CONSELHO ECONÓMICO E SOCIAL
A REFORMA
DOS SISTEMAS DE SAÚDE
Análise Comparada
de Sete Países da OCDE
TRADUÇÃO PORTUGUESA A PARTIR
DA VERSÃO OFICIAL DESTA PUBLICAÇÃO
DE QUE A OCDE É EDITOR ORIGINAL
• LISBOA •
CONSELHO ECONÓMICO E SOCIAL
A REFORMA
DOS SISTEMAS DE SAÚDE
Análise Comparada
de Sete Países da OCDE
TRADUÇÃO PARA PORTUGUÊS A PARTIR
DE TEXTOS EM FRANCÊS E INGLÊS,
VERSÕES OFICIAIS DESTA PUBLICAÇÃO
ORGANIZAÇÃO DE COOPERAÇÃO
E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICOS
ESTUDOS DE POLÍTICA DE SAÚDE, N.º 2
2
ORGANIZAÇÃO DE COOPERAÇÃO
E DE DESENVOLVIMENTO ECONÓMICOS
Por força do Artigo 1º da Convenção assinada em 14 de Dezembro de 1960, em Paris, e
que entrou em vigor em 30 de Setembro de 1961, a Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Económicos (OCDE) tem por objectivo promover políticas que visem:
 realizar a mais forte expansão da economia e do emprego e uma progressão do nível de
vida nos países Membros, mantendo a estabilidade financeira, e contribuir assim para o
desenvolvimento da economia mundial;
 contribuir para uma sã expansão económica nos países Membros, assim como nos
países não membros em vias de desenvolvimento económico;
 contribuir para a expansão do comércio mundial numa base multilateral e não
discriminatória em conformidade com as obrigações internacionais.
Os países Membros originários da OCDE são: a Alemanha, a Áustria, a Bélgica, o Canadá,
a Dinamarca, a Espanha, os Estados Unidos, a França, a Grécia, a Irlanda, a Islândia, a Itália,
o Luxemburgo, a Noruega, os Países-Baixos, Portugal, o Reino Unido, a Suécia, a Suiça e a
Turquia. Os países seguintes tornaram-se ulteriormente Membros por adesão nas datas a
seguir indicadas: o Japão (28 de Abril de 1964), a Finlândia (28 de Janeiro de 1969), a
Austrália (7 de Junho de 1971) e a Nova-Zelândia (29 de Maio de 1973). A Comissão das
Comunidades Europeias participa nos trabalhos da OCDE (artigo 13 de Convenção da
OCDE).
Também disponível em inglês com o título:
THE REFORM OF THE HEALTH CARE
A COMPARATIVE ANALYSIS OF SEVEN OECD COUNTRIES
© OCDE 1992
Os pedidos de reprodução ou de tradução totais ou parciais desta publicação
devem ser dirigidos ao:
Director do Serviço das Publicações, OCDE
2, rue André-Pascal, 75775 PARIS CEDEX 16, FRANÇA
3
A edição desta obra foi publicada pela OCDE – Organização de Cooperação e de
Desenvolvimento Económicos, Paris, sob o título em francês: La reforme dês systèmes de
santé: Analyse comparée de sept pays de l’OCDE.
Traduzido e reproduzido de acordo com autorização.
Esta tradução © é do Conselho Económico e Social, 1995. Tanto a tradução como a edição
destes documentos foram executados sob a estrita responsabilidade do Conselho Económico e
Social.
Edição: Conselho Económico e Social
Tradução e Revisão: Dra. Maria da Conceição Tavares da Silva
Tiragem: 2500 exemplares
Depósito Legal N.º 89.084/95
ISBN 972-96034-9-9
Execução gráfica: Antunes & Amílcar, Lda.
Acabado de imprimir em Novembro de 1995
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PREÂMBULO
Para atingir os seus objectivos, a maior parte dos governos recorre a reformas. Os
responsáveis pela elaboração das políticas não prevêem, e de facto não podem prever,
a evolução de sistemas muito complexos porque o meio envolvente evolui de maneira
imprevisível.
Nos sistemas de saúde, como noutros sistemas de resto, as reformas sucedem-se
constantemente. Porquê então, nestas condições, consagrar-lhes um estudo?
As reformas das políticas - aplicadas ou previstas - nestes últimos cinco anos
ultrapassaram, em ambição e em alcance, as dos vinte ou trinta anos precedentes que
foram, contudo, muito importantes, de tal modo o caminho que conduz ao acesso
universal aos cuidados e a um financiamento equilibrado está semeado de ciladas. Os
sistemas de prestação dos cuidados tiveram que se adaptar às tecnologias que se
tornam omnipresentes à evolução igualmente rápida da demografia médica. A partilha
das responsabilidades entre sectores público e privado conheceu tensões, mas, no
conjunto, os sistemas de saúde dos países da OCDE saíram-se bastante bem.
Há, contudo, uma coisa que é previsível, a mudança. Qualquer problema novo gera
tensões. É portanto, necessário dar aos sistemas um novo fôlego e criar as condições
propícias a uma melhoria das normas de qualidade.
No domínio da saúde, como noutros, a OCDE desempenha um papel permanente
de observatório das políticas. Está em curso uma análise das principais reformas sob
os auspícios do Grupo de Trabalho sobre a Política Social. O estudo que se segue é o
resultado da primeira fase dos trabalhos. Incide sobre sete países da Europa:
Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Irlanda, Países Baixos e Reino Unido. A
segunda fase será consagrada a outros países.
Segundo a análise, todos os Estados Membros estão confrontados
aproximadamente com os mesmos problemas de gestão dos seus sistemas de saúde, o
que era previsível. Mas o que é mais surpreendente é a convergência dos objectivos
prosseguidos, a semelhança das soluções colocadas para os atingir, e isto apesar da
diversidade das culturas e do carácter peculiar das instituições nacionais. Convém
sublinhar que esta convergência se produziu sem concertação internacional prévia.
Os países aqui estudados recorreram todos a experiências centradas sobre temas
comuns e foram constrangidos pela austeridade orçamental.
Este relatório, preparado em 1989-1990, deve-se a Jeremy Hurst, Consultor do
Ministério da Saúde, Reino Unido. Jeremy Hurst agradece aos numerosos peritos,
funcionários, investigadores e a todas as pessoas que lhe forneceram relatórios e
5
informações e que lhe apresentaram os seus comentários sobre as versões anteriores.
O secretariado da OCDE inclui as principais alterações ocorridas em 1991 e 1992.
Este volume é publicado sob a responsabilidade do Secretário Geral da OCDE.
T. Y.Alexander
Director da Educação, do Emprego,
do Trabalho e dos Assuntos Sociais
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Índice
Resumo
Glossário
Capítulo 1.
Capítulo 2.
Introdução e principais questões
Subsistemas de financiamento e de prestação dos cuidados
médicos
8
12
18
28
A REFORMA DOS SISTEMAS DE SAÚDE:
Capítulo 3.
Capítulo 4.
Capítulo 5.
Capítulo 6.
Capítulo 7.
Capítulo 8.
Capítulo 9.
Bélgica
França
Alemanha
Irlanda
Países Baixos
Espanha
Reino Unido
45
68
89
121
146
173
190
ANÁLISE DOS SETE SISTEMAS:
Capítulo 10. Expansão e funcionamento dos sete sistemas de saúde
Capítulo 11. Comparações e avaliação
Capítulo 12. Conclusões
7
222
230
247
RESUMO
O financiamento e a prestação dos serviços de saúde continuam a suscitar
problemas aos países Membros da OCDE. Variáveis dum país para outro, esses
problemas são nomeadamente os seguintes:
– persistência de lacunas no acesso aos serviços e na protecção dos
rendimentos quando se tornam necessários cuidados médicos;
– aumento demasiado rápido das despesas de saúde; e
– inquietações quanto à eficácia e aos resultados.
Estes problemas estão em parte ligados a fenómenos – nomeadamente, a
evolução demográfica e tecnológica – que escapam, no essencial, ao controlo dos
poderes públicos. No entanto, resultam até certo ponto, de insuficiências que é
possível remediar agindo sobre o modo de financiamento, de pagamento e de
regulação dos sistemas de saúde.
Este relatório é um estudo comparativo das reformas dos sistemas de saúde
empreendidas nos anos 80 em sete países da OCDE: Alemanha, Bélgica, Espanha,
França, Irlanda, Países Baixos e Reino Unido. Se este estudo se centra sobre as
reformas, é porque, em período de reforma os responsáveis governamentais se
interrogam mais sobre os objectivos dos sistemas de saúde, sobre os problemas com
que se confrontam assim como sobre as soluções mais adequadas.
Parece difícil, à primeira vista, fazer comparações entre estes sete países. Os
modos de financiamento e de prestação dos cuidados médicos são neles muito
diferentes. No entanto, observando melhor, apercebemo-nos de que estes sistemas
assentam todos sobre alguns subsistemas, combinados de maneira diferente, que se
encontram com regularidade nestes países e noutros países da OCDE. Além disso,
estes sistemas são em geral dominados por apenas um ou dois subsistemas.
Posto de lado o caso do pagamento directo pelo doente, podem-se identificar seis
grandes subsistemas que implicam a intervenção duma terceira entidade pagadora.
Existem dois grandes modos de financiamento possíveis no caso da terceira entidade
pagadora:
i) financiamento por contribuições voluntárias (ou de regime privado); e
ii) financiamento por contribuições obrigatórias (ou de regime público) ou
pelo imposto.
No que diz respeito ao modo de prestação, a terceira entidade pagadora pode
recorrer a três fórmulas:
a) reembolso ao doente das despesas médicas feitas (indemnizações de
seguro) - não existe nenhum vínculo entre o segurador e o prestador de
cuidados;
8
b) contratos directos com os prestadores, muitas vezes independentes - o
sistema de pagamento está geralmente ligado à actividade;
c) propriedade e gestão dos prestadores no quadro de um sistema integrado - o
sistema de pagamento não está geralmente ligado à actividade.
Nos anos 80, os sistemas de saúde dos sete países eram dominados por um ou
vários dos três subsistemas que implicam um financiamento obrigatório.
A Bélgica recorria ao mesmo tempo ao sistema de reembolso (a favor dos
doentes) por um regime público e ao sistema de contrato público.
A França associava o sistema de reembolso por um regime público, o sistema de
contrato e o sistema integrado.
A República Federal da Alemanha e os Países Baixos apoiavam-se
essencialmente sobre o sistema de contrato público.
A Irlanda e o Reino Unido combinavam o sistema de contrato público e o sistema
integrado.
Os Länder da parte oriental da Alemanha e a Espanha apoiavam-se,
principalmente, sobre o sistema público integrado.
O seguro de doença voluntário representava menos de 15% das despesas de saúde
em cada um destes países.
As dificuldades encontradas por cada país tendiam a depender dos subsistemas de
prestações e de financiamento aí dominantes:
– os sistemas que continuavam a apoiar-se sobre mecanismos de reembolsos
públicos tinham a maior dificuldade em controlar os custos;
– nos países que se apoiavam sobre o sistema de contrato público, as
dificuldades estavam ligadas muitas vezes à ausência de concorrência e aos
excessos de regulamentação;
– os países que se apoiavam no sistema público integrado tinham que fazer face
a problemas de gestão e a uma falta de receptividade relativamente às
expectativas dos utentes.
Nos anos 80, todos os sete países considerados empreenderam reformas, mais ou
menos importantes, do seu sistema de saúde.
Vários países, em particular a Espanha, a Irlanda e os Países Baixos, tomaram
novas medidas para alargar a cobertura do seu sistema público de saúde,
proporcionando aos últimos grupos da população que dele não beneficiavam ainda
uma cobertura de base. Apesar de numerosas declarações a favor duma privatização
do financiamento, nenhum dos outros países tomou verdadeiramente medidas para
reduzir o lugar ocupado pelo regime público.
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A maior parte dos países tomou importantes iniciativas para reduzir as despesas.
Na maior parte dos casos, os governos reforçaram as comparticipações nas despesas.
No entanto, a maior parte das reformas tendentes a conterem as despesas incidiu
sobre a oferta. Assim, foi nomeadamente aplicada com determinação a fórmula dos
orçamentos globais prospectivos, sobretudo para as despesas hospitalares, na
Alemanha, na Bélgica, em França e nos Países Baixos. Todos os sete países
reduziram muito a taxa de crescimento das suas despesas de saúde, nos anos 80, em
comparação com os anos 70. Os países que continuaram a apoiar-se em parte no
sistema de reembolso público conseguiram-no menos bem do que os que se
apoiaram sobre o sistema de contrato público e sobre o sistema integrado.
O aspecto essencial das reformas dos anos 80 foi talvez a introdução de
mecanismos incentivadores e regulamentares mais eficientes dirigidos aos
prestadores e aos seguradores, com o objectivo de aumentar a produtividade de
recursos limitados. Podem-se distinguir três tipos de evolução:
– Houve uma certa convergência para o sistema de contrato público. A Bélgica e a
França introduziram fórmulas contratuais mais estritas nos seus sistemas de
reembolso, e o Reino Unido e os Länder da Alemanha oriental abandonaram os
seus sistemas integrados a favor de sistemas de contrato.
– Certos países empreenderam a reforma do próprio sistema de contrato
privilegiando doravante: a liberdade de escolha dos consumidores; decisões de
compra activas e informadas de preferência a um financiamento passivo pelos
terceiros pagadores; e uma concorrência organizada entre prestadores. Isto foi
particularmente notório na Alemanha, mas modificações idênticas puderam ser
observadas na Bélgica e nos Países Baixos. Os novos sistemas contratuais
caracterizam-se por sistemas de pagamento mistos, nos quais se conjugam limites
orçamentais com um modo de remuneração dos prestadores ligado à actividade.
A ideia é a de que, deixando os poderes públicos ficar numa posição um pouco
retirada, permitir-se-á aos mecanismos de auto-regulação desempenhar um papel
mais importante.
– Finalmente, dois países - os Países Baixos e o Reino Unido - lançaram
experiências que se traduzem na instauração de uma concorrência entre os
terceiros pagadores no quadro do regime público. As experiâncias tentadas nesses
dois países são bastante diferentes. Nos Países Baixos prevê-se que os
consumidores tenham a possibilidade de escolher entre as caixas de seguro de
doença e seguradores privados, havendo uma caixa central que recebe
contribuições ligadas aos rendimentos e paga prémios ligados aos riscos a
seguradores em situação de concorrência. Isto redunda na instituição um sistema
complexo de senhas de compras médicas. A experiência tentada no Reino Unido
consiste em confiar uma parte do orçamento destinado aos hospitais a certos
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grandes consultórios de generalistas (em concorrência). Assim, os generalistas
podem comprar certos serviços hospitalares em benefício dos seus doentes.
Este último tipo de reformas é particularmente controverso. Nos Países Baixos, as
reformas só são introduzidas gradualmente e no Reino Unido são ainda recentes. É a
razão por que não é ainda possível apreciar plenamente os seus resultados. No
entanto, parece poder-se já dizer que os generalistas, que têm um direito de
fiscalização sobre uma parte dos valores destinados aos hospitais, utilizam esse novo
poder de compra para negociar serviços hospitalares de melhor qualidade para os
seus doentes.
11
GLOSSÁRIO
Encontrar-se-á neste glossário a definição de algumas das palavras-chaves
empregadas neste relatório:
Adesão aberta: Período durante o qual um segurador pode ser obrigado a aceitar
qualquer novo membro ou qualquer novo aderente, seja qual for o risco que
implique tal aceitação.
Concorrência: Rivalidade entre dois (ou mais) vendedores no concernente a
receitas, quotas de mercado ou outras vantagens.
Concorrência organizada: Regulação dum mercado dos cuidados médicos pelos
poderes públicos, apoiando-se estes sobre os mecanismos da concorrência
para atingirem objectivos de eficiência no quadro de intervenções públicas
que prosseguem outros objectivos, por exemplo objectivos de equidade.
Concorrentes de referência: Comparação, em ternos de preço e de qualidade, entre
bens e serviços específicos propostos por monopólios ou oligopólios no
mercado local e bens e serviços análogos propostos em mercados afastados.
Mesmo se não houver directamente concorrência entre o mercado local e os
mercados afastados, uma tal comparação pode fazer aparecer a margem de
concorrência potencial e pode ajudar um comprador a conhecer a sua
margem de negociação ou um organismo regulador a encorajar um
comportamento concorrencial.
Contrapeso: Por exemplo, exercício dum poder de compra concentrado para se
contrapor a um poder de monopólio.
Contribuição: Imposição fiscal a título de seguro obrigatório de doença, muitas
vezes no quadro dum regime de segurança social. O encargo pode repartir-se
entre o empregador e o assalariado. O montante da contribuição representa
muitas vezes uma proporção fixa dos rendimentos entre um limite mínimo e
num limite máximo.
Cuidados médicos de base: Conjunto mínimo ou núcleo central de serviços
médicos e paramédicos.
Excedente de honorários: Despesas suplementares que o prestador faz suportar ao
doente acima das tabelas de seguro convencionadas ou das tarifas contratuais
e de qualquer forma de participação no custo definida previamente pelo
terceiro pagador. O excedente de honorários é normalmente uma
consequência indirecta do sistema de reembolso e do poder de monopólio do
médico (ou de uma situação de oferta inelástica), uma vez que a capacidade
financeira do doente se acha aumentada pelo seguro.
Execução e controlo: Regulação pelos poderes públicos de um mercado de saúde
mediante uma planificação central pormenorizada e pela fixação dos preços,
das quantidades e das capacidades; ou ainda regulação pelos poderes
públicos dum sistema de saúde público integrado através duma gestão
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operacional. O objectivo é geralmente planificar e gerir a afectação dos
recursos e prosseguir objectivos de eficiência sem recorrer aos mecanismos
de mercado nem à concorrência.
Externalidades: Efeitos externos – custos ou vantagens – decorrentes de um
processo de produção ou de consumo que sofrem indivíduos e grupos que
não estão directamente ligados a esse processo sem beneficiar de (ou
suportar) nenhuma compensação em troca. Por exemplo, a imunização de um
indivíduo contra uma doença infecciosa pode bloquear a transmissão da
doença a outros indivíduos que não estão directamente envolvidos e que não
pagam nada pela protecção de que beneficiam. Resulta daí uma vantagem
externa.
Franquia (dedutível): Participação nas despesas sob a forma de um montante fixo
que deve ser pago em contrapartida de um serviço, antes que qualquer
prestação possa ser efectivada.
Homologação: Processo pelo qual uma agência ou uma organização avalia um
estabelecimento e reconhece que ele satisfaz certos critérios profissionais.
Imposto degressivo: Imposto correspondente a uma parte decrescente do
rendimento à medida que este aumenta.
Imposto progressivo: Imposto correspondente a uma parte crescente do rendimento
à medida que este aumenta.
Modelo de actuação: Relação entre o doente e o médico em que o médico aplica a
sua competência técnica e subordina os seus próprios interesses aos do
doente no momento do diagnóstico, da prescrição e do tratamento.
Monopólio: Um único vendedor.
Monopólio bilateral: Mercado em que um único comprador se encontra em face de
um vendedor também único.
Monopsónio: Um único comprador.
Mutuais (França) e mutualidades (Bélgica): Seguros de doença privados, sem fim
lucrativo ou sociedades de socorros.
Oligopólio: Número limitado de vendedores.
Orçamento global (abreviatura para «orçamento global prospectivo»): Montante
global em dinheiro, fixado previamente, destinado a cobrir o custo total de
um serviço, geralmente durante um ano.
Pagamento por acto: Pagamento a um prestador por cada acto ou serviço prestado.
Pagamento por capitação: Pagamento de um montante fixo a um prestador por
cada pessoa que figura na sua lista ou está inscrita junto dele para um
período determinado. Os pagamentos variam em função do número de
doentes inscritos, mas não em função do número de serviços fornecidos a
cada doente.
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Pagamentos directos: Pagamentos suportados directamente pelo doente, sem
intervenção de um seguro. A participação no custo é uma forma de
pagamento directo.
Participação nas despesas (comparticipação): Disposição de um regime de seguro
de doença ou de um sistema de terceiro pagador em virtude da qual o
indivíduo coberto deve suportar uma parte do custo dos cuidados médicos
que recebe. Diversamente de um prémio de seguro de doença, de uma
contribuição ou de um imposto que são pagos haja consumo médico ou não,
a participação no custo (comparticipação) só ocorre se houver consumo de
cuidados.
Prémio: Montante pago no quadro de um seguro voluntário. Os prémios podem
estar ligados aos riscos (são então calculados em função dos riscos actuariais
ou do historial de procura de prestações por parte de cada indivíduo) ou
podem ser fixos ou calculados na base de uma taxa colectiva (média para um
grupo de indivíduos).
Prestações: No domínio do seguro de doença, pagamento em dinheiro efectuado
para regularização de uma procura de acordo com uma apólice de seguro ou
ainda serviço prestado coberto por um regime de seguro.
Procura induzida pelos prestadores: Capacidade atribuída aos médicos de
estimular a procura de serviços, quer se trate de serviços assegurados por eles
mesmos ou de serviços de colegas.
Regime público de seguro de doença: Ver «Seguro de doença obrigatório».
Regime social de seguro de doença: Expressão utilizada principalmente para
designar um regime obrigatório ou público de seguro de doença que faz
geralmente parte de um regime de segurança social, financiado por
contribuições específicas (na maior parte dos casos incidindo sobre os
salários) e gerido por caixas de seguro autónomas ou quase autónomas,
mutualidades ou companhias de seguros privadas.
Regulação: Intervenção dos poderes públicos no mercado de saúde ou no sistema de
saúde através de regulamentações. Existem essencialmente duas modalidades
de regulação; uma regulação dirigida no sentido da concorrência ou do
mercado (geralmente favorecendo a liberdade de escolha entre os
consumidores e encorajando a autonomia e a concorrência entre os
seguradores e/ou os prestadores); e uma regulação do tipo execução-controlo
(que vai muitas vezes contra a liberdade de escolha dos consumidores e a
autonomia e a concorrência entre os seguradores e/ou os prestadores).
Remuneração ligada à actividade: Ver «Pagamento por acto» e «Pagamento por
capitação».
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Resultados no plano da saúde: Modificações no estado de saúde (sob o ponto de
vista da mortalidade e da morbilidade) resultante da prestação de serviços de
saúde (ou de outros tipos de serviços).
Risco subjectivo: O facto de estar coberto por um seguro pode incentivar o
segurado a assumir riscos e a aumentar a sua procura de serviços de saúde
(ou de serviços reabilitação) baixando o custo líquido dos serviços. O risco
suportado pelo segurador acha-se assim agravado e, se o risco subjectivo
não for controlado, isso pode acarretar um agravamento da procura de
reembolsos e um encarecimento dos prémios de seguro.
Salariado: Remuneração de um montante fixo para um período determinado, que
não varia nem em função do número de indivíduos a que os serviços são
assegurados nem em função do número de serviços fornecidos.
Seguro de danos: Ver «Sistema de reembolso».
Seguro de doença obrigatório: Seguro de doença no quadro de um regime público
obrigatório. As contribuições para o seguro de doença obrigatório equivalem
a um imposto. Pode ser à entidade patronal que é imposta a obrigação de
pagar contribuições em nome dos seus assalariados. As contribuições estão
geralmente ligadas aos rendimentos. O seguro de doença obrigatório é, na
maior parte dos casos, gerido por organismos públicos, mas pode sê-lo por
organismos de seguros privados, como é o caso nos Países Baixos
relativamente ao regime de seguro dos funcionários
Selecção dos riscos: Processo pelo qual os seguradores (ou os prestadores) que são
remunerados por um prémio fixo ou sem conexão com os riscos (ou por
capitação) se esforçam por atrair uma clientela que apresenta riscos inferiores
à média e por desencorajar ou recusar uma clientela que apresenta riscos
superiores à média.
Seguro de doença privado: Ver «Seguro de doença voluntário».
Seguro de doença voluntário: Seguro de doença subscrito e financiado
voluntariamente pelos indivíduos ou por um empregador em nome dos seus
assalariados. Um seguro voluntário pode ser proposto por um organismo
público ou parapúblico como acontece na Irlanda.
Sistema de assistência social: Sistema em que as prestações de doença efectuadas
por um regime público com terceiro pagador dependem de condições de
rendimentos ou de recursos.
Sistema do contrato: Expressão empregada neste estudo para designar o seguro de
doença obrigatório ou voluntário que implique o pagamento directo, por
força de um contrato, pelo segurador ou por uma terceira entidade, ao
prestador, dos serviços prestados a um segurado (ver os gráficos 2.4 e 2.5,
15
capítulo 2). As prestações são fornecidas ao doente em espécie, muitas vezes
gratuitamente. Neste sistema, os prestadores são muitas vezes prestadores
independentes e os pagamentos efectuados a um segurador por força do
contrato são muitas vezes pagamentos por capitação ou por acto. Nos
Estados Unidos, o sistema abrange dois tipos de seguro voluntário: o seguro
de grupo (Groupe Practice Model) e o seguro individual (Individual Practice
Model) que são duas formas de redes de cuidados cobrindo o essencial dos
serviços que o doente procura (os Healt Maintenance Organisations,
H.M.O.).
Sistema integrado: Expressão utilizada neste relatório para designar um sistema de
seguro de doença obrigatório ou voluntário ou um sistema de financiamento
por terceiro pagador no qual as prestações de seguro e os cuidados são
fornecidos pela mesma organização no quadro de um sistema integrado
verticalmente (ver os gráficos 2.6 e 2.7, capítulo 2). Neste sistema, os
médicos são em princípio assalariados e os hospitais financiados com base
num orçamento global. Como no sistema de contrato, as prestações são
fornecidas ao doente em espécie, muitas vezes gratuitamente. Nos Estados
Unidos, a forma mais conhecida de sistema integrado voluntário é a forma de
HMO em que os médicos são empregados assalariados (Staff Model). O
sistema integrado, na sua versão de regime público, implica um
financiamento pelos puderes públicos muitas vezes essencialmente através
do imposto, e uma prestação de cuidados por um dispositivo público.
Sistema de reembolso: Expressão empregada aqui para designar um sistema de
seguro de doença obrigatório ou voluntário que implique reembolsos em
dinheiro aos doentes, pela totalidade ou por uma parte do custo dos cuidados
médicos que eles recebem. Fala-se também de «seguro de danos» (ver os
gráficos 2.2 e 2.3, capítulo 2). Neste sistema, na sua forma pura, não há
nenhum vínculo entre o terceiro pagador e o prestador.
Solidariedade: Palavra empregada principalmente nos países europeus, que exprime
o pôr em comum obrigatório dos riscos no quadro dum regime público de
seguro de doença no qual as contribuições para os cuidados são função da
capacidade de pagamento e a oferta de cuidados é função da necessidade de
cuidados.
Taxa moderadora fixa (Co-payment∗): Participação no custo sob a forma de um
montante fixo a pagar em contrapartida de um serviço.
Taxa moderadora proporcional (Co-insurance∗): Participação no custo de um
serviço numa proporção determinada. Em França e na Bélgica, fala-se
correntemente de «ticket modérateur».
∗
Em inglês no original, N. da T.
16
Terceiro pagador: Qualquer organismo, público ou privado, que assume o encargo
ou assegura os cuidados médicos recebidos pelo beneficiário no momento em
que esses cuidados são ministrados. As duas outras partes, nesta relação com
três intervenientes, são, em primeiro lugar, o doente e, em segundo lugar, o
prestador. O terceiro pagador pode ser uma companhia de seguros privada,
um organismo parapúblico, como uma caixa de seguros de doença ou,
directamente, uma instância da administração.
Referência Bibliográfica
U.S. House of Representatives (1976) - A Discursior Dictionary of Health Care, U.S. Governement
Printing Offices, Washington, 1976.
17
Capítulo 1
INTRODUÇÃO E PRINCIPAIS QUESTÕES
INTRODUÇÃO
O financiamento, a prestação e o funcionamento dos serviços de saúde suscita
ainda problemas aos países da OCDE apesar do êxito de numerosas medidas
aplicadas desde meados dos anos 70. Este relatório examina a maneira como esses
problemas são enfrentados em sete países da OCDE. Dirige-se aos governos dos
países da OCDE porque eles são responsáveis pelo financiamento, pela
regulamentação e pela prestação dos serviços médicos.
O exame destas questões far-se-á através da comparação das reformas recentes ou
previstas dos sistemas de saúde dos países seleccionados. Geralmente, podem-se
tirar importantes ensinamentos dos países que reformam os seus sistemas de saúde.
É essa uma ocasião para os responsáveis políticos se interrogarem seriamente sobre
os objectivos, os estabelecimentos de cuidados existentes, as causas dos problemas
com que se acham confrontados e as soluções que se lhes oferecem. Se bem que
existam entre esses países diferenças bem conhecidas no respeitante à cultura
médica (Payer, 1989), aos estabelecimentos de cuidados (Rappel, 1984) e à própria
prática da medicina (McPherson, 1990), as comparações das reformas podem fazer
ressaltar os problemas comuns e as soluções comuns. Os países da OCDE partilham
os mesmos objectivos em matéria de cuidados e a diversidade aparente dos modos
de financiamento e de organização dos cuidados médicos esconde o facto de cada
sistema se compor de um número bastante pequeno de subsistemas, dos quais alguns
têm tendência para predominar. Uma secção ulterior deste capítulo e o capítulo
seguinte permitirão voltar ao assunto.
Os países sobre os quais incide este estudo situam-se todos na Europa Ocidental.
Foram escolhidos por várias razões: a importância das reformas que se realizaram
nos anos 80 ou encaram no princípio dos anos 90; a medida em que eles representam
os diversos tipos de sistemas de saúde que se encontram nos países da OCDE; o
desejo da respectiva administração de participar no estudo; finalmente, a economia
que a realização de inquéritos num mesmo continente permite. O estudo apoia-se,
além disso, sobre a experiência dos países da América do Norte. Os países estudados
classificam-se em três grandes grupos, representando cada um deles um dos
principais tipos de sistemas de saúde existentes nos países membros da OCDE.
Países Baixos – cuidados financiados ao mesmo tempo pela segurança social e
por regimes de seguro privados e efectivados essencialmente por
prestadores privados;
18
Alemanha, Bélgica e França – cuidados financiados essencialmente pela
segurança social e efectivados ao mesmo tempo por prestadores
privados e públicos;
Espanha, Irlanda e Reino Unido – cuidados financiados essencialmente pelo
imposto e efectivados principalmente por prestadores públicos.
É preciso fazer uma distinção na política de saúde entre a prestação de serviços
de saúde e a produção de saúde propriamente dita. A saúde da população não
depende unicamente dos cuidados médicos, mas também de muitos outros factores
como o nível e o modo de vida, a habitação, o regime alimentar e o ambiente. Este
estudo limita-se à prestação dos cuidados de saúde e aos seus efeitos sobre a saúde
da população. Por outras palavras, incide essencialmente sobre o financiamento, a
organização e os resultados da medicina preventiva, dos cuidados médicos primários
e dos cuidados hospitalares – tudo prestações que exigem a intervenção de médicos,
de pessoal de enfermagem e de outros profissionais médicos e paramédicos. O
estudo não trata da promoção da saúde no sentido mais amplo da expressão nem dos
cuidados dentários. Também não examina em profundidade os cuidados de longa
duração, em especial os que se situam na charneira dos serviços de saúde e dos
serviços sociais.
Este capítulo tem por finalidade:
– expor alguns dos principais objectivos da política de saúde;
– examinar as vantagens e inconvenientes da iniciativa privada e das
instituições públicas no que diz respeito aos cuidados médicos;
– expor alguns problemas que suscitam, hoje em dia, o financiamento e a
prestação dos cuidados nos sete países examinados.
O capítulo 2 passa em revista alguns dos principais subsistemas de financiamento
e de prestação de cuidados. Os sete sistemas de saúde propriamente ditos e as suas
reformas recentes são expostos em pormenor nos capítulos 3 a 9. O capítulo 10
apresenta comparações estatísticas sobre o crescimento e o funcionamento dos
sistemas de saúde dos sete países. O capítulo 11 compara e avalia as reformas
realizadas, sendo o capítulo 12 consagrado a conclusões de ordem política.
OBJECTIVOS COMUNS DAS POLÍTICAS DE SAÚDE
Os países estudados fixaram os mesmos objectivos às suas políticas de saúde. Em
resumo, e para retomar a análise de Barr (1990), esses objectivos são os seguintes:
Possibilidades de acesso a cuidados suficientes e equitativos: todos os cidadãos
deveriam poder beneficiar de um mínimo de cuidados médicos e à mesma
necessidade deveria corresponder o mesmo tratamento, pelo menos no sector
financiado por fundos públicos.
19
Protecção do rendimento: os doentes não deveriam ter que pagar cuidados
médicos demasiado onerosos em relação aos seus rendimentos e o preço desses
cuidados deveria estar fixado em função da sua capacidade de pagamento. Isso
implica pelo menos três tipos de transferência: seguro (a necessidade de cuidados é
imprevisível); poupança (as pessoas idosas recorrem mais aos serviços de saúde que
os jovens) e redistribuição de rendimentos (pobreza e doença andam muitas vezes a
par).
Eficiência macroeconómica: as despesas de saúde devem representar uma fracção
adequada do PIB.
Eficiência microeconómica: convém escolher uma combinação apropriada de
serviços que maximize, ao mesmo tempo, os resultados dos cuidados e a satisfação
dos consumidores em relação à parte disponível do PIB gasta em serviços de saúde
(eficácia atributiva). As despesas deveriam, além disso, ser reduzidas ao mínimo em
relação à parte disponível (eficácia técnica e financeira).
Nas vantagens, é necessário entrar em conta não só com o estado de saúde do
doente, mas também com o seu grau de satisfação relativamente aos cuidados que
lhe são ministrados assim como com a saúde e o bem-estar das pessoas que o estado
do doente pode afectar. Nos custos, é preciso entrar em conta não só com as
despesas directas (as prestações), mas também com o valor que o tempo representa
para os doentes e para os membros da sua família, assim como com as despesas
administrativas e as distorções regulamentares e fiscais. É preciso, além disso,
procurar uma eficiência dinâmica, isto é, progressos tecnológicos e de organização
que aumentem a produtividade de meios determinados.
Liberdade de escolha do consumidor: o consumidor deve poder escolher os
prestadores de cuidados, tanto do sector público como privado.
Autonomia dos prestadores: os médicos e outros prestadores devem gozar do
máximo de liberdade compatível com a realização dos objectivos acima citados , em
particular no domínio da inovação médica e estrutural.
Estes dois últimos objectivos poderiam ser tratados antes como meios do que
como fins; são mencionados aqui porque há alguma razão para os tratar como
desiderata de pleno direito.
Estes objectivos envolvem talvez juízos de valor que variam de um país para
outro e de uma região para outra de um mesmo país. Além disso, são por vezes
incomparáveis uns com os outros e as opiniões divergem quanto ao grau de
prioridade a conceder a cada um deles.
VANTAGENS E INCONVENIENTES DO LIVRE JOGO DAS FORÇAS DO
MERCADO
20
Em numerosos sectores das economias da OCDE, poder-se-iam atingir os
objectivos acima enunciados deixando funcionar o livre jogo do mercado e tomando
medidas gerais de redistribuição dos rendimentos. No fim de contas, o jogo da
concorrência acompanhado duma redistribuição dos rendimentos é, em muitos
ramos de actividade, o melhor meio que se concebeu para associar escolha dos
consumidores, autonomia dos produtores, eficiência económica e equidade. Num
mercado concorrencial, o consumidor é incitado a ponderar as vantagens que lhe
trarão os bens e serviços que comprar em relação ao preço que lhe custarão. O
produtor que quer realizar o máximo de proveitos é encorajado a maximizar o valor
reconhecido do seu produto e a minimizar o seu custo. A concorrência faz com que
os preços tenham uma relação estreita com os custos de oportunidade – pelo menos
a longo prazo. A produção atingirá um valor máximo para uma determinada
distribuição dos rendimentos.
Além disso, num mundo marcado pela evolução constante das técnicas e por
frequentes mutações estruturais, o facto de se deixar criar monopólios temporários
sob o efeito de inovações pode contribuir para suscitar uma dinâmica de melhoria de
eficiência. À primeira vista, este processo convinha também para os cuidados
médicos que são essencialmente um serviço pessoal assegurado por profissionais e
instituições privadas que são concorrentes potenciais. As externalidades em matéria
de produção são pouco importantes, salvo no caso das doenças infecciosas que,
tirando a SIDA, estão em regressão.
A procura e a oferta de cuidados apresentam, todavia, certas particularidades que
dissuadiram e dissuadirão, sem dúvida, sempre os países da OCDE de se remeterem
exclusivamente, no que diz respeito à sua prestação, ao livre jogo dos mecanismos
de mercado conjugado com uma redistribuição dos rendimentos (Culyer, 1989).
Em primeiro lugar, uma redistribuição dos rendimentos é particularmente
necessária quando se trata dos cuidados médicos, porque, segundo uma opinião
muito espalhada e profundamente enraizada, todos os que têm necessidade deles
deveriam beneficiar de cuidados de qualidade sem ter que suportar um encargo
financeiro inaceitável. Além disso, existe muitas vezes uma relação estreita entre
uma saúde deficiente e a incapacidade de pagar cuidados. Os organismos caritativos
privados não são, sem dúvida, um bom meio de responder a este imperativo
altruísta, por causa, nomeadamente, dos «aproveitadores»: cada um é tentado a
deixar pesar sobre outrem o encargo da dádiva.
Em segundo lugar, contrariamente ao que se passa em relação a grupos
importantes, a necessidade de cuidados é frequentemente muito imprevisível e
muitos onerosa para o indivíduo. Os sistemas de seguros podem contribuir para
repartir o encargo financeiro, mas os seguradores privados propenderão a afastar os
indivíduos de altos riscos ou a aumentar os prémios que estes devem pagar – por
outras palavras, a estabelecer uma discriminação contra pessoas que são as mais
21
doentes e que são muitas vezes aquelas cujo rendimento é mais fraco (selecção dos
riscos e agravamento do prémio). Às pessoas já atingidas por certas afecções será
geralmente recusada a possibilidade de se segurarem contra essas doenças. É difícil
estabelecer mecanismos de redistribuição dos rendimentos fundados no livre jogo do
mercado e que permitam responder a tais situações. Mais ainda, o seguro de doença
tende a suscitar um sobreconsumo. Nem o doente nem o médico têm uma suficiente
preocupação de economia quando é um terceiro que assume o encargo do custo dos
cuidados (risco inerente). Se bem que instituições privadas tais como as redes de
cuidados coordenados tenham sido concebidas para assumir o risco inerente, elas
não parecem capazes de responder, só por si, ao problema da selecção dos riscos.
Em terceiro lugar, o consumidor está em posição de fraqueza no mercado dos
cuidados de saúde pelo facto, nomeadamente, de estar mal informado. Sabe, sem
dúvida, quando está doente, mas carece de conhecimentos para saber que remédios
pode tomar e também para avaliar retrospectivamente a qualidade dos cuidados que
recebeu, devido à complexidade e à novidade da tecnologia médica. Além disso, a
doença pode, por si, alterar a sua capacidade de julgar. O consumidor é, portanto,
obrigado a entregar-se essencialmente à opinião do médico e a obter a sua aprovação
para a maior parte das grandes decisões de consumo. Nestas condições, cabe muitas
vezes ao médico tomar decisões. É, portanto, difícil preservar toda a liberdade de
decisão do consumidor.
Outros mercados de bens e de serviços possuem uma ou duas destas
características, mas raramente as três.
As dificuldades de contar unicamente com o mercado privado dos cuidados
incitaram, em medida variável, os governos a intervir no seu financiamento e na sua
prestação. Todavia, se bem que as suas acções possam remediar total ou
parcialmente os defeitos iniciais que procuraram corrigir, têm, muitas vezes. efeitos
secundários indesejáveis.
Uma das formas de intervenção mais difundidas foi a introdução do
financiamento público dos cuidados de saúde primários para toda ou parte da
população. Ela ocorreu, por exemplo, graças aos sistemas de seguro de doença
obrigatório financiados por contribuições proporcionais aos rendimentos. Estes
sistemas podem cobrir os grupos vulneráveis ou de fracos rendimentos, graças,
muitas vezes, a deduções fiscais. Esses dispositivos podem ser muito eficazes para
melhorar o acesso aos cuidados e a protecção dos rendimentos de grupos
desfavorecidos. Frequentemente, porém, acarretaram níveis e taxas de crescimento
das despesas públicas inaceitáveis: foi o caso que sucedeu particularmente quando
foram instaurados à sombra de sistemas privados de seguro de doença.
Uma outra forma corrente de intervenção muitas vezes instaurada, em parte para
contrariar os efeitos secundários da primeira, consistiu numa regulação, pelo
22
governo, dos mercados privados ou mistos dos seguros e da prestação de cuidados.
Os governos encorajaram numa certa medida a auto-regulação. Foi assim, por
exemplo, que um dos primeiros resultados decisivos, na maior parte dos países, foi a
liberalização da actividade dos médicos e de outros elementos do pessoal de
cuidados altamente qualificados. Os governos concederam aos médicos e aos outros
profissionais de saúde certos privilégios de auto-regulação e um monopólio
colectivo de oferta em troca da adopção de uma ética e da manutenção de certas
normas de competência e de prática. Além disso, os governos propiciaram a autoregulação por meio de políticas que favorecem o mercado e a concorrência. No
entanto, a regulação foi, numa larga medida, autoritária e acompanhada de tentativas
centralizadas para limitar a taxa de aumento dos prémios de seguro, fixar os preços,
as quantidades e a qualidade dos serviços de saúde e planificar e controlar a
capacidade. Esta regulação parece poder conter as despesas quando for aplicada com
suficiente determinação. Padece, todavia, de tendências bem conhecidas para se
tornar demasiado burocrática, para introduzir no mercado distorções e manifestações
de rigidez e para ser absorvida pela indústria regulamentada. Quando se trata de
medicina, a autoridade do Estado não parece ser mais fácil de exercer do que a do
consumidor.
Finalmente, os governos optaram muitas vezes por, simultaneamente, financiar e
fornecer cuidados aos grupos vulneráveis ou a toda a população, por intermédio dos
médicos assalariados, em actividade nos dispensários e hospitais públicos, com
maior ou menor autonomia dos médicos no respeitante às questões clínicas. Estas
práticas tiveram resultados diferentes segundo os países. No melhor dos casos,
parecem poder responder às necessidades clínicas a um custo razoável através de
prestações de boa qualidade. Implicam, no entanto, muitas vezes listas de espera e
parecem favorecer um estilo de serviço brusco e impessoal. No pior dos casos,
traduzem-se numa sobrecarga e numa qualidade medíocre dos serviços fornecidos
em instalações em mau estado por um pessoal pouco motivado. Acontece também
que os serviços públicos de saúde sejam corrompidos por «luvas» que os doentes
pagam aos médicos. Na altura da redacção deste relatório, os antigos países
comunistas da Europa central e oriental começavam a desmantelar os seus serviços
de saúde monolíticos e autocráticos, financiados e assegurados pelo Estado, para os
substituir por regimes de carácter mais liberal. O caso dos Länder da antiga
Alemanha de Leste é examinado no capítulo 5.
PROBLEMAS ACTUAIS DO FINANCIAMENTO E DA PRESTAÇÃO DOS
CUIDADOS
Os sete países estudados adquiriram já muita experiência para chegarem a
dispositivos de financiamento e de prestação de cuidados que combinem as
vantagens do mercado e as das instituições públicas, evitando ao mesmo tempo os
23
inconvenientes de um e das outras. A panóplia de disposições que adoptaram
permitiu-lhes atingir alguns dos seus objectivos. Não obstante, a avaliar pela
importância das reformas introduzidas nos anos 80, sem falar do debate político que
suscitaram, a maior parte dos governos não está ainda satisfeita com os resultados do
funcionamento do seu sistema de saúde.
Os sete países conseguiram oferecer um acesso universal ou quase universal a
cuidados de saúde primários de alta qualidade, muitos deles, independentemente dos
recursos dos doentes. A maior parte destes países consegue agora, numa certa
medida, dominar as despesas. Apesar disso, estes países continuam a confrontar-se
com uma série de dificuldades no que diz respeito à eficácia, ao custo e à equidade
da prestação e do financiamento dos cuidados. A importância destas dificuldades
varia segundo os países, mas elas compreendem:
– a continuação de um crescimento rápido das despesas de saúde em alguns
países e pressões tendentes a aumentá-las em todos eles;
– preocupações causadas por um sobreconsumo dos cuidados e uma
supermedicalização dos problemas sociais em certos países;
– preocupações com a insuficiência e o carácter impessoal dos cuidados e a
falta de reacção dos prestadores em certos países;
– um crescente alongamento das listas de espera em certos países;
– variações importantes e inexplicáveis da actividade e dos custos unitários
de um país para outro e no interior dos países;
– uma preocupação provocada pela ausência de coordenação entre os
prestadores de cuidados na maior parte dos países;
– injustiças que subsistem nos domínios da saúde, do acesso aos cuidados e
do seu reembolso em vários países.
Algumas das circunstâncias que estão, talvez, na origem destes problemas
escapam, mais ou menos, ao controlo dos governos. Outras, pelo contrário, relevam
da sua competência e parecem poder constituir objecto, pelo menos em princípio, de
reformas. Outros ainda parecem ocupar uma posição intermédia.
Escapam mais ou menos ao controlo do governo:
– as variações do estado de saúde dos indivíduos que resultam de factores
biológicos, sociais e culturais;
– o envelhecimento da população que tende a aumentar as despesas porque
as pessoas idosas são as maiores utilizadoras de serviços;
– a procura de cuidados médicos dum nível cada vez mais elevado que tem
incidência sobre os serviços financiados por fundos públicos; e
24
– o progresso contínuo das tecnologias médicas geradoras de um aumento
das despesas.
Estes problemas põem-se, em diferentes graus, em todos os países da OCDE.
A insuficiência de informações sobre o produto final dos serviços – por outras
palavras, a influência que têm os serviços médicos sobre a saúde em si mesma – é
um dos domínios que parece só relevar em parte do governo. Este é, talvez, o
principal obstáculo a uma melhor gestão e à reforma dos sistemas de saúde. A
questão de saber se isso deriva das dificuldades técnicas de medição dos resultados
obtidos no plano da saúde ou deriva, antes, da forma como as informações clínicas
são monopolizadas pelo corpo médico é discutível. Também aqui, a falta de
informação sobre a eficácia dos serviços de saúde afecta todos os países da OCDE.
Os factores que parecem relevar principalmente da competência dos governos e
que podem constituir objecto de reformas são os seguintes:
– carácter inadequado dos incentivos financeiros oferecidos aos prestadores;
– práticas monopolistas e restritivas nefastas dos prestadores;
– estruturas orgânicas e de gestão inapropriadas;
– concepção medíocre dos mecanismos de regulação; e
– lacunas a que se pode dar remédio no respeitante às informações sobre a
eficácia e os custos.
Estes problemas precisos variam conforme os países e foi em domínios como
estes que os governos concentraram os seus esforços de reforma.
Se bem que estes factores se prestem, em princípio, a reformas, os governos estão
embaraçados pelo facto de não saberem bem que combinação de incentivos e de
regulamentações poderia motivar melhor os prestadores. Não existe nenhum guia
inteiramente fiável do comportamento dos médicos ou dos grandes organismos de
fim não lucrativo que são os hospitais. No caso dos médicos, três modelos
plausíveis, pelo menos, do seu comportamento foram enunciados (Tussing, 1985):
– o modelo do «mandatário»: o médico fornece a perícia técnica e age
unicamente no interesse do doente. Se o doente tira, ele próprio, o
dinheiro do seu bolso, isto quererá dizer que ele será ajudado a escolher
tratamentos que equilibrarão as vantagens prováveis dos cuidados e as
despesas prováveis;
– o modelo de interesse pessoal: o médico é nitidamente motivado pelo
desejo de optimizar a combinação dos seus rendimentos e dos seus tempos
livres;
– o modelo da ética médica: o médico é motivado, antes de mais nada, pelo
desejo de fazer tudo o que puder pelo doente, custe o que custar.
25
O estudo parte do princípio de que o comportamento da maior parte dos médicos
é ditado por uma conjugação destes motivos. É a razão por que uma grande parte do
relatório diz respeito à procura de soluções que recompensem os médicos e os outros
prestadores tanto financeira como profissionalmente quando eles se preocuparem,
como sempre fizeram, com o interesse do doente, mas tendo em linha de conta os
custos. Por outras palavras, o seu objectivo é encorajar um comportamento rendível
para a sociedade. Felizmente, pode-se demonstrar que não há, inevitavelmente,
conflito entre a ética médica e a eficiência económica (Williams, 1989).
Na introdução de reformas, os governos defrontam-se, também, com obstáculos
políticos temíveis que se opõem a mudanças nos grandes sistemas públicos. Mesmo
quando estão convencidos da superioridade técnica de novos sistemas, os governos
não se encontram sempre em posição de força para introduzirem modificações. Um
modelo útil da estrutura política do sistema de saúde faz a distinção entre três grupos
de interesses principais: o dos consumidores, o de uma procura de racionalidade pela
administração e o dos profissionais em situações de monopólio (Alford, 1975). O
grupo dos consumidores é, muitas vezes, o mais fraco e o dos profissionais em
situação de monopólio muitas vezes o mais forte. Ao procurarem racionalidade de
administração, os governos são, muitas vezes, obrigados a abordar com prudência as
reformas de saúde. Isto é tanto mais verdadeiro quanto, muitas vezes, os
consumidores alinham ao lado dos profissionais em oposição às mudanças.
Bibliografia
Alford, R. (1975), Health Care Politics, University of Chicago Press.
Barr, N. (1990), Economic Theory and the Welfare State: A Survey and Reinterpretation,
Welfare State Programme, Documento de Estudo nº 54, London School of Economics
and Political Science.
Culyer, A. J. (1989), «The Normative Economics of Health Care Finance and Provision»,
Oxford Review of Economic Policy, Vol. 5, nº 1.
McPherson, K. (1990), «Variations entre pays des pratiques médicales», in Les systèmes de
santé: A la recherche d'efficacité, OCDE, Paris.
Payer, L. (1989), Medicine and Culture, Londres, Victor Gollancz.
Raffel, M. W. (1984), Comparative Health Systems, Pennsylvania State University.
Tussing, A. D. (1995), Irish Medical Care Resources: An Economic Analysis, The
Economic and Social Research Institute, Dublin, Documento 126, Novembro.
Williams, A. (1989), Creating a Health Care Market: Ideology, Efficiency, Ethics and
Clinical Freedom, NHS White Paper Occasional Paper 5, University of York, Março.
26
Capítulo 2
SUBSISTEMAS DE FINANCIAMENTO
E DE PRESTAÇÃO DOS CUIDADOS MÉDICOS
INTRODUÇÃO
Os sete países que figuram neste estudo têm, à primeira vista, métodos muito
diferentes de financiamento, de organização e de regulação dos seus serviços de
saúde. Diferem quanto à medida em que se baseiam no pagamento directo pelos
doentes, no seguro privado, no seguro social e no imposto para financiarem os
serviços de saúde. Diferem quanto aos métodos de remuneração dos prestadores por
organismos terceiros. Diferem, também, quanto à medida em que o governo se
encarrega ele próprio da prestação dos cuidados ou a deixa em mãos privadas.
Diferem ainda quanto à medida em que a regulação é do tipo dirigista ou visa
favorecer e canalizar as forças do mercado ou assimiladas. Estas diferenças podem
parecer limitar a utilidade de um estudo comparativo das reformas dos sistemas de
saúde.
Um exame mais atento revela, todavia, que, apesar desta aparente diversidade, os
sete sistemas de saúde são constituídos a partir de um pequeno número de
subsistemas de financiamento, de pagamento e de regulação, dos quais alguns
tendem a predominar. Para bem compreender os sistemas nacionais e as recentes
reformas que lhes foram aplicadas, seria útil identificar os mais correntes e formular
hipóteses quanto às suas vantagens e aos seus inconvenientes em relação aos
objectivos mencionados no capítulo anterior.
Os modelos propostos por Evans (1981) podem ser utilizados para identificar os
subsistemas e para descrever integralmente os sistemas dos sete países. Estes
modelos resumem diferentes interacções entre cinco principais grupos de actores: a)
os consumidores/doentes; b) os prestadores do primeiro recurso (como os médicos
generalistas ou os farmacêuticos que vendem medicamentos); c) os prestadores de
segundo recurso (como a maior parte dos serviços hospitalares e os farmacêuticos
que aviam medicamentos receitados); d) as caixas de seguro (ou terceiros
pagadores); e) o Estado enquanto regulador do sistema. As principais interacções
entre esses cinco actores ocorrem nos domínios seguintes: prestação dos serviços,
orientação dos doentes por prestadores de primeiro recurso para os de segundo
recurso; pagamento das prestações; pagamento dos prémios de seguro; reembolso
das despesas pelo seguro e diversas formas de regulação aplicadas pelo Estado. Os
modelos são muito simplificados, mas ajudam a identificar os elementos-chave que
se encontram correntemente em diferentes países.
27
SUBSISTEMAS DAS FONTES DE FINANCIAMENTO E DOS MÉTODOS DE
PAGAMENTO DOS PRESTADORES
Antes de estudar as diversas regulamentações públicas, é preciso examinar os
principais subsistemas de fontes de financiamento e de métodos de pagamento dos
prestadores. Podem-se destacar duas fontes principais de financiamento: o
financiamento voluntário e o financiamento obrigatório (ou público); quatro
métodos principais de remuneração dos prestadores de cuidados; pagamento pelo
consumidor não segurado; pagamento pelo consumidor que é reembolsado pelo seu
seguro; pagamento indirecto por terceiros em virtude de contratos de igual para
igual; ou por meio de orçamentos e de salários no interior de uma organização
integrada. Uma das oito combinações de financiamento e de pagamento que daí
resultam (pagamento integrado obrigatório pelo doente) encontra-se, na realidade,
muito raramente. Os sete modelos restantes são os seguintes:
– pagamento voluntário integral pelo doente;
– o modelo de reembolso (do doente) por um seguro voluntário (para evitar
confusões, o termo «reembolso» não é utilizado neste trabalho senão no
sentido de restituição aos doentes de somas por eles desembolsadas, o que
corresponde ao uso francês e britânico);
– o modelo de reembolso (do doente) por um regime público obrigatório;
– o modelo de seguro voluntário com contrato;
– o modelo de seguro público obrigatório com contrato;
– o modelo voluntário integrado;
– o modelo público integrado.
Estes modelos, assim como diversos métodos de regulação pelo Estado, são
expostos adiante, pormenorizadamente.
Outras distinções desempenham um papel complementar nesta taxonomia. Em
primeiro lugar, os sistemas obrigatórios com terceiro pagador são de duas ordens: os
que são financiados principalmente por contribuições baseadas sobre os salários e
administrados por caixas de doenças quase autónomas e os que são financiados
principalmente pelo imposto e administrados por organismos públicos centrais ou
locais. Em segundo lugar, os métodos de pagamento dos prestadores dividem-se em:
honorários por acto; capitação (remuneração fixa por doente inscrito para um
período determinado); e salários (pagamento por tempo decorrido). Podem-se
descrever os dois primeiros métodos como estando ligados à prestação ou como
permitindo «ao dinheiro seguir o doente» – o que é mais verdadeiro para os
honorários por acto do que para a capitação. Em terceiro lugar, os métodos de
pagamento dos hospitais dividem-se em: pagamento por doente, pagamento por dia
28
e orçamentos fixos globais. Ainda aqui, os dois primeiros métodos podem ser
considerados como sendo função da prestação ou como permitindo «ao dinheiro
seguir o doente». Finalmente, os prestadores de cuidados médicos repartem-se da
seguinte forma: profissionais liberais e estabelecimentos independentes e
profissionais assalariados e estabelecimentos públicos. Mas esta última distinção
torna-se pouco nítida quando se trata de médicos assalariados que conservam a sua
autonomia profissional.
O modelo de pagamento voluntário integral pelos doentes
O gráfico 2.1 expõe a forma mais simples e mais antiga do mercado dos cuidados
privados sem seguro, mas em que as transacções entre consumidores (à esquerda) e
prestadores do primeiro recurso e prestadores intervenientes após orientação (à
direita) se fazem directamente segundo um modo de pagamento por acto. Os traços
contínuos correspondem aos fluxos de prestações, os tracejados aos fluxos
financeiros e os traços ondulados aos fluxos de orientação.
Gráfico 2.1 – Sistema de pagamento voluntário dos cuidados médicos pelos
doentes.
Os prestadores de primeiro recurso e os prestadores intervenientes após
orientação são apresentados como sendo múltiplos, a fim de mostrar que existe,
geralmente, entre eles, uma concorrência devida à pressão dos consumidores (muitas
vezes sujeita a restrições respeitantes a publicidade, a concorrência em matéria de
preços e a outros factores). Conjugado com os gráfico 2.2 a 2.7, o gráfico 2.1
poderia também servir para ilustrar a participação nos custos no quadro de um
seguro de doença voluntário ou obrigatório.
29
O doente gasta em função da sua capacidade de pagamento. Quando os seus
rendimentos são insuficientes ou quando as despesas de saúde são imprevistas e
catastróficas, este modelo não poderá permitir um acesso suficiente e equitativo aos
serviços de saúde nem uma protecção suficiente dos rendimentos. Postos de lado
estes problemas de distribuição e de riscos, pode-se duvidar da eficácia
macroeconómica e microeconómica deste sistema. O consumidor estará plenamente
consciente dos custos e terá, em geral, a escolha do prestador, mas não é certo que o
consumidor seja realmente soberano, nem que ocorra uma concorrência efectiva,
devido ao carácter assimétrico do conhecimento entre doentes e prestadores e à
posse por estes de um poder monopolista colectivo. Este modelo parece o mais
indicado quando se trata de despesas de saúde menores e de rotina.
Dada a prevalência do sistema do terceiro pagador, o modelo de pagamento pelo
doente não ocupa hoje senão um lugar secundário nos sistemas de saúde descritos
neste relatório. Ele é universalmente utilizado para a compra de medicamentos sem
receita e para a comparticipação nos custos no caso de medicamentos aviados por
receita. As consultas médicas privadas são, muitas vezes, pagas pelo doente. Na
Irlanda, mais de metade da população paga as consultas dos médicos generalistas.
O modelo de seguro voluntário com reembolso dos doentes
O funcionamento dos mercados privados de cuidados médicos pode ser
melhorado pela instituição de seguro voluntário, mas este sistema tende, em geral, a
ter efeitos secundários nefastos. O gráfico 2.2 mostra o funcionamento do sistema
«clássico» do seguro voluntário do tipo «indemnização», que implica o reembolso
aos doentes das suas despesas médicas e uma ingerência mínima nas transacções
entre médicos e doentes como as que são representadas no gráfico 2.1. Esta fórmula
caracteriza-se por: o pagamento directo por acto dos prestadores pelos
consumidores; a concorrência entre seguradores; prémios ligados aos riscos; a
ausência de vínculos entre seguradores e prestadores; o reembolso pelos seguradores
das despesas médicas efectuadas pelos doentes no respeitante aos riscos cobertos
pela sua apólice de seguro. Pode muito bem haver partilha dos custos entre doentes e
seguradores.
30
Gráfico 2.2 – Seguro voluntário com reembolso dos doentes
Deve-se fazer a distinção, no esquema que corresponde aos consumidores, entre a
população que paga prémios e os consumidores/doentes que recorrem aos serviços
de saúde.
O modelo de seguro voluntário com reembolso dos doentes é preferível ao
modelo de pagamento integral na medida em que os consumidores podem pôr em
comum os riscos de despesas médicas imprevistas. Os doentes beneficiarão de uma
certa protecção, pagando um prémio de determinado montante para eliminar a
incerteza quanto à eventualidade, quer de conservarem rendimentos mais elevados
(se permanecerem de boa saúde), quer de perderem dinheiro (se ficarem doentes e
tiverem de fazer despesas médicas). Estas vantagens são, no entanto, reduzidas por
despesas administrativas de tal ordem que é necessário geralmente aumentar de 10%
o custo dos prémios em relação a um montante actuarialmente razoável. Esta
fórmula apresenta, além disso, dois inconvenientes de grande importância.
Em primeiro lugar, quando o consumidor está protegido por este tipo de seguro
ou por outros, nada o incita a restringir a sua procura (donde a ideia de risco
inerente); sabendo isso, os prestadores são incitados, num sistema de remunerações
por acto, a suscitar a procura. A concorrência pode levar a aumentar o volume dos
cuidados, a melhorar a sua qualidade e a aumentar os preços em vez de os reduzir. É
a razão por que o modelo de reembolso se acompanha geralmente de uma
participação nas despesas. A tendência para aumentar excessivamente as despesas
reforçar-se-á se governos bem intencionados concederem uma dedução fiscal para
os prémios de seguro de doença.
O segundo inconveniente maior reside no facto de que nada será feito para
eliminar as iniquidades sistémicas. O acesso ao seguro será função dos meios
31
financeiros do indivíduo. Os seguradores, preocupados com realizar o máximo de
lucros e rivalizar com os seus concorrentes, sentem-se tentados a não segurar senão
os indivíduos que apresentam poucos riscos ou a agravar os prémios
correspondentes aos grandes riscos. As pessoas que sofrem já de certas afecções
arriscam-se a enfrentar a recusa da possibilidade de se segurarem contra elas. Se o
funcionamento dos seguros faz aumentar o preço dos cuidados, os grupos de fracos
rendimentos correm o risco de sofrer com isso.
Este sistema, qualificado de clássico por referência às obras americanas, era
relativamente raro na Europa antes da introdução dos sistemas públicos de seguro de
doença. Os sistemas de seguro voluntário que predominavam eram antes do tipo
contratual ou integrado e forneciam prestações em espécie – precursores das redes
de cuidados (ver adiante). Mas o sistema de reembolso encontrou muitas vezes, o
seu lugar após o aparecimento dos regimes públicos. Encontram-se, hoje, fórmulas
que se aproximam deste modelo no sector privado do Reino-Unido e dos Países
Baixos.
O modelo de seguro obrigatório com reembolso dos doentes
O seguro público permite enfrentar os problemas de equidade e de selecção dos
riscos que estão ligados ao seguro voluntário de doença ao tornar obrigatório o pôr
em comum dos riscos, ao fixar as contribuições em função dos rendimentos e ao
subsidiar as contribuições das categorias desfavorecidas («solidariedade»). O gráfico
2.3 representa o sistema de seguro público que assenta no mesmo princípio de
reembolso que o precedente e comporta os seguintes aspectos: pagamento directo
por acto dos prestadores pelos doentes; contribuições obrigatórias ligadas aos
rendimentos; caixas de seguro de doença não concorrenciais; ausência de vínculos
entre as caixas de seguro de doença e os prestadores; reembolso pelas caixas de
seguro de doença das despesas médicas dos doentes cobertas segundo as
modalidades do regime. Pode muito bem haver partilha das despesas entre os
doentes e as caixas de seguro. Estas são, por vezes, diferentes segundo as profissões,
os ramos de actividade ou as localidades; pode mesmo haver, para os consumidores,
escolha entre as caixas, mas, se se quiser preservar a solidariedade, as taxas de
contribuição devem ser uniformes e as subvenções cruzadas entre as caixas. É por
isso que as caixas de seguro de doença não são apresentadas como múltiplas. Mas
pode haver escolha dos prestadores pelos consumidores.
32
Gráfico 2.3 - Seguro obrigatório com reembolso dos doentes
Este sistema pode ser concebido de forma a assegurar o grau de equidade
desejado no acesso aos cuidados e o seu pagamento mediante contribuições
obrigatórias. Doutro modo, tem tendência a apresentar os mesmos inconvenientes
que os do seu equivalente do sector privado: risco inerente, procura induzida pelos
prestadores e tendência para gastos administrativos elevados. Também aqui, pode-se
atenuar o risco inerente instituindo uma participação obrigatória nas despesas
("ticket modérateur" em França).
Sob outros pontos de vista, o sistema instaurado em França, nos anos 50, pareciase com este modelo mas, posteriormente, o Estado interveio para apoiar as caixas de
seguro de doença, negociando tarifas de cuidados ao nível central com os médicos e
outros prestadores independentes. Os regimes de seguro social belga e francês
conservam elementos do modelo de seguro obrigatório.
O modelo de seguro voluntário com contrato
O sector privado na Europa criou, desde há muito, fórmulas de seguro de doença
voluntário implicando relações contratuais entre seguradores e prestadores
independentes que permitam a estes últimos (mas não aos outros) fornecer aos
segurados serviços inteiramente gratuitos ou quase (Green, 1985; Abel-Smith,
1988). Foram elas as precursoras das redes de cuidados coordenados (HMO) que,
nos Estados Unidos, celebram contratos com médicos ou grupos de médicos. O
gráfico 2.4 mostra um modelo desse tipo, que comporta prestações fornecidas em
espécie aos doentes, concorrência entre seguradores, prémios fixos e pagamentos
directos por acto ou o pagamento pelos terceiros aos prestadores de um montante
fixo por segurado. Os prestadores são indicados como múltiplos por meio de
33
tracejado para chamar a atenção para o facto de a concorrência ser dirigida mais
pelos seguradores do que pelos consumidores.
Este modelo apresenta-se sob diferentes formas: os seguradores podem estar sob
o controlo dos consumidores (como nas primeiras mutualidades europeias); podem
estar sob o controlo de médicos ou de outros prestadores (como nas associações
contemporâneas de profissionais liberais, nos Estados Unidos) ou de organizações
privadas independentes ao mesmo tempo dos consumidores e dos médicos. As
prestações deste tipo de regime podem cobrir apenas os cuidados dos prestadores de
primeiro recurso ou cobrir, ao mesmo tempo, os cuidados primários e os cuidados
hospitalares. Este modelo apresenta duas características importantes: a escolha do
consumidor limita-se, em geral, aos prestadores sob contrato e os seguradores têm,
ao mesmo tempo, a motivação e os meios para negociarem cuidados económicos
mas de alta qualidade para os consumidores. Se forem oferecidos cuidados
hospitalares no quadro deste modelo, os médicos de primeiro recurso podem ser
encarregados por contrato de desempenhar um papel de triagem.
Os regimes voluntários de seguro de doença apresentam maiores probabilidades
que o seguro «clássico» de assegurar a eficácia macro e microeconómica, graças ao
contrapeso que representam os seguradores e a triagem realizada pelos médicos de
primeiro recurso. Nas mãos dos médicos remunerados por acto, há o risco de que
estas probabilidades não se concretizem (Enthoven, 1988). As pesquisas já antes
efectuadas no Reino Unido (Green, 1985), assim como os estudos contemporâneos
realizados nos Estados Unidos (Enthoven, 1988), levam, todavia, a pensar que nas
mãos dos consumidores e de seguradores independentes, sendo os médicos
remunerados na base de um montante fixo por segurado, este modelo permite
realizar importantes economias sem prejudicar a qualidade.
34
Gráfico 2.4 - Seguro voluntário com contratos seguradores/prestadores
As despesas de administração são provavelmente menos elevadas do que no caso
do seguro clássico. O inconveniente maior está em que ele não permite
verdadeiramente garantir a equidade ou a solidariedade.
Se bem que as mutualidades tenham desempenhado um papel histórico
importante na Europa, os seus mercados tendiam a limitar-se aos assalariados e às
pessoas a seu cargo, o que excluía do seguro faixas importantes da população. Por
outro lado, as mutualidades não gozavam de boa aceitação junto das associações de
médicos, devido ao poder que elas davam às colectividades de consumidores no
mercado local, à ameaça de controlo por não-profissionais que elas faziam pesar
sobre os médicos e ao seu poder de restringir a parte das prestações remuneradas por
acto. Elas foram, portanto, afastadas em benefício das caixas de doença obrigatórias,
do pagamento por acto ou de negociações centrais dos montantes fixos por segurado
e da «livre escolha do médico» quando da instauração dos sistemas nacionais
(Green, 1985; Abel-Smith, 1988). Segundo Abel-Smith, a supressão da concorrência
que daí resultou é o preço que os governos tiveram, muitas vezes, de pagar para
assegurar a todos uma cobertura médica. Nem por isso deixou de ser verdade que as
organizações do tipo das associações de profissionais liberais e de consultório de
grupo com pré-pagamento numa base fixa são ainda correntes no sector privado
espanhol.
O modelo de seguro público com contrato
A concepção fundamental do modelo com contrato (ou convenção) foi
introduzida na Europa nos regimes de seguro de doença obrigatório. O gráfico 2.5
ilustra um modelo público com contrato: prestações efectivadas em espécie aos
35
beneficiários; caixas de seguro de doença não concorrenciais; contribuições
obrigatórias em função do rendimento; prestadores independentes pagos por acto
directamente pela caixa de seguro de doença ou na base de um montante fixo por
segurado. Também este modelo se apresenta sob várias versões. Pode ser financiado
pelo imposto em vez de o ser por contribuições. A caixa de seguro de doença pode
ser substituída no papel de terceiro pagador pelo Estado ou pela colectividade local,
até mesmo pelos prestadores de primeiro recurso relativamente aos prestadores que
intervêm após orientação. E os prestadores, sobretudo quando se trata de hospitais,
podem ser organismos públicos. As principais características deste modelo residem
no facto de os terceiros pagadores serem públicos e terem relações contratuais com
os prestadores; por outras palavras, há separação entre financiadores e prestadores.
É também corrente que a remuneração dos prestadores esteja, pelo menos em
parte, ligada ao trabalho efectuado.
