8 INTRODUÇÃO Dizem que o Direito Penal é o reflexo da moral de um povo. Quanto maior for a crise de valores numa dada sociedade, maior será a incidência do Direito. Ora, e não é justamente o que presenciamos nos dias atuais? A velocidade com que a sociedade evolui, seja nos meios de comunicação, seja na tecnologia digital e afins, nos deixa perplexos, pois os valores morais mudam com praticamente a mesma velocidade. E para aqueles que assistiram a essa transição, dos anos 70 pra cá, é custoso admitir, se adequar, a esse novo estado de coisas. No mesmo passo, a criminalidade também mudou, inovou nos métodos, tornou-se mais corriqueira, ao menos é a impressão que temos, graças à velocidade com que a informação nos chega, fruto de uma mídia inconsciente e sensacionalista, que subliminarmente incute o vírus da violência nos espectadores, estimulando-os tanto a praticar a violência de forma, as mais das vezes, gratuita, como o buscar fazer justiça com as próprias mãos. Se houvesse um limite, no sentido de impedir a propagação de tantas notícias violentas, provavelmente veríamos o retroceder da selvageria. Uma experiência desse tipo ocorreu na Inglaterra. Diante da dificuldade das autoridades em combater adequadamente a violência perpetrada pelos hooligans, torcedores de futebol adeptos da barbárie, o governo britânico proibiu a veiculação de qualquer notícia relacionada aos baderneiros. Toda vez que começava o quebraquebra, as câmeras de tevê mudavam o seu foco e mostravam ora um casal namorando, ora uma criança sorrindo. Apenas quem estava nos estádios assistia às cenas violentas e à atuação da polícia. Resultado: hoje os hooligans não passam de mero folclore, pois à medida que perderam espaço na mídia, não mais estimulou os jovens a participarem daquela tribo. Como consequência, foi um ônus a menos para o Direito Penal. Aumentando a sensação de insegurança e violência, a sociedade clama ao Estado que a defenda, pois é este um de seus papéis. E o legislador, ao invés de buscar as reais causas da escalada da selvageria, propõe ilusões, editando leis no calor da hora, emergenciais, para acalmar a população. E o Direito Penal vai se sobrecarregando e se tornando meramente simbólico, e perdendo credibilidade. 9 E diante desse quadro, eis que surgem teorias extravagantes, invasivas, de cunho segregacionista, dividindo os humanos, separando os bons dos maus, com o intuito tanto de se dar mais efetividade ao jus puniendi do Estado como a pretender instalar o paraíso na Terra. Foi confrontado com o cenário quase dantesco trazido por esse “admirável mundo novo”, pedindo licença a Huxley, que o presente trabalho teve início. A metodologia utilizada foi a da pesquisa bibliográfica, pois é um trabalho de cunho eminentemente filosófico e prospectivo. E por se tratar de um tema polêmico, e até sedutor, vários juristas, doutrinadores e operadores do Direito sobre a matéria se debruçaram para, talvez, quem sabe, aquilatar a dimensão dessa proposta, e também se ela se amoldaria à nossa realidade quotidiana. Provavelmente, possa ser o temor, dado o clima de guerra civil que vivemos, de que tudo o mais falhe e se abra espaço para a autotutela, para o surgimento de justiceiros. Fato é que Günther Jakobs, ao apresentar ao mundo a sua construção teórica, o Direito Penal do Inimigo, o fez em tom crítico, para denunciar o que estava acontecendo em todo mundo, via de regra, a contaminação da legislação calcada em instrumentos e parâmetros bem distintos do modelo clássico-iluminista. E, sobretudo, após os atentados terroristas dos últimos anos, foi legitimada por vários Estados. A dissertação começa fazendo uma análise da sociedade moderna, pós-industrial, e os novos desafios que ora se apresentam, a crise de valores oriunda da quebra de paradigmas e, consequentemente, as novas demandas alçadas ao Direito Penal. Em seguida, faz-se um passeio pela Teoria dos Sistemas, do sociólogo alemão Niklas Luhmann, que, diante da complexidade da sociedade contemporânea, elaborou um modelo científico para explicar toda a teia de relações, toda a sistemática de comunicação do tecido social. E foi inspirado nesse pensamento sistêmico, esposado pela ciência sociológica, que outro alemão, o jurista Günther Jakobs, construiu sua tese penalista de exceção com o intuito de tornar o Direito Penal mais efetivo e menos simbólico. Para ele, o Direito Penal que conhecemos, informado por princípios emersos da filosofia das luzes, não mais se presta para albergar os novos bens jurídicos trazidos por esse novo mundo. 10 E fundamenta sua teoria no pensamento de filósofos comprometidos com o contrato social. Pois quem não se submete às regras contratuais, se torna um pária, e por isso deve ser excluído do meio, apartado do cidadão. Um dos princípios basilares de um Estado Democrático de Direito é o da Igualdade. Significa dizer que “não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas a própria edição dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas” (MELLO, 2012. p. 9). Portanto, é entendimento pacífico, dentro de uma lógica humanista, que uma teoria como a do Direito Penal do inimigo se revela totalmente incoerente. E justamente é a proposta deste trabalho: aquilatar até que ponto é possível a adoção de uma política penalista notadamente de exceção, um Direito Penal do autor, já superado em um sistema jurídico-político aberto, inclusivo e não discriminatório, como é o Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal de 1988, calcada em ideais progressistas e humanitários, formatou toda uma nova ordem política: a Democracia, algo quase inédito em terras tupiniquins. Mas em um mundo globalizado, uma aldeia planetária, o Brasil não poderia ficar indene às revoluções que, a cada rotação da Terra, sacodem o mundo. E uma nação que se pretende democrática, de fato, não o é, pois a omissão do Estado em questões relevantes demonstra o quanto estamos longe de tal ideal. E a crise se instala. E nos vemos tentados a adotar políticas criminais excepcionais. 11 1. A SOCIEDADE MODERNA E AS NOVAS DEMANDAS DO DIREITO PENAL Muda a sociedade e, nesse processo, muda o Direito também. Nas palavras do grande jurista Miguel Reale, a palavra „Lei‟ compreende na sua etimologia mais presumível, as referências de ligação, liame, laço, relação, o que se completa com o sentido nuclear de jus, que invoca a ideia de jungir, unir, ordenar, coordenar. Daí a sempre hodierna lição do antigo brocardo: ubi societas, ibi jus (onde está a sociedade, aí está o Direito) (MORAES, 2011, p. 39). O Direito, sendo um produto da cultura humana, e como tal, configurado para a árdua missão de tutelar interesses particulares, ergueu-se à proteção e à estabilidade da sociedade. Agora, além de interesses individuais e coletivos, tutela também interesses difusos e transindividuais. E, ultimamente, debruça-se sobre os direitos fundamentais de quarta geração, cuja finalidade é abarcar o direito à democracia, à informação e ao pluralismo, numa experimentação de “englobar todos os direitos fundamentais desenvolvidos anteriormente para a sedimentação de uma verdadeira globalização política, ao lado das globalizações econômica e cultural” (MORAES, 2011, p. 39). Portanto, proteger bens supraindividuais sugere adotar escolhas racionalmente difíceis, tanto no que diz respeito à seleção desses bens, quanto à técnica legislativa para positivação e que tem sido utilizada na forma de antecipação da tutela: tipificação de atos preparatórios e adoção de tipos de perigo abstrato, normas penais em branco, tipos omissivos impróprios e infração de mera conduta, entre outros. Traços esses que Gunther Jakobs incorporará ao seu modelo de Direito Penal do Inimigo (MORAES, 2011, p. 39-40). Desde há muito que os criminosos vêm se utilizando dos avanços tecnológicos para inovar seus meios e métodos para delinquir. A criminalidade dos tempos atuais, tenha ou não o caráter transnacional, vem reinventando seus meios de atuação, não se utilizando mais de expedientes tradicionais. Resta evidente que o Estado, diante deste contexto fático, por meio do Direito Penal e do Processo Penal, busca formas de coibir e reprimir a criminalidade. Mas, nessa 12 busca de aperfeiçoar a persecução penal, o Estado não pode deixar de respeitar os direitos fundamentais reconhecidos amplamente em âmbito global. Vamos acrescentar que, enquanto a prática legislativa atender aos anseios da mídia sensacionalista, concretizado nesse processo uma equivocada política de falso e repentino abafamento da sensação de insegurança, irá produzir uma criminalização ilusória cuja prática vai culminar numa absorção simbólica das inseguranças excessivamente divulgadas pela mídia, sem consideração a qualquer apontamento ao passado e a qualquer perspectiva político-criminal para o futuro. E falando em futuro, este bate à porta, numa alusão à sociedade distópica preconizada por George Orwell em seu romance 1984, trazendo em seu bojo, jogando diretamente em nosso presente o fenômeno da Globalização. O termo globalização pode ser definido segundo as palavras de Fernandes (2001, p. 41-42): Como sendo um estreitamento (e aprofundamento) espaço-temporal de toda uma estrutura econômica, social, política e cultural, suportado por uma densa, complexa e interligada rede de comunicações que, possibilitando-o acelera todo um processo de diluição (outra vez a figura do leviatã nos assalta...) do uno ao múltiplo, ser-aí-diferente no ser-em-todo-lado-igual, e caldeirão onde fluem diversidades culturais, políticas e sociais, em consequência do qual cada vez menos se encontra um erro genuíno. Esses pressupostos de integração e uniformização também fizeram emergir uma profunda crise: das instituições, do Direito Penal, da ética e da própria realidade, e que termina por gerar uma sensação constante de insegurança social, advinda de um absolutismo global e de uma tendência inequívoca de homogeneização. Foi observando esse amplo espectro fático que o filósofo alemão Ulrick Beck desenvolveu a chamada teoria da “sociedade de risco”. Segundo essa proposição, existem dois momentos da modernidade que são distintos: i) a modernização simples, ocorrida durante o período industrial e ii) a modernização reflexiva, momento em que o homem começou a admitir os riscos decorrentes dessa evolução. Dentro desse panorama, na sociedade industrial, grandes avanços tecnológicos ocorreram e, no entanto, todos os risco e perigos inerentes a esses avanços não foram percebidos. Na sociedade de risco, o segundo momento, a sociedade 13 percebeu os avanços tecnológicos que se seguiram, vale dizer, houve uma autorreflexão dos riscos que sobrevieram da moderna evolução social. Machado aduz que (2005, p. 31): A teoria da sociedade de risco parece nascer com a percepção social dos riscos tecnológicos globais e de seu processo de surgimento até então desconhecido. É uma teoria política sobre as mudanças estruturais da sociedade industrial e, ao mesmo tempo, sobre o conhecimento da modernidade, que faz com que a sociedade se torne crítica de seu próprio desenvolvimento. Em decorrência das evoluções tecnológicas, e com o reconhecimento e aceitação desses riscos, surge a natural tentativa de controle desses riscos. E da percepção sempre crescente da sensação de incerteza, surge uma demanda social por segurança, mormente no campo normativo. O conceito de sociedade moderna e complexa é de extrema importância para se compreender a evolução do Direito, as consequências de seus almejados objetivos e a profunda transformação dos fins da sanção penal, de modo a antecipar uma conclusão: o Direito Penal moderno vem operando com códigos corrompidos e buscando metas que estão além de seus limites operativos. Segundo Moraes (2011, p. 36-37), são marcas dos novos paradigmas que marcam a realidade atual: a) a ineficiência do Estado em executar políticas públicas básicas, o que