DARCY RIBEIRO: EDUCADOR MINEIRO, CIDADÃO DO MUNDO BRETTAS, Anderson C.F. (Universidade Federal de Uberlândia) e CRUZ, André Silvério da (Universidade Federal de Uberlândia) Introdução: um mineiro do mundo “Sou um homem de causas. Vivi sempre pregando e lutando, como um cruzado, pelas causas que me comovem. Elas são muitas, demais: a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma agrária, o socialismo em liberdade, a universidade necessária. Na verdade, somei mais fracassos que vitórias em minhas lutas, mas isto não importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que nos venceram nessas batalhas.” (RIBEIRO, 1996) Mineiro de Montes Claros nascido em 1922 – ano em que era realizada a Semana de Arte Moderna, um marco de inflexão no modo de enxergar o Brasil -, Darcy Ribeiro foi um intelectual múltiplo, ou, como gostava de enfatizar, “viveu muitas vidas”. Em todas as jornadas – na etnologia, educação, literatura, política, - a marca marioandradiana esteve sempre latente - “...eu quero me obrigar a acreditar na Utopia Brasil...” (RIBEIRO: 1998). Formado em Ciências Sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1946) com especialização em Antropologia, trabalhou como etnólogo do Serviço de Proteção ao Índio. Nesse período fundou o Museu do Índio e criou o Parque Nacional do Xingu. Romancista, publicou, entre outros, Maíra (1976); o Mulo (1981); Utopia Selvagem (1982). Cidadão do mundo, Ribeiro mantinha suas raízes; na obra Migo (1988), permeando figuras como Felipe dos Santos e Tiradentes, ressaltou todo seu “furor patriótico mineiro”. Na educação, seu ativismo e legado são paradigmáticos. Com Anísio Teixeira - “...a inteligência mais brilhante que conheci...” (RIBEIRO:1994) -, participou da defesa da escola pública; criou a Universidade de Brasília, sendo seu primeiro reitor; foi ministro da educação de João Goulart (1961) e chefe da Casa Civil, tendo sido um dos coordenadores das reformas estruturais. Com os direitos políticos cassados com o Golpe Militar (1964), exilou-se. Retornando ao Brasil, foi anistiado em 1980 e eleito vice-governador do Rio de Janeiro (1982), acumulando o cargo de secretário de Estado de Cultura onde gestou e dirigiu a implantação dos CIEP’s – Centros Integrados de Educação Pública – principal marca do brizolismo na educação. Em 1987, teve uma efêmera passagem por Minas Gerais, no então governo Newton Cardoso, como secretário especial para a implantação de escolas de tempo integral. Em 1990, elegeu-se senador da República; entre diversas investiduras, elaborou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sancionada em 20 de dezembro de 1996 como Lei Darcy Ribeiro. Este trabalho objetiva, portanto, resgatar, discorrer e analisar a trajetória biográfica deste mineiro do mundo, focalizando suas idéias pedagógicas e sua produção educacional. Metodologicamente, aceitamos o pressuposto de que toda história é social, por definição, quando tomada do ponto de vista da unidade. Assim, entendemos a História Social como uma perspectiva globalizante capaz de analisar as interrelações entre fatores políticos, econômicos, culturais e ideológicos que permitem delinear o conteúdo do discurso e da ação dos atores articulados nos processos abordados. Como fontes de pesquisa, recorremos às consultas bibliográficas em livros; jornais, revistas e vídeos; e a leitura e mapeamento da revista Carta - “Informe de distribuição restrita do senador Darcy Ribeiro” – publicação com dezesseis números lançados entre 1991 e 1996. A formação intelectual “Convivi com alguns homens admiráveis que já se foram. Entre eles meu herói, Rondom; meu estadista, Salvador Allende; meu santo, Frei Mateus Rocha; meu sábio, Hermes Lima; meu gênio, Glauber Rocha; meu filósofo da Educação, Anísio Teixeira (RIBEIRO, 1995). Com 17 