Gráfico 2.5 - Seguro obrigatório com contratos seguradores/prestadores
É (ou, em certos casos, foi) corrente nos regimes europeus de seguro social que
os prestadores obtenham o direito de se vincular a qualquer caixa de seguro de
doença segundo o princípio da «livre escolha do médico». Esta fórmula pode alargar
a escolha do consumidor em relação ao modelo voluntário, mas tem o inconveniente
de transformar as caixas locais de seguro de doença em centros de pagamento
passivos que não podem exercer o seu poder monopsónico∗ à escala local. Os
honorários e as tarifas dos cuidados são então geralmente negociados entre as
associações regionais ou nacionais de caixas de seguro de doença (ou os organismos
∗
Consultar o Glossário no início da obra. N. da T.
36
públicos centrais) e os prestadores (monopólio bilateral). Quando isto se combina
com a escolha do prestador pelo doente, conduz a uma concorrência induzida pelo
consumidor quanto à quantidade e à qualidade das prestações mas não quanto aos
preços.
O modelo público com contrato apresenta muitos pontos comuns com a versão do
seguro voluntário. Pode preservar a liberdade de escolha do prestador pelo
consumidor, se bem que isso dependa da importância dos contratos negociados pelos
terceiros. Não oferece geralmente a liberdade de escolha do segurador. A eficácia
macroeconómica tende a tornar-se responsabilidade do Estado. Este sistema oferece
grandes possibilidades de assegurar a eficácia microeconómica porque ele permite
associar a concorrência conduzida pelo consumidor no plano da qualidade ao
estabelecimento de incentivos e regulamentações apropriadas nos contratos
celebrados entre seguradores e prestadores, estando todavia ambos sujeitos a
obrigações de informação. Se a remuneração for fixa, provavelmente poderão ser
realizadas economias em relação ao sistema de reembolso. As despesas de
administração serão também provavelmente inferiores às do sistema de reembolso.
Sendo obrigatório, o sistema de contratos pode ser concebido de forma a garantir
uma cobertura universal e o grau de equidade desejado.
Sob formas diferentes, é agora o sistema predominante para os médicos de
primeiro recurso na Alemanha, na Irlanda, nos Países Baixos e no Reino Unido e
para os hospitais na Alemanha, na Bélgica, nos Países Baixos e no Reino Unido.
Desempenha também um papel no pagamento dos prestadores do primeiro recurso,
na Bélgica e em França. É, além disso, um modelo que continua a desenvolver-se e
em volta do qual está centrada grande parte das reformas de que se trata nos
capítulos 3 a 9.
O modelo de seguro voluntário integrado
Quando os sistemas de cuidados médicos foram introduzidos na Europa, certos
grupos de consumidores e certos seguradores consideraram preferível empregar
médicos assalariados e ser proprietários dos seus estabelecimentos de cuidados
primários, ou mesmo dos seus serviços hospitalares, em vez de celebrar contratos
com prestadores independentes. Esta fórmula foi redescoberta seguidamente nos
Estados Unidos com o que se chama grupos multidisciplinares pré-pagos (PGP). O
gráfico 2.6 representa a versão voluntária deste sistema com prestações em espécie
aos doentes; seguradores concorrenciais; prémios voluntários calculados ao nível do
conjunto dos seguradores; a integração vertical entre seguradores e prestadores, com
remuneração destes últimos na base de salários e de orçamentos globais. Também
aqui, há vários prestadores indicados em linhas descontínuas para mostrar que os
consumidores podem escolher os seus prestadores depois de terem escolhido o seu
segurador e que é este que limita a escolha deles.
37
Gráfico 2.6 - Seguro voluntário com integração seguradores/prestadores
Este sistema deixa ao consumidor a livre escolha do seu segurador mas não dos
prestadores. Restringe a autonomia dos prestadores ao mesmo tempo que preserva
uma certa liberdade clínica. Oferece boas oportunidades de melhorar a eficácia
macro e microeconómica porque incita à concorrência; permite gerir as prestações
de cuidados (através dos médicos de primeiro recurso que asseguram a triagem e
através do contrato de prestação de serviços) e oferece a perspectiva de realizar
economias nas despesas administrativas devido à integração vertical. Mesmo se este
sistema incitar a subproduzir, este inconveniente é compensado pela necessidade de
o segurador atrair aderentes e conservá-los no mercado concorrencial do seguro.
Todavia, como no caso dos modelos de seguro voluntário com reembolso e com
contrato, é improvável que este modelo atinja o nível desejado de protecção dos
rendimentos dos grupos vulneráveis ou o grau desejado de equidade, porque o
acesso a um tal sistema de seguro depende da capacidade de pagamento e os
seguradores terão tendência a seleccionar os riscos para fazer face à concorrência.
Este sistema não gozava de boa reputação junto dos sindicatos de médicos na
Europa e não sobreviveu, sob a forma voluntária, à instauração dos sistemas
nacionais de seguro obrigatório (Abel-Smith, 1988).
O modelo de seguro obrigatório integrado
A versão pública do modelo integrado foi, no entanto, largamente adoptada nos
sistemas obrigatórios. O gráfico 2.7 ilustra esta versão com: prestações fornecidas
em espécie aos doentes; terceiro pagador organizado pelas autoridades centrais ou
locais; financiamento pelo imposto e pagamento dos prestadores na base de salários
e de orçamentos globais. Neste caso, o Estado é ao mesmo tempo o principal
segurador e o principal prestador (por exemplo, a Veterans Administration nos
38
Estados Unidos). São possíveis variantes deste modelo, designadamente com um
financiamento por contribuições de seguro social e uma autonomia clínica maior ou
menor. Geralmente, os consumidores não podem escolher o seu seguro quando se
trata dum sistema público. A sua escolha dos prestadores é igualmente limitada.
Todavia, mesmo quando o consumidor pode escolher o seu prestador, isso nem
sempre lhe é financeiramente possível (ver adiante).
A versão pública do modelo integrado distingue-se pela inexistência de escolha
do segurador e de escolha (eficaz) do prestador pelo consumidor. Comparados com a
versão voluntária do modelo integrado, os incentivos a subproduzir não são
compensados pela necessidade de os seguradores conservarem a clientela dos
segurados. Comparada com o modelo público com contrato, a escolha do prestador
pelo consumidor e a do hospital pelo médico de primeiro recurso – se bem que
possam existir – são, em princípio, impossíveis. O dinheiro não segue o doente
quando os prestadores são pagos na base de salários e de orçamentos globais. Isto
significa que o sistema tem efeitos perversos (Enthoven, 1985) no sentido de que os
prestadores dinâmicos são recompensados por um acréscimo de trabalho, mas não
por um aumento dos seus recursos, enquanto que os que o não são beneficiam de
uma vida tranquila e de recursos não utilizados. As filas de espera para os cuidados
são correntes e os doentes tendem a tornar-se mais pedinchões reconhecidos do que
consumidores exigentes. Além disso, este modelo não incita os prestadores a
reduziram ao mínimo os custos unitários. É assim, por exemplo, que quando um
hospital não gasta bastante no decurso dum ano, a sua verba é, muitas vezes,
reduzida no ano seguinte.
39
Gráfico 2.7 - Seguro obrigatório com integração seguradores/prestadores
A eficácia macroeconómica torna-se responsabilidade do Estado e, dado o
carácter integrado do sistema, é-lhe relativamente fácil manter o conjunto das
despesas de saúde ao nível que desejar. O modelo integrado permite provavelmente
realizar economias suplementares de administração em relação ao modelo do
contrato. Devido ao seu carácter obrigatório, permite assegurar uma cobertura
universal e o grau de equidade desejado.
É o modelo dominante em Espanha e nos hospitais públicos em França e na
Irlanda e era, recentemente, ainda o modelo aplicado em relação ao hospitais
públicos do Reino Unido. Uma versão totalitária era, praticamente, o único modelo
existente na Alemanha de Leste antes da reunificação.
Sistemas mistos
Como o mostrarão os capítulos 3 a 9, os sete países têm todos sistemas de saúde
que combinam vários destes sete subsistemas de financiamento e de prestação de
cuidados. Há boas razões para isso. Os sistemas voluntários podem desempenhar o
papel de válvula de segurança para os sistemas obrigatórios. Uma participação
moderada nas despesas pode atenuar os efeitos de incitação ao consumo que
resultam de uma cobertura generosa por um terceiro pagador, em particular no
modelo de reembolso (van de Ven, 1983). O modelo de seguro público com contrato
tem boa reputação no que diz respeito aos cuidados ambulatórios, provavelmente
porque preserva a independência dos médicos. O modelo de assistência obrigatória
integrado é apreciado no domínio dos cuidados hospitalares, em parte porque
favorece o controlo das despesas. Todos os sistemas nacionais são, no entanto,
dominados por apenas um ou dois destes subsistemas.
40
Em primeiro lugar, os modelos voluntários acabaram por já não desempenhar
senão um papel menor ou complementar em todos os países, com excepção dos
Países Baixos, onde o modelo de reembolso privado desempenhava ainda um papel
importante no final dos anos 80. Em segundo lugar, entre os modelos obrigatórios, o
modelo público com contrato e o modelo público integrado predominam,
completados, na melhor das hipóteses, por uma pequena participação nos custos. Se
bem que a Bélgica e a França utilizem ainda numa certa medida o modelo público de
reembolso, este foi fundido com o modelo público com contrato ou, no caso dos
hospitais públicos em França, suplantado pelo modelo integrado. A Alemanha, os
Países Baixos e, mais recentemente, o Reino Unido recorrem principalmente ao
modelo público com contrato. A Espanha utiliza, sobretudo, o modelo integrado e a
Irlanda uma combinação dos dois.
DIVERSIDADE DE REGULAÇÃO PELOS PODERES PÚBLICOS
As variações de regulação dos sistemas de saúde pelos poderes públicos não
foram ainda aqui examinadas. Do ponto de vista deste estudo, a distinção mais
importante que parece dever ser feita é a diferença que existe entre:
– as medidas governamentais que encorajam o jogo dos mecanismos do
mercado e a auto-regulação; e
– a intervenção governamental de tipo totalmente dirigista.
As medidas tendentes a favorecer a auto-regulação podem ser descritas
globalmente como medidas «a favor do mercado» e da «concorrência». Têm
geralmente por objectivo a autonomia local dos consumidores, dos seguradores e
dos prestadores, um bom equilíbrio dos poderes entre eles e dos incentivos a
consumir, financiar e oferecer as prestações médicas de uma maneira eficaz em
relação aos custos. A intervenção dirigista do Estado visa geralmente suplantar as
forças do mercado ou levar a melhor sobre elas. Pode: especificar a cobertura das
políticas de seguro, regulamentar as adesões e os prémios, controlar a quantidade, a
qualidade e o preço dos serviços, fixar os salários e planificar as capacidades. De
facto, todos os sistemas sobre que incide este estudo – com a provável excepção do
da Alemanha de Leste antes da reunificação – conjugam os dois tipos de regulação.
Numa certa medida, a combinação exacta depende da ideologia dos governos
passados e presentes. Mas ela depende igualmente dos modelos predominantes de
financiamento e de prestação.
É difícil a um mercado livre dos cuidados médicos auto-regular-se. Devido à
assimetria entre o conhecimento dos doentes, por um lado, e o dos profissionais de
saúde, por outro, os sete governos concederam aos médicos (e outros profissionais
de saúde) monopólios colectivos de oferta com auto-regulação em troca da adopção
e do respeito de regras profissionais de ética. Para que não seja feito um uso abusivo
41
destes monopólios, pode ser necessária uma certa regulação pela concorrência.
Como o seguro de doença privado tende a enfermar da selecção dos riscos e do risco
inerente, e como este último pode ser neutralizado no modelo de seguro voluntário
com contrato e nos modelos integrados, é possível que os governos introduzam
medidas favoráveis à concorrência para encorajar o desenvolvimento destes
modelos, sobretudo se eles puderem ser benéficos para os programas públicos que
experimentam dificuldades em conter as despesas.
Por outro lado, os governos podem intervir nos mercados privados de cuidados
médicos através de regulamentações de tipo dirigista. Na Irlanda, por exemplo, o
seguro de doença voluntário é assumindo por um segurador único, quase público,
que impõe tabelas idênticas para todos. Nos Países Baixos, foi pedido aos
seguradores privados que fornecessem o seguro de base a tarifas fixas para certas
pessoas de alto risco que não preenchem as condições previstas para beneficiar de
seguro público. No Reino Unido, todavia, onde o seguro de doença privado
desempenha um papel estritamente complementar, o mercado dos seguros privados
está relativamente pouco regulado.
Nos casos em que os governos introduziram um financiamento público,
adquiriram geralmente o controlo da função correspondente do seguro de doença –
mais no caso de sistemas financiados a nível central do que no das caixas de seguro
de doença quase independentes. Apesar disso, o modelo de reembolso público
depara geralmente com problemas de contenção dos custos devido à sua falta de
influência sobre os prestadores. Isto pode conduzir a uma regulação pormenorizada
indirecta pelo Estado, por exemplo, da capacidade dos prestadores e dos preços que
estão autorizados a pedir.
O modelo de seguro público com contrato é menos vulnerável aos problemas de
contenção das despesas e muito mais susceptível de auto-regulação local, sobretudo
se os seguradores puderem exercer um poder monopsónico∗, se o dinheiro seguir o
doente e se for estimulada a concorrência entre os prestadores. A Alemanha é um
exemplo disso. O modelo integrado traz consigo um controlo do Estado sobre os
seguradores e os prestadores. Paradoxalmente, este modelo pode coexistir com uma
maior autonomia clínica que outros modelos (Schuls e Harrison, 1986) e com uma
melhor delegação de poderes nos organismos locais de gestão, visto que assegura
um quadro sólido de domínio das despesas.
∗
Consultar o Glossário no início da obra. N. da T.
42
RESUMO DAS HIPÓTESES SOBRE O DESEMPENHO DOS SUBSISTEMAS
Efectuaram-se avaliações preliminares dos subsistemas de financiamento, de
pagamento e de regulação dos cuidados médicos à luz dos objectivos políticos
examinados no capítulo precedente. Decorrem daí algumas hipóteses sobre os
desempenhos dos subsistemas, que serão úteis por ocasião do exame dos sistemas e
das suas reformas nos capítulos 3 a 9.
Ressaltam três pontos principais: todos os modelos voluntários têm dificuldade
em atingir objectivos de adequação e de distribuição; os dois tipos de modelos de
reembolso têm dificuldade em atingir o objectivo de contenção das despesas; há
dúvidas quanto à aptidão do modelo público integrado para atingir os objectivos
microeconómicos. Entre os sete subsistemas, foi o modelo de contrato público que
recebeu a nota mais elevada. Quanto a todos os modelos, há um ponto de
interrogação relativamente ao objectivo dos resultados no plano da saúde, porque
não há praticamente provas de que um modelo seja melhor que outro sob este ponto
de vista. A incerteza quanto aos resultados no plano da saúde é um obstáculo com
que esbarram todos os governos nos seus esforços para melhorarem os desempenhos
dos seus sistemas de saúde.
Bibliografia
Abel-Smith, B. (1988), «The Rise and Decline of the Early HMOs: Some International
Experiences», The Milbank Quarterly, Vol.66, nº4.
Evans, R.G. (1981), «Incomplete Vertical Integration: The Distintctive Structure of HealthCare Industry», in J. Van der Graar e M. Perlman (dir. Publ.), Health, Economics
and Health Economics, Países Baixos, Amsterdão.
Enthoven, A.C. (1985), Reflections on the Management of the National Health Service,
Nuffield Provincial Hospitals Trust, Londres.
Enthoven, A.C. (1988), Theory and Practice of Managed Competition in Health Care
Finance, Amesterdão.
Green, D.G. (1985), Working Class Patients and the Medical Establishment, Gower.
Shultz, R. e Harrison, S. (1986), «Physician Autonomy in the Federal Republic of Germany,
Great Britain and the United States», International Journal of Health Planning and
Management, Vol. 2.
van de Ven, W.P.M.M. (1983), «Effects of Cost-Sharing in Health Care», Effective Health
Care, Vol.1, nº1.
43
Capítulo 3
A REFORMA DO SISTEMA DE SAÚDE NA BÉLGICA1
INTRODUÇÃO
O sistema de saúde belga, como o sistema francês, pode ser descrito como uma
combinação de seguro de doença nacional e de medicina liberal. O seguro de doença
obrigatório cobre os grandes riscos do conjunto da população, e tanto os pequenos
riscos como os grandes riscos de 85% da população. Cinco mutualidades (caixas de
seguro de doença privadas sem fim lucrativo ou organismos de previdência) e uma
caixa pública única asseguram a cobertura. Os doentes têm a liberdade de escolher o
seu médico e, na sua maior parte, os prestadores são independentes e remunerados por
acto. A primeira parte deste capítulo descreve a organização e o financiamento deste
sistema.
Se bem que não tenha havido uma refundição radical do sistema de saúde no
decurso da última década, o governo introduziu, no entanto, um certo número de
modificações importantes no sistema, no decurso dos anos 80. No essencial, estas
modificações tinham como objectivo conter a progressão das despesas de saúde. Uma
segunda parte deste capítulo examina o contexto em que se inscrevem as reformas, a
saber nomeadamente a dificuldade de conter os custos e a necessidade de aumentar as
receitas, para além das fraquezas estruturais inerentes ao sistema. Alguns dos
principais ajustamentos feitos são aqui assinalados.
São seguidamente estudados aspectos respeitantes ao crescimento das despesas de
saúde e à eficácia do sistema, tanto do ponto de vista dos objectivos visados pelo
governo em matéria de saúde como por comparação com os seis outros países deste
estudo.
Duas grandes questões dominam o debate sobre a política de saúde na Bélgica:
como conter o custo da saúde no contexto do seguro de doença? E quem, no plano
financeiro, suportará o agravamento do peso das despesas de saúde? Este capítulo
termina com a apresentação de uma reforma introduzida recentemente, destinada a
assegurar a contenção dos custos, que constituirá talvez a melhor maneira, a longo
prazo, de preservar as vantagens da medicina liberal.
DESCRIÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE
Para retomar a tipologia apresentada no capítulo 2, o sistema saúde belga aparentase, ao mesmo tempo, com o sistema de reembolso público e com o sistema público de
contrato. Os doentes pagam a maior parte dos cuidados ambulatórios e são, em parte,
reembolsados pelas mutualidades. O essencial das despesas hospitalares é pago
44
directamente pelas mutualidades aos hospitais. A maior parte dos profissionais de
saúde é independente e existem simultaneamente hospitais públicos e hospitais
privados. O sistema está, ao mesmo tempo, submetido à regulamentação pelo poder
público (aos níveis central e regional) e à auto-regulação dos seguradores e dos
prestadores. O modo de organização do sistema reflecte a particularidade cultural e
linguística do país, visto que há, por um lado, a Flandres, onde se fala neerlandês e,
por outro lado, a Valónia, onde se fala francês, e Bruxelas, dita bilingue, gozando
cada região de uma certa autonomia.
O gráfico 3.1 descreve o modo de organização e de financiamento do sistema. Em
baixo, à esquerda, figura a população, na qual a maior parte dos indivíduos se toma,
mais cedo ou mais tarde, doente. Em baixo, à direita, figuram os prestadores,
essencialmente independentes. No cimo do diagrama estão indicados os organismos
terceiros pagadores. Os fluxos de serviços são indicados por linhas contínuas, e os
fluxos de financiamento por tracejados.
Os prestadores foram repartidos em várias categorias: serviços públicos de saúde;
farmacêuticos independentes; profissionais independentes que asseguram cuidados
ambulatórios; hospitais privados sem fins lucrativos, hospitais públicos; e casas de
repouso e centros de cuidados de longa permanência. Seria necessário citar, além
destes, as residências para pessoas idosas e os serviços de apoio no domicílio, que só
em parte são financiados pelo seguro de doença e que não aparecem no diagrama. Os
organismos terceiros pagadores foram repartidos em três categorias: as mutualidades
no seu papel de prestadores de seguro obrigatório; as mutualidades no seu papel de
prestadores de seguro complementar; e as companhias de seguros privadas.
45
Gráfico 3.1 – Esquema do funcionamento do sistema de saúde da Bélgica em 1987
(milhares de milhões de francos belgas)
Fonte: HIVA, 1988.
O total dos pagamentos efectuados a favor dos prestadores foi de 417 milhares de
milhões de francos belgas, em 1987. Deste total, 36% foram financiados pelas
contribuições para a segurança social, 39% pelo imposto, 10% correspondem ao
défice da segurança social e a pagamentos diversos em benefício da segurança social,
3% foram financiados pelo seguro de doença voluntário e 12% estiveram a cargo dos
doentes. Dos 88% suportados pelos seguros, cerca de dois terços correspondiam a
pagamentos directos aos prestadores e aproximadamente um terço a reembolsos de
quantias pagas pelos doentes (Wouters et al., 1988)2.
RELAÇÕES ENTRE OS DOENTES E OS PRESTADORES
Cuidados médicos ambulatórios
Tanto os generalistas como os especialistas são profissionais independentes,
remunerados por acto. Em geral, exercem isoladamente. Muitas vezes, dão consulta
nos seus próprios consultórios e, se se trata de especialistas, nos serviços de consultas
externas dos hospitais. O doente tem a liberdade de se dirigir, quer a um generalista,
quer a um especialista, para uma consulta de cuidados primários. A remuneração
recebida pelo especialista não é reduzida por se tratar de uma consulta de cuidados
primários. Em parte porque o número de médicos em relação ao número de habitantes
é elevado, os cuidados médicos ambulatórios são muito concorrenciais e os médicos
parecem muito receptivos às expectativas dos doentes. Os generalistas fazem mais
46
visitas ao domicílio do que consultas no seu consultório. Os doentes raramente têm
que esperar mais do que algumas horas pela visita do generalista depois de lhe terem
telefonado (Nys e Quaethoven, 1984). No entanto, a ética médica leva a que haja
muito pouca concorrência ao nível dos preços, pelo menos entre generalistas
(Nonneman, 1990).
O doente paga honorários (425 francos belgas por uma consulta de generalista, 558
francos belgas por uma visita ao domicílio e 713 francos belgas por uma consulta de
especialista clássica, em 1989) em função de uma tabela estabelecida de comum
acordo entre os representantes da profissão médica e as mutualidades; é, em parte,
reembolsado por uma mutualidade mediante a apresentação da factura. No caso dos
generalistas, a tarifa é inferior para os médicos que não seguiram um programa de
reciclagem. Na maior parte das consultas médicas, o doente paga uma taxa
moderadora («ticket modérateur») de 25%, enquanto as viúvas, os inválidos, os
titulares de uma pensão de velhice e os órfãos (VIPO), que recebem um rendimento
anual inferior a 356 113 francos belgas por agregado familiar em 1989, pagam em
média 10%. Certos médicos não aceitaram as tarifas negociadas e, em certos casos,
têm a liberdade de praticar excedentes de honorários. Esses médicos devem assinalar
que não praticam as tarifas negociadas. No entanto, como há por todo o lado médicos
que praticam as tarifas negociadas, isso não cria problemas às pessoas de fracos
recursos.
47
Gráfico 3.2 – Esquema pormenorizado do sistema de saúde da Bélgica em 1989
Produtos farmacêuticos
Os generalistas e os especialistas têm a liberdade de receitar os medicamentos que
entendem e os doentes são reembolsados em proporções variáveis. Para efeitos de
reembolso, os medicamentos estão repartidos em seis categorias. Os medicamentos
destinados a tratar as doenças mais graves são reembolsados a 100%. Os outros
medicamentos são reembolsados a 75, 50 e 40%, até mesmo 0% quanto aos
48
medicamentos que figuram numa lista negativa. No que diz respeito aos
medicamentos preparados pelo farmacêutico, há um reembolso fixo.
Cuidados de enfermagem e de cinesioterapia
Os cuidados de enfermagem e os cuidados de cinesioterapia dispensados fora do
hospital podem ser, em parte, suportados pelas mutualidades, com a condição de
terem sido prescritos por um médico. Esses cuidados são pagos por acto.
Normalmente, os segurados pagam 25% do custo dos cuidados de enfermagem no
domicílio e 40% do custo dos cuidados de cinesioterapia. As viúvas, os inválidos, os
pensionistas e os órfãos (VIPO) pagam 20% ou são, em certos casos, completamente
isentos de qualquer comparticipação no custo.
Cuidados hospitalares
Os cuidados dispensados aos doentes hospitalizados e os cuidados externos são
fornecidos, quer por hospitais privados sem fins lucrativos (61% das camas em 1987),
quer por hospitais públicos (39% das camas). No total de camas, 68% encontram-se
em hospitais gerais, 24% em estabelecimentos psiquiátricos e 8% nos hospitais onde
são tratadas as doenças crónicas. Se bem que aproximadamente um hospital em cada
três pertença às comunas, os hospitais municipais são considerados, para efeitos de
seguro de doença, como hospitais privados. A maior parte dos especialistas que
dispensa cuidados ambulatórios trabalha por marcação prévia no hospital. Controlam
as admissões. Há pouco pessoal médico empregado a tempo inteiro.
Quanto à componente que, nos cuidados, diz respeito à consulta de especialista e
ao diagnóstico, o doente não paga senão a taxa moderadora, em função da tabela. A
parte restante é paga directamente pelas mutualidades, se bem que possam ser
aplicados suplementos aos doentes que ocupam camas no sector privado. Para os
cuidados de enfermagem e o acolhimento (hospedagem apenas) numa enfermaria de
mais de duas camas, o doente paga por dia 221 francos belgas (88 francos belgas para
as crianças e os VIPO), montante que é agravado ao cabo de 90 dias. O doente tem de
pagar, além disso, 25 francos belgas por dia para certos produtos farmacêuticos. As
outras despesas são reguladas directamente pelas mutualidades. Se o doente ocupar
um quarto privado ou semi-privado, a tarifa é aumentada.
Casas de repouso e centros de cuidados de longa permanência
As pessoas idosas que sofrem de doenças crónicas, mas que não têm necessidade
de cuidados de grande intensidade técnica, têm acesso a casas de repouso e a centros
de cuidados de longa permanência. Novos critérios de admissão nesses
estabelecimentos foram definidos em 1983. Estão estreitamente ligados ao estado
49
físico e psicológico do doente. A hospedagem e a alimentação estão inteiramente a
cargo dos doentes. Isso pode representar em média 35.000 francos belgas por mês. O
seguro de doença assume o encargo do custo dos cuidados de enfermagem e do
auxílio prestado aos doentes para os gestos da vida quotidiana. Como se verá mais
adiante, os montantes pagos variam em função do grau de dependência (distinguemse quatro níveis de dependência).
Residências para as pessoas idosas
As pessoas idosas podem também ser admitidas em residências para pessoas
idosas. Também aí, a hospedagem e a alimentação estão a cargo dos interessados,
mas, se receberem cuidados de enfermagem, as despesas relativas a esses cuidados
são assumidas pelas mutualidades, sempre em função do grau de dependência.
Serviços públicos de saúde
As autoridades públicas (aos níveis regional, provincial e local) organizam e
financiam diversos serviços preventivos e curativos, tais como cuidados perinatais em
consulta externa, consultas de saúde mental externas, medicina escolar e de empresa,
e cuidados aos deficientes.
RELAÇÕES ENTRE A POPULAÇÃO E OS TERCEIROS
PAGADORES
Seguro de doença obrigatório
A Bélgica tem um regime de seguro de doença obrigatório desde 1945. O regime
articula-se à volta de cinco mutualidades sem fim lucrativo que, anteriormente,
tinham criado um sistema de seguro voluntário, e de uma caixa pública. As
mutualidades estão organizadas sobre uma base essencialmente religiosa ou política.
A maior parte dos assalariados, dos trabalhadores independentes e dos reformados é
obrigada a inscrever-se numa caixa, mas pode escolhê-la livremente. Uma vez que o
seguro obrigatório proporcionado pelas caixas e as taxas de contribuições que elas
aplicam são iguais, as mutualidades não fazem concorrência umas às outras, para
atrair novos membros, a não ser pelos serviços complementares que oferecem, pela
proximidade geográfica e pela rapidez com que tratam dos processos. No entanto, a
concorrência é forte, nomeadamente porque as receitas de que as mutualidades
dispõem para a sua gestão dependem do número dos seus aderentes. Como as
características dos aderentes das mutualidades são muito diferentes do ponto de vista
do nível da remuneração e dos riscos, as caixas não têm idêntica capacidade de
ganhos e encontram-se assim confrontadas com situações diferentes. A fim de
50
preservar a solidariedade, o Instituto Nacional de Seguro de Doença e Invalidez
(INAMI) assegura a compensação dos excedentes e dos défices.
As mutualidades recebem os seus recursos do INAMI e são supervisionadas por
ele. O Instituto é gerido por um conselho de administração composto por
representantes das entidades patronais, dos assalariados, dos prestadores e dos
poderes públicos. O governo tem um direito de veto sobre as decisões.
O regime obrigatório proporciona simultaneamente um seguro de doença e uma
garantia de recursos em caso de doença. No que diz respeito ao seguro de doença, há
dois regimes financeiramente distintos: o regime geral, que abrange tanto os grandes
riscos como os riscos ligeiros e que cobre os assalariados e os funcionários, os
reformados, os deficientes e os seus familiares, ou seja, 85% da população; e o regime
dos trabalhadores independentes que não cobre senão os grandes riscos dos 15%
restantes da população. Os grandes riscos implicam geralmente cuidados em regime
de hospitalização e serviços técnicos especiais. Os riscos ligeiros envolvem os
cuidados de consulta externa, os medicamentos, os cuidados dentários, etc.
As duas grandes fontes de financiamento do seguro de doença obrigatório são as
contribuições para a segurança social (58% das receitas, em 1987) e as subvenções
públicas (42% das receitas). O resto dos recursos provêm de fontes adicionais: são,
por exemplo, contribuições pagas pelos titulares de pensões de velhice e o produto
das taxas sobre o seguro automóvel. A contribuição para o seguro de doença
representava, em 1 de Janeiro de 1989, 2,55% do salário bruto para os assalariados e
3,80% para a entidade patronal, ou seja uma contribuição global de 6,35% sobre o
salário bruto. Não há limite máximo («plafond») de rendimento nem limite mínimo
(«plancher») para o montante da contribuição cobrada sobre os salários. No caso dos
trabalhadores independentes, a contribuição eleva-se a 3,20% de um rendimento anual
com o limite máximo fixado em 2,1 milhões de francos belgas. Os titulares de uma
pensão de velhice pagam uma contribuição de 2,55% sobre a pensão, a partir de certo
montante.
Seguro de doença voluntário
Além do seguro de doença obrigatório, as mutualidades propõem um seguro de
doença voluntário para os riscos menores (cuidados de consulta externa,
medicamentos, cuidados dentários etc.) para os trabalhadores independentes e um
seguro complementar para cobrir os serviços adicionais, para todos os seus aderentes.
Cerca de 70% dos trabalhadores independentes subscrevem um seguro que cobre os
riscos menores.
Se bem que o seguro de doença privado ocupe um lugar relativamente restrito em
todo o conjunto, conhece actualmente uma progressão regular, sobretudo para as
despesas hospitalares. O seguro de doença privado é proposto por companhias
51
privadas de fim lucrativo. Representa um volume de negócios calculado em 5,5
milhares de milhões de francos belgas.
Imposto
Os serviços de saúde eram financiados, em 1987, na proporção de 39%, pelo
imposto. Desta parte, cerca de dois terços correspondiam à subvenção atribuída ao
regime de seguro de doença obrigatório e cerca de um terço ao custo dos serviços
públicos de saúde.
RELAÇÕES ENTRE OS TERCEIROS PAGADORES E OS PRESTADORES
Cuidados ambulatórios e cuidados médicos no hospital
Quanto aos serviços médicos e técnicos (por exemplo, exames de laboratório)
utilizados no quadro de cuidados ambulatórios, eles são geralmente pagos pelo doente
(e dão lugar, em seguida, a reembolso). Os serviços análogos utilizados no âmbito de
uma hospitalização são geralmente custeados pelas mutualidades. A tabela dos
reembolsos e dos pagamentos é negociada todos os anos entre os representantes das
mutualidades e os representantes da profissão médica. Os acordos têm que ser
aprovados pelo governo. Este dispositivo redunda num monopólio bilateral
supervisionado pelo governo.
Se um acordo for rejeitado por mais de 40% dos médicos, não pode ser aplicado e
oferecem-se aos poderes públicos três possibilidades:
–
submeter um outro projecto de acordo aos médicos;
–
impor uma tabela para uma parte ou a totalidade dos serviços;
–
fixar os níveis de reembolso, ficando então os médicos livres para fixarem
as suas próprias tarifas.
Os honorários recebidos pelos especialistas pelo tratamento de doentes
hospitalizados são geralmente divididos entre o hospital e o médico, mas a prática
nesta matéria é muito variável.
Produtos farmacêuticos
Os preços de todos os medicamentos comercializados na Bélgica são submetidos a
negociações, produto por produto, entre o Ministério dos Assuntos Económicos e os
laboratórios farmacêuticos. Além disso, há negociações entre uma comissão do
INAMI e os representantes da indústria farmacêutica sobre o preço dos medicamentos
homologados para reembolso.
52
Cuidados de enfermagem e de cinesioterapia
O pessoal de enfermagem e os cinesioterapeutas são remunerados por acto para os
cuidados ambulatórios. Tal como para os cuidados ambulatórios e os cuidados
médicos dispensados no hospital, a tabela de preços é negociada entre as
mutualidades e os representantes dos profissionais. O governo tem um poder de veto e
o acordo tem que ser aceite por 60% dos profissionais abrangidos para entrar em
vigor. Os enfermeiros e os cinesioterapeutas têm a liberdade de recusar o acordo a
título individual e de praticar excedentes de honorários∗ mas, se o fizerem, a taxa de
reembolso dos seus doentes sofre uma redução de 25%. Desde Abril de 1991, os
enfermeiros são remunerados na base de um montante diário fixo, em função do grau
de dependência do doente.
Cuidados hospitalares
As mutualidades financiam directamente a maior parte dos custos de
funcionamento dos hospitais. Até 1982, os custos respeitantes aos cuidados de
enfermagem e a hospedagem eram financiados com base numa diária, avaliada
retrospectivamente. Isto incitava os hospitais à despesa e ao prolongamento da
duração das estadias. Desde 1982, os orçamentos e os objectivos em termos de
número anual de dias de hospitalização são fixados de forma prospectiva pelo
governo, mas as mutualidades continuam a pagar aos hospitais cada dia de
hospitalização dos seus aderentes ao preço diário convencionado. Os hospitais que
ultrapassam o objectivo que lhes é fixado, em termos de número de dias de
hospitalização, recebem 30% do preço diário para cobrir os custos variáveis. Os
hospitais que não atingem o objectivo que lhes é fixado recebem 50% do preço diário
relativamente ao número de dias em falta, a fim de cobrirem os seus custos fixos. Os
enfermeiros hospitalares e as outras categorias de pessoal hospitalar, tirando os
médicos, são assalariados e os seus salários são negociados a nível central, com
algumas variações a nível local.
Na elaboração dos orçamentos, tem-se em linha de conta, em parte, a situação nos
outros hospitais. As despesas dos hospitais englobam três grandes componentes:
– amortização e outros custos ligados aos investimentos, que são financiados
ao seu nível de custo efectivo e não são indexados;
– custos respeitantes às prestações hoteleiras, que são harmonizados com os
custos médios em hospitais da mesma categoria e são indexados;
– custos respeitantes aos cuidados de enfermagem e aos fornecimentos
médicos, que são progressivamente ajustados em função das
especialidades praticadas e do nível de actividade clínica.
∗Ver
Glossário no início da obra. N. da T.
53
Os orçamentos são concebidos para permitir um controlo dos custos globais. Como
eles instauram uma uniformização dos custos entre hospitais da mesma categoria – e
são função, em certa medida, do volume de actividade – os orçamentos incentivam
também a eficácia. No entanto, os orçamentos não incluem os honorários dos
especialistas que são geralmente partilhados com o hospital. Na prática, as quotas de
dias de hospitalização não foram sensivelmente modificadas desde 1982 (Hermesse,
1986; De Cooman e Marchand, 1987).
No que diz respeito ao financiamento dos investimentos, os hospitais privados e os
hospitais públicos são tratados, em grande parte, da mesma maneira. Em princípio, a
autorização para um projecto de construção ou de renovação é dado pelo Ministro da
Saúde, à escala regional. Relativamente aos hospitais privados, o custo de
investimento, limitado a um montante máximo por cama, é financiado na proporção
de 60% por uma subvenção de equipamento das autoridades regionais. Os 40%
restantes são financiados por empréstimos garantidos pelo poder público,
reembolsáveis em 33 anos se se tratar de edifícios, em 10 anos se se tratar de material
não médico e em 5 anos se se tratar de material médico. Estas despesas implicam que
sejam incluídos no orçamento encargos de amortização e encargos financeiros, os
quais são repercutidos no montante da diária pago pelas mutualidades. Quanto aos
hospitais públicos, as percentagens são respectivamente 70 e 30%. As despesas
relativas aos serviços técnicos médicos não incluídas no preço diário devem ser
cobertas pelos honorários.
Casas de repouso e centros de cuidados de longa permanência
As mutualidades suportam os custos relativos aos cuidados de enfermagem e ao
auxílio prestado para os gestos da vida quotidiana. Desde Abril de 1991, foram
definidas tarifas diárias em função de quatro graus de dependência. Vão de 50 a 1 300
francos belgas por dia.
Residências para as pessoas idosas
As mutualidades assumem o encargo das despesas respeitantes aos cuidados de
enfermagem e ao auxílio para os gestos da vida quotidiana se os residentes
satisfizerem os critérios de admissão nas casas de repouso e nos centros de cuidados
de longa permanência. As tarifas diárias são fixadas em função dos mesmos quatro
graus de dependência que para as casas de repouso e os centros de cuidados de longa
permanência, mas são inferiores. Vão de 35 a 840 francos belgas por dia.
PLANIFICAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO PELOS PODERES PÚBLICOS
54
O sistema de saúde belga conjuga a planificação e a regulamentação directas pelos
poderes públicos, aos níveis central e local, com a auto-regulação pelos seguradores e
pelos prestadores.
Os poderes públicos, ao nível central, são responsáveis, em última instância, pela
extensão das prestações, pelo nível das contribuições do seguro de doença
obrigatório, assim como pelas convenções e acordos que regem as relações entre as
mutualidades e os prestadores. Desempenham um papel de primeira importância em
matéria de contenção dos custos, pelo facto de participarem, pormenorizadamente, na
elaboração dos orçamentos hospitalares, de terem direito de veto sobre o montante
dos honorários e de negociarem os preços dos medicamentos. Os poderes públicos, ao
nível, central desempenham também um papel motor na planificação (e, em parte, no
financiamento) dos investimentos hospitalares. Estabelecem as normas de
homologação que exigem que os hospitais respeitem certas normas estruturais e
arquitectónicas, departamento por departamento. Além disso, têm a responsabilidade
da acreditação dos médicos e do pessoal auxiliar. No entanto, a política respeitante ao
acesso aos estudos médicos e aos diplomas é não intervencionista. Os controlos não
incidem senão sobre os lugares de formação para os especialistas hospitalares.
Em 1980, a estrutura constitucional da Bélgica foi profundamente remodelada.
Importantes funções foram retiradas à administração central para serem confiadas às
comunidades neerlandófona e francófona. Desde então, as autoridades regionais são
responsáveis pela aplicação das normas de homologação para os hospitais, assim
como pela planificação, e também, em parte, pelo financiamento dos investimentos
hospitalares. Os ministérios regionais são responsáveis pela educação sanitária e pela
medicina preventiva.
No quadro desta regulamentação pelas autoridades centrais e locais, os
consumidores, os terceiros pagadores e os prestadores gozam de uma grande
autonomia. No âmbito do seguro de doença obrigatório, os consumidores têm a
liberdade de escolher tanto o seu segurador como o seu prestador. As mutualidades,
que se consideram como as representantes dos consumidores, desempenham um papel
importante nas negociações com o pessoal médico e outro pessoal independente sobre
as tarifas, assim como com os laboratórios farmacêuticos sobre os preços dos
produtos farmacêuticos. Também aqui, há uma espécie de monopólio bilateral. As
mutualidades desempenham também um papel determinante em matéria de
recomendação de uma revisão do nível de participação dos doentes no custo dos
serviços. Os próprios médicos formam uma Comissão (com metade dos membros
designados pelo INAMI) que examina os casos em que a actividade de um médico ou
as suas prescrições atingem níveis anormais.
QUADRO DAS REFORMAS INTRODUZIDAS RECENTEMENTE
55
O sistema de saúde belga apresenta muitos pontos fortes. Assegura uma cobertura
obrigatória global em matéria de doença a 85% da população e uma cobertura
obrigatória em relação aos grandes riscos aos 15% restantes. Este sistema garante um
alto nível de solidariedade e uma grande equidade no acesso aos cuidados. Os doentes
gozam, mais amplamente do que nos seis outros países considerados neste estudo, de
liberdade de escolha do prestador a que se dirigem. Os consumidores têm a liberdade
de escolher tanto o seu segurador como o seu prestador. Não têm que passar
obrigatoriamente por um generalista. O sistema deixa também uma grande autonomia
aos prestadores. Praticamente todos os prestadores, incluindo os especialistas
hospitalares, são remunerados por acto. É a razão por que parece existir uma grande
concorrência, tanto ao nível dos cuidados ambulatórios como ao nível dos cuidados
hospitalares (Nonneman, 1990). Se, segundo a medição extremamente parcial que se
encontra disponível, os resultados em termos de saúde pública não parecem melhores
do que em países comparáveis, o sistema parece, no entanto, corresponder muito bem
às expectativas dos doentes. O acesso aos serviços de generalistas afigura-se
particularmente rápido e prático, e são pouco numerosos os doentes que têm de
esperar para serem hospitalizados
Em contrapartida, levantam-se problemas quanto à contenção dos custos e ao
aumento das receitas, o que não tem nada de surpreendente, nem num caso nem no
outro. Independentemente do aumento da procura ligada ao envelhecimento da
população e ao desenvolvimento constante de novas técnicas médicas de elevado
custo, o sistema comporta incentivos financeiros conducentes ao aumento das
despesas. Os consumidores quase não são incentivados a restringir a sua procura,
apesar de uma fraca comparticipação no custo dos cuidados ambulatórios e de uma
comparticipação simbólica no custo dos cuidados hospitalares. Além disso, os
prestadores, na sua maioria, são fortemente incitados (do ponto de vista financeiro) a
aumentar a sua actividade e a suscitar a procura porque são remunerados por acto. Se
bem que as mutualidades, cuja acção era coordenada e apoiada pelos poderes
públicos, tenham demonstrado o seu poder de negociação, nos anos 70, na altura de
fixar as tarifas a aplicar aos seus aderentes, o volume de actividade permaneceu, em
grande parte, não controlado. As despesas de saúde aumentaram rapidamente, nos
anos 70, atingindo um nível mais elevado do que se poderia esperar tendo em conta o
nível de vida na Bélgica.
Por outro lado, o sistema apresenta deficiências estruturais. Por exemplo, a
remuneração por acto parece ter favorecido mais a prescrição de medicamentos e os
exames de laboratório do que a prevenção. Certos observadores notam que o nível de
equipamento é excessivo em certos casos – por exemplo, demasiadas camas de
hospital –, que o país carece de possibilidades de acolhimento em centros de cuidados
de longa permanência e que há, comparativamente, um número excessivo de
pequenos estabelecimentos hospitalares.
56
O sistema apresenta igualmente deficiências no plano da gestão. O facto de
coexistirem a remuneração por acto para os especialistas e o orçamento para os custos
respeitantes aos cuidados de enfermagem e à hospedagem provoca tensões entre os
médicos e os administradores. Além disso, a informação sobre a gestão dos hospitais
é, muitas vezes, insuficiente.
AS REFORMAS DOS ANOS 80
Aumentar as receitas
O alto nível do desemprego, no princípio dos anos 80, acentuou as dificuldades do
sistema de saúde do lado das receitas. Em face dessas dificuldades, o Ministro dos
Assuntos Sociais instituiu um fundo especial, em 1982, para restabelecer o equilíbrio
financeiro, a curto prazo, no sistema de segurança social. Este fundo, que é
alimentado por contribuições especiais pagas pelos assalariados, não está destinado a
tomar-se um novo elemento estrutural permanente do sistema de segurança social. As
fraquezas mais fundamentais do sistema no plano do financiamento (ligadas à
degradação da relação entre contribuintes e beneficiários) foram, em parte, corrigidas
por uma decisão governamental, no final de 1983: o governo decidiu aumentar a taxa
das contribuições para o seguro de doença em 0,75%, elevando esta taxa para 6,35%
do salário bruto. Os titulares de uma pensão de velhice têm que pagar, desde 1981,
uma contribuição à taxa de 2,55% acima de um certo nível de rendimento. Todavia,
esta contribuição não financia senão 4% do consumo de cuidados da população
reformada.
Limitar as despesas e enfrentar os problemas estruturais
Cuidados ambulatórios
Desde 1979, foi progressivamente estabelecido um sistema de perfis médicos
abrangendo todos os médicos que receitam e as profissões para-médicas, por exemplo
os cinesioterapeutas. Os perfis médicos são analisados por comissões e podem
suscitar a aplicação de sanções ou mais amplas investigações quando há excessos. Em
1990, toda a tramitação de revisão dos exames e de selecção dos perfis médicos foi
revista a fim de acelerar o processo de selecção e de aplicação das sanções. Podem ser
aplicadas sanções pelas mutualidades e pode ser retirado a certos médicos o poder de
orientação. São também organizadas comissões de base provincial, a fim de acelerar o
processo de exame dos perfis médicos à escala local.
Produtos farmacêuticos
57
Um novo sistema de reembolso dos medicamentos, preparado pelas mutualidades,
foi introduzido nos finais de 1980. O novo sistema estabeleceu uma com participação
no custo em função do preço do medicamento; a taxa moderadora é mais elevada para
os medicamentos que não são verdadeiramente indispensáveis. Trata-se de uma
mudança radical em relação ao passado em que não havia qualquer conexão entre o
preço do medicamento e o montante a cargo do doente.
Mais recentemente, o governo decidiu retirar da lista dos medicamentos
reembolsáveis nada menos de 163 medicamentos produzidos industrialmente. Ao
mesmo tempo, a taxa de reembolso de numerosos medicamentos (vasodilatadores
periféricos e cerebrais, em especial) foi reduzida, sobretudo no caso de medicamentos
cuja utilidade médica é contestada. Pensa-se que estas duas medidas reduzirão a taxa
anual de progressão das despesas ligadas ao consumo de produtos farmacêuticos em
cerca de um quinto. O governo tentou também estimular a produção e o consumo de
medicamentos genéricos que são, em média, 10 a 15% menos caros que os
medicamentos comercializados com uma marca. Todavia, até ao presente, estas
medidas não tiveram qualquer êxito. Em 1990 foi criada uma Comissão de
Transparência. Está encarregada de verificar se os preços dos medicamentos
correspondem ao seu valor terapêutico unitário. Também estabeleceu uma lista
positiva de medicamentos manipulados pelos farmacêuticos.
Financiamento e reestruturação do sector hospitalar
Em 1982, o governo anunciou reformas no sector hospitalar que previam: a
introdução de orçamentos globais prospectivos; a redução do número de camas; a
substituição de camas hospitalares para doenças graves por camas de casas de repouso
e de centros de cuidados de longa permanência; e o encerramento ou a fusão de
pequenos estabelecimentos hospitalares.
A introdução do orçamento global comportava vários aspectos. Em primeiro lugar,
é feito um orçamento para cada hospital. Em segundo lugar, é fixada uma quota de
dias para cada hospital. Para além dessa quota, as diárias são pagas a uma taxa que só
reflecte os custos variáveis. Sendo caso disso, os dias que faltarem em relação à quota
são pagos a uma taxa que só reflecte os custos fixos. Além disso, verificou-se uma
orientação gradual para a uniformização dos orçamentos dos hospitais em função das
patologias tratadas e de critérios estruturais. Finalmente, procura-se conceber
orçamentos que incitem à procura da qualidade e ao critério de avaliação médico.
O projecto de redução do número de camas hospitalares assentava numa
moratória: o número de camas de hospital não devia ultrapassar o número máximo
atingido em 1 de Julho de 1982. Nenhum novo hospital podia ser aberto sem que
outro, equivalente, fosse encerrado. Além disso, foram introduzidos incentivos
financeiros para encorajar a supressão ou a transformação de um certo número de
58
camas (ver adiante). A medida traduziu-se, entre 1982 e 1989, por uma diminuição de
14% do número de camas hospitalares destinadas a cuidados em situações agudas, o
que corresponde a metade do objectivo visado.
A reestruturação do sector hospitalar previa a criação de serviços geriátricos
especializados no hospital e a instauração de um plano de conversão em virtude do
qual camas para cuidados destinados a doenças graves e afecções crónicas podiam ser
transformadas em camas de geriatria ou em camas de casas de repouso e de centros
de cuidados de longa permanência (tanto em hospital como em casa de repouso). Isto
devia gerar economias porque os internamentos em casas de repouso e em centros de
cuidados de longa permanência são reembolsados a uma taxa inferior à dos
internamentos em estabelecimento hospitalar geral. No fim de 1989, cerca de 18 000
lugares tinham sido criados em casas de repouso e centros de cuidados de longa
permanência em consequência do encerramento de salas nos hospitais de cuidados
intensivos. No entanto, há ainda perto de 4 000 camas destinadas a doentes que
sofrem de doenças de longa duração que não foram transformadas. O destino dessas
camas é objecto de um debate político.
O projecto de concentração do sector hospitalar implicava a aplicação de uma
norma de homologação que exige um mínimo de 150 camas com o pessoal e os
serviços correspondentes. Se um hospital não puder observar esta norma, deve fundirse com um outro estabelecimento ou encerrar.
Novas medidas foram recentemente tomadas para suprimir camas de hospital e
realizar economias nos investimentos. Em primeiro lugar, se os investimentos
conduzirem a uma redução líquida do número de camas de 25% ou mais, as
autoridades regionais estão autorizadas a reduzir a sua contribuição de 60 para 30%,
tomando as mutualidades o resto a seu cargo. Por conseguinte, as autoridades
regionais dão prioridade aos projectos de construção que reduzem o número de
camas. Em segundo lugar, o Ministro da Saúde limitou a cerca de 5% por ano o
aumento do orçamento de investimentos. As autoridades regionais não podem
autorizar os projectos de construção cujo custo global exceda esse valor.
Gestão dos hospitais e sistema de informação
Uma lei de 1986 sobre os hospitais trata das relações entre os administradores dos
hospitais e os médicos. Prevê:
– a designação de um médico-chefe para participar na gestão do hospital;
– a criação, obrigatoriamente, em cada hospital de um conselho médico
investido de uma missão consultiva muito precisa;
– a criação de uma comissão permanente para consultas entre os
administradores e o pessoal médico; e
59
– a aplicação do princípio de facturação central obrigatória para os
honorários médicos.
Desde 1983, o sistema de recolha e transmissão de dados sobre a gestão dos
hospitais melhorou muito e foi informatizado. Desde 1985, os hospitais têm que
comunicar com as companhias de seguros através de bandas magnéticas, tal como os
laboratórios de patologia. No entanto, o sistema informatizado ainda não atingiu o seu
pleno desenvolvimento porque não inclui por enquanto dados acerca do diagnóstico
pronunciado sobre doentes hospitalizados. A fim de remediar esta lacuna, desde
Outubro de 1990, é pedido a todos os hospitais que façam figurar no processo dos
doentes hospitalizados o diagnóstico principal e o diagnóstico secundário, os dados
provenientes do serviço de facturação do hospital e o tipo de cuidados médicos
prestados. Estes dados deveriam permitir uma análise dos doentes e dos custos com
base em grupos homogéneos de diagnóstico (Diagnosis-related groups, DRG). O
novo sistema de informação oferece numerosas possibilidades: estudos
epidemiológicos, planificação hospitalar, normas de homologação e melhoria das
técnicas de financiamento internas e externas.
Financiamento dos exames de laboratório
Até 1988, os exames de laboratório eram principalmente pagos por acto, na base
de uma taxa média, tomando em conta a totalidade dos custos, fixos e variáveis. Este
sistema estimulava a sobreprodução. Em 1985, no quadro do acordo estabelecido
entre os médicos e as mutualidades, o Ministro da Saúde instituiu um orçamento
nacional. No entanto, os exames de laboratório continuavam a ser reembolsados por
acto e os prestadores, a título individual, não eram minimamente incitados a modificar
o seu comportamento. A única sanção no caso de ultrapassagem do orçamento
nacional era uma nova diminuição das taxas (diminuição de 30% em Agosto de 1988,
por exemplo). A partir de 1 de Agosto de 1988, foi aplicado um certo número de
medidas dirigidas no sentido da instauração de um novo sistema: os pagamentos
baseiam-se nos internamentos no caso de doentes hospitalizados e em indicações de
serviços prestados no caso de cuidados ambulatórios.
Em 1989, o Ministro fixou de novo um orçamento nacional para os exames de
laboratório e introduziu novos métodos de financiamento. Doravante, a lei estabelece
que cada laboratório deve restituir uma certa percentagem, que varia com a sua
dimensão, se o orçamento para os cuidados externos for ultrapassado. Quanto aos
doentes hospitalizados, o pagamento por exame é, no essencial, substituído por um
pagamento por dia, que vem somar-se ao pagamento por internamento. As taxas
diárias foram calculadas sobre uma base histórica (dados verificados no passado) e os
desvios são muito importantes de um hospital para outro. Em 1990 e 1991, foram
tomadas medidas para corrigir essas taxas estabelecidas sobre uma base histórica de
maneira a tomar em consideração os tipos de patologia tratados.
60
Os mesmos métodos foram aplicados, em 1989, ao tratamento dos custos das
farmácias de hospital. Em 1990, encarou-se a extensão dessas técnicas aos serviços de
radiologia.
Cuidados psiquiátricos
Em 1990, o governo decidiu aplicar uma nova política em relação aos serviços
psiquiátricos:
– nova redução do número de camas destinadas aos cuidados hospitalares de
longo prazo. Os serviços de psiquiatria de hospital serão transformados em
centros de cuidados psiquiátricos de longa permanência. Os centros de
cuidados psiquiátricos de longa permanência gozarão do mesmo estatuto
que os serviços das casas de repouso e dos centros de cuidados de longa
permanência. De 20 000 camas existentes e ocupadas do sector
psiquiátrico hospitalar, perto de 5 000 serão transformadas em camas de
centros de cuidados de longa permanência. As quantias que os doentes
terão de pagar nesses centros de cuidados psiquiátricos de longa
permanência serão nitidamente mais elevadas que no sector hospitalar,
porque aí as despesas de alimentação e alojamento ficam inteiramente a
cargo do doente;
– os doentes que tiverem permanecido mais de 5 anos num hospital
psiquiátrico terão de pagar uma quantia mais elevada;
– melhoria da qualidade dos cuidados nos serviços de cuidados intensos dos
hospitais psiquiátricos. Os efectivos médicos passarão de 10 agentes para
30 camas a 12, ou mesmo 14, nos hospitais em que a duração média de
permanência for inferior a um ano;
– instauração de um programa de habitações protegidas, fora do quadro
hospitalar, prevendo-se que a relação entre os efectivos médicos e o
número de lugares seja de um para oito. Espera-se criar assim perto de 3
000 vagas em habitações protegidas;
– estabelecimento de um serviço de coordenação entre os diversos serviços
psiquiátricos e ambulatórios em estabelecimentos. O dispositivo terá um
carácter voluntário, mas foi previsto um orçamento para assegurar a sua
administração.
61
EVOLUÇÃO E RESULTADOS
Segundo os números da OCDE, as despesas de saúde na Bélgica, convertidas em
paridades de poder de compra, elevaram-se a 879 dólares por cabeça em 1987, ou
seja, 16% a mais que as despesas observadas no Reino Unido, 80% a mais que em
França e 43% a mais que nos Estados Unidos. É praticamente o valor que se obtém
por uma recta de regressão entre a capitação das despesas de saúde e a capitação do
PIB (Schieber e Poullier, 1989).
No entanto, outras estimativas (Wouters et al., 1988), que estabelecem uma
comparação entre as despesas de saúde na Bélgica e as despesas de saúde nos Países
Baixos, com o mesmo método de estimativa que o utilizado pelo Ministério da Saúde
neerlandês, tendem a mostrar que as despesas de saúde, na Bélgica, são de facto
superiores em 10% ao nível indicado pela OCDE. Isso colocaria a Bélgica acima da
recta de regressão entre a capitação das despesas de saúde e a capitação do PIB e 30%
acima do Reino Unido, país com um nível de vida comparável.
Esbarra-se com as mesmas dificuldades de medição das despesas de saúde quando
se procura fazer comparações no tempo. Segundo os números da OCDE, as despesas
de saúde em termos reais aumentaram fortemente entre 1980 e 1990, visto que
cresceram 21 %. A parte das despesas de saúde no PIB passou de 6,6% em 1980, para
7,6%, em 1990. Foi o aumento mais rápido que ocorreu neste período nos sete países
considerados, se bem que esta progressão seja muito mais fraca que a taxa aparente
observada na Bélgica entre 1970 e 1980. Todavia, estas comparações devem ser
manejadas com prudência porque se pensa que o domínio coberto pelos valores da
despesa estimados para a Bélgica evoluiu ligeiramente com o tempo.
Sendo assim, o governo conseguiu efectivamente limitar a amplitude do sector
hospitalar dos cuidados relativos a doenças graves e patologias graves e melhorar a
sua eficiência. O número de camas de hospitais gerais passou de 7,04 por 1 000
habitantes, em 1983, a 6,29 por 1 000 habitantes em 1988. Apesar desta redução de
capacidade, a duração média de permanência baixou mais de 10% e a taxa de
admissões aumentou ligeiramente no decurso do mesmo período (Ministério da Saúde
Pública, 1988).
Todavia, em vários outros sectores, o sistema achou-se encerrado num círculo
vicioso. O aumento do volume de actividade, favorecido pelos mecanismos da
remuneração por acto, acarretou uma diminuição do nível dos honorários em termos
reais, mas esta foi imediatamente anulada por um novo aumento de volume de
actividade. Efectivamente, os prestadores esforçaram-se por manter ou aumentar o
seu rendimento real. Foi particularmente o que se observou quanto aos serviços de
laboratório, até que o modo de pagamento fosse revisto no fim da década (Kesenne e
Cannoodt, 1989).
62
Segundo os trabalhos da OCDE (1987), Schieber et al. (1991) e os números
apresentados no quadro 10.2 (no capítulo 10), a situação é bastante clássica na
Bélgica no concernente ao parque de camas hospitalares por 1 000 habitantes, ao
número de admissões por 1 000 habitantes e à duração média da permanência no
hospital. Em contrapartida, é um país em que o número de médicos por 1 000
habitantes é excepcionalmente elevado (próximo do que se observa em Espanha), em
que o número de consultas por habitante está acima da média, e em que a relação
entre o rendimento médio dos médicos e o rendimento médio dos assalariados é
excepcionalmente baixa. Os jovens generalistas têm muitas vezes que contar com os
ganhos da esposa para completar o seu rendimento. Não é assinalado que haja longas
listas de espera para o hospital. Por outro lado, como mostra o quadro 10.3, o nível da
mortalidade perinatal na Bélgica é bastante representativo dos níveis observados nos
outros países considerados neste estudo, e baixou de forma bastante habitual, entre
1980 e 1986.
O DEBATE PROSSEGUE
Duas questões continuam a dominar o debate sobre a política de saúde na Bélgica:
Como conter o custo da saúde no contexto do seguro de doença? Quem suportará o
encargo do crescimento das despesas de saúde?
O Ministro dos Assuntos Sociais organizou uma mesa-redonda sobre este tema, em
1989. Uma das principais questões examinadas pelos participantes foi a definição das
responsabilidades que incumbem aos diferentes parceiros no sector da saúde. Os
participantes nesta reunião reflectiram sobre um certo número de aspectos:
responsabilidade financeira, papel dos dispositivos e acordos em matéria de tarifas,
supervisão médica e controlo administrativo do seguro de doença.
No seu relatório final, o Grupo de Trabalho Financeiro elaborou uma série de
princípios relativamente ao financiamento dos cuidados:
– é preciso manter um financiamento misto, por contribuições e pelo
imposto, o que justifica a intervenção e o papel de todas as partes
implicadas na gestão da segurança social;
– as contribuições para a segurança social não devem aumentar e a parte do
seguro de doença não deve crescer em detrimento dos outros ramos da
segurança social;
– a fiscalidade geral deveria cobrir o essencial das despesas de saúde,
independentemente das contribuições, mas ela não deveria representar uma
percentagem fixa do total e é pouco provável que, no futuro, ela possa ser
muito aumentada;
63
– não há praticamente possibilidades de aumentar a participação dos doentes
nos custos.
O relatório final elaborado na sequência da mesa-redonda evoca a questão da
contenção das despesas, mas limita-se a encarar a questão da dotação orçamental
segundo uma óptica geral. Recomenda que se reparta uma dotação global dos poderes
públicos, ao nível central, entre os diferentes sectores, sob a supervisão de comissões.
No entanto, o relatório não indica nada de preciso sobre a maneira como as comissões
deveriam funcionar. Recomenda também que se apurem e apliquem métodos de
«orçamentalização» global.
No seguimento destas propostas, em Dezembro de 1990, o governo apresentou um
projecto de lei para a contenção das despesas, que modifica a lei sobre o seguro de
doença e prevê um certo número de medidas:
– fixação de um orçamento global para as despesas de saúde e fixação de
vários orçamentos distintos por sectores;
– obrigatoriedade da aplicação de mecanismos correctivos quando o
orçamento global ou os orçamentos parciais forem ultrapassados;
– criação de uma Comissão de Controlo Orçamental encarregada de velar
pela realização dos objectivos em matéria orçamental e de propor os
ajustamentos a introduzir;
– atribuição de poderes ao ministro para intervir quando os prestadores de
cuidados e as mutualidades não conseguirem atingir os seus objectivos em
matéria orçamental.
O projecto de lei é rico de consequências quanto ao equilíbrio entre a regulação do
sistema de saúde pelos poderes públicos e a auto-regulação. Não confia
responsabilidades financeiras acrescidas às mutualidades, mas reforça o papel dos
poderes públicos no respeitante à contenção das despesas de saúde.
Parece que poderia resultar daqui uma repartição mais clara das tarefas no
respeitante ao sistema de saúde na Bélgica. Os poderes públicos teriam a plena
responsabilidade da eficiência macroeconómica – ou da contenção geral das despesas
de saúde – e os doentes, os seguradores e os prestadores procurariam a eficiência
microeconómica num contexto estrito de solidariedade e de orçamentos globais. De
uma certa forma, isso permitiria aos poderes públicos não terem que intervir no
pormenor. Como os consumidores não estão sensibilizados para os custos, as
mutualidades ficariam encarregadas de negociar os honorários e as tarifas com os
prestadores e partilhariam a preocupação da contenção das despesas com os poderes
públicos. Do mesmo modo, uma vez que os consumidores estão geralmente mal
colocados para avaliar a qualidade técnica dos cuidados, seriam os prestadores e as
64
mutualidades que ficariam encarregados de elaborar procedimentos que garantissem
melhor a qualidade.
No entanto, parece que a Bélgica poderá continuar a confiar, como o faz
tradicionalmente, na liberdade de escolha dos consumidores e na autonomia dos
prestadores para assegurar a concorrência entre os prestadores, uma grande
receptividade face à procura e um alto nível de satisfação dos doentes. Com efeito,
uma preocupação mais nítida de eficiência macroeconómica é, talvez, a melhor forma,
a longo prazo, de preservar a medicina liberal, com as vantagens que ela comporta em
termos de liberdade de escolha do doente e de autonomia dos prestadores.
Notas
1
Este capítulo inspira-se nos trabalhos de J. Hermesse, J. Kesenne e L. Moorthamer, Aliança
Nacional das Mutualidades Cristãs e de A. de Wever J. Beeckmans, Ministério dos Assuntos Sociais
(Bélgica).
2
Estas estimativas, calculadas apenas para o ano de 1987, situam-se a um nível ligeiramente mais
elevado do que as do Secretariado da OCDE, porque compreendem as despesas das províncias e das
comunas, mas também algumas rubricas que aparecem classificadas sob as epígrafes de ambiente,
higiene e conforto nas contas de outros países.
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66
Capítulo 4
A REFORMA DO SISTEMA DE SAÚDE EM FRANÇA
INTRODUÇÃO
O sistema de saúde francês é certamente o mais complexo dos que constituem o
objecto deste volume. Com efeito, associa, do lado do financiamento, um regime geral
de seguro de doença racional que assenta, em grande parte, sobre o princípio da
partilha das despesas, ao qual se juntam seguros complementares e, do lado da oferta
de cuidados, um regime pluralista em que coexistem prestadores liberais e públicos.
Os modos de remuneração dos prestadores são extremamente variados. A primeira
parte deste capítulo é consagrada à descrição das principais características deste
sistema que, sob muitos pontos de vista, deve mais à acumulação no tempo de
alterações pontuais do que à aplicação dum projecto unitário adoptado em
determinado momento.
Vários comentadores franceses fizeram notar que há uma espécie de contradição
entre os princípios socialistas em que se inspira o regime nacional de seguro de
doença, e os princípios de livre empresa em que se inspira implicitamente o exercício
independente da medicina sob a etiqueta de «medicina liberal». O «casamento»
imposto e difícil entre os dois princípios foi qualificada de «união onerosa» (Rodwin,
1981a) porque um e outro comportam incentivos ao incessante desenvolvimento dos
serviços médicos. Se é certo que não foi introduzida qualquer modificação estrutural
no regime de seguro social nestes últimos anos, os puderes públicos adoptaram um
certo número de reformas modestas tendentes a estabilizarem a despesa global e a
melhorarem o desempenho. Na segunda parte do capítulo, essas reformas serão
examinadas e alguns exemplos mostrarão como o sistema reagiu no decurso dos
últimos dez anos.
Como o financiamento e o funcionamento do sistema de saúde se defrontam
constantemente com dificuldades, abriu-se em França um debate sobre a necessidade
de operar uma verdadeira refundição estrutural do sistema. O final do capítulo é
consagrado a uma descrição e uma avaliação de algumas das fórmulas que foram
encaradas.
DESCRIÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE
Em relação aos modelos apresentados no capítulo 2, o sistema de saúde francês é
uma mistura complexa de quatro subsistemas, pelo menos. Na base, encontra-se um
sistema de reembolso público associado a um modelo de contrato de serviço público
para os tratamentos ambulatórios e os hospitais privados, ao qual se junta um modelo
67
público integrado para os hospitais públicos. O sistema público a que se chega então é
completado por um seguro voluntário, segundo o modelo de reembolso.
O gráfico 4.1 apresenta algumas grandes características do modo de organização e
de financiamento dos cuidados médicos no final dos anos 80. Em baixo à esquerda,
encontra-se a população, da qual 60% dos membros caem doentes e fazem apelo aos
serviços médicos seja qual for o ano considerado, e em baixo à direita, os prestadores
de serviços. Ao cimo encontram-se os terceiros pagadores, públicos e privados. Os
fluxos de serviços estão representados em traço contínuo e os fluxos financeiros em
tracejado.
Os prestadores estão distribuídos da seguinte forma: os serviços de saúde públicos,
os farmacêuticos, os generalistas e os especialistas que exercem a título liberal, os
centros médicos ou «dispensários» municipais em que os médicos são assalariados, os
hospitais públicos em que os médicos são assalariados (agrupando estes
estabelecimentos cerca de dois terços das camas) e os hospitais privados, com fim
lucrativo ou não lucrativo, em que os médicos são geralmente remunerados por acto
(agrupando estes hospitais o restante terço das camas). Além disso, existem diversos
tipos (não indicados no gráfico) de estabelecimentos de longa permanência e de
serviços de cuidados de enfermagem e domicílio e de auxílio doméstico financiados,
quer pelo regime de seguro de doença, quer pelo ramo de velhice da segurança social,
quer pelo regime de assistência social, quer ainda por organismos privados.
Os terceiros pagadores estão distribuídos como se segue: as caixas de seguro de
doença obrigatório ou «caixas nacionais» (que são organismos quase autónomos que
não relevam dos poderes públicos, e estão encarregados de assegurar o funcionamento
do regime nacional de seguro de doença obrigatório que cobre 99% da população), as
mutuais (organismos de seguro de fim não lucrativo) e os seguradores privados que
cobrem cerca de 80% da população, por meio de um seguro voluntário complementar
e organismos públicos como o Ministério da Saúde, que financiam essencialmente
serviços públicos de saúde e atribuem um certo volume de capitais aos prestadores
públicos. As prestações dos seguradores consistem em reembolsar os doentes da
maior parte dos cuidados ambulatórios e em pagar directamente aos prestadores a
maior parte dos cuidados hospitalares, sob reserva de uma participação do utente nas
despesas em ambos os casos.
O seguro social cobre mais de 70% das despesas totais de saúde, as mutuais cerca
de 6%, o sector público cerca de 4%, os seguradores privados cerca de 2%, o que
deixa aproximadamente 17% do total a cargo das famílias (CREDES, 1989).
68
Gráfico 4.1 - Esquema pormenorizado do funcionamento do sistema de saúde da França
em 1988
RELAÇÕES ENTRE DOENTES E PRESTADORES
As relações entre doente e médico continuam a reger-se, quanto ao essencial, pelos
princípios da medicina liberal que remontam aos anos 20:
– livre escolha do médico pelo doente;
– liberdade do médico de prescrever e de escolher o seu local de exercício;
69
– pagamento por acto pelo doente, de forma ideal segundo acordo entre as
duas partes sem intervenção exterior, e
– sigilo absoluto.
