Portugal: uma sociedade em transição para a sociedade em rede
A sociedade portuguesa que aqui se procura retratar é, tal como a sociedade
catalã (Castells e outros, 2003), também uma sociedade em transição em quase todas as
suas dimensões. Da educação à esfera produtiva, da dimensão cultural à social e
política.
No entanto, as causas dessa transição são diferenciado dado o contexto em que
cada sociedade evolui e de onde essa mesma evolução parte. Se a transição na sociedade
catalã (Castells e outros, 2003) se fica em muito a dever à obtenção do estatuto de
autonomia da Catalunha a partir de 1980, já em Portugal a data a partir da qual se pode
traçar uma divisória e os motivos para a mesma são claramente diferentes.
Em comum ambas as sociedades têm uma história recente de regimes ditatoriais,
em Portugal o Estado Novo de Salazar e Marcelo Caetano e em Espanha o Franquismo.
O 25 de Abril de 1974 em Portugal marca uma revolução política, de um regime
ditatorial para uma democracia, mas também uma revolução económica de um modelo
corporativista de mercado fechado (assente na relação estreita entre Portugal e as suas
colónias africanas) para uma economia de mercado regional (União Europeia) e global.
A par dessa revolução política e económica encontram-se igualmente mudanças radicais
na dimensão cultural e social e também na esfera da educação (Rosas, 1999; Viegas e
Costa, 1998). Os anos de 1974 a 1976 são anos de transição para um modelo diferente
do anterior a todos os níveis (Rosas, 1999).
Embora a consulta pública sobre a reforma educativa tenha apenas lugar em
1980 e a aprovação da lei de bases da educação em 1986, os anos entre a Revolução de
1974 e 1980 foram anos de profundas mudanças ao nível da educação primária.
À escola foi atribuído um papel de elemento fundamental para a formação dos
cidadãos da nova sociedade que se desejava democrática e as preocupações dos
responsáveis políticos para a área da educação foram desde logo sistematizados como é
visível no programa do I Governo Provisório: "democratizar a escola, mas de modo que
funcione com eficiência, garantindo a qualidade da educação, ensino, pesquisa,
científica e criação cultural". E pela primeira vez desde a 1ª República foram elaborados
novos programas para o ensino primário (Mónica, 1978; Capelo, s.d.). A própria escola
muda na sua concepção base transformando as suas lógicas pedagógicas (Capelo, s.d.),
combinando a função principal de transmissão de saberes organizados com a de ajudar o
aluno a tornar-se crítico, desenvolver a criatividade e trabalhar em grupo.
Também ao nível dos media o 25 de Abril marca uma mudança radical de
contexto e práticas na comunicação social (Oliveira, 1992). Durante o século XX
podemos individualizar um conjunto de acontecimentos marcantes para a comunicação
social e que vão da instauração da República em 1910 até à integração europeia em
1986. Dois desses acontecimentos ocorrem no período compreendido entre 1974 e 1976
e são a revolução de 25 de Abril e o período revolucionário em curso, vulgo PREC
(Oliveira, 1992).
No período compreendido entre 1974 e 1979 podemos identificar três momentos
definidores do sistema dos media que hoje conhecemos: a libertação que ocorre logo a
seguir ao 25 de Abril, com o fim da censura e o prevalecimento de uma total liberdade
de expressão, a estatização que decorre durante 1975 (e afecta em particular a imprensa
e televisão) e a regulação legislativa de 1979 que vem definir de muitas formas o quadro
jurídico-geral da comunicação social.
Os anos entre 74 e 79 foram os anos da pulverização das rádios livres (vulgo
piratas) e também de inovação na imprensa escrita com o surgir de jornais diários fruto
de projectos comerciais, como o Correio da Manhã, de semanários de carácter também
privado e do florescer da imprensa desportiva (Oliveira, 1992). Na Televisão, 1978
marca a renovação da RTP a todos os níveis, da formação às instalações, e em 1979 o
início das emissões a cores.
Os processos de socialização escolar e a socialização veiculada pelos media
acompanharam aqueles que, nascidos desde 1967, chegaram à escola primária (hoje 1º
ciclo de escolaridade) a partir do ano lectivo de 1974/1975 e viveram a sua infância e
adolescência através de um modelo democrático de difusão de informação, cultura e
entretenimento.
Tendo o 25 de Abril de 1974 marcado assim de forma indelével a sociedade
portuguesa, e sendo possível em quase todos os indicadores encontrar uma clara
diferenciação de valores, atitudes, práticas sociais e culturais entre aqueles que
nasceram até 1967 e os que nasceram após essa data, pareceu-nos que a explicitação
dessa análise geracional comparativa poderia trazer esclarecimentos adicionais sobre as
dinâmicas da transição para a sociedade em rede no caso português. É disso que se
ocupa esta análise. Mas antes, importa debruçarmo-nos sobre as marcas de identidade
que caracterizam Portugal enquanto sociedade em transição para uma sociedade em
rede e qual o modelo informacional que aí parece despontar.
Uma sociedade em transição na rede global
Portugal quando olhado a partir de uma perspectiva de evolução de modelos de
desenvolvimento é um país que se encontra num processo de transição de uma
sociedade industrial para uma sociedade informacional.
No entanto, trata-se de uma sociedade industrial que, tal como por exemplo a
sociedade italiana, é constituída economicamente em grande medida por pequenas e
médias empresas mas que nunca se afirmou fortemente enquanto produtor industrial em
larga escala (Castells, 2002). Tendo assumido na segunda metade do século XX aquilo
que se pode designar por proto-industrialismo e procurando agora atingir um protoinformacionalismo (Castells, 2002), Portugal ensaia através das suas múltiplas redes de
pertença, que vão da sua inserção na União Europeia, à manutenção das boas relações
na óptica da defesa com os EUA, ao estabelecer de redes de parceria com o Brasil, com
as ex-colónias colónias africanas e asiáticas e as regiões dotadas de autonomia na
vizinha Espanha, adaptar-se às condições de mudança da economia global.
Até agora na nossa análise fez-se recurso essencialmente a dados comparativos
com as regiões onde predominam as línguas de origem latina, dando também, sempre
que os dados o possibilitam, uma especial ênfase à Catalunha onde, como referido, um
estudo análogo ao aqui analisado se realizou em 2002 (Castells e outros, 2003).
Assumindo o carácter de transição da sociedade portuguesa actual segundo um modelo
de desenvolvimento informacional, e com o intuito de posicionar melhor o modelo de
sociedade rede em emergência, pode-se, também, comparar os dados de composição
social por categorias profissionais em Portugal com os do início dos anos noventa num
conjunto de economias desenvolvidas.
O quadro 1.1, onde se apresenta a composição das categorias profissionais em
países seleccionados da América do Norte, Europa e Ásia, permite percepcionar melhor
as debilidades da sociedade portuguesa na sua actual fase de proto-informacionalismo1.
Quadro 1.1
Composição das categorias profissionais em países seleccionados (%)
Categoria profissional
EUA
1991
Canadá
1992
Administradores
Profissionais qualificados
Técnicos
Sub total
12,8
13,7
3,2
29,7
13,0
17,6
^
30,6
Reino
Unido
1990
11,0
21,8
^
32,8
Profissionais de vendas
Funcionários
administrativos
Sub total
11,9
9,9
15,7
27,6
Artífices e operadores
Sub total
Mão-de-obra semiqualificada do sector de
serviços
Mão-de-obra semiqualificada do sector dos
transportes
Sub total
Dirigentes e trabalhadores
rurais
Não classificada
Sub total
França
1989
Alemanha
1987
Japão
1990
Portugal
1991
Portugal
2001
7,5
6,0
12,4
25,9
4,1
13,9
8,7
26,7
3,8
11,1
^
14,9
4,3
5,6
7,5
17,4
7,0
8,6
9,6
25,2
6,6
3,8
7,8
15,1
13,6
14,3
16,0
25,9
17,3
23,9
24,2
28,0
13,7
21,5
18,6
33,7
10,7
24,3
11,1
25,4
21,8
21,8
21,1
21,1
22,4
22,4
28,1
28,1
27,9
27,9
31,8
31,8
32,8
32,8
30,3
30,3
13,7
13,7
12,8
7,2
12,3
8,6
--
--
4,2
17,9
3,5
17,2
5,6
18,4
4,2
11,4
5,5
17,3
3,7
12,3
-16,8
-15,1
3,0
-3,0
5,1
-5,1
1,6
1,0
2,6
6,6
-6,6
3,1
3,0
6,1
7,2
-7,2
8,7
-8,7
4,1
-4,1
Nota: As classificações utilizadas sofreram alguns reajustes ao longo deste período, pelo que a comparabilidade dos dados apresentados, embora em
termos gerais possível, tem de ter em conta algumas ressalvas. A soma dos números acima pode não corresponder exactamente a 100% uma vez que as
percentagens foram arredondadas. E “^” indica que o valor se encontra incluído na categoria imediatamente anterior.
Fonte Portugal: INE, Recenseamentos Gerais da População. Restantes países adaptado de Castells, 2002, p.395.
Verifica-se, ao analisar os dados presentes no quadro 1.1, que embora com uma
evolução positiva, Portugal apresenta ainda, nas categorias profissionais mais
qualificadas, valores abaixo dos apresentados pelos países mais desenvolvidos no início
da década de noventa (à excepção da França).
Quadro 1.2
Distribuição do emprego por tipo de sector produtivo e respectivos rácios, Portugal e
G7 (%)
Tipo de sector produtivo
EUA
1991
Japão
1990
Alemanha
1987
França
1989
Itália
1990
Reino
Unido
1990
Canadá
1992
Portugal
1990
Portugal
2001
1
Cada modo de desenvolvimento estrutura-se em torno de um modelo de performance em
torno do qual se organizam as actividades económicas. O industrialismo é orientado para o
crescimento económico e a maximização do output. O informacionalismo é orientado para o desenvolvimento tecnológico (ie, para
a acumulação de conhecimento e maiores níveis de complexidade no processamento de informação) (Castells, 2002).
Indústria 1
24,9
35,8
41,5
30,6
31,9
29,6
23,5
49,7
39,3
Serviços 1
75,1
64,2
58,5
69,4
68,1
70,4
79,5
50,3
60,7
3,0
1,8
1,4
2,3
2,1
2,4
3,3
1,0
1,5
51,7
65,9
60,8
54,9
62,2
54,2
54,3
65,6
60,3
48,3
33,4
39,2
45,1
37,8
45,8
45,7
34,4
39,7
0,9
0,5
0,6
0,8
0,6
0,8
0,8
0,5
0,7
Serviços / indústria
Gestão de produtos
2
Gestão de informação 2
Gestão de informação/gestão
de bens
1
Para Portugal a indústria soma os sectores extractivos, da construção e da transformação; os serviços incluem os restantes sectores.2 Para Portugal a
gestão de produtos inclui o sector extractivo, da construção, da transformação, dos transportes (no ano de 2001 é também incluído o sector das
comunicações) e do comércio; a gestão de informação integra os serviços públicos, as comunicações (excepto para 2001), serviços relativos à
produção, serviços sociais e serviços pessoais.
Fonte: Banco de Portugal (2003) e INE, Recenseamentos Gerais da População, restantes países adaptado de acordo com o apresentado em Castells
(2002; p.389-394).
Isto é, Portugal possui ainda um número reduzido de técnicos e profissionais
altamente qualificados e um excesso relativo de mão-de-obra semi-qualificada e
artífices e operadores.
Portugal, em termos da sua estrutura de emprego, na relação entre indústria e
serviços, bem como na relação entre gestão de informação/gestão de bens encontra-se
mais próximo dos modelos alemão e italiano. A leitura que se pode tirar do quadro
anterior é que o actual momento de transição, entre um proto-industrialismo e um
estádio de informacionalismo ainda relativamente incipiente, está por um lado próximo
do modelo de produção industrial2, pois mantêm em níveis relativamente elevados
(bastante mais de um quarto da força de trabalho) o seu emprego industrial, mas ao
mesmo tempo incorpora dimensões próximas de um modelo económico de serviços3,
em que se enfatiza uma nova estrutura de emprego na qual a diferenciação entre as
várias actividades de serviços se torna o elemento chave para a análise da estrutura
social.
Com base nos dados dos vários quadros apresentados podemos obter uma
fotografia mais nítida da situação que nos permita posicionar Portugal à luz dos diversos
conceitos de desenvolvimento informacional.
2
O modelo de produção industrial é claramente representado pelo Japão e, consideravelmente, pela Alemanha, os quais, embora
reduzindo também o emprego industrial, continuam a mantê-lo em níveis relativamente elevados (cerca de um quarto da força de
trabalho), enveredando por um movimento muito mais gradual que permite a reestruturação das actividades industriais no novo
paradigma sociotécnico. Com efeito, este modelo reduz o emprego industrial ao mesmo tempo que reforça a actividade industrial.
Em parte como reflexo desta orientação, os serviços relacionados com a produção são muito mais importantes que os serviços
financeiros, e acabam por estar em estreita ligação com as empresas industriais. Isto não significa que as actividades financeiras
sejam menos importantes no Japão e na Alemanha: afinal, oito dos dez maiores bancos do mundo são japoneses. No entanto,
embora os serviços financeiros sejam importantes e tenham aumentado a sua cota de participação nos dois países, a maior parte do
crescimento em termos de serviços ocorre nos serviços empresariais e sociais (Castells, 2002).
3
O modelo da economia de serviços é representado pelos EUA, Reino Unido e Canadá. É caracterizado pelo rápido declínio do
emprego industrial após 1970, no sentido do informacionalismo acelerado. Tendo eliminado quase todo o emprego agrícola, este
modelo enfatiza uma nova estrutura de emprego onde a diferenciação entre as várias actividades de serviços se torna o elemento
chave para a análise da estrutura social. Este modelo destaca os serviços relacionados com a gestão de capitais relativamente aos
serviços ligados à produção, mantendo a expansão do sector dos serviços sociais em virtude do enorme aumento do emprego na
área da saúde e, em menor grau, na área da educação. É também caracterizado pela expansão da categoria de gestores, que inclui
um número considerável de gestores de nível médio (Castells, 2002).
Portugal posiciona-se em 2001, ao nível do emprego por sector produtivo e
respectivos subsectores, próximo dos modelos francês e italiano assentes numa indústria
de transformação que atrai cerca de um terço da população. Mas no caso português essa
estrutura de ocupação é marcada por um maior peso dos sectores têxtil e da construção.
No campo dos serviços a procura de uma comparação é mais complexa.
