Acesso à terra urbanizada implementação de Planos Diretores e regularização fundiária plena Venda Proibida Florianópolis, 2008 Ministério das Cidades Secretaria Nacional de Programas Urbanos Autores Equipe editorial Alexandra Reschke Coordenação Geral Celso Santos Carvalho (SNPU/MCidades) Denise Gouvêa (SNPU/MCidades) Renato Balbim (SNPU/MCidades) Camila Agustini Claudia Virginia de Souza Cristiane Siggea Benedetto Coordenadores dos Módulos Otilie Macedo Pinheiro– Módulo I (especialista) Cristiane Benedetto – Módulo II (especialista) Denise Gouvêa Edésio Fernandes Supervisão Editorial Ana Luzia Dias Pereira (SEaD/UFSC) Karine Pereira Goss (SEaD/UFSC) Ellade Imparato Gabriel Blanco José Abílio Belo Pereira Supervisão Educacional Marivone Piana (SEaD/UFSC) Junia Santa Rosa Margareth Matiko Uemura Patrícia de Menezes Cardoso Design Instrucional Dauro Veras (SEaD/UFSC) Marina Cabeda Egger Moellwald (SEaD/UFSC) Patryck Araújo Carvalho Projeto gráfico Paula Santoro Márcio Judas (SEaD/UFSC) Pricila Cristina da Silva (SEaD/UFSC) Thaís de Almeida Santos (SEaD/UFSC) Victor Américo (SEaD/UFSC) Otilie Macedo Pinheiro Paulo Somlanyi Romeiro Pedro Jorgensen Raquel Rolnik Diagramação André Rodrigues da Silva (SEaD/UFSC) Felipe Augusto Franke (SEaD/UFSC) Pricila Cristina da Silva (SEaD/UFSC) Renato Cymbalista Rosana Denaldi Rosane Tierno Editoração eletrônica Amanda Chraim (SEaD/UFSC) Rafael de Amaral Oliveira (SEaD/UFSC) Ana Maria Elias Rodrigues (SEaD/UFSC) Juliana Schumacker Lessa (SEaD/UFSC) Sandra Ribeiro Simone Gueresi Ilustração Renata Brandão Miguez (SEaD/UFSC) Revisão Textual Marcelo Mendes de Souza (SEaD/UFSC) Tiragem: 1.200 exemplares 1ª Edição A174 Acesso à terra urbanizada : implementação de planos diretores e regularização fundiária plena / Otilie Macedo Pinhero ... [et al.]; coordenação Celso Santos Carvalho, Denise Gouvêa, Renato Balbim. – Florianópolis : UFSC; Brasília : Ministério das Cidades, 2008. 366 p. ISBN: 978-85-7426-018-1 1. Planejamento urbano. 2. Política fundiária. 3. Administração publica. 4. Terras – Utilização e planejamento. 5. Educação a distância. I. Pinheiro, Otilie Macedo. CDU: 711.4 Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071 Governo Federal – Ministério das Cidades PRESIDENTE DA REPÚBLICA Luiz Inácio Lula da Silva MINISTRO DE ESTADO DAS CIDADES Marcio Fortes de Almeida SECRETÁRIO NACIONAL DE PROGRAMAS URBANOS (substituto) Benny Schasberg CHEFE DE GABINETE Sandra Bernardes Ribeiro DIRETOR DE ASSUNTOS FUNDIÁRIOS URBANOS Celso Santos Carvalho Universidade Federal de Santa Catarina REITOR Álvaro Toubes Prata VICE-REITOR Carlos Alberto Justo da Silva Secretaria de Educação a Distância SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Cícero Barboza COORDENAÇÃO FINANCEIRA Vladimir Fey COORDENAÇÃO ADMINISTRATIVA Nadia Rodrigues de Souza SUPERVISÃO DE LINGUAGEM EM EAD Ana Luzia Dias Pereira O Curso a distância “Acesso à terra urbanizada: implementação de Planos Diretores e regularização fundiária plena”, fruto da parceria do Ministério das Cidades com a Universidade Federal de Santa Catarina, faz parte de uma das ações prioritárias do Ministério das Cidades, por meio da Secretaria Nacional de Programas Urbanos, de apoiar os municípios e estados na implementação do Estatuto da Cidade. Nosso desafio é fortalecer a construção da política nacional de desenvolvimento urbano e de acesso à terra urbanizada para todos, rompendo com o quadro de exclusão social e degradação das nossas cidades. Para a execução dessa política, é fundamental ampliar as ações de capacitação em planejamento e gestão urbana e mobilizar entes públicos e a sociedade civil para esta missão. O Ministério das Cidades busca, desta forma, estimular os municípios e os cidadãos a construírem novas práticas de planejamento e gestão democrática. Convidamos, portanto, a todos os alunos deste Curso a serem agentes multiplicadores, disseminando uma nova cultura urbana mais democrática, includente, redistributiva e sustentável para os municípios brasileiros. Marcio Fortes de Almeida Ministro de Estado das Cidades A Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades enfrenta como desafios estratégicos a implementação dos planos diretores e a ampliação das ações de regularização fundiária. Para implementar a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano em construção, torna-se fundamental reforçar as ações de capacitação, sensibilização e mobilização. O Objetivo é estabelecer uma nova cultura urbana para o País, cujas bases estão referenciadas na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade. Em 2008, pretende-se dar seqüência às ações já iniciadas de capacitação e uma delas é a realização do segundo Curso à distância “Acesso à terra urbanizada: implementação dos Planos Diretores e regularização fundiária plena”. O primeiro curso, realizado em 2006, ofereceu uma especialização para 900 alunos na temática da regularização fundiária plena. Este segundo, ampliando e incorporando o tema da implementação dos Planos Diretores, pretende aprofundar o conhecimento dos alunos a partir de dois módulos básicos. O Módulo 1 trata da implementação dos Planos Diretores, com seis aulas, enfocando principalmente dois desafios básicos no sentido de reverter o nosso modelo de urbanização excludente e predatório, que são: ampliar a oferta de terra urbana urbanizada e bem localizada para moradia de interesse social e implementar nos municípios um processo de planejamento e gestão eficiente e democrático. Para entender os limites e possibilidades de acesso ao solo urbano, esse Módulo começa pela análise do processo brasileiro de urbanização, do mercado de bens imobiliários e da formação dos preços do solo urbano. São apresentadas as conquistas recentes tanto no marco legal quanto nas políticas públicas de implementação dos planos diretores e de ampliação do acesso à moradia e são detalhados os novos instrumentos colocados à disposição dos municípios para a ampliação do acesso à terra e de gestão da valorização imobiliária resultante de obras e outras ações do Poder Público. Apresenta orientações também para melhorias na gestão municipal, para que a aplicação de recursos esteja associada à política fundiária e ao controle social, particularmente, como instrumento de implementação dos Planos Diretores. O Módulo 2, com seis aulas, abordará a “regularização fundiária plena”. Apresentará, inicialmente, os conceitos e as bases legais da regularização fundiária de interesse social nas áreas urbanas e fará uma reflexão sobre a integração da regularização fundiária com o planejamento territorial. Abordará os procedimentos básicos comuns a todos os processos e instrumentos de regularização fundiáriua. Apresentará também uma visão geral e prática sobre os aspectos que interferem nos procedimentos de registro, especialmente aqueles relacionados à retificação de registro dos imóveis ocupados ou parcelados irregularmente. Este Módulo ainda mostrará os procedimentos específicos de regularização fundiária de ocupações de interesse social em áreas públicas e privadas, diferenciando as áreas públicas da União, dos estados e dos municípios. Neste Módulo, será também detalhada a regularização dos loteamentos irregulares e clandestinos e a regularização dos conjuntos habitacionais. Assim, O Ministério das Cidades, por meio da SNPU, espera que todos os participantes do Curso à distância “Acesso à terra urbanizada: implementação dos Planos Diretores e regularização fundiária plena” sejam agentes na construção da nova política nacional de desenvolvimento urbano e multiplicadores ativos na implementação dos planos diretores e da regularização fundiária plena. Benny Schasberg Secretário Nacional de Programas Urbanos A segunda metade do século XX foi marcada pela rápida e desordenada migração populacional do campo para as cidades. Tal fenômeno vincula-se ao contexto de mudanças econômicas, políticas, sociais e tecnológicas de abrangência internacional: crescente industrialização; aumento da produtividade agropecuária, com liberação de mão-de-obra; investimentos consideráveis, mas sem eqüidade, na infraestrutura dos centros urbanos; massificação do uso do automóvel, entre outras. Três quartos da população da América Latina já vivem nas cidades. A maioria, em condições precárias. No Brasil a urbanização ocorreu em velocidade muito superior à dos países capitalistas mais avançados. Em 1940, menos de um terço da população vivia nas cidades. A partir da década de 1950, houve forte migração do campo para os grandes centros, em especial São Paulo e Rio de Janeiro, mas também para as capitais dos estados. Em 1970 já havia mais gente vivendo em centros urbanos que em áreas rurais. Segundo o censo demográfico do IBGE, em 2000 as cidades concentravam 81,25% dos brasileiros. A acelerada transformação do Brasil em país urbano foi marcada pela desigualdade de oportunidades, privando a população de menor renda de condições básicas para uma vida digna. Conseqüências do “inchaço” das cidades podem ser acompanhadas no noticiário e vividas no cotidiano: violência; desmoronamento de moradias em áreas de risco; precariedade no transporte; falta de infra-estrutura para educação, cultura e lazer; problemas de saúde pública pela ausência de saneamento básico e pela destinação inadequada de lixo etc. Por diversos motivos, tem sido limitada a capacidade dos municípios de planejar e gerir seu território. Faltam referências regionais e nacionais de planejamento. Falta também, é preciso reconhecer, experiência na construção de projetos com participação democrática efetiva das comunidades. Por outro lado, nos últimos anos a conjuntura política, administrativa e econômica tornou-se mais favorável a avanços na estrutura fundiária. A Constituição de 1988 e o Estatuto da Cidade criaram um arcabouço legal para alavancar o desenvolvimento sustentável em áreas urbanas. Há experiências positivas que podem e devem ser disseminadas. O curso a distância Acesso à Terra Urbanizada, promovido pela Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina, é uma contribuição relevante para enfrentar o problema com soluções factíveis. Nós da UFSC nos sentimos gratificados em dar suporte técnico-pedagógico para qualificar profissionais que colocarão seus conhecimentos a serviço da sociedade brasileira. Álvaro Toubes Prata Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina Sumário Módulo I.......................................................................................19 Aula 01 Acesso ao solo urbano: limites e possibilidades................. 21 Aula 02 O mercado imobiliário e a formação dos preços do solo.................................................... 51 Aula 03 Gestão social da valorização da terra...................................... 77 Aula 04 Instrumentos de ampliação do acesso à terra urbanizada.........................................................103 Aula 05 Acesso à moradia.........................................................................131 Aula 06 Gestão Urbana Integrada e Participativa e a implementação dos Planos Diretores...............................161 Módulo II....................................................................................187 Aula 07 Regularização de assentamentos informais: o grande desafio dos governos e da sociedade...............189 Aula 08 A regularização fundiária plena: questões comuns a todos os processos..............................213 Aula 09 O registro imobiliário: conceitos e bases legais................239 Aula 10 Regularização fundiária de ocupações em áreas públicas ...............................................279 Aula 11 Regularização fundiária de interesse social em áreas privadas.............................................................315 Aula 12 Regularização fundiária de interesse social de loteamentos e conjuntos habitacionais............333 Autores . ............................................................................................................361 Guia do Curso Você está iniciando o Curso Acesso à Terra Urbanizada: Implementação de Planos Diretores e Regularização Fundiária Plena, promovido pela Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina. O Curso está organizado em doze aulas que serão desenvolvidas ao longo de doze semanas. Neste Curso você encontrará subsídios para: •• Identificar os limites e possibilidades de ampliação do acesso à terra urbanizada. •• Conhecer e analisar os instrumentos de gestão social da valorização da terra. •• Abordar diferentes aspectos relativos à regularização fundiária e aos planos diretores municipais. •• Incentivar a elaboração de planos diretores participativos que visam a função social da propriedade. •• Aprofundar estudos sobre a questão fundiária na política habitacional e urbana do país e as formas de acesso à moradia. •• Divulgar o conhecimento e a compreensão do Estatuto da Cidade. •• Buscar alternativas para o mercado de terra, a recuperação de cus tos e a auto-sustentabilidade na provisão de infra-estrutura básica. •• Incentivar a elaboração de uma proposta de gestão urbana inte grada e participativa. •• Abordar as questões relacionadas à regularização fundiária de assentamentos informais de interesse social, com ênfase em terras públicas. Recursos didático-pedagógicos Material impresso Este é o “livro-base” do Curso. Nele você encontrará o conteúdo das doze aulas com as indicações de leituras complementares e das atividades que você vai realizar no Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem (AVEA), como os fóruns e os chats. Outros quatro livros, elaborados pele MCidades, complementam os conteúdos desenvolvidos neste livro. São eles: Para avançar na Regularização Fundiária. Biblioteca Jurídica de Regularização Fundiária Plena Manual da Regularização Fundiária Plena Regularização Fundiária Plena: referências conceituais O livro-base é composto por dois Módulos, cada um com seis aulas. O Módulo I, Acesso à Terra Urbanizada: Implementação dos Planos Diretores, aborda aspectos relativos à implementação do Estatuto da Cidade e do plano diretor municipal. Partindo do processo de urbanização brasileiro, você vai conhecer os limites e as possibilidades de acesso ao solo urbano; o mercado de terras e a infra-estrutura básica sustentável; os instrumentos de gestão social da valorização da terra e de ampliação do acesso à terra urbanizada; o acesso à moradia; e uma proposta de gestão urbana integrada e participativa. O Módulo II, Regularização Fundiária de Interesse Social, aborda conceitos, bases legais e exemplos dos procedimentos comuns a todos os processos de regularização fundiária plena. O livro-base contém uma série de ícones que sinalizam momentos distintos de uma aprendizagem à distância: indicação de leituras complementares e de atividades que serão desenvolvidas no AVEA Biblioteca Virtual Indicação dos arquivos, com leituras complementares, que estão postados no AVEA. Atividades – Indicação das atividades que você deverá desenvolver, muitas vezes, com seus colegas. Música – Indicação de músicas, postadas no AVEA, que serão utilizadas no desenvolvimento de atividades propostas. Link – Indicação de endereços eletrônicos relacionados ao conteúdo exposto, nos quais você encontrará informações adicionais sobre determinados temas. @ Chat – Indicação das temáticas que serão desenvolvidas nos chats virtuais programados para o Curso. Saiba mais – Informações mais detalhadas sobre o assunto em questão, muitas vezes, com referências bibliográficas para leituras complementares. Fórum – Indicação de questões específicas que estarão postadas no AVEA e que deverão ser debatidas por você e por seus colegas. i Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem (AVEA) O AVEA é um espaço virtual interativo no qual você irá desenvolver as atividades propostas no Curso. É neste espaço, por exemplo, que ficam postados os arquivos e materiais que você utilizará no Curso. É também por meio deste espaço que você vai interagir com os seus colegas, tutores, professores e monitores. Acesse o AVEA do curso periodicamente para que você saiba quais os temas e horários dos chats programados. Serviço de apoio ao estudante Tutoria Neste Curso, você contará com um(a) tutor(a), que estará à sua disposição para orientá-lo(a) a respeito dos procedimentos para a utilização do AVEA e a realização das atividades propostas. O papel do tutores é fundamental na Educação a Distância, pois são eles que mantêm uma comunicação dinâmica e constante com você, motivando-o(a) a participar das atividades do Curso. Eles disponibilizam o material pedagógico, corrigem as atividades, organizam, divulgam e interagem com você nos chats e fóruns. Enfim, eles estão sempre dispostos a auxiliá-lo em seu processo de estudo, orientando-o(a) individualmente e em pequenos grupos. Monitoria Os monitores(as) são responsáveis pelo esclarecimento de dúvidas administrativas e relacionadas ao desenvolvimento do Curso, como, por exemplo: •• atualização de dados cadastrais; •• problemas com logins e senhas para acessar o AVEA; •• confirmação de horários de chats; •• confirmação de dados para organização e envio dos certificados de conclusão do Curso. É importante saber Cada tutor será responsável por um mesmo grupo de estudantes do início ao fim do Curso. Quando o Curso começar você será contactado, por e-mail, pelo seu tutor. Assim, você será informado sobre seu horário de atendimento. Procure entrar em contato com seu tutor no horário de atendimento, para que ele possa acompanhar seus estudos mais sistematicamente e facilitar a troca de informações. Seu tutor fará contatos periódicos com você para acompanhar o andamento de seus estudos. Por isso, é importante manter seus dados cadastrais e endereço eletrônico atualizados. Processo de avaliação É importante que você participe das atividades propostas no livro-base e indicadas no AVEA para que o seu processo de aprendizagem seja realmente proveitoso. Além disso, você irá desenvolver as atividades propostas nas duas Fichas Tarefa que serão disponibilizadas no AVEA – a primeira até o final da Aula 6 e a segunda, até o final da Aula 12. Critérios para a certificação •• Participar de, no mínimo, três fóruns de conteúdo. •• Participar de, no mínimo, três chats. •• Entregar, por e-mail e para o seu tutor, as Fichas Tarefas preen- chidas. Aguarde contato para saber como você desenvolverá estas tarefas e também para saber quais são as datas limites para o envio destas atividades de avaliação. Contato Secretaria de Educação a Distância – Universidade Federal de Santa Catarina Rua Dom Joaquim, 757 - Centro - CEP 88015-310 - Florianópolis – SC Fone (48) 3952.1900 - Fax (48) 3224.8869 http://www.sead.ufsc.br ou http://www.sead.ufsc.br/cidades [email protected] Módulo I O Módulo I, com seis aulas, aborda diversos aspectos relativos à implementação do Estatuto da Cidade e do plano piretor municipal, que tem como maiores desafios o acesso à terra urbana e o modelo de gestão dos municípios. Partindo do processo de urbanização brasileiro, você irá estudar: limites e possibilidades de acesso ao solo urbano; o mercado de terras e a formação do preço do solo urbano; os instrumentos de gestão social da valorização da terra e de ampliação do acesso à terra urbanizada; o acesso à moradia; e uma proposta de gestão urbana integrada e participativa. Nesta aula, você verá que o processo de urbanização brasileiro acirrou as desigualdades e privou a população de menor renda de condições básicas para inserção efetiva na cidade. Por diversos motivos, tem sido limitada a capacidade dos municípios de planejar e gerir seu território. Faltam referências regionais e nacionais de planejamento. Mas este quadro pode mudar. Você terá a oportunidade de conhecer como a Constituição e o Estatuto da Cidade apostaram em uma política fundiária com planejamento participativo local, que pudesse ampliar o acesso à moradia digna. A elaboração dos Planos Diretores foi um processo coletivo de reconhecimento do território, de seus limites e vulnerabilidades, e dos interesses conflitantes. Mas nem todos esses planos foram de fato participativos ou contêm instrumentos para transformar a realidade. Vamos ver a importância de disponibilizar solo urbano em quantidade e concondições adequadas para a produção de moradias. E também como as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e outros instrumentos, presentes em mais de 70% dos Planos Diretores Participativos, podem facilitar a integração em definitivo dos assentamentos informais populares à cidade e, principalmente, possibilitar o uso de vazios urbanos para a produção de novas moradias. Ressaltamos que atualmente há um contexto sociopolítico favorável e abundância de créditos e subsídios para a população de rendas mais baixas e alertamos que a aplicação destes recursos só terá efeitos positivos se ocorrer associada à política fundiária, ao controle social e à melhoria na gestão municipal. Aula 01 Acesso ao solo urbano: limites e possibilidades Raquel Rolnik A dura realidade dos moradores da periferia do Recife, em contraste com o lado “cartão-postal” da cidade, foi retratada em canções da banda Chico Science e Nação Zumbi, que, na década de 1990, promoveu uma renovação artística e estética na música brasileira com o movimento cultural manguebeat. Você pode ouvir esta música no AVEA. A CIDADE - Chico Science O sol nasce e ilumina as pedras evoluídas, Que cresceram com a força de pedreiros suicidas. Cavaleiros circulam, vigiando as pessoas, Não importa se são ruins, nem importa se são boas. E a cidade se apresenta centro das ambições, Para mendigos ou ricos, e outras armações. Coletivos, automóveis, motos e metrôs, Trabalhadores, patrões, policiais, camelôs. A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o debaixo desce. A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o debaixo desce. A cidade se encontra prostituída, Por aqueles que a usaram em busca de saída. Ilusória de pessoas e outros lugares, A cidade e sua fama vai além dos mares. No meio da esperteza internacional, 22 A cidade até que não está tão mal. E a situação sempre mais ou menos, Sempre uns com mais e outros com menos. A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o debaixo desce. A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o debaixo desce. Eu vou fazer uma embolada, um samba, um maracatu Tudo bem envenenado, bom pra mim e bom pra tu. Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus. Eu vou fazer uma embolada, um samba, um maracatu Tudo bem envenenado, bom pra mim e bom pra tu. Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus. Num dia de sol, Recife acordou Com a mesma fedentina do dia anterior. A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o debaixo desce. A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o debaixo desce. Aula 01 Introdução A urbanização brasileira: expressão territorial das desigualdades Em um dos movimentos sócio-territoriais mais rápidos e intensos de que se tem notícia, a população brasileira passou de predominantemente rural para majoritariamente urbana. Este movimento – impulsionado pela migração de um vasto contingente de pobres – ocorreu sob a égide de um modelo de desenvolvimento urbano, que basicamente privou as faixas de menor renda da população de condições básicas de urbanidade ou de inserção efetiva à cidade. Hoje, em nosso País, mais de 80% da população é considerada urbana, em um modelo de urbanização que concentrou 60% desta em 224 municípios com mais de 100 mil habitantes, dos quais 94 pertencem a aglomerados urbanos e regiões metropolitanas com mais de um milhão de habitantes. No vasto e diverso universo de 5.564 municipalidades, são raras as cidades que não têm uma parte significativa de sua população vivendo em assentamentos precários. De acordo com os dados do Censo Demográfico, estão nesta condição aproximadamente 40,5% do total de domicílios urbanos brasileiros, ou 16 milhões de famílias, das quais 12 milhões são famílias de baixa renda, que auferem renda familiar mensal abaixo de cinco salários mínimos. Considerando os dados apresentados acima, universalizar a condição adequada de moradia – pelo menos no que diz respeito a seus aspectos urbanísticos e de plena segurança fundiária – implicaria, por um lado, urbanizar, introduzindo melhorias urbanísticas e habitacionais em pelo menos 10,2 milhões de domicílios, e, por outro, produzir 6 milhões de novas unidades para substituir moradias extremamente precárias e superar o adensamento excessivo. A natureza deste desafio fica mais clara quando se analisa a distribuição destes déficits por renda. O universo dos assentamentos precários é marcadamente também o território da pobreza nas cidades. Embora existam loteamentos irregulares ou sem infra-estrutura completa de renda média e alta, a grande concentração da precariedade está nas faixas de baixa renda. Para provisão de novas moradias, este porcentual é de 83% do total; para água potável e afastamento do esgoto, é de 60%; apenas Definição da ONU do que é um assentamento precário: trata-se de um assentamento contíguo, caracterizado por condições inadequadas de habitação e/ou serviços básicos. Um assentamento precário é freqüentemente não reconhecido/considerado pelo poder público como parte integral da cidade. Cinco componentes refletem as condições que caracterizam os assentamentos precários: 1. status residencial 2. 3. 4. 5. inseguro; acesso inadequado à água potável; acesso inadequado a saneamento e infra-estrutura em geral; baixa qualidade estrutural dos domicílios e adensamento excessivo. Em um assentamento precário, os domicílios devem atender pelo menos uma das cinco condições acima. 23 para tratamento de esgoto em áreas que já possuem esgoto coletado, este percentual diminui, já que esta carência é mais generalizada. Mais de 70% dos esgotos gerados nas áreas urbanas não recebiam, em 2002, qualquer tipo de tratamento (Ministério das Cidades - Cidades para Todos, 2004). Assentamentos irregulares A ilegalidade é também uma das marcas da cidade brasileira, para além das metrópoles. Embora não exista apreciação segura do número total de famílias e domicílios instalados em favelas, loteamentos e conjuntos habitacionais irregulares, loteamentos clandestinos e outras formas de assentamentos marcados por alguma forma de irregularidade administrativa e patrimonial, é possível afirmar que o fenômeno está presente na maior parte da rede urbana brasileira. A pesquisa Perfil Municipal (MUNIC-IBGE 2000) revela a presença de assentamentos irregulares em quase 100% das cidades com mais de 500 mil habitantes e em 80% das cidades entre 100 mil e 500 mil. Até nos municípios com menos de 20 mil habitantes, os assentamentos informais aparecem em mais de 30% dos casos. Estimativas realizadas pelo Ministério das Cidades, a partir de cruzamentos de dados censitários, indicam que mais de 12 milhões de domicílios, habitados por famílias com renda mensal até cinco salários mínimos, encontram-se nesta condição. BRASIL URBANO 80% dos brasileiros vivem nas cidades 60% moram em municípios com mais de 100 mil habitante Quatro em cada 10 domicílios são assentamentos precários 16 milhões de famílias vivem em assentamentos precários Há assentamentos irregulares em quase todas as cidades com mais de 500 mil habitantes e em 80% das cidades entre 100 mil e 500 mil 24 Excluídos do marco regulatório e dos sistemas financeiros formais, os assentamentos irregulares se multiplicaram em terrenos frágeis ou em áreas não passíveis de urbanização, como encostas íngremes e áreas inundáveis, além de constituírem vastas franjas de expansão periférica sobre zonas rurais, eternamente desprovidas de infra-estruturas, equipamentos e serviços que caracterizam a urbanidade. Ausentes dos mapas e cadastros de prefeituras e concessionárias de serviços públicos, inexistentes nos registros de propriedade nos cartórios, estes assentamentos têm uma inserção no mínimo ambígua nas cidades onde se localizam. Modelo dominante de territorialização dos pobres nas cidades brasileiras, a con- solidação destes assentamentos é progressiva, eternamente incompleta e totalmente dependente de uma ação discricionária do poder público – já que para as formas legais de expressão de pertencimento à cidade estes assentamentos simplesmente não existem. Aula 01 A presença deste vasto contingente de assentamentos inseridos de forma ambígua na cidade é uma das mais poderosas engrenagens da máquina de exclusão territorial que bloqueia o acesso dos mais pobres às oportunidades econômicas e de desenvolvimento humano que Para refletir e debater as cidades oferecem. Essa situação de exclusão é muito Como a exclusão territorial e a demais do que a expressão da desigualdade de renda e das sigualdade se manifestam na sua cidade? desigualdades sociais: ela é agente de reprodução dessa De que forma isso se reflete no cotidiano desigualdade. Em uma cidade dividida entre a porção ledos habitantes e no seu próprio? Acesse o espaço Fóruns de Conteúdo, no AVEA gal, rica e com infra-estrutura e a ilegal, pobre e precária, do nosso Curso, e participe do Fórum em a população que está em situação desfavorável acaba tenque discutiremos essas questões. Comdo pouco acesso a oportunidades de trabalho, cultura ou partilhe sua opinião com os seus colegas! lazer. Simetricamente, as oportunidades de crescimento O conhecimento que você tem sobre o seu município é fundamental para que circulam nos meios daqueles que vivem melhor, pois a sopensemos juntos sobre as reais necessidabreposição das diversas dimensões da exclusão incidindo des de desenvolvimento do nosso País! sobre a mesma população fazem com que a permeabilidade entre as duas partes seja muito pequena. Além disso, este modelo alimenta, de forma permanente, relações políticas marcadas pela troca de favores e manutenção de clientelas, limitando o pleno desenvolvimento de uma democracia verdadeiramente includente. Finalmente, o modelo condena a cidade como um todo a um padrão insustentável do ponto de vista ambiental e econômico, já que impõe, para o conjunto da cidade, perdas ambientais e externalidades muito difíceis de recuperar. Esses processos geram efeitos nefastos para as cidades, alimentando a cadeia do que poderíamos chamar de um urbanismo de risco, que atinge as cidades como um todo. Caos no transporte Ao concentrar todas as oportunidades em um fragmento da cidade e estender a ocupação a periferias precárias e cada vez mais distantes, esse urbanismo de risco vai acabar levando multidões para trabalhar nessa parte da cidade e devolvê-las a seus bairros no fim do dia, gerando, assim, uma necessidade de circulação imensa, o que, nas grandes cidades, tem gerado caos diário nos sistemas de circulação. E quando a ocupação das áreas 25 frágeis ou estratégicas do ponto de vista ambiental provoca enchentes ou erosão, é evidente que quem vai sofrer mais é o habitante desses locais, mas as enchentes, a contaminação dos mananciais, os processos erosivos mais dramáticos, enfim, atingem a cidade como um todo. Além disso, a pequena parte melhor infra-estruturada e qualificada da cidade acaba sendo objeto de disputa, de cobiças imobiliárias. A escassez de áreas de maior qualidade leva às alturas os preços de terra dessas áreas, mas os preços de terras periféricas sobem também, pois se coloca em curso um motor de especulação imobiliária que não existiria com essa força se a qualidade urbana fosse mais distribuída pela cidade. E, logicamente, quanto maior o preço da terra, menor a capacidade de o poder público intervir como agente no mercado (ROLNIK 1997). O drama da multiplicação desses habitats precários, inacabados e inseguros vem à tona quando barracos desabam, em conseqüência de chuvas intensas, e quando eclodem crises ambientais, como o comprometimento de áreas de recarga de mananciais, em função de “ocupação desordenada”. Palavra originária da língua africânder, apartheid refere-se à segregação e discriminação políticoeconômica contra a população não-branca na África do Sul durante a maior parte do século XX. Por extensão de sentido, qualquer tipo de segregação (Dicionário Houaiss; Merriam-Webster; Encyclopedia Britannica). Na ausência desses episódios, no entanto, parece “natural” o apartheid que partiu nossas cidades em “centros” e “periferias”. O primeiro é o ambiente dotado de infra-estrutura completa, no qual estão concentrados o comércio, os serviços e os equipamentos culturais, e onde todas as residências de nossa diminuta classe média têm escritura devidamente registrada em cartório. Já a “periferia” é o lugar feito exclusivamente de moradias de pobres, precárias, eternamente inacabadas e cujos habitantes raramente têm escrituras de propriedade. São usuais, nos momentos em que voltam à mídia os dramas das “periferias” e das “favelas”, as análises que culpam o Estado por não ter planejado, por não ter política habitacional ou mesmo por ter “se ausentado”. Entretanto, é flagrante o quanto o planejamento, a política habitacional e de gestão do solo urbano têm contribuído para construir este modelo de exclusão territorial. Hoje, as áreas “de mercado” são reguladas por um vasto sistema de normas, contratos e leis, que tem quase sempre como condição de entrada a propriedade escriturada, fruto da compra e venda. São essas as beneficiárias do crédito e as destinatárias do “Habite-se”. Os terrenos que a lei permite urbanizar, assim como os financiamentos que a política habitacional praticada no País tem disponibilizado, estão reservados ao restrito círculo dos que têm dinheiro e propriedade da terra. A política habitacional 26 de interesse social tem reforçado a exclusão dos mais pobres, ao localizar estes conjuntos em periferias distantes e precárias. Aula 01 Para as maiorias, sobram os mercados informais e irregulares, em terras que a legislação urbanística e ambiental não disponibilizou para o mercado formal: áreas de preservação, zonas rurais, áreas non-edificandi, parcelamentos irregulares. Clientelismo Invisíveis para o planejamento e a legislação, as “periferias” e “favelas” do País estão, há décadas, sendo objeto de micro-investimentos em infraestrutura, que, diante da ambigüidade de inserção legal destes assentamentos à cidade, são vividas por beneficiários e concedentes como favores a serem recompensados por lealdades políticas. Este tem sido, inequivocamente, um dos mecanismos mais poderosos de geração de clientelas nas cidades e regiões metropolitanas. O quadro acima descrito revela a magnitude do desafio a enfrentar – trata-se de um desafio que requer a mobilização de quantidades consideráveis de recursos para investimentos dirigidos à melhoria de qualidade do habitat de uma população com baixíssima capacidade de retorno. Por outro lado, o desafio está longe de se resumir a uma equação financeira: a máquina de exclusão territorial tem, como vimos, enorme correlação com a concentração de renda e poder em nossa sociedade. Desta forma, a construção de cidades mais equilibradas, eficientes e justas requer a implementação de políticas urbanas que, além de mobilizarem recursos financeiros, introduzam mecanismos permanentes de acesso à terra legal e formal por parte dos mais pobres, redesenhando a natureza e os instrumentos até agora em vigor no campo da gestão do solo urbano em nossas cidades. Clientelismo é a troca de favores entre quem detém o poder e quem vota (Dicionário Houaiss). Solo urbano e habitação de interesse social: a questão fundiária na política habitacional e urbana do País Parece haver um consenso entre os estudiosos e formuladores de políticas habitacionais, no Brasil e na esfera internacional, de que o solo urbano deva ser um dos componentes essenciais da política e que sua disponibilidade em quantidade e condições adequadas para a promoção de 27 i Saiba mais sobre a trajetória da política habitacional: ARRETCHE, Marta T. S. “Intervenção do Estado e Setor Privado: o Modelo Brasileiro de Política Habitacional”. In: Espaço & Debates, ano X, no. 31, 1990. AZEVEDO, S. e ANDRADE, L.A. Habitação e Poder: da fundação da casa popular ao Banco Nacional da Habitação. Rio de Janeiro: Zahar, 1981 programas e projetos de moradia é fundamental para seu êxito. No entanto, políticas de solo voltadas para dar suporte a programas de promoção habitacional raramente escaparam do binômio desapropriação/localização periférica, muitas vezes através de operações de conversão de solo rural em urbano. BOLAFFI, Gabriel. A Casa das Ilusões Perdidas: aspectos socioeconômicos do Plano Brasileiro de Habitação. São Paulo: Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, 1977. Na experiência brasileira, desde os arranjos financeiros formulados nos anos 1960 no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), o componente solo – BONDUKI N. Origens da habitação social no Bracondicionante da localização dos empresil. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. endimentos, da sua inserção na cidade e MARICATO, Ermínia T. M. Indústria da Construção e do acesso a equipamentos e serviços – foi Política Habitacional. São Paulo: Tese de Doutorado. delegado aos municípios e aos agentes Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP, 1983; promotores dos conjuntos habitacionais. MELO, Marcus André B. C. de. “Estruturação intraMesmo durante os dez anos (1976-1986) urbana, regimes de acumulação e Sistemas Finanem que o Banco Nacional da Habitação ceiros da Habitação: Brasil em perspectiva compara(BNH) implementou uma política de da”. In: Espaço & Debates, ano X, no. 31, 1990. terras, esta foi focalizada na aquisição de NAKANO, Anderon Kazuo. Quatro COHABs da terrenos, através de financiamentos espeZona Leste de São Paulo: Territórios, Poder e Secíficos para formação de bancos de terras gregação. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP, 2002. por parte dos agentes do SFH e compras diretas pelo BNH, não chegando a impactar de forma significativa a localização e inserção dos conjuntos nas cidades. Embora em alguns períodos, como o início dos anos 80, quando foi criado o Departamento de Terras do BNH, o estoque tenha atendido a quase 50% do total de terras consumidas pelos projetos habitacionais de interesse social em algumas conjunturas, a maior parte da produção se deu em terrenos comprados no âmbito do próprio financiamento, e geralmente: (...) as aquisições eram feitas quase sempre de forma isolada, mais influenciadas pelas ofertas dos terrenos, e destacadamente por seus custos. Em conseqüência, os terrenos financiados encontravam-se cada vez mais distantes dos centros urbanos, em áreas nem sempre prioritárias para o crescimento físico das cidades, e que exigiam investimentos adicionais por parte do poder público, para o provimento dos serviços necessários (SERPA, 1988, p. 67). 28 Especulação imobiliária Aula 01 Avaliação qualitativa da inserção urbana dos terrenos realizada no âmbito do próprio BNH em 1985 revelou que menos de 10% dos terrenos adquiridos para a construção de conjuntos habitacionais estavam situados dentro da malha urbana ou eram imediatamente contíguos a ela. Estes terrenos eram dotados de acesso e transporte, e servidos pelo menos por abastecimento de água e energia elétrica (SERPA, op. cit., p. 99). Por outro lado, o controle de custos de produção por parte dos agentes financeiros, aliado às limitações dos tetos de financiamento nos programas habitacionais de baixa renda (integralmente voltados para a aquisição da propriedade individual da casa ou apartamento), transformou o preço dos terrenos no principal elemento de sobrelucro para os promotores imobiliários do Sistema. Isso se refletiu também em aumento de preços de terrenos em função do aumento da demanda provocada pela política oficial. Já em 1975, ao avaliar os impasses da política habitacional brasileira, assim escrevia Gabriel Bolaffi: O fenômeno só encontra explicação no fato de que uma parte considerável da riqueza criada no país transfere-se continuamente dos cofres públicos para aqueles dos proprietários de imóveis, sem que para isso seja necessário qualquer tipo de ação empresarial, nenhum investimento produtivo, nenhuma espécie de risco. O mecanismo que opera esta ilusória partenogênese da riqueza é criado e alimentado pelo próprio poder público, quando deixa de cobrar, por meio de impostos adequados, os investimentos que realiza nos serviços públicos, responsáveis pela valorização imobiliária. (...) As conseqüências dessa prática governamental não se limitam a uma flagrante iniqüidade tributária, mas transformam a propriedade imobiliária no santuário da especulação parasitária que persegue o lucro sem risco. A demanda de terrenos urbanos adquire uma dimensão especulativa, parcelas consideráveis de terrenos urbanizados são retidas ociosas, as cidades se espalham, os custos de implantação e operação de serviços públicos se elevam e, sobretudo, se elevam os custos da habitação. (...) A política fundiária no Brasil, cuja principal característica é a ausência de impostos significativos sobre a propriedade imobiliária, se transforma assim no principal mecanismo por meio do qual os capitais provenientes da arrecadação tributária são transferidos aos proprietários de casas e terrenos (BOLAFFI, 1979, p. 66 e 67). Na formulação do modelo de financiamento do desenvolvimento urbano do Governo Federal, que em 1964 criou o BNH, o locus de definições do ordenamento territorial urbano deveria ser o Plano Diretor municipal. No modelo proposto o BNH, estaria vinculado ao Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), este encarregado de definir o marco regulatório e financiar a elaboração dos Planos Diretores municipais com os recursos do próprio banco, através de um Fundo de Finan- 29 ciamento ao Planejamento. Esta proposta, assim como parte do modelo de construção de uma política nacional de habitação e urbanismo, fazia parte das propostas do Seminário Nacional de Habitação e Reforma Urbana, realizado em 1963 no contexto dos debates das grandes reformas sociais nacionais: agrária, da saúde, da educação, da cultura, entre outras. Entretanto, o contexto político nacional mudara radicalmente entre 1963, quando o seminário foi realizado, e 1964, quando, por meio de um golpe, uma junta militar assumiu o poder (MARICATO, 2001). A construção de cidades mais justas requer políticas urbanas de acesso à terra, bem localizada, legal e formal por parte dos mais pobres. O modelo proposto – a promoção de um sistema de planejamento local que daria suporte às intervenções no campo dos investimentos urbanos – opunha-se frontalmente a todo o sistema de planejamento e execução orçamentária montado no País, baseado na concentração de recursos nas mãos do Governo Federal, depois da reforma tributária de 1966/67 (MONTE-MÓR, 2006), limitando as possibilidades de avanço na capacidade de gestão e financiamento dos governos locais. É neste momento também que o BNH assume a gestão dos recursos do FGTS, tornando-se o maior banco de segunda linha do País, encarregado de arrecadar recursos financeiros para em seguida transferi-los a agentes privados intermediários, transformando-se, assim, no locus da política habitacional e de desenvolvimento urbano. Visão setorialista x visão globalista No início dos anos 70, no bojo do processo de elaboração do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), um capítulo foi dedicado à Política de Desenvolvimento Urbano. Naquele momento, segundo um dos planejadores envolvidos na tarefa, era evidente o embate de duas concepções: “uma procurando lidar com o espaço brasileiro como uma totalidade manifesta no território e outra com uma visão segmentada do urbano, entendida como a somatória da habitação, do transporte, do saneamento básico, da gestão administrativa, das finanças. Visão que propiciava de imediato uma ação sobre a política urbana dos distintos grupos de interesse em cada um destes setores. Esta visão, setorialista, foi a vencedora e a globalista, portanto geográfica, foi derrotada” (SOUZA, 1999). 30 Em 1974, o SERFHAU é extinto e toda atividade de planejamento na área de desenvolvimento urbano no âmbito do Governo Federal se consubstancia no planejamento setorial, basicamente através do Plano Nacio- nal de Habitação Popular (PLANHAP) e do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), que se tornam marcos referenciais de atuação do BNH, com metas quantitativas de produção na área de habitação e saneamento. Aula 01 A meta do PLANHAP era a extinção do chamado “déficit habitacional”, com a construção de 2 milhões de moradias para famílias com renda até três salários mínimos. i A combinação perversa de uma gestão local frágil e de uma enorme concentração de recursos em um banco, cuja atuação foi estruturada por uma visão setorialista e cuja implantação estava sob responsabilidade dos agentes intermediários, transformou a elaboração de Planos de Desenvolvimento Urbano em meros documentos acessórios de justificação de investimentos setoriais, paralelos e externos à própria gestão local, definidos e negociados em esferas e circuitos que pouco ou nada tinham a ver com esta. Soma-se, nas cidades, o enorme poder econômico e político dos proprietários de imóveis, sobretudo daqueles cuja atividade econômica está diretamente ligada ao mercado imobiliário, tanto de sua produção como de seu financiamento e gerenciamento dos ativos. Empreendedores imobiliários, empreiteiros de obras públicas e concessionários de serviços dialogam permanentemente com os executivos e legislativos municipais, e sobre estes exercem grande pressão e influência. Zoneamento Quanto mais se instalavam no espaço das cidades as contradições e a desigualdade, mais restrita se tornava a intervenção do planejamento, que permanecia lidando com modelos ideais, pressupondo um território sem tensões ou conflitos. O instrumento que hegemoniza a prática do planejamento nesse período é o zoneamento, que significa a divisão do conjunto do território urbanizado (ou a ser urbanizado) em zonas diferenciadas, para as quais são aplicados parâmetros de uso e ocupação específicos. Essa estratégia baseia-se na idéia da definição de um modelo de cidade ideal, traduzido em índices como taxas de ocupação, coeficientes de aproveitamento, tamaA história da chegada do zoneamento ao Brasil, e da sua utilização cada vez mais autônoma enquanto nhos mínimos de lotes, etc. – linguagem instrumento de planejamento urbano, está contada construída no interior da lógica de rentaem Planejamento e Zoneamento (Sarah Feldman, bilidade econômica do solo e, portanto, Tese de doutoramento, FAUUSP, 1996). diretamente ligada à lógica do mercado. i 31 Os planos e projetos continuaram a ser feitos, mas na vida cotidiana das cidades o planejamento se explicitava apenas sob a forma de zoneamento, ficando os ambiciosos planos quase sempre na gaveta dos órgãos públicos. É curioso lembrar que a década de 1970, de grande crescimento da informalidade, das favelas e dos loteamentos clandestinos, é também a década dos grandes planos diretores, dos planos metropolitanos, que se propunham a dirigir e articular todas as políticas setoriais sob a batuta do planejamento urbano. A adoção de padrões urbanísticos exigentes e de difícil compreensão e a alta complexidade dos planos fazem parte de um quadro de hegemonia de uma visão tecnocrática na legislação urbanística. Isso significa o tratamento da cidade como um objeto puramente técnico, no qual a função da lei seria apenas a de estabelecer os padrões satisfatórios de qualidade para seu funcionamento. Ignoram-se, dessa forma, qualquer dimensão que reconheça conflitos e a realidade da desigualdade das condições de renda e sua influência sobre o funcionamento dos mercados imobiliários urbanos. Diante da primazia da tecnocracia, míngua a esfera da política, ou seja, a permeabilidade da lei a processos e pressões vindos dos diversos setores da sociedade, cuja atuação visa à intervenção nos campos da tomada de decisão. Dificultando a explicitação de forças e setores excluídos da legalidade, a regulação acaba contemplando aqueles que já estão contemplados, ou seja, a minoria de alta renda. A tecnocracia, ou a impermeabilidade à política, na verdade favorece a captura dos mecanismos legais por parte dos mais poderosos. A combinação destas condições é o conhecido quadro de ausência de políticas fundiárias redistributivas ou de ampliação de acesso à terra para moradia popular em nível federal sequer como conteúdo do planejamento e gestão locais. Este quadro permaneceu inalterado, tendo sido impactado, nos anos 80, pela falência do BNH e pela queda no nível de investimentos no setor, e, do ponto de vista político, pelo movimento pela redemocratização do País, do qual os movimentos sociais urbanos constituíram parte de sua base popular. Planejamento urbano e democracia 32 Nos anos 80, a democratização do País veio acompanhada de avanços no campo da política urbana, especialmente no reconhecimento do direito à moradia e à cidade, no incremento dos processos de participação ci- dadã e na incorporação dos mais pobres como interlocutores das políticas urbanas. Entretanto, este movimento em direção às periferias não foi imediatamente acompanhado pela formulação e revisão de uma nova política de desenvolvimento urbano em nível federal. Do ponto de vista do financiamento, nas décadas de 80 e 90, os investimentos foram extremamente limitados, em função do ajuste estrutural que limitava o gesto e o endividamento público. Tampouco se formulou uma estratégia territorial para o País, restringindo o debate sobre o território ao tema das desigualdades regionais e grandes projetos de infra-estrutura e logística. Aula 01 A gestão municipal reproduziu os modelos do período autoritário, que desconsideram as necessidades da maioria dos moradores, com inequívocos impactos sócio-ambientais. Se em nível nacional a proposta de um ordenamento territorial como suporte a um projeto de desenvolvimento para o País não conquistou espaço nas estratégias de crescimento econômico, na escala dos municípios o imediatismo e pragmatismo da gestão promoveram a hegemonia de práticas voltadas para resultados imediatos, com grande capacidade de resposta a pressões e demandas, sem que questões estruturais, como a forma de organização física das cidades, fossem enfrentadas. Desta forma, a gestão municipal acabou por reproduzir os modelos da cultura urbanística herdada do período autoritário. Um modelo que desconsidera as necessidades da maioria dos moradores, que segrega e diferencia moradores “incluídos” na urbanidade formal e moradores dela excluídos, com inequívocos impactos sócio-ambientais para a cidade como um todo. Trata-se de um modelo baseado na expansão horizontal e no crescimento como ampliação permanente das fronteiras, na subutilização tanto das infra-estruturas quanto da urbanidade já instaladas e na mobilidade centrada na lógica do automóvel particular. No epicentro deste modelo – e sua interface com a questão habitacional –, está a questão do solo urbano. A trajetória da reforma urbana É possível localizar, na década de 80, um momento de amadurecimento de um discurso inovador em torno da política urbana, que ocorreu no bojo do processo de redemocratização do País e que se tornou conhecido como Movimento Nacional pela Reforma Urbana. Este movimento foi articulado em torno dos nascentes movimentos sociais de luta por moradia, parte dos novos atores políticos que surgiam no País naquele momento, 33 pressionando por reformas em várias áreas do Estado. Os novos movimentos sociais foram atores fundamentais no processo da redemocratização brasileira nos anos seguintes e foram um fator fundamental para a criação de um tônus político para a negociação e aprovação de uma série de mudanças institucionais posteriores. Articulados a novos movimentos sociais, encontravam-se setores técnicos de várias áreas, como advogados, arquitetos e urbanistas, engenheiros, além de técnicos de prefeituras e segmentos de universidades. A articulação desses atores potencializou a discussão de novos temas, como a politização do debate sobre a legalidade urbanística e a necessidade Na Biblioteca Virtual do nosso Curso, está dispode abertura da gestão urbana para novos nível o texto “Instrumentos urbanísticos contra a atores sociais, sob um marco participaexclusão social: introdução”. In: ROLNIK, Raquel tivo. Isto configurou um discurso para a e CYMBALISTA, Renato (orgs.), Instrumentos urbanísticos contra a exclusão social. Revista Pólis 29. São Paulo: reforma urbana, que buscava intervir na Instituto Pólis, 1997. formulação de novas políticas públicas, includentes, no nível local (ROLNIK, 1997). A crítica ao status quo do planejamento urbano e da regulação urbanística vinha sendo feita também no seio das gestões municipais comprometidas com a revisão dos paradigmas de construção da política urbana, inicialmente de maneira tímida e, a partir de meados da década de 80, cada vez mais articulada. Tratava-se, portanto, de uma trincheira dupla na disputa: por um lado, na esfera nacional, o Movimento pela Reforma Urbana lutou pela criação de um novo marco regulatório para a política urbana, conforme relatado adiante. Por outro lado, o modelo descentralizador-municipalista adotado pela Constituição significou também maior autonomia para que os municípios experimentassem novos instrumentos de planejamento e gestão urbana, mesmo antes da aprovação do Estatuto da Cidade (ROLNIK; CYMBALISTA, 2000. RIBEIRO; SANTOS JR., 1997. BONDUKI, 1996). Os grupos que empunharam a bandeira da reforma urbana propuseram, no âmbito local, instrumentos que superassem a idéia da legislação como objeto puramente técnico, explorando suas múltiplas alianças com as desigualdades da sociedade e elaborando instrumentos urbanísticos que jogassem o peso do Estado e da regulação a favor – e não contra, como de costume – da democratização do espaço da cidade. O tema da política fundiária foi particularmente importante neste debate. A questão do acesso ao solo urbano para as populações de menor renda já vinha sendo formulada desde a emenda popular pela reforma urbana em duas vertentes: do reconhecimento dos direitos de pos- 34 se e de integração à cidade daqueles que constituíram as favelas e ocupações, e do combate à retenção especulativa de terrenos. Em nível local, experiências como o Programa de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social (PREZEIS) em Recife, o Profavela, em Belo Horizonte, as Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS), em Diadema, todos iniciados na década de 80 ou início da década de 90, estão entre as primeiras aplicações práticas dessa nova abordagem. Aula 01 Acesse a Biblioteca Virtual do nosso Curso e leia um balanço dessas primeiras experiências em MOURAD, Laila Nazem. Democratização do acesso a terra em Diadema (Dissertação de Mestrado, PUC-Campinas, 2001). Sobre a experiência de Recife, veja: MIRANDA, Lívia, O PREZEIS do Recife: 15 anos da construção de uma política habitacional de interesse social no município. Rio de Janeiro: Observatório das metrópoles/ IPPUR/FASE/UFPE/Finep; e ARAÚJO, Adelmo. O prezeis enquanto instrumento de regulação urbanística. Revista Proposta no 61. Rio de Janeiro: FASE, 1994. Mobilização social e mudanças As potencialidades desse novo arranjo de forças políticas evidenciaramse na imensa mobilização social prévia à Constituição de 1988, que logrou inserir no texto constitucional um viés marcado pelos direitos humanos e cidadania. Especificamente na área da política urbana, a mobilização resultou em uma proposta de reformulação da legislação através da Emenda Popular da Reforma Urbana, encaminhada ao Congresso Constituinte em 1988 pelo Movimento Nacional pela Reforma Urbana, que resultou no capítulo de Política Urbana da Constituição (artigos 182 e 183). Nele estavam contidas propostas que procuravam viabilizar novos instrumentos urbanísticos de controle do uso e ocupação do solo, para que se pudesse, entre outros objetivos, possibilitar o acesso à terra, democratizando o solo urbano. Após a aprovação da Constituição Federal de 1988, a luta pela renovação dos instrumentos de regulação urbanística, da política urbana e do planejamento territorial continuou percorrendo o caminho duplo das lutas nos âmbitos local e nacional. Vários setores – agregados principalmente em torno do Fórum Nacional da Reforma Urbana – permaneceram na luta pela conclusão do processo, que era a regulamentação do capí- Para saber mais, leia OSÓRIO, Letícia (ed). Estatuto da Cidade: Novas perspectivas para a reforma urbana. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002; DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sérgio (orgs.). Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros Editores, 2002; ROLNIK, Raquel (org.) Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília: CAIXA/Instituto Polis/Senado Federal, 2002. i 35 O website do Fórum Nacional da Reforma Urbana traz ampla variedade de informações pertinentes ao tema deste curso: histórico, legislação, conflitos urbanos, movimentos sociais participantes, eventos, fóruns regionais, referências nacionais e internacionais, entre outras. Acesse http://www.forumreformaurbana.org.br e fique por dentro destas informações (endereço acessado em 01/04/2008). @ tulo de política urbana na Constituição. Já em 1990, surge o Projeto de Lei 5.788/90, que tramitou por mais de uma década no Congresso, sendo intensamente discutido e alterado, resultando posteriormente no Estatuto da Cidade, ao qual nos referiremos em seguida. Estatuto da Cidade i i Os primeiros anos do século XXI marcaram um novo momento no progressivo movimento de construção de uma institucionalidade para a política urbana no País. Em 2001, foi aprovada no Congresso Nacional a Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001, conhecida como Estatuto da Cidade, instiLeia mais em ROLNIK, Raquel (coord.). Estatuto da tuindo as diretrizes e os instrumentos de cidade – guia para implementação pelos municípios cumprimento da função social da cidade e cidadãos, pp. 21-22. e da propriedade urbana, do direito à cidade e da gestão democrática das cidades. A produção técnica em torno do Estatuto foi efervescente, tanto no campo jurídico quanto do planejamento urbano. Você pode se aprofundar no debate sobre o tema por meio destas leituras: DALLARI, Adilson. A e FERRAZ, Sérgio (orgs). Estatuto da Cidade: comentários à lei federal 10.257/2001; Instituto Polis/ Caixa Econômica Federal: Estatuto da Cidade; guia para implementação pelos municípios e cidadãos; OSÓRIO, Letícia M (org.) Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Fabris Editores, 2002. RIBEIRO, Luiz César e CARDOSO, Adauto. Reforma Urbana e Gestão Democrática. Promessas e desafios do Estatuto da cidade. Rio de Janeiro: Editora Revan/FASE 2003. O site www.estatutodacidade.org.br traz ampla variedade de informações: o texto da Lei, análises, banco de experiências, material didático nas mais diversas mídias, cursos, etc. (endereço acessado em 01/04/2008). 36 Por meio da Constituição e, principalmente, do Estatuto da Cidade, foi redefinida a função do Plano Diretor municipal, obrigatório para as cidades com mais de 20 mil habitantes e aquelas integrantes de regiões metropolitanas e aglomerados urbanos. Antes utilizados majoritariamente como instrumento de definição dos investimentos setoriais necessários ou desejáveis para os municípios, o Plano Diretor transformou-se na peça básica da política urbana do município, responsável pela definição de critérios para o cumprimento da função social da propriedade. Na prática, o Plano Diretor ganhou a missão de estabele- cer os conteúdos para a definição dos direitos de propriedade no município e as sanções por seu não cumprimento. Aula 01 Em 2003, no âmbito do governo Lula, foi criado o Ministério das Cidades, antiga demanda da articulação pela reforma urbana, com o horizonte de retomar a agenda de uma política urbana nacional, integrando os setores de habitação, saneamento ambiental e O site do Ministério das Cidades disponibiliza informações transportes em um mesmo órgão. A opção detalhadas sobre a política urbana, tais como notícias sobre do primeiro grupo dirigente do Ministério obras prioritárias, ações de governo, cursos e outras informafoi formular esta política de forma federa- ções úteis. http://www.cidades.gov.br (endereço acessado em tiva e participativa, mobilizando os três ní- 01/04/2008). veis de governo e os distintos segmentos da sociedade civil para esta finalidade. @ No mesmo ano, foi realizada a I Conferência Nacional das Cidades, que resultou na eleição da primeira composição do Conselho Nacional das Cidades. A primeira Conferência, que contou com mais de 2.500 delegados eleitos a partir de conferências em mais de 3 mil municípios e em todos os Estados, aprovou, entre os princípios que deveriam orientar a construção da política urbana: O primeiro ministro das Cidades foi Olívio Dutra, que havia sido prefeito de Porto Alegre e em cuja gestão foi implementada a primeira experiência de orçamento participativo municipal. O conceito de construção e controle social das políticas urbanas foi, então, também aplicado para a construção da política nacional. i a promoção do direito à cidade, o desenvolvimento social, econômico e ambiental, o combate à desigualdade social, racial, de gênero e regional; diretrizes e instrumentos que promovam a integração da políticas urbanas por meio das políticas de habitação, saneamento ambiental, transporte e mobilidade, considerando o Estatuto da Cidade e a Constituição; garantia da participação da população e dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos e projetos de desenvolvimento urbano e, diretrizes e orientação que garantem que os investimentos públicos sejam aplicados no enfrentamento das desigualdades sociais e territoriais (Ministério das Cidades. Primeira Conferência Nacional das Cidades. Brasília, novembro de 2003). O Ministério das Cidades e a Campanha Nacional dos Planos Diretores Participativos A avaliação do impacto da ação do Ministério das Cidades nas políticas de desenvolvimento urbano do País no período 2001-2004 é trabalho que ainda precisa ser feito. Aqui, a proposta é avançar na sistematização de 37 informações sobre uma das vertentes de ação do Ministério: a Campanha Nacional pelos Planos Diretores Participativos, especificamente na vertente que pretende aliar a política habitacional, o tema do solo urbano e a política de desenvolvimento urbano. Considerando a obrigatoriedade e o prazo definido pelo Estatuto – outubro de 2006 – para a aprovação destes Planos, em setembro de 2004 o Conselho Nacional das Cidades aprovou O Ministério das Cidades disponibiliza informações detalhadas uma resolução no sentido da realização sobre esta campanha e materiais de divulgação. Confira em de uma Campanha Nacional pelo Plano http://www.cidades.gov.br (em Secretarias Nacionais → Programas Urbanos → Programas → Programa de Fortaleci- Diretor Participativo, destinada a sensimento da Gestão Municipal Urbana → Campanha Plano Dire- bilizar, apoiar e capacitar equipes técnicas tor Participativo). (Endereço acessado em 01/04/2008.) das prefeituras e setores da sociedade civil para viabilizar a construção de 1.683 Planos Diretores Participativos nos municípios brasileiros que tinham a obrigação de fazê-lo até outubro de 2006. @ A estratégia adotada então pelo Ministério foi, por um lado, apoiar financeiramente os municípios para a elaboração de seus PDPs, e, de outro, disseminar, através de instrumentos de difusão e capacitação, uma nova concepção de Plano Diretor Participativo e seu processo de elaboração voltado para a construção de pactos sócio-territoriais entre os diferentes interesses presentes na cidade, em torno da definição da função social das diferentes áreas do município, urbanas ou rurais, privadas ou públicas. Para poder construir um material de referência para os Planos, foi realizado um seminário nacional, em conjunto com a Câmara dos Deputados, através da Comissão de Desenvolvimento Urbano, promovendo o debate e aprofundamento de temas polêmicos no processo de planejamento, por meio de trabalhos em grupos, com representantes da área técnica, acadêmica, gestores municipais, movimentos populares e entidades profissionais. O resultado foi processado e sistematizado na publicação “Plano Diretor Participativo: Guia para Elaboração pelos Municípios e Cidadãos”. Juntamente com vídeos, cartilhas, cartazes O livro está disponível na Biblioteca Virtual do e folders, a publicação constituiu um nosso Curso. “Kit do Plano Diretor Participativo”, que serviu como material de apoio aos técnicos municipais e demais segmentos sociais na condução de seus processos de elaboração de PDPs. 38 Aula 01 A Campanha foi estruturada através de uma Coordenação Nacional composta por instituições integrantes do Conselho Nacional das Cidades e por Núcleos Estaduais constituídos por representações de entidades profissionais nacionais – por exemplo, o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA), a Federação Nacional dos Engenheiros, a Federação Nacional dos Arquitetos, as quatro federações de movimentos sociais de luta pela moradia e A relação completa das organizações participantes da Coordeassociações de bairro (UNLM, MNLM, nação Nacional, com nomes, telefones e endereços eletrônicos CMP e CONAM), secretarias ou órgãos dos representantes, está disponível em http://www.cidades.gov. estaduais, Universidades, representantes br (Endereço acessado em 01/04/2008). locais da Caixa Econômica Federal (CEF), entre outros, com grande variação de composição em cada Estado. @ O Governo Federal destinou recursos financeiros, provenientes de vários ministérios, para apoio direto a cerca de 550 municípios, aproximadamente 30% do total dos municípios “obrigatórios”. Somaram-se recursos provenientes de governos estaduais, particularmente nos estados do Paraná, Goiás, Bahia, Mato Grosso, Espírito Santo e Pernambuco. Além disto, recursos foram investidos nas atividades de capacitação e sensibilização em todas as regiões do País. Essas atividades utilizaram o “Kit do Plano Diretor Participativo” como material didático, além da realização de 388 oficinas presenciais que atingiram mais de 21 mil pessoas em 1.349 municípios. O programa também ofereceu bolsas para equipes de universidades, em convênio com o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), para projetos de assistência técnica aos municípios; formou e divulgou um cadastro de profissionais de cada região do País com experiência na capacitação ou na elaboração de Planos Diretores e implementação do Estatuto da Cidade; criou a Rede do Plano Diretor, hoje com mais de 20 mil endereços eletrônicos de todo o País, espaço de informação, reflexão e crítica que se tornou um canal Propomos que você acesse o Banco de Experiências do Plano Direde discussão e troca de experiências; inau- tor Participativo em www.cidades.gov.br/planodiretorparticipativo. gurou, no mês de março de 2006, o Banco Na aula 6, você terá orientação para analisar e refletir sobre o de Experiências do Plano Diretor Partici- Plano Diretor do seu município pativo no sítio do Ministério das Cidades, que conta hoje com mais de 100 registros. @ 39 Desta forma, foi possível apoiar de maneira direta ou indireta, o universo dos municípios “obrigatórios”, principalmente disseminando e fomentando a renovação conceitual e metodológica dos Planos a partir do Estatuto da Cidade. Três eixos estruturaram o conteúdo da Campanha Nacional do Plano Diretores Participativos: Inclusão territorial (assegurar aos pobres o acesso à terra urbanizada e bem localizada, garantindo também a posse da moradia de áreas irregulares ocupadas pela população de baixa renda); Justiça social (distribuição mais justa dos custos e dos benefícios do desenvolvimento urbano); e Gestão democrática (participação efetiva da população na política urbana). O tema do solo urbano e, particularmente, da inserção territorial dos pobres na cidade esteve, portanto, presente em toda a estratégia de sensibilização e capacitação adotada pela Campanha. Dentre as trincheiras de disputa abertas pelos novos Planos Diretores, aquela que talvez seja a mais identificada com a agenda da reforma urbana é a busca por viabilizar melhor localização para os pobres nas cidades e melhorar suas condições de vida. As oportunidades para que isso seja atingido por meio dos Planos Diretores Participativos são várias: •• a inclusão dos segmentos vulneráveis nos processos de discussão sobre as análises e propostas; •• a eleição da regularização fundiária e da oferta de terras urbanas infraestruturadas para os mais pobres como eixos dos PDPs; •• a inclusão de instrumentos de democratização do acesso à terra como as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), o Parcelamento, a Utilização e Edificação Compulsória, o IPTU Progressivo no Tempo; •• a integração da estratégia fundiária com as políticas habitacionais; •• a delimitação de perímetros urbanos, procurando estancar a expansão periférica, entre outros. 