Comprometimento no Trabalho: Explorando o Conceito, seus Antecedentes e
Conseqüentes entre Docentes Universitários
Autoria: Diva Ester Okazaki Rowe, Antonio Virgilio Bittencourt Bastos
Resumo
Apesar da extensa quantidade de pesquisas sobre comprometimento no trabalho, em seus
diversos focos e bases, percebe-se a necessidade de se retomar questões conceituais ainda
pouco consensuais nesta área. O grande avanço na formalização de medidas de
comprometimento, sob forma de escalas quantitativas, tem exposta a necessidade de se
explorar, de forma intensiva e qualitativa, o próprio significado de comprometimento para o
trabalhador. Isto é especialmente válido quando se toma como unidade de análise uma
categoria ocupacional pouco investigada neste tópico clássico de comportamento
organizacional. O presente estudo consiste em um estudo intensivo de casos, envolvendo
entrevistas com docentes da Universidade Federal da Bahia e de algumas Instituições de
Ensino Superior Privadas. Os resultados destas entrevistas estão apresentados através de
mapas cognitivos que ressaltam aspectos comuns (o trabalho em si como foco principal do
vínculo) e singularidades que demarcam o conceito como utilizado nos dois contextos
estudados (por exemplo, a maior ênfase na dimensão social entre os docentes da Instituição
Pública). Em ambos os grupos, o comprometimento docente foi visto como tendo impactos
muito positivos tanto no nível individual quanto organizacional.
1 Introdução
Partindo de uma revisão da pesquisa sobre comprometimento no trabalho, Bastos
(1996) fixa alguns pontos como uma agenda necessária para esse domínio de pesquisa. De
forma sintética o autor ressalta: a necessidade de maiores investimentos na questão conceitual
que cerca o termo comprometimento, o que deveria conduzir a estudos que retomassem, no
contexto natural e cotidiano de trabalho, a noção de comprometimento para os atores
organizacionais; e a necessidade de buscar integrar diferentes enfoques sobre
comprometimento; isto é, de se buscar dados de diferentes naturezas e fontes, rompendo o
modelo linear de apreender o fenômeno através de escalas de atitudes.
Nascido em uma forte tradição de estudos extensivos e quantitativos, a compreensão
do comprometimento no trabalho expandiu-se bastante ao longo das duas últimas décadas.
Essa expansão, contudo, vem sendo desafiada, por um lado, pelas mudanças aceleradas do
trabalho e, por outro, pelos problemas conceituais e de significância fenomenológica
envolvidos nos resultados que gera. Novas tendências no campo dos estudos psicológicos e
psicossociais têm redirecionado fortemente os conceitos que estruturam o entendimento das
relações entre indivíduos e seu mundo do trabalho. (BASTOS e COSTA, 2000).
Nesse sentido, as Instituições de Ensino Superior (IES), como quaisquer outras
organizações, para obterem sucesso em seus empreendimentos, também necessitam contar
com pessoas dispostas a envidar esforços para a obtenção de melhores índices de
desempenho. Neste contexto, o comprometimento com o trabalho universitário se reveste de
grande importância à medida que a universidade ainda é, por excelência, o lugar de produção
e transmissão de conhecimento. É seu papel servir à comunidade de modo a oferecer serviços
de qualidade, formar recursos humanos competentes e desenvolver tecnologias de última
geração, de acordo com Pena (1995). Além disso, há um crescente reconhecimento de que o
comprometimento dos professores é um dos fatores que determina a efetividade da escola,
segundo Yong e Muller et al. (1999 apud SANCHES et al., 2005).
A escolha por estudar a categoria docente se justifica pela necessidade de se acumular
mais evidências sobre como o comprometimento no trabalho se manifesta em diferentes
ocupações. No contexto nacional foram desenvolvidos poucos estudos de comprometimento
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do trabalho do docente universitário, categoria que tem vivenciado um crescimento
vertiginoso nos últimos anos pela expansão do ensino superior. Ressalta-se, adicionalmente,
que ao crescente peso desta categoria ocupacional se alia um conjunto de expectativas
clássicas no estudo sobre comprometimento – a de que tal atitude tem conseqüências sobre o
desempenho dos indivíduos e organizações. Estamos, portanto, diante de um campo
extremamente propício para explorar e submeter a teste vários conhecimentos acumulados na
área, com possíveis impactos sobre um bem social da maior magnitude que é a educação.
Frente a esta realidade, o problema que norteia este estudo é: Qual o significado de
comprometimento no trabalho entre docentes universitários de Salvador, de IESs pública e
privadas? Parte-se do pressuposto que o vínculo estabelecido entre o trabalhador e o seu
mundo de trabalho é muldimensional e fortemente associado a características contextuais que
interagem com disposições pessoais.
Um olhar cognitivista é representado por um movimento que ultrapassa os limites de
um campo científico específico – no caso, a Psicologia – e que se apóia nos fortes avanços das
neurociências e da inteligência artificial, levando-nos a uma profunda reestruturação das
imagens e estruturas interpretativas com que apreendemos a ação humana, individual e
coletiva. Embora estejamos distantes de quaisquer respostas conclusivas, a renovação do
estudo da mente humana (incluindo o resgate deste conceito sem o dualismo que sempre o
marcara), à luz das concepções mais novas na ciência da cognição, podem ser entendidas
como uma verdadeira revolução científica. (BASTOS et al, 2005).