anos, o mineiro de Montes Claros, norte do estado de Minas, centro do Brasil, Darcy Ribeiro partiu para estudar em Belo Horizonte. Seguindo o sonho da mãe de ter um filho médico, conseguiu ingressar na faculdade de Medicina de Belo Horizonte. Todavia, o inquieto Darcy, confessadamente sem nenhum pendor para a “ditadura da matemática” na educação, freqüentava mais assiduamente as aulas de ciências humanas do que da ciência médica. Em confissões (1998), revela: Inventei então a universidade de meus sonhos, que busquei implantar mundo afora. Descobri, encantado, que podia freqüentar os cursos de outras faculdades. A faculdade de filosofia me deixou maravilhado, com suas aulas abertas para quem quisesse assistir, eloqüentíssimas (...) Ali se davam aulas de tudo. Todas num diapasão declamatório. Uma maravilha que eu fruía contentíssimo, livre da matemática e dos cadáveres. 2 De volta a Montes Claros, decidiu rumar à São Paulo, onde descobriria sua vocação de etnólogo, formando-se em Antropologia (1946), na Escola Superior de Sociologia Política de São Paulo, onde Darcy Ribeiro entrou em contato com intelectuais do quilate de W.V. Quine, Radcliffe-Brown e Sérgio Buarque de Holanda. A primeira atividade profissional de Darcy fora o cargo de Etnólogo (o primeiro, aliás, da instituição) do Conselho Nacional de Proteção aos Índios, o SPI, chefiado pelo Marechal Cândido Rondon, cuja convivência deixaria marcas indeléveis em seu espírito. Em suas Confissões, Ribeiro descreve as impressões do primeiro encontro com figura lendária do militar engajado nas causas indígenas: Fiquei galvanizado instantaneamente pela bela figura índia de Rondon, pela dignidade de sua fiosionomia, pela energia de seu olhar, pela naturalidade de seu mando. Ali estava o bravo homem que trocara a cátedra de professor de astronomia da Escola Militar pela missão de realizar os ideais de Augusto Comte na selva brasileira Nos primeiros anos de vida profissional ao estudo dos índios do Pantanal e da Amazônia (1946/1956) – os Kadiwéu e os Kaapor. Neste período, fundou o Museu do Índio e estabeleceu os princípios ecológicos da criação do Parque Indígena do Xingu. Elaborou para a UNESCO um estudo do impacto da civilização sobre os grupos indígenas brasileiros no Século XX e colaborou com a Organização Internacional do Trabalho (1954) na preparação de um manual sobre os povos aborígenes de todo o mundo. De sua vida como indigenista, escreveria uma vasta obra etnográfica e de defesa da causa dos índios do Brasil. Anísio Teixeira, o mestre "Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública". (Anísio Teixeira) “Anísio Spínola Teixeira representou para mim o que fora Rondon em outro tempo e dimensão. Baixinho, irrequieto, falador, mais cheio de dúvidas do que certezas, de perguntas do que respostas. Anísio me ensinou a duvidar e a pensar” (RIBEIRO, Confissões, 1997). 3 A produção de Darcy Ribeiro na área educacional e da cultura deixou marcas significativas no país: criou universidades, centros culturais, uma nova proposta educativa com os Centros Integrados de Educação Pública (CIEP’s) no Rio de Janeiro, além de inúmeras obras escritas com reedições em vários idiomas. E a vinculação de Darcy com a Educação esteve estreitamente vinculada com as idéias e ações de Anísio Teixeira. Nascido em Caetité no interior baiano numa família de fazendeiros, Anísio Teixeira formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais no ano em que Darcy nascia, 1922. Dois anos depois já era nomeado Inspetor Geral do Ensino no Estado da Bahia. Foi em 1928 quando estudou na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, conheceu John Dewey (1852/1952), educador estadunidense que marcou sobremaneira seu pensamento pedagógico. Considerado o principal idealizador das grandes mudanças que