1 Renata Cristine de Oliveira Atividade docente e adoecimento: estudo em uma pequena cidade Divinópolis Fundação Educacional de Divinópolis - FUNEDI/UEMG 2008 2 Renata Cristine de Oliveira Atividade docente e adoecimento: estudo em uma pequena cidade Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais da FUNEDI/UEMG, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Estudos Contemporâneos Linha de Pesquisa em Saúde Coletiva Orientador: Prof. Dr. Pedro Pires Bessa Divinópolis Fundação Educacional de Divinópolis - FUNEDI/UEMG 2008 3 O48a Oliveira, Renata Cristine Atividade docente e adoecimento: estudo em uma pequena cidade [manuscrito] / Renata Cristine Oliveira. – 2008. 107 f., enc. il. Orientador : Pedro Pires Bessa Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Minas Gerais, Fundação Educacional de Divinópolis. Bibliografia : f. 96 - 107 1. Capitalismo – novas demandas. 2. Educação escolar. 3. Atividade docente. 4. Docentes adoecimento - Estratégias. 5Santo Antônio do Monte - MG. I. Bessa, Pedro Pires. II. Universidade do Estadual de Minas Gerais. Fundação Educacional de Divinópolis. III. Título. CDD: 330.122 370 4 Universidade do Estado de Minas Gerais Fundação Educacional de Divinópolis Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais Linha de pesquisa: Saúde Coletiva Área de Concentração: Estudos Contemporâneos Dissertação intitulada: Atividade docente e adoecimento: estudo em uma pequena cidade, de autoria da mestranda Renata Cristine de Oliveira, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores: __________________________________________ Prof. Dr. Pedro Pires Bessa Orientador (FUNEDI/UEMG) ___________________________________________ Prof. Dr. José Geraldo Pedrosa (CEFET/MG) _____________________________________________ Prof. Dr. Francisco de Assis Braga (FUNEDI/UEMG) ___________________________________________________ Prof. Dr. Alexandre Simões Coordenador do Programa de Mestrado FUNEDI/UEMG Divinópolis, 25 de abril de 2008 Av. Paraná, 3.001 - Bloco D, Sala 8 - Bairro Jardim Belvedere - Divinópolis/MG .Tel.:(37)3229 - 3500 5 AUTORIZAÇÃO PARA REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DA DISSERTAÇÃO Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras e eletrônicos. Igualmente, autorizo sua exposição integral nas bibliotecas e no banco virtual de dissertações da FUNEDI/UEMG. Assinatura:_________________________________ Local e data: ________________________________ 6 Aos docentes, que com todas as dificuldades atuais, continuam sua luta diária por um Brasil melhor. 7 AGRADECIMENTOS a Deus que se fez presente em todos os momentos firmes ou trêmulos. Passo a passo pude sentir sua mão na minha, transmitindo-me a segurança necessária para seguir em frente; aos meus pais, Jair e Aparecida, que sempre vibraram com as minhas vitórias e sempre acreditaram em meu potencial; à minha irmã Roberta pelas palavras de incentivo; ao meu noivo Danilo que soube perdoar minhas ausências; ao Prof. Dr. José Geraldo Pedrosa pela atenção dedicada a mim e a este trabalho. Agradeço-lhe por todas as trocas e desafios, pela confiança e amizade; ao Prof. Dr. Pedro Pires Bessa por ter me acolhido como sua orientanda na etapa final do curso; aos docentes que, espontaneamente, colaboraram na pesquisa, agradeço a sinceridade com que formularam suas respostas; à Célia Rodrigues Filgueiras e Lêda Rosa pela disponibilidade em organizar as informações sobre a educação escolar em Santo Antônio do Monte/MG; aos funcionários da biblioteca, Joana e Ramon e do Centro de Pós-Graduação, em especial Rose, Mônica e Ana Paula, pelo atendimento de qualidade; à Ana Cláudia Santos, à Madalena Santos e a Moisés Nazário pelo empréstimo de livros. 8 [...] nunca se precisou tanto do professor e nunca se deu tão pouco a ele – tanto do ponto de vista da formação, quanto da remuneração e das condições de trabalho. Vasconcellos, 1996, p.2. 9 RESUMO OLIVEIRA, R.C. Atividade docente e adoecimento: estudo em uma pequena cidade. O interesse pelo tema: a atividade docente e sua relação com o adoecimento surgiu da atuação profissional como psicóloga na Secretaria Municipal da Educação de Santo Antônio do Monte/MG. A pesquisa realizada foi de natureza qualitativa e teve como objetivo geral analisar se os fatores referentes ao ambiente de vida atenuam a relação entre a atividade docente e o adoecimento. Foram realizadas 16 entrevistas semi-estruturadas com docentes efetivos que lecionam nos anos iniciais do Ensino Fundamental em escolas municipais da zona urbana de Santo Antônio do Monte/MG e que tiveram licenças médicas de, no mínimo, 15 dias, no período de 2005 a 2007. As entrevistas foram interpretadas a partir da análise de conteúdo proposta por Bardin (1979). Dentre as técnicas de análise de conteúdo desenvolvidas, optou-se pela análise temática. Constatou-se que a vocação é o maior motivo para o ingresso na profissão. Também foi possível constatar que a disputa entre os docentes, a má interpretação do construtivismo e a redução do apoio familiar são obstáculos para que a educação escolar aconteça com qualidade e a escola funcione adequadamente. Viuse que os docentes perderam o seu prestígio na sociedade. Paralelamente a essa situação, notou-se um adensamento e uma intensificação da agenda profissional docente. A atividade docente não é mais definida somente como atividade em sala de aula. Os dados obtidos revelaram que boa parte dos docentes possui uma qualidade de vida insatisfatória. A depressão, os problemas relacionados à voz e o esgotamento geraram um número significativo de licenças médicas. Muitos docentes não ficaram estáticos frente ao seu adoecimento. Ao contrário, criaram estratégias, inclusive, para não adoecer. Entre as estratégias adotadas pelos docentes, citam-se: a religiosidade, a busca da melhoria da qualidade de vida, o uso das recomendações de profissionais e os feriados. Concluiu-se que a atividade docente, independentemente do local onde é realizada, gera sobrecarga física e mental. Algumas recomendações foram feitas a partir dos dados obtidos. Uma delas, refere-se à necessidade de se traçarem linhas de ações que consolidem uma política de valorização do docente, a fim de que se possam minimizar os afastamentos. É necessário, ainda, que os docentes tenham consciência do que está aconte- 10 cendo objetivamente em suas aulas e em seu cotidiano, para que percebam até que ponto é importante modificar sua postura para não sofrer ainda mais com a realidade vivenciada. Palavras-chave: capitalismo, novas demandas, educação escolar, escola, atividade docente, docentes, adoecimento, estratégias, Santo Antônio do Monte/MG. 11 ABSTRACT Oliveira, R.C. Teaching activity and sickness: a study carried out in a small town. The interest over the theme: the teaching activity and its relationship with sickness comes from the professional action as a psychologist in the Municipal Secretary of Education in Santo Antônio do Monte/MG. The research was of qualitative nature and had as a general objective, to analyze if the factors referred to the life environment attenuate the relation between the teaching activity and the sickness. 16 Semi-structured interviews were done with the effective docents who taught in the first grades of elementary school in Municipal Schools in the urban area of Santo Antônio do Monte/MG and they have had sick pay, at least 15 days, from 2005 to 2006. The interviews were elucidated from the analysis of the content proposed by Bardin (1979). Among the analytical techniques of the developed content, it was chosen the thematic analysis. The vocation is the greater motive to ingress in the job. It was also possible to verify that the competition among the docents, the misunderstanding of the Constructivism and the reduction of family support are obstacles so that the school education occurs with quality and the school works adequately. It was realized that the docents have lost their prestige in the society. Together with this situation, the docents´ professional schedule and tasks were enhanced. The docent activity is not only well defined as classroom realia but also additional activities. There is an overload of activities and results. The data obtained from the research, revealed that the majority of the docents has an insatisfactorial quality of life. The depression, the voiceless problems and the exhaustion are among the generating reasons for sick pay. Many sick docents weren't still against the sickness. On the contrary, they built strategies inclusively to prevent sickness. Among the strategies adopted by the docents, are: religion, the search for a better quality of life, the use of professional recommendations and the injured. It is concluded that the docent activity, independently where it is, it generates overload on mental and physical health. Some recommendations were taken based on the data obtained in the research. One of them, referred to the necessity of tracing the actions that consolidate a potition of worthing the docent, so that they can decrease the medical work. It is still necessary that the docents be aware of what is occurring objectively in their classes and in the daily life, so that they can realize to which point is important to change their posture not to suffer even more with this facing reality. 12 Key words: capitalism, new demands, school education, school, docent activity, docents, sickness, strategies, Santo Antônio do Monte/MG. 13 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ANPED - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação BIRD - Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento CESAT - Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador CLT - Consolidação das Leis do Trabalho FMI - Fundo Monetário Internacional FUNDEF - Fundo de Manutenção do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério GQTE - Gerência da Qualidade Total na Educação IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LDBN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional SAEB - Sistema de Avaliação da Educação Básica SCIELO - Scientific Electronic Library on Line PSI SENAI - Serviço Nacional da Indústria SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial OIT - Organização Internacional do Trabalho ONU - Organização das Nações Unidas 14 PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais ProQualidade - Projeto de Qualidade na Educação básica de Minas Gerais PNUD - Programa das Nações unidas para o desenvolvimento UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância 15 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 17 1.1 Caracterização do problema e justificativa ............................................................. 17 1.2 Hipóteses .............................................................................................................. 19 1.3 Objetivos da pesquisa ............................................................................................ 20 1.3.1 Objetivo geral ....................................................................................................... 20 1.3.2 Objetivos específicos ............................................................................................. 20 1.4 População de estudo e procedimentos de pesquisa ............................................... 20 1.4.1 Natureza básica da pesquisa ................................................................................. 20 1.4.2 Caracterização das escolas municipais urbanas ...................................................... 20 1.4.3 A população e a amostra ....................................................................................... 22 1.4.3.1 A caracterização da população ............................................................................ 22 1.4.4 Procedimentos de coleta de dados........................................................................ 22 1.4.5 Análise das entrevistas ......................................................................................... 24 1.4.6 Plano de redação ................................................................................................. 26 2 REVISÃO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEÓRICO .......................27 2.1 Capitalismo: história e principais transformações......................................................27 2.2 A educação escolar, a escola e os docentes face às transformações contemporâneas..42 3 DO INGRESSO NA PROFISSÃO AO ADOECIMENTO: RESULTADOS E DISCUSSÕES .....................................................................................................60 3.1 As categorias .............................................................................................................60 3.1.1 Motivos e/ou condicionantes que determinaram o ingresso na profissão .................60 3.1.2 Percepções sobre a condição da educação escolar e da escola na contemporaneidade .......................................................................................................................63 3.1.3 Percepções sobre a atividade docente.....................................................................67 3.1.4 Condições de realização da atividade docente.........................................................70 3.1.5 Percepções sobre a qualidade de vida .....................................................................74 16 3.1.6 Licenças tiradas no período de 2005 a 2007 ..........................................................77 3.1.7 Reações frente às licenças ....................................................................................82 3.1.8 Percepções sobre a possível relação entre a atividade docente e o adoecimento .....85 3.1.9 Estratégias adotadas pelos docentes frente ao seu adoecimento .............................89 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES......................................93 REFERÊNCIAS .................................................................................................96 17 1 INTRODUÇÃO 1.1 Caracterização do problema e justificativa Essa dissertação tem como tema a atividade docente e sua relação com o adoecimento. O interesse pelo tema é fruto da atuação profissional como psicóloga na Secretaria Municipal da Educação de Santo Antônio do Monte/MG. Através de tal atuação, foi possível entrar em contato com o cenário da educação escolar. A participação em situações corriqueiras da sala de aula e em reuniões de planejamento pedagógico abriu espaço para que algumas inferências sobre a educação escolar fossem efetuadas. Uma dessas inferências refere-se ao fato de que a educação escolar não se explica por si mesma, mas pelas transformações que acontecem na sociedade. A educação escolar desenvolve suas atribuições de acordo com o modo de produção vigente (PASQUALOTTO, 2006). Isso se torna evidente na medida em que são observadas as novas demandas direcionadas pelo processo de reestruturação capitalista1 à educação escolar. Verifica-se que o processo de reestruturação capitalista solicita mudanças no perfil dos profissionais, bem como aponta para a valorização da polivalência, do comportamento organizacional, da qualificação técnica, da participação criadora, da mobilização, da subjetividade e da capacidade de diagnosticar e de decidir. Espera-se da educação escolar, das escolas e, principalmente, dos docentes, a formação de um profissional flexível e polivalente. É válido mencionar que, nas últimas décadas, todas as exigências estabelecidas pelo processo de reestruturação capitalista impulsionaram transformações no processo de gestão em educação escolar, com conseqüências para o exercício da atividade docente. Fatores como a perda do controle sobre o trabalho e sua intensificação contribuíram significativamente para a degradação das condições de realização da atividade docente (OLIVEIRA, 2003). Estudos sobre o adoecimento docente foram realizados em várias cidades do mundo, entre elas cita-se: Hong Kong e Nova Iorque. No Brasil, cidades como Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis e Salvador já serviram de palco para a realização de estudos sobre o adoecimento docente. 1 “Por reestruturação capitalista compreende-se o atual estágio de desenvolvimento do modo de produção capitalista em todas as suas dimensões: econômicas, políticas, culturais e sobretudo sociais” (OLIVEIRA, 2000, p. 234). 18 A maioria dos estudos sobre o adoecimento docente apresentados nas reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), no período de 2000 a 2007, foram realizados em cidades com maior população. A base de dados eletrônica Scientific Electronic Library on Line PSI (SCIELO), bem como o banco de teses e dissertações do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, da Universidade Estadual de Campinas e da Universidade Federal de Minas Gerais contêm estudos sobre o adoecimento docente. Muitos desses estudos foram realizados nas referidas cidades. Há muito estresse nas cidades2 grandes. Estresse ocasionado por vários fatores como: a pressa, as horas intermináveis no trânsito, o medo de assalto, roubo e seqüestro, além de muito barulho e poluição. Santo Antônio do Monte/MG é uma cidade pequena3. Possui, atualmente, 24.751 habitantes. Em 2007, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população santantoniense estava distribuída da seguinte forma: 3.797 habitantes na zona rural e 20. 954 habitantes na zona urbana. A cidade está localizada no centro oeste-mineiro, na micro-região do Vale do Itapecerica, a 180 km de Belo Horizonte/MG. Sua maior fonte de renda é a fabricação de fogos de artifício4. A cidade se destaca por sua infra-estrutura urbana, com baixos índices de desemprego e violência e com uma boa qualidade de vida. 2 Para Lefebvre (2001, p. 132), “a cidade é o palco constante no qual se movimentam as categorias econômicas, o salário, o capital, o subproduto e a mais-valia, desempenhando as suas cenas e seus dramas”. Segundo Lefebvre (1991, p. 53), “a cidade e o urbano não podem ser compreendidos sem as instituições oriundas das relações de classe e de propriedade”. 3 Sob o ponto de vista das relações entre as cidades, a rede urbana apresenta uma classificação hierárquica que é determinada pela diversificação de serviços oferecidos. Entre os serviços oferecidos cita-se a rede viária. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2007) considera: cidades pequenas (com menos de 50 mil habitantes) aquelas que possuem bens e serviços freqüentes o suficiente para suprir as necessidades básicas do cotidiano: mercados, padarias, centro médico ou um pequeno hospital, lojas pouco sofisticadas, etc. Para Caniello e Soarez (1989), as “cidades pequenas” são contextos em que a sociabilidade é largamente condicionada pela pessoalização porque os indivíduos estão incluídos em um ambiente social em que o alto grau de proximidade produz uma “visibilidade inevitável”. Caniello e Soarez (1989) ressaltam que, nas cidades pequenas, os sujeitos são reconhecidos uns pelos outros em virtude de suas marcas pessoais e o mapeamento da rede que produz essas marcas é amplamente dominado pela coletividade. Para Elias (1994, p. 108), a “cidade pequena é um daqueles lugares onde a individualidade dissolve-se em uma rede de relacionamentos compulsórios ditados pela freqüência do contato no cotidiano”. 4 As empresas pirotécnicas de Santo Antônio do Monte ficam localizadas na zona rural em obediência ao decreto-lei nº 3.665/2000. De acordo com Patusco (2006), as empresas pirotécnicas geram na região aproximadamente 12.000 empregos diretos e indiretos. Há trabalhadores de várias cidades: Lagoa da Prata, Pedra do Indaiá, Itapecerica. 19 Mediante os fatos expostos, justifica-se a realização da pesquisa, cuja pergunta principal é: Será que as diferenças existentes no ambiente de vida dos docentes que residem e trabalham em cidades pequenas mudam qualitativamente a relação que se estabelece entre a atividade docente e os processos de adoecimento? 1.2 Hipóteses Os docentes que residem e trabalham em cidades pequenas, assim como aqueles que residem e trabalham em cidades grandes, vêem-se pressionados pelos pais, supervisores e diretores a cumprir inúmeras exigências. Na contemporaneidade, a atividade docente, seja nas cidades grandes ou pequenas, já não é mais definida somente como atividade em sala de aula. As reformas em curso contribuem para o adensamento e para a intensificação da agenda profissional docente. Os docentes são vistos pelas instituições gestoras como os principais responsáveis pelo desempenho dos alunos, da escola e do sistema. A responsabilidade exigida passou a ser percebida pelos docentes das cidades grandes e pequenas como uma sobrecarga experimentada, geralmente, como um conflito, cuja repercussão é o adoecimento dos mesmos. Fatores como a calma, os baixos índices de violência e de desemprego e a boa qualidade de vida presentes nas cidades pequenas não mudam a relação que se estabelece entre a atividade docente e os processos de adoecimento. 20 1.3 Objetivos da pesquisa 1.3.1 Objetivo geral Analisar se os fatores referentes ao ambiente de vida atenuam a relação entre a atividade docente e o adoecimento. 1.3.2 Objetivos específicos Identificar a sintomatologia da atividade docente. Investigar quais estratégias são adotadas pelos docentes frente ao seu adoecimento. 1.4 População de estudo e procedimentos de pesquisa 1.4.1 Natureza básica da pesquisa A presente pesquisa é de natureza qualitativa. Torna-se importante afirmar que a pesquisa qualitativa “preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano. Fornece análise mais detalhada sobre investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento etc” (LAKATOS; MARCONI, 2004, p. 269). 1.4.2 Caracterização das escolas municipais urbanas 21 De acordo com os dados colhidos junto à Secretária Municipal da Educação, Célia Rodrigues Filgueiras, no ano de 2008, a zona urbana de Santo Antônio do Monte / MG possui uma escola municipal que oferece aos seus alunos a Educação Infantil e o primeiro ano do Ensino Fundamental, uma escola municipal que oferece os anos iniciais do Ensino Fundamental e três escolas municipais que oferecem a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental. No ano de 2008, foram efetuadas 1.420 matrículas nas escolas municipais urbanas. Nessas escolas, trabalham 66 docentes efetivos. Em cada sala de aula, há aproximadamente 27 alunos. Os docentes trabalham em regime estatutário, 24 horas semanais. Pode-se afirmar que a maioria das escolas municipais urbanas possui localização próxima ao centro. O transporte coletivo facilita o acesso dos alunos e dos docentes às escolas municipais urbanas localizadas em bairros. Essas escolas ocupam uma área extensa. Possuem banheiros, salas de depósito para merenda, sala de administração, sala de planejamento pedagógico, secretaria, almoxarifado, biblioteca, cozinha, refeitório. As salas de aula são equipadas com quadro, armário, mesas e cadeiras. Todas as escolas municipais urbanas possuem diretora e vice-diretora. A maioria das escolas municipais urbanas funciona em dois turnos (manhã e tarde) e, em cada turno, há uma supervisora pedagógica, bem como um docente que oferece suporte pedagógico aos alunos com dificuldades de aprendizagem5. Somente uma escola municipal urbana funciona em um único turno (manhã). Essa escola também possui uma supervisora pedagógica, bem como um docente que oferece suporte pedagógico aos alunos com dificuldades de aprendizagem. As escolas municipais urbanas não possuem um serviço de atenção à saúde para os alunos e funcionários. Quando ocorre algum acidente ou alguém passa mal, recorre-se à Unidade Básica de Saúde mais próxima. 5 O processo de aprendizagem na rede municipal de ensino em Santo Antônio do Monte/MG se dá em uma perspectiva sócio-interacionista. A abordagem sócio-interacionista concebe a aprendizagem como um fenômeno que se realiza na interação com o outro. A aprendizagem acontece por meio da internalização, a partir de um processo anterior de troca, que possui uma dimensão coletiva (VYGOTSKY, 1988). Para Vygotsky (1998), a aprendizagem é um processo pelo qual o indivíduo adquire informações, habilidades, atitudes e valores a partir de seu contato com a realidade, com o meio ambiente e com as outras pessoas. Devido à ênfase dada aos processos sócio-históricos, na teoria vigotskiana, pode-se afirmar que a aprendizagem inclui a interdependência dos indivíduos envolvidos no processo. 22 1.4.3 A população e a amostra 1.4.3.1 A caracterização da população A população de estudo é constituída por docentes efetivos que lecionam nos anos iniciais do Ensino Fundamental em escolas municipais da zona urbana de Santo Antônio do Monte/ MG e que tiveram licenças médicas de, no mínimo, 15 dias, no período de 2005 a 2007. 1.4.4 Procedimentos de coleta de dados Para se obter a lista com os nomes dos docentes efetivos que lecionam nos anos iniciais do Ensino Fundamental em escolas municipais da zona urbana de Santo Antônio do Monte/MG e que tiveram licenças médicas de, no mínimo, 15 dias, no período de 2005 a 2007, foi feita uma pesquisa documental junto ao arquivo da Secretaria Municipal da Educação. Através da pesquisa documental constatou-se que há 23 nomes presentes nessa lista. Após a assinatura do termo de consentimento pelos docentes, foi agendada a data e o horário das entrevistas6. Foram realizadas 16 entrevistas. Os docentes entrevistados possuem entre 27 e 51 anos. É válido mencionar que três docentes entrevistados possuem magistério (curso nível médio), oito docentes possuem nível superior e pós-graduação, três docentes possuem nível superior e dois docentes estão fazendo curso nível superior. A maioria dos docentes entrevistados possui experiência profissional superior a 20 anos. 6 Interessa enfatizar que as entrevistas foram realizadas em conformidade com as diretrizes e as normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, advindas da Res. CNS nº 196/96. O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FUNEDI/UEMG no dia 26/02/2008, sob parecer n° 05/2008. As entrevistas foram realizadas no período de 10 de março a 14 de março de 2008. 23 Sete docentes não participaram da pesquisa por motivos variados: três docentes marcaram a entrevista e não compareceram e nem justificaram; dois docentes desmarcaram a entrevista, pois não estavam se sentindo bem; um docente disse que não gostaria de participar da entrevista, pois estava sem tempo devido às muitas atividades da escola; um docente disse que não gostaria de participar da entrevista porque não consegue falar sobre o tema. Está com depressão. Disse que o seu adoecimento estabelece relação com a sua profissão. Todas as entrevistas realizadas foram semi-estruturadas. Nesse tipo de entrevista, o entrevistador é livre para desenvolver cada situação em qualquer direção que julgue adequada, podendo-se, assim, explorar a questão de forma mais ampla (LAKATOS; MARCONI, 2004). De acordo com Ander-Egg (1978), as entrevistas semi-estruturadas podem ser de três modalidades. Dentre elas, cita-se a focalizada, que é quando existe um roteiro de tópicos relacionados ao problema a ser estudado. Nessa modalidade, o entrevistador é livre para efetuar as perguntas que almejar. Essa modalidade foi usada durante a pesquisa de campo. As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas individualmente, bem como foram gravadas em áudio. Também é importante dizer que as entrevistas semi-estruturadas foram realizadas a partir de alguns tópicos: 1º) Motivos e/ou condicionantes que determinaram o ingresso nessa profissão. 