguro privado não são financeiramente incitados a economizar os cuidados médicos, desde que a despesa seja superior à franquia. Os seus médicos continuam a ser remunerados por acto, o que é para eles um fraco incentivo a induzir a procura. Não é, portanto, surpreendente verificar que os prémios do VHI aumentaram 46%, em valor real, entre 1980 e 1988. No fim dos anos 80, os poderes públicos contiveram, por via autoritária, as taxas de aumento dos prémios. Como, paralelamente, não foi posto um travão no reembolso dos serviços hospitalares, que é função da despesa, em 1989 deflagra uma crise financeira, porque os pedidos de reembolso progridem mais depressa que os prémios. É preciso então reduzir os reembolsos aos aderentes, negociar acordos financeiros globais com os hospitais privados e entender-se com a profissão médica sobre definições mais restritivas das tabelas de honorários. iii) Em 1987, os abatimentos fiscais, que aumentaram 350% em valor real desde 1980, cobrem perto de 28% do custo dos prémios do VHI. Põe-se um certo número de questões sobre a legitimidade dos auxílios públicos concedidos a titulo de um seguro de doença privado, sobretudo se eles forem calculados à taxa marginal do imposto sobre o rendimento. O sistema não é equitativo porque favorece os rendimentos elevados em detrimento dos rendimentos mais modestos. É ineficaz no sentido de que baixa o preço do seguro, o que incita a adquirir uma cobertura muito mais extensa do que se faria normalmente. Isto torna o segurado menos sensível ao custo da progressão dos prémios e, dado o risco moral ligado ao seguro de doença, redunda em lançar óleo sobre o lume. Em relação à 137 despesa pública consagrada directamente a serviços de saúde, o abatimento fiscal está mal apontado à verdadeira necessidade médica. Pode servir para rodear de luxo o tratamento e a hospedagem hospitalar, o que um regime público não faria, e para permitir ao doente privado aceder com prioridade ao médico. A demarcação entre sector público e sector privado Uma boa parte das deficiências do sistema manifesta-se sobretudo na demarcação entre sector público e sector privado, nomeadamente nos hospitais públicos. A Commission on Health Funding registou múltiplos testemunhos que indicam que, nesses estabelecimentos, os doentes privados esperam menos tempo que os doentes públicos, que os especialistas lhes consagram mais tempo e não respeitam sempre as condições de um contrato de serviço público. As compressões do orçamento público e o desenvolvimento do exercício privado conduzem (The Lancet, 1989) a um alongamento das listas de espera e a saídas prematuras do hospital no que diz respeito aos doentes do regime público, sem esquecer que o número das admissões hospitalares diminuiu fortemente no decurso dos últimos anos. Económica e politicamente, justifica-se que um hospital público seja autorizado a tratar doentes privados. Isso permite aos doentes do regime público aceder, tal como os doentes privados, aos melhores médicos e pode ser também muito rendível para o sector público. Mas há grande perigo de que a equidade seja maltratada no interior do sector público, se o serviço público e o serviço privado não forem mantidos estritamente separados do ponto de vista financeiro. Há dois princípios fundamentais a respeitar: manter claramente diferenciadas as transacções financeiras concernentes à clientela pública e as que respeitam à clientela privada e pedir ao doente privado que tome integralmente a seu cargo o custo do serviço que lhe é prestado. De qualquer modo, ocorre-se o risco de que os recursos financeiros e os meios do sector público sejam desviados e utilizados de acordo com as preferências da clientela privada e as suas disponibilidades. Na Irlanda, o problema deve-se essencialmente, parece, à extensão das subvenções concedidas ao sector privado, nomeadamente ao seguro privado. Por outro lado, era anormal que os doentes da categoria III pudessem, em caso de hospitalização, ocupar uma cama do regime público, ao mesmo tempo que tinham acesso aos serviços de especialistas em consulta privada. Esta facilidade desapareceu devido à legislação de 1991. Além disso, nos hospitais públicos, as camas privadas e semi-privadas continuavam a ser subvencionadas em parte, se bem que essas vantagens pareçam ter praticamente desaparecido, sob o efeito do forte aumento, durante os anos 80, das despesas de hospitalização deixadas a cargo da clientela privada. A COMISSÃO SOBRE O FINANCIAMENTO DO SISTEMA DE SAÚDE 138 (COMMISSION ON HEALTH FUNDING) Foi essencialmente na sequência das fortes compressões das despesas públicas de saúde, em valor real, efectuadas pelo Estado que o financiamento e a organização do sistema de saúde se tornaram, no decurso dos anos 80, objecto de controvérsias políticas. O governo reagiu através da constituição, em Junho de 1987, de uma comissão sobre o financiamento do sistema de saúde (Commission on Health Funding) que tem por mandato «examinar o financiamento dos serviços de saúde e formular recomendações sobre o montante e as fontes dos financiamento necessários para assegurar um serviço público de saúde que seja equitativo, exaustivo e eficaz, assim como sobre as alterações que, com este objectivo, conviria introduzir no modo de administração actual do sistema de saúde». A Comissão apresentou o relatório, em Setembro de 1989, com uma avaliação dos serviços de saúde que, sob muitos pontos de vista – apesar de certas propostas de reforma bastante audaciosas –, representava um voto de confiança no sistema existente. As principais conclusões e recomendações formuladas pela Comissão são sumariamente referidas a seguir. O financiamento, o direito à prestação e as partes relativas do sector público e do sector privado O montante dos financiamentos a conceder ao sistema de saúde não pode deixar de ser função dos recursos disponíveis e das prioridades reconhecidas pela sociedade a vários objectivos sociais. A Comissão observa que, em matéria de saúde, a atribuição de recursos inspira-se, muitas vezes, em critérios mais intuitivos do que objectivos. Quanto à questão da equidade, a Comissão é de opinião, no essencial, de que cada um deve pagar os cuidados médicos segundo os seus meios e aceder aos serviços em função das necessidades. Depois de ter examinado vários mecanismos de financiamento, a Comissão pronunciou-se a favor da manutenção do regime público para a maior parte dos serviços, desempenhando, no entanto, os financiamentos privados um papel complementar. Por maioria dos seus membros, a Comissão pronunciou-se também pela manutenção do recurso ao imposto, mas uma minoria pronunciou-se por um imposto específico. A Comissão recomendou, no entanto, a abolição do pequeno elemento da fiscalidade actual que representa uma contribuição para o sistema de saúde. Embora se pronunciasse a favor do financiamento público dos serviços, a Comissão não preconizou por isso o recurso a prestadores públicos. Pelo contrário, é preciso que, em cada sector, os poderes públicos tenham a latitude de fazer apelo a prestadores privados ou públicos, se esse mecanismo for mais rendível do que a prestação directa. A Comissão reconheceu com uma certa prudência que poderia ser 139 útil instaurar a concorrência e a prática da abertura de concursos entre hospitais, estabelecimentos de cuidados de enfermagem e prestadores de cuidados no domicílio. Mas, para a gestão dos hospitais, encarou a realização de concursos em vez de uma transformação dos contratos, o que implicaria o risco de perturbar os próprios cuidados hospitalares. No concernente à gratuidade dos serviços públicos e ao regime de prestações em três níveis, a Comissão, em linhas gerais, recomendou que não se modificasse nada relativamente às categorias I e II, e se suprimisse a categoria III. Por outras palavras, a camada da população de rendimentos mais fracos poderia continuar a aceder gratuitamente à totalidade dos serviços de saúde. O resto da população teria direito à gratuidade de um certo número de serviços de base, isto é: todos os cuidados hospitalares (com ressalva das despesas actualmente a cargo dos doentes); um conjunto de serviços assegurados localmente, com exclusão dos serviços de generalista; e os medicamentos receitados, para além de uma franquia mensal de 28 libras, assim como à gratuidade dos medicamentos destinados às pessoas que sofrem de certas doenças crónicas. Isto quer dizer que os doentes, em caso de hospitalização, terão de escolher entre o regime público e o serviço privado e deixarão de poder ocupar uma cama do serviço público ao mesmo tempo que beneficiam dos serviços de especialistas, na qualidade de doentes privados. A Comissão opôs-se a qualquer aumento importante das «taxas sobre o consumo» exigidas ao utente dos serviços públicos, aceitando embora o princípio de uma pequena contribuição directa. Pronunciou-se a favor da manutenção de serviços privados e de seguro de doença privado, considerando que as desigualdades daí resultantes no acesso aos cuidados eram toleráveis, desde que fossem salvaguardadas boas normas de qualidade no sector público. A Comissão pronunciou-se também a favor do seguro de grupo, mas dividiu-se quanto ao futuro a reservar ao VHI, em parte por não estar certa da eficácia desse monopólio, mas, sobretudo, por não estar certa de que este pudesse continuar a existir, uma vez instaurado o mercado único da Comunidade Europeia. A Comissão recomendou, por outro lado, a supressão progressiva dos abatimentos fiscais a título de seguro de doença privado, que considerou pouco equitativos e mal centrados sobre as necessidades. A Comissão retirou, ainda, parte da sua razão de ser a este tipo de auxílio fiscal ao preconizar o acesso de todos a cuidados de base totalmente gratuitos. Administração, gestão e informação relativa à gestão A ideia central que inspirou as conclusões da Comissão é a de que a solução do problema do financiamento não consiste primordialmente em encontrar o sistema perfeito, mas releva, antes, do modo de planificação, de organização e de prestação 140 dos serviços. A Comissão formulou, a este respeito, um certo número de recomendações: − é preciso separar a função política e a função de gestão do Ministro da Saúde e confiar a segunda a um órgão de direcção dotado de um director coordenador e de directores gerais de sector ao nível das direcções regionais de saúde actuais; − essas direcções regionais, que têm actualmente um papel administrativo (boards), veriam a sua competência alargada (councils), passando a desempenhar um papel decisório, à escala local, representando os interesses dos utentes e controlando a qualidade dos serviços de saúde; − seria necessário definir o papel dos hospitais e organismos de beneficência, cujo caderno de encargos, quanto ao volume e ao tipo de serviços a prestar, seria especificado e proceder-se-ia ao financiamento desses estabelecimentos em conformidade − é preciso criar um serviço de controlo das prestações. A Comissão insistiu ainda na necessidade de melhorar a informação relativa à gestão, assim como a avaliação. Formulou um certo número de recomendações tendentes a estabelecer perfis de saúde da população e a medir melhor a eficácia e as despesas. Na sua opinião, é necessário proceder a mais análises de custos-proveitos e avaliar, mais frequentemente as tecnologias médicas. O novo director coordenador prover-se dos serviços de médicos qualificados e experientes que o ajudassem a avaliar as prestações. Dever-se-ia reforçar a pesquisa epidemiológica e os trabalhos sobre os serviços de saúde. Os serviços Segundo as recomendações da Comissão, conviria fixar a todos os hospitais públicos objectivos claros e financiá-los segundo um volume convencionado de serviços a calcular segundo a actividade e os custos unitários do estabelecimento, sendo estes classificados por grupos homogéneos de diagnóstico (DRG). Um passo importante nesta direcção foi dado, graças a um grande estudo realizado sobre a instauração de DRG para os doentes hospitalizados, na Irlanda, por doença aguda e à adopção, a título experimental, em três hospitais para doenças agudas de uma fórmula de cálculo das despesas por DRG (Wiley e Fetter, 1990). Nos hospitais públicos, a lista de espera deveria ser comum para os doentes do regime público e para os doentes privados e conviria, além disso, tornar públicos os prazos de espera mais longos. O tempo que os especialistas consagram aos doentes do regime público deveria ser controlado. 141 Os preços dos medicamentos não deveriam continuar ligados aos preços praticados no Reino Unido, mas deveria ser estabelecida uma lista restrita de medicamentos, cujos preços seriam negociados directamente com as sociedades farmacêuticas. Deveriam ser tomadas medidas que reforçassem a promoção e a prevenção da saúde. Finalmente, no que diz respeito aos cuidados de longa duração, conviria melhorar a avaliação das diferentes soluções possíveis, assim como a coordenação dos serviços existentes. AVALIAÇÃO DAS PROPOSTAS DA COMISSÃO As propostas da Comissão evocam, quanto a certos pontos, as reformas em curso no sistema de saúde do Reino Unido, na medida em que se trata, por exemplo, de assegurar uma gestão mais rigorosa no sector público, de instaurar a concorrência entre os prestadores, de tomar mais largamente em consideração os interesses dos utentes e de melhorar a informação relativa à gestão. Mas a Comissão só aceita a instauração da concorrência entre os prestadores com prudência. As propostas tendentes a dar a todos os cidadãos irlandeses acesso à gratuidade de certos cuidados de base a reduzir a dois níveis o regime das prestações que comportava três e a suprimir progressivamente os abatimentos fiscais parecem judiciosas em relação ao objectivo prosseguido que é o de equilibrar melhor o sector público e o sector privado, em particular nos hospitais públicos. A Comissão mostra-se ambivalente no apoio que concede ao VHI, se bem que preconize a manutenção do tarifário modulado em função do grupo de segurados. Talvez ela tenha subestimado o interesse que apresenta um segurador que exerce um monopsónio e está submetido a controlo, em relação a vários seguradores em concorrência, quando se trata de conter a progressão das despesas no sector privado assim como a dos prémios de seguro. No entanto, uma vez que a Comunidade Europeia é favorável à concorrência, não se sabe se a Irlanda vai poder autorizar a manutenção do monopsónio. O relatório da Comissão foi seguido em 1990, pelo do organismo encarregado de se pronunciar acerca de um aumento das remunerações no sector público (Stationery Office, 1990). Sobre a remuneração e as condições de emprego dos especialistas do sector público, as principais recomendações do Review Body são as seguintes: − acrescentar novas categorias de postos de médicos que dêem consultas e mecanismos que permitam conceder-lhes remunerações mais elevadas em troca de uma mais ampla participação no serviço público; 142 − definir mais claramente as tarefas dos especialistas e dos hospitais a que estão vinculados; − associar mais os médicos à gestão; − adoptar dispositivos contratuais para consolidar os mecanismos de verificação das prestações médicas a efectuar; e − elevar sensivelmente a remuneração dos especialistas. PARA O FUTURO De posse das conclusões da Commission on Health Funding, o governo irlandês aprovou a sua orientação geral, sem tomar uma decisão imediata nem sobre a reforma das estruturas nem sobre o dispositivo de financiamento. Mas, em 1991, aprovou uma lei tendente a integrar o regime das prestações da categoria III no da categoria II, passando o regime público a não comportar senão duas categorias de beneficiários. O governo aceitou também as recomendações do organismo encarregado de examinar as condições de remuneração e de emprego dos especialistas do sector público, as quais constituirão as propostas da administração quando esta iniciar novas discussões com a profissão médica. Em 1991, um acordo nacional entre os diferentes parceiros sociais (governo, empregadores, sindicatos, agricultores) concluiu pela necessidade de estabelecer um organismo de avaliação da actividade no seio do Ministério da Saúde (Stationery Office, 1991a). Em 1990, o Ministro da Saúde tornou público um «Plano de Acção» que tem por objectivo elevar a eficiência e a eficácia dos serviços de saúde. O Dublin Hospital Initiative Group, que tinha participado nesse plano, apresentou um relatório, em 1991, no qual recomendava a criação de uma autoridade hospitalar regional para a capital, a qual não dependeria das direcções regionais. Esta proposta, assim como outras alterações estruturais, constituem actualmente o objecto de um exame (Stationery Office, 1991b). As reformas previstas deveriam atenuar algumas das ambiguidades e das tensões que se encontram na fronteira entre o sector público e o sector privado do sistema de saúde. Mas deveriam também favorecer uma melhor gestão, em meio hospitalar e nos cuidados ambulatórios. Bibliografia Barer, M.L., Evans, R.G. e Labelle, R.J. (1988), «Fee Controls as Cost Control: Tales from the Frozen North», The Milbank Quarterly, Vol. 66, nº 1. Hensey. B. (1988), The Health Services of Ireland, Institute of Public Administration, Dublin. The Lancet (1989), «Irish Electorate Speaks on Health», 8 Julho. McCarthy, D. (1984), «Principles for the Allocation of Resources in Health Care», Future Directions in Health Policy, pg. 13-37, documento preparado para uma conferência que se realizou em Malahide, Co., Dublin, 6-7 Abril. 143 McDowell, M. (1989), «Examination of the Report of the Commission on Health Funding», policopiado, University College, Dublin, 6 Novembro. Nolan. B. (1991), «Health Service Utilisation and Financing in Ireland», The Economic and Social Research Institute, General Research Series Paper nº 155, Dublin. OCDE (1987), La Santé: Financement et prestations, Paris. OCDE (1989), Etudes économiques de l'OCDE: Irlande 1988/1989, Paris. Poullier, J.P. (1990), «Les fichiers santé de l'OCDE: aperçu général et méthodologie», in Les systèmes de santé: A la recherche d'efficacité, OCDE, Paris. Raftery, J. (1984), «Irish Health Service Expenditure: Policy Trends and Incentives», Future Directions in Health Policy, pg 77-94, documentação destinada a uma conferência que se realizou em Malahide, Co., Dublin, 6-7 Abril. Raftery, J. (1988), «Lessons from the Irish», The Health Service Journal, pg. 1064-65, 15 de Setembro. Rottman, D. e Reidy, M. (1988), Redistributive Effect of State Transfer Payments, National Economic and Social Council, Dublin. Schieber, GJ. e Poullier, J.P. (1989), «International Health Care Expenditure Trends: 1987», Health Affairs, Outono, pp. 169-177. Schieber, G.J., Poullier, J.P. e Greenwald, L.M. (1991), «Health Care Systems in Twenty-Four Countries», Health Affairs, Outono. Sláinte, An Roinn (1986), Health: The Wider Dimensions (A Consultative Statement on Health Policy), Department of Health, Dublin, Novembro. Stationery Office (1989), Report of the Commission on Health Funding, Dublin, Setembro. Stationery Office (1990), Report of the Review Body on Higher Remuneration in the Public Sector: Hospital Consultants, Dublin. Stationery Office (1991a), Programme for Economic and Social Progress, Dublin. Stationery Office (1991b), Report of the Commission on Health Funding, Dublin, Setembro. Tussing, A.D. (1985), Irish Medical Care resources: an Economic Analysis, The Economic and Social Research Institute, Dublin, Documento 126, Novembro. Voluntary Health Insurance Board (1987), 30th Annual Report and Accounts for year ending 28th February 1987, Dublin. Wiley, M.M. e Fetter, R.B. (1990), «Measuring Activity and Costs in Irish Hospitals: A Study of Hospital Case-Mix», The Economic and Social Research Institute, Dublin. 144 Capítulo 7 A REFORMA DO SISTEMA DE SAÚDE NOS PAÍSES BAIXOS INTRODUÇÃO Em 1986, o governo neerlandês, então de centro-direita, nomeava uma Comissão presidida por M. W. Dekker, a fim de propor uma estratégia de reforma das estruturas e do modo de financiamento do sistema de saúde dos Países Baixos. Após a entrega do relatório do Comité Dekker, em Março de 1987, os poderes públicos propuseram uma importante reestruturação do sistema de saúde (Ministério da Protecção Social, da Saúde e dos Assuntos Culturais, 1988). Depois de uma mudança de coligação, em Novembro de 1989, um novo Governo de centro-esquerda decidia dar seguimento, no essencial, à reforma proposta. Trata-se provavelmente da evolução mais radical em matéria de cuidados médicos prevista para os anos 90 por um país da OCDE. As medidas aprovadas são as seguintes: − um regime uniforme de seguros de saúde nacional (ou seguro «de base») para todos os residentes neerlandeses; − a integração dos serviços de saúde e dos serviços sociais num só regime; e − uma transição gradual determinada de um modo de intervenção directa dos poderes públicos na formação do volume e do custo dos serviços de saúde para um regime de concorrência «gerida», tanto no que toca ao mercado do seguro de doença como ao dos cuidados médicos propriamente ditos. Este capítulo apresenta a reforma e avalia algumas vantagens e dificuldades esperadas da sua aplicação. Essa apresentação é precedida por uma descrição do sistema actual, seu crescimento e seu desempenho, assim como por um exame dos problemas que justificam uma reforma. O SISTEMA DE SAÚDE ANTES DAS REFORMAS Os cuidados de saúde são assegurados, nos Países Baixos, essencialmente por médicos independentes e por estabelecimentos privados sem fins lucrativos, mas há alguns hospitais públicos. Este sistema é financiado por contribuições provenientes dos seguros sociais e de seguros privados às quais vêm acrescentar-se importantes gastos das famílias e subvenções dos poderes públicos. O conjunto da população está obrigatoriamente segurado quanto aos riscos de doença crónica. Um pouco mais de 30% da população têm seguros privados para os riscos de doença aguda. Os 70% restantes estão obrigatoriamente segurados relativamente a esses riscos. Este regime combina, ao mesmo tempo, o sistema de reembolso voluntário e o sistema de contrato 145 público descritos no capítulo 2. Uma regulamentação central, estrita e pormenorizada, dos preços, do volume e da capacidade sobrepõe-se a um sistema de prestações essencialmente privadas e a um sistema misto de financiamento. Gráfico 7.1 – O sistema de saúde dos Países Baixos em 1987 (milhares de milhões de florins) O gráfico 7.1 sublinha as relações principais entre mecanismos financeiros e prestadores de serviços no sistema. Em baixo, à esquerda do gráfico, encontra-se a população, incluindo os doentes. No cimo, ao meio, figuram os seguradores e os 146 terceiros pagadores. Em baixo, à direita, estão os prestadores. Os traços contínuos correspondem aos fluxos dos serviços e os tracejados aos fluxos financeiros. O gráfico está centrado sobre os principais serviços de saúde e não entra conta, por exemplo, com os dentistas nem com os serviços oftalmológicos. Faz abstracção dos serviços, como os lares para pessoas idosas. Os seguradores privados figuram lá porque entre eles se exerce concorrência, enquanto os outros seguradores e prestadores são assinalados como múltiplos na medida em que a concorrência entre eles é actualmente fraca inexistente. O gráfico não faz abstracção de numerosas complicações que existem tanto no domínio dos seguros como no das prestações. Também não entra em conta com pesadas regulamentações públicas respeitantes à qualidade, aos preços e ao volume dos cuidados. RELAÇÕES ENTRE OS DOENTES E OS PRESTADORES Cuidados médicos primários e cuidados farmacêuticos Os generalistas desempenham um papel fundamental na medida em que asseguram a quase totalidade dos cuidados médicos primários e canalizam o recurso dos doentes aos especialistas e aos serviços hospitalares. Os generalistas são independentes e aproximadamente um em cada dois trabalha no quadro da medicina de grupo ou em centros médicos. Alguns dispõem da sua própria farmácia. O doente pode também apresentar a receita do médico a um farmacêutico. O doente inscrito numa caixa de seguro de doença deve escolher um generalista junto do qual se inscreverá, a partir de uma lista de generalistas com que a sua caixa celebrou contrato. Na prática, as caixas de seguros de doença celebram contratos com quase todos os generalistas da região que elas servem. A caixa de seguro de doença efectua um pagamento fixo ao generalista e este trata gratuitamente o doente. Os doentes que são segurados de companhias privadas, assim como os funcionários têm a liberdade de escolher qualquer generalista, que remuneram por acto. Podem reclamar o montante dos honorários ao seu segurador, desde que não tenham decidido assumir eles próprios os riscos. Os medicamentos receitados são, agora, entregues gratuitamente aos doentes inscritos em caixas de seguro de doença, enquanto os doentes segurados em companhias privadas, devem pagar eles próprios ao farmacêutico e depois pedir o reembolso das despesas à sua companhia de seguros, se os medicamentos receitados constarem da lista a que têm direito. 147 Cuidados médicos especializados Em cerca de um terço das consultas médicas intervêm especialistas, contra um quarto no Reino Unido e perto de metade na Alemanha (Sandier, 1989). Os especialistas trabalham geralmente em ligação com hospitais, se bem que alguns tenham consultórios independentes. A maior parte dos especialistas é remunerada por acto e o nível dos seus honorários é controlado pelo Serviço Central das Tarifas Médicas. Isto aplica-se a todos os doentes, quer eles estejam segurados numa companhia privada quer numa caixa de seguro de doença. Nos hospitais públicos e nos centros hospitalares universitários, os especialistas e os médicos auxiliares são assalariados. Também aí, a factura dos doentes inscritos numa caixa de seguro de doença é paga directamente aos especialistas pela Caixa, enquanto os doentes segurados numa companhia privada têm de pagar eles próprios os honorários e pedir depois o reembolso, segundo a natureza da sua cobertura. Os hospitais e as clínicas Os Países Baixos contam uma dúzia de camas por 1000 pessoas (a média para os países da OCDE elevava-se a cerca de 9,3, em 1983). Estas camas repartem-se como se segue: 42% nos hospitais que prestam cuidados gerais e especializados, 14% nos hospitais psiquiátricos, 17% nos estabelecimentos para deficientes mentais e 27% nas clínicas. Os hospitais reservados para os casos graves são estabelecimentos públicos apenas na proporção de 15% aproximadamente. Os outros são estabelecimentos privados ou de fim não lucrativo e possuem os seus próprios órgãos directivos (Tiddens et al., 1984). Para os estabelecimentos de cuidados de longa duração, existe um sistema de partilha dos custos ao nível de 10% aproximadamente. Serviços de saúde pública e serviços de cuidados no domicílio Os serviços de saúde pública são geridos pelos municípios e financiados por meio de receitas fiscais. Os serviços de cuidados no domicílio estão essencialmente colocados sob a responsabilidade das organizações da «Cruz». Estas são financiadas por caixas de despesas de saúde excepcionais e, em menor escala, por contribuições voluntárias directas. 148 RELAÇÕES ENTRE A POPULAÇÃO E OS ORGANISMOS TERCEIROS PAGADORES Fontes das verbas Em 1988, as contribuições obrigatórias do seguro de doença representavam cerca de 60% das despesas de doença. As subvenções provenientes de receitas fiscais representavam 14% aproximadamente, os prémios de seguro de doença voluntário menos de 16% e os pagamentos por inteiro cerca de 11%. A importância dos prémios voluntários está ligeiramente sobreavaliada aqui porque englobam as contribuições obrigatórias pagas pelos funcionários, considerados como doentes segurados numa caixa privada. Praticamente todos os cidadãos neerlandeses têm uma cobertura exaustiva assegurada por um regime de seguro de doença. Existem quatro regimes principais: − um regime de despesas excepcionais de doença, que se aplica a toda a população; − um regime de seguro de doença obrigatório (despesas ordinárias), que cobre principalmente os assalariados que recebem um salário inferior a determinado limite e os reformados que entram na mesma categoria (60% aproximadamente da população); − um seguro privado voluntário, que cobre principalmente os assalariados que recebem um salário superior a determinado limite e os reformados que entram na mesma categoria (30% aproximadamente da população); − um regime de seguro de doença obrigatório que cobre os funcionários e os reformados que se entram na mesma categoria (cerca de 6% da população). Uma caixa geral de seguro obrigatório faz chegar as contribuições ao regime de despesas excepcionais de doença, assim como às caixas de seguro de doença. Existe também um programa distinto de cuidados sociais que se aplica ao conjunto da população. Regime de despesas médicas excepcionais Trata-se de um regime obrigatório para as despesas médicas em caso de catástrofe, que se aplica a toda a população (até 1989). Este regime efectua prestações essencialmente para os cuidados de longa duração em casas de saúde, em hospitais psiquiátricos e em hospitais que dispensem cuidados gerais, quando a duração da estadia não for superior a 365 dias. É essencialmente financiado por contribuições salariais (4,55% dos rendimentos, em 1988, tendo em conta um “tecto”), que incidem 149 sobre os complementos obrigatórios de salários pagos pelos empregadores. Os trabalhadores independentes têm que pagar as suas próprias contribuições. Está também prevista uma módica dedução fiscal; é possível que os doentes ou os seus familiares sejam levados a contribuir para os custos dos cuidados. Os prestadores são reembolsados directamente pelos serviços que prestam em espécie. A gestão das prestações é assumida pelo segurador habitual de cada particular. As negociações com os prestadores concernentes a certos beneficiários são conduzidas por um organismo de ligação (caixa de doença) designado em cada localidade. Os pagamentos são efectuados por um organismo central de pagamento. Caixa de seguro de doença Desde 1941, os Países Baixos estão dotados de um regime de seguro de doença obrigatório que cobre os riscos correntes a que estão expostos os assalariados que ganhem um salário inferior a certo nível. Este regime foi alargado e segura agora as pessoas a cargo, os reformados que nele estavam inscritos e qualquer pessoa que receba prestações de segurança social, desde que o seu rendimento seja inferior a um certo nível (cerca de 50 000 florins, em 1988). No entanto, em 1986, o número de membros foi reduzido quando os poderes públicos vedaram o acesso às caixas de seguro de doença aos membros voluntários e pediram aos trabalhadores independentes e aos futuros reformados titulares de um seguro privado que celebrassem um contrato ou o mantivessem com seguradores privados. Esta medida baixou a percentagem da população segurada pelas caixas de saúde de 69 para 62%. As prestações proporcionadas pelo regime obrigatório abrangem os cuidados dispensados pelos generalistas e pelos os especialistas, os serviços de protecção materna, os cuidados dentários, os cuidados hospitalares, os produtos farmacêuticos e os serviços de transporte. As pessoas cobertas pelo regime obrigatório podem subscrever um seguro voluntário suplementar, se desejarem obter um maior conforto em caso de hospitalização. Este regime é administrado por cerca de quarenta caixas de seguro de doença independentes, sem fim lucrativo, que estão essencialmente especializadas por zona geográfica. As caixas praticamente não fazem concorrência umas às outras. Para obterem prestações, os particulares têm que se inscrever numa caixa de doença local e junto de um generalista com o qual a caixa tenha celebrado um contrato. O regime é essencialmente financiado pelas contribuições salariais e patronais, pagas até uma data recente na proporção de 50/50 pelo empregador e pelo assalariado. A taxa de contribuição elevava-se a 10,2% dos rendimentos, em 1988, tendo em conta um “tecto” de cerca de 42 000 florins. As contribuições são cobradas pelas empresas e pelas caixas de saúde e depois entregues a uma caixa geral. Está também prevista uma redução fiscal. Como foi indicado acima, as caixas de seguro de doença celebram contratos com os prestadores (de facto, elas não podem, em geral, recusar um 150 contrato) e reembolsam directamente o montante dos serviços prestados aos seus membros. Não efectuam senão inquéritos sumários sobre a utilização dos serviços. Podem oferecer também uma cobertura privada para serviços suplementares, como cuidados hospitalares de categoria superior. Seguros privados Os trabalhadores independentes e os assalariados que recebem um rendimento superior a um certo nível, assim como as pessoas de mais de 65 anos que pertenciam anteriormente a essas categorias podem segurar-se, à sua escolha, contra os riscos de doença correntes junto de uma das 70 companhias de seguro de doença privadas, sem fim lucrativo. Os titulares de um seguro privado representam cerca de 32% da população. Este tipo de seguro baseia-se no voluntariado e os particulares podem aceitar assumirem eles próprios certos riscos, mas raros são os que não têm nenhuma cobertura. Os prémios são fixados a título individual e variam segundo o risco médico, o nível de franquia escolhido e as condições de hospitalização desejadas (primeira, segunda ou terceira classes). Os prémios dos seguros privados não são dedutíveis dos impostos senão na medida em que ultrapassarem um montante igual ao de uma contribuição obrigatória para uma caixa de seguro de doença correspondente ao rendimento da pessoa interessada. Como ficou indicado atrás, os seguradores do sector privado indemnizam habitualmente o doente pelo montante dos actos do prestador. Em geral, os prémios dos seguros privados eram fixados em função de critérios locais, mas esta prática começou a desagregar-se nos anos 70. As pessoas de alto risco, em especial as pessoas idosas, tinham que fazer face a uma grande subida dos prémios. Em vez de deixarem as caixas de doença desempenhar o papel de segurador de último recurso, os poderes públicos obrigaram os seguradores privados, em 1989, a oferecerem uma cobertura clássica por prémios de montante fixo, inferior ao custo habitual, para as pessoas idosas de mais de 65 anos que eram até então titulares de um seguro privado. Foi criado um dispositivo para repartir as despesas correspondentes entres seguradores do sector privado. Com efeito, esta medida impõe a estes seguradores condições particulares em matéria de seguro social (Ministério da Protecção Social, da Saúde e dos Assuntos Culturais, 1989). Seguro dos funcionários Os funcionários têm que aderir