ASPECTOS RELEVANTES SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL DE MORADIA Prof. Edson Luiz Zanetti Professor da Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti – FEATI/UNIESP. Mestre em Direito pela ITE-Bauru. Tania Maria Zanetti Acadêmica de Direito da Faculdade do Norte Pioneiro – FANORPI/UNIESP INTRODUÇÃO O objetivo deste trabalho é investigar o perfil de moradias no Brasil, no que tange à segurança, ao asseio e averiguar as causas e os níveis de deficiências e de violações dos direitos fundamentais. Os graves problemas de moradias no Brasil se desdobram há décadas, sendo notório o episódio onde milhares de lares que não oferecem aos seus moradores as mínimas condições de conforto, higiene e segurança. Em razão disso, em muitas favelas e vilas de nossas cidades encontramos famílias vivendo em condições subumanas, sem o mínimo de infra-estrutura básica, enfrentando a todo o momento os grandes perigos com doenças e os efeitos de fortes chuvas. As notícias que correram o mundo no inicio de 2011, dão conta da grave situação. Tantas pessoas que perderam a vida em decorrência dos desligamentos de terra que aconteceram, principalmente no Estado do Rio de Janeiro. Certamente a má distribuição renda que decorre da ausência de políticas pública eficiente é o principal agravante da real situação de moradia no Brasil. Enquanto parte mínima da população se deleita nas grandes mansões, milhões de famílias pobres não tem para onde ir e acabam se acomodando em locais inadequados para a saúde e segurança humana. Além disso, a ausência de política agrícola adequada para o setor rural ocasionou o aglomeramento dos centros urbanos, sem planejamento e capacitação adequada, sem ter como comprovar renda, milhares de pessoas que poderiam viver no campo não cumpre com as exigências para financiamento e compra da sonhada casa própria e acabam morando nas encostas e barracos precários nas grandes cidades. O Direito à moradia digna O direito à moradia é reconhecido como uma das necessidades básicas do ser humano, previsto no ordenamento jurídico nacional e em tratados internacionais, garante que todas as pessoas tenham o direito de morar com dignidade. Decerto, o homem moderno desprendido do anacronismo, não mais suporta viver em ambiente insalubre e perigoso para a vida e a saúde humana, de modo a almejar um local que representa seu abrigo físico e psicológico, a sua intimidade, em que possa se sentir seguro, protegido no convívio social, consigo mesmo, e na harmoniosa vida em família. Conforme o art. XXV, item 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948: Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. A Constituição da República Federativa do Brasil, no caput do artigo 6º, dentre outros direitos sociais, assegura o direito à moradia nos seguintes termos: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Outrossim, o art. 7, V, da Lei Maior, garante o salário mínimo capaz de atender as necessidades vitais dos brasileiros, inclusive o direito de moradia. Nesse diapasão, observamos que o direito à moradia como necessidade básica do ser humano encontra-se expresso na Constituição da República no título de trata dos direitos e garantias fundamentais, constituindo-se direito fundamental do ser humano, cujo principal alvo é a dignidade. Com efeito, é fácil compreender, mais que o simples direito de ter um lar, o constituinte brasileiro garante a todos o direito à moradia digna. Dentre as múltiplas regras e princípios jurídicos estabelecidos pela Constituição da República de 1988, não há dúvida que a dignidade do ser humano afigura-se da mais alta relevância, compreendendo-se que a pessoa humana não pode viver bem e ser feliz, sem o mínimo necessário que lhe é assegurado. Ingo Wolfgang Sarlet (1998, p. 65) ao relacionar o princípio da dignidade do ser humano com o mínimo de direitos estabelecidos, ensina que: Firma-se posição no sentido de que o objetivo e conteúdo do mínimo existencial, compreendido também como direito e garantia fundamental, haverá de guardar sintonia com uma compreensão constitucional adequada