A tutela dos direitos fundamentais no Século XXI The protection of fundamental rights in the 21th Century Daniel Gabrilli de Godoy Resumo O presente artigo tem como objeto investigar, sem esgotar a matéria, as transformações incorridas nas sociedades sob o aspecto da matriz produtiva durante o Século XX e a mudança do paradigma da sociedade industrial para a sociedade informacional no Século XXI, bem como, diante destas mudanças, os impactos no sistema legal de proteção dos direitos fundamentais, de modo a diagnosticar se há uma tendência ao enfraquecimento dos direitos sociais e difusos diante da lógica dos novos paradigmas de produção. Palavras-chave: Estado, Direito Fundamental, Sociedade Industrial, Sociedade Informacional, Sistemas de Produção. Abstract The present article has as its goal to investigate, without draining the subject, the transformations occurred on the society in the aspect of productive matrix during the 20th Century and the change on the paradigm from the industrial society to the informational society on the 21st Century, as well as, with this changes, the impacts on the legal system of protection of the fundamental rights, in a way to diagnose if there is a tendency to the weakening of the social rights and diffuse before the logic of new paradigms of production. Keywords: State. Fundamental Right. Industrial Society. Informational Society. Production Systems. Introdução Os direitos fundamentais na sociedade ocidental são construídos ao passo da história, estes direitos não simplesmente nascem, mas são conquistados, na maioria das vezes em um embate velado entre as forças econômicas e as necessidades do tecido social. Este embate por sua vez, com algumas exceções, não surge por clamor social ou como uma benesse conferida pelos detentores do poder, pelo contrário, estes direitos são na maioria das vezes perseguidos pela parcela já detentora de parte do poder e repassados ao tecido social, que imediatamente apresentam uma conquista mas de forma mediata representa o fortalecimento da classe detentora. Esta constatação já fora realizada em 1651 por Thomas Hobbes (2005, p. 127): O desígnio dos homens, causa final ou fim último – que amam naturalmente a liberdade e o domínio sobre os outros, introduzindo restrições a si mesmos conforme os vemos viver nos Estados, é o cuidado com sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita. Enfim, o desejo de sair daquela mísera condição de guerra que é a consequência necessária – conforme demonstrado – das paixões naturais dos homens, quando não há um poder visível capaz de os manter em respeito, forçando-os, por medo do castigo, ao cumprimento de seus pactos e ao respeito àquelas leis naturais que foram expostas nos capítulos décimo quarto e décimo quinto. Na realidade, verifica-se uma interação dialética entre a economia, direito e sociedade civil (BARROS, 2008), em movimento pendular que ora exige uma maior intervenção estatal na promoção e proteção de direitos fundamentais ora exige sua retração. Este movimento pode ser observado, na passagem do feudalismo para o Estado Nacional Absolutista. Com o aumento das trocas entre os feudos, os comerciantes necessitavam de maior proteção, de um ambiente com regras semelhantes entre os diversos locais e de uma força protetiva que o feudo não possuía condições de oferecer, sendo decorrência logica a promoção por aqueles da queda deste sistema e sua substituição por outro que melhor os protegia, como observado por Sergio Resende de Barros (2008, p. 12): Na superação do feudalismo, distanciando a atividade civil da atividade política, as forças produtivas promoveram na base da sociedade a consubstanciação dos feudos em mercado nacional, acarretando na superestrutura a reconformação constitucional dos reinos feudais relativamente poliárquicos em reino unido absolutamente monárquico. A consubstanciação econômico-social na infra-estrutura determinou a reconformação, o reino unido e a monarquia absoluta foram as primogênitas da constituição política do Estado na sociedade nacional pós-medieval. Outro exemplo importante desta interação dialética é encontrado na Revolução Francesa. Os fundamentos do Estado Absolutista que antes repousavam na necessidade de manutenção da segurança (notadamente da propriedade), essencial para o recém-criado sistema de produção capitalista (na sua versão mercantilista), tornara-se um entrave a ser superado. A classe que sustentava os gastos da monarquia e não possuíam privilégios estamentais fazem ruir as bases do estado absolutista ao exigirem o direito fundamental de liberdade (em sua conotação contratual) e propriedade, deslocando o eixo da soberania da figura do monarca para o povo, conforme demonstra Paulo Bonavides (2007, p. 35): Favorecida das políticas