Há, no campo do comportamento micro organizacional, uma forte tradição de uso de
conceitos cognitivos para compreender, entre outros, fenômenos como processamento de
informações, definição de problemas, estruturação cognitiva como afetando as percepções do
trabalho, a motivação, a tomada de decisão, liderança e avaliação de desempenho. Revisões
da área (ILGEN e KLEIN, 1988; LORD e MAHER, 1989, 1991; TENBRUNSEL, GALVIN,
NEALE e BAZERMAN, 1999), revelam que uma abordagem cognitivista sempre ocupara um
lócus próprio nos estudos de processos micro-organizacionais.
Nesse contexto, este estudo almeja explorar o conjunto de percepções e explicações
que são organizados por docentes universitários acerca do comprometimento com seu
trabalho, explorando, qualitativamente, possíveis diferenças entre os contextos público e
privadoi de ensino superior. Por se tratar de um estudo que se apóia no referencial cognitivista
e utiliza a ferramenta de mapas cognitivos como instrumento de coleta e análise dos dados, o
artigo parte de uma apresentação geral sobre cognição social, base para a compreensão dos
mapas cognitivos, com destaque para sua origem, definição, relevância e utilização na
pesquisa micro-organizacional. A parte seguinte trata do conceito de comprometimento em
uma perspectiva cognitivista, assumindo-se que os vínculos estabelecidos entre trabalhadores
e trabalho podem ser conceitualizados como schemas que guiam a sua percepção e
desempenho. A próxima parte apresenta e discute os resultados obtidos, relatando o material
coletado nas entrevistas com os docentes participantes da pesquisa, o que é base para as
conclusões finais do trabalho.
2 Uma perspectiva de análise de processos micro-organizacionais: a cognição social
Na última década, conforme Tenbrunsel et al. (1996), o estudo do comportamento
organizacional testemunhou uma mudança em direção a uma perspectiva mais cognitiva. A
corrente de estudos chamada Cognição Social teve suas origens na Psicologia Cognitiva. A
Cognição Social em organizações, como ressalta Faria (2001), é o estudo do processamento
de informação humana (consciente e inconsciente) na medida em que influencia e é
influenciada pelo complexo fenômeno social e estrutural dentro das organizações modernas.
A visão cognitiva encara a organização de uma forma bastante diferente dos estudos
anteriores em organizações: ela procura entender o mundo como ele é e não como
2
gostaríamos que ele fosse ou como deveria ser. Sua origem data dos trabalhos de Chester
Barnard, que enfatizava que as ações dentro das organizações são condicionadas pela maneira
com a qual seus membros percebem o mundo, assim que o ambiente de uma organização é
percebido subjetivamente. A cognição analisa as organizações sob o ponto de vista mais
humano, mais difuso e complexo, admitindo a possibilidade da existência constante de
divergências.
O esforço de entender e descrever o fenômeno organizacional em termos cognitivos
levou à criação - ou o empréstimo de outras ciências - de vários métodos e técnicas com as
quais se investiga os processos cognitivos de membros e organizações, segundo Nicolini
(1999). Alguns acadêmicos, entre eles, Huff (1990), Fiol e Huff (1992) e Walsh (1995),
acreditam que o uso de uma metodologia apropriada torna possível capturar e representar os
construtos mentais que efetivamente guiam os atores em seu comportamento diário. Esses
acadêmicos afirmam que indivíduos e organizações processam informação do ambiente
usando algum tipo de estrutura de conhecimento, isto é, “um modelo mental que indivíduos
impõem a uma informação para dar-lhe forma e significado”. (WALSH, 1995, p. 281).
Nicolini (1999) ainda afirma que representações simbólicas e estruturas mentais têm
um papel central na abordagem cognitiva: juntas, encapsulam um fenômeno complexo; um
processo que, de um lado, retira e de outro, reconstrói e organiza características préestabelecidas com elementos independentes num ambiente externo. Ao mesmo tempo,
representações simbólicas e estruturas mentais possuem um papel mediador entre estímulo e
resposta, daí que o objetivo da abordagem é atribuir propriedades causais aos desejos das
pessoas, convicções e vontades, quer dizer, estabelecer se são representativos ou acima de
tudo intencionais, fisicamente possíveis e capazes de gerar comportamentos. Assim, é
legítimo e necessário – colocar um nível de análise separado e de entidades que deve ser
chamado de nível de ‘representação’, porque esse nível é necessário para explicar a variedade
do comportamento humano, pensamento e ação. (GARDNER, 1985). Quando um cientista
trabalha com este nível, ele está lidando com entidades representativas como estruturas do
conhecimento, símbolos, regras e imagens, a questão da representação que está entre o input e
o output.
Os mapas são extremamente úteis, porque as oportunidades que podem produzir e
interagir, uma descrição das maneiras nas quais certas classes de fenômenos são interpretados
se tornam a base para uma experiência de auto-reflexão que produz aprendizado e mudança.
Os métodos para mapear cognição organizacional, como para qualquer outro sistema
representacional e estratégia, não se limitam a codificar a realidade ‘de fora’ em termos de
fatos, objetos e eventos, mas constroem esses elementos clareando certos aspectos e
conciliando ou contrastando outros. Nesse sentido, a Cognição social tenta identificar como as
pessoas pensam sobre pessoas, situações e pessoas em determinados contextos.
Autores como Wilpert (1995), Rosseau (1997) e Porac et al. (1996), asseveram que os
estudos organizacionais têm sido fortemente influenciados pela abordagem cognitivista e um
dos mais importantes desenvolvimentos da ciência organizacional durante os últimos 20 anos
tem sido o crescente interesse em como os membros das organizações conceitualizam e
constroem o sentido de seu mundo organizacional. Na perspectiva cognitivista da
organização, então, a preocupação fundamental é descobrir como os membros organizacionais
interpretam os eventos ou processos organizativos e lhes conferem sentido. (BASTOS, 2001).
