A TUTELA DO DIREITO À MORADIA COMO FORMA DE PROMOVER A
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EM FACE DO DIREITO AMBIENTAL
BRASILEIRO
BARBOSA, Lucília Goulart Cerqueira Camargo1
Resumo: A compreensão da tutela do direito à moradia em nosso País requer necessariamente
a observância dos critérios de interpretação definidos pela Constituição Federal de 1988,
como forma de atender aos objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito. Sua
efetivação está diretamente relacionada com a promoção do princípio da dignidade da pessoa
humana e sua aplicabilidade vincula-se aos novos conceitos introduzidos no ordenamento
jurídico pátrio pela Carta Magna no momento da estruturação da tutela dos valores
ambientais. O pleno exercício dos direitos fundamentais garantidos no âmbito da Constituição
Federal reclama a satisfação do direito social à moradia, verdadeiro pressuposto para o
desfrute de uma vida digna, primeira etapa do processo de construção de cidades mais justas e
democráticas.
Palavras-chave: meio ambiente, dignidade da pessoa humana e moradia.
Abstract: The comprehension of the tutelage of the housing right in our country necessarily
requires the observance of the criteria of interpretation defined in the Brazilian Federal
Constitution of 1998 as a means of accomplishing the fundamental objectives of the
Democratic Rule of Law. Its operativeness is directly connected to the promotion of the
principle of human dignity and its applicability is related to the new concepts intruduced in
the national legal order by the Magna Carta during the structuring of the tutelage of
environmental values. The full exercise of the fundamental rights granted in the ambit of the
Federal Constitution demands the fulfillment of the social right to housing, a real prerequisite
1
Lucília Goulart Cerqueira Camargo Barbosa, Advogada, Mestre em Direitos Difusos e
Coletivos e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB Seção São Paulo. Autora da
dissertação de mestrado “A tutela do direito à moradia como forma de promover a dignidade
da pessoa humana em face do direito ambiental brasileiro”, publicada na Revista Brasileira de
Direito Ambiental, Coordenação Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Editora Fiuza, volume 32,
2012.
to the fruition of a respectable life, the first step of the process of the construction of just and
democratic cities.
Keywords: environment, principle of human dignity and housing.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu de forma pioneira em seu texto a
estruturação da tutela dos valores ambientais, introduzindo no ordenamento jurídico pátrio
regramentos adaptados as necessidades da sociedade brasileira contemporânea, fortemente
marcada pelos contrastes decorrentes do processo de urbanização/industrialização que se
intensificou em nosso país no final do século XIX.
Na condição de principal norteador do meio ambiente no direito positivo brasileiro, o
art. 225 da Carta Magna garante a brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado como forma de proporcionar a todos o desfrute de
uma vida com qualidade, em nítido atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III da CF).
É nesse contexto que a tutela do direito à moradia em face do direito ambiental
brasileiro surge como instrumento de promoção da justiça social, devendo ser compreendida e
interpretada de acordo com os critérios constitucionais que determinam sua efetiva
implementação.
O presente artigo tem como finalidade demonstrar em que medida a promoção deste
direito social se relaciona com os princípios e objetivos fundamentais da Lei Maior, buscando
estabelecer seus reflexos na satisfação dos demais direitos sociais previstos no âmbito
constitucional através do art. 6º.
Através dessas premissas procuramos demonstrar que a efetivação do direito à
moradia representa verdadeiro pressuposto para a consecução dos objetivos fundamentais do
Estado Democrático de Direito, verdadeiro ponto de partida para a aplicação real e concreta
do princípio da dignidade da pessoa humana.
1 O artigo 225 da Constituição Federal como Fundamento do Direito ao Meio Ambiente
A Constituição Federal de 1988 levando em conta a realidade de nosso País
estabeleceu de forma inovadora em seu texto a estruturação da tutela do meio ambiente,
abordando suas principais características e responsabilidades para garantir a efetividade deste
direito, bem como determinando as regras para apuração das sanções decorrentes das
condutas e atividades consideradas nocivas a sua preservação. Importante considerar que
vivemos em uma sociedade fortemente marcada pelos contrastes resultantes do processo de
desenvolvimento ocorrido principalmente no decorrer do século XX, verificando-se a
consolidação de importantes avanços científicos e tecnológicos, ao mesmo tempo em que
graves problemas sociais passaram a afligir diuturnamente grande parte da população. Neste
sentido, destacamos que o crescimento acelerado e desordenado das cidades brasileiras gerou
um alarmante quadro de desigualdades sociais, onde uma minoria detém acesso as
oportunidades do desenvolvimento, ao passo que uma maioria ainda depende das ações do
Poder Público para sobreviver.