2º) Percepções sobre a condição da educação escolar e da escola na contemporaneidade. 3º) Percepções sobre a atividade docente. 4º) Condições de realização da atividade docente. 5º) Percepções sobre a qualidade de vida (envolvimento em atividades sociais e de lazer, tempo livre para práticas esportivas, etc). 6º) Licenças tiradas no período de 2005 a 2007, número de dias, o motivo e o tratamento. 7º) Reações frente às licenças. 8º) Percepções sobre a possível relação entre a atividade docente e o adoecimento. 9º) Estratégias adotadas pelos docentes frente ao seu adoecimento. 24 1.4.5 Análise das entrevistas As entrevistas foram interpretadas a partir da análise de conteúdo proposta por Bardin (1979). Bardin (1979, citada por MINAYO, 2004) define a análise de conteúdo como Um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando a obter, por, procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.7 Dentre as técnicas de análise de conteúdo desenvolvidas, optou-se pela análise temática. Bardin (1979, citada por MINAYO, 2004) ressalta que, na análise temática, “o tema é a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado segundo certos critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura”.8 Ressalta-se, ainda, que “fazer uma análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objeto analítico visado” (MINAYO, 2004, p. 209). Torna-se importante afirmar que todas as entrevistas semi-estruturadas foram transcritas. O material transcrito passou pelas três etapas da análise temática9: 1ª) A pré-análise Consistiu na escolha e na organização do material a ser analisado. Nessa etapa, foi realizada uma leitura flutuante e exaustiva de todo o material transcrito, buscando-se selecionar informações de interesse direto para a pesquisa com vistas a resultados que explicitem claramente os objetivos. Nessa fase pré-analítica determinam-se a unidade de registro (palavra-chave ou frase), a unidade de contexto (a delimitação do contexto de compreensão da unidade de registro), os recortes, a forma de categorização, a modalidade de codificação e os conceitos teóricos mais gerais que orientarão a análise (MINAYO, 2004, p. 210). 7 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Trad. de Luiz Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 1979. 223 p. 8 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Trad. de Luiz Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 1979. 223 p. 9 MINAYO, 2004, p. 209-211. 25 2ª) A exploração do material Correspondeu à operação de codificação. A partir da leitura do material, o texto foi recortado em suas unidades de registro. Tradicionalmente, a análise temática constrói índices que possibilitam alguma forma de quantificação. Realizou-se a classificação e a agregação dos dados, “escolhendo as categorias teóricas ou empíricas que comandarão a especificação dos temas” (MINAYO, 2004, p. 210). Sendo assim, as informações foram categorizadas em nove temas10: Tema 1: Motivos e/ou condicionantes que determinaram o ingresso nessa profissão. Tema 2: Percepções sobre a condição da educação escolar e da escola na contemporaneidade. Tema 3: Percepções sobre a atividade docente. Tema 4: Condições de realização da atividade docente. Tema 5: Percepções sobre a qualidade de vida. Tema 6: Licenças tiradas no período de 2005 a 2007. Tema 7: Reações frente às licenças. Tema 8: Percepções sobre a possível relação entre a atividade docente e o adoecimento. Tema 9: Estratégias adotadas pelos docentes frente ao seu adoecimento. 3ª) O tratamento dos resultados obtidos e interpretação 10 Na pesquisa qualitativa, a análise temática encaminha-se para a presença de determinados temas ligados a uma afirmação a respeito de determinado assunto, podendo ser apresentado através de uma palavra, uma frase, um resumo (MINAYO, 2000). Durante a pré-análise dos dados, fez-se uma leitura flutuante e exaustiva das entrevistas, no sentido de dialogar com os dados. Percebeu-se que os tópicos usados durante a realização das entrevistas permitiram a aquisição de informações de interesse direto para a pesquisa. Optou-se, então, por agregar a fala dos docentes entrevistados a partir destes tópicos. 26 Nessa etapa, buscou-se desvendar o conteúdo subjacente ao que está sendo manifesto, sem excluir as informações estatísticas. Gomes (2002, p. 76) ressalta que “[...] a busca deve se voltar, por exemplo, para ideologias, tendências e outras determinações características dos fenômenos” que estão sendo analisados. 1.4.6 Plano de redação A dissertação encontra-se estruturada em quatro capítulos: dois teóricos, um empírico e outro analítico. “Capitalismo: história e principais transformações” é o título do primeiro capítulo. Nele, discorre-se sobre a expansão capitalista, bem como identificam-se as novas necessidades do capital conforme os seus atuais parâmetros de organização. Identificam-se, também, os impactos da reestruturação capitalista sobre o mercado de trabalho. Esse capítulo contextualiza o cenário no qual a atividade docente é realizada. No segundo capítulo, “A educação escolar, a escola e os docentes face às transformações contemporâneas”, abordam-se as mudanças que aconteceram na educação escolar em decorrência da expansão e da reestruturação capitalista. Demonstra-se que a educação escolar reorganiza-se muitas vezes para atender às demandas do capital. Ainda no segundo capítulo, dá-se destaque ao que as agências internacionais esperam das escolas e dos docentes. O adensamento e a intensificação da agenda profissional, os processos de adoecimento docente também são discutidos nesse capítulo. O terceiro capítulo, “Do ingresso na profissão ao adoecimento: resultados e discussões”, é dedicado à comparação entre o conteúdo das entrevistas e a literatura consultada. Nesse capítulo, as hipóteses levantadas são confirmadas ou não. Tem-se, no quarto capítulo, as considerações finais e as recomendações. Ao final, apresentam-se as referências. 27 2 REVISÃO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 Capitalismo: história e principais transformações O capitalismo11, como sistema econômico e social, constituiu-se na Europa com o declínio do feudalismo12. Em O Capital, Marx (2005, p. 828) afirma que “a estrutura econômica da sociedade capitalista nasceu da estrutura econômica da sociedade feudal. A decomposição desta liberou elementos para a formação daquela”. O feudalismo passou por uma forte crise advinda da catástrofe demográfica ocasionada pela Peste Negra13 que matou 30% da população européia (PEDRO; LIMA 2005). O processo de degradação do feudalismo foi acelerado pela Peste Negra, uma vez que ela tornou escassa a mão-de-obra e dizimou parte da aristocracia, concentrando o poder e a propriedade14 da terra. A escassez de mão-de-obra posterior à Peste Negra abriu espaço para que os camponeses fizessem exigências por melhores condições e redução das obrigações. Gradativamente, as obrigações servis em produtos e trabalhos foram substituídas por 11 Qualquer que seja a forma tomada pelo capital, a característica básica do capitalismo é a propriedade privada do capital nas mãos dos capitalistas (BOTTOMORE, 1997). 12 Define-se o feudalismo como “um sistema sócio-político baseado numa economia rural e caracterizado pela dispersão do poder através de uma variedade de domínios semi-independentes chamados feudos, mantidos sob condição de prestação de serviço” (SILVA, 1987, p. 474). Para os autores Pedro e Lima (2005), o feudalismo foi um sistema tipicamente europeu que se desenvolveu entre os séculos X e XI. A atividade econômica que preponderava durante a época feudal era a agricultura. O feudo, a unidade básica de produção do sistema feudal, era praticamente auto-suficiente. O que não era produzido pelo feudo era adquirido nos pequenos mercados das aldeias. Os feudos territoriais ou senhorios encontravam-se divididos em três partes: a reserva senhorial ou manso senhorial – terras de uso exclusivo do senhor, ainda que trabalhadas pelos servos; as reservas do camponês ou manso servil – terras exploradas pelos camponeses e suas famílias e as terras comunais que eram constituídas por pastos, florestas e baldios que forneciam frutas, madeiras, mel etc. Ao senhor era reservado o direito exclusivo de caçar. A sociedade feudal era estratificada rigidamente. Ela era composta por três classes: o clero (sacerdotes – camada mais importante), guerreiros (nobreza e aristocracia – lutavam para proteger a sociedade dos males do mundo) e os trabalhadores que produziam o necessário para o sustento da sociedade. Durante o período feudal, o servo foi o principal trabalhador. Originário do antigo colonus, o servo encontrava-se ligado à terra e não podia ser retirado dela para ser vendido. 13 Epidemia altamente infecciosa que atingiu a Europa entre 1347 e 1348. Acredita-se que um dos meios de disseminação do bacilo Yersinia pestis pelos portos europeus foi um navio italiano vindo do Mar Negro, cujos tripulantes morreram todos dessa doença. A peste também pode ter sido transmitida através de pulgas advindas dos ratos que infestavam os porões dos navios dos mercadores europeus medievais. Essa doença pode se manifestar de três formas: bubônica - pelo corpo do doente verificam-se gânglios inflamados; pulmonar - os pulmões do doente são destruídos e septicêmica - infecção generalizada (PEDRO; LIMA, 2005). 14 É correto dizer que, na teoria social marxista, o conceito de propriedade vai além da possibilidade de quem a possui de usufruir os seus direitos. A propriedade privada possui “papel fundamental no complexo sistema de classes e camadas sociais. Dentro desse sistema de categorias, a propriedade dos meios de produção tem importância destacada” (BOTTOMORE, 1997, p. 304). 28 pagamentos de uma quantia fixa em dinheiro15. Sob o ponto de vista dos senhores feudais, essa substituição garantia uma estabilidade dos rendimentos, pois estimulava o camponês a aumentar a produção (PEDRO; LIMA, 2005). É importante lembrar que essas mudanças de pagamento de taxas transformaram as relações de produção16. Inúmeros camponeses se emanciparam dos domínios senhoriais comprando a liberdade e se aglutinaram à volta dos castelos feudais, formando aldeias ou burgos. Nos burgos, esses camponeses, de acordo com suas habilidades pessoais, dedicavamse ao labor artesão. E, aos poucos, o produto de seu trabalho que, inicialmente, era apenas para consumo interno, foi se tornando uma mercadoria17. A partir do século XII, para regulamentar o processo produtivo artesanal, surgiram as corporações de ofício. Nas cidades recém-formadas, as corporações de ofício passaram a ter um papel central. Cada corporação agregava trabalhadores que exerciam o mesmo ofício. “A organização corporativa excluía [...] a divisão manufatureira do trabalho, embora muito contribuísse para as condições de existência desta, especializando, separando e aperfeiçoando os ofícios” (MARX, 2006, p. 414). A corporação de ofício era composta basicamente por três classes: os mestres, os jornaleiros e os aprendizes. Os mestres eram os donos da oficina, detinham as ferramentas, forneciam a matéria-prima e alimentavam em suas casas seus jornaleiros e seus aprendizes. Não havia separação entre os meios de produção18 e o produtor. As leis das corporações da Idade Média limitavam o número de trabalhadores que o mestre tinha o direito de empregar. “Também só lhe era permitido empregar companheiros no 15 O dinheiro é o intermediário da troca de mercadorias, servindo como meio de circulação. Marx (2006) define o dinheiro como um cristal criado necessariamente pelo processo de troca. Por esse autor, é acrescentado que o dinheiro serve para equiparar os variados produtos do trabalho, serve para convertê-los em mercadorias. O dinheiro converte-se em capital a partir do momento em que a força de trabalho converte-se em mercadoria. 16 As relações de produção são as formas pelas quais os homens se organizam para executar a atividade produtiva. “As relações de produção são constituídas pela propriedade econômica das forças produtivas” (BOTTOMORE, 1997, p. 157). Segundo Marx (2006), as desigualdades sociais são provocadas pelas relações de produção do sistema capitalista, as quais dividem os homens em proprietários e não-proprietários dos meios de produção. Para esse autor, as desigualdades são a base da formação das classes sociais. No capitalismo, a burguesia tem a propriedade dos meios de produção, enquanto que o proletariado tem apenas a sua força de trabalho. As forças produtivas e as relações de produção constituem o modo de produção e são as condições naturais e históricas de toda atividade produtiva que ocorre na sociedade. 17 Todas as sociedades “têm de produzir suas próprias condições materiais de existência. A mercadoria é a forma que os produtos tomam quando essa produção é organizada por meio da troca” (BOTTOMORE, 1997, p. 265). Observa-se que os produtos dos diferentes trabalhos privados têm de ser, na sociedade capitalista, trocados. Pode-se chamar o produto a ser trocado, o resultado do trabalho, de mercadoria. 18 Os meios de produção são elementos que constituem a condição material da produção. Os meios de trabalho e os objetos de trabalho são meios de produção. “Os produtos destinados a servir de meio de produção não são apenas resultados, mas também condição do processo de trabalho” (MARX, 2006, p. 215). No capitalismo, a burguesia tem a propriedade dos meios de produção (ferramentas, máquinas, matéria-prima, etc). 29 ofício em que era mestre” (MARX, 2006, p. 414). Os que desejavam entrar na corporação deveriam ser aceitos por um mestre como aprendizes. A extensão do aprendizado variava de acordo com o ramo, podendo durar um ano, ou prolongar-se de dez a doze anos. Após o término do aprendizado, o aprendiz tornava-se jornaleiro e depois mestre. Porém, com o renascimento do comércio e o aumento da demanda, as corporações mudaram. Tornou-se mais difícil ao jornaleiro atingir a condição de mestre. Isso acontecia principalmente em virtude do domínio que os membros mais ricos passaram a ter sobre as corporações. O ciclo passou a se resumir em aprendiz-jornaleiro. Apenas os filhos de um mestre artesão ou mestre tecelão poderiam aspirar a ocupar tal condição. Mediante a subversão do sistema, os trabalhadores começaram a formar suas próprias organizações, afastando-se das antigas corporações. As associações dos trabalhadores começaram a incomodar as autoridades, bem como os patrões, e passaram a ser perseguidas. A situação desses trabalhadores era pior do que a dos jornaleiros, pois não tinham permissão para ingressarem nas associações e estavam à mercê dos industriais mais ricos. O renascimento comercial19 e urbano da Europa Ocidental fez com que a produção feudal de subsistência cedesse espaço forçosamente “a outra forma de produção e consumo, voltada aos interesses do mercado” (DELL’AGOSTINO; VASCO; SILVA, 2007, p. 67). A consolidação de uma nova classe social: a burguesia20 pode ser citada como uma das principais transformações sociais decorrentes da crise do sistema feudal. “Essa classe foi muito importante na desagregação do feudalismo, pois começou a deslocar, lentamente, o eixo da economia para as atividades comerciais urbanas” (PEDRO; LIMA, 2005, p. 110). Os lucros do comércio nos séculos XV e XVI foram imensos. Muitos comerciantes financiaram a produção artística e literária. Esse período recebeu uma denominação especial: Renascimento21. 19 As cruzadas do século XI ao XII contribuíram muito para o renascimento comercial. As Cruzadas possibilitaram o estabelecimento do comércio com o Oriente e aumentaram a circulação de moeda. Para Huberman (1981), o comércio no século XI andou a passos largos. O mesmo autor salienta que as cruzadas se constituíram em alavanca para o comércio. 20 Classe social que surgiu na Europa com o desenvolvimento dos burgos (vilas e pequenas cidades) medievais e com o crescimento do comércio na sociedade feudal (DELL’AGOSTINO; VASCO; SILVA, 2007). Conforme o exposto no Dicionário do Pensamento Marxista (1997), a burguesia é uma classe economicamente dominante. Ela possui a propriedade dos meios de produção. Engels (1997), em O Manifesto Comunista, esclarece que a burguesia é a classe dos capitalistas modernos. Também, a seu ver, a burguesia é a classe dos proprietários dos meios de produção social que emprega o trabalho assalariado. 21 O Renascimento foi um movimento artístico e científico que teve início na península itálica e expandiu-se nos séculos XV e XVI para as demais partes da Europa. Uma das justificativas do início desse movimento na península itálica é que ela está entre as primeiras regiões onde o renascimento comercial e urbano se manifestou. O Renascimento possui os seguintes traços marcantes: retorno à cultura greco-romana, valorização do homem, mudança na concepção de ser humano. O ideal de homem medieval era o de que ele deveria ser puro e santificado. Para garantir a salvação da alma, o homem medieval deveria superar o pecado. O ideal do homem renascen- 30 Também nesse período, observou-se que a burguesia precisava de segurança para os seus quarteirões, proteção contra assaltos nas estradas e isenção de taxas de pedágio. Os senhores feudais tinham-se enfraquecido em disputas freqüentes e a Igreja Católica não atendia aos anseios da emergente burguesia. Optou-se, então, por fortalecer o rei. Até o final do século XVIII, o mapa político europeu caracterizava-se pelo predomínio do Estado monárquico absolutista (FALCON, 2000). O rei, com a ajuda dos grupos comerciais, formou seu exército permanente, passando a não mais depender dos exércitos dos senhores feudais. Em contrapartida, o rei criou leis que proibiam os senhores feudais de manterem exércitos regulares e de importunarem os comerciantes no exercício de seu ofício e no transporte de suas mercadorias. As corporações de ofício passaram a ser um obstáculo ao desenvolvimento livre do comércio e seus regulamentos passaram ao controle dos juízes de paz. Não demorou muito e as corporações de ofício foram banidas na França. A intervenção do rei na economia, fortalecendo-a e regulamentando-a, foi aceita pela burguesia, pois seus interesses eram favorecidos. Torna-se importante dizer que a política econômica do governo absolutista era o mercantilismo (PEDRO; LIMA, 2005). Uma característica importante do mercantilismo foi o metalismo, teoria segundo a qual o poder e a riqueza de um país eram medidos pela quantidade de metais preciosos (ouro e prata) existentes dentro de suas fronteiras. A política mercantilista, além de evitar a saída do ouro e da prata do país, deveria provocar sua entrada, vendendo mais do que comprando, o que geraria um saldo favorável na balança comercial. Também fazia parte da política mercantilista a busca por novas terras para serem transformadas em colônias. As colônias eram uma das fontes de riqueza mais importantes de que as monarquias nacionais européias dispunham para se consolidar como Estados fortes e centralizados. As metrópoles detinham o monopólio do comércio com as colônias. Pelo monopólio, a burguesia mercantil da metrópole adquiria os produtos coloniais a baixíssimos preços e os revendia, na própria metrópole ou em outras regiões da Europa, obtendo elevados lucros. Ao mesmo tempo, a metrópole se reservava o direito exclusivo de vender produtos manufaturados às colônias, o que aumentava os lucros da burguesia mercantil (PEDRO; LIMA, 2005, p. 195). tista é o homem culto e o artista. O homem típico do Renascimento dominava vários campos do saber e do conhecimento. Leonardo da Vinci é um exemplo desse novo homem. Em diferentes épocas da vida, ele se distinguiu na pintura, na escultura, na arquitetura, na engenharia, na literatura e nas ciências. Também se pode citar a valorização da razão e da natureza como característica do Renascimento (PEDRO; LIMA, 2005). 31 O mercantilismo permitiu grande acúmulo de capitais nas mãos da burguesia. A burguesia passou a fazer contestações ao poder do rei. Essas contestações resultaram na crise do sistema absolutista. As chamadas revoluções “burguesas”, marcadamente a Revolução Inglesa do século XVII e a Revolução Francesa do século XVIII, tiveram intensa participação popular e representaram a ruptura política com o absolutismo e a ruptura econômica com o mercantilismo do Antigo Regime. Essas revoluções “provocaram a instalação de uma monarquia parlamentar na Inglaterra e a república na França” (DELL’AGOSTINO; VASCO; SILVA, 2007, p. 113). É relevante dizer que a burguesia em ascensão foi fundamental na Reforma religiosa22. O comércio, a acumulação de dinheiro, os empréstimos a juros, a busca do lucro eram associados ao pecado e colocados sob suspeita na doutrina católica tradicional. A sociedade capitalista que nascia [...] tinha na Igreja católica um obstáculo ao seu desenvolvimento. A Reforma significou, nesse aspecto, a elaboração de doutrinas religiosas que, sem deixarem de ser cristãs, estavam mais adequadas às atividades e aos interesses burgueses (PEDRO; LIMA, 2005, p. 161). À propriedade das terras, do comércio, dos bancos e das ferramentas, a burguesia somou o controle econômico e político. A burguesia passou a se interessar pelo 22 A Reforma Religiosa pode ser definida como um movimento que rompeu a unidade religiosa na Europa Ocidental entre 1517 e 1564. Através desse movimento, os cristãos europeus dividiram-se em católicos e protestantes. Devido a esse fato, a Igreja Católica perdeu o monopólio que possuía sobre a religião cristã na Europa. Os movimentos reformistas fizeram com que novas organizações religiosas emergissem. Os reformistas rejeitaram a pretensão da Igreja Católica de ser o único veículo de acesso ao mundo religioso, bem como questionaram a supremacia papal, abrindo espaço para uma nova perspectiva religiosa: a fé pessoal. Os movimentos reformistas ocorreram paralelamente ao renascimento, à passagem do feudalismo ao capitalismo e ao fortalecimento das monarquias nacionais. Os movimentos reformistas provocaram guerras religiosas entre protestantes e católicos como a guerra dos trinta anos (1618-1648). O seu avanço pela Europa impulsionou a Igreja Católica a adotar a Contra-Reforma. Pode-se dizer que a Reforma começou na Alemanha em 1517 com Martinho Lutero. Lutero defendia a fé como fundamento da salvação. Para ele, a verdade não estaria com o papa, mas sim na palavra de Deus, nas Sagradas Escrituras, as quais os fiéis poderiam examinar e interpretar conforme a sua consciência (doutrina do livre exame). Lutero estendeu a todos os homens o acesso à Bíblia e criticou o culto às imagens. As idéias de Lutero foram aceitas pela nobreza. A nobreza alemã viu nas propostas de Lutero uma oportunidade para se apoderar dos domínios da Igreja Católica na Alemanha. Quanto à Reforma anglicana, pode-se dizer que ela foi promulgada em 1534 pelo rei Henrique VIII da Inglaterra. Henrique VIII era católico, porém rompeu com o papa Clemente VII quando este se recusou a dissolver seu casamento com Catarina de Aragão, que não lhe deu um filho. Em 1533, Henrique VIII casou-se com Ana Bolena e foi excomungado pelo papa. Havia também um interesse da monarquia inglesa em tornar-se uma autoridade suprema. Em 1558, a Reforma anglicana consolidou-se sob o reinado de Elizabeth I. A Reforma calvinista teve início em 1534 na França, com as pregações de João Calvino. Calvino elaborou uma doutrina cristã adequada à burguesia emergente. De acordo com sua doutrina, a salvação dependia exclusivamente da vontade divina. Os que seriam salvos já estariam previamente escolhidos por Deus (doutrina da predestinação). Ser fiel à vocação que Deus deu a cada um seria um sinal da predestinação. O calvinismo dignificou o trabalho. O trabalho era visto na doutrina católica tradicional como um mal necessário, quase um castigo. O calvinismo estimulou a vida regrada e a busca pelo conforto através do trabalho (PEDRO; LIMA, 2005). 32 aperfeiçoamento das técnicas de produção e a investir no trabalho de inventores na criação de máquinas e experiências industriais. Da mesma forma com que a manufatura suplantou o artesanato, ela também foi suplantada pela maquinaria. Progressivamente, a maquinaria foi penetrando nos processos parciais das manufaturas. “A organização rígida e cristalizada destas [...] dissolve-se, dando lugar a transformações constantes” (MARX, 2006, p. 524). A produção, que antes era feita por meio de ofícios manuais, passou a ser feita por meio de máquinas, no espaço físico das fábricas e, posteriormente, das indústrias. “Toda maquinaria desenvolvida consiste em três partes essencialmente distintas: o motor, a transmissão e a máquina-ferramenta ou máquina de trabalho [...] É desta parte da maquinaria, a máquina-ferramenta, que parte a revolução industrial no século XVIII” (MARX, 2006, p. 429). A eclosão da Primeira Revolução Industrial, na Inglaterra, marcou o início do capitalismo industrial e significou um aumento, sem precedentes, na produção de mercadorias. A “resistência” da máquina e não mais a do homem, eram os limites últimos do volume de produção. A revolução na produção da fiação se propagou a outros ramos industriais. A mecanização da fiação tornou imprescindível a mecanização da tecelagem e ambas ocasionaram a revolução química e mecânica no branqueamento, na estampagem e na tinturaria. Com a revolução na fiação do algodão, foi necessário aumentar a escala de produção do algodão e para que isso fosse possível criou-se a descaroçadora de algodão. A revolução no modo de produção industrial e agrícola tornou necessária uma revolução nos meios de comunicação e de transporte. Para além da construção dos navios a vela, progressivamente, o sistema de transportes e comunicações foi adaptado ao modo de produção de grande indústria por meio da introdução dos navios fluviais, das vias férreas, dos transatlânticos e do telégrafo. Mas as massas gigantescas de ferro que tinham então de ser forjadas, soldadas, cortadas, brocadas e moldadas exigiam máquinas ciclópicas [...] A indústria moderna teve então de apoderar-se de seu instrumento característico de produção, a própria máquina, e de produzir máquinas com máquinas (MARX, 2006, p. 440-441). No cenário da Primeira Revolução Industrial, duas classes distintas estavam presentes: os donos das novas indústrias e a classe operária (trabalhadores das indústrias). Thompson (1987) mantém a mesma postura de Marx (2006) ao ressaltar que não foi a máquina que criou 33 o operário, mas foi ela quem o expropriou do seu trabalho. Hobsbawm (2007) explica que o surgimento da classe operária se deu com os operários têxteis, artesãos, tinteiros, tipógrafos e sapateiros assalariados. A classe operária é um novo tipo de trabalhador, aquele expropriado de seus meios de produção. No interior das fábricas, cada operário vendia sua força de trabalho23 por salários24 e se especializava numa determinada tarefa. O operário, devido à divisão do trabalho ocasionada pela maquinaria, perdeu o domínio sobre o seu tempo de trabalho e o seu saber sobre o produto todo. A especialização resultou na “dissociação entre os trabalhadores e a propriedade dos meios pelos quais realizam o seu trabalho” (MARX, 2005, p. 828). Os operários foram obrigados a seguir o ritmo das máquinas. E, não era suficiente que houvesse produção geral, era necessário produzir mais-valia25. Os operários passaram a trabalhar sob o controle dos industriais a quem pertenceria o seu trabalho, “[...] o produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, o trabalhador” (MARX, 2006, p. 219). De acordo com Marx (2001), o processo de alienação do trabalhador se dá através do estranhamento deste em relação ao produto de seu trabalho. “[...] o trabalho se transforma em objeto e assume uma existência externa, mas que existe independentemente, fora dele e a ele estranho [...] ” (MARX, 2001, p.112). A fábrica condicionou os operários a um disciplinamento constante na execução de tarefas repetitivas. Sem distinção de sexo e idade, todos os membros da família eram trabalhadores. “[...] a maquinaria transformou-se imediatamente em meio de aumentar o número de assalariados, colocando todos os membros da família do trabalhador [...] sob o domínio direto do capital” (MARX, 2006, p. 451). 