Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal 1 Observatório da Justiça Brasileira Judicialização do Direito à Saúde: O caso do Distrito Federal/ Janaína Penalva et al - Belo Horizonte Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2010/2011. 39 p. ISBN: 978-85-62707-29-2 CDD: 340.11 2 Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS AMÉRICA LATINA OBSERVATÓRIO DA JUSTIÇA BRASILEIRA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS – UFMG FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal Instituição proponente: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero - Anis Autora Janaína Penalva Belo Horizonte Novembro de 2011 3 Observatório da Justiça Brasileira Observatório da Justiça Brasileira Leonardo Avritzer Coordenador Geral Observatório da Justiça Brasileira Criado em fevereiro de 2010, o Observatório da Justiça Brasileira (OJB) integra o Centro de Estudo Sociais América Latina (CES-AL), com sede no Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (DCP-UFMG), tendo também como parceiro o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. O Observatório da Justiça Brasileira desenvolveu nesta sua primeira etapa1, cinco pesquisas: I) Para uma nova cartografia da justiça no Brasil, desenvolvido pelo DCP-UFMG; II) Controle de constitucionalidade e judicialização: o STF frente à sociedade e aos Poderes, desenvolvido pela Sociedade Brasileira de Direito Público; III) Judicialização e equilíbrio de poderes no Brasil: eficácia e efetividade do direito à saúde, desenvolvido pela PUC/RS; IV) Acesso ao direito e à justiça: entre o Estado e a comunidade, desenvolvido pelo DCPUFMG; e V) Judicialização do direito à saúde: o caso do Distrito Federal, desenvolvido pela Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. A proposta do Observatório da Justiça Brasileira, que, por ora, se concretiza neste conjunto de relatórios é desenvolver análises sobre o sistema de justiça brasileiro, visando a orientar o Ministério da Justiça através da Secretaria de Reforma do Judiciário em suas políticas públicas e reformas normativas, bem como apresentar sugestões para o aperfeiçoamento do sistema de justiça nacional. Assumindo o pressuposto de que por mais imperfeito que seja nosso sistema jurídico não podemos ignorar os avanços institucionais adquiridos ao longo dos anos, colocamo-nos o desafio de aportar conhecimentos e propor reformas no aprimoramento deste. 1 4 Todos eles financiados pela Secretaria de Reforma do Judiciário. Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal Expediente Instituição Proponente Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Coordenadora da pesquisa Debora Diniz Autoria Janaina Penalva com colaboração de Debora Diniz Equipe Marcelo Medeiros João Neves Teresa Robichez Alberto Madeiro Bolsistas Renata Janaina de Sousa Brito, Natália Peres Kornijezuk, Rosana Maria Nascimento Castro Silva e Vanessa Carrião Agradecimento Especial Ao Dr. Álvaro Luis de Araújo Ciarlini, juiz da 2ª Vara de Fazenda Pública do TJDFT, por possibilitar acesso aos dados. Ao Observatório da Justiça Brasileira pelo financiamento concedido. Projeto Gráfico, Diagramação e Capa Leandro Carlos de Toledo 5 Observatório da Justiça Brasileira ÍNDICE Introdução......................................................................................................................... 8 Metodologia....................................................................................................................... 9 Resultados.......................................................................................................................... 14 Conclusão........................................................................................................................... 20 Anexos................................................................................................................................ 23 6 Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal RESUMO Este projeto de pesquisa tem por objetivo geral analisar as tendências do Poder Judiciário frente às demandas sobre o direito à saúde, por meio de um estudo de caso de demandas judiciais cíveis por acesso à assistência em saúde no Distrito Federal, interpostas contra o Poder Público. Por judicialização do direito à saúde, entende-se a judicialização de variadas prestações de saúde (assistência em saúde, medicamentos, suplementos alimentares, custeio de tratamento no exterior, entre outras), tal como proposto pelo despacho para a audiência pública de instrução do Supremo Tribunal Federal sobre esta matéria em 2009. Trata-se de um estudo exploratório, descritivo, com abrangência no Distrito Federal e com uso de técnicas mistas de levantamento e análise dos dados por estudo de caso. O levantamento de dados já foi realizado no período de setembro a novembro de 2010 na 2ª Vara de Fazenda Pública Privativa do TJDFT, criada em 1976, juntamente com a 1ª Vara de Fazenda Pública, as mais antigas do Distrito Federal. Foram analisadas 385 ações, o que corresponde a 87% do universo total de casos de judicialização da saúde do período entre 2005 e 2010 que alcançaram a 2ª Vara. Não se sabe o universo total de processos sobre judicialização da saúde no Distrito Federal. As ações foram analisadas na íntegra por três pesquisadoras e os dados registrados em formulário estruturado de 37 perguntas. Os resultados preliminares indicam que o principal bem judicializado é o acesso à UTI ([254] 66%), seguido por medicamentos ([60] 16%) e assistência médica ([52] 14%). A quase totalidade dos processos é apresentado por defensor público ([366] 95%), seguido por advogados particulares ([14] 4%), com receitas e indicações médicas oriundas do serviço público de saúde em [326] 85% dos casos. Em cerca de [29] 8% dos casos, há comprovante de renda no processo, sendo a menor renda de R$ 354,00 com predominância dos valores em torno de R$ 500,00. Os resultados preliminares desta pesquisa desafiam algumas teses dominantes no debate nacional sobre judicialização da saúde, em particular a alegação de que a judicialização é um fenômeno das elites e que o bem judicializado são os medicamentos. O estudo de caso no Distrito Federal não tem pretensões generalizantes, mas aponta para o fato de que o fenômeno da judicialização da saúde tem diferentes aspectos englobados pelo mesmo conceito. 