AS REGRAS NA ESCOLA: REFLETINDO COM OS ALUNOS SOBRE A
CONSTRUÇÃO DE VALORES MORAIS NO COTIDIANO DA ESCOLA
FREITAS, Margarida Maria Tito
Secretaria de Estado da Educação
[email protected]
LEITE, Sandra Regina Mantovani Leite
Universidade Estadual de LondrinaEL- Departamento de Educação
[email protected]
RESUMO
Na escola, muitas mudanças envolvem o conflito de valores entre os grupos de
alunos como é o caso, principalmente, daqueles que chegam ao 6º e 7º anos. Este
momento exige adaptações em relação ao momento anterior, uma vez que os
alunos agora não tem apenas um professor, mas sim um para cada disciplina, e por
outro lado ainda podem contar com constantes matrículas de alunos de outras
escolas que contemplam apenas até o quinto ano. Isto tem gerado ansiedade,
curiosidade ou até timidez em relação à convivência em grupo e, percebe-se a
necessidade de ações reflexivas com os sujeitos que participam deste contexto a fim
de que aprendam a se relacionar com respeito e cooperação entre si. Este trabalho
de abordagem qualitativa, resultante da participação no PDE, teve como objetivo
refletir com os alunos de 6º e 7º anos, a questão de valores morais no cotidiano da
escola, dentre os quais enfatizar valores solidários como companheirismo, respeito,
responsabilidade e amizade. Para tal foi realizado uma proposta de intervenção com
várias atividades oportunizando aos alunos momentos de cooperação, socialização
reflexão e discussão sobre a importância dos valores morais na escola.
Palavras-chave: Educação de valores; alunos; cotidiano da escola.
Este estudo tem seu início com os estudos realizados junto ao
Programa de Desenvolvimento Educacional do Paraná – PDE, e fazem parte das
intervenções junto ao projeto realizado na instituição escolar em qual atuo. Portanto,
este artigo é resultado do projeto “O desenvolvimento da autonomia moral e os
conflitos na escola”, caderno temático apresentado à SEED como material didático
pedagógico. Este trabalho tem início com uma revisão bibliográfica sobre o tema e
também traz as considerações sobre a intervenção realizada.
A sociedade em constante transformação, nem sempre consegue
acompanhar as mudanças dos valores sociais e refletir sobre como estamos
contribuindo no processo formativo de nossos jovens. Os efeitos da globalização,
por exemplo, ao compartilhar com rapidez valores diversos entre diferentes
sociedades, exigem que o processo educativo estimule e promova reflexões sobre a
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importância dos valores solidários como companheirismo, respeito mútuo e outros
tão importantes para vida em sociedade.
A construção de valores na escola é um tema que tem chamado a
atenção de vários pesquisadores uma vez que este espaço não é neutro, mas
promove encontro compartilhado de sentidos sobre a vida e as relações humanas.
Assim, ao refletirmos sobre a realidade escolar e o modo como temos vivenciado as
interações entre sujeitos, precisamos ampliar a visão e compreender que um sujeito
“ é fruto de seu tempo histórico, das relações sociais em que está inserido, mas é
também, um ser singular, que atua no mundo a partir do modo como compreende e
como dele lhe é possível participar.” (Diretrizes Curriculares da Educação BásicaSecretaria de Estado da Educação do Paraná, 2008, p. 16).
Como os alunos estão grande parte de seu tempo na escola, este é o
local apropriado para realizar o máximo de situações que oportunizem ao aluno
reflexões sobre as suas ações e o que estas refletem na vida do outro e vice versa,
afim de que se tornem sujeitos autônomos, responsáveis pelos seus atos, históricos
e que também podem fazer história através de atitudes solidárias para com o
mundo.
Quando tratamos da escola e do modo como está organizada,
somos levados a questionar sobre as suas regras e, para isto, precisamos definir o
que são regras? Para Piaget (1994), a moral constitui-se de um sistema de regras
elaboradas pela própria sociedade com a finalidade de reger a conduta da
coletividade. La Taille (2002, p. 25), por sua vez, explica que, “[...] em qualquer
forma de organização social, limites são colocados, deveres exigidos” e ainda
esclarece que regras são formulações verbais precisas, que nos dizem com clareza
o que devemos ou não fazer. Alguns exemplos: “não roubar', “não agredir”, “não
enganar”, “não matar”, “ajudar alguém em perigo” (LA TAILLE, 2006).