marcaram a educação brasileira no século 20, Anísio Teixeira (1900-1971) foi pioneiro na implantação de escolas públicas de todos os níveis, que refletiam seu objetivo de oferecer educação gratuita para todos. Como teórico da educação, Anísio não se preocupava em defender apenas suas idéias. Muitas delas eram inspiradas na filosofia de John Dewey (1852-1952), de quem foi aluno ao fazer um curso de pósgraduação nos Estados Unidos. Viajando pela Europa em 1925, observou os sistemas de ensino da Espanha, Bélgica, Itália e França e com o mesmo objetivo fez duas viagens aos Estados Unidos entre1927 e 1929. Para Dewey, reconhecido como um dos fundadores da escola filosófica de Pragmatismo (juntamente com Charles Sanders Peirce e William James), um pioneiro em psicologia funcional, a chave do desenvolvimento intelectual, e conseqüentemente do progresso social, era a escolarização, sobretudo numa época em que as influências educacionais de outras instituições (o lar, a igreja, etc.) decresciam tão drasticamente. Dewey destacou a natureza moral e social da escola e acreditava que esta poderia servir como uma “comunidade em miniatura, uma sociedade embriónica”, John Dewey é, certamente, um dos mais influentes pensadores na área da educação contemporânea. Entre seus conceitos destacam-se idéias como a defesa da escola pública, a legitimidade do poder político e a necessidade de autogoverno dos estudantes. De volta ao Brasil, em 1931, Anísio Teixeira foi nomeado secretário de Educação do que ia Rio. Em sua gestão, criou uma rede municipal de ensino completa, da escola primária à universidade. 4 Em abril de 1935, completou a montagem da rede de ensino do Rio com a criação da Universidade do Distrito Federal (UDF). Ao lado da Universidade de São Paulo (USP), inaugurada no ano seguinte, a UDF mudou o ensino superior brasileiro, mas ela foi extinta em 1939, durante o Estado Novo. Em 1935, perseguido pelo governo de Getúlio Vargas, Anísio refugiou-se em sua cidade natal, onde viveu até 1945. Nesse período, não atuou na área educacional e se tornou empresário. Em 1946, ele assumiu o cargo de conselheiro da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco). No ano seguinte, com o fim do Estado Novo, voltou ao Brasil e novamente tomou posse da Secretaria de Educação de seu Estado. Nessa gestão, criou, em 1950, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, a Escola Parque. Em 1951, assumiu o cargo de secretário-geral da Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (Capes) e, no ano seguinte, o de diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), onde ficou até 1964. Anísio foi um dos idealizadores da Universidade de Brasília (UnB), fundada em 1961. Ele entregou a Darcy Ribeiro, que considerava como seu sucessor, a condução do projeto da universidade. Em 1963, tornou-se reitor da UnB. Perseguido pelo golpe militar de 1964 e afastado do cargo de reitor da UNB, Teixeira foi para os Estados Unidos onde lecionou nas universidades de Columbia e da Califórnia. Voltou ao Brasil em 1965 e no ano seguinte tornou-se consultor da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Faleceu em 11 de março de 1971, numa circunstância misteriosa. Seu corpo foi encontrado no poço de um elevador de um edifício na avenida Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. Embora a polícia considerasse sua morte acidental, a família do pedagogo baiano suspeitou da possibilidade de ação da repressão do governo militar de Garrastazu Médici (1969/1974). Mas o legado de Anísio, sua influência intelectual sobre Darcy e o modelo das Escolas Parque ressurgiriam no Rio de Janeiro dos anos 1980, nos Centros Integrados de Educação Pública, os CIEP’s. A Escola Parque, precursora dos CIEP’s O encontro de Darcy com o mestre da Escola Nova ocorrera, a despeito