De acordo com Swan (1997), os mapas cognitivos são representações, schemas ou
modelos mentais construídos pelos indivíduos, a partir das suas interações e aprendizagens
em um domínio específico do seu ambiente, e que cumprem a função de dar sentido à
realidade e permitir-lhe lidar com os problemas e desafios que esta lhe coloca. Mapeando o
esquema e a estrutura conceitual de uma pessoa, mapeia-se sua representação do ambiente,
que é uma abstração intensa de sua experiência. (WEICK, 1977).
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A motivação para o mapeamento cognitivo é a percepção de que embora as pessoas
possam ter diferentes entendimentos da mesma situação, estes diferentes entendimentos
podem, freqüentemente, ser racionalmente compreendidos. A idéia do mapeamento cognitivo
é desenvolver um esquema gráfico dos construtos interligados que as pessoas parecem
empregar, quando raciocinam a respeito do que acontece em relação à situação problemática,
segundo Pidd (1998).
É bom ressaltar, de acordo com Bastos (2000), que estes mapas não devem ser vistos
como representações estáticas; eles são sempre atualizados a partir das experiências de
aprendizagem do sujeito. Isto é, os modelos que construímos do mundo estão continuamente
sendo desafiados a incorporar novas informações de forma que eles cumpram a função básica
de permitir o ‘ajustamento’ do sujeito ao seu meio ambiente.
Os mapas cognitivos envolvem formas de analisar os dados e retratar graficamente as
crenças subjetivas acessadas, dando-lhes um tratamento espacial que facilite a visualização
das relações significativas identificadas, portanto, eles não são cópias exatas do ambiente.
Segundo Lazlo et al. (1995, p. 2) “um mapeamento, portanto, perece-se com uma tradução de
uma linguagem para outra. A tradução nunca é perfeita. Algo do sabor e da substância do
original é sempre perdido em uma tradução”.
Conforme Huff (1990), os mapas têm sido muito utilizados no estudo de estratégias,
também para explorar a visão estratégica de executivos centrais, para compreender o processo
de formulação de estratégias e suas mudanças com o tempo, para analisar a interpretação do
ambiente e entender como as empresas identificam vantagens competitivas.
Há uma diversidade de tipos de mapas; isso porque se pode estabelecer várias relações
possíveis entre os conceitos ou elementos cognitivos. Conforme Bastos (2000); Bougon
(1983) e Huff (1990) destacam que essas relações podem ser de associação, de grau de
similaridade; do valor relativo, do vínculo causal e de argumentação. Os mapas também
podem levar a fazer-se inferências sobre um sujeito a partir de sua fala.
Fiol e Huff (1992) destacam algumas alternativas de mapeamento mais usadas na
pesquisa organizacional, voltadas para três diferentes aspectos dos processos cognitivos: a) os
mapas de identidade, que identificam os principais atores, eventos e processos do ‘terreno’; b)
os mapas de categorização, voltados para as relações entre tais entidades e focalizam as
categorias que estruturam a organização do conhecimento pelo gestor. Descrevem hierarquias
de conceitos e dimensões psicológicas subjacentes e, c) mapas causais e de argumentação,
centrados no raciocínio causal que liga entidades ao longo do tempo, ou no raciocínio que
embasa decisões.
Em suma, o campo da cognição caracteriza-se por uma forte concentração de
conceitos que se referem a estruturas cognitivas postuladas como determinantes de
características e processos organizacionais. Ou seja, a maior parte dos estudos sobre cognição
se detém na descrição de como atores organizacionais estruturam o conhecimento sobre a
realidade e como tais estoques de conhecimento explicam decisões e ações com fortes
impactos sobre a vida dos grupos e da própria organização. (BASTOS, 2004).
Entretanto, faz-se relevante destacar, segundo Ilgen e Klein (1988 apud BASTOS et
al., 2005), que o crescente reconhecimento da importância dos pensamentos e ações humanas
em modelarem a natureza das organizações não significa que os estudiosos reduzam as
organizações a resultados de processos cognitivos dos seus membros. Ou que os pensamentos
e ações desses membros se reduzam a produtos moldáveis pela estrutura de relações que
configuram as organizações. Assim, não devemos buscar relações lineares e facilmente
identificáveis entre esses dois complexos fenômenos, assim como não podemos ter a
expectativa de uma tecnologia cognitiva claramente formulada a partir de um conjunto de
estudos e pesquisas. Isso é evidente no princípio básico que orienta toda a construção
cognitivista: os indivíduos são sujeitos ativos e, como tais, são agentes e constroem
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parcialmente o próprio contexto em que agem e se movimentam. Assim, como técnica de
intervenção, os mapas são utilizados para compartilhar significados, favorecer o diálogo,
permitir a negociação, propiciar a busca de consenso e compromisso em torno de linhas de
ação, além de serem, em si, um recurso para o auto-conhecimento, segundo Cossette e Audet
(1992).
3 Comprometimento como um schema cognitivo
Há uma extensa literatura que revisa os estudos sobre comprometimento no trabalho,
especialmente, o comprometimento organizacional. Vários textos já produzidos fornecem
uma visão bastante abrangente dos interesses de pesquisa, dos resultados obtidos dentro e fora
do Brasil, dos desafios e novos rumos para a investigação do comprometimento.