Todavia não é possível a existência de regras que regulamentem
todas as situações, dadas a complexidade das relações e as diversas variáveis de
cada situação. Assim, é necessária uma abstração maior, refletindo sobre “o que
está por trás das regras”, em que elas se baseiam, ou seja, os princípios que as
orientam (TOGNETTA; VINHA, 2007, p. 33).
La Taille (2005, p. 1), completa esta ideia ao afirmar que:
[…] a regra em si não diz nada. As escolas não conseguem
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obediência porque seus princípios não ficam claros [...] quem garante
a moralidade é o indivíduo, portanto, deve haver um sentimento de
obrigatoriedade “interno”, que pode ser de “medo” ou de “respeito”.
Na escola, não vemos educação moral, mas imposição nas regras.
De acordo com os autores acima, as regras de uma instituição
educativa devem ser cuidadosamente construídas, visto que elas interferem na
qualidade das relações interpessoais. Torna-se importante a discussão de como
elaborá-las, para que não sejam cumpridas pelos alunos apenas por obediência,
mas por compreenderem a sua real importância nas interações em grupo.
Tognetta e Vinha (2007, p. 35) postulam que é urgente a revisão dos
regimentos de muitas escolas que pretendem educar para a autonomia. Afirmam
que:
[…] em geral, estes prescrevem um rol de regras em que se
misturam as convencionais (incluindo as organizacionais) e as
morais, algumas unilaterais e autoritárias, outras desnecessárias. O
fato é que, quanto mais regras, menos as pessoas as cumprem. Por
essa razão, antes de decidir quais as regras de uma escola é
necessário refletir quais os princípios norteadores que serão o
“espírito” dessas regras. É como se a escola informasse a todos:
“esses são os nossos valores básicos e inegociáveis”. Esses
princípios norteadores, como a justiça, o respeito (a si, ao outro e ao
patrimônio), a igualdade e a dignidade, servirão de parâmetro para a
elaboração das regras.
Em geral, as escolas já têm em seu regimento uma relação de
normas gerais, as quais já vêm de tempo anterior, mas é preciso que elas sejam
analisadas em relação à sua finalidade: se são justas e democráticas num trabalho
coletivo, com momentos de reflexão sobre a necessidade desta ou daquela regra e
se há bons argumentos para a sua efetivação.
Tognetta e Vinha (2007, p. 36) completam que:
[...] não raro se observam nas instituições escolares regras em
excesso que muitas vezes não têm princípios claros. Algumas vezes,
constatam-se normas pautadas em princípios e outras que ferem
esses mesmos princípios, fato ocorrido, por exemplo, numa escola
em que, embora as crianças utilizassem uniformes como forma de
identificação (visando a sua segurança), se uma delas aparecesse
sem o uniforme, era impedida de entrar, tendo, muitas vezes, que
voltar sozinha para casa (fato gerador de insegurança), pois seus
pais a haviam deixado na porta da escola e ido trabalhar.
As regras possuem características próprias que as diferenciam de
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outros tipos de regulamentações (leis, preceitos, prescrições, etc.). Piaget considera
que elas possuem duas características: são coletivas e exigem regularidade. Em
concordância com essa concepção, Macedo (1994) esclarece que as regras são
regidas por alguns princípios, que seriam: a flexibilidade, a adequação às
necessidades particulares de cada grupo, a participação ativa dos integrantes na
sua elaboração, a regularidade e o seu cumprimento por parte de todos que o
integram.
Diante de tais características, percebemos que há muita incoerência
entre os princípios e as ações praticadas em relação às regras elaboradas nas
instituições educativas. Portanto, cabe aos educadores refletir atentamente durante
a sua elaboração, e observar, na sua prática, se há coerência entre os princípios
que as norteiam e as ações deles decorrentes. Só assim haverá respeito em seu
cumprimento.
As Regras Negociáveis e não Negociáveis na Escola
Considerando que as regras fazem parte de toda instituição escolar
e que interferem na qualidade das interações interpessoais, torna-se necessário
refletir, cuidadosamente, sobre como elaborá-las na escola, criando um ambiente
favorável à sua construção e que os princípios norteadores em que se baseiam
sejam explicitados com clareza.