mercantilistas, e grandemente usufrutuária da expansão colonialista das potências rivais do Continente, essa classe se tornou o centro e o eixo vital as sociedade; aliada primeiro à Monarquia absoluta, dela depois se separou para monopolizar o poder, que, uma vez limitado pelos forças representativas, entrou a exercitá-lo em proveito próprio. E o fez sempre na medida em que se assenhoreou da máquina do governo, conquistada maiormente por via revolucionária, conforme adiante intentaremos demonstrar com o balanço e a exegese constitucional da herança que nos veio da Revolução Francesa, cujas conseqüências foram cruciais para a consolidação do Estado Moderno em sua qualidade de Estado Nacional. Neste momento histórico, surgem as ideias que permeiam as bases da ciência do direito, o princípio da legalidade como forme de proteger a sociedade dos poderes do Estado, o princípio da igualdade a fim de evitar a aplicação da lei de forma diversa entre os cidadãos (igualdade formal) e o princípio da soberania, cujo detentor deixa de ser o monarca e passa a ser de titularidade do povo. Este influxo que sofre o Estado e consequentemente o arcabouço normativo continua até os dias atuais sob novas vertentes. Durante o século XX houve grande presença do Estado na economia a fim de garantir os direitos fundamentais, não mais pela força ou por meio de rupturas institucionais, mas principalmente no campo econômico. É no século XX que surge a segunda dimensão dos direitos fundamentais, agora com uma conotação mais social. Por razões óbvias, os direitos sociais não foram conferidos, mais uma vez, por uma benesse dos detentores do poder, mas como forma de manter as relações produtivas sem que houvesse qualquer inversão no sistema de propriedade, ou seja, o sistema capitalista confere maiores direitos aos cidadãos para que estes não causem uma ruptura institucional (como ocorrido na Rússia em 1917) e ainda de forma mediata potencializam o seu mercado consumidor, base para o crescimento capitalista. No final do século XX e início do século XXI as forças produtivas mantém sua influência perante o Estado, notadamente, para restringir sua atuação no campo econômico e consequentemente a tutela estatal dos direitos fundamentais. Neste sentido, o grande embate velado que se põe atualmente entre a lógica econômica e a tutela dos direitos fundamentais no campo normativo (DEZALAY; TRUBEK, 2010) ante o paradigma constitucionalista do Direito é fronteira que necessita ser explorada (sem a pretensão de esgotar a matéria neste trabalho) a fim de compatibilizar as matrizes produtivas e sociais, compatibilizar as questões entre eficiência e direitos humanos, como forma de assegurar um crescimento duradouro e equânime da sociedade, evitando o surgimento de movimentos radicais (direita ou esquerda) propícios em situações conflitantes e extremadas (HOBSBAWN, 2007). A estrutura que o presente trabalho propõe é apresentar no item 1, de forma sintética, as principais características do estado de bem estar social, sua forma de intervenção na economia e o paradigma cientifico do positivismo jurídico reinante até o fim da segunda guerra mundial. Na segunda parte deste trabalho, apresenta-se de forma básica como o Estado neoliberal, a partir dos anos 1980, passa a intervir na economia, apresenta-se o modelo de desenvolvimento capitalista segundo Joseph Schumpeter e os aspectos gerais da nova sociedade informacional com base no estudo de Manuel Castells. Por fim, é traçado como as novas estruturas de arranjo social podem influenciar no direito e no paradigma constitucionalista, tempo como suporte teórico os ensinamentos do Prof. José Eduardo Faria. 1 O Estado de bem estar social O Estado de bem estar social nasce como uma resposta à crise de 1929, sendo seu precursor Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) com sua política chamada New Deal. Em linhas apertadas, a política do New Deal visava o aumento do emprego e da renda dos americanos ante uma forte intervenção estatal na Economia. Neste sentido, foram criadas por um lado uma série de agências governamentais para intervir na economia, gerar empregos, investir em obras públicas e regular estoques de alimentos. Como consequência lógica, após sua implantação, o nível de emprego volta a subir, o Produto Nacional Bruto (GDP) em 1930 de US$ 91,2 bilhões salta para mais de US$ 293 bilhões em 19501. Esta política também possui consequências, o estoque de dívida de US$ 33,52 bilhões em 1930 aumenta para US$ 280,97 bilhões em 19502. O Estado de Bem Estar Social trouxe uma série de conquistas para a maioria das pessoas, grande parte dos direitos sociais hoje reconhecidos nesse período surgiram, como férias e 13ª salário (instituído por João Goulart no Brasil, Lei 4.090 de 13 de julho de 1962). No