do direito à vida e à dignidade da pessoa humana como princípio constitucional fundamental. Nas lições de Rizzato Nunes (2002, p. 45), “[...] é ela a dignidade, o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos individuais”. Portanto, é a razão de todo o texto expresso na Constituição. Ademais, não é demasiado observar que a dignidade do ser humano se constitui como princípio fundamental e fundamento do Estado Democrático de Direito, conforme a dicção do Art. 1º, inc. III, da Constituição Federal. O constituinte brasileiro foi preciso ao estabelecer a realização da democracia por meio da efetivação dos direitos essenciais da pessoa humana. Muito esclarecedora a respeito o ensinamento de Flávia Piovesan (2000, p. 52): Vê-se aqui o encontro do princípio do Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais, fazendo-se claro que os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio democrático, tendo em vista que exercem função democratizadora. No mesmo sentido, José Afonso da Silva (2003, p. 179) ao discorrer sobre os direitos fundamentais assevera que “[...] a Constituição ao adotá-los na abrangência com que fez, traduziu um desdobramento necessário da concepção de Estado acolhida no art. 1º: Estado Democrático de Direito” De tal modo, a noção de democracia estabelecida, evidencia que as normas previstas na Constituição que disciplinam a moradia digna, não deixam ao Estado a conveniência e oportunidade de agir, ou seja, devem ser cumpridas. Como ensina Luis Roberto Barroso (2000, p. 165), “[...] o descumprimento de desideratos desta natureza constitui ofensa à Constituição”. Se a Constituição garante a todos a moradia digna, então resta ao Poder Público tomar as providências para o cumprimento da ordem. Com todo o conjunto de normas estabelecidas, torna-se totalmente inadmissível que o Estado Democrático de Direito deixe de equacionar o mínimo exigível para que as pessoas tenham um lar e possam viver com dignidade. A dura realidade entre milhares de brasileiros Em que pese a determinação constitucional, é fácil observar que o assunto em discussão tem sido tratado com desleixo pelas autoridades brasileiras, que ignoram aspectos relevantes para a vida e moradia digna. O programa do Fantástico que foi ao ar no dia 16 de janeiro de 2011, revelou um levantamento feito pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas divulgado pelo Ministério das Cidades, indicando que 115 mil pessoas estão vivendo em situação de extremo perigo em 407 áreas da cidade de São Paulo1. Assim, basta a passagem de significativos volumes de chuvas para ocorreram grandes deslizamentos de terra. Nestas áreas de risco moram milhares de famílias que mesmo sabendo do perigo não tem para onde ir. Chamam atenção as tragédias ocorridas no Estado do Rio de Janeiro no começo do ano de 2011, onde mais de 900 pessoas morreram, revelando o aviso de que muitas pessoas que moram em áreas de risco podem perder suas vidas, principalmente nas grandes capitais brasileiras se medidas eficazes não forem adotadas. Essas famílias que moram nas áreas de risco não possuem sossego, a cada chuva que cai surge o temor de que a qualquer momento tudo pode ir abaixo, famílias inteiras podem perder suas vidas. 1 Disponível em: < http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1641977-15605,00.html > Acessado em 31.dez.2012. O reflexo das desigualdades sociais e regionais Não restam dúvidas que o grave problema de moradias no Brasil encontra-se intimamente ligado com as desigualdades sociais e regionais que se constatam em nosso território. Notoriamente, desde a época do império se confirmam em nosso país a tendência de desigualdades na distribuição de renda e um elevado número de pessoas pobres, que exclui parte da população das condições mínimas de dignidade e de vida social, inclusive de moradia digna. Um contraste com a projeção do Brasil como a sétima economia do mundo, quando ao lado de grandes riquezas, indicadores importantes como educação, saúde, saneamento básico, infra-estrutura, moradias ainda são precários. Imperioso lembrar que existe em