Todos que fazem parte do contexto escolar, devem seguir as regras
que regem a sua estrutura. Tais regras, todavia, para que sejam cumpridas, não
devem ser impostas, autoritárias ou abusivas, elas devem ser bem elaboradas, bem
explicadas, conscientizando os alunos com argumentos convincentes, que
justifiquem a necessidade dessas regras para a organização e bom funcionamento
da escola.
Tognetta e Vinha (2007, p. 56) explicam que é “[...] necessário
considerar que, na instituição escolar, existem dois tipos de normas: as que são
negociáveis, em que são realizados contratos “combinados”, e outras que não são
negociáveis”.
De acordo com as autoras, as normas não negociáveis são as
normas gerais da escola, onde os valores morais destas normas são escolhidos,
refletidos e discutidos coletivamente e tem como princípios norteadores o diálogo, o
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respeito, a justiça, a igualdade. Estas não podem ser mudadas, negociadas, são
normas necessárias e sua elaboração tem a participação ativa de todos os
integrantes, as quais devem ser cumpridas por todos os membros que a compõem.
É habitual as escolas já terem seu regulamento elaborado, mas,
para que haja êxito no seu cumprimento, é necessário um trabalho consciente,
participativo, que possibilite aos alunos o estudo do mesmo. Concomitante a este
processo, é importante que eles cooperem, elaborando algumas regras que acham
importantes e que sejam comuns a todos. Só assim haverá respeito na prática diária
e cumprimento das mesmas.
Tognetta e Vinha (2007, p. 11), afirmam que:
[…] ninguém nega o valor das regras. No entanto, atualmente,
observam-se nas escolas professores e especialistas que discorrem
sobre a validade de elaborar regras em conjunto com os alunos, por
meio de rodas de conversas ou de assembleias, visando,
principalmente, ao desenvolvimento da autonomia moral e ao
favorecimento do diálogo como forma de resolver os conflitos.
De acordo com Tognetta e Vinha (2007), as regras negociáveis são
aquelas construídas pelos alunos em assembleias de classe, numa relação de
cooperação, geralmente conduzidas por um professor ou orientador. Podem ser
discutidas e negociadas quando surgir uma necessidade, como para resolver um
conflito, uma desavença, uma insatisfação que esteja causando embaraço no grupo.
Em geral, estas situações são resolvidas também em assembleias, sem privilegiar
alguns ou prejudicar outros, visando ao bem estar da turma.
Tognetta e Vinha (2007, p. 64) ainda colocam que, nas assembleias
de classe,
[…] inicialmente, é importante que seja conversado sobre o que é e
como se faz uma assembleia, mobilizando os alunos para a
organizarem e que esta varia de acordo com cada classe e idade do
grupo e que as realizações destas não é modismo, mas visam
proporcionar espaço democrático onde valoriza-se o diálogo como parte
importante na resolução dos problemas e que esta também tenha um
espaço em que o grupo possa falar das conquistas, valorização e da
convivência em grupo.
Araújo (2004, p. 62) considera que:
[…] o objetivo de uma assembleia é discutir princípios, atitudes, e daí
construir regras de regulação coletiva e as propostas de resolução dos
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problemas. Discutem-se as brigas na escola, a sujeira na classe, o
assédio moral e sexual, o fato de a aula estar sendo prejudicada por
causa de determinados comportamentos, e não quem está cometendo
tais faltas. Isso porque as regras não podem jamais ser personalizadas.
Não podem ser feitas para uma pessoa ou pequeno grupo. Elas têm que
ser coletivas.
Geralmente necessárias para as crianças mais novas, as regras não
negociáveis são apenas refletidas e explicitadas quando for preciso, não
necessitando ser discutidas ou elaboradas por todos (TOGNETTA; VINHA, 2007, p.
56).