Quadro 1.3
(%)
Distribuição do emprego por sector produtivo e respectivos subsectores, Portugal e G7
Itália
1990
Reino
Unido
1992
6,4
9,5
1,7
5,7
13,5
5,4
6,3
9,5
1,2
4,4
13,1
5,0
0,9
0,1
-
0,5
1,3
0,4
0,4
33,7
40,3
29,5
29,7
26,3
22,3
36,9
34,7
6,1
9,6
7,1
7,2
7,0
4,0
6,3
10,0
12,3
1,1
0,6
1,0
1,0
0,8
1,2
1,2
0,7
0,7
17,5
23,6
32,2
21,3
21,8
21,6
14,9
26,2
21,7
Alimentar
1,5
2,3
2,9
2,8
1,6
2,9
-
2,9
2,1
Têxtil
0,6
1,2
1,1
1,7
5,0
0,8
-
10,4
5,7
Metalúrgica
1,7
3,2
4,3
3,5
4,7
2,7
-
0,6
2,4
Máquinas e equipamentos
3,7
5,9
4,9
4,5
3,3
5,8
-
5,0
3,2
Produtos Químicos
1,3
1,1
2,7
1,6
1,3
1,4
-
1,5
1,2
Diversos 1
8,6
10,0
16,2
7,3
5,9
8,0
-
5,8
7,1
20,6
24,3
17,7
20,5
25,8
20,7
24,0
17,0
21,0
Transportes
3,6
5,0
5,9
4,3
5,2
4,3
4,1
3,7
4,5
Comunicações 2
1,4
1,0
^
2,2
1,3
1,9
2,1
1,1
--
15,7
18,3
11,8
14,0
17,3
14,5
17,7
12,2
16,5
EUA
1991
Japão
1990
I Extractivo
3,5
7,2
4,1
Agricultura
2,9
7,1
3,2
Mineração
0,6
0,1
24,7
Construção
Electricidade, gás e água
Sectores
II Transformação
Indústria
III Serviços de distribuição
Comércio
I
Serviços relativos à produção
V
Alemanha
1987
França
1989
Canadá
1992
Portugal Portugal
1990
2001
14,0
9,6
7,3
10,0
-
12,3
11,3
3,8
7,9
Actividades financeiras
2,8
1,9
2,4
2,0
1,8
2,8
3,7
1,6
2,1
Seguros 3
2,1
1,3
1,0
0,8
-
1,2
^
0,4
--
Actividades imobiliárias
1,8
1,1
0,4
0,3
-
0,7
2,2
1,8
5,8
6,9
19,5
-
7,6
5,4
-
-
-
28,7
22,6
18,5
20,6
14,1
-
9,7
13,5
10,3
10,5
7,3
5,3
3,5
V Serviços sociais 4
Outros
25,5
14,3
24,3
I
Serviços pessoais 5
V
11,7
10,2
6,3
1
Inclui indústrias da madeira e cortiça; do papel, tipográficas e afins; de produtos minerais não metálicos; e outras indústrias transformadoras.
2
No ano de 2001 os valores relativos às comunicações estão incluídos na categoria dos transportes.
3
No ano de 2001 os valores relativos às aos seguros estão incluídos na categoria das actividades financeiras.
4
Inclui administração pública e defesa; serviços de saneamento e limpeza; serviços sociais e similares; serviços recreativos e culturais; e organismos
internacionais e outros.
5
Inclui serviços pessoais e domésticos; e restaurantes e hotéis. A soma dos números acima pode não corresponder exactamente a 100% uma vez que as
percentagens foram arredondadas. E “^” indica que o valor se encontra incluído na categoria imediatamente anterior.
Nota: nos valores apresentados no ponto IV (Serviços relativos à produção) encontram-se apenas individualizadas as subcategorias para as quais existe
disponível informação desagregada.
Fonte: Banco de Portugal (2003) e INE, Recenseamentos Gerais da População, adaptado de acordo com o apresentado em Castells (2002).
Assim, no que respeita aos serviços de distribuição, Portugal aproxima-se mais
do modelo dos EUA e Reino Unido, embora continue a sua proximidade com a França.
Já no que diz respeito aos serviços relativos à produção, apesar da diferença de uma
década em relação aos dados dos países dos G7, Portugal não atinge ainda metade da
ocupação da população registada em qualquer dos restantes países (à excepção da
Alemanha, cujos valores se referem a 1987).
No que diz respeito aos serviços sociais, Portugal parece de novo posicionar-se
perto da estrutura de emprego francesa, mas já no que diz respeito aos serviços pessoais
o seu modelo mais próximo é o vigente nos EUA e Reino Unido.
Daí que, também ao nível dos modelos de desenvolvimento informacional, não
se possa falar de uma adesão pura a um modelo económico de serviços ou a um modelo
de produção industrial. Tal fica a dever-se possivelmente ao próprio processo de
transição em curso que se manifesta de modo desigual em diferentes áreas da produção
e dos serviços. Se, ainda assim, procurarmos encontrar quais as maiores semelhanças
que Portugal apresenta com cada um dos modelos, pode-se dizer que Portugal, dada a
sua estrutura de emprego, se encontra mais próximo de um modelo de produção
industrial sem, no entanto, substituir o emprego industrial por serviços relacionados
com a produção. Por outro lado, possui um modelo de emprego nos serviços pessoais e
sociais próximo daquele que caracteriza as economias sustentadas por um modelo de
económico de serviços como os EUA e o Reino Unido. A conclusão a tirar desta análise
é que, fruto do processo de transição em curso na sociedade portuguesa, não se
configuram claramente ainda as tendências e que, a ser necessário definir uma aposta,
esta se localizaria na proximidade entre as opções feitas pela França, no sentido de um
modelo económico de serviços, que mantêm uma base industrial relativamente forte
mas com enfoque nos serviços relacionados com a produção e serviços sociais, e o
percurso incerto da Itália na construção de um modelo informacional em que também
ela se encontra em transição entre um modelo proto-industrial e um protoinformacionalismo (assente nas pequenas e médias empresas e nas redes por elas
possibilitadas).
As tendências presentes, nos dados atrás apresentados, são também verificadas
pelos dados obtidos no inquérito em que se baseia este estudo sobre a sociedade em rede
em Portugal.
Embora em 2003 a maioria do emprego esteja concentrado no sector de serviços
está-o em serviços de tipo tradicional, como o comércio e a hotelaria (27%). Enquanto
isso, os serviços emblemáticos das sociedades informacionais4, como os relacionados
com os serviços sociais (23,6%) e serviços às empresas (9,6%), sejam eles de produção
ou comunicações ou ainda financeiros, constituem 33% da estrutura de emprego (a que
há ainda de juntar quase 7% de trabalho doméstico).
A sociedade portuguesa apresenta assim valores muito baixos essencialmente ao
nível dos serviços relativos à produção. Se procurarmos estender a análise à comparação
entre as gerações pós-25 de Abril e as nascidas antes do 25 de Abril podemos verificar
que apesar dos problemas identificados há uma evolução positiva. Há ao longo dos
últimos 30 anos um aumento sustentado das actividades desenvolvidas pelos
profissionais intelectuais, científicos e técnicos e pelos profissionais de nível
intermédio.
Enquanto para os indivíduos nascidos antes de 1967 as duas categorias
representam apenas 11,6% da totalidade do emprego já nos mais jovens (indivíduos
maiores de quinze anos que iniciaram a sua escolaridade no pós-25 de Abril) esse valor
aumenta para 16,6%. Mas a situação portuguesa é também dual dentro da mesma
estrutura etária. Assim, embora os mais jovens tenham obtido maiores qualificações que
as gerações anteriores o peso relativo de operários não qualificados só diminuiu na
agricultura e pescas.
A percentagem de trabalhadores não qualificados dos serviços, do comércio e
indústria, comunicações e transportes praticamente mantêm-se na estrutura de emprego
entre os dois segmentos geracionais referidos (respectivamente para os mais velhos de
24,5% e para os mais jovens de 22,5%). O que se pode concluir desta leitura?
Por um lado o sistema produtivo em termos das competências necessárias não
terá evoluído na mesma proporção que o sistema educativo (isto apesar do sistema
educativo ser ainda muito frágil dada a sua elevada taxa de abandono escolar). Por outro
lado, visto que existe um ligeiro decréscimo intergeracional entre os operários e artífices
(de 21,1% para os mais velhos e 19,2% para os mais jovens), há uma recomposição das
qualificações, ainda que lenta, pelo que se assiste ao aumento de trabalho administrativo
(onde o emprego jovem aumenta em 4% face ao emprego dos mais velhos - 12,1% e
4
Os serviços sociais englobam: serviços médicos, hospitais, educação, serviços religiosos e de bem estar social, organizações sem
fins lucrativos, serviços postais, órgãos de governo e serviços sociais diversos. Os serviços pessoais englobam: serviços domésticos,
serviços de hotelaria, bares e restaurantes, serviços de reparação, lavandaria, cabeleireiros, entretenimento, serviços pessoais
diversos. Os serviços de distribuição englobam: transportes, comunicações, comércio por grosso, comércio a retalho. Os serviços
relativos à produção: actividades financeiras, seguros, actividades imobiliárias, engenharia, contabilidade, serviços empresariais
diversos, serviços jurídicos (adaptado de Castells, 2002: 410).
8,7%) mas também ao nível dos serviços e vendas que representam 18,7% do emprego
jovem e apenas 13,3% entre os nascidos antes de 1967.
No contexto da era da informação, das sociedades informacionais e de uma
organização social em rede, a situação portuguesa é particularmente complexa. Embora
sejam evidentes os sinais de transição para um modelo de organização social em rede (e
a consequente formação de uma sociedade em rede proporcionada pela utilização da
internet) e uma transição para um maior número de analistas simbólicos (Reich, 1991),
característicos das sociedades informacionais - mas ainda distantes, por exemplo, dos
18,5% da Catalunha (Castells e outros, 2003) - assiste-se, como se viu, a aspectos que
são ainda característicos dos modelos industriais.
Portugal e os diferentes modelos económicos de Sociedades
Informacionais
Se os dados até aqui apresentados nos permitem clarificar o estado da transição
da sociedade portuguesa para um modelo informacional, e a constituição de uma
sociedade em rede, há ainda que contextualizar essa transição em função dos diferentes
modelos de sociedades líderes da dimensão informacional e das economias dinâmicas,
de que os EUA, Finlândia e Singapura (Castells e Himanen, 2002) são exemplos
paradigmáticos.
A análise dos diferentes modelos de sociedade informacional pode tomar como
ponto de partida a individualização de quatro dimensões (tecnologia, economia, bemestar social e valores) através das quais se pode compreender melhor qual a posição
relativa de Portugal no panorama global das sociedades informacionais (Castells e
Himanen, 2002).
Pode-se considerar que uma sociedade é informacional (Castells e Himanen,
2002) se possui uma sólida tecnologia de informação (infraestrutura, produção e
conhecimento). Os países aqui seleccionados, Finlândia, Estados Unidos e Singapura,
são sociedades informacionais avançadas. São igualmente economias dinâmicas porque
são internacionalmente competitivas, tem empresas produtivas e são inovadoras. Mas
porque “a tecnologia e a economia não são mais do que uma parte da história” (Castells
e Himanen, 2002: 31), pode-se dizer que uma sociedade é aberta se o é politicamente,
isto é, ao nível da sua sociedade civil, e se está aberta aos processos globais. Igualmente
o seu bem-estar social pode ser avaliado em função da sua estrutura de rendimentos e da
cobertura oferecida aos seus cidadãos em matéria de saúde e educação.
Os dados presentes nos quadros seguintes comparam Portugal com três modelos
de sociedades informacionais. Que são respectivamente os modelos que se podem
designar por Silicon Valley, o modelo de uma sociedade orientada pelo mercado e
aberta, por Singapura, o modelo de um regime informacional autoritário e, por fim, o
modelo Finlandês de uma sociedade providência informacional.
A qualificação de uma sociedade como informacional baseia-se assim numa
sólida tecnologia de informação ao nível das infra-estruturas, produção e conhecimento.
Como se posiciona Portugal nessas dimensões?
Portugal no que se refere ao índice de desenvolvimento tecnológico encontra-se
(UNDP, 2001: 48) em 27º lugar na segunda divisão de países – os denominados líderes
potenciais. Sendo essa segunda divisão comandada pela Espanha (19º lugar) e pela
Itália (20º lugar).
Ao nível da infra-estrutura Portugal apresenta valores para o número de
máquinas ligadas à internet (hosts) por 10000 habitantes de 25% dos valores das
economias avançadas e de 14% da Finlândia. No entanto, a situação inverte-se
totalmente quando se compara o número de contratos de uso de telemóveis por 1000
habitantes. Portugal encontra-se em sexto lugar (774) num ranking mundial liderado
pela Itália (883) e seguido por três países escandinavos (Islândia, Noruega e Finlândia).
Portanto, embora possuindo uma baixa infra-estrutura ao nível da internet pode
dizer-se que Portugal possui uma infra-estrutura de tecnologias móveis claramente
acima da média global.
O panorama ao nível da produção já não é tão optimista pois Portugal possuí
uma muito baixa taxa de exportações de alta tecnologia, atingindo apenas um quarto da
média das economias mais avançadas (Portugal 6, para 21 por parte das economias
avançadas5). Representando apenas 10% dos valores atingidos por Singapura, a sua
maior proximidade é junto do modelo Finlandês, atingindo os valores portugueses 26%
5
Os valores referentes às “economias avançadas” foram adaptados sempre que possível dos cálculos já disponíveis
(Castells e Himanen, 2002), quando se conclui pela necessidade de um novo cálculo optou-se por utilizar os dados
referentes aos G7, por vezes, utilizando para o cálculo da média também dados dos países OCDE mais desenvolvidos.
da totalidade das exportações de alta tecnologia da Finlândia (um país que na década
anterior passou de valores similares a Portugal para os actuais 23%). Completando a
contextualização desta análise, se compararmos a relação entre exportações de produtos
primários e manufacturados das quatro economias a sua estrutura é similar
(respectivamente 14% e 86%) pelo que é ao nível das exportações de alta tecnologia que
as diferenças surgem para Portugal.
Se utilizarmos a medida “comércio electrónico” para caracterizar o
desenvolvimento da área de serviços e vendas de uma economia, o panorama português
é um misto de valores positivos e negativos. Se, por um lado, acompanhou entre 1998 e
2001 as taxas de crescimento de mais de 600% de servidores seguros da Finlândia (e fêlo acima da média das economias mais avançadas). Por outro lado, possui uma das mais
baixas taxas de servidores seguros por 100,000 habitantes (apenas 2,34, um valor que
representa apenas 14,3% da média das economias mais avançadas).