Predomina na literatura científica a visão de comprometimento como um fenômeno
multidimensional. A literatura distingue diferentes focos, que funcionam como alvo do
vínculo do trabalhador, a exemplo da organização, sindicato, valores, profissão, trabalho,
carreira. Relacionado aos focos ou alvos do comprometimento, há abordagens diferenciadas
quanto à natureza ou os motivos que levam o indivíduo a se comprometer. Tais abordagens
são denominadas de bases do comprometimento, que são apontadas na literatura através de
formulações teóricas distintas – afetiva/atitudinal, instrumental, normativa e comportamental.
A natureza afetiva do processo de identificação do indivíduo com os objetivos e
valores da organização foi consolidada por Mowday, Porter e Steers (1982), tornando a
perspectiva dominante nos estudos da área. Para os autores, quando o comprometimento é
assim definido, ele representa algo além da simples lealdade passiva a uma organização. Ele
envolve uma relação ativa na qual o indivíduo deseja dar algo de si próprio para contribuir
com o bem-estar da organização.
A vertente instrumental se baseia na teoria dos side-bets de Becker (1960) que se
relaciona à troca e aos múltiplos investimentos feitos pelos indivíduos tornando custoso o ato
de abandonar a organização. A natureza normativa do comprometimento surge da relação
entre a teoria organizacional de A. Etzioni e os trabalhos de Ajzen e Fishbein acerca da
estrutura das atitudes, da área da Psicologia Social. Nesta abordagem o comprometimento é
visto através da internalização ou identificação com os objetivos e valores da organização.
A abordagem comportamental também influenciada pela Psicologia Social, tem bases
na teoria da dissonância cognitiva apresentada por Festinger e da auto-percepção de Bem.
Este enfoque propõe que a avaliação do indivíduo pelos trabalhadores seja feita para manter a
consistência entre os seus comportamentos e as suas atitudes.
Há, congruente com as transformações em curso na análise dos processos
microorganizacionais, uma crescente busca em entender o impacto das cognições dos atores
sobre os processos organizativos. A teoria dos schemas cognitivos, tendo como base a
tradição dos estudos sobre cognição social e a teoria das representações sociais ou teoria do
núcleo central das representações, podem fornecer referenciais importantes para a análise do
comprometimento no trabalho, entre tantos outros construtos da área.
Augoustines e Walker (1995) afirmam que a teoria de esquemas ajuda a entender o
comportamento humano nas organizações de trabalho e na formação de identidades
individuais e grupais. Ajuda, ainda, no processamento e seleção de informações recebidas do
contexto social.
O campo de estudos das representações sociais tem fornecido suporte teórico para as
decisões metodológicas que permitem captar o comprometimento como um schema não
apenas de cada indivíduo, mas com um possível núcleo que é compartilhado pelo grupo.
Augoustines e Walker (1995) definem representações sociais como estoques de
conhecimentos e informação comuns que as pessoas partilham na forma de teorias do senso
comum sobre o mundo social. Para Moscovici (1985), as representações são como um
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conjunto de conceitos, proposições e explicações originado na vida cotidiana a partir das
comunicações interpessoais.
O campo de estudo da representação social tem como característica singular o fato de
não privilegiar nenhum método específico de pesquisa. Ao contrário, procura se apropriar de
diferentes estratégias metodológicas para apreender seu objeto de estudo. A orientação básica
é a busca de estratégias que não imponham aos sujeitos, a representação social dos
pesquisadores, sendo priorizado o uso de técnicas semi-estruturadas e projetivas, que
permitam o acesso a conteúdos cognitivos dos sujeitos de maneira espontânea.
As idéias da representação social e suas estratégias de estudo têm se mostrado de
maneira muito útil às investigações de comprometimento no trabalho, por ser o
comprometimento um sistema que articula múltiplos vínculos e que se insere em uma rede de
significados socialmente partilhados.
Uma ferramenta utilizada por pesquisadores para explorar processos cognitivos e
explicitar estruturas conceituais partilhadas entre indivíduos são os mapas cognitivos. Os
mapas surgem de relatos verbais dos participantes e buscam expor os conceitos e idéias
muitas vezes não conscientes para o próprio sujeito. A importância dos mapas cognitivos é
ressaltada ao se considerar a especificidade da ação do docente e dos processos das IES, pois
a vida acadêmica é socialmente construída e envolve aspectos como a fala, símbolos,
promessas, expectativas e memórias. Cresce o seu uso como ferramenta para diagnosticar e
aprimorar os processos de gestão organizacionais, tendo em vista que as cognições dos atores
organizacionais são aspectos fundamentais para se compreender a dinâmica dos processos
coletivos.
4 Método
Para descrever o schema cognitivo que abarca o conceito, antecedentes e conseqüentes
do comprometimento no trabalho entre docentes de IESs Pública Federal e de Privadas, de
uma forma diferente do predomínio de pesquisas extensivas e quantitativas sobre
comprometimento, optou-se pelo método qualitativo, por ser o mais adequado para atingir
este objetivo. Especificamente quanto ao estudo do comprometimento, Bastos e Costa (2000)
afirmam que se o objetivo é construir modelos teóricos cada vez mais abstratos e universais,
os estudos quantitativos se revelam apropriados. Caso pretende-se obter um conhecimento
mais sensível ao contexto em que as pessoas o produzem e o usam, os estudos qualitativos
fornecem uma riqueza de sutileza impossível de ser captado sob o primeiro aporte
metodológico.
A escolha de IESs de natureza diferente, pública e privada, se deu devido à
necessidade de verificar se há diferenças e semelhanças do conceito, antecedentes e
conseqüentes do comprometimento dos docentes que trabalham nestas IESs. Uma vez que há
discussões acerca de diferenças entre IESs de natureza pública e privada, este estudo pretende
verificar se seus docentes diferem no tocante ao comprometimento no trabalho.