a um regime de seguro obrigatório cujas prestações são análogas às proporcionadas pelas caixas de doença. Estes regimes são financiado por contribuições dos trabalhadores e das entidades patronais, que até uma data recente, eram pagas na proporção de 50/50. As pessoas dependentes e os reformados pertencentes a estes regimes estão igualmente cobertos. Como no caso dos seguros 151 privados, estes regimes têm mais tendência para pagar indemnizações do que para proporcionar prestações em espécie. Abrangem cerca de 6% da população. A caixa geral de seguro obrigatório A caixa geral de seguro obrigatório encaminha as contribuições destinadas aos regimes de despesas médicas excepcionais e às caixas de doença. Exerce assim uma função de centro de repartição das contribuições. Por outro lado, beneficia de um auxílio público. Se bem que os poderes públicos fixem a taxa das contribuições, o montante dos pagamentos efectuados pela caixa não é limitado. Os défices e os excedentes anuais podem ser transportados para os anos subsequentes. Cuidados de carácter social Toda a população tem direito a cuidados de carácter social, incluindo os cuidados dispensados no domicílio e nos lares para pessoas idosas. Estes serviços são financiados ao mesmo tempo por um imposto indirecto e por um pagamento integral. RELAÇÕES ENTRE OS ORGANISMOS TERCEIROS PAGADORES E OS PRESTADORES Médicos Os prestadores são geralmente remunerados pelos seus doentes do sector privado, mas, quanto aos doentes do sector público, as caixas substituem-se a eles. As caixas de doença pagam aos generalistas uma capitação fixa pelos seus beneficiários. Remuneram os especialistas por cada um dos seus beneficiários que lhes é enviado por um generalista. O doente recebe então um cartão de orientação que o autoriza a seguir um tratamento durante um mês. Os especialistas são remunerados por acto relativamente a um grande número de diagnósticos e de terapias específicas. Os diversos tipos de honorários e de indemnizações por doente inscrito são objecto de negociações complexas entre os representantes dos médicos e dos seguradores, com a participação não só do Serviço Central das Tarifas Aplicáveis aos Cuidados Médicos, mas também de representantes dos poderes públicos. São consagradas negociações distintas ao rendimento pessoal dos médicos e aos pagamentos dos custos (KirkmanLiff, 1989). Foi encarada a instauração de orçamentos globais para a remuneração dos especialistas. Isso teria por efeito reduzir automaticamente os honorários por rubrica de despesa sempre que o volume dos serviços atingisse um montante superior ao previsto no orçamento. Produtos farmacêuticos 152 O farmacêutico ou o médico que fornece medicamentos é reembolsado pela caixa de doença do montante dos medicamentos receitados aos beneficiários da caixa. Não é exercido nenhum controlo sobre os preços fixados pelos fabricantes dos produtos farmacêuticos, mas o preço de venda dos farmacêuticos é fixado com base numa negociação entre representantes dos seguradores e dos farmacêuticos e aprovada pelo Serviço Central das Tarifas Aplicáveis aos Cuidados Médicos. Desde Julho de 1991, é aplicado um preço de referência para os reembolsos. Este preço é fixado em função do preço médio dos medicamentos «terapeuticamente permutáveis» (por exemplo, os pertencentes ao grupo das benzodiapinas ou ao grupo da insulina). O fabricante conserva a liberdade de praticar preços mais elevados e o médico a de receitar medicamentos de preço superior ao preço fixado, mas o doente tem então que pagar a diferença. Hospitais Desde 1983, os hospitais têm orçamentos anuais prospectivos, negociados com os seguradores locais dos sectores públicos e privados e aprovados pelo Serviço Central das Tarifas Aplicáveis aos Cuidados Médicos. Estes orçamentos tomam em conta os doentes dos sectores público e privado e englobam a maior parte das despesas, com excepção dos honorários pagos aos especialistas. Substituem o antigo sistema de pagamento estabelecido em função do volume de cuidados dispensados e com base em preços diários. O orçamento aprovado é exprime-se sob a forma de um volume estimado de serviços nos diferentes domínios e de preços por categoria de serviço. Um tal método permite dividir os pagamentos efectivamente feitos a um hospital (cujo montante deve ser igual ao do orçamento) pelo número dos segurados ou pelo número dos seus seguradores. Proporciona igualmente um conjunto constante de funções indicadoras dos preços no mercado. Qualquer excedente ou défice observado no final do ano é eliminado no ano seguinte mediante uma revisão dos preços. Os hospitais têm a possibilidade de negociar as modificações que desejem introduzir no volume das actividades de um ano para o outro. Se, por exemplo, o volume das actividades ultrapassa o nível fixado durante dois anos consecutivos, o hospital pode levar as caixas de saúde e os seguradores a reverem o orçamento em conformidade. Inicialmente, os orçamentos globais eram estabelecidos na base de custos históricos e apresentavam, por um lado, um montante suplementar para tomar em conta efeitos da inflação e consequências orçamentais dos projectos de investimento aprovados e, por outro lado, deduções lineares de 1 ou 2% por ano para os ganhos de produtividade presumidos. Este método tendia a penalizar os hospitais com melhor desempenho. Desde 1988, aplica-se um método destinado a equipara os custos de certas funções nos hospitais especializados em urgências. Foi adoptada uma fórmula para avaliar os custos indicativos de cada hospital. Certas categorias de despesas, como o pagamento dos juros, a amortização e a conservação, que representam perto 153 de 20% dos custos, não são tomadas em consideração no sistema. Vinte cinco por cento do montante das despesas nacionais são afectadas em função da população dependente da circunscrição hospitalar, 35% são afectadas em função do número de especialidades e do número de camas que possui o hospital (que são determinadas por projecção) e 40% são afectadas em função do número de admissões, dos dias de hospitalização, dos tratamentos de dia e das «primeiras» consultas efectuadas pelo doente ao exterior (que são negociáveis com os seguradores). Por esta via, o financiamento dos cuidados é assegurado na medida em que a população releva da circunscrição hospitalar e a evolução do volume de actividade de um ano para o outro constituem objecto de negociações. Sempre segundo esta fórmula, as dotações indicativas de um terço dos hospitais revelam uma diferença de mais de 8% em relação às despesas correntes. As dotações efectivas e as dotações indicativas deviam harmonizar-se, até 1992, com uma aproximação de 2% ( Rutten e Freens, 1986; Groot, 1987; Vos, 1988; Maarse, 1989; Saltman e de Roo, 1989). Os salários pagos ao pessoal hospitalar não médico são determinados por negociações entre representantes dos hospitais e sindicatos. O regime dos salários está submetido à aplicação de directivas dos poderes públicos concernentes à taxa de crescimento anual máxima dos custos de mão-de-obra por assalariado, o que deixa uma certa margem de negociações quanto ao nível dos salários, às horas de trabalho e às vantagens conexas. A parte mais substancial dos equipamentos hospitalares é privada (é o caso, nomeadamente, de 85% das camas); os hospitais dirigem-se em geral ao sistema bancário para financiarem as suas novas aquisições. Os investimentos estão subordinados à aprovação da planificação pela administração provincial. Se esta der o seu acordo, o montante da depreciação e dos juros respeitantes aos novos investimentos pode ser repercutido nos preços e é automaticamente coberto pelas caixas de doença. Até ao presente, os empréstimos bancários foram garantidos pelos poderes públicos. Os hospitais universitários são estabelecimentos públicos e as suas despesas de investimento são financiadas por subvenções do Estado. Estes investimentos são eliminados do balanço uma vez realizados. REGULAMENTAÇÃO Num sistema baseado no recurso a estabelecimentos privados e a médicos independentes, tinha sido decidido, numa primeira fase, que a fixação do volume e dos preços dos serviços constituiria objecto de negociações descentralizadas entre os particulares, os seguradores e os prestadores. No entanto, desde os meados dos anos 70, devido principalmente a taxas de crescimento inaceitáveis das despesas, os poderes públicos desempenharam um papel cada vez mais importante na regulamentação dos preços e do volume dos serviços, que se tornou cada vez mais 154 pormenorizada (Lapré, 1988; Kirkman-Liff et al., 1988; Saltman e de Roo, 1989). Desde então, os sectores privado e público estão fortemente regulamentados. Se bem que os poderes públicos não exerçam controlo sobre o orçamento global com a saúde – juridicamente os regimes de seguros obrigatórios e voluntários continuam a ser flexíveis –, intervêm sob outras formas, nomeadamente: − publicam um plano anual das despesas de saúde que exerce uma influência muito grande (ver, por exemplo, o documento pertinente do Ministério da Saúde e da Protecção do Ambiente, 1982); − regulamentam estreitamente os dois regimes de seguros obrigatórios e intervêm com crescente frequência na regulamentação do seguro privado; − o Serviço Central das Tarifas Aplicáveis aos Cuidados Médicos, criado pelos poderes públicos em 1982, exerce um estrito controlo dos honorários e das tarifas fixadas pelos prestadores para os doentes dos sectores privado e público e supervisiona o estabelecimento do orçamento dos hospitais. Trata igualmente de regulamentar o rendimentos dos médicos; − é efectuado um certo número de controlos do volume de actividades; incidem sobre o número dos médicos admitidos a seguirem cursos de formação, o número de generalistas autorizados a exercerem e a capacidade dos hospitais. Desde 1982, os hospitais não têm o direito de fazer ampliações, a menos que estejam autorizados de acordo com os planos estabelecidos pela administração local e a aprovados pelo Ministério; − os salários do pessoal não médico são objecto de controlo; − como foi indicado atrás, os poderes públicos tentam, desde há muitos anos, aplicar controlos de qualidade aos cuidados médicos, por intermédio de inspectores médicos e por meio de um sistema de autorizações hospitalares. Além disso, no decurso dos anos 80, os poderes públicos realizaram um certo número de reformas compreendendo nomeadamente: − a instauração de um sistema de planificação regional da saúde, em 1982; − a criação de orçamentos globais para os hospitais, em 1983; − a supressão do seguro voluntário para os cuidados primários nas caixas de doença, em 1986; − o lançamento do processo de uniformização dos orçamentos globais para os hospitais, em 1988; − o recurso a seguradores privados que foram incumbidos de oferecer aos doentes de alto risco um regime de seguro de base cujos prémios foram previamente fixados, em 1989. 155 CRESCIMENTO E RESULTADOS DO SISTEMA A avaliar pela base de dados da OCDE (OCDE,1987; Schieber e Poullier,1989; e quadros 10.1, 10.2 e 10.3 do capítulo 10), os Países Baixos caracterizam-se por normas de saúde elevadas e o montante das suas despesas de saúde é bastante representativo para um país com um nível de vida elevado. Em 1983, ocuparam, entre os países da OCDE, os 6º e 4º lugares respectivamente para a esperança de vida à nascença dos homens (73 anos) e das mulheres (79,8 anos). Ao nível 1041 dólares por habitante, as despesas de saúde em 1987 situaram-se ligeiramente acima do nível que se podia esperar com base numa recta de regressão para os países da OCDE, que relaciona as despesas de saúde com o PlB por habitante, utilizando a taxa de câmbio PPA (Schieber e Poullier,1989). Depois de ter passado rapidamente de 3,9%, em 1960, a 6%, em 1970, e depois a 8,2%, em 1980, a parte do PIB consagrada aos cuidados estabilizou-se mais ou menos no decurso dos anos 80 (era de 8,3%, em 1989). O número dos médicos e das camas para os casos de urgência parece bastante representativo para os países da OCDE. Nota-se um número relativamente reduzido de consultas de generalistas, de receitas e de admissões nos hospitais especializados em urgências e uma duração média relativamente longa da permanência dos doentes nesse tipo de hospital (quadro 10.2, capítulo 10). Na sequência do estabelecimento de orçamentos globais para os hospitais, observou-se uma forte queda da taxa de crescimento das despesas reais efectuadas pelos hospitais e um abrandamento notável no número de admissões. Por outro lado, o número de pessoas inscritas nas listas de espera para cirurgia aumentou. Em 1982, Rutten e van der Werff (1982) assinalaram que não havia em geral listas de espera. No entanto, segundo um inquérito por sondagem realizado em 1989, o tempo de espera médio atingia, nos Países Baixos, cerca de 11 semanas para a ginecologia e a urologia, e cerca de 15 semanas para a ortopedia (Lorsheijd et Takx, 1990). Desde o princípio dos anos 80, os poderes públicos alcançaram um sucesso notável, ao manterem a taxa de aumento dos honorários dos médicos bastante abaixo da taxa de crescimento do índice dos preços de consumidor, mas o efeito obtido quanto à contenção das despesas globais foi menos pronunciado devido ao aumento do número de médicos por habitante e do volume dos serviços afectuados por cada médico, em particular pelos especialistas (Kirkman-Liff, 1989). No entanto, o leque de escolhas oferecidas ao consumidor continua a suportar a comparação com os sistemas organizados segundo esquemas mais integrados. De acordo com um médico britânico que trabalhou num hospital neerlandês, «Na GrãBretanha... a qualidade dos cuidados é em certos aspectos “inferior” à dos cuidados dispensados pelo sistema médico neerlandês, não no plano do tratamento médico nem do empenhamento profissional, mas ao nível da relação que se estabelece entre os 156 “prestadores” e os “beneficiários” e do acesso destes últimos ao sistema e aos seus serviços» (Beck, 1988). ORIGENS DAS REFORMAS RECENTEMENTE EMPREENDIDAS Os Países Baixos atingiram um alto nível elevado de saúde e asseguraram o acesso universal aos serviços de saúde, por um custo que parece ser apenas ligeiramente superior ao que poderia esperar-se para um país em que o nível de vida da população é elevado. Diversos problemas subsistem, no entanto. Alguns são inevitáveis; todos os países da OCDE têm de lhes fazer face. Trata-se nomeadamente do envelhecimento da população e do crescimento das despesas ligado do progresso das técnicas médicas. A percentagem da população de 65 anos e mais deveria passar de 11,5 para 15,1, entre 1980 e 2010 (OCDE, 1987). Outros problemas dizem respeito à concepção do sistema de saúde propriamente dito; medidas de incitação deveriam conseguir resolvê-los. As insuficiências que levaram à criação da Comissão sobre a Estrutura e o Financiamento dos Cuidados (a Comissão Dekker), em Março de 1987, situam-se em quatro planos diferentes (Ministério da Protecção Social, da Saúde e dos Assuntos Culturais, 1988; van de Ven, 1989). Falta de coordenação da estrutura financeira Na medida em que os cuidados médicos são financiados por várias entidades financiadoras, que podem ser responsáveis pelo mesmo cliente em diferentes estádios de uma mesma doença, e na medida também em que os serviços de saúde e os serviços de sociais são financiados por diferentes financiadores, o processo de substituição, em certos estádios críticos, defronta-se com obstáculos; certos prestadores têm tendência para procurarem desonerar-se dos seus doentes remetendoos para outros prestadores. Seguro de doença A divisão do sistema de seguro de doença em quatro regimes diferentes é uma fonte de dificuldades: a liberdade de escolha entre os diferentes regimes de seguro é insuficiente, a transição entre esses regimes suscita problemas e mantém-se uma certa injustiça no concernente, em especial, aos segurados do sector privado que têm dificuldade em conseguir prémios de um montante inferior ao nível fixado para as pessoas sujeitas ao seguro obrigatório com base nos baixos riscos que apresentam e na possibilidade que lhes é dada de se auto-segurarem. Falta de medidas de incitação à eficácia 157 Sob o ponto de vista financeiro, os consumidores, os seguradores e os produtores quase não são incitados a dar provas de eficácia. Os utentes segurados por um seguro de doença beneficiam de cuidados praticamente gratuitos e não são encorajados a refrear a sua procura. As caixas de doença, reembolsadas por uma caixa geral de todas as despesas efectuadas, não são, portanto, incitadas, financeiramente, a escolher prestadores em função da sua eficácia. Além disso, elas têm que celebrar contratos com qualquer prestador local que ofereça os seus serviços. Isso significa que elas desempenham um papel de financiadoras passivas em matéria de cuidados e não de compradoras activas de serviços com a preocupação de rendibilidade. Os seguradores privados têm mais consciência dos custos, mas consideram ser mais fácil fazer concorrência entre si evitando segurar pessoas que apresentem altos riscos do que escolhendo prestadores eficazes. Esta tendência é acentuada pelo facto de os seguradores privados poderem em geral escolher livremente os seus prestadores. Os generalistas são remunerados por capitação e são incitados a remeter para especialistas certos doentes que eles próprios poderiam tratar. Os especialistas são pagos por acto, sejam necessários ou não os cuidados que eles dispensem. Desde que os hospitais são financiados com base num orçamento global, são insuficientemente encorajados a reagir às modificações que se verificam na procura. Esta dicotomia nas medidas de incitação é fonte de uma viva tensão entre os especialistas e os directores dos hospitais. Regulamentação governamental A este sistema vem sobrepor-se um mecanismo complexo e fortemente centralizado de regras dimanadas dos poderes públicos e aplicáveis ao preço dos cuidados, ao seu volume e à sua qualidade. Estas regras permitiram, em certa medida, limitar o aumento das despesas globais no decurso dos últimos anos (apesar da falta de um orçamento global), mas têm os inconvenientes de ser complexas, custosas e rígidas e de irem contra o espírito do sistema. É difícil coordenar o dispositivo de planificação e o sistema de financiamento, na medida em que relevam da competência de organismos diferentes e tendem a entrar em conflito. Estes problemas redundaram em pressões inaceitáveis sobre os preços, em despesas hospitalares excessivas em relação às despesas de cuidados primários e em diferenças inexplicáveis de despesas de saúde por habitante entre regiões e caixas de saúde. Neste contexto, a Comissão Dekker foi solicitada pelos poderes públicos a dar o seu parecer sobre: − as estratégias a aplicar para conter o volume e o custo dos cuidados, tendo em conta o envelhecimento da população; − um estudo do regime de financiamento e de seguros; e 158 − as possibilidades de “desregulamentação” e de simplificação do sistema de saúde. AS REFORMAS DEKKER No seu relatório intitulado O desejo de mudar (Ministério da Protecção Social, da Saúde e dos Assuntos Culturais, 1988), a Comissão Dekker assinalou que tinha adoptado um certo número de posições que poderiam servir de ponto de partida: − a necessidade de uma melhor integração do financiamento e da prestação dos cuidados, em especial dos serviços de saúde e dos serviços sociais; − a necessidade de substituir o modo de regulação governamental por mecanismos de mercado; − a manutenção da equidade e da solidariedade. A Comissão propôs reformas que remetiam para três rubricas principais: − seguro de base cobrindo ao mesmo tempo os cuidados médicos e os serviços sociais; − concorrência no mercado dos seguros; e − concorrência no mercado dos prestadores. Deve-se notar, no entanto, que não está prevista nenhuma concorrência directa no «mercado» entre doentes e prestadores de cuidados. O gráfico 7.2 dá uma visão geral dessas reformas. No essencial, as propostas tendem a introduzir um regime de seguro de base obrigatório que cobriria a maior parte dos serviços de saúde e dos serviços sociais e que representaria cerca de 85% das despesas imputáveis a esses serviços. Um regime de seguro complementar voluntário seria instaurado para cobrir diversos serviços, nomeadamente a compra de medicamentos, os cuidado dentários para adultos, a cirurgia estética e a interrupção de gravidez. A concorrência no mercado dos seguros devia ser favorecida pelos critérios de concepção dos novos regimes. Uma característica engenhosa do regime de seguro de base seria obrigar o particular a pagar um prémio fixado, em parte, com base nos seus rendimentos e, em parte, por capitação. A maior parte deste prémio (cerca de 75%) devia assentar nos rendimentos, segundo uma taxa fixada pelos poderes públicos, e ser paga a uma caixa central. Esta ficaria encarregada de pagar um prémio ligado ao risco ao segurador envolvido na concorrência, escolhido pelo particular. O resto do montante do prémio devia ser definido numa base fixa e pago directamente pelo particular ao segurador, ficando os seguradores obrigados a aplicar o mesmo valor pré-determinado a cada um dos seus segurado. Isto deveria incitar os seguradores a fazerem concorrência uns aos outros, mantendo o montante da soma fixa o mais baixo 159 possível e o nível de qualidade das prestações o mais alto possível. Os seguradores seriam obrigados a aceitar todos os candidatos. Por outro lado, na medida em que a contribuição paga pela caixa central estava ligada ao risco, a incitação para os seguradores de entrarem em concorrência por uma selecção dos segurados em função dos riscos desapareceria mais ou menos. A distinção entre caixas de doença e seguradores privados devia esbater-se. Gráfico 7.2 – O sistema de saúde e de protecção social dos Países Baixos após a reforma Dekker O seguro complementar devia ter um carácter voluntário. Os seguradores seriam obrigados a aceitar todos os candidatos, mas a Comissão considerou que os poderes públicos não deveriam intervir senão para determinar os prémios de seguro no caso de certos limites serem ultrapassados. 160 A Comissão foi de opinião que a concorrência entre seguradores encorajaria a concorrência entre prestadores. Para encorajar esta concorrência, convinha deixar de exigir às caixas de doença que elas celebrem um contrato com todos os prestadores que desejem realizar tal negócio. Isso deveria facilitar a tarefa dos seguradores na sua escolha dos prestadores de cuidados mais eficazes. A Comissão propôs também um certo número de outras medidas, incluindo uma redução de 4 000 camas hospitalares em quatro anos, a aplicação parcial de honorários para certos serviços prestados pelos generalistas, a supressão dos controlos exercidos sobre os hospitais em matéria de investimento e o reforço das medidas de incitação da administração central e também o acompanhamento dos mecanismos tendentes a garantir a qualidade dos cuidados. Certos órgãos consultivos deviam igualmente ser objecto de reformas. Finalmente, a Comissão precisou que, se os mecanismos de mercado constituíam na sua opinião o melhor meio de favorecer a eficiência do sistema de cuidados médicos, entendia que o papel desses mecanismos estava limitado por considerações de ordem social, cultural, ética e económica. Os poderes públicos deveriam, portanto, continuar a efectuar uma certa regulamentação, em especial quanto ao controlo da qualidade e dos custos e em matéria de equidade. Era necessário também velar pela prevenção de qualquer abuso de poder monopolista. O objectivo da Comité era o de estabelecer um novo equilíbrio entre os mecanismos de mercado, os princípios morais e a regulamentação central. A publicação do relatório Dekker suscitou, nos Países Baixos, um debate aceso e generalizado (Ministério da Protecção Social, da Saúde e dos Assuntos Culturais,1988; Schut e Van de Ven, 1987). O governo tomou a iniciativa de audições públicas, em Maio de 1987. Se bem que os trabalhos da Comissão tenham sido elogiados pelo seu enorme interesse, foram expressas numerosas dúvidas e manifestaram-se preocupações nomeadamente a respeito de: − da selecção dos riscos e da instauração de prémios ligados ao risco para o seguro complementar; − ao efeito dos prémios fixos para o seguro de base sobre as camadas da população desfavorecidas, e do efeito sobre os riscos dos prémios assentes nos rendimentos para o seguro de base; e − o efeito sobre os custos do abrandamento da regulamentação efectuada pelos poderes públicos em favor da intervenção dos mecanismos do mercado. Só em Março de 1988 é que o governo então no poder se sentiu em condições de apresentar propostas de reformas firmes num documento directivo intitulado A mudança assegurada, que retomava, em muito larga medida, as propostas da Comissão. Este documento confirmava, em especial, a intenção dos poderes públicos de se orientarem para um regime unificado de seguro de saúde de base obrigatório 161 para toda a população, reconhecia que o papel dos mecanismos de mercado devia ser reforçado e indicava que convinha reduzir o alcance da regulamentação aplicada pelos poderes públicos ao sistema de saúde. As reformas propostas pelo governo diferiam um pouco das propostas pela Comissão Dekker. O governo decidia nomeadamente incluir no seguro de base, no seu conjunto, os aparelhos terapêuticos e as próteses. Por outro lado, os seguradores que propusessem seguros complementares eram obrigados não só a aceitar novos segurados, mas também a aplicar o mesmo montante de prémio a todos os detentores de apólices, independentemente do nível de partilha dos riscos. No respeitante às relações entre seguradores e os prestadores, os poderes públicos declaravam que, do seu ponto de vista, essas relações tinham um carácter fortemente contratual e deviam constituir objecto de negociações livres. Os seguradores podiam recusar-se a celebrar um contrato com um prestador. O nível mínimo de cuidados a garantir no âmbito do seguro de base seria fixado por lei. Os poderes públicos não consideravam necessário fixar um nível máximo de cuidados. Esperavam que a concorrência entre seguradores e o financiamento parcial pela Caixa Central com base numa capitação ponderada e não em função das despesas reais efectuadas contribuísse para que as prestações de cuidados evoluíssem dentro de limites «controláveis». A maior parte dos controlos efectuados sobre ao planificação e os investimentos poderia ser abandonada, mas convinha manter uma vigilância sobre a capacidade dos grandes estabelecimentos hospitalares. Estava previsto também suprimir as garantias concedidas pela administração central em relação aos empréstimos contraídos pelos hospitais para financiarem os seus investimentos. Os hospitais universitários seriam obrigados a amortizações, a fim de os colocar em pé de igualdade com os hospitais privados. Afigurava-se necessário basear as amortizações dos estabelecimentos hospitalares nos custos de substituição. Na maior parte dos casos, a fixação do nível dos preços podia ser deixada ao mercado, mas era indispensável impedir o desenvolvimento de monopólios e de carteis e os abusos daí resultantes. No respeitante à relação essencial estabelecida entre prestadores e utentes do sistema de cuidados, os poderes públicos consideraram que o factor dominante devia ser a qualidade e simultaneamente uma melhoria em relação à situação existente em matéria de satisfação das necessidades e de resposta à procura. A responsabilidade por isso devia incumbir, em primeiro lugar, aos seguradores e aos prestadores, mas, em último recurso, pertencia aos poderes públicos decidir. O corpo dos inspectores do Estado deveria continuar a assumir o seu papel e deveriam ser elaboradas leis para promover a qualidade da prática profissional. Quanto aos consumidores, convinha oferecer aos particulares mais possibilidades de afirmarem a sua independência, protegendo-os ao mesmo tempo nas situações em que eles são inevitavelmente tributários de uma outra parte. 162 Os poderes públicos continuariam a desempenhar um papel importante quanto a fixar as normas de qualidade, a garantir o acesso de todos ao regime de seguro de saúde e a controlar os custos. A respeito dos custos, as autoridades centrais conservariam o poder de definir o conjunto dos seguros de base, de fixar o montante do prémio de seguro de base ligado ao rendimento, de controlar a capacidade institucional e de regulamentar os preços e a concorrência. No entanto, parecia necessário só passar progressivamente para esse novo regime, a fim de atenuar os seus efeitos sobre os rendimentos das famílias, agir de modo a que as leis e os instrumentos administrativos pertinentes estivessem em vigor e permitir a instauração de um processo de aprendizagem. Tinha sido elaborado um calendário pormenorizado que previa quatro etapas distintas, ficando entendido que a fase de transição deveria terminar antes de 1992 (Ministério da Protecção Social, da Saúde e dos Assuntos Culturais, 1988). As primeiras medidas foram postas em prática, em 1989. O regime de despesas médicas excepcionais foi escolhido como o mecanismo introdutor do novo regime de seguro de base. A sua cobertura foi alargada aos cuidados psiquiátricos assim como aos aparelhos e próteses em Janeiro de 1989. Além disso, foi introduzido um sistema de prémio nominal para as famílias inscritas nas caixas de seguros de doença. A introdução de outras reformas foi suspensa durante por cerca de seis meses para permitir ao novo governo de centro-esquerda reexaminá-las. Em 1990, o novo governo anunciou a sua intenção de prosseguir, nas suas grandes linhas, as reformas empreendidas, mas a um ritmo mais lento do que o que tinha sido previsto inicialmente (Tweede Kamer der Staten-Generaal, 1990). Importantes modificações foram, no entanto, propostas com base em novas considerações políticas. Para encorajar uma substituição entre diversos modos de prestação, o seguro de base devia incluir todos os cuidados essenciais, mas convinha igualmente respeitar as obrigações internacionais impostas por tratados, como as convenções da OIT e as obrigações ligadas à Comunidade Europeia. Por conseguinte: − O conteúdo do pacote dos seguros de base devia ser alargado de forma a englobar perto de 90 a 95% do montante total das despesas de saúde (em vez de 85%), partindo do princípio que o pacote do seguro complementar, financiado por fundos privados, seria paralelamente reduzido. − A relação entre a parte obrigatória, função do rendimento, do prémio relativo ao seguro de base, e a parte da soma fixa negociável, devia ser de 85 para 15 em vez de 95 para 25. − O seguro de base seria limitado às sociedades seguradoras sem fins lucrativos (para cumprimento das regulamentações da Comunidade Europeia). − A primeira medida teria por objectivo aumentar, a partir de 1991, o nível da concorrência na rede das caixas de seguros de saúde, estabelecendo orçamentos 163 para as caixas de saúde, autorizando estas últimas a decidir o montante dos prémios nominais, encorajando os consumidores a escolher entre as caixas de saúde e cessando progressivamente a obrigação das caixas de saúde executarem contratos com todos os médicos. − O calendário de introdução das reformas era flexibilizado, e a data limite fixada para a sua entrada em vigor passava a ser 1995 (em vez de 1992). DEBATES Vantagens potenciais das reformas Embora as propostas Dekker tenham sido elaboradas sem referências a modelos específicos, a sua arquitectura encontra-se nos escritos de van de Ven (van de Ven, 1983 e 1987) e em Um plano de saúde conforme à opção dos consumidores (Enthoven, 1980). Estas propostas são de uma originalidade surpreendente. O sistema de financiamento e de prestações (ver gráfico 7.2) deve ser considerado como um modelo novo, que não existe em mais nenhum país da OCDE, embora haja algumas semelhanças com os sistemas baseados na escolha de um plano de indemnização ou com a opção HMO que permite o Medicare nos Estados Unidos. A principal inovação é a criação de uma caixa central para o seguro de base, que permite não só a livre escolha do segurador pelo consumidor, mas também um financiamento obrigatório. Isto equivale a um sistema elaborado de cheques-saúde. Dada a concorrência que se exerce entre prestadores, a relação entre estes últimos e os seguradores poderia evoluir segundo esquemas diferentes, em função das estratégias do mercado. As vantagens potenciais destas reformas são consideráveis, pois oferecem, com efeito, a perspectiva de melhorias sensíveis, tanto no plano da eficácia como no da equidade: − ao dar aos consumidores uma maior liberdade na escolha do segurador; − ao encorajar os seguradores a serem compradores dinâmicos; − ao adoptar medidas de incentivação comparativa, dirigidas aos prestadores, para que eles forneçam cuidados com uma boa relação entre qualidade e preço; − ao orientar o papel dos poderes públicos, a fim de terminar com o seu controlo directo dos preços e do volume dos cuidados e dedicar-se a favorecer a instauração de mercados concorrenciais; − ao reforçar o controlo exercido pelos poderes públicos sobre o conjunto das despesas; 164 − ao determinar, na fixação do montante das cotizações, o realce para que ele seja função da capacidade de pagamento, assegurando sempre os cuidados segundo as necessidades. O sistema reformado foi cuidadosamente concebido de forma a remediar as duas principais fraquezas do regime de seguros de saúde voluntários, nomeadamente a tendência dos seguradores, que estão em concorrência, em evitar assumir os maus riscos e o incentivo real dos seguradores para encorajar um aumento excessivo das despesas de saúde. O problema da selecção dos riscos deveria ser ultrapassado, principalmente pelo recurso a uma caixa central para os seguros de base que receberia, das organizações e dos empregados, prémios baseados nos rendimentos e que pagaria, aos seguradores submetidos ao regime da concorrência, prémios ponderados segundo o risco dos segurados. O aumento excessivo das despesas de saúde seria atenuado por: − prémios fixos voluntários das famílias, financiando em parte o custo do seguro de base (nota: isto não implica uma partilha dos custos no momento em que os cuidados se tornam necessários); − um controlo exercido pelos poderes públicos sobre a taxa de cotizações obrigatórias pagas à caixa central, as quais servem para financiar a maior parte das despesas dos serviços de saúde e dos serviços sociais. Outra vantagem potencial das reformas reside no facto de elas oferecerem a possibilidade de instaurar sistemas inovadores de prestação de cuidados do tipo «prestadores privilegiados» e «redes de cuidados coordenados» (van de Ven, 1988). A experiência adquirida nos Estados Unidos faz pensar que, em relação ao regime de seguro