A leitura destes valores tem de ter presente também a sua relação com o número
de utilizadores, pois um valor elevado de utilização é indicador também de um maior
potencial de mercado. Sem número elevado de utilizadores não há incentivo ao aumento
do comércio electrónico (seja ao nível inter-empresas ou com particulares). Embora em
2003, segundo os dados do nosso inquérito, Portugal possuisse 29% da sua população
como utilizadores directos da internet, sendo em 2001 os valores de utilização cerca de
18% (INE, 2003), o que representa uma taxa de crescimento de 60% em dois anos,
Portugal encontra-se ainda bastante distante dos cerca de 50% de qualquer dos três
modelos aqui analisados. Tal indicia um mercado ainda relativamente restrito para o
desenvolvimento do comércio electrónico interno.
No entanto, há outro dado que pode dar uma visão mais positiva que é a relação
entre o número de hosts e o número de servidores seguros. Aí Portugal, embora
claramente distante das performances das economias avançadas (onde a relação é de 1
servidor seguro para apenas 692 máquinas com endereço IP) situa-se na mesma ordem
de grandeza que os EUA ou a Finlândia.
Mas ao falar de tecnologias de informação estamos igualmente a falar de
conhecimento e embora tenhamos já abordado algumas das dimensões, nomeadamente
ao nível das qualificações para o emprego, os dados coligidos na comparação
internacional no quadro 3.30 confirmam as tendências anteriormente apontadas.
Portugal possui mais do que um mero embrião ao nível das competências
tecnológicas mas relativamente aos níveis necessários a uma economia informacional
encontra-se aparentemente ainda muito distante de os atingir.
Se não vejamos: quanto aos estudantes do ensino superior da área das ciências
(exactas, naturais e tecnológicas), os rácios parecem colocar Portugal ao nível dos EUA
mas essa aparente semelhança mascara o facto de grande parte dos investigadores
contratados nas empresas de alta tecnologia nos EUA terem obtido a sua formação no
exterior (Castells e Himanen, 2002).
Portanto a comparação deverá ser feita com os dois outros modelos, Singapura e
Finlandês. Uma comparação que é claramente negativa para Portugal. Pois, embora
apenas a três pontos percentuais da média das economias avançadas, na realidade a
formação na área das ciências em Portugal representa cerca de 50% da realizada em
economias líder como as da Finlândia e Singapura.
Se olharmos para o número de cientistas e engenheiros em I&D em Portugal, e
os compararmos com os demais países observados, compreende-se que o actual esforço
não permite por si só recuperar o atraso, pois parte-se igualmente de uma posição muito
débil.
Ou seja, por milhão de pessoas, Portugal possui 1576 cientistas e engenheiros a
realizar investigação e desenvolvimento quando a média das economias avançadas é
superior em 76% (a relação para com a Finlândia é de 1 para 3 investigadores e
engenheiros e de 1 para 2,5 para os dois restantes países em análise).
Todos os factores analisados e referentes às competências adquiridas, estrutura
de emprego e predominância de áreas de baixa e média tecnologia na economia tem
visibilidade ao nível da produtividade comparada da economia portuguesa e do seu PIB
per capita.
Num índice 0-100 de competitividade, onde a média das economias avançadas é
de 69 pontos, Portugal ocupa a 32º posição com um índice de 58 pontos, estando as
economias líder aqui analisadas entre os 80 e os 100 pontos e ocupando as três
primeiras posições ao nível da competitividade global. O PIB per capita português
representa 67% da média das economias mais avançadas.
Quadro 1.4
Comparações internacionais no domínio da tecnologia
Finlândia
USA
Singapura
Portugal
Economias
Avançadas
Máquinas ligadas à internet· (por 10.000 hab.) 1
Contratos de telemóvel (por 1.000 hab.) 2
Percentagem de exportações de alta tecnologia
sobre o total de exportações 2
Comércio electrónico (servidores seguros por 100
000 habitantes) 3
Taxa de crescimento servidores seguros, 19982001 (%)
Relação entre hosts e servidores seguros (2001)
Utilizadores de internet (%) (2001) 4
Rácio de participação da população estudantil
ensino superior em ciências (%)
Cientistas e Engenheiros em I&D
(por milhão de pessoas) 2
1707,25(3)
804
3714,01(1)
451
478,18
724
239,28
774
819,15
740
23
32
60
6
21
14,9
33,28 (1)
17,31
2,34
16,3
656
1144
46
397
1139
49 (4)
527
357
s.d.
600
1054
18
555
692
33
27,4
13,9
24,2
12,0
15,0
5059
4099
4140
1576
2778
1
Valores para todos os países obtidos em World Indicators, International Telecommunication Union 2002 (ITU) em
http://www.itu.int/itunews/issue/2002/04/table4.html.
2
Valores para todos os países obtidos no relatório UNDP Human Development Report 2003.
3
Valores obtidos por Netcraft em Dezembro de 2001 em http://www.atkearney.com/shared_res/pdf/Secure_servers_2002_S.pdf. Valor de hosts obtido
a partir World Indicators, International Telecommunication Union (ITU) em http://www.itu.int/itunews/issue/2002/04/table4.html.
4
Adaptado de Castells e Himanen, 2002, excepto dados de Portugal obtidos junto do Instituto Nacional de Estatística em http://aleaestp.ine.pt/html/actual/pdf/actualidades_42.pdf.
5
Adaptado de Castells e Himanen, 2002, excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human Develop Report 2001. Definição da Unesco
para o indicador em causa: “gross enrolment in tertiary education – total enrolment in tertiary education regardless of age, expressed as a percentage of
the population in the five-year age group following the secondary-school leaving age”.
A medição do crescimento da capitalização bolsista portuguesa é outro sinal da
pouca competitividade da economia. Aos 24% de capitalização entre 1998 e 2000
opõem-se os 894% de capitalização bolsista finlandesa.
No entanto, a fraca performance da economia portuguesa não pode ser explicada
apenas pela falta de competências especializadas em tecnologias avançadas, nem apenas
na estrutura de emprego desequilibrada ou na predominância de áreas de baixa e média
tecnologia na economia. Porque as causas também se encontram ao nível do
investimento em inovação. As economias informacionais são baseadas na inovação
enquanto as industriais se centram na optimização do crescimento económico. Daí, que
o investimento em I&D em percentagem do PIB indique até que ponto uma sociedade
interiorizou na sua esfera económica um modelo de desenvolvimento informacional e o
despontar de uma organização económica em rede que acompanha esse movimento de
reestruturação (Castells, 2002, 2003a, 2003b, e 2004a).
Quadro 1.5
Comparações internacionais de indicadores de desenvolvimento informacional
Competividade (índice 0-100) 1
(*) posição relativa
PIB per capita ($ EUA) 2
Produtividade
(industrial: índice 100 = EUA)
Crescimento da capitalização bolsista, 19962000 (%) 3
Investimento em I&D em % do PIB
(1996-2000) 4
Finlândia
USA
Singapura
Portugal
Economias
Avançadas
83 (3)
24430
100 (1)
34320 (3)
88 (2)
22680
58 (32)
18150
69
27009
99
100
s.d.
s.d.
s.d.
894
429
s.d.
24
s.d.
3,1 (3)
2,6
1,9
0,7
2,0
Receitas derivadas da propriedade intelectual e
licenças
($ EE.UU. por 1.000 hab.) 4
126 (5)
130 (4)
26
2,5
26
1
Adaptado de Castells e Himanen 2002 excepto valores para Portugal obtidos directamente da fonte citado na obra, isto é, o IMD.
2
Valores para todos os países obtidos no relatório UNDP Human Development Report 2003.
3
Adaptado de Castells e Himanen 2002, excepto dados de Portugal obtidos na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários em
http://www.cmvm.pt/consulta_de_dados_e_registos/indicadores/indicadores.asp , os valores para Portugal referem-se a 1997-2000 (Acções - BVL 30).
4
Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human Development Report 2001.
Para uma média em 2000 de 2% do PIB nas economias avançadas investido em
I&D, Portugal investiu apenas 0,7% quando qualquer dos modelos analisados se coloca
acima dos 2%, com a Finlândia a atingir os 3,1% do produto interno bruto.
Outro indicador, igualmente representativo, corrobora essa tendência da
economia portuguesa. As receitas derivadas de propriedade intelectual ou licenças
concedidas a terceiros representa apenas 2,5 dólares por 1000 habitantes o que identifica
a nossa dependência da inovação de terceiros mercados. A título de exemplo a Finlândia
obtém 126 dólares, os EUA 130, a Irlanda 110,3 e a Espanha e Itália 8,6 e 9,8.
A leitura que se pode tirar das comparações nas dimensões infra-estruturais de
produção e conhecimento tecnológico é a de uma confirmação da posição de Portugal
como uma sociedade proto-informacional, ou, se preferirmos em transição para uma
sociedade informacional. Uma sociedade onde a manifestação das estruturas
organizativas e de produção em rede despontam e convivem com os, ainda dominantes,
modelos económicos característicos das sociedades industriais.
Sociedades informacionais, valores e bem-estar social
Como já vimos as sociedades informacionais não são apenas caracterizadas pela
sua apropriação da tecnologia mas também pela sua abertura interna e bem-estar social.
Em Portugal não vigora um regime autoritário, os valores predominantes na
sociedade são hoje os de uma sociedade aberta. A abertura de uma sociedade pode ser
medida através de várias dimensões, como por exemplo em função da posição relativa
que a população reclusa tem face à totalidade da população. Como se pode verificar
pelo quadro 3.31, se o modelo Finlandês se caracteriza por um rácio dez vezes mais
baixo que o dos EUA, Portugal tem valores duas vezes superiores à Finlândia,
evidenciando, ainda assim uma maior proximidade a este último modelo.
Ao nível da igualdade entre homens e mulheres encontra-se ainda abaixo da
média das economias avançadas (629 para Portugal e 661 para as economias avançadas)
posicionando-se exactamente a meio do intervalo entre o modelo mais desigual
(Singapura 509) e o modelo mais igualitário (Finlandês 783).
Se nesta obra analisámos a estrutura de rendimentos da população portuguesa
em função de comparações intergeracionais (e genericamente face a modelos de
distribuição de rendimentos) podemos igualmente comparar o bem-estar da população
portuguesa face aos modelos de bem-estar associados aos três modelos de sociedade
informacional em análise (Finlandês, Singapura e Silicon Valley).
Assim no que diz respeito ao rácio dos 20% mais ricos em relação aos 20% mais
pobres o modelo finlandês de providência informacional é aquele que apresenta uma
maior igualdade de rendimentos (3,6).
No campo oposto, o modelo informacional liderado pelo mercado (Silicon
Valley) ou o autoritário (Singapura) apresentam distribuições de rendimentos muito
mais desequilibradas, ocupando respectivamente o terceiro e o segundo lugar no ranking
das economias avançadas, com a pior relação entre os rendimentos dos mais ricos e dos
mais pobres (8,9 e 9,6).
Portugal encontra-se, mais uma vez numa situação intermédia entre os dois
modelos. No entanto, o seu coeficiente de Gini (35,6), no qual 100 representa
desigualdade absoluta, a situação em que uma pessoa obtêm tudo e os demais nada, e o
valor 0 representa igualdade absoluta em que todos recebem exactamente o mesmo,
coloca-o mais próximo do modelo Silicon Valley (40,8) do que do modelo finlandês
(25,6) e claramente acima da média das economias avançadas (28,6)6.
O bem-estar social está assim associado à distribuição de rendimentos mas
também à educação e à saúde. Se pensarmos em termos de cobertura de cuidados de
saúde, Portugal com o seu Serviço Nacional de Saúde (SNS) segue claramente o
modelo finlandês, com a sua cobertura da totalidade da população e afasta-se do modelo
informacional de Silicon Valley onde existe uma percentagem considerável da
população excluída do acesso ao sistema de seguros de saúde (18%).
6
Vale a pena no entanto relembrar que se a análise ocorrer entre diferentes gerações o coeficiente de Gini colocará as gerações
nascidas depois de 1967 muito mais próximas das sociedades informacionais de providência do que dos modelos informacionais
dirigidos pelo mercado.
Quadro1.6
Comparações internacionais de indicadores de bem estar social
Taxa combinada de estudantes de primeiro,
segundo e terceiro ciclo 1
Literacia funcional (%) 2
Esperança de vida à nascença (anos) 1
Cobertura de cuidados de saúde (%) 3
Racio dos 20% mais ricos em relação aos 20%
mais pobres.4
Percentagem de população inferior à linha de
pobreza 5
Coeficiente Gini 6
Finlândia
USA
Singapura
Portugal
Economias
Avançadas
103 (4)
89,6(2)
77,4
100
93
79,3
76,8
82
75 (-1)
s.d.
77,4
s.d.
93
52
75,5
100
94
83
78
s.d.
3,6 (3)
8,9 (-3)
9,6 (-2)
5,9
5,8
3,8 (4)
25,6
14,1 (-4)
40,8
s.d.
s.d.
21
35,6
10,6
28,57
1
Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human Development Report 2001.
Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human Development Report 2003. Calculado a partir
do indicador “Lacking funtional literacy Skills” em http://hdr.undp.org/reports/global/2003/pdf/hdr03_HDI.pdf.
3
Adaptado de Castells e Himanen (2002) excepto dados para Portugal. Dado a existência de um Serviço Nacional de Saúde com universalidade
pressupõe-se a cobertura da totalidade da população portuguesa.
4
Adaptado de Castells e Himanen 2002 excepto dados para Portugal de World Development Report on poverty do Banco Mundial em
http://www.worldbank.org/poverty/wdrpoverty/.
5
Adaptado de Castells e Himanen 2002. Pra Portugal, valor obtido em Capucha (2004), Desafios da Pobreza, Lisboa, ISCTE, p.131 (Tese de
Doutoramento). Medida de pobreza relativa, referida a um limiar de 60% da mediana do rendimento disponível nos agregados domésticos.
6
Dados para todos os países baseados em World Development Report on poverty do Banco Mundial em
http://www.worldbank.org/poverty/wdrpoverty/. No coeficiente Gini 100 representa desigualdade absoluta, a situação em que uma pessoa obtêm tudo e
os demais nada. O valor 0 representa igualdade absoluta, em que todos recebem exactamente o mesmo.
2
Ao nível da educação valerá igualmente a pena referir que a abertura de uma
sociedade informacional não depende apenas da taxa combinada de estudantes dos três
ciclos a qual, apesar do elevado abandono7, que a taxa não leva em consideração, coloca
Portugal ao nível dos EUA e da Finlândia.
No entanto, no que respeita à alfabetização funcional, ou seja, a capacidade de
aplicar os conhecimentos adquiridos ao nível escolar na sociedade onde se insere,
Portugal apresenta resultados muito negativos com uma taxa de apenas 52% para uma
média das economias avançadas de 83% e de mais 80% para os EUA e a Finlândia.
