Reflexões Sobre o Desempenho Inovador das Empresas
Graduadas
Tema: Perfil e comportamento das empresas inovadoras.
Categoria: artigo científico
Anne Marie Maculan
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
E-mail: [email protected]
Valéria Quiroga Vinhas
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
E-mail: [email protected]
Regina Fátima Figueiredo de Faria
Incubadora de Empresas da COPPE/UFRJ
E-mail: [email protected]
Mauricio Guedes
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
E-mail: [email protected]
Resumo
O presente artigo baseia-se numa pesquisa sobre Empresas Graduadas. Ele procura
caracterizar o comportamento inovador e as formas de organização interna das empresas
graduadas. A pesquisa foi realizada mediante aplicação pessoal de questionário junto a 103
empresas graduadas. Procurou-se evidenciar: 1) o perfil original destes empreendimentos,
identificando o perfil dos empreendedores, 2) os elementos que condicionam o desempenho
inovador (taxa de oferta de novos produtos e serviços, volume dos investimentos em P&D,
acúmulo de conhecimentos decorrente das interações com outros atores econômicos ou
institucionais, forma de captação e tratamento das informações, gerenciamento dos recursos
humanos, capacidade de aproveitamento das modalidades de apóio governamental à
inovação). Esses elementos permitem entender como o desempenho inovador é função de
dinâmica organizacional, de capacitação gerencial e de um contexto institucional favorável.
Os resultados permitem afirmar que as empresas graduadas valorizam formas de
organização e modo de relacionamento com outros atores que não são comuns para a
maioria das pequenas empresas nem para alguns grandes grupos empresariais. Elas se
destacam por um comportamento pró-ativo em relação ao conhecimento e ao
desenvolvimento de novos produtos e serviços e pelo esforço organizacional interno. Essas
empresas, por serem oriundas de um empreendedorismo de base tecnológica, aparecem
!
como "portadoras" de uma nova cultura empresarial.
Palavras-chave: pequenas empresas inovação
2
!
Reflexões Sobre o Desempenho Inovador das Empresas
Graduadas
O presente artigo apresenta alguns dos resultados da pesquisa sobre "Empresas graduadas
no Brasil 2001", realizada a pedido do IEL Nacional e com apóio do Ministério de Ciência
e Tecnologia1. O número de empresas graduadas2 pelas incubadoras brasileiras até o ano
2001 é da ordem de 311. Por se tratar de um universo pouco conhecido, embora com massa
crítica suficiente para a realização de uma investigação de maior profundidade, realizou-se
um primeiro diagnóstico do perfil, do desempenho competitivo e do modo de organização
destas empresas. A pesquisa foi realizada mediante aplicação de questionário junto a 103
empresas de base tecnológica (EBTs) que passaram pelo processo de incubação e se
graduaram. É na década de 80 que surgiram os primeiros programas de incubação no Brasil
e, desde então, o número de incubadoras vem crescendo a cada ano. De acordo com dados
da ANPROTEC3 há atualmente 150 incubadoras em operação no país4, que abrigam cerca
de 1100 empresas e são responsáveis pela geração de 6100 novos empregos (Anprotec
2001). A população total das EBTs seria em torno de 1600. A expansão rápida do
movimento das incubadoras baseou-se no reconhecimento da capacidade das incubadoras
de minorar os riscos dos empreendimentos, ampliando a possibilidade de sobrevivência das
empresas residentes nos seus primeiros anos de funcionamento e tornando-as capazes de se
adaptarem melhor ao mercado.
Neste trabalho, foram selecionados resultados que permitem caracterizar o comportamento
inovador e as formas de organização interna das EBTs. Tratou-se de averiguar alguns dos
fatores que levam as empresas graduadas a se destacarem frente a outras que não tenham
passado pelo mesmo processo, assim como vislumbrar a existência de fatores favoráveis ao
crescimento. A nossa hipótese inicial é que essas empresas, por terem sido criadas a partir
de um projeto de inovação, dispõem de uma base tecnológica forte e podem se beneficiar
da permanência na incubadora, oferecem um perfil inovador mais marcado, uma
capacidade gerencial mais apurada que não são comuns para a maioria das pequenas
empresas e as vezes nem também para alguns grandes grupos empresariais. Na pesquisa
buscou-se avaliar em que medida as EBTs graduadas se destacam por um comportamento
pró-ativo em relação ao conhecimento e ao desenvolvimento de novos produtos e serviços e
por uma maior capacidade organizacional. As EBTs, por originarem-se de um certo tipo de
empreendedorismo de base tecnológica, podem aparecer como portadoras de uma nova
cultura empresarial.
