fls. 1 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Quarta Câmara Cível ACÓRDÃO Classe Foro de Origem Órgão Relator(a) Agravante Promotor Agravado Advogado Advogado Advogado Proc. Justiça : Agravo de Instrumento n.º 0021536-04.2013.8.05.0000 : Foro de comarca Feira De Santana : Quarta Câmara Cível : Des. João Augusto Alves de Oliveira Pinto : Ministério Público do Estado da Bahia : Luciano Taques Ghignone : Movimento Agua É Vida : Vivaldo Do Amaral Adães (OAB: 13540/BA) : Elizabete Raimunda de Oliveira (OAB: 24852/BA) : José Maurício Machado de Araújo (OAB: 22288/BA) : Procurador de Justiça Paulo Marcelo Costa Assunto : Efeitos AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECISÃO LIMINAR ULTRA PETITA. DECISÃO QUE ATINGE TERCEIRO ESTRANHO A LIDE. PEDIDO DA INICIAL. DECISUM QUEM CONCEDE MAIS DO QUE FOI REQUERIDO. EXCESSOS QUE PRECISAM SER DECOTADOS DA DECISÃO. ADEQUAÇÃO AO PEDIDO. DECISÃO REFORMADA EM PARTE, AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO PARCIALMENTE. É sabido que decisão que condena terceiro estranho à lide é ultra petita e deve ter a parte que ultrapassou o pleito exordial decotada. Uma vez caracterizada a ocorrência de julgamento além do pedido que foi formulado em sede de inicial, não há necessidade de declaração de nulidade da decisão, impondo-se somente a exclusão do excesso indevido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº. 0021536-04.2013.8.05.0000, de Feira de Santana, em que são Agravante e Agravado, respectivamente, MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA e MOVIMENTO ÁGUA É VIDA. Acordam os Desembargadores integrantes da Turma Julgadora da Quarta Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à unanimidade, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, pelos motivos adiante expendidos. RELATÓRIO Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Ministério Público do Estado da Bahia, na condição de custus iuris, em desfavor da decisão que determinou a intimação do Município de Feira de Santana para JA 05 1 fls. 2 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Quarta Câmara Cível que, no prazo de 72 (setenta e duas horas) substituísse a empresa responsável pela administração do aterro municipal, bem como a suspensão provisória de todas as atividades exercidas pela parte acionada, a fim de se evitar o comprometimento dos recursos ambientais, contaminação do solo e dos mananciais hídricos e resguardar os interesses difusos e coletivos. Irresignado, o Ministério Público do Estado da Bahia interpôs Agravo de Instrumento pugnando pela reforma da decisão liminar Agravada, de forma a invalidar o tópico 1 do decisum, para que não seja imposta obrigação ao Município de Feira de Santana, ao argumento de que o mesmo não é parte na causa, além do fato de que tal obrigação não pode ser cumprida sem frontal violação à Lei de Licitações e prejuízo ao erário municipal; bem como a reformar o tópico 2 da decisão liminar para que o provimento judicial se restrinja exatamente ao que foi pedido pela parte Autora, sem a suspensão total das atividades, mas apenas do descarte irregular do chorume. Devidamente intimada, nos termos da certidão de fl. 66 dos autos, a Protege – Associação de Defesa e Proteção dos Consumidores do Estado da Bahia, enquanto litisconsorte ativo facultativo da ação civil pública, apresentou contra minuta ao Agravo, às fls. 80/100, pugnando pela revogação da decisão que concedeu o efeito suspensivo ativo. A douta Procuradoria Geral de Justiça, por meio do parecer de fls. 257/261, opinou pelo provimento do Agravo. É o relatório. VOTO O Agravo Interno é tempestivo, presentes os demais requisitos de admissibilidade, conheço do recurso. Inicialmente, é preciso salientar que a alegação da Litisconsorte Agravada de que teria havido descumprimento da determinação prevista no art. 526 do CPC por parte do Agravante não merece prosperar. Isso porque o Agravo foi protocolizado no dia 20.11.2013 (quarta-feira), sendo que o prazo de três dias para a juntada da cópia da petição do Agravo de