40 Aula 01 O fato de estarmos tratando de um processo muito recente impede que avaliações mais definitivas sobre o impacto dos novos PDPs sejam feitas. Por outro lado, já é possível identificar alguns movimentos analíticos que devem ser acompanhados nos próximos anos. Estamos chegando ao final da pri- Considerações finais meira aula deste Curso. Propomos a você as seguintes atividades: 1. Leia as Considerações Finais. Desde as diferentes fases do período de atuação do 2. Sintetize a aula em um texto curto. BNH e do Sistema Financeiro da Habitação, as alterna3. Anote os pontos que mais chamam a tivas de moradia promovidas ou financiadas pelo setor atenção ou despertam dúvidas. público foram majoritariamente produzidas nas franjas 4. Participe de um chat para debater os ou fora das cidades, em situações muito próximas à protemas da aula. Informe-se com o seu dução do setor informal. Além de distantes e precárias, tutor sobre os horários disponíveis e a abertura destas frentes de expansão urbana sobre solo como proceder. rural tem sido um dos grandes indexadores dos mercados de terra nas cidades, encarecendo-a na medida em que, no processo de transformação do rural em urbano, reside um dos processos mais agudos de valorização imobiliária. (SMOLKA, 2003). Ao longo desta história, tem sido limitada a capacidade dos municípios de estabelecer planejamento e gestão de seu território em função de sua baixa capacidade política de impor limites para a ocupação urbana e captar a valorização imobiliária decorrente dos investimentos públicos. A Constituição brasileira e o Estatuto da Cidade apostaram na implementação de uma política fundiária que, baseada em processos de planejamento participativos locais, pudesse ampliar o acesso à terra urbanizada e bem localizada para a moradia, rompendo com o modelo extensivo e excludente de promoção de novas periferias. No módulo 2, você conhecerá o passo a passo para avançar na Regularização Fundiária. Os municípios, em sua grande maioria, elaboraram seus Planos Diretores, e, em grande número desses Planos, os temas da moradia, do solo urbano e dos instrumentos de política fundiária estão presentes. Há que se apontar, entretanto, as limitações e fragilidades destes processos de planejamento locais. Em primeiro lugar, eles foram elaborados em sua grande maioria sem referências ou marcos de planejamento regionais e, muito menos ainda, nacional. Esta questão é particularmente importante 41 e problemática no caso das regiões metropolitanas ou na relação do planejamento local com as bacias hidrográficas que transcendem as fronteiras municipais. Este é um limite da ação exclusivamente focada no município, utilizada na Campanha pelos Planos Diretores Participativos, fruto mais das contingências – prazo de 2006 definido pelo Estatuto da Cidade e a necessidade de que este não se transformasse imediatamente em “lei que não pega” antes mesmo de ser experimentado – do que propriamente de uma opção radicalmente descentralizadora. Em muitos casos, os processos participativos reduziram-se a encenações burocráticas “para cumprir a lei”, sem investimentos políticos por parte do governo ou da sociedade civil. Em grande número de municípios, a elaboração dos Planos representou um processo coletivo de reconhecimento do território, de seus limites e vulnerabilidades físico-ambientais e dos interesses conflitantes que atuam sobre ele. Evidentemente, em muitos casos, os processos participativos reduziram-se a encenações burocráticas “para cumprir a lei”, sem investimentos políticos por parte do governo ou da sociedade civil. Da mesma forma, será necessário verificar em quais casos os dispositivos e normas que constam dos Planos Diretores Participativos refletem processos que efetivamente buscam aliar a política urbana e a habitacional, e interferir na oferta de terras para os mais pobres, e em quais casos os instrumentos constam dos Planos apenas para cumprir obrigatoriedades da Constituição, do Estatuto da Cidade e das resoluções do Conselho Nacional das Cidades. Segundo dados da Pesquisa CONFEA/ Ministério das Cidades (2007), que captou junto aos municípios “obrigatórios” a presença de instrumentos de gestão do solo urbano, processos participativos, entre outros temas. 42 Particularmente as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), que estão presentes em mais de 70% dos PDPs, podem abrir possibilidades para a regularização fundiária e melhoria das condições urbanísticas e habitacionais em favelas, loteamentos irregulares ou clandestinos e conjuntos habitacionais populares existentes nas cidades do País. O combate aos vazios urbanos e imóveis ociosos, por meio da Utilização, Edificação e Parcelamento Compulsórios, IPTU Progressivo no Tempo e Desapropriação sanção, também pode abrir possibilidades para aproveitar as glebas, lotes e edifícios desocupados para a produção de moradias populares. Caso os PDPs combinem esses instrumentos com ZEIS demarcadas nesses imóveis, são maiores as possibilidades de ampliação do acesso ao solo urbano para aquelas moradias. Os PDPs podem, simplesmente, definir áreas adequadas do ponto de vista urbano e sócio-ambiental para a expansão urbana e implantação de empreendimentos habitacionais de interesse social. Ou então, por meio de uma política de regularização fundiária plena, podem integrar de forma definitiva os assentamentos informais populares à cidade. A implementação desses instrumentos de política fundiária, que entrelaçam a política habitacional à política urbana, é um desafio tão grande ou maior do que a elaboração dos Planos Diretores Participativos e sua aprovação nas Câmaras Municipais. Para isso, os municípios enfrentarão uma série de obstáculos, tais como: Aula 01 •• a fragilidade e a baixa capacidade de gestão das secretarias e órgãos responsáveis; •• a resistência em mudar procedimentos de trabalho; •• as pressões constantes de interesses privados ligados ao processo de valorização da terra urbana sobre legislativos e prefeitura; •• a cultura política do acordo negociado fora de esfera pública. A visão setorialista das políticas é também um forte obstáculo a ser superado: a ação do município no território permanece dividida em componentes estanques – habitação, saneamento, mobilidade –, que constroem seus processos de planejamento e gestão de forma independente. Na maior parte dos municípios, os Planos Diretores Participativos foram construídos nessa mesma lógica, como um Plano “Setorial” da secretaria de urbanismo ou planejamento do município, e não como Plano de articulação entre setores. A aula 5 e o módulo II vão mostrar como os recursos disponíveis hoje para urbanizar favelas e construir moradias podem fortalecer a implementação do Estatuto das Cidades. Tais dificuldades tornam-se mais graves quando se consideram as perspectivas de uso dos recursos do Fundo de Habitação de Interesse Social (FNHIS), que vão exigir a instituição de Conselhos e Planos Municipais e Estaduais de Habitação, e os investimentos em habitação e saneamento previstos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em várias cidades do País. Se a aplicação desses recursos ocorrer sem política fundiária, mecanismos de controle social e incremento na capacidade de gestão territorial, poderemos assistir à repetição de cenários já vividos em nossas cidades quando a abundância de crédito imobiliário e fontes de financiamento do desenvolvimento urbano, combinada à baixa capacidade de controle do uso e ocupação do solo, produziu um modelo caracterizado pela segregação, pela exclusão sócio-territorial e pela precariedade urbano ambiental. 43 Todos esses limites e desafios não significam, entretanto, que este texto deva ser encerrado em tom cético ou pessimista. Pelo contrário: é exatamente porque agora temos, por um lado, abundância de créditos e subsídios para que estes possam chegar a rendas mais baixas, e, por outro lado, processos sócio-políticos que estabeleceram as bases para uma gestão territorial, que hoje é possível se falar em política de acesso ao solo urbanizado para a maioria da população em muitas cidades do Brasil. Particularmente, a implementação das ZEIS, seja para provisão, seja para regularização fundiária plena, com os recursos disponíveis hoje para urbanizar favelas e construir moradias, pode ser uma aposta que, se bem sucedida, ao mesmo tempo fortalecerá o planejamento e a implementação do Estatuto das Cidades. Se, e onde, essas novas apostas resultarão em novas cidades mais includentes e equilibradas, é algo a ser observado com proximidade nos próximos anos. A aula 2 irá abordar o mercado de terras, a recuperação de custos e a auto-sustentabilidade na provisão de infra-estrutura básica. Bibliografia ARAÚJO, Adelmo. “O prezeis enquanto instrumento de regulação urbanística”. Revista Proposta nº 61. Rio de Janeiro: FASE, 1994. ARRETCHE, Marta T. S. “Intervenção do Estado e Setor Privado: o Modelo Brasileiro de Política Habitacional”. In: Espaço & Debates, ano X, nº. 31, 1990. AZEVEDO, S. e ANDRADE, L.A. Habitação e Poder: da fundação da casa popular ao Banco Nacional da Habitação. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. BALTRUSIS, Nelson e MOURAD, Laila Nazem. “Diadema – estudo de caso”. In: ROLNIK, Raquel (coord.). Regulação urbanística e exclusão territorial. Pólis, nº 32. São Paulo: Pólis, 1999. BENTES, Dulce. “Aplicação de novos instrumentos urbanísticos no município de Natal”. In: ROLNIK, Raquel e CYMBALISTA, Renato. Instrumentos urbanísticos contra a exclusão social. Pólis, nº 29. São Paulo: Instituto Pólis, 1997. 44 BOLAFFI, Gabriel. A Casa das Ilusões Perdidas: aspectos socioeconômicos do Plano Brasileiro de Habitação. São Paulo: Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, 1977. Aula 01 ______. “Habitação e Urbanismo: o problema e o falso problema”. In: MARICATO, Ermínia. A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil Industrial. São Paulo: Ed. Alfa Ômega, 1979. BONDUKI, Nabil. “Mutirão e autogestão: a experiência da administração Luiza Erundina em São Paulo”. In: BONDUKI, Nabil Bonduki (org.). Habitat: as práticas bem sucedidas em habitação, meio ambiente e gestão urbana nas cidades brasileiras. São Paulo: Studio Nobel, 1996. ______. “O Plano Diretor Estratégico de São Paulo”. In: BUENO, Laura M. E CYMBALISTA, Renato (orgs.). Planos Diretores Municipais: novos conceitos de planejamento territorial. São Paulo: Anna Blume/Instituto Pólis/PUC Campinas, 2007. ______. Origens da habitação social no Brasil. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. BOTLER, Milton e MARINHO, Geraldo. “O Recife e a regularização dos assentamentos populares”. In: ROLNIK, Raquel e CYMBALISTA, Renato. Instrumentos urbanísticos contra a exclusão social. Pólis nº 29. São Paulo: Instituto Pólis, 1997. CARDOSO, Adauto Lúcio e outros. “Operações interligadas no Rio de Janeiro” in ROLNIK, Raquel e CYMBALISTA, Renato. Instrumentos urbanísticos contra a exclusão social. Pólis nº 29. São Paulo: Instituto Pólis, 1997. CYMBALISTA, Renato. Conselhos de habitação e desenvolvimento urbano. Cadernos Polis 1. São Paulo: Instituto Pólis, 2000. DALLARI, Adilson. A e FERRAZ, Sérgio (orgs.). “Estatuto da Cidade: comentários à lei federal 10.257/2001”. In: Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília, Instituto Pólis/Caixa Econômica Federal, 2001. DENALDI, Rosana e BRUNO, Fernando G. Parcelamento, edificação e utilização compulsórios; aplicação do instrumento para fazer cumprir a função social da propriedade. Anais do XII Encontro Nacional da ANPUR, Belém, 2007 (CD Rom). 45 FELDMAN, Sarah. Planejamento e zoneamento. Tese de doutoramento, FAUUSP, 1996. GOHN, Maria da Glória. História dos Movimentos sociais e lutas pela moradia. São Paulo: Loyola, 1995. GROSTEIN, Marta Dora, SÓCRATES, Jodete RIOS e TANAKA, Marta M.S. A cidade invade as águas: qual a questão dos mananciais? São Paulo: FAUUSP, 1985. HEREDA, Jorge et alli. “O impacto das AEIS no mercado imobiliário de Diadema”. In: ROLNIK, Raquel e CYMBALISTA, Renato. Instrumentos urbanísticos contra a exclusão social. Revista Pólis 29. São Paulo: Instituto Pólis, 1997. MARICATO, Ermínia T. M. Indústria da Construção e Política Habitacional. São Paulo: Tese de Doutorado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP, 1983. ______. “Moradia e movimentos sociais na cidade”. In: Seminário Movimentos sociais em perspectiva (anais). São Paulo: Faculdade de Educação - USP, 1991. ______. “O Contexto do Estatuto das Cidades”. In: Brasil cidades: alternativas para a crise Urbana. Rio de Janeiro: Vozes, 2001. MELO, Marcus André B. C. de. “Estruturação intra-urbana, regimes de acumulação e Sistemas Financeiros da Habitação: Brasil em perspectiva comparada”. In: Espaço & Debates, ano X, nº. 31, 1990. MIRANDA, Lívia. O PREZEIS do Recife: 15 anos da construção de uma política habitacional de interesse social no município. Rio de Janeiro: Observatório das metrópoles, IPPUR/FASE/UFPE/Finep. MONTE-MÓR, Roberto. “As teorias Urbanas e o planejamento Urbano no Brasil”. In: Diniz, Clélio Campolina (org.). Economia Regional e Urbana – Contribuições recentes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. MOURAD, Laila Nazem. Democratização do acesso a terra em Diadema. Dissertação de Mestrado, PUC-Campinas, 2001. 46 NAKANO, Anderson Kazuo. Quatro COHABs da Zona Leste de São Paulo: Territórios, Poder e Segregação. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP, 2002. Aula 01 NERY Jr, José Marinho, SOMEKH, Nádia e ROLNIK, Raquel. “Políticas públicas para o manejo do solo urbano: experiências e possibilidades”. Pólis, nº 27. São Paulo: Instituto Pólis, 1996. NOBRE, Eduardo A. “Intervenções Urbanas em Salvador: turismo e ‘gentrificação’ no processo de renovação urbana do Pelourinho”. Anais do X Encontro Nacional da ANPUR (CD Rom). Belo Horizonte, 2003. OSÓRIO, Letícia M. (org.). Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2002. RIBEIRO, Luiz C. de Q. e CARDOSO, Adauto. Reforma Urbana e Gestão Democrática: Promessas e desafios do Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Editora Revan/FASE, 2003. RIBEIRO, Luiz C. de Q. e SANTOS JR., Orlando A. (orgs.). Globalização Fragmentação e Reforma Urbana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei .São Paulo: Studio Nobel 1997. ROLNIK, Raquel e CYMBALISTA, Renato (orgs). “Instrumentos urbanísticos contra a exclusão social”. Pólis, nº 29. São Paulo: Instituto Pólis, 1997. SADER, Eder. Quando novos personagens entram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da grande São Paulo. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1999. SAULE Jr., Nelson e CARDOSO, Patrícia de M. O direito à moradia no Brasil: violações, práticas positivas e recomendações ao governo brasileiro. São Paulo: Instituto Pólis, 2005; Dossiê Denúncia, fórum Centro Vivo, São Paulo, 2006. SERPA, Claudia B. Limites e Possibilidades de uma Política Fundiária no Estado Capitalista – Política de Terras do BNH. Rio de Janeiro: Dissertação de mestrado, IPPUR-UFRJ, 1988. SMOLKA, Martim. “Regularização da Ocupação do Solo Urbano:a solução que é parte do problema, o problema que é parte da solução”. In: ABRAMO, Pedro (org.). A cidade da informalidade: o desafio das cidades latino-americanas. Rio de Janeiro: Sette Letras/FAPERJ 2003, pg 122. 47 SOUZA, Claudia V. C. “Santo André: instrumentos utilizados na elaboração do Plano Diretor Participativo para viabilizar a participação e a negociação entre os atores”. In: BUENO, Laura M. E CYMBALISTA, Renato (orgs.). Planos Diretores Municipais: novos conceitos de planejamento territorial. São Paulo: Anna Blume/Instituto Pólis/PUC Campinas, 2007. SOUZA, Maria Adélia Aparecida. “O II PND e a Política Urbana Brasileira: uma contradição evidente”. In: DEAK, Csaba & SCHIFFER (orgs.). O Processo de Urbanização no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1999. TSUKUMO, Isadora T. Habitação social no centro de São Paulo: legislação, produção, discurso. São Paulo: Dissertação de mestrado em Arquitetura e Urbanismo, FAU-USP, 2007. ______. Produção de habitação em áreas especiais de interesse social (AEIS): o caso do município de Diadema. São Paulo: Trabalho de conclusão de curso, FAU-USP, 2002. WILDERODE, Daniel Julien Van. “Operações interligadas: engessando a perna de pau”. In: ROLNIK, Raquel e CYMBALISTA, Renato. Instrumentos urbanísticos contra a exclusão social. Pólis nº 29. São Paulo: Instituto Pólis, 1997. 48 Esta aula busca resumir as principais características do mercado de bens imobiliários e da formação dos preços do solo urbano desde uma perspectiva não especializada. Os principais aspectos do mercado e da formação dos preços são apresentados de forma a propiciar ao aluno/leitor algumas pontes entre as diversas disciplinas que tratam do tema – planejamento urbano, economia urbana, financiamento urbano, engenharia de avaliações, projeto imobiliário. A parte inicial é uma compilação de conhecimentos adquiridos no Curso Profundización em Políticas de Suelo Urbano em América Latina, Cidade do Panamá, Lincoln Institute of Land Policy, de fevereiro a maio de 2006. A parte final (seção Cálculo do preço de um terreno em diante) baseia-se em meu trabalho final do mesmo curso. Aula 02 O mercado imobiliário e a formação dos preços do solo Pedro Jorgensen As mudanças na estrutura urbana serviram de inspiração para diversas composições da MPB. Uma das mais conhecidas é um samba que retrata o acelerado ritmo de demolições e desapropriações para a construção de edifícios na cidade de São Paulo. Você pode escutar a música no AVEA. SAUDOSA MALOCA - Adoniran Barbosa (Continental, 1951) Si o senhor não istá lembrado Dá licença deu contá Que aqui onde agora está Esse edifício arto Era uma casa véia Um palacete assobradado Foi aqui seu moço Que eu, Mato Grosso e o Joca Construímos nossa maloca Mas um dia Que nem quero me lembrá Veio os home c’as ferramentas O dono mandô derrubá Peguemo toda as nossas coisa E fumo pro meio da rua Preciá a demolição 52 Que tristeza que eu sentia Cada táuba que caía Duia no coração Mato Grosso quis gritá Mas em cima eu falei: Os homi istá co’a razão Nóis arranja outro lugá Só se conformemos quando o Joca falou: “Deus dá o frio conforme o cobertô” E hoje nóis pega a páia nas grama do jardim E prá esquecê nóis cantemos assim: Saudosa maloca, maloca querida, Que dim donde nóis passemos dias feliz de nossa vida Introdução Aula 02 A construção da cidade e seus agentes: um breve panorama Numa primeira aproximação, a transformação das cidades pode ser associada a dois fatores principais: o desenvolvimento econômico e o crescimento demográfico. Com eles, incorporam-se novas áreas à malha urbana e intensifica-se o uso das já ocupadas (BORRERO, 2000). Desenvolvimento econômico implica maior demanda de terrenos centrais para a construção de escritórios e lojas; de terrenos adequadamente urbanizados e próximos a comércios e serviços para a construção de moradias; e de terrenos estrategicamente localizados, geralmente ao longo das rotas terrestres, marítimas e aéreas de acesso à cidade, para a construção de fábricas, garagens e armazéns. E implica, por outro lado, novos empregos, e com eles a atração de mão-de-obra imigrante, que por sua vez demandará terras ou casas acabadas para morar ao alcance de suas possibilidades. Combinado ao desenvolvimento econômico, o crescimento demográfico vegetativo e migratório empurra para cima o valor dos aluguéis e o preço da terra. Quanto mais “bem localizado” o imóvel, mais alto o seu preço – independentemente do custo de construção – e maior sua probabilidade de valorização. Nessas circunstâncias, as pessoas que têm maior capacidade de pagamento geralmente optam por adquirir um imóvel. Em países com desenvolvimento relativamente fraco do mercado de capitais, a propriedade imóvel tende a ser considerada a maneira mais segura de progresso patrimonial em longo prazo. Pessoas que não têm poupança ou capacidade de endividamento podem passar toda a sua vida morando “de aluguel”, isto é, pagando ao proprietário da moradia uma renda mensal – no limite de suas possibilidades – pelo direito de usá-la. No entanto, somente uma ínfima parte do aluguel se refere ao consumo da benfeitoria. A parte “do leão” provém do direito exclusivo que tem o proprietário de dispor de seu terreno ou fração ideal – vale dizer, de sua localização na cidade – impondo ao locatário o máximo preço que ele possa pagar. A renda paga pelo locatário absorve a maior parte, senão a totalidade, do que sobra de seu rendimento mensal depois de descontados os gastos essenciais com consumo de bens (alimentação, vestuário, etc.) e serviços de transporte (acesso ao local de trabalho). 53 Uma vez instalado na terra – legal ou ilegalmente – e adquirido um mínimo de segurança de posse, o trabalhador passa a dedicar a poupança de sua vida à construção da moradia – sua, de seus filhos e agregados. O proprietário, por sua vez, é obrigado a repartir essa renda com o governo sob a forma do imposto predial e territorial urbano, cujo principal componente é o preço do terreno. Pouco imposto sobre a terra implica maiores preços, maior concentração de riqueza privada e maior pressão pela concentração espacial do investimento público, que é um poderoso fator de impulso às espirais de riqueza e pobreza urbana. Somente uma parte da demanda por produtos imobiliários acabados – moradia, principalmente – é satisfeita pelos construtores e incorporadores, que só operam acima de parâmetros mínimos de rentabilidade, determinados, em última instância, pelas taxas de juros bancários. Essa rentabilidade mínima se defronta, nos países da América Latina, com três fatores restritivos principais: •• altas taxas de juros; •• baixa capacidade de pagamento e acesso ao crédito por parte da população de baixa renda e •• preços da terra inflacionados pelas expectativas e comportamentos especulativos dos proprietários de terrenos (alto preço). A expectativa que move os proprietários de solo é a de máxima valorização de seus terrenos, resultante principalmente dos investimentos públicos – mas também dos privados – que fazem deles localizações desejada por potenciais compradores e usuários. A possibilidade de obtenção de ganhos extraordinários em forma de renda do solo transforma construtores em incorporadores e faz dos bancos sócios destes últimos nos negócios imobiliários. 54 Para o trabalhador pouco qualificado, é praticamente impossível pagar o aluguel de um imóvel no mercado formal, que dirá comprar moradia, ou mesmo um simples terreno, adequadamente localizado e urbanizado. Ao mesmo tempo em que convive com uma relativa estabilização e até com baixas significativas de preços de produtos industrializados – do celular com que se mantém conectado às oportunidades de trabalho ao tijolo com que constrói a própria casa –, esse trabalhador nunca vê baixar o preço do bem que lhe é mais indispensável: a terra, ainda que distante. Instalar-se, então, na terra por quaisquer meios à sua disposição, e por pior que sejam a localização e os serviços urbanos, torna-se uma necessidade imperiosa. O trabalhador convive com uma relativa estabilização e até com baixas significativas de preços de produtos industrializados, mas nunca vê baixar o preço do bem que lhe é mais indispensável: a terra, ainda que distante. Aula 02 É neste cenário que surgem as ocupações ilegais e as favelas, assim como os loteamentos e os loteadores clandestinos. Uma vez instalado na terra – legal ou ilegalmente – e adquirido um mínimo de segurança de posse, o trabalhador passa a dedicar a poupança de sua vida à construção da moradia – sua, de seus filhos e agregados. A continuada pressão da demanda leva, por sua vez, a que dentro das próprias comunidades informais – particularmente naquelas mais bem localizadas dentro do tecido urbano – surja uma pequena indústria de produtos imobiliários – sub-moradias de aluguel, por exemplo –, que pouco a pouco pode vir a se transformar, como se vê nas grandes favelas das principais cidades brasileiras, num verdadeiro mercado imobiliário de produtos precários, à margem da regulação urbanística e econômica estatal. Em todos os países latino-americanos, décadas de políticas habitacionais e de urbanização de assentamentos informais, mais ou menos intensas dependendo da época, têm tido pouco ou nenhum sucesso em impedir o contínuo crescimento da produção informal de urbanizações e moradias, vale dizer, de assentamentos urbanos desprovidos de condições mínimas de habitabilidade e serviços, mais ou meComo texto de apoio à aula, sugerimos a leitura, nos adequadamente refletidas nas norna Biblioteca Virtual, do artigo Mercado de terras, mas urbanísticas. A razão fundamental formação de preços e recuperação de custos de infra-estrutura básica no Brasil, de Fernanda Furtado desse insucesso pode estar associada e Pedro Jorgensen. É uma adaptação do artigo desses autores não tanto aos custos de produção da “Land Markets in Brazil: Capturing Land Values to Finance moradia, mas à implacável tendência Infrastructure Improvement”. In: Brazil – Inputs for a Strataltista dos preços do solo, que, dentre egy for Cities – A Contribution with a Focus on Cities and Municipalities, Vol. II. The World Bank, Novembro de 2006. outros efeitos, pode levar ao bolso dos proprietários políticas inteiras de subsídio direto à demanda. Veremos, pois, em seguida, de um modo bastante sintético, como funcionam e se comportam esses mecanismos de formação do mercado e dos preços do solo urbano. 55 Os principais fatores determinantes do preço do solo Os especialistas costumam dizer que os principais fatores determinantes dos preços do solo são a localização, a localização e a localização, o que parece suficiente para expressar a sua primazia. Convém, no entanto, acrescentar o grau de escassez, a expectativa dos proprietários por usos mais rentáveis e a legislação municipal que define o uso e a edificabilidade legais. A idéia central desta metáfora me foi ensinada pelo prof. Carlos Morales Schechinger, em palestra proferida no seminário da ACIUR (Asociación Colombiana de Investigadores Urbano-Regionales) de março de 2008. O solo urbano é um bem escasso “por definição” econômica, muito mais que natural, fundada nas vantagens relativas das localizações para os diversos usos. A metáfora do teatro de ópera sugere o porquê dos diferentes valores das localizações, mesmo que inexista um mercado privado. Na ópera, os mais abastados costumam pagar caro pela exclusividade dos camarotes. Os acomodados, por sua vez, preferem os assentos mais centrais e próximos ao palco, onde podem, também, se sentir entre os “seus”. Há quem prefira pagar um pouco menos para ficar relativamente próximo ao palco, porém no alto e lateralmente, para poder apreciar o trabalho da orquestra. Quem não pode, ou não está disposto, a pagar mais, deve ser contentar em desfrutar o espetáculo sentado nas galerias distantes. Quem chega atrasado só consegue ingresso, muito mais caro, com o cambista. E em teatros com pouco zelo pela segurança, os retardatários podem dar um “jeitinho” de assistir ao espetáculo em pé, nos corredores – vale dizer, em situação de risco. Por se tratar de um bem escasso, o solo urbano tem seu preço formado num vasto leilão social, de caráter permanente, em que os demandantes com maior capacidade de pagamento têm o “poder de preempção” na escolha da localização mais adequada ao seu uso – no marco da regulação urbanística vigente, mas também fora dela. Por serem mais rentáveis, os usos comerciais (lato senso) podem pagar aluguéis mais caros e assim se estabelecer nas localizações mais “centrais”, onde desfrutam de vantagens de aglomeração, comunicações, serviços especializados, etc. Um terreno localizado num grande centro de comércio popular pode valer, por sua rentabilidade, quase tanto quanto um terreno situado numa zona de alto padrão. 56 A tendência contemporânea de localização de shopping centers muda a configuração espacial dessa tendência, mas não a sua essência. Ao contrário, os próprios shopping centers tendem a atrair condomínios residenciais de classe média e se tornar, eles próprios, novos pólos de centralidade e valorização urbana baseados no deslocamento por automóvel. A terra periférica barata proporciona aos primeiros empreendedores de uma nova “localização” altíssimos ganhos, pressionando, como era de se esperar, o setor público a prover de serviços as novas áreas, processo que redesenha a estrutura da centralidade urbana e o próprio mapa de preços e da correspondente apropriação social do solo. A competição dos serviços comerciais e financeiros (às vezes incluídas as famílias de altos rendimentos) pelas localizações centrais mais importantes determina a intensificação do uso do solo escasso disponível, que se manifesta como verticalização das edificações (com o superfracionamento jurídico do solo). A redução da área util com encarecineto unitário do solo natural implica aumento de densidade de ocupação e coresponde ao encarecimento relativo do solo construido. Aula 02 Por centralidade se entende, pois, não apenas o centro comercial-financeiro da cidade, mas toda a rede de subcentros construída ao longo das décadas e de novas centralidades criadas pelo investimento público e/ou privado. O escasseamento dos terrenos mais bem localizados torna o solo o insumo de maior incidência no preço dos novos empreendimentos, empurrando a demanda solvável para a área de influência de centralidades secundárias e a demanda não solvável para outras zonas, periféricas à cidade urbanizada (no caso dos países latino-americanos), onde geralmente faltam infra-estruturas e serviços. O modelo de base da economia espacial Com base em parâmetros típicos como distância do centro urbano, custo de transporte, quantidade e uso de solo demandado e fatores de produção imobiliária, a economia urbana desenvolveu, ao longo do último século, modelos de imensa utilidade – embora sustentados por visões mais ou menos simplificadas do comportamento dos agentes – para a compreensão tanto do funcionamento do mercado como da estrutura espacial urbana. Na base de todos esses modelos, está a renda ofertada pelos diversos agentes aos proprietários do solo urbano. Transpondo o modelo de excedente de renda agrícola de Von Thünen para o ambiente urbano, William Alonso estabeleceu um modelo de estrutura espacial do continuum cidade-campo com base na demanda (concorrencial) de três categorias de uso – agrícola, residencial, comercial – disputando a oferta (racionada) de localizações. Sendo a renda ofertada pelo solo (aluguel) o resíduo do rendimento dos agentes depois de descontadas as despesas de transporte e demais 57 gastos essenciais à sua atividade, resultam três curvas de oferta de renda (aluguel) que se interceptam, formando uma curva de renda de mercado (“curva-envelope”) tal que os “lances” mais altos exercem o seu “poder de preempção” na ocupação das distintas regiões-distância ao centro urbano (fig. 3a). A estrutura espacial resultante desse continuum urbano-rural ideal monocêntrico e homogêneo sob todos os demais aspectos se apresenta como uma sucessão de círculos concêntricos de uso comercial, residencial e agrícola (fig. 3b). r r empresas residências agricultores Centro d1 d2 d3 Centro d1 d2 d3 Figuras 3a e 3b – Fonte: ABRAMO 2001 Podemos aplicar o mesmo modelo considerando uma multiplicidade de agentes com distintas capacidades de oferta de renda e uma multiplicidade de “centros”, formando uma cidade muito mais parecida com aquelas em que vivemos. Desenvolvimentos posteriores da economia espacial baseados em hipóteses mais detalhadas a respeito das opções dos demandantes (os chamados trade-offs acessibilidade x espaço x densidade) permitiram a construção de modelos mais refinados, que explicam, por exemplo, a presença dos pobres no coração das cidades norte-americanas. Por valorizar mais o espaço consumido e andar de automóvel com gasolina barata, as classes rica e média buscaram as localizações mais afastadas do centro, ao passo que os trabalhadores pobres, que dão mais valor ao custo e ao tempo de transporte (acessibilidade) do que à quantidade de espaço, tenderam a elevar a oferta de renda por metro quadrado ocupado nas localizações mais centrais. 