acentua os índices de criminalidade; b) a ineficiência do Estado em fiscalizar e executar adequadamente o sistema penitenciário, o que vem ensejando a mitigação do Direito Penal clássico, com a adoção do Direito de segunda velocidade (mitigação da pena de prisão e adoção de penas alternativas, como substituição ao pesado custo do sistema carcerário e fiscalizador), o que, ademais, vem contribuindo para o aumento da reincidência; c) o aumento da sensação subjetiva de insegurança da população, em virtude do avanço tecnológico dos meios de comunicação (hoje, com a televisão, a internet etc., se sabe em Paulo Afonso, na Bahia, um crime de latrocínio ocorrido há alguns minutos em São Paulo, aumentando a sensação de insegurança coletiva). Isso tudo agravado pela forma sensacionalista com que 14 a mídia antecipa julgamentos e veicula notícias – como um autêntico produto de mercado; d) aumento considerável da demanda penal, diante da tutela dos interesses difusos e coletivos e outros decorrentes das “novidades” da era pósindustrializada (econômicos, de informática etc.); e) a utilização do Direito Penal como instrumento para soluções aparentemente eficazes a curto prazo, mediante o fisiologismo de políticos que acabam hipertrofiando o sistema penal, criando uma colcha de retalhos legislativa incongruente e desproporcional; f) o desprestígio de outras instâncias para a solução de conflitos que poderiam ser, a princípio, retirados da tutela do Direito Penal (como o Direito Administrativo); g) o considerável aumento do descrédito da população nas instituições e na possibilidade de mudança a curto prazo que, acentuadas pela crise do próprio homem, vem fomentando a criação de “Estados paralelos”, à margem da ordem jurídica posta, aumentando e fortalecendo organizações criminosas, proliferando a justiça “pelas próprias mãos” (linchamentos, grupos de extermínio), desmoralizando os movimentos sociais e desarticulando os mecanismos de resistência à miséria, etc. Vasconcellos, citado por Moraes (2011, p. 48-49), esclarece essa contradição entre ganhos e perdas da tecnologia: Por um lado, a tradução tecnológica dos conhecimentos científicos ampliou enormemente a eficácia do homem para viver nos mais variados ambientes. Mas com isso, não só modificou as relações do homem com a natureza, colocando-o cada vez mais dependente do uso da ciência e da técnica, como também tornou iminente o risco de uma catástrofe ecológica. Tendo dominado o ambiente ecológico, parece que o homem deslocou as questões de sua sobrevivência para o plano das relações com seus semelhantes. E aí também parece que as contribuições da ciência não têm sido suficientes ou adequadas para afastar de nossa civilização o risco real de sua própria extinção. (...) Por outro lado, essa mesma tradução tecnológica dos conhecimentos desenvolvidos pela ciência está trazendo novidades num ritmo superacelerado, tornando essas novidades presentes simultaneamente em todos os pontos do nosso planeta, manifestando-se, por exemplo, no que se tem chamado de globalização. Isso está impactando fortemente nossa organização social, nossas relações, e exigindo de todos nós mudanças 15 profundas na nossa forma de estar no mundo. Começa-se então a falar de um mundo excessivamente complexo e acusa-se a ciência de não dar conta de responder às novas necessidades dele instaladas. E para tutelar esses novos interesses surgidos é que o Estado lança mão do Direito Penal, no afã de prevenir e controlar esses riscos e que são inerentes à própria sociedade moderna. E nessa corrida frenética para aperfeiçoar os sistemas de controle, notadamente na seara penal, o Estado inicia uma expansão, muitas vezes ao som insistente do mundo midiático, o que gera críticas severas. “(...) menos Estado social, menos Estado interventor, mas mais Estado punitivo, mais Estado securitário”, no dizer de Costa (2006, p. 89). Batista, em citação de Moraes (2011, p. 51-52), ressalta a função que a mídia vem desempenhando no Brasil: Antes de qualquer coisa, a mídia não apenas se adequou, mas colaborou definitivamente na expansão de uma mentalidade penal que imobiliza toda a riqueza e complexidade dos conflitos sociais na episteme binária e simplória do infracional: é assim que a questão da reforma agrária pode ser reduzida a delito contra a propriedade de integrantes do MST, por um lado, e aos “excessos” policiais contra eles (chacinas) de outro. Ao processo de desmerecimento do setor público, funcional para a implementação das privatizações, correspondeu a criminalização midiática da vida política. No núcleo ideológico deste movimento está não apenas um discurso criminológico único – que assume preponderância e influência muito superior ao acadêmico, e cujas toscas contradições e inconsistências não encontram canal de questionamento – mas principalmente uma novidade perigosa: o exercício direto de funções características das agências policiais do sistema penal. Apenas a título de exemplo, vamos lembrar-nos de duas situações que vêm demonstrar e ressaltar a influência de cada momento histórico na renovação do Direito no Brasil: a Lei nº 3.311, de 15.10.1886, que criminalizou o delito de incêndio e foi aprovada depois de anos de discussão, logo após a ocorrência de dois incêndios na cidade do Rio de Janeiro; e a Lei nº 2.033, 20.09.1871, que passou a punir o homicídio imprudente depois de um acidente ferroviário na cidade de Jundiaí, estado de São Paulo (MORAES, 2011 p. 51). 16 E mais recentemente, lembremo-nos da edição da lei nº 9.455/97, que criminalizou o crime de tortura após um cinegrafista amador filmar cenas de tortura praticadas por policiais na Favela Naval em Diadema/SP e foram exaustivamente divulgadas por redes de televisão. Foi quando o Congresso despertou de seu berço esplêndido. O chamado “Direito Penal do risco”‟ tem um caráter iminentemente expansivo por acolher novas demandas e interesses penais, antecipando a tutela penal – mediante o uso de tipos de perigo abstrato, tipificações abertas e amplas, mera conduta, omissivos impróprios, etc. A tendência desse “Direito Penal do risco” é a desembocadura no que muitos doutrinadores chamam de Direito Penal do Inimigo, um Direito Penal de terceira velocidade. Isso se dá, tanto na legislação pátria quanto na estrangeira, pela adoção de políticas criminais assentadas na preocupação incessante de criminalizar e prevenir a corrupção, o tráfico ilícito de entorpecentes, a criminalidade organizada, a criminalidade econômica, o terrorismo e os crimes contra a humanidade. Ao se debruçar sobre a expansão da tutela penal, Silva leciona que o Direito Penal (2006, p. 409): (...) não pode apresentar-se como um instrumento além de seus limites de controle social, na sociedade de risco, ou sociedade complexa. O essencial, na técnica legislativa, é limitar a expansão, tendo em vista o risco que efetivamente ocorre para as pessoas, a fim de transformar uma conduta em conduta típica punível. No que se refere ao caráter subsidiário, de ultima ratio, do Direito Penal, essa expansão desenfreada acaba por enfraquecê-lo. Se a expansão indefinida do Direito Penal é inaceitável, de outra banda, simplesmente não se pode ignorar a criminalidade moderna. E uma das características da nova criminalidade é o de não ser imediatamente identificável. Ao contrário de antes, cujo crime era um fato específico. Rodrigues sentencia (2006, p. 279): A nova criminalidade é a expressão deste novo modelo de organização social para que tendem as sociedades contemporâneas. A mobilidade das pessoas e dos capitais põe em causa a lógica territorial sobre a qual elas repousam. Este movimento de fundo – um pouco retardado pela confrontação Leste-Oeste – produz agora seus 17 efeitos. As grandes construções institucionais e a concentração de poder dão lugar ao declínio dos Estados e a um mundo onde proliferam as redes. O que vem caracterizar a criminalidade moderna são “a organização, internacionalização e o fato de ser uma criminalidade dos poderosos - crimes of the powerful (opus cit. p. 282-283). Na tentativa de encobrir atos ilícitos perpetrados por seus membros, através da lavagem de capitais, a sociedade do crime – como é definida a criminalidade moderna – se vale de instrumentos lícitos. E ressalte-se, ainda, uma porosidade cada vez mais acentuada entre essa sociedade criminosa e a sociedade oficial, legal. A atuação da mídia certamente acentua essa sensação de insegurança neste modelo de “sociedade do risco”. Se a mídia, como presentemente acontece, persistir na tematização do sistema jurídico chamando pra si o papel de justiceira, certamente decepcionará a audiência. E o Direito, por outro lado, precisa tomar cuidado para não decidir de acordo com o clamor das praças. É imprescindível que cada parte observe a outra com os próprios olhos. Há um nexo causal incontestável entre a sensação de insegurança frente ao delito e o desempenho dos meios de comunicação. A imagem da realidade transmitida pela imprensa, de forma geral, mistura o que está distante com o que está próximo e isso confunde a percepção do telespectador. Esse erro de percepção vem colocar o espectador na cena do crime, acentuando mais ainda a sensação de impotência. Isso provoca um efeito desalentador. Via geral, a imagem que se tem hoje do Direito Penal é o de ser o único mecanismo eficaz de socialização e de civilização, dilatando o Direito Penal, colocando em seus ombros um fardo impossível de carregar. E essa sobrecarga advém do fato de tanto o Poder público como o Direito Administrativo carecerem de legitimidade apara avocar parte da demanda penal. Frente a esse dilema, o resultado é um namoro com a irracionalidade, violando, em tese, postulados político-criminais, tais como intervenção mínima, subsidiariedade, fragmentariedade, característicos do Direito Penal iluminista. Viola também 18 princípios fundamentais de um Direito Penal cidadão, peculiar ao Estado Democrático de Direito, como legalidade, certeza, ofensividade, etc. São típicos da irracionalidade, a hipertrofia legislativa como a utilização indiscriminada de conceitos amplos e vagos, criação de infrações meramente administrativas, antecipação exagerada da tutela penal, etc. No século XVIII, a Revolução Francesa estabeleceu a democracia, que se traduz em governo do povo, pelo povo e para o povo, impondo-se como a forma mais apropriada de governo, ainda que outra opção legitimamente cabível não houvesse. No caso brasileiro, sucede uma democracia aparente, de fachada, com bolsões de marginalidade e desemprego, pautados pelas injustiças sociais de uma sociedade voraz, competitiva. E para atender a um mínimo de racionalidade, a saída é aumentar ainda mais a exigência de políticas legislativa e criminal. Permeia toda a ordem constitucional brasileira um aparente espírito igualitário que, apesar de estar gravado no papel, não se mostra capaz de reverter a conjuntura de perversidade social nem tampouco de criar condições políticas para a admissão de setores expressivos da população nos mapas da cidadania formalmente regulada. Os sistemas político e jurídico dão ares de se transformar em complementos do sistema econômico e em mero reflexo do processo de acumulação. O resultado é a subversão da democracia política e do direito positivo, idéias integradas ao aparecimento da modernidade e distintas do constitucionalismo. Boaventura de Souza Santos (MORAES, 2011, p. 67) avulta ainda, dentro deste panorama tupiniquim, a não aplicação da lei, a sua aplicação seletiva, a instrumentalização da lei para fins diversos dos oficiais, a não regulamentação de direitos constitucionais e a ausência de dotação de meios humanos e financeiros para a implantação de políticas públicas. Essa atuação do Estado, lembra ele, “implica a total desvalorização dos direitos sociais, da Constituição e do Estado Democrático de Direito”, ou seja, “é a „técnica informal‟ que retira eficácia à lei”. Nesse panorama, é inconcebível aceitar que no Brasil esteja efetivamente consolidado como um Estado Democrático de Direito. Buscar entender a conjuntura da realidade do Direito Penal é de suma importância para entender e questionar a validade de um Direito Penal voltado para o inimigo da 19 coletividade. Fato é que as novas demandas decorrentes da aceleração da comunicação, dos avanços tecnológicos e da globalização vêm modificando paulatinamente o Direito Penal clássico, contaminando-o com conceitos estranhos ao seu código operativo. E eis que numa conjuntura democrática, em verdade mais teatral que real, em um contexto que se verifica na maior parte da civilização, surgem teorias como a do “Direito Penal do Inimigo”. Como dito na abertura deste capítulo, o Direito muda à medida que muda a sociedade, adequando-se aos novos ventos que sopram. E, às vezes, no afã de domar esses novos ventos, concebe idéias que balançam o status quo estabelecido. Não porque sejam revolucionárias, mas porque estremecem toda a arquitetura de teorias filosóficas, sociológicas e jurídicas que embasam direitos e garantias constitucionais conquistados a duras penas através dos séculos. Seria legítimo positivar um Direito excepcional que opera por meio da flexibilização de garantias típicas do Direito Penal clássico, de contornos iluministas e que trata criminosos como inimigos? Para responder a tal indagação, é necessário ter plena consciência das novas demandas do Direito Penal, do contexto histórico e, sobretudo, da atual realidade na qual estamos imersos. Esta é a nova feição da realidade social. Frustração e insatisfação com as novas demandas alçadas ao Direito Penal que, ao falhar em sua missão de diminuir a criminalidade, desencandeia uma inversão de valores e abre espaço para a possibilidade de implementação de um Direito Penal de aspecto draconiano. Reside na Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann a solução para essa inversão de valores, ao menos em parte. E, paradoxalmente, a concepção do conceito de finalidade da sanção penal de Jakobs, que desaguou na teoria do Direito Penal do Inimigo, teve seu ponto de partida na teoria sociológica dos sistemas. 20 2 NIKLAS LUHMANN E O PENSAMENTO SISTÊMICO O professor de Alexandre o Grande, o filósofo grego Aristóteles, construiu sua concepção de sistemas imaginando-o como um conjunto de elementos relacionados entre si em uma ordem unitária e coerente, sendo o todo mais do que a mera soma das partes. Partindo-se dessas premissas iniciais, básicas, a ciência da sociologia edificou toda uma estrutura teórica numa hercúlea tentativa para explicar e compreender a sociedade e sua vasta teia de complexidades, e os indivíduos. Em meados do século XIX surgiu a Sociologia Jurídica, advento este que se confunde com o surgimento da própria Sociologia. A partir daí, o interesse científico pelo Direito foi renovado, mormente em que se verificou uma relação entre Sociedade e Direito, numa visão muito diferente daquela albergada pela tradição europeia. Na primeira metade do século XX, a Teoria dos Quanta, de Max Planck, revolucionou o pensamento científico trazendo a lume uma nova concepção da realidade, completamente diferente, mais dinâmica e fluida, um perfeito continuum da revolucionária Teoria da Relatividade, formulada anos antes pelo judeu alemão Albert Einstein. Esses novos conceitos da física nuclear, e toda a sua carga paradigmática, exerceram considerável influência em diversas disciplinas, dentre elas as sociais. E acompanhando esse panorama, surge o pensamento sistêmico do sociólogo alemão Niklas Luhmann que vem exercer considerável influência no Direito. A concepção da Teoria dos Sistemas vem fundamentada no conceito de sociedade, mais especificamente, na complexidade da sociedade pós-moderna. E não por acaso, a arquitetura dos sistemas imaginado por Luhmann lembra a configuração atômica. Os conceitos da teoria quântica não foram de fácil aceitação, mesmo depois de completada a sua formulação matemática. Seu efeito sobre a imaginação dos físicos foi devastador. Os experimentos de Rutherford haviam demonstrado que os átomos, em vez de serem sólidos e indestrutíveis, consistiam em vastas regiões de espaço nas quais se moviam partículas extremamente pequenas. Agora, a teoria quântica tornava claro que até mesmo essas partículas nada tinham a ver com os objetos sólidos da Física clássica. As unidades 21 subatômicas da matéria são entidades extremamente abstratas dotadas de um aspecto dual. Dependendo da forma pela qual as abordam, aparecem às vezes como partículas, às vezes como ondas; e essa natureza dual é igualmente exibida pela luz, que pode assumir a forma de ondas eletromagnéticas ou de partículas. (CAPRA, 1991, p. 57). Tal como a partícula atômica, o sistema também é uma abstração, possui natureza dual e se auto regula e isso acontece através de um código próprio. E é justamente o código o elemento que ordena a totalidade do processo, em torno do qual vários outros elementos gravitam e estabelecem configurações variáveis. E o código é o elemento que permite as operações no interior do sistema, que produz informações e identifica ruído. O ordenamento jurídico é um edifício de estrutura complexa. E no pensamento de Luhmann, essa complexidade deve englobar todas as possibilidades de experiências ou ações, e essa ativação deve permitir uma relação de sentido. E essas relações de sentido, no caso do Direito, significam não apenas considerar as ações legalmente permitidas, mas também as legalmente proibidas. Quando forem relacionadas ao Direito de modo direto. Foi justamente o movimento de positivação do Direito em códigos legais que fez com que a idéia de sistematização viesse ingressar no campo das discussões jurídicas. Isso aconteceu tanto no campo legislativo quanto na seara dogmática. Os códigos são vistos como um todo sistematizado de disposições legais sobre determinadas matérias e a ciência do Direito passa a ser concebida como uma ordenação de conhecimentos acerca de certa disciplina jurídica. A teoria luhmanniana busca interpretar a sociedade como um sistema, ou seja, ela opera dentro de uma distinção entre sistema (interior) e o meio (exterior). Essa premissa se apóia na Teoria Geral dos Sistemas que por sua vez vem beber na teoria dos sistemas autopoiéticos, vale dizer, um sistema auto-referencial e operacionalmente fechado. A teoria dos sistemas autopoiéticos foi formulada pelos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela nos anos 70. A palavra autopoiesis vem do grego auto (por si próprio) e poiesis (criação, produção, poesia). O vocábulo sistema, também de origem grega (systema), vem significar reunião, conjunto, métodos, organização, totalidade. 22 De acordo com Moraes (2011, p. 96), os biólogos, visando superar a tradicional antinomia entre os mecanicistas e os vitalistas, apontam uma terceira via de defesa de uma organização auto-referencial dos seres vivos, em que a respectiva ordem é gerada a partir da interação dos seus próprios elementos e da auto reprodução. Em apertada síntese, todo sistema, seja máquina ou ser vivo, é capacitado à auto regulação, dependendo sua estabilidade e orientação de mecanismos internos de controle. A retroalimentação (feedback) é a noção reitora nesse campo, o que significa que o sistema capta informações do entorno (através de dispositivos perceptivos e sensoriais) e pode modificar (através do processamento da informação externa por estruturas internas) seu arranjo para obter uma melhor adaptação ao meio. A partir dessa peculiar diferenciação do sistema, é que se obtém a idéia de identidade/não identidade e que vem estabelecer os limites entre o sistema e o seu ambiente (o entorno, o meio, o que está fora do sistema). Mas o sistema interage com seu ambiente e isso se dá mediante a seletividade do sistema com relação ao processamento das informações do entorno. É através de estruturas especializadas que o sistema decide processar ou não a informação externa. É uma relação pautada por distintas complexidades. A complexidade do sistema é menor do que a complexidade do ambiente, vale dizer, o sistema não pode abarcar a complexidade do ambiente, senão seriam idênticos deixando de existir sistema e entorno, mas somente entorno. Apesar de o sistema ser operacionalmente fechado, e não sofrer influências do seu ambiente, não necessita do ambiente que lhe circunda. Através do acoplamento natural, o sistema é adaptado ao seu ambiente. Essa construção teórica explica como o sistema reconhece seu ambiente sem sofrer influência do mesmo. Isso significa que os sistemas sociais são cognitivamente abertos, porque, em virtude da peculiaridade de sua comunicação, dão sentido aos ruídos oriundos do entorno; e fechadas porque esse sentido vem de uma operação que é produzida pelo próprio sistema. A complexidade do sistema social resume-se em comunicar, receber e processualizar as informações do meio, selecionando-as e no processo produzindo mais possibilidade de sentido. 23 No entender de Luhmann, há três classes de sistemas auto referenciais e autopoiéticos: i) os sistemas vivos ou biológicos; ii) os sistemas psíquicos, onde experimentam ou percebem sentido e iii) os sistemas sociais, que são interações, organizações e sociedades. Na medida em que os sistemas sociais e psíquicos se constituem pelo sentido, os sistemas vivos se constituem por meio de processos físico-químicos de ordem neurológica, intracelular e orgânica. De outra banda, os sistemas sociais, que reproduzem sentido, e os sistemas psíquicos, onde experimentam sentido, se diferenciam também por suas operações de base: a consciência, enquanto constituição psicológica do indivíduo é a operação constitutiva dos sistemas psíquicos, e as ações de várias pessoas que se interrelacionam por meio do sentido, numa operação genuinamente social, se operam nos sistemas sociais por meio da comunicação. Só há comunicação quando ocorrem três momentos de seleção, a saber: i) a informação que, entre um leque de possibilidades, for uma simples escolha; ii) a notificação, que participa a informação ao receptor, como meio de expressão; iii) o ato de entender, através do qual a comunicação acontece, sendo este o elemento decisivo. Em suma, desenvolvimento de mais comunicação a partir da comunicação, ou seja, comunicação gerando comunicação. Segundo o entendimento de Luhmann, subsiste uma relação circular entre as estruturas e as operações de cada sistema, que somente através dessas operações é que as estruturas podem ser construídas. Nesse sentido, destaca Juarez Tavares (MORAES, 2011, p. 97): A teoria do sistema fechado de comunicações operativas é, assim, uma teoria abrangente da sociedade e se se compreende também o sistema jurídico como um subsistema do sistema social, ficam excluídas as pretensões dominantes tanto pragmáticas quanto estruturais. O sistema se produz e se reproduz por ele mesmo. Tendo em vista esta circularidade do sistema, fica abstraída para a definição de seus elementos, qualquer relação de causalidade entre o sistema e o ambiente. Nisso assume particular importância o conceito de autopoiese, que justamente indica essa particularidade do sistema: um sistema operativamente fechado de normas se caracteriza pelo fato de que, para a produção de suas operações, se remete à rede de suas próprias operações e, nesse sentido, se reproduz. Considerando-se sua operatividade fechada, sua reprodução autopoiética e a autonomia do sistema jurídico, transparece a questão acerca de que comunicações tratam esse sistema e onde se situam seus limites. 