tradicional baseado numa livre escolha e no pagamento ao acto, estes mecanismos podem reduzir os custos sem por outro lado provocar a diminuição da qualidade. Por fim, foi evidente, através de um estudo consagrado aos efeitos da reforma sobre o grau da equidade do financiamento dos cuidados, que o sistema actual tem um carácter regressivo, o que significa, na melhor das hipóteses, uma redução ou, pelo menos, uma estabilização da situação (van Doorslaer et al., a publicar). DIFICULDADES POSSÍVEIS A experiência adquirida em matéria de concorrência organizada é, até hoje, muito limitada, tanto na Holanda como noutros países. Que dificuldades se corre o risco de encontrar, ao introduzir esta noção no mercado dos seguros de saúde, ao mesmo tempo que se faz o mesmo no mercado dos serviços? O mercado dos seguros 165 Ao introduzir no mercado a noção de concorrência organizada no campo dos seguros de saúde, existe o risco de surgirem problemas críticos. Os três problemas principais são: a selecção dos riscos, a formação de monopsónios e de «cartels» entre os seguradores e a possibilidade de que o prémio nominal negociável, que deve representar 15% do montante total do prémio do seguro de base, seja projectado para cima e não para baixo, em consequência dos efeitos da concorrência. No que diz respeito à selecção dos riscos, o regime prevê que haja uma avaliação dos riscos por cada indivíduo e não por um grupo importante ao qual se aplica o efeito de massa. Se os mecanismos de avaliação são demasiado elementares, corre-se o risco de os seguradores, incitados pelo jogo da concorrência, empregarem a sua energia em efectuar uma «selecção do melhor» em vez de se preocuparem com uma prestação de cuidados eficaz. A documentação publicada, a este respeito, não fornece ainda informações sobre a forma de avaliar os riscos. Apesar de tudo, os números relativos aos seguros de saúde holandeses individuais, assim como outros dados provenientes de um inquérito por sondagem sobre a saúde, mostram que se os mecanismos de avaliação se apoiam apenas em parâmetros como a idade, o sexo e o local de residência, os seguradores serão ainda fortemente incitados a escolher preferencialmente certos segmentos da população em relação a outros. Estes factores representam apenas 20% das variações não aleatórias das despesas de saúde entre indivíduos, mas se lhes juntarmos as despesas anteriores (às quais os seguradores têm já acesso) obtemos um número igual a perto de 60% da variação não aleatória (van Vliet e van de Ven, 1990). Se lhe juntarmos as doenças crónicas, são englobados mais 15% à variação. Estas observações conduziriam a incluir as despesas anteriores e as doenças crónicas na fórmula de avaliação dos riscos. Poderiam ainda ser instaurados diversos tipos pró-concorrenciais de regulamentação, para desencorajar a prática de "selecção do melhor": adesão aberta a todos, admissão, dentro de certos limites, de uma diferenciação da parte fixa voluntária do prémio do seguro de base em função do risco, partilha dos riscos entre a caixa central e os seguradores e promulgação de códigos de moral à atenção destes últimos. Parece que um conjunto destas medidas deveria permitir lutar eficazmente contra a selecção dos riscos. A tomada em consideração dos cuidados de saúde e dos cuidados de carácter social a longo prazo no sistema global do seguros de base, impõe uma carga pesada aos mecanismos concebidos para evitar a selecção dos riscos. O argumento evocado em favor desta tomada em consideração é que esta última favorecerá a integração e a substituição de serviços no conjunto dos cuidados dispensados em caso de urgência e a longo prazo, ao que podemos responder que os cuidados a longo prazo apenas são um risco segurável ex-ante, o qual, para a maioria dos utentes, representa apenas uma eventualidade muito rara e longínqua no tempo. Por outro lado, tendo em conta a associação estabelecida entre os rendimentos modestos e a necessidade de dispensar 166 cuidados a longo termo, intervém frequentemente um importante elemento de repartição nas decisões a tomar em relação ao nível dos cuidados a dispensar. Por estas razões, interrogamo-nos sempre sobre a questão de saber se os cuidados a longo prazo deveriam ser cobertos pelo regime global de seguros de base ou se eles deveriam ser cobertos de uma outra forma, por exemplo por meio de pagamentos directos efectuados pela caixa central. Em segundo lugar, é conveniente preocuparmo-nos com a possibilidade de assistirmos à formação de monopólios privados e de «cartels» no mercado dos seguros. É desejável uma certa concentração face ao poder monopolístico que poderão ter os prestadores, mas uma concentração demasiado forte sobre o mercado dos seguros poderia dar aos seguradores a possibilidade de reduzir as prestações ou de aumentar o montante das cotizações. Embora seja indispensável que a concorrência continue unicamente a ser uma ameaça para assegurar o bom funcionamento dos mercados, supõe-se que pelo menos os poderes públicos (e os tribunais) façam alguns esforços visíveis para manter condições de concorrência apropriadas, tendo em conta nomeadamente um movimento de fusões entre companhias de seguros (Schut,1990). A terceira fonte de preocupação tem a ver com o facto de a capitação voluntária do prémio de seguro de risco, em consequência da concorrência, ter aumentado em vez de baixar. Este risco resultaria da convicção de um número suficiente de consumidores de que seria mais vantajoso pagar por um maior volume de cuidados ou por cuidados de melhor qualidade do que receber o que os poderes públicos se propõem financiar através da caixa central. Os seguros de saúde privados têm sempre a tentação de levantar o montante dos prémios, mesmo quando o Estado não paga subsídios; ao existir o novo mercado, ele seria subsidiado até à concorrência em perto de 85% do montante médio dos prémios iniciais. Não seria judicioso elevar o montante dos prémios nominais se isso tivesse por efeito encorajar a prestação de cuidados inúteis, mas o que é de temer são os efeitos que daí podem resultar no plano da equidade. Podemos mesmo pensar que alguns dos seguradores irão tentar açambarcar o mercado de certos cuidados de saúde, fazendo-os objecto de uma oferta não elástica, como acontece nos dispensados pelos grandes especialistas. O mercado dos serviços Este domínio suscita algumas preocupações, nomeadamente o facto de ver a concorrência desprezar a qualidade dos cuidados e o risco de ver os prestadores exercerem um poder monopolístico. Há boas razões para pensar que é necessário exercer uma atenção permanente sobre a evolução do nível de qualidade dos cuidados: a razão mais importante é a de que a concorrência incitará os seguradores e prestadores a oferecerem (e a manter) um nível satisfatório de qualidade dos cuidados, sem o qual arriscarão entrar numa situação de concorrência desfavorável (van de Ven, 1989). No entanto, é difícil para os consumidores (e os poderes públicos) julgar a 167 qualidade dos cuidados. Não existem dúvidas de que os prestadores incluídos na concorrência serão incitados a projectar uma imagem baseada na qualidade dos cuidados, mas o que vai contar é a realidade. Felizmente, a Holanda já tem instituições para a defesa da qualidade, cuja iniciativa provém dos poderes públicos e dos próprios prestadores (Giebing, 1987; Kistemaker, 1987; Reerink, 1987). Serão exercidas fortes pressões sobre os seguradores para que eles demonstrem que os prestadores com os quais têm contrato, se preocupem em assegurar serviços de qualidade. Por outro lado, no novo contexto de opção oferecido aos consumidores, deveriam intervir organismos representantes dos interesses destes últimos, nomeadamente estabelecimentos privados de certificação, para avaliar o nível de qualidade (van de Ven, 1989). Não restam dúvidas de que será necessário prevenir todo o abuso de poder monopolístico sobre o mercado dos prestadores. Na Holanda, estes últimos constituíram sempre associações profissionais poderosas e fizeram, aberta ou tacitamente, acordos tendentes de facto a perpetuar práticas comerciais restritivas. Vários hospitais possuem um verdadeiro monopólio de facto, devido ao seu domínio de especialização ou à sua situação geográfica. Até hoje, as políticas públicas tinham muitas vezes a acção de reforçar esses acordos. De futuro, será necessário adoptar uma regulamentação pro-concorrencial, na medida, nomeadamente, em que os seguradores não se transformarão em monopsónios do sector público. Como no caso dos seguradores, algumas informações indicam que diversos hospitais se começaram já a fundir (Schut, 1990). Passagem ao novo sistema Enfim, é a passagem propriamente dita ao sistema reformado que levantará porventura o problema mais difícil de resolver. Os poderes públicos modificaram várias vezes o calendário necessário à instauração das medidas de ordem legislativa e administrativa que permitirão o aparecimento progressivo das modificações previstas (Tweede Kamer der Staten-Generaal, 1990). Em Março de 1992, foi decidido adoptar uma espécie de congelamento temporário da instauração das novas medidas até que o Parlamento possa debatê-las a fundo, em Setembro-Outubro de 1992. 0 Governo estava a analisar novos projectos em termos de avaliação da qualidade e de reorganização dos organismos consultores. Efectuaram-se algumas fusões de seguradores públicos e seguradores sem fins lucrativos, ao mesmo tempo que alguns seguradores comerciais abandonaram a sua carteira de risco-saúde. No seguimento da introdução da cobertura farmacêutica no regime ABZW, que se tornou no motor do novo regime de base, o consumo farmacêutico de alguns segmentos da população aumentou rapidamente, contribuindo para elevar o controlo dos custos para o primeiro plano da ordem do dia. É ainda demasiado cedo para saber como reagirão as outras partes ao sistema, como os consumidores, os seguradores e os prestadores, e qual será 168 de facto a evolução do processo político propriamente dito numa sociedade pluralista (Elsinga, 1989). Embora as perspectivas de futuro pareçam boas - e não somente porque já existem estabelecimentos privados - será necessário esperar alguns anos, antes de poder afirmar se as reformas alcançaram os seus objectivos. Referências bibliográficas Ballay, U. (1990), «Dutch Health Reforms in the 1980s», Health Services Management, Fevereiro. Beck, E.J. (1988), «An Anglo-Dutch Comparison of Health Care Delivery - The Return of the Prodigal Son», Community Medicine, Vol. 10, nº 1. Elsinga, E. (1989), «Political Decision-Making in Health Care - the Dutch Case», Health Policy, Vol. 11, pg. 243-255. Enthoven, A.C. (1980), Health Plan: The Only Practical Solution to the Soaring Cost of the Health Care, Addison Wesley. Giebing, H.A. 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(1988), Uncertainty in Funding: Consequences for Hospital Management, Instituto nacional responsável pelas questões hospitalares, Utrecht, Maio. 171 Capítulo 8 A REFORMA DO SISTEMA DE SAÚDE EM ESPANHA1 INTRODUÇÃO Nos anos 80, o governo espanhol introduziu importantes alterações no seu sistema de saúde, no sentido da consolidação de um sistema nacional de saúde. As principais reformas introduzidas consistiram: em estender o seguro de doença obrigatório à quase totalidade da população, enquanto anteriormente não cobria senão 90%; em planificar e integrar melhor os cuidados primários e os cuidados hospitalares; em recorrer mais ao financiamento pelo imposto; e em confiar progressivamente a gestão dos sistemas de saúde às regiões autónomas. Antes das reformas (e, na realidade, continua a ser assim), o sistema de saúde espanhol associava de forma complexa financiamento público e financiamento privado, e prestações pelo sector público a prestações pelo sector privado. São examinados, num segundo momento, os problemas que conduziram à adopção das reformas e, em seguida, as reformas mais importantes são apresentadas sucintamente. A evolução do sistema e os seus resultados constituem o objecto de uma outra secção. Finalmente, são assinaladas algumas deficiências que persistem na prestação dos cuidados – ao mesmo tempo que são esboçadas algumas soluções possíveis. O SISTEMA DE SAÚDE ESPANHOL ANTES DAS REFORMAS Como acontece com outros sistemas de saúde, o sistema espanhol resultou de um certo número de reformas, uma após outra, imperfeitamente coordenadas. No entanto, em 1980, o sistema era já dominado por um regime de seguro de saúde obrigatório, o Instituto Nacional de la Salud (INSALUD), que era um elemento do sistema de segurança social; por um dispositivo público para os cuidados primários; e por uma rede de hospitais públicos. O dispositivo público para os cuidados primários e, quanto ao essencial, os hospitais públicos gerais estavam organizados segundo o modelo do sistema integrado (ver capítulo 2), mas havia também uma componente importante de contratos entre o INSALUD e diversos hospitais e clínicas, públicos e privados, que não relevavam do INSALUD. Este regime obrigatório era completado, numa proporção apreciável, por despesas de saúde pessoais, pagamentos discricionários pelas famílias, como o seguro de saúde privado. O gráfico 8.1 descreve, sob a forma de esquema, o sistema antes da introdução das reformas. Em baixo, à esquerda, figura a população, da qual a maior parte dos indivíduos cai, num ano ou noutro, doente. Em baixo, à direita, figuram os prestadores. No cimo do diagrama estão indicados os organismos terceiros pagadores, 172 INSALUD e os seguradores privados. Os fluxos de serviços estão indicados por traços contínuos, os fluxos de financiamento por linhas tracejadas. Gráfico 8.1 – Principais fluxos de serviços e fluxos financeiros no sistema de saúde da Espanha antes da reforma Os prestadores foram repartidos em vários grupos: serviços públicos de saúde (incluindo os serviços de saúde mental), farmacêuticos independentes, centros de cuidados primários em meio rural, generalistas e especialistas não hospitalares, 173 consultórios médicos privados, hospitais que relevam do INSALUD, outros hospitais públicos e hospitais privados. Os cuidados dentários não figuram no diagrama nem um certo número de serviços sociais, privados e públicos (centros de cuidados de longa permanência, lares-residências e serviços ao domicílio), financiados principalmente por um outro ramo da segurança social (INSERSO) ou por fontes privadas. O sector dos terceiros pagadores é dominado pelo INSALUD, o ramo de saúde do sistema de segurança social, e por diversos regimes obrigatórios destinados aos funcionários, os quais, no conjunto, representavam cerca de 68% do total das despesas de saúde e cobriam 90% da população, em 1980. Outros dispositivos financiados pelo imposto representavam cerca de 8% das despesas. O seguro de doença voluntário (essencialmente destinados aos trabalhadores independentes) representava, em 1980, cerca de 3% do total das despesas de saúde. Salvo para os produtos farmacêuticos, não há comparticipação do doente nos custos no sector público do sistema de saúde. No entanto, os pagamentos directos discricionários relativos aos cuidados ambulatórios, aos cuidados médicos, aos cuidados dentários, aos produtos farmacêuticos e aos aparelhos terapêuticos, desempenham um papel importante, visto que representavam cerca de 21% aproximadamente do total das despesas de saúde, em 1980. RELAÇÕES ENTRE OS DOENTES E OS PRESTADORES Cuidados ambulatórios Antes da aplicação das reformas, havia essencialmente três vias de acesso aos cuidados médicos ambulatórios e o sistema de orientação era um sistema com três níveis no sector público. Primeiro, os doentes cobertos pelo INSALUD podiam inscrever-se num generalista escolhido num grupo, e quase não tinham possibilidade de mudar de médico. Os generalistas trabalhavam geralmente em centros de consultas públicos, pelo menos nas zonas urbanas. Segundo, os doentes de baixo rendimento, não cobertos pelo INSALUD, podiam dirigir-se a um generalista vinculado por contrato a um município. Num e noutro caso, o generalista podia orientar os doentes para um especialista de um centro de cuidados ambulatórios em que os especialistas não tinham acesso directamente às camas hospitalares. Os especialistas de centros de cuidados ambulatórios podiam encaminhar o doente para o hospital. No entanto, os generalistas e os especialistas do sector público estavam ligados no quadro de um sistema piramidal que limitava as possibilidades de escolha em matéria de orientação a uma lista de especialistas que serviam a localidade. Terceiro, os doentes com condições de pagar podiam dirigir-se a um generalista para uma consulta privada ou 174 então directamente a um especialista, evitando assim a etapa de orientação pelo generalista. Numerosos médicos, neste quadro, trabalhavam a tempo parcial porque, para além dos seus consultórios privados, ocupavam vários postos no sector público. Desde a introdução das reformas, os cuidados públicos ambulatórios são cada vez mais frequentemente prestados por equipas de cuidados primários compostas por generalistas, pediatras, e enfermeiras, trabalhando a tempo inteiro em centros públicos que cobrem uma zona geográfica determinada, e por especialistas trabalhando a tempo inteiro num serviço hospitalar de consultas externas. As possibilidades de escolha de um especialista continuam a ser limitadas. De uma certa forma, o novo sistema reduz, de facto, a liberdade de escolha deixada aos doentes do regime público. Os médicos que tratam os doentes no sector público podem livremente receitar medicamentos, os quais são normalmente dispensados por farmacêuticos independentes. Em regra geral, o doente assume 40% da despesa respeitante a um medicamento. Os pensionistas estão dispensados desta participação, assim como os doentes que têm necessidade de certos medicamentos vitais. A parte restante é paga directamente pela segurança social. Cuidados hospitalares Há quatro grandes tipos de hospitais: hospitais do INSALUD (principalmente hospitais gerais), que contam cerca de 36% das camas; hospitais provinciais e municipais que contam cerca de 33% das camas (muitas vezes destinadas a cuidados de longa duração); hospitais privados sem fim lucrativo que contam aproximadamente 14% das camas; e hospitais privados que contam cerca de 17% das camas. Não há camas particulares nos hospitais públicos. O INSALUD celebrou contratos para a prestação de cuidados com numerosos hospitais, públicos e privados, que não relevam do Instituto. Com efeito, se bem que só 36% das camas sejam geridas pela segurança social, ela financia entre 75 a 80% de todos os internamentos hospitalares. O INSALUD dá preferência aos hospitais públicos em relação aos hospitais privados e aos hospitais sem fim lucrativo em relação aos hospitais de fim lucrativo. Os pagamentos directos por cuidados privados no hospital são negligenciáveis. Cuidados de longa duração Os hospitais psiquiátricos são geridos principalmente pelas administrações provinciais e pela Igreja Católica. Uma rede de novos centros de cuidados para doentes mentais e de unidades psiquiátricas nos hospitais gerais está prevista no novo sistema de saúde (Duran e Blanes, 1991). Serviços sociais distintos oferecem diversas formas de cuidados em estabelecimento e de cuidados no domicílio, além dos serviços privados. 175 RELAÇÕES ENTRE A POPULAÇÃO E OS ORGANISMOS TERCEIROS PAGADORES Em 1980, cerca de 85% dos Espanhóis beneficiavam de uma cobertura de doença global do INSALUD e 7% estavam cobertos por regimes obrigatórios dos funcionários e das forças armadas. Esses regimes eram financiados principalmente por contribuições obrigatórias para a segurança social pagas pelos assalariados e pelos empregadores. As contribuições estavam fixadas em 39% das remunerações, em 1980 (33% para os empregadores e 6% para os assalariados). Havia igualmente contribuições pagas pelos reformados. As contribuições de segurança social estavam afectas na proporção de cerca de 30% ao INSALUD que beneficiava também de uma subvenção de cerca de 10%. As prestações tinham um carácter global visto que cobriam, ao mesmo tempo, os serviços de generalistas e de especialistas, as despesas farmacêuticas, os cuidados hospitalares e as extracções dentárias. Os trabalhadores independentes tinham liberdade de se segurar como entendessem; aproximadamente um em cada três escolhia o INSALUD, optando os outros por seguros privados ou ainda decidindo não se segurar. Os assalariados do sector público deviam estar obrigatoriamente segurados, mas tinham a liberdade de escolher entre o INSALUD e os seguradores e os prestadores privados. Dois terços, aproximadamente optavam por seguros privados. Independentemente da subvenção ao sistema de segurança social, a parte do imposto nacional ou local no total das despesas de saúde, em 1990, não atingia senão 8%. No princípio da década, os seguros privados eram escolhidos pela maior parte dos assalariados do sector público, assim como por certos grupos como os trabalhadores independentes que não estavam obrigados a inscrever-se no regime obrigatório. O seguro privado discricionário só financiava cerca de 3% das despesas de saúde, em 1980. Quando o regime obrigatório foi tornado extensivo aos trabalhadores independentes, em 1984 - e os seguradores privados foram libertos da obrigação de proporem um seguro global -, o seguro de doença voluntário assumiu cada vez mais um carácter complementar, salvo para os assalariados do sector público. Actualmente, cerca de 10% dos Espanhóis estão cobertos, ao mesmo tempo, por um seguro obrigatório e por um seguro privado. Sob o ponto de vista fiscal, as despesas pessoais com a doença e os prémios de seguro das famílias são dedutíveis do rendimento, até 15% do seu montante. Num total de cerca de 200 seguradores privados, de carácter comercial ou sem fim lucrativo, os seis maiores representam perto de metade do mercado. Entre os seguradores de carácter comercial, numerosas pequenas companhias locais pertencem a médicos. São estruturas análogas às redes de cuidados do tipo HMO (Health Maintenance Organisation) existentes nos Estados Unidos. Por vezes, os médicos são 176 remunerados por capitação. Os seguradores sem fim lucrativo podem ser mutualidades, organizadas por grupos profissionais, e igualatórios, geridos por organizações de médicos, numa base cooperativa. Neste caso, os médicos são remunerados, directamente, por acto, e actuam mais ou menos no mesmo quadro que os médicos que exercem em consultórios de grupo independentes nos Estados Unidos. A Espanha não tem uma tradição de seguro com reembolso das despesas feitas. No entanto, o mercado está a evoluir com a chegada de companhias de seguro multinacionais. RELAÇÕES ENTRE OS ORGANISMOS TERCEIROS PAGADORES E OS PRESTADORES Cuidados ambulatórios Em 1980, a maior parte dos generalistas e numerosos especialistas trabalhavam ao mesmo tempo para o INSALUD e para os municípios. Eram remunerados por capitação no primeiro caso e assalariados no segundo. Os generalistas que exerciam nas zonas urbanas e os especialistas dos cuidados ambulatórios empregados pelo INSALUD tinham que trabalhar duas horas por dia num centro de cuidados, a horas indicadas aos doentes (em geral de manhã) e fazer visitas ao domicílio. Nas zonas rurais, os generalistas tinham que estar operacionais 24 horas por dia e estavam isolados. Segundo os novos dispositivos instalados para as equipas de cuidados primários, que têm a seu cargo a população de uma certa área, os médicos são assalariados e trabalham seis horas por dia. Os médicos que prestam cuidados ambulatórios privados podem ser remunerados por acto, mas, muitas vezes, quando pertencem a um agrupamento médico com pré-pagamento, recebem uma capitação. Os farmacêuticos independentes são remunerados por prestação. O preço dos medicamentos é negociado, produto por produto, entre o Ministério da Saúde e os laboratórios farmacêuticos. O objectivo é conseguir chegar a um preço que seja equivalente ou inferior ao preço mais baixo praticado para o mesmo produto ou para um produto análogo noutro sítio da Europa (Young,1990). Hospitais Os hospitais do INSALUD são financiados segundo um sistema rígido de orçamento global, calculado principalmente em função de custos retrospectivos. Há orçamentos distintos por tipo de despesas, de exploração e de investimento. Os gestores locais não podem afectar as verbas concedidas no âmbito de uma rubrica orçamental a outras linhas orçamentais. As economias eventualmente realizadas são automaticamente transportadas para um orçamento central do INSALUD (Brooks, 1987). As despesas de equipamento são financiadas por subvenções e não dão lugar a 177 qualquer pagamento ulterior a título de encargos de amortização ou de encargos financeiros. Os hospitais que celebraram contrato com o INSALUD recebem um preço de diária, segundo uma tabela que depende de uma classificação nacional. A tabela cobre as despesas de equipamento, tanto para os hospitais públicos como para os hospitais privados com contrato. Nos hospitais públicos, os médicos são assalariados e, nos hospitais privados, são remunerados ao acto. Nos hospitais públicos, os médicos não podem ter doentes privados, mas estão autorizados a trabalhar, durante uma parte do tempo, no sector privado. Desde 1987, foram criados incentivos para que eles trabalhem, a tempo inteiro, no sector público. Regulamentação e planificação pelos poderes públicos O sistema de saúde espanhol é fortemente planificado e regulamentado, o que está em coerência com a sua natureza integrada. No princípio dos anos 80, o sistema era também fortemente centralizado através do INSALUD. Durante essa década, no entanto, houve transferência de responsabilidades, em proporções importantes, do centro para as regiões autónomas (este aspecto será examinado mais adiante). O controlo central exerce-se de diversas formas: pela legislação; pela concessão de verbas; pelo facto de a maior parte do pessoal ser assalariado; pelo orçamento global; e pela natureza jurídica da propriedade dos centros de cuidados, dos centros de saúde e dos hospitais. Além disso, a administração central acompanha a evolução da prescrição dos medicamentos, negoceia os preços destes, regulamenta a celebração de contratos com os hospitais para a prestação de cuidados aos doentes, outorga a homologação aos hospitais e aos centros de saúde, concede uma licença às instalações independentes e fixa um numerus clausus para o acesso aos estudos médicos. Acresce que as administrações central e regionais regulam o seguro de doença privado. CONTEXTO DAS REFORMAS No princípio dos anos 80, o sistema de saúde apresentava já muitos pontos fortes: a mortalidade perinatal era baixa, a igualdade de acesso aos cuidados era boa, o sistema era bem aceite pela colectividade e as despesas de saúde mantinham-se num nível relativamente baixo. No entanto, assinalava-se um certo número de deficiências entre as quais: − a cobertura pelo seguro de doença obrigatório apresentava lacunas. Os trabalhadores independentes podiam escapar às contribuições obrigatórias e os membros mais carenciados da colectividade - por exemplo, as pessoas que nunca tinham tido emprego regular - estavam excluídos do sistema central de cuidados financiado pelo INSALUD. 178 − se bem que o governo tivesse um bom domínio da massa global das despesas, continuavam a exercer-se pressões sobre os custos. Ao mesmo tempo, levantavam-se vozes para lamentar a insuficiência das despesas do Estado consagradas à saúde. − na opinião geral, os serviços oferecidos pelo sector público pecavam, nomeadamente, por falta de eficácia e de qualidade. Era menos a qualidade técnica dos serviços que era posta em causa (apesar da falta de garantia de qualidade) do que a satisfação dos consumidores. Os cuidados ambulatórios prestados no sector público eram, muitas vezes, encarados como cuidados de segunda categoria, com longas esperas, consultas rápidas (três minutos, em média, para um generalista e sete minutos para um especialista) e um tratamento impessoal. Se bem que os hospitais públicos gozassem de uma boa reputação, devido ao seu pessoal qualificado e aos seus equipamentos de alta tecnologia, os serviços de urgência estavam, muitas vezes, sobrecarregados, o tempo de espera para os doentes hospitalizados era longo (relação de quatro por 1000) e o conforto era negligenciado (Saturno, 1988). − tensões importantes eram claramente perceptíveis na fronteira, complexa e permeável, entre os sectores público e privado. Os médicos que prestavam cuidados ambulatórios tinham geralmente uma actividade privada ao mesmo tempo que ocupavam um posto público. Não havia, portanto, para eles uma incitação financeira para melhorarem o serviço que prestavam aos seus doentes do sector público (Miguel e Guillen, 1989; Rodriguez et al., 1990). Entretanto, o acesso aos cuidados privados «de primeira classe», dependia da capacidade financeira dos doentes. − o sistema público parecia fragmentado, insuficientemente coordenado, demasiado burocrático, demasiado centralizado e insuficientemente gerido (Brooks,1987). − exprimiam-se dúvidas quanto à forma como eram afectados os recursos: em especial, em comparação com os outros países da OCDE, a Espanha tinha demasiados médicos e carecia de camas de hospital (ver adiante). A soperabundância de médicos era acompanhada por desemprego na profissão e por remunerações relativamente baixas. 179 AS REFORMAS DOS ANOS 80 O gráfico 8.2 descreve o sistema de saúde após as reformas. Como algumas das principais reformas só têm sido introduzidas progressivamente, o gráfico não é datado. Por exemplo, só cerca de metade das equipas de cuidados primários que estão previstas foi efectivamente constituída até ao presente. Reformas principais As principais reformas introduzidas no sistema de saúde, nos anos 80, foram: 1981: A Catalunha torna-se a primeira região autónoma a ficar responsável pelo seu próprio sistema de saúde, no quadro da segurança social; 1984: Os trabalhadores independentes são integrados no regime de seguro de doença obrigatório e os seguradores privados são exonerados da obrigação de apenas ofereceram uma cobertura global; 1984: Princípio da aplicação da reforma dos cuidados primários. Instalação de equipas de cuidados primários compostas por médicos assalariados trabalhando a tempo inteiro em centros de saúde que cobrem uma zona geográfica definida; 1986: Publicação da lei geral sobre a saúde que institui um sistema nacional de saúde. Esta lei implica um certo número de medidas: − transferência das responsabilidades do INSALUD para as regiões autónomas, com o objectivo de criar 17 serviços regionais de saúde no âmbito da segurança social; − agrupamento dos hospitais provinciais, municipais e da segurança social, no seio de uma rede integrada; − apoio legislativo às reformas sobre cuidados primários iniciadas em 1984; − criação de um conselho interterritorial para coordenar as políticas e os planos entre as regiões tornadas autónomas e as regiões mantidas sob a autoridade centralizada do INSALUD. Por outro lado, a lei confirmou o direito dos profissionais de saúde ao exercício liberal da profissão, assim como a liberdade de empresa dos centros de cuidados e dos hospitais públicos, sob reserva de homologação pelas autoridades responsáveis pela saúde. 1986 e 1987: Extensão da cobertura de doença da segurança social a todos os membros da família reconhecidos como dependentes (limitada anteriormente aos filhos e pessoas deficientes); 180 1987: Os médicos que trabalham em hospitais públicos são incentivados financeiramente a trabalharem a tempo inteiro para o sector público e têm a possibilidade de receber prémios de produtividade; 1989: Extensão aos indigentes do benefício do sistema de cobertura do INSALUD, sob condições de recursos; 1989: Nova repartição do financiamento central entre contribuições de segurança social e impostos. Sendo fixa a taxa de contribuição para a segurança social relativa a cuidados médicos, o imposto tem de cobrir a parte residual (73% do total para o INSALUD, em 1989). Assim, o financiamento do sistema deveria ter um carácter mais progressivo. 181 Gráfico 8.2 – Principais fluxos de serviços e fluxos financeiros no sistema de saúde da Espanha após a reforma Outras Reformas Pode-se assinalar um certo número de outras reforma importantes. 1979: Instituição de um numerus clausus para os estudos médicos. 182 1981: Criação, na Catalunha, de um processo de homologação para os serviços hospitalares. 1985: Primeiros esforços no sentido de um reforço da função de gestão hospitalar e de uma melhoria da informação sobre a gestão. 1985: Criação de uma comissão central de garantia da qualidade para acompanhar exames confidenciais pelos colegas nos hospitais públicos. 1986: Instituição de uma garantia de qualidade para os cuidados primários. 1987: Publicação de uma lei que reorganiza a gestão do INSALUD. 1991: Estabelecimento de uma lista negativa de medicamentos. Adopção de medidas tendentes a tornarem o mercado dos produtos farmacêuticos mais concorrencial. 