1
CNI/IEL, UFRJ/COPPE, MCT (2001). Empresas graduadas nas incubadoras brasileiras. Rio de
Janeiro/Brasília.
2
São empresas que saem da incubadora após serem consideradas como suficientemente fortalecidas para se
estabelecer de maneira autônoma no mercado.
3
A Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas,
http:www. Anprotec.org.br
4
55% delas são consideradas como tecnológicas.
3
!
Numa primeira parte, apresentaremos considerações sobre a formação de uma capacidade
inovativa nas pequenas empresas. Na segunda parte caracterizaremos as empresas
analisadas e em seguida analisaremos o seu perfil inovador e finalmente a sua capacidade
organizacional.
1. Aprendizado e Capacitação para Inovar
Na ultima década, a importância das pequenas empresas, em particular daquelas que
apresentam fortes características tecnológicas, foi devidamente reconhecida por vários
autores5 como formando um segmento específico da economia capaz de gerar empregos e
renda. Em 1992, Acs afirmou que era necessário repensar a problemática das pequenas
empresas devido a algumas importantes contribuições que elas trazem para o conjunto da
economia: desenvolvem uma atividade inovadora importante e conseqüentemente
participam ativamente do processo de mudança tecnológica; funcionam como mecanismos
de renovação do tecido industrial; estruturam nichos de mercado e são responsáveis por um
grande número de empregos.
A capacitação tecnológica das pequenas empresas é um tema de particular relevância pois,
segundo a OCDE (1995, 1999) 30 a 60% delas nos setores manufatureiros são consideradas
inovadoras. Nota-se que elas são freqüentemente engajadas em P&D informal (não
necessariamente contabilizado) e em áreas relacionadas com a comercialização de
tecnologias existentes ou criação ou re-engenharia de serviços. Geralmente, elas
desenvolvem inovações incrementais e são responsáveis por grande parte do processo de
adaptação de novos produtos ou serviços mais adaptados às demandas dos consumidores.
Constata-se também a tendência à inserção das pequenas empresas em redes e parcerias
com empresa maiores, com o objetivo de tirar proveito de fluxos de informações que
favorecem o esforço inovador e a capacitação dessas empresas. Esses estudos mostram que
a problemática tem a ver com questões importantes como uma política de
empreendedorismo e de apoio a inovação, capacitação e treinamento em gestão
empresarial, capacidade organizacional e tecnológica, processo de aprendizado, acesso a
conhecimentos, interações e parcerias entre empresas e outras instituições, identificação de
oportunidades tecnológicas e mercadológicas, relação entre criação de empresas e difusão
de novas tecnologias.
Entretanto, sabemos também que as pequenas empresas são vulneráveis, encontram
dificuldade para ter acesso limitado a recursos técnicos, humanos, gerenciais e financeiros.
Bizaguet (1991) procura analisar os diversos fatores de vulnerabilidade que podem levar ao
desaparecimento das pequenas empresas. Ele cita alguns deles: escassez dos fundos
próprios, receitas irregulares, dificuldades de capitalização e de obtenção de empréstimos,
avaliação equivocada do mercado, falta de capacidade de organização ou de comunicação,
escassez de pessoas qualificadas ou com competências adequadas, dificuldade na definição
de objetivos de longo prazo, carga fiscal elevada.
5
A partir de 1995, a OECD realizou uma serie de eventos e publicou diversos estudos sobe o tema.
4
!
Em relação à questão do empreendedorismo, Julien e Marchesnay (1996) consideram que
há três elementos importantes a levar em consideração : 1) a mentalidade empreendedora,
2) o processo de criação da empresa e 3) os indivíduos empreendedores. A mentalidade
empreendedora corresponde à aptidão e à vontade de um indivíduo ou de um grupo de
assumir riscos, reunir o capital para investir em torno da idéia nova, dentro de uma forma
organizacional específica que é a empresa. O empreendedor é uma figura central que deve
ter a capacidade de trazer capital, organizar a empresa inovando.