Quadro 1.7
Comparações internacionais de indicadores de cidadania
Liberdade dos meios de comunicação (índice
0-100; 0 = livre) 1
Igualdade de género
(0-1.000, 0 = desigual) 2
Pertença a associações 3
População reclusa (por cada 100.000 hab.) 4 (*)
posição relativa
Estrangeiros ou nascidos no estrangeiro (% de
população) 5
Meio ambiente: emissão de CO2 (toneladas
métricas per capita) 2
1
7
Finlândia
USA
Singapura
Portugal
10
(livre)
17
(livre)
66 (-1)
(não livre)
15
(livre)
Economias
Avançadas
17
(livre)
783 (3)
1,8
738
1,1
509 (-4)
s.d.
629
1,4
661
s.d.
71 (-157)
701 (-1)
388 (-18)
134 (-93)
126
2,5
10,4
s.d.
4,1
s.d.
10,9
20,1 (-2)
23,4 (-1)
5
10,4
Adaptado de Castells e Himanen (2002), todos os dados de Press Freedom Survey 2003 em http://www.freedomhouse.org/ .
Os dados indicam que as taxas de abandono na UE são relativamente altas com uma média de 22,5 %. No entanto, existem
diferenças acentuadas entre estados membros. Assim os estados do norte da Europa possuem melhores resultados do que os
restantes. Portugal (40,7 %), Itália (30,2 %), Espanha (30,0 %) e Reino Unido (31,4 %) possuem taxas muito elevadas, enquanto a
Alemanha (13,2 %), Áustria (11,5 %) e os países escandinavos (Suécia 9,6 % e Finlândia 8,5 %) apresentam valores abaixo da
média (em http://europa.eu.int/comm/education/policies/educ/indic/rapinen.pdf).
2
Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human Development Report 2001.
Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos directamente no presente estudo. Os valores referem-se apenas às pessoas
com formação primária.
4
Dados para todos os países baseados em International Center for Prison Studies do Kings Colledge
.http://www.kcl.ac.uk/depsta/rel/icps/worldbrief/highest_to_lowest_rates.php.
5
Adaptado de Castells e Himanen 2002, excepto dados de Portugal obtidos no relatório sobre a população do Instituto Nacional de Estatística.
3
Portugal é uma sociedade aberta também quanto à sua relação com os interesses
globais ao nível do ambiente, com emissões de CO2 (toneladas métricas per capita),
claramente abaixo das médias das economias avançadas (embora tenhamos de ter
presente que parte desse baixo valor tem mais a ver com a incipiente industrialização da
economia portuguesa ao longo do século XX do que com a aplicação de políticas
ambientais).
A inserção numa sociedade global é igualmente possível de aferir em função da
percentagem do número de estrangeiros ou nascidos no estrangeiro que uma sociedade
alberga no seu seio.
Os dados utilizados nesta comparação para Portugal merecem um
enquadramento prévio. Ao estabelecer uma diferença entre População estrangeira
residente8 e população com autorização de permanência9 os valores utilizados na
comparação referem-se à soma dos dois grupos. A sociedade portuguesa em termos de
abertura a populações estrangeiras está mais próxima da sociedade norte-americana do
que do modelo Finlandês, face à qual possui quase o dobro de percentagem de
população estrangeira (respectivamente 2,5 e 4,1)10.
Historicamente Portugal também apresenta valores baixos de participação
associativa (Cabral, 1997). No presente estudo cerca de 78,8% dos inquiridos não
pertencem a nenhuma Associação. Apenas um quinto da população (21%) declarou
pertencer a alguma associação, clube, organização não governamental (ONG),
sindicato, partido político ou qualquer entidade associativa.
Um valor que se mantêm constante quer entre os jovens quer nas gerações mais
velhas e que se pode considerar relativamente baixo quando comparamos, por exemplo,
com a média europeia de pertença (56%)11.
O associativismo português é muito fragmentado por temáticas e é com alguma
frequência cumulativo. Se regressarmos à comparação entre a situação portuguesa e os
8
População estrangeira com estatuto legal de residente – Conjunto de pessoas de nacionalidade não portuguesa com autorização ou
cartão de residência, em conformidade com a legislação de estrangeiros em vigor. Não inclui os estrangeiros com a situação regular
ao abrigo da concessão de autorizações de permanência, de vistos de curta duração, de estudos, de trabalho ou estada temporária,
bem como os estrangeiros com a situação irregular (INE http://alea-estp.ine.pt/html/actual/html/act39.html ).
9
A partir de Janeiro de 2001 foi criado um novo dispositivo legal: População estrangeira com autorização de permanência –
Conjunto de pessoas de nacionalidade não portuguesa, titulares de uma autorização de permanência em Portugal, em conformidade
com a legislação de estrangeiros em vigor (INE http://alea-estp.ine.pt/html/actual/html/act39.html ).
10
Para mais informações ver também Pires (2003).
11
Adaptado de Eurobarometer 50.1 (1998).
modelos de sociedade informacional atrás enunciados, também ao nível da pertença a
associações os valores para Portugal (1,4) do número de associações em que se
encontram envolvidos os cidadãos está exactamente no meio do intervalo entre os
valores caracterizadores do modelo Silicon Valley (1,1) e os do modelo Finlandês (1,8).
As pertenças mais frequentes remetem para associação/clube desportivo (46,2%
dos que declaram pertencer a alguma associação); associação cultural e recreativa
(18,5%); sindicato (11,3%); associação profissional (10,4%); e associação religiosa e
paroquial (7,8%). Ainda assim, quando se participa em alguma associação o grau de
envolvimento é elevado para a maioria dos participantes, em média quase sempre acima
dos 70%. Sendo os casos de maior participação os presentes nos membros de
associações ecologistas e de protecção de animais (100%). Por sua vez as taxas de
participação mais baixas registam-se nas associações de consumidores e de defesa dos
direitos humanos (50%). Os sindicatos (58,6%) e partidos políticos e ONG’s solidárias
(64,3%) encontram-se por sua vez bastante próximas dos valores da maioria dos tipos
de associações listadas na nossa análise.
Um dos indicadores de uma sociedade informacional é também a relação entre
essa sociedade e os seus media, isto é, tanto a liberdade dos meios de comunicação em
expressarem livremente as notícias e as opiniões como também a relação entre os
fruidores e produtores de informação.
Os valores de liberdade dos meios de comunicação para Portugal (17)
encontram-se dentro do intervalo definido para o segundo grupo (11-20 numa escala de
0 a 100, sendo 0 a liberdade total) e do valor médio que caracteriza a liberdade de
imprensa nos países com economias avançadas (17) e onde existe maior liberdade de
imprensa (embora com valores inferiores aos da Finlândia e EUA, respectivamente com
rácios de 10 e 17, ambos pertencendo ao grupo com maior liberdade de comunicação).
Para a caracterização da liberdade dos meios de comunicação são tomados em conta o
enquadramento legal da actividade jornalística, as influências políticas e as pressões
económicas sobre a liberdade de comunicação. Portugal entre 2001 e 2003 melhorou o
seu rácio geral em 2 pontos (passando de 17 para 15) seguindo uma tendência similar à
da Finlândia, enquanto os Estados Unidos tiveram um comportamento oposto (de 17
para 19) e Singapura continua a ser considerado um país sem liberdade para os meios de
comunicação 12. A evolução positiva de Portugal mascara no entanto que o valor final se
fica a dever a uma avaliação positiva da evolução das leis e da regulação que
eventualmente influenciem o conteúdo dos media, a qual é contrabalançada por uma
deterioração das pressões económicas sobre o conteúdo dos media. Citando o relatório
Press Freedom Survey de 2003, “Embora a maioria dos meios de comunicação sejam
independentes do Estado, no entanto, a posse de jornais, rádio e televisão encontra-se
nas mãos de quatro companhias de media”13.
Uma sociedade desinformada no contexto informacional
A sociedade portuguesa era antes de 1974 uma sociedade maioritariamente
desinformada, no sentido em que a maior parte da sua população não possuía
escolaridade acima do quarto ano.
Embora as novas gerações, ao longo dos últimos 30 anos, tenham introduzido
mudanças fundamentais nesse quadro, a sociedade portuguesa encontra-se ainda longe
de poder ser caracterizada como possuindo os requisitos necessários a uma manipulação
generalizada da informação por parte da maioria dos seus membros (para já não falar
dos cerca de 7% dos nascidos até 1967 que são analfabetos).
Se em termos das competências adquiridas a situação mudou para as gerações
pós-25 de Abril de 1974, já para as mais velhas pouco ou nada se alterou, fruto de um
fraco investimento nas qualificações escolares dos mais velhos.
Assim, se para os nascidos depois de 1967 mais de 70% possuem nove ou mais
anos de escolaridade concluídos, o oposto ocorre entre os mais velhos (perto de 70%
têm seis ou menos anos de escolaridade).
Os cidadãos com estudos superiores concluídos em Portugal representam hoje
cerca de 10,3%, aos quais haverá a somar em breve os jovens a frequentar hoje o ensino
12
Iguais posições surgem quando se olha para a análise da presença online na internet, Finlândia, Portugal e EUA encontram-se
entre os menos restritivos às liberdades de comunicação e Singapura encontra-se entre os moderadamente livres (Press Freedom
Survey 2001).
13
Em http://www.freedomhouse.org/pfs2003/pfs2003.pdf
superior (e que representam 3% da população). Numa lógica de incremento da formação
da população, entre aqueles que iniciaram a escolaridade em 1974 os que concluíram o
ensino superior representam 12,5%, enquanto nos nascidos até 1967 esse valor é de
8,7%.
No entanto, esses valores não são ainda suficientes para alterar a sua
caracterização em termos de uma população desinformada, pois se tomarmos em conta
algumas comparações internacionais, com dados de 1999, veremos que embora em
termos da percentagem de população que não continuou ou seus estudos para além do 9º
ano (74,6%) nos aproximemos dos valores da Espanha (64,1%), estamos muito longe
dos 21,5% dos Estados Unidos da América ou dos 24,1% da França (Castells e outros,
2003).
Quadro 1.9
16 a 24 anos
35 a 44 anos
55 a 64 anos
Comparação internacional da taxa de utilização da internet por escalões etários (%)
Reino
Unido
Portugal
Alemanha
Hungria
Itália
Japão
Coreia
Espanha
EUA
80,1
72,8
38,7
58,8
30,4
5,4
59,6
55,6
31,6
45,1
13,7
4,3
66,4
37,4
9,0
80,6
63,0
22,2
95,1
49,5
11,5
70,2
31,7
11,7
90,8
74,5
67,3
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 para Portugal, todos os restantes países WIP (World Internet Project).
No que respeita aos estudos completados no ensino superior a posição de
Portugal é ligeiramente menos desfavorável com a probabilidade de atingir os cerca de
12% da população com o ensino superior dentro de 3 a 5 anos. Está assim, com os seus
actuais 10% a 11%, mais próximo da Catalunha (12%), ou da Espanha (13,1%) no seu
conjunto, mas ainda longe dos 18% da França ou dos 28% dos Estados Unidos da
América (Castells e outros, 2003).
Quadro 1.10
Comparação internacional da taxa de utilização da internet na população com o ensino
secundário e superior (%)
Secundário
Universitário
Reino Unido
64,4
88,1
Portugal
64,8
75,1
Alemanha
66,0
62,6
Hungria
14,6
45,5
Itália
53,5
77,3
Japão
45,7
70,1
Coreia
44,9
77,7
Macau
49,5
76,7
Singapura
66,3
92,2
Espanha
47,6
80,5
Suécia
76,4
83,8
Taiwan
18,2
54,9
EUA
61,0
87,1
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 para Portugal, todos os restantes países WIP (World Internet Project).
Os quadros 1.9 e 1.10 mostram também a relação que se estabelece com a
utilização da internet segundo a idade e o grau de educação. Embora nos capítulos
anteriores já se tenha abordado esta temática e estabelecido a relação existente entre
grau de escolaridade mais elevado e maior propensão para a utilização da internet, vale
a pena introduzir aqui também a dimensão geracional.
Portugal nos intervalos de idade até aos 30 anos possui sempre mais de 50% da
população desse escalão etário como utilizadores de internet existindo a partir daí uma
quebra continuada e abrupta próximo dos 50 anos. Essa não é uma situação comum a
todos os países analisados, mas é similar à situação da Itália, da Espanha e da Catalunha
países e nações com os quais Portugal partilha situações similares no campo da
educação, nomeadamente ao nível do abandono escolar precoce e de uma estrutura de
competências educacionais de base relativamente baixas (UNDP, 2003; Castells e
outros, 2003).
A hipótese de um maior domínio das competências formais ligada ao maior
número de utilizadores da internet parece ser demonstrável14. Independentemente das
sociedades onde a análise se realiza, quanto maior o número de pessoas com mais
escolaridade maior o número de utilizadores de internet. De facto, todas as análises
internacionais (Castells e outros, 2003) estabelecem uma correlação muito forte entre o
nível de educação formal e a utilização da internet. Uma correlação também detectável
na analise realizada na população portuguesa.
No caso português essa relação entre escolaridade e utilização de internet ganha
contornos de um fosso geracional. Não porque a internet seja uma tecnologia dos mais
jovens15 (eles poderão ser adoptantes iniciais mas não existem à partida contornos de
exclusividade geracional dos usos), mas sim porque as competências educacionais mais
elevadas estão concentradas na população mais jovem.
14
Obviamente que não se deve também esquecer a dimensão financeira que pode, por exemplo, explicar os baixos valores
associados à utilização na Hungria que é um país com elevado grau de literacia e com índice de cobertura educacional semelhante
ao da Itália (UNDP 2003). A dimensão rendimento parece assim poder surgir como condição necessária mas não suficiente para
justificar a utilização da internet.
15
Embora as taxas de utilização sejam sempre mais elevadas entre estes, a tendência é, nos diversos países analisados no WIP, de
aproximação à estrutura populacional dos países em causa, como demonstram os casos dos EUA, Reino Unido e Alemanha.
São também aqueles que iniciaram a sua vida escolar após o 25 de Abril que
dominam melhor as tecnologias digitais, sejam elas o DVD (22,3% vs. 68,3%) ou os
jogos de consola ou para Pc (6,7% vs. 40,6%).
A sociedade portuguesa no despontar da sociedade em rede parece assim ser
uma sociedade onde, em termos educacionais, se tivéssemos apenas em atenção todos
os que nasceram após 1967 (quadro 8.3), encontraríamos uma sociedade mais bem
preparada para os desafios da Era da Informação e melhor posicionada na comparação
com os dois pólos de desenvolvimento em que Portugal, fruto da sua lógica de redes de
aliança e pertença político-económico-militar, se ancora: a Europa e os Estados Unidos.