1992: Decisão de tornar os hospitais mais autónomos, transformando-os em corporações quase públicas, a fim de avançar no sentido da estratégia governamental de convergência europeia. EVOLUÇÃO E DESEMPENHO Segundo os números da OCDE, a parte das despesas de saúde em relação ao PIB passou de 2,3%, em 1960, a 4,1%, em 1970, e 6,6%, em 1990. Aumentou 1%, entre 1980 e 1990, enquanto o PIB aumentava 2%. As despesas de saúde por habitante, em 1987, eram de 521 dólares US em paridade de poder de compra derivado do PIB. Está ligeiramente abaixo do nível esperado, segundo uma análise de regressão entre as despesas de saúde e o PIB por habitante nos países da OCDE (Schieber e Poullier, 1989). Os dados reunidos pela OCDE (1987) e por Schieber et al. (1991) e o quadro 10.2 mostram que a Espanha contava um maior número de médicos em relação à população, mas menos camas de hospital que a maior parte dos outros países da OCDE. O número de dias de hospitalização por habitante e o número de internamentos estavam entre os mais baixos registados nos países da OCDE e a duração da estadia no hospital era igualmente inferior à média. O número de consultas médicas por pessoa era igualmente inferior à média, mas este número não compreende as consultas do sector privado. O número de medicamentos consumidos por habitante era ligeiramente superior à média calculada para a zona da OCDE. A esperança de vida média à nascença era de 79,7 anos para as mulheres e 73,3 anos para os homens em 1985. Estes números eram o primeiro, igual, e o segundo, superior à esperança média de vida mais elevada registada nos seis outros países considerados neste estudo. No entanto, Le Grand (1987) mostrou que, após “estandardização” por idades, a Espanha registava uma maior dispersão das idades de 183 morte do que os seis outros países, com excepção talvez da França, segundo a precisa medida considerada. Esta desigualdade da idade de morte é, sem dúvida, principalmente a consequência de desigualdades socio-económicas subjacentes na sociedade espanhola (Rodriguez e Lemkow, 1990). A taxa de mortalidade perinatal 1,06% dos nascimentos de nados-vivos e nados-mortos, em 1987 - era inferior à da Irlanda, mas superior à dos seis outros países considerados neste estudo. No entanto, como as determinantes da mortalidade são de natureza muito diversa, não se podem tirar conclusões seguras destes dados quanto ao desempenho do sistema de saúde espanhol. Segundo um inquérito efectuado em 1991, só 21% dos Espanhóis estavam satisfeitos com o seu sistema de saúde, mas 71% dos que tinham recebido cuidados estavam satisfeitos com o tratamento. Estes números são menos elevados do que os dos outros países considerados neste estudo (Blendon et al., 1991). PROBLEMAS EM SUSPENSO E SOLUÇÕES POSSÍVEIS Apesar destes numerosos pontos fortes, o sistema de saúde espanhol continua a apresentar deficiências em vários domínios. A criação de equipas de cuidados primários de assalariados que trabalham a tempo inteiro, cobrindo hoje cerca de metade da população, terá elevado o nível dos cuidados ambulatórios no sector público. A criação dessas equipas reforçou o sentimento de compromisso dos médicos para com o sector público e encorajou a continuidade dos cuidados e a prevenção. No entanto, em muitos aspectos, os serviços continuam a ser prestados, em grande parte, como anteriormente e a ter uma má imagem junto dos consumidores. Segundo o que se pôde observar na Irlanda, as pessoas que pertencem aos estratos de rendimentos superiores, em Espanha, têm talvez interesse em continuar a tomar elas próprias as suas disposições para se assegurarem dos cuidados médicos de generalistas e de especialistas no sector privado. Sendo assim, subsiste a questão de saber se a Espanha encontrou o melhor meio de garantir uma prestação eficaz dos cuidados médicos ambulatórios no sector público. A Espanha é o único dos sete países que tenta apoiar-se unicamente num modo de exercício assalariado no sector público; isto não permite aos doentes mudarem de médico senão em circunstâncias muito especiais e limita as possibilidades de escolha de um especialista pelo facto de ter de ser exercida anteriormente uma função de orientação. Se é verdade que este tipo de disposições permite proporcionar cuidados qualificados, no sector público, a todos os que deles necessitam - gratuitamente para o doente e a um custo razoável para o financiador –, parece caracterizar-se por filas de espera e por um estilo de cuidados apressados e impessoais. Numa palavra, o sistema não corresponde às aspirações dos consumidores. Seria interessante saber o que se produziria se – para um dado orçamento afecto aos cuidados ambulatórios no sector 184 público à escala nacional – os prestadores de cuidados primários fossem incitados a entrar em concorrência para atrair os doentes e tivessem a liberdade de escolher os especialistas para que encaminham os seus doentes. Estas observações aplicam-se também aos cuidados hospitalares. No concernente aos hospitais que relevam do INSALUD, o orçamento global, com recuperação das economias eventualmente realizadas, é um meio eficaz para manter os custos ao nível desejado pelos terceiros pagadores. Mas o orçamento global comporta também mecanismos incentivadores perversos. Os prestadores mais eficazes são recompensados por uma sobrecarga de trabalho ou por uma diminuição – e não por um aumento – do seu orçamento, enquanto os menos eficazes desfrutam de uma vida mais tranquila. Se bem que uma boa parte dos serviços proporcionados no hospital o seja por acordos com o INSALUD, este organismo parece ter tendência para celebrar contratos, mais em função do estatuto de propriedade do que em função da eficácia. Não parece apoiar-se numa concorrência entre prestadores. Em 1990, o Parlamento nomeou uma Comissão para a Análise e a Avaliação do Sistema Nacional de Saúde, a fim de proceder a um exame aprofundado do sistema. O seu relatório foi publicado no ano seguinte (Comision de Análisis y Evaluación del Systema Nacional de Salud, 1991). O seu diagnóstico foi, nomeadamente: uma falta de tomada de consciência dos custos por parte dos utentes; uma insuficiência de escolhas para os doentes, no sector público; lacunas em matéria de eficácia nos prestadores resultantes, em parte, da falta de incentivos. Nas suas recomendações, a Comissão teve o cuidado de sublinhar que a equidade e a solidariedade sobre as quais se baseia o sistema não deveriam sofrer em consequência disso. No entanto, preconizou algumas reformas radicais, entre as quais: − aumento da parte das contribuições de segurança social no financiamento do sistema; − definição mais clara de um conjunto de actos essenciais e exigência de pagamentos por actos suplementares; − exigência de pagamentos nominais para certos actos essenciais, incluindo a extensão da taxa moderadora de 40% nas receitas farmacêuticas aos reformados; − separação da função de compra dos serviços hospitalares da função de prestações, confiando a primeira aos distritos sanitários até aí responsáveis pelos cuidados primários; − melhoramento da gestão e dos princípios de gestão dos hospitais públicos; − outorga aos hospitais públicos de uma grande autonomia de gestão, fazendo deles empresas do Estado; e 185 − introdução de contratos mais flexíveis, levando em linha de conta os resultados, para os assalariados do ramo da saúde. Este relatório suscitou muitas controvérsias. A proposta de alargamento da taxa moderadora aos reformados foi criticada com veemência. De uma forma mais geral, foi censurado aos autores o facto de terem copiado exageradamente a reforma britânica sem a adaptarem às características da Espanha. O relatório quase não mencionava a necessidade de alargar as escolhas em matéria de cuidados primários. Também não tratava as deficiências da organização, da administração e da gestão do sistema nacional de saúde. O governo comprometeu-se a renunciar às medidas respeitantes aos reformados e a esperar alguns meses antes de tomar uma decisão sobre a maior parte das outras recomendações do relatório. Nota 1. Este capítulo inspira-se num documento preparado por J. Hernandez Pascual, do Ministério de Saúde e do Consumo (Madrid). O Sr. Hernandez Pascual não deve ser considerado responsável pelas opiniões expressas ou pelos erros que possam figurar neste capítulo. Bibliografia Abel-Smith, B. (1984), Cost-Containment in Health Care: the Experience of Twelve European Countries 1977-83, Londres, Bedford Square Press. Artells Herrero, J. J., Rodriguez Artalejo, F., Palleja, P. e Hernandez Pascual, J. (1990), «Spain: Current Developments», documento apresentado por ocasião de uma reunião da OMS consagrada às novas maneiras de encarar a gestão dos serviços de saúde, Leeds, Reino Unido, Janeiro. Beaud, S. (1988), «La Protection Sociale en Espagne», La Note de L'Ires, nº 15, 1º trimestre. Blendon, R. J., et al. (1991), «Spain's Citizens Assess Their Health Care System», Health Affairs, Outono. Brooks, A. (1987), «Administrator...in Name Only », The Health Service Journal, 3 Setembro. Comisíon de Análisis y Evaluación del Sistema Nacional de Salud (1991), Informe y Recomendaciones, Julho. Duran, E. e Blanes, T. (1991), «Spain: Democracy followed by devolution», in Mental Health Services in the Global Village, Appleby, L. e Araya, R. 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(1990), European Pharmaceutical Policies, Adam Smith Institute, Londres. 187 Capítulo 9 A REFORMA DO SISTEMA DE SAÚDE NO REINO UNIDO INTRODUÇÃO O Reino Unido tem, desde 1948, um Serviço Nacional de Saúde (National Health Service – NHS) completado por um sector privado restrito, mas em expansão. A primeira parte deste capítulo descreve o financiamento e a prestação dos serviços de saúde no Reino Unido assim como o seu crescimento e balanço destes últimos anos. Se bem que o NHS tenha tido sucesso sob muitos pontos de vista, no final dos anos 80, tinha-se instalado uma crise de confiança do público a respeito do financiamento e do funcionamento do sistema. Na sequência de uma auditoria interna, o governo publicou um Livro Branco que expunha «... a reforma mais profunda do Serviço Nacional de Saúde nos seus quarenta anos de existência» (Working for Patients, 1989). O governo anunciou também, em 1989, uma reforma radical das disposições relativas aos cuidados comunitários de longa duração. Esta reforma incidia, ao mesmo tempo. sobre o NHS e sobre os serviços sociais privados financiados separadamente pelas autoridades locais (Caring for People, 1989). DESCRIÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE No Reino Unido, o sistema de saúde é dominado pelo Serviço Nacional de Saúde (NHS) que foi criado para pôr à disposição de toda a população serviços de saúde completos e, inicialmente, gratuitos para os doentes. O NHS é financiado principalmente pelo imposto. Antes de 1991, os serviços de cuidados hospitalares e comunitários (isto é, nomeadamente, os cuidados no domicílio e os serviços ambulatórios) eram prestados nos hospitais públicos por pessoal assalariado, em conformidade com o modelo integrado (ver capítulo 2). A maior parte dos cuidados não hospitalares (a «medicina de família») era e é ainda assegurada por médicos independentes com contrato. Um sector independente modesto, mas em crescimento, é financiado, em parte. por pagamentos directos e, em parte, pelo seguro privado, segundo o modelo do reembolso. O gráfico 9.1 indica algumas das principais características do financiamento e da prestação dos cuidados na Inglaterra, em 1989. Sistemas mais ou menos análogos, mas financiados e administrados separadamente, existiam na Escócia, no País de Gales e na Irlanda do Norte. A população, da qual a maioria das pessoas fica doente pelo menos uma vez por ano, encontra-se em baixo e à esquerda do gráfico. Em baixo e à direita figuram alguns dos principais prestadores de serviços de saúde. Ao alto, 188 encontram-se os terceiros pagadores, públicos e privados. Os fluxos de serviços e de financiamento estão indicados, respectivamente, por traços contínuos e por tracejado. Gráfico 9.1 – Cuidados médicos primários e secundários em Inglaterra antes da reforma de 1989 do National Health Service (números referentes a 1986-87) Os prestadores foram divididos em várias categorias: os farmacêuticos que são profissionais independentes; os médicos generalistas, também eles independentes; os 189 serviços públicos de saúde; os serviços de cuidados comunitários (cuidados no domicílio, ambulâncias e consultas no domicílio); os serviços hospitalares públicos (doenças agudas e crónicas, incluindo os serviços ambulatórios); os serviços privados de hospitalização assegurados nos hospitais públicos e os serviços hospitalares e de longa permanência privados, fornecidos por prestadores independentes. Os terceiros pagadores repartem-se por: Ministério da Saúde, que financiava, em 1989, as autoridades regionais relativamente aos serviços de cuidados hospitalares e comunitários; as comissões de médicos generalistas para os serviços de profissionais independentes; e seguradores privados em concorrência (na maior parte sem fim lucrativo) que intervêm sobretudo de acordo com o princípio do reembolso dos doentes. Se bem que as administrações regionais de saúde figurem entre os terceiros pagadores e as administrações sanitárias de distrito entre os prestadores, a distinção entre os seus papéis é bastante artificial; existe entre elas uma relação hierárquica, tendo os dois, em 1989, ao mesmo tempo as responsabilidades de financiamento e de gestão. Assim, as administrações sanitárias regionais tinham a responsabilidade por certos serviços assegurados no plano regional, por uma grande parte dos investimentos, pelo emprego dos médicos hospitalares titulares e pelo financiamento das administrações sanitárias distritais. Estas estavam encarregadas de financiar os hospitais e outros estabelecimentos e de gerir os serviços de cuidados hospitalares e comunitários. Esta combinação de funções de terceiro pagador e de gestão das prestações é uma das características do modelo integrado. O NHS cobre também os cuidados dentários e oftalmológicos gerais, mas eles foram omitidos no diagrama, assim como os serviços sociais pessoais assegurados por prestadores públicos e independentes em estabelecimento e no domicílio que completam de serviços de saúde no domínio dos cuidados de longa duração. RELAÇÕES ENTRE DOENTES E PRESTADORES Médicos generalistas e serviços farmacêuticos No Reino Unido, as pessoas que adoecem podem ir ao farmacêutico comprar um remédio «sem receita». Se quiserem consultar um médico, vão geralmente ao generalista em que estão inscritos no quadro do Serviço Nacional de Saúde, mas podem também dirigir-se a um serviço hospitalar em caso de acidentes e urgências. A maior parte da população está inscrita num generalista do Serviço Nacional de Saúde e cerca de 75% dos contactos da população com os médicos são contactos com generalistas. Cada um é livre de mudar de generalista, mas a escolha é muito limitada nas zonas rurais - e até urbanas – e só muito raramente é que tem sido exercido até 190 aos últimos tempos, salvo no seio dos consultórios de grupo ou na hipótese de mudança de casa. As consultas dos generalistas são gratuitas. Os generalistas estão cada vez mais organizados em consultórios de grupo com pessoal auxiliar, como uma recepcionista, uma ou duas enfermeiras, até mesmo um gestor. Têm o estatuto de contratantes independentes no quadro do NHS e funcionam, em muitos aspectos, como pequenas empresas. Desempenham também um papel de triagem em relação à maior parte dos serviços de especialistas e dos serviços hospitalares. No plano clínico, os generalistas gozam de uma autonomia quase total e nomeadamente da liberdade de receitar sem restrições orçamentais, de enviar doentes ou amostras patológicas para o hospital para exames de diagnóstico e de enviar doentes aos especialistas nos serviços hospitalares de consulta externa. A importância das receitas e das taxas de orientação para outros médicos varia muito, conforme os generalistas. Se o doente recebe uma receita do generalista, pode levá-la ao farmacêutico. Nas zonas rurais, no entanto, são os médicos que fornecem, eles próprios, os medicamentos. Em 1990, o preço fixo da receita era de 3,05 libras. Muitos doentes estão dispensados de pagar e os que não o estão podem comprar uma «assinatura», de 43,50 libras por ano, em 1990, que os dispensa de quaisquer outras despesas com medicamentos. Os serviços de cuidados hospitalares e comunitários O generalista pode encaminhar o doente que, na sua opinião, necessita de um diagnóstico ou de um tratamento especializados, para um hospital ou uma clínica com vista a consulta externa de um especialista ou hospitalização imediata. Salvo em caso de urgência, os doentes têm que esperar semanas, ou até meses, para obterem uma consulta externa, no hospital, no quadro do NHS. O especialista pode reenviar o doente para o generalista, pedir-lhe que volte para uma outra consulta externa, mandá-lo hospitalizar ou inscrevê-lo numa lista de espera quando não se trate de cirurgia vital. Mais tarde, os doentes podem ser enviados aos serviços de medicina urbana que estão ligados aos hospitais, por exemplo para os cuidados no domicílio. O doente ambulatório ou hospitalizado, tratado no do quadro do Serviço Nacional de Saúde não é obrigado a qualquer pagamento. Os doentes que necessitem de um tratamento que não esteja disponível num hospital geral de distrito podem ser encaminhados para um hospital regional mais especializado – muitas vezes um centro hospitalar universitário. Cuidados de longa duração são administrados nos hospitais e estabelecimentos geriátricos e psiquiátricos. Desde há mais de duas décadas, o governo adoptou a política de transferir os cuidados de longa duração dos hospitais para casas residenciais 191 “medicalizadas” e para os cuidados ao domicílio. O Serviço Nacional de Saúde conta muito poucos centros de longa permanência. Os serviços de saúde privados Os serviços de saúde privados constituem um sector de fraca dimensão mas em desenvolvimento. O seu papel é, essencialmente, complementar do do NHS. Proporcionam a escolha do médico, evitam as listas de espera para actos de cirurgia não vital e oferecem normas mais elevadas de conforto e de intimidade do que as do NHS. Os doentes recorrem, muitas vezes, simultaneamente aos serviços médicos privados e ao Serviço Nacional de Saúde, mesmo no decurso de uma mesma série de cuidados. Um doente pode, por exemplo, começar por consultar o seu generalista no quadro do Serviço Nacional de Saúde, ser enviado a um especialista enquanto doente do NHS, preferir os cuidados privados do mesmo especialista (todos os especialistas titulares estão autorizados a tratar doentes privados) e regressar ao generalista, sempre no quadro do NHS. Todos os cuidados privados são efectivados com base no pagamento por acto. Cerca de 8% das camas de hospital inglesas para cuidados destinados a doenças agudas ou patologias graves são privadas – 6% nos hospitais independentes e 2% nos hospitais públicos. Todavia, estas camas são, sobretudo, reservadas para a cirurgia não vital e o sector privado assegura um quarto parte de certos tipos de operações e metade das interrupções de gravidez efectuadas em Inglaterra (Higgins, 1988). Existe um sector privado de cuidados de longa duração que se desenvolveu muito nos anos 80, devido ao alargamento das prestações de segurança social concebidas para cobrir a totalidade ou parte das despesas. Os serviços sociais pessoais As pessoas que têm necessidade de cuidados de longa duração fora dos hospitais e dos centros de longa permanência, e, em especial, as pessoas idosas frágeis, os deficientes mentais e certos doentes mentais, podem obter cuidados em lares residenciais ou ao domicílio, os quais são financiados pelas autoridades locais. O pagamento destes serviços depende dos recursos do doente. Estão igualmente disponíveis cuidados privados em estabelecimentos ou ao domicílio. Para as pessoas de baixo rendimento, os estabelecimentos residenciais privados podem ser financiados pela segurança social. A cobertura destas prestações aumentou fortemente no decurso dos anos 80. 192 RELAÇÕES ENTRE OS DOENTES E OS TERCEIROS PAGADORES No Reino Unido, o Serviço Nacional de Saúde representou, em 1989, cerca de 88% das despesas de saúde. O NHS é financiado, simultaneamente, pelo imposto (79% das despesas), por contribuições de seguro nacional (16%), pelo preço pago pelos doentes e por diversos outros pagamentos (5%). Em 1988/89, o montante da contribuição nacional de seguro consagrada ao NHS foi fixado em 0,95% das remunerações sujeitas a um “tecto” para assalariados e em 0,8% das remunerações sem “tecto” para os empregadores. Os trabalhadores independentes pagam 1,75% do seu rendimento. As despesas voluntárias representaram, em 1989, cerca de 12% do total das despesas de saúde; aproximadamente de 70% deste valor foram consagrados a despesas directas, nomeadamente à compra de medicamentos sem receita e cerca de 30% a despesas de seguro de doença privado, sobretudo para a cirurgia não vital. Cerca de 11% da população estão cobertos por um seguro de doença privado fornecido principalmente por seguradores sem fim lucrativo em concorrência entre si. Os subscritores são, na sua maior parte, quadros superiores e trabalhadores independentes, dos quais muitos vivem no Sudeste de Inglaterra. Cerca de metade destes segurados está coberta por seguros de grupo, cujos prémios são pagos pelos empregadores. Estes prémios somam-se ao rendimento colectável, salvo para os que ganham menos de 8 500 libras por ano, isto é, abaixo do salário médio. Os prémios de grupos são geralmente determinados em função da experiência, enquanto os prémios individuais são função da idade e aumentam muito fortemente para as pessoas idosas. A cobertura é muito menos completa do que no NHS. Em geral, as prestações limitam-se aos cuidados hospitalares agudos não urgentes e às consultas dos especialistas. Cerca de 70% dos tratamentos de doenças graves em clínica privada são financiados pelos seguro (Laing, 1991). Uma parte crescente das apólices de seguro não só impõe franquias ou uma taxa moderadora, mas também limita a cobertura a certas categorias de estabelecimentos hospitalares ou não fornece prestações de hospitalização senão aos segurados que figuram nas listas de espera do NHS. Aos candidatos ao seguro pode ser recusada a assunção do risco de afecções préexistentes. Os serviços sociais pessoais são financiados pelas autoridades locais, simultaneamente, através dos impostos que cobram e de recursos nacionais, e ainda de uma comparticipação dos utentes. No decurso dos anos 80, as despesas privadas referentes aos centros de longa permanência em lares residenciais independentes foram cada vez mais da responsabilidade da segurança social. 193 RELAÇÕES ENTRE OS TERCEIROS PAGADORES E OS PRESTADORES As despesas respeitantes ao Serviço Nacional de Saúde são fixadas pelo governo aquando do exame anual das despesas públicas, separadamente para a Inglaterra, a Escócia, o País de Gales e a Irlanda do Norte. A descrição que se segue aplica-se à Inglaterra. São atribuídas ao Ministério da Saúde verbas separadas para a medicina familiar e para os serviços de cuidados hospitalares e comunitários. Estas últimas, que representam cerca de dois terços do total das despesas, têm um “tecto”. Uma vez fixado o orçamento anual, que prevê em geral subidas de salários e de preços em relação ao ano anterior, assim como aumentos de eficácia e uma margem para o crescimento, não pode, em princípio, ser revisto no decurso do ano. No essencial, a medicina familiar não tem “tecto” e é, muitas vezes, descrita como «induzida pela procura». Os planos de despesas apoiam-se em previsões; verbas suplementares podem, por vezes, ser liberadas durante o ano, na sequência de um crescimento imprevisto do volume ou dos preços. Medidas de intervenção sobre os preços e/ou sobre o volume das prestações permitem, no entanto, controlar as despesas. Serviços de generalistas e serviços farmacêuticos Os generalistas são contratantes independentes remunerados com base no reembolso das suas despesas, acrescido de uma margem. Esta margem, assim como uma parte das suas despesas, são pagas segundo certas modalidades: montante fixo por doente, pagamento por acto e abono de prática em consultório. Existem três níveis de pagamento por capitação, segundo a idade do doente. As visitas de noite e as vacinações são remuneradas por acto. Os abonos de prática dizem respeito a elementos como as despesas de instalação e a antiguidade. As outras despesas – rendas e taxas – são pagas directamente. A remuneração média e as despesas pagas indirectamente constituem o objecto de uma recomendação anual por um organismo independente, o Conselho de Exame da Prática Médica e Dentária (Doctors' and Dentists' Review Body, DDRB). Se bem que não seja obrigado a fazê-lo, o governo aceita, em geral, as recomendações deste organismo. O sistema está concebido de maneira a pagar exactamente a remuneração prevista e as despesas indirectas do generalista médio. Os médicos que atraiam mais doentes que a média ou cujas prestações ultrapassem o volume médio de serviços pagos podem ser remunerados mais largamente. Os generalistas cujas despesas ultrapassem a média devem tomar a seu cargo o suplemento das despesas. Se os generalistas ultrapassam, em média, as prestações previstas, os honorários e abonos são reduzidos de modo a corresponderem à remuneração média prevista. No entanto, se, em média, as despesas dos generalistas forem iguais ou inferiores às despesas previstas, os honorários e indemnizações são aumentados ou reduzidos de maneira a corresponderem às suas despesas reais. O custo dos serviços dos médicos de família 194 cresce proporcionalmente ao aumento do número de generalistas, dado que, por cada novo médico, um rendimento bruto médio suplementar é acrescentado ao fundo a reservar para repartição. Antes de Abril de 1989, os farmacêuticos - profissionais independentes como os generalistas – eram remunerados com base no reembolso das despesas, mais uma margem pela prestação de serviços ao NHS. Desde então, o organismo que representa os farmacêuticos negociou todos os anos com o Ministério da Saúde uma soma global com base na qual os farmacêuticos são remunerados pelo aviamento dos medicamentos por receita, segundo uma escala degressiva, em função do volume das receitas. Os farmacêuticos recebem também 5% do custo líquido dos ingredientes dos medicamentos. Se o número de receitas não atingir o nível previsto pelo Ministério da Saúde (e com base no qual são calculados os honorários), um pagamento fixo reconduz a remuneração ao nível previsto. Os preços dos medicamentos são controlados por um sistema de regulamentação dos preços farmacêuticos. O Ministério da Saúde fixa a taxa de lucro máxima que os laboratórios farmacêuticos estão autorizados a alcançar pelo conjunto das suas vendas de medicamentos ao Serviço Nacional de Saúde. Deixa-lhes a liberdade de fixarem os preços dos produtos, mas pode recusar subidas de preços que tivessem por efeito elevar o nível dos lucros acima do nível estipulado. O Ministério examina as receitas e as despesas das sociedades e impõe um “tecto” à parte do volume de negócios que os laboratórios estão autorizados a consagrar à comercialização e à promoção dos produtos. Serviços de cuidados hospitalares e comunitários Antes de Abril de 1991, os serviços de cuidados hospitalares e comunitários eram financiados e geridos pelas administrações sanitárias regionais e de distrito. O Ministério da Saúde atribuía dotações às autoridades regionais de saúde para financiarem as despesas de funcionamento e de equipamento dos serviços; estas dotações estavam sujeitas a um “tecto”. As regiões atribuíam, por sua vez, verbas aos distritos. Desde meados dos anos 70, os governos que se sucederam esforçaram-se por melhorar a equidade geográfica das despesas consagradas aos serviços hospitalares e comunitários. Foi criado um grupo de trabalho sobre a afectação dos recursos (Resource Allocation Working Party, RAWP), que fixou objectivos de atribuição de fundos às autoridades sanitárias regionais em função da importância, da composição demográfica e da mortalidade “estandardizada” das suas populações, com imputações distintas para os fluxos interregionais de doentes, para os centros hospitalares universitários e para Londres. Na altura da introdução da fórmula, as afectações reais eram muito diferentes destes objectivos mas, na maioria das regiões, foram 195 progressivamente aumentadas para atingirem os objectivos fixados com alguns pontos de diferença (Social Services Committee, 1989). O mesmo processo de atribuição dos recursos é aplicado entre as administrações sanitárias regionais e as de distrito, mas as desigualdades a esse nível eliminam-se mais lentamente. Antes de Abril de 1991, eram atribuídos aos serviços de cuidados hospitalares e comunitários orçamentos globais, calculados sobretudo em função do passado. Em geral, o orçamento comportava acréscimos para as previsões de aumento dos salários e dos preços, assim como melhorias previstas dos serviços e deduções para as melhorias de eficácia previstas. Até estes últimos tempos, a subcontratação destes serviços com o sector privado era relativamente pouco importante, mas, desde meados dos anos 80, a lei obriga a recorrer a concursos para os serviços de limpeza, de restauração e de lavandaria nos hospitais. Os médicos dos hospitais e dos serviços de cuidados comunitários são assalariados, podem trabalhar a tempo parcial e receber prémios. A sua remuneração, como a dos generalistas, está sujeita a um exame anual por um organismo independente, mas o governo não está vinculado às suas recomendações. Muitos especialistas recebem também honorários a título privado. Um outro organismo independente emite recomendações sobre a remuneração dos enfermeiros e de outras categorias de pessoal. Os vencimentos e salários dos outros membros do pessoal hospitalar são fixados à escala central, no decurso de negociações directas entre representantes dos empregadores e do pessoal. As atribuições de dotações de equipamento são igualmente função dos objectivos fixados em virtude da fórmula RAWP. Uma parte é repercutida sobre as autoridades sanitárias de distrito para pequenos projectos de construção e para a compra de material; uma outra parte é conservada pelas autoridades sanitárias regionais para o financiamento de projectos importantes. As regiões desempenham um papel-chave na planificação destes projectos. Antes de Abril de 1991, as despesas de equipamento eram amortizadas aquando do acabamento dos projectos. Por outras palavras, não havia tomada em conta ulterior da amortização ou dos juros. Seguradores privados Os seguradores privados aplicam tradicionalmente o princípio do reembolso, preferindo reembolsar os doentes das facturas médicas a celebrarem contratos directos com os prestadores para fornecimento de serviços aos seus beneficiários. Mas, perante as fortes subidas dos custos, as negociações directas entre seguradores e prestadores tornam-se mais correntes. Em geral, os seguradores tentaram convencer os prestadores a limitarem os seus preços em troca da sua inscrição numa lista de estabelecimentos homologados no quadro das suas apólices (Laing et al., 1988). Desde há anos, são aplicados limites máximos de reembolso dos honorários para as 196 consultas médicas e o corpo médico tende a conformar-se com isso, o que significa que há poucos excedentes de honorários. Este dispositivo parece-se com o de «prestador preferencial», nos Estados Unidos, e serve para dominar os preços mais do que o volume, o qual é determinado pelos médicos e seus doentes. Para regular o volume, os seguradores examinam, cada vez mais atentamente, os pedidos de reembolso e procuram impor cuidados «geridos». Serviços sociais pessoais Os serviços sociais pessoais financiados pelos poderes locais comportam serviços integrados (por exemplo, lares pertencendo aos poderes locais que os financiam) e serviços contratuais (por exemplo, centros de longa permanência, propriedade do sector filantrópico e geridos por ele). Os cuidados privados no domicílio e em estabelecimentos podem também ser financiados pela segurança social. PLANEAMENTO E REGULAMENTAÇÃO PELO ESTADO O Serviço Nacional de Saúde é um sistema administrado, se bem que deixe aos médicos e a outros profissionais de saúde uma grande autonomia profissional. A política está centralizada no Ministério da Saúde (em Inglaterra), mas a gestão dos serviços está, em parte, descentralizada. Os profissionais de família (médicos generalistas e farmacêuticos) são independentes e exercem, de facto, de forma liberal. A sua relação com o Serviço Nacional de Saúde é contratual. Os contratos são administrados localmente (pelas comissões de generalistas, em 1989), mas as decisões gerais relativas à política e ao financiamento estão centralizadas no Ministério da Saúde. Em 1989, os serviços de cuidados hospitalares e comunitários eram geridos, em Inglaterra, por directores gerais colocados sob a supervisão de 14 administrações sanitárias regionais não eleitas e 192 administrações sanitárias de distrito, cujos presidentes eram nomeados pelo Secretário de Estado da Saúde. A maior parte das decisões quotidianas de gestão dos serviços de cuidados hospitalares e comunitários era delegada nas administrações sanitárias de distrito e, abaixo delas, aos gestores das unidades. As administrações sanitárias regionais estavam encarregadas: da atribuição de orçamentos aos distritos; da planificação estratégica e do seu acompanhamento; da gestão de certos serviços regionais; da gestão dos contratos dos médicos titulares e das decisões concernentes às grandes despesas de investimento. O Ministério da Saúde conservava a responsabilidade pela legislação e pela política geral. Participava igualmente na tomada de certas decisões de gestão estratégica, tais como: − a atribuição de orçamentos às administrações regionais de saúde; 197 − a negociação dos vencimentos e salários dos elementos do pessoal que não são profissionais de saúde; − a negociação dos preços dos medicamentos no quadro do sistema de regulamentação dos preços dos produtos farmacêuticos; e − a aprovação das decisões relativas às principais despesas de equipamento e aos encerramentos de hospitais. Desde meados dos anos 70, as administrações sanitárias regionais são obrigadas a submeter planos formais ao Ministério da Saúde. No princípio dos anos 80, o sistema de planificação foi revisto e completado por um sistema de exames regionais que põe a tónica no acompanhamento dos resultados recentes. Directores-gerais (com remuneração dos directores por mérito) foram colocados à frente dos serviços de cuidados hospitalares e comunitários, em meados dos anos 80, consistindo o princípio da gestão na delegação para baixo e na responsabilização para cima. Até estes últimos tempos, a qualidade no seio do NHS foi desigual. Um «inquérito confidencial», conduzido durante um período bastante longo, incidiu sobre os óbitos maternos e, mais recentemente, dois inquéritos confidenciais incidiram sobre os óbitos peri-operatórios. Um Serviço Consultivo de Saúde independente vigia, através de visitas periódicas aos distritos, os serviços destinados às pessoas idosas e aos doentes mentais. Em cada distrito, um Conselho de Cuidados Comunitários representa os interesses dos consumidores e existem procedimentos que permitem dar seguimento às reclamações. O sector independente da saúde é relativamente livre, se bem que os hospitais, clínicas e centros de longa permanência privados devam ser registados e inspeccionados pelas administrações sanitárias de distrito. Os serviços sociais pessoais são geridos principalmente pelos poderes locais. A responsabilidade pelas contribuições das finanças centrais para as finanças públicas locais incumbe ao Ministério do Ambiente. O Ministério da Saúde é responsável pela política ao nível do governo central. CRESCIMENTO E DESEMPENHO Em resumo, o Reino Unido dispõe de um Serviço Nacional de Saúde global financiado pelo imposto, completado por um pequeno sector independente. As despesas do NHS são decididas pelo Governo. A quase totalidade das despesas está sujeita a um limite máximo e, quanto ao resto, o controlo financeiro da administração central é bastante estrito. Uma grande parte dos cuidados extra-hospitalares do NHS é fornecida por contratantes independentes, mas os cuidados hospitalares e no domicílio são assegurados por organismos públicos e por pessoal assalariado. 