As únicas derrogações a estes princípios consistem na adopção pelos poderes
públicos, em 1960, duma tabela de remuneração (ou «numenclatura» dos actos
médicos) aplicável à escala nacional aos médicos liberais e, por outro lado, no facto
de um terço dos médicos serem assalariados do Estado a tempo inteiro e um outro
terço a tempo parcial, principalmente nos hospitais públicos.
Nestas condições, o doente que necessita de cuidados médicos primários pode
consultar qualquer médico. O generalista não desempenha a função de triagem. O
doente paga, ele próprio, o serviço que lhe é prestado e o preço pedido corresponde a
esse serviço, acrescido de um excedente de honorários, se o médico consultado estiver
autorizado a recebê-lo. Do mesmo modo, se o doente receber uma receita do médico,
dirige-se geralmente a um farmacêutico privado e paga ele próprio os medicamentos.
O doente poderá, depois, fazer-se reembolsar de uma parte das despesas pela sua
caixa de segurança social, sob reserva de uma comparticipação nas despesas (taxa
moderadora) e de qualquer excedente de honorários. No entanto, cada vez mais
doentes pagam apenas a taxa moderadora, sendo os farmacêuticos reembolsados
directamente pela caixa de doença.
Para as consultas médicas, a taxa moderadora representa normalmente 25% do
preço devido nos termos da convenção; para os medicamentos «indispensáveis», é de
30%, mas atinge 60% para medicamentos ditos de «conforto». Cerca de 10% dos
segurados estão isentos da taxa moderadora por sofrerem de uma doença de longa
duração. Se o doente tiver contratado um seguro voluntário complementar, pode ser
reembolsado de uma parte suplementar das suas despesas médicas, normalmente
correspondente à totalidade da taxa moderadora; o excedente de honorários pode serlhe reembolsado na totalidade ou em parte segundo o tipo de cobertura de que
beneficia.
Existem, por outro lado, mais de 2 000 dispensários municipais em que médicos
assalariados prestam os cuidados ambulatórios e preventivos. Estes dispensários
desempenham um papel importante junto das famílias desfavorecidas, uma vez que o
doente não tem que pagar senão a parte das despesas que não é coberta pela segurança
social. Por vezes, o doente pode ser mesmo totalmente dispensado de pagar.
Em caso de hospitalização, também o doente tem a liberdade de escolher entre o
hospital público e o hospital privado, sendo os cuidados cobertos em ambos os casos
sem discriminação pelo regime nacional de seguro de doença. Nos hospitais privados,
«o dinheiro segue o doente», enquanto que os hospitais públicos são dotados de um
orçamento global. Cerca de dois terços do número de camas encontram-se nos
hospitais públicos. Os cuidados são aí dispensados por médicos assalariados a tempo
70
inteiro ou a tempo parcial. O restante terço das camas é gerido por clínicas privadas,
na maior parte dos casos de fim lucrativo, em que os médicos são remunerados por
acto. Frequentemente são médicos os proprietários dessas clínicas. Os hospitais
públicos são geralmente grandes estabelecimentos, bem equipados para tratar os
acidentes, as urgências e as patologias mais graves. Os hospitais privados são
geralmente mais pequenos e tendem a especializar-se em cirurgia facultativa, em
obstetrícia ou em cuidados de longa duração. Os dois tipos de estabelecimentos
completam-se até certo ponto, mas entram, cada vez mais, em concorrência,
adquirindo certas clínicas privadas os equipamentos requeridos para tratar dos casos
mais complexos.
Em princípio, os doentes, na sua maioria, têm que fazer a estadia num hospital
público, sendo reembolsados depois, mas, na prática, as caixas liquidam a factura do
hospital, não deixando o doente pagar senão a fracção da despesa que está a seu cargo
(ou seja, no final de 1991, 55 F.F. por dia para os doentes hospitalizados com um
seguro suplementar de 20% para as estadias de breve duração de menos de 30 dias, se
o doente não estiver isento do pagamento). A despesa hospitalar não é financiada
directamente pelos doentes senão na proporção de 4% do total.
Finalmente, existe uma vasta rede de estabelecimentos de longa permanência que
acolhem 4% da população de idade superior a 60 anos e também serviços de apoio no
domicílio sob a forma de cuidados de enfermagem e de auxílio em tarefas domésticas
(Rozenkier, 1990).
AS RELAÇÕES ENTRE OS DOENTES E OS TERCEIROS PAGADORES
A quase totalidade da população está coberta pelo seguro obrigatório de doença
que faz parte do regime de segurança social. Este seguro cobre mais de 70% das
despesas médicas totais. A inscrição em determinada caixa de seguro de doença está
ligada à actividade exercida. A Caixa Nacional de Seguro de Doença dos
Trabalhadores Assalariados (CNAMTS) cobre perto de 80% dos segurados
obrigatórios, incluindo os reformados e as pessoas a cargo. Existe uma quinzena de
caixas mais pequenas que cobrem, por exemplo, os empresários e os trabalhadores
agrícolas, os trabalhadores independentes e certos grupos especiais de assalariados,
como os mineiros e os empregados dos transportes públicos. Existe também uma rede
de segurança de assistência médica em favor das pessoas que nunca tiveram emprego
estável e que não podem assumir as suas despesas (cerca de 2,8 milhões de pessoas).
As contribuições a pagar às caixas variam segundo o regime, mas são sempre
função do rendimento. Para a CNAMTS, a contribuição da entidade patronal era, em
Julho de 1992, de 12,6% e a do assalariado de 6,8% do montante total do salário, sem
“tecto” de remunerações. Se o trabalhador contribuir também para uma mutual ou
para um seguro privado na proporção aproximada de 2,5% do salário, é mais de um
71
quinto da remuneração (incluindo a contribuição da entidade patronal) que é afectado
ao seguro de doença. Além disso, a entidade patronal tem que contribuir para um
regime distinto que cobre os acidentes de trabalho. Os trabalhadores independentes,
esses, pagam a totalidade da contribuição calculada com base no seu rendimento
declarado. Desde 1980, a maior parte dos reformados paga um quantitativo
equivalente a 1% da sua pensão. Existem várias fórmulas de subvenções cruzadas
entre os diversos regimes porque há desequilíbrios entre as contribuições e as
prestações. O Estado paga igualmente uma pequena subvenção de base fiscal,
financiada em parte por uma taxa sobre o seguro automóvel e pelos impostos
indirectos sobre o consumo de álcool e de tabaco.
Estes regimes fornecem, ao mesmo tempo, prestações pecuniárias (sob a forma de
subsídios de doença) e prestações em espécie (abrangendo os cuidados ambulatórios,
os medicamentos, a maternidade, os cuidados dentários, os artigos médicos e a
hospitalização). Os números citados não entram em conta com as prestações em
numerário. A maior parte das prestações em espécie correspondentes a cuidados
ambulatórios é objecto de um reembolso parcial das despesas médicas. Mas as
diversas caixas pagam também directamente os cuidados hospitalares em proporções
consideráveis.
A CNAMTS e os outros seguradores obrigatórios são organismos não
governamentais, quase autónomos, dotados de uma sede central para o conjunto do
território francês e de uma rede de agências regionais e locais. São objecto de um
controlo de gestão à escala nacional e à escala local pelas associações de assalariados
e sindicatos, mas também estão sujeitos ao controlo estrito da administração central
no que constitui essencialmente, uma função de interesse público. Em especial, as
taxas de contribuições e as tabelas de remuneração negociadas com os prestadores de
cuidados assim como os preços dos produtos farmacêuticos estão, sob o controlo da
administração central.
As «mutuais» (das quais vários milhares não contam senão um pequeno número de
aderentes) e os seguradores privados não desempenham mais que um papel de
complemento no sistema: cobrem a taxa moderadora, certos excedentes de honorários
e um pequeno número de prestações que são suportadas pela segurança social. Estas
mutuais são geralmente organizadas em benefício de grupos de assalariados ou de
membros das profissões liberais e as contribuições assentam no princípio da
solidariedade. Os seguradores privados, por seu turno, propõem os seus serviços no
mercado livre e cobram prémios fixos em função do risco actuarial e das prestações
garantidas.
72
AS RELAÇÕES ENTRE OS TERCEIROS PAGADORES E OS PRESTADORES
No sector dos cuidados ambulatórios e do hospital privado (ou seja no sector
«liberal»), a relação entre os organismos de seguro obrigatório e os médicos
caracteriza-se desde há muito por uma luta entre o desejo de conter as despesas que
anima os seguradores e o desejo de reservar «a medicina liberal» que anima a maior
parte dos médicos (Godt, 1985).
Desde 1960, a lei estabelece que uma tabela de remuneração dos generalistas e dos
especialistas, válida à escala nacional, seja negociada entre os seguradores e os
representantes dos médicos. Esta tabela ou «nomenclatura» de actos tem três
componentes: uma lista de mais de 4 000 actos classificados em cerca de cinquenta
código alfanuméricos (ou «letras chave»); uma escala de valores relativos para cada
acto; e uma série de coeficientes monetários para os códigos alfanuméricos. O médico
elabora a sua factura em conformidade com o número de pontos indicados em cada
código. A actualização da lista dos actos e dos valores relativos é pouco frequente e o
valor indicado não corresponde em geral, ao custo relativo dos diferentes actos.
Quanto aos coeficientes monetários, são geralmente renegociados todos os anos. Os
códigos alfanuméricos têm por função preservar o sigilo médico em favor do doente;
as consultas, por exemplo, são indiferenciadas. A codificação serve também para
dissimular, em grande parte, aos olhos dos seguradores os pormenores de carga de
trabalho de cada médico.
Os médicos têm a liberdade de não aderir à convenção estabelecida com o regime
de segurança social, mas no final dos anos 80, cerca de 97% deles subscreviam esta
convenção e eram ditos «convencionados». Todavia, os médicos convencionados têm
a faculdade de escolher entre dois sectores de exercício:
– No sector 1, os médicos aceitam ater-se à tabela de remuneração negociada,
em troca de certas vantagens sociais; uma reforma concedida a título
gratuito e um seguro de doença individual. Esta fórmula garante por sua
vez ao doente ser reembolsado na proporção de 75% do preço da tabela.
– No sector 2, os médicos estabelecem livremente o montante da sua
remuneração (com «tacto e moderação») mas são obrigados a pagar
contribuições para a sua reforma e o seu seguro de doença. Esta fórmula
expõe o doente a «excedentes» de honorários, visto que o reembolso, pelas
caixas de segurança social, é calculado segundo a tabela de remuneração de
base.
Em 1990, não eram menos de 26% os médicos que tinham escolhido exercer no
sector 2, na sua maior parte especialistas e generalistas de grandes cidades. O
fenómeno resulta, em parte do facto, da tabela de honorários não comportar nenhum
elemento de ponderação em função, quer do prestígio do médico, quer das variações
73
geográficas de custo. É a razão pela qual se tornou difícil encontrar, no centro de
cidades como Paris e Lyon, especialistas que exerçam no sector 1.
Os seguradores não têm praticamente nenhum controlo sobre o volume de serviços
médicos nem sobre o lugar de exercício dos médicos. Em contrapartida, seguem de
perto o volume da actividade de cada médico e comunicam-lhe os resultados do
controlo, na esperança de que esta informação de retorno influencie o seu volume de
actividade. A sobreprescrição pode ser sancionada.
No que diz respeito aos medicamentos, há uma lista de produtos reembolsáveis: os
produtos farmacêuticos devem, efectivamente, ser aprovados para efeitos de
reembolso a um preço que é fixado, produto por produto, pela Direcção Francesa dos
Medicamentos. No que diz respeito aos produtos novos, a sua venda é autorizada a
um preço bastante elevado que é suposto compensar, em parte, o custo da pesquisadesenvolvimento, mas, quando um medicamento não apresenta interesse terapêutico
em relação aos seus concorrentes, só será incluído na lista se o seu preço for inferior
ao deles. Desde 1990, os farmacêuticos são remunerados segundo uma escala móvel
ligada ao custo do medicamento vendido por receita. Em regra geral, o doente paga,
ele próprio, ao farmacêutico o preço dos medicamentos e é reembolsado depois pela
sua caixa de segurança social. Mas está igualmente previsto que o farmacêutico seja
pago directamente pela caixa quando o doente está dispensado de qualquer
pagamento.
Desde 1984 ou 1985, os hospitais públicos e certos hospitais privados de fim não
lucrativo estão dotados de um orçamento de funcionamento global e prospectivo. As
despesas são cobertas pelos diversos seguradores locais em função do número de dias
de hospitalização contabilizados na zona geográfica de cada um deles. Nos hospitais
públicos, os médicos são assalariados. A dotação orçamental destes estabelecimentos
compreende uma verba para amortização de equipamento e para os encargos
financeiros e é calculada em função das despesas anteriores. É a administração central
que fixa a taxa de progressão de todas as dotações orçamentais globais e ela não deixa
grande latitude para variações no plano local. A dotação é posta à disposição dos
hospitais por duodécimos. A política dos poderes públicos consiste em procurar
normalizar o montante da dotação para todos os hospitais em função do volume de
trabalho.
As despesas de investimento dos hospitais públicos são no essencial autofinanciadas (principalmente graças às verbas para amortizações) e cobertas por
empréstimos. As subvenções públicas que são concedidas principalmente para vastos
programas novos, não cobrem senão cerca de 10% dos investimentos recentes. Estas
modalidades de financiamento favorecem geralmente os hospitais que beneficiam já
de uma dotação confortável.
74
Os hospitais privados, pelo seu lado, recebem o reembolso, calculado por dia, dos
internamentos hospitalares: os serviços dos médicos são remunerados separadamente
por acto, segundo a mesma convenção que se aplica aos cuidados ambulatórios. As
taxas praticadas cobrem as amortizações e os encargos financeiros. São negociadas
entre os hospitais e os seguradores de acordo com as directivas dos poderes públicos
sobre a progressão anual dos preços autorizada. A partir de 1992, foi estabelecida
uma espécie de “tecto”, salvo para a cirurgia de urgência∗.
O regime de seguro de doença obrigatório desempenha, além disso, um papel
importante no financiamento dos cuidados de longa duração que são, em boa parte,
assegurados pelo sistema hospitalar. Os cuidados de enfermagem no domicílio e os
cuidados médicos, nos estabelecimentos especializados para pessoas idosas, são
igualmente subsidiados. Entre as outras fontes de financiamento por uma terceira
entidade, devem citar-se o ramo velhice do regime geral de segurança social e a
assistência social (Rozenkier, 1990).
A PLANIFICAÇÃO E A REGULAÇÃO ASSEGURADAS PELOS PODERES
PÚBLICOS
O sistema de saúde está, portanto, submetido a uma vigilância estreita dos poderes
públicos: não se faz grande apelo à auto-regulação. Em vez de deixar as caixas de
segurança social fazerem contrapeso, é a administração que toma a iniciativa do
controlo das despesas e que assegura o planeamento. As caixas, segundo parece, são
responsáveis perante as entidades patronais e os assalariados e, por conseguinte, estão
expostas localmente a pressões quando negoceiam com os médicos e com os hospitais
privados. Sob muitos pontos de vista, comportam-se mais como financiadores
passivos do que como compradores activos. Acontece mesmo por vezes que se aliem
passageiramente com os prestadores independentes contra os poderes públicos.
O controlo dos poderes públicos exerce-se de várias formas, das quais as principais
são:
– regulação das taxas de contribuição para a segurança social:
implicitamente, o princípio parece ser o de que a progressão das despesas
de saúde não deve ser superior à do PIB;
– controlo do orçamento global dos hospitais públicos;
– controlo dos vencimentos e salários, assim como do número de postos de
trabalho nos hospitais públicos;
– supervisão das negociações sobre os honorários e os preços dos médicos e
dos hospitais privados e controlo directo dos preços pagos pelos
∗
“chirurgie de jour” no original francês. N. da T.
75
seguradores pelos medicamentos e pelos artigos médicos (a partir de 1992,
certas negociações podem ser feitas ao nível das caixas);
– planeamento das compras de equipamento e das novas construções de
hospitais públicos assim como dos hospitais privados (estabelecimento de
uma «carta sanitária»);
– controlo dos efectivos de estudantes admitidos no segundo ano dos estudos
médicos a fim de travar a progressão do número dos médicos;
– limitação (elevada) da relação entre o número de farmácias e o de
habitantes (numerus clausus).
Como o mostra o quadro 4.1, a administração central exerce essencialmente o seu
controlo sobre os preços e sobre os novos investimentos. Em contrapartida, a
actividade escapa largamente ao seu controlo, com ressalva do efeito indirecto da
dotação orçamental global dos hospitais públicos.
Quadro 4.1 - Regulação dos preços e do volume pelos poderes públicos1
Controlo dos preços
Taxa de
crescimento
Hospitais públicos
Orçamento global
e controlo dos
vencimentos e
salários
Hospitais privados
Indemnizações
diárias2
Médicos liberais
Nomenclaturas e
letras-chave
Prestadores paramédicos
independentes
(laboratórios,
ambulâncias, cuidados de
enfermagem)
Nomenclaturas e
letras-chave3
Produtos farmacêuticos
Preço público de
reembolso
1
Preço
unitário
76
Actividade
Investimentos
Camas,
equipamentos
pesados
x
Esquema sugerido por Christine Meyer, do Comissariado Geral do Plano.
Com “tecto”, a partir de 1992 (salvo para a cirurgia de urgência).
3
Com “tecto”, a partir de 1992.
2
Controlo do volume
x
Camas,
equipamentos
pesados
x
Efectivos dos
estudantes de
medicina
x
Número de
farmácias
REFORMAS RECENTES
No decurso da última década, a reforma de maior importância foi a adopção do
princípio de um orçamento prospectivo global para os hospitais públicos (em 1984,
para os hospitais mais importantes e, em 1985, para os outros). Como a ideia é conter
as despesas, esta dotação global substitui então o regime de taxa regulamentada de
progressão das diárias, o qual substituía já um modo de cálculo da diária que
assentava, mais ou menos, na despesa retrospectiva. O sistema de preço diário
incitava os directores de hospitais a prolongarem, ao máximo, a duração média da
permanência hospitalar. A dotação global permite um controlo muito mais estrito da
despesa total, mas proporciona, ao mesmo tempo, à escala local, uma maior liberdade
de gestão. Desde o princípio dos anos 80, este controlo mais estrito dos hospitais
públicos é apoiado por um controlo dos vencimentos e salários.
Uma outra reforma com efeitos importantes consistiu, nos anos 80, em conceder
aos médicos que prestam cuidados ambulatórios a liberdade de acederem ao sector 2
no âmbito da convenção que rege os honorários médicos, o que os autoriza a pedir ao
doente um excedente de honorários. O acordo inclui uma disposição segundo a qual
os doentes que consultam esses médicos não serão doravante reembolsados senão ao
nível de uma percentagem previamente fixada da remuneração negociada à escala
nacional. Esta fórmula substitui um dispositivo anterior nos termos do qual o
privilégio de fixar livremente os seus próprios honorários só era concedido a um
pequeno número de médicos escolhidos pelo seu renome científico; os doentes eram,
então, reembolsados de determinada percentagem dos honorários efectivamente
pagos. A reforma teve, segundo parece, por finalidade fazer suportar pelo doente (ou
pelo seu seguro complementar) uma parte do financiamento de honorários médicos
em progressão constante. A ideia era também a de que a liberdade que passava a ser
reconhecida ao médico de escolher o sector 2 seria moderada pelo facto de os doentes
suportarem integralmente o custo do excedente de honorários.
Todavia, a adesão de um grande número de médicos ao sector 2 constitui agora
obstáculo, nas grandes cidades, ao acesso aos especialistas por parte dos doentes de
recursos modestos. Como observou Enthoven (1988), quando a curva da oferta é
inelástica, a liberdade concedida aos prestadores de imporem esses excedentes de
honorários permite-lhes avançarem até atingirem o montante correspondente à soma
do pagamento coberto pelo seguro com o pagamento correspondente aos honorários
antes do seguro, de tal modo que os utentes acabam por vir a encontrar-se não
segurados. Além disso, as vantagens cada vez mais substanciais concedidas aos
médicos do sector 1 começam a abalar a posição dos poderes públicos quando estes
têm que negociar o montante dos honorários nos dois sectores. Em 1989, o Estado
decidiu, portanto, congelar o acesso ao sector 2. Após intermináveis negociações
entre os seguradores, a administração e os sindicatos de médicos, marcados por
greves dos internos (jovens médicos hospitalares), cuja carreira poderia sofrer com
77
uma tal medida, foi assinado em Março de 1990 um novo acordo cujos principais
elementos são os seguintes:
– congelamento temporário do acesso ao sector 2, salvo para um determinado
pequeno grupo de internos;
– obrigatoriedade para os médicos que pertenciam já ao sector 2 de
consagrarem 25% da sua actividade a serviços remunerados pela tarifa
convencional negociada à escala do país, a cuidados inteiramente gratuitos
ou ainda a algum outro serviço de interesse público;
– o financiamento pelos médicos da formação médica contínua passou a ser
assegurado pela retenção de uma quantia módica sobre os honorários;
– aumento imediato dos honorários em 5 francos.
Os poderes públicos adoptaram, também no decurso dos anos 80 e no princípio dos
anos 90, um certo número de reformas menores ou «planos», principalmente com
vista a travar a progressão das despesas, nomeadamente:
– a supressão, em 1980, da limitação (“plafonnement”) das remunerações
para efeitos de cálculo das contribuições salariais e, em 1984, para cálculo
das contribuições patronais;
– pequenos aumentos periódicos da fracção das despesas de medicamentos a
cargo do doente e colocação a seu cargo de um modesto montante fixo
hospitalar;
– a adopção, em 1983, duma lista «negativa» de medicamentos, isto é, não
reembolsáveis pelos seguradores;
– várias reformas dos estudos médicos, incluindo um estreitamento dos
mecanismos de controlo dos efectivos dos estudantes de medicina, de tal
sorte que o número de diplomas concedidos passou de 6 400 em 1980, para
4 100 em 1988;
– a adopção de um novo modo de remuneração dos farmacêuticos baseado
agora numa escala móvel ligada ao preço dos medicamentos e já não numa
determinada proporção desse preço;
– a criação, em 1989, de um organismo nacional incumbido de proceder à
avaliação das tecnologias médicas;
– a adopção de medidas tendentes a encorajarem a medicina preventiva em
certas regiões;
– a adopção em 1986, 1990 e 1991, de novas medidas destinadas a limitarem
o reembolso dos produtos farmacêuticos;
78
– a limitação das despesas de laboratório e de sala de operações nos hospitais
privados: desde 1991, as despesas de laboratório têm que ser incluídas na
diária do hospital, e o nível das despesas de salas de operações não deve
exceder o de 1990. Um sistema de informação «medicalizado» deve ser
instaurado, a partir de 1993, para fazer assentar os pagamentos numa base
de actividade real;
– negociação, em 1991, de acordos respeitantes aos serviços de laboratório de
análises patológicas ou de ambulâncias para fixar um “tecto” às despesas de
investimento (ao nível de 1990);
– negociação, em 1991-1992, de acordos similares com os enfermeiros que
exercem profissão liberal e com outras profissões ligadas à saúde; só o
acordo com os médicos não entra em vigor por falta de ratificação.
CRESCIMENTO E DESEMPENHO
Em resumo, o sistema de saúde francês associa um seguro de doença universal de
âmbito nacional com um regime pluralista de prestações e com a remuneração por
acto de uma grande parte dos cuidados médicos. Os poderes públicos exercem um
controlo estrito sobre os honorários e os preços, mas um controlo fraco sobre o
volume dos factores de produção e sobre a actividade. Este sistema é essencialmente
«induzido pela procura», pelo menos até à adopção em 1984-1985, do mecanismo do
orçamento global para os hospitais públicos.
Não é talvez surpreendente, nestas condições, constatar, segundo os números da
OCDE, uma progressão rápida entre 1960 e 1985 da parte do PIB afecta às despesas
de saúde, que passam de 4,2% em 1960, a 5,8% em 1970, a 7,6% em 1980 e a 8,8%
em 1990. A França registou, portanto, nos anos 80, tal como a Bélgica, uma
progressão da parte do PIB consagrada às despesas de saúde muito mais forte que os
cinco outros países estudados aqui. Esta duplicação da parte das despesas de saúde em
25 anos parece-se muito com a evolução observada durante o mesmo período nos
Estados Unidos, se bem que em França, a parte do PIB considerada seja mais fraca no
princípio e no fim do período (Schieber e Poullier, 1989). Mas, nos Estados Unidos, a
progressão das despesas acelerou-se, entre 1970 e 1990, enquanto que desacelerava
em França; além disso, os preços relativos dos cuidados médicos computados
baixaram regularmente durante este período, em França, enquanto aumentavam nos
Estados Unidos entre 1975 e 1980 e depois entre 1980 e 1990 (Sandier, 1989 b).
Em 1987, as despesas de saúde por habitante eram de 1105 dólares US em
paridade de poder de compra, ou seja, um valor próximo do que é calculado para os
Países Baixos e para a Alemanha, mas inferior em 50% ao valor calculado para os
Estados Unidos e cerca de 50% superior ao do reino Unido. A despesa efectiva de
saúde por habitante é ligeiramente superior à que se poderia esperar segundo uma
79
curva de regressão relacionando o PIB com as despesas de saúde que foi elaborada
para os principais países da OCDE (Schieber e Poullier, 1989).
Sempre de acordo com as estatísticas da OCDE actualizadas no quadro 10.2,
capítulo 10, a França situa-se acima da média no respeitante às consultas de médicos,
aos medicamentos receitados fora do hospital, às camas de hospital de cuidados
intensivos, e às admissões hospitalares de casos graves. Todavia, a duração média de
permanência hospitalar para doenças agudas é muito inferior à que se verifica na
Alemanha e nos Países Baixos. A França conta também um número relativamente
elevado de médicos por 1 000 habitantes (2,6 em 1989). Entre 1971 e 1987, este
número duplicou, acarretando uma baixa do volume de negócios médio do generalista
que representava, à partida, mais de três vezes o salário médio nacional e já não
representava, no final do período, senão um pouco mais do dobro (Sandier, 1989 a).
O volume das prestações efectuadas por médico aumentou também de forma regular.
Que impacto tiveram, se o tiveram, estes diferentes movimentos no estado de
saúde dos franceses? É difícil responder com segurança a esta questão, em parte
porque os cuidados médicos não são o único factor determinante da saúde. Mas os
números da OCDE (Schieber et al., 1989) levam a pensar que, em 1989, a França se
situava na média dos países quanto à esperança de vida à nascença (72,7 anos para os
homens, sendo a média da OCDE de 72, 2 anos, e 80,1 anos para as mulheres, sendo a
média da OCDE de 79,0 anos).
A França teria também registado neste período, parece, um balanço positivo no que
diz respeito à mortalidade «evitável», isto é os óbitos devidos a certas causas que,
segundo os médicos, respondem bem à intervenção médica (por exemplo, a
mortalidade perinatal, a tuberculose e o acidente cérebro-vascular nos indivíduos que
pertencem a grupo etário de 35 a 64 anos). Segundo Charlton e Velez (1986), entre
1956 e 1978, as taxas de mortalidade «evitável» recuaram mais rapidamente em
França do que na Inglaterra e no País de Gales, nos Estados Unidos, na Itália e na
Suécia, enquanto no Japão o número de óbitos devidos a essas mesmas causas
baixava ainda mais fortemente. Os números da OMS sobre os anos de vida potencial
perdidos de, 1960 a 1989, corroboram estas observações.
Algumas das reformas efectuadas durante os anos 80 tiveram um efeito sensível,
embora temporário, sobre as estatísticas nacionais: entre 1985 e 1987, a parte do PIB
consagrada às despesas de saúde estabilizou-se em 8,5% e aumentou moderadamente
até 1990. O fenómeno explica-se essencialmente pela adopção do princípio da
dotação orçamental global dos hospitais públicos. Com efeito, as despesas
hospitalares, que representavam 47% das despesas totais de saúde em 1985, não
representavam mais de 45% aproximadamente, em 1988. Mas este resultado não foi
alcançado senão à custa de greves do pessoal dos hospitais públicos, denunciando
também estes últimos a concorrência desleal praticada em seu detrimento pelos
hospitais privados (CREDES, 1989).
80
Os poderes públicos não conseguiram dominar tão bem as despesas relativas aos
cuidados ambulatórios. Neste sector, a despesa aumenta mais de 50%, entre 1985 e
1990, principalmente por causa dos excedentes de honorários e do aumento do
volume das prestações. O efectivo dos médicos autorizados a praticarem excedentes
(os do sector 2) passou de 7% da totalidade dos médicos em 1980, a 26%, em 1989.
Com o aumento da participação dos doentes nas despesas, isso explica que os
pagamentos a cargo do doente, que representavam 15,6% das despesas de saúde
em1980, representem 19,9% em 1988 (sendo aqui a definição de despesa de saúde
ligeiramente mais estreita do que a adoptada para o cálculo dos números citados no
princípio do capítulo). Pode-se, portanto, recear que se perpetue uma relação pouco
positiva entre o consumo de cuidados médicos, por um lado, e rendimentos elevados e
pertença a uma classe social favorecida, por outro (CREDES, 1989).
O aumento da participação do utilizador nas despesas, todavia, quase não refreou a
progressão das despesas de saúde. O volume das prestações continua a crescer
rapidamente, apesar da informação de retorno de que se dispõe sobre a actividade dos
médicos de profissão liberal. No conjunto, a progressão das despesas de saúde
acelerou-se após 1987 e a parte do PIB consagrada aos cuidados médicos passou de
8,5% a 8,8% em 1990. Face ao défice da segurança social, os poderes públicos viramse obrigados, em Julho de 1991, a elevar a taxa de contribuição dos empregados.
PONTOS FORTES, PONTOS FRACOS E SOLUÇÕES POTENCIAIS
Em matéria de saúde, a França tem um balanço extremamente positivo no que diz
respeito à realização dos objectivos expostos no capítulo primeiro. O sistema
existente conseguiu assegurar a toda a população serviços de excelente qualidade e a
igualdade de acesso aos cuidados está largamente alcançada. Consegue, além disso,
assegurar a manutenção do rendimento dos utentes em caso de doença. Em relação às
décadas anteriores, a progressão das despesas diminuiu de ritmo, nos anos 90. Os
utentes gozam de uma liberdade de escolha extremamente ampla e os prestadores de
um grau de autonomia igualmente elevado. Isto significa que existe no seio do
sistema uma concorrência activa induzida pelos utentes e, à escala microeconómica,
há eficácia, no sentido de que os médicos que asseguram cuidados ambulatórios e os
hospitais privados respondem bem às necessidades dos doentes, de tal sorte que os
utentes estão amplamente satisfeitos (Blendon et al., 1990).
Subsistem, no entanto, certas dificuldades rebeldes, nomeadamente: ritmo de
crescimento das despesas de saúde continua a ser relativamente rápido, o que favorece
um défice recorrente do orçamento da segurança social; a progressão rápida do
volume de certos serviços de cuidados intensivos leva a um provável desperdício e a
actos inúteis; a organização dos cuidados de longa duração apresenta lacunas e põe-se
a questão da eficácia dos hospitais públicos. Até certo ponto, estas dificuldades estão
ligadas a condições que escapam ao controlo do governo, como o envelhecimento da
81
população e os progressos constantes das técnicas médicas, que são onerosas. No
entanto, estas dificuldades resultam também da insuficiência dos mecanismos de
incentivo aplicados quer do lado dos doentes, quer do lado dos prestadores; e o
sistema de gestão está, muitas vezes, longe do ideal.
No que diz respeito aos próprios doentes, a existência de um seguro de doença
quase universal não os incita a moderar a sua procura espontânea de cuidados. Mesmo
tendo a seu cargo uma parte elevada das despesas respeitantes aos cuidados
ambulatórios, o efeito dissuasor do dispositivo é, em geral, compensado pelo recurso
frequente ao seguro complementar. De qualquer, os doentes não estão, em geral,
suficientemente informados para poderem contestar as decisões dos seus médicos em
matéria de tratamento e de receituário. Ao mesmo tempo, a crescente frequência dos
excedentes de honorários no quadro do sector 2 favoreceu a desigualdade entre os
doentes que também tomaram consciência do custo dos cuidados.
No tocante aos médicos dos consultórios urbanos e das clínicas privadas, a
remuneração por acto e o crescimento dos efectivos estimularam fortemente a
progressão do volume de outros tipos de actos, por exemplo o receituário e os exames
auxiliares de diagnóstico. É verosímil que cada médico se fixe um objectivo em
matéria de rendimento. Os poderes públicos conseguiram bem conter os honorários da
tabela negociada mas este resultado é quase anulado pelo aumento do volume das
prestações efectuadas pelo médico. No que diz respeito aos produtos farmacêuticos, a
França regista uma das taxas de receituário mais elevadas entre os países da OCDE,
associada a um nível de preços que é dos mais baixos, fenómeno que incitou muito
pouco a indústria farmacêutica francesa a praticar activamente a pesquisadesenvolvimento. Os poderes públicos estão à procura de novos métodos de
contenção dos preços dos produtos farmacêuticos, por exemplo propondo a criação de
uma agência médica, em 1992, encarregada de assumir funções de regulação que
estavam anteriormente a cargo de vários serviços.
Noutros domínios, como o da prevenção, o dos hospitais públicos e o dos cuidados
de longa duração, a expansão dos serviços foi limitada. No concernente aos cuidados
de longa duração, por exemplo, a oferta não acompanha o aumento das necessidades
ligado ao envelhecimento da população. Resulta daí, por vezes, um encargo
financeiro intolerável para as pessoas idosas ou para a sua família. Não se vislumbra
sempre uma relação clara entre a concepção dos mecanismos de incitação, a evolução
das necessidades da população e os grandes objectivos da política de saúde.
No respeitante aos hospitais públicos, a adopção do princípio do orçamento global
e o controlo dos vencimentos e salários deram à administração central os meios de
conter mais firmemente a progressão das despesas. Mas as tensões devidas aos
severos constrangimentos orçamentais exacerbaram-se, uma vez que a maior parte
dos hospitais privados beneficiava, por seu lado, de um regime aparentemente menos
restritivo. Além disso, não é fácil, com uma fórmula de dotação orçamental global,
82
recompensar um estabelecimento que trata um maior número de doentes ou realiza
ganhos de produtividade. Nos hospitais públicos, «o dinheiro já não segue o doente» e
a possibilidade que lhes é dada de serem reembolsados dos suplementos reduz o efeito
dos incentivos à contenção das despesas. Nestas condições, os hospitais privados
parecem beneficiar de demasiada autonomia e incentivo enquanto que uma e outro
fazem falta aos hospitais públicos.
Os primeiros estão a negociar um enquadramento convencional, como se indica
mais adiante.
Sob vários aspectos, o sistema desencoraja a auto-regulação ou retira-lhe a sua
eficácia. Em particular, a administração central deixa-se convencer a tentar
periodicamente travar o crescimento das despesas. As reformas menores ou «planos»
sucessivos têm efeitos positivos a curto prazo, mas não conseguem impedir a
reaparição, ao fim de um ano ou dois, do défice da segurança social.
É possível que, com esta acumulação regular de reformas relativamente modestas
concebidas para o curto prazo, a França consiga adaptar o seu regime original, que
assenta ao mesmo tempo num seguro de doença nacional, em hospitais públicos e
numa medicina liberal, e realizar os objectivos fixados pelos poderes públicos. Foi
com esta finalidade que o Parlamento adoptou, na Primavera de 1991, uma lei de
reforma hospitalar. Para equilibrar as condições de competição entre hospitais
públicos e hospitais privados, esta lei visa:
– descentralizar a planificação hospitalar em benefício das regiões;
– dar maior autonomia aos hospitais públicos no concernente ao seu
orçamento de investimento assim como à criação e supressão de postos de
trabalho;
– estender a «carta sanitária» à utilização de técnicas médicas onerosas em
vez de a limitar à aquisição de equipamentos;
– impor a avaliação da actividade dos hospitais privados e, além disso,
submeter estes últimos a um processo de homologação;
– exigir dos hospitais privados que celebrem «convenções» com as caixas de
seguro de doença precisando o volume de actividade esperado.
Os poderes públicos estudaram também certas propostas tendentes a suprimir, a
título de experiência, a regulamentação dos preços dos produtos farmacêuticos
efectuada actualmente produto por produto, a favor de uma fórmula de
“orçamentalização” global das sociedades farmacêuticas bastante próxima do sistema
em vigor no Reino Unido (Pharmaceutical Price Regulation Scheme). A falta de
consenso na indústria assim como entre os decisores governamentais não permitiu
passar do estádio de reflexão à acção.
83
É possível, no entanto, que os poderes públicos não consigam realizar os seus
grandes objectivos sem uma verdadeira refundição das estruturas do sistema. Aqui
várias opções se oferecem ao governo. Uma delas consistiria em seguir a orientação
adoptada pela Alemanha e pela Bélgica: impor a fórmula do orçamento global tanto
para os serviços dos prestadores independentes como para os dos hospitais públicos e,
ao mesmo tempo, incitar as caixas a desempenharem mais activamente um papel de
comprador. Isso permitiria aos poderes públicos manterem-se um pouco mais
afastados e talvez melhorasse o clima das discussões a travar sobre novos modos de
remuneração dos prestadores no que diz respeito a certos serviços. Talvez uma
fórmula mista, que fizesse apelo simultaneamente à remuneração por acto, à capitação
e ao salário, pudesse romper o círculo vicioso criado pela espiral da baixa constante
das remunerações e a da subida constante do volume das prestações.
Ou então o governo francês poderia seguir o exemplo dos Países Baixos e
encorajar a criação de mercados organizados tanto para o seguro de doença como para
os próprios serviços de saúde. A este respeito, Giraud e Launois (1985) assim como
Launois et al. (1985) propuseram um modelo de concorrência organizada que se
inspira no «plano de saúde à escolha do consumidor» de Enthoven (1980). A França
teria então que adoptar novas instituições inéditas neste país, em particular a das
«redes de cuidados coordenados» (RSC) que se inspira na noção de Healt
Maintenance Organisation (HMO) dos Estados Unidos. Como o HMO americano
associa seguro de doença e prestações médicas, as propostas em causa prevêem que se
deixasse ao utente a escolha, quer de um, quer das outras.
O modelo encarado assentaria em seis princípios:
a) manutenção da contribuição obrigatória calculada em função do rendimento
e destinada a financiar um seguro de doença nacional; quer dizer que seria
mantido o princípio da «solidariedade»;
b) criação de grupos de seguradores/prestadores, as «redes de cuidados
coordenados» (RSC) constituídas a partir dos actuais agentes do sistema de
saúde;
c) promoção da saúde no interesse da pessoa do segurado globalmente
considerada (incluindo pela prevenção) através dessas RSC;
d) financiamento das RSC principalmente por meio de capitações ponderadas
em função do risco, que seriam transferidas para elas anualmente por
intermédio do regime de seguro obrigatório;
e) assunção, pelos utentes, de uma parte das despesas, a pagar não por ocasião
dos cuidados, mas na altura do pagamento da capitação ponderada em
função do risco, sendo esta participação, grosso modo, igual à que
representa actualmente a taxa moderadora (20%);
84
f) encorajamento da concorrência entre RSC, entre as RSC e os prestadores
remunerados por acto, e entre os prestadores que procuram a clientela das
RSC.
A finalidade de um tal sistema seria que a escolha do seu segurador por um utente
que tomou consciência dos custos e da qualidade dos serviços suscite a concorrência
em todos os sectores. Daí resultariam efeitos positivos tanto para o custo como para a
eficácia dos cuidados médicos. Para que o princípio da solidariedade não seja
subvertido, seria necessário adoptar certas regras que desencorajassem a tentação do
segurador de operar uma selecção em função do risco e prever, por exemplo, a
liberdade de adesão, mas seria necessário também precaver-se contra o auto-seguro.
Parece, todavia, que se opõem enormes obstáculos políticos a uma refundição da
estrutura inspirada em tais princípios e nada de tão revolucionário figura actualmente
na ordem do dia da política de saúde. Os poderes públicos ficam-se, de momento, pela
sua fórmula habitual; adoptar, uma a uma, reformas mais modestas do tipo das que
examinámos, que procuram melhorar o desempenho do sistema instalado.
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87
Capítulo 5
A REFORMA DO SISTEMA DE SAÚDE NA ALEMANHA
INTRODUÇÃO
Durante 45 anos, a Alemanha teve dois sistemas de saúde. No que diz respeito à
Alemanha ocidental (a República Federal da Alemanha, antes da unificação),
nenhuma alteração estrutural substancial foi introduzida no sistema de saúde desde
que as bases desse sistema, que assentam em larga medida num financiamento
público e em prestadores autónomos, foram lançadas por Bismarck, em 1883. No
decurso da sua longa história, este sistema conheceu, todavia, um forte crescimento
assim como adaptações, entre as quais várias reformas importantes, no fim dos anos
70 e no decurso dos anos 80.
Após a II Guerra Mundial, a Alemanha oriental (a República Democrática Alemã –
RDA – antes da unificação) foi dotada de serviços assegurados e financiados pelos
poderes públicos que eram completamente diferentes dos da Alemanha ocidental
(Light, 1985). Depois da reunificação, em Outubro de 1990, procurou-se, uma vez
mais, reformar radicalmente os modos de financiamento e de prestação dos serviços
de saúde na Alemanha oriental de modo a harmonizá-los com os que predominam no
conjunto da Alemanha ocidental.
A primeira parte deste capítulo incide sobre os modos de financiamento e de
prestação dos cuidados médicos na Alemanha ocidental assim como sobre a
intervenção dos poderes públicos na regulamentação e na planificação dos serviços de
saúde. A segunda parte expõe a génese das reformas recentemente introduzidas pelos
poderes públicos nas duas partes da Alemanha, descrevendo brevemente o sistema
existente na antiga República Democrática Alemã.
Uma experiência social pouco comum – um país com uma só língua e com uma
história comum, compelido a uma diferenciação política, económica e social durante
40 anos – oferece uma ocasião rara para comparar o funcionamento de um sistema de
saúde numa democracia liberal com o de um país comunista, considerando constantes
as condições iniciais e numerosos factores potencialmente perturbadores (Light,
1985). O crescimento e o funcionamento dos dois sistemas serão comparados aqui,
assim como a sua incidência no estado de saúde das populações abrangidas.
Se é certo que a reforma do sistema de saúde na parte oriental do país se reveste da
mais alta prioridade para as autoridades responsáveis, prosseguem, no entanto, os
debates sobre a necessidade de reformar também o sistema existente na Alemanha
ocidental. A concluir, serão examinadas várias questões em suspenso assim como o
leque das soluções actualmente debatidas.
88
OS CUIDADOS MÉDICOS NA ALEMANHA OCIDENTAL
A população da Alemanha ocidental tem acesso a uma vasta gama de serviços de
saúde fornecidos, ao mesmo tempo, por prestadores públicos e independentes.
O acesso aos serviços de saúde não está ainda entravado por pesados pagamentos
directos. Cerca de 85% da população estão obrigatoriamente segurados e mais ou
menos 13% estão-no a título voluntário em caixas obrigatórias de seguro de doença.
A quase totalidade do resto da população – essencialmente pessoas que pertencem aos
estratos superiores de rendimentos – tem um seguro de doença privado. Face aos
modelos descritos no capítulo 2, o modelo predominante é o do contrato público. Vêm
a seguir os modelos de contrato voluntário e de reembolso no quadro de um seguro
voluntário. A maior parte das decisões em matéria de despesas é tomada
conjuntamente pelas caixas de seguro obrigatório de doença e pelos prestadores
segundo processos que são, ao mesmo tempo, muito descentralizados e muito formais.
Existem cerca de 1100 caixas autónomas de seguro de doença. As associações
dessas caixas negoceiam com as associações regionais de médicos para determinarem
o montante global dos pagamentos a efectuar aos médicos que prestam cuidados
ambulatórios.
No caso dos hospitais, os representantes das caixas de seguro de doença negoceiam
com os hospitais as taxas de pagamento. Nessas negociações, são tomadas em
consideração as orientações relativas às taxas de aumento das despesas de saúde
fixadas pela Comissão de Acção Concertada (organismo nacional composto por
representantes das partes envolvidas no sistema de saúde, que se reúne duas vezes por
ano para fixar as taxas máximas de aumento das despesas de saúde relativas a
cuidados ambulatórios e dentários, medicamentos e outros fornecimentos médicos).
Tendo a Alemanha uma estrutura federal, a regulamentação dos serviços de saúde está
repartida entre a administração central, as administrações dos Länder e as
administrações locais.
O gráfico 5.1 ilustra, sob uma forma simplificada, algumas das principais relações
existentes. Encontra-se em baixo, na parte esquerda do diagrama, a população, uma
parte da qual consome cuidados (e, portanto, tem que ser contada como doente) no
decurso de determinado ano, e em baixo, na parte direita, os prestadores que fornecem
serviços de saúde aos doentes, e, no cimo do diagrama, os terceiros pagadores que
recebem as contribuições, os prémios ou os impostos pagos pela população e pagam
aos prestadores ou reembolsam os doentes das despesas relativas aos serviços que
lhes são prestados. As linhas contínuas correspondem aos fluxos de serviços e as
tracejadas aos fluxos financeiros.
89
Gráfico 5.1 - O sistema de saúde dos Länder ocidentais da Alemanha em meados dos
anos 80
A quase totalidade da população está coberta por um seguro de doença. As caixas
de seguro de doença obrigatório, que cobrem cerca de 88% da população, pagam
directamente aos prestadores os serviços prestados às pessoas nelas inscritas. Entre as
caixas de seguro de doença, podem-se distinguir as caixas «RVO» (Regulamentação
sobre o seguro de Estado) que cobrem cerca de 60% da população e as caixas de
substituição de que relevam cerca de 28% da população. Os seguradores privados,
que cobrem aproximadamente 10% da população, pagam indemnizações sob a forma
90
tanto de reembolsos pecuniários como de pagamentos aos prestadores. As caixas de
substituição e os seguradores privados são apresentados como sendo múltiplos pelo
facto de existir uma certa concorrência no seio (e mesmo entre) desses segmentos do
mercado. As administrações central, dos Länder e locais fazem parte dos fornecedores
de fundos devido ao seu papel no financiamento dos serviços públicos de saúde e dos
investimentos hospitalares.
No que diz respeito às fontes de financiamento, cerca de 60% das despesas de
saúde são financiadas pelas contribuições obrigatórias e voluntárias para o seguro de
doença obrigatório e cerca de 21% pelo imposto, enquanto que 7% correspondem ao
seguro privado e aproximadamente 11% a despesas não reembolsadas, pagas
integralmente pelos doentes.
Entre os prestadores figuram os serviços públicos de saúde, os farmacêuticos, os
médicos liberais, os hospitais públicos, os hospitais privados de fim não lucrativo, os
hospitais privados de fim lucrativo e os serviços de cuidados no domicílio. Os
farmacêuticos, os médicos que prestam cuidados ambulatórios e os hospitais privados
de fim não lucrativo são apresentados como sendo múltiplos, dado que existe, em
geral, uma certa concorrência no seio dessas categorias. Alguns outros prestadores,
como os dentistas, foram omitidos. As caixas de seguro de doença pagam aos
prestadores sob a forma de orçamentos globais ou de pagamentos por acto. A maior
parte dos investimentos hospitalares, tanto no sector público como no privado, é
financiada pelos poderes públicos.
A RELAÇÃO ENTRE OS DOENTES E OS PRESTADORES
A maior parte dos doentes pode recorrer aos serviços médicos, sabendo que
beneficia de cuidados muito completos e de alta qualidade entre os quais figuram os
serviços preventivos, o planeamento familiar, a protecção da maternidade, os
medicamentos vendidos por receita, os cuidados médicos ambulatórios, os cuidados
dentários, os serviços de transporte dos doentes, a hospitalização, os cuidados no
domicílio, a reeducação e os tratamentos em estações termais, assim como a garantia
de rendimento durante as faltas por doença. Os serviços públicos de saúde e os
serviços psiquiátricos são, todavia, considerados precários. As casas de repouso e as
residências para pessoas idosas são mantidas, fora do sistema de seguro obrigatório de
doença, por colectividades locais e organismos de beneficência. Estes são
essencialmente financiados por pagamentos privados que constituem muitas vezes,
objecto de prestações de auxílio social.
Os doentes escolhem livremente um médico em regime liberal, generalista ou
especialista. O acesso ao hospital é controlado por médicos que prestam cuidados
ambulatórios e os doentes inscritos numa caixa de seguro de doença são normalmente
obrigados a dirigir-se ao hospital mais próximo que disponha dos serviços
91
apropriados. Todavia, os doentes privados e os doentes cobertos por certas caixas de
seguro de doença podem ser orientados para outros hospitais. Os cuidados
ambulatórios e os cuidados hospitalares estão nitidamente separados. A maior parte
dos hospitais não tem serviços de consultas externas e os médicos que prestam
cuidados ambulatórios não têm geralmente acesso à prática hospitalar. Diz-se que este
sistema suscita «cadeias de orientação» muito longas, uma duplicação dos
equipamentos e a repetição dos mesmos exames de diagnóstico por diferentes
médicos. Os serviços de cuidados ambulatórios estão bem equipados e têm acesso aos
materiais de diagnóstico mais modernos. Se é verdade que os médicos liberais
trabalham, na maior parte dos casos, isoladamente, as associações – geralmente de
dois médicos especialistas do mesmo ramo – estão a multiplicar-se.
No quadro do seguro obrigatório, os doentes despendem directamente somas pouco
elevadas com os serviços médicos. Assim, em 1988, a soma a pagar pelo aviamento
de uma receita era de 2 marcos por pessoa, as despesas hospitalares eram de 5 marcos
diários, nos catorze primeiros dias passados no hospital, e as despesas de transporte
de doentes que não exigissem cuidados urgentes eram de 5 marcos. No entanto, estas
tarifas estavam sujeitas a “tectos” globais e eram objecto de isenções, nomeadamente
para as crianças e as pessoas de baixos rendimentos. É naturalmente exigido um
pagamento integral dos medicamentos comprados sem receita e dos cuidados médicos
privados, incluindo os quartos particulares nos hospitais públicos. Os médicos
recebem honorários mais elevados pelos doentes particulares do que pelos doentes
inscritos numa caixa de seguro de doença. Segundo Ade e Henke (1990), isto pode
redundar numa discriminação entre estes dois tipos de doentes. Segundo as
estimativas da OCDE, o sector público suportou o encargo de 92% do custo dos
cuidados ambulatórios e de 98% dos custos de hospitalização em 1987.
A RELAÇÃO ENTRE A POPULAÇÃO E OS TERCEIROS PAGADORES
Na Alemanha ocidental, 88% da população estão cobertos pelo seguro de doença
obrigatório – estando duas pessoas, em cada cinco, a cargo dos contribuintes. Cerca
de 10% da população – essencialmente funcionários, trabalhadores independentes,
pessoas de rendimento elevado – estão inteiramente cobertos pelo seguro privado. A
quase totalidade dos restantes 2% da população, em que se incluem os membros das
forças armadas e da polícia assim como certas pessoas que beneficiam de assistência
social, recebe serviços de saúde gratuitos. Menos de 0,5% da população –
exclusivamente pessoas abastadas – não tem seguro de doença.
A relação entre os inscritos obrigatórios e os inscritos voluntários numa caixa de
seguro de doença é de cerca de 85 para 15. A inscrição é obrigatória para os
trabalhadores cujo rendimento anual seja inferior a um certo nível (fixado em 54 900
marcos em 1989), para os pensionistas do Estado, para os membros de certas
profissões e para determinadas outras pessoas de rendimentos modestos. Os
92
assalariados cujo rendimento seja superior ao “tecto” podem inscrever-se
voluntariamente no regime obrigatório, constituindo outra solução o recurso ao
seguro privado. A maioria das pessoas que pode segurar-se voluntariamente escolher
uma caixa de seguro de doença de preferência a um segurador privado porque os
prémios são, aí, geralmente inferiores para as pessoas casadas e para a família, assim
como para as pessoas idosas e os trabalhadores de alto risco que anteriormente não
estivessem cobertos por um seguro privado. Existe, portanto, uma selecção dos riscos
que tende a orientar para as caixas de seguro de doença.
O regime obrigatório é gerido por aproximadamente 1100 caixas autónomas que
são, em geral, controladas por representantes dos empregados e dos assalariados.
Existem dois grandes tipos de caixas, a saber as caixas abrangidas pela
regulamentação sobre seguro de estado (RVO – Kassen) e as caixas livres
homologadas (Ersatzkassen). As primeiras dirigem-se aos “colarinhos azuis” e aos
“colarinhos brancos”. Algumas estão organizadas numa base local, outras numa base
profissional e outras ainda ao nível das empresas. As segundas, que existiam já como
associações de socorros mútuos quando o regime público foi instituído, dirigem-se
essencialmente aos “colarinhos brancos” e estão em boa posição no mercado, devido
a uma certa selecção dos riscos, para atraírem segurados voluntários. Cerca de metade
do conjunto dos inscritos – essencialmente “colarinhos brancos” – pode escolher a sua
caixa de seguro de doença. O grupo de caixas mais importante é o das caixas RVO
organizadas numa base local (Ortskrankenkassen). Estas caixas dirigem-se
essencialmente aos “colarinhos azuis” e proporcionam protecção social às pessoas
desfavorecidas que não pertencem a nenhum grupo de assalariados (Eichhorn, 1984).
A lei impõe às caixas de seguro de doença que proponham um certo número de
prestações, as quais se têm multiplicado com o passar do tempo. Podem igualmente
propor prestações suplementares, facultativas. As contribuições são compostas, no
essencial, por contribuições dos trabalhadores e dos empregadores ligadas aos
rendimentos (50/50) mas com “tecto”. No que diz respeito aos pensionistas do Estado,
aos desempregados e aos deficientes, as contribuições são financiadas por uma caixa
de segurança social, mas, no caso dos pensionistas, elas só cobrem cerca de metade do
custo das prestações. Os custos suplementares são suportados pelas entidades
patronais e pelos assalariados e existem, ao nível federal, subvenções cruzadas entre
caixas de maneira a compensar, em parte, os efeitos da composição variável dos
conjuntos de reformados. As caixas determinam livremente as suas taxas de
contribuições dentro dos limites fixados pela lei (desde há pouco, 12%). Todavia, as
taxas máximas podem ser ultrapassadas quando uma maioria de representantes dos
empregadores e dos segurados votar a favor de taxas mais elevadas. Em 1988, os
prémios fixaram-se, em média, em 12,9% dos rendimentos brutos, mas, devido a
estruturas de risco diferentes, variaram entre 8 e 16% dos rendimentos segundo as
caixas, tendo as caixas locais as taxas mais elevadas. As caixas entregam-se a uma
93
forte concorrência para atraírem segurados voluntários. Para esse efeito, tendem mais
a propor prestações facultativas suplementares do que a baixar o montante dos
prémios.
No que diz respeito aos 10% da população que estão inteiramente cobertos por um
seguro privado, a cobertura é assegurada por aproximadamente 45 seguradores de fim
essencialmente não lucrativo. As prestações têm que ser, pelo menos, tão generosas
como as prestações mínimas do regime obrigatório. Uma pequena percentagem de
alemães subscreve um seguro privado suplementar para completar as prestações
oferecidas pelo regime obrigatório. As franquias e co-seguro revestem-se de uma
importância crescente. Os seguradores privados convencionaram colectivamente
submeter a fixação dos seus prémios ao controlo de uma companhia federal de seguro.
Os prémios iniciais são função da idade, do sexo, do risco, do número de pessoas a
cargo e da partilha dos custos. São baixos para uma pessoa de 20 anos e elevados para
uma pessoa de 50. Posteriormente, os prémios não variam em função da idade ou do
risco, mas podem ser acrescidos em função do número de pessoas a cargo e da
partilha dos custos assim como do aumento das despesas médicas. Este sistema
implica uma forma de economia e desencoraja os indivíduos de mudarem de
segurador. Os prémios de seguro de doença são objecto de uma certa dedução fiscal,
mas até determinado limite, de tal sorte que, na realidade, os aumentos marginais dos
prémios são geralmente financiados pelo rendimento colectável. Diversamente das
caixas de seguro de doença, os seguradores privados realizam prestações, sob a forma
de reembolso, em relação às facturas de médicos, mas pagam geralmente
indemnizações diárias directamente aos hospitais.
A RELAÇÃO ENTRE OS TERCEIROS PAGADORES E OS PRESTADORES
As relações entre as caixas de seguro de doença e os médicos liberais têm um
carácter muito formal. De acordo com a lei, os médicos estão organizados em
associações regionais e nacionais que têm por função fornecer cuidados ambulatórios
aos doentes inscritos em caixas de seguro de doença e que dispõem de poderes
consideráveis sobre os médicos. Estas associações são completamente distintas dos
sindicatos de médicos. Todos os médicos que têm as qualificações requeridas podem
fazer uma oferta de serviço aos inscritos nas caixas de seguro de doença: uma vez que
sejam aceites, devem aderir a uma associação de médicos. Estas associações
negoceiam com as associações de caixas de seguro de doença à escala nacional as
tarifas das prestações efectuadas aos doentes que relevam de uma caixa de seguro de
doença. As tarifas são negociadas nos limites de uma taxa máxima de progressão das
despesas recomendada para os cuidados ambulatórios; esta é fixada pela Comissão de
Acção Concertada, a fim de manter a um nível constante as taxas de contribuição dos
segurados.
94
Quando é celebrado um acordo local, a caixa de seguro de doença aceita, de facto,
efectuar um pagamento fixo prospectivo à associação de médicos que o redistribui aos
médicos, em função da sua actividade e de uma tabela de honorários. A associação
controla a qualidade e o volume de prestações de cada médico e toma, sendo caso
disso, medidas disciplinares. Este sistema assemelha-se a um monopólio bilateral ao
nível da negociação do pagamento fixo, mas nem as associações de caixas de seguro
de doença nem as associações médicas controlam o volume das prestações.
O volume das prestações é, no essencial, determinado conjuntamente pelos doentes
e pelos médicos, que não são incentivados, nem uns nem outros, a fazer economias.
Ao nível de cada médico, existe concorrência quanto ao volume das prestações e dos
rendimentos. Se um médico produzir, digamos, 10% de serviços suplementares, pode
aumentar os seus rendimentos numa percentagem análoga. Todavia, se todos os
médicos aumentarem em 10% o número das suas prestações, os honorários de cada
um terão de ser reduzidos de 10% para manter as despesas globais nos limites
convencionados e para que os rendimentos de cada médico permaneçam idênticos. Do
mesmo modo, se o número de médicos aumentar 10% e se o volume das prestações
por médico permanecer constante, os rendimentos de cada médico diminuirão 10%
(Brenner, 1989). Recentemente, os pagamentos fixos foram divididos em parcelas
para impedir que os serviços de diagnóstico sejam financiados em detrimento dos
cuidados directos aos doentes (Ade e Henke, 1990).
A tabela dos honorários utilizada pela associação de médicos compreende cerca de
2 500 actos, acompanhados de um valor relativo em pontos (negociado à escala
nacional e raramente revisto) e de um valor monetário por ponto. Assim, uma
consulta telefónica de um doente representa 80 pontos, uma consulta no domicílio 360
pontos e uma radiografia entre 360 e 900 pontos. Os valores monetários variam,
geralmente, segundo os lugares e são, tradicionalmente, mais elevados para as caixas
livres homologadas (Ersatzkassen) do que para as caixas RVO. São também
inversamente proporcionais ao número de pontos facturados segundo o processo
descrito acima. No que diz respeito aos doentes privados, existe uma tabela de
remunerações legal, distinta, que utiliza a mesma gama de valores relativos em
pontos. Os honorários são cerca de duas vezes mais elevados do que os pagos pelas
caixas RVO. São autorizados excedentes de honorários (unicamente) para os doentes
particulares, desde que seja utilizada a gama de valores relativos, mas isso é raro.
Até 1989, as despesas farmacêuticas eram relativamente mal controladas. Os
preços de grosso dos medicamentos eram fixados, unilateralmente, pelos fabricantes e
os médicos redigiam as receitas sem serem incitados a adoptar um comportamento
economicamente racional. Os doentes não participavam nas despesas senão em
escassa medida. Por conseguinte, a concorrência através dos preços era limitada.
Desde então, foi estabelecida uma lista de produtos não reembolsáveis, foram
publicados, por iniciativa dos poderes públicos, os preços de medicamentos
95
comparáveis, foi encorajada a prescrição de medicamentos genéricos e foram
submetidas a controlo as margens de lucro dos farmacêuticos.
O «Contrato Bávaro» celebrado, em 1979, entre caixas de seguro de doença e a
associação dos médicos da Baviera constitui uma variante interessante deste sistema.
De acordo com esse contrato, a remuneração global dos médicos podia aumentar mais
rapidamente que a taxa negociada, desde que se pudesse provar que tinham sido
realizadas economias por influência dos médicos, nomeadamente no tocante a
prescrições de medicamentos e à orientação dos doentes para os hospitais (os efeitos
deste contrato serão examinados mais adiante).
A Alemanha ocidental dispõe de três grandes categorias de hospitais: os hospitais
públicos que podem ser propriedade do Estado federal, dos Länder ou das
colectividades locais e representam 51% das camas; os hospitais privados que
pertencem, muitas vezes, a instituições religiosas e representam 35% das camas; e os
hospitais privados pertencentes, geralmente, a médicos que reúnem 14% das camas.
As duas primeiras categorias empregam geralmente médicos assalariados e recebem
das caixas de seguro de doença uma quantia fixa diária que inclui a remuneração dos
médicos. Todavia, os médicos responsáveis por um serviço, num hospital público,
podem ter uma clientela particular. Os hospitais de terceira categoria trabalham com
médicos que são remunerados por acto e recebem das caixas de seguro de doença
quantias fixas diárias que não incluem a remuneração dos médicos. As tarifas pagas
pelos doentes particulares estão em conformidade com a tabela de honorários
estabelecida para esta categoria de doentes e os médicos devem, geralmente, entregar
uma parte dos seus honorários ao hospital. Como foi indicado acima, os médicos dos
hospitais raramente dão consultas externas e os médicos que dispensam cuidados
ambulatórios raramente têm acesso ao hospital.
O financiamento dos hospitais faz-se numa dupla base: as despesas de exploração
são essencialmente financiadas pelas caixas de seguro de doença e por seguradores
privados, enquanto que as despesas de investimento, mesmo nos hospitais privados,
são-no essencialmente pelos governos dos Länder. Se é certo que as caixas de seguro
de doença são obrigadas, de acordo com a lei, a suportar as despesas de
funcionamento dos hospitais, estes últimos têm a obrigação de funcionar em boas
condições de rendibilidade. Desde 1986, o pagamento das despesas de exploração é
essencialmente assegurado por dotações orçamentais globais prospectivas que são
negociadas, à escala local, por representantes das caixas de seguro de doença e dos
hospitais.
Mais uma vez, estas negociações fazem pensar num monopólio bilateral. Apoiamse num exame pormenorizado das despesas de funcionamento, incluindo a
remuneração dos médicos e a provisão para amortizações, assim como da taxa de
ocupação prevista. Podem igualmente ser influenciadas por comparações com outros
hospitais com bom desempenho. O objectivo é fixar uma tarifa quotidiana média
96
sobre a qual as caixas de seguro de doença se apoiem para pagarem cada dia de
hospitalização dos seus beneficiários. As tarifas das prestações efectuadas aos doentes
particulares são mais elevadas, mas baseiam-se numa tarifa quotidiana média. No
quadro da dotação orçamental global, se o número efectivo de dias de hospitalização
for superior aos dias de hospitalização previstos durante o ano, os hospitais só
recebem 25% da tarifa quotidiana para os dias de hospitalização suplementares. Se o
número efectivo de dias de hospitalização for inferior ao número ao número de dias
de hospitalização previsto, o hospital recebe mesmo assim 75% da tarifa quotidiana
em relação aos dias de hospitalização que faltem. Estas percentagens são fixadas a
partir de uma estimativa dos custos fixos e de custos variáveis. Os hospitais podem
transportar os seus excedentes para os anos seguintes e têm que suportar as perdas
sofridas. Se as duas partes em negociação não conseguirem chegar a acordo sobre um
orçamento prospectivo, a questão é submetida à arbitragem de um serviço de preços
não governamental, neutro (Altenstetter, 1987).
No respeitante a certos actos muito onerosos, como o enxerto de órgãos, podem, no
entanto, ser efectuados pagamentos à margem do orçamento, na base do custo de cada
acto. Encara-se a extensão desses pagamentos a mais de 100 actos, a fim de melhorar
a transparência interna dos custos, facilitar as comparações externas e agir de modo
que os pagamentos correspondam aos casos tratados.
Desde 1986, todos os investimentos hospitalares relevam da responsabilidade
exclusiva dos governos dos Länder. Os hospitais privados, incluindo os hospitais que
pertencem a médicos, podem ser abrangidos por esses planos. O financiamento é
assegurado por subvenções que são levadas a ganhos e perdas, uma vez que o
investimento foi realizado. Além disso, certos investimentos privados são, ainda
realizados em hospitais que pertencem a médicos, o que agrava o encargo usual das
dívidas.
A contenção dos custos dos serviços médicos financiados pelo sector privado
assente essencialmente na participação dos doentes nas despesas, na concessão de
prémios por procura de prestações moderadas e no vínculo entre os honorários dos
prestadores e as taxas negociadas entre as caixas de seguro de doença e os
prestadores, em conformidade com disposições legais. As negociações directas entre
seguradores privados e prestadores são raras e a utilização dos recursos constitui
objectivo de controlos limitados.
Liga-se cada vez mais importância, na Alemanha ocidental, ao nível da qualidade
dos cuidados. Um inquérito confidencial sobre a mortalidade e as complicações
perinatais foi levado a efeito com sucesso, na Baviera, em 1980, e alargado, em
seguida, ao conjunto da Alemanha ocidental. Um outro inquérito confidencial sobre
os óbitos e complicações foi empreendido em relação a certos casos que teriam
podido ser objecto de acompanhamento cirúrgica. A garantia da qualidade tornou-se
uma obrigação legal para os hospitais e é objecto de negociações entre as caixas de
97
seguro de doença e as associações de médicos. A lei exige que o nível de qualidade
seja garantido, mas não precisa de que maneira. Não está previsto, de momento,
publicar informações sobre as taxas comparativas de óbitos e de complicações por
hospital. Comparações válidas parecem tecnicamente difíceis de realizar e uma
publicação dos resultados poderia dissuadir os médicos de darem a sua contribuição
para o estudo dos acidentes e dos erros.
Os serviços de saúde públicos são, essencialmente, efectivados por colectividades
locais. Entre estes serviços figuram a luta contra as doenças infecciosas, a educação
sanitária, a higiene da criança e da mãe e os serviços de saúde escolares. São
financiados pelo conjunto das administrações públicas e, segundo Eichhorn (1984),
são considerados um pouco como o parente pobre do sistema.
LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO E PLANIFICAÇÃO
A participação dos poderes públicos no sistema de saúde da Alemanha ocidental
apresenta, pelo menos, três características, a saber:
– um quadro jurídico estrito definido ao nível central;
– nesse quadro, uma delegação de competências e de poderes muito
importante nas caixas de seguro de doença, nas associações de médicos e
noutros organismos;
– uma repartição das restantes competências dos poderes públicos entre a
administração central, a administração dos Länder e as colectividades
locais.
A autogestão (Selbstverwaltung) é um princípio importante do sistema de saúde
alemão. Os poderes públicos delegam determinados poderes e responsabilidades em
organismos regulamentados mas autónomos, como caixas de seguro de doença e
associações de médicos, que representam grupos de interesses privados, mas cujos
membros estão inscritos a título obrigatório. Estes organismos gozam de uma grande
autonomia no quadro da regulamentação estabelecida ao nível central (Stone, 1980).
O princípio da delegação de poderes aplica-se igualmente a certas instituições que
têm por missão controlar e orientar o processo de negociação resultante da existência
de um contrapeso ou de um monopólio bilateral. Vale nomeadamente para a
arbitragem independente a que podem recorrer as partes que negoceiam os
orçamentos dos hospitais. O mesmo acontece com a Comissão de Acção Concertada,
instituída pela Lei de 1977 sobre a contenção dos custos, que tem por missão
assegurar a estabilidade da taxa das contribuições de seguro de doença (Henke, 1986).
Esta Comissão parece recorrer essencialmente à persuasão moral, evidenciando às
partes o interesse que elas têm em evitar novas leis sobre a contenção dos custos
(Schulenburg, 1990 b). Desde 1986, ela é assistida por um Conselho permanente de
98
peritos, que elabora um certo número de relatórios, que gozam de autoridade sobre as
deficiências do sistema de saúde (como o número excessivo de camas de hospital) e
contém propostas de reforma (atribuição de um papel de «filtro» aos generalistas,
introdução de um sistema de remuneração fixa para os médicos que prestam cuidados
ambulatórios, etc.) (Alber, 1989).
No que diz respeito à repartição dos poderes, as diferentes administrações públicas
têm competências distintas:
– o governo federal é responsável pela elaboração dos textos legislativos,
pelas orientações gerais e da jurisdição relativa ao sistema de seguro de
doença;
– os governos dos Länder são responsáveis pela aprovação dos actos
legislativos federais (por intermédio dos seus representantes na Câmara
Alta), pelo controlo local das caixas de seguro de doença e das associações
de médicos, pela gestão dos hospitais públicos, incluindo hospitais
universitários, pela planificação dos hospitais (cada Land estabelece um
plano para o controlo das capacidades dos hospitais tanto públicos como
privados), por todos os investimentos hospitalares autorizados pelo plano
estabelecido por cada Land, pelo controlo das normas aplicáveis aos
estudos médicos e, consequentemente, de maneira indirecta, pela inscrição
dos estudantes em medicina.