23 “É a capacidade de realizar trabalho útil que aumenta o VALOR das mercadorias” (BOTTOMORE, 1997, p.156). Em troca de um salário em dinheiro, os trabalhadores vendem a sua força de trabalho aos capitalistas. A força de trabalho pode ser percebida no mercado como mercadoria somente quando é posta à venda por seu próprio possuidor. A existência de um mercado onde se compra e se vende a força de trabalho é mais uma característica do capitalismo. O valor da força de trabalho deve ter o valor dos meios de subsistência imprescindíveis para que o trabalhador possa se manter em seu estado normal. 24 “Salários são a forma monetária pela qual os trabalhadores são pagos pela venda de sua força de trabalho” (BOTTOMORE, 1997, p. 331). 25 Marx (2006) afirma que a produção capitalista não deve ser entendida apenas como produção de mercadoria, uma vez que ela também é essencialmente produção de mais-valia. Esse autor desvendou o mecanismo da exploração capitalista, definindo o conceito de mais-valia. Ele chamou de mais-valia o acréscimo do valor primitivo do dinheiro posto em circulação. Para se obter a mais-valia, de acordo com Marx (2006), é decisivo que o capitalista faça a descoberta no mercado de uma mercadoria cujo valor de uso seja dotado da propriedade particular de ser fonte de valor, uma mercadoria cujo processo de consumo seja, ao mesmo tempo, um processo de criação de valor e criação de mais-valia. A força de trabalho é essa mercadoria. Devido a dois processos essenciais: o prolongamento da jornada de trabalho e a redução do tempo de trabalho necessário, é que o aumento da mais-valia é possível. Para que a produção de mais-valia possa aumentar continuamente, é necessária uma acumulação ininterrupta. 34 O trabalho de mulheres e crianças era usado, pois o baixo custo compensava, tendo em vista que as mulheres ganhavam menos do que os homens e as crianças ganhavam menos que as mulheres. “Para a maioria dos trabalhadores, a experiência crucial da Revolução Industrial foi percebida com uma alteração na natureza e na intensidade da exploração” (THOMPSON, 1987, p. 23). Além da exploração, a insegurança era comum entre os trabalhadores. “Eles não sabiam no princípio da semana quanto iriam levar para a casa na sexta-feira. Não sabiam quanto tempo iria durar o emprego atual [...] não sabiam que acidentes ou doenças iriam afetá-los [...]” (HOBSBAWM, 1996, p. 306). A partir de meados do século XIX, as fábricas começaram a ter necessidade de matérias-primas, de energia, de mão-de-obra e de mercados para seus produtos. A industrialização passou a não mais se restringir ao Reino Unido. Ela expandiu para outros países europeus, tais como a Bélgica e a França, bem como para países fora da Europa como os Estados Unidos e o Canadá. A dinâmica de produção, distribuição e consumo de bens, passou a ser regida por leis próprias como a lei da oferta e da procura. Consolidou-se, assim, o liberalismo26. O liberalismo expressou um momento de expansão do modo de produção capitalista. Adam Smith (1983) foi o principal teórico do liberalismo. Ele se mostrou contra a intervenção estatal e propôs uma economia dirigida pelo jogo livre da oferta e da procura, o laissez-faire, laissez-passer (deixai fazer, deixai passar, em francês). A expressão laissez-faire significava eliminar o intervencionismo, deixando que cada indivíduo produzisse e fizesse o que lhe parecia melhor, enquanto laissez-passer consistia em romper as barreiras alfandegárias, para estimular o comércio e a circulação de riquezas. Em A Riqueza das Nações, Adam Smith escreve “[...] deixe-se a cada qual, enquanto não violar as leis da justiça, perfeita liberdade de ir em busca de seu próprio interesse, a seu próprio modo, e faça com que tanto seu trabalho como seu capital concorram com os de qualquer outra pessoa ou categoria de pessoas” (SMITH, 1983, p. 47). No final do século XIX, mudanças significativas aconteceram no interior das fábricas: a produtividade e a capacidade de produção aumentaram rapidamente e a divisão do trabalho 26 “O liberalismo é um sistema de idéias elaboradas por pensadores ingleses e franceses no contexto das lutas de classe da burguesia contra a aristocracia” (CUNHA, 1980, p. 27). Historicamente, constituíram-se como diretrizes fundamentais dessa doutrina, a igualdade de direitos e de oportunidades, a eliminação dos privilégios hereditários, o respeito às capacidades e iniciativas individuais e a educação universal. O individualismo, a liberdade, a propriedade, a igualdade e a democracia representativa são princípios básicos do liberalismo. 35 aprofundou-se. Nesse período, aconteceu a Segunda Revolução Industrial e o capitalismo entrou em sua fase financeira e monopolista. Na segunda fase da Revolução Industrial, a pequena empresa do pioneiro capitalista praticamente desapareceu. “[...] o capitalismo de livre concorrência – pequenas empresas lutando pelo lucro – foi sendo superado pela concentração econômica. Empresas do mesmo ramo de produção fundiam-se em uma só” (PEDRO; LIMA, 2005, p. 327). O processo de concentração e centralização de capitais foi, portanto, uma das conseqüências mais importantes do crescimento acelerado da economia capitalista no final do século XIX. O mercado passou a ser dominado por grandes corporações em substituição à livre concorrência e ao livre mercado, característicos da fase industrial, na qual empresas menores predominavam. Ao mesmo tempo, a introdução de novas tecnologias e novas fontes de energia no processo produtivo ganhou destaque. Na primeira fase da Revolução Industrial, as descobertas que revolucionaram a maneira de produzir não estavam ligadas à pesquisa científica, mas nasciam do contato direto com o trabalho. Nessa segunda fase da Revolução Industrial, entretanto, as máquinas mais complexas e as novas matérias-primas, como a borracha, o petróleo etc., exigiam um novo tipo de pesquisa ligada à ciência moderna (PEDRO; LIMA, 2005, p. 326). Uma verdadeira revolução tecnológica estava acontecendo no final do século XIX. Construíram-se os primeiros motores elétricos e a energia elétrica foi transmitida a distâncias longas por meio de cabos. Verificou-se, no mesmo período, o surgimento das primeiras lâmpadas elétricas, o telefone foi aperfeiçoado e o petróleo passou a ser usado como combustível. Ao contrário da Primeira Revolução Industrial, no século XVIII, quando os avanços tecnológicos eram resultantes de pesquisas espontâneas e autônomas, a ciência, na Segunda Revolução Industrial, era apropriada pelo capital, isto é, estava a serviço da produção (MOREIRA; SENE, 2005). As grandes empresas e os Estados passaram a se esforçar para realizar pesquisas científicas visando a desenvolver novas técnicas de produção. Esse esforço conjunto resultou na construção dos primeiros laboratórios de pesquisa das atuais grandes corporações multinacionais. Essa fase também foi marcada pela expansão imperialista. “[...] a rápida consumação da colonização do mundo, as rivalidades internacionais e os conflitos armados pela divisão do 36 globo em esferas de influência econômica ou hegemônica inauguram a moderna era imperialista” (BRAVERMAN, 1987, p. 216). A concorrência acirrou-se com o crescente aumento da produção e com a expansão da industrialização para outros países. A necessidade de garantir novos mercados consumidores, novas fontes de matérias-primas e novas áreas para investimentos lucrativos aumentou. A expansão imperialista européia na África e na Ásia aconteceu nesse contexto do capitalismo. As potências da Europa, na Conferência de Berlim (1884-1885), retalharam o continente africano, partilhando-o entre elas. Essa partilha imperialista estabelecida pelas potências industriais consolidou a divisão internacional do trabalho. “[...] a velha divisão internacional de trabalho tinha uma tendência inata de reforçar o monopólio industrial dos velhos países-núcleo” (HOBSBAWM, 1995, p. 204). Notavelmente no final do século XIX, emergiu uma potência industrial fora da Europa: os Estados Unidos da América. Pode-se dizer que o imperialismo americano sobre a América Latina foi diferente do imperialismo europeu sobre a Ásia e a África. Enquanto as colônias desses continentes eram, na prática, uma continuidade dos territórios das potências européias, havendo sobre eles um controle político e militar direto, os norte-americanos exerciam um controle indireto, patrocinando golpes de Estado e apoiando a ascensão de ditadores locais favoráveis aos Estados Unidos. As intervenções militares eram localizadas e temporárias, como o controle exercido sobre Cuba de 1899 a 1902 (MOREIRA; SENE, 2005, p. 170). No início do século XX, os países capitalistas já tinham acertado os seus trustes, seus cartéis, seus monopólios e os caminhos do imperialismo. Algumas empresas cresceram mais que outras e a disputa por mercados levou à Primeira Guerra Mundial que devastou partes do Velho Mundo, sobretudo da Europa. Os Estados Unidos não foram atingidos em seu território. Suas fábricas não foram afetadas. Esse país produziu para si e para os aliados, bem como apresentou um desenvolvimento industrial significativo durante e após a guerra. O considerável desemprego nos países europeus, a progressiva degradação dos ideais liberais democráticos, os sentimentos nacionalistas e a Revolução Socialista na Rússia podem ser citados como conseqüências da Primeira Guerra Mundial. Em 1929, o capitalismo enveredou por mais uma crise. A quebra da Bolsa de Nova Iorque em 29 de outubro de 1929 afetou a economia do mundo inteiro. Devido a essa crise, foi posto em prática, pelo presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, o plano New Deal – novo plano ou novo acordo. Esse plano representou um clássico exemplo de intervenção do Estado na economia. 37 A política de intervenção estatal numa economia em que o oligopólio predominava ficou conhecida como Keynesianismo, por ter sido o economista inglês John M. Keynes seu principal teórico. Keynes aprovava o capitalismo, porém, com a interferência do Estado para regulamentá-lo. A criação da Liga das Nações não foi suficiente para evitar a ascensão de movimentos totalitários na Alemanha e na Itália, bem como a eclosão da Segunda Grande Guerra Mundial, que iniciou em 1939 e cessou em 1945. Os horrores dessas guerras e a crise social e econômica que se abateu sobre a grande maioria dos países reforçaram as doutrinas pregadas por Keynes, dando vazão ao surgimento do Estado do Bem-Estar Social. Neste sentido, o Estado passou a assumir políticas de planejamento e assistência social. Norberto Bobbio (1992) define o Estado do Bem-estar Social (Welfare State) como aquele que garante a todos os cidadãos renda mínima, alimentação, saúde, habitação e educação como direito político e não como caridade. De acordo com Saviani (2005), o Estado do Bem-Estar Social pode ser visto como um compromisso entre Estado, empresas e sindicatos de trabalhadores. Esse compromisso assegurou um equilíbrio social e impulsionou o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas. Para Hobsbawm, o argumento keynesiano em favor dos benefícios da eliminação permanente do desemprego em massa era tão econômico quanto político. Os keynesianos afirmavam, corretamente, que a demanda a ser gerada pela renda de trabalhadores com pleno emprego teria o mais estimulante efeito nas economias em recessão (HOBSBAWM, 1995, p. 100). É importante ressaltar a amplitude e os limites desse Estado Keynesiano que tomou forma nos anos 1930 e se consolidou no pós-guerra. As modificações impostas por essa nova política não se limitaram à estrutura econômica, mas abriram espaço para mudanças significativas no conjunto das relações sociais, dentre elas, a passagem histórica para novas formas de relação entre Estado e a sociedade. Estabeleceu-se uma nova relação entre capitalismo e instituições. O Estado apropriou-se das funções privadas de gestão e reprodução da força de trabalho. O Estado passou a garantir o processo de acumulação através da intervenção, bem como passou a promover a regulação da força de trabalho e das relações sociais por meio de uma profunda reforma social. Estado/Capital/Trabalho tornaram-se um tripé essencial dessa nova política. 38 A emergência de uma nova divisão do trabalho com o taylorismo e o fordismo é uma outra mudança no conjunto das relações sociais. A introdução da organização científica taylorista27 do trabalho na indústria automobilística e sua fusão com o fordismo28 foi a forma mais avançada da racionalização capitalista do processo de trabalho ao longo, praticamente, de todo o século XX. O insight de Ford foi descobrir que a produção em massa significava consumo em massa. Sobre o consumo em massa, Arendt, em seu livro A Condição Humana, expõe que o espaço público estaria reduzido às trocas econômicas. O homem estaria escravizado na relação de consumo. No final dos anos 1960 e início dos anos 1970, o processo produtivo fordista-taylorista29 e o plano keynesiano de desenvolvimento deram sinais de esgotamento. A uma Era de Catástrofe, que se estendeu de 1914 até depois da Segunda Guerra Mundial, seguiram-se cerca de 25 ou trinta anos de extraordinário crescimento econômico e transformação social, anos que provavelmente mudaram de maneira mais profunda a sociedade humana que qualquer outro período de brevidade comparável. Retrospectivamente, podemos ver esse período como uma espécie de Era de Ouro, e assim ele foi visto quase imediatamente depois que acabou, no início da década de 1970. A última parte do século foi uma nova era de [...] incerteza e crise (HOBSBAWM, 1995, p. 15). 27 Na busca pela eliminação do desperdício, da ociosidade operária, bem como pela redução dos custos de produção, Taylor iniciou seus estudos sobre a Ciência da Administração, no começo do século XX. Desenvolveu técnicas de racionalização do trabalho operário e, em 1903, analisou e controlou o tempo e o movimento do homem e da máquina em cada tarefa, para aperfeiçoá-los e racionalizá-los gradativamente. Com base na idéia de que a eficiência aumenta com a especialização, Taylor dividiu o trabalho e limitou cada operário à execução de uma única tarefa, de maneira contínua e repetitiva. Para obter a colaboração dos funcionários, foram estabelecidos remuneração e prêmios extras. Além de racionalizar o trabalho do operário, Taylor tentou mudar o comportamento dos supervisores, chefes, gerentes e diretores que ainda trabalhavam nos velhos padrões, criando, assim, a Administração Científica, que foi rapidamente aplicada na indústria americana, estendendo-se a todos os países e campos de atividade. No entanto, seus princípios de superespecialização foram criticados por robotizar o operário, fazendo-o perder a liberdade e a iniciativa de estabelecer sua própria maneira de trabalhar (BRAVERMAN, 1987). 28 Logo nas primeiras décadas do século XX, em Detroit, Henry Ford colocou em prática, na sua fábrica de automóveis, a produção em série através das famosas linhas de montagem. Essa nova forma de trabalho consistia na avançada fragmentação de tarefas entre os diversos operários de sua fábrica. Ou seja, cada trabalhador seria responsável por uma única tarefa, que deveria ser repetida de forma a se alcançar uma maior produtividade. O sistema fordista de produção está diretamente ligado aos fundamentos propostos pelo conjunto de teorias desenvolvidas pelo engenheiro estadunidense Frederick W. Taylor para aumentar a produtividade do trabalho industrial. A busca pela maior produtividade com o menor custo levou a fábrica de Ford a construir um carro que, graças à racionalização do trabalho, teve seu custo reduzido significativamente: o Ford Modelo T, completamente produzido dentro da fábrica Ford e respeitando na sua fabricação todos os preceitos fordistatayloristas (BRAVERMAN, 1987). Como o objetivo principal era a redução de custos e o aumento da produtividade, o Modelo T só poderia ser fabricado de um mesmo jeito, inclusive na sua cor. Isso levou Ford a criar uma campanha publicitária dizendo que todo americano poderia ter o seu Ford Modelo T da cor que quisesse, contanto que a cor fosse preta. Era o paradigma da produção em série para atender a demanda de uma sociedade tipicamente de massa. 29 O processo produtivo fordista-taylorista mesclou a produção em série fordista com o cronômetro taylorista. Havia, também, nesse processo produtivo, uma separação entre a tarefa de elaboração e execução. “Para o capital, tratava-se de apropriar-se do savoir faire do trabalho, “suprimindo” a dimensão intelectual do trabalho operário, que era transferida para as esferas da gerência científica. A atividade de trabalho reduzia-se a uma ação mecânica e repetitiva” (ANTUNES, 1999, p. 36). 39 Os antigos equilíbrios entre Estado e economia de mercado, entre acumulação e consenso político foram decompostos. As limitações impostas pela crise às políticas “Welfare State” levaram ao abandono dos compromissos econômicos e políticos que regulavam o seu funcionamento. Os períodos expansivos ficaram mais curtos, as recessões ficaram freqüentes e um aumento significativo da taxa de desemprego foi observado. Grande volume de recursos foi desviado do investimento produtivo para aplicações no circuito financeiro. As indústrias, especialmente as de transformação, não foram capazes de proporcionar uma taxa de lucro adequada. Assim, o surgimento de excesso de capacidade e de produção, acarretando perda de lucratividade nas indústrias de transformação a partir da década de 1960, foi a raiz do crescimento acelerado do capital financeiro do final da década de 1970 [...] As raízes da estagnação e da crise [...] estão na compressão dos lucros do setor manufatureiro que se originou no excesso de capacidade e de produção fabril, que era em si a expressão da acirrada competição internacional (BRENNER, 1999, p. 12-13). A crise mundial do Estado capitalista gerou a necessidade de se buscar saídas que permitissem a retomada dos objetivos de crescimento econômico, propiciando o surgimento de um novo modelo de acumulação, denominado por Harvey (1994) de “acumulação flexível”. O novo modelo de acumulação se caracteriza pela: [...] crescente capacidade de manufatura de uma variedade de bens e preços baixos em pequenos lotes [...] Estes sistemas de produção flexível permitiram uma aceleração do ritmo da inovação do produto, ao lado da exploração de nichos de mercado altamente especializados e de pequena escala [...] O tempo de giro - que sempre é a chave da lucratividade capitalista - foi reduzido de modo dramático pelo uso de novas tecnologias produtivas (automação, robôs) e de novas formas organizacionais [...] (HARVEY, 1994, p. 148). Dentre as formas de acumulação flexível, destaca-se o toyotismo30 cuja inserção no universo fabril foi impulsionada pela Terceira Revolução Industrial e pela Globalização. 30 O toyotismo se destaca pelo impacto que tem causado, tanto pela revolução técnica que operou na indústria japonesa, quanto pela potencialidade de propagação que hoje atinge uma esfera mundial. O toyotismo surgiu como modelo alternativo ao taylorismo/fordismo e, de acordo com Antunes (1999), possui as seguintes características: produção vinculada à demanda que visa a atender às exigências mais individualizadas do mercado consumidor, diferenciando-se da produção em série de massa taylorista/fordista; fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções, o que rompe com o caráter parcelar típico do fordismo; produção estruturada num processo produtivo flexível que possibilita ao trabalhador operar simultaneamente várias máquinas; possui como princípio o just in time, aproveitando o melhor tempo de produção; funciona segundo o sistema kanban, placas ou senhas de comando para reposição de peças e de estoques; organiza os Círculos de Controle de Qualidade, através de grupos de trabalhadores instigados pelo capital a discutir seu trabalho e desempenho. Os CCQs visam a melhorar a produtividade. Eles representam um importante instrumento para o capital se apropriar do saber-fazer intelectual e cognitivo do trabalho, que o fordismo desprezava. 40 O período que se refere à Terceira Revolução Industrial, também conhecida como Revolução Informacional, se instalou na passagem do século XX para o século XXI, com a difusão de diversas tecnologias – robôs, computadores, satélites, aviões a jato, cabos de fibras óticas, telefones digitais, Internet etc – responsáveis pelo crescente aumento da produtividade econômica e pela aceleração dos fluxos de capitais, de mercadorias, de informações e de pessoas. A partir dessas inovações, o capitalismo atingiu a sua fase informacional-global. A característica fundamental dessa fase é a crescente importância do conhecimento que proporciona o aumento de capital e de poder. A importância do conhecimento equivale à sua mercantilização. Lyotard (1986) admite que as sociedades são comandadas, cada vez mais, pela informação e pelo acesso a esta mesma informação. O capitalismo é, cada vez mais, informacional e global. Pode-se afirmar que nenhum país encontra-se imune aos interesses das grandes corporações e a circulação crescente de capitais, mercadorias, informações e pessoas, características essenciais da globalização. A queda do muro de Berlim (1989), o fim da guerra fria (1946-1989), a desintegração da União Soviética e o subseqüente desmantelamento do socialismo real (1991), a formação de blocos econômicos e regionais entre os anos 1980 e 1990 foram fatores preponderantes para a difusão da expansão capitalista. Na atualidade, a expansão capitalista é feita através da globalização31. A globalização é uma tendência internacional do capitalismo que, juntamente com o projeto neoliberal, impõe aos países periféricos a economia de mercado global sem restrições, a competição ilimitada e a minimização do Estado na área econômica e social (OLIVEIRA; LIBÂNEO, 1998, p. 606). Globalização e neoliberalismo32 são, sem dúvida, marcas da contemporaneidade, e seus impactos recaem sobre o mercado de trabalho. 31 Para Ortiz (2005), em se tratando do termo globalização, pode-se salientar que o mesmo se refere ao conjunto de transformações que vem ocorrendo nas últimas décadas, seja na ordem política ou na ordem econômica mundial. A integração dos mercados numa “aldeia global”, explorada pelas grandes corporações transnacionais é o ponto central da mudança. Essa autora salienta, ainda, que a globalização não é um fenômeno novo. A globalização teve início com o processo das grandes navegações dos séculos XV e XVI e avançou à medida que se desenvolveu o capitalismo. Partindo desse dado é que Ortiz (2005) salienta que o fenômeno não é novo. Os vocábulos “global”, “globalizado”, “globalizante” são usados na atualidade como adjetivos para as mais variadas temáticas e situações. O termo globalização, para alguns, costuma estar associado à paz, progresso, idéia de um mundo melhor. Para outros, essa palavra mostra-se associada à idéia de ameaça, dependência e caos global. A escolha por um significado tem a ver com o posicionamento político e teórico de cada um, comenta Ortiz (2005). É lembrado pela autora que a globalização é um processo em grande parte econômico. A globalização foi estimulada e instaurada em nível mundial pelos setores interessados em reorganizar as relações capitalistas e de classe (pós-crise anos 1970). 32 O neoliberalismo é “[...] um movimento ideológico, em escala verdadeiramente mundial, como o capitalismo jamais havia produzido no passado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, 41 Em O fim dos empregos, Rifkin (1995) descreve um cenário sombrio para o futuro do trabalho. Para esse autor, a busca cega da redução dos custos de produção está promovendo uma eliminação drástica de postos de trabalho nas empresas tradicionais. Sennett (2006) esclarece, em A cultura do novo capitalismo, que o chamado emprego vitalício estaria com seus dias contados. Também é dito por ele que se foi o tempo em que estudar e se especializar era garantia de um futuro material tranqüilo. O desemprego é visto como uma ameaça real em grande parte do continente europeu e nos países subdesenvolvidos do resto do mundo. Dentre os tipos de desemprego, há o desemprego estrutural. Observa-se que, de forma diferenciada, o desemprego estrutural está atingindo os diversos segmentos sociais e étnicos, sendo maior entre os jovens, as mulheres e os afro-descendentes. O subemprego, o trabalho em tempo parcial, temporário ou subremunerado é exercido, principalmente, por esses segmentos sociais e representam uma porta aberta para a pobreza e para a exclusão social (ORTIZ, 2005). A precarização do trabalho também está ocorrendo para aqueles que conseguem ter ocupação. Há “um sentimento de receio a respeito da estabilidade futura da sua posição e do seu papel no local de trabalho” (GIDDENS, 2004, p. 413). A precarização do trabalho é expressa na maior extensão e intensificação da jornada de trabalho e é traduzida no aumento das horas-extras e no crescimento do estresse, e numa menor remuneração. A necessidade de se realizar trabalhos precários para a sobrevivência da família, a situação de desalento frente a um mercado de trabalho que oferece poucas oportunidades de inserção e um quadro de crescente instabilidade econômica e social são fatos que ilustram a situação dos trabalhadores na contemporaneidade. Com freqüência, verificam-se desigualdades sociais que se configuram na violência, no desemprego em massa e de larga duração, nos salários irrisórios para os incluídos, na insuficiência das redes de saúde e de ensino, assim como na nocividade das condições e das formas de organização de trabalho (BRITO; ATHAYDE; NEVES, 2000, p. 2). lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional [...] Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o neoliberalismo conseguiu muitos de seus objetivos, criando sociedades marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas como queria. Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou um êxito num grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples idéia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se às suas normas [...] Este fenômeno chama-se hegemonia” (ANDERSON, 1995, p. 22-23). 42 A rapidez e a complexidade das transformações do mercado de trabalho presentes nas sociedades capitalistas constituem fontes geradoras de tensão, sobrecarga física e mental que são acompanhadas de experiências de indignidade, inutilidade e desqualificação. Esse é o preço de se viver “num mundo conquistado, desenraizado e transformado pelo titânico processo econômico e tecnocientífico do desenvolvimento do capitalismo que dominou os dois ou os três últimos séculos” (HOBSBAWM, 1995, p. 562). 