198 O quadro 10.1 mostra que a parte do PIB consagrada às despesas de saúde passou de 4,5%, em 1970, a 5,8%, em 1980, e a 6,2% em 1990. O PIB aumentou muito sensivelmente no decurso dos anos 80, de tal forma que a estabilidade do peso relativo das despesas de saúde foi acompanhada por um crescimento das despesas reais do Serviço Nacional de Saúde. Todavia, uma grande parte deste crescimento corresponde a aumentos dos preços relativos da produção dos serviços de saúde, em particular da remuneração dos médicos e do pessoal de enfermagem em função das recomendações dos organismos independentes de verificação. Em volume, as despesas correspondentes aos serviços dos generalistas aumentaram em perto de 2,2% por ano e as correspondentes aos serviços de cuidados hospitalares e comunitários cerca de 0,7% por ano, entre 1979/80 e 1988/89 (Comissão dos Serviços Sociais, 1989). Além disso, a produtividade aumentou nos serviços de cuidados hospitalares e comunitários. Um índice de actividade, ponderado em função dos custos, indica um aumento de cerca de 2% por ano no decurso do mesmo período (Social Services Committee, 1990). As despesas de saúde que não relevam do NHS aumentaram mais rapidamente do que as despesas no âmbito do NHS: entre 1980 e 1989, passaram de 8 a 12% do montante total das despesas de saúde. Calculadas na base das paridades do poder de compra, as despesas de saúde por habitante foram, em 1987, de 758 dólares, isto é, mais 45% que em Espanha e menos 44% que na Alemanha. Se as apreciarmos através da análise de regressão que relaciona as despesas de saúde por habitante com o PIB por habitante para os países da OCDE em 1987 (Schieber e Poullier, 1989), as despesas totais de saúde por habitante foram muito nitidamente inferiores ao que se esperaria para um país com o nível de vida do Reino Unido. Segundo o quadro 10.2, o Reino Unido contava menos médicos e menos camas de hospitalares para doenças graves por cada 1000 habitantes do que os seis outros países estudados. Ficava em quinto lugar entre os sete quanto à taxa de consultas de médicos e quanto à taxa de hospitalização por doenças graves. Era o segundo quanto à brevidade das hospitalizações agudas. O Reino Unido era o sexto dos sete países no respeitante ao número de receitas prescritas por pessoa, segundo um estudo comparativo aprofundado realizado em 1982. Todos estes números, com excepção dos concernentes aos médicos, entendem-se com exclusão do (pequeno) sector independente. Os internamentos nesse sector independente não teriam, todavia, acrescentado senão 6% à taxa de internamentos por doenças graves. No sector independente, o número de segurados voluntários aumentou mais de 50%, entre 1980 e 1989, atingindo cerca de 11% da população. Houve, todavia, problemas quanto à contenção dos custos, e o prémio médio por segurado, no decurso do mesmo período, aumentou aproximadamente 95% em termos reais (Laing, 1991). 199 O quadro 10.3 leva a pensar que o Reino Unido tinha estatísticas de saúde relativamente melhores do que se podia esperar dos seus níveis relativamente baixos de despesas e de actividades de saúde: entre os sete países estudados, o Reino Unido ocupava o segundo lugar quanto à mortalidade perinatal e o terceiro quanto à esperança de vida masculina à nascença. No entanto, ocupava somente o sexto lugar quanto à esperança de vida feminina à nascença. O Reino Unido era o segundo quanto à rapidez da queda da mortalidade perinatal, entre 1980 e 1989. No que diz respeito à satisfação do público em relação aos serviços de saúde, o inquérito internacional descrito no capítulo 10 (Blendon et al., 1990) mostra que somente 27% dos Britânicos estavam satisfeitos com o seu sistema de cuidados, contra 47% da população nos Países Baixos, 41% na República Federal da Alemanha e 41% na França. É preciso, no entanto, notar que o inquérito britânico foi efectuado em 1988, época em que o governo empreendia um exame do Serviço Nacional de Saúde e em que o futuro deste suscitava um debate sem precedentes. Verificava-se, cada vez com mais claramente, no decurso dos anos 80, que existiam grandes diferenças de desempenho, tanto entre hospitais como entre médicos generalistas. As taxas de hospitalização preconizadas pelos generalistas, as taxas de internamento, a duração dos internamentos hospitalares e os custos unitários, por exemplo, diferem muito sensívelmente (Smee e Parsonage, 1990). O objectivo do governo era elevar as normas de eficácia de todos os hospitais e generalistas ao nível das melhores. Se bem que os serviços parecessem suficientes em termos de estado de saúde e que, na sua maioria, os doentes tratados tivessem ficado «bastante satisfeitos» ou «muito satisfeitos» com os cuidados que receberam (Davies, 1989), constatavam-se certas incapacidades de dar resposta às necessidades e às preferências dos consumidores. A mais visível era a extensão das listas de espera para a cirurgia não vital (Yates, 1987). Em 1990, mais de 900 000 pessoas figuravam nas listas de espera do NHS, só na Inglaterra. Embora o tempo de espera médio dos doentes tratados não fosse senão de cinco semanas, 23% dos que estavam ainda à espera encontravam-se nessa situação há 12 meses ou mais. Menos evidentes, mas igualmente lamentáveis, eram os longos prazos por vezes necessários para obter uma consulta de especialista nos serviços de consultas externas dos hospitais (National Audit Office, 1991). Além disso, a qualidade das consultas externas dos hospitais deixava frequentemente muito a desejar. Os edifícios tinham por vezes um aspecto degradado e miserável. Em certos casos, os doentes esperavam longas horas no próprio serviço de consultas externas e, em geral, não tinham senão 60% de probabilidades aproximadamente de encontrar um médico titular na primeira consulta em vez de um interno. A própria consulta podia ser breve e impessoal. Havia um contraste muito acentuado com o sector privado britânico: « ... numa consulta externa o doente escuta o médico, enquanto na clientela privado é o médico que escuta o doente» (Sir Thomas 200 Holmes Sellors, citado in Open University, 1985). Estas diferenças devem ser consideradas, no entanto, como relativas: pessoas que tinham um seguro privado recorriam, apesar disso, ao Serviço Nacional de Saúde para quatro quintos das suas consultas externas e para metade das suas hospitalizações (Day e Klein, 1989). Ao nível dos generalistas, as condições eram habitualmente melhores, favorecendo o recurso ao médico de família a continuidade dos cuidados, apesar das dificuldades de acesso nas regiões desfavorecidas, da insuficiência dos sistemas de consultas e da brevidade destas. Se bem que a duração média das consultas tenha aumentado, passando de cinco minutos, nos anos 50 e 60, para cerca de oito minutos nos anos 80, continuava a ser curta comparada com a de outros países da OCDE (Wilson, 1991). Várias razões foram apresentadas para estas insuficiências. Em primeiro lugar, os doentes, beneficiando virtualmente da gratuitidade, não têm nenhuma razão para restringirem a sua procura. No que diz respeito à oferta, pelo contrário, os serviços são racionados por diversos meios: capitação para os generalistas, salário para os outros médicos e orçamentos globais para os serviços hospitalares e assimilados. É a combinação destas disposições, ao nível da procura e oferta, que alimenta as listas de espera. Em segundo lugar, antes das reformas de 1989, que visavam estimular os generalistas a corresponderem melhor à procura dos seus doentes, praticamente não havia escolha. Os doentes não eram encorajados a mudarem de generalista, como tinham o direito de fazer. No caso dos serviços hospitalares, os orçamentos globais, assim como a remuneração dos médicos através de salários significava que «o dinheiro não seguia o doente», e que, por isso, a escolha do hospital pelo doente e pelo médico não se traduzia em ganhos suplementares para os melhores hospitais. Os bons resultados podiam ser recompensados não por acréscimo de recursos, mas por acréscimo de trabalho (Enthoven, 1985). Um balanço medíocre podia ser recompensado não por uma perda de rendimentos, mas por uma vida mais fácil. Uma longa lista de espera podia ser uma arma que permitisse aos especialistas reivindicar mais recursos a um hospital ou à administração sanitária do distrito. Em terceiro lugar, a prestação de serviços pelos médicos correspondia mais às necessidades clínicas apercebidas do que às preferências do consumidor (O'Higgins, 1989). Isso era muitas vezes justificado, uma vez que o médico é soberano e não o doente. Mas, de uma forma geral, as decisões eram dominadas pelos prestadores que tinham geralmente interesse nos resultados. Em quarto lugar, embora orçamentos apertados criem um clima geral de racionamento, havia poucas outras incitações – tirando a exortação – à redução de despesas. Antes dos anos 80, acontecia que os hospitais que fizessem regularmente economias constassem que o montante correspondente ia para outros agentes do sistema. A existência dos orçamentos globais e a ausência da indicação fornecida 201 pelos preços no conjunto do sistema levavam os prestadores a considerarem os recursos – sobretudo os que iam para um outro detentor de orçamento para o qual o doente pudesse ser dirigido - como «bens gratuitos». Como não havia contabilização dos bens de equipamento pós a aquisição, podiam também considerá-los como «bens gratuitos». Em quinto lugar, os serviços hospitalares padeciam de uma gestão fragmentada. Os médicos tinham autonomia clínica, mas participavam relativamente pouco na gestão global. Os gestores, apesar dos poderes neles delegados quanto à utilização dos seus orçamentos, tinham apenas uma influência limitada sobre os médicos. Finalmente, as informações sobre os custos unitários e os resultados não existiam ou então eram subutilizadas. A noção de racionamento clínico não baseado nos preços e a falta de concorrência não favoreciam a produção nem a utilização de informação sobre as vantagens e os custos. Estas circunstâncias – em especial, a ausência de escolha real do lado da procura – contribuíam muito, com excessiva frequência, para fazer do serviço de saúde num serviço rígido, paternalista e, sob certos pontos de vista, sem consideração pelos doentes. Se as situações de grande urgência desencadeavam, em geral, cuidados rápidos e eficazes, o tratamento de doenças menores, crónicas e difíceis de tratar, em particular pelos especialistas, podia ser tardio, incómodo e impessoal. E, a avaliar pela evidência crescente da variabilidade dos indicadores de desempenho evocada atrás, a eficácia da gestão fragmentada dos hospitais era, no mínimo, desigual. Os serviços sociais pessoais geridos pelas autoridades locais apresentavam deficiências bastante semelhantes. No entanto, um dos principais assuntos de preocupação para o governo, nos finais dos anos 80, no domínio dos cuidados de longa duração, foi o crescimento rápido dos cuidados em estabelecimentos privados financiados por um orçamento de segurança social sem limite máximo. Este crescimento não só suscitou graves problemas de contenção dos custos, mas também ia ao arrepio da política do governo que consistia em manter, pelo mais longo tempo possível, as pessoas idosas e deficientes em suas casas. CONTEXTO DAS REFORMAS DOS ANOS 80 O Serviço Nacional de Saúde era, em muitos aspectos, uma boa instituição antes das reformas expostas no Livro Branco de 1989, Working for Patients. Assegurava o acesso universal aos cuidados de médicos em função das necessidades. Previa a protecção do rendimento em caso de doença. Utilizava os serviços de médicos conscienciosos e competentes, a quem concedia uma larga autonomia no plano clínico (e, no caso dos generalistas, no plano da gestão). Era também relativamente pouco oneroso em termos de administração. Segundo uma estimativa, situando-se em 6% do total das despesas, os encargos de administração representavam menos de um terço 202 dos encargos correspondentes nos Estados Unidos, onde eram de 22% (Himmelstein e Woolhandler, 1986). Além disso, segundo os indicadores de resultados que existiam, os serviços de saúde, no Reino Unido, eram suficientemente eficazes. No entanto, o Serviço Nacional de Saúde tinha conhecido, desde sempre, um certo número de problemas, alguns dos quais se agravaram nos anos 80. Um deles era a controvérsia persistente sobre o nível das despesas. Os governos conservadores, que se sucederam no decurso dos anos 80, estavam decididos a fazer com que as despesas públicas absorvessem uma parte cada vez menos importante do rendimento nacional; ora, eles aumentaram de facto as despesas reais de saúde. Isso não impediu os críticos de afirmarem que o aumento real do orçamento dos serviços de saúde hospitalares e comunitários não era suficiente para responder ao aumento da procura provocada pela evolução demográfica, a qual se admite aumentar as necessidades de 1% por ano, pela aplicação de novas técnicas médicas onerosas e pelas melhorias dos serviços previstas (Social Services Committee, 1986; Robinson e Judge, 1987). O governo reagiu a essas críticas objectando que aumentos de produtividade, correspondentes a cerca de 1,4% dos custos de funcionamento, se produziam todos os anos nos hospitais a partir da segunda metade da década (Harrison, 1990). Por outras palavras, não se devia avaliar o desempenho pelo nível das verbas atribuídas ao NHS, mas pelos resultados. Isso não impediu o governo de ficar sujeito a uma pressão crescente do nível das despesas do Serviço Nacional de Saúde, antes de ser empreendida a Auditoria Interna, em Janeiro de 1988. O governo abordou esta Auditoria com a convicção de que o meio de corresponder ao crescimento da procura não consistia em injectar mais dinheiro nos serviços de saúde mas em aumentar ainda mais a produtividade e em reformar, ao mesmo tempo, a sua organização e a sua gestão (Working for Patients, 1989). REFORMAS DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE NOS ANOS 80 Reformas anteriores à Auditoria de 1988/89 ao NHS Antes da grande reforma anunciada em Janeiro de 1988, o governo levou a efeito, no decurso dos anos 80, várias reformas de menor amplitude, mas importantes, do Serviço Nacional de Saúde. Em 1982, aboliu todo um escalão da hierarquia sanitária criado na sequência de uma reorganização anterior, em 1974. Introduziu também auditorias sistemáticas anuais do balanço das administrações sanitárias regionais e de distrito e começou a elaborar um conjunto de indicadores de desempenho, ao nível das regiões, dos distritos e das unidades, pondo particularmente a tónica na medição da sua actividade e dos seus custos unitários. Auditorias similares foram instituídas, em 1985, para as comissões de generalistas. 203 Em 1983, o governo encarregou Sir Roy Griffiths – director geral da cadeia de supermercados Sainsbury – de proceder a um exame da gestão do NHS. Griffiths diagnosticou um estado de «estagnação institucionalizada»: «Se Florence Nightingale andasse com a sua lamparina pelos corredores do NHS, seria quase de certeza à procura dos responsáveis» (Griffiths, 1983). Griffiths recomendou a substituição do sistema existente de gestão consensual por um sistema de direcção geral em todo o serviço de saúde, com conselhos de supervisão e de gestão sedeados no Ministério da Saúde. Os directores gerais poderiam vir do exterior e a retribuição deveria ser estabelecida em função do seu mérito. Também em 1983, as autoridades sanitárias de distrito foram obrigadas a abrir concursos públicos para os trabalhos de limpeza, lavandaria e de restauração nos serviços de cuidados hospitalares e comunitários. As empresas privadas foram encorajadas a fazerem concorrência aos serviços existentes, que utilizavam para este efeito o seu próprio pessoal. Em 1980 e 1985, um exame das necessidades de informação do NHS conduziu a revisões muito importantes do sistema de recolha das estatísticas e os novos dados começaram a ficar disponíveis em 1987/88. A partir de meados dos anos 80, foram feitas experiências em alguns grandes hospitais no quadro da «iniciativa de gestão dos recursos». O objectivo era encorajar a cooperação entre médicos e gestores e melhorar a qualidade das informações que pudessem servir de base a decisões. Em 1984, foi elaborada uma lista limitativa de medicamentos reembolsáveis que teve como principal efeito eliminar um grande número de medicamentos até então reembolsáveis pelo NHS. Em 1987, após uma consulta pública, o governo publicou um Livro Branco sobre os serviços dos generalistas da época (Promoting Better Health, 1987). Um dos principais objectivos deste Livro Branco era propor meios de estimular os generalistas a responderem melhor às necessidades dos seus doentes. Tratava-se de tornar mais rigorosas as suas condições de exercício e de incrementar a concorrência entre médicos. A concorrência aumentaria se o elemento “capitação” da remuneração dos generalistas fosse aumentado, facilitando-se a mudança de médico pelos doentes e pedindo aos médicos que dessem mais informações sobre os serviços que ofereciam (por exemplo, os seus horários de consulta). O Livro Branco continha também propostas tendentes a: estimular as prestações de serviços de prevenção, pagando aos generalistas para atingirem certos objectivos em matéria de vacinação das crianças ou de endoscopia vaginal, por exemplo; reforçar as equipas de cuidados primários, autorizando os médicos a recrutarem mais pessoal; finalmente, incentivar o recurso aos cuidados de generalistas, de preferência a cuidados hospitalares, pagando, por exemplo, honorários aos generalistas para que eles praticassem actos de pequena cirurgia. Embora estas propostas não tenham sido 204 bem acolhidas pelos generalistas, o Ministério da Saúde introduziu, em 1990, um novo tipo de contrato (Health Department of Great Britain, 1989). A Auditoria de 1988/89 ao NHS A Auditoria de 1988/89 ao NHS foi provocada por uma crise de confiança do público no financiamento e no desempenho do Serviço de Saúde. Day e Klein (1989) escreviam, a propósito da situação em 1987: «Nunca anteriormente na história do NHS tinha havido uma tal manifestação pública de inquietação, à qual se associaram todas as personalidades com autoridade na matéria». O governo reagiu em Janeiro de 1988, organizando uma Auditoria interna presidida por Margaret Thatcher, Primeiro Ministro da época. Esta Auditoria foi acompanhada de um debate público sem precedentes, sobre o financiamento e a organização do NHS (Brazier, Hutton e Jeavons, 1988; Goldsmith e Willetts, 1988; Institute of Health Services Management, 1988; King's Fund Institute, 1988; Robinson, 1988). Algumas das principais ideias adoptadas na reforma tinham já sido avançadas por Maynard (1986) e Enthoven (1985). O Livro Branco, Working for Patients (1981), que resultou da Auditoria, continha propostas que visavam melhorar o NHS, tirando partido dos seus pontos fortes e atacando os seus pontos fracos. Não propunha nenhuma alteração das fontes de financiamento nem, por conseguinte, da procura dos doentes. Previa que as prestações continuassem a ser financiadas pelo imposto e fossem, na sua maior parte, gratuitas para o doente. Devia, no entanto, haver uma separação entre a compra e a prestação de serviços hospitalares, através dos contratos. As autoridades sanitárias de distrito tornar-se-iam, na maior parte dos casos, os compradores dos serviços hospitalares. Certos generalistas poderiam candidatar-se à transferência para eles de uma parte do orçamento hospitalar, para se tornarem eles próprios compradores. Ao mesmo tempo, os hospitais públicos bem geridos deixariam de estar sob o controlo das autoridades sanitárias de distrito e poderiam tornar-se autónomas. Na realidade, estas modificações redundavam num afastamento do modelo integrado e numa aproximação do modelo contratual para os serviços hospitalares com uma forma de concorrência gerida ao nível da oferta. Os serviços de saúde familiar deviam ser colocados sob a vigilância das administrações sanitárias regionais. Todas estas propostas deviam incrementar a flexibilidade e a eficácia do NHS sem lhe reduzir a equidade. Quando os meios utilizados para fornecer serviços médicos compreendiam mercados geridos, o pagamento dependia da possibilidade de pagar e o tratamento dependia das necessidades. O gráfico 9.2 mostra algumas das principais modificações propostas no Livro Branco. Se se comparar o gráfico 9.2 com o gráfico 9.1 constata-se que: − as fontes de financiamento permanecem inalteradas; 205 − os prestadores passam a englobar generalistas detentores de «orçamentos» (hospitalares) e fundações hospitalares autónomas; Gráfico 9.2 – O sistema de saúde britânico após as reformas de 1989 − os generalistas e os hospitais públicos aparecem agora como múltiplos (os primeiros em consequência do Livro Branco de 1987), quer dizer que há concorrência ou possibilidade de concorrência; − as autoridades sanitárias de distrito passam a figurar entre os terceiros pagadores e têm relações contratuais com os hospitais públicos (e eventualmente com hospitais independentes); 206 − as «autoridades de saúde familiar» (anteriormente comissões de generalistas) relevam agora das autoridades sanitárias regionais; − os generalistas detentores de «orçamentos hospitalares» recebem-nos directamente das autoridades sanitárias regionais. Os outros elementos das reformas são indicados adiante. Médicos generalistas e cuidados farmacêuticos i) Os grandes consultórios de grupo (mais de 9 000 doentes) deviam obter a possibilidade de uma transferência voluntária para eles de uma parte dos fundos destinados aos hospitais, a fim de cobrirem o custo provável dos exames, das consultas externas e de certos actos de cirurgia não vital efectuados no hospital. O objectivo era permitir «ao dinheiro seguir o doente» e reforçar a posição do generalista (e, por conseguinte, ao doente) em face do hospital. Tratava-se, também de levar os generalistas a tomarem consciência dos custos hospitalares. Os generalistas detentores desses orçamentos deviam respeitar um orçamento fixo no respeitante às suas prescrições de medicamentos. Os orçamentos hospitalares e das receitas de medicamentos seriam agrupados com os orçamentos existentes para os custos de pessoal e para os melhoramentos das instalações do grupo médico. As economias realizadas no âmbito de uma rubrica poderiam ser transferidas para uma outra rubrica. No princípio, os orçamentos dos consultórios de grupo seriam fixados em função dos números anteriores respeitantes às receitas médicas e à orientação dos doentes para serviços hospitalares, mas, posteriormente, seriam estabelecidos segundo o princípio das capitações ponderadas. Se a despesa respeitante ao orçamento de um doente ultrapassasse 5 000 libras no decurso de um exercício financeiro, a administração de saúde regional financiaria o suplemento de custo. ii) Os outros consultórios de generalistas obteriam orçamentos de receitas indicativos, baseados nas receitas anteriores, que comportariam pela primeira vez directivas concernentes às despesas farmacêuticas para cada consultório, sendo o objectivo reduzir as despesas ao tornar os generalistas mais conscientes dos custos das receitas iii) Todas as autoridades sanitárias de distrito seriam incitadas a entabular um diálogo com os generalistas a respeito dos seus hábitos de orientação de doentes para os hospitais, dado que incumbiria aos distritos, em conjunto com os generalistas, celebrar contratos com os hospitais em relação aos doentes enviados pelos generalistas, à margem do orçamento que lhes é atribuído. 207 iv) Finalmente, seria pedido aos generalistas que, em conjunto com os seus colegas, tomassem disposições no sentido de controlar a qualidade dos cuidados. Serviços de cuidados hospitalares e comunitários i) Os hospitais bem geridos do NHS poderiam candidatar-se à transformação em «fundações» auto-geridas no seio do NHS, que fariam concorrência umas às outras e teriam certas liberdades novas como o poder de fixar a remuneração e as condições de trabalho do seu pessoal, de acumular excedentes, de contrair empréstimos até um certo limite anual global e de dispor dos seus próprios activos. Seriam financiados por contratos com as administrações de saúde, por contratos com os consultórios de generalistas detentores de orçamentos hospitalares e por venda de serviços ao sector privado. Estes hospitais deveriam assegurar o serviço das suas dívidas e uma determinada rendibilidade do seu capital. O governo admitia que estas «fundações» pudessem um dia tornar-se a forma predominante, se não única, de hospital público. ii) As administrações sanitárias de distrito actuariam como compradores activos de serviços hospitalares, isto é, comprariam serviços por conta da população da sua área, depois de terem avaliado as necessidades em matéria de cuidados, organizado inquéritos aos consumidores e consultado os seus generalistas. Poderiam comprar serviços aos hospitais que elas gerem directamente, aos hospitais geridos directamente por administrações de outros distritos, a fundações hospitalares autónomas e a hospitais privados independentes, tendo em conta a relação qualidadepreço. Os serviços pedidos, a qualidade convencionada com o principal fornecedor local e os preços seriam especificados nos contratos. Por ser impossível prever todas as necessidades, seriam previstas disposições relativamente aos doentes enviados para o hospital à margem do contrato. Os distritos comprariam localmente certos serviços, designadamente para os acidentes e outras urgências. Esses serviços deveriam estar disponíveis imediatamente para qualquer doente que deles necessitasse, fosse qual fosse o seu distrito de residência. iii) Após um período de transição, as administrações sanitárias de distrito seriam financiadas em função da sua população residente segundo uma fórmula de capitação ponderada, e já não em função dos serviços assegurados no interior das suas fronteiras. Ficariam sujeitas a limites máximos. 208 iv) Os hospitais seriam incitados a entrar em concorrência para obterem os contratos com os distritos. De início, poderia tratar-se de contratos globais, mas estes deveriam ser progressivamente substituídos por contratos «custo e volume» ou por contratos «custo por caso». Os hospitais fixariam os preços das suas prestações com base no custo e num rendimento de 6% do capital, sem que pudessem haver subvenções cruzadas entre as diferentes prestações. Haveria uma caixa de arbitragem para os casos de litígio contratual. Uma vez que «o dinheiro seguiria o doente», os hospitais seriam mais incitados a satisfazerem os doentes e a reduzirem os custos. v) Todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde poderiam obter rendimentos, vendendo prestações a pessoas e empresas privadas, incluindo melhores serviços hoteleiros para os doentes. vi) Pela primeira vez na história do Serviço Nacional de Saúde, a existência de um custo do capital tornar-se-ia explícita: avaliação do parque de equipamentos, fazendo pagar juros e amortizações; inclusão dos encargos financeiros no preço dos contratos e acrescentamento às verbas de funcionamento das administrações sanitárias do distrito das somas necessários para fazer face a esses encargos. Isto garantiria que os preços fixados no interior do Serviço Nacional de Saúde fossem justos e que houvesse comparabilidade com o sector privado. Por outras palavras, o capital deixaria de ser um bem «gratuito». vii) Ao mesmo tempo, seriam exigidas melhores informações sobre a qualidade das prestações. Os médicos seriam obrigados a submeter-se a um controlo de qualidade dos seus cuidados pelos grupos de colegas do seu hospital. Os resultados pormenorizados seriam confidenciais, mas os resultados gerais seriam comunicados aos gestores e largamente difundidos. viii)Além disso, o controlo financeiro do NHS seria transferido do Ministério da Saúde para a Comissão de Controlo Independente, cujo mandato envolveria um estudo da relação qualidade-preço das prestações. ix) Os contratos dos médicos que dão consultas dos hospitais seriam revistos. Haveria descrições de funções precisas, que seriam revistas todos os anos. As autoridades sanitárias de distrito participariam no recrutamento desses médicos, se bem que os seus contratos continuassem a ser da competência das autoridades regionais. O sistema de prémios seria modificado. A participação dos médicos titulares na gestão e no desenvolvimento dos serviços seria um critério suplementar para a atribuição do primeiro escalão do prémio «C». Os directores gerais estariam representados nas 209 comissões que decidiram a atribuição dos prémios «C» e esses prémios poderiam ser revistos ao fim de cinco anos. x) Finalmente, seria concedido um abatimento fiscal pelos prémios de seguro de doença privado pagos pelas pessoas idosas ou, em seu nome, por outras pessoas. Calendário de aplicação O Livro Branco fixava um calendário ambicioso para a aplicação das reformas: − em 1989, seriam seleccionados os primeiros hospitais a tornarem-se autónomos, seriam estabelecidos regulamentos para que os doentes pudessem mudar mais facilmente de generalista, os distritos começariam a elaborar com os seus médicos descrições de funções, seria aplicado o novo esquema de controlo da qualidade dos cuidados, seriam tomadas as primeiras medidas preparatórias para a introdução de orçamentos farmacêuticos indicativos e a Comissão de Controlo começaria o seu trabalho sobre o NHS. − em 1990, estas reformas acelerar-se-iam e as autoridades sanitárias regionais e de distrito, assim como as comissões de generalistas, seriam reorganizadas. − em 1991, seriam criadas as primeiras fundações hospitalares do NHS, designados os primeiros generalistas detentores de orçamentos, aplicados os orçamentos farmacêuticos indicativos e os distritos começariam a pagar directamente o trabalho que executassem uns para os outros. Reforma dos cuidados comunitários de longa duração Em Novembro de 1989, na sequência de um relatório de Sir Roy Griffiths (1988), o governo anunciou projectos de reforma dos serviços de cuidados comunitários para as pessoas idosas, para os deficientes mentais e físicos e para os doentes mentais. Abrangendo todos os organismos públicos e independentes envolvidos - incluindo os serviços sociais pessoais das colectividades locais, o Serviço Nacional de Saúde e os serviços de segurança social - as reformas introduziram uma nova estrutura para os que procuram um financiamento público para cuidados em lares residenciais e em centros de longa permanência (Caring for People, 1989). Os lares do sector independente receberão prestações de segurança social na mesma base que as pessoas que permanecem no domicílio, em vez das actuais taxas especiais mais elevadas. Os poderes locais assumirão o encargo financeiro da manutenção das pessoas residentes nesses lares, que virá acrescentar-se às prestações gerais de segurança social. Com efeito, uma parte do orçamento de segurança social, não sujeito a limite máximo, 210 passará a ser da responsabilidade dos poderes locais e provavelmente sujeito a um “tecto”. Os poderes locais devem agir em colaboração com outros organismos para avaliarem as diferentes necessidades, conceberem os dispositivos de cuidados e assegurarem a sua prestação no limite dos recursos de que dispõem. Devem ser incitados a recorrer ao máximo ao sector independente. Os principais objectivos da reforma dos cuidados comunitários de longa duração são encorajar os serviços ao domicílio, cuidados de dia e outras prestações que permitam às pessoas viverem em suas casas e assegurar um melhor apoio aos prestadores de cuidados voluntários. Os outros objectivos essenciais são os seguintes: melhorar a avaliação das necessidades; apoiar-se mais nos gestores de cuidados; melhorar a coordenação entre os organismos de cuidados; promover a economia mista dos cuidados e eliminar os incentivos aos cuidados em lares residenciais criados pelas taxas mais elevadas de pagamentos da segurança social. A princípio, o governo desejava que as reformas produzissem efeitos a partir do começo de Abril de 1991, mas, em Julho de 1990, anunciou que seriam introduzidas progressivamente entre 1991 e 1993, por receio, parece, da provável pressão, que daí resultaria para o aumento do novo imposto local, a poll tax (Financial Times, 10 de Julho de 1990). Avaliação das reformas Tinha havido no Reino Unido três grandes reformas dos serviços de saúde e dos serviços sociais pessoais, no fim dos anos 1980; essas reformas incidiam sobre a remuneração dos generalistas, o financiamento e a organização do Serviço Nacional de Saúde e os cuidados comunitários. É possível evidenciar, pelo menos, quatro elementos comuns a essas reformas: − os terceiros pagadores deviam ser financiados por orçamentos globais (calculados, principalmente segundo princípios de capitação ponderada); − os terceiros pagadores deviam comportar-se como compradores activos; − os prestadores deveriam ser dotados de uma maior autonomia e ser incitados a concorrer pela obtenção de verbas públicos fixos; − as relações pagador/prestador deviam ser regidas por contratos, de modo a que o dinheiro seguisse o doente. Estas reformas suscitaram muitos debates, sobretudo a propósito das questões que se seguem: Sendo suposto que os consumidores passem a ter uma maior liberdade de escolha entre os generalistas e, por intermédio dos generalistas detentores de orçamentos, entre os hospitais, já não era suposto que pudessem escolher entre as autoridades sanitárias de distrito, o que levou a pôr a questão de saber se os incentivos aos 211 distritos eram suficientes para que eles defendessem da melhor forma o interesse dos consumidores. Com efeito, ao celebrarem contratos com os hospitais, havia o risco de que eles reduzissem, de facto, a escolha dos generalistas e dos consumidores. Eram, no entanto, obrigados a consultar os generalistas e a proceder a inquéritos de opinião junto dos consumidores antes de celebrarem contratos. No respeitante aos generalistas detentores de orçamentos, foram levantadas questões a propósito da selecção dos riscos entre os doentes. Manifestaram-se preocupações pelo facto de que passaria a haver para os generalistas detentores de orçamentos, incentivos consideráveis no sentido de «procederem a uma desnatagem», escolhendo para a sua lista os doentes em melhor forma. Se bem que os generalistas já tivessem este género de incentivos no seu sistema de remuneração, a detenção de um orçamento reforçá-los-ia ainda, uma vez que certos serviços hospitalares já não seriam bens «gratuitos» e as verbas excedentárias podiam ser desviadas para os próprios consultórios médicos. Parecia provável, no entanto, que se pudesse conceber um sistema que combinasse os incentivos e a regulamentação, de modo a combater essas tendências. A questão de saber em que medida os mercados dos prestadores funcionariam com eficácia e justiça no quadro do Serviço Nacional de Saúde reformado foi igualmente objecto de grandes debates. − Alguns exprimiram o receio, dada a dificuldade de medir os resultados ao mesmo tempo no plano do estado de saúde e da qualidade dos cuidados, de que a concorrência viesse a conseguir privilegiar a relação quantidadepreço em vez da relação qualidade-preço. Por exemplo, os casos difíceis poderiam não receber os cuidados suficientes ou os doentes serem obrigados a deslocarem-se a muito longe de suas casas para reduzirem o custo dos cuidados. Este risco foi tomado em consideração e a tónica foi consequentemente posta na elaboração de formas de medição adequadas da qualidade antes de celebrar os contratos. Além disso, foram dadas directivas para que as administrações de saúde dos distritos e as da medicina de família realizem inquéritos acerca da satisfação dos consumidores. − Uma outra preocupação era a de que, encontrando-se o Estado dos dois lados do mercado, a concorrência não pudesse estabelecer-se como convém. O governo poderia, por exemplo, ser tentado a intervir para impedir os encerramentos de hospitais públicos provocados pela concorrência. Reconheceu-se, no entanto, que, em matéria de concorrência, haveria provavelmente ganhadores e perdedores (MacLachlan, 1991). − O governo esperava que as reformas reduzissem a tendência para fazer pesar despesas excessivas sobre o Serviço Nacional de Saúde. No entanto, 212 o governo estava igualmente consciente do facto de que, em certos aspectos, haveria uma pressão suplementar sobre os custos. As reformas exigiam um investimento considerável nos sistemas de informação e de gestão, a fim de apoiar o mercado interior. Por exemplo, certos grandes hospitais viram-se obrigados a negociar 60 ou 70 contratos para substituir aquilo que tinha sido anteriormente uma única atribuição de verbas. Receou-se igualmente que as liberdades concedidas às fundações hospitalares autónomas de fixarem os salários e as condições de trabalho do seu pessoal conduzissem a pressões no sentido do aumento dos salários (que representam cerca de 70% das despesas de funcionamento) de todas as categorias do pessoal dos serviços hospitalares. No caso dos internos, o governo decidiu manter as tabelas nacionais de salários para as fundações hospitalares autónomas. Alguns pensavam que uma maior transparência nas decisões relativas à afectação de recursos seria um outro meio de agir sobre as despesas públicas. − O poder de monopsónio ou de monopólio podia dar lugar a abusos no novo mercado. O risco de abuso de monopólio parecia particularmente grande, devido ao facto de certos hospitais dominarem a sua zona territorial de atracção fora das grandes cidades e ainda devido à fragmentação do poder de compra entre os distritos e os médicos generalistas detentores de orçamentos. Estes riscos foram, todavia, contrariados por regulamentações que obrigam os hospitais a cobrarem os serviços ao preço de custo (incluindo uma remuneração do capital fixo) e a divulgarem, claramente, os preços e os contratos (incentivando assim a concorrência). Consórcios de compras entre certos distritos e generalistas detentores de orçamentos foram também criados. A medida da concentração dos hospitais leva também a pensar que os mercados hospitalares seriam razoavelmente concorrenciais (Robinson, 1991). − A rapidez com que as reformas foram aplicadas foi muito controvertida. Segundo os críticos, era impossível prever os efeitos de modificações de uma tal amplitude e de uma tal complexidade, sem proceder previamente a experiências-piloto. Isso teria, todavia, retardado muito a aplicação das reformas. A constituição de fundações hospitalares autónomas e de consultórios de generalistas detentores de orçamentos era voluntária e progressiva, permitindo «aprender no terreno». Além disso, o governo pôde incorporar no processo de aplicação uma série de «projectos de afinação» sobre vários aspectos importantes - por exemplo, as compras e a celebração de contratos - e, mais tarde, uma série de «projectos locais» que implicavam demonstrações do conjunto das reformas em sete distritos. 