24 2.1 O DIREITO ENQUANTO ESTRUTURA DO SISTEMA SOCIAL A função precípua do Direito é a resolução de conflitos. Foi pra isso que ele nasceu. Mas a resolução de conflitos não é o papel principal do Direito, pois ele é erguido no conflito e vive do conflito. E a partir da Idade Moderna, o Direito evoluiu e chegou ao ponto de, além de solucionar conflitos, tornar-se também capaz de prevê-los. E em suas estruturas internas de processo de autopoiesis, quando se diferencia do meio ao mesmo tempo em que influencia e por ele é influenciado, o Direito passa a não apenas conciliar conflitos, mas também a cria-los. Em suma, é no labor prédeterminado de suas estruturas internas que o Direito transforma a realidade ao tempo em que transforma a si mesmo. Luhmann afiança que o Direito é a generalização/estabilização social, material e temporal de probabilidades de comportamento com capacidade para uma imunização simbólica. A generalização consiste, numa dimensão temporal, em dotar a expectativa de instrumentos pelos quais a mesma possa se estabilizar, atuando como um serviço de reforma ou sustentação da estrutura. Basicamente, a função específica do sistema jurídico é distinguir o legal do ilegal, o lícito do ilícito, vale dizer, o direito se especializa na rede de comunicações da sociedade, na produção de um tipo particular de comunicação. Comunicação essa que procura garantir expectativas de comportamentos alicerçados em normas jurídicas. Em resumo, o Direito é o fato social que garante um patamar mínimo e imprescindível de orientação de condutas, constituindo a base da ordem social. E de modo mais explícito, o Direito reflete o grande problema de todos os sistemas sociais: o desafio de manter a sua ordem interna e sua auto conservação e, concomitantemente, significar ou dar sentido às influências do seu meio. E rompendo com paradigmas do funcionalismo clássico, Luhmann passa a conceber os sistemas sociais como sistemas de interação e comunicação. Como sistema autopoiético que é, o Direito também reproduz suas próprias operações recorrendo a essas mesmas operações. Melhor dizendo, ele é um sistema operacionalmente fechado que se determina pela estrutura, diferenciandose, então, do seu ambiente. 25 O sistema jurídico, ao diferenciar-se do seu meio, busca operar nesse mesmo meio, exercendo e recebendo influência dele. Somente o Direito pode dizer o que é Direito e o que não o é e isso desemboca na positivação do Direito, isto é, na fixação do Direito pela legislação e não segundo parâmetros do Direito Natural. A necessidade de decisão capaz de reestruturar as expectativas de comportamento é o que legitima o Direito. E assim como qualquer outro sistema social, a autolegitimação do sistema jurídico não é informada pela existência de valores, vigência de normas, verdade ou justiça, ou mesmo pela existência de um consenso efetivo. É uma legitimação através de processos decisórios jurídicos, isto é, procedimentos juridicamente organizados, estruturados por normas jurídicas específicas. Está configurado um conceito funcional de legitimação e sua função é assegurar que as decisões sejam tomadas como premissas de comportamento, reduzindo, assim, a complexidade social, ou seja, são decisões emitidas pelo sistema e são obrigatórias para o comportamento dos envolvidos. Dentro de certos limites de tolerância, temos a definição da legitimidade como uma adequação generalizada para aceitar disposições de conteúdo ainda não definido. Esta é, em síntese, a construção teórica na qual se baseou Jakobs para construir e justificar a sua tese penalista positivista. Um modelo que poderia trazer o equilíbrio perdido, um equilíbrio no qual o Direito Penal iluminista, clássico, não é mais capaz de restabelecer, frente ao novo mundo que agora se descortina. 3 O DIREITO PENAL DO INIMIGO Gunther Jakobs é tido como um dos mais respeitados e polêmicos juristas da atualidade e foi discípulo de Welzel, o criador da Teoria Finalista da Ação que, em apertadíssima síntese, sustentava que ação é a conduta do homem voltada para um fim. E mais: Jakobs acredita na pena criminal como procedimento de luta contra a criminalidade, ou seja, é um penalista no sentido literal da palavra. Ele idealizou o funcionalismo sistêmico pautado na Teoria dos Sistemas de Luhmann. Essa teoria, 26 como vimos, sustenta que o Direito Penal tem a função primordial de reafirmar a vigência da norma. Esta é a descrição do Direito penal da normalidade, ou como ele próprio denomina, Direito Penal do Cidadão. O conceito de um Direito Penal voltado para o cidadão que comete atos que vão contra o Estado apareceu pela primeira vez em 1985 numa palestra proferida por Jakobs em um Seminário de Direito Penal, em Frankfurt, onde recebeu pouca publicidade. Mas foi numa palestra na Conferência do Milênio em Berlim, em 1999, que Jakobs parece ter apresentado ao mundo o seu conceito definitivo de Direito Penal do Inimigo. Essa construção teórica levantou inúmeros questionamentos em vários lugares da Europa. Na realidade, Jakobs elaborava uma referência crítica a uma tendência que se constatava na Alemanha: a de se criminalizar o estado prévio à lesão de um bem jurídico. Esta tendência foi identificada com as políticas criminais decorrentes, por exemplo, da luta contra o crime organizado, mas o autor não se referiu explicitamente à guerra. É importante notar que a linguagem de confronto armado radicaliza qualquer posição e é justamente essa linguagem que se expande perigosamente hoje no mundo. Na apresentação de seu trabalho, e em tom quase trágico, Jakobs afirmava que o Direito Penal havia deixado de ser uma reação da sociedade ao fato criminoso cometido por um de seus membros pra se tornar uma reação contra um inimigo. E a consequência inevitável é que, frente a um Direito Penal do Inimigo, não existe hoje uma alternativa viável. 3.1 O SUPORTE FILOSÓFICO Para justificar a existência de duas categorias de seres humanos, quais sejam, as pessoas racionais (cidadãos), de um lado, e os indivíduos periculosos (inimigos), de outro, Jakobs retrocede quatro séculos para, nas especulações da filosofia jurídica dos séculos XVII e XVIII, encontrar os precedentes filosóficos de sua teoria. 27 O jurista Luiz Flávio Gomes (MORAES, 2011, p. 186), assim sintetiza o suporte filosófico utilizado por Jakobs para a construção de sua teoria: O inimigo, ao infringir o contrato social, deixa de ser membro do Estado, está em guerra contra ele; logo, deve morrer como tal (Rosseau); b) quem abandona o contrato do cidadão perde todos os seus direitos (Fichte); em casos de alta traição contra o Estado, o criminoso não deve ser castigado como súdito, senão como inimigo (Hobbes); d) quem ameaça constantemente a sociedade e o Estado, quem não aceita o „estado comunitário-legal‟, deve ser tratado como inimigo (Kant). Percebe-se com muita clareza que Jakobs principia o desenvolvimento de sua teoria afirmando que, na realidade, no Direito natural de argumentação contratual todo delinquente é um inimigo (Rosseau, Fichte). E que é preferível manter um destinatário das expectativas normativas e o status de cidadão para aqueles que não se desviam. Jakobs fundamenta as suas premissas partindo da concepção de pensadores que buscam fundamentar o Estado de modo estrito, mediante um contrato. Esses pensadores entendem o delito como uma infração ao contrato social, de modo que o delinquente não possa mais usufruir dos seus benefícios. Partindo dessa violação, não participa mais de uma relação jurídica com os demais. Jakobs sustenta que a violação deverá ser contumaz, e não isolada. Segundo Rosseau (1712-1778), o malfeitor que ataca o direito social deixa de ser membro do Estado por se encontrar em guerra contra ele, como o demonstra a pena pronunciada contra o malfeitor. Em suma, o culpado morre mais como inimigo que como cidadão. Da mesma forma vem argumentar Fichte (1762-1814) que diz que quem abandona o contrato cidadão, seja de modo voluntário ou por imprevisão, perde todos os seus direitos como cidadão e como ser humano, ou seja, passa a um estado de completa ausência de direitos. Mas Jakobs, apesar de introduzir as concepções de Rosseau e Fichte, procura não endossá-las por entender que é demasiado abstrata a separação radical entre o cidadão e o Direito, de um lado, e o injusto do inimigo, por outro. Diz ele: 28 Um ordenamento jurídico deve manter dentro do Direito também o criminoso, e isso por uma dupla razão: por um lado, o delinquente tem direito a voltar a ajustar-se com a sociedade, e para isso deve manter seu status de pessoa, de cidadão, em todo caso: sua situação dentro do Direito. Por outro lado, o delinquente tem o dever de proceder à reparação e também os deveres têm como pressupostos a existência de personalidade, dito de outro modo, o delinquente não pode despedir-se arbitrariamente da sociedade através de seu ato (MORAES, p. 187-188). Hobbes (1588-1679) também mantinha, em princípio, o delinquente em sua função de cidadão: O cidadão não pode eliminar, por si mesmo, seu status. Entretanto, a situação é distinta quando se trata de uma rebelião, isto é, de alta traição: pois a natureza deste crime está na rescisão da submissão, o que significa uma recaída no estado de natureza (...). E aqueles que incorrem em tal delito não são castigados como súditos, mas como inimigos (MORAES, p. 188). Kant (1724-1804), por sua vez, busca situar o problema na passagem do estado de natureza, que é fictício, para o estado estatal. No universo kantiano, toda pessoa está autorizada a obrigar qualquer outra pessoa a entrar em uma constituição cidadã. Nas palavras do filósofo prussiano: As leis descrevem as relações de causa e efeito. Portanto, os homens são livres quando causados a agir. (...) Liberdade é a ausência de determinações externas de comportamento. (...) Se as ações são causadas, obedecem às leis. (...) A liberdade tem leis; e essas leis não são externamente impostas, só podem ser auto impostas. (...) quando unidos para legislar, os membros da sociedade civil são denominados cidadãos (MORAES, p. 189). Na linha desse raciocínio, Jakobs busca se amparar na resposta dada por Kant, mormente no tocante àqueles que não se deixam obrigar. Kant e Hobbes conhecem um Direito Penal do Cidadão – voltado para pessoas que, a princípio, não ofendem a norma de modo persistente – e um Direito Penal do Inimigo contra quem se desvia por princípio. Kant exclui e Hobbes deixa incólume o status de pessoa. É como o próprio Jakobs diz: “O Direito penal do cidadão é Direito também no que se refere ao criminoso. Este segue sendo pessoa. Mas o Direito penal do inimigo é Direito em outro sentido” (MORAES, p. 189). 29 O posicionamento de ver um delinquente como um inimigo bem pode fundamentarse em argumentos de Direito Natural de índole contratual. Neste sentido, a idéia de Rosseau de que todo delinquente, ou mesmo qualquer pessoa que ataque a organização social, deixa de ser membro do Estado por estar em guerra contra este, como se pode inferir da pena imposta contra tal pessoa. De outra sorte, posições há que mantêm a condição de cidadão para o delinquente, por se tratar de um status que não pode ser mudado por ele mesmo. Aqui, o indivíduo é reconduzido ao estado de natureza, isto é, de não pessoa, quando ele comete um crime de alta traição, posto quando se trata de rebelião, existe uma rescisão de contrato. Pois quem representa uma ameaça permanente à incolumidade dos signatários do contrato social, deve ser tratado como inimigo e, portanto, deve morrer como tal. Santos pondera que: Essa dicotomia bíblica entre anjos e demônios, ou entre bons e maus, ou entre nós e eles, funda-se no obscuro conceito de personalidade – que a moderna psicologia não sabe se está limitada ao ego responsável pela relação com a realidade, se abrange o superego como instância de controle do ego ou, enfim, se inclui os instintos do id como fonte de energia psíquica -, que permite a Jakobs considerar o cidadão um ser calculável pelo princípio do prazer, cuja subsistente capacidade de orientação normativa indica uma imanente fidelidade jurídica, justificando as expectativas normativas da comunidade quanto a um modus vivendi comum (relação cidadão/sociedade); também permite a Jakobs considerar o inimigo um animal não calculável pelo princípio do prazer, cuja intrínseca incapacidade de orientação normativa exclui atitudes de fidelidade jurídica e, assim, desautoriza a expectativa normativa da comunidade: o inimigo seria uma personalidade criminógena definível como adversário de princípio da organização do poder social, incapaz de um modus vivendi comum (contradição inimigo/sociedade) (www.cirino.com.br – acesso em 13/09/2014). Tais são os pressupostos do jurista alemão Gunther Jakobs ao diferenciar dois modelos de Direito Penal, destinados a diferentes tipos de indivíduos. 