58 No “terceiro mundo”, a precariedade dos sistemas de transporte e a distribuição espacial marcadamente desigual das infra-estruturas levaram os ricos e a classe média – que valorizam mais o tempo e a acessibilidade, respectivamente – para as localizações mais centrais, restando aos pobres se instalarem na periferia, apesar do elevado custo-tempo de viagem aos locais de trabalho. (ABRAMO, 2001) Aula 02 O mapa da escassez do solo urbano baseado nos parâmetros econômicos típicos (acessibilidade, quantidade e densidade do solo demandado) pode ser afetado, no entanto, pelo lado da demanda, por comportamentos coletivos (preconceito étnico e racial, valorização do “verde”), estratégias de progresso familiar e outros aspectos, nem sempre levados devidamente em conta pela ciência econômica clássica e neoclássica. Isso torna a modelagem do mercado um problema bastante complexo. Pelo lado da oferta, o mapa da escassez é também afetado pelo comportamento dos proprietários de solo, que não são neVocê consegue identificar, no mucessariamente coletores passivos e, em certo sentido, nicípio em que vive ou trabalha, áreas onde existe retenção especula“neutros”, de rendas de localização. Ao contrário, motiva de imóveis? Que conseqüências isto vidos pela permanente expectativa de valorização de seus tem para o planejamento urbano local? terrenos com usos mais rentáveis que o atual – quer pelo Discuta este problema com seus colegas benefício das obras públicas quer pela vantagem de norno tópico específico para a atividade no Fórum do AVEA. mas urbanísticas menos restritivas –, os proprietários tendem a se comportar como agentes ativos da regulação do nível de escassez. O preço da terra está dado, pois, pelas vantagens relativas da localização, em um ambiente de escassez, para usos potenciais. Um terreno ocupado por uma residência vale por seu uso potencial no mercado – que não é um resultado instantâneo. A pretensão dos proprietários de dar aos terrenos urbanos seu maior e melhor uso está na raiz de alguns dos mais relevantes problemas do planejamento e do financiamento das cidades, como a retenção especulativa e o custo das desapropriações para fins de utilidade pública – que, como manda a Constituição, devem ser pagas não pelo valor de uso efetivo do terreno, mas pelo valor de mercado, isto é, por seu “valor de expectativa”. Legislação urbanística e preços As normas urbanísticas exercem efeitos significativos na configuração do “mapa da escassez” e, portanto, no funcionamento do mercado. As normas de limitação de uso e edificabilidade, por exemplo, que até certo ponto protegem o ambiente urbano de efeitos negativos da hiperdensificação, implicam a acomodação do excesso de demanda das localizações mais centrais em seu entorno, ou em centralidades secundárias, com o respectivo balanço em termos de redução e aumento de preços do solo. 59 Normas inclusivas como as Zonas de Especial Interesse Social e as cotas obrigatórias de habitação de interesse social em grandes empreendimentos garantem a permanência e o acesso dos pobres a áreas sujeitas à pressão de usos mais rentáveis. A delimitação da “zona urbana”, se por um lado protege as finanças públicas dos altos custos do espraiamento excessivo da urbanização, por outro tende a fazer aumentar a pressão da demanda sobre as áreas urbanizadas, elevando os seus preços (fig. 4a); já o seu recíproco, a passagem de áreas de rurais à categoria de urbanizáveis, gera fortes taxas de valorização, que podem tornar a periferia um poderoso atrativo para os investidores, efeito similar à mudança do uso permitido dentro de uma zona já urbanizada, de um menos rentável para um mais rentável – tipicamente, de residencial a comercial (fig. 4b). $ Alta de preços por pressão da demanda Limite legal da zona urbana Baixa de preços por não ser urbanizável Centro Zona rural uso comercial valorização por mudança de uso legal uso residencial Centro 60 Bairro A Figuras 4a e 4b Fonte: SMOLKA 2006 Os direitos de uso e edificabilidade são, pois, assim como o IPTU, elementos de que dispõe o governo urbano para atuar no mercado de solo de modo a satisfazer o que hoje chamamos de função social da propriedade. A prerrogativa de fixar esses direitos pode e deve ser uma forma de a municipalidade recuperar, ao menos em parte, os custos da urbanização que dá à propriedade o seu valor. Aula 02 O preço do solo e o financiamento das cidades O preço de um terreno equivale à capitalização da renda bruta periódica que o proprietário pode exigir para permitir seu uso (MORALES, 2007). Se investido pelo proprietário no mercado de capitais, esse montante deveria render um juro periódico equivalente à renda bruta que recebia pelo imóvel em forma de aluguel. Um proprietário geralmente busca adquirir um terreno a outro proprietário pagando um preço equivalente à renda capitalizada do uso atual, na expectativa de vendê-lo a um preço equivalente à renda capitalizada do uso futuro – assim ganhando com a valorização não antecipada pelo vendedor. Dado, porém, que o solo não é criado pelo trabalho humano, esta operação é a mesma que se realiza desde que o terreno entrou no mercado pelas mãos de seu proprietário original, que o obteve gratuitamente por conquista, grilagem ou cessão para fins de colonização. Independentemente, portanto, de que cada proprietário só visualize como valorização a diferença entre o preço de compra e o preço de venda, a totalidade do preço da terra urbana é pura valorização propiciada por fatores alheios à sua ação, tal como representado na figura 1, página 62 (FURTADO, 2006). Por meio do imposto sobre a renda do solo, o governo pode se tornar, ou abrir mão de se tornar, o “sócio silencioso” do negócio da renda do solo em prol da coletividade. A escassez da oferta de solo que permite ao proprietário extrair da demanda a máxima renda que ela possa pagar o obriga, por essa mesma razão, a arcar integralmente com o pagamento do imposto sobre a terra (inserido no IPTU), ao contrário do que sucede com os impostos dos produtos industrializados (mercado competitivo), que tendem a ser repartidos entre produtores e consumidores. Embora o locatário geralmente não se dê conta, o proprietário sabe que, quanto mais alto o imposto, mais baixo terá de ser o aluguel, uma vez que a soma de ambos esgota a capacidade de pagamento do inquilino. Por essa 61 mesma razão, o imposto sobre a terra não tem como encarecer ainda mais o aluguel do imóvel. Ele é pago pelo proprietário (ainda que desembolsado pelo inquilino) com parte da renda do solo. A figura 2 introduz o conceito de curva de renda (aluguel) ofertada por um agente econômico qualquer, aqui acompanhada de um imposto com alíquota espacialmente diferenciada, mostrando como a renda de um metro quadrado de terreno localizado à distância d1 do centro da cidade se reparte em aluguel e imposto. COMPONENTES DO VALOR DO SOLO URBANO (A+B+C+D) Valorização apropiada pelo proprietário anterior Ações de outros individuos “Esforço” do proprietário anterior Investimento públicos Ao Bo Co Do A B C D “Esforço” do proprietário Figura 1- O Preço do solo é 100% “mais valia” Fonte: FURTADO, 2006 $ renda imposto blicos imposto Centro 62 d1 Prof. Fernanda Furtado i1 aluguel distância Figura 2 - A renda se divide entre imposto e aluguel A conseqüência fundamental dessa relação é: tudo o que o proprietário deixa de pagar ao governo como IPTU se converte em renda de aluguel. E isto, como se pode imaginar, é crucial para o financiamento da cidade. Por meio do imposto sobre a renda do solo, o governo pode se tornar, ou abrir mão de se tornar, o “sócio silencioso” do negócio da renda do solo em prol da coletividade. Aula 02 Teoricamente, todo o valor do solo pode converter-se em fonte de financiamento da cidade. Embora excepcional, é ilustrativo o exemplo de Hong-Kong, onde, por determinação do governo britânico, toda a terra foi estatizada, aplicando-se as rendas obtidas ao financiamento da infraestrutura e dos serviços urbanos. Além das pesadas obrigações de urbanização impostas aos empreendedores, Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e demais países industrializados taxam significativamente a terra urbana, com o que cobrem, por exemplo, parte significativa do custo do ensino fundamental. Processos de valorização e desvalorização do solo urbano Por valorização entende-se o aumento de preços imobiliários acima da inflação. Para saber se um imóvel, ou uma área urbana, se valorizou, é necessário compará-los em termos de preços constantes, isto é, descontado o efeito da inflação (BORRERO 2000). O resultado dessa operação pode nos levar a concluir que um imóvel, ou uma área da cidade, se desvalorizou. A desvalorização de uma área urbana por um período relativamente prolongado caracteriza um processo de deterioração – geralmente uma espiral de caráter físico (má conservação dos imóveis e do ambiente público), social (predominância de grupos sociais empobrecidos), fiscal (baixa arrecadação) e urbanístico (poucos investimentos públicos). As praças centrais constituem o típico foco histórico de valorização, substituídos pelo cruzamento das grandes avenidas e pelas zonas de amenidades (praias, parques) e, no urbanismo de fins do século XX, pelas “novas centralidades”. Os processos de valorização e desvalorização geralmente se desencadeiam a partir de “focos”. As praças centrais (governo, culto, mercado) constituem o típico foco histórico de valorização, substituídos na época moderna 63 pelo cruzamento das grandes avenidas e pelas zonas de amenidades (praias, parques) e, no urbanismo de fins do século XX, pelas “novas centralidades”. Numa cidade monocêntrica ideal, a tendência dos preços assumiria a forma de um cone invertido centro-periferia-zona agrícola. Em cidades reais, multicêntricas, o “mapa de preços” tende a se apresentar como uma sucessão de cones de diferentes alturas, parcialmente superpostos. Processos de desvalorização podem ser desencadeados pela deterioração ambiental provocada por infra-estruturas de transporte, pelo espraiamento de uma favela próxima a um bairro de classe média e, muito importante, pela “obsolescência programada” intrínseca ao processo de criação de novos desejos, característica da indústria de produtos imobiliários. Dado que o preço da terra é estabelecido pela disposição da demanda de pagar pelas melhores localizações e que esta é formada de um “pacote” de vantagens objetivas e subjetivas, a valorização dos terrenos urbanos apresenta uma clara tendência a se manifestar como agrupamento dos usos mais valorizados em determinadas áreas urbanas, geralmente com a forma de setores circulares formados a partir dos centros das cidades (também chamados de “cones de valorização”). Demanda sempre crescente e oferta sempre mais escassa, num ambiente de crescimento econômico sustentado, resulta em uma tendência de valorização contínua do solo urbano. Essa tendência contém, no entanto, duas dimensões: estrutural e cíclica (BORRERO 2000). A dimensão estrutural diz respeito ao comportamento dos preços do solo em face do processo de urbanização – altas taxas iniciais de valorização real, até atingir um máximo, seguido de um período de queda até próximo de zero. O ingresso de uma área no campo da valorização negativa pode ser detido (ou não) por investimentos públicos e privados (reabilitação urbana), bem como por medidas normativas que favoreçam usos mais rentáveis (renovação urbana). A dimensão cíclica diz respeito à flutuação de preços da terra em face das conjunturas econômicas, mediada pelo comportamento da indústria da construção civil. A tendência dos preços da terra num dado lugar e momento aparecem, portanto, como a resultante de vetores estruturais (desenvolvimento/deterioração) e cíclicos (auge/recessão). O cálculo do preço de um terreno 64 A avaliação de imóveis constitui um campo especializado da engenharia. Cada um dos métodos existentes de avaliação dos preços dos terrenos tem seu melhor campo ou circunstância de aplicação. Embora o mais difundido dentre eles seja o comparativo, baseado no tratamento estatístico de dados empíricos de preços obtidos no campo, interessa-nos particularmente, para fins de nosso tema, o método residual dedutivo, porque sua estrutura “espelha” o processo vivo pelo qual os empreendedores imobiliários estabelecem o máximo preço que se dispõem a pagar pelos terrenos urbanos. Enquanto o método comparativo extrai o padrão médio dos preços já formados, o método residual expressa a própria mecânica da geração dos preços do solo urbano. Aula 02 Uma vantagem adicional do método residual para fins da discussão sobre o mercado e a formação dos preços é permitir a decomposição analítica das receitas, custos e ganhos envolvidos em um empreendimento imobiliário entre os três agentes privados que tipicamente dele participam – o incorporador, o construtor e o proprietário do terreno (ainda que sejam, muitas vezes, o mesmo agente) –, além do governo, que interfere na equação potencial do mercado com sua prerrogativa de definir os usos e quantidades de bens imobiliários permitidos no lote e as obrigações que incidem sobre o empreendimento – dotações de áreas para finalidades públicas, urbanização, potencial construtivo oneroso, etc. O residual é, portanto, o melhor método para se calcular o valor das obrigações imputadas aos empreendimentos em benefício da coletividade. O método residual dedutivo consiste em subtrair, do valor geral de vendas (VGV) dos produtos imobiliários mais rentáveis que se podem alocar no terreno, o total das despesas necessárias para construí-los e vendêlos no mercado – incluindo as remunerações do construtor e do capital incorporador. O resíduo dessa operação é o máximo preço que o incorporador se dispõe a pagar pelo terreno (fig. 5). No “edifício” representado pela barra vertical da fig. 5, a receita oriunda da venda dos “pavimentos” de cor cinza custeia a construção, os de cor preta pagam o retorno do incorporador e os de cor laranja ficam para o proprietário do terreno. Mais comumente, o retorno do incorporador (Ri) e o valor residual do terreno (Vr) se obtêm pela repartição do Retorno bruto (Rb) em proporções que variam de 50-50 a 40-60, conforme as condições do mercado. Essas proporções refletem a expectativa dos incorporadores quanto à taxa de retorno do seu capital em condições de mercado já consolidadas. Em mercados menos estáveis e áreas hipervalorizadas, obtém-se o retorno do incorporador aplicando a taxa de retorno esperada sobre o VGV (relacionada à taxa de retorno da economia), ficando o resíduo para a propriedade do solo. 65 $ VGV Valor Geral de Vendas Custo da contrução Despesas do empreendimento Publicidade e comercialização Projeto e administração Despesas financeiras Rb Retorno bruto Remuneração do construtor Retorno do incorporador Valor residual do terreno incorporador Adquirentes potenciais Produtos demandados Legislação Custos construção Financiamento Produto (cesta) mais rentável Empreendimento Figura 5 e 6 Tenhamos em conta que o produto mais rentável – identificado na linguagem da economia urbana como maior e melhor uso – não é necessariamente aquele que gera a maior receita total (VGV), mas aquele no qual o resultado da subtração valor geral de vendas menos preço de construção é máximo. Ou seja, dentre as diversas “cestas” de produtos (apartamentos de dois e três quartos, por exemplo, de frente e de fundos, andar alto e andar baixo) que a norma urbanística permite construir em um dado terreno, o incorporador deverá optar por aquela que lhe proporciona o maior retorno bruto, pois assim estará maximizando simultaneamente o lucro imobiliário e o valor residual do terreno. Portanto, onde às vezes se diz “a terra vale pelo que nela se pode construir”, o correto é ouvir “a terra vale por aquilo que nela se pode construir e vender no mercado com o maior retorno possível”. 66 O dado crítico na montagem do empreendimento (fig. 6) é, pois, a fixação do preço dos produtos (baseado no preço de venda do metro quadrado construído na localização em questão). Dado que ele contém a cota-parte do preço do solo, sua determinação supõe o conhecimento mais perfeito possível, por um lado, dos preços vigentes na área (aplicação do método comparativo) e, por outro, do interesse dos diversos segmentos da demanda por aquela localização e suas respectivas capacidades de endividamento. Aula 02 Há que considerar também que o valor residual é o preço mais provável, não necessariamente o preço de transação do terreno. Se o empreendedor tem informações sobre as aspirações da demanda que não são do conhecimento do proprietário do solo, poderá conseguir comprar o terreno por um preço menor do que o valor que obterá como resíduo das vendas do seu empreendimento, embolsando uma parte da renda (capitalizada como preço) da terra. Sabedores do resultado desse primeiro empreendimento, os proprietários dos lotes próximos tenderão a aumentar seus “preços de oferta”, levando os preços de transação a um novo “patamar de equilíbrio”. É essa instabilidade inerente ao processo de geração dos preços que o método O negócio da terra costuma ser tão lucrativo que comparativo de avaliação busca contormuitos empresários-construtores o convertem no nar, por meio do tratamento estatístico objeto principal de sua atividade. dos dados da pesquisa empírica dos terrenos já transacionados no mercado ao longo de um período de tempo. i O empreendimento, a legislação e o preço provável do terreno Para ilustrar a relação entre a quantidade de produto imobiliário construído, a norma urbanística e o valor residual do terreno, propomos um diagrama focado na variação do retorno bruto (também chamado margem operacional) em função do coeficiente de aproveitamento do terreno (quantidade construída). Para a cesta de produtos mais rentáveis (“melhor uso” permitido pela norma) e considerando-se como essencialmente linear a variação do VGV, do retorno bruto e do valor residual em relação ao coeficiente de aproveitamento (construção em altura), a quantidade ótima a ser produzida no terreno (do ponto de vista do incorporador e do proprietário) é aquela que maximiza 67 i Na prática, a curva de retorno bruto da construção em altura assume a forma de uma “escada”, dado que o coeficiente de aproveitamento do terreno se materializa em “plantas-tipo” construídas. Além disso, o Custo Unitário da Construção civil (CUB) muda ao atingir certos patamares de construção em altura. Como recurso analítico, porém, constitui uma simplificação válida, e útil, tomá-la como linear em relação à variação da edificabilidade. o retorno bruto. Acima dessa quantidade, tendem a se manifestar os efeitos combinados do aumento dos custos de construção, da redução da área de vendas e da queda do preço que paga a demanda pelo metro quadrado construído (devido à percepção de menor qualidade do produto – menos espaços comuns, maior densidade, menor “exclusividade”, etc.). Este ótimo do proprietário do terreno e do incorporador não é, porém, necessariamente, o ótimo da sociedade, que estabelece, por meio da Lei de Uso e Ocupação do Solo, um coeficiente máximo legal de aproveitamento do terreno, tendo em vista a proteção das qualidades do ambiente urbano, a mais importante delas a capacidade das infra-estruturas. Conseqüentemente, o empreendedor não poderá produzir toda a quantidade que lhe compraria a demanda. O efeito da norma urbanística sobre o valor residual do terreno é, neste caso particular, impedir que ele atinja o máximo valor gerado pela competição entre os potenciais compradores daquele produto, naquela localização (fig. 7). A diferença no preço final provável do terreno está expressa, no diagrama, por (d). Efeito do máximo coeficiente de aproveitamento legal sobre o retorno bruto e o valor do terreno $ PGV Retorno bruto (Rb) = Receita (PGV) - Despesas (Dp) Dp Ri d VR CA máx legal CA + máx rentável CA Figura 7 68 Efeito da Outorga Onerosa do Direito de Consumir sobre o preço de transação do terreno e a remuneração do incorporador PGV $ A OODC não encarece o produto porque este já é o mais rentável possível para aquela localização Aula 02 Retorno bruto (Rb) = Receita (PGV) - Despesas (Dp) Dp RB Produto P1 Ri CA + rentável OODC Vr Líq. Vr "liquido" = Preço de transação CBás CMáx CA Figura 8 Duas importantes noções podem se deduzidas das figuras 7 e 8. A primeira é que as normas reguladoras da edificabilidade dos terrenos urbanos não têm efeito sobre os preços do solo para coeficientes de aproveitamento situados além do coeficiente ótimo dos empreendimentos mais rentáveis. Ou seja, em nada afetam os preços do solo as normas que concedem coeficientes de aproveitamento de terreno maiores do que aqueles que o mercado está interessado em comprar, nas condições em que o empreendedor está interessado em construir e vender (rentabilidade mínima). A segunda é que a imposição de obrigações à maior edificabilidade (como a Outorga Onerosa do Direito de Construir – OODC – e a dotação obrigatória de equipamentos públicos) não pode afetar o preço do produto imobiliário pela simples razão de que ele já é, como vimos, o máximo que a demanda está disposta a pagar naquela localização. Lembremo-nos de que a curva de retorno bruto da figura corresponde ao produto mais rentável que o empreendedor pode realizar no mercado. Não podendo transferir ao preço dos produtos imobiliários as obrigações que lhes são imputadas pela coletividade (assim como o IPTU não pode ser “repassado” ao aluguel, embora aparente sê-lo), resta-lhe fazê-los recair sobre o agente passivo da operação, ou seja, o proprietário do solo (fig. 8). 69 Imaginemos que um proprietário e um empreendedor cheguem, cada um pela via de seu próprio estudo de mercado, à conclusão de que um terreno alcança um valor residual de 500 mil. O empreendedor sabe, porém, que, pelo Plano Diretor recém aprovado, parte da edificabilidade necessária para obter o valor residual de 500 mil terá de ser adquirida à prefeitura, como Outorga Onerosa do Direito de Construir, pelo preço de 100 mil. Quanto pagaria, pois, esse empreendedor pelo terreno? Obviamente, um máximo de 400 mil. Quanto pagariam os demais empreendedores por terrenos vizinhos nas mesmas condições? Qual o valor de mercado provável desses terrenos depois de instituída e consolidada a Outorga Onerosa? A figura 8 ilustra o efeito da imposição de obrigações urbanísticas ao empreendimento. A Outorga Onerosa do Direito de Construir (na figura, cobrada integralmente pela diferença entre os coeficientes básico – Cb – e máximo –Cm) subtrai do valor residual uma parcela que será destinada a projetos de urbanização social via Fundos Municipais de Desenvolvimento Urbano. Todo acréscimo de valor residual proporcionado pelo aumento de edificabilidade acima do coeficiente básico (Cb) é transferido à coletividade. Uma conclusão importante a ser sacada desta seção é: todo gasto do incorporador que contribua para “sustentar” o preço de venda do incorporador que leva ao máximo retorno bruto é investimento. Todo gasto do incorporador em obras públicas que não sirvam para fazer subir mais que proporcionalmente a oferta de preço por metro quadrado construído constitui obrigação urbanística. Uma maneira típica do empreendedor “rentabilizar” uma obrigação urbanística é remodelar um parque público ao redor do empreendimento e “vendê-lo” como vantagem de localização do produto. Aplicação do método residual à urbanização de uma gleba Discutiremos aqui a concretização do preço do solo na produção de lotes urbanizados em um ambiente estritamente formal com base no mesmo método utilizado para a construção em altura – o residual dedutivo de avaliação – com foco no conceito de retorno bruto. A finalidade dessa abordagem é estabelecer com a maior clareza possível a natureza residual do preço do solo, qualquer que seja o tipo de empreendimento imobiliário. 70 O preço máximo que o urbanizador pagará pela gleba é o resíduo do valor geral de vendas (VGV) depois de descontadas as despesas totais de urbanização e o retorno do seu capital. Aula 02 De modo análogo ao que sucede na construção em altura, o produto de um projeto de urbanização consiste em um lote “médio” representativo de uma cesta de diferentes tamanhos e localizações dentro da gleba, servido por uma urbanização de certo padrão. Há que se considerar, no entanto, uma importante particularidade: dado que a terra é irreproduzível a cada quantidade a ser produzida (número de subdivisões da gleba) corresponde, para um mesmo padrão de urbanização, um produto diferente a ser valorado pela demanda – e um preço final de metro quadrado de terreno. Também aqui utilizamos, para fins analítico-didáticos, uma simplificação quanto à variação de custos em relação à quantidade de lotes, que admitimos como estritamente linear. Essa quantidade de produto aparece aqui expressa como quantidade de lotes. A uma dada quantidade de lotes-padrão corresponderá, portanto, o lote mínimo estabelecido pela norma. Como expresso na figura 9, o urbanizador deverá optar pelo produto padrão de urbanização + tamanho de lote (P1L1) que maximize o retorno bruto, no marco das normas urbanísticas que estabelecem o padrão mínimo de urbanização e o tamanho mínimo do lote (opção A). No diagrama, o lote mínimo legal (Lmín) impede que o urbanizador realize o máximo potencial de mercado da gleba (opção B), assim determinando o valor residual Vr < Vr ótimo, sendo Vr o preço mais provável da transação. Do parcelamento formal ao informal Sem pretender minimizar a complexidade do mercado informal de solo, usaremos, finalmente, o esquema residual para ilustrar a passagem de um projeto de parcelamento do mercado formal ao informal. No projeto de urbanização representado na figura 9, opção A, o urbanizador e o proprietário dividiriam entre si o retorno bruto da venda do produto mais rentável permitido pela norma. Suponhamos, no entanto, que o proprietário deste terreno tenha sido procurado por um urbanizador oportunista, dizendo-se intermediário de uma demanda D2 que, por desinformação ou simples premência, estaria 71 disposta a pagar o mesmo preço por lotes de tamanho inferior ao permitido pela norma (ou seja, um preço mais caro por metro quadrado de solo). Assim se configuraria um empreendimento com um produto P1L2 (mesmo padrão de urbanização e lote menor que o mínimo legal), gerando um valor residual da gleba Vr2 > Vr (fig. 9, B). O proprietário, neste caso, conclui que o aumento do preço da gleba não compensa o risco de se envolver num empreendimento irregular. Formação do valor residual do termo em loteamento formal/informal Mercado formal Mercado informal $ VGV P2L3 Despezas de urbanbanização Ru3 Ru2 Retorno Bruto = VGV - Dp urb demanda D3 D2 P1L2 D1 P1L1 Retorno urbanizador Vr gleba Vr A Vr2 B Vr3 C L min L ótimo P1 L ótimo P2 1 10 20 30 40 50 60 70... Q Legenda figura 9a ,9b e 9c Para deter o crescimento do mercado informal, é preciso ou uma redução significativa do preço da terra urbanizada ou um aumento mais que proporcional dos rendimentos das camadas mais pobres da população. 72 O urbanizador pirata informa, então, que também é intermediário de uma demanda D3 – ainda mais premida pela necessidade – que, convencida de que o governo executará em breve um grande programa de urbanização de assentamentos irregulares, se dispõe a pagar um preço algo mais baixo por lotes bem menores do que o mínimo legal (provavelmente um metro quadrado ainda mais caro, portanto) e um padrão de urbanização bastante inferior ao estabelecido pela norma – e sem cumprimento das obrigações legais de doação de terrenos para escola e posto de saúde. Assim se configuraria um empreendimento com um produto P2L3 (padrão muito inferior, lote menor que o legal e sem cumprir obrigações), gerando, apesar da redução do valor geral de vendas, um valor residual da gleba Vr3 >>> Vr, sendo este o máximo que o urbanizador pirata pode oferecer (fig. 9, C) O proprietário, neste caso, calcula que o aumento do preço da gleba mais que compensa o risco do empreendimento e fecha o negócio. O loteador pirata embolsa o seu retorno (Ru3) e o proprietário o seu preço (Vr3), ambos consideravelmente aumentados. Embora muitos compradores venham a se tornar inadimplentes, a estratégia de vendas de altas prestações iniciais assegura a manutenção do negócio dentro da margem de risco calculada. Aula 02 Aos compradores, resta esperar que o governo execute as obras prometidas. Ao governo, resta pagar a conta do prejuízo anunciado – a valorização a ser gerada pelas obras já foi embolsada, por antecipação, pelo proprietário da gleba. Fica a sugestão de que, para deter o crescimento do mercado informal, é preciso ou uma redução significativa do preço da terra urbanizada ou um aumento mais que proporcional dos rendimentos das camadas mais pobres da população. Na próxima aula, você conhecerá uma série de instrumentos urbanísticos, tributários, financeiros, jurídicos e políticos para que a sociedade possa recuperar a valorização da terra produzida por investimentos ou ações do poder público ou da coletividade. 73 Bibliografia ABRAMO, Pedro. Mercado e Ordem Urbana – do caos à teoria da localização. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil/Faperj, 2001 BORRERO, Oscar. “Formación de precios del suelo urbano”. Lincoln Institute of Land Policy, EAD, Programa para América Latina y el Caribe, 2000. FURTADO, Fernanda. “Curso Instrumentos Fiscais e de Regulação do Espaço Urbano” (Apresentação). Ministério das Cidades/ CEF/ Lincoln Institute of Land Policy, Jaboatão dos Guararapes e Brasília, maio de 2006. JORGENSEN, Pedro. “Contribución al estudio de la Outorga Onerosa do Direito de Construir (Brasil): contenido económico y fórmulas de cálculo”. Lincoln Institute of Land Policy, Curso Profundización en Políticas de Suelo en América Latina Fev-Mai 2007 – Ciudad de Panama. MORALES SCHECHINGER, Carlos. “Algunas reflexiones sobre el financiamiento de las ciudades con suelo urbano”. Lincoln Institute of Land Policy, EAD, Programa para América Latina y el Caribe, 2007 SMOLKA, Martin. “Determinación de los precios – de Von Thünen a Alonso y más allá” (Apresentação). Lincoln Institute of Land Policy, Outubro de 2006. 74 Nesta aula, você aprofundará o conhecimento sobre o Estatuto da Cidade e particularmente de seus instrumentos, para recuperar, para toda a sociedade, a valorização imobiliária obtida, de forma privada, resultante de obras e outras ações do poder público, como as mudanças de usos e dos indíces de ocupação dos imóveis. Após a promulgação do Estatuto, passou a ser dever do Estado promover a justa distribuição de ônus e benefícios da urbanização e reduzir as desigualdades e equalizar as oportunidades nas cidades. O Estatuto lista uma série de instrumentos urbanísticos, tributários, financeiros, jurídicos e políticos para realizar as funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Nesta aula, serão tratados os seguintes instrumentos tributários e urbanísticos: o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), a Outorga Onerosa do Direito de Construir e de Alteração de Uso, a Operação Urbana Consorciada, a Contribuição de Melhoria e os incentivos fiscais e financeiros. Aula 03 Gestão social da valorização da terra Paula Santoro Renato Cymbalista i Edifício Master O Master é um prédio de Copacabana, a uma quadra da praia. São 276 conjugados (23 por andar), em que vivem mais ou menos 500 pessoas (donos ou inquilinos). O aluguel de um apartamento é por volta de R$ 350, com despesas de condomínio de R$ 135. Coutinho e sua equipe ficaram no prédio por um mês, filmando entrevistas. Na montagem final, aparecem depoimentos de 37 moradores. (...) considere o paradoxo da modernidade urbana: uma extrema proximidade física, vidas que se tecem a poucos metros umas das outras, atrás de uma parede ou de um piso, mas que mal se cruzam. (...) Os prédios em que moramos são aldeias paradoxais: compartilhamos cheiros, barulhos, gritos, sem por isso saber o que define a nossa tribo; ou seja, sem saber o que temos em comum ou mesmo sem admitir que tenhamos algo em comum. Até porque, em geral, preferimos curtir a ilusão de nossa unicidade absoluta. Qual é o comum denominador de humanidade que reconhecemos em nossos vizinhos e semelhantes? Como essa humanidade comum se concilia com a presunção de nossa unicidade? O filme de Coutinho responde. Graças a ele, descobrimos que nossos vizinhos não são exóticos; ao contrário, são banais, mas, apesar disso, suas vidas são tão únicas quanto as nossas... Contardo Calligaris - Folha de São Paulo 21/11/2002 A íntegra da resenha está disponível em <http://www2.tvcultura.com.br/metropolis/critica/critica.asp?idcritica=19> (Endereço acessado em 01/04/2008) Título: Edifício Master País de origem: Brasil Gênero: Documentário Tempo de duração: 110 minutos Ano de lançamento: 2002 Estúdio/Distribuidora: Riofilme Direção: Eduardo Coutinho 78 Aula 03 Introdução Em julho de 2001, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Lei Federal nº 10.257/01, conhecida como o Estatuto da Cidade, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal (capítulo de política urbana) e institui a nova moldura institucional que regula a política urbana a ser feita pela União, estados e municípios. Desde 1990 em tramitação no Congresso, o Estatuto da Cidade é ao mesmo tempo resultado e nova trincheira de luta para os segmentos sociais que trabalham, há décadas, pela democratização das cidades e das políticas territoriais no Brasil. Muitas foram as inovações do Estatuto da Cidade em relação às práticas e molduras institucionais tradicionais do planejamento e da gestão urbana no País. Entre essas inovações, as que mais têm sido evocadas são: •• a renovação dos princípios e diretrizes que devem ser seguidos nas políticas urbanas; •• o detalhamento do conceito de função social da propriedade; •• a regulamentação de instrumentos com maior capacidade para intervir nos mercados de terras; •• a maior facilidade para conduzir processos de regularização fundiária; •• o imperativo de que o planejamento urbano vise sempre construir a gestão democrática da cidade (ROLNIK, Raquel et allii, 2002). Desde sua promulgação, o Estatuto da Cidade vem sendo utilizado por governos democráticos e pela sociedade civil como ferramenta para renovar práticas de planejamento, seja por meio da implementação de novos instrumentos democráticos e participativos de planejamento, seja por impedir os processos de planejamento que não estejam construídos e conduzidos segundo os preceitos do Estatuto da Cidade. Quanto às possibilidades de renovar a legislação, destacam-se vários planos diretores construídos de forma participativa, que têm logrado implementar instrumentos de democratização da terra urbana (as Zonas Especiais de Interesse Social, por exemplo), como os planos diretores dos municípios de Recife/ PE, São Paulo/SP, Santo André/SP, Diadema/SP, Mauá/SP, entre outros. Quanto aos processos que foram questionados e até mesmo obstruídos com base nos princípios do Estatuto da Cidade, destacamos os planos diretores de Salvador/BA, que foi temporariamente interrompido, e, principalmente, o de Fortaleza/CE, cujo processo participativo foi questionado pela sociedade civil. Algumas delas podem ser vistas no Banco de Experiências www.cidades.gov.br i 79 Este texto oferece uma leitura específica, a ser agregada às abordagens mais comumente apropriadas do Estatuto da Cidade, sob a perspectiva da justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização, o que inclui uma análise da possibilidade de a coletividade recuperar para si a valorização da terra que resulte de ações públicas ou privadas – como obras públicas, alterações da norma urbanística (mudança de uso do solo) ou mudanças na classificação do solo. A idéia central é fundamentar, aqui, uma interpretação de mão dupla: por um lado, a interpretação segundo a qual, após a promulgação do Estatuto da Cidade, é dever do Estado promover a justa distribuição de ônus e benefícios da urbanização e recuperar, para toda a sociedade, a valorização resultante de obras públicas (diretrizes do Estatuto da Cidade), e, por outro lado, a interpretação segundo a qual a recuperação social da valorização do solo obtida como resultado de investimentos públicos deve ser operada com vistas à efetivação da função social da propriedade. i Portanto, o objetivo aqui não é se debruçar sobre instrumentos específicos para a recuperação social da valorização do solo somente para obter contrapartidas dos proprietários ou empreendedores. Também interessa considerá-los como instrumentos para recuperar socialmente a valorização do solo como instrumentos que influenciam a democratização do acesso à terra e que colaboram para combater a especulação imobiliária e para regular o mercado de terras; como instrumentos que, em síntese, colaboTemos insistido na necessidade desses enfrentamentos, produzindo o que denominamos “gestão social ram para promover a justa distribuição, da valorização da terra”. para todos os habitantes da cidade, dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização. As diretrizes gerais do Estatuto da Cidade: a justa distribuição de ônus e benefícios da urbanização como instrumento de justiça social Com a promulgação do Estatuto da Cidade, é importante ressaltar o papel desempenhado pelas diretrizes gerais da política urbana, definidas pelo seu art. 2º. As diretrizes gerais se constituem em verdadeiras normas gerais do Direito Urbanístico no Brasil. Como tal, são consideradas obrigatórias tanto para agentes públicos como privados. Incluem, ainda, os três entes federativos – União, estados e municípios – bem como as 80 três esferas de poder – Legislativo, Executivo e Judiciário (Sundfeld, 2002; Fernandes, 2002; Saule Júnior, 2003). Assim, a política urbana passa a ser controlada por parâmetros normativos de âmbito nacional. Não se trata de mera orientação: qualquer ação ou omissão que contrarie as diretrizes gerais da política urbana nacional pode ser considerada ilegalidade e, como tal, passível de questionamento judicial. É certo que qualquer ato ou norma a elas contrário pode ser invalidado. O poder público pode ser submetido a sanções caso contrarie esses parâmetros. Aliás, as diretrizes gerais do Estatuto da Cidade têm seu fundamento já no texto constitucional. De fato, determina o art. 182 da Constituição Federal que: Aula 03 Com efeito, o Estatuto prevê a violação à ordem urbanística como passível também de tutela judicial coletiva, pela via da Ação Civil Pública (Art. 53-54). Assim, é possível pleitear ao Poder Judiciário “liminares de cunho acautelatório ou antecipatório (Lei 7.347/85, arts. 4º e 12); pleitear a imposições de obrigação de fazer e não fazer, inclusive com a adoção de multas diárias (astreintes) (Lei 7.347/85, art. 3º); destinar eventuais indenizações para um fundo para a proteção específica dos bens protegidos pela ação civil pública (Lei 7.347/85, art. 13); tudo sem prejuízo da tutela pela ação civil pública de direitos e interesses de cunho individual (desde que homogêneos)” previstos pelo art. 21 da Lei no 7.347/85 (Bueno, 2002). i “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes” (grifo nosso). Ou seja, a desobediência às diretrizes gerais do Estatuto da Cidade se constitui não só em ilegalidade, mas também em inconstitucionalidade. Tendo em vista a extrema importância dessas diretrizes gerais definidas pelo art. 2º do Estatuto da Cidade, convém destacar algumas delas, que trazem conseqüências mais específicas para a recuperação da valorização fundiária no Brasil, que passa a se constituir como instrumento de justiça social na cidade. Primeiro, os dois princípios constitucionais fundamentais da política urbana, o principio da função social da cidade e da propriedade urbana, artigos 182 e 183 da Constituição Federal e do art. 2º, do Estatuto da Cidade, são considerados os pilares da ordem urbanística brasileira. O desenvolvimento pleno das funções sociais da cidade supõe a realização plena do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações (Estatuto da Cidade, art. 2º, inciso I). 