– as colectividades locais são responsáveis pelos serviços de saúde públicos,
pela gestão dos hospitais locais, pelos investimentos realizados nesses
hospitais, assim como pela gestão e pelo financiamento das casas
“medicalizadas” públicas (que não estão cobertas pelo regime de seguro de
doença obrigatório).
Este dispositivo pode dar lugar a tensões. Assim, o governo federal e os governos
dos Länder podem, por vezes não estar de acordo quanto às orientações gerais. As
despesas hospitalares são, muitas vezes, fonte de conflitos na medida em que o
governo federal tem tendência para se identificar com as caixas de seguro de doença
enquanto que os governos dos Länder têm interesses importantes no fornecimento de
serviços hospitalares.
99
GÉNESE DAS REFORMAS RECENTES
Alemanha ocidental
O sistema de saúde da Alemanha ocidental tende a enfermar de um certo número
de problemas. Um primeiro problema, que compartilha com outros sistemas
largamente tributários de terceiros pagadores, deriva de uma ausência geral de
consciência dos custos. Os doentes e os prestadores são muito pouco incentivados de
um ponto de vista financeiro a limitarem a sua procura de cuidados, no que diz
respeito a uns, e a restringirem o volume dos cuidados prestados, no que toca aos
outros. A concorrência tende a manifestar-se sob a forma duma luta dirigida mais para
o aumento do volume dos cuidados e a melhoria da qualidade destes do que para a
redução das despesas. Nestas condições, a determinação do nível das despesas faz-se
no quadro das negociações entre seguradores e prestadores que se aparentam, como se
viu, com um monopólio bilateral.
Um segundo problema resulta do facto de, num tal mercado, o poder negocial dos
compradores e dos vendedores não ser sempre igual. Em certos momentos – por
exemplo, quando da «explosão dos custos», no princípio dos anos 70 – os prestadores
tiveram a supremacia, enquanto que noutros – nomeadamente na fase seguinte de
contenção dos custos – o equilíbrio de forças entre as duas partes foi maior. A maior
parte das reformas de saúde que os poderes públicos empreenderam desde o fim dos
anos 70, visava ou sensibilizar mais os consumidores e os prestadores para o
problema dos custos ou reforçar o poder das caixas de seguro de doença nas suas
negociações com os prestadores. Nos anos 80, os progressos mais enérgicos em
matéria de despesas referiram-se aos produtos farmacêuticos e aos hospitais
(Schneider, a publicar).
Um outro problema diz respeito à atribuição talvez ineficaz, de certos recursos.
Alguns comentadores observaram que a combinação de uma estrita especificação das
prestações pelos poderes públicos com os incentivos oferecidos pela tabela de
honorários gera um desequilíbrio a favor dos actos de diagnóstico e terapêuticas
respeitantes a doenças graves e em detrimento dos serviços médicos individuais, da
prevenção e dos cuidados de longa duração. Defende-se igualmente que o número de
camas é excessivo e superior ao que é requerido pela duração média de permanência
num hospital.
Foi neste contexto que o governo federal decidiu tomar medidas legislativas
tendentes a conter os custos. A lei de 1977 sobre a contenção das despesas de saúde
(Stone, 1979) implicava a aplicação de um certo número de medidas importantes, das
quais as principais são as seguintes:
– a adopção do princípio de uma política de despesas ligada ao rendimento;
100
– a instituição da Comissão de Acção Concertada entre os parceiros
envolvidos;
– a reintrodução do que se poderia chamar orçamentos prospectivos fixos
para os pagamentos efectuados pelas caixas de seguro de doença às
associações de médicos;
– a participação ou o aumento da participação dos doentes nas despesas
relativas às placas dentárias, aos medicamentos aviados por receita e aos
serviços de transporte;
– o estabelecimento de uma lista de medicamentos não reembolsáveis (lista
negativa);
– a instalação de um sistema de partilha dos riscos para os reformados, válido
para todas as caixas de seguro de doença.
Uma nova lei sobre a contenção dos custos foi elaborada em 1982. Ela previa
nomeadamente novos aumentos dos preços para os medicamentos aviados por receita
e a publicação de listas de preços para medicamentos comparáveis. Em 1983, uma lei
financeira adicional introduziu uma nova tarifa de 5 marcos por dia para os primeiros
catorze dias das permanências hospitalares, uma nova tarifa de 10 marcos para os
tratamentos de reeducação e uma nova tarifa de 2 marcos a pagar por medicamento.
As despesas hospitalares tinham sido, em larga medida, deixadas à margem da lei
de 1977. A lei de 1982 sobre a contenção das despesas hospitalares (Eichhorn, 1984)
começou a dar remédio a esta situação por meio das seguintes disposições:
– submissão das tarifas hospitalares diárias a negociações entre os
representantes das caixas de seguro de doença e os dos hospitais;
– participação tanto das associações das caixas de seguro como das
associações dos hospitais na elaboração dos planos dos Länder relativos
aos hospitais;
– extensão da competência da Comissão de Acção Concertada aos hospitais.
A reforma hospitalar prosseguiu com a lei de 1985 sobre o financiamento dos
hospitais e a regulamentação de 1986 relativa ao pagamento dos hospitais
(Altenstetter, 1987), que continham nomeadamente as disposições seguintes:
– supressão do financiamento conjunto pelo governo federal e pelos governos
dos Länder, dos investimentos hospitalares, que estão agora a cargo
unicamente dos Länder;
– adopção de orçamentos prospectivos globais para as despesas de
exploração de cada hospital e negociação desses orçamentos entre os
representantes das caixas de seguro de doença e os hospitais na base de
montantes fixos e das taxas de ocupação previstas;
101
– fixação de tarifas diárias médias globais na base dos montantes fixos e de
comparações com os de hospitais comparáveis com bom desempenho;
– fixação dos pagamentos efectivos em 75% da tarifa diária convencionada,
quando o número real de dias de hospitalização é inferior ao mínimo
previsto, e de 25% dessa mesma tarifa para o número real de dias de
hospitalização que ultrapassem o mínimo previsto;
– possibilidade concedida aos hospitais de transportarem os seus excedentes
para os anos seguintes;
– recurso a uma instância de arbitragem neutra e não à arbitragem dos
governos dos Länder em caso de diferendo;
– possibilidade de pagamentos especiais ligados aos custos reais para certos
actos muito onerosos;
– manutenção, pelos hospitais, de estatísticas sobre os seus doentes –
diagnóstico, serviço de hospitalização, idade e duração da estadia – em
vista da determinação ulterior de preços baseados nos custos
correspondentes aos diferentes tipos de casos.
A lei de 1986 sobre a programação das necessidades permitiu às associações de
médicos e às caixas de seguro de doença proibirem médicos recém-chegados instalarse em zonas em que o excesso de médicos de certas especialidades fosse superior a
50%. Além disso, foram tomadas medidas para permitir às associações de médicos e
às caixas de seguro de doença incitarem os médicos à reforma antecipada.
Finalmente, após uma brusca subida das taxas médias de contribuição que
passaram, em meados dos anos 80, de cerca de 11,5% para perto de 13% em
consequência do aumento do desemprego e de novos aumentos das despesas, o
governo empreendeu um novo conjunto de reformas com a lei de 1989 sobre a
Reforma dos Serviços de Saúde. Esta lei é a mais importante sobre o seguro de
doença obrigatório desde a de 1911 (Schneider, a publicar). Procura tanto conter as
despesas como financiar certas melhorias das prestações. É composta por seis grandes
constituintes:
– obrigatoriedade para os prestadores de adoptarem um comportamento mais
racional do ponto de vista económico;
– revisão da partilha das despesas;
– modificações introduzidas nas prestações;
– melhoria do controlo da qualidade, da actividade, do número de médicos e
das condições de exercício;
– modificações introduzidas nas taxas de contribuição;
– adopção numa data ulterior de reformas mais fundamentais.
102
Obrigatoriedade para os prestadores de adoptarem um comportamento mais
racional do ponto de vista económico
O Ministério de Trabalho e dos Assuntos Sociais adoptou em relação aos
medicamentos para que existem produtos de substituição (medicamentos que
perderam a sua protecção por “brevet”) um sistema de pagamentos fixos baseados no
preço mais baixo dos produtos, de natureza a produzirem o efeito pretendido. Deviam
ser introduzidos por fases preços fixos: num primeiro momento, para os
medicamentos que têm o mesmo ingrediente activo (cerca de 33% dos medicamentos
lançados no mercado); em seguida, para os medicamentos que têm ingredientes
equivalentes de um ponto de vista terapêutico e, finalmente, para os medicamentos
com perfis farmacológicos comparáveis. No fim de contas, aproximadamente 55%
dos medicamentos existentes no mercado deviam ser afectados directamente pela
nova regulamentação (Jensen, 1990). Uma vez que tivessem sido instituídos
pagamentos fixos para um determinado medicamento, seria suprimida a quantia a
pagar aquando do aviamento da receita. Os médicos continuariam a ter a liberdade de
prescrever um produto cujo preço ultrapassasse o nível do pagamento fixo, mas a
diferença ficaria então a cargo do doente. Enquanto se esperava pela adopção de
preços fixos, a soma a pagar na altura do aviamento da receita seria elevada de 2 para
3 marcos. Estas disposições tinham em vista criar uma concorrência pelos preços
entre os fabricantes de produtos farmacêuticos. Um sistema análogo de pagamentos
fixos, baseados no preço mais baixo de produtos igualmente eficazes, foi introduzido
para outros artigos médicos.
– Foram introduzidos processos mais rigorosos para controlar as receitas
passadas pelos médicos que relevam de caixas de seguro de doença.
– Foram impostas aos farmacêuticos novas obrigações, tais como a de
fornecer equivalentes genéricos quando são prescritos pelo médico.
– Às caixas de seguro de doença foi concedido o direito de rescindirem os
contratos celebrados com hospitais dotados de capacidades excedentárias e
não rendíveis.
– Os hospitais foram obrigados a publicar listas de preços e os médicos a
tomar em consideração a relação custo/eficácia do encaminhamento dos
seus doentes para um outro nível de cuidados.
– Foi previsto assegurar a coordenação entre os serviços de hospitalização e
os serviços de consultas externas, de modo a reduzir os internamentos
supérfluos. Para este efeito devia ser celebrada uma convenção entre as
caixas de seguro de doença, os hospitais e os médicos que relevam das ditas
caixas, recorrendo-se, sendo necessário, à arbitragem.
103
– Do mesmo modo, deviam ser criadas comissões de equipamento, a fim de
se reduzirem as duplicações de equipamento nos hospitais e nos
consultórios médicos.
– Novos incentivos financeiros deviam ser instituídos pelos governos dos
Länder, a fim de reduzir o número de camas de hospital excedentárias.
– Foi concedido às caixas de seguro de doença o direito de experimentarem
novas modalidades de prestações e de financiamento dos serviços,
nomeadamente no que diz respeito à partilha das despesas, à supressão dos
prémios ligados ao volume das procuras e ao pagamento dos prestadores de
cuidados. As experiências em causa estão limitadas a uma duração de cinco
anos e devem ser submetidas a uma avaliação científica.
Revisão da partilha das despesas
– A tarifa da diária de hospitalização deve passar de 5 marcos para 10, a
partir de 1991.
– A participação nas despesas de transporte dos doentes foi fortemente
aumentada.
– As condições de isenção de pagamentos para certos doentes foram revistas
e foram fixados novos “tectos” ligados ao rendimento para as despesas
totais a cargo dos indivíduos.
Modificações introduzidas nas prestações
– Certas prestações menores foram suprimidas.
– Foi introduzido um certo número de novas prestações preventivas –
essencialmente sob a forma de direitos a controlos médicos, nos diferentes
escalões de idade.
– Foi concedido um apoio financeiro às pessoas que têm a seu cargo doentes
de longa duração. Assim, a partir de 1989, as caixas de doença pagaram até
quatro semanas de licença aos membros da família que têm a seu cargo tais
doentes e concedem, desde 1991, um subsídio de cuidados de longa
duração sob a forma, quer de um pagamento de 400 marcos por mês ao
membro da família em questão, quer de um pagamento de 750 marcos por
mês destinado ao financiamento de 25 horas de cuidados de enfermagem
profissionais.
Melhoria de regulamentação
104
– Na sequência de negociações entre as caixas de seguro de doença e as
associações de médicos, foram postos em prática programas de garantia de
qualidade, relativamente tanto aos médicos que asseguram cuidados
ambulatórios como aos médicos dos hospitais. O fornecimento de uma
garantia de qualidade devia incumbir às partes envolvidas, mas está
previsto, por exemplo, instaurar controlos trimestrais sobre amostras
aleatórias que representem 2% dos médicos que asseguram os cuidados
ambulatórios.
– Está previsto transformar o serviço de exame médico num serviço
consultivo independente encarregado de apoiar as caixas de seguro de
doença.
– Os governos dos Länder foram convidados a tomarem medidas para
reduzirem, de forma indirecta, o número de estudantes admitidos em
Medicina.
– Está previsto submeter a condições mais rigorosas a possibilidade de os
médicos exercerem em ligação com as caixas de seguro de doença.
Modificações introduzidas nas taxas de contribuições
– Foi fixado um limite de rendimentos para as contribuições de seguro de
doença pagas pelos “colarinhos azuis”, os quais beneficiam assim das
mesmas condições que os empregados.
– As contribuições dos reformados foram elevadas para um nível
correspondente ao nível médio das contribuições dos trabalhadores (6,4%)
a partir de 1989.
– As contribuições para os filhos segurados no quadro do sistema público por
pais cobertos por um seguro privado deviam ser duplicadas.
Reformas mais fundamentais
Está previsto introduzir, numa data ulterior, reformas mais fundamentais incidindo
sobre a modernização das estruturas administrativas das caixas de seguro de doença.
Estas reformas teriam por objectivo reduzir os desvios existentes entre as taxas de
contribuição, eliminar as distorções de concorrência e suprimir as desigualdades no
tratamento dos trabalhadores manuais e dos empregados. Em Maio de 1992, o
Ministério da Saúde introduzia um novo conjunto de reformas (Schneider, a publicar).
Alemanha oriental
105
Antes da reunificação, a Alemanha oriental estava dotada de serviços de saúde
centralizados e integrados, tanto financiados como fornecidos pelos poderes públicos.
Os serviços farmacêuticos, os serviços de cuidados ambulatórios e os cuidados
hospitalares estavam praticamente todos submetidos ao controlo do Estado e eram
fornecidos gratuitamente aos doentes. Era atribuída uma importância especial aos
centros de cuidados ambulatórios (policlínicas) e aos serviços de medicina do
trabalho. As prestações eram financiadas, ao mesmo tempo, por taxas sobre os
salários e pelo imposto geral. Os doentes podiam escolher os seus médicos, mas estes
últimos eram assalariados e estavam sujeitos a um controlo estrito dos poderes
públicos. O sector privado era muito restrito (cfr. gráfico 5.2, que mostra as principais
características do sistema de saúde da antiga República Democrática Alemã, em
1989).
Gráfico 5.2 - Esquema de funcionamento do sistema de saúde da antiga República
Democrática Alemã
Aquando das negociações que conduziram à reunificação, foi decidido dotar,
dentro dos melhores prazos, o sistema de saúde da antiga RDA de bases financeiras e
organizacionais idênticas às existentes na Alemanha ocidental. As principais
modificações introduzidas ou encaradas foram as seguintes:
– em 1 de Janeiro de 1991, uma rede completa de caixas locais de doença
(Ortskrankenkassen) começou a funcionar na Alemanha oriental. Outras
caixas de seguro de doença poderão ser criadas livremente.
106
– a grande maioria da população será segurada a título obrigatório em função
dos níveis de rendimento.
– a taxa das contribuições a pagar a todas as caixas de seguro de doença será
fixada em 12,8% (ou seja a taxa média na Alemanha ocidental), durante
pelo menos um ano.
– o objectivo é realizar um equilíbrio entre as despesas e os rendimentos.
Para melhor o conseguir, os honorários e tarifas de cuidados médicos, na
Alemanha oriental, foram fixados em 45% dos que estavam em vigor na
Alemanha ocidental (o que corresponde à diferença estimada entre os níveis
de vida das duas partes da Alemanha).
– no que diz respeito aos produtos farmacêuticos, os preços serão fixados de
uma forma homogénea no conjunto da Alemanha, mas, nos Länder
orientais, as caixas de seguro de doença obrigatório beneficiarão de um
abatimento mais importante. Com efeito, a indústria farmacêutica
comprometeu-se a partilhar com o Estado, numa certa medida, o encargo
dos défices sofridos pelas caixas de seguro de doença, em consequência de
preços elevados e de um forte consumo.
– no respeitante à prestação de cuidados, as policlínicas e a medicina de
grupo continuam a ser populares porque numerosos médicos que exercem
na Alemanha oriental, nomeadamente velhos médicos, homens e mulheres,
desejam continuar a trabalhar a tempo parcial. Como a maioria dos doentes
continua a recorrer a esse tipo de prestações, as policlínicas serão mantidas,
pelo menos temporariamente, mas serão objecto de um reexame no termo
de um período de cinco anos (ou seja, em 1996).
– os médicos poderão continuar a ser assalariados ou optar por um sistema de
remuneração por acto, tal como existe na Alemanha ocidental. Isso não
deixa, no entanto, de suscitar dificuldades porque, nos Länder ocidentais,
os honorários incluem as despesas de funcionamento dos consultórios
enquanto que, nos Länder orientais, os salários não entram em conta com as
despesas gerais das policlínicas.
– a necessidade de investimento para a conformação dos edifícios e
equipamentos com as normas em vigor na Alemanha ocidental foi
calculada em 20 milhares de milhões de marcos.
DESEMPENHO DOS DOIS SISTEMAS
Alemanha ocidental
107
Em resumo, a maior parte dos Alemães ocidentais está coberta por um seguro de
doença obrigatório ou privado que lhes dá acesso a cuidados de qualidade e, em geral,
praticamente não os incita a fazerem economias. Os consumidores escolhem
livremente um médico que assegura cuidados ambulatórios, mas têm raramente a livre
escolha do seu segurador. Os prestadores gozam de uma autonomia muito grande e
são incentivados, financeiramente falando, a aumentar o volume dos cuidados
dispensados, mas quando se põe a questão dos pagamentos, eles encontram-se
confrontados com as associações de caixas autónomas de seguro de doença que estão
encarregadas de estabilizar as taxas de contribuição dos seus membros. As
negociações institucionalizadas e regulamentadas que se seguem assemelham-se a um
monopólio bilateral, mesmo se as caixas de seguro de doença não podem controlar o
volume das prestações. Aconteceu muitas vezes, no passado, que as negociações
tenham sido favoráveis aos prestadores. Todavia, o governo federal esforça-se, desde
há mais de dez anos, por fazer pender a balança a favor das caixas de seguro de
doença elaborando leis para definir a orientação, ao nível nacional, relativamente às
taxas de progressão das despesas, à adopção de orçamentos prospectivos fixos para as
associações de médicos e para os hospitais e a uma arbitragem independente no que
diz respeito às tarifas hospitalares. No conjunto, a concorrência pelos preços é fraca
por oposição à concorrência pela qualidade, mas foram recentemente tomadas
medidas para encorajar a concorrência pelos preços no domínio do fornecimento de
produtos farmacêuticos e de serviços hospitalares.
O governo federal conseguiu estabilizar a parte do PIB afecta a despesas de saúde,
após a explosão de despesas do princípio dos anos 70. A parte do PIB correspondente
a essas despesas tinha passado de 5,5% em 1970, a 7,8% em 1975. Segundo os
números da OCDE, a parte das despesas de saúde era de 8,5%, em 1980, de 8,9% em
1988, e de 8,1% em 1990. Medidas em dólares, em paridade de poder de compra, as
despesas de saúde por habitante foram de 1 093 dólares US, em 1987, ou seja, um
valor próximo do registado em França e nos Países Baixos, mas superior em cerca de
50% ao do Reino Unido. As despesas de saúde por habitante situavam-se quase
exactamente no nível que seria de esperar, segundo uma curva de regressão que
relaciona essas despesas com o PIB por habitante, no conjunto dos países da OCDE
(Schieber e Poullier, 1989).
Fez-se notar, no entanto, que as despesas de saúde por habitante poderiam ser
superiores à curva de regressão resultante dos números da OCDE. Certos
comentadores indicam que as despesas de saúde, com exclusão das transferências,
representaram entre 9 e 10% do PIB (ou do PNB) entre 1975 e 1984 (ver Reinhardt,
1981; Altenstetter, 1986; Henke, 1988 e 1990). A Alemanha parece ser um dos países
da OCDE que não inclui senão uma parte das casas de repouso “medicalizadas”, no
cálculo das despesas de saúde.
108
Como era de esperar, as despesas respeitantes aos serviços assegurados pelo sector
privado progrediram mais rapidamente do que as despesas relativas aos serviços
assegurados pelo sector público durante o período de contenção das despesas. A parte
do sector privado nas despesas passou de 18%, em 1977, a 22%, em 1989 (Schneider,
a publicar).
No decurso dos dois últimos anos, o governo federal conseguiu realizar os
objectivos financeiros que tinha fixado na lei de 1989 sobre a reforma do sistema de
saúde. A taxa de progressão das despesas das caixas de seguro de doença caiu de
5,8%, em 1988, para 3%, em 1989. Umas 300 caixas de seguro de doença puderam
baixar a sua taxa de contribuição e espera-se actualmente que as taxas médias de
contribuição desçam para 12,6% em 1992 (contra cerca de 12,9% em 1988) em vez de
subirem para 13,5%, na falta de reformas. Como foi indicado acima, a parte declarada
nas despesas de saúde no PIB desceu de 8,9%, em 1988, para 8,2%, em 1989. Entre
outras medidas, foram encerrados quatro hospitais não rendíveis e foram encarados
vinte outros encerramentos. A adopção de um sistema de pagamentos fixos para os
medicamentos deu muito bons resultados. Durante o primeiro ano, os preços dos
medicamentos reembolsados pelo sistema baixaram de 21%, enquanto que os preços
dos outros medicamentos aumentaram 2% (Schneider, a publicar). A maior parte dos
fabricantes atingidos baixou rapidamente os seus preços para o nível do preço –
“tecto”. Os consumidores mostraram-se pouco dispostos a pagar o preço dos
medicamentos de marca mais caros.
No que diz respeito aos volumes e aos preços, contam-se na Alemanha ocidental
mais camas de hospital de cuidados intensivos por mil habitantes (7,6%), mais
consultas de generalistas por habitante (10,8%) e mais medicamentos receitados fora
dos hospitais por habitante (11,2%) que nos outros seis países deste estudo (ver
quadro 10.2 no capítulo 10). Além disso, se bem que a duração média das estadias
hospitalares tenha diminuído, é na Alemanha ocidental que a duração média das
estadias hospitalares para casos graves é mais longa (13,5 dias em 1986). Não
parecem existir listas de espera nos hospitais. O número de médicos por 1000
habitantes (2,8%) é superior à média dos sete países e as projecções levam a pensar
que o número de médicos aumentará ainda em 50%, até ao ano 2000 (Brenner, 1989).
A razão dos rendimentos dos médicos para o salário médio é excepcionalmente
elevada, mas baixou com o aumento do número de médicos (Sandier, 1989). Segundo
as estimativas, os preços médios dos medicamentos são os mais altos da Comunidade
Europeia (SNIP, 1988).
O contrato bávaro de 1979, que procurava incitar financeiramente os médicos a
reduzirem pela sua prática de cuidados ambulatórios, as despesas ligadas às receitas e
à orientação dos doentes para os hospitais, não produziu os resultados esperados. No
conjunto, parece não ter havido praticamente qualquer substituição dos cuidados
dispensados pelos médicos, em matéria de receituário e de orientação para os
109
hospitais, e de não ter sido registada qualquer economia. Isso pode explicar-se pelo
facto de os incentivos financeiros previstos pelo contrato não deverem actuar senão a
um nível global, o que não era de molde a levar os médicos, considerados
isoladamente, a adoptarem uma atitude economicamente racional. Do mesmo modo,
no que diz respeito às despesas hospitalares, a existência, no momento da assinatura
do contrato, de um reembolso dos custos numa base diária significava que qualquer
diminuição do número dos intervenientes hospitalares podia ser neutralizada pelo
alongamento da duração das estadias ou a acumulação de custos fixos (Jurgen e
Potthoff, 1987).
Qual foi a incidência de um nível elevado e crescente das despesas sobre o estado
de saúde da população? É uma questão a que foi difícil responder, porque numerosos
outros factores, nomeadamente um nível de vida geralmente elevado e em progressão,
influem na saúde. Todavia, é interessante assinalar que, em 1987, a Alemanha
ocidental se situava na média dos países das OCDE para a esperança de vida à
nascença dos homens e das mulheres. Em contrapartida, situava-se acima da média no
respeitante à mortalidade perinatal, em 1989, na sequência dos progressos realizados
desde os anos 60 em que se situava abaixo da média internacional. A mortalidade
perinatal caiu assim de 2,6 por 100 nascimentos, em 1970, para 1,2, em 1980. Esta
nítida melhoria foi seguida de novos progressos importantes traduzidos numa
percentagem de 0,7, em 1988, ou seja, um êxito superior ao dos outros países
abrangidos por este estudo. A Alemanha tem hoje a taxa de mortalidade perinatal
mais baixa dos países da OCDE.
Certos epidemiologistas, na Alemanha, consideram que as melhorias registadas
nos anos 80 se explicam, pelo menos em parte, pela aplicação do programa de
garantia de qualidade nos serviços hospitalares de obstetrícia.
Finalmente, resulta dum inquérito recente sobre a avaliação que os consumidores
fazem dos sistemas de saúde em dez países (Blendon et al., 1990) que os Alemães
ocidentais estão relativamente satisfeitos com o seu regime de saúde. A percentagem
de pessoas interrogadas que considera que só devem ser introduzidas no regime de
saúde «modificações menores» coloca a Alemanha em terceiro lugar (em paridade
com a França) no que toca ao grau de satisfação da sua população.
110
Alemanha oriental
Se é verdade que a história completa da «experiência» social da República
Democrática Alemã está ainda por escrever, uma maioria esmagadora de indivíduos,
tanto na Alemanha oriental como na Alemanha ocidental, considera que «o
socialismo não deu resultado». Não só a maioria dos indivíduos gozou, durante a
maior parte do tempo, de uma maior liberdade pessoal no Ocidente do que no Leste,
mas também o nível de vida progrediu muito mais rapidamente na República Federal.
No que diz respeito mais especialmente aos serviços de saúde na antiga República
Democrática Alemã, que razões se tem, todavia, para pensar que o sistema não
funcionou?
Não é fácil obter estatísticas sobre as despesas de saúde na antiga República
Democrática Alemã, nem elas são necessariamente fiáveis. No entanto, as despesas
com cuidados médicos foram quantificadas em 5,5% do rendimento nacional, em
1980, contra 8,5% na Alemanha ocidental, no mesmo ano (Ministério da Saúde,
RDA, 1981). A razão do PNB por habitante na Alemanha oriental para o PNB por
habitante na Alemanha ocidental foi diversamente estimado entre 0,56 e 0,81
(Lohmann, 1986). É claro que a RDA tinha um nível muito superior ao da RFA antes
da reunificação e que consagrou proporcionalmente menores verbas aos serviços de
saúde, de tal sorte que as despesas de saúde por habitante devem ter sido lá muito
mais reduzidas.
No concernente, todavia, aos recursos reais afectados à saúde e às actividades de
serviços de saúde, os dois países parecem ter seguido vias bastante semelhantes.
Segundo a Organização Mundial de saúde (1988), a República Democrática Alemã
contava, em 1985, 2,3 médicos por 1000 habitantes contra 2,6 na República Federal.
Em 1977, a RDA tinha, segundo certas fontes, 10,6 camas de hospital por 1000
habitantes contra 11,8 na RFA e os dois países tinham aproximadamente o mesmo
número de dentistas e de farmacêuticos por 1000 habitantes (Lohmann, 1986). A
duração das estadias hospitalares era aparentemente análoga nos dois países
(Rosenberg e Ruban, 1986). Sendo o número de camas de hospital por 1000
habitantes praticamente o mesmo nos dois países, é lícito pensar que as taxas de
admissão não diferiam sensivelmente. Finalmente, as tarifas de consultas praticadas
pelos médicos parecem ter sido aproximadas, ou seja, 9 marcos por pessoa na RDA,
em 1976 (Rosenberg e Ruban, 1986), e 10,9 marcos por pessoa na RFA, em 1975. Se
a Alemanha de Leste beneficiava de um volume de serviços de saúde análogo ao da
Alemanha ocidental, as suas despesas de saúde por habitante eram, no entanto, muito
mais reduzidas em virtude dos preços muito mais baixos que lá eram praticados.
No concernente ao estado de saúde da população, a esperança de vida à nascença,
na Alemanha de Leste, que era de 69,9 anos para os homens e de 76,0 para as
mulheres, em 1987, não estava muito atrás da Alemanha ocidental que era, nesse ano,
111
de 72,2 anos para os homens e de 78,9 anos para as mulheres. A taxa de mortalidade
infantil, que atingia 7,2%, em 1950, tinha caído para 0,92%, em 1986. Se é verdade
que a taxa de mortalidade infantil era superior à da Alemanha ocidental, em 1986
(0,85%), a diminuição da taxa registada na Alemanha de Leste, desde 1950, foi muito
mais importante do que na Alemanha ocidental onde era, nesse ano, de 5,6%.
A fazer fé nos números oficiais, a antiga RDA tinha estatísticas sanitárias muito
honrosas, tendo em conta o seu nível de vida. As melhorias do estado de saúde
parecem ter, mais ou menos, acompanhado as da Alemanha ocidental, se bem que o
nível de vida tenha progredido muito mais lentamente a Leste. Dado que o volume
bruto de vários grandes serviços de saúde era análogo nos dois países, poder-se-ia
defender que o sistema da Alemanha de Leste era, pelo menos, tão eficaz como o de
Oeste. É claro que a Alemanha de Leste carecia de um grande números dos
equipamentos e dos medicamentos disponíveis a Ocidente. No entanto, parece que os
médicos na Alemanha de Leste recebiam uma formação, pelo menos, tão longa como
na Alemanha ocidental. Além disso, como observou Light (1985), se o sistema lestealemão retirou aos médicos uma parte da sua autonomia e se baseava numa gestão
centralizada, por outro lado, estabeleceu a integração dos cuidados hospitalares e dos
cuidados ambulatórios, ligou a saúde à habitação, ao local de trabalho e à escola, e
pôs a tónica na prevenção (começando por lançar uma vasta campanha de vacinações
obrigatórias para as crianças). Inversamente, se o sistema oeste-alemão privilegiou a
autonomia dos médicos, das caixas de seguro de doença e dos doentes, e favoreceu a
criação de um número considerável de serviços curativos com tecnologias de ponta,
conservou a demarcação encorajada pelos médicos entre os hospitais e os cuidados
ambulatórios e negligenciou certos aspectos da medicina preventiva. Se bem que os
factores em jogo sejam, aqui, demasiadamente numerosos para que se possam
determinar, com segurança, relações de causa e efeito, não é evidente que todos os
pontos fortes estivessem concentrados na Alemanha ocidental.
CONCLUSÕES: UM DEBATE PERMANENTE
Alemanha ocidental
A antiguidade do sistema de saúde na Alemanha ocidental comprova os seus
numerosos pontos fortes. Como vimos, este sistema permitiu alcançar níveis elevados
e equitativos de cuidados ao mesmo tempo que preservou a liberdade de escolha dos
doentes e a autonomia dos prestadores. Sucessos muito importantes foram
conseguidos nestes últimos anos, no respeitante à redução da mortalidade perinatal.
As reformas tendentes a conter os custos permitiram estabilizar a parte do PIB afecta
a despesas de saúde. Resulta também de um inquérito internacional sobre o grau de
satisfação a respeito dos serviços de saúde que o sistema alemão regista bons
resultados.
112
Estes objectivos foram realizados no quadro de um regime essencialmente
financiado pelos poderes públicos que não implica, nem uma participação elevada dos
utentes nas despesas, nem uma forte intervenção do estado nos processos de controlo.
É verdade que a administração central desenvolveu uma política enérgica e eficaz no
que diz respeito à taxa de progressão das despesas públicas e à planificação dos
serviços hospitalares pelos governos dos Länder. Todavia, o sistema assenta
essencialmente na auto-regulação, a qual é assegurada por uma partilha do poder de
negociação entre as caixas de seguro de doença autónomas e os prestadores de
cuidados e pela liberdade reconhecida aos consumidores de determinarem, em larga
medida, o fluxo dos recursos afectos aos cuidados ambulatórios. Mais recentemente,
foram tomadas várias iniciativas prudentes, no sentido de aumentar a concorrência
entre os hospitais. De uma maneira geral, a fórmula dominante é a fórmula mista do
reembolso que permite tanto despesas de base como uma remuneração da
produtividade, no âmbito das dotações orçamentais globais.
Se é certo que os poderes públicos conseguiram largamente conter os custos no
decurso dos últimos 15 anos, continuam a exercer-se certas pressões desfavoráveis.
Estas últimas resultam, em certa medida, de factores que escapam ao controlo dos
poderes públicos, como o envelhecimento da população. A Alemanha ocidental vai
defrontar-se, durante as próximas quatro décadas, com uma forte deterioração da
relação inactivos/activos que suscitará problemas financeiros aos sistemas de
segurança social e de saúde financiados por repartição (Schulenburg, 1990 b). Em
certa medida, as pressões que se exercem sobre o sistema são imputáveis a factores
que poderiam prestar-se a novas reformas. Entre esses factores figuram
nomeadamente o número manifestamente excessivo de camas de hospital, a incitação
persistente dos prestadores para aumentarem o volume e a qualidade dos cuidados e o
baixo nível de concorrência entre seguradores e entre certos prestadores.
Os trabalhos publicados na Alemanha parecem igualmente denotar uma certa
preocupação a respeito da eficácia e da rendibilidade do sistema de saúde. Certos
comentadores denunciam a existência de uma sobreprodução relativa de cuidados
médicos, somáticos e curativos e de serviços que utilizam tecnologias de ponta, assim
como uma subprodução relativa de serviços preventivos e psiquiátricos e de cuidados
de longa duração. Este desequilíbrio parece resultar de uma estrita especificação das
prestações, no quadro do sistema público, assim como da natureza e da estrutura das
incitações que a remuneração por acto dos médicos e outros prestadores constituem.
A eficiência dos hospitais foi objecto de um exame rigoroso (Ballay, 1990). A
duração média das estadias hospitalares é considerada excessiva e poderia explicar-se
pelo número excedentário de camas de hospital, pelo papel que sempre foi atribuído
aos preços diários, pela nítida separação existente entre os cuidados ambulatórios e os
cuidados hospitalares, pela falta de instalações de cuidados para as pessoas doentes e
idosas e pelo duplo sistema de financiamento dos hospitais que faz com que os
113
governos dos Länder sejam responsáveis pela planificação das capacidades e dos
investimentos correspondentes, mas não pela gestão dos custos.
Mais ainda, os sentimentos estão divididas quanto à taxa de aumento do número de
médicos. As projecções levam a pensar que o seu número aumentará em 50% até ao
ano 2000. Um novo aumento do número de médicos poderia facilitar a instauração de
uma estratégia concorrencial e reduzir mais os rendimentos relativos dos interessados,
mas poderia também incrementar a procura de serviços remunerados por acto.
Continua a pôr-se um problema de equidade, na medida em que a necessidades
iguais não corresponde sempre um tratamento igual. De uma forma geral, os
empregados dispõem de uma escolha mais larga de serviços de saúde que os
operários, nomeadamente quando os seus rendimentos são superiores ao “tecto”
fixado para o seguro obrigatório. Por outro lado, os indivíduos segurados a título
obrigatório, que apresentem as mesmas características de riscos e disponham do
mesmo rendimento, podem pagar contribuições diferentes pelo simples motivo de
serem obrigados a inscrever-se em caixas de seguro de doença cujos beneficiários têm
perfis de riscos diferentes.
Finalmente, certos comentadores observam que as caixas de seguro de doença são
objecto de uma regulamentação excessiva e não são suficientemente incentivadas a
comportarem-se como compradores eficientes, agindo por conta dos seus
beneficiários. A pressão concorrencial sobre as caixas é, se não inexistente, pelo
menos muito limitada e a qualidade do controlo realizado pelos órgãos compostos por
representantes dos empregadores e dos trabalhadores assalariados é considerada
decepcionante.
Alemanha oriental
O sistema de saúde da Alemanha oriental, que agora começou a ser desmantelado
em parte, poderia, também ele, reivindicar certos êxitos. Apesar de despesas
relativamente modestas e de instalações medíocres, esse sistema permitiu melhorar
certos indicadores de saúde como, por exemplo, a taxa de mortalidade infantil.
Médicos bem preparados e ganhando um bom vencimento estavam, parece, em
condições de fornecer uma grande parte da gama de cuidados médicos eficazes,
através de um número relativamente restrito de medicamentos e de vacinas, assim
como de equipamentos relativamente sumários. O sistema de saúde tirou
provavelmente proveito de uma medicina de grupo pluridisciplinar e de uma boa
integração dos cuidados ambulatórios e dos cuidados hospitalares. No entanto, as
normas em matéria de infra-estrutura material eram um pouco laxistas, faltavam as
tecnologias de ponta, os médicos gozavam de uma autonomia muito limitada e a
liberdade de escolha deixada aos doentes não se concretizava através de incentivos
financeiros para os prestadores. Como o sistema estava completamente desacreditado
114
devido à sua ligação à antiga RDA, o governo alemão decidiu abandonar
definitivamente esse modelo de sistema de saúde integrado e autocrático em favor do
modelo liberal de contrato concebido por Bismarck.
SOLUÇÕES POSSÍVEIS
Após a reunificação, foi concedida a mais alta prioridade à reforma do sistema em
vigor na parte oriental do país, de modo a harmonizá-lo com o existente na parte
ocidental. Como vimos, o governo decidiu instituir de novo caixas de seguro de
doença para os alemães de Leste, fixar as taxas de contribuição a um nível
correspondente ao nível médio na Alemanha ocidental e introduzir honorários e
tarifas de cuidados correspondentes a, aproximadamente, metade dos praticados a
Oeste. Ainda não se sabe exactamente que sorte acabará por ser reservada às
policlínicas e ao exercício assalariado da medicina na Alemanha oriental. É possível
que um sistema de saúde mais diversificado do que o existente até agora na Alemanha
ocidental acabe por emergir da reunificação.
Entretanto, o debate prossegue, quanto à necessidade de continuar a reformar o
sistema instalado na Alemanha ocidental. Começou a ser examinado um novo
dispositivo para o financiamento dos cuidados de longa duração que implicaria, quer a
instauração de um sistema capitalizado, obrigatório para os seguradores privados que
oferecem prestações pecuniárias, o qual serviria para pagar os cuidados dispensados
nas casas de repouso “medicalizadas” ou os cuidados no domicílio, quer a introdução
de uma nova prestação para os cuidados de longa duração que cobriria serviços de
natureza análoga oferecidos (separadamente) pelas caixas de seguro de doença, por
meio de contribuições obrigatórias no quadro de um financiamento por repartição.
Está igualmente previsto reorganizar as caixas de seguro de doença, a fim de reduzir
os desvios existentes entre as taxas de contribuição, suprimir as distorções de
concorrência e pôr fim às desigualdades de tratamento entre os trabalhadores manuais
e os empregados. Afigura-se que estes objectivos poderiam ser realizados à partida
na Alemanha oriental. Propostas tendentes a conferir aos generalistas um papel de
«filtro» e a substituir a remuneração por acto por um pagamento fixo, para os médicos
que dispensam cuidados ambulatórios, foram formuladas pelo grupo de peritos
encarregado de aconselhar a Comissão de Acção Concertada.
Finalmente, peritos independentes propuseram reformas estruturais mais radicais, a
fim de fazer funcionar plenamente a concorrência nos mercados do seguro e da
prestação de cuidados (Gitter et al., 1989; Jacobs, 1989). As fórmulas propostas
tendem a combinar o princípio da «solidariedade» que está ligado ao seguro de
doença com um mercado competitivo tanto para o seguro como para as prestações de
cuidados. Aparentam-se com as propostas Dekker, nos Países Baixos (ver capítulo 7)
e com as ideias desenvolvidas em França (ver capítulo 4), a respeito de um modelo de
concorrência organizada (Launois et al., 1985). No entanto, estas propostas ainda não
115
foram formuladas tão claramente como nos Países Baixos e, tal como em França,
nada indica, de momento, que serão retomadas pelos poderes públicos.
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119
Capítulo 6
A REFORMA DO SISTEMA DE SAÚDE NA IRLANDA
INTRODUÇÃO
O sistema irlandês é um conjunto original de instituições públicas e privadas. Este
capítulo contém uma descrição do modo de financiamento e de prestação dos
cuidados de saúde próprio deste sistema assim como das reformas que lhe foram
introduzidas nos anos 80, sua evolução, seus pontos fortes e suas fraquezas.
Neste sistema, o seguro facultativo desempenha um papel importante, mas a
principal fonte de financiamento é o imposto, de modo que o Estado exerce um poder
considerável sobre a evolução das despesas. Como estas progrediram rapidamente,
durante os anos 70, enquanto a economia irlandesa se degradava, o governo decidiu,
nos anos 80, reduzir fortemente as despesas de saúde reais, o que suscitou crescentes
inquietações e controvérsias na opinião pública. Em reacção, o governo, em Junho de
1987, encarregou uma comissão de estudar o financiamento do sistema médico
(Commission on Health Funding); esta apresentou o seu relatório em 1989 e propôs
um certo número de grandes reformas, postas em prática em 1991. No final deste
capítulo faz-se uma descrição e uma avaliação das recomendações desta comissão.
DESCRIÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE
O financiamento dos cuidados médicos, no sistema irlandês, é um exemplo do
modelo de assistência social, isto é, a terça parte da população que tem recursos mais
modestos (categoria I) tem direito à gratuitidade total dos serviços médicos
financiados pela massa dos impostos. Até 1989, metade da população dotada de
recursos médios tinha acesso, em condições mais limitadas, aos serviços gratuitos e as
pessoas classificadas na camada superior de rendimentos, ou seja 15% da população,
só acediam a eles em condições ainda mais limitadas. No quadro do regime público,
os serviços de generalistas são assegurados em conformidade com o modelo
integrado. Como o direito à prestação de cuidados é limitado, as despesas privadas
têm um papel importante. É possível celebrar, facultativamente, um seguro de saúde
privado, o que cerca de 30% da população faz. Não é possível, no entanto, celebrar o
contrato senão com um único segurador público, o Conselho de Seguro de Doença
Facultativo (Voluntary Health Insurance Board, VHI). As prestações são efectivadas
por generalistas independentes e um leque de estabelecimentos hospitalares de
beneficência e privados.
O gráfico 6.1 apresenta os principais elementos do sistema: em baixo, à esquerda,
encontra-se a população, a maior parte da qual recorrerá aos serviços médicos no
120
decurso de qualquer ano considerado; em baixo, à direita, os prestadores de serviços
e, no cimo, os terceiros pagadores. Os fluxos de serviços são indicados em traço
contínuo e os fluxos financeiros a tracejado.
Gráfico 6.1 – O sistema de saúde na Irlanda
Os prestadores estão distribuídos da seguinte forma: os serviços de saúde públicos,
os farmacêuticos (retalhistas), os generalistas, os hospitais gerais de beneficência
(com um certo número de camas privadas), os hospitais gerais públicos (com um certo
número de camas privadas), os hospitais especiais públicos (destinados aos doentes de
geriatria, atrasados mentais e doentes psiquiátricos), os serviços de saúde municipais
121
(incluindo os serviços de cuidados de enfermagem ao domicílio, os serviços dentários,
os serviços de otologia e de oftalmologia) e os hospitais gerais e psiquiátricos
privados. Os fluxos dos pagamentos directos do doente ao prestador são muito
importantes.
Os principais terceiros pagadores são o Ministério da Saúde e o Conselho de
Seguro de Doença Facultativo (VHI). O quadro menciona igualmente as direcções
regionais de saúde (em número de oito), encarregadas de financiar e de gerir os
serviços públicos no plano local, assim como o Serviço de Pagamento dos Serviços
Médicos Gerais [General Medical Services (Payments) Board] que financia, por conta
das direcções regionais de saúde, as prestações dos generalistas e dos farmacêuticos
aos doentes da categoria I.
A maior parte dos serviços que relevam das finanças públicas é financiada por
intermédio das direcções regionais de saúde, com excepção dos hospitais de
beneficência que são financiados directamente pelo Ministério da Saúde.
Os fluxos financeiros compreendem geralmente as despesas recorrentes e as
subvenções de investimento, com excepção dos fluxos destinados aos profissionais
independentes, como os farmacêuticos e os generalistas, em que figuram honorários e
pagamentos que cobrem o reembolso anual de despesas de capital. Até uma data
recente, o Conselho de Seguro de Doença Facultativo reembolsava aos seus aderentes
das facturas de cuidados médicos cobertos pelas suas apólices. Mas este organismo
estabelece doravante um limite aos seus pagamentos e paga directamente à maior
parte dos prestadores, de tal modo que certos doentes têm que assumir o encargo dos
excedentes.
A RELAÇÃO ENTRE OS DOENTES E OS PRESTADORES
Toda a gente tem direito a uma gama de serviços médicos modernos, mas as
condições de acesso a certos serviços variam em função das cláusulas e da cobertura
do seguro. A principal distinção é a que está estabelecida entre doentes públicos e
doentes privados. Por exemplo, cerca de 40% das consultas de generalistas e 25% dos
internamentos em hospitais gerais são privados (isto é, pagos). A participação do
Estado na factura dos cuidados ambulatórios é uma das mais fracas dos países da
OCDE (Poullier, 1990, quadro 19). Manifestamente, o acesso aos serviços privados é
função quer dos meios financeiros do doente quer da cobertura do seu seguro, sendo
este geralmente objecto de contrato por parte dos titulares de rendimentos elevados e
médios.
Todos os doentes podem escolher o seu generalista, mas, se os doentes privados
mudam de médico à sua vontade, os do regime público são obrigados a inscrever-se
junto de um generalista filiado nesse regime (convencionado) e têm que se dirigir à
sua direcção regional de saúde se quiserem mudar de médico. Os generalistas
122
desempenham funções de triagem e encaminhamento e, em geral, preferem exercer
sozinhos a fazê-lo em grupo. Tussing (1985) calculou que 72% das despesas
hospitalares e 98% do custo dos medicamentos receitados relevam directa ou
indirectamente das decisões dos generalistas. Faz notar igualmente que, na Irlanda, os
generalistas enviam muito mais doentes para o hospital do que os seus colegas
ingleses, o que se explica talvez pelo facto de exercerem, muitas vezes, sozinhos. No
concernente às despesas, os hospitais vêm largamente à cabeça e mais de 60% dos
médicos trabalham em meio hospitalar, dando consultas ou como internos. Quando o
generalista passa uma receita, o doente, em regra geral, dirige-se a um farmacêutico
retalhista para obter os medicamentos, mas, no meio rural, os médicos estão
autorizados a aviar, eles próprios, as suas receitas. Os doentes privados pagam,
geralmente, eles próprios, os medicamentos prescritos (ver abaixo as excepções), mas
os da categoria I têm direito à gratuitidade dos medicamentos. Os honorários dos
generalistas são livres para os doentes privados, mas não há verdadeira concorrência
pelos preços. Os preços dos produtos farmacêuticos estão regulamentados, mesmo
para os doentes privados.
As condições de acesso aos cuidados são função da extensão do direito à prestação
e do segurado contratado. Até uma data recente, os segurados estavam classificados
em três categorias:
Categoria I:
Os adultos e as pessoas a seu cargo, considerados como não tendo
meios para cobrirem, por si próprios, os serviços de generalista de que têm
necessidade eles pessoalmente ou uma das pessoas a seu cargo. Representam
cerca de 37% da população. Têm direito à gratuitidade da totalidade dos
serviços médicos do regime público e recebem, para este efeito, um cartão de
saúde. A concessão deste cartão é essencialmente função de um critério de
recursos, mas a existência de uma doença crónica pode também ser tomada em
consideração.
Categoria II: Todos os outros adultos, assim como as pessoas a seu cargo, cujo
rendimento é inferior a um certo limiar (16 000 libras para o ano orçamental
de 1988/89). Estas pessoas representam perto de 48% da população. Têm
direito à totalidade dos serviços de saúde do regime público (salvo os dos
generalistas), e à gratuitidade dos medicamentos receitados, unicamente a
partir de um certo limiar de despesas mensais ou em caso de doença crónica
reconhecida. Além disso, os beneficiários desta categoria estão sujeitos, todos
os anos, a uma franquia de 10 libras para a primeira consulta externa de
serviço hospitalar, seja qual for o motivo da consulta, e de 10 libras por dia
para os dez primeiros dias de hospitalização num estabelecimento público.
Categoria III: Os adultos cujo rendimento é superior ao limiar de 16 000 libras por
ano, assim como as pessoas a seu cargo. Em 1988, representavam cerca de
15% da população. Para além das exclusões aplicadas aos beneficiários da
123
categoria II, não beneficiam da gratuitidade dos serviços dos especialistas
hospitalares nem da gratuitidade das consultas públicas de maternidade e de
protecção infantil. Como os doentes da categoria II, estão sujeitos, em cada
ano, a uma franquia de 10 libras por dia para os dez primeiros dias de
hospitalização num estabelecimento público.
Quadro 6.1. – O direito aos serviços médicos gratuitos e ao seguro de doença
complementar, 1987
Sem seguro
Com seguro
(em percentagem da população)
Total
Efectivos da categoria I
36
1
37
Efectivos da categoria II
32
16
48
Efectivos da categoria III
4
11
15
72
28
100
Total
Fonte: Estimativas da Commmission on Health Funding (1989) e de Nolan (1991).
As categorias II e III foram fundidas em virtude de uma lei aprovada em 1991, a
fim de que o sistema não compreenda senão duas categorias.
Todos os cidadãos irlandeses têm direito à gratuitidade dos cuidados, incluindo
hospitalização, no caso de doenças transmissíveis e de certas doenças crónicas
reconhecidas, assim como para às despistagens na primeira infância e aos exames
pediátricos.
Em 1987, cerca de 30% da população tinha celebrado um contrato de seguro de
saúde com o Conselho de Seguro de Doença Facultativo (VHI). O VHI propõe
essencialmente duas apólices: a) uma apólice extensa, que cobre os honorários dos
especialistas privados, a hospedagem particular ou semi-particular no hospital e certos
serviços ambulatórios como os honorários de generalistas acima de certo limiar, e b)
uma apólice mais limitada, que constitui um complemento aos direitos às prestações
de base, como a hospedagem em hospital público e os serviços de especialista no
hospital. Os subscritores optam, na sua grande maioria, pela apólice do primeiro tipo,
incluindo muitos dos segurados sociais da categoria II, que têm já direito à
gratuitidade de serviços públicos bastante extensos.
Este sistema com três níveis coexistia com a faculdade de celebrar ou não um
contrato de seguro complementar. Contavam-se, portanto, antes das reformas
adoptadas recentemente, pelo menos seis categorias de doentes (ver quadro 6.2). Por
ocasião de um mesmo tipo de hospitalização por doença aguda, o mecanismo de
incitação financeira podia ser diferente para cada um dos grupos. Além disso, o modo
de remuneração dos médicos podia variar segundo o grupo. Encontrar-se-á, no quadro
6.1, a estimativa dos beneficiários de cada categoria e, no interior de cada categoria, o
124
número de segurados voluntários e dos que não contrataram um seguro
complementar.
Quadro 6.2. – Acesso aos cuidados de médicos: o direito a prestações e ao seguro
complementar, 1989
Os cuidados de saúde (públicos) gratuitos
para os beneficiários.
Exemplos de serviços suplementares
cobertos pelo seguro de doença facultativo
(VHI) para os segurados
Da categoria I:
1.A hospitalização nos estabelecimentos
públicos.
2.Os serviços médicos especializados.
3.Os serviços de maternidade e de
protecção à primeira infância.
4.Todos os medicamentos com receita.
5.Os serviços dentários, oftalmológicos e
otológicos.
6.Os serviços de generalista.
7.Todos os outros serviços de saúde do
regime público.
mais, por exemplo, a hospedagem semiparticular nos hospitais públicos, mais o
tratamento nos hospitais privados e os
honorários de especialistas privados.
Da categoria II:
1.A hospitalização nos hospitais públicos
sob reserva de uma franquia anual de 10
libras por dia para os dez primeiros dias.
2.Os serviços de especialistas, sob reserva
de uma franquia de 10 libras aquando da
primeira visita, seja qual for o motivo.
3.Os serviços de maternidade e de
protecção da primeira infância.
4.Os medicamentos com receita, acima de
uma franquia mensal de 28 libras, ou
então no caso de certas doenças crónicas.
5.Todos os outros serviços de saúde do
regime público (com exclusão dos
serviços referidos no ponto 5 e 6 a favor
da categoria I).
mais, por exemplo, a hospedagem
particular nos hospitais públicos, e ainda o
tratamento em hospitais privados, os
honorários dos especialistas privados, assim
como as despesas de generalista e de
consulta externa, após franquia de 170
libras por ano por família (100 libras para
uma pessoa só) e sob reserva de um «tecto»
de despesas de 1200 libras.
Da categoria III:
1.A hospitalização nos hospitais públicos
com a garantia de uma franquia anual de
10 libras por dia para os dez primeiros
dias
4.Os medicamentos com receita, para além
de uma franquia mensal de 28 Libras, ou
então no caso de certas doenças crónicas
5.Todos os outros cuidados de saúde do
regime público (com exclusão dos
serviços mencionados no ponto 2, 3, 5 e
6 a favor da categoria I acima)
mais, a hospedagem particular nos hospitais
públicos e ainda o tratamento e os
suplementos médicos nos hospitais
privados, os honorários de especialistas
privados e as despesas de generalista e da
consulta externa acima de uma franquia de
170 libras por ano por família (100 libras
para uma pessoa só) e sob reserva de um
«tecto» de despesas de 1400 libras.
Nota: Em 1991, a categoria III foi fundida com a categoria II.
125
A RELAÇÃO ENTRE OS DOENTES E OS TERCEIROS PAGADORES
A Irlanda conta menos terceiros pagadores do que a maior parte dos países da
OCDE. Só há dois que são importantes: o Ministério da Saúde (ou seja a
administração central) e o Conselho de Seguro da Doença Facultativo (VHI). Em
1987, o Ministério da Saúde cobria aproximadamente 78% das despesas de saúde
totais e o VHI perto de 9%; sendo o resto coberto, ou seja uns 13%, directamente
pelos utentes (Stationary Office, 1989, quadro 4.1).
O VHI financia essencialmente as suas despesas com base na massa geral do
imposto; além disso, é cobrada uma contribuição para saúde de 1,25% do rendimento
dos contribuintes não titulares de um cartão de saúde, sendo fixado a este rendimento
um “tecto” que foi de 15 500 libras para o ano orçamental de 1988/89. Esta
contribuição não representa, no entanto, senão cerca de 5% das despesas de saúde
totais. O Ministério das Finanças exerce, à escala central, um controlo estrito do nível
das despesas de saúde públicas em relação a cada exercício orçamental.
O VHI tem de original o facto de ser patrocinado pela administração central que o
regulamenta directamente, mas o seguro proposto não ser obrigatório. O organismo
foi concebido para completar os serviços de saúde financiados pela fiscalidade que
tomam essencialmente a seu cargo as camadas menos favorecidas da população
(McDowell, 1989). Detém o monopólio do seguro de doença facultativo, o que lhe
permitiu praticar, desde o princípio, um seguro de grupo modulado em função do
grupo e, mais recentemente, exercer um monopsónio em relação aos prestadores. O
VHI propõe um leque de apólices bastante limitado, sendo sete as principais (para
mais pormenores, recorrer à Commission on Health Funding, 1989). Como a maior
parte dos seguros privados, o VHI não cobre os problemas de saúde já existentes no
momento da inscrição e não é possível inscrever-se depois dos 64 anos. 0 número das
adesões aumentou rapidamente no final dos anos 70 e no princípio dos anos 80, num
nível correspondente a 30% aproximadamente da população. O VHI efectuava
inicialmente a maior parte das suas prestações sob a forma de reembolso das facturas
médicas, depois adoptou, nestes últimos anos, a fórmula do pagamento directo dos
especialistas e dos serviços hospitalares.
Os contribuintes beneficiam de um abatimento do imposto sobre o rendimento,
com base nos seus prémios de seguro, o qual é calculado à taxa marginal do imposto
aplicável ao segurado e que se situa no intervalo que vai da taxa normal de 35% à
taxa máxima de 58%, para o ano económico de 1988/89 (OCDE, 1989). O segurado
beneficia, além disso, de um abatimento do imposto sobre o rendimento, com base em
certas despesas médicas não reembolsadas, para além de uma franquia anual de 50
libras para uma pessoa só ou de 100 libras para uma família. As despesas ocasionadas
pela maternidade, pelos cuidados dentários e pela oftalmologia não dão lugar a
126
qualquer abatimento. Em 1988, as despesas fiscais representavam 3% das despesas de
saúde.
A RELAÇÃO ENTRE OS TERCEIROS PAGADORES E OS PRESTADORES
Até 1989, a maior parte dos generalistas era remunerada por acto em relação aos
doentes da categoria I. Os honorários foram, então, substituídos por pagamentos por
capitação ponderados em função da idade, do sexo e da distância do domicílio do
doente e completados por honorários que remuneram um pequeno número de actos
precisos. Diversamente do modo de pagamento em vigor no Reino Unido, não há, na
remuneração do generalista, um abono de exercício (comparável a um salário). Um
pequeno número de generalistas continua a ser assalariado. Dos 1800 generalistas
irlandeses, cerca de 1500 efectuam as prestações do regime público devidas aos
beneficiários da categoria I. Normalmente, a lista dos titulares do cartão de saúde
respeitante a cada médico não deve comportar mais de 2 000 doentes. Os médicos têm
geralmente a liberdade de aceitar ou não doentes na sua lista, mas, em certas
condições, podem ser-lhes atribuídos doentes pelo GMS (Payments) Board. Além
disso, 48% da população feminina tem direito aos cuidados de maternidade gratuitos,
pelos quais os generalistas são remunerados por acto. Honorários e pagamentos por
capitação são negociados entre os representantes dos médicos e o Ministério da
Saúde. Em 1987, o nível dos honorários pagos pelo GMS (Payments) Board
representava, em média, por acto, cerca de 60% dos honorários que eram pedidos aos
doentes privados.
Em linhas gerais, as autoridades do sector da saúde pagam ao farmacêutico os
honorários correspondentes ao aviamento das receitas, assim como o custo dos
produtos que entram na composição dos medicamentos fornecidos aos doentes com
direito à gratuitidade. Mas a taxa de pagamento varia conforme o doente pertence à
categoria I ou tem direito à gratuidade dos medicamentos em razão da cobertura das
doenças crónicas das categorias II e III. Os doentes destas categorias II ou III podem
ser reembolsados pela direcção regional de saúde da parte das suas despesas
farmacêuticas que excede uma franquia mensal de 28 libras. O número dos
medicamentos que é possível prescrever aos beneficiários é limitado: são excluídos
principalmente os medicamentos que podem ser comprados sem receita. No âmbito de
um acordo celebrado com a indústria farmacêutica, os preços dos medicamentos são
regulamentados e estão alinhados pelos que são praticados no Reino Unido: isso
permite controlar os preços de retalho dos medicamentos vendidos aos doentes
privados porque a prática do farmacêutico retalhista é acrescer de 50% o preço de
grosso.
Um orçamento anual global destinado a cobrir as despesas de funcionamento não
cobertas pelos doentes que pagam é atribuído aos hospitais públicos, gerais e
especializados (de longa permanência). Todos os anos, este orçamento é revisto em
127
função da inflação, das modificações das prestações e da política governamental
relativa à taxa de crescimento das despesas. Os hospitais gerais de beneficência
recebem o seu orçamento directamente do Ministério da Saúde. Os outros hospitais
públicos recebem-no das direcções regionais de saúde, elas próprias financiadas pelo
Ministério. Nestes últimos anos, os orçamentos foram estabelecidos principalmente
“no cume”, quer dizer essencialmente pelo Ministério da Saúde, após a intervenção,
no entanto, de um elemento de negociação para avaliar as necessidades hospitalares.
Existe também uma espécie de apelo à concorrência ou de negociação para a
atribuição de um complemento de recursos destinado a encorajar certas iniciativas
que visam melhorar a qualidade do serviço, tais como a redução das filas de espera,
por exemplo. Está em curso o estudo de outros métodos de atribuição de recursos,
como a tomada em consideração do conjunto dos casos tratados. Não são tomados em
conta a amortização dos equipamentos nem os juros. As grandes despesas de
equipamento são subvencionadas e colocadas sob o controlo directo do Ministério da
Saúde.
O essencial dos recursos dos hospitais privados é constituído pelos pagamentos dos
doentes privados segurados no VHI. Este procura indemnizar os seus aderentes do
custo integral da hospedagem hospitalar coberta pelas suas apólices. Acontece que
este organismo explore o seu monopsónio para negociar os preços praticados pelos
hospitais privados ou procure persuadir alguns destes estabelecimentos a recorrerem
mais frequentemente à hospitalização de dia e a reduzirem a duração média da estadia
hospitalar (Voluntary Health Insurance Board, 1987). Actualmente, o VHI paga
directamente aos hospitais públicos e privados as prestações efectuadas aos seus
segurados.
Antes de 1991, só os doentes das categorias I e II tinham direito à gratuidade ou ao
reembolso de uma parte muito grande dos serviços de especialista de que
beneficiavam em cuidados ambulatórios ou no decurso da hospitalização. Desde que a
categoria III se fundiu com a categoria II, em 1991, a regra aplica-se ao conjunto dos
residentes. Cerca de 40% desses especialistas assumem a inteira responsabilidade dos
doentes e estão autorizados a ter uma clientela privada. Os restantes especialistas são
internos que exercem principalmente nos hospitais públicos. Cerca de 90% dos
especialistas ocupam lugares em hospitais públicos e a grande maioria beneficia de
um contrato a «tempo inteiro». Um novo contrato liga, desde 1991, os hospitais e os
especialistas, permitindo a estes ocupar vários postos hospitalares. A sua remuneração
varia segundo as funções e o direito de tratar, paralelamente, clientes privados. À
semelhança dos internos, os especialistas são, doravante, assalariados para as
prestações efectuadas aos doentes do regime público. São remunerados por acto
quando tratam clientes particulares, incluindo, até 1991, todos os beneficiários da
categoria III .
128
A PLANIFICAÇÃO E A REGULAÇÃO ASSEGURADOS PELOS PODERES
PÚBLICOS
O sector público desempenha um papel predominante no financiamento e, numa
medida menor, na prestação e na gestão dos cuidados. No fim dos anos 80, cerca de
quatro quintos das despesas de saúde totais relevavam do regime público e 9% eram
cobertas pelo VHI que, sob certos pontos de vista, funciona como um organismo
público. Os hospitais públicos concentram 74% das camas disponíveis e as oito
direcções regionais de saúde asseguram alguns dos serviços de medicina urbana.
A administração central esteve, portanto, em condições de exercer, directa ou
indirectamente, um controlo considerável sobre o crescimento das despesas de saúde
assim como sobre a fisionomia dos serviços. A Irlanda é um dos raros países da
OCDE que conseguiu, durante os anos 80, não apenas refrear a progressão das
despesas públicas de saúde, mas reduzir efectivamente as despesas reais em números
absolutos. Só sectores relativamente limitados do ramo da saúde, que correspondem
essencialmente aos serviços privados de generalista, estão sujeitos ao livre jogo dos
mecanismos do mercado.
Além dos diversos dispositivos públicos de financiamento e de gestão acima
evocados acima, os poderes públicos exercem também um certo controlo sobre os
efectivos de médicos, visto que as autoridades da Educação Nacional limitam o
número de lugares reservados aos estudantes de Medicina e que existe, por outro lado,
uma comissão (Comhairle na nOipideal) que regulamenta o número e o tipo de
médicos especialistas a nomear para os hospitais e aconselha o Ministro da Saúde
sobre a organização e o funcionamento dos serviços hospitalares. A administração
central quase não procura intervir no concernente ao volume da actividade
profissional dos médicos, mas o organismo pagador [GMS (Payments) Board]
examina muito atentamente o volume de actividade e de receituário dos generalistas
que tratam os titulares do cartão de saúde, e procede a um inquérito quando os
pedidos de reembolso atingem um montante sensivelmente mais elevado do que a
média.
AS REFORMAS RECENTES
Em 1989, o governo irlandês substituiu a remuneração por acto pelo pagamento
por capitação relativamente às prestações efectivadas pela maior parte dos
generalistas aos titulares do cartão de saúde (isto é, os doentes da categoria I). Foi a
reforma mais importante levada a efeito durante a década anterior à apresentação do
relatório da Commission on Health Funding. Ela explica-se pelo receio de ver a
remuneração por acto dos generalistas interessados (para quem a tarifa convencionada
129
representava perto de 60% dos honorários cobrados aos doentes privados) encorajar a
multiplicação das visitas, o excesso de receituário e a medicalização de afecções
menores (Commission on Health Funding, 1989). Com efeito, certas indicações
tendiam a provar que os titulares do cartão de saúde consultavam mais
frequentemente, sob a forma nomeadamente de consultas de rotina, e que o volume
das receitas era mais importante para esses doentes.
Os generalistas são, assim, doravante, pagos segundo uma fórmula de capitação
ponderada em função da idade do doente (segundo cinco grupos etários), do seu sexo,
da distância entre o seu domicílio e o consultório do médico (ou seja, 20 categorias no
total correspondentes aos cinco grupos etários e a 4 escalões de distância). Além
disso, o médico recebe um suplemento se for chamado a prestar cuidados fora do
horário normal e um pequeno número de prestações especiais é facturado segundo
uma tabela especial. O médico tem direito a uma reforma e a diversas formas de férias
pagas (ver Commission on Health Funding, 1989, anexo 11a).
Deve assinalar-se igualmente uma série de outras reformas introduzidas no sistema
desde o final dos anos 70, como se segue:
− em 1979, os doentes da categoria III adquirem o direito à gratuidade da
hospitalização num estabelecimento público, mas os honorários de
especialistas ficam a seu cargo;
− entre 1981 e 1983, nos termos de um novo contrato, os especialistas
tornam-se assalariados no respeitante às prestações efectuadas aos doentes
do regime público. Anteriormente, os especialistas dos hospitais de
beneficência eram remunerados ao mesmo tempo por consulta em relação
aos doentes externos e por dia de hospitalização em relação aos doentes
hospitalizados;
− em 1982, cerca de 900 artigos, representando sobretudo medicamentos
vendidos sem receita, são riscados da lista dos medicamentos que era
possível receitar no âmbito do regime público;
− em 1983, os preços de grosso dos medicamentos são alinhados pelos
praticados no Reino Unido;
− em 1983 e 1984, elevação da franquia acima da qual os doentes podem
fazer-se reembolsar das suas despesas farmacêuticas, segundo o regime de
subsídio dos medicamentos;
− elevação sensível, em valor real, em várias ocasiões, do preço do quarto
privado e semi-privado nos hospitais públicos;
− a partir de 1987, é aplicada uma franquia de 10 libras aos doentes da
categoria II para a primeira consulta externa em hospital público e a mesma
franquia diária para os dez primeiros dias de hospitalização num
130
estabelecimento público, enquanto os doentes da categoria III passam a
assumir o encargo da franquia de hospitalização se ocuparem uma cama do
regime público. Estas franquias foram elevadas para 12,50 libras em 1991;
− Em 1991, na sequência de uma recomendação da Commission on Health
Funding, a categoria III foi fundida com a categoria II.
CRESCIMENTO E DESEMPENHO
O sistema de saúde irlandês associa financiamentos públicos e facultativos às
prestações públicas e privadas. São os impostos sobre o rendimento que constituem a
fonte de financiamento mais importante e a administração central tem uma liberdade
de acção extremamente extensa no concernente à taxa de crescimento das despesas,
do que, de resto, dá claramente testemunho a evolução das despesas de saúde nos
anos 80.
Entre 1980 e 1986, a economia atravessou um período difícil e o crescimento foi
negativo em quatro desses seis anos (OCDE, 1989). Os poderes públicos reagiram,
contendo firmemente o crescimento das despesas públicas nominais quando
verificaram que, na Irlanda, o nível das despesas públicas era relativamente elevado
em face de países com um nível de vida semelhante. As despesas públicas com a
saúde diminuíram em valor real na maior parte dos anos compreendidos entre 1980 e
1990 e, no fim do período, tinham baixado 8% em valor real. Registou-se
simultaneamente uma baixa de 29% no número de camas de hospital reservadas para
as doenças graves, uma redução de 29% na duração média de estadia hospitalar e uma
baixa de 13% na taxa das admissões.
Segundo os números da OCDE, as despesas privadas, por um movimento de
compensação, aumentaram 55% em valor real e a parte dessas despesas privadas na
despesa total passou de 18% aproximadamente para cerca de 25% em 1990. No
entanto, como as despesas privadas são bastante menores do que as despesas públicas,
a despesa total recuou, apesar disso, 5% em valor real no período considerado
(Poullier, 1989). Os prémios do VHI aumentaram 45% em valor real entre 1980 e
1988 (Commission on Health Funding, 1989). Esta progressão foi considerável, mas é
inferior à dos reembolsos individuais médios efectuados aos aderentes a um seguro de
doença privado registada no Reino Unido durante o mesmo período e atingiu 91% em
valor real. A comparação é falseada pelo facto de as clientelas dos seguradores e as
apólices de seguro não serem as mesmas nos dois mercados, mas é-se, no entanto,
tentado a concluir que o desvio entre os dois números está ligado às diferenças de
estrutura entre os dois regimes de seguro: um monopsónio regulamentado na Irlanda e
uma concorrência totalmente livre no Reino Unido. Na Irlanda, o aumento dos
prémios apoiou-se numa extraordinária progressão dos abatimentos fiscais durante o
período, que atingiu 350%, e esses abatimentos representam aproximadamente 28%
131
dos prémios do VHI em média (Commission on Health Funding, 1989, quadro 4.3,
servindo os números indicados porem Poullier, 1989, quadro 13, como deflator).