3.2 O JOIO E O TRIGO: CONCEITUANDO PESSOA E INIMIGO Como vimos, o discípulo de Welzel dá o necessário suporte empírico à sua teoria dividindo a sociedade em duas categorias antagônicas, com comportamentos típicos, que ele vem definir como fatos do cidadão e fatos do inimigo. No dizer de Santos, o fato do cidadão, tido como contradição da norma, seria: 30 Fato do cidadão: matar o tio para antecipar a herança constituiria lesão transitória de validade da norma e indicaria autor capaz de orientação normativa, no sentido de pessoa calculável conforme o princípio do prazer, cuja intrínseca fidelidade ao direito justificaria as expectativas normativas da comunidade, com aplicação posterior de pena como contradição contra um fato passado e, portanto, com função de reafirmação da validade da norma, segundo a teoria da prevenção geral positiva. (www.cirino.com.br – acesso em 13/09/2014) E fatos do inimigo, cujo escopo seria a segurança contra fatos futuros (opus cit.): Fatos do inimigo: criminalidade econômica, organizada ou sexual e, em especial, ações de terrorismo político constituiriam lesões duradouras da validade da norma e indicariam autor incapaz de orientação normativa, no sentido de indivíduo insuscetível de cálculo conforme o princípio do prazer, cuja intrínseca infidelidade jurídica excluiria as expectativas normativas da comunidade, com aplicação antecipada da pena como segurança para impedir fatos futuros, com função de neutralização da periculosidade do autor, segundo a teoria das medidas de segurança. Esse é o curioso critério concebido por Jakobs, que visa classificar autores de homicídio como cidadãos e autores de terrorismo ou crimes econômicos em inimigos, e parece satisfazer as preferências pessoais do professor alemão que, ao promover a separação da população em cidadãos e inimigos, anulam princípios jurídicos civilizados cuja consequência natural será a restituição do Direito Penal do autor, hoje prescrito. Nas palavras de Jakobs (MORAES, 2011, p. 193): „Pessoa‟ é algo distinto de um ser humano, um indivíduo humano; este é o resultado de processos naturais, aquela um produto social (do contrário nunca poderia haver escravos, e não poderiam existir pessoas jurídicas); ou seja, somente pode ser pessoa jurídico-penal ativa, é dizer, autor ou partícipe de um delito, quem dispõe da competência de julgar de modo vinculante a estrutura do social. Precisamente, o Direito. Tratase, como resulta evidente, do conceito jurídico-penal de culpabilidade. E dentro de uma concepção de prevenção geral positiva, ele segue teorizando: 31 Quem por princípio se conduz de modo desviado, não oferece garantia de um comportamento pessoal. Por isso, não pode ser tratado como cidadão, mas deve ser combatido como inimigo. Esta guerra tem lugar com um legítimo direito dos cidadãos, em seu direito à segurança; mas diferentemente da pena, não é Direito também a respeito daquele que é apenado; ao contrário, o inimigo é excluído (opus cit. p. 191). Em linhas claras e objetivas, o indivíduo que não oferecer segurança cognitiva, suficiente de comportamento pessoal, não pode jamais esperar ser tratado como pessoa, da mesma forma o Estado também não deve trata-lo como pessoa, pois isso poria em risco, deixaria vulnerável o direito à segurança dos demais. E no entender do jurista alemão, os inimigos não são pessoas. Para ele, o conceito de pessoa está diretamente ligado à forma pela qual se constrói o sistema social, frisando que sem uma garantia cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, para dar uma validade normativa, para que seja real, ela é expressamente negada, ou seja, o Direito Penal passa de uma reação da sociedade ante o crime de um de seus membros para uma reação contra um inimigo. Em suma, para compreender o conceito de pessoa dentro desse edifício teórico, implica considerar que o sujeito livre sempre será um sujeito que ostenta responsabilidades, é representar um papel, é a representação de uma competência socialmente compreensível. É, pautada na concepção de Luhmann, a separação jurídica do indivíduo, entendido como sistema psíquico que opera com base na consciência, e a sociedade, entendida como sistema que opera com base na comunicação. Para Luhmann, o sistema social da comunicação o diferencia dos demais sistemas. E é dentro desse universo que se deve tomar o ponto de partida para se entender “pessoa”, segundo a concepção de Jakobs. Para um melhor entendimento sobre os inimigos do organismo social, deixemos o próprio Jakobs conceituar (MORAES, 2011, p. 194-195): O não alinhado é um indivíduo que, não apenas de maneira incidental, em seu comportamento (criminoso grave) ou em sua ocupação profissional (criminosa e grave) ou, principalmente, por meio de vinculação a uma organização (criminosa), vale dizer, em qualquer caso de forma presumivelmente permanente, abandonou o direito e, por conseguinte, não garante o mínimo de segurança cognitiva do comportamento pessoal e o manifesta por meio de sua conduta. 32 Inimigos, portanto, são aqueles sujeitos que se afastam permanentemente da norma não oferecendo quaisquer garantias cognitivas de que permanecerão fiéis à norma. Tais indivíduos dotados dessa periculosidade seriam os criminosos econômicos, terroristas, autores de delitos sexuais, delinquentes organizados e tantos outros perpetradores de infrações penais perigosas. No entendimento de Jakobs, a pena privativa de liberdade tem que conter um efeito de segurança e não apenas mera reação habitual frente a fatos de certa gravidade. A pena não deve se dirigir contra a pessoa em Direito, mas contra o indivíduo perigoso, convertendo-se num autêntico Direito Penal do Autor. Tais indivíduos, por não se amoldarem ao conceito de “pessoa”, pelo fato de não aceitarem ingressar no estado de cidadania, contra eles seria adotado um procedimento de guerra. Para muitos críticos, essa diferenciação “pessoa-inimigo” soa como algo inconcebível, mormente em um Estado de Direito, violando profundamente os direitos humanos. O cidadão, dizem, é antes de tudo portador de uma esfera de direitos que se vê ameaçado com a antecipação de uma etapa, como por exemplo, o adiantamento da punibilidade configurando-se aí um autêntico ordenamento jurídicopenal prospectivo. 3.3 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS As sociedades modernas, com toda a sua gama de complexidades, e numa tentativa de fazer frente a esses novos desafios, têm recorrido a regulamentações jurídicas com características que permitem facilmente sua identificação com o Direito Penal do Inimigo. São elas (MORAES, 2011, p. 196-197): a) antecipação da punibilidade com a tipificação de atos preparatórios, criação de tipos de mera conduta e perigo abstrato; b) desproporcionalidade das penas; c) legislações, como nos explícitos casos europeus, que se autodenominam de „leis de luta ou de combate‟; 33 d) restrição de garantias penais e processuais e e) determinadas regulações penitenciárias ou de execução penal, como o regime disciplinar diferenciado adotado no Brasil. Meliá (opus cit. p.197) aduz que o Direito Penal do Inimigo se caracteriza basicamente por três elementos: a) ordenamento jurídico-penal prospectivo (adiantamento da punibilidade) b) penas desproporcionalmente altas, o que equivale à constatação de que a antecipação da barreira da punição não é considerada para reduzir, de forma correspondente, à pena cominada e c) relativização ou supressão de determinadas garantias processuais. No mesmo passo, Gomes expressa sua leitura da teoria de Jakobs, num quadro bastante didático (opus cit.): a) o inimigo não pode ser punido com pena, sim, com medida de segurança; b) não deve ser punido de acordo com sua culpabilidade, senão consoante sua periculosidade; c) as medidas contra o inimigo não olham prioritariamente o passado (o que ele fez), sim, o futuro (o que ele representa de perigo futuro); d) não é um Direito Penal retrospectivo, sim, prospectivo; e) o inimigo não é um sujeito de direito, sim, objeto de coação; f) o cidadão, mesmo depois de delinquir, continua com o status de pessoa; já o inimigo perde esse status (importante só sua periculosidade); g) o Direito Penal do cidadão mantém a vigência da norma; o Direito Penal do inimigo combate preponderantemente perigos; h) o Direito Penal do inimigo deve adiantar o âmbito de proteção da norma (antecipação da tutela penal), para alcançar os atos preparatórios; i) mesmo que a pena seja intensa (e desproporcional), ainda assim, justifica-se a antecipação ocasional; espera-se que ele exteriorize um fato para que incida a reação (que vem confirmar a vigência da norma); em relação ao inimigo (terrorista, por exemplo), deve ser interceptado prontamente, no estágio prévio, em razão de sua periculosidade. 34 Fato é que a leitura dessas bandeiras nos permite identificar vários modelos e institutos que são adotados pelo ordenamento jurídico brasileiro e amplamente questionados por doutrinadores, defensores de um exclusivo modelo de inspiração iluminista. Diante da insuperável necessidade de enfrentamento das novas demandas penais e da criminalidade organizada, seria possível um retorno ao modelo exclusivamente clássico? Seria o caso de se perscrutar se algumas dessas características já não foram incorporadas aos ordenamentos jurídicos desde algum tempo sem que fossem questionados, sem que fossem considerados antiliberais ou ilegítimos? É certo, contudo, que, diante dos parâmetros clássicos, termos como adiantamento da punibilidade, combate com penas mais gravosas e limitação das garantias processuais, o Estado não fala com cidadãos. O Estado, antecipando sua ingerência penal, busca ampliar a intervenção punitiva. 