180 Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Nona Câmara Civel AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0011855-49.2015.8.19.0000 1 AGRAVANTE: SOCIEDADE CIVIL ORLA 500 E OUTROS AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RELATOR: DESEMBARGADOR JOSÉ ROBERTO PORTUGAL COMPASSO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação Civil Pública. Cumprimento de Sentença. Decisão que proíbe as Associações Civis de prestarem serviços públicos onerosamente a seus associados. Reforma. Não pode o Juízo, em sede de cumprimento de sentença, impor às agravantes, que não compuseram o polo passivo da ACP, apenas figuraram como assistentes simples, obrigação que não constou do dispositivo do julgado e que não guarda relação com o pedido, extrapolando os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada. Recurso a que se dá parcial provimento. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento nº 0011855-49.2015.8.19.0000, em que são agravantes a SOCIEDADE CIVIL ORLA 500 e outras e agravado o MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. ACORDAM os Desembargadores da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em votação unânime, em dar provimento parcial ao recurso, nos termos do voto do Relator. RELATÓRIO Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão proferida pelo r. Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Cabo Frio que, na ação civil pública, feito nº 0004981-25.2009.8.19.0011, em fase de cumprimento de sentença, proibiu às associações agravantes de prestar serviços públicos onerosamente a seus associados. Alegam as agravantes que desde a criação dos bairros que assistem, por loteamentos fechados na década de 70 a 80, vêm prestando serviços essenciais, vez que o município não o faz satisfatoriamente; que, Secretaria da Nona Câmara Cível Rua Dom Manuel, nº 37, sala 436, Lâmina III. Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-090 Tel.: + 55 21 3133-6009 e 3133-6299 – E-mail: [email protected] JOSE ROBERTO PORTUGAL COMPASSO:000016062 Assinado em 23/06/2015 17:57:07 Local: GAB. DES JOSE ROBERTO PORTUGAL COMPASSO 181 Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Nona Câmara Civel AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0011855-49.2015.8.19.0000 2 inicialmente, os serviços eram cobrados de toda a comunidade pelo princípio da solidariedade e da vedação do enriquecimento sem causa; que, como nem todos os moradores compartilhavam desse entendimento, o Ministério Público ajuizou a ACP objetivando que o Município e a CONSERCAF prestassem os serviços de coleta domiciliar de resíduos sólidos, varrição de vias públicas, limpeza das praias, conservação de áreas públicas manutenção e conservação da iluminação pública nas áreas dos loteamentos mencionados. Aduzem que o Juízo de primeira instancia, embora reconhecendo a situação fática dos citados loteamentos, proferiu sentença de procedência; que a decisão apelada tendo sido mantida no Tribunal; que interpôs recurso especial, que não foi admitido pela 3.ª Vice Presidência, decisão esta agravada e pendente de julgamento; que o Ministério Público está promovendo a execução provisória da sentença. Afirmam que, no entanto, a administração pública vem prestando o serviço de forma precária, o que vem causando enorme transtorno aos moradores, que estavam acostumados ao serviço personalizado prestado pelas agravantes; que o lixo orgânico vem sendo recolhido regularmente, porém, os demais serviços não têm sido prestados de forma regular, o lixo verde esta se acumulando nos passeios, praia e ruas, vedando os bueiros de escoamento de água pluvial, bem como as ruas estão às escuras com diversas lâmpadas queimadas. Aduzem que diante deste quadro, os moradores, que constituem a maioria absoluta dos residentes nos loteamentos, reuniram-se em assembleia e resolveram que independentemente da obrigatoriedade da oferta de prestação de serviços pelo município nos loteamentos, gostariam de continuar recebendo das Agravantes o serviço opcional personalizado sob o ônus de quem se dispuser a pagar; que assim peticionaram na ACP informando ao Juízo que enquanto a Rés não conseguirem prestar os serviços a contento e houver apelo por um serviço opcional personalizado, os moradores desejam que as Agravantes continuem a prestar o serviço opcional personalizado nos loteamentos aos seus associados, que em nenhum momento estarão impedindo ou de qualquer modo dificultando o cumprimento da sentença, bem como o rateio dos serviços supramencionados serão prestados e suportados somente pelos moradores associados que optarem pelo mesmo, sobrevindo daí a decisão agravada que proibiu as agravantes de prestarem qualquer serviço público. Sustentam que a decisão que proíbe a associação de moradores de prestar serviços essenciais na área do loteamento fechado a seus associados e com recursos dos mesmos, tem fundamentação desconexa com a causa de pedir da ACP e infringe o direito constitucional a plena liberdade de Secretaria da Nona Câmara Cível Rua Dom Manuel, nº 37, sala 436, Lâmina III. Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-090 Tel.: + 55 21 3133-6009 e 3133-6299 – E-mail: [email protected] 182 Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Nona Câmara Civel AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0011855-49.2015.8.19.0000 3 associação para fins lícitos; que a referida decisão foi proferida em execução provisória, acarretará danos irreparáveis as agravantes, sem a devida caução. Pugnou pela concessão de efeito suspensivo e, ao final, o provimento de seu recurso declarando a nulidade da decisão de proibi-las de prestar serviços onerosos aos seus associados, por afigurar-se ilegal, bem como, extra - petita. Foi proferida decisão às fls. 19/26, concedendo efeito suspensivo. A Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva – Núcleo Cabo Frio apresentou contrarrazões às fls. 49/58, em prestígio a decisão agravada. Foram prestadas as informações às fls. 151/152, sendo mantida a decisão agravada pelo Juízo a quo. A 3.ª Procuradoria de Justiça de Tutela Coletiva emitiu parecer às fls. 154/168 pelo conhecimento de desprovimento do recurso. É o relatório. VOTO O recurso é tempestivo e estão presentes os demais requisitos de admissibilidade, pelo que deve ser conhecido. O cerne da questão está em definir se a decisão agravada guarda conexão com o julgado na ACP, bem como, se infringe o direito constitucional de liberdade de associação para fins lícitos e, ainda, se seria necessário, no caso, por tratar-se de execução provisória, de caução. Assiste parcial razão às agravantes. De inicio observo que no caso não há necessidade de prestação de caução vez que execução provisória do julgado na ACP não trará prejuízo direto às agravantes especialmente aos seus associados, visto que se objetiva no julgado é exatamente que os serviços públicos essenciais sejam prestados pela administração pública. No que se refere à pertinência da decisão de proibição de prestação de serviços pelas agravantes a mesma sorte não ampara o agravado. Secretaria da Nona Câmara Cível Rua Dom Manuel, nº 37, sala 436, Lâmina III. Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-090 Tel.: + 55 21 3133-6009 e 3133-6299 – E-mail: [email protected] 183 Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Nona Câmara Civel AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0011855-49.2015.8.19.0000 4 Extrai-se da leitura do dispositivo da sentença exequenda que a condenação se limita a segunda ré, CONSERCAF – Serviço de Desenvolvimento de Cabo Frio, e, ao primeiro réu, Município de Cabro Frio, a regularizarem a prestação dos serviços de coleta domiciliar de resíduos sólidos, varrição de ruas, limpeza de praias, conservação de áreas públicas e manutenção e conservação de iluminação pública nas áreas dos loteamentos “Orla 500”, “Florestinha”, “Viva Mar”, “Terra Mar”, “Verão Vermelho”, “Long Beach” e Santa Margarida”, no prazo de máximo de 30 (trinta) dias contados da intimação da decisão, sob pena de multa diária de R$5.000,00 (cinco mil reais). Não houve condenação das agravadas, que figuraram na ACP como assistentes simples. A motivação da decisão agravada seria o fato de que prestando as associações os serviços essenciais, dificultariam o cumprimento do julgado e, ainda, que seria irregular cobrar dos moradores dos referidos loteamentos por serviços públicos essências que devem ser prestados pelo ente público. A princípio os serviços só são prestados pelas agravantes porque não prestados pelos réus, a partir do momento em que passarem a ser satisfatoriamente deixarão, por óbvio, de ser prestados pelas agravadas. Não é razoável entender que a prestação de serviços essenciais, como segurança, transporte, iluminação pública saúde e etc., por associação civil, tenha o condão de impedir o município de prestá-los. Público é notório que os problemas sociais são enormes e que os entes públicos não conseguem prestar serviços públicos de qualidade a todos os cidadãos como lhe compete. É certo que em se tratando de área aberta em loteamento urbano, servido por vias públicas, a responsabilidade pela prestação de serviços limpeza pública, segurança iluminação, conservação do meio ambiente, saúde é, originariamente, do Poder Público, contudo, não há vedação legal para que cidadãos de bem que tiveram condições financeiras e quiserem, promovam por sua conta, supletivamente tais serviços, podendo, para tanto associar-se livremente, o que é comum acontecer. O que pode ser questionado, tão somente, é a respectiva cobrança compulsória. Nesse sentido: RECURSO ESPECIAL - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - NÃO OCORRÊNCIA - ARTIGOS 39, II E 46, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E 8º, DA LEI N.