MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DO RELATOR EM
AGRAVO DE INSTRUMENTO
José Maria Rosa Tesheiner
Cabe mandado de segurança contra ato jurisdicional. Eis aí um ponto assente
na doutrina e na jurisprudência. Subsistem, porém, dúvidas importantes sobre seus
limites.
Observa
Eduardo
Talamini1
que
há
razoável
consenso
sobre
a
admissibilidade do mandado de segurança para controle de ato jurisdicional, ao
menos nas seguintes hipóteses:
- contra decisão da qual não caiba recurso nenhum;
- contra decisão da qual não caiba recurso com efeito suspensivo ou apto a, desde
logo, propiciar a providência negada pela decisão;
- contra omissões, em si mesmas não recorríveis;
- por terceiros em relação ao processo, atingidos por seus atos;
- contra sentença juridicamente inexistente ou absolutamente ineficaz (por exemplo,
ajuizamento do mandado de segurança por quem não foi validamente citado e não
participou do processo).
No momento, encontra-se em xeque a primeira dessas afirmações, qual seja,
a do cabimento de mandado de segurança contra decisão da qual não caiba recurso
nenhum.
Nos termos da Lei 11.187/2006, que alterou os artigos 522, 523 e 527 do
CPC, dando nova disciplina ao agravo, é irrecorrível a decisão do relator que: a)
1
TALAMINI, Eduardo. O emprego do mandado de segurança e do habeas corpus contra atos
revestidos pela coisa julgada. In: MARINONI, Luiz Guilherme. Estudos de direito processual civil Homenagem ao professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
1
converte agravo de instrumento em agravo retido; b) antecipa efeitos da tutela
recursal.
A posição do autor é clara. Diz:
"... admitiu-se recentemente no STF mandado de segurança contra decisão
monocrática que havia concedido liminar em ação direta de inconstitucionalidade.2
Esse exemplo pode ser ampliado: toda vez que se reputar não caber agravo interno
ou regimental contra decisões individuais de integrantes dos tribunais, haverá de
admitir, em contrapartida, o mandado de segurança - tal como no precedente do
Supremo ora mencionado".3
Mas Nei Comis Garcia adverte: a posição consolidada no TJRS é adversa:
"Agravo Regimental. Mandado de Segurança contra decisão de Desembargador.
Incabível a interposição de mandado de segurança contra decisão proferida por
desembargador em agravo de instrumento. Impossibilidade deste Grupo Cível de
atuar como instância recursal de decisões proferidas por seus Membros.
Precedentes da Corte. Agravo Regimental não provido (6 fls.)..." (Agravo Regimental
nº 70001401223. Relator Desembargador Henrique Osvaldo Poeta Roenick).
Decisão do Pleno:
"Mandado de segurança contra ato de relator componente de Câmara Cível
negando efeito suspensivo a recurso de agravo de instrumento. Não-cabimento do
remédio constitucional para atacar, ante o Órgão Especial do Tribunal, esse ato do
relator, magistrado do mesmo grau de jurisdição e da mesma hierarquia institucional
que é. Admissível não é o writ como via processual de ataque, junto ao Órgão
Especial do Tribunal, de decisão tomada por órgão fracionário seu, ou juiz
2
MS 25.024, decisão de 17.08.2004, proferida pelo Min. Nelson Jobim, na condição de presidente da
Corte.
3
TALAMINI, op. cit.
2
componente de órgão fracionário seu, eis que praticada por juízes do mesmo grau
de jurisdição e da mesma hierarquia institucional. Hipótese que leva à extinção do
processo por ausência das especiais condições que devem estear a ação
constitucional, com fundamento no art. 267, VI, do Código de Processo civil (5 fls.)"
(Mandado de Segurança nº 70000682518, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Osvaldo Stefanello, julgado em 17.04.2000).
E Garcia conclui, duvidando de que alguém consiga reverter essa
jurisprudência.4
Essa reversão poderá ocorrer, porque das decisões denegatórias de
mandado de segurança cabe recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça,
que tem outra orientação:
"Processual Civil. Recurso em Mandado de Segurança. Competência para
Julgamento do Writ. Ato de Desembargador. Esta Corte, em mais de uma
oportunidade, já se manifestou no sentido de que, a partir da interpretação do art.
21, VI, da LOMAN, o mandado de segurança impetrado em ataque a ato de
Desembargador deve, necessariamente, ser julgado pelo respectivo Tribunal.
Recurso provido" (RMS 19.588-RS, Rel. Ministro Castro Filho, 3ª Turma, julgado em
13.12.2005, DJ 20.02.2006, p. 329).