mesmo sentido, a fim de impulsionar a atividade econômica, o Estado passou a executar diretamente uma série de atividades econômicas. No Brasil, a partir da década de 40 o Estado Novo inicia um processo de industrialização no país com a indústria de base liderando os investimentos. Neste período surge a Companhia Siderúrgica Nacional (1940), a Companhia Vale do Rio Doce (1942), Companhia Nacional de Alcalis (1943), Companhia Hidrelétrica do São Francisco (1945). O modelo de estado adotado após 1929 tem em John Maynard Keynes (1883-1946) seu grande teórico. De forma resumida o Keynesianismo pode ser conceituado como (BRASSEUL, 2010, p.255): Por outro lado, a nível macroeconómico, o Estado deve levar a cabo uma política de regulação global, uma regulação a que mais tarde de chamou keynesiana. O capitalismo torna-se dirigido, sendo os níveis de produção e de emprego controlados pelo governo e protegidos dos contratempos do mercado. Os ciclos são, desse modo, atenuados por políticas de relançamento (em caso de recessão) e de refreamento (em caso de expansão inflacionista). Por óbvio, o dirigismo mencionado não se trata de uma economia planificada nos moldes soviéticos, trata-se de utilizar variáveis econômicas, como juros básicos da economia (política monetária) e gasto público (política fiscal) para elevar o nível de atividade da demanda agregada da economia. A crescente intervenção do Estado na economia, seja explorando atividade econômica seja instaurando direitos sociais (com os gastos fiscais os sustentando), é acompanhada por uma crise que surge após a rendição da Alemanha em 1945 na ciência do direito. 1 Fonte: http://www.usgovernmentspending.com/spending_chart_1900_1950USb_15s2li011mcn_H0t, acesso em 17.12.13. 2 Desempregados em 1930:37,6 % da mão de obra. Desempregados em 1945: 2,7%. Fonte: http://www2.census.gov/prod2/statcomp/documents/CT1970p1-05.pdf, acesso em 17.12.13. 1.1 A CRISE DO POSITIVISMO JURÍDICO E O CONSTITUCIONALISMO A corrente paradigmática dominante até o fim da segunda guerra mundial foi a escola do positivismo, capitaneada por Hans Kelsen. As características marcantes desta escola é a absoluta relatividade dos valores e da moral (plano axiológico). Expõe esta teoria que os valores são subjetivamente variáveis pois dependem única e exclusivamente da moral de cada pessoa. Portanto, moral não pode ser objeto nem fundamento de qualquer norma no plano dêontico. Diante disso, o legislador é livre para positivar os princípios e regras que bem entender, devendo respeito apenas aos fundamentos constitucionais. Não há neste sistema uma “pretensão de correção” (ALEXY, 2001) em busca de valores axiológicos próprio do sistema (justiça), mas apenas o cumprimento dos princípios e regras no plano normativo. O sistema de kelseniano fundamentou todo o direito nazista, uma vez que fundamentava-se na separação entre os planos de validade e legitimidade da norma, os horrores do holocausto ainda que ilegítimos e imorais poderiam ser considerados como legais, sob o ponto de vista do positivismo kelseniano. Com a queda do regime nazista esta escola fora sepultada, surgindo a escola do constitucionalismo. Por este paradigma o direito positivo, sobretudo na constituição, carrega valores universais assim como também os chamados conteúdos epistemológicos, condição sine qua non para a compreensão do sistema jurídico, que sequer necessitam ser positivados, para Ricardo Mancondes (2008, p.309): Incide em equívoco vislumbrar no sistema jurídico apenas normas jurídicas, regras e princípios. Há também um terceiro tipo de elementos: são axiomas normativos que independem de positivação, valem ainda que não estejam expressa ou implicitamente positivados. Caso haja positivação, esta não surge nenhum efeito, elas não podem ser retirados do sistema, não admitem revogação. Isso porque são pressupostos epistemológicos da compreensão do sistema jurídico, não é possível compreender o ato de promulgar uma Constituição sem a pressuposição desses postulados, eles acompanham apodicticamente o ato linguístico da promulgação. São postulados normativos, dentre outros: a supremacia da Constituição, a unidade da Constituição, a concordância prática, a máxima efetividade, a razoabilidade, a proporcionalidade, a segurança jurídica e a justiça. Diante da queda do positivismo jurídico e o surgimento do constitucionalismo, os direitos sociais ganham uma dimensão não apenas normativa, mas também, um conteúdo axiológico não revogável, ainda que fosse necessária a normatização do sistema de proteção destes direitos específicos atrelados aos estes axiomas, neste ponto, a dimensão dos direitos fundamentais atrelado aos direitos sociais tornam-se perenes. No entanto, a perenidade destes direitos sociais que ao fundo representam custos orçamentários ao estado começam a encontrar resistência de alguns teóricos, principalmente Friederich Hayek (1899-1992). 