nossa Constituição um rol de quatro objetivos que devem ser observados, dentre eles erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Merece destaque o disposto no art. 3, III, da Constituição da República: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; Contudo, ao contrário do disposto na Constituição, atualmente, constata-se que o Brasil não é um país pobre, mas um país com muitos pobres, um país desigual. No dia 19 de dezembro de 2007, o Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisa – IBGE, divulgou uma pesquisa constatando-se que 05 cidades brasileiras são responsáveis por 25% de toda riqueza produzida no país. Dos mais de 5.500 municípios existentes, 1.371, somam 1% do PIB e metade do PIB está concentrada em 51 municípios.2 A pobreza nas regiões norte e nordeste contrasta-se com o desenvolvimento de outras regiões que apresentam melhores condições de vida, principalmente no Sul e Sudeste. 2 Disponível em: <http://www.oglobo.globo.com/economia/mat/2007>. Acesso em: 31 mar. 2008. Não é por acaso, que o Brasil é indicado como um dos países com pior distribuição de renda do mundo. “O nosso país apresenta problemas de desequiparações acentuadas de rendas em dois níveis diferentes: No social e no regional”. (BASTOS e MARTINS, 1988, p. 32). Marcelo Dias Varella (1998, p. 95) com base no relatório feito pelo Programa das Nações Unidas de Desenvolvimento – PNUD e pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA, aponta que no ano de 1996, foi “[...] possível verificar as grandes distorções sociais presentes neste país, as mais graves do planeta”. Embora os últimos dados revelam redução no índice de desigualdades no Brasil, ainda é intolerável comparando-se a países desenvolvidos. De fato, as desigualdades sociais e regionais são sentidas em todos os seguimentos da economia brasileira. A ausência de políticas públicas eficientes e a atual política econômica têm ocasionado pobreza, consequentemente, milhões de pessoas vivem sem teto no Brasil, ou vivem em local subumano. Em consequência da grande desigualdade na distribuição de renda, fica limitado aos ricos o acesso a moradia adequada, enquanto a maioria da população que é pobre, uma grande parcela é obrigada a ocupar áreas insalubres e de riscos. O Êxodo Rural: Agravamento dos problemas nas cidades Importante destacar que desde a colonização o Brasil se constituiu em um país eminentemente agrícola e o número de pessoas que moravam e tiravam o sustento do campo foi crescente até o fim da primeira metade do século XX. Mas o progresso obtido nas mais diversas áreas de atuação do homem, principalmente no meio político e tecnológico, não tem sido capaz de promover uma política agrária que atenda às necessidades do homem do campo. Consequentemente, a partir de 1940, tornou-se inevitável a migração da população rural para as cidades do Brasil. Passamos, então, a conviver com o fenômeno do êxodo rural. A maioria dos moradores da zona rural, no anseio de obter melhores condições de vida, deixou o sossego dos sítios e fazendas e passaram a se aglomerar nas pequenas e grandes cidades do país. Na precisa lição de Renata Braga Klevenhusen (2005, p. 71): Assim, antes de um século de constante migração a estrutura social estava modificada, ao invés de termos um país com acentuada parte da população vivendo no campo, ao contrário, a população das cidades cresceu progressivamente, com grande percentual de pessoas pobres. O camponês habituado com a vida simples no campo passou a viver nas cidades. Sem planejamento e capacitação adequada se obriga a enfrentar as dificuldades de residir num grande centro sem, no entanto, estar acostumado com essa forma de vida. Constata-se que em 1940, cerca de 68,8% da população brasileira vivia na zona rural e, tirava da terra o sustento de toda a família. Já em 1950, este percentual caiu para 63,8% e depois para 54,6%, em 1960.3 Influenciado pelo processo de industrialização dos anos 60 e 70, o brasileiro, definitivamente, teve como destino os centros urbanos que foram crescendo de forma desordenada, em pouco espaço de tempo, aumentando