Para o presente estudo, foram entrevistados 20 docentes que lecionam para cursos de
graduação, sendo que destes, 10 docentes de 10 IESs Privadas distintas, localizadas em
Salvador e escolhidas de forma aleatória. Também foram entrevistados 10 docentes do Núcleo
de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal da Bahia (NPGA/UFBA), com
a particularidade que estes docentes também lecionam para a graduação.
O levantamento para este estudo realizou-se no período de junho e julho de 2006 e
para tanto, foi utilizado um roteiro de entrevista semi-estruturado, com três questões abertas:
a) o que significa ser um docente universitário comprometido com seu trabalho;
b) quais fatores geram o comprometimento com o trabalho do docente universitário; e
c) quais as conseqüências do comprometimento com o trabalho do docente de nível
superior.
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Na entrevista, que foi realizada individualmente, solicitou-se aos docentes que
falassem espontaneamente as idéias que cada questão lhes evocava, sendo as respostas
registradas pela entrevistadora na ordem em que tinham sido proclamadas. A postura da
entrevistadora foi a de fornecer o estímulo inicial e, de forma não diretiva, estimular a fala do
docente.
Para sistematizar as informações oriundas das entrevistas, realizou-se a análise de
conteúdo, que foi realizada, primeiramente, pela identificação de palavras que expressam
comprometimento, antecedentes do comprometimento e conseqüentes do comprometimento.
A partir da análise dos dados disponíveis, o resultado desta etapa inicial foi agrupado por
categorias, para favorecer a visualização simplificada dos dados, assim como sua análise. As
palavras evocadas por no mínimo dois docentes, estão apresentadas na forma de mapas
cognitivos, representados graficamente com a utilização do software Mindjet X5.
5 Resultados e discussão
Os dados foram analisados de forma a captar o comprometimento no trabalho do
docente universitário como um schema não de cada indivíduo, mas como um possível núcleo
que é compartilhado pelo grupo, no total e separadamente quanto ao tipo de Instituição,
Pública e Privada.
5.1 Os focos do comprometimento no trabalho do docente universitário
Os dados das entrevistas foram analisados inicialmente quanto aos focos do
comprometimento. Diante da primeira pergunta o que significa ser um docente
universitário comprometido com seu trabalho? – os docentes entrevistados mencionaram
quatro focos ou alvos de orientação pessoal rotulada de comprometida: trabalho, organização,
traço pessoal e grupo. Apresenta-se o mapa cognitivo das evocações livres e espontâneas dos
docentes de Instituições Privadas (Figura 1), e dos docentes do NPGA/UFBA (Figura 2),
agrupadas por focos de comprometimento.
Figura 1 – Focos do comprometimento de docentes de Instituições Privadas
Fonte: Dados da pesquisa
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As evocações dos docentes do NPGA/UFBA se destacam, em relação aos outros, por
serem mais holísticas, por contemplarem a ênfase social, assim como a pesquisa e a extensão,
que são predominantes nas Federais, conforme demonstra a Figura 2. A visão social no foco
trabalho provavelmente ocorre porque os docentes reconhecem que são servidores públicos,
que trabalham para servir a sociedade e que seu salário é suprido por esta sociedade.
Figura 2 – Focos do comprometimento no trabalho dos docentes do NPGA/UFBA
Fonte: Dados da pesquisa
Verifica-se que nos dois conjuntos de docentes, do NPGA/UFBA e de Privadas, o foco
comprometimento com o trabalho foi o mais evocado. O que é congruente com os resultados
encontrados por Bastos, Brandão e Pinho (1997), na análise de 240 questionários e 40
entrevistas de servidores de quatro universidades, no qual o foco trabalho foi referente a 62%
das evocações. Segundo estes autores, o amplo predomínio de indicadores que tomam o
desempenho do próprio trabalho como expressando a disposição de comprometimento
organizacional explica a alta correlação que se encontra entre envolvimento com o trabalho e
comprometimento organizacional na literatura.
Os docentes de IESs Privadas mencionaram mais a Instituição do que os docentes do
NPGA/UFBA. Fato que pode ser influenciado pela maior distância entre o docente com a
Universidade Federal, devido sua política de gestão de pessoas, tipo de gestão e de hierarquia.
Enquanto que nas IESs Privadas, a relação docente/Istituição é mais próxima, até mesmo
porque a maioria delas são menores do que a UFBA, fato que também intensifica a facilidade
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das IESs Privadas se fazerem mais presentes para os docentes. Por outro lado, devido a
muitos docentes não terem estabilidade e os cursos funcionarem semestralmente, os docentes
se engajam com a Instituição, pelo menos com um vínculo instrumental. Sendo que duas
vezes por ano, muitos docentes de IESs Privadas ficam a mercê da decisão da coordenação e
da direção. Esta situação vivenciada periodicamente pelos docentes pode ser melhor
compreendida a partir do depoimento de um docente: “os docentes de Privadas são como um
monte de abóboras em um caminhão, que a cada semestre passa rapidamente em um quebramola e todas as abóboras pulam, umas caem dentro do caminhão e outras caem fora”.
5.2 As bases do comprometimento com o trabalho do docente universitário
Meyer e Allen (1991) classificaram a descrição da natureza do comprometimento em
três bases: afetiva, normativa e instrumental. De uma forma concisa, a base é afetiva quando
permanecem na organização porque desejam; normativa, quando acreditam que é certo e
moral ser comprometido e instrumental, quando permanecem na organização porque
necessitam. Desde então, esta definição é amplamente utilizada, tanto na literatura nacional
quanto na internacional. Nesta perspectiva, foram analisados os discursos dos docentes dos
dois estratos, ainda referente à questão do significado do docente universitário comprometido.