81 Já a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes gerais previstas pelo art. 2º (art. 39, Estatuto da Cidade). De acordo, ainda, com o art. 2º, inciso VI, esta ordenação e controle do uso do solo expressos no Plano Diretor deve evitar: a. a utilização inadequada dos imóveis urbanos; b. a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; c. o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana; d. a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão de infra-estrutura correspondente; e. a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização; f. a deterioração das áreas urbanizadas; g. a poluição e degradação ambiental. O Estatuto da Cidade coloca, portanto, no patamar de normas gerais do direito urbanístico e do planejamento urbano no Brasil, o combate à retenção especulativa de imóvel urbano (art. 2, inciso VI, a), bem como o parcelamento, a edificação e o uso do solo inadequados ou excessivos em relação à infra-estrutura (art. 2, inciso VI, c), e a instalação de empreendimentos ou atividades de impacto sem previsão de infra-estrutura correspondente (art. 2, inciso VI, d). Mais adiante, o Estatuto consagra ainda outras importantes diretrizes gerais, que, de forma expressa, tratam da justa distribuição de ônus e benefícios da urbanização: Art. 2. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: (...) IX – Justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos” 82 Essas diretrizes são orientadas especificamente para a recuperação social da valorização do solo, entendida como elemento importante para a realização da justiça social na cidade. Partem do pressuposto de que os incrementos de valor de uma propriedade urbana que derivam de ações do poder público devem retornar à comunidade como um todo, em vez de serem apropriados apenas pelos proprietários. As ações públicas que geram valorizações fundiárias – incluindo o investimento em infra-estrutura e serviços, ou ações decorrentes de decisões regulatórias sobre o uso do solo urbano – devem reverter em um benefício a todos os habitantes da cidade. De fato, esses dispositivos fixam uma importante diretriz ao aspecto econômico do processo de urbanização: seus ônus e benefícios devem ser distribuídos segundo um critério de justiça. A presença dessa idéia no Direito Brasileiro não é propriamente uma novidade, pois ela já estava incorporada em institutos como a Contribuição de Melhoria (CF, art. 145, III) e a Desapropriação por Zona (Decreto-lei 3.365, de 21 de junho de 1941). Mas agora ela assume o status de diretriz da política urbana, com o que sua influência se amplia (Sundfeld, 2002: 60). Isto porque, como norma geral de direito urbanístico, conforme já dito, deve ser obedecida por agentes públicos e privados, sob pena de invalidade e submissão às sanções correspondentes. Outra diretriz geral de importância para a questão da justa distribuição é a necessidade de: Art. 2º: X - adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;” Esta determinação consagra a necessária consonância entre as políticas econômica, tributária e financeira aos objetivos da política urbana e da justiça social. Relaciona-se também com a imprescindível aproximação entre Direito Urbanístico e Direito Tributário. O Estatuto lista inclusive instrumentos tributários e financeiros no Capítulo II, “Dos instrumentos da Política Urbana”, à luz de seu art. 4º, inciso IV: Aula 03 Recuperação de maisvalia fundiária, aqui denominado recuperação da valorização da terra, de acordo com Smolka & Furtado (2001: XIV), é a recuperação da valorização do solo obtida de forma privada, por alguns proprietários, valorização essa fruto de ações, como realização de obras públicas, alterações na norma urbanística ou mesmo mudanças na classificação do solo (que promovem alteração no valor do solo). Se forem ações bem-sucedidas, aumentam o valor do solo de propriedades particulares que são afetadas por essas ações públicas, ou seja, se revertem em benefícios privados. Existem instrumentos, conhecidos como instrumentos de recuperação de mais-valia fundiária, que buscam recuperar para a coletividade parte (ou a totalidade) dessa valorização do solo obtida de forma privada. Art. 4º. Para os fins dessa Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos: (...) IV – institutos tributários e financeiros: a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU; b) contribuição de melhoria; c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros.” 83 Essa análise evidencia o papel do Estatuto da Cidade como norma que busca combater a especulação imobiliária e promover a justiça sócio-territorial, estabelecendo a recuperação social da valorização da terra como dever do Estado. Para a realização dessas diretrizes, o Estatuto da Cidade avança, instituindo uma série de instrumentos de política urbana, que devem ser usados tendo por objetivo reverter a lógica da exclusão nas cidades. Por serem normas gerais, conclui-se que instrumentos de política urbana aplicados em oposição a essas diretrizes – que evocam os princípios da função social da cidade e da propriedade urbana bem como da democratização do acesso à terra – podem ser invalidados e os responsáveis por sua instituição, punidos. Instrumentos para a justa distribuição de ônus e benefícios da urbanização no Estatuto da Cidade i 84 No Brasil, alguns autores (como Smolka, Furtado, Ambrosi, etc.) colocam como ferramentas que podem trabalhar no sentido da justa distribuição de ônus e benefícios da urbanização ou de gestão social da valorização da terra outras além das citadas no Estatuto da Cidade, entre elas: (a) impostos: Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Imposto de Transmissão de Bens Intervivos (ITBI); (b) taxas: licença de uso e autorização de funcionamento ou habite-se; (c) Contribuição de Melhoria; (d) Outros instrumentos que exijam contrapartidas financeiras ou não (em obras, em permuta de terreno, em doação) ou que possam promover incentivos e benefícios fiscais e financeiros, como, por exemplo: Legislação de Controle de Pólos Geradores de Tráfego, Termo de Ajustamento de Conduta, Termos de Compromisso. Convém, agora, analisar os instrumentos de política urbana previstos no Estatuto da Cidade, que possam garantir a realização dessas diretrizes gerais, especialmente no que tange à diretriz da justa distribuição de ônus e benefícios da urbanização, enfatizando os instrumentos de recuperação social da valorização fundiária. Todos os instrumentos da política urbana previstos no Estatuto da Cidade – sejam eles de planejamento, tributários, financeiros, jurídicos ou políticos – deverão necessariamente seguir todas as diretrizes dispostas pelo art. 2º. Essa análise vai se restringir a alguns instrumentos urbanísticos – Outorga Onerosa e Operação Urbana Consorciada – e tributários – Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Contribuição de Melhoria, sob a perspectiva da recuperação social da valorização da terra. Também o Plano Diretor será abordado, considerando que esse é o principal instrumento para a política urbana e por isso tem importância central como articulador dos diversos instrumentos em prol da realização das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Como já se afirmou na Introdução, esses instrumentos serão tratados considerando o modo como influenciam a democratização de acesso à terra, o combate à especulação imobiliária e a regulação do mercado de terras, garantindo a justa distribuição de ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização a todos os habitantes da cidade, sempre na perspectiva de realização das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, lembrando que todos os agentes públicos e privados deverão, ao aplicar os instrumentos, realizar as diretrizes gerais estabelecidas no art. 2º. Como lembra Betânia Alfonsin (2004:1), “Não há validade jurídica para a aplicação de instrumentos em sentido contrário ao preconizado pelas diretrizes da política urbana traçadas no Estatuto da Cidade”. Aula 03 “Não há validade jurídica para a aplicação de instrumentos em sentido contrário ao preconizado pelas diretrizes da política urbana traçadas no Estatuto da Cidade.” Betânia Alfonsin Plano Diretor Com a Constituição de 1988 e o Estatuto da Cidade, o Plano Diretor adquire nova importância como instrumento de política urbana. Passa a ser considerado o instrumento básico de política de desenvolvimento e expansão urbana (art. 40). É o Plano A lei nº 11.673/08 sancionada em 2006 prorrogou para Diretor que definirá o conteúdo da fun28 de fevereiro de 2008 a data para os municípios enviação social da propriedade (art. 39), que rem os Planos Diretores às Câmaras e estabeleceu a data a partir de então deixa de ser uma mera de 30 de junho de 2008 para a aprovação das Câmaras. “recomendação” para se concretizar na O Plano Diretor é obrigatório para cidades com mais realidade brasileira. A importância central atribuída pelo Estatuto da Cidade ao Plano Diretor como elemento de regulação do uso do solo e de efetivação da função social da propriedade faz com que este seja o instrumento que explicita a forma que a recuperação social da valorização da terra será feita nas cidades e como ela compõe a moldura geral da gestão do território municipal. Além disso, o Plano Diretor passa a ser obrigatório para muitos municípios, que tiveram de aprovar seus planos diretores até outubro de 2006 (art. 50), sob pena de incorrer em improbidade administrativa (art. 52). i de 20 mil habitantes; integrantes de regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas; onde o poder público pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da Constituição Federal; integrantes de áreas especiais de interesse turístico; inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades de significativo impacto ambiental de âmbito regional ou municipal (Estatuto da Cidade, art. 41). A Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) define como penalidades a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos, o pagamento de multa, a proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário. i 85 O Plano Diretor define a realização concreta das diretrizes gerais do Estatuto e a aplicação dos instrumentos de política urbana no território da cidade. Há, inclusive, instrumentos que só poderão ser aplicados se estiverem definidas as áreas para sua utilização no próprio Plano Diretor. É o caso do Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios, do Direito de Preempção, da Outorga Onerosa do Direito de Construir e de Alteração de Uso, das Operações Urbanas Consorciadas e da Transferência do Direito de Construir, instrumentos pertencentes ao conteúdo mínimo do Plano Diretor (art. 42). As diretrizes gerais e os instrumentos específicos de recuperação social da valorização da terra previstos no Estatuto da Cidade devem ser planejados no território do município através do Plano Diretor, que organiza o crescimento e o funcionamento da cidade e, principalmente, é um instrumento que regula o preço da terra. Pode promover a valorização fundiária, na medida em que propõe alterações na norma urbanística ou mesmo mudanças na classificação do solo, fatores geradores de valorização, que deve ser recuperada e distribuída de forma justa. Isso pode ocorrer em muitas situações, como quando o Plano Diretor define zonas de expansão urbana; quando altera o uso do solo de rural para urbano; quando estabelece a possibilidade de novos loteamentos; quando define formas, parâmetros de ocupação e potenciais construtivos para as diversas zonas da cidade; quando altera usos permitidos (por exemplo, de habitacional para comercial, de estritamente residencial para misto); quando estabelece incentivos à ocupação com determinado uso; quando define as formas de parcelamento permitidas para cada parte da cidade; entre outros. Uma vez que o Plano Diretor incide sobre o valor da terra, pode incluir instrumentos de recuperação social da valorização do solo gerada após a sua entrada em vigor. i 86 Um exemplo nesse sentido podem ser as Zonas Especiais de Interesse Social para Áreas Vazias. De acordo com Mourad (2000: 106 e 113), o instrumento urbanístico das Áreas Especiais de Interesse Social utilizado em Diadema/SP (a partir de 1994) serviu para ampliar o mercado de terras no município, democratizando o acesso à terra, na medida em que significou reserva de terra para moradia para famílias com renda de um a quatro salários mínimos, duplicando a oferta de terras e promovendo inicialmente diminuição do preço da terra ao mudar sua classificação de industrial para AEIS. O Plano Diretor é também um instrumento importante para evitar a retenção especulativa de imóveis, principalmente no que diz respeito à indução da ocupação de imóveis e terrenos vazios dotados de infra-estrutura. Promove, assim, a democratização do acesso à terra e pode operar de forma preventiva, evitando posteriores apropriações indevidas da valorização do solo. Se levarmos em conta as diretrizes gerais colocadas no item anterior, um Plano Diretor que interfere nos investimentos públicos ou nas normas de uso e ocupação do solo de forma a promover valorização fundiária deve prever os instrumentos através dos quais irá recuperar a valorização fundiária gerada por essas interferências. Da mesma forma, um Plano Diretor que possui instrumentos de recuperação da valorização fundiária deve associar essas receitas ao cumprimento da recuperação para toda a sociedade, como parte da efetiva função social da propriedade e da cidade, exigida por lei no Brasil depois de promulgado o Estatuto da Cidade. Caso contrário, caberá até mesmo questionamento judicial. Isto porque o Plano Diretor, como instrumento da política urbana, deve respeitar todas as diretrizes gerais estabelecidas pelo Estatuto da Cidade, especialmente a justa distribuição do ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização e a necessidade de recuperação social da valorização imobiliária decorrente da ação do poder público. Outorga Onerosa do Direito de Construir e de Alteração de Uso O direito de construir, fundamentado no direito de propriedade, é expressamente tratado como objeto de regulação pública. A partir da aprovação do Estatuto da Cidade, o direito de construir passa, então, a se submeter aos objetivos da política urbana e, conseqüentemente, às funções sociais da cidade e da propriedade urbana. A Outorga Onerosa do Direito de Construir foi regulamentada pelos artigos 28 a 31 do Estatuto, tomando como pressuposto o conceito de Solo Criado, definido na Carta de Embu. A carta “propunha criar mecanismos para recuperação [social] da valorização fundiária gerada pelos investimentos públicos, principalmente, por meio do Solo Criado, mediante o estabelecimento de coeficiente único para o conjunto da cidade e venda de coeficiente adicional” (Rolnik, 2002). Nesse sentido, a Outorga Onerosa do Direito de Construir pode ser considerada importante instrumento de recuperação social da valorização fundiária, na medida em que se baseia na justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização, permitindo o retorno de parte dos investimentos públicos consolidados nas redes de infra-estrutura. Implica, portanto, a recuperação pela coletividade da valorização fundiária decorrente da ação do poder público. Aula 03 A Carta de Embu foi resultado do Congresso sobre o solo criado na cidade de Embu, São Paulo, por iniciativa da Fundação Prefeito Faria Lima (Cepam), em 1976, que contou com a participação de gestores públicos, urbanistas, juristas e economistas. A carta defende que “toda a edificação acima do coeficiente único é considerada solo criado, quer envolva a ocupação de espaço aéreo, quer a de subsolo”. 87 i i Com efeito, os proprietários que se beneficiarem com a utilização maior do potencial construtivo e, pois, da infra-estrutura urbana deverão devolver parte da riqueza gerada à coletividade. O mesmo acontece com a Outorga Onerosa de Alteração de Uso. O Estatuto determina que o Plano Diretor fixe áreas nas quais poderá ser permitida a alteração de uso do solo mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário (Estatuto da Cidade, art. 29). Dessa forma, estabelece a possibilidade da recuperação social da vaAo revisar os valores de cobrança de IPTU, nem lorização fundiária criada a partir da altesempre os municípios conseguem recuperar socialmente a grande valorização promovida pela muração de uso do solo, abrindo uma série dança de uso de solo agrícola para urbano, um dos de possibilidades aos municípios brasileifatos geradores que, com certeza, provocam maior ros, especialmente aqueles acostumados valorização da terra. Por isso, a cobrança de Outora promover a expansão urbana através ga Onerosa de Alteração de Uso pode ser pensada combinada com a revisão dos valores do IPTU, do redesenho constante do perímetro urconsiderando que ela estaria sendo cobrada levanbano e de mudanças de zoneamento de do em conta a valorização que não estaria sendo uso agrícola para urbano, ou usos menos recuperada pelo IPTU. Além disso, diferentemente valorizados para mais valorizados, entre do IPTU, a Outorga Onerosa não é compulsória, é cobrada no momento em que o proprietário fizer outros. É também uma opção para os algo, efetivamente mudar o uso, portanto pode ser municípios que têm dificuldade para reuma opção para recuperar a valorização fundiária visar com a freqüência desejável a Planta associada à realização dessa mudança de uso. Genérica de Valores. Primeiramente, o Estatuto arrolou a Outorga Onerosa como instituto jurídico e político (art. 4º, V, “n”) e, portanto, não é um tributo. Embora haja posição contrária a essa interpretação, entendemos que a receita oriunda do pagamento da outorga é preço público, uma vez que a aquisição do Assim também entendem Hely Lopes Meirelles e Floriano de Azevedo Marques Neto. direito ao Solo Criado ou à mudança de uso do solo não possui o caráter compulsório inerente ao tributo, conforme está definido no art. 3º do CTN. De acordo com Eros Grau: “Tributos são receitas que encontram sua causa em lei, daí sua definição como receitas legais. No caso em espécie, estamos diante de um ato de aquisição de um direito não compulsório. Trata-se de ato voluntário, no qual o requisito das vontades das partes – setores público e particular – substitui o requisito da imposição legal” (Grau, 1982:82). A Outorga Onerosa, portanto, não se origina de um ato compulsório, gerador de obrigação ao particular como os tributos. É diferente, portan- 88 to, do IPTU, em que o simples fato de possuir um imóvel urbano já gera a obrigação. A aquisição de potencial construtivo excedente pelo proprietário do imóvel é um ato voluntário, que importa um ônus – no caso, a contrapartida do beneficiário (art. 30, III). Aula 03 Outro aspecto importante trazido pelo Estatuto da Cidade é vincular a aplicação da Outorga Onerosa do Direito de Construir e de Alteração de Uso à sua previsão no Plano Diretor (art. 28). Além disso, a Outorga Onerosa só poderá ser aplicada em áreas definidas pelo Plano Diretor (art. 28, caput, c/c art. 29 c/c art. 42, II). Esse papel central conferido ao Plano Diretor busca, na verdade, vincular a aplicação da Outorga ao planejamento urbano, à realização das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Evitam-se, assim, soluções casuísticas, decididas individualmente, caso a caso. O Plano Diretor define o coeficiente de aproveitamento básico – que poderá ser único ou diferenciado – e o coeficiente de aproveitamento máximo (art. 28, § 2º e 3º). Esse limite máximo ao direito de construir deverá levar em conta a proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área (art. 28, § 3º). Dessa forma, evita-se o adensamento construtivo desvinculado de um plano de desenvolvimento urbano e de um estudo das condições e possibilidades de provisão de infra-estrutura. O Estatuto da Cidade prevê, ainda, a edição de uma lei municipal específica que definirá a fórmula de cálculo da cobrança, os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga e a contrapartida do beneficiário (art. 30). A exigência de discriminar em lei o cálculo permite que reavivemos uma das principais limitações e polêmicas em relação aos processos de se recuperar a valorização: a aferição dos valores. Como diz Furtado (2004), tanto a influência política dos proprietários como as deficiências técnicas – e também legais, para poder fazer avaliações adequadas de valores de solo Dessa forma, a publicação e a informação dos cál– foram identificadas por estudiosos e culos efetuados (não necessariamente através da legislação, mas através de instrumentos de comufuncionários públicos como deturpadonicação) são fundamentais para permitir o controle ras de sua aplicação em muitos países. pela sociedade e para evitar favorecimentos, além de Dessa forma, a aprovação dos cálculos colaborar para a imagem positiva do instrumento, por lei pode facilitar o controle social, uma vez que é fácil aferir se a cobrança está sendo feita a partir de valores justos. evitando soluções particulares e eventuais favorecimentos. i 89 A definição dos critérios e casos passíveis de isenção do pagamento também deve estar de acordo com os objetivos do Plano Diretor e, uma vez estabelecida em lei específica, dificulta o surgimento de exceções obtidas sem critérios claros e negociados de forma obscura nas Câmaras Municipais. Esse aspecto é importante para entender o instrumento da Outorga não apenas como recuperador da valorização da terra, mas como instrumento de controle urbanístico. A isenção pode ser possível, por exemplo, para estimular a produção de determinados usos, como usos não residenciais em regiões dormitório, com a intenção de diminuir a necessidade de deslocamentos na cidade, ou o uso para produção de Habitação de Interesse Social, ou mesmo para implantação de equipamentos culturais ou de saúde em áreas carentes desses equipamentos (Rolnik, 2002:71). A contrapartida dada pelo beneficiário não é necessariamente paga em dinheiro. Pode ser também em obras e serviços para o desenvolvimento urbano ou em bens imóveis. Com efeito, o Estatuto da Cidade define a destinação dos recursos captados com a Outorga Onerosa, o que contribui para uma política urbana redistributiva, que garanta que a recuperação social da valorização fundiária e da distribuição dos benefícios decorrentes do processo de urbanização se reverta efetivamente para toda coletividade. Fica estabelecida, em seu art. 26, a obrigatoriedade da aplicação dos recursos obtidos com a Outorga Onerosa com as seguintes finalidades: I. regularização fundiária; II. execução de programas e projetos habitacionais de interesse social; III. constituição de reserva fundiária; IV. ordenamento e direcionamento da expansão urbana; V. implantação de equipamentos urbanos e comunitários; VI. criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; VII. criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental; VIII.proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico (Estatuto da Cidade, art. 26, incisos I a VIII). Se os recursos das contrapartidas da Outorga não forem aplicados de acordo com essas finalidades, o prefeito incorre em improbidade administrativa (Lei Federal no 8.429/92 c/c Estatuto da Cidade, art. 52). Essa 90 vinculação dos recursos busca relacionar a aplicação da Outorga Onerosa aos objetivos da política urbana, à realização das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Só é possível por não se tratar de um tributo, uma vez que a vinculação de impostos a órgão, fundo ou despesa legal é vedada pela Constituição Federal (CF, art. 167, IV). Mas essa vinculação da aplicação dos recursos a tais finalidades per si não é suficiente. Aula 03 Antes da aprovação do Estatuto, muitos desses recursos eram revertidos em benefícios a quem obteve os direitos de construir, revalorizando os imóveis e não se revertendo em benefícios à coletividade. É o caso, por exemplo, de contrapartidas como melhoria do sistema viário, sinalização e pista de desaceleração em frente ao empreendimento beneficiado com direitos de construção. Conforme já dito, de acordo com as diretrizes gerais do Estatuto, os benefícios decorrentes do processo de urbanização devem ser distribuídos de forma justa. E isso deve ser garantido também no território de forma que a recuperação social da valorização se reverta para a comunidade como um todo. É o que determina também o princípio das funções sociais da cidade. Por fim, convém ressaltar que uma forma de garantir a aplicação dos recursos nas finalidades previstas é o Plano Diretor estabelecer a destinação das contrapartidas da Outorga para um Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano, que deve ser gerido de forma democrática, por um conselho composto por representantes da sociedade civil e do poder público. O controle pela sociedade, na definição e realização das contrapartidas, também é fundamental para que se compreenda o caráter social dessas contrapartidas. Como se verá adiante, até o Estatuto estabelecer algumas finalidades para a utilização dos recursos obtidos, muitos recursos eram obtidos e revertidos em benefícios para quem fosse detentor dos direitos de construir, o que implicava revalorização dos imóveis e não revertia em nenhum benefício à coletividade. i Operação Urbana Consorciada As operações urbanas envolvem simultaneamente o redesenho de um setor (tanto de seu espaço público como privado), a combinação de investimentos privados e públicos para sua execução e alteração, manejo e transação dos direitos de uso e edificabilidade do solo e obrigações de urbanização. Trata-se, portanto, de um instrumento de implementação de um projeto urbano para uma área implantada por meio de parceria entre proprietários, poder público, investidores privados, moradores e usuários permanentes (ROLNIK, 2002:78). 91 O instrumento da Operação Urbana Consorciada (OUC) se utiliza do mesmo raciocínio da Outorga Onerosa, permitindo alterações nos índices urbanísticos e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, mas associa essas alterações a um plano urbanístico para um perímetro determinado. Significa que estabelece uma área dentro da qual a valorização recuperada deverá ser aplicada na própria área. i Esse é certamente um dos instrumentos polêmicos do Estatuto da Cidade. As experiências de Operações Urbanas anteriores ao Estatuto mostram que em alguns casos há a recuperação da valorização, mas esta, ao ser reinvestida onde já houve valorização, acaba por reconcentrar recursos e reforçar processos de segregação socioespacial e Esses aspectos enfraquecem o instrumento da Opeexclusão territorial (Fix, 2001). Recuperar ração Urbana, se comparado a outros instrumentos a valorização e reinvestir no mesmo local para recuperação social que também podem ser não promove a redistribuição de renda em usados e que têm melhor desempenho no aspecto termos espaciais e pode, ao contrário do redistributivo; por exemplo, o IPTU. Embora reconheçam seu potencial de arrecadação, a maioria dos esperado, reconcentrar riqueza (e geralespecialistas em recuperação social faz críticas e exmente, também, população de melhor põe as limitações da Operação Urbana. renda) em espaços privilegiados, foco de um volume maior de investimentos. Para definir o que deve ser considerado como OUC, o Estatuto estabelece que: Art. 32, Parágrafo 1o – Considera-se Operação Urbana Consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar, em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”. Alfonsin (2004: 3-5), ao definir os contornos jurídicos do instrumento da Operação Urbana Consorciada, destaca que as “transformações urbanísticas estruturais” podem ser: •• modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo; •• alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas decorrente; •• regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente. 92 Como se pode verificar, algumas delas são evidentes geradores de alteração do valor da terra, principalmente a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo. Reforçando essa afirmação, pode-se verificar que o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança é exigido nas áreas de Operação Urbana e dele devem constar estudos de valorização imobiliária, considerando que na própria concepção do que se entende como Operação Urbana Consorciada há valorização fundiária beneficiando alguns proprietários. Aula 03 Entre as exigências do Estatuto, está a necessidade de uma lei específica na qual deve constar o plano de Operação Urbana (art. 33). O conteúdo mínimo para o plano da Operação Urbana visa atingir um resultado urbanístico e envolve: definição da área a ser atingida; programa básico de ocupação da área; programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada pela operação; finalidades da operação; estudo prévio de impacto de vizinhança; contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados em função da utilização dos benefícios previstos (alterações na norma e classificação do solo); forma de controle da operação, obrigatoriamente, compartilhada com representação da sociedade civil (art. 33, incisos I a VII). Quanto à destinação dos recursos obtidos, é interessante a inclusão de elementos como a destinação de uma porcentagem dos recursos para construção de Habitação de Interesse Social (Ver Fix, 2001; Maricato e Ferreira, 2002). A destinação de recursos deve estar de acordo com os interesses da coletividade, por isso, a gestão social e a determinação de prioridades e destinação dos recursos é muito importante em uma Operação Urbana, pois elas podem evitar que as prioridades sejam de interesse de “poucos” – como, por exemplo, obras viárias localizadas, de acesso apenas a um empreendimento – e que as destinações do interesse de “muitos” demorem para se efetivar. O Estatuto da Cidade também estabelece que a Operação Urbana deve definir em sua lei específica a contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados em função dos benefícios concedidos. De acordo com Alfonsin (2004: 5): (...) aqui se apresenta o desenho redistributivo de cargas e benefícios que tem toda a Operação Urbana, indicando que e quanto é possível ganhar com a mudança das regras urbanísticas, bem como o que, quanto e como se paga para beneficiar-se delas. É aqui que será explicitada a forma como o poder público pretende calcular e captar as mais-valias geradas pela Operação Urbana aos terrenos privados” (grifos da autora). 