1.2 A CRISE DO PETRÓLEO O Estado de bem estar social ainda que com algumas críticas no plano teórico alcança inegável sucesso nos países ocidentais. Mesmo com o aumento constante do déficit público, o bem estar gerado nas camadas sociais justificou a medida intervencionista, aumentou exponencialmente a demanda agregada gerando crescimento econômico no mundo incomparável a outros períodos da história. Em 1960 com a criação da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), cartel destinado a controlar os preços do petróleo, cria-se as condições geopolíticas para o controle da oferta de energia, alguns anos após, iniciou-se um abrupto aumento do preço da commodity, por meio do corte de produção. Os preços relativos ao barril de petróleo estavam em torno de US$ 3,29 e saltaram em 1974 para US$ 11,58; já no segundo choque do petróleo o preço chegou a US$ 36,83 em 19803. Ao atingir diretamente a matriz energética do mundo, o preço do petróleo causou profundas mudanças na economia, o aumento dos juros pelo Federal Reserve causou fuga de capitais dos países periféricos para os Estados Unidos, uma consequência direta foi o aumento da dívida externa destes países e a consequente moratória pela ausência de reservas da moeda americana. 3 Fonte: http://oglobo.globo.com/infograficos/crise-do-petroleo/, acesso em 17.12.13. Diante deste choque na economia, o crescimento econômico sofreu uma brusca queda, tornando insustentáveis os gastos sociais típicos do welfare state, conforme observa relatório da OCDE: The rapid growth of social programmes in the 1950 and 1960s in OECD countries was closely related to high rates of economic growth and, thus, to the successful management of the OECD economies. The lower growth performance of the OECD economies since the early 1970s was bound to disrupt the continuing extension of programmes and the growth of benefits - and in that sense the financial crisis of social security is closely related to high rates of unemployment not only because of the growing burden of unemployment compensation, but because unemployment has an impact on a wide range of social expenditures. Moreover, it begins to be argued that some social policies have negative effects on the economy, even to the extent of partly inhibiting the return to non-inflationary growth. (p.5). (OCDE, 1981, p.5) Diante da necessidade de reconstruir as bases econômicas, inicia-se uma corrida tecnológica em busca de melhores métodos produtivos, busca pela eficiência e desmonte das políticas keynesianas. Neste período, inicio da década de 80, um novo modelo de estado emerge, sob novas premissas tecnológicas, e paulatinamente substituindo a sociedade industrial pela nova sociedade informacional. 2 O Estado neoliberal O Estado neoliberal é marcado por um grande contraste comparativamente ao modelo de bem estar social. Em linhas gerais, para fazer frente ao grande déficit fiscal que os países incorreram após os choques do petróleo, os Estados iniciam uma agenda de privatização das empresas estatais que exerciam atividades econômicas, delegam os serviços públicos a empresas privadas e concentram suas atividades na área de regulação destes serviços. Por outro lado, inicia-se um processo de desregulamentação de diversas atividades, principalmente bancárias e financeiras. Em busca de ganhos de escala, as empresas potencializam o mercado consumidor transpondo as fronteiras do Estado nacional, empresas estas que em alguns casos possuem um potencial financeiro maior que diversos países. Com grande sucesso, os políticas neoliberais foram lideradas pelo presidente Ronaldo Reagan (E.U.A) e Margareth Tatcher, primeira ministra da Inglaterra. No Brasil a influencia neoliberal começou na própria Assembleia Constituinte ao reservar a atividade econômica aos entes privados (exceto nos casos de relevante interesse e segurança nacional). A agenda neoliberal perdurou nas presidências de José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luis Inácio Lula da Silva (1º mandato). A mudança do estado de bem estar social para o estado neoliberal foi acompanhado por uma grande mudança na própria estrutura da sociedade e seu modo de produção, sob o ponto de vista teórico, adota-se a teoria de Joseph Schumpeter sobre os ciclos econômicos, e a seguir os aspectos sobre a sociedade informacional que surge no final década 1970 e revoluciona(ou) as relações entre direito, economia e sociedade civil. 