Desta forma, há que se ter presente que os conflitos da atualidade estão adaptados a
tutela dos direitos coletivos, e seu enfrentamento requer a superação da visão tradicional que
estabelece a dicotomia entre bem público e privado. Atento a essas mudanças, o legislador
constituinte de 1988 estabeleceu nos termos art. 225 a existência de uma terceira espécie de
bem, um bem de uso comum do povo – de todos, o bem ambiental, senão vejamos:
Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações.
Desse modo, o aludido artigo passou a disciplinar um bem que não se adapta aos
conceitos tradicionais de bem público e bem privado, razão pela qual, pode-se concluir que
possui natureza de bem difuso, ou seja, é um bem que pertence a todas as pessoas e a ninguém
individualmente, não sendo possível a sua apropriação por pessoa física ou jurídica, já que
está dissociado das atribuições que a propriedade dá ao seu titular.
Conforme enfatiza Celso Antonio Pacheco Fiorillo2, no Direito Civil os poderes
básicos do direito material de propriedade tradicional do século XIX são compreendidos pelo
direito de usar, fruir, gozar e dispor do bem, no entanto, o Texto Constitucional destacou do
bem ambiental alguns desses direitos, protegendo bens que não são suscetíveis de
apropriação. Nesta conformidade, ressalta José Afonso da Silva3 que o bem ambiental não
está na disponibilidade particular de ninguém, nem de pessoa privada nem de pessoa pública.
2
3
Curso de Direito Ambiental Brasileiro, p. 12.
Direito Ambiental Constitucional, p. 55.
Por assim ser, deve-se frisar que o gerenciamento desta espécie de bem caberá ao Poder
Público, que deverá administrá-lo com vistas à promoção do bem-estar de toda coletividade.
Convém salientar que a caracterização do bem ambiental requer, obrigatoriamente,
que ele seja “essencial à sadia qualidade de vida”, sendo, portanto, necessário recorrer à
lógica constitucional para se estabelecer os parâmetros deste mandamento. Assim, ao
interpretar o art. 225 em conjunto com as determinações contidas no art. 1º, inciso III, e 6º da
Carta Magna, torna-se verdadeiro afirmar que uma sadia qualidade de vida está associada à
possibilidade de desfrute de uma vida digna, mediante o acesso aos direitos sociais à
educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à
proteção a maternidade e à infância e à assistência aos desamparados. O conjunto destes
direitos essenciais e imprescindíveis à promoção de uma sadia qualidade de vida integram o
piso vital mínimo, expressão cunhada por Celso Antonio Pacheco Fiorillo, para sintetizar e
clarear o conteúdo do art. 6º do Texto Constitucional. 4
Obviamente, tal concepção está adaptada à realidade de nosso País, ao seu estágio de
desenvolvimento socioeconômico, levando em conta suas principais características e
carências dos indivíduos que compõe essa sociedade. Vale consignar, que de acordo com os
dados do primeiro Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) sobre a América Latina e Caribe, o Brasil apresentou o terceiro pior índice de
desigualdade no mundo, empatando com o Equador e perdendo apenas para a Bolívia e Haiti
em relação à pior distribuição de renda5.
O importante, a rigor, é verificar que grande parte da população brasileira não tem
acesso aos direito básicos para promoção do seu desenvolvimento físico, psíquico e social,
sendo certo que esta população necessita sobremaneira das políticas públicas implementadas
pelo Estado para sobreviver. Corroborando ainda, podemos citar que dentre os objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil, conforme prevê o inciso III, do art. 3º, da
Lei Maior, está a erradicação da pobreza e marginalização, bem como a redução das
desigualdades sociais e regionais, numa clara acepção de que nosso ordenamento jurídico
pátrio deve ser interpretado em face de uma realidade inconteste, qual seja, a existência um
País desigual onde grande parte da população encontra-se à margem das oportunidades de
acesso à moradia digna, atendimento médico adequado, ensino com qualidade, emprego para
suprir suas necessidades, etc.
4
Op. cit., p. 13.
Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-tem-3-pior-indice-de-desigualdade-nomundo,585341,0.htm. Acesso em 21/03/2013.