De fato, nesta pesquisa, as EBTs são resultados de um projeto empreendedor formalizado
de maneira detalhada para os sócios fundadores poderem se candidatar a uma vaga na
incubadora. Um dos argumentos mais utilizados para comprovar a importância das
incubadoras foi demonstrar que justamente as empresas incubadas tinham maior
probabilidade de sobrevivência. A inserção bem sucedida num mercado cada vez mais
competitivo, em muitos casos, se ancora no processo de seleção para entrar na incubadora
com a definição de um plano de negócios. A permanência na incubadora possibilita um
processo de aprendizado organizacional e gerencial decorrente dos mecanismos de apoio à
gestão (assessorias contábil, jurídica, financeira, de comercialização), da troca de
experiências com as outras empresas incubadas, do acesso maior a informações
tecnológicas, de contatos com entidades governamentais ou potenciais investidores de
risco, centros de pesquisa, participação em eventos proporcionadas pela incubadora
(Maculan e Carleial, 1998). Todos estes aspectos evidenciam a importância da incubadora
enquanto um ambiente institucional favorável ao surgimento de empresas de base
tecnológica que contribui para tornar os empreendimentos economicamente viáveis e
capazes de se adaptar as condições do mercado após ter completado o período de
residência.
O aprendizado é um fator essencial para a capacidade de inovação. Esse aprendizado
apresenta uma dupla dinâmica. Parte do aprendizado ocorre internamente na empresa e
corresponde à realização de atividades de P&D e de definição de rotinas e procedimentos.
No caso das empresas graduadas, é necessário verificar em que medida a definição de
rotinas e procedimentos iniciada durante o período de incubação se mantém e se amplia
após a saída da incubadora. Outro parte do aprendizado resulta das interações das empresas
com parceiros externos: empresas fornecedoras ou usuárias dos bens e serviços oferecidos
pelas EBTs, centros de pesquisa, agências governamentais, associações de classe e a
própria incubadora de origem. Essas interações contribuem de maneira decisiva para a
definição das inovações (Lundvall 1992).
Sabemos que a sobrevivência das empresas no mercado marcado pela competição depende
da adoção de diversas técnicas de gestão e organização, estabelecimento de parcerias e
introdução de inovações no mercado. Como notam Tidd et al (1997), a capacidade de
inovação é um fator essencial de competitividade, mas requer o desenvolvimento de um
conjunto de habilidades e conhecimentos a nível tecnológico, organizacional e gerencial.
Para tirar vantagens competitivas das inovações desenvolvidas é essencial saber integrar
capacidades de mudança tecnológica e organizacional a conhecimentos do mercado e
desenvolver uma estrutura interna de gestão que atenda às exigências do processo de
5
!
inovação ao longo de suas diversas fases. Segundo os autores, as empresas devem
desenvolver um conjunto de rotinas que precisam ser pertinentes a cada etapa do processo
tais como detecção de novas oportunidades tecnológicas, alteração nas demandas dos
compradores, mudanças regulatórias ou aparecimento de novos competidores. A gestão da
inovação depende da existência na empresa de mecanismos para identificar, processar e
selecionar a informação advinda do ambiente acerca de ameaças e oportunidades para
mudar. Tendo em vista que nenhuma empresa pode fazer tudo sozinha, a sua vantagem
competitiva reside na sua capacidade de selecionar oportunidades e parceiros que melhor
oferecem chances de desenvolvimento êxitos.
Ademais a empresa deve saber combinar os conhecimentos já existentes e a busca de
conhecimentos externos complementares. Para implementar com sucesso um novo produto
ou oferecer um novo serviço, a empresa deve ser capaz de integrar as atividades técnicas e
o marketing. A partir da multiplicação dessas experiências, as empresas acabam
acumulando experiências e definindo rotinas que compõem a base da capacidade de
gerenciar o processo inovador.
A gestão da inovação é determinada pela capacidade das empresas de integrar e coordenar
recursos humanos, financeiros, técnicos e organizacionais objetivando a geração de novas
idéias para melhorar produtos, processos de fabricação ou serviços, criar novos
conhecimentos, desenvolver as soluções que vão materializar essas idéias e finalmente
transferir esses resultados nas práticas da empresa. Há inúmeros elementos envolvidos no
processo de inovação. Na base da capacidade de desenvolvimento de processos e produtos
está a capacidade de organizar esses elementos, capacidade que resulta de um processo de
aprendizado que só acontece a partir das experiências na organização da produção. O
desempenho inovador das EBTs será função dessa dinâmica organizacional e da
capacitação gerencial. É baseado dessas considerações que serão analisados em seguida as
características das EBTs graduadas, seu desempenho inovador e suas competências
organizacionais.