2.2 A educação escolar, a escola e os docentes face às transformações contemporâneas Baseando-se em estudos como o realizado por Pasqualotto (2006), pode-se dizer que, ao se pensar em educação escolar, primeiramente, deve-se entender que ela se constitui de modo diferenciado a cada momento histórico existente. A explicação do porquê, do como e do que se ensina depende da época e do lugar em que acontece o processo educativo. Há muitas situações históricas que ilustram o pensamento de Pasqualotto (2006). Na Idade média, por exemplo, a aprendizagem e a educação escolar tinham lugar como socialização direta de uma geração por outra, mediante a participação das crianças nas atividades da vida adulta e sem a intervenção sistemática de agentes especializados que representa hoje a escola, instituição que até então desempenhava um papel marginal [...] a criança que é enviada como aprendizservente a outra família está aprendendo algo mais que um ofício ou boas maneiras: está aprendendo as relações sociais de produção (ENGUITA, 1989, p. 107). Pode-se dizer que o ideal educativo da nobreza feudal não passava pelas letras. Os filhos dos aristocratas podiam aprender as “primeiras letras no colo de suas mães, mas, de qualquer forma, não iriam muito além disso” (ENGUITA, 1989, p. 108). Para os artesãos, a aprendizagem literária era secundária e, no que se refere aos camponeses, os poucos que acorriam a uma escola recebiam apenas ensinamentos religiosos e morais da época. Saviani (1997) assinala que as atividades educacionais durante a Idade Média tinham como objetivo “passar o tempo”. Com a transição do feudalismo para o capitalismo, houve mudanças na educação escolar. Ela precisou se reorganizar para atender às demandas da época. A educação escolar 43 passou a ser, historicamente, organizada para atender ao capital33 e às suas demandas de socialização. A partir desse momento, tornou-se impossível “[...] compreender a história da educação [...] sem se compreender o movimento do capital” (SAVIANI, 2005, p. 17). E, em se tratando do capital e de sua relação com a educação escolar, pode-se afirmar que o século XVIII, especificamente o seu final, representou um período-chave na história da educação escolar. A educação escolar mostrou-se bem ligada aos interesses da sociedade capitalista em ascensão. “Os pensadores da burguesia [...] recitaram durante um longo tempo a ladainha da educação para o povo [...] necessitavam recorrer a ela para preparar ou garantir seu poder, para reduzir o da Igreja e, em geral, para conseguir a aceitação da nova ordem” (ENGUITA, 1989, p. 110). Em detrimento do ensino de cunho privado e religioso professado pela Igreja, surgiram os movimentos em favor da instrução gratuita, laica e obrigatória. Iniciou-se, nesse período, a formação dos sistemas nacionais de ensino34. Sua organização estava alicerçada no princípio de que a educação escolar é direito de todos e dever do Estado. O processo de estatização do ensino consistiu na substituição de um corpo docente religioso e sob o controle da Igreja por um corpo de docentes laicos, agora recrutados pelo Estado (JULIA, 1981). A origem da profissão docente35 teve lugar no seio de algumas congregações religiosas que, mais tarde, transformaram-se em verdadeiras congregações docentes (NÓVOA, 1991). 33 “Em linguagem comum, a palavra 'capital' é geralmente usada para descrever um bem que um indivíduo possui como riqueza. Capital poderia, então, significar uma soma em dinheiro a ser investida de modo a assegurar uma taxa de retorno, ou poderia indicar o próprio investimento: um instrumento financeiro, ou ações que constituem títulos sobre meios de produção, ou ainda os próprios meios físicos de produção [...] Em resumo, o capital é uma relação social coercitiva que aparece como coisa, seja essa coisa mercadoria ou dinheiro, e, na sua forma dinheiro, compreende a mais-valia não-paga acumulada do passado e apropriada pela classe capitalista no presente. É, assim, a relação dominante na sociedade capitalista” (BOTTOMORE, 1997, p. 44-46). 34 Sousa Junior (2002) ressalta que os sistemas nacionais de ensino originaram-se no contexto do capitalismo. Para esse autor, os sistemas nacionais de ensino foram moldados pelos parâmetros dos ideais da democracia liberal-burguesa. Os sistemas nacionais de ensino ganharam um impulso maior e se consolidaram efetivamente com o desenvolvimento das forças produtivas, das relações de trabalho assalariado e com a complexificação da vida social urbana. Também é mencionado por Sousa Junior (2002) que os sistemas nacionais de ensino podem ser vistos como um esforço dos Estados-nacionais em consolidar as bases materiais e espirituais de unificação política e moral das sociedades modernas. O Estado emerge como o agente político que articula, define e controla a aplicação das leis de funcionamento desses sistemas. O Estado é ainda o financiador da maior parte das iniciativas educacionais através de suas instituições oficiais. 35 Os jesuítas e os oratorianos, ao longo dos séculos XVII e XVIII, progressivamente, foram configurando um corpo de saberes e de técnicas, bem como um conjunto de normas e de valores específicos, que contribuíram para a profissionalização dos docentes (NÓVOA, 1991). A partir do século XVIII, não era permitido ensinar sem uma licença ou autorização do Estado. Essa licença ou autorização era concedida após a realização de um exame no qual os solicitantes deveriam preencher algumas condições: habilitações, idade, comportamento moral, etc. Na medida em que colaborava para a delimitação do campo profissional de ensino e para a atribuição ao professorado do direito exclusivo de intervenção nessa área, a licença ou autorização podia ser vista como um suporte legal ao exercício da atividade docente (NÓVOA, 1991). 44 A constituição da educação escolar como “direito” teve seu ponto de partida na Revolução Francesa; momento em que a burguesia, enquanto classe revolucionária, conquistou o poder (NÓVOA, 1991). A educação escolar tornou-se “um instrumento ideológico essencial à justificação das relações de produção e à transmissão dos instrumentos de dominação no aprendizado diferencial dos conhecimentos e das técnicas” (XAVIER, 1990, p. 124). O poder público via na educação escolar a força civilizadora primordial para a construção do consenso necessário à conformação do Estado. O poder público tomava os docentes como tentáculos na medida em que estivessem identificados com os seus interesses (SCHAFFRATH, 2000). Também no século XVIII, tem-se um outro exemplo da relação estabelecida entre o capital e a educação escolar. Com a transição da manufatura para a grande indústria, verificou-se a exigência de um novo tipo de trabalhador. A proliferação das indústrias ocasionada pela eclosão da Primeira Revolução Industrial tornou insuficiente o comportamento resignado do trabalhador, embora continuasse sendo conveniente e necessário. Agora, o trabalhador “deveria aceitar trabalhar para outro e fazê-lo nas condições que este outro lhe impusesse” (ENGUITA, 1989, p. 113). A educação escolar, nesse contexto, passou a ser vista como um valioso instrumento para “instilar o hábito da laboriosidade” (ENGUITA, 1989, p. 114) , bem como para fornecer aos indivíduos os elementos necessários à sua adaptação na sociedade industrial. [...] a introdução da maquinaria eliminou a exigência de qualificação específica, mas impôs um patamar mínimo de qualificação geral, equacionado no currículo da escola primária. Preenchido esse requisito, os trabalhadores estavam em condições de conviver com as máquinas, operando-as sem maiores dificuldades [...] [foi] sob o impacto da revolução industrial que os principais países se entregaram a tarefa de constituir os seus sistemas nacionais de ensino, generalizando, assim, a escola básica (ENGUITA, 1989, p. 114). No século XIX, ocorreu a transferência do processo de instrução técnico-profissional, que ocorria no ambiente do trabalho, para a escola. Efetivou-se uma “[...] aliança do saber com a indústria [...]” (MANACORDA, 2002, p. 358). Verifica-se, nesse período, que a escola assumiu “um modelo racional de organização análogo às formas de organização do trabalho em outros setores da produção, particularmente o fabril [...]” (HYPÓLITO, 1997, p. 34). Os docentes, no século XIX, transmitiam os conhecimentos necessários à formação do trabalhador capaz de produzir ativamente. E, na medida em que, esses profissionais foram se atrelando “ao Estado empregador [...] tornando-se assalariados [...] distanciarem-se das comunidades [...] tendo uma ação cada vez mais direcionada para a consolidação do Estado e 45 para o atendimento das necessidades políticas, ideológicas, pedagógicas e culturais do capitalismo emergente” (GONÇALVES, 2003, p. 24). No século XX, o processo educativo tornou-se mais objetivo e operacional visando atender ao mercado capitalista. Saviani (2005) expõe que o processo educativo passou a ser organizado conforme os ditames do taylorismo-fordismo. Buscou-se planejar a educação de modo a dotá-la de uma organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem por em risco sua eficiência [...] professor e aluno [ocupavam] posição secundária [...] [eram] executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle [ficava] a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais [...] (SAVIANI, 1997, p. 24). Vários centros de ensino foram criados. Entre eles, cita-se em 1942, o Serviço Nacional da Indústria (SENAI)36 e em 1966, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC)37. Esses centros de ensino foram criados com o objetivo de ampliar e intensificar o treinamento da mão-de-obra requerida pelo desenvolvimento e crescimento industrial (FRIGOTTO, 1998). “A economia de escala e a produção em série para o consumo de massa, [implicava] o uso de um grande contingente de trabalhadores” (SAVIANI, 1997, p. 20-21). A escola de massas38, no período de pleno funcionamento do “Welfare State”, contribuiu para a “integração econômica da sociedade formando o contingente (sempre em aumento) da força de trabalho que incorporaria ao mercado” (SAVIANI, 1997, p. 24). Entretanto, a partir do final do século XX e início do século XXI, o cenário mudou. A larga incorporação de “exércitos de trabalhadores” caiu em desuso. Conseqüentemente, foi posta em discussão, a função social e econômica da escola. A escola de massas tinha no trabalho assalariado um dos seus pilares fundamentais. Na contemporaneidade, a posse de 36 Segundo Oliveira (2000), o SENAI foi criado com o intuito de formar profissionais para a indústria nacional. Entretanto, com as transformações no setor produtivo mundial, passou a rever o seu papel. O SENAI, atualmente, está realizando programas que buscam conciliar o desenvolvimento da tecnologia com a formação dos trabalhadores. O telecurso 2000 é um dos investimentos do SENAI na Educação Básica. A Educação Básica é vista pelo SENAI como requisito fundamental para a inserção dos trabalhadores no processo produtivo. 37 Educar para o trabalho em atividades de comércio de bens, serviços e turismo é a missão do SENAC (ALVES, 2007). 38 Alves (2007) afirma que a escola de massas tornou-se central na criação de condições que deveriam permitir a plena integração dos indivíduos à cidadania. A função simbólica da escola e da própria formação profissional encontrava-se direcionada para o mercado de trabalho. A partir da promessa da modernização, criou-se um senso comum que articulava trabalho, educação, emprego e individualidade. Alves (2007) salienta que, nesse período, as políticas educacionais podiam e deviam ser um mecanismo de integração dos indivíduos à vida produtiva. 46 qualificações não garante a inserção do indivíduo no mercado de trabalho, e sim, habilita-o para a competição, aumenta suas chances de empregabilidade39 ou laboralidade40. As transformações no mercado de trabalho trouxeram novas demandas relacionadas à educação escolar. A educação escolar deixou de ser vista como sendo capaz de responder plenamente às necessidades de uma melhor distribuição de renda “e, portanto, de saldar a dívida social acumulada em décadas passadas” (OLIVEIRA, 2000, p. 244). As políticas redistributivas, que sustentavam as reformas dos anos 1960 e que tinham como eixo principal a “mobilidade social”, foram convertidas, nos anos 1990, em políticas voltadas para a “eqüidade social”, formando os indivíduos para a empregabilidade ou laboralidade. Da educação escolar, no século XXI, espera-se que ela forneça “de algum modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permite navegar através dele” (DELORS, 1998, p. 89). Vale dizer que a educação escolar passou a ser vista como um instrumento capaz de permitir a entrada no novo padrão de desenvolvimento, no qual a produtividade e a qualidade dos bens e produtos são decisivos para a competitividade internacional. Para países como o Brasil, a educação escolar passou a ser vista como uma instância estratégica para promover a inserção na economia global marcada por intensa competitividade41. 39 “A empregabilidade é um conceito mais rico do que a simples busca ou mesmo a certeza de emprego. Ela é um conjunto de competências que você comprovadamente possui ou pode desenvolver - dentro ou fora da empresa. É a condição de se sentir vivo, capaz, produtivo. Ela diz respeito a você como indivíduo e não mais à situação, boa ou ruim da empresa - ou do país. É o oposto ao antigo sonho da relação vitalícia com a empresa. Hoje a única relação vitalícia deve ser com o conteúdo do que você sabe e pode fazer. O melhor que uma empresa pode propor é o seguinte: vamos fazer este trabalho junto e que ele seja bom para os dois enquanto dure; o rompimento pode se dar por motivos alheios à nossa vontade [...] [empregabilidade] é como a segurança agora se chama” (MORAES, 1998, p. 56). 40 É válido mencionar que na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional o termo laboralidade é adotado com freqüência. A educação profissional proposta pela atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional é comprometida com os resultados da aprendizagem e encontra-se centrada no desenvolvimento de competências para a laboralidade. A expressão competências para a laboralidade pode ser entendida como a capacidade do trabalhador mover-se entre muitas atividades produtivas. Essa mobilidade torna-se imprescindível, pois aumenta as oportunidades de trabalho em face de um mundo em constantes transformações (FREITAS, 2003). No que se refere a educação profissional, pode-se dizer também que, se ela for “eficaz para aumentar a laboralidade, contribui para a inserção bem sucedida no mercado de trabalho, ainda que não tenha poder, por si só, para gerar emprego” (BRASIL, 1999, p. 20). 41 Sobral (2007) afirma que a educação escolar, na década de 1990, foi considerada promotora de competitividade. A seu ver, a educação escolar que possibilita a competitividade fornece ao indivíduo a condição de empregabilidade, bem como traz para a sociedade a modernidade associada ao desenvolvimento sustentável. A autora esclarece que o novo contexto mundial encontra-se marcado pela globalização e pela menor intervenção do Estado na economia, o que estimula ainda mais a competição entre os países e entre as empresas. Na contemporaneidade, observa-se que a educação escolar e o conhecimento estão muito associados ao desenvolvimento científico e tecnológico que, por sua vez, levam à competitividade. 47 A busca da primazia econômica, política e cultural no movimento de globalização encontra na educação os alicerces para enfrentar a alta competitividade da vida moderna [...] recorre-se à educação como recurso imprescindível para assegurar as bases da nova sociedade da informação onde o trabalho não se limita mais à mera transformação instrumental da matéria, mas prioriza a ação sobre o humano e com o humano (DELORS, 1998, p. 89). Recorre-se a educação escolar com o intuito de preparar os jovens para lidar com as constantes mudanças e as diversidades tecnológicas, econômicas e culturais, equipando-os com qualidades como a interatividade, a criatividade, a flexibilidade, a iniciativa, a atitude e a adaptabilidade. Haddad (2001, p.192) menciona que O paradigma da sociedade contemporânea é a mudança constante dos processos de produção e das formas de relação social, devido a introdução de novas tecnologias que rapidamente ficam superadas e à implantação vertiginosa das possibilidades de comunicação e produção de informações. Esse cenário evoca, necessariamente, o princípio da flexibilidade dos processos educativos e, por tanto, o imperativo de ampliar o conceito de educação para além dos sistemas escolares. A educação passa a ocupar cada vez mais espaço na vida dos indivíduos, não só das crianças, mas também na dos adultos.[...] Segundo Toro (1998), para lidar com os desafios do novo cenário, os cidadãos devem estar munidos dos perfis descritos pelos códigos da modernidade, assim definidos: domínio da leitura e da escrita; capacidade de fazer cálculos e de resolver problemas; capacidade de analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e situações; capacidade de compreender e atuar em seu entorno social; capacidade de receber criticamente os meios de comunicação; capacidade para localizar, acessar e usar melhor a informação acumulada; capacidade de planejar, trabalhar e decidir em grupo. Segundo o autor, o desenvolvimento dessas capacidades e competências mínimas para a participação produtiva no século XXI fica a cargo das escolas. Espera-se que as escolas formem uma mão-de-obra qualificada e adequada ao novo perfil de produção. Espera-se que sejam capazes de preparar os jovens para a convivência produtiva com os processos de propagação de conhecimentos propiciados pelas tecnologias da informação. A informação, do ponto de vista capitalista, constitui um bem econômico (uma mercadoria). Sua produção, seu tratamento, sua circulação ou mesmo sua aquisição tornaram-se fundamentais para a ampliação do poder e da competitividade no mundo globalizado. Investir em informação ou adquirir informação qualificada passou a ser, então, condição determinante para o aumento da eficácia e da eficiência no mundo dos negócios (LIBÂNEO, p. 68, 2005). 48 Para as agências internacionais, a exemplo do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)42, do Fundo Monetário Internacional (FMI)43 e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)44, as escolas devem preparar as novas gerações para trabalhar no marco de economias modernas e competitivas, bem como desenvolver competências45 e atitudes necessárias à empregabilidade ou laboralidade do trabalhador. O que se espera das escolas, segundo Frigotto (1998), é que elas atuem no sentido de oferecer os requisitos indispensáveis à reestruturação capitalista, dentre eles, uma formação científica e tecnológica de alto nível que colabore para a formação de trabalhadores polivalentes e com elevado grau de abstração. Tem-se a expectativa de que as escolas capacitem o trabalhador do século XXI para encontrar alternativas de sobrevivência face aos impactos da crise do trabalho assalariado. Para atender a essas demandas, “os processos educativos e formativos, que ao mesmo tempo são constituídos e constituintes das relações sociais, [...] [passaram e passam] por uma ressignificação no campo das concepções e das políticas [...]” (FRIGOTTO, 1998, p. 14). Oliveira (2000) ressalta que, no Brasil, os anos 1990, serviram de palco para mais um conjunto de reformas no campo educacional. Frigotto (1998) alerta que essas reformas baseiam-se nas diretrizes político-administrativas e pedagógicas dos organismos internacionais, principalmente do BIRD. 42 “[...] como órgão dependente da ONU, foi um dos promotores da Conferência Mundial sobre Educação para Todos de 1990 [...] O BIRD nasce depois da Segunda Guerra Mundial, na Conferência de Bretton, tendo como objetivo contribuir na reconstrução dos países devastados pela guerra. Sua atuação não se restringiu, contudo, a esses países, tendo desempenhado importante papel na política mais recente das nações em desenvolvimento [...] o banco com sua estrutura de agência financeira multilateral, comportando cerca de 180 países sócios, apresentase no cenário mundial como financiador de projetos tanto para o setor público quanto o setor privado [...] o banco [...] acredita que a Educação básica poderá contribuir para a contenção da pobreza, a partir dos seus reflexos na redução das taxas de natalidade, que viria como resultado do acúmulo de informações e maior inserção das mulheres pobres no mercado de trabalho” (OLIVEIRA, 2000, p. 108-110). 43 O Fundo Monetário Internacional foi criado em 1944, em Bretton Woods, depois da Segunda Guerra Mundial, para ajudar as potências capitalistas a coordenarem as suas políticas econômicas e evitarem crises semelhantes às recessões que antecederam a guerra. O Fundo Monetário Internacional possui inúmeras funções: favorecer a progressiva eliminação das restrições cambiais nos países membros, planejar e monitorar programas de ajustes estruturais e oferecer assistência técnica e treinamento para os países membros (CARVALHO, 2004). Cabe ao FMI estabelecer os códigos de conduta político-econômica que funcionam como precondição para a concessão de créditos aos países (FONSECA, 1997). 44 Foi criada em 16 de novembro de 1945, no intervalo entre o Pós-Segunda Guerra Mundial e o período que antecede a Guerra fria. A UNESCO foi criada para promover a paz e os direitos humanos com base na solidariedade intelectual e moral da humanidade. Observou-se, nesse período, a expectativa de que, a Organização das Nações Unidas (ONU) e suas diversas agências especializadas, elaborassem um sistema político estável com base na perspectiva de construção de um mundo melhor mediante os catastróficos efeitos advindos conflito mundial de 1939-1945 (MAIO; SÁ, 2000). 45 O termo competência é definido “como uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiado em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles” (PERRENOUD, 1999, p. 7). “As competências representam potenciais desenvolvidos sempre em contextos de relações disciplinares significativas, prefigurando ações a serem realizadas em determinado âmbito de atuação” (MACHADO, 2002, p. 144). 49 Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional46 (Lei 9.394/96), a Educação Básica passou a ser compreendida como uma modalidade de ensino composta pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. A subordinação da educação escolar aos preceitos neoliberais, com sua associação às necessidades do mercado de trabalho, implicou numa maior centralidade no Ensino Fundamental47. Oliveira (2000) lembra que um dos argumentos usados pelas agências internacionais para justificar a centralidade dada ao Ensino Fundamental é o de que este nível de escolarização é indispensável para todos os indivíduos em geral. Pelas mesmas agências é afirmado que o Ensino Fundamental concentra a maior parte da escolarização básica e que ele seria o mínimo exigido à inserção dos trabalhadores no processo produtivo, bem como no mercado de trabalho. O Ensino Fundamental tornou-se uma mola propulsora na “qualificação” imediata para o mercado de trabalho; passou a ser relacionado com a possibilidade dos indivíduos terem acesso ao mercado de trabalho. Pode-se afirmar que, de acordo com o artigo 32 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Ensino Fundamental tornou-se obrigatório e gratuito na escola pública. Ainda, de acordo com o artigo 32, essa etapa de escolarização deve garantir a formação básica do cidadão mediante: I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. Haddad salienta que (2001) as mudanças no Ensino Fundamental dão maior importância à qualificação de mão-de-obra do que à formação do cidadão. A preocupação com a qualificação dos trabalhadores subordinados à lógica do mercado também fica evidente nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)48. 46 Fogaça (1999) acredita que os PCNs Define e regulariza o sistema de educação brasileiro com base nos princípios presentes na Constituição. Encontra-se baseada no princípio do direito universal à Educação para Todos (OLIVEIRA, 2000). Com a promulgação da Constituição de 1988, as LDBs anteriores foram consideradas obsoletas, mas apenas em 1996 o debate sobre a nova lei foi concluído. 47 Com a função de organizar e controlar os investimentos no Ensino Fundamental foi criado o Fundo de Manutenção do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF) em 1996. O FUNDEF foi instituído pela Emenda Constitucional nº 14, em 12 de setembro de 1996. Foi regulamentado pela Lei nº 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano, bem como pelo Decreto nº 2.264, de 27 de junho de 1997. Foi implantado em 1º de janeiro de 1998 (OLIVEIRA, 2000). 48 “[...] constituem um referencial de qualidade para a educação no Ensino Fundamental em todo o País. Sua função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daque- 50 tendem a privilegiar os conteúdos indispensáveis ao mercado de trabalho, “entendidos [...] como aqueles que embasam atividades práticas/produtivas” (FOGAÇA, 1999, p. 61). Um outro marco das reformas educacionais dos anos 1990, é a criação do Plano Decenal de Educação para Todos49 (1993-2003). Akkari (2001) afirma que o Plano Decenal segue a lógica tecnicista, sobretudo, devido às seguintes características: ênfase sobre a produtividade e a eficiência da escola; ênfase sobre os recursos materiais, mais particularmente, sobre as técnicas de educação à distância, como uma solução contra a baixa de “qualidade do ensino” e como uma opção para a formação de docentes. Segundo Saviani (1998), o Plano Decenal de Educação para Todos parece ter sido elaborado para atender às condições de financiamento internacional da educação, principalmente às condições ditadas pelo BIRD. Nesse plano, também foram estabelecidas as diretrizes a serem seguidas por todas as instâncias da administração educacional, visando à ampliação e a racionalização dos recursos que são destinados à educação escolar. Oliveira (2000) esclarece que as reformas educacionais foram estendidas à gestão dos sistemas de ensino. Muitas mudanças foram introduzidas na administração dos sistemas de ensino em âmbito municipal, estadual e federal. O Estado de Minas Gerais pode ser citado como o primeiro a reformar o seu sistema público de ensino a partir de referências advindas da Conferência Mundial de Educação para Todos50. O programa de reforma desenvolvido pela Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais ocasionou significativas mudanças na configuração de suas redes escolares, principalmente, nos aspectos relativos à organização e funcionamento das escolas, no les que se encontram mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual [...] podem funcionar como elemento catalisador de ações na busca de uma melhoria da qualidade da educação brasileira [...]” (BRASIL, 1997, p. 13). 49 Este plano derivou da Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, em 1990. Foi assinado no final de 1993 pelo presidente da República Itamar Franco. Indica as diretrizes da política educacional sem a pretensão de uniformizar os procedimentos nos estados e municípios (OLIVEIRA, 2000). “[...] sua preocupação inclui mudanças na gestão escolar que sejam capazes de melhorar a escola e as condições de trabalho do professor. O plano limita-se, entretanto, ao campo da Educação Básica para Todos [...] As principais críticas ao Plano [...] apontam-no como um conjunto de intenções que nunca saíram do papel, limitando-se apenas a orientar algumas ações na esfera federal (OLIVEIRA, 2000, p. 147-148). 