5
Nesta perspectiva, convém ressaltar que os direitos integrantes do piso vital mínimo
são direitos fundamentais do homem, que no nível do direito positivo, como afirma José
Afonso da Silva6, designam aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em
garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. São, portanto, direitos
fundamentais sociais, consistindo em prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta
ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores
condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações
sociais desiguais.7 Tais direitos se ligam ao direito de igualdade, valendo como gozo dos
direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao
auferimento da igualdade real [...]8
Desta forma, a contextualização dos direitos sociais nos permite verificar em primeiro
lugar que são direitos de todos, e em segundo pressupõem um tratamento preferencial para as
pessoas que, em virtude de condições econômicas, físicas ou sociais não podem desfrutar
desses direitos.
Em relação à eficácia e aplicabilidade dos direitos desta natureza, deve-se frisar que o
§ 1º do art. 5º da Carta Magna estabelece que as normas e garantias fundamentais têm
aplicação imediata, expressando, como esclarece José Afonso da Silva9 que o princípio é o da
eficácia plena e a aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos fundamentais:
individuais, coletivos, sociais, de nacionalidade e políticos, de tal sorte que só em situações de
absoluta impossibilidade se há de decidir pela necessidade de normatividade ulterior de
aplicação.
2 O Direito à Moradia na Constituição Federal de 1988
Colocadas tais premissas, passamos a destacar a relevância do direito à moradia,
inserido formalmente na Constituição Federal de 1988, na condição de direito social, pela
Emenda Constitucional n° 26, de 14 de fevereiro de 2000. Entretanto, antes mesmo da
referida Emenda Constitucional, o direito à moradia podia ser deduzido a partir do princípio
da dignidade da pessoa humana, como mínimo existencial dentro da concepção do piso vital
mínimo, e da leitura de determinados dispositivos constitucionais que indiretamente tratam
deste direito, a exemplo dos artigos 5°, XI, 7°, IV, 21, XX e 23, IX.
6
Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 178.
Ibid, p. 286-287
8
Ibid
9
Ibid
7
Na realidade, a norma magna ao inserir o direito à moradia enquanto direito social,
confirmou a sua essencialidade, pois, embora não exista legalmente hierarquia de valores e
importância dos direitos assegurados a população pelo art. 6º, é inegável admitir que a pessoa
humana, no mínimo, precisa de um espaço construído, onde possa se sentir confortável e com
privacidade para descansar e cultivar os laços sociais entre familiares e amigos. Trata-se de
preceito básico para o desfrute de uma vida digna, pois todos necessitam de um lugar íntimo
para sua sobrevivência, constituindo abrigo e proteção para si e para os seus. Vale ressaltar
que dessa noção de abrigo, nascem outros direitos como o direito à intimidade, à vida privada,
à honra e à segurança, assim como os direitos sociais à saúde, educação, trabalho, lazer, etc.
Dentro deste contexto, Celso Antonio Pacheco Fiorillo10 explica que o direito à
moradia assegura a brasileiros e estrangeiros residentes no País o uso de determinada porção
territorial no âmbito das cidades (dentro de sua natureza jurídica de bem ambiental),
denominado direito à casa (art. 5º, XI, da CF), para que possam ter um local destinado a
assegurar seu asilo inviolável com a finalidade de garantir seu direito à intimidade (art. 5º, X),
seu direito à vida privada (art. 5º, X), assim como a organização de sua família (art. 226 a
230).
Portanto, podemos, desde já, concluir que a materialização do direito social à moradia
significa verdadeiro suporte para que os direitos fundamentais garantidos no âmbito da
Constituição Federal possam ser efetivamente assegurados a todos os brasileiros e
estrangeiros residentes no País. Assim, o exercício do referido direito traduz de forma
inequívoca os objetivos traçados pelo art. 225 da Lei Maior, e consequentemente sua
implementação deve ser interpretada como finalidade maior do direito ambiental brasileiro, na
medida em que a concretização do piso vital mínimo está condicionada ao acesso à moradia
adequada.
Cabe ainda ponderar que o direito à moradia para ter eficácia jurídica e social reclama
a ação positiva do Estado, que deverá implementar políticas públicas habitacionais voltadas à
concretização deste direito para garantir uma sadia qualidade vida a toda população como
condição imposta pelo art. 225 da Constituição Federal, caminhando desta forma para
consecução dos objetivos da República Federativa do Brasil, principalmente no que se refere
à erradicação da pobreza, marginalização e diminuição das desigualdades sociais (art. 3º, III,
da CF).