Nas pesquisas realizadas por Macedo (1996), ele ressalta aos
educadores a importância de haver normas que sejam obrigatórias para as crianças,
ou leis, como as classifica. Nem tudo pode e deve ser combinado, como, por
exemplo, as regras da boa saúde e segurança; o escovar os dentes não é e nem
pode ser “combinado”, por ser uma lei de boa saúde. O que pode ser feito, ao
colocar esse tipo de norma, é dar certa margem de escolha dentro das limitações,
como: - “Crianças, vocês preferem passar o protetor e brincar no sol ou preferem
brincar na sombra?” ou - “Você pode gritar bem alto no parque ou jardim, ou falar
baixo aqui na classe, pois estamos trabalhando em grupo; o que você prefere
fazer?”, mesmo sabendo que ambas as opções desagradam à criança. Ao
transformar uma limitação em uma escolha está sendo oferecida a ela pelo menos
uma possibilidade de tomada de decisão (TOGNETTA; VINHA, 2007 p. 56-57).
Para Macedo (1996, p. 192), “as normas obrigatórias são aquelas
que respondem pela ‘boa saúde’, bom estudo e boa convivência social”, na medida
em que valorizam o ideal de uma função. Mas, se as interpretarmos com simples e
puros combinados, encontramos um certo “democratismo”, que confunde tanto as
crianças quanto os adultos.
Sobre este assunto Tognetta e Vinha (2007, p. 57) esclarecem que:
[…] as regras ou leis não negociáveis dizem respeito, principalmente, a
não causar dano a si mesmo ou aos outros (incluindo o patrimônio). Na
relação com a criança pequena há mais regras não negociáveis, que
vão se tornando negociáveis conforme ela vai crescendo.
Portanto, de acordo com os autores, sendo a escola um espaço com
a finalidade de possibilitar aos alunos uma educação voltada para as questões
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relativas à construção de conhecimento, cidadania, valores e significados, esta deve
prepará-los para um modo de vida que auxilie a consecução de seus objetivos como
sujeitos autônomos.
O Desenvolvimento da Noção de Regras e a sua Construção na Escola
Piaget (1994), ao tratar da efetivação das regras durante o
desenvolvimento humano descobriu que estas são internalizadas por intermédio das
interações. Em suas pesquisas, ele passou a observar como crianças de diferentes
idades brincavam em um jogo muito conhecido, o jogo das bolinhas de gude. Além
de observar, Piaget também jogava com as crianças e conversava com elas a
respeito das regras do jogo: quais são, por que usar esta ou aquela regra, de onde
se originam se é possível modificá-las, etc.
Dessa maneira, ficaram bem descritos dois aspectos que fazem
parte do encontro das crianças com as regras; a prática delas e a consciência a seu
respeito. A prática das regras é o modo como as crianças as usam para si e para os
outros na situação de jogo. Nas pesquisas que Piaget (1994) fez com essas
crianças, ele descobriu quatro estágios de desenvolvimento das regras:
- crianças bem pequenas, até mais ou menos três anos, jogam em
função do seu próprio desejo, divertem-se sozinhas, fazem gestos
repetitivos e regulares ao brincar [...] é o estágio das regras motoras
e não sociais ou individuais;
- crianças entre três e seis anos (todas as idades são médias
prováveis, não exatas), parecem jogar como os grandes, imitandoos, fazendo muitas coisas que aqueles fazem ao jogar. No entanto,
observando de perto, percebe-se que essas crianças mudam as
regras toda vez que isso for interessante para ela. Piaget chamou
esse estágio de egocêntrico: cada criança joga por si, embora esteja
imitando os mais velhos. Essas crianças não se dão ao trabalho de
combinar como vão jogar, não codificam as regras entre si; elas
saem jogando e pronto.
- entre os 7 e 10 anos, aproximadamente, as crianças passam a
usar, de fato, as regras entre si para organizarem como jogar. As
crianças começam a descobrir que é preciso ter um conjunto de
regras igual para todos, senão o jogo torna-se impossível; [...] É o
estágio de cooperação nascente.
 como último estágio, após 11 anos (sempre mais ou menos), as
crianças passam a codificar as regras antes do jogo. [...] As crianças
têm mais interesse pelas regras em si, buscando construí-las, as
mais justas e completas! (MENIN, 1990, p. 43-44).
De acordo com as pesquisas realizadas por Piaget (1994), a criança
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descobre o verdadeiro sentido das regras – consciência – quando começa a praticálas entre si, em situação de cooperação no grupo. E completa: “As relações de troca
entre as pessoas – as ações das pessoas entre si – constroem as razões para as
regras – regras com razão de ser racionais e sociais” (MENIN, 1990, p. 42-43).