A diminuição das despesas totais de saúde, manifesta-se também por uma
contracção da parte do PIB consagrada à saúde, a qual passou de 9,2%, em 1980, a
7,0%, em 1990. Esta contracção que atinge 24%, é a mais forte das que se registaram
durante este período nos países da OCDE (ver capítulo 10). Pode-se ver nisto, até
certo ponto, uma reacção ao crescimento excepcionalmente rápido durante os anos 70
da parte do PIB consagrada à saúde, que passou de 5,6%, em 1970, a 9,2% em 1980.
Em 1987, a despesa com a saúde por habitante cifrava-se em 607 dólares US e era
superior em 21% à despesa registada em Espanha, em 81% à do Reino Unido e em
27% à dos Estados Unidos. É um nível um pouco superior ao esperado com base
numa curva de regressão que relaciona PIB por habitante com a despesa de saúde por
habitante nos principais países da OCDE (Schieber e Poullier, 1989).
Segundo a OCDE (1987), Schieber et al. (1991) (ver também o quadro 10.2), no
princípio dos anos 80, as taxas, na Irlanda, são bastante clássicas para um país da
OCDE no concernente às consultas médicas por habitante, às receitas, às camas de
hospital para doentes graves, aos dias de hospitalização, aos internamentos
hospitalares e à ocupação das camas. Mas regista-se um valor excepcionalmente
baixo da duração média de internamento hospitalar por doença aguda (7,4 dias, em
1986) e um dos valores mais baixos no tocante ao número de médicos por 1000
habitantes (1,5, em 1987, contra 2,5, em média nos sete países estudados neste
volume). No que diz respeito aos prazos de espera antes de um internamento
hospitalar, não são publicados dados sistemáticos, mas um inquérito relativo a esta
questão permite pensar que, em 1980, 7,8% da totalidade dos doentes hospitalizados
tiveram que esperar mais de um mês antes de entrar no hospital, e 1,6% de entre eles
mais de um ano (Tussing, 1985).
Em 1989, a esperança de vida à nascença era de 77 anos para as mulheres e de 71
anos para os homens. A mortalidade perinatal era de 0,99% (quadro 10.3) em 1989.
Estes valores de esperança de vida situam-se ao nível inferior da escala dos países da
OCDE, mas o valor da mortalidade perinatal está, em contrapartida, próximo do topo.
É difícil dizer com precisão o que determina o estado de saúde em qualquer país, mas
é verosímil que os números se expliquem tanto por um nível de vida relativamente
modesto como pelo desempenho dos serviços de saúde. A mortalidade perinatal não
cessou de baixar regularmente no decurso das três últimos décadas e continuou a
descer entre 1980 e 1989, apesar do crescimento muito modesto da economia até ao
fim de 1987 e das compressões em valor real das despesas de saúde.
No que diz respeito ao acesso aos cuidados para doenças agudas, a coexistência
das três categorias e a faculdade de contratar um seguro de doença privado significam
que a diferentes grupos de doentes correspondem diferentes mecanismos de
132
incitação financeira (ver os quadros 6.1 e 6.2). E, conforme os doentes relevam do
regime público ou pertencem ao sector privado, os incentivos variam também para os
prestadores. Certos inquéritos às famílias permitiram investigar que efeitos têm os
dispositivos incentivadores existentes dos dois lados, utentes e prestadores, sobre a
utilização efectiva dos serviços de saúde.
Tussing (1985) procedeu, em 1980, a um inquérito às famílias no decurso do qual
fez perguntas sobre o recurso aos cuidados médicos, a idade, o sexo, a actividade
profissional, a categoria de beneficiários a que pertencia o inquirido e a sua cobertura
por seguro, mas sem o interrogar sobre o seu estado de saúde. Serviu-se de uma
análise de regressão para procurar os elementos determinantes da utilização de
cuidados médicos. É interessante ver os resultados que obtém ao procurar verificar
três hipóteses de trabalho:
A primeira hipótese é a de que os doentes da categoria I, como são tratados
gratuitamente por generalistas remunerados por acto, contabilizarão mais consultas e
nomeadamente mais consultas de rotina após qualquer consulta inicial do que os
doentes da categoria II ou III que têm que assumir o encargo dos serviços do
generalista. Esta hipótese é fortemente confirmada pelos dados brutos recolhidos, que
indicam que os doentes da categoria I contabilizam 2,5 vezes mais consultas de
generalistas do que os doentes da categoria II e da categoria III, assim como pela
análise de regressão realizada para tomar em consideração algumas das variáveis
acessórias susceptíveis de desempenhar um papel. É verosímil, por exemplo, que o
estado de saúde globalmente medíocre dos doentes da categoria I entre em linha de
conta neste resultado. Mas a comparação entre a taxa de consulta de generalista
observada na Irlanda e a que é registada no Reino Unido tende a indicar que, sendo a
taxa de consultas nos dois países mais elevada nos grupos que ocupam os escalões
inferiores de actividade profissional do que nos que se situam no topo, a taxa
registada na base da escala é relativamente muito mais elevada na Irlanda. Como, no
Reino Unido, todas as camadas da população beneficiam da gratuidade dos cuidados
de generalista e o modo de remuneração do generalista é principalmente a capitação e
o salariado, é, portanto lícito pensar que, na Irlanda, a taxa de consultas de
generalistas nos doentes da categoria I é mais elevada porque, independentemente do
estado de saúde desses doentes, a gratuidade dos cuidados é reservada exclusivamente
aos rendimentos do trabalho mais modestos e os generalistas são remunerados por
acto.
A segunda hipótese é a de que a remuneração por acto, dos generalistas que tratam
os doentes da categoria I incita esses médicos a avolumar a procura marcando aos
doentes consultas de rotina. Mais precisamente, as consultas de rotina seriam mais
numerosas quando o rendimento dos médicos está ameaçado, por exemplo quando,
sendo todas as outras condições iguais, a relação entre o número de médicos e a
população é mais elevada. E a pesquisa revela, de facto, que, na Irlanda, o número de
133
consultas de rotina cresce com essa relação. Além disso, depois de Tussing ter
terminado os seus trabalhos, outras indicações vieram apoiar a ideia de que os
generalistas induzem uma procura quando o seu rendimento se arrisca a ficar
comprometido. A taxa de consultas dos doentes da categoria I aumentou, com efeito,
12%, passando de 5,8 por habitante, em 1980, a 6,5 por habitante, em 1987, numa
época em que a progressão dos honorários em relação aos doentes desta categoria
perdia cerca de 10% em valor real. A avaliar pelos inquéritos às famílias que estão
disponíveis, nada permite dizer que as taxas de consulta se tenham intensificado
relativamente às outras categorias de doentes (Commission on Health Funding, 1989,
p. 209). As divergências assim observadas evocam os resultados a que conduz a
comparação entre os diferentes modos de remuneração de médicos, praticados no
Canadá e nos Estados Unidos (Barer, Evans e Labelle, 1988).
Na terceira hipótese, os doentes das categorias II e III, que celebraram um contrato
de seguro VHI, consultam mais frequentemente o generalista do que os doentes não
segurados. A pesquisa confirma a hipótese, mas não permite saber se se deve imputar
este resultado mais ao estado de saúde e à selecção praticada pelo segurador do que
ao risco moral.
Nolan (1991) pôde aprofundar algumas destas considerações por meio de um
inquérito às famílias de 1987, o qual acrescenta às indicações respeitantes às famílias
que figuravam já questionário utilizado por Tussing informações sobre o estado de
saúde e sobre o rendimento. A variável estado de saúde é uma simples alternativa: o
inquirido dá unicamente a saber se sofre – ou não – de uma doença ou de uma
incapacidade grave. Na data do inquérito, os generalistas ainda eram remunerados por
acto quando tratavam doentes da categoria I. Nolan observa, em números brutos,
desvios da taxas de consultas entre os doentes da categoria I e os doentes das outras
categorias que estão próximos dos de Tussing. E Nolan mostra que, sendo todas as
outras condições iguais, o estado de saúde é efectivamente um elemento determinante
nesses desvios. Quando o estado de saúde é tomado em conta numa análise de
regressão análoga à que Tussing tinha realizado, a extensão do direito a prestações
dos doentes da categoria I já não determina tão largamente o número das consultas
anuais de generalistas, mas é preciso certamente continuar a atribuir-lhe uma boa
parte do fenómeno.
É possível que estes resultados se expliquem pelo carácter grosseiro da variável
estado de saúde, mas nem por isso deixa de ser permitido pensar que os incentivos
que existem, tanto do lado do médico como do lado do doente, desempenham, uns e
outros, o seu papel na frequência de utilização dos serviços de generalista. Nolan
mostra igualmente que, uma vez tomadas em consideração certas outras variáveis
explicativas, incluindo o estado de saúde, há uma relação positiva e importante entre a
cobertura do seguro de doença, por um lado, e, por outro, as consultas de generalista,
o recurso ao hospital e a duração da hospitalização. Todavia, como a variável estado
134
de saúde que foi utilizada tem um carácter sumário, pode ser que o efeito do seguro de
doença tenha sido sobrestimado.
Após a substituição, em Março de 1989, da remuneração por acto pela fórmula da
capitação para os serviços de generalista prestados aos doentes da categoria I, dispõese de novas indicações acerca do efeito produzido sobre a taxa de actividade pelos
mecanismos de incitação existentes do lado dos prestadores; segundo as primeiras
observações, as taxas de consulta teriam baixado cerca de 20% no decurso do
primeiro ano.
OS PONTOS FORTES E OS PONTOS FRACOS DO SISTEMA
Os serviços públicos
O sistema de saúde original que associa, na Irlanda, financiamentos públicos e
privados, assim como prestações públicas e privadas, permite ao conjunto da
população aceder a serviços completos de excelente qualidade. Além disso, a despesa
respeitante à prestação dos serviços públicos está repartida por toda a população, de
acordo com um regime fiscal ligeiramente progressivo (Rottman e Reidy, 1988). A
extensão variável do direito a prestações assegura uma protecção completa aos
titulares de rendimentos mais fracos que teriam as maiores dificuldades em assumir e
encargo das suas despesas médicas. E todos estes elementos positivos foram
alcançados no quadro de um sistema, cujas despesas, depois de terem aumentado
rapidamente nos anos 70, foram fortemente reduzidas no decurso dos anos 80.
O sistema irlandês apresenta, no entanto, certas deficiências análogas às que
conhecem outros países da OCDE. O período de crescimento rápido das despesas
(sobretudo das despesas públicas) pôs em evidência a tendência para a inflação
própria dos sistemas financiados essencialmente por terceiros pagadores e para taxas
insustentáveis, se não forem contidas. Quando é um terceiro pagador, por exemplo o
Estado, que cobre a maior parte dos cuidados médicos, o doente não tem qualquer
tendência para economizar. E quando o generalista, que tem uma função de triagem e
encaminhamento, é, como acontecia na Irlanda até 1989, remunerado por acto em
relação aos doentes do regime público, ele experimenta uma verdadeira incitação a
avolumar a procura.
Nos anos 80, a administração conseguiu contrariar os mecanismos inerentes ao
sistema que favoreciam a inflação das despesas públicas. As técnicas utilizadas
consistiram em regulamentar os honorários do generalista (mas não o volume da sua
actividade), em moderar o orçamento global dos hospitais públicos, em suprimir
camas, em encerrar certos estabelecimentos hospitalares e em generalizar o salariado
para os médicos hospitalares especializados. No fim da década, foi decidido passar a
remunerar os generalistas por capitação no respeitante à parte da sua clientela que está
135
coberta pelo regime público. Mas estas medidas foram acompanhadas por uma ligeira
redução do número das admissões nos hospitais públicos, por um alargamento das
listas de espera e por protestos vigorosos contra a degradação das condições de acesso
aos cuidados, para os doentes em regime público. Estes mecanismos experimentados
e eficazes, que servem para moderar as despesas dos prestadores trouxeram também
consigo, em teoria pelo menos, certos problemas de incitação que são bem
conhecidos.
Tratando-se dos generalistas, por exemplo, o pagamento por capitação parece
favorecer a substituição de uma medicalização excessiva por uma medicina
demasiado sumária. É possível fazer face ao problema, desde que os doentes estejam
em condições de perceber que o desempenho do generalista é medíocre e possam
então mudar de médico; por outras palavras, a concorrência pode servir de garantia
contra a insuficiência dos cuidados. Tratando-se dos hospitais, a fórmula do
orçamento global, calculada da forma mais estrita, não é de molde a recompensar os
estabelecimentos cujo desempenho é satisfatório. A concorrência entre hospitais
públicos ainda não foi encorajada na Irlanda. Os especialistas hospitalares que são
assalariados podem ser tentados a tratar superficialmente os seus doentes, sobretudo
se forem solicitados por uma clientela privada. Pode acontecer também que os
especialistas descarreguem sobre os internos uma parte demasiado grande das suas
responsabilidades. No conjunto, os doentes correm o risco de não receber toda a
atenção requerida.
Certos comentadores formulam também críticas sobre a gestão dos serviços
públicos de saúde e denunciam, em particular, as carências de informação relativas à
gestão. Mais precisamente, a Commission on Health Funding (1989) constata que as
funções políticas e as funções de execução não estão dissociadas como deveriam; que
não está judiciosamente estabelecido o equilíbrio entre a tomada de decisão à escala
nacional e as competências locais; que os médicos não participam suficientemente na
gestão; que a transparência é insuficiente; e que os serviços conexos estão mal
integrados. A comissão assinala também lacunas graves em matéria de informação,
nomeadamente no que diz respeito ao custo dos tratamentos, às necessidades, aos
resultados e à qualidade dos cuidados.
Os serviços privados
Não tem verdadeiramente cabimento interrogarmo-nos sobre os raros serviços de
saúde que o doente toma integralmente a seu cargo pagando directamente ao
prestador. O sistema foi concebido de modo a que sejam principalmente pessoas com
meios para pagar e que, por outro lado, tenham optado por não se segurar que se
encontram face a esta obrigação. Os interesses fazem as suas escolhas e os médicos as
deles, com pleno conhecimento de causa, isto é, sabendo perfeitamente qual será a
despesa, se bem que, para lá de uma certa franquia, as despesas médicas não
136
reembolsadas dêem lugar a abatimentos fiscais. Na prática, todavia, os contribuintes
que pedem para beneficiar desses abatimentos são pouco numerosos.
No entanto, 30% da população têm actualmente um contrato de seguro de doença
privado com do VHI, que exerce um monopólio neste domínio. Aqui, levantam-se
três questões: a selecção em função do risco, o risco moral e o abatimento fiscal.
i)
O VHI serviu-se do monopólio que detém para impor o seguro de grupo.
Esta política goza da simpatia do público, porque favorece as pessoas cuja
saúde é relativamente má. Mas provavelmente também encorajou os
doentes de alto risco a negociarem uma apólice inadequada com o VHI
(Nolan, 1991) e uma certa subutilização do seguro pelas pessoas de boa
saúde.
ii) A maior parte das apólices cobre integralmente a hospitalização em certos
casos determinados, assim como todos os serviços de generalista e os
cuidados externos acima de uma franquia de 100 libras para uma pessoa
só e de 170 libras para uma família. Isto quer dizer que os doentes que
celebraram um contrato de seguro privado não são financeiramente
incitados a economizar os cuidados médicos, desde que a despesa seja
superior à franquia. Os seus médicos continuam a ser remunerados por
acto, o que é para eles um fraco incentivo a induzir a procura. Não é,
portanto, surpreendente verificar que os prémios do VHI aumentaram
46%, em valor real, entre 1980 e 1988. No fim dos anos 80, os poderes
públicos contiveram, por via autoritária, as taxas de aumento dos prémios.
Como, paralelamente, não foi posto um travão no reembolso dos serviços
hospitalares, que é função da despesa, em 1989 deflagra uma crise
financeira, porque os pedidos de reembolso progridem mais depressa que
os prémios. É preciso então reduzir os reembolsos aos aderentes, negociar
acordos financeiros globais com os hospitais privados e entender-se com a
profissão médica sobre definições mais restritivas das tabelas de
honorários.
iii) Em 1987, os abatimentos fiscais, que aumentaram 350% em valor real
desde 1980, cobrem perto de 28% do custo dos prémios do VHI. Põe-se
um certo número de questões sobre a legitimidade dos auxílios públicos
concedidos a titulo de um seguro de doença privado, sobretudo se eles
forem calculados à taxa marginal do imposto sobre o rendimento. O
sistema não é equitativo porque favorece os rendimentos elevados em
detrimento dos rendimentos mais modestos. É ineficaz no sentido de que
baixa o preço do seguro, o que incita a adquirir uma cobertura muito mais
extensa do que se faria normalmente. Isto torna o segurado menos
sensível ao custo da progressão dos prémios e, dado o risco moral ligado
ao seguro de doença, redunda em lançar óleo sobre o lume. Em relação à
137
despesa pública consagrada directamente a serviços de saúde, o
abatimento fiscal está mal apontado à verdadeira necessidade médica.
Pode servir para rodear de luxo o tratamento e a hospedagem hospitalar, o
que um regime público não faria, e para permitir ao doente privado aceder
com prioridade ao médico.
A demarcação entre sector público e sector privado
Uma boa parte das deficiências do sistema manifesta-se sobretudo na demarcação
entre sector público e sector privado, nomeadamente nos hospitais públicos. A
Commission on Health Funding registou múltiplos testemunhos que indicam que,
nesses estabelecimentos, os doentes privados esperam menos tempo que os doentes
públicos, que os especialistas lhes consagram mais tempo e não respeitam sempre as
condições de um contrato de serviço público. As compressões do orçamento público e
o desenvolvimento do exercício privado conduzem (The Lancet, 1989) a um
alongamento das listas de espera e a saídas prematuras do hospital no que diz respeito
aos doentes do regime público, sem esquecer que o número das admissões
hospitalares diminuiu fortemente no decurso dos últimos anos.
Económica e politicamente, justifica-se que um hospital público seja autorizado a
tratar doentes privados. Isso permite aos doentes do regime público aceder, tal como
os doentes privados, aos melhores médicos e pode ser também muito rendível para o
sector público. Mas há grande perigo de que a equidade seja maltratada no interior do
sector público, se o serviço público e o serviço privado não forem mantidos
estritamente separados do ponto de vista financeiro. Há dois princípios fundamentais
a respeitar: manter claramente diferenciadas as transacções financeiras concernentes à
clientela pública e as que respeitam à clientela privada e pedir ao doente privado que
tome integralmente a seu cargo o custo do serviço que lhe é prestado. De qualquer
modo, ocorre-se o risco de que os recursos financeiros e os meios do sector público
sejam desviados e utilizados de acordo com as preferências da clientela privada e as
suas disponibilidades.
Na Irlanda, o problema deve-se essencialmente, parece, à extensão das subvenções
concedidas ao sector privado, nomeadamente ao seguro privado. Por outro lado, era
anormal que os doentes da categoria III pudessem, em caso de hospitalização, ocupar
uma cama do regime público, ao mesmo tempo que tinham acesso aos serviços de
especialistas em consulta privada. Esta facilidade desapareceu devido à legislação de
1991. Além disso, nos hospitais públicos, as camas privadas e semi-privadas
continuavam a ser subvencionadas em parte, se bem que essas vantagens pareçam ter
praticamente desaparecido, sob o efeito do forte aumento, durante os anos 80, das
despesas de hospitalização deixadas a cargo da clientela privada.
A COMISSÃO SOBRE O FINANCIAMENTO DO SISTEMA DE SAÚDE
138
(COMMISSION ON HEALTH FUNDING)
Foi essencialmente na sequência das fortes compressões das despesas públicas de
saúde, em valor real, efectuadas pelo Estado que o financiamento e a organização do
sistema de saúde se tornaram, no decurso dos anos 80, objecto de controvérsias
políticas. O governo reagiu através da constituição, em Junho de 1987, de uma
comissão sobre o financiamento do sistema de saúde (Commission on Health
Funding) que tem por mandato «examinar o financiamento dos serviços de saúde e
formular recomendações sobre o montante e as fontes dos financiamento necessários
para assegurar um serviço público de saúde que seja equitativo, exaustivo e eficaz,
assim como sobre as alterações que, com este objectivo, conviria introduzir no modo
de administração actual do sistema de saúde».
A Comissão apresentou o relatório, em Setembro de 1989, com uma avaliação dos
serviços de saúde que, sob muitos pontos de vista – apesar de certas propostas de
reforma bastante audaciosas –, representava um voto de confiança no sistema
existente. As principais conclusões e recomendações formuladas pela Comissão são
sumariamente referidas a seguir.
O financiamento, o direito à prestação e as partes relativas do sector público e do
sector privado
O montante dos financiamentos a conceder ao sistema de saúde não pode deixar de
ser função dos recursos disponíveis e das prioridades reconhecidas pela sociedade a
vários objectivos sociais. A Comissão observa que, em matéria de saúde, a atribuição
de recursos inspira-se, muitas vezes, em critérios mais intuitivos do que objectivos.
Quanto à questão da equidade, a Comissão é de opinião, no essencial, de que cada um
deve pagar os cuidados médicos segundo os seus meios e aceder aos serviços em
função das necessidades.
Depois de ter examinado vários mecanismos de financiamento, a Comissão
pronunciou-se a favor da manutenção do regime público para a maior parte dos
serviços, desempenhando, no entanto, os financiamentos privados um papel
complementar. Por maioria dos seus membros, a Comissão pronunciou-se também
pela manutenção do recurso ao imposto, mas uma minoria pronunciou-se por um
imposto específico. A Comissão recomendou, no entanto, a abolição do pequeno
elemento da fiscalidade actual que representa uma contribuição para o sistema de
saúde.
Embora se pronunciasse a favor do financiamento público dos serviços, a
Comissão não preconizou por isso o recurso a prestadores públicos. Pelo contrário, é
preciso que, em cada sector, os poderes públicos tenham a latitude de fazer apelo a
prestadores privados ou públicos, se esse mecanismo for mais rendível do que a
prestação directa. A Comissão reconheceu com uma certa prudência que poderia ser
139
útil instaurar a concorrência e a prática da abertura de concursos entre hospitais,
estabelecimentos de cuidados de enfermagem e prestadores de cuidados no domicílio.
Mas, para a gestão dos hospitais, encarou a realização de concursos em vez de uma
transformação dos contratos, o que implicaria o risco de perturbar os próprios
cuidados hospitalares.
No concernente à gratuidade dos serviços públicos e ao regime de prestações em
três níveis, a Comissão, em linhas gerais, recomendou que não se modificasse nada
relativamente às categorias I e II, e se suprimisse a categoria III. Por outras palavras, a
camada da população de rendimentos mais fracos poderia continuar a aceder
gratuitamente à totalidade dos serviços de saúde. O resto da população teria direito à
gratuidade de um certo número de serviços de base, isto é: todos os cuidados
hospitalares (com ressalva das despesas actualmente a cargo dos doentes); um
conjunto de serviços assegurados localmente, com exclusão dos serviços de
generalista; e os medicamentos receitados, para além de uma franquia mensal de 28
libras, assim como à gratuidade dos medicamentos destinados às pessoas que sofrem
de certas doenças crónicas. Isto quer dizer que os doentes, em caso de hospitalização,
terão de escolher entre o regime público e o serviço privado e deixarão de poder
ocupar uma cama do serviço público ao mesmo tempo que beneficiam dos serviços de
especialistas, na qualidade de doentes privados.
A Comissão opôs-se a qualquer aumento importante das «taxas sobre o consumo»
exigidas ao utente dos serviços públicos, aceitando embora o princípio de uma
pequena contribuição directa. Pronunciou-se a favor da manutenção de serviços
privados e de seguro de doença privado, considerando que as desigualdades daí
resultantes no acesso aos cuidados eram toleráveis, desde que fossem salvaguardadas
boas normas de qualidade no sector público. A Comissão pronunciou-se também a
favor do seguro de grupo, mas dividiu-se quanto ao futuro a reservar ao VHI, em
parte por não estar certa da eficácia desse monopólio, mas, sobretudo, por não estar
certa de que este pudesse continuar a existir, uma vez instaurado o mercado único da
Comunidade Europeia.
A Comissão recomendou, por outro lado, a supressão progressiva dos abatimentos
fiscais a título de seguro de doença privado, que considerou pouco equitativos e mal
centrados sobre as necessidades. A Comissão retirou, ainda, parte da sua razão de ser
a este tipo de auxílio fiscal ao preconizar o acesso de todos a cuidados de base
totalmente gratuitos.
Administração, gestão e informação relativa à gestão
A ideia central que inspirou as conclusões da Comissão é a de que a solução do
problema do financiamento não consiste primordialmente em encontrar o sistema
perfeito, mas releva, antes, do modo de planificação, de organização e de prestação
140
dos serviços. A Comissão formulou, a este respeito, um certo número de
recomendações:
− é preciso separar a função política e a função de gestão do Ministro da
Saúde e confiar a segunda a um órgão de direcção dotado de um director
coordenador e de directores gerais de sector ao nível das direcções
regionais de saúde actuais;
− essas direcções regionais, que têm actualmente um papel administrativo
(boards), veriam a sua competência alargada (councils), passando a
desempenhar um papel decisório, à escala local, representando os interesses
dos utentes e controlando a qualidade dos serviços de saúde;
− seria necessário definir o papel dos hospitais e organismos de beneficência,
cujo caderno de encargos, quanto ao volume e ao tipo de serviços a prestar,
seria especificado e proceder-se-ia ao financiamento desses
estabelecimentos em conformidade
− é preciso criar um serviço de controlo das prestações.
A Comissão insistiu ainda na necessidade de melhorar a informação relativa à
gestão, assim como a avaliação. Formulou um certo número de recomendações
tendentes a estabelecer perfis de saúde da população e a medir melhor a eficácia e as
despesas. Na sua opinião, é necessário proceder a mais análises de custos-proveitos e
avaliar, mais frequentemente as tecnologias médicas. O novo director coordenador
prover-se dos serviços de médicos qualificados e experientes que o ajudassem a
avaliar as prestações. Dever-se-ia reforçar a pesquisa epidemiológica e os trabalhos
sobre os serviços de saúde.
Os serviços
Segundo as recomendações da Comissão, conviria fixar a todos os hospitais
públicos objectivos claros e financiá-los segundo um volume convencionado de
serviços a calcular segundo a actividade e os custos unitários do estabelecimento,
sendo estes classificados por grupos homogéneos de diagnóstico (DRG). Um passo
importante nesta direcção foi dado, graças a um grande estudo realizado sobre a
instauração de DRG para os doentes hospitalizados, na Irlanda, por doença aguda e à
adopção, a título experimental, em três hospitais para doenças agudas de uma fórmula
de cálculo das despesas por DRG (Wiley e Fetter, 1990).
Nos hospitais públicos, a lista de espera deveria ser comum para os doentes do
regime público e para os doentes privados e conviria, além disso, tornar públicos os
prazos de espera mais longos. O tempo que os especialistas consagram aos doentes do
regime público deveria ser controlado.
141
Os preços dos medicamentos não deveriam continuar ligados aos preços praticados
no Reino Unido, mas deveria ser estabelecida uma lista restrita de medicamentos,
cujos preços seriam negociados directamente com as sociedades farmacêuticas.
Deveriam ser tomadas medidas que reforçassem a promoção e a prevenção da
saúde.
Finalmente, no que diz respeito aos cuidados de longa duração, conviria melhorar a
avaliação das diferentes soluções possíveis, assim como a coordenação dos serviços
existentes.
AVALIAÇÃO DAS PROPOSTAS DA COMISSÃO
As propostas da Comissão evocam, quanto a certos pontos, as reformas em curso
no sistema de saúde do Reino Unido, na medida em que se trata, por exemplo, de
assegurar uma gestão mais rigorosa no sector público, de instaurar a concorrência
entre os prestadores, de tomar mais largamente em consideração os interesses dos
utentes e de melhorar a informação relativa à gestão. Mas a Comissão só aceita a
instauração da concorrência entre os prestadores com prudência. As propostas
tendentes a dar a todos os cidadãos irlandeses acesso à gratuidade de certos cuidados
de base a reduzir a dois níveis o regime das prestações que comportava três e a
suprimir progressivamente os abatimentos fiscais parecem judiciosas em relação ao
objectivo prosseguido que é o de equilibrar melhor o sector público e o sector
privado, em particular nos hospitais públicos.
A Comissão mostra-se ambivalente no apoio que concede ao VHI, se bem que
preconize a manutenção do tarifário modulado em função do grupo de segurados.
Talvez ela tenha subestimado o interesse que apresenta um segurador que exerce um
monopsónio e está submetido a controlo, em relação a vários seguradores em
concorrência, quando se trata de conter a progressão das despesas no sector privado
assim como a dos prémios de seguro. No entanto, uma vez que a Comunidade
Europeia é favorável à concorrência, não se sabe se a Irlanda vai poder autorizar a
manutenção do monopsónio.
O relatório da Comissão foi seguido em 1990, pelo do organismo encarregado de
se pronunciar acerca de um aumento das remunerações no sector público (Stationery
Office, 1990). Sobre a remuneração e as condições de emprego dos especialistas do
sector público, as principais recomendações do Review Body são as seguintes:
− acrescentar novas categorias de postos de médicos que dêem consultas e
mecanismos que permitam conceder-lhes remunerações mais elevadas em
troca de uma mais ampla participação no serviço público;
142
− definir mais claramente as tarefas dos especialistas e dos hospitais a que
estão vinculados;
− associar mais os médicos à gestão;
− adoptar dispositivos contratuais para consolidar os mecanismos de
verificação das prestações médicas a efectuar; e
− elevar sensivelmente a remuneração dos especialistas.
PARA O FUTURO
De posse das conclusões da Commission on Health Funding, o governo irlandês
aprovou a sua orientação geral, sem tomar uma decisão imediata nem sobre a reforma
das estruturas nem sobre o dispositivo de financiamento. Mas, em 1991, aprovou uma
lei tendente a integrar o regime das prestações da categoria III no da categoria II,
passando o regime público a não comportar senão duas categorias de beneficiários. O
governo aceitou também as recomendações do organismo encarregado de examinar as
condições de remuneração e de emprego dos especialistas do sector público, as quais
constituirão as propostas da administração quando esta iniciar novas discussões com a
profissão médica. Em 1991, um acordo nacional entre os diferentes parceiros sociais
(governo, empregadores, sindicatos, agricultores) concluiu pela necessidade de
estabelecer um organismo de avaliação da actividade no seio do Ministério da Saúde
(Stationery Office, 1991a). Em 1990, o Ministro da Saúde tornou público um «Plano
de Acção» que tem por objectivo elevar a eficiência e a eficácia dos serviços de
saúde. O Dublin Hospital Initiative Group, que tinha participado nesse plano,
apresentou um relatório, em 1991, no qual recomendava a criação de uma autoridade
hospitalar regional para a capital, a qual não dependeria das direcções regionais. Esta
proposta, assim como outras alterações estruturais, constituem actualmente o objecto
de um exame (Stationery Office, 1991b). As reformas previstas deveriam atenuar
algumas das ambiguidades e das tensões que se encontram na fronteira entre o sector
público e o sector privado do sistema de saúde. Mas deveriam também favorecer uma
melhor gestão, em meio hospitalar e nos cuidados ambulatórios.
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144
Capítulo 7
A REFORMA DO SISTEMA DE SAÚDE NOS PAÍSES BAIXOS
INTRODUÇÃO
Em 1986, o governo neerlandês, então de centro-direita, nomeava uma Comissão
presidida por M. W. Dekker, a fim de propor uma estratégia de reforma das estruturas
e do modo de financiamento do sistema de saúde dos Países Baixos. Após a entrega
do relatório do Comité Dekker, em Março de 1987, os poderes públicos propuseram
uma importante reestruturação do sistema de saúde (Ministério da Protecção Social,
da Saúde e dos Assuntos Culturais, 1988). Depois de uma mudança de coligação, em
Novembro de 1989, um novo Governo de centro-esquerda decidia dar seguimento, no
essencial, à reforma proposta. Trata-se provavelmente da evolução mais radical em
matéria de cuidados médicos prevista para os anos 90 por um país da OCDE.
As medidas aprovadas são as seguintes:
− um regime uniforme de seguros de saúde nacional (ou seguro «de base»)
para todos os residentes neerlandeses;
− a integração dos serviços de saúde e dos serviços sociais num só regime; e
− uma transição gradual determinada de um modo de intervenção directa dos
poderes públicos na formação do volume e do custo dos serviços de saúde
para um regime de concorrência «gerida», tanto no que toca ao mercado do
seguro de doença como ao dos cuidados médicos propriamente ditos.
Este capítulo apresenta a reforma e avalia algumas vantagens e dificuldades
esperadas da sua aplicação. Essa apresentação é precedida por uma descrição do
sistema actual, seu crescimento e seu desempenho, assim como por um exame dos
problemas que justificam uma reforma.
O SISTEMA DE SAÚDE ANTES DAS REFORMAS
Os cuidados de saúde são assegurados, nos Países Baixos, essencialmente por
médicos independentes e por estabelecimentos privados sem fins lucrativos, mas há
alguns hospitais públicos. Este sistema é financiado por contribuições provenientes
dos seguros sociais e de seguros privados às quais vêm acrescentar-se importantes
gastos das famílias e subvenções dos poderes públicos. O conjunto da população está
obrigatoriamente segurado quanto aos riscos de doença crónica. Um pouco mais de
30% da população têm seguros privados para os riscos de doença aguda. Os 70%
restantes estão obrigatoriamente segurados relativamente a esses riscos. Este regime
combina, ao mesmo tempo, o sistema de reembolso voluntário e o sistema de contrato
145
público descritos no capítulo 2. Uma regulamentação central, estrita e pormenorizada,
dos preços, do volume e da capacidade sobrepõe-se a um sistema de prestações
essencialmente privadas e a um sistema misto de financiamento.
Gráfico 7.1 – O sistema de saúde dos Países Baixos em 1987
(milhares de milhões de florins)
O gráfico 7.1 sublinha as relações principais entre mecanismos financeiros e
prestadores de serviços no sistema. Em baixo, à esquerda do gráfico, encontra-se a
população, incluindo os doentes. No cimo, ao meio, figuram os seguradores e os
146
terceiros pagadores. Em baixo, à direita, estão os prestadores. Os traços contínuos
correspondem aos fluxos dos serviços e os tracejados aos fluxos financeiros. O
gráfico está centrado sobre os principais serviços de saúde e não entra conta, por
exemplo, com os dentistas nem com os serviços oftalmológicos. Faz abstracção dos
serviços, como os lares para pessoas idosas. Os seguradores privados figuram lá
porque entre eles se exerce concorrência, enquanto os outros seguradores e
prestadores são assinalados como múltiplos na medida em que a concorrência entre
eles é actualmente fraca inexistente. O gráfico não faz abstracção de numerosas
complicações que existem tanto no domínio dos seguros como no das prestações.
Também não entra em conta com pesadas regulamentações públicas respeitantes à
qualidade, aos preços e ao volume dos cuidados.
RELAÇÕES ENTRE OS DOENTES E OS PRESTADORES
Cuidados médicos primários e cuidados farmacêuticos
Os generalistas desempenham um papel fundamental na medida em que asseguram
a quase totalidade dos cuidados médicos primários e canalizam o recurso dos doentes
aos especialistas e aos serviços hospitalares. Os generalistas são independentes e
aproximadamente um em cada dois trabalha no quadro da medicina de grupo ou em
centros médicos. Alguns dispõem da sua própria farmácia. O doente pode também
apresentar a receita do médico a um farmacêutico.
O doente inscrito numa caixa de seguro de doença deve escolher um generalista
junto do qual se inscreverá, a partir de uma lista de generalistas com que a sua caixa
celebrou contrato. Na prática, as caixas de seguros de doença celebram contratos com
quase todos os generalistas da região que elas servem. A caixa de seguro de doença
efectua um pagamento fixo ao generalista e este trata gratuitamente o doente. Os
doentes que são segurados de companhias privadas, assim como os funcionários têm a
liberdade de escolher qualquer generalista, que remuneram por acto. Podem reclamar
o montante dos honorários ao seu segurador, desde que não tenham decidido assumir
eles próprios os riscos.
Os medicamentos receitados são, agora, entregues gratuitamente aos doentes
inscritos em caixas de seguro de doença, enquanto os doentes segurados em
companhias privadas, devem pagar eles próprios ao farmacêutico e depois pedir o
reembolso das despesas à sua companhia de seguros, se os medicamentos receitados
constarem da lista a que têm direito.
147
Cuidados médicos especializados
Em cerca de um terço das consultas médicas intervêm especialistas, contra um
quarto no Reino Unido e perto de metade na Alemanha (Sandier, 1989). Os
especialistas trabalham geralmente em ligação com hospitais, se bem que alguns
tenham consultórios independentes.
A maior parte dos especialistas é remunerada por acto e o nível dos seus
honorários é controlado pelo Serviço Central das Tarifas Médicas. Isto aplica-se a
todos os doentes, quer eles estejam segurados numa companhia privada quer numa
caixa de seguro de doença.
Nos hospitais públicos e nos centros hospitalares universitários, os especialistas e
os médicos auxiliares são assalariados. Também aí, a factura dos doentes inscritos
numa caixa de seguro de doença é paga directamente aos especialistas pela Caixa,
enquanto os doentes segurados numa companhia privada têm de pagar eles próprios
os honorários e pedir depois o reembolso, segundo a natureza da sua cobertura.
Os hospitais e as clínicas
Os Países Baixos contam uma dúzia de camas por 1000 pessoas (a média para os
países da OCDE elevava-se a cerca de 9,3, em 1983). Estas camas repartem-se como
se segue: 42% nos hospitais que prestam cuidados gerais e especializados, 14% nos
hospitais psiquiátricos, 17% nos estabelecimentos para deficientes mentais e 27% nas
clínicas. Os hospitais reservados para os casos graves são estabelecimentos públicos
apenas na proporção de 15% aproximadamente. Os outros são estabelecimentos
privados ou de fim não lucrativo e possuem os seus próprios órgãos directivos
(Tiddens et al., 1984). Para os estabelecimentos de cuidados de longa duração, existe
um sistema de partilha dos custos ao nível de 10% aproximadamente.
Serviços de saúde pública e serviços de cuidados no domicílio
Os serviços de saúde pública são geridos pelos municípios e financiados por meio
de receitas fiscais. Os serviços de cuidados no domicílio estão essencialmente
colocados sob a responsabilidade das organizações da «Cruz». Estas são financiadas
por caixas de despesas de saúde excepcionais e, em menor escala, por contribuições
voluntárias directas.
148
RELAÇÕES ENTRE A POPULAÇÃO E OS ORGANISMOS TERCEIROS
PAGADORES
Fontes das verbas
Em 1988, as contribuições obrigatórias do seguro de doença representavam cerca
de 60% das despesas de doença. As subvenções provenientes de receitas fiscais
representavam 14% aproximadamente, os prémios de seguro de doença voluntário
menos de 16% e os pagamentos por inteiro cerca de 11%. A importância dos prémios
voluntários está ligeiramente sobreavaliada aqui porque englobam as contribuições
obrigatórias pagas pelos funcionários, considerados como doentes segurados numa
caixa privada.
Praticamente todos os cidadãos neerlandeses têm uma cobertura exaustiva
assegurada por um regime de seguro de doença. Existem quatro regimes principais:
− um regime de despesas excepcionais de doença, que se aplica a toda a
população;
− um regime de seguro de doença obrigatório (despesas ordinárias), que
cobre principalmente os assalariados que recebem um salário inferior a
determinado limite e os reformados que entram na mesma categoria (60%
aproximadamente da população);
− um seguro privado voluntário, que cobre principalmente os assalariados
que recebem um salário superior a determinado limite e os reformados
que entram na mesma categoria (30% aproximadamente da população);
− um regime de seguro de doença obrigatório que cobre os funcionários e os
reformados que se entram na mesma categoria (cerca de 6% da
população).
Uma caixa geral de seguro obrigatório faz chegar as contribuições ao regime de
despesas excepcionais de doença, assim como às caixas de seguro de doença. Existe
também um programa distinto de cuidados sociais que se aplica ao conjunto da
população.
Regime de despesas médicas excepcionais
Trata-se de um regime obrigatório para as despesas médicas em caso de catástrofe,
que se aplica a toda a população (até 1989). Este regime efectua prestações
essencialmente para os cuidados de longa duração em casas de saúde, em hospitais
psiquiátricos e em hospitais que dispensem cuidados gerais, quando a duração da
estadia não for superior a 365 dias. É essencialmente financiado por contribuições
salariais (4,55% dos rendimentos, em 1988, tendo em conta um “tecto”), que incidem
149
sobre os complementos obrigatórios de salários pagos pelos empregadores. Os
trabalhadores independentes têm que pagar as suas próprias contribuições. Está
também prevista uma módica dedução fiscal; é possível que os doentes ou os seus
familiares sejam levados a contribuir para os custos dos cuidados. Os prestadores são
reembolsados directamente pelos serviços que prestam em espécie. A gestão das
prestações é assumida pelo segurador habitual de cada particular. As negociações com
os prestadores concernentes a certos beneficiários são conduzidas por um organismo
de ligação (caixa de doença) designado em cada localidade. Os pagamentos são
efectuados por um organismo central de pagamento.
Caixa de seguro de doença
Desde 1941, os Países Baixos estão dotados de um regime de seguro de doença
obrigatório que cobre os riscos correntes a que estão expostos os assalariados que
ganhem um salário inferior a certo nível. Este regime foi alargado e segura agora as
pessoas a cargo, os reformados que nele estavam inscritos e qualquer pessoa que
receba prestações de segurança social, desde que o seu rendimento seja inferior a um
certo nível (cerca de 50 000 florins, em 1988). No entanto, em 1986, o número de
membros foi reduzido quando os poderes públicos vedaram o acesso às caixas de
seguro de doença aos membros voluntários e pediram aos trabalhadores
independentes e aos futuros reformados titulares de um seguro privado que
celebrassem um contrato ou o mantivessem com seguradores privados. Esta medida
baixou a percentagem da população segurada pelas caixas de saúde de 69 para 62%.
As prestações proporcionadas pelo regime obrigatório abrangem os cuidados
dispensados pelos generalistas e pelos os especialistas, os serviços de protecção
materna, os cuidados dentários, os cuidados hospitalares, os produtos farmacêuticos e
os serviços de transporte. As pessoas cobertas pelo regime obrigatório podem
subscrever um seguro voluntário suplementar, se desejarem obter um maior conforto
em caso de hospitalização.
Este regime é administrado por cerca de quarenta caixas de seguro de doença
independentes, sem fim lucrativo, que estão essencialmente especializadas por zona
geográfica. As caixas praticamente não fazem concorrência umas às outras. Para
obterem prestações, os particulares têm que se inscrever numa caixa de doença local e
junto de um generalista com o qual a caixa tenha celebrado um contrato.
O regime é essencialmente financiado pelas contribuições salariais e patronais,
pagas até uma data recente na proporção de 50/50 pelo empregador e pelo assalariado.
A taxa de contribuição elevava-se a 10,2% dos rendimentos, em 1988, tendo em conta
um “tecto” de cerca de 42 000 florins. As contribuições são cobradas pelas empresas e
pelas caixas de saúde e depois entregues a uma caixa geral. Está também prevista uma
redução fiscal. Como foi indicado acima, as caixas de seguro de doença celebram
contratos com os prestadores (de facto, elas não podem, em geral, recusar um
150
contrato) e reembolsam directamente o montante dos serviços prestados aos seus
membros. Não efectuam senão inquéritos sumários sobre a utilização dos serviços.
Podem oferecer também uma cobertura privada para serviços suplementares, como
cuidados hospitalares de categoria superior.
Seguros privados
Os trabalhadores independentes e os assalariados que recebem um rendimento
superior a um certo nível, assim como as pessoas de mais de 65 anos que pertenciam
anteriormente a essas categorias podem segurar-se, à sua escolha, contra os riscos de
doença correntes junto de uma das 70 companhias de seguro de doença privadas, sem
fim lucrativo. Os titulares de um seguro privado representam cerca de 32% da
população. Este tipo de seguro baseia-se no voluntariado e os particulares podem
aceitar assumirem eles próprios certos riscos, mas raros são os que não têm nenhuma
cobertura. Os prémios são fixados a título individual e variam segundo o risco
médico, o nível de franquia escolhido e as condições de hospitalização desejadas
(primeira, segunda ou terceira classes). Os prémios dos seguros privados não são
dedutíveis dos impostos senão na medida em que ultrapassarem um montante igual ao
de uma contribuição obrigatória para uma caixa de seguro de doença correspondente
ao rendimento da pessoa interessada. Como ficou indicado atrás, os seguradores do
sector privado indemnizam habitualmente o doente pelo montante dos actos do
prestador.
Em geral, os prémios dos seguros privados eram fixados em função de critérios
locais, mas esta prática começou a desagregar-se nos anos 70. As pessoas de alto
risco, em especial as pessoas idosas, tinham que fazer face a uma grande subida dos
prémios. Em vez de deixarem as caixas de doença desempenhar o papel de segurador
de último recurso, os poderes públicos obrigaram os seguradores privados, em 1989, a
oferecerem uma cobertura clássica por prémios de montante fixo, inferior ao custo
habitual, para as pessoas idosas de mais de 65 anos que eram até então titulares de um
seguro privado. Foi criado um dispositivo para repartir as despesas correspondentes
entres seguradores do sector privado. Com efeito, esta medida impõe a estes
seguradores condições particulares em matéria de seguro social (Ministério da
Protecção Social, da Saúde e dos Assuntos Culturais, 1989).
Seguro dos funcionários
Os funcionários têm que aderir a um regime de seguro obrigatório cujas prestações
são análogas às proporcionadas pelas caixas de doença. Estes regimes são financiado
por contribuições dos trabalhadores e das entidades patronais, que até uma data
recente, eram pagas na proporção de 50/50. As pessoas dependentes e os reformados
pertencentes a estes regimes estão igualmente cobertos. Como no caso dos seguros
151
privados, estes regimes têm mais tendência para pagar indemnizações do que para
proporcionar prestações em espécie. Abrangem cerca de 6% da população.
A caixa geral de seguro obrigatório
A caixa geral de seguro obrigatório encaminha as contribuições destinadas aos
regimes de despesas médicas excepcionais e às caixas de doença. Exerce assim uma
função de centro de repartição das contribuições. Por outro lado, beneficia de um
auxílio público. Se bem que os poderes públicos fixem a taxa das contribuições, o
montante dos pagamentos efectuados pela caixa não é limitado. Os défices e os
excedentes anuais podem ser transportados para os anos subsequentes.
Cuidados de carácter social
Toda a população tem direito a cuidados de carácter social, incluindo os cuidados
dispensados no domicílio e nos lares para pessoas idosas. Estes serviços são
financiados ao mesmo tempo por um imposto indirecto e por um pagamento integral.
RELAÇÕES ENTRE OS ORGANISMOS TERCEIROS PAGADORES
E OS PRESTADORES
Médicos
Os prestadores são geralmente remunerados pelos seus doentes do sector privado,
mas, quanto aos doentes do sector público, as caixas substituem-se a eles. As caixas
de doença pagam aos generalistas uma capitação fixa pelos seus beneficiários.
Remuneram os especialistas por cada um dos seus beneficiários que lhes é enviado
por um generalista. O doente recebe então um cartão de orientação que o autoriza a
seguir um tratamento durante um mês. Os especialistas são remunerados por acto
relativamente a um grande número de diagnósticos e de terapias específicas. Os
diversos tipos de honorários e de indemnizações por doente inscrito são objecto de
negociações complexas entre os representantes dos médicos e dos seguradores, com a
participação não só do Serviço Central das Tarifas Aplicáveis aos Cuidados Médicos,
mas também de representantes dos poderes públicos. São consagradas negociações
distintas ao rendimento pessoal dos médicos e aos pagamentos dos custos (KirkmanLiff, 1989). Foi encarada a instauração de orçamentos globais para a remuneração dos
especialistas. Isso teria por efeito reduzir automaticamente os honorários por rubrica
de despesa sempre que o volume dos serviços atingisse um montante superior ao
previsto no orçamento.
Produtos farmacêuticos
152
O farmacêutico ou o médico que fornece medicamentos é reembolsado pela caixa
de doença do montante dos medicamentos receitados aos beneficiários da caixa. Não
é exercido nenhum controlo sobre os preços fixados pelos fabricantes dos produtos
farmacêuticos, mas o preço de venda dos farmacêuticos é fixado com base numa
negociação entre representantes dos seguradores e dos farmacêuticos e aprovada pelo
Serviço Central das Tarifas Aplicáveis aos Cuidados Médicos. Desde Julho de 1991, é
aplicado um preço de referência para os reembolsos. Este preço é fixado em função
do preço médio dos medicamentos «terapeuticamente permutáveis» (por exemplo, os
pertencentes ao grupo das benzodiapinas ou ao grupo da insulina). O fabricante
conserva a liberdade de praticar preços mais elevados e o médico a de receitar
medicamentos de preço superior ao preço fixado, mas o doente tem então que pagar a
diferença.
Hospitais
Desde 1983, os hospitais têm orçamentos anuais prospectivos, negociados com os
seguradores locais dos sectores públicos e privados e aprovados pelo Serviço Central
das Tarifas Aplicáveis aos Cuidados Médicos. Estes orçamentos tomam em conta os
doentes dos sectores público e privado e englobam a maior parte das despesas, com
excepção dos honorários pagos aos especialistas. Substituem o antigo sistema de
pagamento estabelecido em função do volume de cuidados dispensados e com base
em preços diários. O orçamento aprovado é exprime-se sob a forma de um volume
estimado de serviços nos diferentes domínios e de preços por categoria de serviço.
Um tal método permite dividir os pagamentos efectivamente feitos a um hospital
(cujo montante deve ser igual ao do orçamento) pelo número dos segurados ou pelo
número dos seus seguradores. Proporciona igualmente um conjunto constante de
funções indicadoras dos preços no mercado. Qualquer excedente ou défice observado
no final do ano é eliminado no ano seguinte mediante uma revisão dos preços. Os
hospitais têm a possibilidade de negociar as modificações que desejem introduzir no
volume das actividades de um ano para o outro. Se, por exemplo, o volume das
actividades ultrapassa o nível fixado durante dois anos consecutivos, o hospital pode
levar as caixas de saúde e os seguradores a reverem o orçamento em conformidade.
Inicialmente, os orçamentos globais eram estabelecidos na base de custos
históricos e apresentavam, por um lado, um montante suplementar para tomar em
conta efeitos da inflação e consequências orçamentais dos projectos de investimento
aprovados e, por outro lado, deduções lineares de 1 ou 2% por ano para os ganhos de
produtividade presumidos. Este método tendia a penalizar os hospitais com melhor
desempenho. Desde 1988, aplica-se um método destinado a equipara os custos de
certas funções nos hospitais especializados em urgências. Foi adoptada uma fórmula
para avaliar os custos indicativos de cada hospital. Certas categorias de despesas,
como o pagamento dos juros, a amortização e a conservação, que representam perto
153
de 20% dos custos, não são tomadas em consideração no sistema. Vinte cinco por
cento do montante das despesas nacionais são afectadas em função da população
dependente da circunscrição hospitalar, 35% são afectadas em função do número de
especialidades e do número de camas que possui o hospital (que são determinadas por
projecção) e 40% são afectadas em função do número de admissões, dos dias de
hospitalização, dos tratamentos de dia e das «primeiras» consultas efectuadas pelo
doente ao exterior (que são negociáveis com os seguradores).
Por esta via, o financiamento dos cuidados é assegurado na medida em que a
população releva da circunscrição hospitalar e a evolução do volume de actividade de
um ano para o outro constituem objecto de negociações. Sempre segundo esta
fórmula, as dotações indicativas de um terço dos hospitais revelam uma diferença de
mais de 8% em relação às despesas correntes. As dotações efectivas e as dotações
indicativas deviam harmonizar-se, até 1992, com uma aproximação de 2% ( Rutten e
Freens, 1986; Groot, 1987; Vos, 1988; Maarse, 1989; Saltman e de Roo, 1989).
Os salários pagos ao pessoal hospitalar não médico são determinados por
negociações entre representantes dos hospitais e sindicatos. O regime dos salários está
submetido à aplicação de directivas dos poderes públicos concernentes à taxa de
crescimento anual máxima dos custos de mão-de-obra por assalariado, o que deixa
uma certa margem de negociações quanto ao nível dos salários, às horas de trabalho e
às vantagens conexas.
A parte mais substancial dos equipamentos hospitalares é privada (é o caso,
nomeadamente, de 85% das camas); os hospitais dirigem-se em geral ao sistema
bancário para financiarem as suas novas aquisições. Os investimentos estão
subordinados à aprovação da planificação pela administração provincial. Se esta der o
seu acordo, o montante da depreciação e dos juros respeitantes aos novos
investimentos pode ser repercutido nos preços e é automaticamente coberto pelas
caixas de doença. Até ao presente, os empréstimos bancários foram garantidos pelos
poderes públicos. Os hospitais universitários são estabelecimentos públicos e as suas
despesas de investimento são financiadas por subvenções do Estado. Estes
investimentos são eliminados do balanço uma vez realizados.
REGULAMENTAÇÃO
Num sistema baseado no recurso a estabelecimentos privados e a médicos
independentes, tinha sido decidido, numa primeira fase, que a fixação do volume e
dos preços dos serviços constituiria objecto de negociações descentralizadas entre os
particulares, os seguradores e os prestadores. No entanto, desde os meados dos anos
70, devido principalmente a taxas de crescimento inaceitáveis das despesas, os
poderes públicos desempenharam um papel cada vez mais importante na
regulamentação dos preços e do volume dos serviços, que se tornou cada vez mais
154
pormenorizada (Lapré, 1988; Kirkman-Liff et al., 1988; Saltman e de Roo, 1989).
Desde então, os sectores privado e público estão fortemente regulamentados.
Se bem que os poderes públicos não exerçam controlo sobre o orçamento global
com a saúde – juridicamente os regimes de seguros obrigatórios e voluntários
continuam a ser flexíveis –, intervêm sob outras formas, nomeadamente:
− publicam um plano anual das despesas de saúde que exerce uma influência
muito grande (ver, por exemplo, o documento pertinente do Ministério da
Saúde e da Protecção do Ambiente, 1982);
− regulamentam estreitamente os dois regimes de seguros obrigatórios e
intervêm com crescente frequência na regulamentação do seguro privado;
− o Serviço Central das Tarifas Aplicáveis aos Cuidados Médicos, criado
pelos poderes públicos em 1982, exerce um estrito controlo dos honorários
e das tarifas fixadas pelos prestadores para os doentes dos sectores privado
e público e supervisiona o estabelecimento do orçamento dos hospitais.
Trata igualmente de regulamentar o rendimentos dos médicos;
− é efectuado um certo número de controlos do volume de actividades;
incidem sobre o número dos médicos admitidos a seguirem cursos de
formação, o número de generalistas autorizados a exercerem e a capacidade
dos hospitais. Desde 1982, os hospitais não têm o direito de fazer
ampliações, a menos que estejam autorizados de acordo com os planos
estabelecidos pela administração local e a aprovados pelo Ministério;
− os salários do pessoal não médico são objecto de controlo;
− como foi indicado atrás, os poderes públicos tentam, desde há muitos anos,
aplicar controlos de qualidade aos cuidados médicos, por intermédio de
inspectores médicos e por meio de um sistema de autorizações hospitalares.
Além disso, no decurso dos anos 80, os poderes públicos realizaram um certo
número de reformas compreendendo nomeadamente:
− a instauração de um sistema de planificação regional da saúde, em 1982;
− a criação de orçamentos globais para os hospitais, em 1983;
− a supressão do seguro voluntário para os cuidados primários nas caixas de
doença, em 1986;
− o lançamento do processo de uniformização dos orçamentos globais para os
hospitais, em 1988;
− o recurso a seguradores privados que foram incumbidos de oferecer aos
doentes de alto risco um regime de seguro de base cujos prémios foram
previamente fixados, em 1989.
155
CRESCIMENTO E RESULTADOS DO SISTEMA
A avaliar pela base de dados da OCDE (OCDE,1987; Schieber e Poullier,1989; e
quadros 10.1, 10.2 e 10.3 do capítulo 10), os Países Baixos caracterizam-se por
normas de saúde elevadas e o montante das suas despesas de saúde é bastante
representativo para um país com um nível de vida elevado. Em 1983, ocuparam, entre
os países da OCDE, os 6º e 4º lugares respectivamente para a esperança de vida à
nascença dos homens (73 anos) e das mulheres (79,8 anos).
Ao nível 1041 dólares por habitante, as despesas de saúde em 1987 situaram-se
ligeiramente acima do nível que se podia esperar com base numa recta de regressão
para os países da OCDE, que relaciona as despesas de saúde com o PlB por habitante,
utilizando a taxa de câmbio PPA (Schieber e Poullier,1989). Depois de ter passado
rapidamente de 3,9%, em 1960, a 6%, em 1970, e depois a 8,2%, em 1980, a parte do
PIB consagrada aos cuidados estabilizou-se mais ou menos no decurso dos anos 80
(era de 8,3%, em 1989). O número dos médicos e das camas para os casos de urgência
parece bastante representativo para os países da OCDE. Nota-se um número
relativamente reduzido de consultas de generalistas, de receitas e de admissões nos
hospitais especializados em urgências e uma duração média relativamente longa da
permanência dos doentes nesse tipo de hospital (quadro 10.2, capítulo 10).
Na sequência do estabelecimento de orçamentos globais para os hospitais,
observou-se uma forte queda da taxa de crescimento das despesas reais efectuadas
pelos hospitais e um abrandamento notável no número de admissões. Por outro lado, o
número de pessoas inscritas nas listas de espera para cirurgia aumentou. Em 1982,
Rutten e van der Werff (1982) assinalaram que não havia em geral listas de espera.
No entanto, segundo um inquérito por sondagem realizado em 1989, o tempo de
espera médio atingia, nos Países Baixos, cerca de 11 semanas para a ginecologia e a
urologia, e cerca de 15 semanas para a ortopedia (Lorsheijd et Takx, 1990).
Desde o princípio dos anos 80, os poderes públicos alcançaram um sucesso
notável, ao manterem a taxa de aumento dos honorários dos médicos bastante abaixo
da taxa de crescimento do índice dos preços de consumidor, mas o efeito obtido
quanto à contenção das despesas globais foi menos pronunciado devido ao aumento
do número de médicos por habitante e do volume dos serviços afectuados por cada
médico, em particular pelos especialistas (Kirkman-Liff, 1989).
No entanto, o leque de escolhas oferecidas ao consumidor continua a suportar a
comparação com os sistemas organizados segundo esquemas mais integrados. De
acordo com um médico britânico que trabalhou num hospital neerlandês, «Na GrãBretanha... a qualidade dos cuidados é em certos aspectos “inferior” à dos cuidados
dispensados pelo sistema médico neerlandês, não no plano do tratamento médico nem
do empenhamento profissional, mas ao nível da relação que se estabelece entre os
156
“prestadores” e os “beneficiários” e do acesso destes últimos ao sistema e aos seus
serviços» (Beck, 1988).
ORIGENS DAS REFORMAS RECENTEMENTE EMPREENDIDAS
Os Países Baixos atingiram um alto nível elevado de saúde e asseguraram o acesso
universal aos serviços de saúde, por um custo que parece ser apenas ligeiramente
superior ao que poderia esperar-se para um país em que o nível de vida da população
é elevado.
Diversos problemas subsistem, no entanto. Alguns são inevitáveis; todos os países
da OCDE têm de lhes fazer face. Trata-se nomeadamente do envelhecimento da
população e do crescimento das despesas ligado do progresso das técnicas médicas. A
percentagem da população de 65 anos e mais deveria passar de 11,5 para 15,1, entre
1980 e 2010 (OCDE, 1987). Outros problemas dizem respeito à concepção do sistema
de saúde propriamente dito; medidas de incitação deveriam conseguir resolvê-los. As
insuficiências que levaram à criação da Comissão sobre a Estrutura e o Financiamento
dos Cuidados (a Comissão Dekker), em Março de 1987, situam-se em quatro planos
diferentes (Ministério da Protecção Social, da Saúde e dos Assuntos Culturais, 1988;
van de Ven, 1989).
Falta de coordenação da estrutura financeira
Na medida em que os cuidados médicos são financiados por várias entidades
financiadoras, que podem ser responsáveis pelo mesmo cliente em diferentes estádios
de uma mesma doença, e na medida também em que os serviços de saúde e os
serviços de sociais são financiados por diferentes financiadores, o processo de
substituição, em certos estádios críticos, defronta-se com obstáculos; certos
prestadores têm tendência para procurarem desonerar-se dos seus doentes remetendoos para outros prestadores.
Seguro de doença
A divisão do sistema de seguro de doença em quatro regimes diferentes é uma
fonte de dificuldades: a liberdade de escolha entre os diferentes regimes de seguro é
insuficiente, a transição entre esses regimes suscita problemas e mantém-se uma certa
injustiça no concernente, em especial, aos segurados do sector privado que têm
dificuldade em conseguir prémios de um montante inferior ao nível fixado para as
pessoas sujeitas ao seguro obrigatório com base nos baixos riscos que apresentam e
na possibilidade que lhes é dada de se auto-segurarem.
Falta de medidas de incitação à eficácia
157
Sob o ponto de vista financeiro, os consumidores, os seguradores e os produtores
quase não são incitados a dar provas de eficácia. Os utentes segurados por um seguro
de doença beneficiam de cuidados praticamente gratuitos e não são encorajados a
refrear a sua procura. As caixas de doença, reembolsadas por uma caixa geral de
todas as despesas efectuadas, não são, portanto, incitadas, financeiramente, a escolher
prestadores em função da sua eficácia. Além disso, elas têm que celebrar contratos
com qualquer prestador local que ofereça os seus serviços. Isso significa que elas
desempenham um papel de financiadoras passivas em matéria de cuidados e não de
compradoras activas de serviços com a preocupação de rendibilidade. Os seguradores
privados têm mais consciência dos custos, mas consideram ser mais fácil fazer
concorrência entre si evitando segurar pessoas que apresentem altos riscos do que
escolhendo prestadores eficazes. Esta tendência é acentuada pelo facto de os
seguradores privados poderem em geral escolher livremente os seus prestadores. Os
generalistas são remunerados por capitação e são incitados a remeter para
especialistas certos doentes que eles próprios poderiam tratar. Os especialistas são
pagos por acto, sejam necessários ou não os cuidados que eles dispensem. Desde que
os hospitais são financiados com base num orçamento global, são insuficientemente
encorajados a reagir às modificações que se verificam na procura. Esta dicotomia nas
medidas de incitação é fonte de uma viva tensão entre os especialistas e os directores
dos hospitais.
Regulamentação governamental
A este sistema vem sobrepor-se um mecanismo complexo e fortemente
centralizado de regras dimanadas dos poderes públicos e aplicáveis ao preço dos
cuidados, ao seu volume e à sua qualidade. Estas regras permitiram, em certa medida,
limitar o aumento das despesas globais no decurso dos últimos anos (apesar da falta
de um orçamento global), mas têm os inconvenientes de ser complexas, custosas e
rígidas e de irem contra o espírito do sistema. É difícil coordenar o dispositivo de
planificação e o sistema de financiamento, na medida em que relevam da competência
de organismos diferentes e tendem a entrar em conflito.
Estes problemas redundaram em pressões inaceitáveis sobre os preços, em
despesas hospitalares excessivas em relação às despesas de cuidados primários e em
diferenças inexplicáveis de despesas de saúde por habitante entre regiões e caixas de
saúde. Neste contexto, a Comissão Dekker foi solicitada pelos poderes públicos a dar
o seu parecer sobre:
− as estratégias a aplicar para conter o volume e o custo dos cuidados, tendo
em conta o envelhecimento da população;
− um estudo do regime de financiamento e de seguros; e
158
− as possibilidades de “desregulamentação” e de simplificação do sistema de
saúde.
AS REFORMAS DEKKER
No seu relatório intitulado O desejo de mudar (Ministério da Protecção Social, da
Saúde e dos Assuntos Culturais, 1988), a Comissão Dekker assinalou que tinha
adoptado um certo número de posições que poderiam servir de ponto de partida:
− a necessidade de uma melhor integração do financiamento e da prestação
dos cuidados, em especial dos serviços de saúde e dos serviços sociais;
− a necessidade de substituir o modo de regulação governamental por
mecanismos de mercado;
− a manutenção da equidade e da solidariedade.
A Comissão propôs reformas que remetiam para três rubricas principais:
− seguro de base cobrindo ao mesmo tempo os cuidados médicos e os
serviços sociais;
− concorrência no mercado dos seguros; e
− concorrência no mercado dos prestadores.
Deve-se notar, no entanto, que não está prevista nenhuma concorrência directa no
«mercado» entre doentes e prestadores de cuidados.
O gráfico 7.2 dá uma visão geral dessas reformas. No essencial, as propostas
tendem a introduzir um regime de seguro de base obrigatório que cobriria a maior
parte dos serviços de saúde e dos serviços sociais e que representaria cerca de 85%
das despesas imputáveis a esses serviços. Um regime de seguro complementar
voluntário seria instaurado para cobrir diversos serviços, nomeadamente a compra de
medicamentos, os cuidado dentários para adultos, a cirurgia estética e a interrupção de
gravidez.
A concorrência no mercado dos seguros devia ser favorecida pelos critérios de
concepção dos novos regimes. Uma característica engenhosa do regime de seguro de
base seria obrigar o particular a pagar um prémio fixado, em parte, com base nos seus
rendimentos e, em parte, por capitação. A maior parte deste prémio (cerca de 75%)
devia assentar nos rendimentos, segundo uma taxa fixada pelos poderes públicos, e
ser paga a uma caixa central. Esta ficaria encarregada de pagar um prémio ligado ao
risco ao segurador envolvido na concorrência, escolhido pelo particular. O resto do
montante do prémio devia ser definido numa base fixa e pago directamente pelo
particular ao segurador, ficando os seguradores obrigados a aplicar o mesmo valor
pré-determinado a cada um dos seus segurado. Isto deveria incitar os seguradores a
fazerem concorrência uns aos outros, mantendo o montante da soma fixa o mais baixo
159
possível e o nível de qualidade das prestações o mais alto possível. Os seguradores
seriam obrigados a aceitar todos os candidatos. Por outro lado, na medida em que a
contribuição paga pela caixa central estava ligada ao risco, a incitação para os
seguradores de entrarem em concorrência por uma selecção dos segurados em função
dos riscos desapareceria mais ou menos. A distinção entre caixas de doença e
seguradores privados devia esbater-se.
Gráfico 7.2 – O sistema de saúde e de protecção social dos Países Baixos
após a reforma Dekker
O seguro complementar devia ter um carácter voluntário. Os seguradores seriam
obrigados a aceitar todos os candidatos, mas a Comissão considerou que os poderes
públicos não deveriam intervir senão para determinar os prémios de seguro no caso de
certos limites serem ultrapassados.
160
A Comissão foi de opinião que a concorrência entre seguradores encorajaria a
concorrência entre prestadores. Para encorajar esta concorrência, convinha deixar de
exigir às caixas de doença que elas celebrem um contrato com todos os prestadores
que desejem realizar tal negócio. Isso deveria facilitar a tarefa dos seguradores na sua
escolha dos prestadores de cuidados mais eficazes.
A Comissão propôs também um certo número de outras medidas, incluindo uma
redução de 4 000 camas hospitalares em quatro anos, a aplicação parcial de
honorários para certos serviços prestados pelos generalistas, a supressão dos controlos
exercidos sobre os hospitais em matéria de investimento e o reforço das medidas de
incitação da administração central e também o acompanhamento dos mecanismos
tendentes a garantir a qualidade dos cuidados. Certos órgãos consultivos deviam
igualmente ser objecto de reformas.
Finalmente, a Comissão precisou que, se os mecanismos de mercado constituíam
na sua opinião o melhor meio de favorecer a eficiência do sistema de cuidados
médicos, entendia que o papel desses mecanismos estava limitado por considerações
de ordem social, cultural, ética e económica. Os poderes públicos deveriam, portanto,
continuar a efectuar uma certa regulamentação, em especial quanto ao controlo da
qualidade e dos custos e em matéria de equidade. Era necessário também velar pela
prevenção de qualquer abuso de poder monopolista. O objectivo da Comité era o de
estabelecer um novo equilíbrio entre os mecanismos de mercado, os princípios morais
e a regulamentação central.
A publicação do relatório Dekker suscitou, nos Países Baixos, um debate aceso e
generalizado (Ministério da Protecção Social, da Saúde e dos Assuntos
Culturais,1988; Schut e Van de Ven, 1987). O governo tomou a iniciativa de audições
públicas, em Maio de 1987. Se bem que os trabalhos da Comissão tenham sido
elogiados pelo seu enorme interesse, foram expressas numerosas dúvidas e
manifestaram-se preocupações nomeadamente a respeito de:
− da selecção dos riscos e da instauração de prémios ligados ao risco para o
seguro complementar;
− ao efeito dos prémios fixos para o seguro de base sobre as camadas da
população desfavorecidas, e do efeito sobre os riscos dos prémios assentes
nos rendimentos para o seguro de base; e
− o efeito sobre os custos do abrandamento da regulamentação efectuada pelos
poderes públicos em favor da intervenção dos mecanismos do mercado.
