manual títono. para o atendimento de pessoas idosas vítimas de crime parte I compreender ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE APOIO À VÍTIMA (APAV) PROJECTO TÍTONO PESSOAS IDOSAS VÍTIMAS DE CRIME 3 4 ÍNDICE 7_ NOTA DE APRESENTAÇÃO PARTE I A PROBLEMÁTICA DAS PESSOAS IDOSAS VÍTIMAS DE CRIME: COMO COMPREENDER CAPÍTULO 1 11_ CONTEXTOS DE CRIME E CONDIÇÕES DE RISCO CAPÍTULO 2 13_ OS AGRESSORES E AS SUAS ACÇÕES CAPÍTULO 3 17_ CARACTERÍSTICAS DAS PESSOAS IDOSAS VÍTI- MAS: INDÍCIOS PARA A INTERVENÇÃO 21_ NOTAS a problemática das pessoas idosas vítimas de crime: como compreender 5 6 NOTA DE APRESENTAÇÃO O presente manual é a peça fundamental do Projecto TÍTONO1 - Pessoas Idosas Vítimas de Crime, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), com o apoio da Comissão Nacional para o Ano Internacional das Pessoas Idosas, 1999. As pessoas idosas vítimas de crime são uma realidade relevante nas sociedades contemporâneas, quando uma crescente preocupação com os cidadãos mais velhos tem dado às comunidades respostas várias em termos de maior consciencialização para as problemáticas que lhes dizem respeito e realização de projectos específicos, que incluem a optimização de recursos e equipamentos diversos. A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) tem vindo, desde a sua criação, a apoiar emocional, jurídica, psicológica e socialmente pessoas idosas vítimas de crime, que, pela sua fragilidade, vivem situações deveras adversas à qualidade de vida que merecem. Frequen temente se encontram em circunstâncias que reclamam uma intervenção eficiente da parte daqueles que estão nas instituições da comunidade, às quais, em crise, estas vítimas solicitam ajuda. Sobre esses, os profissionais (agentes policiais, profissionais de saúde, assistentes sociais, entre outros), recai a responsabilidade de, através da sua atitude pessoal e profissional poder ajudar a pessoa idosa vítima a resolver o seu problema. Para eles se apresentam algumas breves notas sobre a problemática das pessoas idosas vítimas de crime: como compreender 7 os aspectos que poderão desenvolver num processo de apoio, no qual será fundamental que se empenhe com toda a empatia possível, de modo a detectarem as necessidades (por vezes nem sempre óbvias) e a delinearem uma interacção eficiente junto de pessoas que sofreram um abalo traumático nas suas vidas. De salientar que estas notas pouco servirão se os profissionais não fizerem uso da sua própria experiência e de um certo bom senso junto das pessoas idosas vítimas - esses serão determinantes no bom sucesso da sua intervenção. 8 PARTE I A PROBLEMÁTICA DAS PESSOAS IDOSAS VÍTIMAS DE CRIME COMO COMPREENDER 10 CAPÍTULO 1 CONTEXTOS DE CRIME CONDIÇÕES DE RISCO E As pessoas idosas são vítimas de crime CONTEXTOS em vários contextos, cuja composição, geralmente, é determinante para que a vitimação aconteça. Isto é, a pessoa idosa, por vezes já se encontra fragilizada fisicamente pela sua idade avançada e, sobretudo, pelo isolamento a que, tendencialmente, a comunidade a deixa ficar, é vítima de crime consoante o contexto em que se encontra. É possível encontrar pessoas idosas vitimadas de modo ocasional, frequente ou contínuo, em vários contextos possíveis: na família; em instituições; na sua casa (quando reside só); na rua; ou ainda em situação de incapacidade: EM FAMÍLIA a) em família. A pessoa idosa é um dos elementos de uma família mais vulnerável, das crianças e das mulheres, sofrendo dos crimes que costumam configurar situações de violência doméstica. O isolamento relacional a que são votados, a falta de dignificação pessoal, a crescente redução da sua autonomia e capacidade de decisão da própria vida, a sua frequente infantilização por parte dos familiares, entre outras atitudes, tornam-na frágil e dependente, o que favorece a sua vitimação, agravada pela ambivalência de sentimentos que pode sustentar em relação aos seus agressores. EM INSTITUIÇÕES b) em instituições de acolhimento/internamento. A pessoa idosa institucionalizada pode ser vitima a problemática das pessoas idosas vítimas de crime: como compreender 11 de crime num contexto, que lhe retira, frequentemente a autonomia e a liberdade, e a sujeita a regulamentos internos e à sua desresponsabilização no conjunto de muitas outras pessoas idosas aí residentes. O abandono da família, que não a visita, a falta de intimidade pessoal, a negligência