93 i Em relação à definição das contrapartidas, seria possível retomar as mesmas observações feitas em relação à Outorga Onerosa, especialmente no que tange às possibilidades de redistributiviÉ importante observar que, pelo Estatuto da Cidadade no território. O fato de a Operação de, comete crime de improbidade administrativa o estar limitada por um perímetro contínuo prefeito que não aplicar os recursos auferidos com força a associação das contrapartidas nesse Operações Urbanas Consorciadas exclusivamente perímetro, e isso tem levado a propostas de na própria Operação Urbana Consorciada (Estatuto da Cidade, art.52, inciso V). utilização do instrumento em perímetros descontínuos, visando à redistributividade. Em São Paulo, foram criados os “Certificados de Potencial Adicional de Construção” (CEPAC), que permitem a livre comercialização de potenciais construtivos adicionais e podem ser vendidos em leilão ou utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação. Existe um debate em que os defensores do instrumento (Sandroni, 2001) avaliam que o mercado pode regular o preço do potenPropomos que você se reúna com mais dois ou cial construtivo adicional de forma positiva, três colegas e que o grupo escolha uma das atipermitindo ágios que beneficiam o poder vidades descritas a seguir: público. Os críticos (FERREIRA e DE CE1.Relacionar em forma de tópicos os principais argu- SARE, 2004: 130) afirmam que “essa operamentos contra e a favor das Operações Urbanas Conção subordina a política urbana aos interessorciadas. ses do mercado, transformando potencial 2. Pesquisar a experiência dos Certificados de Potencial construtivo em mais uma fonte de espeAdicional de Construção, criados em são Paulo, e culação financeira”. Mais ainda que a livre descrevê-la em um texto de até 30 linhas. negociação de CEPACs entre particulares, Os resultados das pesquisas devem ser apresentados pelos acaba por permitir que compradores espegrupos em um chat. Sua contribuição ao debate é imporculem com as expectativas de preços fututante. Aproveite para esclarecer também outras dúvidas ros dos certificados, portanto não apontam relacionadas a esta aula. Confira com seu tutor as datas e os horários disponíveis. para a efetivação da redistribuição e podem ser apropriadas privadamente. Instrumentos tributários e as funções sociais da cidade e da propriedade urbana 94 O Estatuto lista uma série de instrumentos tributários que passam a ser vistos também como instrumentos de política urbana e, como tal, com objetivo de realizar as funções sociais da cidade e da propriedade urbana. São eles: o IPTU e a contribuição de melhoria e os incentivos fiscais e financeiros (art. 4º, IV). Isto porque o art. 2º do Estatuto define como dire- triz geral a adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira, e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais. Mais adiante, define, ainda, que os tributos sobre imóveis urbanos devem ser diferenciados de acordo com o interesse social. Aula 03 Surge, a partir daí, uma importante intersecção entre direito urbanístico e direito tributário: a extrafiscalidade. A extrafiscalidade consiste no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, ou seja, para obtenção de objetivos que não a geração de recursos para o Estado. Assim, na tributação extrafiscal, afasta-se o princípio da capacidade contributiva, para dar lugar à realização de um princípio de relevante interesse social: a função social da propriedade urbana (Costa, 2002). IPTU Se bem gerenciado, o IPTU é um dos principais instrumentos de gestão da valorização da terra, abrangendo todos os imóveis urbanos, cuja cobrança é incorporada ao cotidiano da gestão e relativamente aceita pelos cidadãos. Constante na Constituição Federal, o IPTU consagra um importante instrumento tributário para o cumprimento da função social da propriedade. Esse imposto pode ser utilizado tanto para fins arrecadatórios – com uma progressividade de acordo com o valor do imóvel, respeitando a capacidade econômica do contribuinte (CF, art. 156, § 1º, inciso I) – como para fins urbanísticos. Essa progressividade extrafiscal, com finalidades urbanísticas, é regulamentada de duas diferentes formas. Primeiro, a progressividade de acordo com a localização e o uso do imóvel, regulamentada pelo inciso II do § 1º do art. 156, inserido pela Emenda Constitucional 29/00. Assim, os imóveis localizados em áreas definidas pelo Plano Diretor como não adensáveis podem ter sua ocupação desestimulada pela progressividade do imposto. Ou, então, aqueles imóveis que sofreram alguma espécie de valorização pela alteração da classificação do solo podem ter sua alíquota majorada de acordo com o uso dado ao imóvel. Estas duas variações da progressividade não foram regulamentadas pelo Estatuto da Cidade, mas devem obedecer a todas as diretrizes da política urbana, já que o IPTU é considerado também instrumento da política urbana (art. 4º, IV, “a”). 95 O outro tipo de utilização do IPTU para fins urbanísticos é regulamentado pelo art. 182, § 4º, II, que garante a aplicabilidade da progressividade no tempo, de forma a evitar a especulação imobiliária e realizar concretamente a função social da propriedade. Seu objetivo não é, portanto, arrecadatório. Esse instrumento é regulamentado pelo Estatuto da Cidade em seu art. 7º. Uma vez não cumpridas as condições do parcelamento, edificação e utilização compulsórios, caberá a aplicação do IPTU progressivo no tempo, com majoração da alíquota pelo prazo Você pode consultar o artigo 7º e os demais artide cinco anos. Há que se obedecer à gos do Estatuto da Cidade na Biblioteca Virtual alíquota máxima de 15%, não podendo nosso Curso. do ser maior que o dobro cobrado ao ano anterior. A finalidade da cobrança progressiva não é de confiscar a propriedade, mas de induzir uma obrigação de fazer (Saule, 2003). i 96 Em relação à desapropriação para fins de reforma urbana, é importante tecer algumas considerações, que trazem conseqüências para análise da recuperação da “mais-valia fundiária”. A desapropriação regulamentada pelo art. 182, § 4º, III da CF e o art. 8º do Estatuto da Cidade se constitui em importante instrumento urbanístico. Trata-se de uma exceção ao art. 5º, XXIV, da CF, que determina que as desapropriações devem ser efetuadas mediante justa e prévia indenização em dinheiro. A desapropriação para fins de reforma urbana consiste em sanção ao proprietário que não cumpre a função social da propriedade. Em vez de indenização justa e prévia em dinheiro, a desapropriação para fins de reforma urbana será paga em títulos da dívida pública, aprovados pelo Senado Federal, resgatáveis em até dez anos, e deverá refletir o valor real do imóvel, que de acordo com o art. 8º, § 2º do Estatuto da Cidade deverá: “I- refletir o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função das obras realizadas pelo Poder Público na área onde este se localiza após a notificação de que trata o § 2º do art. 5º; e II – não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios”. Fica definido, portanto, o cálculo do que seria o valor real, que pode até mesmo chegar a valores inferiores aos de mercado (Sundfeld, 1990; Saule, 2003). Não cumpridas as obrigações de parcelar, edificar e utilizar, o município poderá promover a desapropriação para fins de reforma urbana. Uma vez adquirido o imóvel, o município deverá promover seu adequado aproveitamento, a fim de garantir o cumprimento da função social da propriedade, como, por exemplo, através da construção de habitação de interesse social, urbanização ou regularização de favelas, construção de equipamentos públicos ou comunitários, etc. O município tem o prazo de cinco anos para promover seu adequado aproveitamento sob pena de se submeter às sanções cabíveis características da improbidade administrativas (art. 52, II). Como alternativa à desapropriação, outros instrumentos podem também ser utilizados para realizar a função social da propriedade do imóvel, após a cobrança até o limite estabelecido para a progressividade da alíquota. Uma solução possível é a aplicação do direito de preempção, o direito de superfície ou, então, o consórcio imobiliário. Além da possibilidade de utilizar a progressividade do IPTU como instrumento de política urbana, podemos, ainda, citar outro instrumento, capaz de aprofundar sua cobrança e realizar as diretrizes gerais do Estatuto da Cidade: o abandono regulamentado pelos artigos 1.275 e 1.276 do Novo Código Civil: Aula 03 Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições (...) § 2º. Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais”. Ou seja, o novo Código Civil prevê a possibilidade de arrecadação do imóvel pelo município quando o imóvel estiver vago e o proprietário não pagar os impostos respectivos, no caso, o IPTU. Trata-se de dispositivo que busca também combater a especulação imobiliária e ao mesmo tempo incentiva o pagamento pelos contribuintes do imposto territorial devido. Contribuição de Melhoria A Contribuição de Melhoria é também definida como instrumento de política urbana pelo Estatuto da Cidade. É importante instrumento de realização da “recuperação dos investimentos do poder público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos”, diretriz geral da política urbana (art. 2º, IX). Leia na Bibliotéca Virtual o texto “Mercado de terras, formação de preços e recuperação de custos de infra-estrutura básica no Brasil”, no qual são apontadas algumas possibilidades de aplicação do instrumento de forma a garantir sua aplicabilidade de acordo com as diretrizes gerais da política urbana, embora ele não tenha sido regulamentado no Estatuto. Considerações finais Não se trata de discutir aqui as dificuldades para implementar o Estatuto da Cidade, principalmente relacionadas às desigualdades na correlação de forças nos municípios brasileiros, cujas políticas fundiárias refletem também as disparidades tradicionais da nossa sociedade. 97 No entanto, essas disparidades não são necessariamente “incombatíveis”, e há uma série de atores políticos e sociais envolvidos em combatêlas e reduzi-las. O que se tenta, aqui, é compreender o Estatuto da Cidade como um entre vários instrumentos mediante os quais é possível utilizar a política fundiária e o marco de regulação urbana como redutores de desigualdades e equalizadores de oportunidades nas cidades. Sabe-se que o Estatuto da Cidade é objeto de leituras que apontam direções diferentes, até mesmo opostas. Cabe também lembrar que os instrumentos de gestão social da valorização da terra devem ser operados de forma democrática, segundo a diretriz da “gestão democrática da cidade”, obrigatória a partir da aprovação do Estatuto. Sustenta-se aqui que agregar a leitura da recuperação da mais-valia fundiária que vise a tornar mais efetivo o princípio redistributivo é uma das possibilidades para potencializar as leituras democráticas e progressistas do Estatuto da Cidade. Na aula 4, você conhecerá os instrumentos de ampliação do acesso à terra urbanizada. Esses instrumentos variam conforme as peculiaridades e especificidades de cada território. 98 Bibliografia Aula 03 ALFONSIN, Betânia de Moraes. “Operações Urbanas consorciadas como instrumento de captação de mais-valias urbanas: um imperativo da nova ordem jurídico-urbanística brasileira”. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia (Orgs.). Direito Urbanístico no Brasil e no mundo. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2004. (no prelo). BUENO, Cássio Scarpinella. “Ação Civil Pública e o Estatuto da Cidade”. In: DALLARI, Adilson; FERRAZ, Sérgio (Coord.). Estatuto da Cidade: Comentários a lei federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. CYMBALISTA, Renato. “Cidade e Moradia: desafios da gestão democrática das políticas urbana e habitacional no Brasil”. In: Mobilização Cidadã e Inovações Democráticas nas Cidades. São Paulo: Instituto Pólis, jan. 2005. Edição Especial Fórum Social Mundial. ______. Estudo de Impacto de Vizinhança. São Paulo: Instituto Pólis, 2003. (Boletim Dicas, 192). COSTA, Regina Helena. Instrumentos “Tributários para Implementação da Política Urbana”. In: DALLARI, Adilson; FERRAZ, Sérgio (Coord.). Estatuto da Cidade: Comentários a lei federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. DE AMBROSIS, Clementina. “Recuperação da Valorização Imobiliária Decorrente da Urbanização”. In: O Município no Século XXI: Cenários e Perspectivas. São Paulo: CEPAM/Correios, 1999, p.275-284. DE CESARE, Claudia M. “Instrumentos Tributários e de Política Urbana”. In: V Curso de Gestão Urbana e de Cidades. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro/Escola de Governo Prof. Paulo N. de Carvalho, 2004 (CD-Rom). FERNANDES, Edésio. “Do Código Civil de 1916 ao Estatuto da Cidade; Algumas Notas sobre a trajetória do Direito Urbanístico no Brasil”. In: MATTOS, Liana Portilho (Org.). Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. 99 FERREIRA, João Sette Whitaker e DE CÉSARE, M. de. “Instrumentos tributários e de indução de desenvolvimento”. In: Plano Diretor Participativo. Brasília: Ministério das Cidades/Caixa Econômica Federal, 2004. FIX, Mariana. Parceiros da exclusão. São Paulo: Boitempo, 2001. FURTADO, Fernanda. Recuperação de mais-valias fundiárias urbanas na América Latina: debilidade na implementação, ambigüidades na interpretação. Tese de doutorado. São Paulo: FAU-USP, 1999. ______. “Repensando las políticas de captura de plusvalías para América Latina”. In: Curso de Desarrollo Professional Recuperacion de Plusvalias en America Latina. Cartagena das Índias, Colômbia: Lincoln Institute of Land Policy, 2004.(cd-rom) GRAU, Eros Roberto. “Direito Urbano”. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1982. MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. “Operação Urbana Consorciada: diversificação urbanística ou aprofundamento da desigualdade?”. In: OSÓRIO, Letícia M (org.) Estatuto da Cidade e Reforma Urbana, novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Fabris Editora, 2002. MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. “Outorga Onerosa do Direito de Construir” In: DALLARI, Adilson; FERRAZ, Sérgio (Orgs.). Estatuto da Cidade: Comentários a lei federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. MARTINS, Ives Gandra. “Solo Criado”, RDC 15/57, São Paulo, Ed. RT, janeiro-março/1981. ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei – legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São Paulo: FAPESP/Studio Nobel, 1997. ______. “Outorga onerosa e transferência do direito de construir”. In: OSÓRIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: Novas perspectivas para cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. ROLNIK, Raquel et allii. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. 2a edição. Brasília, Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2002. 100 SALANDÍA, Luis Fernando Valverde. “Recuperación de plusvalías urbanas a través de operaciones interligadas y del cobro de suelo criado: la experiencia de la ciudad de Niteroi, Rio de Janeiro – Brasil”. In: Curso de Desarrollo Professional Recuperacion de Plusvalias en America Latina. Cartagena das Índias, Colômbia: Lincoln Institute of Land Policy, 2004. (cd-rom) Aula 03 SANDRONI, Paulo. “Plusvalias urbanas en Brasil: creación, recuperación y apropriación en la ciudad de São Paulo”. In: SMOLKA, Martim; FURTADO, Fernanda (Eds.). Recuperación de Plusvalias en América Latina. Eurelibros/Lincoln Institute of Land Policy/ Pontificia Universidad Católica de Chile, 2001. SANTORO, Paula Freire. “A relação entre políticas territoriais e reestruturação econômica: a Operação Urbana Eixo Tamanduatehy, Santo André/ SP.” In: Curso de Desarrollo Profesional Recuperación de Plusvalias en América Latina. Cartagena das Índias, Colômbia: Lincoln Institute of Land Policy, 2004 (cd rom). SAULE Jr., Nelson. A proteção jurídica da moradia dos assentamentos irregulares. Doutorado em Direito. PUC-SP, São Paulo, 2003. ______. Novas perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro – Ordenamento constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do Plano Diretor. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. SMOLKA, Martim; FURTADO, Fernanda (Eds.). “Recuperación de Plusvalias en América Latina”. Eurelibros/Lincoln Institute of Land Policy/ Pontificia Universidad Católica de Chile, 2001. SUNDFELD, Carlos Ari.. Desapropriação. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1990. ______. “O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais”. In: DALLARI, Adilson; FERRAZ, Sérgio (Coord.). Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. 101 Nesta aula, você conhecerá diversos instrumentos para transformar em realidade o preceito constitucional da função social da propriedade no contexto da reforma urbana. Instrumentos que vão induzir a ocupação dos imóveis vazios, aumentando a oferta de lotes urbanizados para produção de moradias de interesse social. Também verá que a reforma da cidade depende de gestão pública e de mudanças de procedimentos na “máquina” pública para que as novas ferramentas possam ser adequadamente gerenciadas. O Poder Público, como protagonista, deve garantir o interesse público e o acesso a todos à terra urbanizada. Deve também dialogar com os diversos atores sociais sobre os problemas e as propostas para a cidade. Aula 04 Instrumentos de ampliação do acesso à terra urbanizada Margareth Matiko Uemura Esta outra canção da banda Chico Science e Nação Zumbi retrata o cotidiano de alguém que vive em uma comunidade da periferia de Recife, convivendo com a lama do mangue, os urubus e o mau cheiro provocado pela ausência de saneamento básico. Você pode ouvir esta música no AVEA. Manguetown - Chico Science Estou enfiado na lama É um bairro sujo Onde os urubus têm casas E eu não tenho asas Mas estou aqui em minha casa Onde os urubus têm asas Vou pintando, segurando as paredes do mangue do meu quintal Manguetown Esta noite sairei Vou beber com meus amigos E com as asas que os urubus me deram ao dia Eu voarei por toda a periferia Vou sonhando com a mulher Que talvez eu possa encontrar Ela também vai andar Na lama do meu quintal Manguetown Andando... 104 Introdução Aula 04 A partir do exposto nas aulas anteriores, pode-se facilmente inferir o quanto é estratégico disponibilizar terras para o desenvolvimento de uma política urbana adequada, sejam quais forem as características da cidade ou região onde ela se aplica. Evidentemente, podemos considerar que tais áreas não precisam ser terras públicas (estar sob domínio da administração pública); em alguns casos, é até mais conveniente que se induza o proprietário a dar um uso adequado para a concretização da função social da propriedade imóvel urbana, segundo regras estabelecidas pelo Poder Público. Por outro lado, e atendo-nos apenas ao patrimônio público, pode-se notar que até recentemente era muito estreita a grade de alternativas dadas à administração pública, recaindo quase sempre nas opções da desapropriação por utilidade pública ou interesse social e na reserva e doação de áreas por parte do loteador, quando da aprovação de seus projetos de parcelamento do solo, conforme está previsto na lei no 6766 e, em alguns casos, em legislação municipal específica. No entanto (o que procuraremos retomar ao longo do texto), tais opções já não são suficientes, por conta de limitações intrínsecas ao seu marco legal, ainda mais quando confrontados com novas dinâmicas que tomaram conta, de um lado, do modelo de gestão pública no Brasil das ultimas décadas, dentre elas, a financeira, com a emergência de novas demandas, a crítica ao aumento da carga tributária e o controle mais apurado dos gastos públicos. Por A desapropriação para fins urbanísticos é admitida há muito no ordenamento brasileiro, mas por inoutro lado, as características da urbanizaferência da legislação que regula a desapropriação ção neste mesmo período, que apresenpor utilidade pública e por interesse social. Um martou um sem-número de novos problemas co legal específico para ela seria importante, como a serem enfrentados, e não só a oferta de ocorre em outros países. equipamentos e serviços públicos. i É relevante apontar o fato de que os instrumentos aptos a operarem a política urbana )aqueles já estabelecidos ou que foram regulados pelo Estatuto da Cidade) por si só não têm o poder de solucionar todas as questões que se apresentam cotidianamente ao gestor público ou ao cidadão. Não obstante, há um pano de fundo importante, político, cultural, econômico e social, que deve ser levado em conta e com o qual a política urbana, na sua concepção e principalmente na gestão, deve dialogar. 105 i Imagine, por exemplo, a instituição de uma Zona de Especial Interesse Social (ZEIS) com o objetivo de facilitar a regularização de loteamentos de alto padrão. Por um lado, é evidente que toda irregularidade deve ser combatida e sanada e, por outro, não há, do ponto de vista formal, obrigatoriedade de que as ZEIS sejam instrumento de regularização apenas para áreas de baixa renda, mas ela é adequada a esta situação, e não àquela, que pode se socorrer de alternativas. A resolução 34/2005, do Conselho das Cidades, em seu artigo 5º, também enfatiza que as Zonas Especiais (sem qualificá-las), quando voltadas à regularização fundiária ou edilícia, sejam para atender a população de baixa renda. Em outras palavras, trata-se de considerar que a sociedade e o poder local devem refletir acerca da adequação deste ou daquele instrumento, tendo em vista as peculiaridades e especificidades de cada território e das forças que com ele interagem, sob risco de deslegitimar o instrumento, por insuficiência, ou, ainda, dar-lhe destinação divergente das finalidades para as quais ele foi concebido, qual seja, a concretização da função social da cidade. Aspectos gerais Os instrumentos que serão apresentados a seguir possibilitam, na sua gestão, o cumprimento da função social da propriedade com a ampliação do acesso à terra urbanizada. Buscam também aumentar a oferta de terras no mercado e a produção de lotes urbanizados, na medida em que disponibilizam áreas que em muitos casos estão retidas para fins especulativos. São eles: •• Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS); •• Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (PEUC); •• Consórcio Imobiliário; •• Direito de Preferência (ou Preempção) e a •• Dação em Pagamento. 106 Estes e outros instrumentos passam a ser concebidos e aplicados tendo em vista as diretrizes estabelecidas pelo Estatuto da Cidade em seu artigo 2°, quando inseridos numa estratégia de ampliar e garantir disponibilidade de terra urbanizada, Conheça a íntegra do Estatuto da Cidade na Bipara buscar a urbanização/ requaliblioteca Virtual do nosso Curso. ficação /reestruturação de uma área específica e, em especial, para atender as faixas segregadas ou excluídas da cidade formal, considerando que o plano diretor indique tal necessidade. Alguns deles já estavam presentes no ordenamento jurídico brasileiro, como a Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e Direito de Preferência. Porém, todos ganham novas características com o Estatuto da Cidade. Outros instrumentos ainda, como a Dação em Pagamento, têm aplicabilidade para além dos quadros da política urbana (os chamados “instrumentos atípicos”), ainda que possam ser por ela apropriada para a consecução de seus objetivos. Aula 04 A ZEIS, que sempre foi utilizada como instrumento para possibilitar a urbanização de núcleos precários, passa a ser aplicada em vazios urbanos, muitas vezes subutilizados, com o objetivo de “reservar” áreas para a produção habitacional, buscando atender a população de baixa renda em áreas providas de infra-estrutura. Aprofundaremos, neste módulo, a aplicação do instrumento em áreas vazias, uma vez que a aplicação para fins de regularização fundiária será abordada no segundo módulo. A ZEIS, que sempre foi empregada na urbanização de núcleos precários, passa a ser aplicada em vazios urbanos, às vezes subutilizados, para “reservar” à população de baixa renda habitações em áreas com infra-estrutura. O direito de preferência, tradicional nas relações privadas e eventualmente até mesmo como forma de aquisição de bens públicos em situações específicas, que comentaremos adiante, toma caráter urbanístico, como instrumento de provisão de equipamentos públicos. Por exemplo, o plano diretor de dado município, já apontando para a necessidade de estratégias de acesso à terra urbanizada, relaciona as áreas sobre as quais incidirá o direito de preferência (ou preempção). A escolha das áreas e sua destinação – provisão de infra-estrutura, equipamentos urbanos e outros apontados no inciso V do citado art. 2° – deve estar de acor“Art. 2º (...) do com as necessidades apontadas pelo V – oferta de equipamentos urbanos e comunitáPlano Diretor. Da mesma forma, a esrios, transporte e serviços públicos adequados aos colha das áreas sobre as quais incidirão interesses e necessidades da população e às caracteparcelamento, edificação e utilização rísticas locais.” compulsórios (PEUC). i O PEUC, o novo e importante instrumento introduzido pela Constituição Federal, além de induzir a oferta de terras para urbanização, estimula uma importante atividade econômica privada (incorporação e construção civil). O instrumento torna-se estratégico, em momentos como o 107 presente, no qual facilidades creditícias, em especial, são estabelecidas por força de políticas que fogem à competência municipal. Assim, a possibilidade de sobreposição de instrumentos em uma mesma área, como por exemplo, a obrigatoriedade de parcelamento e edificação em uma determinada área gravada como ZEIS, pode atingir a dois objetivos: o de disponibilizar a terra e o de atender a população de baixa renda em áreas urbanizadas. Neste caso, a constituição do Consórcio Imobiliário possibilita ainda a produção de lotes urbanizados ou edificados pela municipalidade. Da mesma forma, o direito de preferência, pode facilitar a aquisição de áreas por parte da administração pública, além de oferecer à ela indicadores confiáveis acerca de valores e dinâmica das transações imobiliárias operadas entre particulares, e, portanto, permitir a formação de um banco de dados que monitore o mercado de terras no município Ou seja, a ampliação da oferta de áreas, antes retidas por processos especulativos, é essencial para mobilizar os setores público e privado. Para tanto, a gestão dos instrumentos pelo Poder Público é importante para explorar todas as possibilidades ofertadas pelos instrumentos e atingir os objetivos traçados no Plano Diretor. Por fim, anotamos que os instrumentos que serão descritos a seguir têm como finalidade o acesso à terra urbanizada para as mais diversas ações públicas como: 1. atender as faixas segregadas ou excluídas da cidade formal; 2. reverter a lógica de ocupação pela criação de novos territórios, buscando ocupar os vazios urbanos existentes; 3. estimular processos de requalificação/reestruturação de áreas específicas; 4. atender a demandas de equipamentos urbanos; entre outras estratégias, igualmente valiosas à implementação e ao desenvolvimento da política urbana. Passaremos, então, a uma análise mais detida de cada um dos instrumentos, verificando sua estrutura, possibilidades e regulamentação, com ênfase nas possibilidades que oferecem para aumentar a disponibilidade de terra urbanizada. 108 Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) Aula 04 Há diversas nomenclaturas para designar o instrumento que ora examinamos. Com efeito, o Estatuto da Cidade (Art. 4º, inciso V, “f ”) se refere a “Zonas Especiais de Interesse Social”, ao passo que a Lei no 6766, com as alterações realizadas pela Lei no 9785/99, introduziu a figura das “Zonas Habitacionais de Interesse Social” (ZHIS). Já o Município de Santo André, cuja experiência será discutida durante o curso, utilizou em sua legislação, durante muito tempo, a figura das “Áreas de Especial Interesse Social” (AEIS), assim como o Plano Diretor de Porto Alegre, que utiliza a mesma sigla. Adotaremos a expressão “Zonas (ou ‘Áreas’) de Especial Interesse Social”, na medida em que qualifica melhor a destinação do instrumento, qual seja um interesse social singular, de extrema relevância não para os beneficiários imediatos, mas, também, para toda cidade, afastando qualquer possibilidade de adoção desta modalidade com desvio de finalidade. No entanto, trata-se da mesma figura, que define perímetros destinados “primordialmente à produção e manutenção de habitação de interesse social”, visando “incorporar os espaços urbanos da cidade clandestina, favelas, assentamentos urbanos populares, loteamentos irregulares e habitações coletivas - cortiços, à cidade legal” (SAULE JR. 1997). Como se depreende da definição anterior, as ZEIS são extremamente úteis a uma política de inclusão social em dois sentidos: permitir a regularização dos assentamentos de baixa renda consolidados, mas igualmente facilitar a produção (pelo Poder Público, por cooperativas habitacionais e, em situações especiais, até pelos agentes econômicos) de habitação de interesse social em áreas vazias. Nos dois casos, é possível estabelecer regras diferenciadas para o parcelamento sobretudo e também para uso e ocupação do solo urbano com a finalidade de viabilizar a produção de novas habitações para faixas com menores salários e para atuar na regularização de assentamentos habitacionais para e por parte da população de baixa renda. Assim, o conceito agrega uma nova possibilidade ao Poder Público: gravar áreas vazias como ZEIS de forma a destiná-las exclusivamente ou prioritariamente à produção de Habitação de Interesse Social (HIS), ampliando o acesso a terra urbanizada à população de baixa renda e buscando uma nova forma de intervenção que ocupa vazios urbanizados, ao invés estender a cidade, criando territórios de exclusão. 109 A demanda No entanto, as políticas públicas para financiar a produção de moradia popular e os “fenômenos” do mercado (em especial o custo da terra, gerado em grande parte pela falta de oferta) não atendem a parte significativa do déficit brasileiro, que é composto não só pelos que moram de maneira precária, mas por aqueles que buscam novas moradias e que nem ao menos para se habilitam às “filas” das companhias habitacionais públicas. Para esta camada da população com renda abaixo dos cinco salários mínimos, que tradicionalmente recorre à autoconstrução como alternativa para ter sua “casa própria”, há pouquíssimos programas públicos e menos ainda oferta de linhas de crédito e financiamento públicos. Resta então, aos governos locais, nas regiões metropolitanas, prover habitação para atender a demanda originária dos processos de urbanização de favela, loteamentos irregulares, cortiços, áreas de risco, etc. Esta demanda não é atendida pelo mercado privado, porque não se enquadra nas exigências dos bancos para acessar as linhas de crédito oferecidas. As ZEIS são úteis a uma política de inclusão social e têm duas funções segundo o seu tipo: permitir a regularização dos assentamentos de baixa renda consolidados e facilitar a produção de habitação de interesse social em áreas vazias. Assim, o Zoneamento ainda tem sido mais eficiente como instrumento para reservar áreas para uma determinada demanda definida pelo Poder Público no Plano Diretor, do que para viabilizar a produção pelo mercado privado, mesmo considerando novas regras para uso e ocupação do solo nestes territórios e porque praticamente não existe mercado privado regular voltado para a população de baixa renda. Embora façamos estas considerações, é importante dizer que é um grande avanço os municípios demarcarem ZEIS em áreas vazias, principalmente áreas centrais, além das ZEIS que estão sendo definidas nos projetos de reestruturação urbana, criando a possibilidade da permanência da população em áreas já valorizadas, como fizeram Santo André (Eixo Tamanduathy), Recife (Projeto Recife-Olinda) e outros municípios. 110 Aula 04 Marco legal No plano da legislação federal, são esparsas as referências às ZEIS. O próprio Estatuto da Cidade apenas as arrola entre os instrumentos que podem ser adotados para a consecução da política urbana. Por outro lado, a Lei nº 6.766/79, com as alterações introduzidas pelas Leis nº 9.785/99 e nº 11.445/07, a par de se referir explicitamente a esta modalidade de parcelamento do solo quando estipula os componentes da infra-estrutura básica exigível, conta com outras regras que permitem afirmar a autonomia municipal no estabelecimento de regras diferenciadas para o percentual de reserva de áreas destinadas ao sistema viário e aos equipamentos urbanos e comunitários, bem como as dimensões mínimas do lotes. Esta realidade tende a mudar substancialmente se aprovada a Lei de Responsabilidade Territorial (PL 3057/00), ora em tramitação na Câmara dos Deputados. Art. 2º - O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes. i i (...) . § 6º A infra-estrutura básica dos parcelamentos situados nas zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS) consistirá, no mínimo, de: I. vias de circulação; II. escoamento das águas pluviais; III. rede para o abastecimento de água potável e IV. soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar. Por fim, a Lei nº 11.124/05, que institui o Sistema e o Fundo Nacional da Habitação de Interesse Social, determina como uma das hipóteses de destinação de recursos às áreas “caracterizadas” como de interesse social. I. aaa II. aaa 111 O texto da Lei 11124/05 se encontra na Biblioteca Virtual do Curso. Art. 11. As aplicações dos recursos do FNHIS serão destinadas a ações vinculadas aos programas de habitação de interesse social que contemplem: (...) III. urbanização, produção de equipamentos comunitários, regularização fundiária e urbanística de áreas caracterizadas de interesse social. Portanto, compreende-se facilmente que a tarefa de conformação desse instituto cabe essencialmente aos municípios, por meio do Plano Diretor e da legislação que eventualmente lhe for complementar. Aliás, e mesmo anteriormente às inovações trazidas pela legislação federal, diversos municípios já se socorreram desta modalidade como um dos elementos estruturantes dos programas de regularização fundiária, na maioria das vezes articulados com ações de urbanização física e resolução do domínio (concessão de direito real de uso e, mais recentemente, usucapião coletiva e concessão especial para fins de moradia). Da mesma forma, as ZEIS “vazias”, ainda que em menor proporção, possibilitaram a produção de um número considerável de unidades habitacionais a custos mais acessíveis por parte dos governos, das cooperativas habitacionais e mesmo de empreendedores privados. Este último, quando falamos de população com renda acima de cinco salários mínimos em regiões metropolitanas, pelos motivos expostos anteriormente. Portanto, as ZEIS podem se desdobrar entre áreas ocupadas ou vazias e de domínio da administração pública (municipal, estadual e até federal) ou de particulares. No entanto, quando se combinarem situações de áreas particulares vazias em que pese a autonomia municipal no ordenamento do solo urbano, certa cautela é necessária, levando em conta especificidades do mercado em cada local. Em outras palavras, instituir uma ZEIS em áreas extremamente valorizadas, de forma a que o único uso possível seja a moradia para a população, por exemplo, com renda até três salários mínimos, pode ensejar demandas, da parte dos proprietários, alegando esvaziamento do conteúdo econômico da propriedade. Assim, tal estratégia deve ser ponderada junto a outros elementos, dentre outros, (i) coeficientes de aproveitamento mais elevados, (ii) subsídios, fiscais ou de subvenção aos adquirentes, (iii) flexibilização do perímetro onde seja admitido HIS em parte 112 da área e outros usos, a critério do proprietário, na área remanescente do perímetro, e (iv) transferência do direito de construir – considerando a possibilidade de estabelecer a proporção de ocupação em cada parte território municipal. Aula 04 As ZEIS podem efetivamente colaborar para o acesso à terra urbanizada, seja por inserir na “cidade formal” uma fatia considerável de moradias da população de baixa renda (loteamentos irregulares e clandestinos, favelas e cortiços), quando associada a programas de regularização urbanística e fundiária, seja por vincular áreas vazias (públicas ou privadas) à produção de habitação de interesse social, cuja demanda e estratégia podem estar detalhadas no diagnóstico do Plano Municipal. Este tema será mais bem detalhado nas aulas do módulo II. Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios – PEUC A adoção de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios (PEUC), e dos instrumentos criados a partir dele (Imposto Predial e Territorial Urbano e desapropriação com o pagamento de títulos) já foi preconizada desde a década de 70, quando o então Banco Nacional de Habitação (BNH) estabeleceu o Programa Comunidade Urbana de Recuperação Acelerada (CURA), que tinha entre seus pressupostos “a eliminação da capacidade ociosa dos investimentos urbanos”, a “diminuição dos efeitos negativos da especulação imobiliária” e “o adensamento da população urbana até níveis tecnicamente satisfatórios”. Já em 1983, o Executivo Federal enviou ao Congresso a primeira proposta consolidada de Lei Nacional (PL no 775/83) acerca da política urbana, constituindo-se em marco fundamental, posto que estabelecia princípios e um rol de instrumentos definitivamente incorporados na pauta da reforma urbana, entre eles parcelamento, edificação ou utilização compulsórios. Por força destes precedentes, e sob o signo da emenda popular da reforma urbana, a Constituição Federal de 1988, a par de repetir a exigibilidade do cumprimento da função social da propriedade, delineou no artigo 182 as regras pertinentes ao exercício da propriedade imóvel urbana, com seus condicionantes. 113 i Evidentemente, não nos esquecemos da usucapião urbana, disposta no artigo 183 da CF, ainda que ela não se relacione diretamente à noção de instrumento de política pública, mas, sim, a um direito subjetivo. O parcelamento, edificação ou utilização compulsórios foi o único instrumento que se tornou regra constitucional, dentre aqueles debatidos ao longo dos anos anteriores; incorporados pelo PL no 775 e apontados na emenda popular. Isso não denota que cumprir a função social da propriedade imóvel urbana signifique simplesmente parcelar, edificar ou dar-lhe um uso, mas, também, que a subutilização, em sentido amplo, constitui a mais grave ofensa ao princípio, um abuso ao direito de propriedade com as mais profundas conseqüências para o desenvolvimento urbano, capaz mesmo de colocar a perder qualquer estratégia local de concretização da função social da cidade. Mesmo assim, sua aplicabilidade ficou limitada à edição de legislação posterior, de competência da União, a qual deveria dar-lhe os parâmetros de concretização. i Dentre outros, Natal, João Pessoa, São José dos Campos e Angra dos Reis. Para refletir, pesquisar e debater: 114 •• Por que a subutilização ou não-utilização de áreas urbanas é um abuso do direito de propriedade com sérias conseqüências para o desenvolvimento urbano? •• Em grupo de até quatro pessoas, pesquise um exemplo de subutilização ou não-utilização de área urbana e um exemplo de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios em seu município ou região. •• Compartilhe as conclusões e descobertas do grupo com os colegas durante um chat no AVEA. Sua participação nesta atividade coletiva de aprendizado é muito importante! Informe-se com seu tutor sobre os horários agendados para o chat. Tanto a lei nacional destinada a veicular normas gerais de política urbana, quanto a lei federal destinada a dar eficácia plena ao parcelamento, edificação e uso compulsórios só vigoram a partir da edição da Lei no 10.257/2001, o “Estatuto da Cidade”. Porém, desde a promulgação da Constituição Federal, não faltou quem defendesse que o instrumento poderia ser adotado de imediato pelos municípios, desde que estabelecidas as condições nos planos diretores. Desta forma, vários municípios passaram a inserir em seus respectivos planos diretores (quando das aprovações ou revisões) a possibilidade de exigência do PEUC, mas não avançaram no sentido de implementálo verdadeiramente, permanecendo as regras locais em compasso de espera, aguardando a edição da lei federal. O Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001) cumpre duas funções primordiais. A primeira, de funcionar como norma geral de direito urbanístico, estabelecendo as bases da política urbana, a serem estabelecidas pelos municípios, no âmbito de sua autonomia. A outra, de leis federais, franqueando o uso do instrumento denominado Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (PEUC) na implementação desta política. Aula 04 Sua configuração está dada pelos artigos 5º e 6º daquele diploma legal: Art. 5º - Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação. § 1º- Considera-se subutilizado o imóvel: I. cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente; II. (vetado). § 2º - O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação, devendo a notificação se averbada no cartório de registro de imóveis. § 3º- A notificação far-se-á: I. por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao uroprietário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administração; II. por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na forma prevista pelo inciso I. § 4o Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a: I. um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão municipal competente; II. dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do empreendimento. § 5º - Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei municipal específica a que se refere o caput poderá prever a conclusão em etapas, assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o empreendimento como um todo. Art. 6o A transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou causa mortis, posterior à data da notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5º desta Lei, sem interrupção de quaisquer prazos.” Em essência, o Estatuto da Cidade, em seus artigos 5º e 6º, cuida de 115 estabelecer prazos, condições e garantias para que o município exija o cumprimento da função social daqueles imóveis não edificados, subutilizados ou não utilizados. E o faz de maneira econômica, como convém a uma norma geral, uniformizando aquilo que é comum às administrações locais, mas deixando à legislação municipal (plano diretor à frente) a tarefa de definir concretamente as situações de cabimento, como, por exemplo, os parâmetros e critérios para a definição de imóvel subutilizado. De resto, os prazos e procedimentos estabelecidos buscam muito mais garantir razoabilidade e segurança jurídica na adoção do instrumento pelos municípios, evitando o uso arbitrário e situações que caracterizem expropriação indireta, mas também evitam a ocorrência de fraudes, como a alegação de que a obrigação seja “intuite personae” (atribuível á pessoa), o que permitiria desobrigar o adquirente de imóvel cujo proprietário fora notificado a cumpri-la. O artigo 6º é claro ao afastar tal possibilidade. Por fim, e reforçando a idéia de estabelecimento do PEUC como dever, e não faculdade em sentido estrito, o artigo 42, inciso I, do Estatuto, determina que do conteúdo mínimo do plano diretor deva constar “a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização”. Mais uma vez, portanto, se aponta a adoção racional e razoável do instituto, a partir de um diagnóstico seguro acerca das peculiaridades do processo de urbanização de cada município. Alguns elementos deverão ser levados em consideração no enfrentamento de algumas questões: a. Dimensões mínimas e máximas e localização dos imóveis: as dimensões das áreas (glebas ou lotes) abarcadas pelo instrumento devem ser definidas tendo em vista características do processo de urbanização. É perfeitamente possível adotar uma área menor em zonas da cidade onde a demanda por edificação seja intensa e as características da ocupação já estejam dadas por lotes menores e, por outro lado, estabelecer lotes mínimos maiores em decorrência da estratégia do plano em zonas das cidades que sejam ocupadas por usos que exijam grandes áreas como: indústria, comércio atacadista, etc. b. Um mesmo proprietário com diversos lotes abaixo do mínimo: dar função social é condição de legitimidade para a relação jurídica estabelecida entre o sujeito (proprietário) e a coisa (bens). Portanto, o PEUC deve incidir sobre a conduta dos proprietários, quando esta estiver em 116 desacordo com as “exigências fundamentais de ordenação da cidade”, o que fica claro, por exemplo, no artigo 6º do Estatuto, como comentado acima. Portanto, caso se caracterize a retenção de um número considerável de lotes não edificados (e até mesmo unidades construídas) pelo mesmo proprietário, e esta atitude tenha impacto significativo na dinâmica imobiliária da cidade, nada impede que ele seja notificado para a edificação ou a utilização destes imóveis. Aula 04 c. Imóveis que cumprem a função social, porém foram parcelados ou edificados acima do coeficiente mínimo: há situações em que o imóvel para cumprir uma função social prescinde de edificação. Entre as situações mais comuns, estão (i) a relevância ambiental, dada a ocorrência de vegetação significativa ou a presença de cursos d’água, (ii) áreas de risco, (iii) a relevância paisagística, história ou arquitetônica, independente de tombamento, mas devendo o plano diretor (eventualmente a lei específica) anotar as características que se pretende preservar no interesse da memória ou da cultura, e (iv) as atividades econômicas ou institucionais Os estacionamentos não vinculados a alguma atividade devem ser objeto de análise especial, segundo que por segurança não permitem ediestratégia da Política Urbana Municipal. Nos casos ficações, como, por exemplo, dutos, lide Reabilitação de Áreas Centrais, as áreas utilizanhas de transmissão e fornos, ou ainda das para estacionamento podem ser estratégicas, ou atividades vinculadas a uma principal seja, o município pode criar critérios para notificar o proprietário a construir e criar mecanismos para como depósitos, estacionamentos, incentivar o uso misto (neste caso, estacionamento áreas de lazer: campos de prática escomercial e outro uso) e a oferta de vagas na área. portiva, piscinas, clubes, etc. De maneira geral, o uso misto é mais freqüente em i áreas centrais de grandes centros urbanos, mas é d. Qualidades inerentes ao proprietário: pouco adotado no restante do tecido urbano. o imóvel de domínio da administração direta, autarquia ou fundação também deve estar afetado a um uso, o que difere da função social da propriedade. Se ao longo de um largo período de tempo, os governos que se sucedem não lhe dão destinação compatível, há outros instrumentos para impelir seu aproveitamento que não o PEUC (eventualmente a Ação Popular ou mesmo a Ação Civil Pública). Não por acaso, o Estatuto da Cidade estabelece o prazo de cinco anos (art. 52, II) para que seja dada destinação aos imóveis adquiridos mediante a desapropriação-sanção, sob pena de impropriedade administrativa. Mas há diversas situações, pertinentes a proprietários privados (massa falida, espólio, associações comunitárias ou filantrópicas, dentre outros), nas quais a tendência política e social é de não aplicar o instituto. Porém, nem a Constituição Federal nem o Estatuto da Cidade dão guarida para 117 o estabelecimento de diferenciações. Eventualmente, é possível adiar o início dos prazos para cumprimento da obrigação, para estas ou outras situações de relevância social. e. Definição e controle de imóveis não utilizados ou subutilizados: tratam-se de imóveis parcelados ou edificados (portanto, que se submeteram ao licenciamento urbanístico), mas que não são utilizados, como as grandes edificações indústrias, galpões e até unidades habitacionais verticalizadas e vazias. Um critério possível para aferir o abandono do imóvel é combinar vistorias periódicas com o controle da utilização, durante certo período, dos serviços públicos, como água, luz e coleta de lixo. Ainda assim, é preciso cuidado, pois o mesmo imóvel pode trafegar em curtos períodos de tempo da utilização a nãoutilização, como usualmente ocorre no mercado de locação imobiliária. De qualquer forma, eventuais dificuldades na aferição não são, por si, impedimento à exigibilidade da utilização do imóvel. f. Outras fraudes possíveis à eficácia do PEUC: no limite de sua competência, o Plano Diretor (ou a lei específica) deve buscar coibir condutas que claramente visam apenas afastar a incidência da obrigação. Entre elas, está o desmembramento em poucos lotes, sem abertura de via, de forma que cada um deles, antes da notificação fique com o tamanho limite para que não seja notificado e ainda não precise deixar a reserva obrigatória de áreas públicas (o que se resolve facilmente nos quadros da Constituição Federal e da Legislação Federal, ao estabelecer a reserva de áreas públicas mesmo para os desmembramentos). Outra forma de burlar a lei é o proprietário iniciar as obras no prazo previsto, mas estender o prazo de execução da obra ou até não concluí-la sem apresentar justificativas ao Poder Público. A adoção de tais estratégias e a “seleção” destas áreas podem parecer, à primeira vista, condutas totalmente discricionárias da administração local. Não o são, se estão inseridas em uma política urbana orientada pelo planejamento baseado em um diagnóstico que seja participativo. Desta forma, estão dadas às condições para a implementação dos instrumentos de maneira que eles componham uma forma de atuar no território que não seja pontual e que apresente uma lógica urbanística pouco contestável. 118 O próprio texto constitucional prescreve: Aula 04 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. (...) § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: •• parcelamento ou edificação compulsórios; •• imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; •• desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais (grifos nossos).” Aparentemente, e por uma interpretação unicamente gramatical, a adoção do parcelamento ou da edificação compulsórios representaria uma “faculdade”, cabendo a cada município, no âmbito de seu plano diretor e respectiva legislação urbanística, exercer uma opção, com total liberdade para fazê-lo ou não. Porém, não é esta a interpretação correta, sob pena de amesquinhar o princípio da função social da propriedade. Ora, como toda competência constitucional, o exercício da autonomia municipal se expressa através de um poder-dever, significando que, dado um poder, ele obrigatoriamente deve ser exercido quando necessário à concretização dos direitos fundamentais. Em outras palavras, um imóvel traz efeitos negativos decorrentes do não-uso – como a falta de oferta de terrenos no mercado –; sendo assim, o município deve prever na legislação local (plano diretor e, eventualmente, em lei específica) um instrumento apto a reverter esta situação, sob pena de inconstitucionalidade por omissão. Tal faculdade, portanto, implica definir elementos gerais ou específicos de cada município, buscando modular o uso do instrumento, a fim de que ele atinja seu propósito, e não de negá-lo. 119 i Raciocínio semelhante pode ser adotado em relação aos demais instrumentos e regras estipulados quer pela Constituição Federal, quer pelo Estatuto da Cidade. Assim, salvo condições extraordinárias, que permitam enfrentar o problema de forma diversa, o município que apresentar extensa irregularidade em seu território, caracterizando a exclusão ou segregação de parcelas da população de baixa renda, STJ, REsp 448216, São Paulo, j. 14/10/2003, 1ª Turdeve instituir em seu Plano Diretor um ma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 17/11/2003. zoneamento diferenciado para tal realidade, além, é claro, de outras condutas, sejam de instituição de regras adequadas, sejam de ação administrativa. Dos procedimentos para aplicação do instrumento O marco inicial dos prazos estabelecidos no Estatuto da Cidade para cumprimento da obrigação é a notificação do proprietário, com as formalidades descritas naquela lei federal. O primeiro deles é de um ano para apresentação de projeto, salvo se a legislação municipal determinar outro, mais dilatado, ou ainda se conceder efeito suspensivo aos questionamentos apostos pelo proprietário. No entanto, os desequilíbrios na ocupação do solo urbano, em especial a consolidação dos grandes vazios, não se estabeleceram de forma instantânea; ao contrário, foram fruto de pelo menos algumas décadas de processos econômicos e sociais perversos, acompanhados da carência de instrumentos jurídicos e políticas públicas que os direcionassem. Ou seja, as correções necessárias não se darão de imediato. Por outro lado, em cada cidade e região, há especificidades também no que tange à dinâmica imobiliária. Há limites estruturais que podem ser obstáculos para que o adensamento pretendido daqueles vazios se dê com a velocidade e da maneira desejada, considerando que há fartura de crédito, agilidade no licenciamento, desoneração de insumos e incentivos ao empreendedorismo na incorporação imobiliária e na construção civil. 120 Portanto, a melhor alternativa, que nos parece mais coerente com um conceito jurídico de política pública, é construir, de forma transparente e estável, uma escala de notificações, em função das prioridades e estratégias estabelecidas no plano para o cumprimento da obrigação de parcelar, edificar ou utilizar os imóveis. Assim, pode-se iniciar exigindo a correção da conduta dos proprietários de imóveis de uma dada região da cidade (obviamente, dentre as apontadas já no plano diretor, como determina o artigo 5º do Estatuto), nos seguintes casos: Aula 04 1. os imóveis com maiores dimensões ou 2. sobre os muitos imóveis contíguos de um mesmo proprietário ou ainda 3. onde os coeficientes de aproveitamento praticados estejam mais distantes do mínimo previsto no plano diretor ou 4. priorizar as áreas com maior infra-estrutura instalada. Desta forma, é possível uma acomodação coordenada do mercado, dentro de suas possibilidades de aporte de capital sem causar estremecimento de dinâmicas, como a valorização ou desvalorização imobiliária, que são perniciosas e próprias do regime econômico. É necessário considerar principalmente a capacidade técnica e de gestão do município na operação e no monitoramento do instrumento. Consórcio imobiliário Uma vez realizada a notificação para parcelamento ou edificação compulsórios, o proprietário pode encontrar dificuldades ou obstáculos ao seu cumprimento. Para estes casos, instituiu-se a figura do Consórcio Imobiliário, com o intuito de possibilitar a utilização do imóvel notificado, permitindo, conforme descrito no art.46, a transferência do imóvel ao Poder Público para execução das obras necessárias, sejam elas de urbanização, produção de lotes, edificação de unidades habitacionais, etc. Imaginemos, por exemplo que, além de notificado, o imóvel seja delimitado como uma ZEIS, onde apenas se admite a edificação de habitação de interesse social, a qual o mercado formal, sabidamente, ainda é refratário, mesmo havendo impossibilidade conjuntural de aportar capital. Buscando modular tais situações, e ao mesmo tempo permitir que o Poder Público crie um estoque de terrenos para os empreendimentos de interesse social, o que só é possível através da desapropriação, o Estatuto introduziu a figura do Consórcio Imobiliário, assim definido: “Art. 46. O Poder Público municipal poderá facultar ao proprietário de área atingida pela obrigação de que trata o caput do art. 5º desta lei, a requerimento deste, o estabelecimento de consórcio imobiliário como forma de viabilização financeira do aproveitamento do imóvel. 121 § 1º - Considera-se consórcio imobiliário a forma de viabilização de planos de urbanização ou edificação por meio da qual o proprietário transfere ao Poder Público municipal seu imóvel e, após a realização das obras, recebe, como pagamento, unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas. § 2º - O valor das unidades imobiliárias a serem entregues ao proprietário será correspondente ao valor do imóvel antes da execução das obras, observado o disposto no § 2o do art. 8o desta Lei”. O Consórcio Imobiliário é uma nova forma de contrato administrativo, celebrado sob regime jurídico de direito público, com as peculiaridades que lhe são dadas pelo Estatuto da Cidade. i Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III. No âmbito constitucional, o artigo 22, inciso XXVII, inclui entre as matérias de competência legislativa privativa da União as normas gerais de licitação e contratação (em especial a Lei n o 8666/93). E o Estatuto não alterou esta condição. Ou seja, dadas pelo menos duas propostas de constituição de consórcio imobiliário, deve a administração local realizar licitação para a escolha daquela melhor. Todas as demais características de um contrato administrativo se aplicam ao consórcio imobiliário, desde que respeitadas as especificidades trazidas pelo artigo 46 do Estatuto da Cidade e outras que podem ser adotadas pelos municípios em sua legislação desde que obedecidas as normas gerais constantes da lei nacional. Assim obedecidas àquelas normas gerais, há possibilidade de estados e municípios criarem suas próprias regras para a constituição do Consócio Imobiliário. Dação em pagamento A dação em pagamento é instituto antigo do direito civil, correspondendo, naquele contexto, em modalidade de extinção de uma obrigação em que o credor pode consentir em receber coisa que não seja dinheiro em pagamento da dívida. 122 Aula 04 Sua aplicação no campo do Direito Público, mais especificamente no Direito Tributário, já é há muito admitida, como forma de extinção do crédito tributário, e ainda reforçada pela edição, em 2001, da Lei Complementar 104. Na medida em que o rol de hipóteses para tal, estipulada no artigo 156 da lei nº 5.172/66 do Código Tributário Nacional, não seria taxativo. Dentre outros, Luciano Amaro: in: “Direito tributário brasileiro”, p. 367, o qual usava justamente a dação em pagamento como exemplo desta característica do artigo 156. i Independente das questões que emergem para o direito financeiro e tributário, fica patente que a dação em pagamento pode constituir uma excelente forma de formação de estoque de terras, com diversas vantagens em relação à desapropriação, uma vez que não compreende fluxos monetários, quando respeitadas certas condições: •• sua operação deve estar regulada em lei, que pode ser a do município, observadas as normas gerais de direito financeiro e tributário (além do Código Tributário Nacional, a lei federal no 4320/64 - orçamentos públicos, e a lei complementar no 101/00 - responsabilidade fiscal) . Esta lei determinará, como apontado, forma e condições para a celebração do negócio, como (i) quais tributos podem ser extintos com a dação, (ii) se há neA lei no 8666/93, em seu artigo 19, simplifica os critérios para alienação de bens imóveis oriundos da cessidade de consolidação de todos os dação em pagamento. débitos atribuídos ao particular, ou, ao contrário, apenas alguns lançamentos serão extintos, (iii) eventual destinação dos bens imóveis adquiridos, etc.; i •• A dação implica satisfação do crédito; portanto, do ponto de vista contábil, os valores envolvidos são receita tributária. Esse fato deve ser levado em conta, principalmente considerando o fato de que há percentuais de dispêndio obrigatório para tais receitas (saúde e educação). Em outras palavras, aumenta a receita sem que haja aporte monetário. Porém, a fim de cumprir o orçamento anual, a ela corresponderá uma elevação dos gastos, estes, sim, monetários, das receitas vinculadas; •• A dação é uma opção posta ao devedor. Portanto, um planejamento de aquisição de áreas públicas que leve em conta esta modalidade será meramente indicativa, podendo as expectativas não se concretizarem. 123 O Poder Público que realizou o diagnóstico da cidade para a elaboração do Plano Diretor reconhece os imóveis que interessam a sua política fundiária e o montante da dívida referente aos mesmos. Sendo assim, o município, em sua gestão, poderá criar formas de atender a estes proprietários a fim de utilizar o instrumento em favor da política urbana que foi traçada. Com estas ressalvas, e outras que podem surgir com a aplicação do instrumento, a dação em pagamento pode vir a ser uma opção de grande interesse para a aquisição de imóveis pela administração pública, seja qual for a sua finalidade, especialmente quando a ausência de áreas constituir um obstáculo para a concretização da política urbana. Direito de preferência (preempção) Assim como a dação em pagamento, o direito de preferência (ou preempção) é instituto já consolidado e regulado pelo direito privado. Sua aplicabilidade pode ser encontrada na Lei do Inquilinato (no 8245/91, artigo 27 e seguintes) e na Lei das Sociedades Anônimas (no 6404/76, artigos 171 e seguintes). Mesmo no campo do Direito Público, o direito de preferência é aplicado quando da alienação de bens tombados (decreto-lei no 25/37, artigo 22). No entanto, o Estatuto da Cidade ampliou enormemente o número de possibilidade de uso deste instrumento. Com efeito, dispõe o artigo 25: Art. 25. O direito de preempção confere ao Poder Público municipal preferência para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares. § 1o Lei municipal, baseada no plano diretor, delimitará as áreas em que incidirá o direito de preempção e fixará prazo de vigência, não superior a cinco anos, renovável a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de vigência. § 2o O direito de preempção fica assegurado durante o prazo de vigência fixado na forma do § 1o, independentemente do número de alienações referentes ao mesmo imóvel. Art. 26. O direito de preempção será exercido sempre que o Poder Público necessitar de áreas para: I. regularização fundiária; II. execução de programas e projetos habitacionais de interesse social; 124 III. constituição de reserva fundiária; IV. ordenamento e direcionamento da expansão urbana; Aula 04 V. implantação de equipamentos urbanos e comunitários; VI. criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; VII. criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental; VIII.proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico; IX. (VETADO) Parágrafo único. A lei municipal prevista no § 1o do art. 25 desta Lei deverá enquadrar cada área em que incidirá o direito de preempção em uma ou mais das finalidades enumeradas por este artigo. À primeira vista, o direito de preferência se caracteriza como uma opção à aquisição de áreas por parte do Poder Público, que apresenta vantagens em relação á desapropriação; em suma, ficam afastadas intermináveis discussões acerca da “justa e prévia indenização em dinheiro” afetas àquele instituto, que acabam por atravancar o planejamento financeiro dos municípios. Em algumas situações, os juros moratórios e compensatórios, honorários periciais, etc., acabam por suplantar a indenização principal. Por outro lado, assim como a dação em pagamento, o instrumento fica à mercê de probabilidades de transação, devendo o Poder Público aguardar que esta se concretize. Na verdade, que esteja na iminência de se concretizar, uma vez que o direito de preferência é condição resolutiva ao negócio entre privados. No entanto, como já comentado anteriormente, o direito de preferência pode também se constituir em excelente alimentador de um banco de dados que acompanhe o mercado imobiliário. A metodologia mais usual adota fontes não confiáveis, porque •• ou muitas transações são omitidas, quando observamos os registros acerca da escrituração no registro de imóveis, ou ainda porque •• os dados são obtidos a partir da expectativa de negócios (pesquisas em imobiliárias), a qual quase sempre não corresponde aos parâmetros dos negócios efetivamente concretizados. 125 Considerações finais Do ponto de vista do ordenamento territorial, a função social da terra urbana se efetiva quando a organização e a ocupação do solo estão compatíveis com a infra-estrutura, equipamentos e serviços existentes e com a preservação ambiental, da paisagem e do patrimônio edificado significativo para a cidade. E, para obter melhor ocupação do solo, ampliando o acesso a terra urbanizada e buscando o desenvolvimento urbano e econômico, os municípios têm elaborado seus planos diretores participativos, os planos setoriais (habitação, mobilidade, patrimônio, etc.), e instituído conselhos para debater a questão urbana. Este conjunto de planos por si só não garante a efetividade do que está estabelecido nos Planos Diretores. Como foi possível verificar na descrição de alguns dos instrumentos, eles compõem um conjunto de “ferramentas” que, para serem utilizadas, exigem um conhecimento fundiário do município e, principalmente, uma definição clara do uso das áreas públicas e privadas vazias, ociosas e subutilizadas, e, ainda, das que sofrerão processos de mudanças decorrentes da implementação do Plano Diretor e das diversas legislações complementares. A função social da terra urbana se efetiva quando o melhor uso e a ocupação do solo estão compatíveis com a infra-estrutura existente e com a preservação ambiental, da paisagem e do patrimônio edificado significativo para a cidade. Ou seja, é necessário que haja gestão pública, para articular a utilização dos instrumentos de modo que eles sejam complementares. Este processo exige análises territoriais, monitoramento dos processos das dinâmicas imobiliárias e econômicas no território e dos resultados da implementação dos instrumentos de gestão fundiária para serem realizados ajustes para alcançar a finalidade para as qual eles foram previstos em cada cidade. 126 O Poder Público, como protagonista, deve garantir o interesse público e o acesso a todos à terra urbanizada, e dialogar com os diversos atores sociais sobre os problemas e as propostas para a cidade. Por exemplo, a notificação pelo Poder Público para que um proprietário que tenha dívidas no terreno demarcado como ZEIS parcele e edifique no seu imóvel demanda um trabalho que envolve vários departamentos de diversas secretarias da prefeitura, exigindo interação, integração e complementaridade nas ações. Esta “matricialidade”, pouco comum nos organismos públicos, se não estruturada, tende a burocratizar o processo e até inviabilizar a consecução do instrumento. Portanto, a reforma urbana, prevista com a implementação dos Planos Diretores, utilizando os instrumentos do Estatuto da Cidade, depende de gestão pública e de mudanças de procedimentos na “máquina” pública para gerenciar estas novas ferramentas. Além de um novo modo de olhar a cidade, combinando e integrando as dinâmicas públicas e privadas, e utilizando o Plano Diretor, de fato, como instrumento de planejamento. Aula 04 A aula 5 trata da viabilização do acesso à moradia. 127 Bibliografia BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. BUENO, Vera Scarpinella. “Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios da propriedade urbana”. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (coords). Estatuto da Cidade - comentários à lei federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, p. 89-98, 2002. GASPARINI, Diógenes. Direito de preferência: instrumento urbanístico municipal. Fórum de direito urbano e ambiental. São Paulo: Editora Fórum: 28: jul/ago-2006. NAKANO, Kazuo. “Dinâmicas dos Sub-espaços da área central de São Paulo”. In: SOMEKH, Nádia e COMIN, Álvaro. Caminhos para o Centro – Estratégias de Desenvolvimento para a região central de São Paulo. São Paulo. CEM/CEBRAP e EMURB, 2004. PINHEIRO Renata Peixoto. A desapropriação como instrumento de intervenção urbanística. Fórum de direito urbano e ambiental. São Paulo: Editora Fórum: 07:jan/fev-2003. PINTO, Victor Carvalho. “Do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios”. In: MATTOS, Liana Portilho (org.). Estatuto da Cidade comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, p. 131-140, 2002. ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei. São Paulo: FAPESP/Nobel, 1997. ROLNIK, Raquel, SAULE JR., Nelson. Estatuto da Cidade – Guia para a implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília: Instituto Polis, 2001. SAULE JR., Nelson. As zonas especiais de interesse social como instrumento da política de regularização fundiária. Fórum de direito urbano e ambiental. São Paulo: Editora Fórum: 30, nov/dez-2006 ______. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro - ordenamento constitucional da política urbana - aplicação e eficácia do plano diretor. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, editor, 1997. SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade – uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. 128 SUNDFELD, Carlos Ari. Desapropriação. São Paulo: Editora RT, 1989. Nesta aula, você verá que a viabilização do acesso à moradia depende de um insumo indispensável: o solo urbano, cujo mercado é altamente especulativo. Daí a necessidade estratégica da articulação da política de habitação à política urbana e fundiária para combater o déficit habitacional. O Estatuto da Cidade garante o direito a cidades sustentáveis. Esse novo marco regulatório criou diversos instrumentos para concretizar esse objetivo, como você já viu nas aulas anteriores: as ZEIS, o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, entre outros. A nova Política Nacional de Habitação avançou quanto à gestão democrática da promoção do acesso à moradia digna, em especial para os segmentos de baixa renda, historicamente excluídos. Você conhecerá os eixos dessa política, terá informações sobre o Sistema Nacional de Habitação e sobre o aumento na oferta de recursos para a moradia, principalmente de interesse social. Aula 05 Acesso à moradia Claudia Virginia de Souza Rosana Demaldi Junia Santa Rosa Nesta canção da década de 80, gravada no disco “Dia Dorim Noite Neon”, o cantor e compositor Gilberto Gil faz uma crítica contundente à injustiça da política habitacional da época. Você pode escutá-la no AVEA. NOS BARRACOS DA CIDADE (BARRACOS) Música e letra: Gilberto Gil e Liminha (1985) 132 Nos barracos da cidade Ninguém mais tem ilusão No poder da autoridade De tomar a decisão E o poder da autoridade, Se pode, não fez questão Se faz questão, não consegue Enfrentar o tubarão O governador promete Mas o sistema diz não Os lucros são muito grandes Mas ninguém quer abrir mão Mesmo uma pequena parte Já seria a solução Mas a usura dessa gente Já virou um aleijão Ô-ô-ô, ô-ô Gente estúpida Ô-ô-ô, ô-ô Gente hipócrita Ô-ô-ô, ô-ô Gente estúpida Ô-ô-ô, ô-ô Gente hipócrita Aula 05 Introdução Articulação política urbana e política habitacional A política habitacional no Brasil, quando a tivemos, foi pensada setorialmente, sem estar referenciada ao quadro mais amplo da política urbana nacional, até porque esta não existiu de fato em nosso País até o advento do Estatuto da Cidade e do Ministério das Cidades. Essa não é a única, mas certamente é uma das razões pelas quais o Banco Nacional da Habitação, não obstante contar com um montante considerável de recursos, logrou pouco êxito no enfrentamento do problema habitacional. Para viabilizar o acesso à moradia, o insumo terra urbanizada é absolutamente indispensável. Tornar disponível esse insumo especial – a mercadoria solo urbano – exige, na realidade brasileira em que o mercado de solo é altamente especulativo, que o Estado, através de adequada regulação, atue no sentido de ampliar a oferta, de modo a reduzir a escassez artificial (provocada pela retenção de solo urbano à espera de valorização), incidindo, dessa forma, sobre a formação do preço da terra urbana. Essa é uma necessidade imperiosa, que visa garantir o uso social da propriedade Sete anos após a aprovação do Estatuto, ainda esimobiliária e criar condições para a protamos iniciando a implementação dos novos instrumentos urbanísticos, embora alguns deles já fossem moção de moradia de interesse social, empregados por vários municípios anteriormente à o que comprova o quão fundamental e Lei Federal, como observa DENALDI (2002), assiestratégica é a articulação da política de nalando que, “no entanto, o aprimoramento deste habitação à política urbana e fundiária. referencial de regulamentação urbanística não foi Nesse sentido, o Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, tem o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade, regulamentando as disposições dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal. Oferece, assim, ao processo de planejamento e à gestão urbana instrumentos capazes de induzir a disponibilização de terra urbana, como, entre outros, o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios (e seus sucedâneos) e as ZEIS. i acompanhado pela instituição de outros mecanismos e instrumentos que efetivamente interferissem no mercado de terras, para ampliar sua oferta e conter sua valorização”, o que – conclui – quer dizer que “conseguimos estabelecer um arcabouço jurídico-institucional para consolidar e regularizar a cidade ilegal, mas não para alterar a lógica de sua formação”. Certamente, no momento atual pós-Estatuto, nos encontramos em novo patamar de possibilidades no tocante à reversão dessa lógica, cabendo aos gestores urbanos experimentar, monitorar e avaliar a eficácia dos novos instrumentos diante, como dizem FERREIRA e MOTISUKE (2007), dos “antagonismos estruturais da formação do Estado e da sociedade brasileiros”. 