213 Estas medidas permitiram identificar as dificuldades e difundir as soluções de gestão. − Finalmente, receou-se que a divisão do poder de comprar cuidados de longa duração entre os distritos e os poderes locais impedisse os doentes de serem transferidos para fora dos hospitais de longa permanência e desincentivasse a integração dos cuidados. Isto não era, todavia, um problema novo e foram tomadas medidas para que as autoridades sanitárias de distrito e os serviços de medicina familiar elaborem e publiquem planos de cuidados comunitários compatíveis com os dos poderes locais correspondentes. Execução das reformas e primeiros resultados A execução das reformas desenrola-se como estava previsto. Foi celebrado um novo contrato com os generalistas, em 1990. Em Abril de 1991, 57 hospitais e serviços do NHS tornaram-se fundações autónomas, 306 consultórios de generalistas tornaram-se gestores de orçamentos, todos os distritos tinham separado as suas funções de compra e de prestação e a maior parte deles tinha celebrado contratos com os prestadores hospitalares. Em Abril de 1992, juntaram-se a esse grupo 99 serviços e consultórios de generalistas. Mais de um milhão de activos do Serviço Nacional de Saúde tinham sido avaliados e assim os preços passaram a poder incluir os encargos financeiros que vieram aumentar de 17% as despesas correntes. Na maior parte dos casos, os novos programas de trabalho foram decididos de acordo com os especialistas. O governo fez saber que queria que o essencial dos fluxos de doentes se mantivesse durante o primeiro ano do regime de contratos (1991/1992). O objectivo era assegurar uma «descolagem suave», de modo a que compradores e prestadores se habituassem progressivamente ao novo sistema. Na realidade, verificou-se que era necessária uma certa aprendizagem. Por exemplo, todos os contratos assinados entre os distritos e os prestadores durante o primeiro ano eram contratos globais. Quando eram fixados preços para cada prestação, constatavam-se diferenças importantes para serviços semelhantes, em parte devido a diferenças de práticas contabilísticas. Em Julho de 1991, o governo anunciou um calendário para levar as autoridades sanitárias regionais e distritais ao financiamento na base de uma capitação ponderada. Anunciou também que, a partir de Abril de 1992, as autoridades de saúde teriam a liberdade, de transferir os seus contratos para hospitais diferentes se isso fosse no interesse dos doentes. Desde os finais de 1991, ressaltava dos primeiros relatórios que as reformas começavam a modificar a cultura do Serviço Nacional de Saúde. O novo contrato com os médicos generalistas acarretou importantes modificações de comportamento e suscitou a oferta de um leque de serviços mais largo. As 214 cláusulas do novo contrato relativas ao desempenho relançaram imediatamente a actividade, nomeadamente em matéria de vacinação e imunização das crianças, de centros de cuidados preventivos de pequena cirurgia. Resultou daí um sobrepagamento de cerca de 15%, em 1990/91, relativamente ao objectivo de remuneração líquida do médico médio. Em Novembro de 1991, era anunciado que cerca de um terço deste sobrepagamento seria exonerado da prática habitual que consistia em absorver o excedente de remuneração no decurso dos anos seguintes. Os doentes, esses, apreciaram os novos serviços. Um inquérito revela que três em cada dez doentes notaram uma melhoria dos serviços recebidos do seu generalista, desde a introdução do novo contrato. Os resultados dos consultórios detentores de orçamento são eloquentes. O poder de compra representado por esses orçamentos transformou a posição negocial desses consultórios face aos hospitais. Numerosos consultórios puderam assinar acordos com hospitais fixando normas de qualidade para os seus doentes, por exemplo, em matéria de responsabilidades das diferentes categorias de pessoal hospitalar, e de retorno de informação sobre os tratamentos dispensados. Outros conseguiram convencer os especialistas a virem ao seu consultório médico para examinarem os seus doentes, solução preferível para estes últimos. Tudo parece indicar que, em seis meses, os detentores de orçamentos tiveram mais influência sobre os especialistas (que praticam em hospital) do que os chefes de estabelecimento não médicos tinham conseguido em várias décadas. No entanto, estalou imediatamente uma controvérsia sobre um sistema de cuidados a duas velocidades; o governo teve que estabelecer regulamentos para desincentivar os hospitais de tratarem diferentemente os doentes enviados por consultórios com orçamentos e os doentes enviados por outros generalistas. Paralelamente, a concessão de orçamentos hospitalares a esses consultórios sensibilizou-os para os custos dos tratamentos em instituições. Os consultórios detentores de orçamentos puseram-se à procura de boas relações qualidade-preço para os cuidados necessários e começaram a duvidar da justificação de uma parte das prestações no hospital, como a frequência das consultas externas. O princípio da concessão de orçamentos parece ter encontrado um franco sucesso junto da maior parte dos generalistas que puderam beneficiar desse regime. Um inquérito realizado nos seis primeiros meses de 1991 fazia crer que 89% dos detentores continuariam no ano seguinte, mas 11% estavam ainda indecisos e nenhum era candidato ao abandono. A transformação das administrações dos distritos sanitários (District Health Administration, DHA) em compradores incitou-as a dar mais importância às necessidades das populações que servem e às possibilidades de obterem os cuidados requeridos ao melhor preço, dirigindo-se a diferentes hospitais. Numerosas DHA fizeram inserir nesses contratos normas de qualidade a respeitar em relação aos 215 doentes. Várias delas levaram a efeito inquéritos sobre os hábitos que tinham os generalistas de enviarem doentes para o hospital e sobre a satisfação dos doentes. Houve menos a dizer do lado da oferta, devido a uma moratória respeitante às transformações que os contratos das DHA incluíam no primeiro ano. Mas é claro que, enquanto as DHA se preparavam para rescindirem certos contratos em Abril de 1992, os prestadores empenhavam-se em melhorarem a sua competitividade. Por outro lado, a liberdade de comprar, associada aos custos de equipamento, parece ter trazido mais realismo aos projectos de investimentos. Punham-se muitas questões sobre a necessidade de construir grandes hospitais (que continuavam programados) enquanto outros investimentos – por exemplo, em cirurgia de urgência∗ – assumiam um carácter de maior premência. Manifestavam-se preocupações pelo facto de, devido a preços muito elevados na região de Londres, onde existe uma capacidade de acolhimento não utilizada, o novo mercado criado por este NHS poder aí ameaçar a viabilidade de certos hospitais, incluindo certos centros hospitalares universitários. O governo lançou, por conseguinte, em Outubro de 1991, sobre os problemas especiais de Londres, e suspendeu provisoriamente a criação de novas fundações hospitalares na capital. Poder-se-ia considerar esta medida como um exemplo de «gestão» sobreposta ao «mercado organizado». Em Outubro de 1992, o relatório pedido recomendava o encerramento de dez estabelecimentos, dos quais certos hospitais universitários. Tornava-se evidente que as novas fundações «auto-geridas» usavam a sua maior liberdade em matéria de gestão para melhorarem a qualidade e a eficiência dos seus serviços. Várias delas fizeram prova de reduções na duração do internamento dos doentes hospitalizados, de um aumento de actividade e de prazos menos longos para atenderem os doentes. Algumas delas tomaram a iniciativa de efectuar sondagens sobre a opinião dos consumidores e a sua satisfação. O receio de que algumas fundações viessem a encontrar-se em dificuldades financeiras logo no fim do primeiro ano deu lugar, em relação à maior parte delas, a previsões de balanços em equilíbrio. Finalmente, o corpo médico e o pessoal de enfermagem acolheram bem a introdução de melhores procedimentos de controlo médico e a avaliação sistemática das práticas dos médicos e do pessoal de enfermagem pelos colegas generalizou-se por todo o lado. CONCLUSÃO Os primeiros resultados são encorajadores. As reformas parecem já prenunciar os efeitos esperados. Os generalistas detentores de orçamentos mostraram-se capazes de incitar os serviços hospitalares a responderem melhor às necessidades dos seus doentes. Parece, portanto, que se remediou o que era provavelmente a grande fraqueza 216 do NHS. Mas resta saber se este efeito se propagará em benefício de todos os doentes e se a escolha dos doentes é um problema que deixará de se apresentar no futuro. De uma forma geral, estes primeiros resultados não dão resposta à maior parte das questões colocadas na última secção. A separação dos compradores e dos prestadores no Serviço Nacional de Saúde exige uma aprendizagem de novos papéis e envolve o risco de obrigar a uma longa série de ajustamentos nos comportamentos e nos serviços. A abertura de consultórios de generalistas detentores de orçamentos e de fundações hospitalares autónomas, pelo facto de ser facultativa, será evolutiva, e o processo poderia ser parado ou invertido com a chegada ao poder de um novo governo. É por isso que é impossível avaliar as reformas de 1991 na data em que este capítulo foi terminado. Bibliografia Blendon, R.J., Leitman, R., Morrison, I. e Donelan, K. 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Uma coerência rigorosa na definição dos dados sobre a saúde, sobre a prestação dos cuidados médicos e sobre as despesas de saúde nestes países não foi, no entanto, ainda atingida. NÍVEL E CRESCIMENTO DAS DESPESAS COM A SAÚDE Os números globais sobre as despesas de saúde nos sete países são apresentados no quadro 10.1. Culyer (1989) analisou a documentação econométrica sobre as determinantes das despesas de saúde nos diversos países. Concluiu que as despesas de saúde por habitante assim como a proporção do rendimento consagrado à saúde são tanto maiores quanto mais elevado for o PIB por habitante. Por outro lado, as despesas de saúde são menos elevadas do que se poderia esperar nos países em que o orçamento da saúde está sujeito a um controlo centralizado. A análise econométrica efectuada posteriormente por Gerdtham et al. (1990) permitiu evidenciar cinco variáveis que contribuem largamente para explicar as diferenças nas despesas de saúde por habitante entre os países da OCDE: o PIB por habitante, com uma elasticidade das despesas de 1,06; a relação dependência económica/idade, com uma elasticidade das despesas de 0,22; a parte do financiamento público no financiamento total, com uma elasticidade das despesas de -0,23; a relação despesas de hospitalização/despesas totais de saúde, com uma elasticidade das despesas de 0,37; e o recurso ao orçamento global nos hospitais a que se associa uma redução média de 13% das despesas de saúde, sendo todas as outras condições iguais. Os números apresentados no quadro 10.1 corroboram estas conclusões. Nos dados relativos a 1990 na coluna 1, a maior parte da variação registada nas despesas de saúde por habitante explica-se por uma curva de regressão que relaciona as despesas de saúde por habitante com o PIB por habitante (Schieber e Poullier, 1989). Tendo em conta uma possível subestimativa das despesas de saúde na Bélgica e na Alemanha, as despesas de saúde por habitante situar-se-iam acima da curva de regressão para estes dois países, e ainda para a França e a Irlanda. Estes países recorrem principalmente ao sistema de reembolso e do contrato e só adoptaram o orçamento global em meados dos anos 80 para alguns hospitais ou para a totalidade. O Reino Unido, que adoptou um sistema de financiamento essencialmente centralizado e 220 fiscalizado e que aplica desde há quatro décadas o orçamento global nos hospitais, situa-se nitidamente abaixo da curva. O exame das séries cronológicas das colunas 2 a 7 mostra claramente que os sete países travaram todos fortemente a taxa de crescimento das despesas de saúde em relação ao PIB entre 1980 e 1990, por comparação com a década 1970-1980. No respeitante ao período 1980-1990, os países podem ser classificados em três grupos. Os dois países que continuavam a aplicar, numa certa medida, o sistema de reembolso e que não tinham adoptado senão parcialmente os orçamentos globais nos anos 80 – a Bélgica e a França – registam uma progressão média da parte das despesas de saúde, 14%, comparada com uma progressão média de 17% do PIB real por habitante. Nos dois países que aplicaram sobretudo o sistema do contrato e os orçamentos globais, a Alemanha e os Países Baixos, não há praticamente modificação da parte relativa das despesas de saúde, enquanto o PIB em termos reais por habitante aumentou em média 14% nesses países. Nos três outros países, que aplicavam sobretudo o sistema integrado e cujos hospitais funcionavam há muito com um orçamento global, a Espanha, a Irlanda e o Reino Unido, a parte das despesas de saúde evoluiu muito diferentemente. A Espanha, com um nível à partida baixo, continuou a edificar os seus serviços de saúde, mas a um ritmo lento em relação ao crescimento rápido do seu PIB, salvo nos anos de 1989 e 1990. Quadro 10.1 - Despesas com a saúde e proporção destas despesas no PIB Países Alemanha Bélgica Espanha França Irlanda Países Baixos Reino Unido Despesas com a saúde por habitante, em paridade de poder de compra Evolução do PIB por Evolução da parte das habitante, a despesas com a saúde, em preços % constantes (em %) Despesas com a saúde, em percentagem do PIB 1990 1970 1980 1990 1970-80 1980-90 1980-90 1 487 1 227 777 1 532 819 1 287 974 5,9 4,1* 3,7 5,8 5,6* 6,0 4,5 8,4 6,6 5,6 7,6 9,6 8,0 5,8 8,1 7,6 6,5 8,8 7,5 8,0 6,2 42 61* 51 31 71* 33 29 -4 15 18 16 - 22 0 7 20 20 28 18 39 14 28 * Ligeira subestimativa possível do valor de 1970 em virtude de uma ruptura na série e, por consequência, uma sobreestimativa da evolução entre 1970 e 1980. Fonte : Les systèmes de santé des pays de l'OCDE: Faits et tendances, 1993, Paris. A Irlanda, que partia de um nível elevado, continuou a reduzir os serviços apesar da retoma vigorosa da sua economia. No Reino Unido, a parte dos serviços de saúde permaneceu constante enquanto a economia conhecia um surto vigoroso. Em média, a parte das despesas de saúde deste grupo não variou, enquanto o PIB real por habitante aumentou 24%. 221 Dada a relação positiva, e esperada, entre a parte das despesas de saúde e o PIB por habitante, estas observações indicam que os países em que os sistemas estão predominantemente integrados conseguem conter mais firmemente as despesas do que aqueles que praticam o sistema de contratos. Em contrapartida, os países com sistema de contratos contêm melhor as suas despesas do que aqueles que permanecem apegados ao sistema do reembolso e que só parcialmente adoptaram os orçamentos globais. RECURSOS E ACTIVIDADES DO SISTEMA DE SAÚDE O quadro 10.2 apresenta alguns dados transversais globais, provenientes do ficheiro de saúde da OCDE ou de outras fontes, sobre o número e a actividade dos médicos e o número de camas e a actividade dos hospitais de cuidados intensivos, a fim de tentar identificar os efeitos devidos às diferenças nos sistemas de pagamento. As séries cronológicas destas variáveis são demasiadamente fragmentárias para poderem ser apresentadas aqui. Se bem que a coerência das definições ainda não seja perfeita, o exame destes números é interessante por causa das diferenças que evidenciam de um país para outro. As quatro primeiras colunas mostram que, nos dois primeiros países e em França - que são, todos, países que reconhecem a liberdade de escolha do médico de primeiro recurso para cada acto, sendo o dito médico pago por acto - as taxas de consulta são mais elevadas, a duração das consultas é mais longa e as taxas de prescrição são mais altas do que em Espanha, nos Países Baixos e no Reino Unido em que os médicos, na sua maior parte, são pagos por montante fixo ou são assalariados. Nada indica que as variações no número de médicos 1000 habitantes desempenhem um papel importante nessas diferenças. As séries cronológicas levam a pensar que, em relação aos pagamentos fixos, o pagamento por acto incita à consulta. Assim, na Irlanda, entre os doentes do sector público, o número de consultas dos médicos generalistas baixou de, aproximadamente, um quinto no ano que seguinte à passagem, em Março de 1989, do pagamento por acto ao pagamento fixo. O exame das três últimas colunas do quadro 10.2, consagradas aos hospitais de cuidados intensivos, mostra grandes diferenças entre os países no número de camas por cada 1 000 habitantes. Segundo certos indícios, estas diferenças poderiam estar ligadas às despesas de saúde por habitante e à importância do sector hospitalar público. Na Espanha, na Irlanda e no Reino Unido, em que a proporção de camas de hospitais públicos é importante, o número de camas de hospitais de cuidados intensivos é menos elevado do que na Alemanha e na Bélgica, em que a proporção de camas do sector público é menor. No entanto, nos Países Baixos, em que os hospitais são sobretudo privados, o número de camas está próximo da média. A correlação entre o número de camas de hospitais de cuidados intensivos e a população, assim como entre o número de admissões em cuidados intensivos e a população, é fraca por causa das grandes diferenças na duração média de internamento dos doentes 222 hospitalizados. Três países – Espanha, Irlanda e Reino Unido – assinalam a existência de listas de espera para a admissão nos hospitais: todos eles têm sistemas hospitalares integrados. No entanto, salvo na Irlanda, o número de camas de cuidados intensivos em relação à população é comparativamente baixo. Comparações feitas entre países acerca do comportamento dos médicos sugerem outras diferenças importantes, na prática, entre os países em que os médicos são pagos por acto e aqueles em que o são por uma quantia fixa. Assim, uma comparação entre a Inglaterra e a França (Porter e Porter, 1980) mostra que os generalistas franceses dão consultas mais longas, prevêem consultas de controlo mais numerosas, fazem mais visitas ao domicílio, prescrevem mais exames e mais medicamentos e trabalham durante um maior número de horas (sobretudo para esperarem pelos seus doentes) do que os seus homólogos britânicos. Por outro lado, é raro que os médicos franceses trabalhem em grupo ou transfiram para outros uma parte das suas tarefas; e não asseguram tão bem a manutenção dos seus ficheiros. Quanto aos especialistas, a situação é aproximadamente a mesma. É raro que os doentes franceses tenham que esperar para obterem uma consulta do seu médico, generalista ou especialista, ou para serem admitidos num hospital. Os doentes britânicos são recebidos bastante rapidamente pelo seu generalista (mas geralmente no momento escolhido por ele); em contrapartida, é-lhes muitas vezes necessário esperar longas semanas para serem admitidos num hospital público, para obterem uma consulta num serviço de consultas externas de um hospital e para serem tratados num hospital. Os autores (britânicos) concluem que «o doente britânico recebe, no Serviço Nacional de Saúde (NHS), um tratamento competente, lento e muitas vezes impessoal. O doente francês recebe um serviço competente, rápido e personalizado». 223 Quadro 10.2 - Número de médicos, taxas de actividade dos médicos e taxas de actividade dos hospitais Países Médicos em actividade, por cada 1000 habitantes Número de consultas de generalistas e de especialistas, por habitante 1989 Vários anos Alemanha 2,8 10,8 1 Bélgica 3,2 7,4 Espanha França 3,5 2,5 Duração da consulta de um generalista (min.) Vários anos 91 - Medica_ mentos prescritos fora dos hospitais, por pessoa Número de camas de hospital de cuidados intensivos, por 1000 habitantes Número de admissões nos hospitais, por 1000 habitantes Duração média de estadia nos hospitais de cuidados intensivos (dias) 1982 1989 1989 1986 11,2 4 7,6 18,7 12,4 9,9 5,5 17,0 10,0 9,6 4 3,5 9,0 9,7 10,0 4 5,6 20,6 7,2 3 3 7,8 1 14 1 2 - 9,5 4,7 16,4 7,0 11,5 4,2 Irlanda 1,5 6,5 Países Baixos 2,4 5,4 1 51 3,7 5 4,8 10,4 Reino Unido 1,4 5,2 1 81 6,5 3,2 12,9 6 7,8 1. Fonte: Sandier, 1989. 2. Exclusivamente clientela pública dos generalistas, 1987. A Irlanda remunerou os generalistas ao acto em relação a estes doentes até Março de 1989. 3. Fonte: Miguel e Guillen, 1989. Valor para 1982. 4. Fonte: O'Brien, B., 1984. 5. Fonte: IMS Netherland B. V., 1989. Valor para 1983. 6. Estes valores referem-se à Inglaterra e ao País de Gales e não incluem o pequeno sector liberal. Fonte: Les systèmes de santé des pays de l'OCDE: Faits et tendances, 1993, Paris, salvo indicação contrária. EQUIDADE NO FINANCIAMENTO E NAS PRESTAÇÕES No capítulo 1 foram enunciados dois objectivos da política de saúde em matéria de equidade: o pagamento das prestações em função dos recursos e o tratamento em função das necessidades, pelo menos no sector público. Bem entendido, a noção exacta de equidade varia segundo os indivíduos e os países. Num estudo recente, financiado pela Comunidade Europeia sobre A Equidade no Financiamento e na Prestação dos Cuidados de Saúde (Wagstaff et al., a publicar), foram medidos os resultados obtidos por dez sistemas de cuidados em função desses critérios. Cinco dos sete países aqui estudados estão incluídos no estudo da Comunidade: Espanha, França, Irlanda, Países Baixos e Reino Unido. Quanto à equidade no financiamento dos serviços de saúde, algumas constatações preliminares se impõem: o financiamento é ligeiramente progressivo na Irlanda e no Reino Unido, é praticamente proporcional aos rendimentos em França e ligeiramente regressivo em Espanha, assim como nos Países Baixos. Existe provavelmente uma relação entre o carácter regressivo e a proporção das despesas de saúde financiadas pelo sector privado. As reformas Dekker deveriam atenuar essa característica no sistema neerlandês. A Comunidade Europeia estuda também a equidade na prestação dos cuidados, mas os primeiros resultados são demasiadamente aproximativos para 224 serem referidos aqui. As observações mais recentes indicam que, no Reino Unido, a prestação dos cuidados é, no conjunto, equitativa (O'Donnell et al.,1991). O ESTADO DE SAÚDE DA POPULAÇÃO E A PROMOÇÃO DA SAÚDE É difícil dizer se as diferenças entre os níveis e a composição dos serviços de saúde influem no estado de saúde da população. O quadro 10.3 indica a esperança de vida e a evolução da mortalidade perinatal nos sete países. As diferenças não podem provavelmente fornecer muitas indicações sobre a eficácia dos serviços de saúde porque a esperança de vida depende de numerosas variáveis para além dos cuidados médicos. Em Espanha, onde as despesas de saúde são as mais baixas dos sete países, a esperança de vida média é igual ou superior à dos países mais bem colocados. Em contrapartida, as diferenças na mortalidade perinatal dão mais indicações sobre a eficácia dos serviços de maternidade. A mortalidade perinatal é a principal componente da «mortalidade evitável» (mortalidade devida a condições que teriam podido suscitar uma intervenção médica eficaz - ver Charlton e Velez, 1986). A mortalidade perinatal baixou fortemente entre 1980 e 1989 nos sete países, em consequência, sem dúvida, da aplicação de novas técnicas para salvar os recémnascidos com pouco peso. É a Alemanha que apresenta os resultados mais convincentes. Quadro 10.3 - Esperança de vida e mortalidade perinatal Países Esperança de vida à nascença, 1989 M Alemanha Bélgica Espanha França Irlanda Países Baixos Reino Unido 79,0 79,1 80,1 ** 80,6 77,0 79,9 78,64 Mortalidade perinatal (% de nados vivos e nados mortos) H 72,6 72,4 74,5 ** 72,5 71,0 73,7 72,8 1980 1989 1,16 1,42 1,44 1,29 1,48 1,11 1,34 0,64 1,02 * 1,00 * 0,89 0,99 0,96 0,90 Evolução da mortalidade perinatal em % 1980-1989 45 - 28 * - 31 * 32 33 14 33 * 1987 ou 1980-1987 ** 1990 Fonte: Les systèmes de santé des pays de l'OCDE: Faits et tendances, 1993, Paris. A esperança média de vida pode esconder diferenças na dispersão da idade da morte ou uma desigualdade em matéria de saúde. Legrand (1987) assinala que, após «normalização» por idade, constata-se menor desigualdade na idade da morte na Irlanda e no Reino Unido do que na Alemanha, na Bélgica e nos Países Baixos e que, por sua vez, estes cinco países vêm atrás da Espanha. A França ocupa, ora uma posição mediana, ora uma posição elevada, em termos de desigualdade, segundo a 225 medida precisa escolhida. Vê-se mal, no entanto, que papel desempenham os serviços de saúde, se é que desempenham algum, nestas diferenças. SATISFAÇÃO DO PÚBLICO Um teste importante, embora subjectivo, ao bom funcionamento dos sistemas de saúde é a avaliação do grau de satisfação dos consumidores e dos contribuintes em relação a ele. Poucos estudos internacionais foram feitos a este respeito. No entanto, um inquérito recente efectuado em dez países foi publicado por Blendon et al., (1990). Quatro dos países aqui estudados figuram no estudo de Blendon: a Alemanha, a França, os Países Baixos e o Reino Unido (a Espanha foi incluída posteriormente). Uma medida de satisfação que se pode deduzir deste estudo é a percentagem de pessoas que estavam de acordo com a frase: «No conjunto, o sistema de saúde funciona bastante bem e bastariam alguns retoques pouco importantes para que funcionasse ainda melhor». Os resultados revelam índices de satisfação relativamente elevados (56-41% satisfeitos) em países como a Alemanha, o Canadá, a França e os Países Baixos. Em todos estes países, encontram-se ao mesmo tempo despesas de saúde por habitante médias ou elevadas e uma cobertura universal, ou quase, através do seguro de doença, uma grande liberdade de escolha reconhecida ao doente e, no conjunto, a aplicação de versões públicas dos sistemas de contrato ou de reembolso nas quais «o dinheiro segue o doente». Os índices de satisfação são relativamente fracos (27-12%) em países como a Itália e o Reino Unido, que combinam ambos despesas de saúde por habitante relativamente fracas com uma cobertura universal e a prática do sistema público integrado em que o dinheiro «não segue o doente». Discerne-se mal se o medíocre índice de satisfação na Itália e no Reino Unido resulta da modicidade das despesas de saúde por habitante ou do sistema integrado. A avaliar pelos resultados respeitantes à Suécia (32% satisfeitos), mesmo atingindo as despesas de saúde um nível muito mais elevado, elas contribuem pouco para aumentar a popularidade do sistema integrado. Pode-se lamentar que o inquérito não abranja um exemplo claro de país que combine despesas de saúde de baixo nível e um sistema de contrato ou de reembolso. O mais baixo nível de satisfação (apenas 10% satisfeitos) cabe ao país em que as despesas de saúde por habitante são mais elevadas: os Estados Unidos, o único país do inquérito em que a cobertura do seguro de doença apresenta importantes lacunas. Bibliografia Blendon, R. J., Leitman, R., Morrison, I. e Donelan, K. (1990), «Satisfaction with health systems in ten nations», Health Affairs, Verão. Charlton, J. R. H. e Velez, R. (1986), «Some International Comparisons of Mortality Amenable to Medical Intervention», British Medical Journal Vol. 292, 1 de Fevereiro. 226 Culyer, A. J. (1990), «La maîtrise des dépenses de santé en Europe», in Les systèmes de santé: A la recherche d'efficacité, OCDE, Paris. Gerdtham, U. G., Sogaard, J., Jönsson, B. e Andersson, F. (1990), «A Pooled Cross-Sectional Analysis of the Health Care Expenditures of the OECD Countries», documento apresentado ao Segundo Congresso Mundial sobre Economia da Saúde, Zurique, Setembro. IMS Nederland B.V. (1989), Farmaceutische Almanak. Legrand, J. (1987), «Inequalities in Health: Some International Comparisons», European Economic Review, Vol. 31, pg. 182-191. Miguel, J. M. de e Guillen M. F. (1989), «The Health System in Spain», in Field M. G. (dir. publ.), Success and Crisis in National Health Systems: A Comparative Approach, Routledge. O'Brien, B. (1984), Patterns of European Diagnoses and Prescribing, Office of Health Economics, Londres, Janeiro. O'Donnell, O., Propper, C. e Upward. R. (1991), An Empirical Study of Equity in the Financing and Delivery of Health Care in Britain, Centre for Health Economics, University of York, Discussion Paper Nº. 85. OCDE (1987), La Santé: Financement et prestations, Paris. Porter, A. M. W. e Porter J. M. T. (1980), «Anglo-French contrasts in medical practice», British Medical Journal, 26 de Abril. Sandier, S. (1990), «Le paiement des médecins dans quelques pays de l'OCDE», in Les systèmes de santé: A la recherche d’éfficacité, OCDE, Paris. Schiber, G. J. e Poullier, J.-P. (1989), International Health Care Expenditure Trends: 1987, Health Affairs, Outono. Wagstaff, A., van Doorslaer, E. e Rutten, F. (a publicar), L' équité dans le financement et la prestation des soins de santé, Comunidade Europeia, Bruxelas. 