da desconfiança mútua – Teixeira era um homem urbano, com trânsito nos EUA, perseguido por Vargas, e Ribeiro um sujeito socialista, embrenhado no Brasil rústico, indígena – ocorreu na década de 1950, dentro do Instituto Nacional de Estudos 5 Pedagógicos (INEP). Segundo Darcy, Anísio prestou atenção, com entusiasmo, no antropólogo, numa conferência sobre os índios (RIBEIRO, 1997). Sobre Darcy, Anísio assinalou: “Considero Darcy Ribeiro a inteligência do Terceiro Mundo mais autônoma de que tenho conhecimento. Nunca lhe senti nada da clássica subordinação mental do desenvolvimento.” (RIBEIRO, 2003) Sob coordenação, supervisão e apoio financeiro do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), presidido na época por Anísio Teixeira, este projeto experimental constituiu campo de pesquisa aplicada segundo orientações curriculares diversas. No mesmo período, desenvolveram-se quatro ginásios públicos, primeiro segmento do ensino médio, com finalidade de qualificação profissional. O centro, chamado de Escola-Parque, contava com quatro escolas-classe, de nível primário, com funcionamento em dois turnos, projetadas para mil alunos cada, e uma escola-parque, com sete pavilhões, destinados às chamadas práticas educativas, freqüentadas pelos alunos em horário diverso ao da escola-classe, de forma que as crianças permanecessem o dia completo em ambiente educativo. Para ser eficiente, dizia Anísio, a escola pública para todos deve ser de tempo integral para professores e alunos, como a Escola Parque por ele fundada em 1950 em Salvador, que mais tarde inspiraria os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) do Rio de Janeiro e as demais propostas de escolas de tempo integral que se sucederam. O anos de Exílio Nos anos seguintes, dedicou-se à educação primária e superior. Criou a Universidade de Brasília, de que foi o primeiro Reitor, e foi Ministro da Educação, no Gabinete Hermes Lima. Mais tarde, foi Ministro-Chefe da Casa Civil de João Goulart e coordenava a implantação das reformas estruturais quando sucedeu o golpe militar de 64, que o lançou no exílio. Viveu em vários países da América Latina, conduzindo programas de reforma universitária, com base nas idéias que defendeu em A Universidade necessária. Professor de Antropologia da Universidade Oriental do Uruguai; foi assessor do presidente Salvador Allende, no Chile, e de Velasco Alvarado, no Peru. Escreveu nesse período os cinco volumes de seus estudos de Antropologia da Civilização (O processo civilizatório, As Américas e a civilização, O dilema da América Latina, Os brasileiros - 1. Teoria do Brasil e Os índios e a civilização), nos quais propõe uma teoria explicativa das causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos. 6 O Brizolismo e os CIEP’s Todos esses feitos, de que me orgulho muito, não são criações minhas, mesmo porque eles apenas concretizam ideais antigos dos principais educadores brasileiros, encabeçados por Anísio Teixeira. O que os tornou viáveis foi o fato de eu poder contar para concretizá-los com o primeiro estadista de educação que o Brasil conheceu: Leonel Brizola. Como Prefeito de Porto Alegre e como Governador do Rio Grande do Sul, Brizola já revelara um paixão pela educação, que, aprofundada nos seus longos anos de vivência no exílio, pôde florescer no Rio de Janeiro. Como efeito, Brizola é o primeiro governante brasileiro a compreender em toda a sua profundidade a inexcedível importância do problema educacional, cuja solução é requisito indispensável para que o Brasil progrida. Em 1976, retornou ao Brasil, sendo anistiado em 1980. Voltou a dedicar-se à educação e à política. Participando do PDT com Leonel Brizola, foi eleito vicegovernador do Estado do Rio de Janeiro (1982). Foi cumulativamente secretário de Estado da Cultura e coordenador