Quadro 1.11
Nível de escolaridade segundo geração (%)
Nível de escolaridade (concluído)
Nascido até 1967
Nascido após 1967
Total
73,8
9,8
7,7
8,7
32,2
30,7
24,6
12,5
55,7
18,9
15,1
10,3
Até 2º ciclo do ensino básico
3º ciclo do ensino básico
Ensino secundário
Ensino superior
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
A diferença geracional é também evidente quando se comparam práticas
comunicativas embora, apesar das diferenças gerais, encontremos uma hierarquização
idêntica na valorização de quais as duas actividades mais realizadas, quer por parte de
quem nasceu até 1967, quer por parte de quem nasceu depois de 1967 (ver TV 99,0%
vs. 99,6%; e encontrar-se com familiares e amigos 90,9% vs. 97,6%).
A divisória surge essencialmente ao nível das apropriações dos diferentes media
e das práticas culturais, desportivas e de culto religioso.
Quadro 1.12
Enumeração das actividades desenvolvidas na esfera da comunicação e da mediação
tecnológica segundo geração (%)
Que actividades realiza habitualmente ou ocasionalmente?
Ver TV
Ver DVD
Passear
Ouvir rádio
Ouvir musica
Ler jornais ou revistas
Nascido até 1967
99,0
22,3
81,8
80,4
64,1
68,7
Nascido após
1967
99,6
68,3
93,9
93,7
95,8
88,8
Total
99,3
42,3
87,1
86,2
77,9
77,5
Ler livros
Não fazer nada
Ir bares, discotecas, restaurantes e discotecas
Ir ao cinema
Ir ao teatro, opera e concertos
Ir a museus, exposições ou conferências
Encontrar-se com familiares ou amigos
Jogar com o computador ou consola
Falar com as pessoas da casa, brincar com as crianças, etc.
Assistir a espectáculos ou competições desportivas
Praticar algum desporto ou actividade física
Assistir a manifestações ou reuniões de sindicatos, partidos políticos
ou associações
Ir à igreja ou lugar de culto religioso
Assistir a acontecimentos populares, festas ou feiras
Praticar algum hobby
33,2
36,1
44,7
16,7
8,7
11,8
90,9
6,7
78,7
24,7
9,7
59,0
42,5
80,0
66,2
22,9
23,2
97,6
40,6
90,9
50,6
39,2
44,4
38,9
60,1
38,4
14,9
16,8
93,8
21,5
84,0
36,0
22,5
4,6
57,7
49,9
10,9
5,6
36,6
60,2
17,3
5,0
48,5
54,4
13,7
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
Assim, todas as práticas que fazem uso dos mass media (à excepção da Tv) são
mais frequentes entre os nascidos após 1967. Ouve-se mais rádio (80,3% vs 93,7%) e
mais música (64,1% vs. 95,8%), lêem-se mais jornais e revistas (68,7% vs 88,8%), vaise muito mais ao cinema (16,7% vs 66,7%) e lêem-se muitos mais livros (33,2 vs.
59,0%).
Também nas práticas culturais e identitárias colectivas há a registar duas
tendências diferenciadas. Por um lado, uma diminuição dos que se deslocam à igreja ou
outro lugar de culto religioso (57,7% vs. 36,6%) e por outro lado um crescimento
exponencial na participação em acontecimentos populares, festas ou feiras (49,2% vs
69,2%), assistir a espectáculos ou competições desportivas (24,7% vs. 50,6%), ir bares,
discotecas, restaurantes e discotecas (44,7% vs. 80,0%) e ao teatro, opera e concertos
(8,7 vs. 22,9%) ou ir a museus, exposições ou conferências (11,8% vs. 23,2%).
Trata-se, assim, de uma população em que os mais novos procuram muito mais
as actividades culturais e os espaços de encontro colectivo do que os mais velhos. Essa
tendência é muito vincada, com diferenças que oscilam em mais de 20%, pelo que se
poderá aventar, para além dos habituais contrastes inter-geracionais na ocupação diária
dos tempos, sobre a possibilidade de existir uma diferente concepção do que é a relação
entre o colectivo e o individual naqueles que nasceram depois de 1967.
Parece haver por parte das gerações mais novas, uma maior procura de partilha
colectiva de momentos e formas de estar que as actividades públicas de encontro
propiciam, ao mesmo tempo em que assistimos também a um domínio maior das
tecnologias de mediação.
Já nas práticas de cidadania social há aparentemente uma manutenção da
participação em manifestações e reuniões de sindicatos, partidos e associações a um
nível relativamente baixo (4,6% vs. 5,6%).
Os que viveram o período de socialização escolar e dos media no pós-25 de
Abril parecem assim não só possuir, como já foi referido, outras atitudes de
relacionamento entre o individual e o colectivo como também se caracterizam nas suas
práticas por, a par da partilha com os mais velhos de um visionamento televisivo
elevado, realizarem um maior equilíbrio entre a comunicação mediada pelas tecnologias
de comunicação e informação e aquela que acompanha o encontro face a face.
Para além do referido, as suas práticas denotam um muito maior domínio das
diferentes linguagens comunicativas e dos protocolos culturais existentes na sociedade,
como demonstram os seus níveis de audição de música, leitura, visionamento de filmes
e outras artes do espectáculo. Daí que não seja de admirar que esse domínio dos códigos
e símbolos comunicacionais se observe também em relação à formação profissional, no
interesse pela educação em geral e pelo desenvolvimento cultural.
Se considerarmos o mesmo tipo de denominação presente na pesquisa realizada
pelos investigadores do IN3 catalão (Castells e outros, 2003) em que se identificam os
dois grupos etários diferenciados entre jovens16 e adultos (no estudo português pessoas
de mais de 15 anos nascidos após 1967, por um lado, e pessoas nascidas até 1967), por
outro, podemos observar que os mais jovens apresentam quase sempre percentagens de
valor duplo (e algumas vezes mais) quando comparadas com as dos mais velhos.
A leitura de livros, revistas especializadas ou documentação relacionados com a
profissão é quase três vezes superior entre os mais novos, enquanto a participação em
colóquios ou realização de curso ou acções de formação é o dobro.
Um mundo laboral geracionalmente diferenciado
Numa escala de rendimentos mensais entre os valores abaixo dos 500 euros e os
valores superiores a 2500 euros, mais de 41% dos mais velhos encontram-se no
intervalo mais baixo enquanto apenas 13% dos mais jovens se encontra no mesmo
16
A denominação “jovem” é aqui apresentada num sentido mais lato do que a que caracteriza
uma determinada corte etária e com o objectivo de facilitar a leitura e análise dos dados.
intervalo. Também no outro extremo da escala os mais jovens com rendimentos de mais
de 1751€ representam 13% quando encontramos apenas 8% dos mais velhos nesse
intervalo.
Quadro 1.13
Rendimentos dos lares segundo geração (%)
Até 500€
De 501€ a 1750€
Mais de 1750€
Nascido até 1967
41
51
8
Nascido após 1967
13
74
13
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
O perfil de estratificação dos lares portugueses quanto aos seus rendimentos é o
de uma sociedade que continua a concentrar a maioria de rendimentos (tanto das
pessoas jovens como dos mais velhos) nas faixas intermédias de rendimentos, com 74%
dos lares dos jovens e 51% nos mais velhos.
Figura 1.1
Rendimentos dos lares segundo geração
Nascidos depois de 1967
Nascidos até 1967
Mais de 2500 euros
Mais de 2500 euros
De 1751 a 2500 euros
De 1751 a 2500 euros
De 1251 a 1750 euros
De 1251 a 1750 euros
De 851 a 1250 euros
De 851 a 1250 euros
De 501 a 850 euros
De 501 a 850 euros
De 351 a 500 euros
De 351 a 500 euros
Até 350 euros
Até 350 euros
0
5
10
15
20
25
percentagem
30
0
5
10
15
20
25
30
percentagem
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
A figura 1.1 representa a distribuição de rendimentos dos agregados familiares
dos entrevistados em função da sua idade. Os lares que habitam diferenciam-se de
forma bastante desigual, ao contrário de outras sociedades, como por exemplo a catalã,
em que há um maior equilíbrio entre gerações (Castells e outros, 2003).
Dentro do grupo dos mais velhos, cerca de 21% dos lares situa-se num limiar de
baixos rendimentos enquanto apenas 3% dos lares dos mais jovens se encontra na
mesma situação. Ao mesmo tempo, se compararmos o perfil de estratificação de
rendimentos em função da situação de activos ou inactivos, 53,9% dos inactivos mais
velhos (reformados ou incapacitados) estão no intervalo entre 0€ e 500€ enquanto só
5,5% dos inactivos nascidos depois de 1967 se encontram em lares dentro da mesma
categoria.
Em termos de rendimentos a sociedade portuguesa pode ser caracterizada como
tendo evoluído nos últimos trinta anos de um modelo de distribuição de rendimentos
característico das sociedades menos desenvolvidas para um modelo de distribuição mais
equilibrado.
No entanto, não evoluiu para o modelo de distribuição de rendimentos das
sociedades informacionais liberais, com uma configuração de ampulheta, em que o
centro se esvazia a favor das duas extremidades da escala de rendimentos, mas sim para
o modelo característico das sociedades europeias que partilham o modelo de estadorede, exemplificado na União Europeia (Castells, 2003b). Esse é o modelo em que
predomina uma configuração da distribuição de rendimentos em forma de diamante,
com uma classe média forte.
Portugal evoluiu assim para um modelo mais equilibrado, característico das
sociedades industriais e de sociedades informacionais como as escandinavas (Castells e
Himanen, 2002), embora numa versão mais polarizada do que estas.
O perfil de estratificação do rendimento dos lares portugueses assume para os
mais velhos uma configuração mais próxima de uma estrutura piramidal de maior
desigualdade (característica das sociedades do terceiro mundo), diferenciando-se do
perfil de estratificação correspondente aos mais novos que se assemelha mais da
configuração em diamante (característica das sociedades industriais europeias).
Se a estrutura de rendimento dos lares portugueses é diferenciada entre aqueles
que acederam ao sistema educativo após 1974 e os que o fizeram antes, também será de
esperar que encontremos também diferenças no campo laboral.
Quadro 1.14
Condição perante o trabalho segundo geração (%)
Condição perante o trabalho
Trabalha a tempo completo
Trabalha a tempo parcial
Está desempregado(a) com subsídio
Está desempregado(a) sem subsídio
Reformado(a)
Doméstica
Estudante
Incapacitado permanentemente para o trabalho
Outra situação
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
Nascido até 1967
Nascido após 1967
Total
46,8
2,5
2,1
2,2
33,8
10,6
0,0
1,1
0,9
61,1
5,3
2,2
5,7
0,1
2,5
21,5
0,2
1,2
53,0
3,8
2,2
3,7
19,1
7,1
9,4
0,7
1,1
Embora a população portuguesa com 15 e mais anos apresente uma percentagem
elevada de activos quer para os jovens (74,3%) como para os mais velhos (53,6%),
constituindo assim a população activa mais de 60% do total de indivíduos, assistimos a
importantes diferenças na composição dessas duas populações.
No que respeita ao seu tipo de actividade, existe um aumento das pessoas a
trabalharem a tempo parcial – embora o seu valor seja inferior quer às taxas da
Catalunha (Castells e outros, 2003) quer a de muitos países do norte da Europa.
Também ao nível do número de pessoas desempregadas existem diferenças, em
particular no que respeita aos que se encontram nessa situação sem receber subsídio. Os
jovens possuem uma taxa de 5,7% enquanto os mais velhos possuem valores
substancialmente mais baixos (2,2%) demonstrando assim uma menor protecção social
entre os mais novos.
Outra das diferenças entre as duas populações é o elevado número de pessoas
mais velhas cuja actividade se desenvolve exclusivamente no lar (10,6%), na sua quase
totalidade mulheres que nunca trabalharam.
Mas ocorrem também semelhanças entre as duas populações, como por exemplo
na dimensão das empresas onde se trabalha. Mais de 50% da população jovem e mais
velha trabalha em empresas com menos de 10 trabalhadores e apenas 22% em empresas
com mais de 50 trabalhadores, demonstrando assim a estrutura de pequenas e médias
empresas (a que teremos de juntar as estruturas descentralizadas do estado central e
autarquias) que caracteriza o tecido empregador português.
Quadro 1.15
Vínculo laboral segundo geração (%)
Contrato de trabalho sem termo/efectivo
Contrato de trabalho a termo certo/a prazo
Trabalho sem contrato
Trabalha por conta própria
Nascido até 1967
Nascido após 1967
Total
56,1
5,2
6,8
31,9
50,4
26,6
8,8
14,2
53,3
15,6
7,7
23,4
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
Voltamos a encontrar uma grande diferenciação entre as duas populações em
análise, no tipo de contrato que caracteriza a sua actividade. Assim se ao nível dos
contratos sem termo existe uma relativa proximidade entre os jovens e os mais velhos
(respectivamente 56,1% e 50,4%), já ao nível dos contratos sem termo ou a prazo
encontramos fortes disparidades. Entre os jovens esses contratos representam 26,6%
enquanto nos mais velhos apenas 5,2%. Também ao nível dos que não possuem contrato
existe uma relativa proximidade, embora os jovens estejam mais vezes nessa situação
(8,8%) que os nascidos até 1967 (6,8%).
Em termos do número de horas semanais dedicadas ao trabalho 55,3% dos
jovens trabalham entre 36 horas e 45 horas semanais enquanto que 57,1% dos mais
velhos trabalha entre 35 e 40 horas semanais.
Numa tendência já analisada por Pekka Himanen (2001) na sua análise da
evolução das práticas laborais e da relação com o tempo, o que os números permitem
concluir é que, embora 28% da população portuguesa trabalhe semanalmente mais de
46 horas (e aí há igual tendência entre as duas populações), os mais velhos cumprem
horários mais próximos das “9 às 5” do que os jovens, os quais passam mais horas nos
seus empregos diariamente.
Quando comparada, por exemplo, com a Catalunha (Castells e outros, 2003) a
proporção de trabalhadores por conta própria em Portugal é superior. Representa no
total 23% do total da população activa, sendo 31,5% dos mais velhos que se encontram
nessa situação e 14,6% dos mais jovens.
A pergunta que ocorre é a de saber se há então de facto um baixo nível de
empreendedores entre a população, ou não. Quando comparando com a Catalunha a
resposta parece ser não. Os valores para Portugal são claramente superiores. Portugal
parece aproximar-se da estrutura de emprego italiana em que cerca de um quarto da
população trabalha por conta própria (Castells, 2002).