medicamentosa ou de saúde, a violência emocional ou psicológica. EM CASA c) em sua casa, residindo só. A pessoa idosa que vive sozinha, sem familiares, amigos ou profissionais que a visitem, fica mais isolada da comunidade e torna-se alvo fácil de comportamentos criminosos, como sejam os assaltos, as burlas, e a violência física e NA RUA sexual. d) na rua. A pessoa idosa torna-se muito susceptível de ser vítima de crime na rua, sobretudo se os potenciais agressores se aperceberem dos seus hábitos quotidianos (como, por exemplo, os objectos de valor que leva consigo e os seus trajectos habituais), estes indicadores da sua incapacidade de prevenir EM SITUAÇÃO DE INCAPACIDADE e resistir ao crime. e) em situação de incapacidade. A pessoa idosa pode estar em situação de não poder autonomamente gerir a sua pessoa e os seus bens, e sem representante legal, estando sujeita à intervenção não legitimada, de familiares ou prestadores de cuidados, 12 designadamente nos domínios da saúde, internamento e alienação de bens, ou exposta a abusos de ordem material e financeira. CAPÍTULO 2 OS AGRESSORES E AS SUAS ACÇÕES Segundo os contextos da vitimação já referidos, podem identificar-se dois tipos de agressores da pessoa idosa: PESSOAS DAS SUAS RELAÇÕES pessoas que com ela se relacionam, os seus familiares contexto a) - ou as pessoas responsáveis pelos seus cuidados, quando estão institucionalizados - contexto b); pessoas estranhas, as que a interpelam em sua própria casa, por vezes com identidades falsas - contexto c) - ou anónimos, que as vitimam por já conhecerem os seus hábitos ou o fazem ocasionalmente - contexto d). Estes agressores desenvolvem determinadas acções que podem favorecer o aparecimento do crime ACÇÕES DOS AGRESSORES ou são já, por si, crime. Quando vitimada por pessoas do seu contexto relacional - a), a pessoa idosa sofre em várias dimensões da sua vida pessoal: fisicamente. Os agressores podem negligenciar ou impedir os seus cuidados físicos e médicos; facilitar ou promover o abuso, a falta ou a administração irregular; negligenciar ou impedir a sua alimentação e hidratação adequadas; feridas e ou queimaduras; abusá-la sexualmente; e imobilizá-la sem justificação; entre outras; a problemática das pessoas idosas vítimas de crime: como compreender 13 psicologicamente. Os agressores podem humilhála, ralhar-lhe, envergonhá-la, intimidá-la ridicularizála, infantilizá-la sem justificação; usar de ameaças como reter o seu cheque da pensão, de a colocar numa instituição, de a castigar fisicamente; gritar-lhe e dirigir-lhe palavras em vernáculo; atormentá-la, ter com ela contactos verbais contra a sua vontade; manipulá-lo como priva-lo de informações ou falseando-as, de modo a impedir as suas decisões autónomas); e decidir por a sua vida (como o que deve vestir, quando deve levantar-se, quando deve ir dormir); entre outras; socialmente. Os agressores podem isolá-la ficando sem qualquer visita; privam-na de contactar com outras pessoas (isolá-la no seu quarto); privá-la de participar activamente na vida da família e em determinadas reuniões familiares (como não poder participar em reuniões conjuntas), da comunidade (como impedir que grupos com o coro) e de se relacionar com amigos ou namorados; entre outros; patrimonialmente. Os agressores podem apropriar-se dos seus cheques de pensão ou do seguro; roubar-lhe o dinheiro ou bens ou deles se apropriar; pedir-lhe honorários excessivos pelos serviços prestados; vender as suas propriedades, imóveis e móveis, os PESSOAS DA FAMÍLIA seguros ou outros bens sem a sua permissão, entre outros. A relação de proximidade ou de ligação afectiva que há entre a pessoa idosa e os seus agressores (que podem ser seus filhos ou netos ou mesmo profissionais em quem confie e aos quais se sintam sentimentalmente chegados) torna as situações de vitimação muito penosas. Torna-se difícil à pessoa idosa racionalizar o que está a acontecer e admitir para si própria que, amando as pessoas que 14 estão à sua volta, não recebe da parte destas qualquer reciprocidade afectiva. Pelo contrário fá-la sofrer e sentir-se numa anulação progressiva enquanto pessoa. Situação que é ainda agravada quando a RESIDINDO SÓ pessoa idosa sofre de algum grau de incapacidade para gerir autonomamente a sua pessoa e bens. Quando a pessoa idosa é vitimada por estranhos, na sua própria casa, quando reside só c) ou na rua d), os seus agressores