2. Caracterização e Desempenho Inovador das EBTs
O levantamento das informações apresentadas a seguir ocorreu no segundo semestre do
2001, com base em um questionário aplicado através de entrevistas pessoais com
responsáveis de 103 empresas graduadas selecionadas através de critérios estatísticos de
amostragem em cima de um universo de 403 empresas. As empresas analisadas se
graduaram em 38 incubadoras diferentes. Do conjunto das 103 empresas analisadas, 53 são
industriais, 21 de serviços e 29 de informática. Entretanto, essa distinção não é absoluta, e
várias empresas informaram ter um duplo conjunto de atividades: fabricam produtos e
prestam serviços ao mesmo tempo. Para a leitura de alguns dados, o corte setorial foi
utilizado porque permite identificar comportamentos diferenciados; para outros conjuntos
de dados, os três setores de atividades se comportam de maneira semelhante, não sendo
necessário diferenciá-los. Todos os gráficos e tabelas têm como fonte o estudo "Empresas
graduadas nas incubadoras brasileiras 2001".
6
!
As EBTs analisadas são empresas de pequeno porte tanto a nível de venda quanto de
diversificação da produção ou de geração de empregos (15 em média). A metade das
empresas gerou uma receita operacional liquida (ROL) de até R$ 500 000 em 2000. A
inserção principal no mercado ocorre essencialmente no próprio estado, poucas empresas
vendem para outras regiões do Brasil e somente alguns casos isolados exportam em ínfima
quantidade para fora do Brasil.
Tabela 1: Faixa de faturamento em 2001
(R$ 1 000)
Empresas
N°
%
Até 250
47
46,5
Entre 250 e 750
20
19,8
Entre 750 e 1250
16
15,8
Acima de 1250
18
17,8
Fonte: CNI/IEL, UFRJ/COPPE, MCT
(2001)
Tabela 2 : Número de funcionários
Empresas
N°
%
Até 10
54
53
De 10 a 49
40
39
De 50 a 249
8
8
Acima de 250
0
0
Fonte: CNI/IEL, UFRJ/COPPE, MCT
(2001)
As empresas têm poucos fornecedores (média de 5) e poucos compradores (média de 7). A
maioria das empresas oferece em torno de 5 produtos e de 3 serviços, mas em geral, 80%
do faturamento deriva da comercialização de um a dois produtos ou serviços. De acordo
com a classificação de porte por faturamento adotada pelo BNDES, ou com a classificação
por número de empregados usada pelo SEBRAE, a maior parte das empresas analisadas
podem ser consideradas como de pequeno porte.
Dois terços das empresas analisadas (67%) se graduaram nos últimos quatro anos. Este
prazo ainda relativamente curto possibilitou estabelecer uma ligação entre as práticas e
características atuais das empresas e suas experiências anteriores e as habilidades
adquiridas durante o período de incubação. Deste modo, conseguiu-se obter uma certa
perspectiva histórica do processo de crescimento das EBTs em particular no que diz
respeito à capacidade de geração e valorização de novos conhecimentos e à aquisição
gradual de competências de gestão e de comercialização.
Nas raízes do desempenho inovador, há o indivíduo empreendedor com sua formação
profissional e acadêmica. O empreendedor-tipo de uma EBT graduada é um homem (80%
dos casos), jovem (mais da metade têm entre 20 e 30 anos no momento da criação da
empresa), que teve acesso ao ensino superior (88% têm graduação completa e 35% têm
pós-graduação), cuja formação acadêmica é principalmente a engenharia (53%) ou a
informática (12%) e que teve algum tipo de iniciação à pesquisa na universidade. Além
disso, em muitos casos (28%) os vínculos entre os sócios nasceram de uma colaboração
durante o período de estudos acadêmicos ou de pesquisa.