Em relação à importância de haver regras na escola, estas são
estabelecidas ante a necessidade de resolver situações de conflitos no cotidiano em
sala de aula. Contribuem para melhorar o convívio entre os alunos num mesmo
espaço coletivo, participando, defendendo posturas e ideias, com direito de
expressar seus pensamentos por meio do diálogo, respeito mútuo e reflexão; na
busca de solução ou enfrentamento de um problema, respeitando um ao outro na
tomada de decisões de situações de conflitantes, como sujeitos autônomos.
[…] normalmente, as relações entre a professora e seus alunos são de
coação, pois esta impõe regras prontas e pune a desobediência ou
premia a obediência de seus alunos. Estes não participam na
elaboração das regras e muitas vezes não sabem sua real função;
aprendem somente que devem obedecer para não serem punidos ou
serem premiados. Claro que aprendem também a calcular os riscos de
sua desobediência, a disfarçar suas transgressões, a simular, etc.
Enfim, mantêm-se heterônomos nessa relação; uma autoridade externa
a eles é que lhes indica o que fazer (PIAGET, 1994, p. 60).
As regras nem sempre partem do grupo de alunos, mas da
imposição dos professores e isto não é muito bom. Menin (1990, p. 90) explica que:
[…] muitas vezes, as regras que surgem do grupo são as mesmas que
seriam colocadas por qualquer professor de bom senso: “Todos devem
colaborar”, “cada um deve fazer sua parte do trabalho”, “ninguém deve
encostar-se no outro”, etc. Mas, quando emergem do próprio grupo,
elas adquirem uma legitimidade, uma respeitabilidade maior entre os
alunos do que se fossem conselhos ou ordens do professor.
De outro lado, as regras precisam ser construídas pelos alunos em
assembleias de classe e podem ser discutidas e negociadas quando surgir uma
necessidade, como para resolver uma desavença, um conflito, uma insatisfação que
esteja causando embaraço no grupo. É comum que estas situações sejam
resolvidas também em assembleias, visando ao bem estar de toda a classe.
Piaget (1994, p. 92) explica que “primeiro é preciso fazer regras,
para então compreendê-las, como algo que tem motivos racionais e sociais para
existir”. Conforme o autor, a prática da elaboração de regras pode e deve acontecer
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no dia a dia da rotina escolar, e este será um trabalho diário, embora se tenha
consciência de que, mesmo sendo combinadas, nem todos as seguirão fielmente.
Isto significa que construir regras e respeitá-las são coisas que se aprendem
gradativamente, exigindo frequência de exercícios como qualquer outro tipo de
aprendizagem.
Tognetta e Vinha (2007), fundamentando-se em pesquisas e
estudos, investigaram o desenvolvimento moral e a noção de regras dos alunos e a
maneira como eles se relacionam e resolviam seus conflitos interpessoais. Nesses
estudos, as autoras retratam situações do cotidiano da escola, como, no exemplo a
respeito da “autorização” ou “permissão” para o uso do banheiro.
[…] um aluno da 7ª série perguntou ao professor se poderia ir ao
banheiro; como eles haviam chegado havia pouco tempo do intervalo,
teve seu pedido negado. O jovem insistiu no pedido mais uma vez e,
diante de nova negativa, levantou-se da carteira assim mesmo e dirigiuse ao banheiro alegando que não “dava mais para segurar”. O professor
impediu-o de retornar à classe, encaminhando-o à orientação, alegando
que o aluno o desrespeitara. O garoto foi advertido verbalmente pela
orientadora. Vejamos o que esse exemplo nos possibilita pensar: um
aluno enviado para fora da classe e advertido por ter atendido a uma
necessidade fisiológica é algo inadmissível numa escola. Podemos até
ressaltar uma verdade: o descumprimento a uma regra injusta é
sinônimo de autonomia. O aluno não estava errado ao se levantar e ir
ao banheiro se realmente estava com vontade. Se fosse uma criança
pequena, dadas características de desenvolvimento, teria urinado nas
calças, passando vergonha e constrangimento ainda maiores
(TOGNETTA; VINHA, 2007, p. 26-27).