50 Para Oliveira (2000) a Conferência Mundial sobre Educação para Todos pode ser considerada como um marco no que diz respeito à formulação de políticas governamentais para a educação escolar. Essa conferência foi convocada pela UNESCO, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), pelo Programa das Nações unidas para o desenvolvimento (PNUD) e pelo BIRD. Ela foi realizada em Jomtien, na Tailândia, entre os dias cinco e nove de março de 1990. “Da conferência resultaram as posições consensuais que deveriam constituir as bases dos planos decenais de educação, especialmente dos países mais populosos do mundo, signatários da Declaração Mundial de Educação para todos” (OLIVEIRA, 2000, p. 105). Também, é exposto pela mesma autora que, essa conferência tem exercido influências nas reformas educacionais dos países em desenvolvimento. 51 atendimento e matrícula, na estrutura administrativa do sistema, bem como na gestão e composição do quadro de pessoal (OLIVEIRA, 2000). A reforma desenvolvida em Minas Gerais contou com o suporte de dois programas: a Gerência da Qualidade Total na Educação51 (GQTE) e o ProQualidade52, projeto financiado com recursos do BIRD. A gestão escolar passou a ser orientada por princípios relacionados às teorias de administração de empresas que foram transpostos para a escola seguindo os mesmos critérios de produtividade, eficácia, excelência e eficiência (OLIVEIRA, 2000). O objetivo central da reforma em Minas Gerais foi a eliminação do “fracasso escolar”53, ou seja, a redução dos índices de repetência e evasão, interpretados como indicadores de ineficiência do sistema escolar. A principal preocupação foi a busca de uma maior eficiência e de uma maior racionalidade administrativa. Por esse motivo, o fortalecimento da gestão da escola foi eleito como prioridade pela Secretaria de Estado da Educação. A nova gestão educacional preconizada pela reforma deve orientar-se por diretrizes como a “descentralização e municipalização das redes públicas de ensino não como fim em si mesmas, mas como estratégia mais eficiente para promover o fortalecimento administrativo-financeiro das unidades escolares e a autonomia pedagógica” (MELLO, 2004, p. 28). Pode-se afirmar que, os anos 1990 foram marcados pela adoção de formas mais flexíveis de planejamento e de gestão, condizente com os novos ordenamentos mundiais direcionados à administração pública. Constata-se que as políticas de descentralização estimulam a revisão dos conteúdos escolares para adequá-los aos novos conhecimentos 51 “[...] o programa de gerenciamento da Qualidade Total em Minas Gerais foi adotado como a regulamentação da gestão democrática na educação. Compondo-se de um conjunto de procedimentos gerenciais com o intuito de resolver os problemas vivenciados pelo Sistema de Ensino no Estado de Minas Gerais e implantar a gestão democrática na escola pública [...] o objetivo do programa é a gestão do sistema como um todo, objeto da Gerência da Qualidade Total na Educação, articulando diretrizes gerais provenientes dos órgãos centrais de administração com alterações no processo de trabalho nas escolas. As intervenções procuraram constituir-se na formulação de uma nova política de gerenciamento das escolas e do sistema, visando uma maior otimização dos recursos empregados e consumidos no processo” (OLIVEIRA, 2000, p. 279-281). 52 Tanto o ProQUALIDADE quanto o GQTE tinham a finalidade de eliminar o “fracasso escolar” representado pelos acentuados índices de reprovação e repetência que provocaram altos níveis de evasão escolar, principalmente na educação básica. Vale mencionar que o objetivo global do ProQualidade era “procurar a melhoria do ensino e dos resultados do sistema público definidos em termos da redução significativa das taxas de repetência e do aumento da aprendizagem” (OLIVEIRA, 2000, p. 282). 53 Em 1996, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o PNUD (1996), o fracasso escolar é um dos principais fatores determinantes do custo da educação. Constatou-se, em 1990, que mais de 50% dos alunos repetiram a primeira série do ensino fundamental (ARAÚJO; LUZIO, 2005). Os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) de 2003 revelaram que cerca de 38% dos alunos, na 4ª série do ensino fundamental, estavam em situação de atraso escolar (ARAÚJO; LUZIO, 2005). Em 2004, verificou-se que os estudantes brasileiros prestes a concluir a educação básica apresentaram desempenho escolar bem abaixo dos patamares adequados. Cerca de 38,2% dos alunos da 3ª série do ensino médio não desenvolveram habilidades de leitura compatíveis com esse nível de escolarização e estavam classificados nos estágios de rendimento considerados “crítico” ou “muito crítico” (ARAÚJO; LUZIO, 2005). 52 científicos e tecnológicos da sociedade contemporânea. Vinculado a isso, propõe-se também uma renovação metodológica e o fortalecimento das relações entre a escola e o seu meio social imediato. “[...] o papel do Estado torna-se secundário e apela-se para a benemerência e voluntariado” (SAVIANI, 2005, p. 23). A transferência de competências para as escolas é uma característica da descentralização. Rotinas burocráticas, antes concentradas nos órgãos centrais, foram repassadas para as escolas. “[...] o processo de descentralização tem exigido da organização da escola um domínio de capacidades inerentes à contabilidade, compras, pagamentos, entre outros” (OLIVEIRA, 2000, p. 252). O processo de descentralização, como estratégia para melhorar o desempenho da escola, passou para esta, não só a autonomia, mas também a responsabilidade pela administração dos recursos. [...] o Estado, agindo em consonância com os interesses dominantes, transfere responsabilidades, sobretudo no que se refere ao financiamento dos serviços educativos, mas concentra em suas mãos as formas de avaliação institucional. Assim, também na educação, aperfeiçoam-se os mecanismos de controle, inserindo-a no processo mais geral de gerenciamento das crises no interesse da manutenção da ordem vigente (SAVIANI, 2005, p. 23). À medida que o Estado vai se tornando mais invisível, fica difícil culpabilizá-lo, isto é, responsabilizá-lo pela administração educativa. À medida que, desaparece a responsabilidade do Estado, “é previsível que as exigências e as culpas atribuídas pela sociedade às instituições escolares sejam excessivas” (SANTOMÉ, 2001, p. 21). Oliveira (2003) sustenta que, para além das mudanças observadas na gestão dos sistemas de ensino, as reformas educacionais dos anos 1990 resultaram em uma intensificação da atividade docente. Gonçalves (2003) comenta que essa intensificação, muitas vezes, concretiza-se através da imposição e sobrecarga de atividades e tarefas, presença de mecanismos de cobrança e pressão por certos resultados, a perda do poder aquisitivo e a falta de tempo para investir no próprio trabalho. Segundo Apple (1995), a intensificação54 da atividade docente traz vários “sintomas”, do trivial ao mais complexo – desde não ter tempo sequer para ir ao banheiro, tomar uma xícara de café, até ter uma falta total de tempo para conservar-se em dia com sua área. Além 54 Segundo Apple (1995), a intensificação da atividade docente é acompanhada de dois processos historicamente em desenvolvimento: a desqualificação do trabalhador e a separação entre concepção e execução no trabalho. Para Apple (1995), a intensificação tem algumas características: destrói a sociabilidade, aumenta o isolamento e dificulta o lazer. 53 disso, é possível perceber também, docentes envolvidos com suas atividades fora de seu horário de trabalho e, com muita freqüência, durante sua hora de lanche. Em muitos momentos, chegam à escola antes do horário de início e saem depois do horário de término, além de, muitas vezes, gastarem horas de trabalho em casa, durante a noite. Esteve (1999) salienta que, aos docentes, falta tempo para atender as inúmeras responsabilidades que foram se acumulando sobre eles. Existe tanta coisa a ser feita que simplesmente cumprir o que é especificado exige quase todos os esforços dos docentes, não existindo tempo para problematizar o que se está sendo produzido e nem a forma como está sendo produzido. Os docentes tornaram-se reféns: [...] do tempo de que necessita, mas de que não dispõe, para superar deficiências básicas de formação; [...] da própria consciência que lhe revela sua impotência para realizar uma avaliação qualitativa, tal qual se preconiza atualmente; dos alunos, que hoje o enfrentam e desafiam abertamente, em muitos casos; da família dos alunos, que perdeu a autoridade sobre os filhos e pressiona a escola para fazê-lo em seu lugar [...] (ZAGURY, 2006, p. 65). Para Sacristán (1991), a burocratização55 existente no modo de organização do trabalho escolar está condicionando as práticas dos docentes a prestar mais contas às exigências instrucionais que a seus alunos. Essa postura contribui para inibir a autonomia e a criatividade profissional dos docentes. Os docentes passaram a ser vistos pelas instituições gestoras como os principais responsáveis pelo desempenho dos alunos, da escola e do sistema. Eles “têm sido assediados pelas mais diversas imposições, para as quais não tiveram [...] uma formação adequada e nem contam com uma sustentação pedagógico-administrativa e financeiro-econômica” (LINHARES, 2005, p. 170). Oliveira (2003) afirma que, diante das variadas funções assumidas pela escola pública, o docente desempenha papéis que estão para além de sua formação. Desempenham funções de “agente público, assistente social, enfermeiro, psicólogo, entre outras. Tais exigências contribuem para um sentimento de desprofissionalização, de perda de identidade profissional, da constatação de que ensinar às vezes não é o mais importante” (OLIVEIRA, 2003, p. 33). Os desafios da atividade docente não são poucos na atualidade. Eles têm mudado com 55 O termo burocratização é usado por Sacristán (1991) no intuito de mostrar que o desenvolvimento das ações pedagógicas e administrativas das escolas está cada vez mais vinculado às demandas e exigências institucionais. Há um excesso de normas e regulamentos a serem seguidos pelos docentes. O conteúdo técnico dos currículos e a sua elaboração prévia por especialistas, bem como uma maior regulamentação da atividade pedagógica seriam, segundo Gonçalves (2003), fatores de desqualificação dos docentes. 54 o tempo. Tendo em vista o artigo 13 da Lei 9.394/96, os docentes incubir-se-ão de: I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III - zelar pela aprendizagem dos alunos; IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade. Observa-se que o papel dos docentes extrapolou a mediação do processo de conhecimento do aluno. A missão do profissional foi ampliada para além da sala de aula. Houve um adensamento da agenda profissional. Os docentes, além de ensinar, devem participar da gestão e do planejamento escolar, o que significa uma dedicação mais ampla, que se estende às famílias e à comunidade. A atividade docente no contexto das reformas educacionais está se tornando cada vez mais complexa. Aos docentes é requerida uma função social. Os docentes devem deixar de ser lecionadores para serem gestores do conhecimento social (DOWBOR, 1998). No Relatório de Jacques Delors (1998), produzido para a UNESCO, atribui-se aos docentes o papel de agente de mudanças na sociedade. Cabe aos docentes reverter o quadro de fracasso escolar presente nas escolas brasileiras. Espera-se que os docentes desenvolvam: [...] um trabalho sério, sem prioridades político partidárias, de valorização da escola pública, de seus clientes internos e externos, com o reconhecimento de que o gerenciamento dos sistemas educacionais terá de ser rapidamente modificado para um modelo que, de fato, retire do caos a realidade do ensino fundamental no Brasil (LONGO, 1995, p. 2). Outros papéis são atribuídos aos docentes: “construir hábitos de saúde (aprender a comer, higiene e cuidado corporal, prevenção contra enfermidades), assessoramento psicológico, educação para o trânsito, educação anti-sexista, anti-racista e anticlassista, educação para o consumo, etc...” (SANTOMÉ, 2001, p. 43). Nota-se que os docentes terão que ser polivalentes para se adaptarem às exigências do ofício no século XXI. Mello (2004, p. 98-99) traçou o perfil do trabalhador docente do século XXI: [...] quanto às características pessoais, é voz unânime que o professor deste século deverá acolher a diversidade, estar aberto à inovação [...] quanto à formação intelectual, [aponta-se] uma sólida formação científica e cultural [...] quanto à formação profissional, destaca-se a capacidade de: articular conteúdos curriculares a conhecimentos educacionais, pedagógicos e didáticos para assegurar uma gestão 55 eficaz do processo de ensino-aprendizagem [...] quanto ao estilo cognitivo e prático, o professor [...] precisa saber [...] decidir na incerteza, improvisar com criatividade e inteligência e sentir-se estimulado com a imprevisibilidade que caracteriza o trabalho docente. A partir da análise das mudanças que a sociedade vem sofrendo, Perrenoud (2000) deixa claro que, para ter êxito na difícil e delicada tarefa de ensinar, é preciso que os docentes desenvolvam competências básicas, tais como: 1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem. 2. Administrar a progressão das aprendizagens. 3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação. 4. Envolver os alunos em sua aprendizagem e em seu trabalho. 5. Trabalhar em equipe. 6. Participar da administração da escola. 7. Informar e envolver os pais. 8. Utilizar novas tecnologias. 9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão. 10. Administrar sua própria formação contínua (PERRENOUD, 2000, p. 14). Salienta Enguita (1991) que, se por um lado, há um movimento de profissionalização docente56 com o aumento das demandas e das competências exigidas, a proletarização é o seu contraponto. Enguita (1991) acredita que a atividade docente, na contemporaneidade, está passando por um profundo processo de proletarização57, entendido como a perda gradativa do controle do processo de trabalho e de autonomia das ações, em função da centralização das decisões sobre os resultados do mesmo, além do aspecto relativo à venda da força de trabalho como mercadoria. 58 Observa-se que, se antes, nas escolas públicas, existia a figura do docente efetivo como regra, agora, observa-se mais duas formas de contratação: o docente temporário e o docente precarizado. O docente efetivo corresponde ao servidor público, concursado, estável. O docente temporário corresponde ao profissional contratado por tempo determinado, em substituição ao incompleto quadro efetivo, organizado sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O docente precarizado corresponde ao profissional que realiza a 56 A profissionalização, para Enguita (1991), não deve ser entendida como sinônimo de capacitação, qualificação, conhecimento, formação. Enguita (1991) diz que a profissionalização refere-se a uma posição social e ocupacional. Refere-se à inserção em um determinado tipo de relações sociais de produção e de processo de trabalho. Para Enguita (1991), os profissionais docentes, diferentemente de outras categorias de trabalhadores, são autônomos. Não se submetem à regulação. 57 No que se refere ao processo de proletarização, pode-se dizer que Enguita (1991) emprega essa expressão exatamente no sentido oposto ao que correntemente é dado à profissionalização. A proletarização pode ser caracterizada pela perda de controle do processo de trabalho pelos docentes. 58 Todas as sociedades “têm de produzir suas próprias condições materiais de existência. A mercadoria é a forma que os produtos tomam quando essa produção é organizada por meio da troca” (BOTTOMORE, 1997, p. 265). Observa-se que os produtos dos diferentes trabalhos privados têm de ser, na sociedade capitalista industrial, trocados. A troca revela-se como uma condição fundamental para a subsistência de todos nessa sociedade. 56 ampliação de carga horária via contrato provisório, na maioria dos casos, sem direitos trabalhistas, tais como: férias, 13º salário (MIRANDA, 2006). Diferentes autores têm afirmado que muitos docentes estão adoecendo mediante as inúmeras exigências que lhes são direcionadas e às precárias condições de trabalho. Um desses autores é Esteve (1999). Ele enfatiza que a atividade docente está sofrendo de um “mal-estar”59 que tem ocasionado faltas ao trabalho e, mais gravemente, o abandono da profissão. Observa-se que, nos ambientes escolares, não há aplicação das Normas do Ministério do Trabalho que regulamentam a Saúde e a Segurança no ambiente de trabalho, mesmo sabendo que as instituições de ensino também são empresas que envolvem trabalhadores em educação: docentes, diretores, secretárias, coordenadores de curso, dentre outros (TEIXEIRA, 1994). Pesquisas realizadas pela Organização Internacional do trabalho (OIT), em 1991, assinalam que as situações de desgaste dos docentes podem estar associadas não só ao excesso de alunos em sala de aula, mas a outras influências da jornada e das condições gerais de trabalho, acrescidas da condição de enfrentamento dos docentes de questões de ordem social e econômica, tais como desprestígio da profissão e a exposição a situações da vida social moderna, consideradas estressantes. Nos relatórios sobre a atividade docente, divulgados pela OIT em 1981, 1984 e 1991, são explicitados resultados de levantamentos, realizados em diferentes países, que indicam o desgaste dos profissionais, a propensão a exposição contínua a situação de estresse, a partir de algumas variáveis, tais como: volume e intensidade da atividade docente; situações impostas para a carreira (avaliações de desempenho e concursos para cargos de progressão funcional ou de salários); embates da carreira docente como classe profissional; modificações no status social da profissão decorrentes de perdas salariais e de significado social da profissão e modificações nas exigências de jornada de trabalho. 59 O termo “mal-estar docente” é usado por Esteve (1999) para designar os efeitos permanentes de caráter negativo que afetam a personalidade dos docentes, como resultado das condições psicológicas e sociais em que a docência é exercida. Esse termo pode ser caracterizado pela morte do prazer de educar, que se manifesta no estado de saúde e doença dos docentes. Na pesquisa de Esteve (1999), os problemas de saúde dos docentes foram estudados de forma exaustiva no período de 1982 a 1984 e as causas de licença mais importantes foram os diagnósticos de traumatologia, geniturinários e obstétricos e os neuropsiquiátricos. Esteve (1999) aponta como indicadores do mal-estar docente: fatores secundários (contextuais), tais como: a modificação no papel dos docentes e dos agentes tradicionais de socialização; a função dos docentes (contestação e contradições); a modificação do contexto social; os objetivos do sistema de ensino e o avanço do conhecimento; a imagem dos docentes. Como fatores principais, Esteve (1999) cita os recursos materiais e as condições de trabalho; a violência nas instituições escolares; o egostamento e a acumulação de exigências sobre os docentes. 57 Messing et al. (1999) suspeitam que os problemas de saúde mental dos docentes pode ser uma conseqüência das estratégias usadas por eles para conciliar as necessidades dos alunos com os meios muito limitados que dispõem. Através de uma pesquisa realizada na Argentina em 345 escolas, Martínez et al. (1997) concluíram que os docentes ao permanecerem em seu posto de trabalho acumulam fadiga podendo chegar num estado em que se produz uma desorganização severa de sua saúde mental ou se instala uma patologia orgânica, tendo como conseqüências o absenteísmo, a saída do trabalho, a incapacidade ou até mesmo o abandono. Martínez et al. (1997), revelam que os docentes se encontram sós, isolados ou com pouco apoio institucional e/ou profissional a um universo de demandas e exigências. Segundo esses autores, o caráter precário da atividade docente é uma condição que afeta o processo de trabalho em sua estrutura e, em termos subjetivos é uma causa direta do mal-estar e da autodesqualificação. Chan (2003), através de um estudo realizado em Hong Kong, constatou que cerca de um terço dos docentes pesquisados apresentavam sinais de estresse. Alguns docentes apresentavam sinais mais graves do que outros, variando de quadros leves de frustração, ansiedade e irritabilidade até o quadro de exaustão emocional, com sintomas psicossomáticos e depressivos severos. Shonfeld (1992), na cidade de Nova Iorque , desenvolveu uma pesquisa que envolveu 255 docentes recém-contratados. Os resultados demonstraram uma forte associação entre sintomas depressivos e ambientes de trabalho nocivos, bem como o surgimento precoce dos efeitos pesquisados, que se mantêm mesmo quando outros fatores de risco são controlados. Pitthers & Fogarty (1995) avaliaram o estresse e a tensão ocupacional em docentes através do Occupational Stress Inventory, instrumento que avalia estresse ocupacional, sobrecarga acumulada e estratégias adotadas. Viu-se que os maiores escores estão entre docentes, quando comparados com outros profissionais. As pesquisas desenvolvidas por Volpi (1994), Mosquera & Stobäus (1996), Nunes & Teixeira (2000), também demonstram algumas causas apontadas pelos entrevistados como desencadeadores do mal-estar docente: a burocratização do trabalho, planilhas, dados a preencher, controle avaliativo e o conflito de papéis: ora docente, ora pesquisador, ora administrador, etc. Siqueira & Ferreira (2003) pesquisaram sobre o absenteísmo docente no ensino fundamental, na rede pública de ensino da cidade de Florianópolis/SC. A pesquisa foi realizada com os docentes que se afastaram do trabalho para tratamento de saúde. Verificouse que as causas mais freqüentes geradoras dos afastamentos em ordem decrescente foram as 58 doenças do aparelho respiratório, os problemas do aparelho locomotor, os problemas de saúde na família e problemas psicológicos e/ou psiquiátricos. Uma outra pesquisa sobre o adoecimento docente foi realizada pelo Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador (CESAT), órgão da Secretaria da Saúde de Salvador/BA. Esse órgão registrou, no período de 1991 a 1995, o atendimento de 76 docentes. Das pessoas atendidas, 93,4% eram mulheres, com faixa de idade predominante entre 40 a 49 anos. Após avaliação, 46 docentes (60,5%) foram diagnosticados como portadores de doenças ocupacionais. As doenças encontradas foram: calos nas cordas vocais (41,3%); rinosinusite (34,8%); asma (13,0%); lesões por esforços repetitivos (6,5%); dermatose (2,2%) e varizes (2,2%). Na rede particular de Salvador/BA, as queixas mais freqüentes dos docentes entrevistados foram o uso contínuo da voz; dor nas costas e pernas como conseqüência da postura corporal mantida durante as atividades e no âmbito psico-emocional, referiram cansaço mental e nervosismo. Encontraram-se distúrbios psíquicos menores em 20% dos docentes estudados (ARAÚJO et al., 1998; SILVANY et al., 2000). O estudo realizado por Noronha (2001), em Belo Horizonte/MG, identificou sentimentos de insatisfação, frustração e ansiedade entre os docentes entrevistados. Gomes (2002), através de um estudo ergonômico realizado com um grupo de onze docentes (sete mulheres e quatro homens), com idade entre 26 e 60 anos, em uma escola estadual do Rio de Janeiro/RJ, constatou que há pouca autonomia dos docentes face às normas educacionais vigentes. A sensação de intenso mal-estar generalizado está dentre as queixas identificadas no estudo. Codo & Vaques-Menezes (1999), através de um estudo realizado com trabalhadores em educação em todo o Brasil, identificaram que 48% dos entrevistados apresentavam algum sintoma de burnout60, uma síndrome da desistência de quem ainda está lá, já desistiu e ainda permanece no trabalho. Constatou-se, nos estudos de Codo & Vaques-Menezes (1999), que um em cada quatro docentes tinha exaustão emocional. Vasconcellos (1996) diz que a neurose e a depressão têm afastado, em média, 33 docentes por dia letivo, das salas de aula no Estado de São Paulo. Através de sua pesquisa, verificou-se que: 60 “Burnout foi o nome escolhido, em português, algo como 'perder o fogo', 'perder a energia' ou 'queimar (para fora) completamente' (numa tradução mais direta). É uma síndrome através da qual o trabalhador perde o sentido da sua relação com o trabalho, de forma que as coisas já não o importam mais e qualquer esforço lhe parece ser inútil” (CODO; VAQUES-MENEZES 1999, p. 238). 59 [...] a nível mundial, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que, em termos de doença ocupacional - doença adquirida em decorrência do exercício da profissão-, [...] os docentes só perdem para os mineiros, enquanto categoria profissional, incluindo aí desde alergia a giz, calos nas cordas vocais, varizes, gastrite, labirintite, reumatismo e até esquizofrenia (VASCONCELLOS, 1996, p. 104). Por último, interessa enfatizar que, na maioria das pesquisas realizadas, no Brasil e no exterior, há um consenso quanto ao caráter altamente estressante da atividade docente. Observa-se uma significativa contribuição dos aspectos relacionados ao ambiente escolar e à organização do processo de trabalho na produção de diferentes formas de adoecimento. As condições de trabalho, ou seja, as circunstâncias sob as quais os docentes mobilizam as suas capacidades físicas, cognitivas e afetivas para atingir os objetivos da produção escolar podem gerar sobreesforço ou hipersolicitação de suas funções psicofisiológicas. Se não há tempo para a recuperação, são desencadeados ou precipitados os sintomas clínicos que explicariam os índices de afastamento do trabalho por transtornos mentais (GASPARINI; BARRETO; ASSUNÇÃO, 2005, p. 192). 60 3 DO INGRESSO NA PROFISSÃO AO ADOECIMENTO: RESULTADOS E DISCUSSÕES 3.1 As categorias 3.1.1 Motivos e/ou condicionantes que determinaram o ingresso na profissão Pode-se afirmar que são múltiplos os motivos pelos quais se escolhe a atividade docente como profissão. A partir da análise de conteúdo das entrevistas, constatou-se que a vocação é o maior motivo para o ingresso na profissão. Isso fica evidente mediante as falas abaixo61: “Sempre quis ser docente, por vocação. Continuo por vocação. Para vencer as provações e as dificuldades, é preciso ter vocação” (Docente 2). “Desde pequena, quis ser docente. Vocação. Ainda estou aqui por vocação. Só a vocação é que nos leva para frente e nos ajuda a passar por cima das dificuldades” (Docente 6). “Não me via em outra profissão.Vocação. Depois de anos em sala de aula, posso dizer que continuo como docente por causa da vocação. Se não fosse pela vocação, não estaria aqui. São muitas dificuldades e perigos que a gente enfrenta” (Docente 9). 61 As autoras França & Vasconcellos (2007) salientam que o itálico pode ser usado para dar ênfase ou destaque a palavras, expressões ou trechos de uma citação. Nesta dissertação, usou-se o itálico e as aspas na fala dos entrevistados para dar destaque. As mesmas autoras recomendam que as citações longas devem constituir um parágrafo recuado, com tamanho de letra menor do que o utilizado no texto e com espaçamento 1 entre linhas. Usou-se o tamanho 12 e o espaçamento de 1,5 entre linhas nas citações longas para que as mesmas fiquem legíveis. Também, usou-se o recuo para citações curtas com a mesma finalidade. 