A importância da relação com instituições de ensino e pesquisa se mantém no tempo para
mais da metade dos sócios principalmente na forma de incorporação de alunos como
estagiários (44% dos casos), a colaboração com docentes (25%) ou pesquisadores (15%).
7
!
Essa ligação é vital para as EBTs pois as universidades representam uma fonte permanente
de informações tecnológicas. Essa ligação as coloca em posição de destaque frente a
empresas tradicionais e traduz uma maior facilidade na busca e incorporação de
conhecimentos e informações de caráter tecnológico. O nível educacional dos empresários
das empresas graduadas facilita o estabelecimento de interações e a inovação, tendo em
vista a familiaridade maior destes com as atividades de pesquisa e consequentemente a
capacidade de desenvolver o learning by searching quando necessário. O projeto
empreendedor que é explicitado no plano de negócios apresentado para entrar na
incubadora (80% dos casos) se caracteriza por uma forte ligação com instituições de ensino
e pesquisa.
Esses dados confirmam o perfil original dos dirigentes das EBTs que apresentam elevado
grau de conhecimentos e alta qualidade da formação acadêmica. No projeto inicial, a
vontade de valorizar e difundir o uso de tecnologias recentes é explícita. A formação
universitária da grande maioria dos empresários facilita a busca e a incorporação de
conhecimentos e informações tecnológicas e vai se depositando sobre essa base o
aprendizado tecnológico e organizacional que será adquirido durante o período de
residência. Mais de 60% das EBTs atualizam esse plano mas somente 44% delas elaboram
um planejamento estratégico.
As EBTs parecem assumir de fato um papel de agentes de difusão das mudanças
tecnológicas. Elas se criam e estruturam em torno de novas idéias de produtos e serviços,
com base em conhecimentos tecnológicos específicos. Mais da metade delas desenvolvem
seus negócios a partir das tecnologias da informação (desenvolvimento de softwares,
comércio eletrônico, produtos de telecomunicações ou eletrônicos). Dessa maneira, elas
conseguem dar um valor econômico a conhecimentos científicos adquiridos na fase de
estudo. A atividade inovativa das EBTs e o perfil educacional dos empresários indicam que
os conhecimentos adquiridos durante o período acadêmico é uma fonte essencial de
insumos para o desenvolvimento e crescimento dessas empresas. Elas apresentam uma boa
capacidade de inovação atestada pelo fato que elas lançam em média um produto ou serviço
novo por ano.
Entretanto, as dificuldades técnicas encontradas no desenvolvimento do produto novo são
freqüentemente mal dimensionadas. Atender à demanda especifica de um compradorusuário e alcançar uma escala de produção com viabilidade econômica são tarefas
complexas. Os empreendedores encontram dificuldades de acesso às informações para
identificar os seus potenciais compradores ou usuários e entender a especificidade das
necessidades individuais. Avaliar a viabilidade econômica do projeto empreendedor inicial
e sua posterior transformação significa enfrentar a problemática do acesso às informações e
aos recursos tecnológicos disponíveis localmente, do atendimento a uma demanda mal
identificada e da compreensão da dinâmica competitiva no mercado visado. Neste contexto
a cooperação e as interações adquirem maior relevância. Coloca-se então a questão da
efetiva inserção das EBTs em redes de inovação e das dificuldades em gerenciar essa
inserção devido ao forte individualismo do empreendedor, a seu relativo isolamento e à
escala reduzida do empreendimento. As EBTs analisadas só interagem em média com cinco
fornecedores e sete compradores e somente 12% delas declaram estar participando de
8
!
condomínio industrial, parque ou pólo tecnológico, sistema coletivo de compras ou de
comercialização.
Além da base tecnológica densa, as EBTs costumam realizar investimentos tecnológicos
que priorizam de forma crescente a aquisição de maquinas e equipamentos, o
desenvolvimento de processos e produtos, o lançamento de produtos e serviços
considerados inovadores (gráfico 1). De maneira geral, esses investimentos alcançam em
média 18% do faturamento da empresa e representam um valor expressivo se comparado
com os dados da ANPEI acerca dos investimentos em P&D realizados pelas empresas
grandes brasileiras.