227 Capítulo 11 COMPARAÇÕES E AVALIAÇÃO INTRODUÇÃO Este capítulo propõe-se comparar e avaliar as reformas que foram descritas nos capítulos 3 a 9, verificar em que medida as reformas empreendidas permitiram aos governos remediar as insuficiências dos seus sistemas e, assim, ficar em melhores condições de atingirem os seus objectivos em matéria de saúde. Nesta perspectiva, a análise aqui apresentada articula-se em torno de três grandes eixos definidos a partir dos seis objectivos das políticas de saúde identificados no capítulo 1: − acesso aos cuidados suficiente e equitativo, e protecção dos rendimentos; − eficiência macroeconómica; − eficiência microeconómica, liberdade de escolha do consumidor e autonomia dos prestadores. Este estudo baseia-se nos sete tipos de regimes públicos de financiamento e de prestação de cuidados médicos descritos no capítulo 1. Os três subsistemas predominantes, que prevêem todos um financiamento obrigatório por uma terceira entidade, são: − o sistema público de reembolso que, na sua forma pura, apresenta as características seguintes: caixas de seguros de doença financiadas por contribuições obrigatórias ligadas aos rendimentos, que reembolsam o doente das somas pagas directamente por ele, a título de honorários, a prestadores independentes, deixando geralmente uma parte da despesa a seu cargo; inexistência de vínculos entre as caixas de seguro de doença e os prestadores; − o sistema público de contrato que, na sua forma mais corrente, apresenta as características seguintes: caixas de seguros de doença financiadas por contribuições obrigatórias ligadas aos rendimentos, que celebram directamente contratos com prestadores independentes para que eles proporcionem aos doentes serviços gratuitos; e − O sistema público integrado que, na sua forma mais corrente, apresenta as características seguintes: caixa central pública financiada pelo imposto, que paga vencimentos aos médicos e atribui um orçamento global aos hospitais públicos, em contrapartida de serviços que eles fornecem gratuitamente aos doentes. Muito frequentemente, encontra-se um ou outro destes subsistemas, ou ambos, até mesmo os três, nos sete países aqui considerados, mediante, muitas vezes, certas 228 modificações em relação à forma pura ou à forma mais corrente acima descrita. É assim, por exemplo, que ao o financiamento pelo imposto pode substituir-se, no todo ou em parte, um financiamento por contribuições ligadas aos rendimentos, ou inversamente. O gráfico 11.1 apresenta, em recapitulação, as grandes reformas examinadas nos capítulos 3 a 9, reagrupadas em função dos objectivos acima recordados. Gráfico 11.1 - Recapitulação das recentes medidas de reforma dos sistemas de saúde de sete países da OCDE __________________________________________________________________________________ EFICÁCIA, EQUIDADE E PROTECÇÃO DO RENDIMENTO Extensão aos sistemas de seguro obrigatório Espanha, 1984, 1986 e 1989; Países Baixos, princípio dos anos 90; Irlanda, 1991. EFICIÊNCIA MACROECONÓMICA 1. Excedentes de honorários para os médicos; 2. Ligeiro aumento da taxa moderadora. 1. França, 1980; 2. a maior parte dos países, datas diversas. Estabelecimento de um orçamento global para os médicos Alemanha, 1977; Bélgica, 1991. Remuneração dos médicos através de quantia fixa por doente (capitação) Irlanda, 1989. Estabelecimento de um orçamento global para os hospitais Países Baixos, 1983; Bélgica, 1984; França, 1984 e 1985; Alemanha, 1986. EFICIÊNCIA MICROECONÓMICA, ESCOLHA E AUTONOMIA Passagem do sistema integrado de segurança social ao sistema de contrato Antiga República Democrática Alemã, 1991. Concorrência gerida entre médicos Alemanha, 1977; Reino Unido, 1990. Concorrência gerida entre produtos farmacêuticos Alemanha, 1989; Países Baixos, 1991. Concorrência gerida, entre hospitais Alemanha, 1989; Reino Unido, 1992; Países Baixos, prevista para o princípio dos anos 90. Concorrência gerida entre seguradores ou «detentores de fundos» Reino Unido, 1991; Países Baixos, prevista para o princípio dos anos 90. ____________________________________________________________________ 229 ACESSO SUFICIENTE E EQUITATIVO AOS CUIDADOS E PROTECÇÃO DOS RENDIMENTOS A principal conclusão a tirar é que o financiamento público continua a ser o modo de financiamento privilegiado para o essencial dos cuidados nos setes países. Na maior parte dos países, a grande maioria da população estava já coberta por um regime de seguro de doença obrigatório. As principais excepções eram os Países Baixos, com cerca de 40% de segurados voluntários para os riscos graves, a Alemanha, com cerca de 23% de segurados voluntários (dos quais mais de metade estava inscrita numa caixa de seguro de doença obrigatório) e a Espanha e a Irlanda, com cerca de 15% de segurados voluntários para alguns ou todos os grandes riscos. Os responsáveis governamentais escutaram os apelos que foram feitos, no decurso dos dez últimos anos, no sentido de que os segurados – ou, em todo o caso, um maior número deles – tenham a liberdade de sair dos regimes obrigatórios, mas não tomaram medidas neste sentido. Pelo contrário, dois países, a Espanha e os Países Baixos estenderam, o primeiro, ou anunciaram, o segundo, a sua intenção de estender a cobertura global obrigatória ao conjunto da população. Os grupos a que o regime foi alargado e que passaram a ser obrigados a contribuir foram os grupos de altos rendimentos e os trabalhadores independentes. A razão pela qual o regime obrigatório foi alargado a essas categorias não foi o facto de elas estarem insuficientemente cobertas (os seus membros eram considerados como apresentando riscos menores e estavam convenientemente cobertos pelos regimes de seguro privado), mas o facto de os prémios que pagavam, no quadro dos regimes privados, serem inferiores, para uma cobertura idêntica, às contribuições pagas pelas categorias de baixos rendimentos, no quadro do regime público. Por conseguinte, o encargo da cobertura dos grupos mais desfavorecidos pesava de maneira anormalmente onerosa sobre a população com rendimentos médios. A situação financeira dos regimes obrigatórios foi também melhorada pelo facto de terem sido englobados nesses regimes todos os indivíduos de altos rendimentos. Podem-se invocar tanto argumentos respeitantes à equidade como argumentos respeitantes à eficiência para preconizar uma cobertura universal para os cuidados de saúde primários, um tratamento em função das necessidades e contribuições em função da capacidade financeira. É pouco provável que um regime privado responda de maneira satisfatória a uma grande preocupação de altruísmo no domínio da saúde. Além disso, para melhorar o mais possível o estado de saúde da população através dos serviços de saúde, é preciso conceber cuidados médicos primários em função das necessidades (Culyer, 1989). De tudo isto resultou que os regimes de seguro voluntário passaram a ter cada vez mais um carácter complementar nos países que alargaram o seu regime público. No entanto, nenhum outro país adoptou a atitude do Canadá que foi ao ponto de proibir 230 os regimes de seguro voluntário que proporcionavam prestações já asseguradas pelo regime público. A possibilidade de subscrever um seguro voluntário apareceu como uma liberdade importante mesmo quando, como em França, este seguro serve para cobrir a taxa moderadora, o que suprime o efeito pretendido de sensibilização ao custo no momento em que o doente utiliza um serviço . Uma preocupação da maior parte dos países é a desigualdade que persiste, no concernente à saúde e ao acesso aos cuidados (para o Reino Unido, ver Townsend e Davidson, 1982). Existem, de resto, mais elementos sobre o primeiro aspecto do que sobre o segundo. O Reino Unido tomou medidas, no final dos anos 70, para instaurar uma maior equidade nas despesas hospitalares no plano geográfico. A Espanha fez o mesmo nos anos 80. EFICIÊNCIA MACROECONÓMICA E CONTENÇÃO DOS CUSTOS A maioria dos países da OCDE viu as suas despesas médicas aumentar em proporções inaceitáveis nos anos 70. Os governos, que gerem o essencial das despesas de saúde, chegaram à conclusão de que os custos de oportunidade dos novos aumentos de impostos necessários para financiar as despesas de saúde eram demasiado elevados. Além disso, havia fortes suspeitas, em numerosos países, de que a procura tinha sido induzida pelos prestadores. Os governos consideraram que um crescimento limitado das despesas de saúde permitiria, contudo, fazer face às pressões mais importantes do lado da procura, ligadas à evolução demográfica e à evolução das técnicas médicas. Além disso, tinha-se a impressão de que os sistemas de saúde podiam funcionar de maneira mais eficiente. A principal conclusão deste estudo é a de que os governos dos sete países considerados conseguiram controlar muito melhor os custos nos anos 80. Todos conseguiram manter o crescimento das despesas de saúde em relação ao PIB a um nível nitidamente inferior ao registado no decurso da década anterior. Os países que se apoiam essencialmente no sistema público do contrato (sistema em que os terceiros pagadores públicos celebram directamente contratos com os prestadores) conseguiram-no praticamente tão bem como os países que se apoiam principalmente no sistema público integrado (sistema em que os terceiros pagadores e os prestadores estão integrados verticalmente no âmbito do sector público). Estes dois grupos de países conseguiram-no melhor do que os países que continuaram a apoiar-se, em parte, num sistema público de reembolso das despesas feitas pelo doente. Sem dúvida deve ver-se nisto a consequência da generalização do recurso ao orçamento global nos sistemas de contrato. No entanto, em todos os casos, os gastos foram contidos apesar, das incertezas quanto ao nível óptimo das despesas de saúde e quanto à capacidade dos sistemas de melhorarem a sua produtividade. O que é mais, foram contidos apesar da oposição 231 dos prestadores e dos consumidores. As pressões a favor de um aumento das despesas de saúde não desapareceram. Poder-ser-ía dizer que certos governos fizeram baixar as despesas de saúde abaixo do nível óptimo, mas não há um padrão fiável em relação ao qual esse género de défice possa medir-se e, tirando os eleitores, não há maior autoridade que os próprios governos para apreciar o custo de oportunidade das despesas de saúde financiadas pelo imposto. PARTICIPAÇÃO NAS DESPESAS NO SECTOR FINANCIADO POR FUNDOS PÚBLICOS As tentativas feitas para conter as despesas de saúde incidiram, numa certa medida, sobre a procura: foi exigida uma participação nas despesas no sector financiado por fundos públicos. Vários dos sete países instituíram fórmulas obrigatórias limitadas de comparticipação e de co-seguro (sem franquia) ou reforçaram as exigências a este respeito, para os serviços ambulatórios e para os serviços hospitalares no quadro do regime público. Dois países instauraram sistemas que permitem uma participação negociável nas despesas (ou excedentes de honorários). No entanto, os responsáveis governamentais resistiram geralmente aos argumentos dos que, no princípio da década, lhes pediam que fizessem suportar pelos doentes uma grande parte dos encargos. Esta prudência parece justificar-se. Se é verdade que numerosos indicadores mostram que a participação nas despesas, no momento em que o doente recorre a cuidados médicos é de molde a reduzir o nível da procura de cuidados – sobretudo se o doente só tem baixos rendimentos e pode, numa certa medida, escolher entre recorrer ou não a cuidados (van de Ven, 1983) – em contrapartida, será equitativo e eficaz exigir mais do que uma participação modesta (isentando as pessoas de baixos rendimentos e os doentes crónicos)? Não valeria mais encorajar o médico - que é geralmente o principal decisor - a oferecer cuidados eficazes em relação ao custo? Sendo assim, os consumidores subscrevem, muitas vezes, um seguro complementar para cobrirem as suas despesas, se isso não lhes for proibido. A Alemanha e a França instauraram ambas uma participação negociável nas despesas relativas a serviços bem precisos no quadro do seu regime público (no momento em que os cuidados são dispensados). No princípio da década, a França permitiu a certos médicos optarem por excedentes de honorários no quadro da convenção sobre a remuneração dos médicos, autorizando-os a escolher o «sector 2». A hipótese era, segundo parece, que os excedentes de honorários teriam um efeito auto-regulador na medida em que os doentes prefeririam consultar médicos que aplicassem as tarifas negociadas. No entanto, o que daí resultou, foi que, em 1989, 26% dos médicos tinham optado por excedentes de honorários, e que, nas grandes cidades, se tinha tornado difícil encontrar especialistas que aplicassem as tarifas negociadas. Esta situação fazia pesar uma ameaça sobre o acesso aos cuidados para os 232 grupos de baixos rendimentos. Em 1990, o governo considerou necessário restringir, de futuro, a possibilidade concedida aos médicos de optarem por excedentes de honorários, provocando, assim, greves entre os jovens médicos hospitalares, muitos dos quais tinham a intenção de optar pelo sector 2. Este exemplo mostra os perigos que há em autorizar uma participação negociável ilimitada nos custos, em matéria de seguro de doença, quando a curva da oferta não é elástica. Enthoven (1988) observou que, em semelhante caso, o preço tende a estabelecer-se ao nível do montante pago pelo seguro, acrescido do montante que o doente está disposto a pagar, de modo que, em concreto, o doente não está segurado. A Alemanha parece ter mais sucesso com o sistema que introduziu recentemente e que consiste em calcular os pagamentos das caixas de seguro de doença relativos a certas categorias de medicamentos (perfeitamente fungíveis) por referência a um preço fixo competitivo, não tendo o doente que pagar a não ser que escolha um medicamento mais caro no grupo de medicamentos considerado. Neste caso, a oferta, ao preço fixado, tem todas as probabilidades de ser perfeitamente elástica e não há motivo para recear que os mais desfavorecidos não tenham acesso aos medicamentos. Uma outra maneira de travar a procura consiste em fazer pagar pelo segurado contribuições suplementares negociáveis para o seguro de doença de base para além das contribuições obrigatórias. Muitas vezes, esta forma de participação nas despesas é preferível à comparticipação nas despesas no momento em que os cuidados são prestados porque as contribuições são negociadas e pagas num momento em que o consumidor está bem, e não quando está doente. As contribuições suplementares negociáveis são raras nos sistemas de seguro obrigatório (salvo para o seguro complementar), devido a falta de concorrência. No entanto, elas constituem uma componente importante das propostas formuladas nos Países Baixos, que visam permitir a livre escolha do segurador no novo sistema de seguro obrigatório. Prevê-se que uma parte do prémio médio total (inicialmente, tratava-se de 15%) consistirá num pagamento voluntário e transferível do segurado para o segurador, sendo este pagamento: específico para cada segurador; de montante uniforme para todos os segurados; e sujeito à concorrência. A concorrência entre os seguradores deveria influir no sentido da diminuição do prémio fixo, o que, num segundo tempo, deveria incitar a procurar economias nos contratos com os prestadores. No entanto, será necessário talvez velar por que certos seguradores, aproveitando uma situação de oferta não inelástica, não celebrem acordos exclusivos com certos prestadores – por exemplo, com especialistas de renome – a fim de comercializar uma medicina de luxo a preços superiores. De forma mais geral, o comportamento dos mercados do seguro de doença voluntário submetidos à concorrência leva a duvidar da capacidade desses mercados para conterem os custos. Por exemplo, o prémio médio no mercado não regulamentado do seguro de doença no Reino Unido aumentou cerca de 90%, em termos reais, entre 1980 e 1988. 233 CONTENÇÃO DAS DESPESAS PELO LADO DA OFERTA Nos sete países, a contenção das despesas de saúde não foi obtida por uma maior sensibilização dos consumidores aos custos, mas antes reforçando a posição relativa dos terceiros pagadores, ou então pelo exercício de um controlo central directo sobre os montantes pagos aos prestadores e sobre a capacidade do sistema. Houve um afastamento ainda maior do sistema estrito do reembolso, quando este continuou a existir, e uma aproximação do sistema de contrato. No quadro de um sistema de contrato, certos países incentivaram as suas caixas de seguro de doença a comportarem-se menos como financiadores passivos do que como compradores activos, constrangidos por um orçamento global. Nos casos em que a regulação pelo enquadramento e controlo predominava, os principais instrumentos utilizados foram: o controlo das tarifas e dos preços; o controlo das capacidades (número de camas e grandes equipamentos); e o controlo sobre os vencimentos e salários no sector público. Nos países de sistema integrado, os principais instrumentos utilizados foram o orçamento global e as medidas moderadoras dos vencimentos e salários. No concernente aos cuidados ambulatórios, a Espanha, os Países Baixos e o Reino Unido aplicavam já, no princípio do período considerado, o sistema de capitação para os doentes dos generalistas que relevavam do regime público. A Irlanda passou, durante este período, do pagamento por acto para a capitação relativamente os doentes dos generalistas que beneficiavam do seguro social e a Espanha passou da capitação para o salário em relação aos médicos de cuidados primários. A Alemanha adoptou a fórmula do orçamento global para a remuneração dos médicos depois de 1977. A Bélgica, em 1991, estendeu a fórmula do orçamento global (conservando o pagamento por acto) aos sectores do seu sistema a que ela ainda se não aplicava. Só a França continua a não ter um meio de limitar os montantes pagos aos médicos fora do sistema hospitalar. O volume dos actos médicos tinha continuado a aumentar antes de ser adoptada a fórmula do orçamento global, e isto, embora os países se tenham vigorosamente empenhado em travar a progressão dos honorários. O consumo de produtos farmacêuticos é um dos sectores em que as despesas aumentaram mais nos anos 80, nos sete países. Isto explica-se pela evolução respeitante aos medicamentos e não pela falta de travões efectivos às despesas ou aos volumes. A maior parte dos países tomou medidas de controlo dos preços e também instituiu listas limitativas que excluem certos medicamentos do reembolso. Tentativas, como as que foram feitas na Baviera, para incitar os médicos a prescreverem de forma mais económica não foram coroadas de êxito, aparentemente porque não havia mecanismos incentivadores dirigidos aos médicos considerados isoladamente. Em 1989, a Alemanha introduziu um sistema de preços de referência para os medicamentos relativamente aos quais existem muito bons produtos de substituição; foi seguida pelos Países Baixos, em 1991, e o Reino Unido anunciou a 234 sua intenção de introduzir um sistema de orçamentos de receitas indicativos para os generalistas. Foram os programas que visam o hospital que constituíram as reformas mais importantes. No princípio do período, só a Espanha, a Irlanda, e o Reino Unido dispunham de um orçamento global para os hospitais (quer ao nível do conjunto dos hospitais, quer por hospital), mas, durante a década, os quatro outros países passaram a adoptar a mesma orientação. O sistema do orçamento global não se aplica aos estabelecimentos hospitalares privados em França, e só se aplica a uma parte das despesas hospitalares na Bélgica. É de admitir que o sistema do orçamento global seja mais eficaz do que medidas de controlo incidindo unicamente sobre os preços ou sobre os volumes. Com efeito, quando os preços são fixos, pode-se contornar a medida aumentando os volumes e, quando os volumes são fixos, podem-se aumentar os preços. Com o orçamento global, os gestores ao nível local têm a liberdade de decidir como podem realizar economias. Além disso, é um sistema que parece funcionar. Uma melhoria regular da contenção dos custos, medida pela estabilização das despesas hospitalares reais, foi constatada nos quatro países que adoptaram a fórmula do orçamento global no decurso dos anos que se seguiram à introdução desta medida. Comparativamente, a aplicação da fórmula dos grupos homogéneos de diagnóstico (DRG), nos Estados Unidos, como método de financiamento dos hospitais, não provocou senão um breve abrandamento do crescimento das despesas hospitalares (Pauly, 1988). Uma análise econométrica das despesas de saúde per capita no conjunto dos países da OCDE tende a mostrar que a fórmula do orçamento global para o financiamento dos hospitais reduz o montante total das despesas de saúde à escala nacional em perto de 13%, sendo todas as outras condições iguais (Gerdtham et al., 1990). No que respeita aos cuidados de longa duração, o Reino Unido tinha aplicado o que, em última análise, era um sistema de reembolso sem montante limitativo, financiado pela segurança social, para os cuidados dispensados a pessoas idosas em centros de longa permanência. As despesas mais do que decuplicaram, em termos reais, no decurso de uma única década, o que constitui uma progressão muito mais rápida do que para os cuidados no domicílio que, manifestamente, eram a prioridade do governo. No final do período, este anunciou a sua intenção: de fixar um orçamento para esse dispositivo; de colocar esse orçamento sob o controlo das autoridades locais; de encorajar as autoridades a lançarem um programa de avaliação para determinarem se as necessidades das pessoas que precisam de uma assistência a longo prazo seriam melhor satisfeitas no domicílio ou em estabelecimento; de incitar a procurar cuidados tanto no sector privado como junto no sector público; finalmente, de favorecer a livre escolha dos consumidores. O orçamento global e outros meios utilizados para limitar as despesas podem ser condições necessárias para assegurar uma contenção duradoura das despesas, mas não 235 são suficientes. Uma política nacional resoluta é indispensável para tomar decisões quanto a orçamentos e a outros pagamentos a favor dos prestadores. Um modo único de financiamento, como existe nos sistemas públicos financiados pelo imposto, é uma condição necessária para conter as despesas de saúde. No entanto, a Alemanha e os Países Baixos mostraram, nos anos 80, que um governo resoluto podia controlar as despesas, mesmo num sistema que compreenda um grande número de pagadores, incluindo pagadores privados. Isto foi obtido nos Países Baixos por meio de uma intervenção central directa e na Alemanha por meio de negociações descentralizadas entre as caixas de doença e os prestadores, no quadro de um plano de acção concertada. O estudo econométrico acima citado (Gerdtham et al., 1990) indica que há uma relação entre a parte do financiamento público e a redução dos custos: um aumento de 1% da parte do financiamento público no total das despesas de saúde diminui as despesas per capita de 0,23%. O financiamento obrigatório parece conduzir tanto à contenção dos custos como à equidade. No entanto, o exemplo dos Países Baixos mostra que um governo resoluto pode actuar mesmo sobre as despesas de saúde voluntárias. CONTENÇÃO DAS DESPESAS NO SECTOR QUE RELEVA DE UM FINANCIAMENTO VOLUNTÁRIO Havia diferenças sensíveis na evolução da regulamentação dos seguros voluntários entre, por um lado, os países em que uma parte da população recorre ao seguro de doença voluntário para o totalidade ou parte dos cuidados médicos de base e, por outro, os países em que o seguro voluntário é estritamente complementar. Assim, os seguros privados, nos Países Baixos, foram cada vez mais regulamentados com a instituição de medidas de controlo sobre os prémios e, de uma certa forma, com a obrigação de acolher todas as pessoas que desejam segurar-se. Na Irlanda, o seguro voluntário está submetido a um monopólio que exerce uma disciplina cada vez mais rigorosa sobre os prestadores. Inversamente, os seguradores privados em situação de concorrência continuavam, praticamente, a não ser objecto de nenhuma regulamentação no Reino Unido, onde a cobertura pelo regime público é universal. Entre 1980 e 1988, os prémios médios aumentaram perto de 45%, em termos reais, na Irlanda e cerca de 90%, no Reino Unido – enquanto, ao mesmo tempo, o custo médio per capita dos cuidados hospitalares intensivos praticamente não variava, em termos reais, no Serviço Nacional de Saúde. Sem dúvida, os governos consideram que o “deixar andar” é a atitude apropriada quando o seguro voluntário só intervém a título de complemento. Sendo assim, certos indicadores levam a pensar que o mercado privado deveria, a prazo, a exemplo do que aconteceu nos sistemas públicos, afastarse do estrito sistema de reembolso. No Reino Unido, como nos Estados Unidos, verifica-se que a concorrência impele os seguradores a controlarem os prestadores, 236 através de dispositivos como os contratos preferenciais, os cuidados organizados e os inquéritos de utilização. EFICIÊNCIA MICROECONÓMICA, LIBERDADE DE ESCOLHA DO CONSUMIDOR E AUTONOMIA DOS PRESTADORES Uma das grandes conclusões que se pode tirar deste estudo é que a ineficiência microeconómica aparece, cada vez mais, como o problema fundamental do sector da saúde financiado por fundos públicos dos sete países, nomeadamente devido à sua incapacidade de conter as despesas. As ideias encaradas para reforçar a eficiência microeconómica diferem de um país para outro. Em linhas gerais, há, por um lado, os países que continuaram a depositar confiança nos mecanismos de enquadramento e controlo, o que implica, sendo caso disso, introduzir aperfeiçoamentos no sistema integrado, e, por outro lado, os que tentaram introduzir ou reforçar os mecanismos de regulamentação e de incitação de um mercado ou de um quase-mercado. Os sete países poderiam estar de acordo quanto à necessidade de uma maior garantia de qualidade e de uma melhor informação sobre os resultados e os custos no domínio da saúde. Problemas em aberto As preocupações em termos de eficiência eram bastante diferentes para cada um dos sete sistemas de saúde. Os dados disponíveis não permitem concluir que os sistemas diferem sob o ponto de vista da eficácia médica. Pôde-se observar, por exemplo, que a mortalidade perinatal baixou fortemente, mais ou menos nas mesmas proporções, nos sete países, no decurso dos anos 80. As afecções perinatais são afecções para as quais as indicações são claras, em regra geral. Em contrapartida, cada vez mais indicadores manifestam desvios inexplicáveis, entre países e no interior de um mesmo país, em relação às afecções para as quais as indicações são menos claras. É difícil pensar que a esses diferentes níveis de cuidados corresponde um mesmo nível de eficácia. Nos países que optaram pelos sistemas de reembolso ou de contrato, em que «o dinheiro segue o doente», receia-se, por vezes, que sejam prodigalizados cuidados inúteis e que haja uma procura induzida pelos prestadores. Receia-se também que a regulamentação tenha um peso excessivo – o que é, muitas vezes, a consequência involuntária das medidas de controlo dos custos quando os terceiros pagadores são relegados para um papel de pagadores passivos. Apesar destas dificuldades, os países que optaram por este tipo de dispositivo parecem proporcionar satisfação aos seus consumidores. Nos países que têm sistemas públicos integrados, em que «o dinheiro não segue o doente», começa-se a recear uma má qualidade dos serviços e sistemas de gestão 237 rígidos e ineficazes. Além disso, nestes países, os doentes estão geralmente menos satisfeitos. A remuneração fixa (sem concorrência) e o salariado para os generalistas e os especialistas redunda, por vezes, segundo parece, em consultas rápidas, pouco frequentes e em horários pouco práticos. Afigura-se também que há uma relação entre uma prática antiga de orçamento global hospitalar, sem qualquer elemento de remuneração ligado à actividade, e a existência de listas de espera e cuidados impessoais. Se bem que a Alemanha, a Bélgica, a França e os Países Baixos tenham actualmente instaurado a fórmula do orçamento global para os hospitais, nesses países, o dinheiro continua a «seguir o doente». A Bélgica e os Países Baixos continuam a pagar honorários aos médicos hospitalares. Em França, numerosas clínicas privadas oferecem uma cirurgia não vital aos segurados sociais, e tanto o médico como o estabelecimento são remunerados por acto. Na Alemanha, foi mantida uma certa relação entre o orçamento global e o volume de actividade. Soluções adoptadas A reforma mais rápida e mais espectacular foi a passagem, em 1991, de todo o sistema público de saúde da Alemanha Oriental (antes da reunificação) para um sistema de seguros sociais baseado no contrato, do tipo do que existia em todo o território alemão antes do fim da Segunda Guerra Mundial. Esta era uma escolha decisiva a favor do sistema do contrato para a Alemanha reunificada. Reformas mais progressivas, mas não menos importantes, foram efectuadas, ao mesmo tempo, nos Países Baixos e no Reino Unido. As reformas introduzidas no Reino Unido consistiram num afastamento do sistema público integrado e numa aproximação de uma versão do sistema público do contrato. As reformas realizadas nos Países Baixos consistiram em reforçar o sistema do contrato, mas ultrapassando-o pela introdução de uma concorrência entre os seguradores no quadro de um sistema de seguros sociais universal. Os Países Baixos como o Reino Unido tentaram deixar uma mais larga margem a sistemas de mercado organizado, auto-regulado, no domínio da saúde. A Alemanha tinha já mecanismos deste tipo e eles foram reforçados durante a década. Os três exemplos de mercados organizados aqui examinados referem-se todos a países que, à escala central, estão firmemente decididos a assegurar uma cobertura extensa, se não universal, das despesas de saúde pelo sector público, a assegurar a equidade da prestação de cuidados no sector público e a exercer um controlo de conjunto estrito sobre o nível das despesas de saúde. De facto, foi precisamente o rigor dos seus constrangimentos exteriores que permitiu a esses países introduzirem as liberdades do mercado nos seus sistemas financiados por fundos públicos. No 238 interior deste quadro geral, os três países considerados diferem sensivelmente, sob o ponto de vista das estruturas de mercado descentralizadas que instauraram ou estão em vias de instaurar. O sistema alemão (Gráfico 11.2) associa uma concorrência entre prestadores animada pelos consumidores e um monopólio bilateral, que implica a fixação de orçamentos globais para os prestadores pelas caixas de seguro de doença. Na Alemanha, existem numerosas caixas de seguro de doença que constituem efectivamente pequenos monopólios. Se bem que as prestações mínimas sejam as mesmas em todo o sistema, as contribuições variam largamente. O consumidor tem a liberdade de escolher entre os médicos de primeiro recurso, o que implica honorários transferíveis. Estes ajustam-se automaticamente à baixa, se o volume global aumenta, porque os orçamentos globais são negociados ao nível regional entre as associações de caixas de seguro de doença e as associações de médicos. Recentemente, a fixação dos preços dos produtos farmacêuticos foi tornada mais concorrencial. Os consumidores têm a liberdade de escolher, numa certa medida, entre os hospitais, e o orçamento dos hospitais é, até certo ponto, função do volume de actividade. No entanto, o que importa acima de tudo é que os orçamentos globais sejam fixados no quadro de negociações bilaterais entre monopólios, ao nível regional, entre as associações de caixas de seguro de doença e os hospitais. Elementos de concorrência ou uma concorrência potencial entre os hospitais foram introduzidos, através da melhoria das comparações de custos e da concessão às caixas de seguro de doença do direito de rescindirem os contratos. Não se sabe em que medida este direito será exercido. Há separação entre as caixas de seguro de doença e os prestadores, se bem que cerca de metade dos hospitais pertença ao sector público. De uma maneira geral, a liberdade de escolha dos consumidores é grande e as caixas de seguro de doença podem ser as porta-vozes dos consumidores. 239 Gráfico 11.2 - O novo sistema de saúde da Alemanha (sector financiado por fundos públicos) Os Países Baixos (Gráfico 11.3) deverão aplicar, durante vários anos, um sistema que institua uma concorrência entre os seguradores induzida pelos consumidores, ao mesmo tempo que uma concorrência entre os prestadores induzida pelos consumidores e pelos seguradores. Uma caixa central transformará as contribuições calculadas em função dos rendimentos, cobradas no quadro do seguro social, em prémios calculados em função dos riscos, pagos a seguradores independentes. Assim, os consumidores terão a possibilidade de escolher o seu segurador sem que a concorrência daí resultante se aparente com um sistema complexo de títulos de consumo. A fim de incitar os consumidores a terem em conta dos custos na escolha de um segurador, os prémios englobarão um elemento de solidariedade financeira. A liberdade de escolha reconhecida aos consumidores relativamente aos médicos de primeiro recurso implicará (pelo menos, à partida) que as remunerações fixas por doente, negociadas pelos seguradores com os médicos, sejam transferíveis. No que diz respeito ao mercado hospitalar, ele parece dever orientar-se para uma situação de concorrência (sendo possíveis reagrupamentos). Os hospitais que, na sua maior parte, são privados, gozam já de uma grande autonomia. É provável que fórmulas do tipo das redes de cuidados coordenados (HMO) venham a instalar-se. 240 Gráfico 11.3 - O novo sistema de saúde dos Países Baixos (sector financiado por fundos públicos) O Reino Unido (Gráfico 11.4) prevê instituir em vários anos uma versão do sistema público do contrato para os cuidados hospitalares. O sistema assentará numa separação entre os compradores, organismos responsáveis pela saúde ao nível dos distritos, financiados com base em montantes fixos ponderados, e os prestadores, hospitais em situação de concorrência, públicos e privados. Os hospitais públicos bem geridos serão encorajados a assumir o estatuto de fundações autónomas. O Reino Unido prevê também (exemplo único) confiar a certos médicos de primeiro recurso a gestão de uma parte dos fundos destinados aos hospitais, permitindo-lhes assim tornarem-se compradores activos em nome dos seus doentes. Ao mesmo tempo, será incentivada uma maior concorrência entre os generalistas. O facto de confiar a gestão de uma parte dos fundos aos generalistas e de introduzir a concorrência significará, concretamente, que certos consumidores terão, em parte, a liberdade de escolher o seu segurador no quadro do Serviço Nacional de Saúde. Neste novo sistema, o governo conservará uma responsabilidade directa de gestão operacional em relação aos compradores, organismos responsáveis pela saúde ao nível dos distritos (mas os generalistas que disporão de fundos serão independentes), e esforçar-se-á por instaurar uma regulação entre os prestadores, principalmente através de mecanismos da concorrência. O governo conservará, no entanto o controlo das decisões de investimento nas fundações e nos hospitais públicos. O que é (ou o que será) comum a todos estes sistemas é que os prestadores (e, no caso dos Países Baixos, os seguradores) são encorajados a satisfazerem os 241 consumidores na medida em que estes gozam de uma liberdade de escolha entre honorários, montantes fixos por doente ou prémios transferíveis. O dinheiro vem com o doente. Os compradores locais – organismos terceiros pagadores ou generalistas – podem tornar-se os porta-vozes dos consumidores e negociar, no plano da qualidade e dos custos, com prestadores em situação de concorrência para a obtenção de serviços financiados por orçamentos públicos limitados. Será preciso, portanto, encontrar fórmulas que permitam aos terceiros pagadores e aos médicos de primeiro recurso coordenarem as suas decisões – decisões de compra para os primeiros e de orientação para os segundos. Os compradores poderão também ajuizar do plano de distribuição dos cuidados (avaliação das necessidades relativas, sobretudo no caso de doenças crónicas), salvo nos Países Baixos, onde será provavelmente a caixa central que desempenhará esse papel. Gráfico 11.4 - O novo sistema de saúde do Reino Unido (sector financiado por fundos públicos) Nos três países, os governos tendem a basear os seus esforços de regulação mais em mecanismos de concorrência do que não em medidas de enquadramento e controlo. Um controlo macroeconómico rigoroso conjugado com a concorrência (ou com um monopólio bilateral) pode permitir aos governos manterem-se um pouco retirados. Os mercados organizados do tipo dos que foram descritos atrás deveriam dar uma maior liberdade de escolha aos consumidores e uma maior autonomia aos produtores; deveriam também melhorar a eficiência dos sistemas de saúde sem que sejam 242 sacrificados os objectivos gerais de contenção das despesas e de equidade. Estes dispositivos lançarão um desafio ao juízo peremptório formulado por Enthoven e Kronick (1989), segundo o qual «nenhum dos países que adoptaram a fórmula dos orçamentos globais no sector público encontrou o meio de favorecer a eficiência na organização e na prestação dos cuidados». No entanto, os mercados organizados no âmbito dos sistemas públicos de saúde são ainda relativamente novos. Subsistem interrogações sobre vários aspectos importantes, por exemplo: − é possível, como o Reino Unido o admite, obter as melhorias desejadas no plano da eficiência em quase-mercados, em que tanto os compradores como os fornecedores são organismos públicos? Como é que, por exemplo, os poderes públicos vão evitar os desacordos potenciais entre os compradores, descentralizados, e os fornecedores/investidores hospitalares, eles também descentralizados, sem serem levados a entregar-se a uma planificação pormenorizada e a avaliar os investimentos ou as decisões de compra? O sistema público do contrato, nesta versão, cederá o lugar ao sistema público integrado? − quais são as vantagens de uma situação de concorrência em comparação com uma situação de monopsónio entre organismos terceiros pagadores no sector público e, se se considerar o caso da Irlanda, no sector privado? − qual é o grau conveniente de concorrência entre prestadores? A ameaça da concorrência e as comparações com um valor de referência serão suficientes, quando há um monopólio da oferta? − qual é a melhor maneira de conciliar a liberdade de escolha do consumidor, a liberdade de escolha do médico de primeiro recurso e as negociações com os organismos terceiros no mercado dos serviços hospitalares? − em que medida os custos de transacção anularão as economias decorrentes da aplicação de mecanismos de incitação pelo mercado? − em que medida pode a caixa central estabelecer prémios ajustados em função do risco e regulamentações que permitam efectivamente desencorajar os seguradores de praticarem uma selecção dos riscos (uma «desnatagem») (Van de Ven, 1990)? O sistema Medicare, nos Estados Unidos, encontra-se confrontado com o mesmo problema: tem que definir um montante fixo ponderado por doente que permita aos beneficiários inscrever-se numa rede de cuidados coordenados (HMO) sem ter que recear uma selecção dos riscos. 