3.4 UM DUPLO SISTEMA DE IMPUTAÇÃO Jakobs, ao trazer no âmbito da sua teoria a figura do inimigo como um tipo diferenciado de autor de fatos puníveis, traz também como consequência a introdução de um duplo sistema penal e processual penal. De fato, temos na proposição de Jakobs: a) de um lado, a constituição do sistema penal de autores definidos como cidadãos, fundado na culpabilidade do fato passado e, de outra banda, para os autores definidos como inimigos, a fundamentação pelo perigo de fato, culminando na medida de segurança, típico de um Direito Penal preventivo; b) a cisão do sistema processual penal, com a imputação constituída no princípio acusatório, para o cidadão, assegurando-lhe todas as garantias constitucionais do devido processo legal (presunção de inocência, ampla defesa, etc); e para o inimigo, a validade do princípio inquisitório, negando-lhe as garantias constitucionais do devido processo legal (presunção de culpa, defesa restrita, etc) com vigilâncias sigilosas, prisões temporárias, investigações ou inquéritos secretos, proibição de contato com advogado, etc. Santos assim define o duplo sistema de imputação: 35 O duplo sistema de imputação de Jakobs suprime seculares garantias constitucionais do Estado Democrático de Direito, como expressamente propõe: o processo contra o inimigo não precisa ter forma de justiça (justizförmig), porque não é regido pelo processo legal devido; ao contrário, o processo contra o inimigo deve ter forma de guerra (kriegsförmig): é preciso destruir o terrorismo, ou, pelo menos, matar o terrorista, ainda que implique a morte de terceiros inocentes, segundo Jakobs. (www.cirino.com.br – acesso em 13/09/2014) E arremata: Na lógica do extermínio do direito penal do inimigo concebido por Jakobs, o cidadão/pessoa cometeria apenas deslizes, porque não seria um delinquente por princípio e, por isso, a aplicação da pena estatal teria o significado de mera contradição fática; em contrapartida, o indivíduo/inimigo praticaria violência para destruir o Estado, porque seria um criminoso por princípio e, por isso, a aplicação da pena estatal não teria o significado de simples contradição fática, mas de guerra oficial para garantir o direito de segurança dos cidadãos. (www.cirino.com.br – acesso em 13/09/2014) Ao separar os seres humanos em cidadãos e inimigos, estabelecida em uma juridicidade penal diferenciada, focada na dependência de condições e de limites específicos, Jakobs anula a cláusula garantista e constitucional de igualdade perante a lei, contradizendo o princípio democrático que inspirou as revoluções burguesas. Quando confrontado com os princípios que regem o Estado Democrático de Direito, a proposição de Jakobs se revela, de plano, incompatível, pois promove um modelo autoritário de controle social nos remetendo de imediato à política do nacional socialismo que assomou na Alemanha nas décadas de 30 e 40. Boa parte do continente europeu foi dividido entre arianos (cidadãos) e judeus e comunistas (inimigos) com uma eficiência assombrosa. E por toda a teoria penalista finalista de Jakobs perpassa a sensação de certa nostalgia política quem sabe, talvez, reprimida. 3.5 CRÍTICAS AO DIREITO PENAL DO INIMIGO A experiência demonstra que no âmbito da teoria de controle social, efeitos políticos perversos se operam sobrevindos de propostas científicas pueris. Programas repressivos primários de controle da criminalidade são, em última análise, 36 consequência da violência autoritária das elites de poder político e, sobretudo, econômico das sociedades modernas. Santos aduz que: Na atualidade, essa ingênua ciência do controle social oscila entre o discurso da tolerância zero, que significa intolerância absoluta, e o discurso do direito penal do inimigo, que significa extermínio de seres humanos, ambos propostos como controle antecipado de hipotéticos crimes futuros: a teoria simplista da relação desordem urbana/criminalidade de rua do discurso de tolerância zero explica a criminalização da pobreza (desocupados, pedintes, sem-teto), de infrações de bagatela (grafiteiros, usuários de droga, pequenos furtos), de bêbados, etc.; a teoria simplista dos defeitos da personalidade do discurso do direito penal do inimigo propõe a neutralização/extermínio de futuros autores de crimes econômicos, sexual, de tráfico de drogas e de outras formas da chamada criminalidade organizada (www.cirino.com.br – acesso em 13/09/2014). Luiz Flávio Gomes, amparado nas premissas de Zaffaroni, um dos mais ferrenhos críticos da teoria de Jakobs, que via a sociedade aterrorizada e a propagação do medo capital para o exercício desse tipo de poder punitivo, lista de forma didática sua censura à tese do Direito Penal do Inimigo (MORAES, 2011, p. 249-251): a) o que Jakobs denomina de Direito Penal do inimigo é nada mais que um exemplo de Direito Penal do autor, que pune o sujeito pelo que ele „é‟ e faz oposição ao Direito Penal do fato, que pune o agente pelo que ele „fez‟. A máxima expressão do Direito Penal do autor deu-se durante o nazismo, desse modo, o Direito Penal do inimigo relembra esse trágico período; é uma „demonização‟ de alguns grupos de delinquentes; b) se Direito Penal (verdadeiro) só pode ser vinculado com a Constituição Democrática de cada Estado, urge concluir que „Direito Penal do cidadão é um pleonasmo, enquanto Direito Penal do inimigo é uma contradição‟. O Direito Penal do inimigo é um „não Direito‟, que lamentavelmente está presente em muitas legislações penais; c) não se reprovaria (segundo o Direito Penal do inimigo) a culpabilidade do agente, sim, sua periculosidade. Com isso pena e medida de segurança deixam de ser realidades distintas (essa postulação conflita diametralmente com nossas leis vigentes, que só destinam a medida de segurança para 37 agentes inimputáveis loucos ou semi-inimputáveis que necessitam de especial tratamento curativo); d) é um Direito Penal prospectivo, em lugar do retrospectivo Direito Penal da culpabilidade (historicamente encontra ressonância no positivismo criminológico de Lombroso, Ferri e Garófalo, que propugnavam – inclusive – pelo fim das penas e imposição massiva das medidas de segurança); e) o Direito Penal do inimigo não repele a idéia de que as penas sejam desproporcionais, ao contrário, como se pune a periculosidade, não entra em jogo a questão da proporcionalidade (em relação aos danos causados); f) não se segue o processo democrático (devido processo legal), sim, um verdadeiro procedimento de guerra; mas essa lógica „de guerra‟ (de intolerância, de „vale-tudo‟ contra o inimigo) não se coaduna com o Estado de Direito; g) perdem lugar as garantias penais e processuais h) o Direito Penal do inimigo constitui, desse modo, um direito de terceira velocidade, que se caracteriza pela imposição da pena de prisão sem as garantias penais e processuais i) é fruto, ademais, do Direito Penal simbólico somado ao Direito Penal punitivista. A expansão do Direito Penal é o fenômeno mais evidente no âmbito punitivo dos últimos anos. Esse Direito Penal do „legislador‟ é abertamente punitivista (antecipação exagerada da tutela penal, bens jurídicos indeterminados, desproporcionalidade das penas etc) e muitas vezes puramente simbólico (é promulgado somente para aplacar a ira da população); a soma dos dois está gerando como „produto‟ o tal de Direito Penal do inimigo. Diante de todo o exposto, é inegável que a teoria concebida pelo ilustre jurista alemão termina por exercer um aparente fascínio sobre corações e mentes, mormente no atual cenário apresentado pela sociedade contemporânea, presa de uma profunda crise de valores. 38 O homem médio acaba por se convencer de que um tratamento diferenciado dos indivíduos seria a chave para a solução da violência, de que a separação dos bons e dos maus tornaria a convivência em sociedade mais suportável ou mais harmônica, numa clara alusão paródica a conceitos bíblicos em que há uma evidente separação entre santos e pecadores, entre justos e ímpios, onde estes seriam lançados num mar de fogo e enxofre eternos para a expiação de seus erros para que aqueles pudessem desfrutar as benesses do paraíso. E assim, vai-se construindo uma cultura da violência, reprimindo com uma ferocidade tremenda os ditos inimigos, estimulados por uma mídia, as mais das vezes, sensacionalista – que fomenta a idéia da desigualdade formal perante a lei entre justos e ímpios. Será este o modus operandi da tão propalada justiça divina, cujo fim se alcança com a rígida segregação dos pecadores em detrimento do bem estar dos santos? Foi com o advento do Estado de Bem Estar Social que se operou a transformação da visão procedimentalista do Direito em visão absolutamente substancialista, o que ensejou o reconhecimento de várias e diferentes novas demandas. E a legitimação do Direito para novos conflitos se devem a essas novas demandas o que levou inevitavelmente à flexibilização dos conceitos jurídicos e, como consequência, à criação de uma inevitável instabilidade interna do sistema jurídico e insegurança aos destinatários das normas (opus cit. p. 310). Portanto, resta evidente que é salutar pensar numa teoria que venha ao encontro dessas transformações, mas que de modo algum venha a ferir direitos e garantias próprias ao Estado Democrático de Direito. É, no mínimo, questionável acatar uma teoria a qual escolhe pessoas para trata-las de forma diferente. É um atentado à noção de lógica humana e, como dito, vai de encontro aos princípios esposados pelo Estado de Direito, que é o tratamento igualitário das pessoas. O próprio Jakobs reconhece que a Democracia deve conservar seus fundamentos, pois ela vive de requisitos concretos. Em sua concepção, o ajuste dos indivíduos à 39 normatividade seria um desses requisitos e a ausência desse ajuste despontaria numa ameaça à própria Democracia. Ao mesmo tempo, ele questiona como vai reagir o Estado Democrático ameaçado frente a indivíduos que, por seu comportamento regular e permanente, não assumirem e nem respeitarem nenhuma regra fundamental do Direito. E se sem uma política criminal que ao menos se assemelhe ao “Direito Penal do Inimigo”, há a mínima possibilidade de enfrentamento da criminalidade moderna (opus cit. p. 309-310). Em face do exposto, resta evidente que conjecturar a adoção de um Direito Penal nos moldes imaginado por Jakobs, ou próximo disso, seria possível somente nos limites de um Estado mínimo. 4 O DIREITO PENAL DO INIMIGO E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA A história nos mostra que exemplos de um Direito Penal com características que remetem à teoria de Jakobs, um Direito Penal excepcional, existem desde o século XIX, desde as origens da Codificação penal, quando em determinados momentos teve-se que recorrer a leis penais extravagantes que iam de encontro ao espírito liberal e constitucional, fontes inspiradoras dos primeiros códigos penais. Conde vem ressaltar que (...) este tipo de Direito Penal excepcional, contrário aos princípios liberai do Estado de Direito e inclusive aos direitos fundamentais reconhecidos nas constituições e declarações internacionais de direitos humanos, começa a dar-se também nos Estados democráticos de Direito, que acolhem em suas constituições e textos jurídicos fundamentais princípios básicos de Direito Penal material do Estado de Direito, como o de legalidade, proporcionalidade, culpabilidade e, sobretudo os de caráter processual penal, como o de presunção de inocência, devido processo e outras garantias do imputado em um processo penal. (MORAES, 2011, p. 234). 40 Conde ainda pontua que algumas mudanças introduzidas no código penal espanhol em 2003, refletem claramente características próprias de um Direito Penal do inimigo. E nos reporta: Como exemplo de penas desproporcionadas, junto as que desde muito tempo podem aplicar-se em caso de tráfico de drogas e terrorismo (cf., por exemplo, respeito ao tráfico de drogas, arts. 368, 369, 370; e respeito ao terrorismo, arts. 571 e ss), teremos agora a nova regulação dos delitos contra os direitos dos cidadãos estrangeiros, que no art. 318 bis permite impor penas que podem chegar aos 15 anos de prisão, em caso de tráfico ilegal ou imigração clandestina, quando o propósito for a exploração sexual de pessoas, se realize com ânimo de lucro, e o culpado pertença a uma organização ou associação, inclusive de caráter transitório, que se dedique a realização de tais atividades; ou até 17 anos e seis meses de prisão quando se trate de chefes, administradores ou encarregados de ditas organizações ou associações. Um regime de dureza extrema, nunca havida antes, se prescindirmos agora da pena de morte, com a pena da prisão na Espanha, representa o novo regime de prolongação de dita pena até quarenta anos, sem possibilidade de redução e concessão da liberdade condicional, tal como estabelecem agora os arts. 78 e 90, depois da reforma de 30 de junho de 2003, que entrou em vigor no mesmo dia de sua publicação, para os delitos de terrorismo. Como exemplo de antecipação da intervenção do Direito Penal a supostos afastados, inclusive da posta em perigo do bem jurídico, temos os preceitos relativos à apologia do genocídio (art. 607, 2) e a indireta do terrorismo, através de seu enaltecimento ou justificação (art. 578), ou a penalização da convocatória de referendums ilegais (art. 506 bis), e