do Programa Especial de Educação, com o encargo de implantar 500 CIEPs no Estado do Rio de Janeiro. Criou também a Biblioteca Pública Estadual, a Casa França-Brasil, a Casa Laura Alvim, o Centro Infantil de Cultura de Ipanema e o Sambódromo, em que colocou 200 salas de aula para fazê-lo funcionar também como uma enorme escola primária. Os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), projetados por Oscar Niemeyer, foram construídos e implantados no estado do Rio de Janeiro nas duas gestões do governador Leonel Brizola, através do Programa Especial de Educação (I PEE, de 1983 a 1986, e II PEE, de 1991 a 1994). O Programa tinha como objetivo implantar uma proposta de educação pública em tempo integral para o ensino fundamental em 500 unidades escolares, que atenderia a um quinto do conjunto de alunos do estado. Esse projeto baseou-se no diagnóstico feito por Darcy Ribeiro (1986) de que a incapacidade brasileira para educar sua população ou alimentá-la devia-se ao caráter de nossa sociedade, enferma de desigualdade e de descaso por sua população. Ribeiro propôs, então, uma escola de horário integral tal como a oferecida nos países desenvolvidos, objetivando o afastamento de crianças originárias de famílias de baixa renda ao risco do abandono nas ruas e à falta de assistência em lares em que são chamadas a assumir funções de adulto, com sua infância subtraída. Em 1986, na esteira do Plano Cruzado, o PMDB conquistara a vitória em praticamente todos os estados da federação. No Rio de Janeiro, onde os CIEP’s esteve no foco dos debates da campanha, venceu Moreira Franco derrotando Darcy 7 Ribeiro para o governo do Estado. Foi um duro golpe para a escola de tempo integral, que não teve a devida continuidade nos sucessivos governos de oposição ao brizolismo. O Escritor Darcy O primeiro livro que Darcy Ribeiro publicou foi "Religião e mitologia Kadiwéu", em 1950. Com ele recebeu, naquele ano, o Prêmio Fábio Prado de Ensaios. Mais tarde, reúne este e outros textos que publicara separadamente sobre os Kadiwéu em belíssima publicação, com várias pranchas que retratam as artes gráficas e plásticas daqueles índios. No campo da Etnologia, Ribeiro tem uma vasta produção, fundamentada em sua experiência como indigenista. Sua primeira obra é intitulada Religião e Mitologia Kadiwéu, publicada pelo Serviço de Proteção aos Índios. Esse ensaio ganhou Prêmio Fábio Prado de Ensaios, conferido pela Associação de Escritores de São Paulo, em 1950. O Notícia dos Ofaie-Chavante (1951), publicado pelo Revista do Museu Paulista; Os Índios Urubus (1955), reproduzido em Uirá e em uma coletânea de ensaios organizada por Egon Schaden. Em co-autoria com sua primeira esposa, Berta Ribeiro, publicou a Arte Plumária dos Índios Kaapor (1957), vencedor do Prêmio João Ribeiro da Academia Brasileira de Letras - obras de etnologia e folclore. Lançou, ainda, Culturas e Línguas Indígenas do Brasil (1957), obra reeditada em Indians of Brazil in the XXth Century, pelo Institute of Cross-Cultural Research, em Washington, 1967. Uirá sai a procura de Deus - Ensaios de Etnologia e Indigenismo (1957), editou Suma Etnológca Brasileira, com a coordenação de Berta G. Ribeiro. Em Diários Índios – Os Urubus-Kaapor , narra as anotações de seu diário de campo o cotidiano do convívio com esse grupo cujas aldeias localizam-se na divisa amazônica do Maranhão, entre 1949 e 1951 e as mitologias e genealogias dos Kaapor. Iniciada durante os anos de exílio, a série de Estudos de Antropologia da Civilização conta com seis volumes que totalizam quase duas mil páginas. Cinco volumes foram concluídos e publicados entre o final dos anos 1960 e os princípios dos 1970. O Processo Civilizatório – Etapas da Evolução Sócio-Cultural; As Américas e a Civilização – Processo de Formação e Causas do