10
Estatuto da Cidade Comentado, p. 45.
3 Os reflexos do direito à moradia na promoção do direito à educação
O direito à educação previsto enquanto direito social pelo artigo 6º, recebeu tutela
imediata através do art. 205 da Constituição Federal, sendo previsto como um direito de todos
e dever do Estado e da família. Sua finalidade é o pleno desenvolvimento da pessoa humana,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Em
conformidade com os objetivos traçados pelo Texto Constitucional, a Lei Federal nº 9.394/96
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação) em seu artigo 1º prevê que a educação abrange os
processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e manifestações culturais.
José Afonso da Silva11 explica que o conteúdo do art. 205 significa, em primeiro lugar,
que o Estado deve aparelhar-se para fornecer a todos os serviços educacionais de acordo com
os princípios estatuídos na Constituição Federal (art. 206), tendo que ampliar cada vez mais as
possibilidades de que todos venham a exercer com igualdade este direito; e, em segundo
lugar, que todas as normas constitucionais sobre educação devem ser interpretadas em função
daquela declaração e no sentido de sua plena e efetiva realização.
E é justamente no sentido da afirmação sobre a necessidade do Estado promover a
igualdade de condições para que todos possam exercer plenamente este direito (art. 206, I, da
CF), com vistas ao pleno desenvolvimento da pessoa humana, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho, que destacamos a relevância da efetivação do
acesso à moradia adequada para a consecução destes objetivos.
Com efeito, podemos verificar através da leitura dos artigos que versam sobre a tutela
do direito à educação no âmbito constitucional (arts 205 a 214 da CF), bem como pela
observância das finalidades traçadas na esfera infraconstitucional, que a plenitude deste
direito só será alcançada quando a pessoa humana morar de forma adequada, tratando-se de
verdadeira premissa para a concretização de todos os princípios e metas sobre a matéria. Vale
consignar que a adequação da moradia é questão central para o desenvolvimento da pessoa
humana, já que abrange todos os aspectos indispensáveis para a defesa do próprio direito à
vida. Assim, torna-se verdadeiro afirmar que morar em condições adversas representa
verdadeira violação ao direito social à educação, visto que as consequências desta situação
comprometerão o desempenho do educando, assim como dificultará sua permanência na
11
Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 313.
instituição de ensino. Vale lembrar que o artigo 206, inciso I, da Carta Constitucional
estabelece enquanto princípio do ensino a igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola, ressaltando-se que a evasão escolar ainda representa um grande
desafio a ser enfrentado pelo Estado brasileiro.12
Importante considerar que a evasão escolar, compreendida como o abandono da escola
pelo aluno durante o ano letivo, possui diversos motivos, muitos deles relacionados com
fatores externos à escola, tais como problemas familiares, instabilidade na fixação de moradia,
distância entre a escola e moradia, bem como a falta de motivação por parte do aluno,
situação muitas vezes ocasionada pela falta de estabilidade emocional. Evidentemente, estas
situações ocorrem de forma predominante nas camadas mais pobres da sociedade brasileira,
existindo uma relação muito próxima entre a evasão escolar e a pobreza.
Assim, a família constitui um dos fatores determinantes para o sucesso ou fracasso
escolar, sendo certo que a sua estrutura não pode ser dissociada do direito à moradia, que
como bem esclarece o Prof. Dr. Celso Antonio Pacheco Fiorillo 13, deve ser compreendido
como um direito de espaço e conforto e intimidade destinado a ser verdadeiro reduto da
família. Ocorre que, diante da falta de alternativas para a aquisição de moradia legalizada,
grande parte da população brasileira passou a ocupar de forma irregular locais inapropriados a
moradia humana, onde o conforto e a intimidade garantidos no âmbito constitucional ficam
logicamente distante da realidade dessas famílias. Por consequência temos a desestruturação
da organização familiar, que por sua vez gera reflexos negativos em diversos aspectos do
desenvolvimento da pessoa humana, dentre eles o rendimento escolar.
Sob outro prisma, também ressaltamos que essa população desprovida de uma moradia
legalizada e adequada, tendo em vista a insegurança da posse e as más condições de
habitabilidade que enfrentam, tende a não fixar definitivamente sua residência, verificando-se
que esta instabilidade acarreta mudanças frequentes de escola, dificultando a adaptação e o
aprendizado do aluno.