Gráfico 1. Finalidades dos investimentos em tecnologia
Aquisição de máquinas e equipamentos
Desenvolvimento de processos e produtos
Lançamento de produtos/serviços inovadores
Contratação/treinamento de recursos humanos
2001
Estudos técnicos de viabilidade de projetos
2000
Desenvolvimento de banco de dados
1999
Implantação/ampliação de laboratórios
Compra de tecnologia
Ação de consultoria de sistemas de qualidade
Implantação de comércio eletrônico
0%
10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
É possível também constatar um número significativo de inovações que poderão se traduzir
em patentes ou serão protegidos por outros mecanismos de proteção do conhecimento como
o registro de softwares: 15% das empresas depositaram pedidos de patentes e obtiveram a
concessão de 38 patentes. As EBTs demonstram ter consciência da importância da proteção
intelectual sobre o conhecimento para garantir a sua valorização econômica.
9
!
Gráfico 2. Principais fontes de informações tecnológicas utilizadas pelas EBTs
Experiências anteriores
91%
Outras empresas (clientes,
fornecedores)
90%
Publicações especializadas
83%
Congressos e feiras
77%
Catálogos técnicos
70%
Universidades e centros de
pesquisa tecnológica
68%
Unidade interna de P&D
48%
Consultorias especializadas
43%
Departamento externo de P&D
Patentes
18%
10%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Para serem inovadoras, as EBTs precisam buscar informações de diversa natureza e junto a
outras organizações. É de notar que boa parte das informações são relacionadas com
conhecimentos vindo das experiências ou são informações facilmente acessíveis aos
concorrentes (feiras, congressos, catálogos... gráfico 2). Para interagir com fontes externas
de conhecimento, as EBTs devem aprender a gerenciar um conjunto de relações que são
estabelecidas para agilizar a troca de informações com fornecedores e clientes, bem como
com instituições de ensino e pesquisa.
A relação com clientes é uma importante ligação que permite a incorporação de sugestões,
a ajuda na solução de problemas e na melhora dos produtos ou dos serviços oferecidos. No
entanto, deve-se considerar que o uso adequado de informações externas e internas depende
fortemente das capacidades individuais dos membros das EBTs de reconhecer a pertinência
e o potencial de uso dessas informações. Elas estabelecem relações com empresas parceiras
(fornecedores e compradores), centros de pesquisa, instituições de ensino e pesquisa (IEP),
agências governamentais federais ou locais de apoio à inovação mas em cada caso com
finalidades e intensidade diversas (gráfico 3).
10
!
Gráfico 3. Relações estabelecidas com organizações ou instituições externas
100
Não estabelece
90
Troca de idéias e informações
80
Ensaios para desenvolvimento e melhoria
de insumos, produtos ou processos
70
60
Compra de insumos ou equipamentos
50
Uso de equipamentos
40
30
Treinamento de funcionários
20
Ações conjuntas de maketing
10
0
Clientes
Fornecedores Concorrentes
IEP
Governos
locais
Entidades de
apoio
3. Aprendizado e competência organizacional
O processo de capacitação gerencial e organizacional é um item importante a analisar já
que a passagem pela incubadora coloca de maneira explicita a importância da aquisição de
experiências gerenciais. Ele é considerado como um processo determinante para os ganhos
de competitividade das empresas. Apesar de ter uma sólida formação acadêmica, 70% dos
sócios encontram dificuldades na área gerencial. Para superar essa falta de experiência em
gestão e marketing, eles recorrem à formação complementar em gestão empresarial e
empreendedorismo. O processo de aprendizado organizacional é um item importante e a
passagem pela incubadora coloca de maneira explicita a possibilidade de um processo de
aprendizado e de aquisição de experiência gerencial para os empresários. Se as EBTs, que
passam pelas incubadoras, acabam tendo uma capacidade de sobrevivência maior que as
pequenas empresas comuns, é importante identificar como ocorre o aprendizado e como se
criam as competências necessárias para ter um melhor desempenho no mercado.