da concessão de ajudas ou subvenções a partidos políticos dissolvidos ou suspensos por resolução judicial (art. 576 bis), introduzida de forma sub-reptícia na Lei Orgânica 20/2003, de 23 de dezembro de 2003, aproveitando uma Lei de acompanhamento à Lei de Orçamentos (opus cit., p. 235). Nessa esteira, vamos encontrar nos Estados Unidos fartos exemplo de políticas criminais voltadas e/ou pautadas na busca da eficiência preventiva, que afinal é a finalidade primária almejada na atualidade. Exemplos dessa política criminal ianque são os programas “Tolerância Zero”, “Movimento Lei e Ordem” e “Janelas Quebradas”. Em relação a este último, em 1982, o cientista político James Q. Wilson e o psicólogo forense George Kelling sustentavam que, se uma janela de uma fábrica ou 41 de um escritório fosse quebrada e não fosse imediatamente consertada, as pessoas que por ali passassem concluiriam que ninguém se importava com isso e que, naquela localidade, não havia autoridade responsável pela manutenção da ordem. Em pouco tempo, algumas pessoas começariam a atirar pedras para quebrar as demais janelas ainda intactas. Logo, todas as janelas estariam quebradas. Daí, as pessoas que por ali passassem concluiriam que ninguém seria responsável por aquele prédio, tampouco pela rua em que se localizava o prédio. Iniciava-se, assim, a decadência da própria rua e daquela comunidade. A esta altura, apenas os desocupados, imprudentes, ou pessoas com tendências criminosas, sentir-se-iam à vontade para ter algum negócio ou mesmo morar na rua cuja decadência já era evidente. O passo seguinte seria o abandono daquela localidade pelas pessoas de bem, deixando o bairro à mercê dos desordeiros. Pequenas desordens levariam a grandes desordens, e mais tarde, ao crime (MORAES, 2011, p. 211-212). Com teorias desse naipe, Tolerância Zero e Janelas Quebradas, buscava-se demonstrar a relação de causalidade entre a não repressão de pequenos delitos e contravenções e a criminalidade violenta: a desordem leva à criminalidade e, inevitavelmente, a tolerância com pequenos delitos e contravenções leva à criminalidade violenta. Essas políticas criminais sofreram severas críticas por se vislumbrar um viés pautado na exclusão dos marginalizados socialmente e dos mais pobres, além de se tratar, evidentemente, de pura e simples seleção e limpeza social. Há quem entenda que a realidade brasileira fora influenciada por tais políticas, notadamente, pelo movimento Lei e Ordem. A edição da Lei de Crimes Hediondos, Lei nº 8.072/90, é símbolo deste tipo de política criminal. É simbólica justamente por ter sido derivado de um projeto de iniciativa popular, cujo pontapé inicial foi dado pela escritora Gloria Perez, quando do selvagem assassinato de sua filha, a atriz Daniela Perez. 42 Dotti, criticando os defensores desse pensamento maniqueísta, que teimam em dividir a sociedade em bons e maus, dispara: A violência destes somente poderia ser controlada através de leis mais severas, impondo longas penas de prisão, quando não a morte. Estas duas seriam as únicas reações adequadas para enfrentar a criminalidade crescente e intimidar as tendências criminógenas. As principais características desse movimento, segundo João Marcello, são as seguintes: a) a pena se justifica como castigo e retribuição, no velho sentido, não devendo a expressão ser confundida com o que hoje se designa por retribuição jurídica; b) os chamados crimes atrozes devem ser castigados com penas severas e duradouras (morte e longa privação de liberdade); c) a pena de prisão para os crimes violentos devem ser cumpridas em estabelecimento penal de segurança máxima, submetendo-se o condenado a um excepcional regime de severidade, diverso do que é deferido aos demais condenados; d) a prisão provisória deve ter as suas hipóteses de cabimento ampliadas a fim de se dar resposta imediata ao delito; e) restrição aos poderes judiciais de individualização da pena e menor controle jurisdicional na execução que deverá ser administrada, quase exclusivamente, pelas autoridades penitenciárias (opus cit., p. 213). Moraes, com arrimo em Dotti, enumera, a título de exemplo, propostas que criminalizam fatos antes considerados irrelevantes, ou que eram sancionados com penas menos graves. Tais leis vieram no esteio do movimento Lei e Ordem dos anos 90: Lei 8.072, de 25.07.1990 (crimes hediondos); Lei 8.078, de 11.09.1990 (Código de Defesa do Consumidor); Lei 8.137, de 27.12.1990 (crimes contra a ordem tributária, a ordem econômica e as relações de consumo); Lei 8.176, de 08.02.1991 (crimes contra a ordem econômica): Lei 8.212, de 24.07.1991 (crimes contra a seguridade social); Lei 8.666, de 21.06.1993 (crimes relativos às licitações); Lei 9.029, de 13.04.1995 (práticas discriminatórias nas relações de trabalho); Lei 9.034, de 03.05.1995 (organizações criminosas); Lei 9.100, de 29.09.1995 (crimes eleitorais); Lei 9.263, de 12.01.1996 (esterilizações cirúrgicas); Lei 9.296, de 24.07.1996 (interceptação de comunicação telefônica); Lei 9.426, de 24.12.1996 (novas hipóteses de receptação e adulteração de sinal identificador de veículo automotor); Lei 9.434, de 04.02.1997 (remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano); Lei 9.437, de 20.02.1997 (porte de arma); Lei 9.455, de 07.04.1997 (tortura); Lei 9.472, de 16.07.1997 (serviço de telecomunicação); Lei 9.503, de 23.09.1997 (Código de Trânsito Brasileiro); Lei 9.504, de 30.09.1997 (crimes 43 eleitorais); Lei 9.605, de 12.02.1998 (crimes contra o meio ambiente); Lei 9.609, de 19.02.1998 (programa de computador); Lei 9.613, de 03.03.1998 (lavagem de dinheiro); Lei 9.677, de 02.07.1998 (crimes contra a saúde pública); Lei 9.983, de 14.07.2000 (crimes previdenciários) (MORAES, 2011, p. 214). Em que incidam os prejuízos à racionalidade do debate que os rótulos possa conferir e descontados os exageros oriundos de engajamentos ideológicos é de se reconhecer que o enfrentamento dessa nova criminalidade e dos crimes dos poderosos, corrobora-se, à primeira vista, por sinais peculiares de um Direito Penal do inimigo. 4.1 ALGUMAS APLICAÇÕES PRÁTICAS Com a constatação óbvia de que a teoria esposada por Jakobs não encontra amparo nos princípios que regem os Estados democráticos de Direito e, mais especificamente, tampouco encontra guarida na Constituição republicana do Brasil, mesmo assim encontramos na legislação esparsa normas que remetem a esse direito excepcional. Normas que objetivam puir o sujeito não pelo ato ilícito cometido, e sim, a punição do autor com base no grau de sua periculosidade, subvertendo a regra do ordenamento jurídico brasileiro. O professor Luiz Flávio Gomes assevera que (...) ninguém contesta que o estado deve intervir para evitar danos para o patrimônio e vidas das pessoas, contudo, dentro de um estado democrático de direito, até mesmo o direito deve ter limites (www.lfg.com.br – acesso em 25/09/2014). A Lei nº 10.792/2003, alterando a Lei de Execuções Penais, trazendo o Regime Disciplinar Diferenciado, assim reza em seu artigo 52, in verbis: Art. 52 – A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso 44 provisório, ou condenado, sem prejuízo de sanção penal, ao Regime Disciplinar Diferenciado, com as seguintes características: § 1º - O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar os presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem altos riscos para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. § 2º - Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilhas ou bandos. O dispositivo legal dispara um comando para que suspeitos de envolvimento e também com participação em organizações criminosas, quadrilhas ou bandos sejam responsabilizados penalmente, alcançando também presos provisórios. Outro exemplo, ainda mais contundente, de lei editada com parâmetros e conteúdos punitivista e elitistas, punindo o autor pelo que ele é, e não pelo fato por ele cometido, foi a Lei nº 11.343/2006, a Lei Antidrogas. Estabelece o seu artigo 33 in verbis: Art. 33 – Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou complementar. (...) O artigo descreve 18 condutas, verbos nucleares que caracterizam o sujeito do delito e não o tipo penal. São condutas distintas que visivelmente ofendem bens jurídicos diversos. 45 Na norma positivada em comento, tanto o traficante como o mero usuário são tratados igualmente, ferindo assim princípios norteadores do Estado de Direito, como o da proporcionalidade e o da razoabilidade. No parágrafo quarto do artigo 33, há uma delimitação de causas de diminuição de penas, variando de 1/6 até 2/3 da pena, se o denunciado for primário e não pertencer à organizações criminosas. Como vem crescendo o movimento punitivista, com maior ênfase na justiça de primeira instância, a real efetivação do comando normativo de diminuição de pena tem sido de pouca ocorrência, uma vez que sua aplicação prática compete ao livre arbítrio do julgador, o que muitas vezes acaba gerando uma punição exacerbada e a extinção do direito do denunciado à diminuição de pena (BOITEAUX, 2009). A Dra. Luciana Boiteaux, entre março de 2007 e julho de 2009, foi coordenadora de uma pesquisa intitulada “Tráfico e Constituição: um estudo sobre a atuação da justiça criminal do Rio de Janeiro e de Brasília no crime de tráfico de drogas” onde obteve dados sobre sentenças e prisões onde se percebe a aplicação da política do Direito Penal do inimigo para indivíduos envolvidos no tráfico de entorpecentes (BOITEAUX, 2009, p. 18-19): Dados colhidos no foro central estadual do Rio de Janeiro mostram que foi detectada a ausência de justificativa por parte do magistrado para denegar a redução de pena em 36,2% dos casos no Rio de Janeiro e em 39,7% dos processos da capital federal. Mas o que mais chama a atenção é a quantidade de processos nos quais o juiz presume que o réu se dedique a atividades criminosas ou integre organizações criminosas, com base em meras suspeitas, ou seja, presume a sua culpabilidade para o fim de negar a redução de penas. No Rio de Janeiro tal situação ocorreu em quase 40% dos casos, enquanto que no Distrito Federal se deu apenas em 6,3% dos processos, ou seja, houve uma diferença significativa entre as cidades. Diante desses dados, tudo indica que um número significativo de pessoas não tiveram sua pena reduzida, pelo fato de alguns juízes terem rejeitado a aplicação da forma privilegiada do parágrafo 4º do artigo 33, o que se considera incompatível com a Constituição, pois o 46 juiz está presumindo a culpabilidade dos réus com base em meras conjecturas. E ainda demonstra (opus cit., p. 20): o perfil dos condenados por tráfico de drogas: 66,4% são primários, 91,9% presos em flagrante, e 60,8% sozinhos, sendo que 65,4% respondem somente por tráfico (art. 33 sem associação ou quadrilha), e 15,8% e concurso com associação. Destes, 14,1% foram condenados em concurso com posse de arma, sendo 83,9% do sexo masculino, e 71,1% dos casos presos com cocaína. Destes, 36,9% receberam pena acima de 5 anos. Em Brasília-DF, o número de réus primários condenados é menor, ficando com 38%, sendo ainda um pouco inferior o percentual de presos em flagrante (83,5%), mantendo-se a prevalência de presos sozinhos em 60,5%. Na capital federal, 72,2% respondem somente por tráfico (sem associação ou quadrilha), e apenas 10,8% em concurso com associação. O percentual de condenados por tráfico de drogas em concurso com posse de armas é bastante inferior ao Rio de Janeiro (0,6%). Com relação ao sexo do acusado, 73,1% são do sexo masculino, sendo a maconha a droga mais encontrada (46,9% dos casos). No DF, 68,7% das sentenças se referem a quantidades de maconha inferiores a 100g, e em 50% dos casos, a quantidade de cocaína encontrada foi de até 106g. E conclui: “nesse sentido, a seletividade do sistema penal foi confirmada”. Dados reais apenas reforçam a suspeita de como tem atuado a justiça, em passo harmônico com a tendência do legislador, que, ao som estridente da mídia sensacionalista, promove uma falsa sensação de paz social, numa corte perigosa com o Direito Penal do inimigo. E apenas pra rememorar, antes da alteração legislativa da Lei de Crimes Hediondos, Lei nº 8.072/90, havia a inconstitucional delimitação com relação a proibição de liberdade provisória para agentes que praticassem crimes que fossem assim considerados, num flagrante atentado ao princípio da presunção de inocência. 