2.1 O MODELO SCHUMPETERIANO Joseph Alois Schumpeter (1883 – 1950) é economista austríaco que melhor expos a teoria dos ciclos econômicos, facilmente observados na economia real atual. Para Schumpeter, a instabilidade econômica no sistema capitalista é sistêmica, ou seja, uma variável endógena deste (ARAUJO, 2012, p.24). De forma sintética, o sistema de capitalista desenvolveu-se por meio de ondas, variações entre acumulação de capital e concorrência. Apenas para ilustrar o ponto, numa primeira fase, as empresas possuem produtos homogêneos e disputam mercado basicamente via preço4, essa disputa por mercado afeta diretamente as taxas de lucratividade das empresas, uma vez que a redução do preço ao consumidor final é condição sine qua non para manterem as vendas. Em determinado ponto, a redução de preços atinge o patamar máximo, a diminuição deste preço além desta fronteira impõe à empresa situação deficitária (receita marginal menor que custo marginal). Diante deste dilema, algumas empresas simplesmente quebram. Outras, as mais competentes, investem e inovam em novos produtos, métodos de produção, abrem novos mercados, conquistam novas fontes de matéria prima ou uma nova organização da industrial (ARAUJO, 2012, p.50). Estes novos produtos por não possuírem substituíveis no mercado qualificam a empresa inovadora 4 O modelo apresentado aqui é apenas para facilitar a compreensão. Na realidade, Schumpeter parte do pressuposto que o mercado de concorrência perfeita é exceção e as situações de desigualdade entre as empresas é motor propulsor da inovação e consequentemente do desenvolvimento. para perceberem lucro de monopólio, sendo a esta facultado cobrar o preço que desejar por ausência de concorrência. O próprio lucro de monopólio atrai outras empresas, que por questão de sobrevivência, desenvolvem produto semelhante. Ao atrair outras empresas, a concorrência aumenta, os preços tendem a serem reduzidos para que se mantenha volume de vendas até que as margens chegam novamente a serem nulas, reiniciando o ciclo. Schumpeter chamou este ciclo de inovação, necessário para a sobrevivência de qualquer empresa de Destruição Criadora. 2.2 A SOCIEDADE INFORMACIONAL Fernando Henrique Cardoso ao prefaciar o livro de Manuel Castells, expõe que o autor (CASTELLS, 2008, p.36): Encontra no paradigma tecnológico baseado na informação os princípios organizadores de um novo ‘modo de desenvolvimento’, que não substitui ao modo de produção capitalista, mas lhe dá nova face e contribui de forma decisiva para definir os traços distintivos das sociedades do final do século XX. A análise se desdobra na identificação e uma nova estrutura social, marcada pela presença e o funcionamento de um sistema de redes interligadas. Esta pode ser considerada a nova sociedade informacional, surgida no final do século XX, que imprime uma nova forma de organização entre os elementos da sociedade, traspassa as fronteiras nacionais e impõe uma nova lógica econômica e normativa. A lógica da sociedade informacional dá uma nova face ao capitalismo. O surgimento da microeletrônica e as consequências decorrentes alteram de forma profunda as bases da sociedade, novamente Castells (2008, p. 79): A microeletrônica mudou tudo isso, causando uma ‘revolução dentro da revolução’. O advento do microprocessador em 1971, com a capacidade de incluir um computador em um chip, pôs o mundo da eletrônica e, sem dúvida, o próprio mundo, de pernas pro ar. (CASTELLS, 1999, 79.) Os principais elementos que compõe a chamada sociedade informacional, podem ser assim resumidos: a) Mercados transterritorializados: a escala de produção que no Estado de bem estar social possuía uma lógica territorial baseado na nacionalidade começa a transpor fronteiras do Estado. O mercado, como busca de ganhos de escala, torna-se único, global. Desse fenômeno surgem consequências nos mais variados campos de estudo. A lógica do mercado torna-se mundial, os players do mercado, as industrias, o comércio e serviços padronizam-se e competem mundialmente entre si. Verifica-se o aumento de fusões e aquisições criando empresas que em muitos casos possuem maior poder de barganha que muitos países. b) Busca de vantagens comparativas: Com a revolução tecnológica dos anos 80 e 90 as bases industriais tornam-se flexíveis e móveis. Essa vantagem das indústrias dá início à busca de novas localidades para instalar sua produção, onde os Estados oferecem melhores condições à busca de rentabilidade, locais onde o sistema tributário não onere a produção, legislação trabalhista flexível, salários baixos, ausência de leis ambientais, sindicato fraco e governos submissos que atendam as exigências do capital. c) Novos paradigmas de produção: O desenvolvimento da tecnologia e da capacidade de processamento dos computadores faz com que o conhecimento criado seja precursor de novas tecnologias, estas tecnologias são empreendidas em diversos meios que interagem entre si (medicina, biologia, robótica, TI, processamento de dados, comunicação global