7 Observatório da Justiça Brasileira Introdução A judicialização da saúde é um fenômeno recente no Brasil.2,3,4 Por judicialização da saúde, deve-se entender um fenômeno amplo e diverso de reclame de bens e direitos nas cortes: são insumos, instalações, medicamentos, assistência em saúde, entre outras demandas protegidas pelo direito à saúde. A origem do fenômeno é ainda incerta, não apenas pela ausência de estudos empíricos sistemáticos e comparativos no país, mas principalmente pela amplitude da judicialização e seus diferentes níveis de expressão nas cortes. Em consequência, existem argumentos distintos para analisar as implicações do fenômeno da judicialização do direito à saúde no país: de um lado, se anuncia a possibilidade de efetivação do direito, mas, por outro, há o risco de a judicialização ser uma interferência indevida do Judiciário nas políticas públicas.1,5 Alguns estudos nacionais indicam que o principal bem judicializado nas cortes são os medicamentos.6 A política de assistência farmacêutica apresenta uma série de desafios quanto ao desenho, operacionalização, atualização das listas de medicamentos distribuídos pelo Sistema Único de Saúde, transparência de protocolos clínicos, ausência de instâncias recursais, celeridade nas decisões, articulação com outras esferas de fiscalização e registro.7 No entanto, não é toda demanda por assistência em saúde que decorre de necessidades, por isso, nem toda demanda deve ser atendida pelas políticas de saúde. Entre necessidade, demanda e acesso (ou oferta, nos termos de um gestor da política de saúde), há o desenho da política com os critérios de eficácia, eficiência, segurança e uso racional dos recursos e da 2 Barroso, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Revista Interesse Público. 2008. 3 Vieira, Fabíola S.; Zucchi, Paola. Distorções causadas pelas ações judiciais à política de medicamentos no Brasil. Revista de Saúde Pública. 2007; 41(2): 214-222. 4 Messeder, Ana Márcia; Osório-de-Castro, Claudia Garcia Serpa; Luiza, Vera Lucia. Mandados judiciais como ferramenta para garantia do acesso a medicamentos no setor público: a experiência do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 21(2): 525-534. 5 Sarmento, Daniel. A proteção judicial dos direitos sociais: alguns parâmetros ético-jurídicos. In. Neto, Cláudia Pereira de Souza; Sarmento, Daniel. Direitos Sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 6 Esses dados devem ser considerados com cautela, uma vez que adotam diferentes metodologias de recuperação das evidências e não há estudos comparativos ou de âmbito nacional. Vide, por exemplo: Messender, Ana Márcia; Osório-de-Castro, Claudia Garcia Serpa; Luiza, Vera Lucia. Mandados judiciais como ferramenta para garantia do acesso a medicamentos no setor público: a experiência do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 21(2): 525-534; Borges, Danielle da Costa Leite. Uma Análise das Ações Judiciais para o Fornecimento de Medicamentos no Âmbito do SUS: o caso do estado do Rio de Janeiro no ano de 2005. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: FIOCRUZ. 2007. 117pp; Cosendey, Marly A. E.; Bermudez, J. A. Z.; Reis, André Luis de A.; Silva, Hayne F.; Oliveira, Maria A.; Luiza, Vera L. Assistência Farmacêutica na atenção básica de saúde: a experiência de três estados brasileiros. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 16(1): 171-182, 2000; Vieira, Fabíola S.; Zucchi, Paola. Distorções causadas pelas ações judiciais à política de medicamentos no Brasil. Revista de Saúde Pública. 2007; 41(2): 214-222; Marques, Silvia Badim; Dallari, Sueli Gandolfi. Garantia do direito social à assistência farmacêutica no Estado de São Paulo. Revista de Saúde Pública, 2007, 41(1): 101-107. 7 Kornis, G.; M. H. Braga; C. Zaire. 2008. Os Marcos Legais das Políticas de Medicamentos no Brasil Contemporâneo (1990-2006). Revista APS, v. 11, n. 1: 85-99. Brasil. 2005. Avaliação do TCU sobre a Ação Assistência Financeira para Aquisição e Distribuição de Medicamentos Excepcionais. Tribunal de Contas da União. Brasília. 8 Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal informação.8 Esses desafios podem se caracterizar como falhas da política ou mesmo entraves à compreensão da política para sua operacionalização nas diferentes esferas do Poder Público, e, como resultado, a judicialização tanto pode ser um recurso para a garantia do justo em saúde quanto uma interferência indevida do Poder Judiciário no funcionamento da política de saúde. Além disso, no conjunto do que se conhece como judicialização da saúde, há também a judicialização da assistência em saúde, ou seja, há casos em que o indivíduo procura as cortes para garantir seu acesso ao Sistema Único de Saúde. Apesar de pouco estudado no Brasil, não se deve confundir esses dois bens judicializados, pois apontam para fenômenos diferentes nas cortes. A vasta maioria dos países com sistema universal de saúde não garante o direito à saúde, mas o direito aos serviços de saúde, como é o caso do Canadá, da Noruega, do Reino Unido, da Nova Zelândia ou da África do Sul.9 O Brasil experimenta um fenômeno original no cenário internacional da última década de judicialização da política de saúde em países com sistemas universais públicos – aqui, o bem protegido é o direito à saúde. Há um caráter pouco evidente do conceito de saúde para a resolução deste conflito. Parte importante da judicialização do direito à saúde não visa garantir o direito à vida, mas sustenta-se em outro princípio ainda mais abstrato, que é o da dignidade da pessoa humana. A saúde não seria um fim em si mesmo, mas um meio para a garantia da dignidade.10 É exatamente neste contexto argumentativo e de encontro tenso entre a implementação da política e a busca crescente do Poder Judiciário para acesso à assistência em saúde que este projeto de pesquisa analisa o fenômeno da judicialização da saúde tendo o Distrito Federal como unidade de análise. Metodologia O levantamento de dados foi feito na 2ª Vara de Fazenda Pública Privativa do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, cuja atribuição é julgar os feitos em que o Distrito Federal figura como parte, além de ser uma das duas varas mais antigas do Distrito Federal. A análise dos dados cobriu o período de maio de 2005 a setembro 2010, data do primeiro processo sobre saúde que alcançou a Vara, desde a implementação do sistema eletrônico de registro dos processos em 2003, e o primeiro dia do trabalho de campo para esta pesquisa. O trabalho de campo foi realizado durante 10 semanas, de forma presencial na Vara por três pesquisadoras. Foi utilizado um instrumento eletrônico para a coleta de dados, composto de 26 questões fechadas e estruturadas e 11 questões abertas. O instrumento foi validado em 8 Diniz, Debora. Judicialização de medicamentos no SUS: memorial ao STF. Brasília, SérieAnis, 2009. Disponível em: http://www.anis.org.br/serie/artigos/sa66_diniz_medicamentos_stf.pdf. Acesso em 19 de mai, 2010. 