Esta resposta, no entanto, precisa de ser qualificada, pois sabe-se que, em muitos
casos, ser trabalhador por conta própria decorre de uma lógica de precarização no
mercado de trabalho, suscitada pelas entidades patronais que procuram diminuir os
vínculos contratuais. Muitos outros casos, porém, correspondem a efectiva iniciativa
empresarial. Algumas pistas adicionais podem ser visíveis noutros dados da nossa
análise.
Ao responderem à pergunta sobre se teriam preferido trabalhar por conta
própria, sendo os seus próprios chefes, mesmo que tivessem menos segurança
profissional, os inquiridos revelam claramente um fosso geracional. Para os nascidos até
1967 apenas 29,7% referem preferir essa opção contra 40,5% dos jovens. Há assim,
aparentemente, um maior espírito de risco e inovação profissional por parte dos mais
jovens.
No entanto, a resposta anterior tem de ser temperada com os dados do quadro
seguinte.
Quadro 1.16
Opinião sobre factores de sucesso segundo geração (%)
Na sua opinião, o que considera mais importante
para triunfar na vida?
Nascido até 1967
Nascido após 1967
Total
30,4
17,2
31,0
17,4
4,1
31,6
19,0
33,6
14,2
1,7
30,9
17,9
32,1
16,0
3,1
A inteligência
Os contactos e as "cunhas"
O próprio esforço
A sorte
Não sabe / não responde
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
O “próprio esforço” enquanto elemento motivador do sucesso é mais valorizado
pelas novas gerações em detrimento da “sorte” e, sendo esse um elemento incontrolável
pelo indivíduo, há aparentemente uma evolução cultural positiva face à procura de
atingir as metas pessoais por si próprio, condições favoráveis à iniciativa empresarial.
Também ao nível da estabilidade laboral os dados indicam uma diferença
geracional. Quando questionados sobre o número empresas e/ou organizações diferentes
em que trabalharam nos últimos 5 anos, incluindo a empresa/organizações onde
trabalham actualmente, os mais jovens possuem um padrão de mobilidade muito
superior (cerca de 30% dos jovens durante os últimos 5 anos trabalhou entre 2 e 4
organizações ou empresas diferentes).
Quadro 1.17
Número de empresas ou organizações onde trabalhou, segundo geração (%)
Em quantas empresas ou organizações
diferentes trabalhou nos últimos 5 anos?
Uma
Duas
Três ou mais
Nascido até 1967
Nascido após 1967
Total
88,8
7,6
3,6
64,4
23,2
12,4
77,0
15,1
7,9
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
Se essa mobilidade se fica a dever a despedimento ou não renovação de
contratos é uma pergunta a que só parcialmente se pode responder. Embora não o
possamos comprovar com base nos dados apresentados podemos no entanto, baseados
nas representações dos mais jovens, aventar a a hipótese de que haverá também uma
significativa percentagem dos jovens que realiza a mudança por escolha própria
associada à procura de melhores condições ou então à realização profissional mais
condizente com os seus objectivos de realização pessoal (Himanem, 2001),
demonstrando assim uma tendência maior para a flexibilização da permanência no
mercado de trabalho característica das sociedades informacionais (Castells e outros,
2003).
No que respeita ao número de vezes em que os inquiridos se encontraram
desempregados nos últimos dois anos, os jovens estiveram mais vezes desempregados
que os mais velhos (96,2% dos mais velhos não estiveram desempregados contra 82,7%
dos jovens).
Uma das discussões constantemente presentes na agenda política portuguesa (e
em muitas outras também) é a relação entre o papel do estado como empregador e o
sector privado. É frequente a ideia que existem funcionários públicos em excesso e que
o sector privado não fornece também suficientes alternativas, a par de considerações
sobre o envelhecimento da estrutura de servidores públicos não substituídos pelas
gerações mais novas que procuram melhores salários no sector privado. Os dados
recolhidos na análise da sociedade portuguesa apontam para um crescente papel do
sector privado como empregador.
Quadro1.18
Tipo de entidade empregadora segundo geração (%)
É funcionário público ou trabalha no sector
privado?
Funcionário público
Trabalha no sector privado
Nascido até 1967
21,1
78,9
Nascido após1967
14,6
85,4
Total
17,8
82,2
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
Se na geração nascida até 1967 a distribuição de emprego se realizava entre o
sector público com 21,1% e o sector privado com 78,9% a tendência tem sido para
aumentar a distância em favor do sector privado, como se pode observar pelo quadro
anterior.
Para podermos analisar o significado social dos dados que até aqui apresentámos
sobre a população portuguesa e as diferenças entre os jovens e os mais velhos na
dimensão profissional temos de novo de relembrar que o nível educacional e cultural da
população que frequentou a escolaridade no pós-25 de Abril e conviveu no seu processo
de crescimento com os media num contexto democrático possui um nível superior face
às gerações anteriores.
Daí que essa população tenha também dinâmicas profissionais de perfil mais
elevado que as da população mais velha. Assim, cerca de 16,5% dos jovens gozou de
uma promoção profissional nos dois últimos anos enquanto apenas 13,6% dos mais
velhos a obteve. Ainda que se saiba que nos primeiros anos de vida profissional há lugar
a um maior número de promoções, o facto de também um maior número de jovens ter
auferido aumentos salariais acima da tabela (respectivamente 18,5% contra 13,8%)
parece significar que haverá também uma maior iniciativa por parte desses e que tal é
reconhecido pelas empresas.
Os jovens demonstram igualmente uma maior capacidade de aprendizagem e
introdução desses conhecimentos ao serviço da sua actividade profissional. Assim
58,6% dos jovens afirmam que ao comparar o trabalho que fazia há 2 anos atrás com o
que realiza actualmente, acham que utilizam mais conhecimentos técnicos, quando
apenas 47,1% dos mais velhos afirmam estar na mesma situação.
O quadro seguinte confirma essa capacidade de aprendizagem e de relação entre
a dimensão educativa e a apropriação e uso da internet, enquanto tecnologia de
informação e comunicação, quer em geral quer no mundo profissional.
Quadro 1.19
Utilização da internet para a actividade profissional segundo geração (%)
Nascido até 1967
Nascido após 1967
Total
Visitou páginas da Web (na Internet) relacionadas com
a sua profissão ou estudos?
No local em que trabalha existe ligação à Internet?
7,2
25,2
15,1
35,6
40,8
38,3
Já utiliza a Internet e o email no trabalho
34,4
40,7
37,8
Utilizadores de internet (declaração espontânea)
12,6
50,3
29,0
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
São também os jovens que mais visitam páginas disponíveis na internet
relacionadas com a sua profissão, em parte porque também é nos seus locais de trabalho
que existe maior número de ligações disponíveis mas também porque entre os jovens
mais de 50% utiliza a internet (de entre os 29% de utilizadores de internet, 70% nasceu
após 1967). No entanto, como já vimos não é a idade que justifica por si só a utilização
da internet.
O perfil do mundo laboral português que se observa na nossa investigação
mostra um mundo em transição, constituído por uma população jovem trabalhadora e
profissional com um nível de educação mais elevada que entre a geração nascida até
1967, com um maior espírito de abertura à iniciativa individual (ainda que temperada
pela sua percepção da realidade), maiores competências tecnológicas e maior
valorização da componente de formação profissional no seu projecto de vida laboral.
No entanto, esse mesmo grupo está sujeito a uma maior instabilidade laboral por
via do tipo de contratação (ou inexistência dela) ao mesmo tempo que trabalha em
horários laborais mais alargados (muitas vezes para além das 40 horas semanais). Mas
ao mesmo tempo os seus membros também introduzem uma lógica de maior mobilidade
no mercado de trabalho porque buscam locais de trabalho onde exista um maior
equilíbrio entre o que se aufere e a realização pessoal. São também os mais jovens que
cada vez mais constituem a mão-de-obra do sector privado, mantendo-se o sector
público mais envelhecido e como tal menos propenso a adquirir e favorecer as
características valorizadas geracionalmente por esta faixa jovem (maior iniciativa,
formação profissional, competências tecnológicas e maiores competências educativas
formais).
Por outro lado, temos os sectores populacionais nascidos até 1967, os quais
cresceram num sistema educacional de menores oportunidades para quem pretendia
prosseguir os estudos, numa sociedade onde o acesso à cultura e à formação era só
possível a uma fracção reduzida da sociedade e em que a rádio, imprensa e televisão
eram alvo de censura.
Esses grupos etários são caracterizados por maior estabilidade profissional e
menor investimento e disponibilidade para a formação profissional, assim como uma
menor familiaridade com as novas tecnologias e uma consequente menor integração das
mesmas nos processos de trabalho.
Como Manuel Castells (Castells e outros, 2003) afirma, a relação dentro do
mundo de trabalho é essencial para o posicionamento dos indivíduos dentro da estrutura
social.
Como vimos anteriormente, encontra-se uma estrutura de rendimentos mais
desigual entre os nascidos até 1967 do que no grupo dos mais jovens. Essa estrutura de
rendimentos deriva fundamentalmente da posição que os indivíduos ocupam na
estrutura ocupacional pelo que é igualmente importante, para a presente análise,
caracterizar em termos geracionais comparativos essa dimensão da sociedade
portuguesa.
Quadro 1.20
Categoria socioprofissional segundo geração (%)
Categoria socioprofissional tem (tinha) na empresa ou organização
Nascido até
1967
Nascido após
1967
Total
Empresário
Director/dirigente
Profissional liberal
Trabalhador independente não agrícola
Agricultor independente
Quadro ou técnico superior
Quadro ou técnico intermédio
Empregado administrativo, do comércio e serviços qualificado
Operário qualificado
Assalariado agrícola qualificado
Trabalhador administrativo, do comércio e serviços não qualificado
Operário não qualificado
Assalariado agrícola não qualificado
Pessoal das forças armadas
9,2
1,4
0,6
12,3
3,1
7,0
3,3
11,7
21,1
0,7
8,8
16,4
3,9
0,6
6,3
0,5
1,0
5,2
0,6
8,8
6,8
16,9
22,0
0,5
10,7
17,1
0,8
2,7
8,1
1,1
0,8
9,6
2,2
7,7
4,6
13,6
21,4
0,6
9,5
16,7
2,7
1,4
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
Segundo os dados analisados a sociedade portuguesa mostra uma ampla classe
trabalhadora sendo cerca de metade da população (ou tendo sido, no caso de estarem
actualmente desempregados ou reformados) assalariados agrícolas, operários
(qualificados ou não) e trabalhadores dos serviços não qualificados. Se a esses valores
adicionarmos 13,6% de empregados administrativos, do comércio e serviços e 11,8% de
trabalhadores independentes agrícolas ou não agrícolas com qualificações normalmente
reduzidas, podemos considerar que, tal como em outras regiões do sul da Europa
(Castells e outros, 2003) também em Portugal a maioria da população pode ser
considerada população trabalhadora assalariada.
Os empresários e directores de empresa e da administração pública representam
cerca de 9% da população, enquanto o grupo constituído pelos grupos de profissionais e
quadros se encontrará próximo dos 13%. Constituindo esse grupo um indicador tipo do
estádio de desenvolvimento de uma sociedade informacional, a estrutura portuguesa,
embora não possa ser considerada como característica de uma sociedade informacional,
também já deixou de poder ser caracterizada como mais próxima de um modelo
industrial.
Em termos geracionais, o que há de mais relevante a registar é o maior peso das
gerações mais novas precisamente nas categorias profissionais de quadros e técnicos,
assim como de empregados qualificados administrativos, do comércio e dos serviços, o
que constitui um indicador de transição para a sociedade informacional.
Esta leitura é confirmada pela distribuição da amostra analisada em função da
actividade principal da empresa ou organização em que trabalha actualmente (ou na
última onde trabalhou).
Quadro 1.21
Actividade principal da empresa/organização em que trabalha, segundo geração (%)
Actividade principal da empresa ou organização em que trabalha
actualmente (ou na última onde trabalhou)
Nascido até
1967
Nascido após
1967
Total
Agricultura, pesca, produção animal, caça e silvicultura
Indústria extractiva
Indústria transformadora
Produção e distribuição de electricidade, gás e água
Construção civil
Comércio por grosso e a retalho, reparações
Alojamento e restauração (restaurantes, cafés,...)
Transportes e armazenagem
Correios, telecomunicações e serviços de entregas urgentes
Actividades financeiras (banca e seguros)
Actividades imobiliárias e alugueres
Actividades informáticas e outras actividades teóricas
Administração pública, defesa e segurança social (obrigatória)
Educação
Saúde e acção social
Outras actividades de serviços colectivos, sociais e pessoais
Serviços domésticos
Organismos internacionais e outras instituições extra-territoriais
8,9
1,0
14,8
0,8
10,4
18,4
6,4
3,1
0,6
1,6
0,9
1,1
7,3
5,6
3,4
6,6
8,9
0,2
1,8
1,0
13,2
0,8
10,2
20,1
10,6
3,8
1,5
1,5
1,9
4,6
6,4
4,4
3,3
11,1
3,5
0,1
6,3
1,0
14,2
0,8
10,3
19,0
8,0
3,4
1,0
1,6
1,3
2,4
6,9
5,1
3,3
8,3
6,9
0,1
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
O peso do emprego na agricultura tem vindo a desaparecer e num futuro
próximo, como se pode observar pelo quadro, por efeitos geracionais tenderá a situar-se
a um nível residual. Por sua vez, a indústria tem vindo a diminuir relativamente o seu
peso entre os mais jovens. Estes aparecem em geral em maior proporção nos sectores
dos serviços, nomeadamente nos que pressupõem actividades mais características do
modo de produção informacional.
Uma sociedade aberta ao global e às sociabilidades em rede
Se nos referirmos aos dados obtidos no inquérito à sociedade em rede em
Portugal também se podem detectar diferentes posicionamentos em termos da abertura
individual ao global entre os que iniciaram a sua formação cívica e educacional no pós25 de Abril e aos que o fizeram antes.
Tomando como ponto de partida para esta análise as tendências culturais em
torno da formação da identidade, o quadro seguinte apresenta outras possíveis leituras
sobre a abertura à globalidade da sociedade portuguesa, mas também sobre a dimensão
de partilha da identidade colectiva (aqui representada pela referência religiosa ou de
acontecimentos históricos de larga abrangência social) e, por outro lado, sobre a
dimensão individual da criação de identidade.
Quadro 1.22
Data histórica mais significativa segundo geração (%)
Qual é para si a data histórica mais
significativa?