instantânea, big data, econometria, química, entre outros) e que a informação por si só torna-se o produto mais valioso no mercado assim como os investimentos na cadeia produtiva são na sua maioria direcionados para processos de criação e pesquisa (P&D). d) Especialização Flexível: A revolução tecnológica altera de forma profunda a estrutura do emprego, baseado na indústria até 1970, inicia um período baseado no setor de serviços e no modelo toyotista industrial. Dai surgem novas especializações no mercado de trabalho principalmente ligado às estruturas de processamento de informação, que exige além de trabalhadores qualificados, empregados (ou outras formas de vinculação) sobretudo flexíveis. As estruturas das grandes empresas hoje não são mais baseadas em hierarquia, mas em redes sobrepostas e exigem da mesma forma pessoas capazes de interagirem e contribuírem para essa estrutura radial. Castells (2008, p. 307) expõe de forma precisa a nova estrutura do emprego, resumidamente aqui colacionado: 1) A inovação de produtos ou processos é o gerador de valor agregado, 2) A inovação depende do potencial de pesquisa e capacidade de especificação, 3) Direcionamento para maior eficiência na interação entre pessoa e máquina, 4) As organizações em rede possuem como principal característica a “capacidade de gerar tomada de decisão estratégica flexível e capacidade de conseguir integração organizacional entre todos os elementos do processo produtivo”. 5) A tecnologia da informação insere-se como foco principal para inovação. Dada as características da Sociedade Informacional por Manuel Castells, cumpre agora trazer algumas implicações na Ciência do Direito. 2.3 AS CONSEQUÊNCIAS NO DIREITO Desde o primeiro choque do petróleo em 1974, reforçado pela revolução tecnológica dos anos 80 e 90, o direito vem sofrendo paulatinamente alterações em suas normas a fim de amoldar-se ao desmonte do Estado de bem estar social. Verifica-se em varias constituições, e na brasileira que servirá como base de análise, grandes alterações em sua estrutura. A Emenda Constitucional 6/95 inicia as grandes mudanças no ambiente normativo brasileiro eliminando a diferença entre empresas de capital nacional e estrangeiro como forma de atrair o investidor estrangeiro para a exploração de diversas áreas antes exploradas apenas pelo investidor nacional, assim como a EC 7/95 retira a necessidade de predominância de armadores nacionais e navios de bandeira brasileira no transporte marítimo, necessário ao aumento das exportações para equilíbrio do déficit na conta corrente externa. A quebra do monopólio na exploração por empresas estatais de diversos serviços públicos (Telecomunicações – EC 8/95, Petróleo - EC 9/95, EC 36/02 - Empresas Jornalísticas), a Emenda Constitucional 40/03 que revoga proibições do sistema financeiro nacional, a reforma do Estado brasileiro capitaneado por Bresser Pereira culminando com a EC 19/98 que introduz o princípio da eficiência como regra à toda administração pública e, por fim, a EC 45/04 que reforma o Poder Judiciário, cria o Conselho Nacional de Justiça e confere status de norma constitucional a tratados de direitos humanos, são importantes marcos regulatórios que induzem o país ao rompimento com o modelo de bem estar social e introduzem a lógica do moderno capitalismo. Estas alterações possuem como primeiro fundamento a incapacidade do Estado em investir nas áreas antes monopolizadas, uma vez que a década perdida de 1980 trouxe uma incapacidade fiscal incompatível com as novas obrigações positivadas na Constituição de 1988. Neste sentido, para modernizar sua infraestrutura e atrair o investimento privado (nacional e estrangeiro) realiza também as importantes reformas de cunho infraconstitucional como forma de atender as exigências dos entes privados, como por exemplo, a delegação dos serviços públicos passa a ser coordenada e regulamentada por Agências Reguladoras que, em tese, possuem (ao menos possuíam) maior independência dos influxos políticos e composição eminentemente técnica. Outras alterações ocorreram com o mesmo objetivo, criou-se um novo marco regulatório de delegação dos serviços públicos (Lei 8.987/95), rompe-se o monopólio do judiciário na resolução de conflitos (Lei 9.307/96), uma vez que a arbitragem é mais adequada para questões complexas e afasta o ativismo judicial, assim como para garantir um quadro de estabilidade macroeconômica (indispensável para investimentos longos como os de infraestrutura), foram promulgadas as Leis do plano real, responsabilidade fiscal e adotou-se o regime de metas de inflação (Decreto 3.088 de 21 de junho de 1.999). As alterações nos marcos regulatórios (constitucionais e infraconstitucionais) vem ao encontro das reformas liberalizantes ocorridas nos Estados