Cabe ainda ponderar, que grande parte das ocupações irregulares localiza-se em áreas
distantes do centro da cidade, que por sua condição de informalidade não são dotadas dos
serviços e equipamento públicos necessários ao desfrute de uma vida com qualidade. Desta
forma, a distância entre estas áreas e o local de ensino, bem como a falta de transporte público
12
No Brasil, a evasão escolar é um grande desafio para o sistema educacional. Segundo dados do INEP (Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira), de 100 alunos que ingressam na escola na 1ª série, apenas 5
concluem o ensino fundamental, ou seja, apenas 5 terminam a 8ª série (IBGE, 2007). Disponível em:
www.infoescola.com/educacao/evasao-escolar/. Acesso em 15/05/2011.
13
Princípios do Processo Ambiental, p. 46.
também comprometem o desempenho do aluno. Ademais, levando em conta a precariedade
que caracteriza a forma de morar nestas áreas, ocasionando verdadeira situação de segregação
espacial e social, podemos concluir que diversos são os danos psicológicos para a pessoa
humana que vive nessas condições, tais como baixa autoestima, depressão e ansiedade,
dificultando a capacidade de concentração e o desenvolvimento das atividades intelectuais,
gerando desestímulo e o abandono escolar.
Portanto, ao lado da meta a ser observada pelo Estado quanto à garantia de um ensino
público de qualidade, também está a satisfação de um conjunto de condições para possibilitar
o estudo e a permanência do aluno na escola, em busca de seu desenvolvimento, preparo para
o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho (art. 205 da CF), onde o acesso à
moradia adequada se apresenta como elemento mínimo para a consecução destas finalidades,
na busca pela construção de uma sociedade que ofereça a todos oportunidades iguais e uma
condição de vida digna.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito à moradia passou a integrar o rol dos direitos sociais através da Emenda
Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, que alterou o art. 6º da Constituição Federal,
entrando em vigor na data de sua publicação. Entretanto, antes mesmo do advento da referida
Emenda Constitucional, este direito fundamental podia ser deduzido a partir do principio da
dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF), como mínimo existencial dentro da
concepção do piso vital mínimo, e da leitura de determinados dispositivos constitucionais que
indiretamente tratam da sua proteção.
A Constituição Federal de 1988 é o alicerce e o fundamento de validade de todo
ordenamento jurídico pátrio, verificando-se que os princípios que fundamentam este sistema
funcionam como preceitos norteadores, condicionando toda e qualquer interpretação das
normas constitucionais e infraconstitucionais. A compreensão da tutela do direito à moradia
em face do direito ambiental brasileiro requer necessariamente a observância dos princípios
fundamentais fixados nos arts. 1º a 4º do Texto Constitucional, uma vez que estes expressam
os contornos do Estado Democrático de Direito.
Ao traçar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, nossa Carta
Magna reconheceu de maneira inequívoca em seu texto a existência de um país onde grande
parte da população ainda não tem acesso aos direito básicos ao desfrute de uma vida com
qualidade, assinalando que a erradicação da pobreza, marginalização e desigualdades sociais e
regionais ainda são metas a serem alcançadas. Nesse contexto, a efetivação dos direitos
sociais alicerçados no art. 6º no âmbito constitucional (piso vital mínimo) passa a representar
verdadeiro objetivo a ser alcançado pelo direito ambiental brasileiro, visando proporcionar a
todos o direito material ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da CF), como
forma de promover a dignidade da pessoa humana.
O acesso ou violação ao direito à moradia gera reflexos diretos sobre os demais
direitos sociais como o direito à educação, saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à
previdência social, à proteção à maternidade e à infância, e à assistência aos desamparados,
verificando-se que sua materialização significa, sem dúvida, verdadeiro ponto de partida para
configuração do piso vital mínimo.
É preciso reconhecer que a falta de acesso à moradia é uma das causas preponderantes
da pobreza e marginalização em nosso País, sendo imperioso agilizar o processo de
reestruturação do setor habitacional para garantir efetividade ao princípio da dignidade da
pessoa humana. Os princípios e normas delineados pela Constituição Federal de 1988
oferecem o suporte necessário para a tutela do direito à moradia em nosso País, que em
conjunto com as diretrizes e instrumentos estabelecidas pela legislação infraconstitucional
constituem um grande avanço no processo de construção de cidades mais justas e
democráticas, onde brasileiros e estrangeiros residentes no País possam viver com qualidade e
com iguais oportunidades de acesso aos benefícios do desenvolvimento.
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