9 Ham, C. & Robert, G. eds. 2003. Reasonable Rationing: International Experience of Priority Setting in Health Care. Maidenhead, UK. Open University Press. K. Syrett. 2007. Law, Legitimacy and Rationing of Health Care: a contextual and comparative perspective. Cambridge. Cambridge University Press. 10 Daniels, N. Sabin, J. 2002. Can We Learn to Share Medical Resources? Setting Limits Fairly. Oxford, UK: Oxford University Press. 9 Observatório da Justiça Brasileira uma amostra de 40% dos processos. Após a validação, foram recuperados e analisados 385 processos, o que corresponde a 87% do universo total de processos sobre saúde tramitados na Vara no período integral da pesquisa. A recuperação dos processos foi realizada em duas etapas. Na primeira, levantouse todos os processos cuja distribuição indicava tratar-se de processos sobre saúde. Essa indexação inicial é produzida pela área de estatística do TJDFT e fornecida aos pesquisadores. Foram recuperados 533 processos sob essa rubrica. A segunda etapa consistiu na avaliação do objeto da judicialização e resultou na eliminação de 90 processos por erro de indexação, por isso o universo potencial de pesquisa foi estabelecido em 443 processos. No total, foram analisados 385 processos, havendo uma perda de 58 processos por razões diversas, sendo as mais comuns a posse do processo pelo advogado, tramitação em regime de urgência ou análise pelo Ministério Público. Como não era possível aguardar o retorno desses processos, a pesquisa em profundidade foi realizada no universo de 385 processos, o que corresponde a 87% do total de processos sobre o tema da saúde julgados pela 2ª Vara de Fazenda Pública Privativa do TJDFT no período de 2005 a 2010. Etapas da Pesquisa no Campo A equipe de pesquisa que fez a coleta dos dados foi formada por três pesquisadoras em campo. As pesquisadoras já contavam com experiências prévias na realização de pesquisas de cunho qualitativo na área das ciências sociais ou direito, sendo este o critério utilizado para a seleção. Durante uma semana as pesquisadoras receberam treinamento para a realização da pesquisa que consistiu em: 1. apresentação conceitual e teórica sobre o tema da judicialização do direito à saúde; 2. leitura e estudo do memorial apresentado pela Anis ao Supremo Tribunal Federal além de outros materiais bibliográficos sobre o tema; 3. apresentação do questionário eletrônico; 4. familiarização com o formato dos processos jurídicos; 5. elaboração do glossário com as definições dos termos técnicos da área jurídica; 6. apresentação e assinatura do termo de sigilo e confidencialidade sobre os dados; 7. préteste do instrumento e revisão da qualidade dos dados coletados nesta fase. O processo de treinamento das pesquisadoras foi finalizado já em campo, com as pesquisadoras já tendo acesso aos processos. A equipe contou com auxílio online dos coordenadores da pesquisa para que as dúvidas surgidas pudessem ser sanadas de imediato. Durante essas duas primeiras semanas também foi mensurado o tempo médio para análise de cada processo e também foi definida a logística de busca dos mesmos nos arquivos da 2ª Vara. Houve monitoramento diário pela supervisora de campo e semanal pela supervisora da pesquisa. As cotas diárias e semanais foram cumpridas. 10 Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal Levantamento bibliográfico O levantamento foi feito pelo bibliotecário especializado em saúde pública e ciências humanas, contrapartida institucional do projeto. Desta forma, convém destacar que a bibliografia e a coleta de dados, embora tenham sido desenvolvidas simultaneamente, não foram feitas pelas pesquisadoras, que estavam em fase inicial de campo para a análise dos processos. A pesquisa internacional foi feita na base da Universidade de Michigan, Universidade de Toronto e no portal de periódicos da Capes. Já a pesquisa nacional foi realizada no Scielo, BDTD, Rede RVBI e IBCCrim. A classificação da bibliografia foi feita pela coordenadora, supervisora e pesquisadoras envolvidas no projeto, ao mesmo tempo em que o trabalho de campo era realizado. Por se tratar de um fenômeno recente, tanto no Brasil, como em outros países, a coordenadora e a equipe de pesquisa decidiram incluir o levantamento bibliográfico internacional, para melhor descrever e conhecer o cenário da judicilialização da política de saúde pelo debate internacional. Assim, além do que havia sido proposto inicialmente, o levantamento bibliográfico nacional sobre a judicialização do direito à saúde, foi também realizado o levantamento de referências internacionais. O levantamento bibliográfico da imprenta nacional foi atualizado, contando agora com 254 referências. A pesquisa levantou estudos publicados a partir do ano de 1988, importante marco para conformação da política de saúde no Brasil por ocasião da promulgação da Constituição Federal, até o ano de 2010. Do total de referências levantadas 127 referemse a artigos científicos, 63 livros, 13 capítulos de livros e 51 teses e dissertações. Após o levantamento dos estudos na imprenta nacional e internacional, a equipe de pesquisa partiu para análise e classificação dos estudos. A etapa de classificação das referências foi feita pela coordenadora, supervisora e pesquisadoras envolvidas no projeto. A pesquisa optou por classificar aqueles estudos publicados no formato de artigos científicos. A opção pela classificação desse tipo de referência justifica-se pelo menos por dois motivos: o primeiro refere-se à confiabilidade dos estudos bem como seu caráter atualizado. No que toca à confiabilidade dos estudos vale dizer que as bases que a pesquisa adotou como referências para a pesquisa contam com uma série de critérios e normas para indexação de periódicos e estes por sua vez também contam com filtros, como a avaliação dos estudos por pares da comunidade científica bem como por um conselho editorial, que tentam garantir a qualidade das publicações. No que toca à atualidade dos estudos, cabe ressaltar que, dentre as 127 referências de artigos científicos, mais de 94% dos trabalhos foram publicados na última década. A segunda razão refere-se à facilidade de acesso aos artigos científicos. Com exceção