Unidos e na Inglaterra, principalmente. Segundo esta nova concepção, conforme já exposto, traz uma nova forma do Estado se posicionar perante a sociedade. Antes era provedor e indutor do crescimento econômico, hoje, planeja e fiscaliza mas não excuta as atividades econômicas, deixada aos particulares. Estas alterações foram impulsionadas principalmente pela necessidade dos Estados em atrair investimento privado para setores estratégicos ao crescimento econômico e que os mesmos não possuem capital e tecnologia para inovar, essencial no modelo Schumpeteriano. Por óbvio, os países que atendem as exigências das grandes corporações e organismos multilaterais de financiamento (Consenso de Washington) recebem os investimentos, geram empregos e consequentemente bem estar na sociedade. Para aqueles que não incorporaram plenamente a nova fase do capitalismo em suas instituições, a consequência é a preterição nos investimentos privados e nos acordos comerciais com outros países, pois são classificados como não amigáveis aos capitais (relatório Doing Business – Banco Mundial). Este novo mecanismo de imposição, onde se obriga os Estados a seguir determinada agenda, pode ser considerado o que Joseph S. Nye Jr. chamou de Soft Power (2004). Neste lanço, verifica-se que os novos arranjos produtivos transterritorializados relativizam alguns dos principais conceitos que moldam a ciência jurídica, entre eles, soberania, o monopólio da produção normativa, a legalidade e a democracia. Conclusão Neste breve estudo, verificou-se que o paradigma científico da ciência jurídica caminha ao lado e diretamente influenciado pelas necessidades da sociedade e principalmente pelos detentores do poder econômico. Assim como no liberalismo do século XIX foi necessário um sistema legal que assegurasse o cumprimento dos contratos e afastava qualquer liberdade do juiz evitando uma justiça distributiva (positivismo) e que após a segunda guerra mundial com o advento do estado de bem estar social o constitucionalismo se firmou como sistema dominante e os princípios adquiriram força normativa como forma de assegurar os direitos fundamentais sociais próprios do New Deal, adentramos agora no século XXI sob uma nova forma de organização das formas de produção (sociedade informacional) que já se reflete em alterações nos marcos regulatórios estatais. Ainda que uma série de alterações normativas tenha ocorrido desde os anos 90, como resposta a esta nova fase do capitalismo, a ciência do direito ainda não encontrou respostas para os novos desafios. Os conceitos de legalidade e soberania, bases fundamentais do direito, são incapazes de dar uma resposta segura e coerente aos acontecimentos cotidianos. O crescente poder dos mercados financeiros em conjunto com a comunicação instantânea podem gerar a falência de determinado pais com base em rumores e na facilidade com que os capitais podem circular por diversos países em uma questão de segundos ou “cliques”. A instituição de padrões uniformes de demonstrações contábeis, de produção de bens e serviços, assim como o aumento das empresas transnacionais, (e seu potencial autorregulador) retiram do Estado o monopólio das fontes normativas que são assumidas por entidades supranacionais (Organização Mundial do Comércio ou Banco Mundial5, Mercosul, União Europeia, entre outros) ou ainda por entidades de caráter privado (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers – ICANN). No mesmo sentido, sob o fundamento da necessidade técnica e apolítica, a criação de novos centros de decisão (Agências Reguladoras) desloca o eixo de poder do governo democraticamente eleito para órgãos que ainda que possuam alguma abertura são independentes em suas decisões, gerando um déficit democrático nos serviços públicos. Por fim, impõe-se uma nova forma de conciliação entre o tempo da economia, veloz, instantânea e perseguidora de lucros em tempos cada vez menores e o tempo do direito (OST,1999) lento, descompassado e incapaz de gerar respostas a uma sociedade em constante mudança, recordando sempre que a incapacidade satura, fadiga e gera uma crise de legitimidade. Neste embate entre a razão econômica, que enxerga os direitos sociais como custos e estes mesmos direitos, vistos pela sociedade como conquistas e standarts do contrato social, deve a ciência jurídica reformular seus fundamentos como forma de garantir a prosperidade econômica própria do sistema capitalista que levou a sociedade (ou quase toda sociedade) não só a evolução, mas a padrões de vida inéditos na história da humanidade e garantir a manutenção dos direitos considerados fundamentais constitucionalizados, conforme ensina Habermas (2007, p.26): “Pode, porém, ser difundido na estrutura mesma de um Estado constitucional em que o reformismo democrático é institucionalizado como parte normal da política. Os cidadãos podem então encarar a constituição como o projeto coletivo da realização cada vez mais ampla de um sistema já estabelecido de direitos básicos.” (HABERMAS, 2007, p.26) 5 Exemplo: as normas gerais de licitações são derrogadas quando há financiamento do Banco Mundial, que possui suas próprias regras (art. 42, §5º da lei 8.666/93). Referências ABREU, Marcelo Paiva (org.). A ordem do progresso – cem anos de política econômica republicana. 