O levantamento de informações sobre as práticas organizacionais das EBTs graduadas
permite pôr em evidência diversos elementos que ilustram o processo de aprendizado e
ganho de competência organizacional. O processo de aprendizado se inicia no momento da
formalização da candidatura para se instalar na incubadora. O empreendedor neste
momento deve atender às exigências do processo de seleção, elaborar o seu primeiro plano
de negócios e completar a definição do seu projeto inovador com a necessária incorporação
da dimensão gerencial. Os empresários precisam buscar, incorporar e assimilar
conhecimentos, estabelecer rotinas, obter informações, definir modalidades de resolução
dos problemas encontrados, desenvolver um projeto, organizar a produção, juntar recursos
humanos, técnicos, financeiros. Nota-se que devido à complexidade e multiplicidade dos
conhecimentos a serem assimilados e integrados entre si, o processo de aprendizado
11
!
organizacional e gerencial é profundamente ligado à experiência. A diversidade das
competências a desenvolver é imensa. Para aprender enquanto organização, as EBTs
precisam reunir os recursos humanos com as devidas competências e qualificações o que
não é sempre factível.
O grau de estruturação interna das EBTs é um indicador importante para avaliar a
efetividade do aprendizado. As áreas mais estruturadas em todas as empresas são as de
produção e de finanças. Produção, finanças e vendas são mais estruturados nas EBTs
industriais. Entretanto vale notar que uma parcela relativamente importante das empresas
não estruturam formalmente nenhuma área especifica de atividades (gráfico 4).
Gráfico 4. Áreas de Atividades das Empresas Formalmente Estruturadas
45%
Finanças
Recursos Humanos
23%
14%
26%
62%
14%
38%
P&D
Assistência Técnica
41%
21%
33%
24%
19%
Indústria
Informática
42%
Vendas
M arketing
21%
31%
21%
24%
Serviços
33%
38%
68%
Produção
Nenhuma área de atividades com
estrutura formal
28%
31%
43%
14%
A capacidade de formalizar os procedimentos e rotinas é uma outra variável do aprendizado
organizacional. Um critério de medição é a intensidade de uso das ferramentas
informáticas. A pesquisa permitiu identificar que o uso de recursos de informática é
generalizado. Embora muitos desses recursos sejam relativamente simples como editores de
texto ou planilhas, algumas empresas acusaram usar programas mais específico de auxílio à
gestão empresarial, visando por exemplo monitorar as relações com os clientes ou recursos
da empresa (gráfico 5). Estas funções contribuem para a melhoria do processo decisório e
para a definição de estratégias das empresas. O uso de software pelas empresas graduadas
mostra se bem mais intenso do que as práticas correntes das pequenas empresas em geral,
conforme avaliado por alguns estudos realizados pelo SEBRAE (1998, 2000). Na pesquisa
constatou-se que todas as empresas usam recursos de informática. Devido ao número de
empresas de informática que participam da pesquisa e que são ao mesmo tempo usuárias e
difusoras de produtos informáticos, a importância desse item se torna maior.
12
!
Gráfico 5. Aplicativos de Informática Mais Utilizados
Contabilidade
Software específico
Comunicação interna
Gestão de estoque
Gerenciamento de vendas
Gerenciamento de compras
Gestão integrada dos processos internos
Outros aplicativos
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
Entretanto se o uso de recursos informáticos é geral, muitos deles são ferramentas
relativamente simples do tipo editor de textos e planilha. Os programas mais específicos de
auxilio à gestão empresarial, que visam monitorar as relações com os clientes ou integrar a
gestão dos recursos da empresa estão ainda pouco utilizados. Esses aplicativos podem
trazer vantagens importantes: eles possibilitam o controle da produção, a gestão pela
qualidade, a gestão e o uso mais eficiente dos recursos, a possibilidade de definir e
implementar rotinas. Todas essas funções permitem alimentar um processo de aprendizado
organizacional e contribuem de maneira decisiva para a melhoria do processo decisório e a
definição de estratégias.
Por outro lado, as EBTS começam a usar de maneira regular um conjunto de ferramentas de
controle da produção e gestão que traduzem um domínio gradual de técnicas gerenciais
mais sofisticadas que são geralmente usadas por grandes empresas.
13
!
Gráfico 6. Instrumentos de Gestão Empresarial
Just-in-time
Células de produção
Mão-de-obra polivalente
Sistema de qualidade
Programação de investimento
Indice de desempenho
Sistema de informações gerenciais
Parcerias com fornecedores ou clientes
Controle de estoques
Controle de Custos
Gestão de caixa
0%
20%
40%
60%
80%
No que diz respeito à comercialização, as formas de contato com os clientes variam
bastantes segundo o setor de atividades. Vale notar que o contato direto entre a empresa e
seus clientes, que seja no estabelecimento da própria firma ou no dos clientes, não é uma
prática generalizada: só ocorre com 62% das empresas de serviços, 51% das de informática
e somente 42% das industriais. Esses dados chamam a atenção por uma possível "perda" de
informações sobre o desempenho dos seus produtos e as necessidades de seus compradores,
lembrando a importância que muitos autores dão as relações produtor-comprador para o
processo de inovação.