Nos dois segmentos estudados, percebe-se que o comprometimento de base
instrumental ou de continuação pelos custos associados à saída, não foi identificado como
núcleo importante nas definições dos docentes, conforme pode ser observado na Figura 3. Em
comum nos dois estratos, também foi observado que quanto ao vínculo comprometimento
organizacional, predomina o comprometimento normativo, por ser a base com maior
número de referência pelos docentes. Ou seja, a noção mais forte do foco comprometimento
com a própria organização, relaciona-se com o cumprimento das normas institucionais.
Figura 3 – Exemplos de evocações livres, segundo as bases do comprometimento
Fonte: Dados da pesquisa
Foi percebida uma grande emoção positiva de alguns docentes nos dois conjuntos, ao
darem as entrevistas, devido ao forte apego afetivo com seu trabalho. Há uma maior presença
do comprometimento afetivo referente ao grupo (alunos) e ao trabalho (em detrimento da
organização). Entre os entrevistados de IESs privadas, houve uma evocação que se destaca
pelo forte vínculo afetivo com os alunos: “[ser um docente universitário comprometido com
seu trabalho é] não largar de dar aula por falta de salário, pelos meninos. Trabalhar doente,
sem falar para os meninos. Não falar com os meninos dos problemas da faculdade”.
Conforme menciona a literatura de comprometimento no trabalho, é o comprometimento
afetivo que apresenta maiores resultados organizacionais. Como por exemplo, Siqueira e
Gomide Jr. (2004) apontam que às conseqüências positivas do vínculo afetivo com a
organização, pesquisas têm revelado que empregados comprometidos afetivamente são os que
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apresentam menores taxas de rotatividade, absenteísmo e intenção de sair da empresa, bem
como melhores indicadores de desempenho no trabalho (como avaliação de desempenho
favorável e produtividade elevada). Conseqüências negativas para organizações são os
atrasos, o fraco desempenho e o esforço reduzido aplicado ao trabalho quando o
comprometimento afetivo é baixo. Nesse sentido, é interessante que as instituições adotem
políticas de gestão de pessoas no sentido de aumentar o comprometimento afetivo, para o
incremento de seu desempenho. Uma forma para tanto, é o reconhecimento, a valorização do
docente, que pode se dar, simplesmente, por um elogio, que não tem nenhum custo para a
IES.
No caso das IESs Privadas, dar uma maior estabilidade ao corpo docente pode
incrementar seu comprometimento afetivo, uma vez que em Salvador os docentes das IESs
Privadas têm a cultura de estarem vinculados a mais de uma Instituição, como precaução para
a falta de estabilidade. Esta dispersão de vínculos contratuais pode dividir o vínculo do
comprometimento organizacional entre as organizações, resultando em baixo
comprometimento para cada organização. Situação que pode levar estes docentes a focarem
seu comprometimento mais intensamente em sua carreira. Uma vez que o vínculo com a
carreira pode fornecer significado e continuidade no trabalho aos indivíduos, nestes tempos
em que as organizações tornaram-se fluídas e incapacitadas a prover estabilidade no emprego,
de acordo com Colarelli e Bishop (apud AYREE 1994). Outra tendência que pode influenciar
positivamente o comprometimento com a carreira do docente universitário é seu alto nível
educacional, pois segundo Carson e Bedeian (1994), profissionais que possuem melhores
níveis de educação têm aumentado seu comprometimento com suas carreiras. Entretanto, fazse necessário ressaltar que o comprometimento com a carreira não inviabiliza o
comprometimento com a organização. Segundo Wallace (1993), o comprometimento com a
carreira possui correlação positiva com o comprometimento organizacional e com a busca de
desenvolvimento de habilidades. E de acordo com Carson e Bedeian (1994), o
comprometimento com a carreira possui correlação positiva com desempenho.
5.3 Determinantes do comprometimento no trabalho
Os resultados centrais da segunda questão da entrevista, quais fatores geram o
comprometimento com o trabalho do docente universitário, encontra-se na Figura 4.
Observa-se que não houve indicações centrais dos docentes do NPGA/UFBA com referência
a Instituição ser um fator gerador de comprometimento, o que é congruente com a pouca
menção da UFBA ao se definir um docente comprometido.
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Figura 4 – Mapa central dos fatores que geram o comprometimento no trabalho
Fonte: Dados da pesquisa
As evocações periféricas relevantes dos docentes do NPGA/UFBA quanto à
organização que causam comprometimento são o salário, quando comparado com a
sociedade; e a possibilidade de crescer na Instituição. Por outro lado, houve declarações a
respeito do que não leva ao comprometimento: a hierarquia, a gestão, a política de gestão de
pessoas das federais. No que se refere ao trabalho em si que resulta em comprometimento,
foi mencionado: reconhecimento pelos pares, discentes e sociedade; sentir que os alunos se
interessam e aprendem; os padrões de comprometimento e comportamento do seu grupo mais
próximo; padrão internacional de dedicação à pesquisa, na intenção de se encaixar neste
padrão mínimo; avaliação CAPES; condições de trabalho, como sala e equipamento; temas de
pesquisas; incentivos a publicações e participação em eventos científicos; estabilidade;
liberdade e autonomia.
As evocações periféricas dos docentes de IESs Privadas que se destacam, referentes
ao trabalho que levam ao comprometimento são: liberdade para ter e formar opinião; desafiar
o aluno; sentir a reciprocidade dos alunos e dos colegas.