os problemas sociais, como: a fome, a violência, moradia, saúde, etc. Em 1970 a população rural contava com 41,054 milhões de habitantes, correspondente a 44,1% do total. A partir de então, houve um declínio mais acentuado, constatando-se que em 1980, enquanto as cidades cresciam rapidamente, a população rural baixava para 38.556 milhões de habitantes, correspondente a 32,4 % do total, e depois para 24,5% em 1991.4 No período entre 1990 e 1995 o movimento migratório superou os 5,5 milhões de habitantes, chegando em 1996 com um total de 33,8 milhões de moradores na zona rural, correspondente a 22% do total nacional na época. Mauro Eduardo Del Grossi em maio de 2001, fez a seguinte afirmação: “[...] o êxodo rural persiste no país. As estatísticas apontam queda da população rural para 31,8 milhões de habitantes (19% da população total), contra 35,1 milhões em 1991”.5 3 Fonte: IBGE – Censos demográficos (1940-1960). 4 Fonte: IBGE – Censos demográficos (1970-1991). 5 GROSSI, Mauro Eduardo del. Urbanização estatística: o êxodo urbano também acontece. Disponível em: <http://www.globorural.com.br/barra.asp?>. Acesso em: 26 mar. 2008. Informações levantadas pelo censo demográfico demográfico 2010 do IBGE apontam que embora mais acentuado, o número de moradores em áreas rurais continuam diminuindo. Com efeito, se não há condições mínimas, torna-se insustentável a permanência do homem no campo. Todos os fatores que levam o ser humano a trocar a zona rural pelas periferias urbanas são em potencial, matéria a ser tratada por políticas públicas específicas para o setor rural, como: a garantia de preços compatíveis com o custo de produção, moradia digna, eletrificação rural, saúde, educação, etc. Sustentamos o retorno de parte da população ao campo seria uma das soluções plausível para se resolver os problemas de aglomeração na zona urbana, inclusive as questões relacionadas à moradia. Um modelo capaz de conter o crescimento desordenado e criar incentivos à população para o povoamento da zona rural constitui-se na realização de um equilíbrio entre a vida na cidade e no campo. O setor rural possui um papel importante na concretização da dignidade no Brasil. CONCLUSÃO O direito a moradia é assunto que merece especial atenção dos governantes do nosso país, para a realização de uma política urbana eficaz conforme os ditames constitucionais, garantindo-se a todos os direitos básicos do ser humano. Esse direito é reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, e ao mesmo tempo um direito fundamental social previsto Constituição da República Federativa do Brasil. Todavia, vivemos um cenário em que o discurso jurídico acerca da democracia e dos direitos fundamentais não corresponde ao esperado ou desejado e, observamos que o disposto na Constituição não é efetivado, como se previu. Mesmo com a disposição constitucional a respeito, o Brasil nunca abordou a habitação de interesse social com a primazia necessária. Conseqüentemente, milhões de famílias brasileiras vivem sem o mínimo de condições necessárias de moradia. Mais bem fosse garantir aos nossos cidadãos melhores condições de vida no campo, amenizando o fenômeno da aglomeração nos centros urbanos. A desigualdade social e regional constatada merece ser erradicada. Sendo um dos objetivos da República Federativa do Brasil, não pode servir de obstáculo para a sonhada conquista de moradia a todos os brasileiros. O art. 6º, da Constituição não pode mais ser violado. Só ao poder público cabe a missão de efetivar os dispositivos constitucionais existentes a fim de garantir aos nossos cidadãos o direito à moradia digna. A democracia brasileira não suporta mais tantas violações de direitos fundamentais. Esperamos que muito em breve a maior parte dos problemas, aqui apontados, esteja solucionada. De tal modo, os representantes do nosso povo devem imediatamente adotar de medidas eficientes no combate ao deficit habitacional no Brasil, capaz de proporcionar aos cidadãos a moradia digna expressamente garantida na Constituição Federal de 1988. 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