47 4.2 O CRIME DE TERRORISMO NO BRASIL: TIPIFICAÇÃO Em junho de 2012, através do requerimento nº 756/2011, foi instituída a Comissão Geral de Juristas com a responsabilidade de elaborar o Anteprojeto de Reforma do Código Penal, cujo texto final foi encaminhado ao presidente do Senado Federal, José Sarney, como Projeto de Lei do Senado nº 236 de 2012. O Anteprojeto foi alvo de severas críticas, como o fato de a sociedade civil, bem como a comunidade de juristas, não ter participado das discussões, em nível amplo e profundo, acerca dos temas tratados ali, afora o fato de se ter pedido urgência na tramitação do projeto. Entre as críticas apontadas ao Anteprojeto, figuram: impropriedades e erros contidos na utilização de termos e conceitos jurídicos; a lógica de máxima punição adotada; o fato de o Anteprojeto se parecer mais como uma mera compilação da legislação extravagante e a clara ausência de informações amparadas no princípio básico de que o Direito Penal serve para limitar e proteger o cidadão (HILLANI; SILVA, 2013, p.162). Diversos institutos ligados à ciência criminal, como o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM; o Instituto Manoel Pedro Pimentel – USP e o Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais – ITEC, manifestaram seu desagrado com o Projeto de Reforma do Código Penal pedindo o seu imediato sobrestamento e que fosse devidamente submetido ao crivo da sociedade brasileira. Dentre as inovações trazidas pelo Projeto, está a tipificação do crime de terrorismo e a revogação da Lei de Segurança Nacional. 48 Esse tema nos joga imediatamente no período mais duro dos Anos de Chumbo, mais especificamente à edição do Ato Institucional nº 5, o AI-5, em dezembro de 1968, momento em que o Brasil se tornou de fato uma ditadura fechada e que durou onze anos, período em que a repressão e a perseguição a quem não se adequava às normas do Regime mais se intensificaram. Por essa época, sob a alegação de que se vivia uma guerra revolucionária, qualquer pessoa, sob qualquer pretexto, poderia ser presa e jogada nos porões do Estado sem qualquer formalismo jurídico ou a mínima preocupação de prestar contas à opinião pública. É no latim que vamos encontrar a origem etimológica para a expressão “terrorismo”. Vem de terrere (tremer) e deterrere (amedrontar), remontando ao reinado de terror de Robespierre, na Revolução Francesa, entre 1793 e 1794. A utilização do termo chegou aos nossos dias com uma nova formatação, um novo sentido de orientação e significado. A Carta Política de 1988 prevê o crime de terrorismo equiparando-o aos crimes hediondos. Reza o seu artigo 5º, inciso XLIII, in verbis: Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos da lei: (...) XLIII – A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; (grifo meu). 49 Muito embora haja tal previsão constitucional, a matéria ainda não recebeu o devido tratamento na legislação infraconstitucional, apenas de forma geral, aliás, de forma bem superficial, quando é mencionado na Lei nº 7.170/83, a Lei de Segurança Nacional. O artigo 20 da citada lei informa: Art. 20 – Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentados pessoais ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas. Pena: reclusão de 3 a 10 anos. Parágrafo Único – Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo. (grifo meu) A norma em comento apenas pune atos classificados como de terrorismo, sem, no entanto, defini-los, o que conflita com a formatação do atual Estado de Direito. No atual Projeto de Reforma do Código Penal, cumprindo orientação constitucional, o terrorismo é classificado como crime hediondo: Art. 56 – São considerados hediondos os seguintes crimes, consumados ou tentados: XI – terrorismo; E no Capítulo I, do Título VIII, mais adiante, vem a descrição do tipo penal. E assim ele define o crime: Art. 239. Causar terror na população mediante as condutas descritas nos parágrafos deste artigo, quando: I – tiverem por fim forçar autoridades públicas, nacionais ou estrangeiras, ou pessoas que ajam em nome delas, a fazer o que a lei não exige ou deixar de fazer o que a lei não proíbe; II – tiverem por fim obter recursos para a manutenção de organizações políticas ou grupos armados, civis ou militares, que atuem contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; ou 50 III – forem motivadas por preconceito de raça, cor, etnia, religião, nacionalidade, sexo, identidade ou orientação sexual, ou por razões políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas. § 1º Sequestrar ou manter alguém em cárcere privado; § 2º Usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa; § 3º Incendiar, depredar, saquear, explodir ou invadir qualquer bem público ou privado; § 4º Interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática e bancos de dados; ou § 5º Sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com grave ameaça ou violência a pessoas, do controle, total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meios de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia e instalações militares: Pena – prisão, de oito a quinze anos, além das sanções correspondentes à ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas. Forma qualificada §6º Se a conduta é praticada pela utilização de arma de destruição em massa ou outro meio capaz de causar grandes danos: Pena – prisão, de doze a vinte anos, além das penas correspondentes à ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas. Exclusão de crime § 7º Não constitui crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade. Mais adiante, o artigo 242 traz: Art. 242 – As penas previstas para os crimes deste Capítulo serão aumentadas até a metade se as condutas forem praticadas durante ou por ocasião de grandes eventos esportivos, culturais, educacionais, religiosos, de lazer ou políticos, nacionais ou internacionais. 51 Em parte se pode explicar o regime de urgência exigido para a tramitação do projeto de lei, à época, em vista dos megaeventos que estavam para aportar no País: a Copa das Confederações e a Copa do Mundo de 2014 e, mais adiante, as Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016 e outros eventos de igual porte. Mesmo com a tipificação, portanto, a definição do que seja o terrorismo continua a carecer de clareza. Diante desse critério incerto de „causar terror na população‟ se procede a uma repressão e punitividade ainda maiores. Seguindo o modelo estadunidense, aqui também se cria um novo inimigo da ordem jurídica reconhecido sob o título de terrorista. (HILLANI e SILVA, 2013, p. 166). Algo de que não se deve olvidar, e a história o comprova, é que tipificações de crimes como “terrorismo” em geral servem apenas para reprimir populações ou certos setores da população, como ocorreu durante a ditadura militar no Brasil e em outras nações do Cone Sul e, mais recentemente, tem sido usado como justificativa para fundamentar atos de intolerância religiosa e xenofobia. 52 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Segundo se verifica em todo o mundo, resta inevitável a adoção dessa terceira onda do Direito Penal, por conta da demanda de tempo na adoção de alternativas de controle social e pelo fato de a criminalidade transnacional e organizada não poder ser enfrentada, neste momento, com a dogmática clássica. Sobretudo em países subdesenvolvidos, a teoria de Günther Jakobs vai enfrentar um sério problema, como, por exemplo, a definição de quem é o “inimigo” e como eliminar um indivíduo do conceito jurídico de “pessoa”, quando, por exemplo, o próprio Estado fugiu à sua responsabilidade de socialização, dificultando quaisquer garantias cognitivas iniciais. O combate à criminalidade passa, necessariamente, por um melhor investimento do Estado nas áreas de Educação, Saúde, Segurança Pública, Moradia, acesso à Justiça, justa distribuição de renda etc. De nada vai adiantar editar leis mais duras, draconianas, excepcionais, se essas políticas sociais, base estrutural e definidora de qualquer sociedade que se pretenda democrática, não forem efetivadas de forma eficaz. Será como enxugar gelo. Acresça-se a isso a problemática de ordem moral. O Brasil, de par com as transformações que sacodem o mundo contemporâneo, vive hoje uma crise de valores sem precedentes. E a problemática moral vem de há muito tempo, desde a época da colonização, fruto de uma elite moralmente degenerada. O pensamento sistêmico desenvolvido por Luhmann, aliado à perspectiva funcionalista a qual deixa evidente que o Direito Penal tem que ser entendido com base na teoria da pena, e aliado à doutrina que prega que, independentemente do modelo de Estado ou sistema político-social, o Direito Penal é a única ferramenta capaz de garantir a eficácia e a funcionalidade do edifício social e seus subsistemas, talvez nos aponte um caminho para entender a complexidade social atual e nos inspire a conceber metodologias para encarar com mais segurança os desafios que ora se apresentam. 53 O Direito Penal do Inimigo é um claro retrocesso na filosofia da dogmática penalista. É jogar por terra séculos de evolução e discussão filosófica humanista. Esse Direito Penal que conhecemos, engendrado, pensado e formatado por mentes de ideais iluministas, pode e tem condições, sim, de albergar os novos bens jurídicos que surgem e se adequar aos novos movimentos da sociedade moderna. E o Direito que se pretende ferramenta eficaz de controle social, deve estar num continuum processo de metamorfoseamento, mas sem perder suas características pluralistas e sem olvidar dos princípios informadores que o tornam humanista. Caminhos existem para que não se caia na armadilha acima discutida e que podem vir a lume para a propositura de uma discussão racional. Tais são: i) por conta da falta de políticas públicas estatais, e com a finalidade de demonstrar as falhas em outros campos de controle social, esquematizar nitidamente quais são os limites operativos do Direito Penal; ii) estabelecer a codificação da legislação e a periodicidade dos Códigos, com bom senso, racionalismo, análise sistemática e estratégia; iii) a adoção de uma política criminal com enfoque multidisciplinar, ponderando-se a realidade brasileira, com esboço dos efeitos para subsequentes correções; iv) demarcar de forma clara os diversos padrões de política criminal, explicitando os tratamentos que devem ser dados às distintas velocidades do Direito Penal. E finalmente, buscando uma correlação com a física quântica, não se deve esquecer a essência fundamental do Direito, daquilo que o define, pois O direito, tal como a luz e as partículas subatômicas, possui uma natureza dual: é ao mesmo tempo, instrumento de dominação e de resistência; de manutenção do status quo e de inclusão social; de segurança jurídica e de justiça distributiva (VIANNA, 2008, p. 119). Pensar de modo contrário, retrocedendo em legislações extravagantes, é abrir mão da Democracia duramente conquistada e celebrar a volta de um Estado Autoritário 54 de Direito, coisa que o Brasil viveu desde a Proclamação da República até o advento da Carta Cidadã de 1988. 55 REFERÊNCIA AUTO, Natasha Assumpção; FILHO, Wilson Kinjo. Direito penal do inimigo no Brasil e sua compatibilidade com a constituição federal, 2013. Disponível em: https://www.jus.com.br/artigos. Acesso em 20/08/2014. BOITEAUX, Luciana. 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