Só em Março de 1988 é que o governo então no poder se sentiu em condições de
apresentar propostas de reformas firmes num documento directivo intitulado A
mudança assegurada, que retomava, em muito larga medida, as propostas da
Comissão. Este documento confirmava, em especial, a intenção dos poderes públicos
de se orientarem para um regime unificado de seguro de saúde de base obrigatório
161
para toda a população, reconhecia que o papel dos mecanismos de mercado devia ser
reforçado e indicava que convinha reduzir o alcance da regulamentação aplicada
pelos poderes públicos ao sistema de saúde.
As reformas propostas pelo governo diferiam um pouco das propostas pela
Comissão Dekker. O governo decidia nomeadamente incluir no seguro de base, no
seu conjunto, os aparelhos terapêuticos e as próteses. Por outro lado, os seguradores
que propusessem seguros complementares eram obrigados não só a aceitar novos
segurados, mas também a aplicar o mesmo montante de prémio a todos os detentores
de apólices, independentemente do nível de partilha dos riscos.
No respeitante às relações entre seguradores e os prestadores, os poderes públicos
declaravam que, do seu ponto de vista, essas relações tinham um carácter fortemente
contratual e deviam constituir objecto de negociações livres. Os seguradores podiam
recusar-se a celebrar um contrato com um prestador. O nível mínimo de cuidados a
garantir no âmbito do seguro de base seria fixado por lei. Os poderes públicos não
consideravam necessário fixar um nível máximo de cuidados. Esperavam que a
concorrência entre seguradores e o financiamento parcial pela Caixa Central com base
numa capitação ponderada e não em função das despesas reais efectuadas contribuísse
para que as prestações de cuidados evoluíssem dentro de limites «controláveis». A
maior parte dos controlos efectuados sobre ao planificação e os investimentos poderia
ser abandonada, mas convinha manter uma vigilância sobre a capacidade dos grandes
estabelecimentos hospitalares. Estava previsto também suprimir as garantias
concedidas pela administração central em relação aos empréstimos contraídos pelos
hospitais para financiarem os seus investimentos. Os hospitais universitários seriam
obrigados a amortizações, a fim de os colocar em pé de igualdade com os hospitais
privados. Afigurava-se necessário basear as amortizações dos estabelecimentos
hospitalares nos custos de substituição. Na maior parte dos casos, a fixação do nível
dos preços podia ser deixada ao mercado, mas era indispensável impedir o
desenvolvimento de monopólios e de carteis e os abusos daí resultantes.
No respeitante à relação essencial estabelecida entre prestadores e utentes do
sistema de cuidados, os poderes públicos consideraram que o factor dominante devia
ser a qualidade e simultaneamente uma melhoria em relação à situação existente em
matéria de satisfação das necessidades e de resposta à procura. A responsabilidade
por isso devia incumbir, em primeiro lugar, aos seguradores e aos prestadores, mas,
em último recurso, pertencia aos poderes públicos decidir. O corpo dos inspectores do
Estado deveria continuar a assumir o seu papel e deveriam ser elaboradas leis para
promover a qualidade da prática profissional. Quanto aos consumidores, convinha
oferecer aos particulares mais possibilidades de afirmarem a sua independência,
protegendo-os ao mesmo tempo nas situações em que eles são inevitavelmente
tributários de uma outra parte.
162
Os poderes públicos continuariam a desempenhar um papel importante quanto a
fixar as normas de qualidade, a garantir o acesso de todos ao regime de seguro de
saúde e a controlar os custos. A respeito dos custos, as autoridades centrais
conservariam o poder de definir o conjunto dos seguros de base, de fixar o montante
do prémio de seguro de base ligado ao rendimento, de controlar a capacidade
institucional e de regulamentar os preços e a concorrência.
No entanto, parecia necessário só passar progressivamente para esse novo regime,
a fim de atenuar os seus efeitos sobre os rendimentos das famílias, agir de modo a que
as leis e os instrumentos administrativos pertinentes estivessem em vigor e permitir a
instauração de um processo de aprendizagem. Tinha sido elaborado um calendário
pormenorizado que previa quatro etapas distintas, ficando entendido que a fase de
transição deveria terminar antes de 1992 (Ministério da Protecção Social, da Saúde e
dos Assuntos Culturais, 1988).
As primeiras medidas foram postas em prática, em 1989. O regime de despesas
médicas excepcionais foi escolhido como o mecanismo introdutor do novo regime de
seguro de base. A sua cobertura foi alargada aos cuidados psiquiátricos assim como
aos aparelhos e próteses em Janeiro de 1989. Além disso, foi introduzido um sistema
de prémio nominal para as famílias inscritas nas caixas de seguros de doença.
A introdução de outras reformas foi suspensa durante por cerca de seis meses para
permitir ao novo governo de centro-esquerda reexaminá-las. Em 1990, o novo
governo anunciou a sua intenção de prosseguir, nas suas grandes linhas, as reformas
empreendidas, mas a um ritmo mais lento do que o que tinha sido previsto
inicialmente (Tweede Kamer der Staten-Generaal, 1990). Importantes modificações
foram, no entanto, propostas com base em novas considerações políticas. Para
encorajar uma substituição entre diversos modos de prestação, o seguro de base devia
incluir todos os cuidados essenciais, mas convinha igualmente respeitar as obrigações
internacionais impostas por tratados, como as convenções da OIT e as obrigações
ligadas à Comunidade Europeia. Por conseguinte:
− O conteúdo do pacote dos seguros de base devia ser alargado de forma a
englobar perto de 90 a 95% do montante total das despesas de saúde (em vez de
85%), partindo do princípio que o pacote do seguro complementar, financiado
por fundos privados, seria paralelamente reduzido.
− A relação entre a parte obrigatória, função do rendimento, do prémio relativo ao
seguro de base, e a parte da soma fixa negociável, devia ser de 85 para 15 em
vez de 95 para 25.
− O seguro de base seria limitado às sociedades seguradoras sem fins lucrativos
(para cumprimento das regulamentações da Comunidade Europeia).
− A primeira medida teria por objectivo aumentar, a partir de 1991, o nível da
concorrência na rede das caixas de seguros de saúde, estabelecendo orçamentos
163
para as caixas de saúde, autorizando estas últimas a decidir o montante dos
prémios nominais, encorajando os consumidores a escolher entre as caixas de
saúde e cessando progressivamente a obrigação das caixas de saúde executarem
contratos com todos os médicos.
− O calendário de introdução das reformas era flexibilizado, e a data limite fixada
para a sua entrada em vigor passava a ser 1995 (em vez de 1992).
DEBATES
Vantagens potenciais das reformas
Embora as propostas Dekker tenham sido elaboradas sem referências a modelos
específicos, a sua arquitectura encontra-se nos escritos de van de Ven (van de Ven,
1983 e 1987) e em Um plano de saúde conforme à opção dos consumidores
(Enthoven, 1980). Estas propostas são de uma originalidade surpreendente. O sistema
de financiamento e de prestações (ver gráfico 7.2) deve ser considerado como um
modelo novo, que não existe em mais nenhum país da OCDE, embora haja algumas
semelhanças com os sistemas baseados na escolha de um plano de indemnização ou
com a opção HMO que permite o Medicare nos Estados Unidos. A principal inovação
é a criação de uma caixa central para o seguro de base, que permite não só a livre
escolha do segurador pelo consumidor, mas também um financiamento obrigatório.
Isto equivale a um sistema elaborado de cheques-saúde. Dada a concorrência que se
exerce entre prestadores, a relação entre estes últimos e os seguradores poderia
evoluir segundo esquemas diferentes, em função das estratégias do mercado.
As vantagens potenciais destas reformas são consideráveis, pois oferecem, com
efeito, a perspectiva de melhorias sensíveis, tanto no plano da eficácia como no da
equidade:
− ao dar aos consumidores uma maior liberdade na escolha do segurador;
− ao encorajar os seguradores a serem compradores dinâmicos;
− ao adoptar medidas de incentivação comparativa, dirigidas aos prestadores, para
que eles forneçam cuidados com uma boa relação entre qualidade e preço;
− ao orientar o papel dos poderes públicos, a fim de terminar com o seu controlo
directo dos preços e do volume dos cuidados e dedicar-se a favorecer a
instauração de mercados concorrenciais;
− ao reforçar o controlo exercido pelos poderes públicos sobre o conjunto das
despesas;
164
− ao determinar, na fixação do montante das cotizações, o realce para que ele seja
função da capacidade de pagamento, assegurando sempre os cuidados segundo
as necessidades.
O sistema reformado foi cuidadosamente concebido de forma a remediar as duas
principais fraquezas do regime de seguros de saúde voluntários, nomeadamente a
tendência dos seguradores, que estão em concorrência, em evitar assumir os maus
riscos e o incentivo real dos seguradores para encorajar um aumento excessivo das
despesas de saúde. O problema da selecção dos riscos deveria ser ultrapassado,
principalmente pelo recurso a uma caixa central para os seguros de base que
receberia, das organizações e dos empregados, prémios baseados nos rendimentos e
que pagaria, aos seguradores submetidos ao regime da concorrência, prémios
ponderados segundo o risco dos segurados.
O aumento excessivo das despesas de saúde seria atenuado por:
− prémios fixos voluntários das famílias, financiando em parte o custo do seguro
de base (nota: isto não implica uma partilha dos custos no momento em que os
cuidados se tornam necessários);
− um controlo exercido pelos poderes públicos sobre a taxa de cotizações
obrigatórias pagas à caixa central, as quais servem para financiar a maior parte
das despesas dos serviços de saúde e dos serviços sociais.
Outra vantagem potencial das reformas reside no facto de elas oferecerem a
possibilidade de instaurar sistemas inovadores de prestação de cuidados do tipo
«prestadores privilegiados» e «redes de cuidados coordenados» (van de Ven, 1988).
A experiência adquirida nos Estados Unidos faz pensar que, em relação ao regime de
seguro tradicional baseado numa livre escolha e no pagamento ao acto, estes
mecanismos podem reduzir os custos sem por outro lado provocar a diminuição da
qualidade.
Por fim, foi evidente, através de um estudo consagrado aos efeitos da reforma
sobre o grau da equidade do financiamento dos cuidados, que o sistema actual tem
um carácter regressivo, o que significa, na melhor das hipóteses, uma redução ou,
pelo menos, uma estabilização da situação (van Doorslaer et al., a publicar).
DIFICULDADES POSSÍVEIS
A experiência adquirida em matéria de concorrência organizada é, até hoje, muito
limitada, tanto na Holanda como noutros países. Que dificuldades se corre o risco de
encontrar, ao introduzir esta noção no mercado dos seguros de saúde, ao mesmo
tempo que se faz o mesmo no mercado dos serviços?
O mercado dos seguros
165
Ao introduzir no mercado a noção de concorrência organizada no campo dos
seguros de saúde, existe o risco de surgirem problemas críticos. Os três problemas
principais são: a selecção dos riscos, a formação de monopsónios e de «cartels» entre
os seguradores e a possibilidade de que o prémio nominal negociável, que deve
representar 15% do montante total do prémio do seguro de base, seja projectado para
cima e não para baixo, em consequência dos efeitos da concorrência.
No que diz respeito à selecção dos riscos, o regime prevê que haja uma avaliação
dos riscos por cada indivíduo e não por um grupo importante ao qual se aplica o efeito
de massa. Se os mecanismos de avaliação são demasiado elementares, corre-se o risco
de os seguradores, incitados pelo jogo da concorrência, empregarem a sua energia em
efectuar uma «selecção do melhor» em vez de se preocuparem com uma prestação de
cuidados eficaz. A documentação publicada, a este respeito, não fornece ainda
informações sobre a forma de avaliar os riscos. Apesar de tudo, os números relativos
aos seguros de saúde holandeses individuais, assim como outros dados provenientes
de um inquérito por sondagem sobre a saúde, mostram que se os mecanismos de
avaliação se apoiam apenas em parâmetros como a idade, o sexo e o local de
residência, os seguradores serão ainda fortemente incitados a escolher
preferencialmente certos segmentos da população em relação a outros. Estes factores
representam apenas 20% das variações não aleatórias das despesas de saúde entre
indivíduos, mas se lhes juntarmos as despesas anteriores (às quais os seguradores têm
já acesso) obtemos um número igual a perto de 60% da variação não aleatória (van
Vliet e van de Ven, 1990). Se lhe juntarmos as doenças crónicas, são englobados mais
15% à variação. Estas observações conduziriam a incluir as despesas anteriores e as
doenças crónicas na fórmula de avaliação dos riscos.
Poderiam ainda ser instaurados diversos tipos pró-concorrenciais de
regulamentação, para desencorajar a prática de "selecção do melhor": adesão aberta a
todos, admissão, dentro de certos limites, de uma diferenciação da parte fixa
voluntária do prémio do seguro de base em função do risco, partilha dos riscos entre a
caixa central e os seguradores e promulgação de códigos de moral à atenção destes
últimos. Parece que um conjunto destas medidas deveria permitir lutar eficazmente
contra a selecção dos riscos.
A tomada em consideração dos cuidados de saúde e dos cuidados de carácter social
a longo prazo no sistema global do seguros de base, impõe uma carga pesada aos
mecanismos concebidos para evitar a selecção dos riscos. O argumento evocado em
favor desta tomada em consideração é que esta última favorecerá a integração e a
substituição de serviços no conjunto dos cuidados dispensados em caso de urgência e
a longo prazo, ao que podemos responder que os cuidados a longo prazo apenas são
um risco segurável ex-ante, o qual, para a maioria dos utentes, representa apenas uma
eventualidade muito rara e longínqua no tempo. Por outro lado, tendo em conta a
associação estabelecida entre os rendimentos modestos e a necessidade de dispensar
166
cuidados a longo termo, intervém frequentemente um importante elemento de
repartição nas decisões a tomar em relação ao nível dos cuidados a dispensar. Por
estas razões, interrogamo-nos sempre sobre a questão de saber se os cuidados a longo
prazo deveriam ser cobertos pelo regime global de seguros de base ou se eles
deveriam ser cobertos de uma outra forma, por exemplo por meio de pagamentos
directos efectuados pela caixa central.
Em segundo lugar, é conveniente preocuparmo-nos com a possibilidade de
assistirmos à formação de monopólios privados e de «cartels» no mercado dos
seguros. É desejável uma certa concentração face ao poder monopolístico que
poderão ter os prestadores, mas uma concentração demasiado forte sobre o mercado
dos seguros poderia dar aos seguradores a possibilidade de reduzir as prestações ou de
aumentar o montante das cotizações. Embora seja indispensável que a concorrência
continue unicamente a ser uma ameaça para assegurar o bom funcionamento dos
mercados, supõe-se que pelo menos os poderes públicos (e os tribunais) façam alguns
esforços visíveis para manter condições de concorrência apropriadas, tendo em conta
nomeadamente um movimento de fusões entre companhias de seguros (Schut,1990).
A terceira fonte de preocupação tem a ver com o facto de a capitação voluntária do
prémio de seguro de risco, em consequência da concorrência, ter aumentado em vez
de baixar. Este risco resultaria da convicção de um número suficiente de
consumidores de que seria mais vantajoso pagar por um maior volume de cuidados ou
por cuidados de melhor qualidade do que receber o que os poderes públicos se
propõem financiar através da caixa central. Os seguros de saúde privados têm sempre
a tentação de levantar o montante dos prémios, mesmo quando o Estado não paga
subsídios; ao existir o novo mercado, ele seria subsidiado até à concorrência em perto
de 85% do montante médio dos prémios iniciais. Não seria judicioso elevar o
montante dos prémios nominais se isso tivesse por efeito encorajar a prestação de
cuidados inúteis, mas o que é de temer são os efeitos que daí podem resultar no plano
da equidade. Podemos mesmo pensar que alguns dos seguradores irão tentar
açambarcar o mercado de certos cuidados de saúde, fazendo-os objecto de uma oferta
não elástica, como acontece nos dispensados pelos grandes especialistas.
O mercado dos serviços
Este domínio suscita algumas preocupações, nomeadamente o facto de ver a
concorrência desprezar a qualidade dos cuidados e o risco de ver os prestadores
exercerem um poder monopolístico. Há boas razões para pensar que é necessário
exercer uma atenção permanente sobre a evolução do nível de qualidade dos
cuidados: a razão mais importante é a de que a concorrência incitará os seguradores e
prestadores a oferecerem (e a manter) um nível satisfatório de qualidade dos cuidados,
sem o qual arriscarão entrar numa situação de concorrência desfavorável (van de Ven,
1989). No entanto, é difícil para os consumidores (e os poderes públicos) julgar a
167
qualidade dos cuidados. Não existem dúvidas de que os prestadores incluídos na
concorrência serão incitados a projectar uma imagem baseada na qualidade dos
cuidados, mas o que vai contar é a realidade. Felizmente, a Holanda já tem
instituições para a defesa da qualidade, cuja iniciativa provém dos poderes públicos e
dos próprios prestadores (Giebing, 1987; Kistemaker, 1987; Reerink, 1987). Serão
exercidas fortes pressões sobre os seguradores para que eles demonstrem que os
prestadores com os quais têm contrato, se preocupem em assegurar serviços de
qualidade. Por outro lado, no novo contexto de opção oferecido aos consumidores,
deveriam intervir organismos representantes dos interesses destes últimos,
nomeadamente estabelecimentos privados de certificação, para avaliar o nível de
qualidade (van de Ven, 1989).
Não restam dúvidas de que será necessário prevenir todo o abuso de poder
monopolístico sobre o mercado dos prestadores. Na Holanda, estes últimos
constituíram sempre associações profissionais poderosas e fizeram, aberta ou
tacitamente, acordos tendentes de facto a perpetuar práticas comerciais restritivas.
Vários hospitais possuem um verdadeiro monopólio de facto, devido ao seu domínio
de especialização ou à sua situação geográfica. Até hoje, as políticas públicas tinham
muitas vezes a acção de reforçar esses acordos. De futuro, será necessário adoptar
uma regulamentação pro-concorrencial, na medida, nomeadamente, em que os
seguradores não se transformarão em monopsónios do sector público. Como no caso
dos seguradores, algumas informações indicam que diversos hospitais se começaram
já a fundir (Schut, 1990).
Passagem ao novo sistema
Enfim, é a passagem propriamente dita ao sistema reformado que levantará
porventura o problema mais difícil de resolver. Os poderes públicos modificaram
várias vezes o calendário necessário à instauração das medidas de ordem legislativa e
administrativa que permitirão o aparecimento progressivo das modificações previstas
(Tweede Kamer der Staten-Generaal, 1990). Em Março de 1992, foi decidido adoptar
uma espécie de congelamento temporário da instauração das novas medidas até que o
Parlamento possa debatê-las a fundo, em Setembro-Outubro de 1992. 0 Governo
estava a analisar novos projectos em termos de avaliação da qualidade e de
reorganização dos organismos consultores. Efectuaram-se algumas fusões de
seguradores públicos e seguradores sem fins lucrativos, ao mesmo tempo que alguns
seguradores comerciais abandonaram a sua carteira de risco-saúde. No seguimento da
introdução da cobertura farmacêutica no regime ABZW, que se tornou no motor do
novo regime de base, o consumo farmacêutico de alguns segmentos da população
aumentou rapidamente, contribuindo para elevar o controlo dos custos para o primeiro
plano da ordem do dia. É ainda demasiado cedo para saber como reagirão as outras
partes ao sistema, como os consumidores, os seguradores e os prestadores, e qual será
168
de facto a evolução do processo político propriamente dito numa sociedade pluralista
(Elsinga, 1989). Embora as perspectivas de futuro pareçam boas - e não somente
porque já existem estabelecimentos privados - será necessário esperar alguns anos,
antes de poder afirmar se as reformas alcançaram os seus objectivos.
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171
Capítulo 8
A REFORMA DO SISTEMA DE SAÚDE EM ESPANHA1
INTRODUÇÃO
Nos anos 80, o governo espanhol introduziu importantes alterações no seu sistema
de saúde, no sentido da consolidação de um sistema nacional de saúde. As principais
reformas introduzidas consistiram: em estender o seguro de doença obrigatório à
quase totalidade da população, enquanto anteriormente não cobria senão 90%; em
planificar e integrar melhor os cuidados primários e os cuidados hospitalares; em
recorrer mais ao financiamento pelo imposto; e em confiar progressivamente a gestão
dos sistemas de saúde às regiões autónomas.
Antes das reformas (e, na realidade, continua a ser assim), o sistema de saúde
espanhol associava de forma complexa financiamento público e financiamento
privado, e prestações pelo sector público a prestações pelo sector privado. São
examinados, num segundo momento, os problemas que conduziram à adopção das
reformas e, em seguida, as reformas mais importantes são apresentadas sucintamente.
A evolução do sistema e os seus resultados constituem o objecto de uma outra secção.
Finalmente, são assinaladas algumas deficiências que persistem na prestação dos
cuidados – ao mesmo tempo que são esboçadas algumas soluções possíveis.
O SISTEMA DE SAÚDE ESPANHOL ANTES DAS REFORMAS
Como acontece com outros sistemas de saúde, o sistema espanhol resultou de um
certo número de reformas, uma após outra, imperfeitamente coordenadas. No entanto,
em 1980, o sistema era já dominado por um regime de seguro de saúde obrigatório, o
Instituto Nacional de la Salud (INSALUD), que era um elemento do sistema de
segurança social; por um dispositivo público para os cuidados primários; e por uma
rede de hospitais públicos. O dispositivo público para os cuidados primários e, quanto
ao essencial, os hospitais públicos gerais estavam organizados segundo o modelo do
sistema integrado (ver capítulo 2), mas havia também uma componente importante de
contratos entre o INSALUD e diversos hospitais e clínicas, públicos e privados, que
não relevavam do INSALUD. Este regime obrigatório era completado, numa
proporção apreciável, por despesas de saúde pessoais, pagamentos discricionários
pelas famílias, como o seguro de saúde privado.
O gráfico 8.1 descreve, sob a forma de esquema, o sistema antes da introdução das
reformas. Em baixo, à esquerda, figura a população, da qual a maior parte dos
indivíduos cai, num ano ou noutro, doente. Em baixo, à direita, figuram os
prestadores. No cimo do diagrama estão indicados os organismos terceiros pagadores,
172
INSALUD e os seguradores privados. Os fluxos de serviços estão indicados por
traços contínuos, os fluxos de financiamento por linhas tracejadas.
Gráfico 8.1 – Principais fluxos de serviços e fluxos financeiros no sistema de saúde da
Espanha antes da reforma
Os prestadores foram repartidos em vários grupos: serviços públicos de saúde
(incluindo os serviços de saúde mental), farmacêuticos independentes, centros de
cuidados primários em meio rural, generalistas e especialistas não hospitalares,
173
consultórios médicos privados, hospitais que relevam do INSALUD, outros hospitais
públicos e hospitais privados. Os cuidados dentários não figuram no diagrama nem
um certo número de serviços sociais, privados e públicos (centros de cuidados de
longa permanência, lares-residências e serviços ao domicílio), financiados
principalmente por um outro ramo da segurança social (INSERSO) ou por fontes
privadas.
O sector dos terceiros pagadores é dominado pelo INSALUD, o ramo de saúde do
sistema de segurança social, e por diversos regimes obrigatórios destinados aos
funcionários, os quais, no conjunto, representavam cerca de 68% do total das
despesas de saúde e cobriam 90% da população, em 1980. Outros dispositivos
financiados pelo imposto representavam cerca de 8% das despesas. O seguro de
doença voluntário (essencialmente destinados aos trabalhadores independentes)
representava, em 1980, cerca de 3% do total das despesas de saúde.
Salvo para os produtos farmacêuticos, não há comparticipação do doente nos
custos no sector público do sistema de saúde.
No entanto, os pagamentos directos discricionários relativos aos cuidados
ambulatórios, aos cuidados médicos, aos cuidados dentários, aos produtos
farmacêuticos e aos aparelhos terapêuticos, desempenham um papel importante, visto
que representavam cerca de 21% aproximadamente do total das despesas de saúde,
em 1980.
RELAÇÕES ENTRE OS DOENTES E OS PRESTADORES
Cuidados ambulatórios
Antes da aplicação das reformas, havia essencialmente três vias de acesso aos
cuidados médicos ambulatórios e o sistema de orientação era um sistema com três
níveis no sector público. Primeiro, os doentes cobertos pelo INSALUD podiam
inscrever-se num generalista escolhido num grupo, e quase não tinham possibilidade
de mudar de médico. Os generalistas trabalhavam geralmente em centros de consultas
públicos, pelo menos nas zonas urbanas. Segundo, os doentes de baixo rendimento,
não cobertos pelo INSALUD, podiam dirigir-se a um generalista vinculado por
contrato a um município. Num e noutro caso, o generalista podia orientar os doentes
para um especialista de um centro de cuidados ambulatórios em que os especialistas
não tinham acesso directamente às camas hospitalares. Os especialistas de centros de
cuidados ambulatórios podiam encaminhar o doente para o hospital. No entanto, os
generalistas e os especialistas do sector público estavam ligados no quadro de um
sistema piramidal que limitava as possibilidades de escolha em matéria de orientação
a uma lista de especialistas que serviam a localidade. Terceiro, os doentes com
condições de pagar podiam dirigir-se a um generalista para uma consulta privada ou
174
então directamente a um especialista, evitando assim a etapa de orientação pelo
generalista. Numerosos médicos, neste quadro, trabalhavam a tempo parcial porque,
para além dos seus consultórios privados, ocupavam vários postos no sector público.
Desde a introdução das reformas, os cuidados públicos ambulatórios são cada vez
mais frequentemente prestados por equipas de cuidados primários compostas por
generalistas, pediatras, e enfermeiras, trabalhando a tempo inteiro em centros públicos
que cobrem uma zona geográfica determinada, e por especialistas trabalhando a
tempo inteiro num serviço hospitalar de consultas externas. As possibilidades de
escolha de um especialista continuam a ser limitadas. De uma certa forma, o novo
sistema reduz, de facto, a liberdade de escolha deixada aos doentes do regime público.
Os médicos que tratam os doentes no sector público podem livremente receitar
medicamentos, os quais são normalmente dispensados por farmacêuticos
independentes. Em regra geral, o doente assume 40% da despesa respeitante a um
medicamento. Os pensionistas estão dispensados desta participação, assim como os
doentes que têm necessidade de certos medicamentos vitais. A parte restante é paga
directamente pela segurança social.
Cuidados hospitalares
Há quatro grandes tipos de hospitais: hospitais do INSALUD (principalmente
hospitais gerais), que contam cerca de 36% das camas; hospitais provinciais e
municipais que contam cerca de 33% das camas (muitas vezes destinadas a cuidados
de longa duração); hospitais privados sem fim lucrativo que contam aproximadamente
14% das camas; e hospitais privados que contam cerca de 17% das camas. Não há
camas particulares nos hospitais públicos. O INSALUD celebrou contratos para a
prestação de cuidados com numerosos hospitais, públicos e privados, que não relevam
do Instituto. Com efeito, se bem que só 36% das camas sejam geridas pela segurança
social, ela financia entre 75 a 80% de todos os internamentos hospitalares. O
INSALUD dá preferência aos hospitais públicos em relação aos hospitais privados e
aos hospitais sem fim lucrativo em relação aos hospitais de fim lucrativo. Os
pagamentos directos por cuidados privados no hospital são negligenciáveis.
Cuidados de longa duração
Os hospitais psiquiátricos são geridos principalmente pelas administrações
provinciais e pela Igreja Católica. Uma rede de novos centros de cuidados para
doentes mentais e de unidades psiquiátricas nos hospitais gerais está prevista no novo
sistema de saúde (Duran e Blanes, 1991). Serviços sociais distintos oferecem diversas
formas de cuidados em estabelecimento e de cuidados no domicílio, além dos serviços
privados.
175
RELAÇÕES ENTRE A POPULAÇÃO E OS ORGANISMOS TERCEIROS
PAGADORES
Em 1980, cerca de 85% dos Espanhóis beneficiavam de uma cobertura de doença
global do INSALUD e 7% estavam cobertos por regimes obrigatórios dos
funcionários e das forças armadas. Esses regimes eram financiados principalmente
por contribuições obrigatórias para a segurança social pagas pelos assalariados e pelos
empregadores. As contribuições estavam fixadas em 39% das remunerações, em 1980
(33% para os empregadores e 6% para os assalariados). Havia igualmente
contribuições pagas pelos reformados. As contribuições de segurança social estavam
afectas na proporção de cerca de 30% ao INSALUD que beneficiava também de uma
subvenção de cerca de 10%. As prestações tinham um carácter global visto que
cobriam, ao mesmo tempo, os serviços de generalistas e de especialistas, as despesas
farmacêuticas, os cuidados hospitalares e as extracções dentárias. Os trabalhadores
independentes tinham liberdade de se segurar como entendessem; aproximadamente
um em cada três escolhia o INSALUD, optando os outros por seguros privados ou
ainda decidindo não se segurar.
Os assalariados do sector público deviam estar obrigatoriamente segurados, mas
tinham a liberdade de escolher entre o INSALUD e os seguradores e os prestadores
privados. Dois terços, aproximadamente optavam por seguros privados.
Independentemente da subvenção ao sistema de segurança social, a parte do
imposto nacional ou local no total das despesas de saúde, em 1990, não atingia senão
8%.
No princípio da década, os seguros privados eram escolhidos pela maior parte dos
assalariados do sector público, assim como por certos grupos como os trabalhadores
independentes que não estavam obrigados a inscrever-se no regime obrigatório. O
seguro privado discricionário só financiava cerca de 3% das despesas de saúde, em
1980. Quando o regime obrigatório foi tornado extensivo aos trabalhadores
independentes, em 1984 - e os seguradores privados foram libertos da obrigação de
proporem um seguro global -, o seguro de doença voluntário assumiu cada vez mais
um carácter complementar, salvo para os assalariados do sector público. Actualmente,
cerca de 10% dos Espanhóis estão cobertos, ao mesmo tempo, por um seguro
obrigatório e por um seguro privado. Sob o ponto de vista fiscal, as despesas pessoais
com a doença e os prémios de seguro das famílias são dedutíveis do rendimento, até
15% do seu montante.
Num total de cerca de 200 seguradores privados, de carácter comercial ou sem fim
lucrativo, os seis maiores representam perto de metade do mercado. Entre os
seguradores de carácter comercial, numerosas pequenas companhias locais pertencem
a médicos. São estruturas análogas às redes de cuidados do tipo HMO (Health
Maintenance Organisation) existentes nos Estados Unidos. Por vezes, os médicos são
176
remunerados por capitação. Os seguradores sem fim lucrativo podem ser
mutualidades, organizadas por grupos profissionais, e igualatórios, geridos por
organizações de médicos, numa base cooperativa. Neste caso, os médicos são
remunerados, directamente, por acto, e actuam mais ou menos no mesmo quadro que
os médicos que exercem em consultórios de grupo independentes nos Estados Unidos.
A Espanha não tem uma tradição de seguro com reembolso das despesas feitas. No
entanto, o mercado está a evoluir com a chegada de companhias de seguro
multinacionais.
RELAÇÕES ENTRE OS ORGANISMOS TERCEIROS PAGADORES
E OS PRESTADORES
Cuidados ambulatórios
Em 1980, a maior parte dos generalistas e numerosos especialistas trabalhavam ao
mesmo tempo para o INSALUD e para os municípios. Eram remunerados por
capitação no primeiro caso e assalariados no segundo. Os generalistas que exerciam
nas zonas urbanas e os especialistas dos cuidados ambulatórios empregados pelo
INSALUD tinham que trabalhar duas horas por dia num centro de cuidados, a horas
indicadas aos doentes (em geral de manhã) e fazer visitas ao domicílio. Nas zonas
rurais, os generalistas tinham que estar operacionais 24 horas por dia e estavam
isolados. Segundo os novos dispositivos instalados para as equipas de cuidados
primários, que têm a seu cargo a população de uma certa área, os médicos são
assalariados e trabalham seis horas por dia. Os médicos que prestam cuidados
ambulatórios privados podem ser remunerados por acto, mas, muitas vezes, quando
pertencem a um agrupamento médico com pré-pagamento, recebem uma capitação.
Os farmacêuticos independentes são remunerados por prestação. O preço dos
medicamentos é negociado, produto por produto, entre o Ministério da Saúde e os
laboratórios farmacêuticos. O objectivo é conseguir chegar a um preço que seja
equivalente ou inferior ao preço mais baixo praticado para o mesmo produto ou para
um produto análogo noutro sítio da Europa (Young,1990).
Hospitais
Os hospitais do INSALUD são financiados segundo um sistema rígido de
orçamento global, calculado principalmente em função de custos retrospectivos. Há
orçamentos distintos por tipo de despesas, de exploração e de investimento. Os
gestores locais não podem afectar as verbas concedidas no âmbito de uma rubrica
orçamental a outras linhas orçamentais. As economias eventualmente realizadas são
automaticamente transportadas para um orçamento central do INSALUD (Brooks,
1987). As despesas de equipamento são financiadas por subvenções e não dão lugar a
177
qualquer pagamento ulterior a título de encargos de amortização ou de encargos
financeiros. Os hospitais que celebraram contrato com o INSALUD recebem um
preço de diária, segundo uma tabela que depende de uma classificação nacional. A
tabela cobre as despesas de equipamento, tanto para os hospitais públicos como para
os hospitais privados com contrato.
Nos hospitais públicos, os médicos são assalariados e, nos hospitais privados, são
remunerados ao acto. Nos hospitais públicos, os médicos não podem ter doentes
privados, mas estão autorizados a trabalhar, durante uma parte do tempo, no sector
privado. Desde 1987, foram criados incentivos para que eles trabalhem, a tempo
inteiro, no sector público.
Regulamentação e planificação pelos poderes públicos
O sistema de saúde espanhol é fortemente planificado e regulamentado, o que está
em coerência com a sua natureza integrada. No princípio dos anos 80, o sistema era
também fortemente centralizado através do INSALUD. Durante essa década, no
entanto, houve transferência de responsabilidades, em proporções importantes, do
centro para as regiões autónomas (este aspecto será examinado mais adiante).
O controlo central exerce-se de diversas formas: pela legislação; pela concessão de
verbas; pelo facto de a maior parte do pessoal ser assalariado; pelo orçamento global;
e pela natureza jurídica da propriedade dos centros de cuidados, dos centros de saúde
e dos hospitais. Além disso, a administração central acompanha a evolução da
prescrição dos medicamentos, negoceia os preços destes, regulamenta a celebração de
contratos com os hospitais para a prestação de cuidados aos doentes, outorga a
homologação aos hospitais e aos centros de saúde, concede uma licença às instalações
independentes e fixa um numerus clausus para o acesso aos estudos médicos. Acresce
que as administrações central e regionais regulam o seguro de doença privado.
CONTEXTO DAS REFORMAS
No princípio dos anos 80, o sistema de saúde apresentava já muitos pontos fortes: a
mortalidade perinatal era baixa, a igualdade de acesso aos cuidados era boa, o sistema
era bem aceite pela colectividade e as despesas de saúde mantinham-se num nível
relativamente baixo. No entanto, assinalava-se um certo número de deficiências entre
as quais:
− a cobertura pelo seguro de doença obrigatório apresentava lacunas. Os
trabalhadores independentes podiam escapar às contribuições obrigatórias
e os membros mais carenciados da colectividade - por exemplo, as
pessoas que nunca tinham tido emprego regular - estavam excluídos do
sistema central de cuidados financiado pelo INSALUD.
178
− se bem que o governo tivesse um bom domínio da massa global das
despesas, continuavam a exercer-se pressões sobre os custos. Ao mesmo
tempo, levantavam-se vozes para lamentar a insuficiência das despesas do
Estado consagradas à saúde.
− na opinião geral, os serviços oferecidos pelo sector público pecavam,
nomeadamente, por falta de eficácia e de qualidade. Era menos a
qualidade técnica dos serviços que era posta em causa (apesar da falta de
garantia de qualidade) do que a satisfação dos consumidores. Os cuidados
ambulatórios prestados no sector público eram, muitas vezes, encarados
como cuidados de segunda categoria, com longas esperas, consultas
rápidas (três minutos, em média, para um generalista e sete minutos para
um especialista) e um tratamento impessoal. Se bem que os hospitais
públicos gozassem de uma boa reputação, devido ao seu pessoal
qualificado e aos seus equipamentos de alta tecnologia, os serviços de
urgência estavam, muitas vezes, sobrecarregados, o tempo de espera para
os doentes hospitalizados era longo (relação de quatro por 1000) e o
conforto era negligenciado (Saturno, 1988).
− tensões importantes eram claramente perceptíveis na fronteira, complexa e
permeável, entre os sectores público e privado. Os médicos que prestavam
cuidados ambulatórios tinham geralmente uma actividade privada ao
mesmo tempo que ocupavam um posto público. Não havia, portanto, para
eles uma incitação financeira para melhorarem o serviço que prestavam
aos seus doentes do sector público (Miguel e Guillen, 1989; Rodriguez et
al., 1990). Entretanto, o acesso aos cuidados privados «de primeira
classe», dependia da capacidade financeira dos doentes.
− o sistema público parecia fragmentado, insuficientemente coordenado,
demasiado burocrático, demasiado centralizado e insuficientemente gerido
(Brooks,1987).
− exprimiam-se dúvidas quanto à forma como eram afectados os recursos:
em especial, em comparação com os outros países da OCDE, a Espanha
tinha demasiados médicos e carecia de camas de hospital (ver adiante). A
soperabundância de médicos era acompanhada por desemprego na
profissão e por remunerações relativamente baixas.
179
AS REFORMAS DOS ANOS 80
O gráfico 8.2 descreve o sistema de saúde após as reformas. Como algumas das
principais reformas só têm sido introduzidas progressivamente, o gráfico não é
datado. Por exemplo, só cerca de metade das equipas de cuidados primários que estão
previstas foi efectivamente constituída até ao presente.
Reformas principais
As principais reformas introduzidas no sistema de saúde, nos anos 80, foram:
1981: A Catalunha torna-se a primeira região autónoma a ficar responsável pelo seu
próprio sistema de saúde, no quadro da segurança social;
1984: Os trabalhadores independentes são integrados no regime de seguro de doença
obrigatório e os seguradores privados são exonerados da obrigação de apenas
ofereceram uma cobertura global;
1984: Princípio da aplicação da reforma dos cuidados primários. Instalação de
equipas de cuidados primários compostas por médicos assalariados
trabalhando a tempo inteiro em centros de saúde que cobrem uma zona
geográfica definida;
1986: Publicação da lei geral sobre a saúde que institui um sistema nacional de
saúde. Esta lei implica um certo número de medidas:
− transferência
das responsabilidades do INSALUD para as regiões
autónomas, com o objectivo de criar 17 serviços regionais de saúde no
âmbito da segurança social;
− agrupamento dos hospitais provinciais, municipais e da segurança social,
no seio de uma rede integrada;
− apoio legislativo às reformas sobre cuidados primários iniciadas em 1984;
− criação de um conselho interterritorial para coordenar as políticas e os
planos entre as regiões tornadas autónomas e as regiões mantidas sob a
autoridade centralizada do INSALUD.
Por outro lado, a lei confirmou o direito dos profissionais de saúde ao exercício
liberal da profissão, assim como a liberdade de empresa dos centros de cuidados e dos
hospitais públicos, sob reserva de homologação pelas autoridades responsáveis pela
saúde.
1986 e 1987: Extensão da cobertura de doença da segurança social a todos os
membros da família reconhecidos como dependentes (limitada anteriormente
aos filhos e pessoas deficientes);
180
1987: Os médicos que trabalham em hospitais públicos são incentivados
financeiramente a trabalharem a tempo inteiro para o sector público e têm a
possibilidade de receber prémios de produtividade;
1989: Extensão aos indigentes do benefício do sistema de cobertura do INSALUD,
sob condições de recursos;
1989: Nova repartição do financiamento central entre contribuições de segurança
social e impostos. Sendo fixa a taxa de contribuição para a segurança social
relativa a cuidados médicos, o imposto tem de cobrir a parte residual (73% do
total para o INSALUD, em 1989). Assim, o financiamento do sistema deveria
ter um carácter mais progressivo.
181
Gráfico 8.2 – Principais fluxos de serviços e fluxos financeiros no sistema de saúde da
Espanha após a reforma
Outras Reformas
Pode-se assinalar um certo número de outras reforma importantes.
1979: Instituição de um numerus clausus para os estudos médicos.
182
1981: Criação, na Catalunha, de um processo de homologação para os serviços
hospitalares.
1985: Primeiros esforços no sentido de um reforço da função de gestão hospitalar e
de uma melhoria da informação sobre a gestão.
1985: Criação de uma comissão central de garantia da qualidade para acompanhar
exames confidenciais pelos colegas nos hospitais públicos.
1986: Instituição de uma garantia de qualidade para os cuidados primários.
1987: Publicação de uma lei que reorganiza a gestão do INSALUD.
1991: Estabelecimento de uma lista negativa de medicamentos. Adopção de medidas
tendentes a tornarem o mercado dos produtos farmacêuticos mais
concorrencial.
1992: Decisão de tornar os hospitais mais autónomos, transformando-os em
corporações quase públicas, a fim de avançar no sentido da estratégia
governamental de convergência europeia.
EVOLUÇÃO E DESEMPENHO
Segundo os números da OCDE, a parte das despesas de saúde em relação ao PIB
passou de 2,3%, em 1960, a 4,1%, em 1970, e 6,6%, em 1990. Aumentou 1%, entre
1980 e 1990, enquanto o PIB aumentava 2%.
As despesas de saúde por habitante, em 1987, eram de 521 dólares US em paridade
de poder de compra derivado do PIB. Está ligeiramente abaixo do nível esperado,
segundo uma análise de regressão entre as despesas de saúde e o PIB por habitante
nos países da OCDE (Schieber e Poullier, 1989).
Os dados reunidos pela OCDE (1987) e por Schieber et al. (1991) e o quadro 10.2
mostram que a Espanha contava um maior número de médicos em relação à
população, mas menos camas de hospital que a maior parte dos outros países da
OCDE. O número de dias de hospitalização por habitante e o número de
internamentos estavam entre os mais baixos registados nos países da OCDE e a
duração da estadia no hospital era igualmente inferior à média. O número de consultas
médicas por pessoa era igualmente inferior à média, mas este número não
compreende as consultas do sector privado. O número de medicamentos consumidos
por habitante era ligeiramente superior à média calculada para a zona da OCDE.
A esperança de vida média à nascença era de 79,7 anos para as mulheres e 73,3
anos para os homens em 1985. Estes números eram o primeiro, igual, e o segundo,
superior à esperança média de vida mais elevada registada nos seis outros países
considerados neste estudo. No entanto, Le Grand (1987) mostrou que, após
“estandardização” por idades, a Espanha registava uma maior dispersão das idades de
183
morte do que os seis outros países, com excepção talvez da França, segundo a precisa
medida considerada. Esta desigualdade da idade de morte é, sem dúvida,
principalmente a consequência de desigualdades socio-económicas subjacentes na
sociedade espanhola (Rodriguez e Lemkow, 1990). A taxa de mortalidade perinatal 1,06% dos nascimentos de nados-vivos e nados-mortos, em 1987 - era inferior à da
Irlanda, mas superior à dos seis outros países considerados neste estudo. No entanto,
como as determinantes da mortalidade são de natureza muito diversa, não se podem
tirar conclusões seguras destes dados quanto ao desempenho do sistema de saúde
espanhol.
Segundo um inquérito efectuado em 1991, só 21% dos Espanhóis estavam
satisfeitos com o seu sistema de saúde, mas 71% dos que tinham recebido cuidados
estavam satisfeitos com o tratamento. Estes números são menos elevados do que os
dos outros países considerados neste estudo (Blendon et al., 1991).
PROBLEMAS EM SUSPENSO E SOLUÇÕES POSSÍVEIS
Apesar destes numerosos pontos fortes, o sistema de saúde espanhol continua a
apresentar deficiências em vários domínios. A criação de equipas de cuidados
primários de assalariados que trabalham a tempo inteiro, cobrindo hoje cerca de
metade da população, terá elevado o nível dos cuidados ambulatórios no sector
público. A criação dessas equipas reforçou o sentimento de compromisso dos médicos
para com o sector público e encorajou a continuidade dos cuidados e a prevenção. No
entanto, em muitos aspectos, os serviços continuam a ser prestados, em grande parte,
como anteriormente e a ter uma má imagem junto dos consumidores. Segundo o que
se pôde observar na Irlanda, as pessoas que pertencem aos estratos de rendimentos
superiores, em Espanha, têm talvez interesse em continuar a tomar elas próprias as
suas disposições para se assegurarem dos cuidados médicos de generalistas e de
especialistas no sector privado.
Sendo assim, subsiste a questão de saber se a Espanha encontrou o melhor meio de
garantir uma prestação eficaz dos cuidados médicos ambulatórios no sector público.
A Espanha é o único dos sete países que tenta apoiar-se unicamente num modo de
exercício assalariado no sector público; isto não permite aos doentes mudarem de
médico senão em circunstâncias muito especiais e limita as possibilidades de escolha
de um especialista pelo facto de ter de ser exercida anteriormente uma função de
orientação. Se é verdade que este tipo de disposições permite proporcionar cuidados
qualificados, no sector público, a todos os que deles necessitam - gratuitamente para o
doente e a um custo razoável para o financiador –, parece caracterizar-se por filas de
espera e por um estilo de cuidados apressados e impessoais. Numa palavra, o sistema
não corresponde às aspirações dos consumidores. Seria interessante saber o que se
produziria se – para um dado orçamento afecto aos cuidados ambulatórios no sector
184
público à escala nacional – os prestadores de cuidados primários fossem incitados a
entrar em concorrência para atrair os doentes e tivessem a liberdade de escolher os
especialistas para que encaminham os seus doentes.
Estas observações aplicam-se também aos cuidados hospitalares. No concernente
aos hospitais que relevam do INSALUD, o orçamento global, com recuperação das
economias eventualmente realizadas, é um meio eficaz para manter os custos ao nível
desejado pelos terceiros pagadores. Mas o orçamento global comporta também
mecanismos incentivadores perversos. Os prestadores mais eficazes são
recompensados por uma sobrecarga de trabalho ou por uma diminuição – e não por
um aumento – do seu orçamento, enquanto os menos eficazes desfrutam de uma vida
mais tranquila. Se bem que uma boa parte dos serviços proporcionados no hospital o
seja por acordos com o INSALUD, este organismo parece ter tendência para celebrar
contratos, mais em função do estatuto de propriedade do que em função da eficácia.
Não parece apoiar-se numa concorrência entre prestadores.
Em 1990, o Parlamento nomeou uma Comissão para a Análise e a Avaliação do
Sistema Nacional de Saúde, a fim de proceder a um exame aprofundado do sistema.
O seu relatório foi publicado no ano seguinte (Comision de Análisis y Evaluación del
Systema Nacional de Salud, 1991). O seu diagnóstico foi, nomeadamente: uma falta
de tomada de consciência dos custos por parte dos utentes; uma insuficiência de
escolhas para os doentes, no sector público; lacunas em matéria de eficácia nos
prestadores resultantes, em parte, da falta de incentivos. Nas suas recomendações, a
Comissão teve o cuidado de sublinhar que a equidade e a solidariedade sobre as quais
se baseia o sistema não deveriam sofrer em consequência disso. No entanto,
preconizou algumas reformas radicais, entre as quais:
− aumento da parte das contribuições de segurança social no financiamento do
sistema;
− definição mais clara de um conjunto de actos essenciais e exigência de
pagamentos por actos suplementares;
− exigência de pagamentos nominais para certos actos essenciais, incluindo a
extensão da taxa moderadora de 40% nas receitas farmacêuticas aos
reformados;
− separação da função de compra dos serviços hospitalares da função de
prestações, confiando a primeira aos distritos sanitários até aí responsáveis
pelos cuidados primários;
− melhoramento da gestão e dos princípios de gestão dos hospitais públicos;
− outorga aos hospitais públicos de uma grande autonomia de gestão, fazendo
deles empresas do Estado; e
185
− introdução de contratos mais flexíveis, levando em linha de conta os
resultados, para os assalariados do ramo da saúde.
Este relatório suscitou muitas controvérsias. A proposta de alargamento da taxa
moderadora aos reformados foi criticada com veemência. De uma forma mais geral,
foi censurado aos autores o facto de terem copiado exageradamente a reforma
britânica sem a adaptarem às características da Espanha. O relatório quase não
mencionava a necessidade de alargar as escolhas em matéria de cuidados primários.
Também não tratava as deficiências da organização, da administração e da gestão do
sistema nacional de saúde.
O governo comprometeu-se a renunciar às medidas respeitantes aos reformados e a
esperar alguns meses antes de tomar uma decisão sobre a maior parte das outras
recomendações do relatório.
Nota
1. Este capítulo inspira-se num documento preparado por J. Hernandez Pascual, do
Ministério de Saúde e do Consumo (Madrid). O Sr. Hernandez Pascual não deve ser
considerado responsável pelas opiniões expressas ou pelos erros que possam figurar neste
capítulo.
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Saturno, P. J. (1988), «Spain», in The International Handbook of Health Care Systems, sob a
direcção de Saltman, R.B., Greenwood Press, Nova Iorque.
Schieber, G. J. e Poullier, J.-P. (1989), «International Health Care Expenditure Trends»,
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Young, P. (1990), European Pharmaceutical Policies, Adam Smith Institute, Londres.
187
Capítulo 9
A REFORMA DO SISTEMA DE SAÚDE NO REINO UNIDO
INTRODUÇÃO
O Reino Unido tem, desde 1948, um Serviço Nacional de Saúde (National Health
Service – NHS) completado por um sector privado restrito, mas em expansão. A
primeira parte deste capítulo descreve o financiamento e a prestação dos serviços de
saúde no Reino Unido assim como o seu crescimento e balanço destes últimos anos.
Se bem que o NHS tenha tido sucesso sob muitos pontos de vista, no final dos anos
80, tinha-se instalado uma crise de confiança do público a respeito do financiamento e
do funcionamento do sistema. Na sequência de uma auditoria interna, o governo
publicou um Livro Branco que expunha «... a reforma mais profunda do Serviço
Nacional de Saúde nos seus quarenta anos de existência» (Working for Patients,
1989). O governo anunciou também, em 1989, uma reforma radical das disposições
relativas aos cuidados comunitários de longa duração. Esta reforma incidia, ao mesmo
tempo. sobre o NHS e sobre os serviços sociais privados financiados separadamente
pelas autoridades locais (Caring for People, 1989).
DESCRIÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE
No Reino Unido, o sistema de saúde é dominado pelo Serviço Nacional de Saúde
(NHS) que foi criado para pôr à disposição de toda a população serviços de saúde
completos e, inicialmente, gratuitos para os doentes. O NHS é financiado
principalmente pelo imposto. Antes de 1991, os serviços de cuidados hospitalares e
comunitários (isto é, nomeadamente, os cuidados no domicílio e os serviços
ambulatórios) eram prestados nos hospitais públicos por pessoal assalariado, em
conformidade com o modelo integrado (ver capítulo 2). A maior parte dos cuidados
não hospitalares (a «medicina de família») era e é ainda assegurada por médicos
independentes com contrato. Um sector independente modesto, mas em crescimento,
é financiado, em parte. por pagamentos directos e, em parte, pelo seguro privado,
segundo o modelo do reembolso.
O gráfico 9.1 indica algumas das principais características do financiamento e da
prestação dos cuidados na Inglaterra, em 1989. Sistemas mais ou menos análogos,
mas financiados e administrados separadamente, existiam na Escócia, no País de
Gales e na Irlanda do Norte. A população, da qual a maioria das pessoas fica doente
pelo menos uma vez por ano, encontra-se em baixo e à esquerda do gráfico. Em baixo
e à direita figuram alguns dos principais prestadores de serviços de saúde. Ao alto,
188
encontram-se os terceiros pagadores, públicos e privados. Os fluxos de serviços e de
financiamento estão indicados, respectivamente, por traços contínuos e por tracejado.
Gráfico 9.1 – Cuidados médicos primários e secundários em Inglaterra
antes da reforma de 1989 do National Health Service
(números referentes a 1986-87)
Os prestadores foram divididos em várias categorias: os farmacêuticos que são
profissionais independentes; os médicos generalistas, também eles independentes; os
189
serviços públicos de saúde; os serviços de cuidados comunitários (cuidados no
domicílio, ambulâncias e consultas no domicílio); os serviços hospitalares públicos
(doenças agudas e crónicas, incluindo os serviços ambulatórios); os serviços privados
de hospitalização assegurados nos hospitais públicos e os serviços hospitalares e de
longa permanência privados, fornecidos por prestadores independentes.
Os terceiros pagadores repartem-se por: Ministério da Saúde, que financiava, em
1989, as autoridades regionais relativamente aos serviços de cuidados hospitalares e
comunitários; as comissões de médicos generalistas para os serviços de profissionais
independentes; e seguradores privados em concorrência (na maior parte sem fim
lucrativo) que intervêm sobretudo de acordo com o princípio do reembolso dos
doentes.
Se bem que as administrações regionais de saúde figurem entre os terceiros
pagadores e as administrações sanitárias de distrito entre os prestadores, a distinção
entre os seus papéis é bastante artificial; existe entre elas uma relação hierárquica,
tendo os dois, em 1989, ao mesmo tempo as responsabilidades de financiamento e de
gestão. Assim, as administrações sanitárias regionais tinham a responsabilidade por
certos serviços assegurados no plano regional, por uma grande parte dos
investimentos, pelo emprego dos médicos hospitalares titulares e pelo financiamento
das administrações sanitárias distritais. Estas estavam encarregadas de financiar os
hospitais e outros estabelecimentos e de gerir os serviços de cuidados hospitalares e
comunitários. Esta combinação de funções de terceiro pagador e de gestão das
prestações é uma das características do modelo integrado.
O NHS cobre também os cuidados dentários e oftalmológicos gerais, mas eles
foram omitidos no diagrama, assim como os serviços sociais pessoais assegurados por
prestadores públicos e independentes em estabelecimento e no domicílio que
completam de serviços de saúde no domínio dos cuidados de longa duração.
RELAÇÕES ENTRE DOENTES E PRESTADORES
Médicos generalistas e serviços farmacêuticos
No Reino Unido, as pessoas que adoecem podem ir ao farmacêutico comprar um
remédio «sem receita». Se quiserem consultar um médico, vão geralmente ao
generalista em que estão inscritos no quadro do Serviço Nacional de Saúde, mas
podem também dirigir-se a um serviço hospitalar em caso de acidentes e urgências. A
maior parte da população está inscrita num generalista do Serviço Nacional de Saúde
e cerca de 75% dos contactos da população com os médicos são contactos com
generalistas. Cada um é livre de mudar de generalista, mas a escolha é muito limitada
nas zonas rurais - e até urbanas – e só muito raramente é que tem sido exercido até
190
aos últimos tempos, salvo no seio dos consultórios de grupo ou na hipótese de
mudança de casa. As consultas dos generalistas são gratuitas.
Os generalistas estão cada vez mais organizados em consultórios de grupo com
pessoal auxiliar, como uma recepcionista, uma ou duas enfermeiras, até mesmo um
gestor. Têm o estatuto de contratantes independentes no quadro do NHS e funcionam,
em muitos aspectos, como pequenas empresas. Desempenham também um papel de
triagem em relação à maior parte dos serviços de especialistas e dos serviços
hospitalares.
No plano clínico, os generalistas gozam de uma autonomia quase total e
nomeadamente da liberdade de receitar sem restrições orçamentais, de enviar doentes
ou amostras patológicas para o hospital para exames de diagnóstico e de enviar
doentes aos especialistas nos serviços hospitalares de consulta externa. A importância
das receitas e das taxas de orientação para outros médicos varia muito, conforme os
generalistas.
Se o doente recebe uma receita do generalista, pode levá-la ao farmacêutico. Nas
zonas rurais, no entanto, são os médicos que fornecem, eles próprios, os
medicamentos. Em 1990, o preço fixo da receita era de 3,05 libras. Muitos doentes
estão dispensados de pagar e os que não o estão podem comprar uma «assinatura», de
43,50 libras por ano, em 1990, que os dispensa de quaisquer outras despesas com
medicamentos.
Os serviços de cuidados hospitalares e comunitários
O generalista pode encaminhar o doente que, na sua opinião, necessita de um
diagnóstico ou de um tratamento especializados, para um hospital ou uma clínica com
vista a consulta externa de um especialista ou hospitalização imediata. Salvo em caso
de urgência, os doentes têm que esperar semanas, ou até meses, para obterem uma
consulta externa, no hospital, no quadro do NHS.
O especialista pode reenviar o doente para o generalista, pedir-lhe que volte para
uma outra consulta externa, mandá-lo hospitalizar ou inscrevê-lo numa lista de espera
quando não se trate de cirurgia vital. Mais tarde, os doentes podem ser enviados aos
serviços de medicina urbana que estão ligados aos hospitais, por exemplo para os
cuidados no domicílio. O doente ambulatório ou hospitalizado, tratado no do quadro
do Serviço Nacional de Saúde não é obrigado a qualquer pagamento.
Os doentes que necessitem de um tratamento que não esteja disponível num
hospital geral de distrito podem ser encaminhados para um hospital regional mais
especializado – muitas vezes um centro hospitalar universitário. Cuidados de longa
duração são administrados nos hospitais e estabelecimentos geriátricos e
psiquiátricos. Desde há mais de duas décadas, o governo adoptou a política de
transferir os cuidados de longa duração dos hospitais para casas residenciais
191
“medicalizadas” e para os cuidados ao domicílio. O Serviço Nacional de Saúde conta
muito poucos centros de longa permanência.
Os serviços de saúde privados
Os serviços de saúde privados constituem um sector de fraca dimensão mas em
desenvolvimento. O seu papel é, essencialmente, complementar do do NHS.
Proporcionam a escolha do médico, evitam as listas de espera para actos de cirurgia
não vital e oferecem normas mais elevadas de conforto e de intimidade do que as do
NHS. Os doentes recorrem, muitas vezes, simultaneamente aos serviços médicos
privados e ao Serviço Nacional de Saúde, mesmo no decurso de uma mesma série de
cuidados. Um doente pode, por exemplo, começar por consultar o seu generalista no
quadro do Serviço Nacional de Saúde, ser enviado a um especialista enquanto doente
do NHS, preferir os cuidados privados do mesmo especialista (todos os especialistas
titulares estão autorizados a tratar doentes privados) e regressar ao generalista, sempre
no quadro do NHS.
Todos os cuidados privados são efectivados com base no pagamento por acto.
Cerca de 8% das camas de hospital inglesas para cuidados destinados a doenças
agudas ou patologias graves são privadas – 6% nos hospitais independentes e 2% nos
hospitais públicos. Todavia, estas camas são, sobretudo, reservadas para a cirurgia
não vital e o sector privado assegura um quarto parte de certos tipos de operações e
metade das interrupções de gravidez efectuadas em Inglaterra (Higgins, 1988). Existe
um sector privado de cuidados de longa duração que se desenvolveu muito nos anos
80, devido ao alargamento das prestações de segurança social concebidas para cobrir
a totalidade ou parte das despesas.
Os serviços sociais pessoais
As pessoas que têm necessidade de cuidados de longa duração fora dos hospitais e
dos centros de longa permanência, e, em especial, as pessoas idosas frágeis, os
deficientes mentais e certos doentes mentais, podem obter cuidados em lares
residenciais ou ao domicílio, os quais são financiados pelas autoridades locais. O
pagamento destes serviços depende dos recursos do doente. Estão igualmente
disponíveis cuidados privados em estabelecimentos ou ao domicílio. Para as pessoas
de baixo rendimento, os estabelecimentos residenciais privados podem ser
financiados pela segurança social. A cobertura destas prestações aumentou fortemente
no decurso dos anos 80.
192
RELAÇÕES ENTRE OS DOENTES E OS TERCEIROS PAGADORES
No Reino Unido, o Serviço Nacional de Saúde representou, em 1989, cerca de
88% das despesas de saúde. O NHS é financiado, simultaneamente, pelo imposto
(79% das despesas), por contribuições de seguro nacional (16%), pelo preço pago
pelos doentes e por diversos outros pagamentos (5%).
Em 1988/89, o montante da contribuição nacional de seguro consagrada ao NHS
foi fixado em 0,95% das remunerações sujeitas a um “tecto” para assalariados e em
0,8% das remunerações sem “tecto” para os empregadores. Os trabalhadores
independentes pagam 1,75% do seu rendimento.
As despesas voluntárias representaram, em 1989, cerca de 12% do total das
despesas de saúde; aproximadamente de 70% deste valor foram consagrados a
despesas directas, nomeadamente à compra de medicamentos sem receita e cerca de
30% a despesas de seguro de doença privado, sobretudo para a cirurgia não vital.
Cerca de 11% da população estão cobertos por um seguro de doença privado
fornecido principalmente por seguradores sem fim lucrativo em concorrência entre si.
Os subscritores são, na sua maior parte, quadros superiores e trabalhadores
independentes, dos quais muitos vivem no Sudeste de Inglaterra. Cerca de metade
destes segurados está coberta por seguros de grupo, cujos prémios são pagos pelos
empregadores. Estes prémios somam-se ao rendimento colectável, salvo para os que
ganham menos de 8 500 libras por ano, isto é, abaixo do salário médio. Os prémios de
grupos são geralmente determinados em função da experiência, enquanto os prémios
individuais são função da idade e aumentam muito fortemente para as pessoas idosas.
A cobertura é muito menos completa do que no NHS. Em geral, as prestações
limitam-se aos cuidados hospitalares agudos não urgentes e às consultas dos
especialistas. Cerca de 70% dos tratamentos de doenças graves em clínica privada são
financiados pelos seguro (Laing, 1991). Uma parte crescente das apólices de seguro
não só impõe franquias ou uma taxa moderadora, mas também limita a cobertura a
certas categorias de estabelecimentos hospitalares ou não fornece prestações de
hospitalização senão aos segurados que figuram nas listas de espera do NHS. Aos
candidatos ao seguro pode ser recusada a assunção do risco de afecções préexistentes.
Os serviços sociais pessoais são financiados pelas autoridades locais,
simultaneamente, através dos impostos que cobram e de recursos nacionais, e ainda
de uma comparticipação dos utentes. No decurso dos anos 80, as despesas privadas
referentes aos centros de longa permanência em lares residenciais independentes
foram cada vez mais da responsabilidade da segurança social.
193
RELAÇÕES ENTRE OS TERCEIROS PAGADORES E OS PRESTADORES
As despesas respeitantes ao Serviço Nacional de Saúde são fixadas pelo governo
aquando do exame anual das despesas públicas, separadamente para a Inglaterra, a
Escócia, o País de Gales e a Irlanda do Norte. A descrição que se segue aplica-se à
Inglaterra. São atribuídas ao Ministério da Saúde verbas separadas para a medicina
familiar e para os serviços de cuidados hospitalares e comunitários. Estas últimas, que
representam cerca de dois terços do total das despesas, têm um “tecto”. Uma vez
fixado o orçamento anual, que prevê em geral subidas de salários e de preços em
relação ao ano anterior, assim como aumentos de eficácia e uma margem para o
crescimento, não pode, em princípio, ser revisto no decurso do ano. No essencial, a
medicina familiar não tem “tecto” e é, muitas vezes, descrita como «induzida pela
procura». Os planos de despesas apoiam-se em previsões; verbas suplementares
podem, por vezes, ser liberadas durante o ano, na sequência de um crescimento
imprevisto do volume ou dos preços. Medidas de intervenção sobre os preços e/ou
sobre o volume das prestações permitem, no entanto, controlar as despesas.
Serviços de generalistas e serviços farmacêuticos
Os generalistas são contratantes independentes remunerados com base no
reembolso das suas despesas, acrescido de uma margem. Esta margem, assim como
uma parte das suas despesas, são pagas segundo certas modalidades: montante fixo
por doente, pagamento por acto e abono de prática em consultório. Existem três níveis
de pagamento por capitação, segundo a idade do doente. As visitas de noite e as
vacinações são remuneradas por acto. Os abonos de prática dizem respeito a
elementos como as despesas de instalação e a antiguidade. As outras despesas –
rendas e taxas – são pagas directamente.
A remuneração média e as despesas pagas indirectamente constituem o objecto de
uma recomendação anual por um organismo independente, o Conselho de Exame da
Prática Médica e Dentária (Doctors' and Dentists' Review Body, DDRB). Se bem que
não seja obrigado a fazê-lo, o governo aceita, em geral, as recomendações deste
organismo. O sistema está concebido de maneira a pagar exactamente a remuneração
prevista e as despesas indirectas do generalista médio. Os médicos que atraiam mais
doentes que a média ou cujas prestações ultrapassem o volume médio de serviços
pagos podem ser remunerados mais largamente. Os generalistas cujas despesas
ultrapassem a média devem tomar a seu cargo o suplemento das despesas. Se os
generalistas ultrapassam, em média, as prestações previstas, os honorários e abonos
são reduzidos de modo a corresponderem à remuneração média prevista. No entanto,
se, em média, as despesas dos generalistas forem iguais ou inferiores às despesas
previstas, os honorários e indemnizações são aumentados ou reduzidos de maneira a
corresponderem às suas despesas reais. O custo dos serviços dos médicos de família
194
cresce proporcionalmente ao aumento do número de generalistas, dado que, por cada
novo médico, um rendimento bruto médio suplementar é acrescentado ao fundo a
reservar para repartição.
Antes de Abril de 1989, os farmacêuticos - profissionais independentes como os
generalistas – eram remunerados com base no reembolso das despesas, mais uma
margem pela prestação de serviços ao NHS. Desde então, o organismo que representa
os farmacêuticos negociou todos os anos com o Ministério da Saúde uma soma global
com base na qual os farmacêuticos são remunerados pelo aviamento dos
medicamentos por receita, segundo uma escala degressiva, em função do volume das
receitas. Os farmacêuticos recebem também 5% do custo líquido dos ingredientes dos
medicamentos. Se o número de receitas não atingir o nível previsto pelo Ministério da
Saúde (e com base no qual são calculados os honorários), um pagamento fixo
reconduz a remuneração ao nível previsto.
Os preços dos medicamentos são controlados por um sistema de regulamentação
dos preços farmacêuticos. O Ministério da Saúde fixa a taxa de lucro máxima que os
laboratórios farmacêuticos estão autorizados a alcançar pelo conjunto das suas vendas
de medicamentos ao Serviço Nacional de Saúde. Deixa-lhes a liberdade de fixarem os
preços dos produtos, mas pode recusar subidas de preços que tivessem por efeito
elevar o nível dos lucros acima do nível estipulado. O Ministério examina as receitas
e as despesas das sociedades e impõe um “tecto” à parte do volume de negócios que
os laboratórios estão autorizados a consagrar à comercialização e à promoção dos
produtos.
Serviços de cuidados hospitalares e comunitários
Antes de Abril de 1991, os serviços de cuidados hospitalares e comunitários eram
financiados e geridos pelas administrações sanitárias regionais e de distrito. O
Ministério da Saúde atribuía dotações às autoridades regionais de saúde para
financiarem as despesas de funcionamento e de equipamento dos serviços; estas
dotações estavam sujeitas a um “tecto”. As regiões atribuíam, por sua vez, verbas aos
distritos.
Desde meados dos anos 70, os governos que se sucederam esforçaram-se por
melhorar a equidade geográfica das despesas consagradas aos serviços hospitalares e
comunitários. Foi criado um grupo de trabalho sobre a afectação dos recursos
(Resource Allocation Working Party, RAWP), que fixou objectivos de atribuição de
fundos às autoridades sanitárias regionais em função da importância, da composição
demográfica e da mortalidade “estandardizada” das suas populações, com imputações
distintas para os fluxos interregionais de doentes, para os centros hospitalares
universitários e para Londres. Na altura da introdução da fórmula, as afectações reais
eram muito diferentes destes objectivos mas, na maioria das regiões, foram
195
progressivamente aumentadas para atingirem os objectivos fixados com alguns pontos
de diferença (Social Services Committee, 1989). O mesmo processo de atribuição dos
recursos é aplicado entre as administrações sanitárias regionais e as de distrito, mas as
desigualdades a esse nível eliminam-se mais lentamente.
Antes de Abril de 1991, eram atribuídos aos serviços de cuidados hospitalares e
comunitários orçamentos globais, calculados sobretudo em função do passado. Em
geral, o orçamento comportava acréscimos para as previsões de aumento dos salários
e dos preços, assim como melhorias previstas dos serviços e deduções para as
melhorias de eficácia previstas. Até estes últimos tempos, a subcontratação destes
serviços com o sector privado era relativamente pouco importante, mas, desde meados
dos anos 80, a lei obriga a recorrer a concursos para os serviços de limpeza, de
restauração e de lavandaria nos hospitais.
Os médicos dos hospitais e dos serviços de cuidados comunitários são assalariados,
podem trabalhar a tempo parcial e receber prémios. A sua remuneração, como a dos
generalistas, está sujeita a um exame anual por um organismo independente, mas o
governo não está vinculado às suas recomendações. Muitos especialistas recebem
também honorários a título privado. Um outro organismo independente emite
recomendações sobre a remuneração dos enfermeiros e de outras categorias de
pessoal. Os vencimentos e salários dos outros membros do pessoal hospitalar são
fixados à escala central, no decurso de negociações directas entre representantes dos
empregadores e do pessoal.
As atribuições de dotações de equipamento são igualmente função dos objectivos
fixados em virtude da fórmula RAWP. Uma parte é repercutida sobre as autoridades
sanitárias de distrito para pequenos projectos de construção e para a compra de
material; uma outra parte é conservada pelas autoridades sanitárias regionais para o
financiamento de projectos importantes. As regiões desempenham um papel-chave na
planificação destes projectos. Antes de Abril de 1991, as despesas de equipamento
eram amortizadas aquando do acabamento dos projectos. Por outras palavras, não
havia tomada em conta ulterior da amortização ou dos juros.