Em termos de marketing, as empresas recorrem a uma grande variedade de modo de
atuação. Isso traduz a relevância do tema para elas. Uma leitura setorial é interessante
pois há algumas diferenças notáveis : a assistência pós-venda é mais praticada pelas
empresas industriais, o marketing de relacionamento pelas empresas de serviços e o uso de
assessoria de imprensa pelas empresas de informática, a consultoria para o comprador
sendo mais freqüente para as empresas das duas últimas categorias.
4. Conclusão
As EBTs não devem ser consideradas como réplicas menores de empresas mais antigas.
Mas, pelo contrário, elas se criam e estruturam em torno de novas idéias de produtos e
serviços, com base em conhecimentos específicos sobre uma determinada tecnologia.
Conseqüentemente, elas introduzem inovações na estrutura industrial e conseguem dar um
valor econômico a conhecimentos científicos adquiridos na fase de estudo, lembrando que a
maior fonte de geração de novos conhecimentos são as atividades de pesquisa.
As atividades inovativas das EBTs e o perfil educacional dos empreendedores oferecem
uma indicação sobre a principal fonte de insumos representados pelos conhecimentos
adquiridos no período acadêmico. Há evidências que os investimentos públicos em
14
!
pesquisas, realizadas por instituições como as universidades, geram conhecimentos que
podem ser objetos de valorização econômica mediante criação de EBTs.
A pesquisa mostrou-se muito rica em informações sobre o desempenho das EBTs
graduadas e possibilitou visualizar melhor o comportamento dessas empresas, de suas
praticas operacionais e gerenciais. É possível notar a originalidade das experiências, dos
comportamentos e das estratégias. Percebe-se a existência de situações diferenciadas
segundo os setores. Alguns aspectos organizacionais parecem indicar a emergência de uma
nova cultura empresarial. As evidências apontadas confirmam uma grande concentração de
empresas com perfil tecnológico, que está relacionado ao fato de o movimento de
incubadoras no país estar fortemente vinculado a universidades e institutos de pesquisa.
Este elevado conteúdo tecnológico pode ser verificado não somente pela natureza dos
produtos e serviços ofertados, mas também pelo elevado grau de instrução dos sócios
fundadores e de seus funcionário, o que permite que a capacidade inovadora se mantenha
ao longo da vida da empresa.
Referências Bibliográficas
ACS, Z. J. Small Business Economics: a global perspective, Challenge, nov./dec., 1992.
ANPROTEC Panorama 2000. http://www. Anprotec.org.br
ANPROTEC Panorama 2001. http://www. Anprotec.org.br
BIZAGUET A. Les petites et moyennes entreprises PUF Paris 1991
CNI/IEL, UFRJ/COPPE, MCT. Empresas graduadas nas incubadoras brasileiras. Rio de
Janeiro/Brasília. 2001.
JULIEN P-A, MARCHESNAY M. L'entrepreneuriat. Economica. Paris. 1996.
LUNDVALL B-A (ed.) National Systems of Innovation: towards a theory of innovation and
interactive learning. Pinter Publ. London. 1992.
MACULAN, A-M., CARLEIAL, L., Pequenas Empresas: Aprendizado e Interações.
Estudos Empresariais. Ano 3, N. 3, setembro /dez. de 1998. UCB.
OECD. Best practices policies for small and medium sized enterprises. Paris. 1995.
OECD. Regulatory Reform for Smaller Firms. STI Review. 1999.
SEBRAE-SP. A Informática nas MPEs Paulistas. São Paulo. 1998.
SEBRAE/RJ. Nível de Informatização da Micro e Pequena Empresa Fluminense", Rio de
Janeiro. 2000.
TIDD, J., BESSANT, J., PAVITT, K. Managing Innovation. Integrating Technological
market and Organizational Change. London: John Wiley & Sons. 1997.
15
Download

Reflexões Sobre o Desempenho Inovador das Empresas Graduadas