de alguns periódicos da área do direito, as bases de pesquisa permitem o acesso livre e gratuito aos estudos. A pesquisa teve acesso, no total a 73 artigos científicos. Desses foram analisados e classificados 69. Cabe ressaltar 4 artigos eram duplicados, ou seja, eram trabalhos idênticos 11 Observatório da Justiça Brasileira publicados em mais de um periódico. Para classificação das referências, os estudos foram divididos inicialmente em estudos com evidência empírica e estudos sem evidência empírica. Foram considerados estudos com evidência empírica aqueles realizados com fontes primárias de dados. As pesquisas sem evidência empírica referem-se aqueles estudos teóricos. Posteriormente, os estudos com evidência empírica foram reclassificados quanto ao método. As categorias utilizadas para esta etapa de classificação foram: 1) Abrangência do estudo a. Local b. Nacional 2) Demanda analisada no estudo a. Medicamentos b. Assistência em saúde c. Outros No que toca os estudos sem evidência empírica, a segunda etapa de classificação referiu-se à tese defendida no trabalho: 1) Tese a. Reserva do possível b. Universalidade c. Outras A classificação mostrou que 62% (43) dos artigos analisados referem-se a estudos sem evidência empírica. Destes apenas 49% (21) apresentam a tese da reserva do possível ou da universalidade. A maioria dos estudos apresenta teses diversas. Este número é tão significativo, pois grande parte dos estudos não se relaciona diretamente ao tema da judicialização, mas sim a considerações sobre o SUS, bem como experiências locais especialmente no que toca a assistência farmacêutica. Dos 26 estudos com evidência empírica, 85% (22) são estudos de abrangência local. Destes, apenas quatro estudos tomam como área de abrangência estados do nordeste e centro-oeste. Os demais, 86%, são estudos sobre as regiões sudeste e sul, com clara vantagem do estado de São Paulo. No que toca à demanda analisada pelos artigos, mais de 90% dos estudos relacionavam-se a demanda por medicamentos. A tabela com a classificação das referências segue em anexo. 12 Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal 3. Universo de Pesquisa As demandas em saúde, por serem consideradas a princípio urgentes, são tramitadas em regime de celeridade. Quando um novo processo é apresentado, é imediatamente encaminhado ao juiz responsável e posteriormente aos demais atores para os devidos trâmites, ou seja, eles não ficam imediatamente disponíveis para consulta. Todos os processos que compõe a pesquisa estão em tramitação. A disponibilidade destes em campo foi o que definiu o universo final a ser analisado. A fase de coleta de dados foi iniciada em 15 de setembro de 2010, junto à 2ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). As pesquisadoras estiveram em campo cinco dias por semana, sempre no período vespertino, horário em que o expediente é iniciado. Esta fase foi concluída em 22 de novembro de 2010. Em 2009, a Anis realizou pesquisa semelhante no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, sobre judicialização de medicamentos financiado pela Organização PanAmericana de Saúde (OPAS). Para a pesquisa no Distrito Federal foi criado um instrumento eletrônico de coleta de dados, similar ao utilizado em Porto Alegre, que funcionou como pré-teste. Durante a primeira semana em campo foi feita a validação do instrumento, que sofreu suas primeiras modificações. Em 30 de setembro foi feita a segunda e última alteração no instrumento, levando as pesquisadoras a reanalisar os processos feitos até esta data. Durante a primeira semana em campo foi definida a amostra de processos a serem analisados. A equipe da 2ª Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal gerou, a partir de seu sistema de informações interno, uma lista sobre todos os processos relacionados ao tema da saúde. Essa busca foi realizada com o descritor genérico “saúde”; cerca de 65 processos não relacionados ao objeto desta pesquisa também foram incluídos nesta lista. A filtragem desses processos não pode ser realizada através do sistema, levando as pesquisadoras a buscar esses processos nos arquivos físico-documental da vara. Foi utilizado um instrumento eletrônico para a coleta de dados, composto de 26 questões fechadas e estruturadas e 11 questões abertas, que encontra-se anexado neste relatório. O instrumento foi validado em uma amostra de 40% dos processos. Após a validação, foram recuperados e analisados 385 processos, o que corresponde a 87% do universo total de processos sobre saúde tramitados na Vara no período integral da pesquisa. A recuperação dos processos foi realizada em duas etapas. Na primeira, levantouse todos os processos cuja distribuição indicava tratar-se de processos sobre saúde. Essa indexação inicial é produzida pela área de estatística do TJDFT e fornecida aos pesquisadores. Foram recuperados 533 processos sob essa rubrica. A segunda etapa consistiu na avaliação do objeto da judicialização e resultou na eliminação de 90 processos por erro de indexação, por isso o universo potencial de pesquisa foi estabelecido em 443 processos. No total, foram analisados 385 processos, havendo uma perda de 58 processos por razões diversas, sendo 13 Observatório da Justiça Brasileira as mais comuns a posse do processo pelo advogado, tramitação em regime de urgência ou análise pelo Ministério Público. A pesquisa em profundidade cobriu, portanto, 87% do total de processos sobre o tema da saúde julgados pela 2ª Vara de Fazenda Pública Privativa do TJDFT no período de 2005 a 2010. Foram analisados, em profundidade, 385 processos, havendo uma perda de 58 processos por razões diversas, sendo as mais comuns a posse do processo pelo advogado, tramitação em regime de urgência ou análise pelo Ministério Público. O trabalho de campo foi iniciado em 15 de setembro de 2010 e concluído em 22 de novembro de 2010. Resultados A Tabela 1 a seguir apresenta a distribuição dos processos segundo o tipo de advocacia que os conduz. As categorias de advocacia indicam a provável necessidade ou não de os demandantes arcarem com os honorários advocatícios para iniciar suas demandas. Alguns estudos anteriores utilizaram a advocacia privada como indicador de que se tratavam de elites econômicas conduzindo o processo. Este, no entanto, não parece ser um procedimento razoável, visto que a remuneração de um advocado privado pode ser relativamente baixa ou haver parceria entre o Poder Público e advogados privados para a atuação jurídica. O mais plausível, parece, seja a abordagem inversa, ou seja, tratar o recurso à advocacia pública como um indicador de que o demandante não pertence a uma classe alta. Tabela 1 – Tipo de advocacia dos processos Fonte: Levantamento de processos julgados na 2ª Vara de Fazenda Pública Privativa do TJDFT - 2005 a 2010 A evidência disponível sugere que a judicialização da saúde no DF não é um fenômeno das elites. Praticamente todos os processos (95,06%) no Distrito Federal foram conduzidos pela defensoria pública, o que permite presumir a hipossuficiência de recursos. Apenas 3,64% tiveram condução por um escritório de advocacia privada. Outros tipos de advocacia, como advogados de ONGs, escritórios modelo e a atuação do Ministério Público Federal ocorrem apenas esporadicamente. Vale notar que uma análise da documentação apresentada na petição inicial indica que 7,43% dos requerentes era analfabetos e, como se verá adiante, 20,52% dos processos baseiam seus argumentos na pobreza dos requerentes. 