Desenvolvimento Cultural 8 Desigual dos Povos Americanos; O Dilema da América Latina – Estruturas de Poder e Forças Insurgentes. Os Brasileiros – 1 - Teoria do Brasil. Os Índios e a Civilização – A Integração das Populações Indígenas no Brasil Moderno. O último volume, O povo brasileiro, encerrou seu esforço de dotar a América Latina e o Brasil de uma teoria de si mesmos, foi concluído em 1995, mais de vinte anos depois de iniciado por Darcy Ribeiro. Na ocasião da conclusão da obra, já acametido pelo câncer que tiraria sua vida, o professor Darcy, em uma de suas muitas peripécias, fugira do hospital para concluir o livro. Acerca da série, Darcy descreve (1991): Nos Estudos de Antropologia da Civilização proponho a teoria de nós mesmos que sempre nos faltou. Com efeito, o norte-americano pode tomar o passado europeu como seu próprio, achando que viveu lá o escravismo, em Roma, o feudalismo, no medievalismo, os alvores do capitalismo com a Revolução Industrial, e pôs os pés até no socialismo, Acerca da especificidade da alma do homem latino, salienta: O latino-americano feito e refeito, mais com carnes e almas índias e negras do que européias, cujo passado é todo o passado humano, não é explicável nem inteligível como mero europeu de ultramar. Nem a própria Ibéria, tão atípica, é explicável no seu momento de expansão com base nas teorias eurocêntricas. Que feudalismo teria aquele vigor e aquela unidade de ação e de propósito que permitiu unificar todo o mundo num só sistema? No campo da literatura, a produção de Darcy é vasta. Maíra (1976) conta com 48 edições em oito línguas, retoma suas memórias e procura reviver o drama de Avá, uma espécie de índio-santo sofredor em sua luta impossível para mudar de corpo, deixando de ser sacerdote cristão para voltar à sua indianidade original. Em O Mulo procurou retratar o povo sertanejo, pobre, sobretudo os negros, que Darcy sempre os viu mais resignados do que revoltados (...” O mulo foi para mim mais uma ocasião dessas em que não perco de testemunhar o quanto somos um país enfermo de desigualdades.") Utopia Selvagem, sua terceira novela é uma espécie de fabula em que parodia textos clássicos, caricaturando posturas ideológicas, retratando o Brasil e a América Latina. O último capítulo foi escrito para ser filmado por Glauber Rocha, sobre a alucinação coletiva de um povo indígena pela força da ayahuasca, também chamado de santo-daime. Em Migo, espécie de retrato psicológico do autor, Ribeiro mergulha em sua mineiridade (...”É, na verdade, um romance confessional, em que me mostro e me 9 escondo, sem fanatismos autobiográficos. Mais revelador, porém, acho eu, do que sou e do que penso, do que seria possível na primeira pessoa. É um texto muito trabalhado, mais que os outros. Não, talvez, pela tarimba que alcancei como romancista, mas sim por ter como fulcro a própria escritura. (RIBEIRO, 1995) Noções de coisas foi escrito para o público infanto-juvenil. Com ilustrações de Ziraldo, é composto por crônicas do autor acerca de diversos assuntos (ilustrações de Ziraldo), de forma irreverente, divagando sobre temas universais (o Sistema Solar, a Terra, a matéria, os seres, a humanidade, a cultura, a civilização) e, ao mesmo tempo, sobre minhocas, unhas e o fim do mundo. Confissões, com ilustrações de Niemeyer foi escrito por Darcy Ribeiro durante seus dois últimos anos de vida e preparado para edição pelo autor antes de morrer, vítima do câncer de que já era conhecedor quando começou a escrevê-lo. Em tom confessional, recapitula sua vida e seus "fazimentos", desde a infância em Montes Claros, Minas Gerais; a juventude e os estudos em Belo Horizonte e São Paulo; seus anos de exílio, a atuação ao lado de Brizola da construção dos CIEP’s, até seus projetos e atuações como senador. Eros e Tanatos, com posfácio do