Observa-se que entre o conjunto de docentes entrevistados, os que são do
NPGA/UFBA percebem mais o trabalho em si como fator gerador do comprometimento, do
que os docentes de IESs Privadas. Acredita-se que isto se deve aos docentes de Federal ter
mais autonomia em seu trabalho, do que os docentes de Privadas. Para ilustrar, apresentam-se
fragmentos de duas entrevistas procedentes de IESs Privadas. Docente A: “[os docentes] não
têm respaldo, apoio das coordenações. O trabalho fica desestimulado. Exige um pouco dos
alunos, a coordenação pede para o docente aliviar. Isto causa choque com o trabalho do
docente”. Docente B: “O que não causa comprometimento, é ter que rever nota, que torna [o
docente] cético em relação ao sistema [das IESs privadas], fica descrente, desestimula”.
Enquanto as IESs Privadas agem desse modo, considerando que estão fazendo o melhor para
a Instituição, a literatura pertinente aponta que se encontram correlações negativas moderadas
entre características do papel - ambigüidade, conflito e sobrecarga - e comprometimento
(MORRIS e SCHERMAN, 1981; GLISSON e DURICK, 1988, MATHIEU, 1991). Ou seja,
quanto mais as IESs facilitam para o aluno, com a intenção de manter o aluno na Instituição, e
quando esta atitude envolve o docente ter que rever nota, facilitar para o aluno, torna-se mais
frágil o vínculo do docente com esta IES.
11
Siqueira (2002) observou que percepção de suporte organizacional – conceito
cognitivo cunhado por Eisenberger et al. (1986) para representar crenças dos empregados
acerca do grau em que a organização se preocupa com o bem-estar de seus empregados –
constitui um forte antecedente de comprometimento organizacional afetivo. Diante desses
resultados, o vínculo afetivo com a organização tende a se tornar mais fortalecido conforme
os empregados percebem a empresa comprometida com eles. Portanto, parecem existir
evidências de que um esquema mental integrado por cognições positivas acerca da
reciprocidade organizacional consegue promover níveis também positivos de
comprometimento com a organização, sendo tais resultados altamente desejáveis pelas
organizações. Conforme pode ser visualizado na Figura 4, houve evocações de que o suporte
organizacional causa o comprometimento organizacional, o que confirma a referida literatura.
No caso das IESs, quanto mais elas forem percebidas pelos seus docentes como fornecedoras
de um bom suporte organizacional aos próprios docentes, de forma recíproca, maiores serão
os níveis de comprometimento afetivo dos docentes com a IES.
5.4 Conseqüentes do comprometimento com o trabalho do docente de nível superior
A terceira e última indagação da entrevista foi sobre quais as conseqüências do
comprometimento com o trabalho do docente de nível superior. De forma geral, os
docentes abordaram resultados positivos para a Instituição e resultados predominantemente
positivos para os docentes, conforme pode ser observado no mapa central, Figura 5.
Os docentes de IESs Privadas mencionaram conseqüente negativo de seu
comprometimento no trabalho, para o próprio docente: “alunos não comprometidos com sua
formação profissional, ou que não têm ainda uma visão de médio e longo prazo quanto a sua
própria carreira, rotulam mal o docente que é altamente comprometido com seu trabalho”.
Quanto aos dados periféricos, também foi abordado que a coordenação não entende o docente
comprometido, que exige do aluno. Outra percepção também negativa do alto
comprometimento, é que ele gera frustração ao próprio docente quando os resultados não são
satisfatórios.
Figura 5 – Mapa central dos conseqüentes do comprometimento no trabalho do docente
Fonte: Dados da pesquisa
Faz-se relevante destacar o ambiente, de uma forma holística, que se insere as IESs
Privadas. Há alunos que estudam nas IESs Privadas porque não conseguiram ingressar em
uma IES Pública. Outros, porque não querem enfrentar o problema das greves, tão freqüentes,
12
atualmente, nas Universidades Federais. Existem alunos que estudam nas Privadas por causa
de sua situação econômica, que os obriga a trabalhar, e as Privadas, por sua vez, oferecem
mais opções de cursos noturnos. Por outro lado, o Governo Federal não controlou – e não
controla - de forma adequada, quanto ao requisito demanda de alunos, a abertura de novas
Faculdades/Cursos Privadas, nesta última década. Portanto, a quantidade de vagas existente
hoje nas IESs Privadas no Brasil, é superior a quantidade de pessoas com condições
financeiras de arcar com um curso superior. Logo, há vagas sobrando e Instituições
concorrendo entre si pela obtenção de alunos, na tentativa de sobreviverem. Portanto, o
vestibular para o ingresso nas IESs Privadas é muito pouco controlado, ou seja, a seleção
praticamente não existe de uma forma efetiva. Este contexto leva a um corpo discente
heterogêneo, e com esta diversidade, realmente é difícil para seus docentes atingirem todas
suas expectativas ideológicas de educadores.
Por outro lado, destacam-se dados periféricos de conseqüentes positivos para o
próprio docente de Privadas: o docente ser referência, mentor, orientador da carreira do
aluno; o docente ter sucesso profissional; satisfação financeira; e perceber que a educação
pode gerar uma conseqüência social como elemento de transformação no mundo das
organizações.
Os resultados periféricos dos docentes do NPGA/UFBA que merecem destaque no
que tangem ao docente, abordam o docente se tornar uma ‘bússola’ para seus alunos: ser um
docente referenciado; ouvido pelo aluno, mesmo não sendo orientador deste aluno; ser o
ponto da busca da informação originária; receber um bom feedback de egresso; o próprio
docente ter retornos profissionais no médio e longo prazo; obter reconhecimento acadêmico,
auto-satisfação, qualidade de vida; postura ética no trabalho, mais solidário, mais cooperativo.