14 Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal Outro indicador de classe social dos demandantes utilizado em estudos brasileiros é o tipo de serviço de saúde de onde parte o pedido médico dos bens e serviços de saúde demandados. Mais uma vez as evidências sugerem que a judicialização não é um fenômeno das elites. Apenas 8,57% dos processos parte de pedidos obtidos por meio da medicina privada, como se vê na tabela 2. Tabela 2 – Tipo de serviço de saúde Fonte: Levantamento de processos julgados na 2ª Vara de Fazenda Pública Privativa do TJDFT - 2005 a 2010 Embora exista um debate sobre a classe social dos demandantes em diferentes processos de judicialização da saúde no Brasil, uma pergunta sobre classes só faz sentido quando a intenção é contestar os princípios de universalidade que regem o sistema de saúde. Para um sistema que, por ser universal, não discrimina atendimentos por atributos das pessoas, a origem social dos pacientes é irrelevante. O que parece ser mais razoável questionar, porém, é se as demandas expressam necessidades reais de saúde – aquelas que o sistema público de saúde deve, por imposição constitucional, atender. Avaliar a necessidade concreta de bens e serviços de saúde a partir de processos judiciais é uma tarefa mais difícil do que pode parecer à primeira vista. No entanto, há informações no curso dos processos que trazem indicações importantes sobre a necessidade do que é demandado. Como se verá a seguir, o conjunto formado pelos os motivos para o não julgamento do mérito, as razões para que esse julgamento não tenham ocorrido e o tipo de bens de saúde solicitados indica que a judicialização expressa solicitações para a cobertura de necessidades reais e urgentes de saúde. Quase metade dos processos (46,49%) sequer teve seu mérito julgado, conforme aponta a Tabela 3. Um processo pode ser extinto sem julgamento de mérito por uma série de razões, conforme dispõe o artigo 267 do Código de Processo Civil. A extinção, no entanto, não põe fim ao processo em todos os casos pois ainda resta a possibilidade de recurso contra a decisão. Além disso, em alguns casos é possível o ingresso de nova ação com o mesmo pedido. 15 Observatório da Justiça Brasileira Tabela 3 – Julgamento de Mérito dos Processos Fonte: Levantamento de processos julgados na 2ª Vara de Fazenda Pública Privativa do TJDFT - 2005 a 2010 Diante da grande quantidade de processos extintos sem julgamento de mérito, cabe buscar as razões da extinção. No caso da judicialização da saúde um motivo é particularmente preocupante, o óbito do demandante. Ele indica que uma eventual negligência do Estado ou a morosidade da justiça podem estar trazendo consequências gravíssimas para a população. A Tabela 4 apresenta os resultados da avaliação de motivos para a extinção sem julgamento de mérito dos processos. Nela são decompostos os 46,49% dos processos que não tiveram seu mérito julgado. Observa-se que 8,57% dos processos demandando tratamento de saúde foram extintos porque o paciente foi a óbito antes do julgamento. Tabela 4 – Motivos para não haver julgamento de mérito Fonte: Levantamento de processos julgados na 2ª Vara de Fazenda Pública Privativa do TJDFT - 2005 a 2010 Como a incidência de óbitos é muito elevada, torna-se importante avaliar quais os bens de saúde demandados para, assim, buscar explicar esse fenômeno. A tabela 5 apresenta a distribuição dos bens de saúde demandados. Não é de se surpreender que a mortalidade de demandantes seja tão alta. O bem mais demandado são vagas em unidades de terapia intensiva na rede privada (65,97%), demanda que ocorre quando a rede pública não é suficiente para atender todos os pacientes em necessidade grave. Também muito frequente é a demanda por assistência médica (65,97%). Somados, os pedidos de vaga em UTI e assistência médica perfazem 80% dos casos. A demanda por medicamentos, que na literatura brasileira aparece como principal motivo da judicialização é, no DF, proporcionalmente menos importante, contribuindo com 15,58% do total. 16 Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal Tabela 5 – Bens de Saúde Demandados Fonte: Levantamento de processos julgados na 2ª Vara de Fazenda Pública Privativa do TJDFT - 2005 a 2010 Esse padrão de demanda por bens de saúde é totalmente consistente com os diagnósticos médicos apresentados nos pedidos judiciais. Esses diagnósticos apontam para uma prevalência de doenças agudas (78%) no conjunto dos casos, conforme a Tabela 6. Os tratamentos de doenças agudas são, em geral, bem enquadrados nos protocolos terapêuticos do sistema público de saúde. Deve ser notado que esses diagnósticos foram realizados quase que integralmente por médicos da rede pública de saúde. A ausência desse tratamento, refletida na judicialização, é um indicador muito mais provável de reação à omissão das políticas do que demanda por tratamentos não oferecidos pelo sistema. Tabela 6 – Diagnósticos das Doenças dos Demandantes Fonte: Levantamento de processos julgados na 2ª Vara de Fazenda Pública Privativa do TJDFT - 2005 a 2010 17 Observatório da Justiça Brasileira Até este ponto as evidências disponíveis apontam na direção de duas conclusões importantes dentro do debate sobre judicialização da saúde no Brasil. A primeira delas é de que a judicialização no Distrito Federal não é um fenômeno de elites. A segunda é de que os bens e serviços judicializados são, majoritariamente, necessidades de saúde sobre as quais pairaria pouca controvérsia. A Tabela 6 apresenta os argumentos utilizados para fundamentar