61 “Sempre me vi dando aulas. Foi por causa da vocação que entrei e que continuo na profissão. Só a vocação é que nos dá suporte para continuar, para vencer os desafios e obstáculos” (Docente 11). “Desde pequena, eu falava que queria ser docente. Vocação. É a vocação que nos dá força para seguir” (Docente 14). Os docentes entrevistados fizeram referência à vocação como algo inerente à atividade docente e necessária para que suportem as dificuldades encontradas. A vocação estaria aliada à tendência para o sacrifício. Interessa enfatizar que a tendência para o sacrifício estabelece relação com os pressupostos teóricos de Nóvoa (1991) usados nessa dissertação. De acordo com esse autor, os religiosos foram uma das primeiras e fundamentais representações do magistério. Talvez, pelos primórdios da educação religiosa, o docente sacerdotizou e sacralizou o seu trabalho, revestindo-o de uma aura missionária e salvadora. São provações, desafios, obstáculos, enfrentamento de perigos, tudo para comprovar a condição heróica e ter acesso à sagração. Cita-se o gosto por crianças e a influência de pessoas como o segundo maior motivo do ingresso na profissão. Em se tratando do gosto por crianças, verificou-se que, para alguns entrevistados, é como se o trabalho dos docentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental fosse mais importante do que os demais níveis da docência. “Gosto de trabalhar com criança. É o trabalho mais importante da escola” (Docente 1). “O trabalho com crianças é o mais importante da escola. Gosto de trabalhar com criança” (Docente 4). “Gosto de trabalhar só com crianças. É o trabalho mais importante da escola. Gosto de trabalhar com criança” (Docente 5). No que tange à influência de pessoas, dois docentes entrevistados responderam que ingressaram no magistério por imposição da família e um disse que foi por causa de dicas de uma amiga. 62 “Na minha casa, tinha várias pessoas formadas em Contabilidade. No primeiro momento, foi meu pai que determinou a minha entrada no magistério [...] Fiz o curso por causa dele” (Docente 7). “No início, fiz por imposição do meu pai, porque ele não gostava da idéia de eu estudar à noite [...]” (Docente 10). “[...] foi por causa da influência de uma amiga [...] Essa amiga tinha um papel importante na minha vida. Ela me falou que emprego tava difícil e que o magistério era um curso técnico. Vocação para o magistério eu nunca tive” (Docente 13). O terceiro maior motivo do ingresso na profissão refere-se à sobrevivência. Os docentes se preocuparam em encontrar uma profissão em que, mesmo ganhando pouco e não sendo reconhecidos, tivessem como garantir a sobrevivência e ter uma certa estabilidade. “[...] Porque podia garantir a minha sobrevivência, mesmo ganhando pouco e não sendo reconhecida. Emprego tá difícil, né ?” (Docente 8). “[...]Questão de sobrevivência” (Docente 12). Em seguida, cita-se a admiração pelos docentes. Os entrevistados buscaram, entre as suas reminiscências, um herói, o grande docente que tiveram, o melhor. A admiração por um docente, em especial, transformou-se em motivo para ingressar na profissão. “[...] substituí uma professora no curso de magistério que era um modelo para mim, era a melhor” (Docente 3). “Eu tive bons docentes. Docentes que eram modelos, eram os melhores. Eles sabiam tudo. Entrei na profissão por admiração pelos docentes” (Docente 16). 63 Na lista dos motivos citados pelos docentes entrevistados, a superação de dificuldades ocupa a última posição. A escolha do magistério surgiu como uma forma do docente entrevistado superar uma dificuldade de caráter emocional. “Eu tive um docente que me marcou negativamente. Dar aulas foi um sonho, fruto de uma educação que podava [...] Tive muitas dificuldades e quis passar os conhecimentos de forma diferente para os meus alunos” (Docente 15). O conteúdo das entrevistas remete à importância da escolha da profissão. Caso a escolha profissional não seja consciente e coerente com os interesses pessoais dos docentes, a profissão poderá ser exercida com pouca motivação. Ao longo do percurso profissional, situações de desconforto e frustrações podem surgir, trazendo inúmeras implicações pessoais e sociais aos docentes. Para além dos casos de adoecimento docente descritos nessa dissertação, há os casos de abandono da profissão (ESTEVE, 1999). O docente 2 disse: “[...] tem gente que entra e não agüenta, abandona o magistério”. O estudo sobre a incidência de burnout entre docentes ilustra essa fala. Esse estudo foi realizado entre 1990 e 1995 por Lapo & Bueno (2003). As autoras realizaram seu estudo na rede de ensino público do Estado de São Paulo. Elas procuraram compreender de que modo o abandono do magistério é tecido, ao longo da vida e da experiência profissional dos docentes. O estudo baseou-se em dados quantitativos obtidos na Secretaria Estadual da Educação de São Paulo e em dados qualitativos obtidos através de questionários direcionados a 158 ex-docentes da rede pública e de 16 entrevistas sobre histórias de vida profissional. Verificou-se um aumento significativo nos pedidos de exoneração do magistério. Entre os motivos que mais contribuem para os docentes deixarem a profissão, além dos baixos salários, estão as precárias condições, a insatisfação e o desprestígio profissional. Segundo as autoras, as análises evidenciam, também, que o processo de abandono do magistério se dá lentamente, por meio de uma série de mecanismos pessoais e institucionais que os docentes utilizam, até chegar ao abandono definitivo. 3.1.2 Percepções contemporaneidade sobre a condição da educação escolar e da escola na 64 Alguns docentes entrevistados sentem-se satisfeitos por terem acesso a mais cursos de capacitação profissional. “[...] a educação escolar e a escola já caminharam no sentido de mais reciclagens e cursos que são ministrados para o docente [...]” (Docente 1). “A educação escolar e a escola estão mudando [...] A gente vê mais ofertas de cursos para os docentes. Parece que está começando a existir uma preocupação em melhorar a qualidade da educação escolar através de uma melhor capacitação dos profissionais” (Docente 6). “[...] atualmente, nós temos mais cursos de capacitação. Antigamente, não tínhamos cursos [...]” (Docente 11). Os avanços tecnológicos são vistos por um docente entrevistado como aliados, pois contribuem para deixar as aulas mais interessantes. “Hoje, os recursos que a gente tem são melhores do que quando comecei. A tecnologia trouxe facilidades para o docente, entre elas, pode-se citar o computador, a máquina de tirar cópias, etc. Quando eu comecei, as condições da educação escolar e da escola eram precárias [...] Para se fazer bem a educação escolar, pode-se contar com escolas equipadas com retroprojetor, DVD, vídeo, televisão e som. Os avanços tecnológicos são nossos aliados na hora de preparar aulas mais prazerosas” (Docente 15). É válido mencionar que há um saudosismo na fala dos entrevistados. As palavras: “antigamente” e “antes” estiveram presentes durante as entrevistas. Os docentes sentem falta do apoio familiar. “Antigamente, era mais fácil fazer a educação escolar acontecer e a escola funcionar porque tinha mais envolvimento dos pais [...]” (Docente 7). 65 “Antigamente, era mais fácil [...] Os pais não estão ajudando nos deveres e não estão acompanhando os filhos na escola. Alguns não ajudam por falta de interesse e outros não ajudam por causa da falta de tempo (trabalham em fábrica de fogos e chegam em casa cansados, sem disposição para ajudar os filhos nos deveres) [...]”(Docente 14). “[...] Antes, a família incentivava suas crianças a estudarem e, agora, não há apoio familiar para que a educação escolar aconteça e a escola funcione [...]” (Docente 10). Para Zagury (2006, p. 89), “a família abriu mão de seu papel essencial de geradora da ética e de primeira agência socializadora das novas gerações”. Zagury (2006, p. 95) também afirma que “se a família não atua ou não sabe atuar para colocar a escola como prioridade [...] ou, ainda, se se deixou seduzir pelos valores da sociedade de consumo, os alunos fatalmente considerarão que o compromisso com a aprendizagem não é essencial”. Na literatura consultada, foi exposta a importância da educação escolar e da escola no que se refere à tentativa de inserção dos indivíduos na economia global, marcada pela competitividade. Em algumas entrevistas, o que se viu foi a perda de valor da educação escolar e da escola. “Hoje em dia, não está fácil dar aulas, porque há um descrédito da educação escolar e da escola [...]” (Docente 8). “Os alunos de hoje não dão o mesmo valor à educação escolar e à escola [...]” (Docente 9). “[...] é uma pena que a educação escolar e a escola tenham perdido o seu valor. Hoje em dia, educar está sendo uma tarefa difícil” (Docente 16). A educação escolar e a escola na contemporaneidade estão passando por um processo de desvalorização tal que os alunos fazem perguntas como: “Estudar para quê?” 66 “[...] há muita desvalorização da educação escolar e da escola [...] Hoje em dia, a educação escolar e a escola estão desacreditadas. Elas já não possuem o mesmo valor. As frases que a gente mais ouve: Estudar para quê? Você não me manda [...] Eu faço se eu quiser” (Docente 5). Também foi exposto pelos docentes que a educação escolar e a escola estão perdendo o seu foco, o seu sentido. “[...] o foco não é mais o ensinar... é organizar festas, vender rifas, visando levantar dinheiro para manter a escola”. A fala do docente 4 ilustra bem o processo de descentralização (SAVIANI, 2005) abordado nessa dissertação. A fala do docente 12 também ilustra a perda de foco e de sentido da educação escolar. “[...] Agora, o docente tem que ser tudo dentro da escola: babá, tem que ser mãe, tem que impor limites [...] Cobra-se cada vez mais um ensino de qualidade. Só que esse ensino de qualidade está se perdendo. É tanta função para desempenhar que o ensino mesmo fica com pouco tempo, perdeu o seu sentido” [...] Há, nessa fala, a mesma constatação feita por Oliveira (2003): às vezes ensinar não é o mais importante. A disputa entre os docentes e a má interpretação do construtivismo são percebidas pelos entrevistados como obstáculos para que a educação escolar aconteça com qualidade e a escola funcione adequadamente. “[...] para se fazer educação escolar é importante ter união e menos disputa entre os docentes. A disputa entre os docentes atrapalha o bom andamento da escola e desqualifica a educação escolar” (Docente 2). “[...] o que posso falar sobre a escola e a educação escolar? Posso falar que elas pioraram e um dos fatores causadores dessa piora é o construtivismo mal interpretado [...]” (Docente 3). 67 “O construtivismo e a sua má interpretação prejudicaram o andamento da educação escolar [...]” (Docente 13). 3.1.3 Percepções sobre a atividade docente Sob o ponto de vista do docente 10, a atividade docente “é uma missão de muita responsabilidade [...] é uma missão que exige grande esforço [...] É uma profissão que exige grande amor”. Para o docente 15, a atividade docente é “[...] um desafio diário, pois, na sala de aula, há problemas de todos os tipos”. A atividade docente, segundo Esteve (1999), está passando por uma crise que se arrasta há longos anos e as conseqüências dessa situação são desmotivação pessoal, altos índices de absenteísmo e de abandono. A fala do docente 16: “[...] tem dia que eu levanto da cama e vou obrigada” ilustra a desmotivação de muitos docentes, bem como evidencia a morte do prazer de educar (ESTEVE, 1999). A maioria dos entrevistados considera que, assim como a educação escolar e a escola, o docente também perdeu o seu prestígio na sociedade. “[...] há uma perda de prestígio do docente na sociedade [...] a gente pensa assim: quantos alunos já passaram pelas minhas mãos, desde que eu comecei [...] o docente já não tem mais o mesmo prestígio. Antes, ser docente era chique, dava status [...]” (Docente 1). “Gosto do que faço, mas a gente está sem prestígio. Tanta gente fala mal da profissão [...] Se a gente não colocar o amor na frente, não dá para ser docente” (Docente 2). “[...] Faço o que gosto, só que o docente não tem valor perante aos pais e aos diretores [...]” (Docente 3). “[...] a gente passa por muita desvalorização social e financeira. A gente tenta cumprir com as atividades exigidas, com os horários e a gente não tem valor [...]” (Docente 6). 68 “[...] O docente é muito desprestigiado. Antigamente, ser docente significava status, a profissão era bem vista pela sociedade, tinha um lugar lá no alto, todo mundo respeitava” [...] (Docente 12). “O magistério é uma das piores profissões, pois a valorização do docente é zero [...] O profissional que é a base da educação escolar não tem valor nenhum [...]” (Docente 13). “Gosto do que faço e só tô nessa profissão por amor mesmo [...] A gente batalha, batalha e não tem valor [...] Muitas pessoas não dão o devido reconhecimento ao nosso trabalho” (Docente 9). “[...] Pelo tanto que a gente trabalha, deveríamos ter mais valor [...]” (Docente 11). “[...] Gosto do que faço, mas se fosse para começar hoje essa profissão, não começaria, pois não há valorização social e nem financeira [...]” (Docente 4) “[...] A minha percepção sobre a atividade docente é que ela é desvalorizada. O docente é desvalorizado tanto socialmente quanto financeiramente. Não tenho estimulação social e nem financeira” (Docente 8). O mestre, visto antes como uma figura profissional essencial para a sociedade, hoje é um profissional que luta pela valorização e reconhecimento social das atividades que realiza. Assim como na literatura consultada, os docentes em Santo Antônio do Monte/MG vivenciam um momento de desvalorização social e financeira. A valorização do docente é uma tarefa urgente e imprescindível. Para além da desvalorização social e financeira, os docentes, em Santo Antônio do Monte/MG, enfrentam inúmeras dificuldades. A indisciplina é uma delas. “[...] A gente esforça muito, prepara a aula e tem vezes que não dá certo por causa da indisciplina. A gente fica triste com isso, fica com 69 um sentimento de derrota. Não é questão de manejo. O problema da indisciplina é geral [...] A gente tenta criar uma aula diferente e não dá certo. Fico chateada e até mesmo com raiva dos alunos [...]” (Docente 14). O docente 14 vê a sua relação com os alunos deteriorada. Sente-se derrotado. Esse profissional, na consciência de suas limitações, “percebe que as metas desejadas muitas vezes não podem ser cumpridas. A impossibilidade de realização plena do educador, o retorno à realidade crua das dificuldades cotidianas o impele para a dor [...]” (VASQUES-MENEZES & GAZZOTTI, 1999, p.374). A fala do docente 4 denuncia a destituição do controle imediato da prática profissional. O docente se “perde num mundo sem referenciais e desprovido de significado” (FIGUEIREDO, 1989, p. 65). “O docente perdeu o espaço na escola e na condução de sua turma. O docente perdeu os seus direitos e o respeito das pessoas [...] O docente era a autoridade dentro da sala de aula. O docente não tem mais autonomia para resolver as questões que acontecem dentro da sala de aula. Sempre há interferência de pessoas externas como os pais, a diretora e a secretária da educação” (Docente 4). Nas falas citadas abaixo, observa-se que houve um aumento das responsabilidades, das funções e das cobranças. “As exigências em relação ao docente também aumentaram [...] Houve um aumento das responsabilidades, das funções e das cobranças direcionadas aos docentes. Os pais cobram, os diretores e os supervisores também” (Docente 5). “[...] Dar limites é um papel a mais para o docente [...] Se a gente percebe um déficit de atenção ou hiperatividade, a gente tem que encaminhar para atendimento na prefeitura [...] A gente ajuda na elaboração de projetos e discute sobre melhorias do currículo dos alunos. Há um acúmulo de funções e cobrança dos pais, diretores e supervisores” (Docente 7). 70 3.1.4 Condições de realização da atividade docente Sobre as condições de realização da atividade docente, o que ficou em maior evidência é o adensamento e a intensificação da agenda profissional. Em vários momentos das entrevistas, foi possível confirmar a hipótese de que a atividade docente não é mais definida somente como atividade em sala de aula. Esteve (1999), em seus estudos na Espanha, observou que, aos docentes, falta tempo para atender as inúmeras responsabilidades que lhes são direcionadas. O conteúdo das entrevistas realizadas em Santo Antônio do Monte/MG demonstra que as reformas em curso estão trazendo novas demandas direcionadas aos docentes. “Depois que começou as reformas na educação escolar, depois que começou as mudanças na educação escolar [...] a gente começou a fazer de tudo. A gente discute e elabora projetos da escola. A gente marca atendimento psicológico e fonoaudiológico [...] até visita domiciliar eu já fiz para explicar a importância dos atendimentos. [...] Acho que o nosso trabalho tem aumentado [...] É muita responsabilidade para o docente. Até caderno a gente encapa, cuida de material escolar [...]” (Docente 6). Os docentes de Santo Antônio do Monte/MG mostram-se sobrecarregados. Eles não encerram suas atividades quando o horário de aula encerra. Eles levam atividades para casa. “[...] uma coisa que eu observo na sala de aula é o aumento das tarefas. Todo dia a gente tem obrigação [...] Tem auditório, muita festinha, muito cartãozinho, é muita coisinha que a gente tem que fazer. Tudo isso pesa para o docente. Além de a gente ter uma jornada desgastante dentro da sala de aula, a gente tem atividadesextras, tem atividades que a gente leva para casa” (Docente 11). “[...] A gente chega em casa e vai logo preparando aula. É depois do horário de aula, é no sábado, é no domingo e a gente tá lá de frente para o computador pesquisando, preparando aula” (Docente 12). 71 “[...] a gente trabalha com uma sobrecarga diária. O docente leva muita coisa para casa. É trabalho, é prova, é exercício, é projeto... tudo isso a gente leva para casa [...]” (Docente 13). “[...] o docente anda sobrecarregado. Em cada turma há 25, 27 alunos [...] Sempre levo atividades para casa. Nem sempre consigo corrigir todas as atividades dentro da sala de aula. É muita coisa que está na responsabilidade do docente. É auditório, diário, festinhas em datas especiais, etc” (Docente 14). “O trabalho do docente não termina quando o horário de aula termina. A gente leva muita coisa pra casa. A gente tem que corrigir exercícios, tem que corrigir provas. A gente participa também do módulo 2. A tarefa do docente é pesada” (Docente 16). Grande parte do tempo dos docentes é dedicado à escola. “[...] A gente desgasta muito fisicamente e emocionalmente [...] A gente deixa a própria família de lado pra viver em função do aluno [...] O trabalho aumentou muito. Tem muitas provas e muitos exercícios para corrigir e isso não deixa de sobrecarregar a gente” (Docente 9). Entende-se que os docentes entrevistados, muitas vezes, comportam-se como os operários das fábricas. Eles trabalham em ritmo acelerado, atuando dentro e fora da sala de aula, para produzir a mais-valia (MARX, 2006). Há cobranças por resultados e sobrecarga de atividades e tarefas. “[...] a partir de 2005, tive que voltar para a sala de aula. Passei a exercer a minha profissão sob pressão. Vários empecilhos me atrapalharam profissionalmente. Teve várias acareações de diretor comigo [...] Toda hora, batia na porta e me tirava da sala. Havia uma marcação. Havia uma cobrança por resultados. Claro que podia 72 melhorar o meu trabalho, mas passei por muita marcação” (Docente 8). A sobrecarga impede o desempenho profissional suposto como adequado, o que, invariavelmente, suscita ansiedade. “[...] uma coisa que prejudica é a cobrança em relação aos conteúdos. São muitos os conteúdos que a gente tem que dar e se a gente não consegue vencer esses conteúdos é porque somos incompetentes [...] Muitas vezes, me sinto pressionada pelo supervisor para vencer os conteúdos e isso me preocupa, me deixa ansiosa [...]” (Docente 10). A hipótese de que os docentes de Santo Antônio do Monte/MG, assim como os docentes de cidades grandes, vêem-se pressionados pelos pais, supervisores e diretores a cumprir inúmeras exigências foi confirmada durante as entrevistas. Também, torna-se importante salientar que há docentes em Santo Antônio do Monte/MG desempenhando papéis que estão para além de sua formação. “[...] todo dia a gente desempenha várias funções. A gente é mãe na sala de aula” (Docente 9). “[...] Agora, a gente tem que ensinar cidadania, responsabilidades da família, nutrição, internet, computação. A gente participa de planejamento e da elaboração de projetos [...] Tudo isso tá sendo jogado para cima da gente” (Docente 5). “[...] a gente tem que saber de tudo um pouco [...]” (Docente 2). Essa situação vai ao encontro dos pressupostos teóricos de Oliveira (2003) e Santomé (2001). As autoras enfatizam que os docentes estão desempenhando vários papéis. Nesse sentido, Apple (1995) atesta que os docentes, na contemporaneidade, precisam aprender uma gama maior de habilidades. Porém, eles não têm tempo para conservar-se em dia com sua especialidade. Apple (1995) enfatiza que a intensificação traz uma grande contradição: ao 73 mesmo tempo em que os docentes devem ter mais habilidades, não conseguem manter-se atualizados em sua especialidade. A precarização do trabalho descrita por Giddens (2004) aplica-se à atividade docente. Em Santo Antônio do Monte/MG, constata-se que a precarização da atividade docente é expressada no aumento das tarefas, das cobranças e das responsabilidades. Para alguns docentes entrevistados, os salários pagos à categoria não correspondem às suas reais necessidades e, principalmente, apresentam discrepância com relação aos custos e esforços exigidos na efetivação das suas atividades. “[...] a remuneração é baixa e eu trabalho em dois cargos para completar o salário. Tenho atividades em dobro. Todo o dia tem cadernos para corrigir e atividades para fazer no computador” (Docente 5). “[...] O salário não é compatível com a importância que o docente possui na educação escolar e na escola. Não dá para cobrir o que a gente gasta durante o trabalho. A gente gasta muito com folhas, sacolinhas e por aí vai” (Docente 6). “[...] Eu falo que eu gostava mais de dar aulas. O meu trabalho intensificou porque trabalho como docente na escola e dou aula particular para complementar o meu salário” (Docente 7). Com menor freqüência, há também um descontentamento em relação à: falta de sala de aula “[...] Tem vezes que falta sala de aula. A gente tem que unir a sala de vídeo, de contos e biblioteca em um único local [...]” (Docente 1). 74 falta de ética “[...] a dificuldade que eu encontro no exercício da atividade docente é a falta de ética. Falta ética entre os professores [...]” (Docente 3). falta de ajuda econômica para participar de cursos “[...] atualizar é [...] um desafio para o docente. Quando aparece curso novo fora da cidade, não há incentivo para que se faça o curso. O docente tem que tirar do bolso [...]” (Docente 4). falta de apoio psicológico “[...] falta um suporte psicológico para os docentes dentro da escola [...] Os docentes precisam de um suporte emocional para dar conta de seu dia-a-dia. Os docentes precisam de um suporte psicológico para ajudá-los a resolver os problemas familiares de seus alunos [...]” (Docente 15). 3.1.5 Percepções sobre a qualidade de vida O conteúdo das entrevistas revela que uma boa parte dos docentes está com uma qualidade de vida insatisfatória. A sobrecarga de tarefas, inclusive nos finais de semana, está retirando de boa parte dos docentes a oportunidade de estar com seus familiares, amigos ou mesmo a oportunidade de realizar atividades físicas, culturais e sociais, comprometendo, assim, sua qualidade de vida. “Eu vejo que não sobra muito tempo pra mim e minha família. A gente ocupa muito tempo com atividades extras (diários, planejamento, auditório) e não sobra tempo para o lazer. Por causa da escola, eu deixei os meus filhos muito jogados. A atenção para minha família fica a desejar. Praticamente não saio” (Docente 3). 75 “Não sobra tempo para cuidar do lado social, porque a escola toma boa parte do tempo. Tem muitas provas para corrigir. Tem muita coisa para fazer. A escola fica em primeiro plano, a família e a gente fica em segundo plano” (Docente 4). “[...] trabalho também aos sábados pela manhã. O sábado é meu dia de planejamento. Planejo para a semana. Às vezes, até para 15 dias, quando é possível. Mas continuo fazendo ficha diária, recortando, colando, organizando cadernos... é muito trabalho. Tenho pouco tempo para a minha família. O cansaço é tanto que, depois de cumprir as inúmeras tarefas, não tenho disposição para sair. Avalio que a minha qualidade de vida não é boa. Não tenho tempo e nem disposição para praticar esportes” (Docente 5). “A escola toma quase que o tempo todo [...] É dever para corrigir, é prova, é caderno para dar visto e, quando a gente vê, o tempo passou e a gente não fez nada para ter uma qualidade de vida melhor [...] Em primeiro lugar, vem a escola, depois vem a família e depois, em último lugar, vem o espaço pra mim. A prioridade vem dessa forma. O meu lado social praticamente é nulo” (Docente 7). “[...] quem é docente não tem jeito de não levar atividade pra casa, a qualidade de vida não é boa. Final de semana e mesmo durante a semana, depois do horário de aula, faço muitas atividades escolares [...] Quando termino tudo o que tenho para fazer, estou exausta e isso não acontece só com a gente que mora aqui não” (Docente 8). “[...] a minha vida social tá totalmente comprometida por causa das tarefas escolares. Não tô com tempo pra fazer nada pra mim. Minha qualidade de vida não é boa. Dou aula de manhã na escola e aula à tarde em minha casa, dou aula de reforço [...]” (Docente 9). 76 “[...] no período que estou trabalhando, não tenho tempo para o lazer e nem para praticar esportes [...] No final de semana, a gente já está cansada para sair. Tem final de semana que vou dormir às 23:00 hs. [...] é muito cansativo. A agenda é cheia e os meus dias ficam tomados pela escola. Não é boa a minha qualidade de vida” (Docente 11). “[...] muito difícil. É muito difícil o docente ter vida social e lazer, porque é muita tarefa e isso é em qualquer lugar. O que é isso: qualidade de vida? Docente não tem isso não. Ele praticamente tem que dedicar à escola e aos alunos de forma integral” (Docente 13). “[...] o docente que abraça a causa não tem vida social e isso acontece com o docente daqui ou de qualquer outro lugar [...] praticamente não sobra tempo pra mim. Eu sou a última na fila de prioridades. Em primeiro lugar, vem a escola, em segundo, vem a família e eu fico com o último lugar” (Docente 15). “Aqui em Samonte ou em outro lugar, o docente não tem qualidade de vida, porque é muita coisa [...] a gente chega do serviço muito cansada. A qualidade de vida é péssima [...]” (Docente 16). Algumas das características da intensificação da atividade docente citadas por Apple (1999) foram observadas durante as entrevistas. Entre elas, cita-se a redução da sociabilidade e o aumento do isolamento. A fala do docente 1 ilustra o isolamento da atividade docente na escola: “[...] a qualidade de vida do docente não é boa e muita coisa a gente tem que fazer individualmente. Não há aquele trabalho em conjunto. Cada docente em sua sala de aula e acabou”. Há docentes que consideram difícil ter uma vida social, ter uma boa qualidade de vida. E há aqueles docentes que se esforçam para ter um tempo para si e aproveitá-lo da melhor forma possível. 