243 − em que medida pode o sistema medir adequadamente os resultados e a qualidade dos cuidados, a fim de se assegurar de que a concorrência não funciona em detrimento dos resultados e da qualidade? − o mercado permitirá o nível de informação adequado ou os poderes públicos terão que intervir para exigirem a divulgação da informação e a transparência e para preencherem as lacunas? Como decorrerão vários anos antes que se sintam plenamente os efeitos das reformas introduzidas nos Países Baixos e no Reino Unido, é pouco provável que sejam dadas respostas incontestáveis a estas interrogações no futuro imediato. Bibliografia Culyer, A. J. (1989), «The Normative Economics of Health Care Finance and Provision», Oxford Review of Economic Policy, Vol. 5, nº 1. Enthoven, A. C. (1988), Theory and Practice of Managed Competition in Health Care Finance, Amesterdão. Enthoven, A. C. e Kronick, R. (1989), «A Consumer Choice Health Plan for the 1990s», New England Journal of Medicine, Vol. 320, nº 1 (1ªparte) e 2 (2ªparte). Gerdtham, U-G., Sogaard, J., Jönsson, B. e Andersson, F. (1990), «A Pooled Cross-Sectional Analysis of the Health Care Expenditures of the OECD Countries», documento apresentado por ocasião do Segundo Congresso Mundial sobre a Economia da Saúde, 10 a 14 Setembro, Zurique, Suíça. Pauly, M. V. (1988), «Efficiency, Equity and Costs in the US Health Care System», in American Health Care, What are the Lessons for Britain?, Institute of Economic Affairs, Health Unit, documento nº 5, Londres. Townsend, P. e Davidson, N. (1982), Inequalities in Health, Penguin. Van de Ven, W. P. M. M., (1983), «Effects of cost-sharing in Health Care», Effective Health Care, Vol. 1, nº 1. Van de Ven, W. P. M. M. e Van Vliet, R. C. J. A. (1990), «How Can We Prevent Cream Skimming in a Competitive Health Insurance Market?», documento apresentado por ocasião do Segundo Congresso Mundial sobre a Economia da Saúde, 10 a 14 Setembro, Zurique, Suíça. 244 Capítulo 12 CONCLUSÕES Um certo número de conclusões se extrai deste estudo: conclusões respeitantes aos problemas que conduziram à realização das reformas, conclusões respeitantes ao conteúdo das próprias reformas e aos seus resultados, e conclusões respeitantes às incertezas que subsistem. No entanto, é necessário evitar tirar daí recomendações firmes por várias razões: − se bem que os países fixem objectivos análogos aos seus sistemas de saúde, a importância relativa que atribuem a esses diferentes objectivos pode variar. − a maior parte dos sistemas de saúde assenta apenas num pequeno número de subsistemas comuns, o que facilita a comparação entre países. Mas não há dois países em que os subsistemas sejam combinados exactamente da mesma forma e podem existir diferentes jogos de interacções entre os diferentes subsistemas, de forma que quase se não podem transpor validamente as experiências. − a experiência técnica pode, certamente, transmitir-se de um país a outro, mas isso não tem quase nenhuma utilidade, se um país se encontrar confrontado com obstáculos políticos que tornem a mudança impossível. − algumas das reformas mais importantes que foram descritas, em especial as empreendidas nos Países Baixos e no Reino Unido, implicam a experimentação de novos mecanismos, cujos plenos efeitos não se farão sentir claramente senão após longos anos. As conclusões, mais uma vez, são apresentadas em função dos grandes objectivos fixados aos sistemas de saúde pelos responsáveis governamentais, tais como foram definidos no capítulo 11, e com base nos subsistemas predominantes de financiamento e de prestação dos cuidados descritos no capítulo 1. POSSIBILIDADES DE ACESSO SUFICIENTES E EQUITATIVAS E PROTECÇÃO DOS RENDIMENTOS O financiamento público continua a ser o modo de financiamento mais frequentemente utilizado para permitir o acesso aos cuidados médicos necessários à grande maioria dos indivíduos nos sete países considerados, se bem que alguns, aqui e ali, preconizem que se conceda um lugar mais importante ao seguro voluntário. Nenhum dos sete países reduziu a cobertura assegurada pelo sector público e dois dos países, a Espanha e os Países Baixos, instauraram, o primeiro, ou anunciaram, o 245 segundo, uma cobertura universal obrigatória. O seguro de doença voluntário tomou ou tendia a tomar um carácter cada vez mais complementar na maior parte dos sete países. A participação nas despesas do sistema público também permaneceu limitada ou muito limitada nos sete países. Podem-se avançar vários argumentos para explicar o apego dos países europeus ao princípio da solidariedade no domínio da saúde. Primeiro, um forte sentimento de altruísmo difundido no seio da população para com as pessoas doentes; a garantia de proporcionar cuidados em função das necessidades e não em função da capacidade de pagamento pode afigurar-se a melhor maneira de elevar a situação geral, sob o ponto de vista da saúde, para uma parte determinada de recursos consagrada às despesas de saúde. Isto não significa que os sistemas públicos tenham sempre chagado ao nível de equidade desejado do ponto de vista do financiamento dos cuidados ou do acesso aos cuidados no sistema público. Por exemplo, existem desvios no nível das contribuições exigidas para prestações análogas entre as caixas de seguro de doença na Alemanha e, em vários países, persistem disparidades nas possibilidades de acesso aos serviços para uma necessidade determinada. No entanto, essas disparidades são bem menores do que seriam em sistemas voluntários. Mais graves são as disparidades persistentes, que são difíceis de eliminar, no estado de saúde dos diferentes grupos socioeconómicos em todos os países. Os sistemas de saúde não podem, por si sós, eliminar essas diferenças. EFICIÊNCIA MACROECONÓMICA O financiamento público, universal ou quase universal, dos cuidados médicos implica duas consequências importantes. Em primeiro lugar, como não estão sensibilizados para as despesas, os consumidores são impelidos a procurar mais cuidados do que o que corresponderia ao nível óptimo e os prestadores são incitados a responder a esta procura, sobretudo se a sua remuneração variar em função do seu nível de actividade. Em segundo lugar, os poderes públicos são levados a desempenhar um papel moderador e a fixar o nível da maior parte das despesas de saúde. No exercício desta pesada responsabilidade, os poderes públicos encontram-se confrontados com duas dificuldades: a coligação dos interesses dos consumidores e dos produtores, que se opõe à moderação, e a real dificuldade de saber qual é o nível apropriado das despesas de saúde. Os governos dos sete países conseguiram todos dominar melhor as despesas no final dos anos 70 e nos anos 80. A parte do PIB afecta às despesas de saúde aumentou mais lentamente, cessou de aumentar ou, como no caso da Irlanda, diminuiu. Os progressos foram particularmente sensíveis nos dois países que dispõem de caixas de seguro de doença e se apoiam essencialmente no sistema público do contrato 246 (Alemanha e Países Baixos), assim como nos três países que optaram por um financiamento pelos imposto e por um sistema no essencial integrado (Irlanda, Espanha e Reino Unido). Os progressos foram um pouco menos visíveis nos dois países que continuam, numa certa medida, a aplicar o sistema do reembolso público (Bélgica e França). Afigura-se muito nitidamente que esta contenção das despesas foi obtida não tanto por modestos aumentos do nível da participação nos custos (sendo o objectivo de contenção das despesas, de qualquer modo, por vezes, neutralizado pelos seguros voluntários) como por disposições que actuam directamente sobre a oferta, quer os terceiros pagadores tenham endurecido o seu domínio, por exemplo instituindo o orçamento global, quer uma regulamentação central directa tenha sido aplicada em matéria de honorários e de tarifas. A fórmula do orçamento global foi introduzida em certos sectores dos sistemas belga e francês durante o período estudado, diminuindo correlativamente a parte dos reembolsos não limitativos, induzidos pela procura, a favor dos doentes. Os Países Baixos, para conterem as despesas, basearam-se, ao mesmo tempo, no sistema do orçamento global para os hospitais e numa regulamentação central directa da actividade dos prestadores. Estas observações levam a concluir que não é surpreendente que o sistema de reembolso público seja menos eficaz para assegurar a contenção das despesas do que o sistema público do contrato ou do que o sistema integrado. A mesma observação vale para as versões voluntárias destes sistemas nos Estados Unidos: fórmulas de seguros privados em relação a diversos tipos de redes de cuidados (HMO). E, de facto, se a Bélgica e a França continuam a aplicar alguns dos princípios do sistema do reembolso, recorrem, cada vez mais, às negociações directas entre as caixas de seguro de doença e os prestadores (sistema do contrato) ou, no caso dos hospitais públicos em França, ao controlo directo das despesas, pelo facto de o Estado ter o estatuto de proprietário (sistema integrado). EFICIÊNCIA MICROECONÓMICA, LIBERDADE DE ESCOLHA DOS CONSUMIDORES E AUTONOMIA DOS PRESTADORES O objectivo da eficiência microeconómica no domínio da saúde engloba nomeadamente, a ideia de melhorar a eficiência estática, o que significa que se trata de obter mais pelo mesmo montante (sendo o valor a simultaneamente, o estado de saúde da população e o grau de satisfação em relação ao processo de cuidados ponderado por considerações de bem-estar social). Há também uma noção de eficiência dinâmica: trata-se então de melhorias introduzidas, no decurso do tempo, nas técnicas médicas e nas técnicas de organização que permitem elevar a produtividade de recursos humanos e materiais raros. A prazo, os progressos resultantes da mudança tecnológica deveriam prevalecer sobre os resultantes das melhorias registadas no plano da eficiência estática. 247 Saber como atingir estes objectivos microeconómicos é um aspecto sobre o qual há mais dificilmente acordo do que acerca da maneira de atingir os objectivos atrás evocados quanto à cobertura assegurada pelos sistemas e à contenção das despesas, e isto por várias razões: − faltam ainda bons instrumentos para medir os resultados e a qualidade dos cuidados, donde a dificuldade de medir a eficiência; − continuam a divergir os pontos de vista no que toca à melhor maneira de levar os prestadores de cuidados, em particular os médicos, a terem um comportamento eficaz em relação aos custos; − como foi assinalado atrás, os resultados de importantes reformas tendentes principalmente a resolver os problemas da eficiência, que foram realizadas nos Países Baixos e no Reino Unido, ainda não são conhecidos. Segundo o capítulo anterior, o sistema público não dá sempre uma inteira satisfação do ponto de vista do desempenho microeconómico. Embora possa haver e haja, efectivamente, muitas vezes liberdade de escolha para o doente (sob conselho médico), quando o hospital público é financiado por um orçamento global e os médicos são assalariados, o exercício desta liberdade de escolha não implica qualquer gratificação financeira para os prestadores que são avaliados, em relação aos que não o são. Por outras palavras, o dinheiro não segue o doente. Verifica-se o mesmo tipo de crítica na fórmula da remuneração por capitação, conjugada com medidas limitativas da concorrência. O sistema integrado parece dar lugar a listas de espera e a levar os doentes a serem suplicantes e reconhecidos, em vez de os transformar em verdadeiros consumidores. Se este sistema não parece desencorajar a inovação médica – na medida em que os médicos conservem a sua liberdade clínica - parece, em contrapartida, desencorajar a inovação no plano da organização. Recentemente foram tomadas medidas que vão, contudo, no sentido de um abandono do sistema anterior, não só no Reino Unido e na Alemanha Oriental, mas em outros países da Europa Central e Oriental, na Suécia e na ex-URSS. As reformas empreendidas no Reino Unido abrangem vários aspectos: reforço da concorrência entre os generalistas animada pelos consumidores; aumento da responsabilidade financeira dos grandes consultórios de generalistas, no respeitante aos cuidados hospitalares dos seus doentes; separação da função de compra de cuidados hospitalares pelas autoridades responsáveis pela saúde à escala local da função de prestação de cuidados; possibilidade dada aos hospitais públicos bem geridos de se tornarem autónomos; e incitação dos hospitais privados a entrarem em concorrência para a obtenção de fundos públicos. Desde que sejam celebrados contratos adaptados, estas reformas favorecerão o aparecimento de um mercado ou de um quase-mercado de cuidados hospitalares em que o dinheiro seguirá o doente (cuja escolha é guiada pelo generalista). Isso implica orientar-se para o sistema público do 248 contrato no mercado hospitalar, mesmo com um pequeno número de hospitais independentes, pelo menos ao princípio. São decepcionantes, em vários países, as fórmulas de regulação dos cuidados pelo enquadramento e pelo controlo. O recurso aos mecanismos de regulação pelo enquadramento e pelo controlo inscreve-se, em certos países, no quadro do sistema integrado e, noutros, resulta das medidas de controlo das despesas aplicadas no quadro do sistema público do reembolso e do sistema de contrato, que deixam funcionar os princípios do mercado. Os sistemas públicos integrados resistem mal, também, a uma tendência para a centralização, embora se faça um esforço para delegar o poder de gestão nas autoridades responsáveis pela saúde pública à escala local. No entanto, a experiência alemã leva a pensar que o sistema público do contrato permite deixar uma larga margem à auto-regulação no quadro de uma política central firme de controlo das despesas. Com efeito, pode-se estabelecer uma relação de contrapoder entre as caixas de seguro de doença locais e os prestadores locais. As reformas empreendidas no Reino Unido e nos Países Baixos permitem esperar o mesmo grau de auto-regulação, através dos mecanismos da concorrência. Convém sublinhar que os poderes públicos deverão sempre fixar o quadro das despesas e regular a política dos compradores públicos assim como o funcionamento do mercado. O objectivo é permitir aos poderes públicos afastarem-se um pouco e não renunciarem completamente a assumir as suas responsabilidades. CONJUGAR EFICIÊNCIA E EQUIDADE EM MERCADOS DE PRESTADORES Ressalta claramente do que precede que o sistema público de contrato apresenta mais aspectos positivos do que o sistema público de reembolso ou que o sistema público integrado. O sistema de reembolso não comporta mecanismos satisfatórios de contenção dos custos, a menos que se encarem níveis inaceitáveis de participação nos custos. O sistema integrado não incita (financeiramente) a procurar a eficiência microeconómica, porque o dinheiro «não segue o doente». Só o sistema da contrato convém, simultaneamente, para a procura de eficiência macroeconómica e para a procura da eficiência microeconómica. Além disso, o sistema de contrato parece prestar-se melhor à auto-regulação e assegurar melhor uma autonomia satisfatória dos prestadores do que os dois outros sistemas. Nestas condições, não é surpreendente que haja aparentemente uma certa convergência nos sete países, em direcção ao sistema do contrato. A Bélgica afastouse do sistema público do reembolso para se aproximar do sistema público do contrato. Espera-se que os Países Baixos reduzam a margem deixada aos mecanismos de reembolso voluntário. O Reino Unido e os Länder da Alemanha oriental afastaram-se do sistema integrado para se aproximarem do sistema do contrato. 249 As reformas fazem aparecer novas variantes do sistema de convenção. Quando se trata dos prestadores de primeiro recurso, é normal que os terceiros pagadores desempenhem um papel relativamente passivo, contentando-se com tornar as coisas possíveis e deixar os consumidores jogar na concorrência. Resta saber é melhor remunerar os médicos de cuidados primários por capitação ou por acto, ou segundo uma forma que associe as duas modalidades, como no Reino Unido. No que diz respeito aos cuidados hospitalares, é possível uma maior escolha. O terceiro pagador pode ser um segurador público ou quase público em situação de monopólio, como uma caixa de seguro de doença, ou então o prestador de cuidados primários que dá acesso aos cuidados hospitalares, como, no Reino Unido, os generalistas a que é conferido o poder de afectar fundos destinados aos hospitais. Quando o organismo terceiro pagador para os cuidados hospitalares não é o médico que dispensa cuidados primários, este organismo pode ser um financiador relativamente passivo, que segue as decisões de orientação dos prestadores de cuidados primários, mais do que desempenha um papel motor na matéria, ou então um comprador relativamente activo. Esta última atitude parece particularmente adequada quando se põe a questão de saber de que modo convém repartir as despesas públicas entre os grandes grupos de doentes – por exemplo, entre os doentes que têm necessidade de cuidados hospitalares urgentes e os que têm necessidade de cuidados hospitalares de longa duração. É preciso decidir como é que o orçamento global hospitalar se conjuga com um sistema de remuneração ligado à actividade. É preciso também determinar se os terceiros pagadores públicos restringem o contrato aos hospitais públicos, criando um mercado «interno» (Enthoven e Kronick, 1985); se os hospitais se tornam ou continuam independentes; ou se se encaram hospitais de diferentes tipos, como no sistema que está a ser instaurado no Reino Unido. É demasiado cedo para dizer como funcionará a concorrência, concretamente, nos sistemas em que, assim, o sector público é parte interessada de ambos os lados do mercado. Este estudo permite tirar uma outra conclusão. Cada vez são mais numerosos os exemplos de fórmulas «mistas» de remuneração dos prestadores, no quadro de sistemas públicos de contrato. As fórmulas de remuneração «mistas» associam um limite máximo global para as despesas a gratificações concedidas a título individual aos prestadores em função da sua produtividade. Pode-se citar um certo número de exemplos: − capitação e concorrência (generalistas na Irlanda, nos Países Baixos e no Reino Unido); − orçamento global e pagamento por acto (médicos na Alemanha); − orçamento global e contratos que tomam em conta o volume de actividade (hospitais na Alemanha e no Reino Unido). 250 Estes sistemas de remuneração mistos podem transmitir sinais aos prestadores, tanto no respeitante às prestações como no respeitante aos constrangimentos de custo. É interessante notar que, segundo três autores que se esforçaram por pôr em evidencia as características teóricas de sistemas óptimos de pagamento dos serviços de saúde nos Estados Unidos, os sistemas de pagamento que asseguram o equilíbrio desejado entre a protecção dos consumidores em relação ao risco financeiro, e a contenção dos custos caracterizam-se por uma cobertura de seguro generosa e por incitações financeiras a que os prestadores reduzam as despesas. Afigura-se que os mecanismos incentivadores financeiros mais eficazes dirigidos aos prestadores, são «os sistemas mistos em que uma parte do pagamento é prospectiva e outra parte é baseada nos custos» (Ellis e McGuire, 1986). O sistema pode também «associar a capitação e o reembolso parcial das despesas suportadas pelo prestador» (Selden, 1990). Por outro lado, as políticas centradas na oferta são o instrumento a privilegiar para conseguir conter as despesas. «Não há nunca reembolso baseado nas despesas num sistema óptimo de pagamento dos cuidados de saúde» (Ellis e McGuire, 1990). Para assegurar convenientemente os objectivos de equidade e de eficiência num sistema de contrato em parte auto-regulado, é desejável o apoiar-se numa caixa central para operar uma compensação das taxas de contribuição (se a fonte de financiamento não for o imposto) e atribuir a organismos terceiros pagadores descentralizados, orçamentos globais calculados em função dos riscos. Esses orçamentos deveriam ser estabelecidos em função da população de que se ocupam os organismos pagadores, sendo feita uma ponderação para tomar em conta factores como a estrutura por idades e a morbilidade (ou a mortalidade) relativa. Talvez fosse também desejável que os organismos terceiros pagadores estabelecessem orçamentos de compra para diferentes grupos de necessidades na população que eles cobrem e se comportassem como «compradores» activos em nome desses grupos. É um exercício interessante tentar estabelecer a lista de características ideais do sistema público de contrato em parte auto-regulado ou do mercado público de prestadores. Como é evidente, um tal sistema não existe, na realidade, actualmente em nenhum dos sete países. A fase de experimentação e de afinamento ainda não está terminada, em especial no Reino Unido. No entanto, todas as características essenciais parecem ter sido já ensaiadas em um ou vários dos sete países considerados, embora não no mesmo momento nem no mesmo lugar: − cobertura pública universal e seguro voluntário complementar (Bélgica, França, Reino Unido); − controlo dos poderes públicos sobre a massa total das despesas públicas de saúde (Alemanha, Países Baixos, Reino Unido); 251 − caixa central para atribuir orçamentos calculados em função dos riscos a organismos terceiros pagadores descentralizados, públicos, em situação de monopsónio (Bélgica, Reino Unido); − organismos terceiros pagadores descentralizados, encarregados de estabelecer orçamentos para diferentes grupos de necessidades (Reino Unido); − separação entre «compradores» descentralizados e prestadores (Alemanha); − concorrência, animada pelos consumidores entre prestadores públicos e privados (França); − contrato de orçamento global entre «compradores» e prestadores que permita ao dinheiro seguir o doente (Alemanha); − elevado grau de auto-regulação pelos organismos terceiros pagadores e pelos prestadores (Alemanha). O que se é tentado a dizer aqui é que instaurar um mercado de prestadores no quadro do sistema público de contrato não é uma estratégia de alto risco, porque a maior parte das componentes deste sistema, se não todas, foram já testadas num país ou noutro. CONJUGAR EFICIÊNCIA E EQUIDADE, AO MESMO TEMPO NOS MERCADOS DE SEGURADORES E NOS MERCADOS DE PRESTADORES As reformas efectuadas nos Países Baixos vão para além da instituição de mercados organizados de prestadores, visto que criam, além disso, mercados de seguro de doença (salvo, talvez, para os cuidados a longo prazo), com uma concorrência animada pelos consumidores. Um mecanismo um pouco análogo é actualmente aplicado no Reino Unido, onde uma parte do orçamento dos hospitais de relativos a doenças graves e patologias graves é atribuída a grandes grupos de generalistas em concorrência. Os três regimes públicos descritos no princípio deste capítulo não dão conta convenientemente destes dispositivos. De facto, o sistema neerlandês (gráfico 11.3) deve ser considerado como um oitavo sistema a juntar à lista dos sete sistemas diferenciados no capítulo 1. Trata-se, de certo modo, de um sistema complexo de títulos de consumo no domínio do seguro de doença. Além disso, podese notar que serve um novo objectivo, a saber, a autonomia dos seguradores. Neste sentido, alarga os mecanismos de auto-regulação largamente para além dos limites do mercado de prestadores. Este sistema permite, em princípio, aos consumidores escolherem entre os três sistemas voluntários de financiamento e de prestação dos cuidados apresentados no capítulo 1, no quadro de um sistema de seguro de doença obrigatório. É o mercado que decidirá entre a fórmula do reembolso, a fórmula do contrato e o sistema integrado. 252 Poder-se-ia dizer que o sistema neerlandês faz intervir três novas componenteschave a acrescentar à lista das características do mercado de prestadores descrita atrás: − caixa central encarregada de financiar prémios de seguro em função do risco para cuidados relativos a doenças graves e patologias graves ; − participação negociável dos indivíduos no financiamento dos prémios; − concorrência induzida pelos consumidores entre os diferentes seguradores. A última destas componentes foi largamente posta à prova, não só nos Estados Unidos, onde os dispositivos que permitem aos doentes escolher entre prestações de seguro e uma rede de cuidados (HMO), no âmbito do Medicare, são muito semelhantes aos dispositivos em que assenta o sistema neerlandês, mas também, num passado recente e menos recente, nos Países Baixos. Em contrapartida, as duas primeiras componentes foram relativamente pouco experimentadas. Se o ajustamento dos prémios aos riscos não for satisfatório, os seguradores serão fortemente incitados a praticar a «desnatagem». Dito por outras palavras, serão incitados a fazer concorrência uns aos outros, não tornando-se mais eficazes, mas segurando os indivíduos de boa saúde que apresentam poucos riscos. E poder-se-ia imaginar que a fracção negociável do prémio possa ter um efeito perverso e não desejado ao permitir aos consumidores de elevados rendimentos desviarem a seu favor os recursos de saúde, em detrimento dos consumidores com baixos rendimentos. Um juízo pessimista foi feito, recentemente, nos Estados Unidos, sobre os sistemas do tipo neerlandês: «Pesquisas extensas consagradas a Medicare e a dispositivos privados não permitiram pôr em evidência um meio fiável de medir e de corrigir a selecção dos riscos em proporções suficientes para permitir à teoria dos dominós funcionar» (Jones, 1990). Por «teoria dos dominós», Jones entende uma escolha consciente em termos de custos, por parte dos seguradores, que implique uma escolha igualmente consciente, em termos de custos, por parte dos prestadores. No entanto, pensa-se em novas disposições para resolver o problema da «desnatagem», disposições que conjuguem: um ajustamento em função dos riscos; uma partilha dos riscos entre os seguradores e a caixa central; e regulamentações favoráveis à concorrência (Van de Ven, 1990). Os esforços intensos que são actualmente desenvolvidos nos Estados Unidos, nos Países Baixos e no Reino Unido para resolver este problema deveriam permitir conceber um mercado de seguro de doença de molde a satisfazer, ao mesmo tempo, os objectivos de equidade e de eficiência. 253 EPÍLOGO Parece haver convergência, em muitos aspectos, entre os sete países quanto à suas políticas de saúde e às suas instituições. Dão testemunho disso: a tendência persistente para assegurar uma cobertura universal pelos regimes públicos; o reforço dos controlos exercidos pelos poderes públicos sobre o conjunto das despesas de saúde; a adopção, em todos os países, da fórmula do orçamento global nos mercados hospitalares; e a tendência para se orientar em direcção ao sistema do contrato observada em vários países. Em contrapartida, há divergência sobre a questão da regulamentação. Enquanto, no princípio dos anos 80, os Países Baixos e o Reino Unido tinham seguido o mesmo caminho que a Alemanha, deixando mais larga margem à auto-regulação. Em relação a esses três países, poder-se-ia dizer que eles experimentam uma nova divisão do trabalho entre os poderes públicos e o mercado para a regulamentação dos sistemas de saúde. O papel dos poderes públicos consistirá em: definir o nível da maior parte das despesas de saúde; garantir uma cobertura universal ou praticamente universal das despesas de saúde; responsabilizar-se pelos objectivos de equidade e de distribuição; enunciar as regras que regem o funcionamento do mercado; e velar por que a informação seja suficiente e transparente. A responsabilidade do mercado estender-se-á a todos os outros aspectos respeitantes ao financiamento e à prestação de cuidados à escala local. Estes mercados organizados representam uma nova tentativa para corresponder aos objectivos de adequação, de equidade e de eficiência das políticas de saúde evocadas no início deste relatório. No entanto, são inevitáveis certas arbitragens entre a preocupação financeira e a equidade, por exemplo, ou ainda entre a contenção dos custos e a liberdade de escolha. Tudo o que se pode esperar é que, melhorando a produtividade dos sistemas de saúde, as reformas efectuadas tornem essas arbitragens menos dolorosas. Além disso, certos problemas difíceis de resolver persistem, em especial no domínio da informação. Os Países Baixos e o Reino Unido estão embaraçados pelo facto de não terem um método satisfatório para ajustar os pagamentos fixos por doente ou os prémios de seguro em função do risco. Os sete países, sem excepção, não têm as informações requeridas sobre os resultados marginais das despesas de saúde, a fim de apoiarem as decisões delicadas que os governos têm que tomar no respeitante ao nível das despesas públicas de saúde. E, o que é mais grave ainda, os países da OCDE não têm bons instrumentos para medir os resultados obtidos no plano da saúde, assim como a qualidade dos cuidados, embora haja sinais animadores de progresso. 254 TRABALHOS ULTERIORES Os resultados deste estudo levam a pensar que são necessários trabalhos mais amplos. Os assuntos a que a OCDE poderia utilmente consagrar-se são: − um acompanhamento aprofundado das grandes reformas realizadas recentemente nos Países Baixos e no Reino Unido; − uma análise e uma avaliação das reformas dos sistemas de saúde doutros países da OCDE; − comparações internacionais mais pormenorizadas entre subfunções dos sistemas de saúde, em especial hospitais, produtos farmacêuticos, cuidados a longo prazo e cuidados dentários; − uma análise comparativa das diversas formas de decidir quanto à repartição dos fundos públicos entre os diferentes grupos de necessidades; − o estudo das vantagens e inconvenientes que há em encorajar a concorrência dos prestadores, simultaneamente, quanto aos preços e quanto à qualidade; − uma reflexão aprofundada sobre o assunto, relativamente descurado, das comparações internacionais entre os métodos utilizados para financiar e planificar os investimentos dos hospitais, assim como entre os mecanismos conducentes às decisões de encerramento; − um reforço da cooperação entre os países da OCDE, para atenuar as insuficiências no domínio da informação atrás assinaladas. Bibliografia Blendon. R. J., Leitman, R., Morrison, I. e Donelan, K. (1990), «Satisfaction with Health Systems in Ten Nations», Health Affairs, Verão. Ellis, R. P. e McGuire, T. G. (1986), «Provider Behaviour under Prospective Reimbursement», Journal of Health Economics, 5. Ellis, R. P. e McGuire, T. G. (1990), «Optimal Payment Systems for Health Services», Journal of Health Economics, 9, pp. 375-396. Enthoven, A. C. e Kronick, R. (1985), Reflections on the Management of the National Health Service, Nuffield Provincial Hospitals Trust. Enthoven. A. C. e Kronick, R. (1989), «A Consumer Choice Health Plan for the 1990s», New England Journal of Medicine, Vol. 320 nº 1 (Parte 1) e 2 (Parte 2). Jones, S. B. (1990), «Multiple Choice Health Insurance: The Lessons and Challenge to Private Insurers», Inquiry, 27, Verão 1990. 255 Selden, T. M. (1990), «A Model of Capitation», Journal of Health Economics, 9, pp. 397409. Van de Ven, W. P. M. M. (1990), «How can we prevent cream skimming in a competitive health insurance market?», documento apresentado ao Segundo Congresso Mundial de Economia da Saúde, Zurique, Setembro. 256