os pedidos. Mais de um argumento pode fundamentar um mesmo pedido. Em cada processo a estrutura argumentativa segue um padrão particular sendo, portanto, difícil determinar quais seriam os argumentos centrais e quais seriam os periféricos. No entanto, como conjunto de leis e princípios constitucionais as quais os processos podem recorrer é razoavelmente limitado, foi possível identificar e classificar os argumentos em 19 categorias, uma delas aberta (outros). Tabela 6 – Argumentos Fundamentando o Processo Fonte: Levantamento de processos julgados na 2ª Vara de Fazenda Pública Privativa do TJDFT - 2005 a 2010 O tipo de demanda influencia a estratégia argumentativa do processo. Praticamente todos os processos fundamentam sua argumentação no direito à saúde (95,32%) e muitos recorrem ao direito à vida (49,61%), ambos difíceis de contestar do ponto de vista jurídico – embora a decisão dos juízes possa variar, é difícil contrapor um argumento baseado no direito à vida com uma argumentação fundamentada na reserva do possível, por exemplo. Como predominam pedidos de vagas de UTI, muito comuns são também os argumentos de risco de vida (76,10%), dano irreparável ou de difícil reparação (52,21%) e risco de agravo da doença (17,92%). Também merece destaque o fato de que o argumento de pobreza é mencionado em 20,52% dos processos. 18 Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal Algumas instituições podem ser arroladas como rés em um processo de judicialização da saúde. Como é de se esperar, dado o caráter local das demandas, praticamente todos os processos têm como réu pelo menos o Distrito Federal (98,67%), conforme mostra a Tabela 7 abaixo. Chama a atenção o fato de que aproximadamente um terço dos processos (34,22%) tenham ainda os hospitais como réus, o que provavelmente reflete uma estratégia processual para acelerar os julgamentos, visto que prevalecem doenças agudas e a demanda por vagas em UTI. Tabela 7 – Réu dos Processos Fonte: Levantamento de processos julgados na 2ª Vara de Fazenda Pública Privativa do TJDFT - 2005 a 2010 Nota: um processo ser interposto contra mais de um réu. Dada a urgência dos pedidos, a maior parte dos requerentes solicita decisão liminar. Os juízes tendem a conceder essas liminares. Apenas 8,05% das decisões são desfavoráveis aos requerentes, como mostra a Tabela 8 abaixo. Como predominam demandas por vagas de UTI de pacientes correndo risco de vida ou agravamento de condição clínica, este é um resultado de certo modo esperado. Tabela 8 – Resultados de Decisão Liminar Fonte: Levantamento de processos julgados na 2ª Vara de Fazenda Pública Privativa do TJDFT - 2005 a 2010 19 Observatório da Justiça Brasileira A Tabela 9 decompõe a fração de liminares desfavoráveis aos requerentes segundo o fundamento da decisão liminar. Nela é possível observar que preocupações com impactos orçamentários das decisões, majoritariamente referentes ao custo de medicamentos, (argumento da reserva do possível) têm pouca importância no total. A razão principal para o indeferimento de liminares é a ausência de comprovação da urgência do caso, a qual responde por 2,39 pontos percentuais dos 8,05% dos casos de decisão desfavorável ao requerente. Tabela 9 – Fundamentos para Liminar Desfavorável ao Requerente Fonte: Levantamento de processos julgados na 2ª Vara de Fazenda Pública Privativa do TJDFT - 2005 a 2010 Informação adicional: os dados de nome do laboratório ou hospital são de má qualidade. 48% dos registros estão classificados em categoria vazia (nem sim, nem não), o que impede qualquer análise. O mesmo se aplica ao nome do hospital no pedido da inicial (27% de dados faltantes) Conclusão Esta pesquisa analisou as tendências do Poder Judiciário frente às demandas sobre o direito à saúde, por meio de um estudo de caso de demandas judiciais cíveis por acesso à assistência em saúde no Distrito Federal. Foram analisadas 385 ações que tramitavam na 2ª Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal, no período entre 2005 e 2010. O estudo levou a duas conclusões principais: a judicialização da saúde é um fenômeno complexo que engloba outros bens além dos medicamentos e a tese de que a judicialização favorece as elites não se comprovou no Distrito Federal. A análise dos processos judiciais em que se requeria a garantia de algum aspecto do direito à saúde mostrou que, no Distrito Federal, o principal bem judicializado é o acesso à UTI (66% ). A literatura sobre a judicialização da saúde no Brasil concentra-se, de forma majoritária, na análise da obrigação de fornecimento de medicamentos imposta 20 Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal pelo Poder Judiciário. Os impactos orçamentários e políticos dessas decisões judiciais atraem as análises e concentraram a atenção dos pesquisadores brasileiros. No entanto, o presente estudo demonstrou que, no período de 2005 a 2010, o Poder Judiciário impôs o fornecimento de medicamentos em apenas 16% das ações analisadas, enquanto a assistência médica representou 14% do total, o que demonstra que o cenário da judicialização da saúde é complexo. Dos processos judiciais analisados, em uma parcela pequena foram encontradas comprovações de renda do requerente, o que por si só já configura indício de que a pobreza não é um argumento forte para a instrução e julgamento de ações que requeiram a garantia do direito à saúde. Apenas 8% dos casos traziam informação sobre a renda dos requerentes, embora em 20,52% dos pedidos, a pobreza tenha surgido como um argumento que fundamentou os requerimentos. Dentre os casos em que se comprovou rendimentos, a menor renda identificada foi de R$ 354,00 com predominância dos valores em torno de R$ 500,00. Quanto à tese de instrumentalização do acesso à justiça realizada pelas elites econômicas, a pesquisa demonstrou que a quase totalidade dos processos judiciais analisados foram interpostos por defensor público (95%). Apenas 4% das ações foram propostas por advogados particulares. Esse é um dado relevante, principalmente se considerarmos que o fundamento principal da tese da judicialização da saúde pelas elites é exatamente a presença de advogados privados. Em outro giro, o estudo também demonstra que em 85% dos casos as receitas e indicações médicas são oriundas dos serviço público de saúde. De toda sorte, a saúde é direito de todos e dever do Estado no Brasil, conforme assegura a Constituição Federal de 1988. Assim, a universalidade na cobertura e atendimento em saúde é um princípio que garante que os serviços