Instrumento e do comprovante de sua interposição aos autos do processo se iniciou no dia seguinte, qual seja, 21.11.2013 (quinta-feira), com termo final em 23.11.2013 (sábado), estendendo-se ao primeiro dia útil seguinte, qual seja, 25.11.2013 (segunda-feira). Assim sendo, verifica-se que a comunicação foi plenamente tempestiva. Quanto à alegação de descumprimento dos preceitos do art. 524, III do CPC, não lhe assiste melhor sorte. Conforme se depreende do referido artigo, “o Agravo de Instrumento será dirigido diretamente ao tribunal competente, através de petição com os seguintes requisitos: [...] III - o nome e o endereço completo dos advogados, constantes do processo”. Partindo de uma análise detida dos autos é possível afirma que o Agravo de instrumento foi protocolizado no dia 20.11.2013, conforme se verifica da fl. 02, ao passo que a Litisconsorte Agravada somente ingressou na JA 05 2 fls. 3 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Quarta Câmara Cível demanda no dia 21.11.2013, conforme se depreende do documento de fls. 117, de modo que, até a data de apresentação do Agravo apenas os advogados informados na peça recursal estavam presentes na demanda, tendo o Agravante cumprido com o quanto determinado pelo art. 524, III do CPC. Quanto ao mérito propriamente dito, firmo o entendimento, com a devida vênia, de que a decisão Agravada deve ser revogada em face, sobretudo, da ausência de fundamentação, nos termos do comando do art. 93, inciso IX, da Constituição da República. Inicialmente vale esclarecer que a tutela antecipada consiste na antecipação provisória dos efeitos da própria solução definitiva que advém com a sentença. Como corolário lógico, portanto, exige requisitos rígidos para a sua concessão. Sabe-se que é por meio da sentença que a tutela jurisdicional do Estado é efetivamente prestada, extraindo-se daí a certeza de sua importância e principalmente a necessidade de sua perfeição. Ademais, é cediço que compete ao Juiz apreciar, na íntegra, a quaestio juris deduzida, cumprindo e esgotando seu ofício jurisdicional, sob pena de acoimar o ato decisório de infra, extra ou ultra petita, vícios insanáveis que ensejam sua desconstituição. Nesse sentido, dispõe o art. 128 e 460, ambos do CPC, que prestigiam sobremodo o princípio da congruência: "Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte." "Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado." Com efeito, nos termos dos referidos artigos o Juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo que os limites da sentença válida são aqueles dispostos na pretensão autoral, sendo vedado ao julgador alterar o pedido ou a causa de pedir. Desta forma, o limite da sentença é o pedido formulado pela parte, com a sua fundamentação. Quando o julgador, ao proferir sua decisão, afasta-se desse limite, seu ato decisório estará carreado de vícios que geram sua nulidade, uma vez que contrário os princípios da adstrição, congruência ou da conformidade. De acordo com o princípio da congruência, ainda que dotado de amplos poderes processuais, o julgador não pode deixar de apreciar, na sua inteireza, o que foi pedido, nem julgar acima ou de modo diferente do bem demandado, porque, como dito, mesmo dentro do processo, à parte incumbe indicar a matéria a ser julgada e exigir o enfrentamento judicial sobre a questão controvertida. Certo é que se concede liberdade ao julgador apenas dentro dos contornos da lide, cabendo-lhe apreciar as questões arguidas e, também, se JA 05 3 fls. 4 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Quarta Câmara Cível sua análise na sentença chegar até tal estágio, examinar o pedido veiculado na demanda. Acerca do tema, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Neri, enfatizam que: "O autor fixa os limites da lide e da causa de pedir na petição inicial (CPC 128), cabendo ao juiz decidir de acordo com esse limite. É vedado ao magistrado proferir sentença acima (ultra), fora (extra) ou abaixo (citra ou infra) do pedido. Caso o faça, a sentença estará eivada de vício, corrigível