Datas religiosas
Datas históricas portuguesas
25 de Abril 1974
Datas pessoais
Datas históricas mundiais
Outras datas
Nenhuma
Não sabe / não responde
Nascido até 1967
Nascido após 1967
Total
13,9
54,7
12,0
44,7
13,1
50,5
45,5
35,8
41,27
10,3
5,5
1,2
1,5
13,0
16,3
8,9
1,6
3,8
12,7
12,8
6,9
1,3
2,4
12,8
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
Assim, as gerações mais novas são as que mais partilham entre si a referência a
acontecimentos globais (como o 11 de Setembro ou a Guerra no Iraque) e são também
quem maior importância dá as datas de carácter puramente individual.
Por outro lado, verifica-se o papel moderadamente importante que a religião
possui na formulação das identidades, mantendo uma constância nos valores entre
gerações, na ordem dos 12% a 14%. De qualquer modo a sociedade portuguesa é uma
sociedade que partilha na sua formação de identidade em grande escala os mesmos
acontecimentos, como se exemplifica pelas duas datas mais referidas nas duas faixas
geracionais: o 25 de Abril de 1974 e o Natal.
O quadro seguinte também demonstra que existem outras regularidades ao nível
da identidade. Pois, apesar das variações existentes entre gerações a sociedade
portuguesa é ainda uma sociedade maioritariamente enraizada localmente.
Quadro 1.23
Local com que identifica mais por geração (%)
Local com que identifica mais?
Com a localidade em que nasceu
Com a localidade em que vive actualmente
Com Portugal
Com a Europa
Nascido até 1967
42,9
22,7
25,4
1,9
Nascido após 1967
39,1
23,2
24,4
3,2
Total
41,3
22,9
25,0
2,5
Com o Mundo
Com nenhum destes lugares
Não sabe / não responde
3,4
2,3
1,4
5,2
3,9
1,0
4,1
3,0
1,2
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
Esse enraizamento é manifesto claramente na proximidade geográfica face à
família e aos amigos. São 90,7% os portugueses que referem ter pelo menos um familiar
a residir no mesmo concelho. Em média têm 15,5 familiares a residir no mesmo
concelho, e destes relacionam-se com aproximadamente 13 pessoas.
Esses resultados coexistem também com uma grande amplitude das redes
familiares dos portugueses. Possuindo, em média 10 familiares que residem noutro
concelho do mesmo distrito, 11 noutro distrito e 9 no estrangeiro. Em média, o número
de amigos indicado é um pouco mais baixo do que o referido para os familiares, mas
não deixa de ser de registo a sua densidade e amplitude.
Cada português refere ter, em média, um total de quase duas dezenas de amigos
(18,2). São 10,4 no seu concelho de residência; 7,7 noutro concelho do mesmo distrito;
7,3 noutro distrito e 5,9 no estrangeiro. Valores, aliás, muito próximos aos indicados
para o número de familiares quer noutro distrito quer no estrangeiro.
Introduzindo de novo o questionamento sobre o nível de abertura da sociedade
portuguesa num contexto informacional, a nossa análise centrou-se sobre a componente
de organização das sociabilidades em rede possibilitada pela internet.
Procurou-se assim compreender até que ponto encontramos diferenças entre
utilizadores e não utilizadores de internet (que, como já vimos, correspondem a
populações tendencialmente mais jovens e mais velhas) quanto às suas redes de
sociabilidade familiar e de amizade, e a relação estabelecida entre o uso de telemóvel e
da internet.
Quanto aos contactos realizados com familiares e amigos pelo menos uma vez
por ano, eles ocorrem maioritariamente através do contacto pessoal, seguindo-se o
telefone e a internet.
Nos contactos telefónicos detecta-se o estabelecimento de uma relação
inversamente proporcional entre a distância e a frequência dos contactos. Quanto mais
distantes, menos frequentes são os contactos.
Se para a utilização do telefone para contacto com os amigos os valores de
utilização decrescem a partir do momento em que o contacto é realizado com o
estrangeiro, já com a família o decréscimo de utilização ocorre a partir do momento em
que a residência do familiar se situa fora do distrito onde habita.
Os valores mais elevados de contactos através da internet surgem nas redes de
relacionamento com os amigos. A frequência deste tipo de contacto vai-se
intensificando à medida que a distância aumenta, ao contrário do que acontece nas
relações pessoais ou por telefone.
Figura 1.2
Familiares com que contacta pelo menos uma vez por mês
100
80
60
Pessoal
Telefone
40
Internet
20
0
Mesmo Concelho
Outro Concelho do
Mesmo Distrito
Outro Distrito
Estrangeiro
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
No entanto, ocorrem também diferenças ao nível dos contactos com familiares
ou amigos. Assim a utilização da internet para contacto com a família é praticamente
constante.
Já no que se refere aos amigos a utilização da internet cresce a partir do
momento que o limite do distrito se ultrapassa (de 39,1% para 41,8%) tendo o seu valor
mais elevado nos contactos com amigos no estrangeiro (44,0%).
Figura 1.3
Amigos com que contacta pelo menos uma vez por mês
100
80
60
Pessoal
Telefone
Internet
40
20
0
Mesmo Concelho
Outro Concelho do
Mesmo Distrito
Outro Distrito
Estrangeiro
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
Mas a análise da utilização das tecnologias de informação como elementos de
abertura social, através da sua apropriação nas redes de relacionamento social,
demonstra outra dimensão, o desenhar de estratégias de utilização combinada de
telefone e internet.
O padrão de uso parece indicar que enquanto os não utilizadores de internet
apenas podem optar por gastar mais dinheiro ou não em chamadas telefónicas para os
seus amigos e familiares, já os utilizadores de internet podem optar por qual o meio que
combina melhor a eficácia dos seus objectivos de comunicação e o custo associado aos
mesmos.
Assim, observa-se que para os utilizadores de internet, à medida que o custo das
chamadas, associado à distância, aumenta, também aumenta o uso da internet (a qual
possui um custo fixo independentemente da distância da comunicação).
Em síntese, a sociedade portuguesa é caracterizada por uma sociabilidade rica,
baseada em relações familiares e de amizade. A sua matriz baseia-se na proximidade de
habitação no mesmo concelho. Ao mesmo tempo, é perceptível uma maior intensidade
das redes de sociabilidade amicais e familiares entre aqueles que têm acesso à internet.
A sociedade informacional assente nas redes propiciadas pelas tecnologias de
informação parece ser assim mais favorável à abertura à globalidade, representada pelo
aumento de intensidade dos contactos com amigos e familiares no estrangeiro.
Se ao nível da formação da identidade ocorrem algumas diferenças de ordem
geracional, o mesmo não se pode dizer na dimensão das sociabilidades.
Embora existam mais jovens a utilizar a internet, as diferenças ao nível das
sociabilidades não são tão visíveis na frequência dos contactos mas sim na dimensão
das redes e na flexibilidade destas, que por sua vez são essencialmente produto da
literacia tecnológica que permite diferentes estratégias de gestão de redes de
sociabilidades.
A sociedade civil portuguesa na sociedade em rede
Quando analisamos a pertença associativa e a participação cívica em função da
geração, para além das diferenças óbvias relativas a associações com cariz geracional,
há também a registar algumas outras diferenças significativas.
A geração mais jovem participa quase mais 50% que a geração mais velha em
associações de consumidores, associações ecologistas e associações protectoras de
animais.
Por outro lado, tem participações inferiores em quase 50% nas associações
religiosas, nas associações de denúncia e reivindicação para a defesa dos direitos
humanos ou civis, anti-racistas ou similares (movimentos anti-globalização, Amnistia
Internacional, Greenpeace, SOS Racismo, etc.) ou associações e nas ONG solidárias
(ex. AMI, Médicos sem Fronteiras, Banco Alimentar).
Um segundo factor fundamental nesta análise da participação cívica na
sociedade em rede é a relação de credibilidade estabelecida no triângulo cidadãosmedia-eleitos e também as modalidades e lógicas de acesso praticadas pelos cidadãos
através das diversas tecnologias de informação colocadas à sua disposição.
Quadro 1.24
Pertença a associações segundo geração (%)
Pertence a pelo menos um(a)…
Associação/clube desportivo
Associação cultural e recreativa
Associação religiosa e paroquial
Associação de pais e mães de alunos
Associação de jovens
Associação da terceira idade
Associação de vizinhos
Associação profissional
Sindicato
Associação de consumidores
Associação ecologista
Nascido até 1967
35,4
19,0
10,6
2,0
0,7
6,5
5,1
12,6
13,3
0,7
0,7
Nascido após
1967
60,7
17,8
4,1
1,4
4,1
0,0
1,8
7,7
8,6
2,2
1,4
Total
46,2
18,5
7,8
1,8
2,1
3,7
3,7
10,5
11,3
1,4
1,0
Partido político
Associação protectora de animais
Associação de denúncia e reivindicação para a defesa dos
direitos humanos ou civis, anti-racistas ou similares
Associação ou ONG solidária
6,5
1,4
4,1
2,3
5,5
1,8
3,1
3,8
1,4
0,9
2,3
2,5
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
Como refere Villaverde Cabral, tanto a procura de informação como a
disposição para intervir no espaço público e para discutir assuntos de carácter político
são afinal “manifestações potenciadoras do exercício da cidadania”, ou seja, “(...) o
espaço público, incluindo os mass media, continua a ser um lugar privilegiado de
mobilização política, mas (...), ainda é preciso que os cidadãos entrem nesse espaço
público para que a politização comece a ter lugar e é isso que, frequentemente, não
ocorre.” (Cabral, 1997: 96).
No entanto, importa lembrar que para quebrar um círculo vicioso de
desconfiança não basta que a comunicação entre ambos se estabeleça, é fundamental
que exista motivação mútua.
Esta é uma situação ainda mais preocupante se atendermos à visão de Cabral
(2000) segundo a qual, dada a “terceira vaga democrática” e a deslegitimação dos
regimes políticos não democráticos, a qualidade da democracia passará crescentemente,
não só pelos seus procedimentos democráticos, mas também pelos benefícios materiais
e imateriais dos seus cidadãos, o que coloca uma pressão ainda maior nas relações entre
cidadãos e eleitos.
As condições políticas, mas também de organização, da relação entre sistema
dos media e política, interligam-se então com uma crise de credibilidade do sistema
político na maior parte das sociedades ocidentais, isto é, com um sentimento persistente
de desilusão e desconfiança em relação aos políticos e à política em geral por parte dos
cidadãos, que se demonstra de forma visível na elevada taxa de abstenção eleitoral, nos
baixos índices de confiança e nas diminutas taxas de participação em associações
tradicionais da sociedade civil.
Os cidadãos não abandonaram o cenário político, podendo ser caracterizados
como mais “críticos” pelas suas elevadas expectativas na democracia enquanto ideal, e
pelas suas avaliações negativas da actividade actual das instituições representativas
(Norris, 2000, Castells, 2004b).
As respostas às perguntas formuladas no estudo, relativas à confiança dos
cidadãos nas instituições, apresentam resultados muito similares aos de outros países
(Castells e outros, 2003).
Assim 74% estão de acordo com a ideia de que “no mundo há umas quantas
pessoas que mandam e os cidadãos comuns não podem fazer grande coisa para controlálos”, e uns 77,8% concordam com que “para as pessoas é difícil controlar o que fazem
os membros do governo” (um valor que traduz uma enorme descrença nos políticos
quando comparado com os 59,5% da aplicação da mesma pergunta na Catalunha).
Ainda assim, a maioria dos portugueses acredita nas suas possibilidades de agir
para lutar contra os problemas do mundo a partir da sua própria mobilização. Assim,
58,2% pensam que “as pessoas podem influenciar os acontecimentos mundiais com
mobilizações políticas e sociais”, mas um número superior (67,3%) declara que
“quando pensa nas decisões políticas, dá-se conta que é impossível influenciá-las”.
Também ao nível da participação política a sociedade portuguesa é uma
sociedade em transição.
Os que realizaram a sua entrada na escola no pós-25 de Abril são mais
optimistas, acreditando na sua capacidade de influência no curso das coisas a nível local
e global.
São, também, mais individualistas, preocupando-se mais com os seus assuntos
do que com a resolução dos problemas do mundo. A aparente contradição pode ser lida
de outro modo, ou seja, os problemas do mundo (como a fome, a guerra, as doenças)
não se ganham através da elevada participação em movimentos institucionalizados, mas
sim pela prática diária e pelos pequenos contributos que cada um pode dar. Algo que é
possível de inferir a partir também do maior grau de descrença no poder político.
Como consequência, há uma minoria significativa, mais de 15% da população
portuguesa, que já apoiou ou participou em campanhas sobre temas como a defesa dos
direitos humanos, a conservação da natureza, a luta contra a pobreza, a igualdade da
mulher, a defesa das crianças ou outras idênticas, habitualmente ou ocasionalmente
(sendo os valores dos jovens neste último caso cerca de 6% mais elevados).
Os cidadãos podem ter perdido a confiança na participação política, rejeitando a
forma tradicional de “fazer política” através da pertença partidária, mas continuam a
acreditar em grande parte nos processos democráticos, dado que tendem actualmente a
envolver-se numa “política simbólica”, principalmente em questões de nível local,
ecologia, direitos humanos, família e liberdade sexual, para as quais consideram que os
políticos ortodoxos não apresentam interesse, respostas ou soluções.
É uma participação que pode ser comprovada com os níveis de participação
concreta no caso das acções de protesto ou solidariedade com o povo de Timor em
Setembro de 1999 (Cardoso, 2004b), em que 12,7% dos mais velhos e 16,6% dos
jovens estiveram envolvidos.
Também a este nível da participação cívica pode ser inferida a construção de
uma sociedade em rede. Isto é, entre os que participam em campanhas sobre temas
como a defesa dos direitos humanos, a conservação da natureza, a luta contra a pobreza,
a igualdade da mulher, a defesa das crianças ou outras idênticas, a utilização da internet
surge referenciada em 20% dos casos.
Interessante é igualmente o facto de, apesar de sabermos que entre os mais
jovens o uso da internet é muito mais difundido, ambas as gerações possuírem níveis
idênticos de utilização neste tipo de campanhas.
Essa constatação, combinada com o facto de os utilizadores de internet
participarem mais habitualmente nesse tipo de campanhas, pode denotar que a utilização
da internet na esfera da participação propícia uma maior intervenção pela facilidade de
comunicação que oferece a quem quer intervir e também a quem se quer informar sobre
essas temáticas.
Os media e a sociedade em rede
Os media na sociedade portuguesa encontram-se bastante consolidados quanto à
liberdade de imprensa (Oliveira, 1992). No entanto, no campo da relação entre os
fruidores e os produtores de informação existe uma clara transição em curso. Por um
lado, tal como referimos no início deste capítulo, há claras diferenças entre a relação
com os media por parte da geração que cresceu com aqueles em regime de liberdade e
os que o não puderam fazer. Por outro, porque como sugere Umberto Eco (1998), cada
novo media obriga a uma reorganização do funcionamento dos anteriores e também dos
tempos de fruição que lhes atribuímos.