e bens de saúde fornecidos pelo Estado sejam distribuídos a todos os cidadãos conforme suas necessidades. A resposta sobre quem tem direito à saúde já está na Constituição. A questão difícil é definir quais são as necessidades em saúde. Só essa resposta nos dará um caminho seguro para julgar o acerto ou erro das decisões judiciais. Até que tenhamos clareza, ainda que precária, sobre essa questão, os esforços de crítica às decisões judiciais se restringirão à teses processuais como a da instrumentalização do Poder Judiciário pelas elites. De toda sorte, o processo é um caminho analítico. No presente estudo, foi possível verificar algumas questões importantes. Observou-se que o processo foi extinto sem julgamento do mérito em 46,49% dos processos analisados. Em 8% dos casos em que o processo foi extinto sem julgamento do mérito, a razão da extinção foi o óbito do requerente. Ainda que não seja possível avaliar a relação de causa e efeito entre o óbito e o processamento judicial do feito, o dado alerta para o fato de que eventual negligência do Estado ou a morosidade da justiça podem trazer consequências gravíssimas para a população. Por outro lado, o número de liminares concedidas é alto, somente em 8,05% das decisões o pedido de concessão de medida liminar foi indeferido. E o fundamento principal 21 Observatório da Justiça Brasileira desses indeferimentos é a ausência de comprovação da urgência do caso, a qual responde por 2,39 pontos percentuais dos 8,05% dos casos de decisão desfavorável ao requerente. Isso demonstra que o Poder Judiciário tem apresentado respostas quando a urgência está demonstrada, cumprindo seu papel constitucional de intervenção nos casos de ameaça a direitos. Quanto aos réus no processo, o Distrito Federal e os hospitais são os grandes demandados, já que as ações analisadas são todas oriundas da 2ª Vara de Fazenda Pública do DF e o principal bem judicializado são os leitos em UTI. Quanto aos fundamentos do pedido, o estudo demonstrou que o direito à saúde e à vida são os mais mencionados, o que parece correto, considerando as circunstâncias concretas e a forma como a Constuição Federal de 1988 organiza os direitos fundamentais. Assim, o estudo de caso no Distrito Federal não tem pretensões generalizantes, mas aponta para o fato de que o fenômeno da judicialização da saúde tem diferentes dimensões e que importantes questões sobre justiça distributiva estão envolvidas nesse conceito. 22 Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal Anexos 23 Observatório da Justiça Brasileira Tabelas de dados brutos 24 Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal 25 Observatório da Justiça Brasileira 26 Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal Diagnósticos Diagnóstico quantidade 1 DPO de craniotomia para drenagem de H.I.P. A autora é cardiopata grava (...) evoluiu com choque cardiogênico Abscesso hepático/choque séptico Acidente automobilísco Acidente automobilístico Acidente Vascular Encefálico Acidose metabolistica, insuficiência renal aguda, hemorragia digestiva alta por gastrite erosiva de outro Anemia Normicitica Normocrônica Aneurisma de artéria carótida externa esquerda Angioplastia Artrite gotosa, Sepse grave, alteração de função renal, insuficiência respiratória Atropelamento AVC AVC de tronco e hidocefalia AVC hemorrágico AVC Hemorrágico em fronte evoluindo com hidrocefalia e coma AVC Isquêmico AVC isquêmico de circulação posterior AVC, evoluindo com insuficiência renal aguda e pneumonia aspirativa AVCH AVCI lacunar, sepse grave associada a insuficiência renal e respiratória AVE AVE hemorrágico AVE prévio (hemiparesia D) AVE-H AVEi AVEI de ACM Bradicardia Cálculos na vesícula e quadro de cardiopatia chagásica Câncer de mama Carcinoma epidermóide de canal anal Carcinoma epidermóide de pulmão Cardiopata com AVC Cardiopatia Cardiopatia congênita acianótica Cefaléia e vômito com HAS (hipertensão arterial sistêmica) e febre em seguida com perda da consciência Celedocolitíase Cerebrite 15 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 1 1 1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 27 Observatório da Justiça Brasileira Diagnóstico quantidade Cetoacidosa diabética Cetoacidose diabética Choque septico Cianose, desidratação, dispnéia e queda de saturação de oxigênio Cirrose hepática Cirrose hepática e parada cardiorespiratória Coarctação de aorta, CIV pequena, FOP e hipertensão pulmonar com, possível AVC, diminuição do risco da consciência, sem sinais de abdome agudo inflamatório COMA, DIFICULDADE DE RESPIRAÇÃO E HEMODIÁLISE Complicação pós-cirúrgica Conmplicação pós-cirurgica, cirurgia de apendicectomia Contusão F (face) e pneumonia aspirativa Contusão F, e pneunomia aspirativa Criança com problemas respiratórios Criptococose Crises convulsivas de dificil controle Crises convulsivas de difícil controle Desidratação intensa, taquidispinéia associada Diabetes hipertensa arterial sistêmica com quadro de infarto agudo do miocardio Dispepsia mal definida Dispinéia, cianose e dor precordial Displasia broncopulmonar, laringotraqueomalácia, refluxo gastroexofático e osteopenia Distrofia muscular progressiva Distrofia muscular progressiva tipo Duchene DM + MCP Severa, evoluiu com quadro de choque cardiogênico + insuficiência respiratória DM e IRC dialítica DM2, HAS DOPOE grave Dor torácica e abdominal inferior, contusão pulmonar à direita e pequena contusão a esquerda DPOC exarcebado Edema agudo dos pulmões, evoluiu com insuficiência respiratória aguda Edema cerebral Edema dispneia e hipertensão arterial grave. Estenose pulmonar valvar de grau acentuado Estenose severa de 95% da artéria carótida Febre reumática, endocardite infecciosa Febre, episódios de vômitos e dor abdominal. Traquidispnéica, com risco de conpensação do quadro. Glasgow 9. Quadro clínico e laboratorial 28 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal Diagnóstico quantidade compatível com meningite bacteriana. Ferimento por arma de fogo, evolui com peritonite Gestação p’re-termo e DHEL grave Grave politromotizado HAS HAS, angina estável, IAM com supra há 18 hs HAS, doença pulmonar obstrutiva crônica e neoplasia gátrica. Hemorragia digestiva baixa grave Hemorragia subaracnoide e parada respiratoria Hemorragia traumática e edema cerebral difuso Heotemese, melina, choque hipovolêmico e séptico Hepatopatia crônica Hipertensa com diagnóstico de AVCH em “gânglos” da base D com “hemocentrículo e hidrocefalia Hipertensão Hipertensão arterial sistêmica grave e doença pulmonar