Houve referência à incerteza do resultado do comprometimento do docente em seu trabalho,
devido ao docente “semear em um solo nem sempre receptível, e esperar que nasça algo,
sendo que não tem como saber se vai nascer, o que vai nascer”. Uma declaração de um
resultado negativo do comprometimento do docente, para o próprio docente, se refere ao
docente que é comprometido “se enche de trabalho, procura o que fazer e dão tudo para ele
fazer”. Quanto ao aluno, obtém do docente comprometido uma motivação adicional para uma
carreira acadêmica. Não houve mais nenhuma referência ao aluno como beneficiário direto do
comprometimento do docente da Federal. O que se justifica, pela ótica deles, que o ensino é
um derivado da pesquisa. Ou seja, a não centralidade da referência ao aluno não significa que
o discente da Federal não seja um beneficiário direto do comprometimento no trabalho de
seus docentes.
6 Considerações finais
O objetivo do presente estudo, como já exposto, consistiu em explorar o conjunto de
percepções e explicações que são organizados por docentes universitários acerca do
comprometimento com seu trabalho. Esse conjunto de percepções e explicações foi tratado
como estruturas cognitivas (schemas) e descritos através de mapas cognitivos.
Pelo discurso dos docentes, evidencia-se sua percepção quanto ao principal objetivo
das instituições. Nas Privadas é o ensino, enquanto que na Federal, o principal objetivo é a
produção do conhecimento, que é a origem do ensino e da extensão.
Nesse sentido, o conceito do comprometimento no trabalho expresso pelos
entrevistados mostra diferenças entre docentes de Instituição Pública e Privada. Vale ressaltar
o reconhecimento do grupo, que foi mencionado por docente de IES Privada. Pelo conteúdo
das entrevistas, infere-se que o docente da Federal consegue seu reconhecimento a partir de
sua produção científica. Como as IESs Privadas que participaram desta pesquisa apresentam
produção científica baixa, seus docentes buscam reconhecimento de seus pares e alunos.
13
Um resultado em comum entre docentes do NPGA/UFBA e das Privadas, é o baixo
comprometimento afetivo do docente com o foco organização, predominando o
comprometimento normativo neste vínculo, docente/organização. Apesar do contexto da
Federal e das Privadas ser diferente, no tocante ao comprometimento organizacional foi
encontrado o mesmo resultado: um vínculo frágil. O foco que apresentou mais
comprometimento dos docentes, tanto da Federal quanto das Privadas, é o trabalho.
Os dois conjuntos de docentes entrevistados apontaram, como conseqüentes do
comprometimento no trabalho, resultados positivos para a IES e resultados
predominantemente positivos para os próprios docentes.
As entrevistas dos docentes das IESs Privadas revelam a preocupação destas
instituições em ‘agradar’ seus alunos, de forma às vezes contrária aos princípios éticos do
educador, da ideologia, do sentimento de responsabilidade do docente. Como por exemplo, ter
que alterar a nota, para o aluno não ser reprovado. Ou seja, os docentes não compactuam com
a pouca autonomia que têm nas Privadas, que por sua vez, impelidas pela concorrência, agem
almejando manter o aluno na Instituição. Porém, isto pode resultar em profissionais não
totalmente capacitados, o que pode afetar a própria sociedade, como por exemplo, podem
receber serviços não condizentes. Por outro lado, na Federal não existe este problema, o que
permite a seus docentes focarem mais no ensino, na pesquisa e na extensão, com maior
liberdade e autonomia em seu trabalho, do que seus colegas que trabalham em IESs privadas.
O que mais ressalta entre os docentes do NPGA/UFBA, é seu comprometimento para com
toda a sociedade.
A efetividade do comprometimento requer mão dupla. Ou seja, o que a organização
faz para aumentar o comprometimento do seu trabalhador, reflete no fortalecimento do
vínculo do indivíduo. Especificamente neste caso, requer que o docente perceba um
comprometimento da instituição para com o próprio docente. Porém, isto não ocorre
plenamente nas IESs Privadas, uma vez que os docentes não têm total autonomia e
estabilidade em seu trabalho. E por sua vez, a gestão de pessoas da Universidade Federal
também deixa a desejar, por exemplo, ao não punir o docente que não se engaja plenamente
nas atividades de seu departamento.
O estudo não teve o objetivo de obter dados generalizáveis para nenhum dos contextos
estudados. Neste sentido, sua principal contribuição consiste no levantamento de um amplo
conjunto de indicadores que podem embasar a análise dos instrumentos utilizados nas
pesquisas extensivas sobre comprometimento. Adicionalmente, o estudo revela que o estudo
de uma nova categoria ocupacional, como no caso dos docentes, pode requerer medidas mais
específicas e que levem em consideração singularidades do trabalho docente e como este se
estrutura nos contextos público e privado de ensino. Assim, o trabalho aqui apresentado
consiste em uma etapa inicial de um projeto mais amplo que investiga múltiplos
comprometimentos dos docentes universitários brasileiros, buscando evidências sobre o
quanto tal vínculo tão importante para o desempenho individual e institucional é fomentado
através de políticas de recursos humanos pelas instituições de ensino superior.
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Denominam-se privadas, genericamente, desde instituições comunitárias e confessionais, nas quais lucro não é
considerado um fim, até empresas educacionais com finalidade eminentemente lucrativa.
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1 Comprometimento no Trabalho: Explorando o Conceito