Seguradores privados
Os seguradores privados aplicam tradicionalmente o princípio do reembolso,
preferindo reembolsar os doentes das facturas médicas a celebrarem contratos directos
com os prestadores para fornecimento de serviços aos seus beneficiários. Mas, perante
as fortes subidas dos custos, as negociações directas entre seguradores e prestadores
tornam-se mais correntes. Em geral, os seguradores tentaram convencer os
prestadores a limitarem os seus preços em troca da sua inscrição numa lista de
estabelecimentos homologados no quadro das suas apólices (Laing et al., 1988).
Desde há anos, são aplicados limites máximos de reembolso dos honorários para as
196
consultas médicas e o corpo médico tende a conformar-se com isso, o que significa
que há poucos excedentes de honorários. Este dispositivo parece-se com o de
«prestador preferencial», nos Estados Unidos, e serve para dominar os preços mais do
que o volume, o qual é determinado pelos médicos e seus doentes. Para regular o
volume, os seguradores examinam, cada vez mais atentamente, os pedidos de
reembolso e procuram impor cuidados «geridos».
Serviços sociais pessoais
Os serviços sociais pessoais financiados pelos poderes locais comportam serviços
integrados (por exemplo, lares pertencendo aos poderes locais que os financiam) e
serviços contratuais (por exemplo, centros de longa permanência, propriedade do
sector filantrópico e geridos por ele). Os cuidados privados no domicílio e em
estabelecimentos podem também ser financiados pela segurança social.
PLANEAMENTO E REGULAMENTAÇÃO PELO ESTADO
O Serviço Nacional de Saúde é um sistema administrado, se bem que deixe aos
médicos e a outros profissionais de saúde uma grande autonomia profissional. A
política está centralizada no Ministério da Saúde (em Inglaterra), mas a gestão dos
serviços está, em parte, descentralizada.
Os profissionais de família (médicos generalistas e farmacêuticos) são
independentes e exercem, de facto, de forma liberal. A sua relação com o Serviço
Nacional de Saúde é contratual. Os contratos são administrados localmente (pelas
comissões de generalistas, em 1989), mas as decisões gerais relativas à política e ao
financiamento estão centralizadas no Ministério da Saúde.
Em 1989, os serviços de cuidados hospitalares e comunitários eram geridos, em
Inglaterra, por directores gerais colocados sob a supervisão de 14 administrações
sanitárias regionais não eleitas e 192 administrações sanitárias de distrito, cujos
presidentes eram nomeados pelo Secretário de Estado da Saúde. A maior parte das
decisões quotidianas de gestão dos serviços de cuidados hospitalares e comunitários
era delegada nas administrações sanitárias de distrito e, abaixo delas, aos gestores das
unidades. As administrações sanitárias regionais estavam encarregadas: da atribuição
de orçamentos aos distritos; da planificação estratégica e do seu acompanhamento; da
gestão de certos serviços regionais; da gestão dos contratos dos médicos titulares e
das decisões concernentes às grandes despesas de investimento.
O Ministério da Saúde conservava a responsabilidade pela legislação e pela
política geral. Participava igualmente na tomada de certas decisões de gestão
estratégica, tais como:
− a atribuição de orçamentos às administrações regionais de saúde;
197
− a negociação dos vencimentos e salários dos elementos do pessoal que não
são profissionais de saúde;
− a negociação dos preços dos medicamentos no quadro do sistema de
regulamentação dos preços dos produtos farmacêuticos; e
− a aprovação das decisões relativas às principais despesas de equipamento e
aos encerramentos de hospitais.
Desde meados dos anos 70, as administrações sanitárias regionais são obrigadas a
submeter planos formais ao Ministério da Saúde. No princípio dos anos 80, o sistema
de planificação foi revisto e completado por um sistema de exames regionais que põe
a tónica no acompanhamento dos resultados recentes. Directores-gerais (com
remuneração dos directores por mérito) foram colocados à frente dos serviços de
cuidados hospitalares e comunitários, em meados dos anos 80, consistindo o princípio
da gestão na delegação para baixo e na responsabilização para cima.
Até estes últimos tempos, a qualidade no seio do NHS foi desigual. Um «inquérito
confidencial», conduzido durante um período bastante longo, incidiu sobre os óbitos
maternos e, mais recentemente, dois inquéritos confidenciais incidiram sobre os
óbitos peri-operatórios. Um Serviço Consultivo de Saúde independente vigia, através
de visitas periódicas aos distritos, os serviços destinados às pessoas idosas e aos
doentes mentais. Em cada distrito, um Conselho de Cuidados Comunitários representa
os interesses dos consumidores e existem procedimentos que permitem dar
seguimento às reclamações.
O sector independente da saúde é relativamente livre, se bem que os hospitais,
clínicas e centros de longa permanência privados devam ser registados e
inspeccionados pelas administrações sanitárias de distrito.
Os serviços sociais pessoais são geridos principalmente pelos poderes locais. A
responsabilidade pelas contribuições das finanças centrais para as finanças públicas
locais incumbe ao Ministério do Ambiente. O Ministério da Saúde é responsável pela
política ao nível do governo central.
CRESCIMENTO E DESEMPENHO
Em resumo, o Reino Unido dispõe de um Serviço Nacional de Saúde global
financiado pelo imposto, completado por um pequeno sector independente. As
despesas do NHS são decididas pelo Governo. A quase totalidade das despesas está
sujeita a um limite máximo e, quanto ao resto, o controlo financeiro da administração
central é bastante estrito. Uma grande parte dos cuidados extra-hospitalares do NHS é
fornecida por contratantes independentes, mas os cuidados hospitalares e no domicílio
são assegurados por organismos públicos e por pessoal assalariado.
198
O quadro 10.1 mostra que a parte do PIB consagrada às despesas de saúde passou
de 4,5%, em 1970, a 5,8%, em 1980, e a 6,2% em 1990. O PIB aumentou muito
sensivelmente no decurso dos anos 80, de tal forma que a estabilidade do peso
relativo das despesas de saúde foi acompanhada por um crescimento das despesas
reais do Serviço Nacional de Saúde. Todavia, uma grande parte deste crescimento
corresponde a aumentos dos preços relativos da produção dos serviços de saúde, em
particular da remuneração dos médicos e do pessoal de enfermagem em função das
recomendações dos organismos independentes de verificação.
Em volume, as despesas correspondentes aos serviços dos generalistas aumentaram
em perto de 2,2% por ano e as correspondentes aos serviços de cuidados hospitalares
e comunitários cerca de 0,7% por ano, entre 1979/80 e 1988/89 (Comissão dos
Serviços Sociais, 1989). Além disso, a produtividade aumentou nos serviços de
cuidados hospitalares e comunitários. Um índice de actividade, ponderado em função
dos custos, indica um aumento de cerca de 2% por ano no decurso do mesmo período
(Social Services Committee, 1990). As despesas de saúde que não relevam do NHS
aumentaram mais rapidamente do que as despesas no âmbito do NHS: entre 1980 e
1989, passaram de 8 a 12% do montante total das despesas de saúde.
Calculadas na base das paridades do poder de compra, as despesas de saúde por
habitante foram, em 1987, de 758 dólares, isto é, mais 45% que em Espanha e menos
44% que na Alemanha. Se as apreciarmos através da análise de regressão que
relaciona as despesas de saúde por habitante com o PIB por habitante para os países
da OCDE em 1987 (Schieber e Poullier, 1989), as despesas totais de saúde por
habitante foram muito nitidamente inferiores ao que se esperaria para um país com o
nível de vida do Reino Unido.
Segundo o quadro 10.2, o Reino Unido contava menos médicos e menos camas de
hospitalares para doenças graves por cada 1000 habitantes do que os seis outros
países estudados. Ficava em quinto lugar entre os sete quanto à taxa de consultas de
médicos e quanto à taxa de hospitalização por doenças graves. Era o segundo quanto à
brevidade das hospitalizações agudas. O Reino Unido era o sexto dos sete países no
respeitante ao número de receitas prescritas por pessoa, segundo um estudo
comparativo aprofundado realizado em 1982. Todos estes números, com excepção
dos concernentes aos médicos, entendem-se com exclusão do (pequeno) sector
independente. Os internamentos nesse sector independente não teriam, todavia,
acrescentado senão 6% à taxa de internamentos por doenças graves.
No sector independente, o número de segurados voluntários aumentou mais de
50%, entre 1980 e 1989, atingindo cerca de 11% da população. Houve, todavia,
problemas quanto à contenção dos custos, e o prémio médio por segurado, no decurso
do mesmo período, aumentou aproximadamente 95% em termos reais (Laing, 1991).
199
O quadro 10.3 leva a pensar que o Reino Unido tinha estatísticas de saúde
relativamente melhores do que se podia esperar dos seus níveis relativamente baixos
de despesas e de actividades de saúde: entre os sete países estudados, o Reino Unido
ocupava o segundo lugar quanto à mortalidade perinatal e o terceiro quanto à
esperança de vida masculina à nascença. No entanto, ocupava somente o sexto lugar
quanto à esperança de vida feminina à nascença. O Reino Unido era o segundo quanto
à rapidez da queda da mortalidade perinatal, entre 1980 e 1989.
No que diz respeito à satisfação do público em relação aos serviços de saúde, o
inquérito internacional descrito no capítulo 10 (Blendon et al., 1990) mostra que
somente 27% dos Britânicos estavam satisfeitos com o seu sistema de cuidados,
contra 47% da população nos Países Baixos, 41% na República Federal da Alemanha
e 41% na França. É preciso, no entanto, notar que o inquérito britânico foi efectuado
em 1988, época em que o governo empreendia um exame do Serviço Nacional de
Saúde e em que o futuro deste suscitava um debate sem precedentes.
Verificava-se, cada vez com mais claramente, no decurso dos anos 80, que
existiam grandes diferenças de desempenho, tanto entre hospitais como entre médicos
generalistas. As taxas de hospitalização preconizadas pelos generalistas, as taxas de
internamento, a duração dos internamentos hospitalares e os custos unitários, por
exemplo, diferem muito sensívelmente (Smee e Parsonage, 1990). O objectivo do
governo era elevar as normas de eficácia de todos os hospitais e generalistas ao nível
das melhores.
Se bem que os serviços parecessem suficientes em termos de estado de saúde e
que, na sua maioria, os doentes tratados tivessem ficado «bastante satisfeitos» ou
«muito satisfeitos» com os cuidados que receberam (Davies, 1989), constatavam-se
certas incapacidades de dar resposta às necessidades e às preferências dos
consumidores. A mais visível era a extensão das listas de espera para a cirurgia não
vital (Yates, 1987). Em 1990, mais de 900 000 pessoas figuravam nas listas de espera
do NHS, só na Inglaterra. Embora o tempo de espera médio dos doentes tratados não
fosse senão de cinco semanas, 23% dos que estavam ainda à espera encontravam-se
nessa situação há 12 meses ou mais. Menos evidentes, mas igualmente lamentáveis,
eram os longos prazos por vezes necessários para obter uma consulta de especialista
nos serviços de consultas externas dos hospitais (National Audit Office, 1991).
Além disso, a qualidade das consultas externas dos hospitais deixava
frequentemente muito a desejar. Os edifícios tinham por vezes um aspecto degradado
e miserável. Em certos casos, os doentes esperavam longas horas no próprio serviço
de consultas externas e, em geral, não tinham senão 60% de probabilidades
aproximadamente de encontrar um médico titular na primeira consulta em vez de um
interno. A própria consulta podia ser breve e impessoal. Havia um contraste muito
acentuado com o sector privado britânico: « ... numa consulta externa o doente escuta
o médico, enquanto na clientela privado é o médico que escuta o doente» (Sir Thomas
200
Holmes Sellors, citado in Open University, 1985). Estas diferenças devem ser
consideradas, no entanto, como relativas: pessoas que tinham um seguro privado
recorriam, apesar disso, ao Serviço Nacional de Saúde para quatro quintos das suas
consultas externas e para metade das suas hospitalizações (Day e Klein, 1989).
Ao nível dos generalistas, as condições eram habitualmente melhores, favorecendo
o recurso ao médico de família a continuidade dos cuidados, apesar das dificuldades
de acesso nas regiões desfavorecidas, da insuficiência dos sistemas de consultas e da
brevidade destas. Se bem que a duração média das consultas tenha aumentado,
passando de cinco minutos, nos anos 50 e 60, para cerca de oito minutos nos anos 80,
continuava a ser curta comparada com a de outros países da OCDE (Wilson, 1991).
Várias razões foram apresentadas para estas insuficiências.
Em primeiro lugar, os doentes, beneficiando virtualmente da gratuitidade, não têm
nenhuma razão para restringirem a sua procura. No que diz respeito à oferta, pelo
contrário, os serviços são racionados por diversos meios: capitação para os
generalistas, salário para os outros médicos e orçamentos globais para os serviços
hospitalares e assimilados. É a combinação destas disposições, ao nível da procura e
oferta, que alimenta as listas de espera.
Em segundo lugar, antes das reformas de 1989, que visavam estimular os
generalistas a corresponderem melhor à procura dos seus doentes, praticamente não
havia escolha. Os doentes não eram encorajados a mudarem de generalista, como
tinham o direito de fazer. No caso dos serviços hospitalares, os orçamentos globais,
assim como a remuneração dos médicos através de salários significava que «o
dinheiro não seguia o doente», e que, por isso, a escolha do hospital pelo doente e
pelo médico não se traduzia em ganhos suplementares para os melhores hospitais. Os
bons resultados podiam ser recompensados não por acréscimo de recursos, mas por
acréscimo de trabalho (Enthoven, 1985). Um balanço medíocre podia ser
recompensado não por uma perda de rendimentos, mas por uma vida mais fácil. Uma
longa lista de espera podia ser uma arma que permitisse aos especialistas reivindicar
mais recursos a um hospital ou à administração sanitária do distrito.
Em terceiro lugar, a prestação de serviços pelos médicos correspondia mais às
necessidades clínicas apercebidas do que às preferências do consumidor (O'Higgins,
1989). Isso era muitas vezes justificado, uma vez que o médico é soberano e não o
doente. Mas, de uma forma geral, as decisões eram dominadas pelos prestadores que
tinham geralmente interesse nos resultados.
Em quarto lugar, embora orçamentos apertados criem um clima geral de
racionamento, havia poucas outras incitações – tirando a exortação – à redução de
despesas. Antes dos anos 80, acontecia que os hospitais que fizessem regularmente
economias constassem que o montante correspondente ia para outros agentes do
sistema. A existência dos orçamentos globais e a ausência da indicação fornecida
201
pelos preços no conjunto do sistema levavam os prestadores a considerarem os
recursos – sobretudo os que iam para um outro detentor de orçamento para o qual o
doente pudesse ser dirigido - como «bens gratuitos». Como não havia contabilização
dos bens de equipamento pós a aquisição, podiam também considerá-los como «bens
gratuitos».
Em quinto lugar, os serviços hospitalares padeciam de uma gestão fragmentada. Os
médicos tinham autonomia clínica, mas participavam relativamente pouco na gestão
global. Os gestores, apesar dos poderes neles delegados quanto à utilização dos seus
orçamentos, tinham apenas uma influência limitada sobre os médicos.
Finalmente, as informações sobre os custos unitários e os resultados não existiam
ou então eram subutilizadas. A noção de racionamento clínico não baseado nos preços
e a falta de concorrência não favoreciam a produção nem a utilização de informação
sobre as vantagens e os custos.
Estas circunstâncias – em especial, a ausência de escolha real do lado da procura –
contribuíam muito, com excessiva frequência, para fazer do serviço de saúde num
serviço rígido, paternalista e, sob certos pontos de vista, sem consideração pelos
doentes. Se as situações de grande urgência desencadeavam, em geral, cuidados
rápidos e eficazes, o tratamento de doenças menores, crónicas e difíceis de tratar, em
particular pelos especialistas, podia ser tardio, incómodo e impessoal. E, a avaliar pela
evidência crescente da variabilidade dos indicadores de desempenho evocada atrás, a
eficácia da gestão fragmentada dos hospitais era, no mínimo, desigual.
Os serviços sociais pessoais geridos pelas autoridades locais apresentavam
deficiências bastante semelhantes. No entanto, um dos principais assuntos de
preocupação para o governo, nos finais dos anos 80, no domínio dos cuidados de
longa duração, foi o crescimento rápido dos cuidados em estabelecimentos privados
financiados por um orçamento de segurança social sem limite máximo. Este
crescimento não só suscitou graves problemas de contenção dos custos, mas também
ia ao arrepio da política do governo que consistia em manter, pelo mais longo tempo
possível, as pessoas idosas e deficientes em suas casas.
CONTEXTO DAS REFORMAS DOS ANOS 80
O Serviço Nacional de Saúde era, em muitos aspectos, uma boa instituição antes
das reformas expostas no Livro Branco de 1989, Working for Patients. Assegurava o
acesso universal aos cuidados de médicos em função das necessidades. Previa a
protecção do rendimento em caso de doença. Utilizava os serviços de médicos
conscienciosos e competentes, a quem concedia uma larga autonomia no plano clínico
(e, no caso dos generalistas, no plano da gestão). Era também relativamente pouco
oneroso em termos de administração. Segundo uma estimativa, situando-se em 6% do
total das despesas, os encargos de administração representavam menos de um terço
202
dos encargos correspondentes nos Estados Unidos, onde eram de 22% (Himmelstein e
Woolhandler, 1986). Além disso, segundo os indicadores de resultados que existiam,
os serviços de saúde, no Reino Unido, eram suficientemente eficazes.
No entanto, o Serviço Nacional de Saúde tinha conhecido, desde sempre, um certo
número de problemas, alguns dos quais se agravaram nos anos 80. Um deles era a
controvérsia persistente sobre o nível das despesas. Os governos conservadores, que
se sucederam no decurso dos anos 80, estavam decididos a fazer com que as despesas
públicas absorvessem uma parte cada vez menos importante do rendimento nacional;
ora, eles aumentaram de facto as despesas reais de saúde. Isso não impediu os críticos
de afirmarem que o aumento real do orçamento dos serviços de saúde hospitalares e
comunitários não era suficiente para responder ao aumento da procura provocada pela
evolução demográfica, a qual se admite aumentar as necessidades de 1% por ano, pela
aplicação de novas técnicas médicas onerosas e pelas melhorias dos serviços previstas
(Social Services Committee, 1986; Robinson e Judge, 1987). O governo reagiu a
essas críticas objectando que aumentos de produtividade, correspondentes a cerca de
1,4% dos custos de funcionamento, se produziam todos os anos nos hospitais a partir
da segunda metade da década (Harrison, 1990). Por outras palavras, não se devia
avaliar o desempenho pelo nível das verbas atribuídas ao NHS, mas pelos resultados.
Isso não impediu o governo de ficar sujeito a uma pressão crescente do nível das
despesas do Serviço Nacional de Saúde, antes de ser empreendida a Auditoria Interna,
em Janeiro de 1988. O governo abordou esta Auditoria com a convicção de que o
meio de corresponder ao crescimento da procura não consistia em injectar mais
dinheiro nos serviços de saúde mas em aumentar ainda mais a produtividade e em
reformar, ao mesmo tempo, a sua organização e a sua gestão (Working for Patients,
1989).
REFORMAS DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE NOS ANOS 80
Reformas anteriores à Auditoria de 1988/89 ao NHS
Antes da grande reforma anunciada em Janeiro de 1988, o governo levou a efeito,
no decurso dos anos 80, várias reformas de menor amplitude, mas importantes, do
Serviço Nacional de Saúde.
Em 1982, aboliu todo um escalão da hierarquia sanitária criado na sequência de
uma reorganização anterior, em 1974. Introduziu também auditorias sistemáticas
anuais do balanço das administrações sanitárias regionais e de distrito e começou a
elaborar um conjunto de indicadores de desempenho, ao nível das regiões, dos
distritos e das unidades, pondo particularmente a tónica na medição da sua actividade
e dos seus custos unitários. Auditorias similares foram instituídas, em 1985, para as
comissões de generalistas.
203
Em 1983, o governo encarregou Sir Roy Griffiths – director geral da cadeia de
supermercados Sainsbury – de proceder a um exame da gestão do NHS. Griffiths
diagnosticou um estado de «estagnação institucionalizada»: «Se Florence Nightingale
andasse com a sua lamparina pelos corredores do NHS, seria quase de certeza à
procura dos responsáveis» (Griffiths, 1983). Griffiths recomendou a substituição do
sistema existente de gestão consensual por um sistema de direcção geral em todo o
serviço de saúde, com conselhos de supervisão e de gestão sedeados no Ministério da
Saúde. Os directores gerais poderiam vir do exterior e a retribuição deveria ser
estabelecida em função do seu mérito.
Também em 1983, as autoridades sanitárias de distrito foram obrigadas a abrir
concursos públicos para os trabalhos de limpeza, lavandaria e de restauração nos
serviços de cuidados hospitalares e comunitários. As empresas privadas foram
encorajadas a fazerem concorrência aos serviços existentes, que utilizavam para este
efeito o seu próprio pessoal.
Em 1980 e 1985, um exame das necessidades de informação do NHS conduziu a
revisões muito importantes do sistema de recolha das estatísticas e os novos dados
começaram a ficar disponíveis em 1987/88. A partir de meados dos anos 80, foram
feitas experiências em alguns grandes hospitais no quadro da «iniciativa de gestão dos
recursos». O objectivo era encorajar a cooperação entre médicos e gestores e
melhorar a qualidade das informações que pudessem servir de base a decisões.
Em 1984, foi elaborada uma lista limitativa de medicamentos reembolsáveis que
teve como principal efeito eliminar um grande número de medicamentos até então
reembolsáveis pelo NHS.
Em 1987, após uma consulta pública, o governo publicou um Livro Branco sobre
os serviços dos generalistas da época (Promoting Better Health, 1987). Um dos
principais objectivos deste Livro Branco era propor meios de estimular os generalistas
a responderem melhor às necessidades dos seus doentes. Tratava-se de tornar mais
rigorosas as suas condições de exercício e de incrementar a concorrência entre
médicos. A concorrência aumentaria se o elemento “capitação” da remuneração dos
generalistas fosse aumentado, facilitando-se a mudança de médico pelos doentes e
pedindo aos médicos que dessem mais informações sobre os serviços que ofereciam
(por exemplo, os seus horários de consulta).
O Livro Branco continha também propostas tendentes a: estimular as prestações de
serviços de prevenção, pagando aos generalistas para atingirem certos objectivos em
matéria de vacinação das crianças ou de endoscopia vaginal, por exemplo; reforçar as
equipas de cuidados primários, autorizando os médicos a recrutarem mais pessoal;
finalmente, incentivar o recurso aos cuidados de generalistas, de preferência a
cuidados hospitalares, pagando, por exemplo, honorários aos generalistas para que
eles praticassem actos de pequena cirurgia. Embora estas propostas não tenham sido
204
bem acolhidas pelos generalistas, o Ministério da Saúde introduziu, em 1990, um
novo tipo de contrato (Health Department of Great Britain, 1989).
A Auditoria de 1988/89 ao NHS
A Auditoria de 1988/89 ao NHS foi provocada por uma crise de confiança do
público no financiamento e no desempenho do Serviço de Saúde. Day e Klein (1989)
escreviam, a propósito da situação em 1987: «Nunca anteriormente na história do
NHS tinha havido uma tal manifestação pública de inquietação, à qual se associaram
todas as personalidades com autoridade na matéria». O governo reagiu em Janeiro de
1988, organizando uma Auditoria interna presidida por Margaret Thatcher, Primeiro
Ministro da época. Esta Auditoria foi acompanhada de um debate público sem
precedentes, sobre o financiamento e a organização do NHS (Brazier, Hutton e
Jeavons, 1988; Goldsmith e Willetts, 1988; Institute of Health Services Management,
1988; King's Fund Institute, 1988; Robinson, 1988). Algumas das principais ideias
adoptadas na reforma tinham já sido avançadas por Maynard (1986) e Enthoven
(1985).
O Livro Branco, Working for Patients (1981), que resultou da Auditoria, continha
propostas que visavam melhorar o NHS, tirando partido dos seus pontos fortes e
atacando os seus pontos fracos. Não propunha nenhuma alteração das fontes de
financiamento nem, por conseguinte, da procura dos doentes. Previa que as prestações
continuassem a ser financiadas pelo imposto e fossem, na sua maior parte, gratuitas
para o doente. Devia, no entanto, haver uma separação entre a compra e a prestação
de serviços hospitalares, através dos contratos. As autoridades sanitárias de distrito
tornar-se-iam, na maior parte dos casos, os compradores dos serviços hospitalares.
Certos generalistas poderiam candidatar-se à transferência para eles de uma parte do
orçamento hospitalar, para se tornarem eles próprios compradores. Ao mesmo tempo,
os hospitais públicos bem geridos deixariam de estar sob o controlo das autoridades
sanitárias de distrito e poderiam tornar-se autónomas.
Na realidade, estas modificações redundavam num afastamento do modelo
integrado e numa aproximação do modelo contratual para os serviços hospitalares
com uma forma de concorrência gerida ao nível da oferta. Os serviços de saúde
familiar deviam ser colocados sob a vigilância das administrações sanitárias
regionais. Todas estas propostas deviam incrementar a flexibilidade e a eficácia do
NHS sem lhe reduzir a equidade. Quando os meios utilizados para fornecer serviços
médicos compreendiam mercados geridos, o pagamento dependia da possibilidade de
pagar e o tratamento dependia das necessidades.
O gráfico 9.2 mostra algumas das principais modificações propostas no Livro
Branco. Se se comparar o gráfico 9.2 com o gráfico 9.1 constata-se que:
− as fontes de financiamento permanecem inalteradas;
205
− os prestadores passam a englobar generalistas detentores de «orçamentos»
(hospitalares) e fundações hospitalares autónomas;
Gráfico 9.2 – O sistema de saúde britânico após as reformas de 1989
− os generalistas e os hospitais públicos aparecem agora como múltiplos (os
primeiros em consequência do Livro Branco de 1987), quer dizer que há
concorrência ou possibilidade de concorrência;
− as autoridades sanitárias de distrito passam a figurar entre os terceiros
pagadores e têm relações contratuais com os hospitais públicos (e
eventualmente com hospitais independentes);
206
− as
«autoridades de saúde familiar» (anteriormente comissões de
generalistas) relevam agora das autoridades sanitárias regionais;
− os generalistas detentores de «orçamentos hospitalares» recebem-nos
directamente das autoridades sanitárias regionais.
Os outros elementos das reformas são indicados adiante.
Médicos generalistas e cuidados farmacêuticos
i)
Os grandes consultórios de grupo (mais de 9 000 doentes) deviam obter a
possibilidade de uma transferência voluntária para eles de uma parte dos
fundos destinados aos hospitais, a fim de cobrirem o custo provável dos
exames, das consultas externas e de certos actos de cirurgia não vital
efectuados no hospital. O objectivo era permitir «ao dinheiro seguir o
doente» e reforçar a posição do generalista (e, por conseguinte, ao doente)
em face do hospital. Tratava-se, também de levar os generalistas a
tomarem consciência dos custos hospitalares. Os generalistas detentores
desses orçamentos deviam respeitar um orçamento fixo no respeitante às
suas prescrições de medicamentos. Os orçamentos hospitalares e das
receitas de medicamentos seriam agrupados com os orçamentos existentes
para os custos de pessoal e para os melhoramentos das instalações do
grupo médico. As economias realizadas no âmbito de uma rubrica
poderiam ser transferidas para uma outra rubrica. No princípio, os
orçamentos dos consultórios de grupo seriam fixados em função dos
números anteriores respeitantes às receitas médicas e à orientação dos
doentes para serviços hospitalares, mas, posteriormente, seriam
estabelecidos segundo o princípio das capitações ponderadas. Se a
despesa respeitante ao orçamento de um doente ultrapassasse 5 000 libras
no decurso de um exercício financeiro, a administração de saúde regional
financiaria o suplemento de custo.
ii) Os outros consultórios de generalistas obteriam orçamentos de receitas
indicativos, baseados nas receitas anteriores, que comportariam pela
primeira vez directivas concernentes às despesas farmacêuticas para cada
consultório, sendo o objectivo reduzir as despesas ao tornar os
generalistas mais conscientes dos custos das receitas
iii) Todas as autoridades sanitárias de distrito seriam incitadas a entabular um
diálogo com os generalistas a respeito dos seus hábitos de orientação de
doentes para os hospitais, dado que incumbiria aos distritos, em conjunto
com os generalistas, celebrar contratos com os hospitais em relação aos
doentes enviados pelos generalistas, à margem do orçamento que lhes é
atribuído.
207
iv) Finalmente, seria pedido aos generalistas que, em conjunto com os seus
colegas, tomassem disposições no sentido de controlar a qualidade dos
cuidados.
Serviços de cuidados hospitalares e comunitários
i)
Os hospitais bem geridos do NHS poderiam candidatar-se à transformação
em «fundações» auto-geridas no seio do NHS, que fariam concorrência
umas às outras e teriam certas liberdades novas como o poder de fixar a
remuneração e as condições de trabalho do seu pessoal, de acumular
excedentes, de contrair empréstimos até um certo limite anual global e de
dispor dos seus próprios activos. Seriam financiados por contratos com as
administrações de saúde, por contratos com os consultórios de
generalistas detentores de orçamentos hospitalares e por venda de serviços
ao sector privado. Estes hospitais deveriam assegurar o serviço das suas
dívidas e uma determinada rendibilidade do seu capital. O governo
admitia que estas «fundações» pudessem um dia tornar-se a forma
predominante, se não única, de hospital público.
ii) As administrações sanitárias de distrito actuariam como compradores
activos de serviços hospitalares, isto é, comprariam serviços por conta da
população da sua área, depois de terem avaliado as necessidades em
matéria de cuidados, organizado inquéritos aos consumidores e consultado
os seus generalistas. Poderiam comprar serviços aos hospitais que elas
gerem directamente, aos hospitais geridos directamente por
administrações de outros distritos, a fundações hospitalares autónomas e a
hospitais privados independentes, tendo em conta a relação qualidadepreço. Os serviços pedidos, a qualidade convencionada com o principal
fornecedor local e os preços seriam especificados nos contratos. Por ser
impossível prever todas as necessidades, seriam previstas disposições
relativamente aos doentes enviados para o hospital à margem do contrato.
Os distritos comprariam localmente certos serviços, designadamente para
os acidentes e outras urgências. Esses serviços deveriam estar disponíveis
imediatamente para qualquer doente que deles necessitasse, fosse qual
fosse o seu distrito de residência.
iii) Após um período de transição, as administrações sanitárias de distrito
seriam financiadas em função da sua população residente segundo uma
fórmula de capitação ponderada, e já não em função dos serviços
assegurados no interior das suas fronteiras. Ficariam sujeitas a limites
máximos.
208
iv) Os hospitais seriam incitados a entrar em concorrência para obterem os
contratos com os distritos. De início, poderia tratar-se de contratos
globais, mas estes deveriam ser progressivamente substituídos por
contratos «custo e volume» ou por contratos «custo por caso». Os
hospitais fixariam os preços das suas prestações com base no custo e num
rendimento de 6% do capital, sem que pudessem haver subvenções
cruzadas entre as diferentes prestações. Haveria uma caixa de arbitragem
para os casos de litígio contratual. Uma vez que «o dinheiro seguiria o
doente», os hospitais seriam mais incitados a satisfazerem os doentes e a
reduzirem os custos.
v) Todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde poderiam obter
rendimentos, vendendo prestações a pessoas e empresas privadas,
incluindo melhores serviços hoteleiros para os doentes.
vi) Pela primeira vez na história do Serviço Nacional de Saúde, a existência
de um custo do capital tornar-se-ia explícita: avaliação do parque de
equipamentos, fazendo pagar juros e amortizações; inclusão dos encargos
financeiros no preço dos contratos e acrescentamento às verbas de
funcionamento das administrações sanitárias do distrito das somas
necessários para fazer face a esses encargos. Isto garantiria que os preços
fixados no interior do Serviço Nacional de Saúde fossem justos e que
houvesse comparabilidade com o sector privado. Por outras palavras, o
capital deixaria de ser um bem «gratuito».
vii) Ao mesmo tempo, seriam exigidas melhores informações sobre a
qualidade das prestações. Os médicos seriam obrigados a submeter-se a
um controlo de qualidade dos seus cuidados pelos grupos de colegas do
seu hospital. Os resultados pormenorizados seriam confidenciais, mas os
resultados gerais seriam comunicados aos gestores e largamente
difundidos.
viii)Além disso, o controlo financeiro do NHS seria transferido do Ministério
da Saúde para a Comissão de Controlo Independente, cujo mandato
envolveria um estudo da relação qualidade-preço das prestações.
ix) Os contratos dos médicos que dão consultas dos hospitais seriam revistos.
Haveria descrições de funções precisas, que seriam revistas todos os anos.
As autoridades sanitárias de distrito participariam no recrutamento desses
médicos, se bem que os seus contratos continuassem a ser da competência
das autoridades regionais. O sistema de prémios seria modificado. A
participação dos médicos titulares na gestão e no desenvolvimento dos
serviços seria um critério suplementar para a atribuição do primeiro
escalão do prémio «C». Os directores gerais estariam representados nas
209
comissões que decidiram a atribuição dos prémios «C» e esses prémios
poderiam ser revistos ao fim de cinco anos.
x) Finalmente, seria concedido um abatimento fiscal pelos prémios de seguro
de doença privado pagos pelas pessoas idosas ou, em seu nome, por outras
pessoas.
Calendário de aplicação
O Livro Branco fixava um calendário ambicioso para a aplicação das reformas:
− em 1989, seriam seleccionados os primeiros hospitais a tornarem-se
autónomos, seriam estabelecidos regulamentos para que os doentes
pudessem mudar mais facilmente de generalista, os distritos começariam a
elaborar com os seus médicos descrições de funções, seria aplicado o novo
esquema de controlo da qualidade dos cuidados, seriam tomadas as
primeiras medidas preparatórias para a introdução de orçamentos
farmacêuticos indicativos e a Comissão de Controlo começaria o seu
trabalho sobre o NHS.
− em 1990, estas reformas acelerar-se-iam e as autoridades sanitárias
regionais e de distrito, assim como as comissões de generalistas, seriam
reorganizadas.
− em 1991, seriam criadas as primeiras fundações hospitalares do NHS,
designados os primeiros generalistas detentores de orçamentos, aplicados
os orçamentos farmacêuticos indicativos e os distritos começariam a pagar
directamente o trabalho que executassem uns para os outros.
Reforma dos cuidados comunitários de longa duração
Em Novembro de 1989, na sequência de um relatório de Sir Roy Griffiths (1988),
o governo anunciou projectos de reforma dos serviços de cuidados comunitários para
as pessoas idosas, para os deficientes mentais e físicos e para os doentes mentais.
Abrangendo todos os organismos públicos e independentes envolvidos - incluindo os
serviços sociais pessoais das colectividades locais, o Serviço Nacional de Saúde e os
serviços de segurança social - as reformas introduziram uma nova estrutura para os
que procuram um financiamento público para cuidados em lares residenciais e em
centros de longa permanência (Caring for People, 1989). Os lares do sector
independente receberão prestações de segurança social na mesma base que as pessoas
que permanecem no domicílio, em vez das actuais taxas especiais mais elevadas. Os
poderes locais assumirão o encargo financeiro da manutenção das pessoas residentes
nesses lares, que virá acrescentar-se às prestações gerais de segurança social. Com
efeito, uma parte do orçamento de segurança social, não sujeito a limite máximo,
210
passará a ser da responsabilidade dos poderes locais e provavelmente sujeito a um
“tecto”.
Os poderes locais devem agir em colaboração com outros organismos para
avaliarem as diferentes necessidades, conceberem os dispositivos de cuidados e
assegurarem a sua prestação no limite dos recursos de que dispõem. Devem ser
incitados a recorrer ao máximo ao sector independente. Os principais objectivos da
reforma dos cuidados comunitários de longa duração são encorajar os serviços ao
domicílio, cuidados de dia e outras prestações que permitam às pessoas viverem em
suas casas e assegurar um melhor apoio aos prestadores de cuidados voluntários. Os
outros objectivos essenciais são os seguintes: melhorar a avaliação das necessidades;
apoiar-se mais nos gestores de cuidados; melhorar a coordenação entre os organismos
de cuidados; promover a economia mista dos cuidados e eliminar os incentivos aos
cuidados em lares residenciais criados pelas taxas mais elevadas de pagamentos da
segurança social. A princípio, o governo desejava que as reformas produzissem
efeitos a partir do começo de Abril de 1991, mas, em Julho de 1990, anunciou que
seriam introduzidas progressivamente entre 1991 e 1993, por receio, parece, da
provável pressão, que daí resultaria para o aumento do novo imposto local, a poll tax
(Financial Times, 10 de Julho de 1990).
Avaliação das reformas
Tinha havido no Reino Unido três grandes reformas dos serviços de saúde e dos
serviços sociais pessoais, no fim dos anos 1980; essas reformas incidiam sobre a
remuneração dos generalistas, o financiamento e a organização do Serviço Nacional
de Saúde e os cuidados comunitários. É possível evidenciar, pelo menos, quatro
elementos comuns a essas reformas:
− os terceiros pagadores deviam ser financiados por orçamentos globais
(calculados, principalmente segundo princípios de capitação ponderada);
− os terceiros pagadores deviam comportar-se como compradores activos;
− os prestadores deveriam ser dotados de uma maior autonomia e ser
incitados a concorrer pela obtenção de verbas públicos fixos;
− as relações pagador/prestador deviam ser regidas por contratos, de modo a
que o dinheiro seguisse o doente.
Estas reformas suscitaram muitos debates, sobretudo a propósito das questões que
se seguem:
Sendo suposto que os consumidores passem a ter uma maior liberdade de escolha
entre os generalistas e, por intermédio dos generalistas detentores de orçamentos,
entre os hospitais, já não era suposto que pudessem escolher entre as autoridades
sanitárias de distrito, o que levou a pôr a questão de saber se os incentivos aos
211
distritos eram suficientes para que eles defendessem da melhor forma o interesse dos
consumidores. Com efeito, ao celebrarem contratos com os hospitais, havia o risco de
que eles reduzissem, de facto, a escolha dos generalistas e dos consumidores. Eram,
no entanto, obrigados a consultar os generalistas e a proceder a inquéritos de opinião
junto dos consumidores antes de celebrarem contratos.
No respeitante aos generalistas detentores de orçamentos, foram levantadas
questões a propósito da selecção dos riscos entre os doentes. Manifestaram-se
preocupações pelo facto de que passaria a haver para os generalistas detentores de
orçamentos, incentivos consideráveis no sentido de «procederem a uma desnatagem»,
escolhendo para a sua lista os doentes em melhor forma. Se bem que os generalistas já
tivessem este género de incentivos no seu sistema de remuneração, a detenção de um
orçamento reforçá-los-ia ainda, uma vez que certos serviços hospitalares já não
seriam bens «gratuitos» e as verbas excedentárias podiam ser desviadas para os
próprios consultórios médicos. Parecia provável, no entanto, que se pudesse conceber
um sistema que combinasse os incentivos e a regulamentação, de modo a combater
essas tendências.
A questão de saber em que medida os mercados dos prestadores funcionariam com
eficácia e justiça no quadro do Serviço Nacional de Saúde reformado foi igualmente
objecto de grandes debates.
− Alguns exprimiram o receio, dada a dificuldade de medir os resultados ao
mesmo tempo no plano do estado de saúde e da qualidade dos cuidados, de
que a concorrência viesse a conseguir privilegiar a relação quantidadepreço em vez da relação qualidade-preço. Por exemplo, os casos difíceis
poderiam não receber os cuidados suficientes ou os doentes serem
obrigados a deslocarem-se a muito longe de suas casas para reduzirem o
custo dos cuidados. Este risco foi tomado em consideração e a tónica foi
consequentemente posta na elaboração de formas de medição adequadas da
qualidade antes de celebrar os contratos. Além disso, foram dadas
directivas para que as administrações de saúde dos distritos e as da
medicina de família realizem inquéritos acerca da satisfação dos
consumidores.
− Uma outra preocupação era a de que, encontrando-se o Estado dos dois
lados do mercado, a concorrência não pudesse estabelecer-se como
convém. O governo poderia, por exemplo, ser tentado a intervir para
impedir os encerramentos de hospitais públicos provocados pela
concorrência. Reconheceu-se, no entanto, que, em matéria de concorrência,
haveria provavelmente ganhadores e perdedores (MacLachlan, 1991).
− O governo esperava que as reformas reduzissem a tendência para fazer
pesar despesas excessivas sobre o Serviço Nacional de Saúde. No entanto,
212
o governo estava igualmente consciente do facto de que, em certos
aspectos, haveria uma pressão suplementar sobre os custos. As reformas
exigiam um investimento considerável nos sistemas de informação e de
gestão, a fim de apoiar o mercado interior. Por exemplo, certos grandes
hospitais viram-se obrigados a negociar 60 ou 70 contratos para substituir
aquilo que tinha sido anteriormente uma única atribuição de verbas.
Receou-se igualmente que as liberdades concedidas às fundações
hospitalares autónomas de fixarem os salários e as condições de trabalho do
seu pessoal conduzissem a pressões no sentido do aumento dos salários
(que representam cerca de 70% das despesas de funcionamento) de todas as
categorias do pessoal dos serviços hospitalares. No caso dos internos, o
governo decidiu manter as tabelas nacionais de salários para as fundações
hospitalares autónomas. Alguns pensavam que uma maior transparência nas
decisões relativas à afectação de recursos seria um outro meio de agir sobre
as despesas públicas.
− O poder de monopsónio ou de monopólio podia dar lugar a abusos no novo
mercado. O risco de abuso de monopólio parecia particularmente grande,
devido ao facto de certos hospitais dominarem a sua zona territorial de
atracção fora das grandes cidades e ainda devido à fragmentação do poder
de compra entre os distritos e os médicos generalistas detentores de
orçamentos. Estes riscos foram, todavia, contrariados por regulamentações
que obrigam os hospitais a cobrarem os serviços ao preço de custo
(incluindo uma remuneração do capital fixo) e a divulgarem, claramente, os
preços e os contratos (incentivando assim a concorrência). Consórcios de
compras entre certos distritos e generalistas detentores de orçamentos
foram também criados. A medida da concentração dos hospitais leva
também a pensar que os mercados hospitalares seriam razoavelmente
concorrenciais (Robinson, 1991).
− A rapidez com que as reformas foram aplicadas foi muito controvertida.
Segundo os críticos, era impossível prever os efeitos de modificações de
uma tal amplitude e de uma tal complexidade, sem proceder previamente a
experiências-piloto. Isso teria, todavia, retardado muito a aplicação das
reformas. A constituição de fundações hospitalares autónomas e de
consultórios de generalistas detentores de orçamentos era voluntária e
progressiva, permitindo «aprender no terreno». Além disso, o governo pôde
incorporar no processo de aplicação uma série de «projectos de afinação»
sobre vários aspectos importantes - por exemplo, as compras e a celebração
de contratos - e, mais tarde, uma série de «projectos locais» que
implicavam demonstrações do conjunto das reformas em sete distritos.
213
Estas medidas permitiram identificar as dificuldades e difundir as soluções
de gestão.
− Finalmente, receou-se que a divisão do poder de comprar cuidados de longa
duração entre os distritos e os poderes locais impedisse os doentes de serem
transferidos para fora dos hospitais de longa permanência e desincentivasse
a integração dos cuidados. Isto não era, todavia, um problema novo e foram
tomadas medidas para que as autoridades sanitárias de distrito e os serviços
de medicina familiar elaborem e publiquem planos de cuidados
comunitários compatíveis com os dos poderes locais correspondentes.
Execução das reformas e primeiros resultados
A execução das reformas desenrola-se como estava previsto. Foi celebrado um
novo contrato com os generalistas, em 1990. Em Abril de 1991, 57 hospitais e
serviços do NHS tornaram-se fundações autónomas, 306 consultórios de generalistas
tornaram-se gestores de orçamentos, todos os distritos tinham separado as suas
funções de compra e de prestação e a maior parte deles tinha celebrado contratos com
os prestadores hospitalares. Em Abril de 1992, juntaram-se a esse grupo 99 serviços e
consultórios de generalistas. Mais de um milhão de activos do Serviço Nacional de
Saúde tinham sido avaliados e assim os preços passaram a poder incluir os encargos
financeiros que vieram aumentar de 17% as despesas correntes. Na maior parte dos
casos, os novos programas de trabalho foram decididos de acordo com os
especialistas.
O governo fez saber que queria que o essencial dos fluxos de doentes se
mantivesse durante o primeiro ano do regime de contratos (1991/1992). O objectivo
era assegurar uma «descolagem suave», de modo a que compradores e prestadores se
habituassem progressivamente ao novo sistema. Na realidade, verificou-se que era
necessária uma certa aprendizagem. Por exemplo, todos os contratos assinados entre
os distritos e os prestadores durante o primeiro ano eram contratos globais. Quando
eram fixados preços para cada prestação, constatavam-se diferenças importantes para
serviços semelhantes, em parte devido a diferenças de práticas contabilísticas.
Em Julho de 1991, o governo anunciou um calendário para levar as autoridades
sanitárias regionais e distritais ao financiamento na base de uma capitação ponderada.
Anunciou também que, a partir de Abril de 1992, as autoridades de saúde teriam a
liberdade, de transferir os seus contratos para hospitais diferentes se isso fosse no
interesse dos doentes.
Desde os finais de 1991, ressaltava dos primeiros relatórios que as reformas
começavam a modificar a cultura do Serviço Nacional de Saúde.
O novo contrato com os médicos generalistas acarretou importantes modificações
de comportamento e suscitou a oferta de um leque de serviços mais largo. As
214
cláusulas do novo contrato relativas ao desempenho relançaram imediatamente a
actividade, nomeadamente em matéria de vacinação e imunização das crianças, de
centros de cuidados preventivos de pequena cirurgia. Resultou daí um
sobrepagamento de cerca de 15%, em 1990/91, relativamente ao objectivo de
remuneração líquida do médico médio. Em Novembro de 1991, era anunciado que
cerca de um terço deste sobrepagamento seria exonerado da prática habitual que
consistia em absorver o excedente de remuneração no decurso dos anos seguintes. Os
doentes, esses, apreciaram os novos serviços. Um inquérito revela que três em cada
dez doentes notaram uma melhoria dos serviços recebidos do seu generalista, desde a
introdução do novo contrato.
Os resultados dos consultórios detentores de orçamento são eloquentes. O poder de
compra representado por esses orçamentos transformou a posição negocial desses
consultórios face aos hospitais. Numerosos consultórios puderam assinar acordos com
hospitais fixando normas de qualidade para os seus doentes, por exemplo, em matéria
de responsabilidades das diferentes categorias de pessoal hospitalar, e de retorno de
informação sobre os tratamentos dispensados. Outros conseguiram convencer os
especialistas a virem ao seu consultório médico para examinarem os seus doentes,
solução preferível para estes últimos. Tudo parece indicar que, em seis meses, os
detentores de orçamentos tiveram mais influência sobre os especialistas (que praticam
em hospital) do que os chefes de estabelecimento não médicos tinham conseguido em
várias décadas. No entanto, estalou imediatamente uma controvérsia sobre um sistema
de cuidados a duas velocidades; o governo teve que estabelecer regulamentos para
desincentivar os hospitais de tratarem diferentemente os doentes enviados por
consultórios com orçamentos e os doentes enviados por outros generalistas.
Paralelamente, a concessão de orçamentos hospitalares a esses consultórios
sensibilizou-os para os custos dos tratamentos em instituições. Os consultórios
detentores de orçamentos puseram-se à procura de boas relações qualidade-preço para
os cuidados necessários e começaram a duvidar da justificação de uma parte das
prestações no hospital, como a frequência das consultas externas.
O princípio da concessão de orçamentos parece ter encontrado um franco sucesso
junto da maior parte dos generalistas que puderam beneficiar desse regime. Um
inquérito realizado nos seis primeiros meses de 1991 fazia crer que 89% dos
detentores continuariam no ano seguinte, mas 11% estavam ainda indecisos e nenhum
era candidato ao abandono.
A transformação das administrações dos distritos sanitários (District Health
Administration, DHA) em compradores incitou-as a dar mais importância às
necessidades das populações que servem e às possibilidades de obterem os cuidados
requeridos ao melhor preço, dirigindo-se a diferentes hospitais. Numerosas DHA
fizeram inserir nesses contratos normas de qualidade a respeitar em relação aos
215
doentes. Várias delas levaram a efeito inquéritos sobre os hábitos que tinham os
generalistas de enviarem doentes para o hospital e sobre a satisfação dos doentes.
Houve menos a dizer do lado da oferta, devido a uma moratória respeitante às
transformações que os contratos das DHA incluíam no primeiro ano. Mas é claro que,
enquanto as DHA se preparavam para rescindirem certos contratos em Abril de 1992,
os prestadores empenhavam-se em melhorarem a sua competitividade. Por outro lado,
a liberdade de comprar, associada aos custos de equipamento, parece ter trazido mais
realismo aos projectos de investimentos. Punham-se muitas questões sobre a
necessidade de construir grandes hospitais (que continuavam programados) enquanto
outros investimentos – por exemplo, em cirurgia de urgência∗ – assumiam um
carácter de maior premência.
Manifestavam-se preocupações pelo facto de, devido a preços muito elevados na
região de Londres, onde existe uma capacidade de acolhimento não utilizada, o novo
mercado criado por este NHS poder aí ameaçar a viabilidade de certos hospitais,
incluindo certos centros hospitalares universitários. O governo lançou, por
conseguinte, em Outubro de 1991, sobre os problemas especiais de Londres, e
suspendeu provisoriamente a criação de novas fundações hospitalares na capital.
Poder-se-ia considerar esta medida como um exemplo de «gestão» sobreposta ao
«mercado organizado». Em Outubro de 1992, o relatório pedido recomendava o
encerramento de dez estabelecimentos, dos quais certos hospitais universitários.
Tornava-se evidente que as novas fundações «auto-geridas» usavam a sua maior
liberdade em matéria de gestão para melhorarem a qualidade e a eficiência dos seus
serviços. Várias delas fizeram prova de reduções na duração do internamento dos
doentes hospitalizados, de um aumento de actividade e de prazos menos longos para
atenderem os doentes. Algumas delas tomaram a iniciativa de efectuar sondagens
sobre a opinião dos consumidores e a sua satisfação. O receio de que algumas
fundações viessem a encontrar-se em dificuldades financeiras logo no fim do primeiro
ano deu lugar, em relação à maior parte delas, a previsões de balanços em equilíbrio.
Finalmente, o corpo médico e o pessoal de enfermagem acolheram bem a
introdução de melhores procedimentos de controlo médico e a avaliação sistemática
das práticas dos médicos e do pessoal de enfermagem pelos colegas generalizou-se
por todo o lado.
CONCLUSÃO
Os primeiros resultados são encorajadores. As reformas parecem já prenunciar os
efeitos esperados. Os generalistas detentores de orçamentos mostraram-se capazes de
incitar os serviços hospitalares a responderem melhor às necessidades dos seus
doentes. Parece, portanto, que se remediou o que era provavelmente a grande fraqueza
216
do NHS. Mas resta saber se este efeito se propagará em benefício de todos os doentes
e se a escolha dos doentes é um problema que deixará de se apresentar no futuro.
De uma forma geral, estes primeiros resultados não dão resposta à maior parte das
questões colocadas na última secção. A separação dos compradores e dos prestadores
no Serviço Nacional de Saúde exige uma aprendizagem de novos papéis e envolve o
risco de obrigar a uma longa série de ajustamentos nos comportamentos e nos
serviços. A abertura de consultórios de generalistas detentores de orçamentos e de
fundações hospitalares autónomas, pelo facto de ser facultativa, será evolutiva, e o
processo poderia ser parado ou invertido com a chegada ao poder de um novo
governo. É por isso que é impossível avaliar as reformas de 1991 na data em que este
capítulo foi terminado.
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219
Capítulo 10
CRESCIMENTO E FUNCIONAMENTO DOS SETE SISTEMAS DE SAÚDE
Este capítulo propõe-se comparar o crescimento e o funcionamento dos sistemas
dos sistemas de saúde nos sete países estudados a fim de apreender mais claramente
as circunstâncias que estiveram na origem das reformas e, sendo caso disso, os efeitos
destas. Os dados, extraídos de fontes diversas, designadamente do ficheiro da OCDE
sobre a saúde, vêm completar as constatações e a análise contidas numa publicação
anterior da OCDE, A Saúde: Financiamento e Prestações (1987). Uma coerência
rigorosa na definição dos dados sobre a saúde, sobre a prestação dos cuidados
médicos e sobre as despesas de saúde nestes países não foi, no entanto, ainda atingida.
NÍVEL E CRESCIMENTO DAS DESPESAS COM A SAÚDE
Os números globais sobre as despesas de saúde nos sete países são apresentados no
quadro 10.1. Culyer (1989) analisou a documentação econométrica sobre as
determinantes das despesas de saúde nos diversos países. Concluiu que as despesas de
saúde por habitante assim como a proporção do rendimento consagrado à saúde são
tanto maiores quanto mais elevado for o PIB por habitante. Por outro lado, as
despesas de saúde são menos elevadas do que se poderia esperar nos países em que o
orçamento da saúde está sujeito a um controlo centralizado. A análise econométrica
efectuada posteriormente por Gerdtham et al. (1990) permitiu evidenciar cinco
variáveis que contribuem largamente para explicar as diferenças nas despesas de
saúde por habitante entre os países da OCDE: o PIB por habitante, com uma
elasticidade das despesas de 1,06; a relação dependência económica/idade, com uma
elasticidade das despesas de 0,22; a parte do financiamento público no financiamento
total, com uma elasticidade das despesas de -0,23; a relação despesas de
hospitalização/despesas totais de saúde, com uma elasticidade das despesas de 0,37; e
o recurso ao orçamento global nos hospitais a que se associa uma redução média de
13% das despesas de saúde, sendo todas as outras condições iguais.
Os números apresentados no quadro 10.1 corroboram estas conclusões. Nos dados
relativos a 1990 na coluna 1, a maior parte da variação registada nas despesas de
saúde por habitante explica-se por uma curva de regressão que relaciona as despesas
de saúde por habitante com o PIB por habitante (Schieber e Poullier, 1989). Tendo em
conta uma possível subestimativa das despesas de saúde na Bélgica e na Alemanha,
as despesas de saúde por habitante situar-se-iam acima da curva de regressão para
estes dois países, e ainda para a França e a Irlanda. Estes países recorrem
principalmente ao sistema de reembolso e do contrato e só adoptaram o orçamento
global em meados dos anos 80 para alguns hospitais ou para a totalidade. O Reino
Unido, que adoptou um sistema de financiamento essencialmente centralizado e
220
fiscalizado e que aplica desde há quatro décadas o orçamento global nos hospitais,
situa-se nitidamente abaixo da curva.
O exame das séries cronológicas das colunas 2 a 7 mostra claramente que os sete
países travaram todos fortemente a taxa de crescimento das despesas de saúde em
relação ao PIB entre 1980 e 1990, por comparação com a década 1970-1980. No
respeitante ao período 1980-1990, os países podem ser classificados em três grupos.
Os dois países que continuavam a aplicar, numa certa medida, o sistema de reembolso
e que não tinham adoptado senão parcialmente os orçamentos globais nos anos 80 – a
Bélgica e a França – registam uma progressão média da parte das despesas de saúde,
14%, comparada com uma progressão média de 17% do PIB real por habitante. Nos
dois países que aplicaram sobretudo o sistema do contrato e os orçamentos globais, a
Alemanha e os Países Baixos, não há praticamente modificação da parte relativa das
despesas de saúde, enquanto o PIB em termos reais por habitante aumentou em média
14% nesses países. Nos três outros países, que aplicavam sobretudo o sistema
integrado e cujos hospitais funcionavam há muito com um orçamento global, a
Espanha, a Irlanda e o Reino Unido, a parte das despesas de saúde evoluiu muito
diferentemente. A Espanha, com um nível à partida baixo, continuou a edificar os
seus serviços de saúde, mas a um ritmo lento em relação ao crescimento rápido do seu
PIB, salvo nos anos de 1989 e 1990.
Quadro 10.1 - Despesas com a saúde e proporção destas despesas no PIB
Países
Alemanha
Bélgica
Espanha
França
Irlanda
Países Baixos
Reino Unido
Despesas
com a saúde
por habitante,
em paridade
de poder de
compra
Evolução do
PIB por
Evolução da parte das
habitante, a
despesas com a saúde, em
preços
%
constantes (em
%)
Despesas com a saúde,
em percentagem do PIB
1990
1970
1980
1990
1970-80
1980-90
1980-90
1 487
1 227
777
1 532
819
1 287
974
5,9
4,1*
3,7
5,8
5,6*
6,0
4,5
8,4
6,6
5,6
7,6
9,6
8,0
5,8
8,1
7,6
6,5
8,8
7,5
8,0
6,2
42
61*
51
31
71*
33
29
-4
15
18
16
- 22
0
7
20
20
28
18
39
14
28
* Ligeira subestimativa possível do valor de 1970 em virtude de uma ruptura na série e, por consequência, uma
sobreestimativa da evolução entre 1970 e 1980.
Fonte : Les systèmes de santé des pays de l'OCDE: Faits et tendances, 1993, Paris.
A Irlanda, que partia de um nível elevado, continuou a reduzir os serviços apesar
da retoma vigorosa da sua economia. No Reino Unido, a parte dos serviços de saúde
permaneceu constante enquanto a economia conhecia um surto vigoroso. Em média, a
parte das despesas de saúde deste grupo não variou, enquanto o PIB real por habitante
aumentou 24%.
221
Dada a relação positiva, e esperada, entre a parte das despesas de saúde e o PIB por
habitante, estas observações indicam que os países em que os sistemas estão
predominantemente integrados conseguem conter mais firmemente as despesas do
que aqueles que praticam o sistema de contratos. Em contrapartida, os países com
sistema de contratos contêm melhor as suas despesas do que aqueles que permanecem
apegados ao sistema do reembolso e que só parcialmente adoptaram os orçamentos
globais.
RECURSOS E ACTIVIDADES DO SISTEMA DE SAÚDE
O quadro 10.2 apresenta alguns dados transversais globais, provenientes do
ficheiro de saúde da OCDE ou de outras fontes, sobre o número e a actividade dos
médicos e o número de camas e a actividade dos hospitais de cuidados intensivos, a
fim de tentar identificar os efeitos devidos às diferenças nos sistemas de pagamento.
As séries cronológicas destas variáveis são demasiadamente fragmentárias para
poderem ser apresentadas aqui. Se bem que a coerência das definições ainda não seja
perfeita, o exame destes números é interessante por causa das diferenças que
evidenciam de um país para outro. As quatro primeiras colunas mostram que, nos dois
primeiros países e em França - que são, todos, países que reconhecem a liberdade de
escolha do médico de primeiro recurso para cada acto, sendo o dito médico pago por
acto - as taxas de consulta são mais elevadas, a duração das consultas é mais longa e
as taxas de prescrição são mais altas do que em Espanha, nos Países Baixos e no
Reino Unido em que os médicos, na sua maior parte, são pagos por montante fixo ou
são assalariados. Nada indica que as variações no número de médicos 1000 habitantes
desempenhem um papel importante nessas diferenças. As séries cronológicas levam a
pensar que, em relação aos pagamentos fixos, o pagamento por acto incita à consulta.
Assim, na Irlanda, entre os doentes do sector público, o número de consultas dos
médicos generalistas baixou de, aproximadamente, um quinto no ano que seguinte à
passagem, em Março de 1989, do pagamento por acto ao pagamento fixo.
O exame das três últimas colunas do quadro 10.2, consagradas aos hospitais de
cuidados intensivos, mostra grandes diferenças entre os países no número de camas
por cada 1 000 habitantes. Segundo certos indícios, estas diferenças poderiam estar
ligadas às despesas de saúde por habitante e à importância do sector hospitalar
público. Na Espanha, na Irlanda e no Reino Unido, em que a proporção de camas de
hospitais públicos é importante, o número de camas de hospitais de cuidados
intensivos é menos elevado do que na Alemanha e na Bélgica, em que a proporção de
camas do sector público é menor. No entanto, nos Países Baixos, em que os hospitais
são sobretudo privados, o número de camas está próximo da média. A correlação
entre o número de camas de hospitais de cuidados intensivos e a população, assim
como entre o número de admissões em cuidados intensivos e a população, é fraca por
causa das grandes diferenças na duração média de internamento dos doentes
222
hospitalizados. Três países – Espanha, Irlanda e Reino Unido – assinalam a existência
de listas de espera para a admissão nos hospitais: todos eles têm sistemas hospitalares
integrados. No entanto, salvo na Irlanda, o número de camas de cuidados intensivos
em relação à população é comparativamente baixo.
Comparações feitas entre países acerca do comportamento dos médicos sugerem
outras diferenças importantes, na prática, entre os países em que os médicos são pagos
por acto e aqueles em que o são por uma quantia fixa. Assim, uma comparação entre a
Inglaterra e a França (Porter e Porter, 1980) mostra que os generalistas franceses dão
consultas mais longas, prevêem consultas de controlo mais numerosas, fazem mais
visitas ao domicílio, prescrevem mais exames e mais medicamentos e trabalham
durante um maior número de horas (sobretudo para esperarem pelos seus doentes) do
que os seus homólogos britânicos. Por outro lado, é raro que os médicos franceses
trabalhem em grupo ou transfiram para outros uma parte das suas tarefas; e não
asseguram tão bem a manutenção dos seus ficheiros. Quanto aos especialistas, a
situação é aproximadamente a mesma. É raro que os doentes franceses tenham que
esperar para obterem uma consulta do seu médico, generalista ou especialista, ou para
serem admitidos num hospital. Os doentes britânicos são recebidos bastante
rapidamente pelo seu generalista (mas geralmente no momento escolhido por ele); em
contrapartida, é-lhes muitas vezes necessário esperar longas semanas para serem
admitidos num hospital público, para obterem uma consulta num serviço de consultas
externas de um hospital e para serem tratados num hospital. Os autores (britânicos)
concluem que «o doente britânico recebe, no Serviço Nacional de Saúde (NHS), um
tratamento competente, lento e muitas vezes impessoal. O doente francês recebe um
serviço competente, rápido e personalizado».
223
Quadro 10.2 - Número de médicos, taxas de actividade dos médicos e
taxas de actividade dos hospitais
Países
Médicos em
actividade,
por cada
1000
habitantes
Número de
consultas de
generalistas
e de
especialistas,
por habitante
1989
Vários anos
Alemanha
2,8
10,8 1
Bélgica
3,2
7,4
Espanha
França
3,5
2,5
Duração da
consulta de
um
generalista
(min.)
Vários anos
91
-
Medica_
mentos
prescritos
fora dos
hospitais,
por pessoa
Número de
camas de
hospital de
cuidados
intensivos,
por 1000
habitantes
Número de
admissões
nos
hospitais,
por 1000
habitantes
Duração
média de
estadia nos
hospitais de
cuidados
intensivos
(dias)
1982
1989
1989
1986
11,2 4
7,6
18,7
12,4
9,9
5,5
17,0
10,0
9,6
4
3,5
9,0
9,7
10,0
4
5,6
20,6
7,2
3
3
7,8
1
14
1
2
-
9,5
4,7
16,4
7,0
11,5
4,2
Irlanda
1,5
6,5
Países Baixos
2,4
5,4 1
51
3,7 5
4,8
10,4
Reino Unido
1,4
5,2 1
81
6,5
3,2
12,9 6
7,8
1. Fonte: Sandier, 1989.
2. Exclusivamente clientela pública dos generalistas, 1987. A Irlanda remunerou os generalistas ao
acto em relação a estes doentes até Março de 1989.
3. Fonte: Miguel e Guillen, 1989. Valor para 1982.
4. Fonte: O'Brien, B., 1984.
5. Fonte: IMS Netherland B. V., 1989. Valor para 1983.
6. Estes valores referem-se à Inglaterra e ao País de Gales e não incluem o pequeno sector liberal.
Fonte: Les systèmes de santé des pays de l'OCDE: Faits et tendances, 1993, Paris, salvo indicação
contrária.
EQUIDADE NO FINANCIAMENTO E NAS PRESTAÇÕES
No capítulo 1 foram enunciados dois objectivos da política de saúde em matéria de
equidade: o pagamento das prestações em função dos recursos e o tratamento em
função das necessidades, pelo menos no sector público. Bem entendido, a noção
exacta de equidade varia segundo os indivíduos e os países. Num estudo recente,
financiado pela Comunidade Europeia sobre A Equidade no Financiamento e na
Prestação dos Cuidados de Saúde (Wagstaff et al., a publicar), foram medidos os
resultados obtidos por dez sistemas de cuidados em função desses critérios. Cinco dos
sete países aqui estudados estão incluídos no estudo da Comunidade: Espanha,
França, Irlanda, Países Baixos e Reino Unido.
Quanto à equidade no financiamento dos serviços de saúde, algumas constatações
preliminares se impõem: o financiamento é ligeiramente progressivo na Irlanda e no
Reino Unido, é praticamente proporcional aos rendimentos em França e ligeiramente
regressivo em Espanha, assim como nos Países Baixos. Existe provavelmente uma
relação entre o carácter regressivo e a proporção das despesas de saúde financiadas
pelo sector privado. As reformas Dekker deveriam atenuar essa característica no
sistema neerlandês. A Comunidade Europeia estuda também a equidade na prestação
dos cuidados, mas os primeiros resultados são demasiadamente aproximativos para
224
serem referidos aqui. As observações mais recentes indicam que, no Reino Unido, a
prestação dos cuidados é, no conjunto, equitativa (O'Donnell et al.,1991).
O ESTADO DE SAÚDE DA POPULAÇÃO E A PROMOÇÃO DA SAÚDE
É difícil dizer se as diferenças entre os níveis e a composição dos serviços de saúde
influem no estado de saúde da população. O quadro 10.3 indica a esperança de vida e
a evolução da mortalidade perinatal nos sete países. As diferenças não podem
provavelmente fornecer muitas indicações sobre a eficácia dos serviços de saúde
porque a esperança de vida depende de numerosas variáveis para além dos cuidados
médicos. Em Espanha, onde as despesas de saúde são as mais baixas dos sete países, a
esperança de vida média é igual ou superior à dos países mais bem colocados. Em
contrapartida, as diferenças na mortalidade perinatal dão mais indicações sobre a
eficácia dos serviços de maternidade. A mortalidade perinatal é a principal
componente da «mortalidade evitável» (mortalidade devida a condições que teriam
podido suscitar uma intervenção médica eficaz - ver Charlton e Velez, 1986). A
mortalidade perinatal baixou fortemente entre 1980 e 1989 nos sete países, em
consequência, sem dúvida, da aplicação de novas técnicas para salvar os recémnascidos com pouco peso. É a Alemanha que apresenta os resultados mais
convincentes.
Quadro 10.3 - Esperança de vida e mortalidade perinatal
Países
Esperança de vida à nascença,
1989
M
Alemanha
Bélgica
Espanha
França
Irlanda
Países Baixos
Reino Unido
79,0
79,1
80,1 **
80,6
77,0
79,9
78,64
Mortalidade perinatal
(% de nados vivos e nados mortos)
H
72,6
72,4
74,5 **
72,5
71,0
73,7
72,8
1980
1989
1,16
1,42
1,44
1,29
1,48
1,11
1,34
0,64
1,02 *
1,00 *
0,89
0,99
0,96
0,90
Evolução da
mortalidade
perinatal
em %
1980-1989
45
- 28 *
- 31 *
32
33
14
33
* 1987 ou 1980-1987
** 1990
Fonte: Les systèmes de santé des pays de l'OCDE: Faits et tendances, 1993, Paris.
A esperança média de vida pode esconder diferenças na dispersão da idade da
morte ou uma desigualdade em matéria de saúde. Legrand (1987) assinala que, após
«normalização» por idade, constata-se menor desigualdade na idade da morte na
Irlanda e no Reino Unido do que na Alemanha, na Bélgica e nos Países Baixos e que,
por sua vez, estes cinco países vêm atrás da Espanha. A França ocupa, ora uma
posição mediana, ora uma posição elevada, em termos de desigualdade, segundo a
225
medida precisa escolhida. Vê-se mal, no entanto, que papel desempenham os serviços
de saúde, se é que desempenham algum, nestas diferenças.
SATISFAÇÃO DO PÚBLICO
Um teste importante, embora subjectivo, ao bom funcionamento dos sistemas de
saúde é a avaliação do grau de satisfação dos consumidores e dos contribuintes em
relação a ele. Poucos estudos internacionais foram feitos a este respeito. No entanto,
um inquérito recente efectuado em dez países foi publicado por Blendon et al.,
(1990). Quatro dos países aqui estudados figuram no estudo de Blendon: a Alemanha,
a França, os Países Baixos e o Reino Unido (a Espanha foi incluída posteriormente).
Uma medida de satisfação que se pode deduzir deste estudo é a percentagem de
pessoas que estavam de acordo com a frase: «No conjunto, o sistema de saúde
funciona bastante bem e bastariam alguns retoques pouco importantes para que
funcionasse ainda melhor». Os resultados revelam índices de satisfação relativamente
elevados (56-41% satisfeitos) em países como a Alemanha, o Canadá, a França e os
Países Baixos. Em todos estes países, encontram-se ao mesmo tempo despesas de
saúde por habitante médias ou elevadas e uma cobertura universal, ou quase, através
do seguro de doença, uma grande liberdade de escolha reconhecida ao doente e, no
conjunto, a aplicação de versões públicas dos sistemas de contrato ou de reembolso
nas quais «o dinheiro segue o doente». Os índices de satisfação são relativamente
fracos (27-12%) em países como a Itália e o Reino Unido, que combinam ambos
despesas de saúde por habitante relativamente fracas com uma cobertura universal e a
prática do sistema público integrado em que o dinheiro «não segue o doente».