Há assim claras mudanças em curso detectáveis na forma como quem utiliza a
internet se relaciona com os media em geral face a quem não tem acesso a essa
tecnologia.
Quadro 1.25
Equipamentos do lar e serviços subscritos, segundo geração (%)
Equipamentos do lar e serviços subscritos
Telefone Fixo
Telemóvel para uso pessoal
Televisão
Televisão por cabo
Televisão por satélite não paga
Televisão por satélite paga
Televisão interactiva
Computador
Ligação à internet
PS2, Dreamcast, Xbox, Sega
Nascidos até 1967
67,6
56,7
99,3
30,7
4,6
2,5
0,4
26,8
15,5
7,3
Nascidos após 1967
53,9
91,7
99,6
44,0
8,3
3,2
0,7
46,3
28,5
14,6
Total
61,6
71,9
99,5
36,5
6,2
2,8
0,5
35,3
21,2
10,5
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
Os jovens portugueses utilizam cada vez menos o telefone fixo e substituem-no
pelo telemóvel. Ao mesmo tempo, embora a posse de televisão continue uma constante,
a televisão por cabo está muito mais presente no dia a dia dos jovens do que no dos
mais velhos.
Obviamente há que ter aqui em conta a relação de custo associada a um bem e os
rendimentos das duas populações, mas mesmo assim há uma percepção entre os jovens
do benefício de ter acesso a mais canais que os mais velhos não partilham com a mesma
intensidade.
Todas as tecnologias digitais estão mais presentes, quase sempre no dobro da
percentagem, nos lares dos jovens, revelando de novo a associação que anteriormente
havíamos estabelecido entre o maior grau de escolaridade da população mais nova e a
utilização da internet, um fenómeno aqui extensível ao computador e mesmo às
consolas.
A liberdade nos meios de comunicação tem nos graus de confiança dos seus
destinatários uma medida clara dessa constatação pela população. Mas o grau de
confiança também espelha até que ponto os fruidores de um dado media possuem as
competências para descodificar as mensagens e estabelecer a hierarquia entre cada tipo
de media.
O que de mais interessante sobressai da análise do grau de confiança na
informação é que a todos os níveis a geração nascida após 1967 possui sempre valores
de confiança superiores. E embora haja total concordância, entre as duas gerações, sobre
que a informação obtida através da televisão é a mais fidedigna e a dos jornais a menos,
há também diferenças na hierarquização entre gerações.
Quadro 1.26
Grau de confiança na informação de diversos meios de comunicação, segundo geração
(%)
Até que ponto é que confia na informação que
recebe através…
Da televisão
Dos jornais
Da rádio
Da internet
Nascidos até 1967
Nascidos após 1967
Total
74,0 (1)
59,1 (4)
66,6 (3)
71,1 (2)
78,0 (1)
72,2 (4)
77,3 (2)
74,2 (3)
75,8 (1)
64,8 (4)
71,3 (3)
73,4 (2)
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003. O valor entre parêntesis indica a hierarquização da confiança em coluna.
Assim, para a geração mais nova a rádio ocupa um papel mais central enquanto
que para os mais velhos que utilizam a internet esta é a segunda fonte mais fiável na sua
hierarquia mental entre os diversos tipos de media, isto dentro da sua matriz de media
(Meyrovitz, 1995).
Se utilizarmos a relação que ouvintes e telespectadores estabelecem com a rádio e
a televisão através do uso de diferentes tecnologias (como carta, telefone, telemóvel e
correio electrónico) para medir o tipo de interactividade estabelecida, também aí
encontramos realidades diferenciadas entre as duas populações.
Se no que diz respeito à mais tradicional de todas as tecnologias, o envio de cartas,
não há qualquer diferença a registar entre as duas gerações, já o mesmo não se pode
afirmar da utilização das restantes tecnologias escolhidas por cada grupo geracional.
Quadro 1.27
Meios de contacto com programas de televisão ou de rádio, segundo geração (%)
Já contactou alguma vez com um programa de
televisão ou de rádio através…
De carta
Do telefone fixo
De telemóvel
Do envio de mensagens escritas de telemóvel
De correio electrónico (email)
Nascidos até 1967
Nascidos após 1967
Total
0,7
1,4
0,7
1,3
1,7
0,7
2,7
2,0
4,4
3,2
0,7
2,0
1,2
2,7
2,8
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
As diferenças são claras quando separamos a dimensão de voz (oferecida pelo
telefone e telemóvel) da dimensão textual (associada aos SMS’s e ao correio
electrónico).
As utilizações destas últimas são duas a três vezes superiores entre a geração
jovem quando comparadas com a geração mais velha. Pode-se pois sugerir que ao nível
da interactividade a geração mais nova se caracteriza por uma junção da voz e do texto,
sendo portanto muito mais fluente no multimédia que a geração anterior.
A análise permite, porventura, visualizar a existência de diferentes “perfis
mediáticos” (Colombo, 2003) entre gerações. Isto é, um diferente conjunto de
expectativas, gostos, preferências, familiaridade face a géneros e textos, modelos
interpretativos e funções atribuídas no decurso do consumo mediático por cada grupo
geracional.
Quadro1.28
Actividades consideradas mais interessantes (%)
Que actividade considera mais interessante (1ª
opção)?
Jogar jogos de vídeo (em consolas)
Falar ao telemóvel
Ouvir música em CD
Ouvir rádio
Ver televisão
Ler jornais
Utilizar a internet
Não sabe / não responde
Nascidos até 1967
0,3 (7)
1,5 (6)
2,9 (4)
7,9 (3)
74,9 (1)
9,2 (2)
2,7 (5)
0,5
Nascidos após 1967
3,8 (7)
5,5 (6)
12,8 (3)
9,4 (4)
46,7 (1)
6,3 (5)
15,2 (2)
0,2
Total
1,8
3,3
7,2
8,6
62,6
7,9
8,1
0,4
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003. O valor entre parêntesis indica a hierarquização da confiança em coluna.
Uma diferenciação passível igualmente de se confirmar situa-se ao nível das
representações avaliativas face às diferentes tecnologias de comunicação e informação
como aquelas presentes no quadro 8.20.
Embora ver televisão seja considerada consensualmente a actividade mais
interessante em termos de hierarquia de media, entre os nascidos depois de 1967 a
internet surge num destacado segundo lugar (15,2%), seguida da audição de música em
CD. Já para os mais velhos as opções são diversas, surgindo o ler jornais em segundo
lugar (9,2%) e ouvir rádio em terceiro (7,9%).
A única constante entre os dois grupos é, assim, a televisão, que aparentemente
continua a deter o seu rótulo de elemento central do meta-sistema de informação e até
certo ponto, pelo menos em Portugal, do meta-sistema de entretenimento, dando origem
a uma organização do sistema dos media em rede. Organização, essa, que ocorre em
diversos níveis, desde o da relação tecnológica, à organização económica e à
apropriação social.
Como se estrutura essa articulação em rede? Uma hipótese a comprovar será de
que o sistema dos media se articula cada vez mais em torno de duas redes principais, as
quais por sua vez comunicam entre si através de diferentes tecnologias de comunicação
e informação.
Essas redes constituem-se, respectivamente, em torno da televisão e da internet,
estabelecendo nós com diferentes tecnologias de comunicação e informação como o
telefone, a rádio, a imprensa, etc.
A existência de duas redes principais está, porventura, relacionada com as
dimensões de interactividade possibilitadas por cada uma das tecnologias e a forma
como socialmente e temporalmente são valorizadas essas diferentes dimensões
interactivas – mais aprofundadas com a internet e menos aprofundadas com a televisão.
Como se pode verificar as maiores discrepâncias ao nível do interesse atribuído
às tecnologias de informação e comunicação surgem em torno da internet: ela é a última
preferência das gerações mais velhas (2,7%) e a segunda entre os mais novos (15,2%).
As diferentes posições de interesse conferidas à internet por cada uma das
populações têm obviamente a ver também com o grau de penetração do seu uso entre
cada uma e também como convívio próximo com terceiros que as utilizam (aquilo que
denominamos por proxy users, ou utilizadores “por procuração”).
Mas, independentemente das razões que procuremos para essa diferenciação de
interesses, o que surge como facto é que as populações com acesso à internet e que se
consideram como utilizadores de internet, isto é, com uma frequência regular de uso que
lhes permite hierarquizar a internet enquanto elemento da sua matriz de media, são
também, nos seus perfis mediáticos, diferentes das de não utilizadores.
Como se pode verificar em função do tempo dispendido com os diferentes media
e através da alteração das actividades diárias, há uma clara diferenciação entre
utilizadores e não utilizadores de internet.
Em média os utilizadores de internet vêem menos 40 minutos diários de
televisão e menos 8 minutos de rádio e falam mais quase 30 minutos ao telefone que os
não utilizadores. A única actividade que não apresenta alterações é a leitura de jornais,
na casa dos 30 minutos diários.
Quadro 1.29
Médias de ocupação diária do tempo em várias actividades, segundo utilização da
internet (em minutos)
Em média, quanto tempo dedica por dia
a…
Ver televisão
Ouvir rádio
Ler jornais
Falar ao telemóvel
Falar ao telefone fixo
Utilizadores de internet
Não utilizadores de internet
135,3
147,5
34,5
36,3
29,9
175, 7
155,4
33,1
19,7
17,6
Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.
Quanto às razões associadas a cada um dos comportamentos, as explicações têm
de ser diferenciadas em função dos diferentes media.
A utilização de telefones é sempre mais elevada por parte dos jovens. Os
nascidos após 1967 que falam diariamente mais 30 minutos ao telemóvel são 20,2%
quando entre os mais velhos apenas 10,3% passam o mesmo tempo a falar ao telefone
diariamente.
A mesma tendência, embora menos vincada, surge também no telefone fixo, em
que 48,2% dos jovens falam diariamente mais de 30 minutos e apenas 40,1% dos mais
velhos o fazem. As justificações para esses tempos podem ir desde as economias de
escala associadas às redes de sociabilidades, ou seja, quantas mais pessoas houver a
usufruir de uma tecnologia em rede maior o ganho na adesão a essa rede, até ao facto de
a estrutura de emprego induzir a necessidade de maior utilização do telefone ou, por
último, o telefone móvel em combinação com a internet ser necessário para a
participação plena numa estrutura social que cada vez mais se organiza em rede.
No que diz respeito aos utilizadores da internet, o fenómeno da diminuição de
minutos de visionamento de televisão e audição de rádio parece estar intimamente
ligado a um fenómeno de substituição. Pois quando questionados sobre a alteração das
suas actividades quotidianas a partir do momento em que passaram a utilizar a internet,
os dados indicam uma variação negativa do tempo de visionamento de televisão de
16,7% dos inquiridos. Um fenómeno que é extensível a todas as actividades
complementares da televisão, como sejam ver DVD’s ou ver vídeos.
Existem também outros media, como por exemplo ler livros, que aparentemente
contribuem para o tempo afecto à utilização da internet através de um efeito de cedência
de tempo.
Há, no entanto, outras actividades em que a mediação tecnológica intervém e
que aparentemente não são afectadas, como é o caso dos jogos de computador ou
consola, talvez porque em parte os jogos offline são substituídos pela sua interacção
online ou porque pura e simplesmente são actividades não canibalizáveis entre si.
É assim também possível detectar uma transição em curso no campo dos media
em Portugal ao nível da forma como as gerações que cresceram com os media
democráticos diferem das gerações anteriores na hierarquia que conferem aos media
mas também nos seus perfis mediáticos construídos através de dietas de media
diferenciadas.
É uma transição também na forma como quem utiliza a internet e quem não o
faz interage com os diferentes media e participa num sistema dos media cada vez mais
caracterizado pela sua estruturação em rede nas relações tecnológicas, na organização
económica e nas fórmulas de apropriação social.
Portugal em transição para uma sociedade em rede
A leitura deste extenso conjunto de dados organizados em diferentes dimensões
posiciona-nos perante uma dimensão de transição, em que convivem simultaneamente
debilidades estruturais e potencialidades adquiridas.
A caracterização da sociedade portuguesa que se procurou realizar reflecte a
transição de uma população com escassos níveis de educação para uma sociedade onde
as gerações mais novas atingiram já competências educacionais mais aprofundadas.
Esta análise reflecte também uma transição sócio-política, primeiro de uma
ditadura para uma politização institucional democrática e depois para uma rotinização
da democracia. O que é acompanhado por um processo que combina um crescente
cepticismo face aos partidos e às instituições de governo com uma acentuação da
participação cívica a partir de formas autónomas e por vezes individualizadas de
expressão da sociedade civil.
No início deste capítulo formulou-se uma pergunta sobre a existência ou não de
uma clivagem geracional na sociedade portuguesa. Os dados analisados confirmam essa
clivagem. Mas não se trata de uma clivagem por opção, antes uma clivagem que resulta
de uma sociedade onde os recursos cognitivos necessários estão distribuídos de modo
desigual entre gerações. Só assim se pode explicar que entre os que nasceram até 1967
encontremos uma parcela de actores sociais que se aproximam em algumas dimensões
de práticas, e por vezes representações, dos mais jovens. Essa proximidade é visível no
facto de aqueles que possuem competências educacionais similares se aproximarem, por
exemplo, na utilização da internet ou na sua perspectiva de valorização profissional.
A sociedade em que vivemos não é uma sociedade de cisão social completa.
Mas na sociedade em rede e nos modelos de desenvolvimento informacional há
competências cognitivas mais valorizadas do que outras, nomeadamente a escolaridade
mais elevada, a literacia formal e as literacias tecnológicas. Todas elas são adquiridas e
como tal não há lugar a uma inevitabilidade de cisão social. Antes existe um processo
de transição em que os protagonistas são aqueles que dominam essas competências mais
facilmente.
Ao mesmo tempo que se depara com esses múltiplos processos de transição, a
sociedade portuguesa conserva uma forte coesão social sobre uma densa rede de
relações sociais e territoriais. É uma sociedade que “muda e se mantêm coesa ao mesmo
tempo. Evolui na sua dimensão global, mas mantém o controlo local e pessoal sobre
aquilo que dá sentido à vida” (Castells, 2004b).
Portugal no início do século XXI permanecendo basicamente uma economia
proto-industrial, mas não se afirmou ainda como economia informacional. No entanto,
há sinais claros de uma transição, embora ainda de carácter incipiente e de resultados
ainda largamente em aberto.
É nesse contexto que se produz uma transição fundamental: a transição
tecnológica expressa por meio da difusão da internet e a aparição da sociedade em rede
na estrutura e na prática social.
Gustavo Cardoso
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