º 4.591/64 - PREQUESTIONAMENTO Secretaria da Nona Câmara Cível Rua Dom Manuel, nº 37, sala 436, Lâmina III. Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-090 Tel.: + 55 21 3133-6009 e 3133-6299 – E-mail: [email protected] 184 Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Nona Câmara Civel AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0011855-49.2015.8.19.0000 5 AUSÊNCIA - APLICAÇÃO DA SÚMULA 211/STJ AÇÃO DE COBRANÇA - LOTEAMENTO URBANO DIVISÃO DAS DESPESAS RELACIONADAS A SERVIÇOS PRESTADOS PELO PODER PÚBLICO IMPOSSIBILIDADE PROPRIETÁRIOS NÃO ASSOCIADOS - PRECEDENTES - RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. I - Não há omissão no aresto a quo, tendo sido analisadas as matérias relevantes para solução da controvérsia. II - As questões relativas aos artigos 39, II e 46, do Código de Defesa do Consumidor e 8º, da Lei 4.59164, não foram objeto de exame pelo acórdão recorrido, estando ausente, dessa forma, o prequestionamento. Incidência da Súmula 211/STJ. III - Tratando-se de área aberta, em loteamento urbano, servida de vias públicas e que com acesso irrestrito à população, a responsabilidade pela execução de serviços públicos, tais como de segurança e limpeza é, originariamente, obrigação do Poder Público. IV Não é lícito exigir, dos proprietários que não são membros da associação de moradores, o rateio das despesas correspondentes aos serviços prestados pela associação. Precedentes. V - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. (REsp 1259447/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/08/2011, DJe 29/08/2011). DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. LOTEAMENTO FECHADO. CONTRIBUIÇÕES PARA MELHORAMENTOS E MANUTENÇÃO. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. IMPOSIÇÃO A QUEM NÃO É ASSOCIADO. OBRIGAÇÃO ASSUMIDA CONTRATUALMENTE. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. 1.- Na linha de reiterados pronunciamentos da Segunda Seção desta Corte: "As taxas de manutenção criadas por associação de moradores, não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo". (EREsp nº 444.931/SP, Segunda Seção, Rel. p/ Acórdão Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 1º/02/2006). 2.- Recurso Especial provido, determinando-se o retorno dos autos Secretaria da Nona Câmara Cível Rua Dom Manuel, nº 37, sala 436, Lâmina III. Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-090 Tel.: + 55 21 3133-6009 e 3133-6299 – E-mail: [email protected] 185 Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Nona Câmara Civel AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0011855-49.2015.8.19.0000 6 à origem para que se julgue novamente a causa com base nos parâmetros estabelecidos pela jurisprudência desta Corte.(REsp 1184084/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 04/11/2013). Não se pode impor o cumprimento de uma obrigação não gerada por lei ou por vontade, nem de abster-se daquilo que não é vedado por lei, pois a Constituição garante que ninguém pode ser compelido a fazer algo senão em virtude de lei, além de garantir a liberdade de associação. Assim sendo, considerando que às agravadas não compuseram o polo passivo da ação, bem como que não constou do dispositivo da sentença em execução, condenação das mesmas a se absterem da prestação de serviços a seus associados e, ainda, que não existe vedação legal prestação supletiva de serviços públicos; entendo que a decisão agravada, na parte que proíbe as agravadas de prestar serviços públicos a seus associados é desarrazoada e extrapola os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada. Ante o exposto, voto pelo provimento parcial do recurso, excluindo da decisão agravada a parte que proíbe às Associações agravantes de prestar onerosamente serviços a seus associados, ficando, desde já cientes de que não podem impingir a prestação e pagamento de contribuição àqueles que não anuírem, bem como de, de alguma forma impedirem a livre locomoção de pessoas nas vias públicas, bem como a utilização das praças e praias. Rio de Janeiro, 23 de junho de 2015. JOSÉ ROBERTO PORTUGAL COMPASSO DESEMBARGADOR RELATOR Secretaria da Nona Câmara Cível Rua Dom Manuel, nº 37, sala 436, Lâmina III. Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-090 Tel.: + 55 21 3133-6009 e 3133-6299 – E-mail: [email protected]