77 “Passo noites em claro para deixar o final de semana livre para mim, meu marido e filhos. Aproveito o meu tempo da forma que o dinheiro que recebo permite” (Docente 14). “Tentei melhorar a minha qualidade de vida não mexendo com coisas da escola no final de semana” (Docente 6). “Eu não ocupo o meu tempo de lazer com escola. O sábado eu tiro para mim e o domingo também. Sou docente durante a semana (de 2ª a 6ª feira)” (Docente 2). “[...] apesar de levar muita coisa da escola pra casa, busco tirar um tempo pra mim e pra minha família. A minha qualidade de vida é satisfatória” (Docente 10). “[...] quando chego em casa, estou desmaiando de cansaço [...] Tento arrumar um tempinho para dar uma saidinha no final de semana, pois se não a gente não agüenta” (Docente 12). 3.1.6 Licenças tiradas no período de 2005 a 2007 No que se refere às licenças médicas, pode-se inferir que elas seriam um mecanismo de defesa utilizado pelos docentes entrevistados contra a tensão derivada do exercício de sua profissão. A sintomatologia da atividade docente em Santo Antônio do Monte/MG é muito parecida com a sintomatologia apresentada pelos docentes das cidades citadas na dissertação. Verifica-se que o maior motivo gerador das licenças médicas é a depressão. “Eu tirei, em 2005, uma licença de 15 dias e trabalhei fora de sala. No ano de 2006, também trabalhei fora de sala e tirei três licenças de 15 dias. Foi um ano difícil. Fiquei doente mesmo. O acompanhamento 78 psiquiátrico e psicológico me ajudou muito. Todas licenças foram pelo mesmo motivo: depressão” (Docente 16). “Em 2006, tirei uma licença de 15 dias porque não estava bem [...] Estava emocionalmente abalada, parecia ser uma depressão. A turma era difícil, era confusão todo dia [...] a pressão dentro da sala de aula era grande. Fiquei 15 dias descansando e não foi preciso medicamentos [...]” (Docente 12). “[...] Em 2000, eu comecei a ter medo de ir pra escola. Eu ia apavorada para a escola. Eu ia na marra, obrigada mesmo. Só de pensar em entrar na sala de aula, eu nem dormia. À noite, via barata, baratas grandes descendo pelas paredes. Parecia que eu tinha alucinações. Eu olhava pra parede e via. Eu ia pra escola e voltava chorando. Procurei um médico que diagnosticou o meu caso como sendo depressão. Comecei o tratamento com psiquiatra e tomo medicamentos até hoje [...] Tomo antidepressivo [...] Ainda tenho depressão. Já tirei muitas licenças. As licenças que mais lembro são as que tirei em 2007. Foram licenças de 45 dias, 30 dias, 15 dias e todas pelo mesmo motivo: a depressão (Docente 13). “No ano de 2007, tirei licença de 15 dias [...] era uma depressão. Ficar em casa me fez bem, eu descansei, fiz um repouso. Não tomei medicamentos” (Docente 1). Os problemas relacionados à voz podem ser citados como o segundo motivo gerador de licenças médicas. “O meu problema começou em 2003 [...] eu comecei com uma tosse que não parava [...] fui ao otorrino e, após exames mais detalhados, ele disse que estava com nódulo na corda vocal direita [...] Fiz um tratamento de 06 meses com o otorrino e fiquei afastada, também, por 06 meses. O otorrino me encaminhou para a fono. Eu fiz 24 sessões com a fono. Após três meses de acompanhamento com a fono, fiz 79 novos exames e eles mostraram uma melhora. Continuei fazendo sessões com a fono e o nódulo desapareceu totalmente. Em 2005, foram aproximadamente seis licenças de 15 dias. Em 2006, tive mais duas licenças de 15 dias [...] Dava aulas e precisava tirar licenças. Quando eu voltei, em fevereiro de 2007, na fono, para fazer novos exames, ela ficou horrorizada e queria até me aposentar [...] Tirei mais umas licenças de 15 dias cada. Também tive que tirar férias prêmio para eu descansar mais a voz. Eu fiz exames, vários exames, testes alérgicos com 12 componentes e eu era alérgica a 10” (Docente 11). “[...] Em 2005, voltei a trabalhar em dois horários e, como as crianças eram mais dependentes, tive que usar muito a voz [...] Quando eu fui ao otorrino, em setembro de 2005, foi constatado que estava novamente com pólipos nas cordas vocais. Ele me deu duas licenças de 15 dias. Fiz novamente acompanhamento com a fono. Em fevereiro de 2006, fiz novos exames e estava tudo bem. Continuei fazendo acompanhamento com a fono por mais 03 meses. No ano de 2006, trabalhei um horário dentro da sala de aula e um horário como eventual. Nesse período, fiquei menos rouca e aprendi a cuidar da minha voz [...] Em 2007, dei aula até o finalzinho de abril e aí comecei notar que estava ficando rouca novamente, estava com dores nas articulações. Tirei licença de 15 dias e depois tirei férias prêmio e fiquei só um horário. A voz apresentou melhoras” (Docente 10). “[...] Em 2007, no início de abril, a voz sumiu. Eu tive que tirar um mês de licença. Chegava no final da tarde eu já não falava mais. Eu tomei antidepressivo e fiz acompanhamento com fono” (Docente 5). Nesse momento, interessa enfatizar que três docentes entrevistados tiraram licenças médicas relacionadas a mais de um motivo. “[...] em 2005, tirei licença de 15 dias, pois não estava bem, estava deprimida. Em 2006, tirei várias licenças de 15 dias, acho que seis. 80 Tive atestados também e o motivo dessas licenças foi uma falha na articulação do lado direito do rosto - houve um desgaste de massa óssea e eu tive que colocar pino e platina no local do desgaste. Eu tinha uma má formação congênita que foi intensificada por causa do desgaste da profissão. A profissão exige que se fale muito [...] O dentista pediu o meu remanejamento. Fui remanejada para a função de eventual. Em 2007, tirei mais licenças pelo mesmo motivo que tirei no ano de 2006, tirei uma licença de 30 dias e licenças com duração menor que 15 dias” (Docente 4). “[...] tirei várias licenças nesse período de 2005 a 2007. De 15 dias, de 30 dias, de 40 dias [...] posso dizer que elas possuem motivos variados. Já fiquei de licença em 2006, 15 dias, por causa de esgotamento. Em 2007, fiquei novamente de licença de 15 dias por causa de esgotamento. Fiz acompanhamento psiquiátrico por causa do esgotamento. Não lembro o nome do remédio que tomei. Nesse mesmo ano, 2007, fiquei de licença de 30 dias e de 40 dias por causa da cirurgia de varizes que eu fiz (a gente fica muito em pé e dá nisso). Fiquei de repouso em casa” (Docente 8). “[...] no ano de 2005, tive uma conjuntivite forte e não podia ter contato com o pó de giz. Tirei licenças de 15 dias. O tratamento foi a aplicação de colírio. No ano de 2006, tive uma pneumonia muito forte, era crônica e eu tive que tirar licença por causa do pó de giz. Fui hospitalizada. No ano de 2007, tive hipertensão (desmaiei duas vezes na escola). Por causa da sobrecarga, descuidei da saúde. Tirei licença de 15 dias. Depois do que aconteceu, fiz uma bateria de exames. Vi que o meu colesterol estava alto, que o meu fígado tava com excesso de gordura ao redor dele. Procurei fazer alterações na alimentação” (Docente 9). Licenças médicas também foram concedidas aos docentes devido a: sinais de esgotamento 81 “Tirei licença por esgotamento em 2006. Foram 15 dias. Não lembro o nome do medicamento” (Docente 3). retirada do útero “Em 2006, fiz uma cirurgia de retirada do útero. A gente não tem muito tempo para cuidar da saúde. Tirei licença de 15 dias. Fiquei de repouso. Não queria me afastar da sala de aula. Não tirei licença por outro motivo. A licença é um tempo que a gente tem para cuidar da saúde, pois dar aulas ocupa muito do nosso tempo” (Docente 2). cirurgia de hérnia “O tempo que o docente tem para cuidar da saúde é pouco. A gente até fica descuidada. Em 2007, eu tirei uma licença de 30 dias para fazer uma cirurgia de hérnia. Fiquei de repouso” (Docente 6). bactéria “[...] é válido dizer que a gente não tem muito tempo para cuidar da saúde. A gente fica envolvida com as coisas da escola e acaba descuidando da saúde. Tirei licença em 2006, 15 dias, foi por motivo de saúde. Eu peguei uma bactéria e a medicação estava sendo forte e eu não consegui dar aulas nesse período. Não lembro o nome da medicação” (Docente 7). doença na família “Nesse período, já tive atestados. Em 2007, tirei uma licença de 19 dias quando soube que o meu filho estava doente. Havia a suspeita de câncer. Eu não estava bem emocionalmente, pois a sala de aula é um local desgastante e a doença do meu filho me desgastou mais. Não estava em condições de dar aulas e o período de licença me ajudou muito. Tive tempo para cuidar de mim e do meu filho. Não foi preciso 82 medicamento. Depois da licença, não fui para a sala de aula, fiquei como eventual” (Docente 14). labirintite “Tirei uma licença, nesse período, por causa da labirintite. Não lembro o ano. Foi uma tensão tão grande, me doei muito e adoeci. Tomei e tenho em casa remédio para labirintite. Tomo Rivotril por causa da minha ansiedade [...]” (Docente 15). Entre as causas do mal-estar docente (ESTEVE, 1999), os entrevistados apontaram a sobrecarga de tarefas, a pressão, a cobrança e a tensão. A fala do docente 16: “Não queria mais nada na vida. Eu estava sem energia para trabalhar na escola. Parecia que as coisas já não importavam para mim” ilustra os pressupostos teóricos de Codo & Vasques-Menezes (1999) sobre burnout. O burnout é uma desistência de quem ainda está no campo da educação. O docente 16 continuou no posto sem sonhos e sem ideais. Esse “desistir sem desistir” foi a forma que o docente encontrou para lidar com o seu sofrimento. Uma outra fala do docente 16: “Eu via o meu trabalho e não me reconhecia nele. Eu achava que nada mais tinha sentido” ilustra os pressupostos teóricos de Marx (2001) sobre processo de alienação. Tem-se a percepção de que a atividade docente, independentemente do local onde é realizada, seja em cidades pequenas ou grandes, gera sobrecarga física e mental. A hipótese de que a calma, os baixos índices de violência e de desemprego, bem como a boa qualidade de vida presentes em cidades pequenas não muda a relação que se estabelece entre a atividade docente e os processos de adoecimento foi confirmada no decorrer das entrevistas. Um fato a ser lembrado é que há 66 docentes efetivos lecionando nas escolas municipais urbanas de Santo Antônio do Monte/MG e 23 deles já tiraram licenças médicas. Alguns desses docentes já tiraram licenças mais de uma vez. 3.1.7 Reações frente às licenças 83 As licenças médicas são manifestações do mal-estar docente descrito por Esteve (1999). A reação frente às licenças médicas indica a forma pela qual cada docente lida com o seu adoecimento. Para alguns entrevistados, as licenças médicas significam um momento de descanso. “Eu gostei de tirar a licença e aceitei a licença. É um tempo pra gente poder descansar. É um tempo pra gente descansar a cabeça, aliviar a cabeça. É muito tumulto. São muitas coisas pra gente pensar” (Docente 6). “Gostei da licença e também aceitei a licença. Foi um momento de descanso. Fiquei com vontade de não voltar. Fiquei com vontade de ficar em casa” (Docente 12). Há docentes que relacionam as licenças médicas ao sofrimento. “Não queria tirar licença. Não me sinto bem tirando licença. Fico mal quando isso acontece” (Docente 2). “Me senti mal” (Docente 3). “Me sinto mal com as licenças. Mostro os laudos para comprovar o que estou dizendo” (Docente 4). “A gente sente mal por isso. Tirei a licença, mas não gostei, pois não gosto de faltar” (Docente 7). “[...] Não me sinto bem tirando licença [...] eu me sinto mal, porque eu acho que fica parecendo que a gente está incapacitada, incapaz para as atividades e eu trabalhei tanto tempo e gosto do que faço [...] Acho que, no meu caso, poderia ter sido feito alguma coisa que ajudasse no meu problema e nada foi feito. Há docentes que dão aula por dar. Há docentes que dão aula porque gostam e esse é o meu caso” (Docente 11). 84 “Fiquei triste porque não gosto de tirar licença. Não gosto de me afastar da sala de aula. Quando fiquei de licença, eu sofri muito” (Docente 15). “[...] foi muito difícil tirar a licença. Eu sofri muito. Não queria aceitar que aquilo estivesse acontecendo comigo. Eu chorava muito, transpirava muito [...]” (Docente 13). O sentimento de culpa mediante a licença médica também foi citado durante as entrevistas. “[...] Senti culpa por tirar a licença [...] existe uma ficha de avaliação do docente que é preenchida no final de ano. Se você tiver muitas faltas ou licenças, isso prejudica o resultado da avaliação” (Docente 14). Boa parte dos docentes entrevistados não queriam tirar as licenças médicas devido a vários motivos, entre eles, cita-se a discriminação. Os entrevistados deram uma ênfase maior à discriminação por causa das licenças médicas. “[...] Parece que a gente tá tirando uma coisa que não é da gente. Quando o otorrino me deu a licença, eu não queria e disse a ele que iria dar as aulas. Quando retornei lá, ele foi bem taxativo, então, tirei a licença. Há muita discriminação, fica parecendo que não é necessário, que a escola precisa mais de você, que você dessa licença. Só de você chegar com o atestado ou com a licença, todo mundo te olha” (Docente 5). “Fiquei muito triste [...] porque o pessoal não encara você como uma pessoa que tá precisando. Quando eu voltei para a escola, parecia que alguns colegas não queriam que eu voltasse, queriam que eu desistisse do cargo. Eu tirei licenças porque eu precisava” (Docente 8). 85 “Foi péssimo. Pensam que a gente está tirando sem motivo. As pessoas não entendem. Não é bom tirar licença” (Docente 16). Podem-se citar outros motivos pelos quais os docentes não queriam tirar as licenças médicas: “Não gosto de faltar e nem de adoecer, porque a gente perde a identidade do aluno e o vínculo de afetividade” (Docente 1). “Detesto tirar licença [...] a gente perde o contato com os alunos [...] eles acostumam com a gente e a gente se torna uma segunda mãe deles. Não é do meu feitio tirar licença” (Docente 9). “[...] ia muito na escola. O meu marido me disse: “vão pensar que você não está doente porque você vai todo dia na escola”. Eu ia porque tinha loucura com a minha turma. Eu havia me apegado muito a essa turma [...]” (Docente 10) Embasando-se na literatura consultada, pode-se afirmar que os docentes entrevistados vendem a sua força de trabalho (MARX, 2006) para uma instituição educacional municipal. Esses docentes realizam atividades profissionais de grande valor de uso e são remunerados. Durante as licenças médicas, não há como os docentes venderem sua força de trabalho (MARX, 2006). Desse modo, os docentes vivenciam situações de inutilidade e de indignidade (HOBSBAWM, 1996). A fala do docente 16 ilustra o sentimento de inutilidade: “[...] Não é bom tirar licença. Quando a gente não consegue trabalhar, fica parecendo que a gente é inútil. É muito melhor a gente levantar e ir para o trabalho”. 3.1.8 Percepções sobre a possível relação entre a atividade docente e o adoecimento 86 Assim como na maioria das pesquisas realizadas, no Brasil e no exterior, em Santo Antônio do Monte/MG também há um consenso quanto ao caráter estressante da atividade docente. Dos docentes entrevistados, 15 consideram que há uma relação entre a atividade docente e o adoecimento. “Alguns docentes aproveitam da situação e dizem que estão doentes, mas muitos andam sobrecarregados. Os docentes adoecem porque não agüentam essa sobrecarga” (Docente 1). “[...] acho que existe uma relação entre a atividade docente e o adoecimento. Muitos docentes estão adoecendo. É muita pressão, cobrança” (Docente 3). “Só trabalha sem adoecer quando se está feliz e muitos docentes continuam na educação sem motivação nenhuma [...]” (Docente 4). “Há relação entre a atividade docente e o adoecimento. E nada é feito [...] no meu caso, foi a voz. Não há palestras que ensinem a usar adequadamente a voz [...] o quadro de giz, que já é substituível, não mudou. Nenhuma medida foi feita para evitar que o docente adoeça [...]” (Docente 5). “Acho que tem relação entre a atividade docente e o adoecimento. A caminhada é longa e difícil [...] quase tudo é o docente que tem que resolver. Uma mãe já me falou que, se eu quisesse bater, que eu podia. Já teve momentos que eu fui autorizada a ser mãe [...] A cirurgia que fiz não tem a ver diretamente com a minha profissão. Acho que poderia ter feito antes se eu tivesse tido mais tempo para cuidar de mim” (Docente 6). “Existe uma relação entre a docência e o adoecimento [...] a escola absorve muito do nosso tempo e não passa orientações para que os docentes enfrentem o dia-a-dia sem muito estresse” (Docente 7). 87 “Acho que ser docente adoece. Eu adoeci. Conheço colegas que também adoeceram. A gente adoece por não ter uma boa qualidade de vida. Quando menos esperamos, sentimos que estamos doentes. O corpo dá sinais, só que a gente acha que dá para continuar [...]” (Docente 8). “Acho que todo profissional que é muito cobrado, infelizmente tá correndo risco de adoecer, mas o docente corre mais esse risco [...] existe mesmo a relação entre a docência e o adoecimento [...] é muita cobrança dos pais, dos supervisores e da sociedade em geral e isso nos prejudica e nos leva ao adoecimento [...]” (Docente 9). “Existe relação entre a docência e os casos de adoecimento [...] Quando fico nervosa e estressada na sala de aula é a minha voz que é afetada. O dia que a turma está mais difícil é o dia que a minha voz é mais prejudicada” (Docente 10). “Adoecer adoece. Meu caso foi nas cordas vocais, mas tem casos de docente que adoeceu com depressão. Uma outra doença que vai surgir é a LER por causa dos trabalhos repetitivos (muito recorte, muito trabalho para correção) [...]” (Docente 11). “O docente adoece com certeza e não há orientações para prevenção [...] Eu tirei pouca licença, mas tem docente tirando licença uma atrás da outra, com todo tipo de doença: nervoso, estresse, problema na fala, depressão. Em 2007, quase que tirei outra licença por causa do estresse. Eu acho que estou com problema no braço, com problema de coluna e estou com varizes (a gente fica muito tempo em pé) [...]” (Docente 12). “[...] acho que existe relação entre a docência e o adoecimento. Aconteceu comigo. É muita pressão, cobrança, tudo é dever do docente. Tudo é o docente que tem que resolver [...]” (Docente 13) 88 “[...] a cobrança deixa a gente abalada fisicamente e emocionalmente. É muita cobrança. Sinto dores de cabeça. Já tive que internar por causa da glicose baixa. Sempre fico por último na lista de prioridades. Já tive problema de rins porque segurava para não ir ao banheiro. A gente é muito cobrada, então a gente acha que tem que dar conta de tudo e rápido [...] No horário do recreio, são 10 minutos, a gente tem que merendar e olhar as crianças [...] Acho que ser docente não é fácil. É uma profissão que acaba prejudicando a nossa saúde” (Docente 14). “É muita pressão e cobrança. Diante das cobranças, não há quem diga que não vai adoecer. Eu já adoeci e já vi docente ao meu redor doente [...] Há casos de depressão, de varizes, calos nas cordas vocais” (Docente 15). “[...] Dar aulas adoece? Adoece. Trabalhar na escola adoece? Adoece. Independente de estar dentro ou fora da sala de aula. A educação escolar é uma área muito pesada. Parece que só a educação escolar pode resolver tudo. É uma área muito pesada. Porque a gente é cobrada, estou falando só de direção da escola não. Todo mundo cobra: a família cobra, o aluno cobra [...]” (Docente 16). Um dos entrevistados considera que os docentes adoecem, mas vai depender do jeito que eles encaram as coisas. “O docente adoece, mas depende do jeito que ele encara as coisas. Se ele quiser fazer tudo de uma vez, acho que ele adoece com mais facilidade. Para mim, cada coisa é ao seu tempo. A qualidade de vida que a gente leva determina se a gente vai adoecer ou não” (Docente 2). Acredita-se que a atividade docente poderia ser uma fonte de realização pessoal e profissional e, no entanto, está se tornando penosa e frustrante. Nas escolas de Santo Antônio 89 do Monte/MG, os docentes se queixam dos alunos, da falta de apoio dos pais, da desvalorização da profissão, do salário. Mas nos consultórios, para os médicos que lhes concedem licenças para tratamento de saúde, as queixas e os sintomas apresentados mais freqüentemente são outros: depressão, problemas relacionados à voz, esgotamento, hipertensão, etc. Os docentes entrevistados queixam-se de que sofrem e adoecem. Quando adoecem, afastam-se da sala de aula e, às vezes, definitivamente, da escola. Do ponto de vista sociológico, a escola é o lugar do ordenamento, da estabilidade, do controle. Desse modo, o mal-estar é recusado. Há uma resistência da escola em reconhecer esse mal-estar. A escola teme ser desestabilizada ao reconhecer que o mal-estar existe. A fala do docente 11: “Na minha opinião, na educação escolar, está faltando mais o lado humano, porque nem todo dia você está bem e as pessoas não estão nem aí para o que a gente está sentindo, às vezes mal falam um bom dia [...]” ilustra bem a negação do mal-estar. A negação de qualquer mal-estar pela escola possui conseqüências: “a instituição, quando sutura o mal-estar, transforma-o [ela mesma] em fonte de mal-estar” (DINIZ, 1998, p. 205). A responsabilização dos docentes em Santo Antônio do Monte/MG apresenta-se como uma das fontes de mal-estar e de sofrimento psíquico para estes profissionais. A lista de competências que os docentes devem possuir aumenta na mesma medida que seu sentimento de inadequação e medo de fracassar. Toda a responsabilidade depositada sobre os docentes passou a ser percebida pelos mesmos como uma sobrecarga. Pode-se dizer que essa hipótese foi confirmada durante as entrevistas. O caráter quase redentor atribuído à educação escolar, como se somente a partir dela fosse possível iniciar a construção de novos paradigmas de convivência na sociedade, está recaindo de forma pesada sobre os ombros dos docentes residentes em Santo Antônio do Monte/MG e, em muitos casos, o resultado disso é o adoecimento dos mesmos. 3.1.9 Estratégias adotadas pelos docentes frente ao seu adoecimento Cada vez mais, é exigido que os docentes ofereçam qualidade de ensino dentro de um sistema de massa. Nota-se que muitos docentes estão com excesso de atividades. 90 O exercício da atividade docente na escola pública é complexo, abarcando inúmeras problemáticas que envolvem desde aspectos macros - como a globalização, as transformações no mercado de trabalho, entre outros - até questões do cotidiano em sala de aula, como, por exemplo, a desmotivação dos alunos. O estado atual em que os docentes exercem suas atividades tem chamado a atenção devido ao grande número de adoecimentos e afastamentos desses profissionais. Em Santo Antônio do Monte/MG, muitos docentes não ficaram estáticos frente ao seu adoecimento. Ao contrário, criaram estratégias, inclusive para não adoecer. A religiosidade é a principal estratégia citada pelos docentes. “Rezo. Rezo muito” (Docente 1). “Vou ao grupo de oração e rezo para não adoecer e para me libertar de qualquer mal-estar que esteja sentindo” (Docente 2). “A minha estratégia para tentar não adoecer é rezar” (Docente 3). “[...] a fé, participo de muitos eventos dentro da igreja [...]” (Docente 10). Em segundo lugar, vem a busca da melhoria da qualidade de vida. “[...] estou tentando melhorar a minha qualidade de vida; não faço coisas da escola no final de semana” (Docente 6). “Uma estratégia pra não adoecer é diminuir o ritmo [...] a gente tenta não adoecer e, quando a gente adoece, é preciso diminuir o ritmo” (Docente 7). “[...] busco ter uma alimentação saudável quando estou bem de saúde e quando não estou. Para tentar não adoecer, tô tentando ter uma alimentação saudável” (Docente 9). 91 Estratégias relacionadas à esperança e às recomendações de profissionais ocupam o terceiro lugar. “Tento acreditar que tudo se resolve. Essa é a estratégia que tenho adotado para não adoecer ou para sair do adoecimento” (Docente 15). “Eu adoeci. Ainda estou na educação escolar porque acredito no ser humano. Porque eu já falei que o dia que eu deixar de acreditar no ser humano eu vou fazer veterinária. Ainda acredito que as coisas vão mudar pra melhor. Tem que mudar porque não é possível a educação escolar continuar do jeito que está. Acreditar que vai mudar é a minha estratégia frente ao adoecimento” (Docente 16). “A estratégia que uso para tentar preservar a minha voz é o que a fono indicou. Tento não ficar nervosa e tomar água. A minha estratégia para não perder a voz é tentar não ficar nervosa e tomar água” (Docente 5). “Tomo água direto, sempre hidratando a voz porque eu começo a falar muito e o primeiro sintoma é a tosse [...] Sempre tomo muita água e faço os exercícios da fono, os exercícios que aprendi com a fono [...]” (Docente 11). Há também as estratégias relacionadas às novas perspectivas de atuação profissional. “A estratégia que uso para tentar não ficar pior do que já estou: lembro da nova faculdade que estou fazendo. Penso que estou fazendo a faculdade e que o curso que estou fazendo abre novas perspectivas de trabalho” (Docente 4). O distanciamento dos problemas da escola está entre as estratégias usadas pelos docentes entrevistados. Aqui, não há o distanciamento físico, ou seja, o docente comparece à 92 escola, cumpre as obrigações burocráticas, mas executa essas atividades dentro de um limite que representa o mínimo necessário para manter-se no emprego. “Tento me desligar dos problemas da escola para não adoecer, penso que não é comigo. Tem vezes que eu consigo fazer isso e tem outras vezes que não dá” (Docente 13). Uma outra estratégia citada durante as entrevistas é o uso dos feriados. Eles significam um recurso de “fuga” às adversidades cotidianas e reduzem o tempo de se defrontar com a sala de aula e com os problemas que dela advêm. “Os feriados podem ser vistos como estratégias. Servem para a gente tentar sair do adoecimento ou para tentar não adoecer, eles representam uma ilha de salvação. Pena que esse ano não tem muito feriado, tem uma semana de folga em outubro” (Docente 12). A organização do tempo também foi citada como estratégia. “Organizo o meu tempo. A estratégia para tentar não adoecer é a organização do tempo. Para sair do adoecimento, é também a organização do tempo” (Docente 14). Afastar-se das atividades configura uma estratégia de defesa construída pelo docente entrevistado. “[...] tenho a fama dos atestados e eu tiro mesmo, se eu preciso, eu tiro mesmo [...] acho que quem é docente é vulnerável às doenças, não tem jeito” (Docente 8). Alerta-se para o fato de que as queixas e as lamúrias imobilizam e impedem um processo ativo e transformador, representado pela crítica-reflexão-ação. É fundamental que os docentes sempre busquem tornar a profissão menos desgastante. 