ID: 61677869 03-11-2015 Tiragem: 33573 Pág: 4 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 25,70 x 30,82 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 2 Médicos arriscam processos em casos de mortes nas urgências Inspecção da Saúde arquivou processos disciplinares porque médicos em causa eram “tarefeiros”. Casos registados no último Inverno seguiram para o Ministério Público e para a Ordem dos Médicos FÁBIO TEIXEIRA Saúde Alexandra Campos Afinal, três dos oito casos de mortes em urgências públicas no último Inverno foram enviados para o Ministério Público pela InspecçãoGeral das Actividades em Saúde (IGAS), que concluiu haver indícios de violação das leges artis (regras da profissão clínica) por médicos “tarefeiros” que estavam nesse dia a trabalhar nos três serviços. Mas só num dos hospitais, o de Aveiro, foi proposta à administração a instauração de procedimentos disciplinares a um médico e um enfermeiro porque estes tinham contrato individual de trabalho. Nos restantes casos, os processos disciplinares apenas foram arquivados pela IGAS porque os médicos “tarefeiros” (contratados a empresas privadas de prestação de serviços) não detêm relações jurídicas de emprego público. Por isso não lhes é aplicável o regime disciplinar nos termos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, justifica a inspecção. O PÚBLICO noticiou que os oito inquéritos abertos após a morte de doentes que aguardaram horas a fio em sete serviços de urgência para serem observados por médicos ou fazerem exames de diagnóstico tinham sido arquivados e não podiam ser imputados aos profissionais de saúde envolvidos. Baseou-se, para isso, num apanhado sobre as averiguações da IGAS que foi enviado pelo gabinete do ministro da Saúde. O acesso ao documento original, solicitado ao abrigo da legislação de acesso a documentos públicos, permite perceber, porém, que foram detectados indícios de violação das regras em três casos. O primeiro é o de uma mulher que morreu na urgência do hospital de Peniche (Centro Hospitalar do Oeste) em 5 de Janeiro, depois de ter permanecido no serviço “cerca de dez horas”. Dois peritos assinalaram “omissões” ao médico “tarefeiro” que atendeu a doente: não pediu outros meios complementares de diagnóstico, “além dos recolhidos”, e não efectuou um diagnóstico “em tempo oportuno”. Segundo os relatos dos familiares, Domicília Santos, de 79 anos, entrou na urgência de Peniche às 9h30, rece- Um dos casos que foram enviados para o Ministério Público ocorreu no Hospital Garcia de Orta beu uma pulseira amarela (a terceira numa escala de prioridades com cinco cores, urgente) e foi observada por um médico passados 15 minutos. Mas, como precisava de fazer análises e uma TAC (exame apenas disponível no hospital das Caldas da Rainha), foi obrigada a aguardar horas para ser transferida. Morreu quando estava a ser preparado o transporte, já depois das 19h. O caso foi arquivado pela IGAS só porque o médico era “tarefeiro”, tendo sido enviado para o Ministério Público e para a Ordem dos Médicos. O mesmo aconteceu com dois mé- Ministro “só queria o mais baixo preço” P orque é que as urgências têm tantos médicos “tarefeiros”? Para o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), a culpa é do exministro da Saúde Paulo Macedo, que “ignorou a qualidade e só queria o mais baixo preço sem se preocupar com as consequências”. Antes, lembra José Manuel Silva, os hospitais tinham médicos em prestação de serviços mas integrados nas equipas da urgência há anos. Com as novas normas que “esmagaram preços”, foram obrigados a despedir médicos” e várias equipas ficaram “desarticuladas”. Sobre os inquéritos da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), o bastonário diz que os casos enviados para a OM estão nos conselhos disciplinares para investigação “do ponto de vista técnico e deontológico”. Mas defende que “não se entende que os médicos do sector privado não possam ser investigados pela IGAS”. Questiona ainda o facto de as administrações hospitalares não terem sido postas em causa. Isto significa que “podem cortar à vontade que não têm culpa nenhuma”. A.C. dicos responsáveis pela assistência a uma doente no Hospital Garcia de Orta (Almada) alguns dias depois, 17 de Janeiro. Com 89 anos, Maria Vitória Forte “esteve várias horas à espera sem a primeira observação médica”. De acordo com o relato dos familiares, entrou na urgência por volta das 12h e terá ficado “abandonada numa maca no corredor, sem comer”. A morte foi comunicada à família às 2h do dia seguinte. Como os médicos eram “tarefeiros”, o processo foi igualmente enviado para o DIAP (Departamento de Investigação e Acção Penal) de Almada e para a Ordem dos Médicos. A prova pericial recolhida indica que os médicos revelaram “desconhecimento dos procedimentos internos” da urgência, mas a IGAS também faz reparos à administração do hospital, pelas “falhas organizacionais”, recomendando que defina “critérios mais exigentes” para a contratação de profissionais, “particularmente quanto à formação, experiência profissional e perfil dos médicos” que trabalham “sob pressão” nestes serviços. O terceiro caso aconteceu no hospital de Aveiro (Centro Hospitalar do Baixo Vouga), onde José Malaquias, 77 anos, foi admitido no dia 22 de Fevereiro às 17h31. Aqui, os indícios de violação das leges artis prendem-se com a ausência de pedido de meios complementares de diagnóstico. José estava num corredor da urgência, quando foi encontrado morto, às 15h48. Foi uma acompanhante de outro doente que alertou médicos e enfermeiros, desconhecendo-se há quanto tempo estaria morto, segundo foi então noticiado. Neste caso, a IGAS põe em causa a actuação de duas médicas “tarefeiras” e ainda de um médico e um enfermeiro com contrato individual de trabalho com o hospital. Para os dois últimos propôs à administração a abertura de processos disciplinares abrigo do Código do Trabalho. O caso foi também comunicado à OM. No hospital de Aveiro, a IGAS questiona ainda a existência de um “número significativo de atendimentos triados com pulseira de cor branca” (doentes sem gravidade para serem atendidos em urgências hospitalares), tal como no hospital de Santarém, onde outro caso mortal foi arquivado. Em Santarém, destaca mesmo a necessidade de revisão da forma como está a ser feita a triagem das pulseiras brancas, por poder atrasar o atendimento dos pacientes urgentes (“houve cinco doentes [com pulseira branca] atendidos em tempo útil”). Em Santarém, foram ainda apurados “indícios de prática de infracções disciplinares”, relacionadas com a “ausência de registos”, problemas imputados a uma médica e a um enfermeiro com contrato individual de trabalho. Mas não foi demonstrada negligência no caso da morte noticiada e o processo foi arquivado. A IGAS averiguou ainda as circunstâncias em que ocorreram mais seis casos fatais, divulgados na comunicação social entre o final de Dezembro de 2014 e as três primeiras semanas de Janeiro, numa altura em que várias urgências enfrentavam uma situação caótica, em plena epidemia de gripe e da vaga de frio, mas arquivou tudo. Ainda assim, frisa que deu nota aos conselhos de administração “das fragilidades, constrangimentos e/ou falhas organizacionais detectadas nos seus serviços”. O PÚBLICO pediu esclarecimentos ao Ministério da Saúde, sem sucesso até à hora do fecho da edição. ID: 61677869 03-11-2015 Tiragem: 33573 Pág: 1 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 5,27 x 5,09 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 2 de 2 Casos de mortes nas urgências nas mãos do Ministério Público Inspecção arquivou processos disciplinares, mas três dos oito casos de morte no último Inverno seguiram para o Ministério Público p4