por meio de recurso. Como já restou demonstrado, a tutela jurisdicional não pode ser prestada senão quando requerida e deve se ater ao que fora pleiteado pela parte. É vedado ao Estado-Juiz deliberar sobre questões que não lhe foram dadas a resolver, extrapolando o pedido formulado ou extrapolando a causa de pedir. Torna-se, pois, defeituoso o julgamento quando o juiz concede prestação jurisdicional diferente da que lhe foi postulada, bem como quando defere a prestação requerida com base em fundamento não invocado pela parte." (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 760)” Segundo Humberto Theodoro Júnior: “O defeito da sentença ultra petita, por seu turno, não é totalmente igual ao da extra petita. Aqui, o juiz decide o pedido, mas vai além dele, dando ao autor mais do que fora pleiteado (art. 460). A nulidade, então, é parcial, não indo além do excesso praticado, de sorte que, ao julgar o recurso da parte prejudicada, o tribunal não anulará todo o decisório, mas apenas decotará aquilo que ultrapassou o pedido”. ( Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 585).” Diz-se, pois, que se está diante de um julgamento ultra petita quando o Juiz concede a tutela jurisdicional correta, entregando o bem da vida perseguido pelo Autor, contudo, o faz sobrepujando a quantidade inicialmente pretendida. Assim sendo, o juiz analisa o pedido e seus respectivos fundamentos fáticos e jurídicos, mas se excede, concedendo mais do que foi pleiteado. No aspecto subjetivo, também poderá haver sentença ultra petita, quando o magistrado, além de decidir em relação aos sujeitos integrantes da relação processual, vincula terceiro que dela não participou, ou seja, vai além dos limites subjetivos impostos no próprio processo. Nesse sentido: “APELAÇÃO CÍVEL. COPA DO MUNDO DE FUTEBOL. FRANÇA. IMPOSSIBILIDADE DE ASSISTIR OS JOGOS. INDEFERIMENTO CARTA ROGATÓRIA. AUSÊNCIA DE JA 05 4 fls. 5 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Quarta Câmara Cível PEDIDO EM DESFAVOR DE UMA DAS PARTES, QUE NÃO É LITISCONSORTE NECESSÁRIA. AUSÊNCIA DE DEMANDA. VERBA SUCUMBENCIAL PELO AUTOR. SENTENÇA ULTRA PETITA. FORNECEDOR. CDC. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DECADÊNCIA. ART. 27 DO CDC. 5 ANOS. DENUNCIAÇÃO À LIDE COM NOVOS FUNDAMENTOS DE ORDEM SUBJETIVA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE. VIAGEM AO EXTERIOR. USUFRUIÇÃO PARCIAL. Nas relações disciplinadas pelo Código de Defesa do Consumidor preserva-se a facilitação de sua defesa, o que inocorre com a expedição de cartas rogatórias, que não provariam a culpa exclusiva de terceiros, que se exige sejam entes estranhos à cadeia de fornecedores. Parte que é indicada apenas para ser citada, como litisconsorte necessária que não é, sem que haja pedido algum contra ela, não teve a demanda contra si direcionada e sequer figura na lide, o que enseja o pagamento de verba honorária pelo autor. Sentença que condena quem não está na lide é ultra petita e deve ter a parte que ultrapassou o pleito exordial decotada. [...]”. (TJ-SC AC: 56877 SC 2004.005687-7, Relator: Domingos Paludo, Data de Julgamento: 04/12/2009, Câmara Especial Temporária de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Criciúma) Da mesma forma da sentença extra petita, ao ultrapassar os limites fixados pelo autor, a sentença ultra petita se eiva de error in procedendo, motivo pelo qual deve ser pleiteada a sua anulação. Acerca dos efeitos da sentença ultra petita, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira asseveram que: “Quando uma decisão ultrapassa os limites do pedido, ela precisa ser invalidada, já que proferida com vício de procedimento (error in procedendo); mas a invalidação deve cingir-se à parte em que supera os limites do pedido. Deve-se ver que uma decisão desse tipo pode ser, ideologicamente, cingida em, pelo menos, dois capítulos bem distintos: um que corresponde à integralidade do pedido do demandante, isto é, vai até o limite por ele estabelecido, e outro que supera esse limite, representando um plus. O primeiro capítulo deve ser preservado, porquanto adstrito aos limites do pedido, salvo se houver outro vício que o contamine; o segundo capítulo, e só ele, é que precisa ser expurgado da decisão, que será anulada, nesta parte”. (Curso de direito processual civil: direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. 2. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodvm, 2008, p. 284/285, 2.v.). Assim sendo, o entendimento majoritário é o de que não há qualquer motivo que justifique a anulação de toda a decisão, bastando, para JA 05 5 fls. 6 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Quarta Câmara Cível tanto, a declaração da nulidade do capítulo de sentença que extrapolou os limites fixados no pedido. Esse posicionamento, inclusive, é o adotado pelo STJ, conforme se depreende no seguinte arresto: “Agravo regimental. Agravo de instrumento não admitido. Julgamento ultra petita. 1. O acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência da Corte no sentido de que "o reconhecimento do julgamento ultra petita não implica a anulação da sentença; seu efeito é o de eliminar o excesso da condenação (REsp nº 84.847/SP, 3ª Turma, Relator Ministro Ari Pargendler, DJ de 20/9/99)" (fl. 291). 2. Agravo regimental desprovido” (STJ. Terceira Turma. AgRg no Ag 512887/RJ. Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. j. 16/12/2003. DJ 29/03/2004). Infere-se dos autos que as Agravadas ajuizaram Ação Civil Pública em face da empresa Sustentare Serviços Ambientais S.A. pretendendo a concessão de liminar para que a ré tivesse a sua atividade suspensa, a fim de que procedesse ao correto descarte do material oriundo do aterro sanitário sob sua responsabilidade, inclusive no tocante ao repasse à Embasa, que deveria deixar de existir, bem como que a ré fosse obrigada a recuperar toda a área degradada, com a limpeza do solo, rios, e aquíferos do entorno. Fato é que a decisão que concedeu a liminar determinou que o Município de Feira de Santana, que não integra a lide, substituísse a empresa responsável pela administração do aterro municipal no prazo de 72 (setenta e duas horas); bem como determinou a suspensão provisória de todas as atividades exercidas pela parte acionada, a fim de se evitar o comprometimento dos recursos ambientais, contaminação do solo e dos mananciais hídricos e resguardar os interesses difusos e coletivos. No caso, forçoso reconhecer que a decisão extrapolou os limites da lide quando deferiu liminar em face de terceiro que não integrava a lide, qual seja, o Município de Feira de Santana. Como o Município em questão não figura na lide, a decisão liminar contra si não possui razão de ser, haja vista como desbordou do pedido formulado e, pois, nesta parte não se lhe empresta valia. Mas não só isso, o decisum se mostrou ultra petita também sob a ótica do pedido relacionado com a verdadeira demandado, qual seja, a empresa Sustentare, uma vez que foi pedido ao Juiz a suspensão dos serviços relacionados ao descarte de chorume e este determinou a suspensão provisória da totalidade das atividades da empresa acionada. A sentença afigura-se, pois, maculada pelo vício do julgamento ultra petita, uma vez que o Juiz julgou em face de terceiro que não integrava a lide, além de conceder ao Agravado mais do que tinha requerido em sua petição inicial. Em consequência, deve ser decotada a parte que ultrapassou o pleito exordial. Do exposto, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao Agravo de Instrumento, para reformar em parte a decisão agravada, no que concerne à obrigação imposta ao Município de Feira de Santana de substituir a empresa acionada no prazo de 72 horas, bem como à suspensão provisória de todas as JA 05 6 fls. 7 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Quarta Câmara Cível atividades da mesma, devendo a decisão ater-se, somente, à atividade de descarte de chorume, conforme requerido na inicial. É o voto. SALVADOR, SALA DAS SESSÕES, de de 2014. PRESIDENTE DES. JOÃO AUGUSTO A. DE OLIVEIRA PINTO RELATOR PROCURADOR(A) DE JUSTIÇA JA 05 7