podem, sobretudo afectar ACÇÕES DOS a dimensão patrimonial da sua vida (é AGRESSORES essencialmente essa a sua finalidade), mas como consequência, são também afectadas as outras dimensões pessoais: fisicamente. Em consequência de um crime patrimonial (um roubo, por exemplo) a pessoa pode ficar com sequelas físicas graves (feridas hematomas), fracturas, etc.) Igualmente, o acontecimento traumático pode reflectir-se em todo o equilíbrio da saúde física; psicologicamente. A estabilidade psicológica é também abalada, com reacções de pânico, choro, tremor, insónia, depressão, insegurança, entre outras; socialmente. A pessoa idosa pode recear o contacto com outras pessoas, evitando sair à rua ou aceitar alguém em sua casa, o que aumentará o seu isolamento social. Ao invés de a proteger como julga, essa atitude poderá torná-la ainda mais vulnerável. Finalmente, no domínio do património, as consequências a problemática das pessoas idosas vítimas de crime: como compreender 15 16 de crimes como o roubo, a burla, o abuso de confiança, entre outros desorganizam o projecto de vida e o dano da pessoa idosa, sendo frequentemente determinantes da diminuição da sua qualidade de vida a partir do momento em que foi vítima. CAPÍTULO 3 CARACTERÍSTICAS DAS PESSOAS IDOSAS VÍTIMAS: INDÍCIOS PARA A INTERVENÇÃO Um profissional deverá estar atento à pessoa idosa, nomeadamente às características que podem indiciar que está a ser vítima de crime. Estas características nem sempre são claras, pois podem ser também derivadas do processo natural de envelhecimento ou de doenças várias, o que impede que se detecte de imediato a situação de crime. O profissional deve, mesmo assim, estar INDÍCIOS DE VITIMAÇÃO atento e colocar para si próprio a hipótese da pessoa idosa com que está a interagir estar a ser vítima. Assim, é possível indicar algumas características ou possíveis indícios de vitimação: - a existência de feridas e/ou de hematomas inexplicáveis, é recorrente na pessoa idosa; - a falta de tratamento de problemas de saúde; - a falta de higiene; - insónias; a problemática das pessoas idosas vítimas de crime: como compreender 17 - a má nutrição e desidratação; - a depressão; - o aumento progressivo da vulnerabilidade física e psicológica; - o isolamento social e/ou físico; - o corte, irregularidade ou inadequada administração de medicação; - menção de punição por outrém (familiar, responsáveis, etc.); - a recusa de apoio; - a inibição de decidir, de optar por si sobre qualquer aspecto; - a incoerência do seu discurso ou atitude; - a incoerência no discurso/atitude de terceiro (familiares ou prestadores de cuidados); - a incapacidade de reagir às dificuldades naturais da vida; - sentimentos de medo e de culpa; - agressividade em relação ao profissional/à instituição; SUSPEITA - medo de mudança. Todos estes sinais podem ser dúbios, pois, de facto, 18 não indiciam, por si, uma situação de violência doméstica, ou outro crime contra as pessoas ou contra o património. Mesmo assim, o profissional, levantando a hipó-tese, dá lugar a um sentimento de suspeita sobre o que, realmente, se passou ou está a passar com a pessoa idosa. O profissional deverá aproveitar a sua relação de maior proximidade com a pessoa idosa (por exemplo, ser seu médico de família; seu orientador espiritual, etc.) para concretizar as suas suspeitas junto desta. Ainda assim, o profissional deverá ter a noção de que a problemática das pessoas idosas vítimas de crime: como compreender 19 20 NOTAS parte 1 1| O título é inspirado em Títono, da mitologia clássica, filho de Laomedonte, rei de Tróia, e irmão mais velho de Príamo. Sua mãe era Estrimo, filha do deus-rio Escamandro. A sua beleza atraiu Eos, a Aurora, que se apaixonou por ele e o raptou. Desta união nasceram dois filhos: Mémnon e Emátion. Ora, enquanto Eos conservava uma frescura eterna, Títono, por ser mortal, começou a envelhecer e, pouco a pouco, a sua saúde foi definhando. Eos conseguiu obter de Zeus, pai dos deuses, a prerrogativa da imortalidade do seu esposo, mas por falta de reflexão, não solicitou também a sua juventude eterna. Títono não morreu; mas a idade avançou cada vez mais sobre ele, consumindo-se até ao extremo, até ficar tão pequeno como uma criança e ser transportado num cesto. Eos, desolada, por fim, conseguiu libertar o marido, transformando-o em cigarra. a problemática das pessoas idosas vítimas de crime: como compreender 21