obstrutiva crônica Hipertensão arterial, evidonefrose bilateral por obstrução parcial Hipertensão arterial, evidronefrose bilateral Hipertensão associada com edema agudo de pulmão Hipertensão, AVE isquêmico, pneumonia e edema agudo Hipertenso de longa data, infarto agudo do miocardio, dispinéia aos mínimos esforços e tosse seca. Hipertenso, diabético, c/ bloqueio de mama direita, hemiplégico História de DPOC, Hipertensão arterial, artrite reumatóide e apresentando pico hipertensivo com perda de consciência HIV+, Hepatite C HSAE evoluindo grave IOT e VM IAM de parede inferior IAM e PCR com NYHA-III Imetátase cerebral, pneumonia Infarto agudo do miocárdio Infarto do miocárdio Infecção generalizada Insuficiência cardíaca congestiva e adenorcainoma de próstata Insuficiência cardiaca e choque cardiogenico Insuficiência renal Insuficiência renal aguda associada a neoplasia de reto. Insuficiência renal aguda,hemorragia digestiva alta por gastrite erosiva de outro. Insuficiência renal crônica Insuficiência renal crônica e fazendo uso de hemodiálise Insuficiência renal crônica,dipocalemia e infarto agudo do miocardio Insuficiência respiratóira grave 1 1 1 1 1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 5 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 29 Observatório da Justiça Brasileira Diagnóstico quantidade Insuficiência respiratória Insuficiência respiratória aguda Insuficiência respiratória aguda e paraplegia de MMII Insuficiência respiratória aguda e síndrome de Guillain Insuficiência respiratória aguda grave Insuficiência respiratória em virtude de pneumonia hospitalar Insuficiência respiratória grave Insuficiência respiratória no pós-operatório Insuficiência respiratória secundária a crise asmática grave, e provável crise convulsiva associada Insuficiência respiratória, DPOC Insuficiência respiratória. Insufuciência renal crônica Isquemia cerebral Lesão consolidativa em lobo superior D de provável natureza inflamatória/ infecciosa. Derrame pleural bilateral. Opacidade Intertício-aveolar difusa no pulmão D. Sinais de derrama Pleural bilateral.Afásica. Leucemia Linfocítica Aguda (LLA) Linfoma Má formação artério-venosa e hidrocefalia Megacolon por doença de chagas Melanoma Menigioma gigante de foice com edema cerebral circunjacente Meningite bacteriana Meningocefalite Miocardiopatia Chagásica Não foi detalhada Não identificado Nefractomia, andrenalectomia e esplerectomia Neoplasia de mama Neoplasia gástrica Neoplasia intestinal com possível metastase Neoplasia Maligna da Bexiga Neoplasia obstrutiva intestinal O paciente foi vítima de atropelamento Oesteopetrose, DRGE Operado com sindrome comportamental Oxalose primária ; insuficiêcia renal crônica estágio V sob tratamento dialítico; insuficiência respiratória grave Paciente está sendo submetida à cirurgia no ovário PAF craniano Pancreatite Pancreatite aguda grave 30 1 3 3 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal Diagnóstico quantidade Pancreatite biliar aguda grave Parada Cardiorespiratoria Parada cardiorespiratória Paralisia cerebral e derivação para hidrocefalia Peneumonia, insuficiencia respiratória Perda de consciência Piora neurológica súbita, com quadro de hemorragia subaracnóidea espontânea, fruto de hipertensão. Pneumonia Pneumonia atelectasia Pneumonia e sepse Pneumonia, hipertensão arterial, insuficiência cardiaca congestiva, diabetes melitus tipo II, Angiopatia relacionada ao diabete, arteriosclerose periférica, insuficiência renal aguda Pneumonia, infarto extenso do miocárdio, AVC cerebral anterior e hidrocefalia. Pneumonia, insuficiência respiratória. Pós operatório de câncer do ovário, apresentou dispinéia súbita. Pós operatório de craniotomia Pós operatório de craniotomia para clipagem de aneurisma Pós operatório precoce de craniotomia Pós operatório precoce de Trepanação para drenagem Pós operatório, por ferimento de arma de fogo PPOC, UAS, diabetes Precardialgia Prematura com quadro de insuficiência grave Pré-maturo Primigesta gestação com 33 semanas de idade gestacional, apresentando quadra de trabalho de parto prematuro Quadro clínico de coma + insuficiência respiratória aguda Quadro de alteração neurológica evoluindo com insuficiência renal Hipertensa Quadro de estados epilápticos e hiponatremia Quadro de febre e convulsão superior a 30min Quadro de febre, desconforto respiratório e broconsespamo Quedas de saturação associada à cianose Quedo do nivel de consciência e deficit da força. Hipertensa. Rebaixamento de consciência associada a hipoglicemia. Recém-nascido necessita de cirurgia cardíaca de emergência Recém-nascido com crise conculsiva. Recém-nascido pematuro Recém-nascido pré-maturo Recém-nascido 1 1 1 2 1 1 1 1 6 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 31 Observatório da Justiça Brasileira Diagnóstico quantidade Recém-nascido com choque cariogênico Recém-nascido prematura com insuficiencia respiratória RN - Feto está com sofrimento e risco de morte (DHGE, Sofrimento Fetal agudo, prematuridade) RN prematuro Septicemia, taquicardia, dispinéia Séptico de foco primário urinário e com escara de decúbito infectada Sequela de AVC e hipertensão arterial sisyêmica, evolui com vários focos infecciosos, sendo pneumonia a principal. Sequela de TCE, chagásico, HIV positivo Sinais de hemorragia intracraniana Síndrome comportamental Síndrome da Angústia Respiratória do Adulto (SARA) Síndrome de Lapore Síndrome de Parkinson, câncer de mama esquerda, hipertensão Status epilépticos + hiponatremia severa TC de crânio, hemiporemia TCE Transtorno bipolar Trauma abdominal contuso, lesão hepática extensa Traumatismo craniano hemorrágico Trombose, mastoidite, anticoagulação oral Tumor de glândula pineal e hidrocefalia Tv cerebral de III ventrículo com hidrocefalia Usuário de cocaína, hipertensão crônica e insuficiência renal Valvopatia reumática + fibrilação arterial crônica Vítima de acidente automobilístico Vítima de atropelamento Vítima de parada respiratória Vítima de queda da mesma altura Vítima de queda de cavalo evoluindo grava em TOTO e VM 32 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 3 1 1 1 Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal Instrumento 33 Observatório da Justiça Brasileira 34 Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal 35 Observatório da Justiça Brasileira 36 Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal 37 Observatório da Justiça Brasileira 38 Judicialização do Direito à Saúde: O Caso do Distrito Federal 39 Observatório da Justiça Brasileira 40