Discerne-se mal se o medíocre índice de satisfação na Itália e no Reino Unido resulta
da modicidade das despesas de saúde por habitante ou do sistema integrado. A avaliar
pelos resultados respeitantes à Suécia (32% satisfeitos), mesmo atingindo as despesas
de saúde um nível muito mais elevado, elas contribuem pouco para aumentar a
popularidade do sistema integrado. Pode-se lamentar que o inquérito não abranja um
exemplo claro de país que combine despesas de saúde de baixo nível e um sistema de
contrato ou de reembolso. O mais baixo nível de satisfação (apenas 10% satisfeitos)
cabe ao país em que as despesas de saúde por habitante são mais elevadas: os Estados
Unidos, o único país do inquérito em que a cobertura do seguro de doença apresenta
importantes lacunas.
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Wagstaff, A., van Doorslaer, E. e Rutten, F. (a publicar), L' équité dans le financement et la
prestation des soins de santé, Comunidade Europeia, Bruxelas.
227
Capítulo 11
COMPARAÇÕES E AVALIAÇÃO
INTRODUÇÃO
Este capítulo propõe-se comparar e avaliar as reformas que foram descritas nos
capítulos 3 a 9, verificar em que medida as reformas empreendidas permitiram aos
governos remediar as insuficiências dos seus sistemas e, assim, ficar em melhores
condições de atingirem os seus objectivos em matéria de saúde. Nesta perspectiva, a
análise aqui apresentada articula-se em torno de três grandes eixos definidos a partir
dos seis objectivos das políticas de saúde identificados no capítulo 1:
− acesso aos cuidados suficiente e equitativo, e protecção dos rendimentos;
− eficiência macroeconómica;
− eficiência microeconómica, liberdade de escolha do consumidor e autonomia
dos prestadores.
Este estudo baseia-se nos sete tipos de regimes públicos de financiamento e de
prestação de cuidados médicos descritos no capítulo 1. Os três subsistemas
predominantes, que prevêem todos um financiamento obrigatório por uma terceira
entidade, são:
− o sistema público de reembolso que, na sua forma pura, apresenta as
características seguintes: caixas de seguros de doença financiadas por
contribuições obrigatórias ligadas aos rendimentos, que reembolsam o doente
das somas pagas directamente por ele, a título de honorários, a prestadores
independentes, deixando geralmente uma parte da despesa a seu cargo;
inexistência de vínculos entre as caixas de seguro de doença e os prestadores;
− o sistema público de contrato que, na sua forma mais corrente, apresenta as
características seguintes: caixas de seguros de doença financiadas por
contribuições obrigatórias ligadas aos rendimentos, que celebram
directamente contratos com prestadores independentes para que eles
proporcionem aos doentes serviços gratuitos; e
− O sistema público integrado que, na sua forma mais corrente, apresenta as
características seguintes: caixa central pública financiada pelo imposto, que
paga vencimentos aos médicos e atribui um orçamento global aos hospitais
públicos, em contrapartida de serviços que eles fornecem gratuitamente aos
doentes.
Muito frequentemente, encontra-se um ou outro destes subsistemas, ou ambos, até
mesmo os três, nos sete países aqui considerados, mediante, muitas vezes, certas
228
modificações em relação à forma pura ou à forma mais corrente acima descrita. É
assim, por exemplo, que ao o financiamento pelo imposto pode substituir-se, no todo
ou em parte, um financiamento por contribuições ligadas aos rendimentos, ou
inversamente.
O gráfico 11.1 apresenta, em recapitulação, as grandes reformas examinadas nos
capítulos 3 a 9, reagrupadas em função dos objectivos acima recordados.
Gráfico 11.1 - Recapitulação das recentes medidas de reforma dos sistemas
de saúde de sete países da OCDE
__________________________________________________________________________________
EFICÁCIA, EQUIDADE E PROTECÇÃO DO RENDIMENTO
Extensão aos sistemas de seguro obrigatório
Espanha, 1984, 1986 e 1989; Países Baixos, princípio dos anos 90; Irlanda, 1991.
EFICIÊNCIA MACROECONÓMICA
1. Excedentes de honorários para os médicos; 2. Ligeiro aumento da taxa
moderadora.
1. França, 1980; 2. a maior parte dos países, datas diversas.
Estabelecimento de um orçamento global para os médicos
Alemanha, 1977; Bélgica, 1991.
Remuneração dos médicos através de quantia fixa por doente (capitação)
Irlanda, 1989.
Estabelecimento de um orçamento global para os hospitais
Países Baixos, 1983; Bélgica, 1984; França, 1984 e 1985; Alemanha, 1986.
EFICIÊNCIA MICROECONÓMICA, ESCOLHA E AUTONOMIA
Passagem do sistema integrado de segurança social ao sistema de contrato
Antiga República Democrática Alemã, 1991.
Concorrência gerida entre médicos
Alemanha, 1977; Reino Unido, 1990.
Concorrência gerida entre produtos farmacêuticos
Alemanha, 1989; Países Baixos, 1991.
Concorrência gerida, entre hospitais
Alemanha, 1989; Reino Unido, 1992; Países Baixos, prevista para o princípio dos
anos 90.
Concorrência gerida entre seguradores ou «detentores de fundos»
Reino Unido, 1991; Países Baixos, prevista para o princípio dos anos 90.
____________________________________________________________________
229
ACESSO SUFICIENTE E EQUITATIVO AOS CUIDADOS
E PROTECÇÃO DOS RENDIMENTOS
A principal conclusão a tirar é que o financiamento público continua a ser o modo
de financiamento privilegiado para o essencial dos cuidados nos setes países. Na
maior parte dos países, a grande maioria da população estava já coberta por um
regime de seguro de doença obrigatório. As principais excepções eram os Países
Baixos, com cerca de 40% de segurados voluntários para os riscos graves, a
Alemanha, com cerca de 23% de segurados voluntários (dos quais mais de metade
estava inscrita numa caixa de seguro de doença obrigatório) e a Espanha e a Irlanda,
com cerca de 15% de segurados voluntários para alguns ou todos os grandes riscos.
Os responsáveis governamentais escutaram os apelos que foram feitos, no decurso
dos dez últimos anos, no sentido de que os segurados – ou, em todo o caso, um maior
número deles – tenham a liberdade de sair dos regimes obrigatórios, mas não tomaram
medidas neste sentido.
Pelo contrário, dois países, a Espanha e os Países Baixos estenderam, o primeiro,
ou anunciaram, o segundo, a sua intenção de estender a cobertura global obrigatória
ao conjunto da população. Os grupos a que o regime foi alargado e que passaram a ser
obrigados a contribuir foram os grupos de altos rendimentos e os trabalhadores
independentes. A razão pela qual o regime obrigatório foi alargado a essas categorias
não foi o facto de elas estarem insuficientemente cobertas (os seus membros eram
considerados como apresentando riscos menores e estavam convenientemente
cobertos pelos regimes de seguro privado), mas o facto de os prémios que pagavam,
no quadro dos regimes privados, serem inferiores, para uma cobertura idêntica, às
contribuições pagas pelas categorias de baixos rendimentos, no quadro do regime
público. Por conseguinte, o encargo da cobertura dos grupos mais desfavorecidos
pesava de maneira anormalmente onerosa sobre a população com rendimentos
médios. A situação financeira dos regimes obrigatórios foi também melhorada pelo
facto de terem sido englobados nesses regimes todos os indivíduos de altos
rendimentos. Podem-se invocar tanto argumentos respeitantes à equidade como
argumentos respeitantes à eficiência para preconizar uma cobertura universal para os
cuidados de saúde primários, um tratamento em função das necessidades e
contribuições em função da capacidade financeira. É pouco provável que um regime
privado responda de maneira satisfatória a uma grande preocupação de altruísmo no
domínio da saúde. Além disso, para melhorar o mais possível o estado de saúde da
população através dos serviços de saúde, é preciso conceber cuidados médicos
primários em função das necessidades (Culyer, 1989).
De tudo isto resultou que os regimes de seguro voluntário passaram a ter cada vez
mais um carácter complementar nos países que alargaram o seu regime público. No
entanto, nenhum outro país adoptou a atitude do Canadá que foi ao ponto de proibir
230
os regimes de seguro voluntário que proporcionavam prestações já asseguradas pelo
regime público. A possibilidade de subscrever um seguro voluntário apareceu como
uma liberdade importante mesmo quando, como em França, este seguro serve para
cobrir a taxa moderadora, o que suprime o efeito pretendido de sensibilização ao
custo no momento em que o doente utiliza um serviço .
Uma preocupação da maior parte dos países é a desigualdade que persiste, no
concernente à saúde e ao acesso aos cuidados (para o Reino Unido, ver Townsend e
Davidson, 1982). Existem, de resto, mais elementos sobre o primeiro aspecto do que
sobre o segundo. O Reino Unido tomou medidas, no final dos anos 70, para instaurar
uma maior equidade nas despesas hospitalares no plano geográfico. A Espanha fez o
mesmo nos anos 80.
EFICIÊNCIA MACROECONÓMICA E CONTENÇÃO DOS CUSTOS
A maioria dos países da OCDE viu as suas despesas médicas aumentar em
proporções inaceitáveis nos anos 70. Os governos, que gerem o essencial das despesas
de saúde, chegaram à conclusão de que os custos de oportunidade dos novos
aumentos de impostos necessários para financiar as despesas de saúde eram
demasiado elevados. Além disso, havia fortes suspeitas, em numerosos países, de que
a procura tinha sido induzida pelos prestadores. Os governos consideraram que um
crescimento limitado das despesas de saúde permitiria, contudo, fazer face às pressões
mais importantes do lado da procura, ligadas à evolução demográfica e à evolução das
técnicas médicas. Além disso, tinha-se a impressão de que os sistemas de saúde
podiam funcionar de maneira mais eficiente.
A principal conclusão deste estudo é a de que os governos dos sete países
considerados conseguiram controlar muito melhor os custos nos anos 80. Todos
conseguiram manter o crescimento das despesas de saúde em relação ao PIB a um
nível nitidamente inferior ao registado no decurso da década anterior. Os países que
se apoiam essencialmente no sistema público do contrato (sistema em que os terceiros
pagadores públicos celebram directamente contratos com os prestadores)
conseguiram-no praticamente tão bem como os países que se apoiam principalmente
no sistema público integrado (sistema em que os terceiros pagadores e os prestadores
estão integrados verticalmente no âmbito do sector público). Estes dois grupos de
países conseguiram-no melhor do que os países que continuaram a apoiar-se, em
parte, num sistema público de reembolso das despesas feitas pelo doente. Sem dúvida
deve ver-se nisto a consequência da generalização do recurso ao orçamento global nos
sistemas de contrato.
No entanto, em todos os casos, os gastos foram contidos apesar, das incertezas
quanto ao nível óptimo das despesas de saúde e quanto à capacidade dos sistemas de
melhorarem a sua produtividade. O que é mais, foram contidos apesar da oposição
231
dos prestadores e dos consumidores. As pressões a favor de um aumento das
despesas de saúde não desapareceram. Poder-ser-ía dizer que certos governos fizeram
baixar as despesas de saúde abaixo do nível óptimo, mas não há um padrão fiável em
relação ao qual esse género de défice possa medir-se e, tirando os eleitores, não há
maior autoridade que os próprios governos para apreciar o custo de oportunidade das
despesas de saúde financiadas pelo imposto.
PARTICIPAÇÃO NAS DESPESAS NO SECTOR FINANCIADO
POR FUNDOS PÚBLICOS
As tentativas feitas para conter as despesas de saúde incidiram, numa certa medida,
sobre a procura: foi exigida uma participação nas despesas no sector financiado por
fundos públicos. Vários dos sete países instituíram fórmulas obrigatórias limitadas de
comparticipação e de co-seguro (sem franquia) ou reforçaram as exigências a este
respeito, para os serviços ambulatórios e para os serviços hospitalares no quadro do
regime público. Dois países instauraram sistemas que permitem uma participação
negociável nas despesas (ou excedentes de honorários). No entanto, os responsáveis
governamentais resistiram geralmente aos argumentos dos que, no princípio da
década, lhes pediam que fizessem suportar pelos doentes uma grande parte dos
encargos.
Esta prudência parece justificar-se. Se é verdade que numerosos indicadores
mostram que a participação nas despesas, no momento em que o doente recorre a
cuidados médicos é de molde a reduzir o nível da procura de cuidados – sobretudo se
o doente só tem baixos rendimentos e pode, numa certa medida, escolher entre
recorrer ou não a cuidados (van de Ven, 1983) – em contrapartida, será equitativo e
eficaz exigir mais do que uma participação modesta (isentando as pessoas de baixos
rendimentos e os doentes crónicos)? Não valeria mais encorajar o médico - que é
geralmente o principal decisor - a oferecer cuidados eficazes em relação ao custo?
Sendo assim, os consumidores subscrevem, muitas vezes, um seguro complementar
para cobrirem as suas despesas, se isso não lhes for proibido.
A Alemanha e a França instauraram ambas uma participação negociável nas
despesas relativas a serviços bem precisos no quadro do seu regime público (no
momento em que os cuidados são dispensados). No princípio da década, a França
permitiu a certos médicos optarem por excedentes de honorários no quadro da
convenção sobre a remuneração dos médicos, autorizando-os a escolher o «sector 2».
A hipótese era, segundo parece, que os excedentes de honorários teriam um efeito
auto-regulador na medida em que os doentes prefeririam consultar médicos que
aplicassem as tarifas negociadas. No entanto, o que daí resultou, foi que, em 1989,
26% dos médicos tinham optado por excedentes de honorários, e que, nas grandes
cidades, se tinha tornado difícil encontrar especialistas que aplicassem as tarifas
negociadas. Esta situação fazia pesar uma ameaça sobre o acesso aos cuidados para os
232
grupos de baixos rendimentos. Em 1990, o governo considerou necessário restringir,
de futuro, a possibilidade concedida aos médicos de optarem por excedentes de
honorários, provocando, assim, greves entre os jovens médicos hospitalares, muitos
dos quais tinham a intenção de optar pelo sector 2. Este exemplo mostra os perigos
que há em autorizar uma participação negociável ilimitada nos custos, em matéria de
seguro de doença, quando a curva da oferta não é elástica. Enthoven (1988) observou
que, em semelhante caso, o preço tende a estabelecer-se ao nível do montante pago
pelo seguro, acrescido do montante que o doente está disposto a pagar, de modo que,
em concreto, o doente não está segurado.
A Alemanha parece ter mais sucesso com o sistema que introduziu recentemente e
que consiste em calcular os pagamentos das caixas de seguro de doença relativos a
certas categorias de medicamentos (perfeitamente fungíveis) por referência a um
preço fixo competitivo, não tendo o doente que pagar a não ser que escolha um
medicamento mais caro no grupo de medicamentos considerado. Neste caso, a oferta,
ao preço fixado, tem todas as probabilidades de ser perfeitamente elástica e não há
motivo para recear que os mais desfavorecidos não tenham acesso aos medicamentos.
Uma outra maneira de travar a procura consiste em fazer pagar pelo segurado
contribuições suplementares negociáveis para o seguro de doença de base para além
das contribuições obrigatórias. Muitas vezes, esta forma de participação nas despesas
é preferível à comparticipação nas despesas no momento em que os cuidados são
prestados porque as contribuições são negociadas e pagas num momento em que o
consumidor está bem, e não quando está doente. As contribuições suplementares
negociáveis são raras nos sistemas de seguro obrigatório (salvo para o seguro
complementar), devido a falta de concorrência. No entanto, elas constituem uma
componente importante das propostas formuladas nos Países Baixos, que visam
permitir a livre escolha do segurador no novo sistema de seguro obrigatório.
Prevê-se que uma parte do prémio médio total (inicialmente, tratava-se de 15%)
consistirá num pagamento voluntário e transferível do segurado para o segurador,
sendo este pagamento: específico para cada segurador; de montante uniforme para
todos os segurados; e sujeito à concorrência. A concorrência entre os seguradores
deveria influir no sentido da diminuição do prémio fixo, o que, num segundo tempo,
deveria incitar a procurar economias nos contratos com os prestadores. No entanto,
será necessário talvez velar por que certos seguradores, aproveitando uma situação de
oferta não inelástica, não celebrem acordos exclusivos com certos prestadores – por
exemplo, com especialistas de renome – a fim de comercializar uma medicina de luxo
a preços superiores. De forma mais geral, o comportamento dos mercados do seguro
de doença voluntário submetidos à concorrência leva a duvidar da capacidade desses
mercados para conterem os custos. Por exemplo, o prémio médio no mercado não
regulamentado do seguro de doença no Reino Unido aumentou cerca de 90%, em
termos reais, entre 1980 e 1988.
233
CONTENÇÃO DAS DESPESAS PELO LADO DA OFERTA
Nos sete países, a contenção das despesas de saúde não foi obtida por uma maior
sensibilização dos consumidores aos custos, mas antes reforçando a posição relativa
dos terceiros pagadores, ou então pelo exercício de um controlo central directo sobre
os montantes pagos aos prestadores e sobre a capacidade do sistema. Houve um
afastamento ainda maior do sistema estrito do reembolso, quando este continuou a
existir, e uma aproximação do sistema de contrato. No quadro de um sistema de
contrato, certos países incentivaram as suas caixas de seguro de doença a
comportarem-se menos como financiadores passivos do que como compradores
activos, constrangidos por um orçamento global. Nos casos em que a regulação pelo
enquadramento e controlo predominava, os principais instrumentos utilizados foram:
o controlo das tarifas e dos preços; o controlo das capacidades (número de camas e
grandes equipamentos); e o controlo sobre os vencimentos e salários no sector
público. Nos países de sistema integrado, os principais instrumentos utilizados foram
o orçamento global e as medidas moderadoras dos vencimentos e salários.
No concernente aos cuidados ambulatórios, a Espanha, os Países Baixos e o Reino
Unido aplicavam já, no princípio do período considerado, o sistema de capitação para
os doentes dos generalistas que relevavam do regime público. A Irlanda passou,
durante este período, do pagamento por acto para a capitação relativamente os
doentes dos generalistas que beneficiavam do seguro social e a Espanha passou da
capitação para o salário em relação aos médicos de cuidados primários. A Alemanha
adoptou a fórmula do orçamento global para a remuneração dos médicos depois de
1977. A Bélgica, em 1991, estendeu a fórmula do orçamento global (conservando o
pagamento por acto) aos sectores do seu sistema a que ela ainda se não aplicava. Só a
França continua a não ter um meio de limitar os montantes pagos aos médicos fora do
sistema hospitalar. O volume dos actos médicos tinha continuado a aumentar antes de
ser adoptada a fórmula do orçamento global, e isto, embora os países se tenham
vigorosamente empenhado em travar a progressão dos honorários.
O consumo de produtos farmacêuticos é um dos sectores em que as despesas
aumentaram mais nos anos 80, nos sete países. Isto explica-se pela evolução
respeitante aos medicamentos e não pela falta de travões efectivos às despesas ou aos
volumes. A maior parte dos países tomou medidas de controlo dos preços e também
instituiu listas limitativas que excluem certos medicamentos do reembolso.
Tentativas, como as que foram feitas na Baviera, para incitar os médicos a
prescreverem de forma mais económica não foram coroadas de êxito, aparentemente
porque não havia mecanismos incentivadores dirigidos aos médicos considerados
isoladamente. Em 1989, a Alemanha introduziu um sistema de preços de referência
para os medicamentos relativamente aos quais existem muito bons produtos de
substituição; foi seguida pelos Países Baixos, em 1991, e o Reino Unido anunciou a
234
sua intenção de introduzir um sistema de orçamentos de receitas indicativos para os
generalistas.
Foram os programas que visam o hospital que constituíram as reformas mais
importantes. No princípio do período, só a Espanha, a Irlanda, e o Reino Unido
dispunham de um orçamento global para os hospitais (quer ao nível do conjunto dos
hospitais, quer por hospital), mas, durante a década, os quatro outros países passaram
a adoptar a mesma orientação. O sistema do orçamento global não se aplica aos
estabelecimentos hospitalares privados em França, e só se aplica a uma parte das
despesas hospitalares na Bélgica. É de admitir que o sistema do orçamento global seja
mais eficaz do que medidas de controlo incidindo unicamente sobre os preços ou
sobre os volumes. Com efeito, quando os preços são fixos, pode-se contornar a
medida aumentando os volumes e, quando os volumes são fixos, podem-se aumentar
os preços. Com o orçamento global, os gestores ao nível local têm a liberdade de
decidir como podem realizar economias. Além disso, é um sistema que parece
funcionar. Uma melhoria regular da contenção dos custos, medida pela estabilização
das despesas hospitalares reais, foi constatada nos quatro países que adoptaram a
fórmula do orçamento global no decurso dos anos que se seguiram à introdução desta
medida. Comparativamente, a aplicação da fórmula dos grupos homogéneos de
diagnóstico (DRG), nos Estados Unidos, como método de financiamento dos
hospitais, não provocou senão um breve abrandamento do crescimento das despesas
hospitalares (Pauly, 1988). Uma análise econométrica das despesas de saúde per
capita no conjunto dos países da OCDE tende a mostrar que a fórmula do orçamento
global para o financiamento dos hospitais reduz o montante total das despesas de
saúde à escala nacional em perto de 13%, sendo todas as outras condições iguais
(Gerdtham et al., 1990).
No que respeita aos cuidados de longa duração, o Reino Unido tinha aplicado o
que, em última análise, era um sistema de reembolso sem montante limitativo,
financiado pela segurança social, para os cuidados dispensados a pessoas idosas em
centros de longa permanência. As despesas mais do que decuplicaram, em termos
reais, no decurso de uma única década, o que constitui uma progressão muito mais
rápida do que para os cuidados no domicílio que, manifestamente, eram a prioridade
do governo. No final do período, este anunciou a sua intenção: de fixar um orçamento
para esse dispositivo; de colocar esse orçamento sob o controlo das autoridades
locais; de encorajar as autoridades a lançarem um programa de avaliação para
determinarem se as necessidades das pessoas que precisam de uma assistência a longo
prazo seriam melhor satisfeitas no domicílio ou em estabelecimento; de incitar a
procurar cuidados tanto no sector privado como junto no sector público; finalmente,
de favorecer a livre escolha dos consumidores.
O orçamento global e outros meios utilizados para limitar as despesas podem ser
condições necessárias para assegurar uma contenção duradoura das despesas, mas não
235
são suficientes. Uma política nacional resoluta é indispensável para tomar decisões
quanto a orçamentos e a outros pagamentos a favor dos prestadores. Um modo único
de financiamento, como existe nos sistemas públicos financiados pelo imposto, é uma
condição necessária para conter as despesas de saúde. No entanto, a Alemanha e os
Países Baixos mostraram, nos anos 80, que um governo resoluto podia controlar as
despesas, mesmo num sistema que compreenda um grande número de pagadores,
incluindo pagadores privados. Isto foi obtido nos Países Baixos por meio de uma
intervenção central directa e na Alemanha por meio de negociações descentralizadas
entre as caixas de doença e os prestadores, no quadro de um plano de acção
concertada. O estudo econométrico acima citado (Gerdtham et al., 1990) indica que
há uma relação entre a parte do financiamento público e a redução dos custos: um
aumento de 1% da parte do financiamento público no total das despesas de saúde
diminui as despesas per capita de 0,23%. O financiamento obrigatório parece
conduzir tanto à contenção dos custos como à equidade. No entanto, o exemplo dos
Países Baixos mostra que um governo resoluto pode actuar mesmo sobre as despesas
de saúde voluntárias.
CONTENÇÃO DAS DESPESAS NO SECTOR QUE RELEVA DE
UM FINANCIAMENTO VOLUNTÁRIO
Havia diferenças sensíveis na evolução da regulamentação dos seguros voluntários
entre, por um lado, os países em que uma parte da população recorre ao seguro de
doença voluntário para o totalidade ou parte dos cuidados médicos de base e, por
outro, os países em que o seguro voluntário é estritamente complementar. Assim, os
seguros privados, nos Países Baixos, foram cada vez mais regulamentados com a
instituição de medidas de controlo sobre os prémios e, de uma certa forma, com a
obrigação de acolher todas as pessoas que desejam segurar-se. Na Irlanda, o seguro
voluntário está submetido a um monopólio que exerce uma disciplina cada vez mais
rigorosa sobre os prestadores. Inversamente, os seguradores privados em situação de
concorrência continuavam, praticamente, a não ser objecto de nenhuma
regulamentação no Reino Unido, onde a cobertura pelo regime público é universal.
Entre 1980 e 1988, os prémios médios aumentaram perto de 45%, em termos reais, na
Irlanda e cerca de 90%, no Reino Unido – enquanto, ao mesmo tempo, o custo médio
per capita dos cuidados hospitalares intensivos praticamente não variava, em termos
reais, no Serviço Nacional de Saúde. Sem dúvida, os governos consideram que o
“deixar andar” é a atitude apropriada quando o seguro voluntário só intervém a título
de complemento. Sendo assim, certos indicadores levam a pensar que o mercado
privado deveria, a prazo, a exemplo do que aconteceu nos sistemas públicos, afastarse do estrito sistema de reembolso. No Reino Unido, como nos Estados Unidos,
verifica-se que a concorrência impele os seguradores a controlarem os prestadores,
236
através de dispositivos como os contratos preferenciais, os cuidados organizados e os
inquéritos de utilização.
EFICIÊNCIA MICROECONÓMICA, LIBERDADE DE ESCOLHA DO
CONSUMIDOR E AUTONOMIA DOS PRESTADORES
Uma das grandes conclusões que se pode tirar deste estudo é que a ineficiência
microeconómica aparece, cada vez mais, como o problema fundamental do sector da
saúde financiado por fundos públicos dos sete países, nomeadamente devido à sua
incapacidade de conter as despesas. As ideias encaradas para reforçar a eficiência
microeconómica diferem de um país para outro. Em linhas gerais, há, por um lado, os
países que continuaram a depositar confiança nos mecanismos de enquadramento e
controlo, o que implica, sendo caso disso, introduzir aperfeiçoamentos no sistema
integrado, e, por outro lado, os que tentaram introduzir ou reforçar os mecanismos de
regulamentação e de incitação de um mercado ou de um quase-mercado. Os sete
países poderiam estar de acordo quanto à necessidade de uma maior garantia de
qualidade e de uma melhor informação sobre os resultados e os custos no domínio da
saúde.
Problemas em aberto
As preocupações em termos de eficiência eram bastante diferentes para cada um
dos sete sistemas de saúde. Os dados disponíveis não permitem concluir que os
sistemas diferem sob o ponto de vista da eficácia médica. Pôde-se observar, por
exemplo, que a mortalidade perinatal baixou fortemente, mais ou menos nas mesmas
proporções, nos sete países, no decurso dos anos 80. As afecções perinatais são
afecções para as quais as indicações são claras, em regra geral. Em contrapartida,
cada vez mais indicadores manifestam desvios inexplicáveis, entre países e no interior
de um mesmo país, em relação às afecções para as quais as indicações são menos
claras. É difícil pensar que a esses diferentes níveis de cuidados corresponde um
mesmo nível de eficácia.
Nos países que optaram pelos sistemas de reembolso ou de contrato, em que «o
dinheiro segue o doente», receia-se, por vezes, que sejam prodigalizados cuidados
inúteis e que haja uma procura induzida pelos prestadores. Receia-se também que a
regulamentação tenha um peso excessivo – o que é, muitas vezes, a consequência
involuntária das medidas de controlo dos custos quando os terceiros pagadores são
relegados para um papel de pagadores passivos. Apesar destas dificuldades, os países
que optaram por este tipo de dispositivo parecem proporcionar satisfação aos seus
consumidores.
Nos países que têm sistemas públicos integrados, em que «o dinheiro não segue o
doente», começa-se a recear uma má qualidade dos serviços e sistemas de gestão
237
rígidos e ineficazes. Além disso, nestes países, os doentes estão geralmente menos
satisfeitos. A remuneração fixa (sem concorrência) e o salariado para os generalistas e
os especialistas redunda, por vezes, segundo parece, em consultas rápidas, pouco
frequentes e em horários pouco práticos. Afigura-se também que há uma relação entre
uma prática antiga de orçamento global hospitalar, sem qualquer elemento de
remuneração ligado à actividade, e a existência de listas de espera e cuidados
impessoais.
Se bem que a Alemanha, a Bélgica, a França e os Países Baixos tenham
actualmente instaurado a fórmula do orçamento global para os hospitais, nesses
países, o dinheiro continua a «seguir o doente». A Bélgica e os Países Baixos
continuam a pagar honorários aos médicos hospitalares. Em França, numerosas
clínicas privadas oferecem uma cirurgia não vital aos segurados sociais, e tanto o
médico como o estabelecimento são remunerados por acto. Na Alemanha, foi mantida
uma certa relação entre o orçamento global e o volume de actividade.
Soluções adoptadas
A reforma mais rápida e mais espectacular foi a passagem, em 1991, de todo o
sistema público de saúde da Alemanha Oriental (antes da reunificação) para um
sistema de seguros sociais baseado no contrato, do tipo do que existia em todo o
território alemão antes do fim da Segunda Guerra Mundial. Esta era uma escolha
decisiva a favor do sistema do contrato para a Alemanha reunificada.
Reformas mais progressivas, mas não menos importantes, foram efectuadas, ao
mesmo tempo, nos Países Baixos e no Reino Unido. As reformas introduzidas no
Reino Unido consistiram num afastamento do sistema público integrado e numa
aproximação de uma versão do sistema público do contrato. As reformas realizadas
nos Países Baixos consistiram em reforçar o sistema do contrato, mas ultrapassando-o
pela introdução de uma concorrência entre os seguradores no quadro de um sistema
de seguros sociais universal. Os Países Baixos como o Reino Unido tentaram deixar
uma mais larga margem a sistemas de mercado organizado, auto-regulado, no
domínio da saúde.
A Alemanha tinha já mecanismos deste tipo e eles foram reforçados durante a
década.
Os três exemplos de mercados organizados aqui examinados referem-se todos a
países que, à escala central, estão firmemente decididos a assegurar uma cobertura
extensa, se não universal, das despesas de saúde pelo sector público, a assegurar a
equidade da prestação de cuidados no sector público e a exercer um controlo de
conjunto estrito sobre o nível das despesas de saúde. De facto, foi precisamente o
rigor dos seus constrangimentos exteriores que permitiu a esses países introduzirem
as liberdades do mercado nos seus sistemas financiados por fundos públicos. No
238
interior deste quadro geral, os três países considerados diferem sensivelmente, sob o
ponto de vista das estruturas de mercado descentralizadas que instauraram ou estão
em vias de instaurar.
O sistema alemão (Gráfico 11.2) associa uma concorrência entre prestadores
animada pelos consumidores e um monopólio bilateral, que implica a fixação de
orçamentos globais para os prestadores pelas caixas de seguro de doença. Na
Alemanha, existem numerosas caixas de seguro de doença que constituem
efectivamente pequenos monopólios. Se bem que as prestações mínimas sejam as
mesmas em todo o sistema, as contribuições variam largamente. O consumidor tem a
liberdade de escolher entre os médicos de primeiro recurso, o que implica honorários
transferíveis. Estes ajustam-se automaticamente à baixa, se o volume global aumenta,
porque os orçamentos globais são negociados ao nível regional entre as associações
de caixas de seguro de doença e as associações de médicos. Recentemente, a fixação
dos preços dos produtos farmacêuticos foi tornada mais concorrencial. Os
consumidores têm a liberdade de escolher, numa certa medida, entre os hospitais, e o
orçamento dos hospitais é, até certo ponto, função do volume de actividade. No
entanto, o que importa acima de tudo é que os orçamentos globais sejam fixados no
quadro de negociações bilaterais entre monopólios, ao nível regional, entre as
associações de caixas de seguro de doença e os hospitais. Elementos de concorrência
ou uma concorrência potencial entre os hospitais foram introduzidos, através da
melhoria das comparações de custos e da concessão às caixas de seguro de doença do
direito de rescindirem os contratos. Não se sabe em que medida este direito será
exercido. Há separação entre as caixas de seguro de doença e os prestadores, se bem
que cerca de metade dos hospitais pertença ao sector público. De uma maneira geral,
a liberdade de escolha dos consumidores é grande e as caixas de seguro de doença
podem ser as porta-vozes dos consumidores.
239
Gráfico 11.2 - O novo sistema de saúde da Alemanha
(sector financiado por fundos públicos)
Os Países Baixos (Gráfico 11.3) deverão aplicar, durante vários anos, um sistema
que institua uma concorrência entre os seguradores induzida pelos consumidores, ao
mesmo tempo que uma concorrência entre os prestadores induzida pelos
consumidores e pelos seguradores. Uma caixa central transformará as contribuições
calculadas em função dos rendimentos, cobradas no quadro do seguro social, em
prémios calculados em função dos riscos, pagos a seguradores independentes. Assim,
os consumidores terão a possibilidade de escolher o seu segurador sem que a
concorrência daí resultante se aparente com um sistema complexo de títulos de
consumo. A fim de incitar os consumidores a terem em conta dos custos na escolha de
um segurador, os prémios englobarão um elemento de solidariedade financeira. A
liberdade de escolha reconhecida aos consumidores relativamente aos médicos de
primeiro recurso implicará (pelo menos, à partida) que as remunerações fixas por
doente, negociadas pelos seguradores com os médicos, sejam transferíveis. No que
diz respeito ao mercado hospitalar, ele parece dever orientar-se para uma situação de
concorrência (sendo possíveis reagrupamentos). Os hospitais que, na sua maior parte,
são privados, gozam já de uma grande autonomia. É provável que fórmulas do tipo
das redes de cuidados coordenados (HMO) venham a instalar-se.
240
Gráfico 11.3 - O novo sistema de saúde dos Países Baixos
(sector financiado por fundos públicos)
O Reino Unido (Gráfico 11.4) prevê instituir em vários anos uma versão do
sistema público do contrato para os cuidados hospitalares. O sistema assentará numa
separação entre os compradores, organismos responsáveis pela saúde ao nível dos
distritos, financiados com base em montantes fixos ponderados, e os prestadores,
hospitais em situação de concorrência, públicos e privados. Os hospitais públicos bem
geridos serão encorajados a assumir o estatuto de fundações autónomas. O Reino
Unido prevê também (exemplo único) confiar a certos médicos de primeiro recurso a
gestão de uma parte dos fundos destinados aos hospitais, permitindo-lhes assim
tornarem-se compradores activos em nome dos seus doentes. Ao mesmo tempo, será
incentivada uma maior concorrência entre os generalistas. O facto de confiar a gestão
de uma parte dos fundos aos generalistas e de introduzir a concorrência significará,
concretamente, que certos consumidores terão, em parte, a liberdade de escolher o seu
segurador no quadro do Serviço Nacional de Saúde. Neste novo sistema, o governo
conservará uma responsabilidade directa de gestão operacional em relação aos
compradores, organismos responsáveis pela saúde ao nível dos distritos (mas os
generalistas que disporão de fundos serão independentes), e esforçar-se-á por
instaurar uma regulação entre os prestadores, principalmente através de mecanismos
da concorrência. O governo conservará, no entanto o controlo das decisões de
investimento nas fundações e nos hospitais públicos.
O que é (ou o que será) comum a todos estes sistemas é que os prestadores (e, no
caso dos Países Baixos, os seguradores) são encorajados a satisfazerem os
241
consumidores na medida em que estes gozam de uma liberdade de escolha entre
honorários, montantes fixos por doente ou prémios transferíveis. O dinheiro vem com
o doente. Os compradores locais – organismos terceiros pagadores ou generalistas –
podem tornar-se os porta-vozes dos consumidores e negociar, no plano da qualidade e
dos custos, com prestadores em situação de concorrência para a obtenção de serviços
financiados por orçamentos públicos limitados. Será preciso, portanto, encontrar
fórmulas que permitam aos terceiros pagadores e aos médicos de primeiro recurso
coordenarem as suas decisões – decisões de compra para os primeiros e de orientação
para os segundos. Os compradores poderão também ajuizar do plano de distribuição
dos cuidados (avaliação das necessidades relativas, sobretudo no caso de doenças
crónicas), salvo nos Países Baixos, onde será provavelmente a caixa central que
desempenhará esse papel.
Gráfico 11.4 - O novo sistema de saúde do Reino Unido
(sector financiado por fundos públicos)
Nos três países, os governos tendem a basear os seus esforços de regulação mais
em mecanismos de concorrência do que não em medidas de enquadramento e
controlo. Um controlo macroeconómico rigoroso conjugado com a concorrência (ou
com um monopólio bilateral) pode permitir aos governos manterem-se um pouco
retirados.
Os mercados organizados do tipo dos que foram descritos atrás deveriam dar uma
maior liberdade de escolha aos consumidores e uma maior autonomia aos produtores;
deveriam também melhorar a eficiência dos sistemas de saúde sem que sejam
242
sacrificados os objectivos gerais de contenção das despesas e de equidade. Estes
dispositivos lançarão um desafio ao juízo peremptório formulado por Enthoven e
Kronick (1989), segundo o qual «nenhum dos países que adoptaram a fórmula dos
orçamentos globais no sector público encontrou o meio de favorecer a eficiência na
organização e na prestação dos cuidados».
No entanto, os mercados organizados no âmbito dos sistemas públicos de saúde
são ainda relativamente novos. Subsistem interrogações sobre vários aspectos
importantes, por exemplo:
− é possível, como o Reino Unido o admite, obter as melhorias desejadas no
plano da eficiência em quase-mercados, em que tanto os compradores como
os fornecedores são organismos públicos? Como é que, por exemplo, os
poderes públicos vão evitar os desacordos potenciais entre os compradores,
descentralizados, e os fornecedores/investidores hospitalares, eles também
descentralizados, sem serem levados a entregar-se a uma planificação
pormenorizada e a avaliar os investimentos ou as decisões de compra? O
sistema público do contrato, nesta versão, cederá o lugar ao sistema público
integrado?
− quais são as vantagens de uma situação de concorrência em comparação
com uma situação de monopsónio entre organismos terceiros pagadores no
sector público e, se se considerar o caso da Irlanda, no sector privado?
− qual é o grau conveniente de concorrência entre prestadores? A ameaça da
concorrência e as comparações com um valor de referência serão
suficientes, quando há um monopólio da oferta?
− qual é a melhor maneira de conciliar a liberdade de escolha do consumidor,
a liberdade de escolha do médico de primeiro recurso e as negociações com
os organismos terceiros no mercado dos serviços hospitalares?
− em que medida os custos de transacção anularão as economias decorrentes
da aplicação de mecanismos de incitação pelo mercado?
− em que medida pode a caixa central estabelecer prémios ajustados em
função do risco e regulamentações que permitam efectivamente
desencorajar os seguradores de praticarem uma selecção dos riscos (uma
«desnatagem») (Van de Ven, 1990)? O sistema Medicare, nos Estados
Unidos, encontra-se confrontado com o mesmo problema: tem que definir
um montante fixo ponderado por doente que permita aos beneficiários
inscrever-se numa rede de cuidados coordenados (HMO) sem ter que recear
uma selecção dos riscos.
243
− em que medida pode o sistema medir adequadamente os resultados e a
qualidade dos cuidados, a fim de se assegurar de que a concorrência não
funciona em detrimento dos resultados e da qualidade?
− o mercado permitirá o nível de informação adequado ou os poderes
públicos terão que intervir para exigirem a divulgação da informação e a
transparência e para preencherem as lacunas?
Como decorrerão vários anos antes que se sintam plenamente os efeitos das
reformas introduzidas nos Países Baixos e no Reino Unido, é pouco provável que
sejam dadas respostas incontestáveis a estas interrogações no futuro imediato.
Bibliografia
Culyer, A. J. (1989), «The Normative Economics of Health Care Finance and Provision»,
Oxford Review of Economic Policy, Vol. 5, nº 1.
Enthoven, A. C. (1988), Theory and Practice of Managed Competition in Health Care
Finance, Amesterdão.
Enthoven, A. C. e Kronick, R. (1989), «A Consumer Choice Health Plan for the 1990s», New
England Journal of Medicine, Vol. 320, nº 1 (1ªparte) e 2 (2ªparte).
Gerdtham, U-G., Sogaard, J., Jönsson, B. e Andersson, F. (1990), «A Pooled Cross-Sectional
Analysis of the Health Care Expenditures of the OECD Countries», documento
apresentado por ocasião do Segundo Congresso Mundial sobre a Economia da Saúde,
10 a 14 Setembro, Zurique, Suíça.
Pauly, M. V. (1988), «Efficiency, Equity and Costs in the US Health Care System», in
American Health Care, What are the Lessons for Britain?, Institute of Economic
Affairs, Health Unit, documento nº 5, Londres.
Townsend, P. e Davidson, N. (1982), Inequalities in Health, Penguin.
Van de Ven, W. P. M. M., (1983), «Effects of cost-sharing in Health Care», Effective Health
Care, Vol. 1, nº 1.
Van de Ven, W. P. M. M. e Van Vliet, R. C. J. A. (1990), «How Can We Prevent Cream
Skimming in a Competitive Health Insurance Market?», documento apresentado por
ocasião do Segundo Congresso Mundial sobre a Economia da Saúde, 10 a 14
Setembro, Zurique, Suíça.
244
Capítulo 12
CONCLUSÕES
Um certo número de conclusões se extrai deste estudo: conclusões respeitantes aos
problemas que conduziram à realização das reformas, conclusões respeitantes ao
conteúdo das próprias reformas e aos seus resultados, e conclusões respeitantes às
incertezas que subsistem. No entanto, é necessário evitar tirar daí recomendações
firmes por várias razões:
− se bem que os países fixem objectivos análogos aos seus sistemas de saúde,
a importância relativa que atribuem a esses diferentes objectivos pode
variar.
− a maior parte dos sistemas de saúde assenta apenas num pequeno número
de subsistemas comuns, o que facilita a comparação entre países. Mas não
há dois países em que os subsistemas sejam combinados exactamente da
mesma forma e podem existir diferentes jogos de interacções entre os
diferentes subsistemas, de forma que quase se não podem transpor
validamente as experiências.
− a experiência técnica pode, certamente, transmitir-se de um país a outro,
mas isso não tem quase nenhuma utilidade, se um país se encontrar
confrontado com obstáculos políticos que tornem a mudança impossível.
− algumas das reformas mais importantes que foram descritas, em especial as
empreendidas nos Países Baixos e no Reino Unido, implicam a
experimentação de novos mecanismos, cujos plenos efeitos não se farão
sentir claramente senão após longos anos.
As conclusões, mais uma vez, são apresentadas em função dos grandes objectivos
fixados aos sistemas de saúde pelos responsáveis governamentais, tais como foram
definidos no capítulo 11, e com base nos subsistemas predominantes de
financiamento e de prestação dos cuidados descritos no capítulo 1.
POSSIBILIDADES DE ACESSO SUFICIENTES E EQUITATIVAS
E PROTECÇÃO DOS RENDIMENTOS
O financiamento público continua a ser o modo de financiamento mais
frequentemente utilizado para permitir o acesso aos cuidados médicos necessários à
grande maioria dos indivíduos nos sete países considerados, se bem que alguns, aqui e
ali, preconizem que se conceda um lugar mais importante ao seguro voluntário.
Nenhum dos sete países reduziu a cobertura assegurada pelo sector público e dois dos
países, a Espanha e os Países Baixos, instauraram, o primeiro, ou anunciaram, o
245
segundo, uma cobertura universal obrigatória. O seguro de doença voluntário tomou
ou tendia a tomar um carácter cada vez mais complementar na maior parte dos sete
países. A participação nas despesas do sistema público também permaneceu limitada
ou muito limitada nos sete países.
Podem-se avançar vários argumentos para explicar o apego dos países europeus ao
princípio da solidariedade no domínio da saúde. Primeiro, um forte sentimento de
altruísmo difundido no seio da população para com as pessoas doentes; a garantia de
proporcionar cuidados em função das necessidades e não em função da capacidade de
pagamento pode afigurar-se a melhor maneira de elevar a situação geral, sob o ponto
de vista da saúde, para uma parte determinada de recursos consagrada às despesas de
saúde.
Isto não significa que os sistemas públicos tenham sempre chagado ao nível de
equidade desejado do ponto de vista do financiamento dos cuidados ou do acesso aos
cuidados no sistema público. Por exemplo, existem desvios no nível das contribuições
exigidas para prestações análogas entre as caixas de seguro de doença na Alemanha e,
em vários países, persistem disparidades nas possibilidades de acesso aos serviços
para uma necessidade determinada. No entanto, essas disparidades são bem menores
do que seriam em sistemas voluntários. Mais graves são as disparidades persistentes,
que são difíceis de eliminar, no estado de saúde dos diferentes grupos socioeconómicos em todos os países. Os sistemas de saúde não podem, por si sós, eliminar
essas diferenças.
EFICIÊNCIA MACROECONÓMICA
O financiamento público, universal ou quase universal, dos cuidados médicos
implica duas consequências importantes. Em primeiro lugar, como não estão
sensibilizados para as despesas, os consumidores são impelidos a procurar mais
cuidados do que o que corresponderia ao nível óptimo e os prestadores são incitados a
responder a esta procura, sobretudo se a sua remuneração variar em função do seu
nível de actividade. Em segundo lugar, os poderes públicos são levados a
desempenhar um papel moderador e a fixar o nível da maior parte das despesas de
saúde. No exercício desta pesada responsabilidade, os poderes públicos encontram-se
confrontados com duas dificuldades: a coligação dos interesses dos consumidores e
dos produtores, que se opõe à moderação, e a real dificuldade de saber qual é o nível
apropriado das despesas de saúde.
Os governos dos sete países conseguiram todos dominar melhor as despesas no
final dos anos 70 e nos anos 80. A parte do PIB afecta às despesas de saúde aumentou
mais lentamente, cessou de aumentar ou, como no caso da Irlanda, diminuiu. Os
progressos foram particularmente sensíveis nos dois países que dispõem de caixas de
seguro de doença e se apoiam essencialmente no sistema público do contrato
246
(Alemanha e Países Baixos), assim como nos três países que optaram por um
financiamento pelos imposto e por um sistema no essencial integrado (Irlanda,
Espanha e Reino Unido). Os progressos foram um pouco menos visíveis nos dois
países que continuam, numa certa medida, a aplicar o sistema do reembolso público
(Bélgica e França). Afigura-se muito nitidamente que esta contenção das despesas foi
obtida não tanto por modestos aumentos do nível da participação nos custos (sendo o
objectivo de contenção das despesas, de qualquer modo, por vezes, neutralizado pelos
seguros voluntários) como por disposições que actuam directamente sobre a oferta,
quer os terceiros pagadores tenham endurecido o seu domínio, por exemplo
instituindo o orçamento global, quer uma regulamentação central directa tenha sido
aplicada em matéria de honorários e de tarifas. A fórmula do orçamento global foi
introduzida em certos sectores dos sistemas belga e francês durante o período
estudado, diminuindo correlativamente a parte dos reembolsos não limitativos,
induzidos pela procura, a favor dos doentes. Os Países Baixos, para conterem as
despesas, basearam-se, ao mesmo tempo, no sistema do orçamento global para os
hospitais e numa regulamentação central directa da actividade dos prestadores.
Estas observações levam a concluir que não é surpreendente que o sistema de
reembolso público seja menos eficaz para assegurar a contenção das despesas do que
o sistema público do contrato ou do que o sistema integrado. A mesma observação
vale para as versões voluntárias destes sistemas nos Estados Unidos: fórmulas de
seguros privados em relação a diversos tipos de redes de cuidados (HMO). E, de
facto, se a Bélgica e a França continuam a aplicar alguns dos princípios do sistema do
reembolso, recorrem, cada vez mais, às negociações directas entre as caixas de seguro
de doença e os prestadores (sistema do contrato) ou, no caso dos hospitais públicos
em França, ao controlo directo das despesas, pelo facto de o Estado ter o estatuto de
proprietário (sistema integrado).
EFICIÊNCIA MICROECONÓMICA, LIBERDADE DE ESCOLHA
DOS CONSUMIDORES E AUTONOMIA DOS PRESTADORES
O objectivo da eficiência microeconómica no domínio da saúde engloba
nomeadamente, a ideia de melhorar a eficiência estática, o que significa que se trata
de obter mais pelo mesmo montante (sendo o valor a simultaneamente, o estado de
saúde da população e o grau de satisfação em relação ao processo de cuidados
ponderado por considerações de bem-estar social). Há também uma noção de
eficiência dinâmica: trata-se então de melhorias introduzidas, no decurso do tempo,
nas técnicas médicas e nas técnicas de organização que permitem elevar a
produtividade de recursos humanos e materiais raros. A prazo, os progressos
resultantes da mudança tecnológica deveriam prevalecer sobre os resultantes das
melhorias registadas no plano da eficiência estática.
247
Saber como atingir estes objectivos microeconómicos é um aspecto sobre o qual há
mais dificilmente acordo do que acerca da maneira de atingir os objectivos atrás
evocados quanto à cobertura assegurada pelos sistemas e à contenção das despesas, e
isto por várias razões:
− faltam ainda bons instrumentos para medir os resultados e a qualidade dos
cuidados, donde a dificuldade de medir a eficiência;
− continuam a divergir os pontos de vista no que toca à melhor maneira de
levar os prestadores de cuidados, em particular os médicos, a terem um
comportamento eficaz em relação aos custos;
− como foi assinalado atrás, os resultados de importantes reformas tendentes
principalmente a resolver os problemas da eficiência, que foram realizadas
nos Países Baixos e no Reino Unido, ainda não são conhecidos.
Segundo o capítulo anterior, o sistema público não dá sempre uma inteira
satisfação do ponto de vista do desempenho microeconómico. Embora possa haver e
haja, efectivamente, muitas vezes liberdade de escolha para o doente (sob conselho
médico), quando o hospital público é financiado por um orçamento global e os
médicos são assalariados, o exercício desta liberdade de escolha não implica qualquer
gratificação financeira para os prestadores que são avaliados, em relação aos que não
o são. Por outras palavras, o dinheiro não segue o doente. Verifica-se o mesmo tipo de
crítica na fórmula da remuneração por capitação, conjugada com medidas limitativas
da concorrência. O sistema integrado parece dar lugar a listas de espera e a levar os
doentes a serem suplicantes e reconhecidos, em vez de os transformar em verdadeiros
consumidores. Se este sistema não parece desencorajar a inovação médica – na
medida em que os médicos conservem a sua liberdade clínica - parece, em
contrapartida, desencorajar a inovação no plano da organização. Recentemente foram
tomadas medidas que vão, contudo, no sentido de um abandono do sistema anterior,
não só no Reino Unido e na Alemanha Oriental, mas em outros países da Europa
Central e Oriental, na Suécia e na ex-URSS.
As reformas empreendidas no Reino Unido abrangem vários aspectos: reforço da
concorrência entre os generalistas animada pelos consumidores; aumento da
responsabilidade financeira dos grandes consultórios de generalistas, no respeitante
aos cuidados hospitalares dos seus doentes; separação da função de compra de
cuidados hospitalares pelas autoridades responsáveis pela saúde à escala local da
função de prestação de cuidados; possibilidade dada aos hospitais públicos bem
geridos de se tornarem autónomos; e incitação dos hospitais privados a entrarem em
concorrência para a obtenção de fundos públicos. Desde que sejam celebrados
contratos adaptados, estas reformas favorecerão o aparecimento de um mercado ou de
um quase-mercado de cuidados hospitalares em que o dinheiro seguirá o doente (cuja
escolha é guiada pelo generalista). Isso implica orientar-se para o sistema público do
248
contrato no mercado hospitalar, mesmo com um pequeno número de hospitais
independentes, pelo menos ao princípio.
São decepcionantes, em vários países, as fórmulas de regulação dos cuidados pelo
enquadramento e pelo controlo. O recurso aos mecanismos de regulação pelo
enquadramento e pelo controlo inscreve-se, em certos países, no quadro do sistema
integrado e, noutros, resulta das medidas de controlo das despesas aplicadas no
quadro do sistema público do reembolso e do sistema de contrato, que deixam
funcionar os princípios do mercado. Os sistemas públicos integrados resistem mal,
também, a uma tendência para a centralização, embora se faça um esforço para
delegar o poder de gestão nas autoridades responsáveis pela saúde pública à escala
local. No entanto, a experiência alemã leva a pensar que o sistema público do contrato
permite deixar uma larga margem à auto-regulação no quadro de uma política central
firme de controlo das despesas. Com efeito, pode-se estabelecer uma relação de
contrapoder entre as caixas de seguro de doença locais e os prestadores locais. As
reformas empreendidas no Reino Unido e nos Países Baixos permitem esperar o
mesmo grau de auto-regulação, através dos mecanismos da concorrência. Convém
sublinhar que os poderes públicos deverão sempre fixar o quadro das despesas e
regular a política dos compradores públicos assim como o funcionamento do
mercado. O objectivo é permitir aos poderes públicos afastarem-se um pouco e não
renunciarem completamente a assumir as suas responsabilidades.
CONJUGAR EFICIÊNCIA E EQUIDADE EM MERCADOS DE PRESTADORES
Ressalta claramente do que precede que o sistema público de contrato apresenta
mais aspectos positivos do que o sistema público de reembolso ou que o sistema
público integrado. O sistema de reembolso não comporta mecanismos satisfatórios de
contenção dos custos, a menos que se encarem níveis inaceitáveis de participação nos
custos. O sistema integrado não incita (financeiramente) a procurar a eficiência
microeconómica, porque o dinheiro «não segue o doente». Só o sistema da contrato
convém, simultaneamente, para a procura de eficiência macroeconómica e para a
procura da eficiência microeconómica. Além disso, o sistema de contrato parece
prestar-se melhor à auto-regulação e assegurar melhor uma autonomia satisfatória dos
prestadores do que os dois outros sistemas.
Nestas condições, não é surpreendente que haja aparentemente uma certa
convergência nos sete países, em direcção ao sistema do contrato. A Bélgica afastouse do sistema público do reembolso para se aproximar do sistema público do contrato.
Espera-se que os Países Baixos reduzam a margem deixada aos mecanismos de
reembolso voluntário. O Reino Unido e os Länder da Alemanha oriental afastaram-se
do sistema integrado para se aproximarem do sistema do contrato.
249
As reformas fazem aparecer novas variantes do sistema de convenção. Quando se
trata dos prestadores de primeiro recurso, é normal que os terceiros pagadores
desempenhem um papel relativamente passivo, contentando-se com tornar as coisas
possíveis e deixar os consumidores jogar na concorrência. Resta saber é melhor
remunerar os médicos de cuidados primários por capitação ou por acto, ou segundo
uma forma que associe as duas modalidades, como no Reino Unido. No que diz
respeito aos cuidados hospitalares, é possível uma maior escolha. O terceiro pagador
pode ser um segurador público ou quase público em situação de monopólio, como
uma caixa de seguro de doença, ou então o prestador de cuidados primários que dá
acesso aos cuidados hospitalares, como, no Reino Unido, os generalistas a que é
conferido o poder de afectar fundos destinados aos hospitais. Quando o organismo
terceiro pagador para os cuidados hospitalares não é o médico que dispensa cuidados
primários, este organismo pode ser um financiador relativamente passivo, que segue
as decisões de orientação dos prestadores de cuidados primários, mais do que
desempenha um papel motor na matéria, ou então um comprador relativamente
activo. Esta última atitude parece particularmente adequada quando se põe a questão
de saber de que modo convém repartir as despesas públicas entre os grandes grupos
de doentes – por exemplo, entre os doentes que têm necessidade de cuidados
hospitalares urgentes e os que têm necessidade de cuidados hospitalares de longa
duração. É preciso decidir como é que o orçamento global hospitalar se conjuga com
um sistema de remuneração ligado à actividade. É preciso também determinar se os
terceiros pagadores públicos restringem o contrato aos hospitais públicos, criando um
mercado «interno» (Enthoven e Kronick, 1985); se os hospitais se tornam ou
continuam independentes; ou se se encaram hospitais de diferentes tipos, como no
sistema que está a ser instaurado no Reino Unido. É demasiado cedo para dizer como
funcionará a concorrência, concretamente, nos sistemas em que, assim, o sector
público é parte interessada de ambos os lados do mercado.
Este estudo permite tirar uma outra conclusão. Cada vez são mais numerosos os
exemplos de fórmulas «mistas» de remuneração dos prestadores, no quadro de
sistemas públicos de contrato. As fórmulas de remuneração «mistas» associam um
limite máximo global para as despesas a gratificações concedidas a título individual
aos prestadores em função da sua produtividade. Pode-se citar um certo número de
exemplos:
− capitação e concorrência (generalistas na Irlanda, nos Países Baixos e no
Reino Unido);
− orçamento global e pagamento por acto (médicos na Alemanha);
− orçamento global e contratos que tomam em conta o volume de actividade
(hospitais na Alemanha e no Reino Unido).
250
Estes sistemas de remuneração mistos podem transmitir sinais aos prestadores,
tanto no respeitante às prestações como no respeitante aos constrangimentos de custo.
É interessante notar que, segundo três autores que se esforçaram por pôr em
evidencia as características teóricas de sistemas óptimos de pagamento dos serviços
de saúde nos Estados Unidos, os sistemas de pagamento que asseguram o equilíbrio
desejado entre a protecção dos consumidores em relação ao risco financeiro, e a
contenção dos custos caracterizam-se por uma cobertura de seguro generosa e por
incitações financeiras a que os prestadores reduzam as despesas. Afigura-se que os
mecanismos incentivadores financeiros mais eficazes dirigidos aos prestadores, são
«os sistemas mistos em que uma parte do pagamento é prospectiva e outra parte é
baseada nos custos» (Ellis e McGuire, 1986). O sistema pode também «associar a
capitação e o reembolso parcial das despesas suportadas pelo prestador» (Selden,
1990). Por outro lado, as políticas centradas na oferta são o instrumento a privilegiar
para conseguir conter as despesas. «Não há nunca reembolso baseado nas despesas
num sistema óptimo de pagamento dos cuidados de saúde» (Ellis e McGuire, 1990).
Para assegurar convenientemente os objectivos de equidade e de eficiência num
sistema de contrato em parte auto-regulado, é desejável o apoiar-se numa caixa
central para operar uma compensação das taxas de contribuição (se a fonte de
financiamento não for o imposto) e atribuir a organismos terceiros pagadores
descentralizados, orçamentos globais calculados em função dos riscos. Esses
orçamentos deveriam ser estabelecidos em função da população de que se ocupam os
organismos pagadores, sendo feita uma ponderação para tomar em conta factores
como a estrutura por idades e a morbilidade (ou a mortalidade) relativa. Talvez fosse
também desejável que os organismos terceiros pagadores estabelecessem orçamentos
de compra para diferentes grupos de necessidades na população que eles cobrem e se
comportassem como «compradores» activos em nome desses grupos.
É um exercício interessante tentar estabelecer a lista de características ideais do
sistema público de contrato em parte auto-regulado ou do mercado público de
prestadores. Como é evidente, um tal sistema não existe, na realidade, actualmente em
nenhum dos sete países. A fase de experimentação e de afinamento ainda não está
terminada, em especial no Reino Unido. No entanto, todas as características
essenciais parecem ter sido já ensaiadas em um ou vários dos sete países
considerados, embora não no mesmo momento nem no mesmo lugar:
− cobertura pública universal e seguro voluntário complementar (Bélgica,
França, Reino Unido);
− controlo dos poderes públicos sobre a massa total das despesas públicas de
saúde (Alemanha, Países Baixos, Reino Unido);
251
− caixa central para atribuir orçamentos calculados em função dos riscos a
organismos terceiros pagadores descentralizados, públicos, em situação de
monopsónio (Bélgica, Reino Unido);
− organismos
terceiros pagadores descentralizados, encarregados de
estabelecer orçamentos para diferentes grupos de necessidades (Reino
Unido);
− separação entre «compradores» descentralizados e prestadores (Alemanha);
− concorrência, animada pelos consumidores entre prestadores públicos e
privados (França);
− contrato de orçamento global entre «compradores» e prestadores
que
permita ao dinheiro seguir o doente (Alemanha);
− elevado grau de auto-regulação pelos organismos terceiros pagadores e
pelos prestadores (Alemanha).
O que se é tentado a dizer aqui é que instaurar um mercado de prestadores no
quadro do sistema público de contrato não é uma estratégia de alto risco, porque a
maior parte das componentes deste sistema, se não todas, foram já testadas num país
ou noutro.
CONJUGAR EFICIÊNCIA E EQUIDADE, AO MESMO TEMPO NOS
MERCADOS DE SEGURADORES E NOS MERCADOS DE PRESTADORES
As reformas efectuadas nos Países Baixos vão para além da instituição de
mercados organizados de prestadores, visto que criam, além disso, mercados de
seguro de doença (salvo, talvez, para os cuidados a longo prazo), com uma
concorrência animada pelos consumidores. Um mecanismo um pouco análogo é
actualmente aplicado no Reino Unido, onde uma parte do orçamento dos hospitais de
relativos a doenças graves e patologias graves é atribuída a grandes grupos de
generalistas em concorrência. Os três regimes públicos descritos no princípio deste
capítulo não dão conta convenientemente destes dispositivos. De facto, o sistema
neerlandês (gráfico 11.3) deve ser considerado como um oitavo sistema a juntar à lista
dos sete sistemas diferenciados no capítulo 1. Trata-se, de certo modo, de um sistema
complexo de títulos de consumo no domínio do seguro de doença. Além disso, podese notar que serve um novo objectivo, a saber, a autonomia dos seguradores. Neste
sentido, alarga os mecanismos de auto-regulação largamente para além dos limites do
mercado de prestadores. Este sistema permite, em princípio, aos consumidores
escolherem entre os três sistemas voluntários de financiamento e de prestação dos
cuidados apresentados no capítulo 1, no quadro de um sistema de seguro de doença
obrigatório. É o mercado que decidirá entre a fórmula do reembolso, a fórmula do
contrato e o sistema integrado.
252
Poder-se-ia dizer que o sistema neerlandês faz intervir três novas componenteschave a acrescentar à lista das características do mercado de prestadores descrita
atrás:
− caixa central encarregada de financiar prémios de seguro em função do
risco para cuidados relativos a doenças graves e patologias graves ;
− participação negociável dos indivíduos no financiamento dos prémios;
− concorrência induzida pelos consumidores entre os diferentes seguradores.
A última destas componentes foi largamente posta à prova, não só nos Estados
Unidos, onde os dispositivos que permitem aos doentes escolher entre prestações de
seguro e uma rede de cuidados (HMO), no âmbito do Medicare, são muito
semelhantes aos dispositivos em que assenta o sistema neerlandês, mas também, num
passado recente e menos recente, nos Países Baixos. Em contrapartida, as duas
primeiras componentes foram relativamente pouco experimentadas. Se o ajustamento
dos prémios aos riscos não for satisfatório, os seguradores serão fortemente incitados
a praticar a «desnatagem». Dito por outras palavras, serão incitados a fazer
concorrência uns aos outros, não tornando-se mais eficazes, mas segurando os
indivíduos de boa saúde que apresentam poucos riscos. E poder-se-ia imaginar que a
fracção negociável do prémio possa ter um efeito perverso e não desejado ao permitir
aos consumidores de elevados rendimentos desviarem a seu favor os recursos de
saúde, em detrimento dos consumidores com baixos rendimentos. Um juízo
pessimista foi feito, recentemente, nos Estados Unidos, sobre os sistemas do tipo
neerlandês:
«Pesquisas extensas consagradas a Medicare e a dispositivos privados não
permitiram pôr em evidência um meio fiável de medir e de corrigir a selecção dos
riscos em proporções suficientes para permitir à teoria dos dominós funcionar»
(Jones, 1990).
Por «teoria dos dominós», Jones entende uma escolha consciente em termos de
custos, por parte dos seguradores, que implique uma escolha igualmente consciente,
em termos de custos, por parte dos prestadores. No entanto, pensa-se em novas
disposições para resolver o problema da «desnatagem», disposições que conjuguem:
um ajustamento em função dos riscos; uma partilha dos riscos entre os seguradores e
a caixa central; e regulamentações favoráveis à concorrência (Van de Ven, 1990). Os
esforços intensos que são actualmente desenvolvidos nos Estados Unidos, nos Países
Baixos e no Reino Unido para resolver este problema deveriam permitir conceber um
mercado de seguro de doença de molde a satisfazer, ao mesmo tempo, os objectivos
de equidade e de eficiência.
253
EPÍLOGO
Parece haver convergência, em muitos aspectos, entre os sete países quanto à suas
políticas de saúde e às suas instituições. Dão testemunho disso: a tendência
persistente para assegurar uma cobertura universal pelos regimes públicos; o reforço
dos controlos exercidos pelos poderes públicos sobre o conjunto das despesas de
saúde; a adopção, em todos os países, da fórmula do orçamento global nos mercados
hospitalares; e a tendência para se orientar em direcção ao sistema do contrato
observada em vários países. Em contrapartida, há divergência sobre a questão da
regulamentação. Enquanto, no princípio dos anos 80, os Países Baixos e o Reino
Unido tinham seguido o mesmo caminho que a Alemanha, deixando mais larga
margem à auto-regulação.
Em relação a esses três países, poder-se-ia dizer que eles experimentam uma nova
divisão do trabalho entre os poderes públicos e o mercado para a regulamentação dos
sistemas de saúde. O papel dos poderes públicos consistirá em: definir o nível da
maior parte das despesas de saúde; garantir uma cobertura universal ou praticamente
universal das despesas de saúde; responsabilizar-se pelos objectivos de equidade e de
distribuição; enunciar as regras que regem o funcionamento do mercado; e velar por
que a informação seja suficiente e transparente. A responsabilidade do mercado
estender-se-á a todos os outros aspectos respeitantes ao financiamento e à prestação
de cuidados à escala local.
Estes mercados organizados representam uma nova tentativa para corresponder aos
objectivos de adequação, de equidade e de eficiência das políticas de saúde evocadas
no início deste relatório. No entanto, são inevitáveis certas arbitragens entre a
preocupação financeira e a equidade, por exemplo, ou ainda entre a contenção dos
custos e a liberdade de escolha. Tudo o que se pode esperar é que, melhorando a
produtividade dos sistemas de saúde, as reformas efectuadas tornem essas arbitragens
menos dolorosas.
Além disso, certos problemas difíceis de resolver persistem, em especial no
domínio da informação. Os Países Baixos e o Reino Unido estão embaraçados pelo
facto de não terem um método satisfatório para ajustar os pagamentos fixos por
doente ou os prémios de seguro em função do risco. Os sete países, sem excepção,
não têm as informações requeridas sobre os resultados marginais das despesas de
saúde, a fim de apoiarem as decisões delicadas que os governos têm que tomar no
respeitante ao nível das despesas públicas de saúde. E, o que é mais grave ainda, os
países da OCDE não têm bons instrumentos para medir os resultados obtidos no plano
da saúde, assim como a qualidade dos cuidados, embora haja sinais animadores de
progresso.
254
TRABALHOS ULTERIORES
Os resultados deste estudo levam a pensar que são necessários trabalhos mais
amplos. Os assuntos a que a OCDE poderia utilmente consagrar-se são:
− um
acompanhamento aprofundado das grandes reformas realizadas
recentemente nos Países Baixos e no Reino Unido;
− uma análise e uma avaliação das reformas dos sistemas de saúde doutros
países da OCDE;
− comparações internacionais mais pormenorizadas entre subfunções dos
sistemas de saúde, em especial hospitais, produtos farmacêuticos, cuidados
a longo prazo e cuidados dentários;
− uma análise comparativa das diversas formas de decidir quanto à repartição
dos fundos públicos entre os diferentes grupos de necessidades;
− o estudo das vantagens e inconvenientes que há em encorajar a
concorrência dos prestadores, simultaneamente, quanto aos preços e quanto
à qualidade;
− uma reflexão aprofundada sobre o assunto, relativamente descurado, das
comparações internacionais entre os métodos utilizados para financiar e
planificar os investimentos dos hospitais, assim como entre os mecanismos
conducentes às decisões de encerramento;
− um reforço da cooperação entre os países da OCDE, para atenuar as
insuficiências no domínio da informação atrás assinaladas.
Bibliografia
Blendon. R. J., Leitman, R., Morrison, I. e Donelan, K. (1990), «Satisfaction with Health
Systems in Ten Nations», Health Affairs, Verão.
Ellis, R. P. e McGuire, T. G. (1986), «Provider Behaviour under Prospective
Reimbursement», Journal of Health Economics, 5.
Ellis, R. P. e McGuire, T. G. (1990), «Optimal Payment Systems for Health Services»,
Journal of Health Economics, 9, pp. 375-396.
Enthoven, A. C. e Kronick, R. (1985), Reflections on the Management of the National Health
Service, Nuffield Provincial Hospitals Trust.
Enthoven. A. C. e Kronick, R. (1989), «A Consumer Choice Health Plan for the 1990s», New
England Journal of Medicine, Vol. 320 nº 1 (Parte 1) e 2 (Parte 2).
Jones, S. B. (1990), «Multiple Choice Health Insurance: The Lessons and Challenge to
Private Insurers», Inquiry, 27, Verão 1990.
255
Selden, T. M. (1990), «A Model of Capitation», Journal of Health Economics, 9, pp. 397409.
Van de Ven, W. P. M. M. (1990), «How can we prevent cream skimming in a competitive
health insurance market?», documento apresentado ao Segundo Congresso Mundial de
Economia da Saúde, Zurique, Setembro.
256
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a reforma dos sistemas de saúde