93 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES A partir da realização das entrevistas, foi possível compreender que, na sociedade contemporânea, os docentes atuam sob condições sociais e históricas adversas: o pleno desempenho de suas atividades, a transmissão e a apropriação de saberes práticos mostram-se aprisionados pela lógica do modo de produção, que submete ou busca submeter toda a ação a uma funcionalidade do capital: formar o futuro profissional e criar capacidades e habilidades com a finalidade de produzir um profissional flexível, polivalente e competitivo. Além disso, é válido destacar que apresentam-se outras situações adversas, pois os docentes, submetidos às exigências atuais do mercado de trabalho, podem apresentar no corpo as marcas do sofrimento sob a forma de doenças ocupacionais. Nota-se que o global se repete no local. Assim como em várias cidades do mundo: Hong Kong, Nova Iorque, Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis e Salvador, Santo Antônio do Monte/MG também apresenta casos de adoecimento docente. Baseando-se nessa informação, pode-se inferir que há uma relação entre a atividade docente e o adoecimento. A atividade docente possui características peculiares, geradoras de problemas físicos e psíquicos. Diferente de muitas profissões, a atividade docente reveste-se de peculiaridades que, muitas vezes, não são levadas em conta. Podem-se citar como peculiaridades da atividade docente a necessidade do estudo continuado e o trabalho extra-classe. Independentemente do local onde os docentes lecionam, vê-se que as suas atividades continuam além da sala de aula. Provas devem ser corrigidas, figuras devem ser recortadas para ilustrar os novos conteúdos, exercícios de fixação devem ser elaborados. Enfim, as tarefas continuam e nem por isso há uma compensação financeira ou mesmo o reconhecimento social merecido. O conteúdo das entrevistas revelou que os docentes podem adoecer em qualquer localidade, seja em cidades grandes ou pequenas. Acredita-se que medidas devem ser tomadas com o objetivo de ajudar os docentes em suas atividades profissionais. Entende-se que a assistência à saúde dos docentes não deveria estar relacionada apenas aos exames admissionais, mudanças de cargos ou mesmo rescisórios ou quando os docentes afastam-se de suas atividades por doenças ocupacionais. 94 Torna-se viável a elaboração de ações educativas, visando sempre à promoção da saúde e à prevenção de doenças. As ações educativas podem acontecer no processo de formação dos docentes e durante todo o exercício da atividade docente. Recomenda-se que, por meio das políticas vigentes, a Secretaria de Saúde e da Educação de Santo Antônio do Monte/MG redimensionem e reestruturem a atenção à saúde dos docentes, visando a interpretar mais precocemente os possíveis sinais de adoecimento dos mesmos. Também será necessário traçar linhas de ações que consolidem uma política de valorização do docente, a fim de que se possam minimizar os afastamentos. É útil que os docentes recebam informações que sirvam de alerta para o risco de disfonias ocupacionais, de problemas posturais, problemas respiratórios, bem como problemas psicológicos e psiquiátricos. Propõe-se um trabalho transdisciplinar a ser desenvolvido pelos profissionais da Prefeitura Municipal de Santo Antônio do Monte/MG: psicólogos, pedagogos, fonoaudiólogos, médicos e fisioterapeutas. O uso dos conhecimentos dessas diversas áreas abrirá um caminho na direção mais próxima das reais necessidades dos docentes. Já dizia Chanlat (1992) que a visão estreita e parcelada precisa ser combatida, pois a apreensão da totalidade do indivíduo nas organizações não será esgotada por nenhuma abordagem isolada. Destaca-se que a transdisciplinaridade pode facilitar o delineamento de novos serviços e a elaboração de ações eficazes em saúde coletiva direcionadas aos docentes. “A transdisciplinaridade comparece como uma abordagem alternativa para a produção de conhecimento” (ALMEIDA FILHO, 2000, p. 13). Freitas & Morim (1994), no Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, realizado em Portugal, afirmaram: [...] a transdisciplinaridade é complementar à aproximação disciplinar: faz emergir da confrontação das disciplinas dados novos que as articulam entre si; oferece-nos uma nova visão da natureza e da realidade. A transdisciplinaridade não procura o domínio sobre as várias outras disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravessa e as ultrapassa. Também recomenda-se o desenvolvimento de um plano de ação voltado para a adequação acústica, térmica e luminosa das escolas municipais, indicando pistas para futuros projetos arquitetônicos. A sensibilização dos alunos, dos pais e da sociedade como um todo para os aspectos relacionados ao adoecimento dos docentes é uma outra ação que pode facilitar a concretização de estratégias de preservação desses profissionais. 95 Considera-se essencial que as escolas de Santo Antônio do Monte/MG transformem-se em locais onde se discuta sobre a saúde e o adoecimento dos docentes. Gonçalves (2003) afirma que, embora as escolas sejam locais onde acontece a formação da classe trabalhadora, campanhas de prevenção às doenças ocupacionais não são desenvolvidas nelas. Devido a sua abrangência, o setor educacional revela-se como “[...] um aliado importante para a concretização de ações [...] voltadas para o fortalecimento das capacidades dos indivíduos [...] para a consolidação de uma política intersetorial voltada para a qualidade de vida, pautada no respeito ao indivíduo [...]” (BRASIL, 2002, p. 533). Há de se construir, nas escolas, um espaço de escuta dos docentes. Fundamentalmente, os docentes precisam de “uma presença humana que escute” (DOLTO, 1980, p.13). Alerta-se para a necessidade que os docentes têm de ser ouvidos. Por muitas vezes, os docentes entrevistados expressaram que as atividades profissionais que realizam são pouco significativas e pouco valorizadas. “Professores, como todas as pessoas, precisam sentir-se importantes, amados e de alguma forma especiais” (FARBER, 1999, p. 165). Um espaço de escuta direcionado aos docentes contribuirá para que eles se sintam mais valorizados. E, no que se refere aos docentes e ao que eles podem fazer para si, espera-se que respeitem “[...] os limites do próprio corpo [...], pois se constituem em importante referência de profissional para seus alunos [...]” (GONÇALVES, 2003, p. 168-169). Por fim, ressalta-se que o bem-estar dos docentes na contemporaneidade depende de múltiplos fatores externos, mas também, e muito, deles próprios, visto que os mesmos podem dar vários passos para melhorar a sua situação. “[...] as soluções para os problemas advindos [do exercício da atividade docente] devem, igualmente, ser construídas coletivamente, facilitando assim a promoção das condições para que as mudanças necessárias se viabilizem” (GONÇALVES, 2003, p. 170). Observa-se que as estratégias de intervenção de maior eficácia são as que partem dos docentes, pois eles possuem um conhecimento mais profundo de suas atividades. É indicado que os docentes tenham consciência do que está acontecendo objetivamente em suas aulas e em seu cotidiano, para que percebam até que ponto é necessário modificar sua postura para não sofrer ainda mais com a realidade vivenciada. 96 REFERÊNCIAS AKKARI, A. J. Desigualdades educativas estruturais no Brasil: entre Estado, privatização e descentralização. Educação & Sociedade. Campinas, v. 22, n. 74, p. 163-189, abr. 2001. Giovanni Antônio Pinto. Dimensões da Reestruturação Produtiva - Ensaios de Sociologia do Trabalho. 2. ed. Londrina: Editora Práxis, 2007. 298 p. ALVES, Naomar. Intersetorialidade, transdisciplinaridade e saúde coletiva: atualizando um debate em aberto. Revista de Administração Pública. v. 34, n. 6, nov./dez. 2000. ALMEIDA FILHO, Ezequiel. Introducción a las técnicas de investigación social: para trabajadores sociales. 7. ed. Buenos Aires: Humanitas, 1978. 167 p. ANDER-EGG, ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: GENTILI, Pablo; SADER, Emir (Orgs.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 9-23. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e negação do balho. São Paulo: Boitempo, 1999. 258 p. tra- Michel W. Trabalho docente e textos: economia política das relações de classe e de gênero na educação. Trad. de Tomaz Tadeu da Silva e Vera Maria Moreira. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1995. 218 p. APPLE, Carlos Henrique; LUZIO, Nildo. Para superar o fracasso escolar. Jornal de Brasília, Brasília, 3 out. 2005. Caderno Educação, p. 13. ARAÚJO, ARAÚJO, Tânia Maria; SILVANY NETO, Annibal Muniz; REIS, Eduardo J. F. B.; KAVALKIEVICZ, Cristina; ALENCAR, Doris. Condições de trabalho e saúde dos professores da rede particular de ensino na Bahia: estudo piloto. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. São Paulo, v. 91-92, n. 24, p. 115-124, 1998. Hannah. A Condição Humana. 10. ed. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. 352 p. ARENDT, 97 Laurence. Análise de conteúdo. Trad. de Luiz Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 1979. 223 p. BARDIN, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Trad. Carmen C. Varriale et al. 4 ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1992. v. 2. 1318 p. BOBBIO, Tom (Coord.). Dicionário do Pensamento Marxista. 5. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. 454 p. BOTTOMORE, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Brasília: Diário Oficial da União, nº 248, Seção I, p. 27833-41, dez. 1996. BRASIL ______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. 126 p. ______. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Parecer 16/99, aprovado em 05 de outubro de 1999. Documenta, Brasília, n. 457, p. 3-73, out. 1999. Fixa Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação profissional de nível técnico. ______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2007. Disponível em: <http://wwww.ibge.gov.br>. Acesso em: 24 nov. 2007. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. A promoção da saúde no contexto escolar. Rev. Saúde Pública. São Paulo, v. 36, n. 4, p. 533-535, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci>. Acesso em: 21 de Janeiro de 2007. BRAVERMAN, Harry. Trabalho e Capital Monopolista: A Degradação do Trabalho no Século XX. Trad. Nathanael C. Caxeiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S. A., 1987. 379 p. Jussara Cruz; ATHAYDE, Milton; NEVES, Mary Yale Rodrigues. Projeto de Pesquisa: relações de gênero, precarização do trabalho e saúde. Rio de Janeiro: CESTEH/FIOCRUZ, 2000. 61 p. BRITO, BRENNER, Robert. A crise emergente do capitalismo mundial: do Neoliberalismo à Depressão? Revista Outubro. São Paulo, v. 7, n. 3, p. 7-18, maio 1999. 98 Márcio de Matos; SOAREZ, Elena. As Relações de Amizade em São João Nepomuceno. Rio de Janeiro: PPGAS/Museu Nacional/UFRJ, 1989. 95 p. Relatório. CANIELLO, Fernando José Cardim. Bretton Woods aos 60 anos. Novos Estudos CEBRAP. São Paulo, v. 70, p. 51-63, 2004. CARVALHO, Centro de Estudos e Saúde do Trabalhador – SESAB/BA. Análise de Demanda do Ambulatório. Salvador, 1995. CESAT. CHAN, D. W. Hardiness and its role in the stress-burnout relationship among prospective chinese teachers in Hong Kong. Teaching and Teacher Education, v. 19, p. 381-395, 2003. CHANLAT, CHANLAT, Jean-François. Por uma antropologia da condição humana nas organizações. In: Jean-François (Cood.). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Editora Atlas S.A, 1992. p. 205-225. CODO, Wanderley; VASQUES-MENEZES, Iône. O que é Burnout? In: CODO, Wanderley (Coord.). Educação: carinho e trabalho. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. 432 p. Luiz Antônio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980. 293 p. CUNHA, DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir: Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. São Paulo: Cortez, 1998. p. 1932. Adriana; VASCO, Ediméri Stadler; SILVA, Sérgio Aguilar. História: trabalho, cultura e poder. 21. ed. Curitiba: Base Editora, 2007. v. 3, 600 p. DELL’AGOSTINO, DINIZ, Margareth. De que sofrem as mulheres-professoras? In: LOPES, Eliane Marta Teixeira Lopes (Org.). A psicanálise escuta a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. p. 71-106. Françoise. Prefácio. In: MANNONI, Maud. A primeira entrevista em psicanálise. Rio de Janeiro: Campus, 1980. p. 9-30. DOLTO, Ladislau. A reprodução social: propostas para uma gestão transformadora. Petrópolis: Vozes, 1998. 438 p. DOWBOR, 99 Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Organizado por Michael Schroter. Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1994. 201 p. ELIAS, Mariano Fernández. A face oculta da escola: educação e trabalho no capitalismo. Trad. Tomaz Tadeu da Silva. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1989, 252 p. ENGUITA, ______.______.A ambigüidade da docência: entre o profissionalismo e a proletarização. Revista Teoria & Educação. Porto Alegre, n. 4, p.41-61, 1991. José Manuel. O mal-estar docente: a sala-de-aula e a saúde dos professores. Trad. de Durley de Carvalho Cavicchia. Bauru: EDUSC. 1999. 175 p. ESTEVE, FALCON, Francisco José Calazans. O capitalismo FILHO, Daniel Aarão; ZENHA, Celeste (Orgs.). O unifica o mundo. In: FERREIRA, Jorge; REIS Século XX: O Tempo das Certezas - Da formação do capitalismo à Primeira Grande Guerra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. v. 1. p. 11-76. FARBER, B. A. VANDERBERGUE, Inconsequentiality – The key to understanding teacher burnout. In: R.; HUBERMAN, M. A. (Eds.). Understanding and preventing teacher burnout: a source book of international practice and research. Cambridge: Cambridge University Press, 1999, p.159-165. FRANÇA, Lessa Júnia; VASCONCELLOS, Ana Cristina. Manual para Normalização de Publicações Técnico-Científicas. 8. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. 255 p. Marco Antônio de Castro. O Trabalho Alienado e o Psicólogo do Trabalho. São Paulo: Edicon, 1989. 97 p. FIGUEIREDO, Célia Rodrigues. Matrículas escolares. Santo Antônio do Monte, 2 jan. 2008. 1 fita cassete (60 min.). Entrevista concedida a Renata Cristine de Oliveira. FILGUEIRAS, FOGAÇA, Azuete. Educação e qualificação profissional nos anos 90: o discurso e o fato. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; DUARTE, Marisa R. T. (Orgs.). Política e trabalho na escola: administração dos sistemas públicos de educação básica. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 256 p. FONSECA, GENTILI, Marília. O Banco Mundial e a educação: reflexões sobre o caso brasileiro. In: Pablo (Org.). Pedagogia da exclusão: o neoliberalismo e a crise da escola pública. Petrópolis:Vozes, 1995. p. 169-195. 100 FREITAS, Helena Costa Lopes de. Certificação docente e a formação do educador: regulação e desprofissionalização. Educação & Sociedade. Campinas, v. 24, n. 85, p. 1095-1124, dez. 2003. FREITAS, Lima de ; MORIN, Edgar; NICOLESCU, Basarab. Carta da Transdisciplinaridade. In: CONGRESSO MUNDIAL DE TRANSDISCIPLINARIDADE, 1., 1994, Convento de Arrábida, Portugal. Disponível em: <http://www.cetrans.futuro.usp.br/htm>. Acesso em: 21 de Janeiro de 2007. Gaudêncio. Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século. Petrópolis: Vozes, 1998. 230 p. FRIGOTTO, GASPARINI, Sandra M.; BARRETO, Sandhi M.; ASSUNÇÃO, Ada A. O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 31, n. 2, p. 189199, maio/agosto 2005. Anthony. Sociologia. 4ªed. rev. e atualizada. Trad. Alexandra Figueiredo et al. Revisão Técnica: José Manuel Sobral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. 725 p. GIDDENS, Luciana. Trabalho multifacetado de professores/as: a saúde entre limites. 2002. 121 f. Dissertação (mestrado) - Escola Nacional de Saúde. Fundação Osvaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2002. GOMES, GOMES, Romeu. A análise de dados em pesquisa qualitativa. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 9-29. Gustavo Bruno Bicalho. Uso profissional da voz em sala de aula e organização do trabalho docente. 2003. 176 f. Dissertação (mestrado) - Programa de PósGraduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, 2003. GONÇALVES, HADDAD, Sérgio. A educação continuada e as políticas públicas no Brasil. In: RIBEIRO, Vera Marsagão (Org.). Educação de jovens e adultos: novos leitores, novas leituras. Campinas: Mercado de Letras/Associação de Leitura do Brasil-ALB, São Paulo: Ação Educativa, 2001. p. 191-199. David. Condição pós-moderna. 4.ed. Trad. Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 1994. 378 p. HARVEY, HYPÓLITO, Álvaro Moreira. Trabalho docente, classe social e relações de gênero. Campinas: Papirus, 1997. v. 1, 120 p. 101 Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. 2. ed. Trad. Marcos Santarrita. Revisão Técnica: Maria Célia Paoli. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 598 p. HOBSBAWM, ______.______. A era do capital: 1848-1875. Trad. Luciano Costa Neto. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. 459 p. Leo. História da riqueza do homem. Trad. de Waltensir Dutra. 11. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. 213 p. HUBERMAN, Dominique. Les trois couleurs du tableau noir - La Révolution. Paris: Éditions Belin, 1981. 100 p. JULIA, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia Científica. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. 305 p. LAKATOS, LAPO, Flavinês Rebolo; BUENO, Belmira Oliveira. Os Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 118, p. 65-88, mar. 2003. Henri. A Cidade do Capital. Trad. Maria Helena R. Ramos e Marilena Jamur. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. 180 p. LEFEBVRE, _____.______. Lógica Formal/Lógica Dialética. Trad. de Carlos N. Coutinho. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. 301 p. José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira; TOSCHI, Mirza Seabra. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2005. 408 p. LIBÂNEO, LINHARES, LINHARES, Célia. Professores entre reformas escolares e reinvenções educacionais. In: Célia (Org.). Os professores e a reinvenção da escola: Brasil e Espanha. São Paulo: Cortez, 2001. p. 137-172. Rose Mary Juliano. A qualidade total começa e termina com a educação. Diretoria de Políticas Sociais: IPEA. Relatório Interno. n. 06/95, jul. 1995. LONGO, LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986. 131 p. 102 Nilson José. Sobre a idéia de competência. In: PERRENOUD, Philippe (Org.). As competências para ensinar no século XXI – a formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2002. p. 137-156. MACHADO, MAIO, Marcos Chor; SÁ, Magali Romero. Ciência na periferia: a Unesco, a proposta de criação do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica e as origens do Inpa. História, Ciências, Saúde — Manguinhos. Rio de Janeiro, v. 6, suplemento, p. 975-1017, set. 2000. Mario Alighiero. História da Educação: da antigüidade aos novos dias. Trad. de Gaetano Lo Monaco. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2002. 384 p. MANACORDA, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. Trad. de Maria Lúcia Como. 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997. 67 p. (Coleção Leituras). MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Volume I. 24. ed. Trad. Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 13-571. MARX, _____.______.______. Volume II. 20. ed. Trad. Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 577-929. _____.______. Manuscritos econômico-filosóficos. Trad. Alex Martins. São Paulo: Martin Claret, 2001. p. 110-122. Deolinda; VALLES, Iris; KOHEN, Jorge. Salud y trabajo docente: tramas do malestar en la escuela. Buenos Aires: Ed. Kapelutsz, 1997. 100 p. MARTÍNEZ, Guiomar Namo de. Educação escolar brasileira: o que trouxemos do século XX? Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2004. 213 p. MELLO, MESSING, Karen; SEIFERT, Ana Maria; ESCALONA, Evelin. El minuto de 120 segundos: analizar la actividad de trabajo para prevenir problemas de salud mental en educadoras de escuelas primarias. Salud de los trabajadores. Buenos Aires, v. 7, n. 2, 1999. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 2004. 269 p. MIRANDA, Kênia. O processo de trabalho docente: interfaces entre a produção e a escola. Boletim Técnico SENAC. Rio de Janeiro, v. 32, n. 2, p. 38-48, maio/agosto 2006. 103 Claúdio. “Emprego ou empregabilidade”. Revista Ícaro Brasil. São Paulo, v. 162, n. 171, p. 53-57, nov. 1998. MORAES, MOREIRA, João Carlos; Scipione, 2005. 72 p. SENE, Eustáquio. Geografia para o Ensino Médio. São Paulo: MOSQUERA, Juan José Mouriño; STOBÄUS, Claus Dieter. O mal-estar na docência: causas e conseqüências. Educação. Porto Alegre/RS, ano XIX, n. 31, p. 139-146, 1996. M. M. B. Condições do exercício profissional da professora e dos possíveis efeitos sobre a saúde: estudo de casos das professoras do Ensino Fundamental em uma escola pública de Montes Claros. 2001. 157 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de PósGraduação da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, 2001. NORONHA, NÓVOA, António. O passado e o presente dos professores. In: Profissão Professor. Porto: Porto, 1991. p. 9-32. NÓVOA, António (Org.). Maria Lúcia; TEIXEIRA, Rita P. Burnout na carreira acadêmica. Educação. Porto Alegre/RS, ano XXIII, n. 41, p. 147-164, 2000. NUNES, OLIVEIRA, Amaury Porto. Coréia do Sul e Taiwan enfrentam o desafio da industrialização tardia. Estudos Avançados. v.7, n. 17, p. 1-19, 1993. Dalila Andrade. Condições de trabalho, gênero e saúde: sofrimento e estresse: um estudo de caso com os profissionais docentes do ensino superior. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 13-35. OLIVEIRA, ______.______. As reformas educacionais e suas repercussões sobre o trabalho docente. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade (Org.). Reformas educacionais na América Latina e os trabalhadores docentes. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 13-35. ______.______. Educação Básica: gestão do trabalho e da pobreza. Petrópolis: Vozes, 2000. 361 p. ______. ______. A reestruturação do trabalho docente: precarização e flexibilização. Educação & Sociedade. Campinas, v. 25, n. 89, p. 1127-1144, set./dez. 2004. João F.; LIBÂNEO, José C. A educação escolar: sociedade contemporânea. Revista Fragmentos de Cultura. v. 8, n.3, p. 597-612, 1998. OLIVEIRA, 104 ORTIZ, Helen Scorsatto. Globalização e Neoliberalismo: breves apontamentos acerca de seus efeitos. Revista Semina. v. 4, n.1, p. 1-11, 2005. Organização Internacional do Trabalho. Empleo y Condiciones de Trabajo del Personal Docente. Ginebra. Oficina Internacional del Trabajo. 1981 OIT. _____. ______. La Situacion del Personal Docente. Ginebra. Oficina Internacional del Trabajo. 1984. ______. ______. Personal Docente: los retos del decenio de 1990. Ginebra. Oficina Internacional del Trabajo. 1991. Lucyelle Cristina. Capitalismo e Educação. Revista Faz Ciência. Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Campus de Francisco Beltrão, v. 8, n. 1, p. 325341, nov. 2006. PASQUALOTTO, Sidônio. Excelência em fogos. Jornal do SINDIEMG: Gestão 2002 a 2006. Belo Horizonte, n.1 , p. 2, nov. 2006. PATUSCO, Antônio; LIMA, Lizânias de Souza. História da Civilização Ocidental. 2. ed. São Paulo: FTD, 2005. 120 p. PEDRO, PERRENOUD, Phillippe. Dez novas competências para uma nova profissão. Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. 192 p. ______.______. Construir as competências desde a escola. Trad. Bruno Charles Magne. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. 90 p. PITHERS, Robert; FOGARTY, Gerard. Symposium on teacher stress: occupational stress among vocational teachers. British Journal of Educational Psychology, v. 65, p. 3-14, 1995. Jeremy. O fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho. Trad. Ruth G. Bahr. São Paulo: Makron Books, 1995. 348 p. RIFKIN, SACRISTÁN, José Gimeno. Consciência e acção sobre a prática como libertação profissional dos professores. In: NÓVOA, António (Org.). Profissão professor. Porto: Porto, 1991. p. 6392. 105 SANTOMÉ, Jurjo Torres. O professorado em época de neoliberalismo: dimensões sociopolíticas de seu trabalho. In: LINHARES, Célia (Org.). Os professores e a reinvenção da escola: Brasil e Espanha. São Paulo: Cortez, 2001. p. 17-55. Dermeval. Da nova LDB ao novo plano nacional de educação: por outra política educacional. Campinas: Autores Associados/HISTEDBR, 1998. 182 p. SAVIANI, ______.______. Transformações do capitalismo, do mundo do trabalho e da educação. In: LOMBARDI, José Claudinei; SANFELICE, José Luís; SAVIANI, Dermeval (Orgs.). Capitalismo, trabalho e educação. 3. ed. São Paulo: Autores Associados, Histedbr, 2005. 163 p. ______.______.O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias. In: Celso João (Org.). Novas tecnologias, trabalho e educação. Um debate multidisciplinar. 3.ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1994. 220 p. FERRETTI, ______.______. Escola e Democracia. 31. ed. Campinas: Autores Associados/HISTEDBR, 1997. 150 p. Richard. A cultura do novo capitalismo. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2006. 189 p. SENNETT, SCHAFFRATH, Marlete dos Anjos Silva. O magistério primário como profissão feminina no século XIX. In: ENCONTRO DE INTEGRAÇAO DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UEM, 2., 2000, Maringá. Resumos dos trabalhos apresentados. Maringá: [s.n], 2000. Não paginado. SCHONFELD, Irvin. A longitudinal study of occupational stressors and depressive symptoms in first-year female teachers. Teaching & teacher education, v. 8, n.2, p. 151-158, 1992. Benedicto (Coord.). Dicionário de Ciências Sociais. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1987. 1422 p. SILVA, SILVANY NETO, Annibal Muniz; ARAÚJO, Tânia Maria; DUTRA, Fábio; AZI, Gustavo R.; ALVES, Rodrigo L.; KAVALKIEVICZ, Cristina; REIS, Eduardo J. F. B. Condições de trabalho e saúde dos professores da rede particular de ensino, Salvador-BA. Revista Baiana de Saúde Pública. Salvador/BA, v. 1-2, n. 24, p. 42-46, 2000. SIQUEIRA, Maria Juracy Toneli; FERREIRA, Edirê dos Santos. Saúde das professoras das séries iniciais: o que o gênero tem a ver com isso? Psicologia, Ciência e Profissão. v. 23, n. 3, p. 76-83, 2003. 106 Adam. A Riqueza das Nações - investigação sobre sua natureza e suas causas. Trad. de Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 269 p. (Os Economistas). SMITH, SOBRAL, Fernanda Antônia da Fonseca. Educação para a competitividade ou para a cidadania social? São Paulo em Perspectiva. São Paulo, v. 14, n. 1, p. 3-11, jan./mar. 2000. SOUSA JUNIOR, Justino de. Trabalho, Estado e escola - crises que se entrecruzam. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 25., 2002, Caxambu. Resumos dos trabalhos apresentados. Caxambu: [s.n], 2002. Não paginado. TEIXEIRA, 250 p. Anísio. Educação não é privilégio. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1994. THERRIEN, Jacques; LOIOLA, Francisco Antônio. Experiência e competência no ensino: pistas de reflexões sobre a natureza do saber-ensinar na perspectiva da ergonomia do trabalho docente. In: Educação & Sociedade. Revista Quadrimestral de Ciência da Educação e Sociedade (CEDES), nº74, 2001. Edward Palmer. A Formação da Classe Operária Inglesa. Volume II. 4. ed. Trad. Renato Busatto Neto e Cláudia Rocha de Almeida. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1987. 347 p. THOMPSON, José Bernardo. Códigos da modernidade: capacidades e competências mínimas para participação produtiva no século XXI. Trad. e adaptação de Antônio Carlos Gomes da Costa. Porto Alegre: Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, 1998. 150 p. TORO, Celso dos Santos. Para onde vai o Professor? Resgate do Professor como sujeito de transformação. SP: Libertad, 1996. 205 p. VASCONCELLOS, VASQUES-MENEZES, Iône.; GAZZOTTI, Andréa A. A si mesmo como trabalho. In: CODO, Waderley (Coord.). Educação: carinho e trabalho. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1999. 432 p. Lev S. Pensamento e Linguagem. Trad. de Jefferson Luiz Camargo. 2. ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1998. 135 p. VYGOTSKY, VOLPI, Marina Tazon. Testemunho de professores sobre sua ação profissional e a responsabilidade social da universidade: docentes da PUCRS pensam sua universidade. 1994. 317 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1994. 107 Maria Elizabete S. P. Poder político e educação de elites. 2. ed. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1990. p. 21-144. XAVIER, Tânia. O professor refém: para pais e professores entenderem por que fracassa a educação no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2006. 301 p. ZAGURY,