No que diz respeito à alegada ausência de hierarquia entre membros de um
mesmo tribunal, assinala-se que, individualmente considerados, não há hierarquia
sequer entre um desembargador e um juiz de 1º grau.
Contudo, é hierárquica a organização do Poder Judiciário. Quem diz
hierarquia, diz subordinação do inferior ao superior. Há, efetivamente, órgãos
superiores, como o STF e o STJ, e há órgãos inferiores, como os Juízes de 1º grau.
4
GARCIA, Nei Comis. Algumas opiniões acerca dos artigos 285-A e 527 do CPC. Disponível em:
<http://www.tex.pro.br/wwwroot/00/060504algumas.php>. Acesso em: 27 maio 2006.
3
Entre outros, os Tribunais de 2ª instância, superiores em relação a estes e inferiores
em relação àqueles.
Entre as formas de controle hierárquico, destacam-se:
a) a demissão do inferior ao nuto do superior, ausente no âmbito do Poder
Judiciário, sobretudo pela vitaliciedade outorgada aos Juízes;
b) a orientação e direção da atividade dos subalternos, por atos regulamentários,
como circulares, portarias e ordens de serviço. Não se admite, porém, que por elas
se determine o teor das decisões que os Juízes devam proferir (LOMAN, art. 41);
c) o poder disciplinar, outorgado pela Constituição da República aos Tribunais. Seu
art. 93, VIII, estabelece que "o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria de
magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto de dois terços do
respectivo Tribunal, assegurada ampla defesa". Para as demais sanções
disciplinares, basta a maioria absoluta dos membros do respectivo Tribunal
(Constituição, art. 93, X);
d) a devolução ao superior hierárquico do ato praticado pelo subalterno, mediante
avocação ou recurso. Nesta hipótese, observa Ruy Cirne Lima, a subordinação
hierárquica se estabelece mais entre os atos do que entre os indivíduos (Princípios
de direito administrativo. Porto Alegre: Sulina, 1964. p. 154). A avocação, que é da
iniciativa do superior, não tem cabimento no âmbito da jurisdição, dado o princípio
de que o Juiz não age de ofício. O recurso exige provocação do interessado, ou
seja, a vontade de recorrer declarada pelo prejudicado.
Não se limita, porém, aos recursos, o controle hierárquico mediante a
devolução ao superior do ato praticado pelo inferior. Há que se acrescentar as ações
de impugnação, como a rescisória, a revisão criminal e o mandado de segurança.
4
Dentre as formas de hierarquia, uma das mais interessantes é a que se
estabelece entre o todo e as partes. O todo é hierarquicamente superior a cada uma
de suas partes. Por isso mesmo, o colegiado é necessariamente superior a cada um
dos membros que o integram.
Pode-se contra-argumentar, dizendo que o tribunal é tão tribunal quando julga
por seu Plenário, como nos casos em que decide por qualquer de seus
componentes.
Mas existe hierarquia entre o colegiado e cada um dos membros que o
integram, e em termos estritamente jurídicos, porque, mesmo os que sustentam o
descabimento de mandado de segurança contra decisão do relator, têm de admitir
que, se o Pleno, ou outro órgão fracionário, equivocadamente ou não, concede a
segurança, é a decisão do colegiado que prevalece.
A existência, pois, de hierarquia é irrecusável e o problema passa, então, a
ser o de se querer, ou não, exercer o controle hierárquico.
Do ponto de vista constitucional, esse controle deve ser exercido porque,
havendo ilegalidade ou abuso de poder, deve ser concedido mandado de
segurança, seja qual for a autoridade pública responsável pelo ato.
Com razão, observa Talamini que:
"O uso do mandado de segurança contra atos do juiz nada tem de 'anômalo'; não
pode ser visto como uma patologia. Decorre da própria magnitude constitucional
desse instrumento de tutela. Assim, o novo regime do agravo não teve obviamente o
condão de automaticamente limitar a força constitucional do mandado de
segurança".5
5
O escrito de Talamini é anterior à edição da Lei nº 11.187/2006. O "novo" regime do agravo a que
então se referia já é, a essa altura, o "velho" regime. Mas a lição do autor permanece atual.
5
Se o legislador disciplinou mal o agravo, tornando irrecorríveis decisões
monocráticas do relator, ainda que eivadas de ilegalidade ou de abuso de poder,
isso não é senão motivo para se reafirmar o cabimento de mandado de segurança.
Subsiste, porém, uma diferença importante. O recurso, que a lei omitiu,
devolveria ao colegiado a decisão do relator em todos os seus aspectos. Em
mandado de segurança, a análise é limitada aos aspectos de legalidade ou abuso
de poder. Há ilegalidade, por exemplo, se o relator converte agravo de instrumento
em retido, sem que se vislumbre futura apelação para examiná-lo.
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