1ª Ed, 28ª tiragem, Rio de janeiro, Campus, 1990. ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James A. Why nations fail. 1a Ed, New York, Crown Business, 2012. ADOMEIT, Klaus. Filosofia do direito e do estado. 1ª Ed, Vol. II, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris, 2001. ARENDT, Hannah. A promessa da política. 1ª Ed, Rio de janeiro, Difel, 2008. ARAUJO, Joelma Maria Batista. Inovação e ciclos econômicos em Schumpeter e Minsky. Tese de Mestrado, 2012, disponível em: < http://www.feac.ufal.br/mestrado/economia/sites/default/files/dissertacoes/dissertacao _joelma_araujo_-_corrigida_final_ok.pdf >, acesso em 16.12.13. BOBBIO, Noberto. Teoria das Formas de Governo.10ª Ed, Brasília, UNB, 2001. BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 6ª Edição. São Paulo, Malheiros Editores, 2007. BARROS, Otavio; GIAMBIAGI, Fabio (orgs.). Brasil globalizado. 1ª Ed, Rio de Janeiro, Elsevier, 2008. BARROS, Sergio Resende de. Contribuição Dialética para o Constitucionalismo. 1ª Ed, Campinas, Millenium, 2008. BRASSEUL, Jacques. Histórica econômica do mundo. Das origens aos subprimes. 1ª Ed, Lisboa, Edições Texto e Grafia, 2011. CARNEIRO, Maria Francisca. Pesquisa jurídica na complexidade e transdisciplinariedade. 2ª Ed, Curitiba, Jurua, 2009. CASTELLS, Manuel. A era da informação: Economia, sociedade e cultura. Vol.1. A Sociedade em Rede. 11ª Ed, São Paulo, Paz e Terra, 2008. CORRADINI, Gianni. L’impresa globale. 2ª Ed, Milano, Giuffrè, 2006. FARIA, José Eduardo. Direito e Conjuntura. 2ª Ed, São Paulo, FGV, 2010. __________. O direito na economia globalizada. 1ª Ed, São Paulo, Malheiros, 2004. __________. O estado e o direito depois da crise. 1ª Ed, São Paulo, Saraiva, 2011. _________.org. Direito na globalização econômica. 1ª Ed, São Paulo, Malheiros, 2010. _________; KUNTZ, Rolf. Qual o futuro dos direitos. 1ª Ed, São Paulo, Max Limonad, 2002. GIAMBIAGI, Fabio (org.). Ecnonomia brasileira contemporânea (1945-2004). 1ª Ed, 13ª tiragem, Rio de janeiro, Campus, 2005. GROSSI, Paolo. Mitologie giuridiche della modernità. 2ª Ed, Milano, Giuffrè, 2005. HELD, David. Org. Prospects for democracy. 1ª Ed, Cambridge, Polity, 2007. HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo, Martin Claret, 2005. HABERMAS, Jürgen. A ética da discussão e a questão da verdade. 2ª Ed, São Paulo, Martins Fontes, 2007. HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos - o breve Século XX. 2ª Ed, São Paulo, Schwarcz, 2007. HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass R. The cost of rights – why liberty depends on taxes. 1a Ed, New York, W.W Norton & Company, 1999. LANDES, David S. A riqueza e a pobreza das nações – por que são algumas nações tão ricas e outras tão pobres. 7ª Ed, Lisboa, Gradiva, 2005. MALISKA, Marcos Augusto. Estado e século XXI. 1ª Ed, Rio de Janeiro, Renovar, 2006. ________. Pluralismo jurídico e direito moderno. 1ª Ed, Curitiba, Jurua, 2006. MANKIW, Gregory N. Introdução à Economia. 5ª Ed, São Paulo, Harvard, 2009. MILHAUPT, Curtis J.; PISTOR, Katharina. Law and capitalism. 1ª Ed, Chicago, University of Chicago, 2008. MARTINS, Ricardo Marcondes. Princípio da Moralidade Administrativa. In: ADRI Renata Porto; PIRES, Luis Manuel Fonseca; ZOCKUN, Mauricio (coord.). Corrupção, ética e moralidade administrativa. Belo Horizonte, Forum, 2008. NAY, Olivier. História das ideias políticas. 1ª Ed, Petrópolis, Vozes, 2007. NYE, Joseph S Jr. Soft Power. 1ª Ed, New York, Perseus, 2004. OCDE. The state of the public service., 2008. ______.The welfare State in Crisis.1981. OST, François. O tempo do direito. 1ª Ed, Bauru. EDUSC, 1999. RESENDE, André Lara. Os limites do possível – a economia além da conjuntura.1ª Ed, São Paulo, Scharwacz, 2013. RODRIK, Dani. The globalization paradox. 1ª Ed, New York, W.W Norton & Company, 2011. ROTHKOPF, David. Power Inc – The epic rivalry between big business and government – and the reckoning that lies ahead. 1a Ed, New York, Farrar, Straus and Giroux, 2012. TANZI, Vito. Government versus markets - the changing economic role of the state. 1a Ed, New York, Cambridge, 2011. TEUBNER, Gunther. La cultura Del diritto nell’epoca della globalizzazione. 1ª Ed, Roma, Armando, 2005. WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. 1ª Ed, São Paulo, Schwarcz, 2011.