amigo Moacyr Félix e ilustrações de Mello Menezes, é o livro de poesias de Darcy Ribeiro. Indubitavelmente, uma de suas principais profissões de fé foi a luta por uma educação ampla. Em entrevista à Folha em 1997, no Caderno Mais!, revelou (GOLDFELD, 1997): Vou fazer 74 anos. Escrevo, penso... e gozo. Sou antropólogo porque realmente o que me interessa é gente humana. Há, dentro de mim, um sentimento de realização intelectual que não é plena, mas que é muito satisfatória. Se eu ficasse 30 anos com os índios, poderia ser talvez o maior etnólogo do mundo, mas valeu muito a pena não ser o maior do mundo e sair, depois disso, para a educação. Aprendi educação e me envolvi profundamente com ela. Fiz quatro universidades, reformulei o ensino primário. E em função disso, fui ministro da Educação, depois o exílio, depois a volta e o mandato como vice-governador. Hoje sou senador. Minha vida é muito variada. Agora mesmo, estou com câncer e com diabetes. A diabetes é uma droga, não recomendo, não. Já sofri com o meu primeiro câncer de 20 anos atrás, agora, câncer e diabetes. Para não me prostrar, estou inventando a minha quarta universidade. No campo educacional, publicou, entre livros, ensaios e artigos, Anísio Teixeira, Pensador e Homem de Ação; com vários autores, o Plano Orientado da Universidade de Brasília; La Universidade Latinoamerica y el desarrollo Social, em 10 Cuadernos, editado em Montevidéu (1965) e reeditado em Revista Civilização Brasileira sob o título A Universidade latino-americana e o desenvolvimento social. Com reedições na Argentina, Uruguai e Venezuela, México e Portugal, escreveu A Universidade Necessária; no Uruguai, na Venezuela e no Chile, publicou La Universidad Latinoamericana; ainda na Venezuela, editou o artigo Propuestas acerca de la Renovación; e até na Argélia lançou o estudo Université dês Scienses Humanines D’Alger, estudo elaborado a pedido do Ministério da Educação e da Pesquisa Científica da Argélia). No México publicou sob o título La Facultad de Ciencias Humanas y de la Planificación Social de Argel, em colaboração com Heron de Alencar. La Universidad Nueva, um proyecto, com edição argentina ; La Universidad Peruana, no Peru; UnB – Invenção e Descaminho; Nossa Escola é uma Calamidade; e Universidade do Terceiro Milênio - Plano Orientador da Universidade Estadual Norte Fluminense, com edição bilingüe em português e inglês. Darcy Senador e a Lei de Diretrizes de Base da Educação “Eu sou como cobra, eu mudo de pele. Eu tive um apele de etnólogo, outra de indigenista, a vida inteira lutando pelos índios, de educador com Anísio Teixeira, de criador de universidades, depois de romancista, de teórico da Antropologia. Enfim, fui mudando a minha pele a minha vida inteira. Agora estou começando uma pele nova – gosto muito dela -, pele de senador.” . Elegeu-se Senador da República (1991), função que exerceu defendendo vários projetos, entre eles uma lei de trânsito para proteger os pedestres contra a selvageria dos motoristas; uma lei dos transplantes que, invertendo as regras vigentes, torna possível usar órgãos dos mortos para salvar os vivos; uma lei contra o uso vicioso da cola de sapateiro que envenena e mata milhares de crianças. Entre 1992 e 1994, no segundo governo Brizola, Darcy ocupou-se de completar a rede dos CIEPs; de criar um novo padrão de ensino médio, através dos Ginásios Públicos; e de implantar e consolidar a nova Universidade Estadual do Norte Fluminense, com a ambição de ser uma Universidade do Terceiro Milênio. No Rio de Janeiro, revitalizou a Floresta da Pedra Branca, numa área de 12.000 hectares. Elaborou e fez aprovar no Senado e enviar à Câmara dos Deputados a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, sancionada pelo Presidente da República em 20 de dezembro de 1996 como Lei Darcy Ribeiro. Publicou pelo Senado a revista Carta', com dezesseis números (1991/1996),onde os principais problemas do Brasil e do mundo são analisados e discutidos em artigos, conferências e notícias. 