Tognetta e Vinha, (2007, p. 27), em seus estudos e pesquisas, ainda sobre esse
assunto destacam:
[…] é preciso analisar cuidadosamente os atos de “desrespeito” e
“indisciplina” que caracterizamos em nossa escolas, pois “apesar de a
moralidade estar relacionada às regras, nem todas as regras têm
vínculos com a moralidade”, afirma Araújo (1966, p. 110). E continua:
“em primeiro lugar, deve-se observar o princípio subjacente à regra,
porque, se este não for de justiça, a regra será imoral e, portanto, a
indisciplina poderá ser sinal de autonomia” (TOGNETTA; VINHA, 2007,
p. 27).
Quando nos pautamos em ideias como as dos autores descritos,
estes nos levam a reflexões, na busca de diversas estratégias para soluções dos
problemas e dificuldades que envolvem o cotidiano dos alunos e do processo de
aprendizagem.
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Diante das situações descritas, cabe ao professor incentivar os
alunos a questionar, argumentar, colocando seus pontos de vista, criando, assim,
um clima favorável. Ante tais estratégias, o aluno se sente à vontade para expor
suas ideias, cooperar na construção das regras e pode falar de suas vivências, suas
experiências com o professor, favorecendo com isso, uma interação construtiva, que
resulta em uma aprendizagem mais eficaz.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando apresentei aos alunos o conteúdo do projeto: As regras na
escola e frente ao objetivo proposto de refletir com os mesmos a construção de
valores no cotidiano da escola, expus as atividades que trabalharíamos, observei
que enquanto a maioria ouvia atentos, alguns em silêncio demonstravam através
dos semblantes, que aquilo não tinha importância, mas ouviram. Dias depois apliquei
um questionário para investigar que conhecimentos os alunos tinham sobre valores
e tal foi minha surpresa com os resultados obtidos, pois avaliando, deram a entender
que sabem o que são regras/normas, o que não conseguem ou não dão importância
é no cumprimento destas. No cronograma já havia previsto entrevistarmos
funcionários da escola e diante da colocação dos pais em reunião, priorizei um ciclo
de palestras, alternando com atividades diversificadas em sala de aula. Foram um
total de seis palestras com diferentes segmentos de trabalho, onde os palestrantes
falaram de seus trabalhos e das regras que cumprem no seu dia a dia para poder
ter êxito e sucesso. As palestras deram resultados positivos, em que todos os alunos
participaram ativamente, possibilitando aos mesmos a compreensão de que existem
regras em todos os lugares e que estas fazem parte de toda e qualquer atividade e
estão presentes nas escolas, na comunidade, no grupo de amigos, no trabalho das
pessoas.
Diante do interesse dos alunos, querendo saber quem viria no
próximo encontro, pude constatar que com o objetivo de desenvolver nos alunos a
reflexão, está a necessidade de se trabalhar com atividades diversificadas e
interessantes e que oportunizem aos alunos o exercício da reflexão de que as regras
são importantes e necessárias tanto para a vida pessoal como coletiva.
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REFERÊNCIAS
ARAUJO, U. F. Assembleia escolar: Um caminho para a resolução de conflitos. São
Paulo: Moderna, 2004.
LA TAILLE, Y. Em busca dos valores morais e éticos. Revista Direcional Escolas,
ed. 5, jun. 2005. Entrevista concedida a Luiza Oliva.
______. Moral e ética: Dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre: Artmed,
2006.
______. Vergonha, a ferida moral. Petrópolis: Vozes, 2002.
MACEDO, L. Cinco estudos de educação moral. São Paulo: Casa do Psicólogo,
1996.
______. Ensaios construtivista. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994.
MENIN, M. S. S. Autonomia e heteronomia moral em escolares: das categorias
Kantianas à Investigação Piagetiana. São Paulo: Secretaria de Estado da Educação,
1990. (Coletânea de Textos de Psicologia, v. 1)
PIAGET, J. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994. Original
publicado em 1932.
TOGNETTA, L. R. P.; VINHA, T. P. Quando a escola é democrática: um olhar
sobre as práticas das regras e assembleias na escola. Coleção Cenas do Cotidiano
Escolar. Campinas: Mercado das Letras, 2007.
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AS REGRAS NA ESCOLA: REFLETINDO COM OS ALUNOS