11 Considerações finais: a fé na vida e o canto do cisne “Escrevi estas Confissões urgido por duas lanças. Meu medo-pânico de morrer antes de dizer a que vim. Meu medo ainda maior de que sobreviessem as dores terminais e as drogas heróicas trazendo com elas as bobeiras do barato. (...) Termino esta minha vida exausto de viver, mas querendo mais vida, mais amor, mais saber, mais travessuras." (RIBEIRO: 1997) “Termino essa minha vida exausto de viver, mas querendo ainda mais vida, mais amor, mais travessuras. A você que fica aí inútil, vivendo essa vida insossa, só digo: Coragem! Mais vale errar se arrebentando, do que preparar-se para nada.O único clamor da vida é por mais vida bem vivida. Essa é, aqui e agora, a nossa parte. Depois seremos matéria cósmica. Apagados, minerais, para sempre mortos”. Darcy Ribeiro faleceu em 17 de fevereiro de 1997, vítima de câncer. No seu último ano de vida, dedicou-se a organizar a Universidade Aberta do Brasil, com cursos de educação a distância, e a Escola Normal Superior, para a formação de professores de 1º grau. Organizou, ainda, a Fundação Darcy Ribeiro, criada por ele em janeiro de 1996, com sede própria, localizada em sua antiga residência em Copacabana, com o objetivo de manter sua obra viva e elaborar projetos nas áreas educacional e cultural. Um de suas derradeiras idéias foi o Projeto Caboclo, destinado ao povo da floresta amazônica. "Vinte hectares de capim verde, garantia de que nunca mais puxará carroça ou usará sela, liberdade para correr, relinchar ou dormir quando o instinto mandar. O que mais pode um cavalo querer? Para o manga-larga Preto, único animal do sítio Tira-Teima, em Maricá, a 100 quilômetros do Rio, a vida mansa começou há três anos e não tem prazo para acabar...” O testamento do senador antropólogo que um dia quis ser imperador na festa do Divino em Montes Claros, é uma declaração de irreverência e amor à vida – marcas de sua trajetória: “Meu cavalo preto fica aposentado, com direito de comer o capim que achar até o fim da vida”, escreveu numa carta que desejou que fosse anexada ao testamento que registrou em 1995 (AZIZ FILHO, 1997). Pedro Simon, em artigo na Folha de São Paulo por ocasião da morte do professor, senador, intelectual, declarou: No Senado, nos últimos tempos, sua cadeira era de rodas. Sua imaginação, de asas. Tinha o dom da ubiquidade. Ele era todos, em todos os lugares. Era o índio, o negro, o mulato, o menino de rua, o povo brasileiro, o Brasil. Era um símbolo da mineiridade, nascido entre pequis, carnes-de-sol e serestas, na bela Montes 12 Claros. Ao mesmo tempo, um cosmopolita. Sabia, como ninguém, unir educação e folia, como num sambódromo. Seu tempo era integral, como num Ciep. Viveu momentos de tensão e de ternura, como na Universidade de Brasília das invasões militares e do "beijódromo". Indubitavelmente, Darcy Ribeiro foi um homem de fé – a crença no Brasil, no brasileiro, na educação, no socialismo. É difícil pensar e interpretar separadamente o intelectual, o político militante e o educador – suas esferas de ação se entrelaçam. E os projetos educacionais deste expoente da Escola Nova, seguidor de John Dewey e parceiro de Anísio Teixeira, representam o amálgama de suas convicções – e vidas Referências Bibliográficas AZIZ FILHO. O Incrível Testamento de Darcy Ribeiro, In: O Globo. Rio de Janeiro: 1997. BOMENY, Helena. Sociologia de um indisciplinado. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. Carta’: falas, reflexões, memórias / informe de distribuição restrita do Senador Darcy Ribeiro. 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