133 i Cidades sustentáveis A garantia do direito a cidades sustentáveis é a primeira diretriz geral da política urbana contida no Estatuto da Cidade (art. 2º, inciso I), tendo o sentido do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, o que é definido como “o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”. Embora haja controvérsias quanto ao emprego da noção de sustentabilidade, estamos aqui nos atendo ao texto legal que a emprega reforçando o princípio da função social da cidade e da propriedade. i Déficit habitacional i Integração Em 2005, o déficit habitacional brasileiro era de 7.902.699 habitações, pelos cálculos da Fundação João Pinheiro (FJP); as famílias com rendimento mensal de zero a três salários mínimos representam 90,3% do total. O déficit se concentra, também, em áreas urbanas que carecem de 6.414.143 habitações (FJP: 2006). Observe, também, que o desenho institucional do Ministério das Cidades, reunindo as áreas de habitação, saneamento urbano, mobilidade urbana e ordenamento territorial, visa integrar as políticas setoriais, superando a tradicional fragmentação presente no planejamento e na gestão de nossas cidades. É necessário termos muito claro que, para garantir o direito de todos a cidades sustentáveis – uma das diretrizes gerais da política urbana nacional –, precisamos incidir sobre a lógica que presidiu o processo da urbanização brasileira, o qual se fez pela via da exclusão sócio-territorial, como já expôs a professora Raquel Rolnik na primeira aula deste curso. Incidir sobre essa lógica perversa que faz com que tenhamos um enorme déficit habitacional, da ordem de 8 milhões de moradias, fortemente concentrado nas famílias com renda familiar mensal de zero a três salários mínimos, implica, obrigatoriamente, construir uma estreita articulação entre política urbana e política habitacional nos diferentes níveis de governo, visando à colocação de terra urbanizada no mercado, a preços compatíveis com a produção habitacional voltada aos segmentos de menor renda. Não é por outra razão que a integração da política de habitação à política de desenvolvimento urbano comparece como princípio, diretriz e componente estruturador da nova Política Nacional de Habitação. Não podemos admitir mais o crescimento urbano que produz a expansão periférica sobre áreas não urbanizadas e ambientalmente protegidas, enquanto grandes extensões de terreno no interior da cidade, que dispõem de toda a infra-estrutura, se mantêm à margem do mercado, sem função social. Não podemos aceitar as 6 milhões de unidades habitacionais vagas, número muito próximo ao do déficit habitacional (FJP: 2006). 134 Por isso, é fundamental romper com a concepção tradicional de planejamento, baseada em modelos idealizados de cidade, que ignora a cidade real – a periferia e os assentamentos informais, que muitas vezes sequer constam dos mapas oficiais –, aplicando-se apenas a uma parte do território urbano, exatamente aquela já beneficiada pelos investimentos públicos. Em outras palavras, é preciso que os planejadores e gestores urbanos conheçam a questão habitacional, reconheçam sua relevância e não a tratem em separado, dissociada do plano geral de ordenamento urbano ou plano diretor. Aula 05 O Brasil tem um déficit de 8 milhões de moradias. Nove entre dez famílias sem habitação decente ganham de zero a três salários mínimos por mês. Por outro lado, há 6 milhões de unidades habitacionais vagas. Plano Diretor e política habitacional De acordo com o texto constitucional, reiterado no Estatuto da Cidade, o plano diretor é “o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”. A ele cabe definir a estratégia e os critérios para que o município cumpra a função social da cidade e a função social da propriedade que, como assinala a professora Uemura em sua aula, é um imperativo ditado pelo novo marco regulatório da política urbana nacional. Sendo assim, já que a ele é dado definir as exigências fundamentais de ordenação da cidade que farão com que a propriedade cumpra sua função social – conforme artigo 182 da Constituição Federal e artigo 39 do Estatuto da Cidade –, o plano diretor ocupa o centro do sistema de planejamento. Compete-lhe, em consonância com as diretrizes fixadas pelo artigo 2º do Estatuto da Cidade, fixar os objetivos da política urbana local e as diretrizes e instrumentos para levar à concretização desses objetivos. Observe-se que, mais que um documento técnico, os Planos Diretores atuais devem ser organizados como um processo de discussão que envolva os diferentes segmentos da comunidade e os relacione para a negociação de um pacto social orientado no sentido da construção de uma cidade sustentável, entendida como aquela que confere a todos e todas “o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”, conforme estabelecido no art. 2º, inciso I do Estatuto da Cidade. Mais que um documento técnico, os Planos Diretores atuais devem envolver os diferentes segmentos da comunidade na negociação de um pacto social para a construção de uma cidade sustentável e justa. Do plano diretor, portanto, necessariamente devem constar: a definição das diretrizes gerais da política habitacional, que serão objeto de detalhamento posterior no plano municipal de habitação; e a determinação dos instru- 135 mentos adequados para garantir o direito e o acesso à terra, tanto para aqueles que a ocupam quanto para viabilizar a produção habitacional nova. Tanto quanto possível, o plano diretor deve ser auto-aplicável, não carecendo de regulamentação posterior que posterga a implementação ampla da nova política urbana local e, eventualmente, a submete a novos períodos de exame e negociação no âmbito do poder legislativo. Para tanto, o plano deve conter as disposições necessárias ao emprego dos instrumentos urbanísticos indicados, em especial aquelas pertinentes ao parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, que, como vimos, pode ser o instrumento mais eficaz para ampliar o acesso da população de baixa renda à terra urbanizada. A esse respeito, confira na Biblioteca Virtual do AVEA a publicação do Instituto Pólis Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília: Câmara dos Deputados: CEDI, 2001. i A escolha dos instrumentos adequados a cada município e situação vai depender da leitura da cidade – tanto a técnica quanto a comunitária –, bem como dos objetivos e diretrizes que expressam o projeto de cidade que se quer. Para promover a regularização fundiária, temos a concessão de direito real de uso, cuja utilização não é recente, e novos instrumentos, como a usucapião especial de imóvel urbano, previstos no artigo 183 da Constituição Federal e regulamentados pelo EstaAs aulas 9 e 11 na segunda parte deste Curso, a cargo tuto da Cidade. Trazidos pelo Estatuto dos professores Rosane Tierno e Paulo Somlanyi Roda Cidade, temos também a concessão meiro, detalharão a aplicação desses instrumentos. de uso especial para fins de moradia e o direito de superfície. Todos podem ser previstos no Plano Diretor, embora disso não dependam para sua aplicação. As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) ocupam lugar de destaque no quadro dos instrumentos de acesso à terra, pois tanto se aplicam para o reconhecimento da posse e conseqüente regularização fundiária (ZEIS que circunscrevem assentamentos precários e que estão na origem do instrumento na década de 80), quanto para a reserva de terrenos vazios necessários à produção habitacional. Embora o Estatuto da Cidade não remeta sua definição aos planos diretores, defendemos que assim deve ser feito, já que as ZEIS são zoneamentos especiais, que se sobrepõem ao zoneamento definido no plano diretor e com ele devem dialogar. Além do mais, as ZEIS em terrenos 136 vazios ganham um caráter mais estratégico se forem delimitadas no corpo do plano diretor, podendo contribuir para a formação de estoque de terras para a provisão habitacional e para conter a especulação fundiária, facilitando o acesso das famílias de baixa renda à habitação. As ZEIS podem ser combinadas a outros instrumentos, como o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, para que a terra que se encontra em estoque e à espera de valorização assome ao mercado e seja utilizada – ao menos em parte, onde seu preço não inviabilize a produção – em habitação social, como está se dando na experiência de Santo André. Observe-se que nas ZEIS vazias nem todo o terreno precisa ser reservado para habitação de interesse social; parte da área pode receber habitação de mercado e usos não residenciais diversos, o que deve funcionar como um estímulo à produção de interesse social. O plano diretor pode delimitar e regular as ZEIS ou pode indicar que será feita lei específica com essa finalidade. Já o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios só se aplica a áreas definidas no plano diretor. Aula 05 Pesquisa em grupo e debate no Fórum Propomos que você forme um grupo de até quatro pessoas e juntos realizem a seguinte atividade: 1. Pesquisem a experiência de uso combinado da ZEIS com outros instrumentos de urbanização no município de Santo André (SP). 2. Escrevam um texto de até 40 linhas com o relato da experiência (ou entrevista com algum participante da mesma) e publiquem na área de Pesquisa do AVEA. 3. Participem do debate sobre a experi- ência de Santo André no Fórum do AVEA, expressando suas opiniões sobre a viabilidade de replicá-la em outros municípios. Outro instrumento que pode se combinar com as ZEIS e com a produção de habitação de interesse social é a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso que, quando empregado pelo município, deve dirigir os recursos auferidos para a execução de programas habitacionais, constituição de reserva fundiária, regularização fundiária ou, ainda, para dotar áreas periféricas com infra-estrutura e equipamentos. É importante garantir o controle social desses recursos, destinando-os ao fundo municipal de habitação ou ao de desenvolvimento urbano, geridos por conselhos democráticos. As ZEIS podem ser combinadas a outros instrumentos, como o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, para que a terra à espera de valorização assome ao mercadoe seja utilizada – ao menos em parte – em habitação social. O direito de preempção e o consórcio imobiliário são outros instrumentos que atuam facilitando o acesso à terra, como já foi visto na aula anterior. Não é necessário que retomemos essa discussão. Aqui, basta assinalar a importância do plano diretor no sentido da definição de instrumentos e estratégias que contribuam para o acesso à terra urbanizada e à moradia digna. 137 A nova Política Nacional de Habitação Uma das primeiras medidas do governo Lula, efetivada quando de sua posse em 1º de janeiro de 2003, foi a criação do Ministério das Cidades, incumbido de exercer a coordenação da política urbana nacional que, alçada ao nível de política de Estado, demonstrava a prioridade conferida ao tratamento da questão urbana. De imediato, iniciou-se a construção da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), congregando em sua definição os demais entes federativos (estados e municípios), os demais poderes do Estado (Legislativo e Judiciário) e a sociedade civil organizada. Em outubro de 2003, realizou-se a 1ª Conferência Nacional das Cidades, quando foram traçadas as linhas e diretrizes gerais da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano e se deliberou acerca da criação do Conselho Nacional das Cidades (ConCidades) como fórum de participação e controle social da política urbana. O Projeto Moradia, elaborado no ano 2000 pelo Instituto Cidadania (organização não governamental coordenada por Luis Ignácio Lula da Silva até sua posse como presidente da República), com a participação de vários técnicos e intelectuais, previa a construção do Ministério das Cidades e a elaboração de uma política urbana que articulasse e integrasse as propostas setoriais de saneamento, transporte/trânsito e planejamento territorial, além da habitação. Por sua vez, a Política Nacional de Habitação (PNH) foi elaborada e debatida ao longo do ano de 2004 em vários encontros e seminários que contaram com a contribuição de diferentes profissionais, acadêmicos e lideranças sociais, tendo como referência o Projeto Moradia. O Conselho das Cidades acompanhou esse processo e, ao final de 2004, deliberou sobre o produto gerado – a nova Política Nacional de Habitação. Regida pelos princípios do direito à moradia, consagrado na Constituição Federal de 1988; da moradia digna como vetor de inclusão social, através de um padrão mínimo de habitabilidade, que pressupõe, além da unidade habitacional, o acesso à infra-estrutura, ao saneamento, ao transporte e aos serviços urbanos e sociais; da função social da propriedade urbana, o que significa a aplicação de instrumentos urbanísticos que viabilizem o acesso à terra urbanizada, insumo indispensável para a produção habitacional; da gestão democrática com a participação dos diferentes segmentos sociais; e da articulação das ações de habitação à política urbana, de modo integrado às demais políticas sociais e ambientais, a Política Nacional de Habitação tem como principal objetivo promover as condições de acesso à moradia digna para todos, especialmente para os segmentos de baixa renda, historicamente excluídos, com os quais há uma enorme dívida social a ser resgatada. Vale dizer que o documento que lançou a PNH prevê sua implantação gradual e um período de transição estratégica em que deve ser desenvolvida uma série de ações de ordem institucional, relativas à mobilização de recursos. Estamos exatamente vivenciando esse momento de transição. Tan- 138 to é que a 3ª Conferência Nacional das Cidades, ocorrida em 2007, teve como tema central “Avançando na Gestão Democrática das Cidades”. Eixos da Política Os componentes principais da PNH, ou linhas mestras de sua atuação, que chamaremos de Eixos da Política, são a integração urbana de assentamentos precários, a provisão de habitação e a integração da política de habitação à política de desenvolvimento urbano. Aula 05 O debate em torno do tema teve como objetivo promover a reflexão acerca de como as políticas e os investimentos nos três níveis de governo na área da política urbana contribuem para reverter a lógica da desigualdade e da exclusão territorial, bem como para reverter a lógica de fragmentação e desarticulação das intervenções setoriais e intergovernamentais. Tal discussão chama a atenção, sobretudo, para a importância da integração das políticas setoriais e das ações governamentais na área de desenvolvimento urbano, para o enfrentamento dos problemas que acometem as cidades brasileiras. i O primeiro eixo – integração urbana de assentamentos precários – relaciona-se à estratégia de combate à pobreza e à perspectiva de sustentabilidade sócio-ambiental de nossas cidades. Desdobra-se nas seguintes linhas programáticas de atuação: urbanização integrada, intervenção em cortiços, melhoria habitacional, regularização fundiária e desenvolvimento institucional, cujas ações devem guardar complementaridade. O segundo eixo – produção da habitação – que mobiliza um expressivo volume de recursos onerosos, compatíveis com a capacidade de pagamento da população de baixa renda, e recursos não onerosos, relaciona-se ao enfrentamento do déficit e da inadequação habitacional, além da demanda demográfica. É necessário que esses dois eixos estejam estreitamente articulados, isto é, que os programas de urbanização, regularização e inserção sejam implementados juntamente com programas de produção habitacional, de natureza preventiva, visando atender à demanda de forma que esta não precise recorrer à formação de novos assentamentos precários. Programas habitacionais Desde a extinção do BNH, em 1986, o governo federal se ausentou da formulação de uma política que fosse além de programas isolados, constantemente alterados. Assim, da década de 80 até os primeiros anos do novo milênio, as favelas apresentaram um crescimento explosivo, enquan- 139 i Quando o SFH entrou em crise nos anos 80, criouse “um hiato em relação à política habitacional no País, com a desarticulação progressiva da instância federal, a fragmentação institucional, a perda de capacidade decisória e a redução significativa dos recursos disponibilizados para investimento na área” (Caderno MCidades, n. 4, p. 10). A isso se somaram a reforma do Estado e a descentralização trazidas pela CF de 1988, reforçando o municipalismo. O fato é que, na década de 80, os municípios deram início à construção institucional das políticas de urbanização de favelas que, na década seguinte, segundo DENALDI (2003), passam a ser aceitas pelo governo federal, que cria e/ou adéqua programas com essa finalidade, porém sem que os resultados previstos fossem realizados, “devido, entre outros motivos, às limitações impostas pela excessiva padronização, documentação exigida e falta de recursos causada pelo não cumprimento de repasses, em função do Plano de Estabilização Econômica (Plano Real)” . to a maior parte dos recursos sob gestão federal era destinada a famílias que ganhavam mais de cinco salários mínimos e que representavam menos de 10% do déficit habitacional à época. Para reverter essa tendência e dar prioridade às faixas de mais baixa renda, fazia-se necessário ampliar o mercado privado de modo a atender à classe média, razão pela qual, a partir de 2004, o Governo Federal tomou medidas para estimular o mercado imobiliário. Encaminhou ao Congresso Nacional projeto que resultou na Lei nº 10.391/2004, que dá maiores garantias aos bancos financiadores que utilizam recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), e trabalhou para que fosse aprovada pelo Conselho Monetário Nacional a Resolução nº 3259, tornando desvantajosa para os bancos a retenção de recursos da poupança privada no Banco Central, fazendo com que fosse cumprida a regulamentação que obriga os bancos a dirigir 65% dos recursos das cadernetas de poupança para financiamentos imobiliários. Ao mesmo tempo, em dezembro de 2004, a Resolução nº 460 do Conselho Curador do FGTS criou novas regras para nortear a aplicação dos recursos, das quais a mais importante foi a revisão do modelo de concessão de subsídios permitindo que os recursos disponíveis no Fundo fossem dirigidos para famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos. Sem dúvida, essas medidas fizeram crescer o volume dos financiamentos e o desempenho do mercado imobiliário. 140 Aula 05 No contexto da nova Política Nacional de Habitação, o Governo Federal operou uma revisão dos programas habitacionais construindo um variado mix de possibilidades. Alguns programas foram reestruturados e outros foram criados, formando um conjunto que se relaciona aos eixos da política. Explicando: há programas que, por sua natureza, se enquadram no eixo integração urbana de assentamentos precários, e há os que se ligam ao eixo da provisão habitacional, como se verifica no quadro da próxima página. Os programas relacionados à integração urbana de assentamentos precários exigem como proponente os executivos municipal, estadual e do Distrito Federal e contam com recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), do Programa de intervenções em favelas (OGU) e do FGTS, caso do Pró-Moradia, na modalidade de urbanização e regularização de assentamentos precários. Com base nas experiências de urbanização integrada levadas a efeito em diferentes municípios, esses recursos se destinam ao segmento de mais baixa renda residente em assentamentos humanos precários, O Programa Santo André Mais Igual – Programa que se objetiva integrar ao tecido urbano Integrado de Inclusão Social, desenvolvido pela preda cidade, através da urbanização articufeitura de Santo André desde o final dos anos 90, é a lada à regularização fundiária, ao saneaprincipal referência que se tem a respeito. mento e a ações de inclusão social. Integração urbana de assentamentos precários Eixo da Política Programa Ação ou modalidade Fonte de recursos Urbanização, regularização e integração de assentamentos prec ários Melhoria das condições de habitabilidade de assentamentos precários OGU / FNHIS Programa de atendimento habitacional através do setor público (Pró-Moradia) Urbanização e regularização de assentamentos precários FGTS i Programa de intervenções em favelas OGU Habitar Brasil / BID (HBB) 141 Eixo da Política Programa Ação ou modalidade Fonte de recursos Produção ou aquisição de unidades habitacionais Produção ou aquisição de lotes urbanizados Programa Habitação de Interesse Social Requalificação de imóveis OGU / FNHIS Prestação de serviços de assistência técnica Apoio à elaboração de planos habitacionais de interesse social Programa de subsídio à habitação de interesse social (PSH) Provisão habitacional Programa de apoio à produção de habitações FDS Programa Crédito Solidário Programa de atendimento habitacional através do setor público (Pró-Moradia) Produção de conjuntos habitacionais Programa de Arrendamento Residencial (PAR) FGTS FAR Aquisição de unidade habitacional nova ou usada Aquisição de lote urbanizado Carta de crédito individual Aquisição de material de construção Construção de unidade habitacional Reforma ou melhoria de unidade habitacional FGTS / FDS Aquisição ou construção de unidades habitacionais Carta de Crédito Associativo Reabilitação urbana Produção de lotes urbanizados Programa Prioritário de Investimentos (PPI) 142 OGU Os programas de urbanização integrada são complexos, exigindo abordagem matricial e interdisciplinar, amparada em diagnóstico que envolva os moradores e que considere não apenas o assentamento, mas também seu entorno imediato. São uma metodologia e uma forma de intervenção ainda em aprimoramento, que apresentam desafios a serem superados. DENALDI (2007:67) recomenda que sejam adotadas várias estratégias no pós-urbanização, no tocante ao controle urbano, à manutenção urbana e à requalificação habitacional, esta última quase sempre deixada a cargo da população, que, devido aos parcos recursos de que dispõe para o autofinanciamento, auto-constrói ou reconstrói gradual e lentamente sua moradia, no mais das vezes sem alcançar condições de habitabilidade adequadas. Por essa razão, o Programa de urbanização de assentamentos precários contempla a ação que se denomina “Apoio à melhoria das condições de habitabilidade de assentamentos precários.” Aula 05 Os programas de urbanização integrada exigem uma abordagem interdisciplinar amparada em diagnóstico que envolva os moradores e considere não apenas o assentamento, mas também seu entorno imediato. De fato, é importante que os programas relacionados à integração urbana de assentamentos precários sejam combinados aos programas de provisão habitacional, permitindo a complementaridade entre eles e o atendimento de diferentes necessidades, tais como a construção de habitações; a conclusão, ampliação, reforma ou melhoria de unidade habitacional; e a aquisição de material de construção. É o caso do programa Habitação de Interesse Social, que, valendo-se de recursos do FNHIS, conta com modalidades que permitem a produção ou requalificação de imóveis como parte da ação de apoio à provisão habitacional de interesse social. Já o Programa Crédito Solidário, criado em 2004, conta com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social e é outro importante programa voltado exclusivamente para a habitação social de famílias de baixa renda, que devem ser organizadas por cooperativas habitacionais, associações e demais entidades sem fins lucrativos. O programa atende reivindicação do movimento social por moradia, com financiamento a juro zero. Além do Crédito Solidário e do Programa Habitação de Interesse Social, para atender às necessidades de construção de habitações e de aquisição de habitação nova há vários programas: 143 •• Carta de Crédito Individual e Carta de Crédito Associativo, ambos contando com recursos do FGTS dirigidos a pessoas físicas cuja renda situa-se entre três e cinco salários mínimos (esses dois programas servem também para fazer frente às demais necessidades habitacionais, além da construção da unidade de moradia); •• Pró-Moradia, na modalidade produção de conjuntos habitacionais, que se destina à população em situação de vulnerabilidade social, tendo o poder público como proponente e o FGTS como fonte de recursos; •• Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH), criado em 2004 para oferecer subsídio destinado diretamente à complementação do preço de compra/venda ou construção de unidades residenciais, que é operado com recursos do OGU e com contrapartida do poder publico municipal, estadual ou do Distrito Federal; e, ainda, •• Programa de Arrendamento Residencial (PAR), criado em 2001 e reformulado em 2004 e 2007, que financia empresas do ramo da construção civil com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial. Destinase às capitais dos estados, aos municípios das regiões metropolitanas e aos municípios com população urbana superior a cem mil habitantes. i Finalmente, merece também ser destacada a aprovação recente da Ação de Apoio à Produção Social da Moradia, no âmbito do Programa de Habitação de Interesse Social, que permitirá o repasse de recursos às associações comunitárias, cooUma das novidades do FNHIS foi a abertura de perativas e entidades sem fins lucrativos. A ações de custeio, até então inexistentes, como a Ação de Apoio à Elaboração de Planos Habitacioabertura da seleção de propostas para essa nais de Interesse Social e a modalidade Prestação de ação deve ocorrer ainda em 2008 e os reServiços de Assistência Técnica, ambas dentro do passes atingirão R$ 100 milhões. Trata-se Programa de Habitação de Interesse Social. Mais à do atendimento de uma reivindicação hisfrente, ao tratar do Desenvolvimento Institucional, comentaremos sobre elas. tórica dos movimentos sociais para acesso direto aos recursos do FNHIS. Instrumentos da nova política Três instrumentos estruturam a PNH: o Sistema Nacional de Habitação, o Plano Nacional de Habitação e o Desenvolvimento Institucional. 144 Sistema Nacional de Habitação Aula 05 O Sistema Nacional de Habitação é o principal instrumento da nova política e estrutura-se em dois subsistemas: o Subsistema de Habitação de Interesse Social, voltado para o atendimento da demanda de baixa renda, e o Subsistema de Habitação de Mercado, que objetiva a reorganização do mercado privado de habitação (ampliando as formas de captação de recursos, estimulando a inclusão de novos agentes e facilitando a promoção imobiliária) para que seja capaz de atender a faixas de renda média baixa (imediatamente superiores às de baixa renda), que, sem alternativas, vinham se apropriando dos recursos públicos sob gestão nacional, dificultando ainda mais o atendimento da baixa renda. Além de dinamizar a economia, gerar empregos e estimular a construção civil, o Subsistema de Habitação de Mercado visa o barateamento da produção. De janeiro a novembro de 2007, os financiamentos via Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) cresceram 98% na comparação com o mesmo período de 2006, representando um montante de R$ 16,5 bilhões. Este volume de recursos significou uma média de 177 mil unidades financiadas, portanto um aumento de 73% no volume de produção, considerando a mesma base de comparação do ano anterior. O crescimento do mercado habitacional privado observado ao longo do ano 2007 está diretamente associado à expansão do setor imobiliário em geral, particularmente do segmento “de mercado”, focado nas faixas de alta renda, estimulado pela expansão do crédito, pela redução de juros e pelo alongamento de prazos, além da significativa captação de recursos através de ofertas primárias de ações por parte das principais construtoras do País. O cenário propiciado pela estabilidade econômica e a melhora da segurança jurídica no segmento imobiliário continua favorecendo a expansão do crédito imobiliário. No entanto, permanece o desafio de tornar os produtos oferecidos (tanto o financiamento como a moradia) mais apropriados ao perfil dos segmentos da classe média. Como não poderia deixar de ser, o Subsistema de Habitação de Interesse Social é o prioritário para a consecução da PNH, uma vez que mais de 90% do déficit habitacional concentra-se nas famílias com renda de zero a três salários mínimos. Congrega uma série de órgãos que se articulam horizontal e verticalmente (entre os três níveis de governo), tendo o Ministério das Cidades como organismo central, exercendo o papel de 145 formulador e gestor da PNH, de forma articulada à PNDU. Do Sistema, fazem parte vários conselhos, fundos e agentes – financeiros, promotores e técnicos, públicos e privados. Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) i O Ministério das Cidades, o Conselho das Cidades, o Fórum Nacional de Reforma Urbana e os quatro movimentos sociais nacionais (Central de Movimentos Populares, Confederação Nacional de Associações de Moradores, União Nacional por Moradia Popular e Movimento Nacional de Luta pela Moradia) trabalharam pela aprovação deste PL, que, com mais de um milhão de assinaturas de apoio, tramitava no Congresso Nacional desde 1991 e que se tornou a Lei 11.124 só em 2005. Em junho de 2005, foi aprovada a Lei 11.124, que dispôs sobre o Sistema de Habitação de Interesse Social (SNHIS), criou o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e instituiu o Conselho Gestor do FNHIS. Finalmente, concretizava-se a intenção contida no primeiro PL de iniciativa popular apresentado ao Congresso Nacional em 1991. A aprovação desta Lei criou as condições legais e institucionais para a consolidação do setor habitacional como política de Estado. Artigo 2º, inciso III, da Lei 11.124/2005. Leia a íntegra da Lei na Biblioteca Virtual do AVEA i 146 Segundo a Lei, o SNHIS deve centralizar todos os programas e projetos destinados à habitação de interesse social, “articulando, compatibilizando, acompanhando e apoiando a atuação das instituições e órgãos que desempenham funções no setor da habitação”. É integrado por órgãos, conselhos e entidades da União, estados e municíO FNHIS é dirigido por um Conselho Gestor e tem pios afetos à questão da habitação, assim a Caixa Econômica Federal na qualidade de agente como por entidades privadas que desemoperador. penham atividades na área de habitação e, ainda, por agentes promotores e financeiros autorizados a atuar no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação. Constitui, portanto, instrumento de articulação essencial para viabilizar uma política habitacional integrada e capaz de equacionar o enfrentamento do problema da moradia. A Lei 11.124/2005 criou, para oficializar a adesão dos entes federativos ao SNHIS, um instrumento chamado Termo de Adesão, condição necessária para o fortalecimento da nova organização institucional do setor. Regulamentado pelas Resoluções Normativas nº 2, nº 7 e nº 12 do Conselho Gestor do FNHIS, o Termo de Adesão estabelece como requisitos que prefeituras e governos estaduais assumam o compromisso de elaborar seus planos de habitação de interesse social, além de constituírem o fundo de habitação de interesse social e seu conselho gestor. Aula 05 O FNHIS é um fundo composto basicamente por recursos orçamentários, que podem ser associados a recursos onerosos, inclusive os do FGTS, bem como a linhas de crédito de outras fontes. De forma compatível com o caráter descentralizado com que foi instituído o SNHIS, a lei estaDe acordo com o artigo 12 da Lei 11.124/2005, belece que os recursos do FNHIS que está à sua disposição na Biblioteca Virtual desdevam ser aplicados por interméte Curso. Caso você precise de instruções para ter dio dos estados, Distrito Federal e acesso à Biblioteca Virtual, entre em contato com seu municípios que, para receberem tutor, que dará todas as orientações necessárias. os repasses, devem cumprir o conjunto de condições seguintes: •• constituir Fundo com dotação orçamentária própria, destinado a implementar Política de Habitação de Interesse Social, e receber os recursos do FNHIS; •• constituir Conselho que contemple a participação de entidades públicas e privadas, bem como de segmentos da sociedade ligados à área de habitação; •• apresentar Plano Habitacional de Interesse Social (PLHIS), considerando as especificidades do local e da demanda; •• firmar termo de adesão ao SNHIS; •• elaborar relatórios de gestão; •• observar os parâmetros e diretrizes para concessão de subsídios no âmbito do SNHIS. 147 A Lei determina também que “a aplicação dos recursos do FNHIS em áreas urbanas deve submeter-se à política de desenvolvimento urbano expressa no plano diretor (...) ou, no caso de Municípios excluídos Conforme parágrafo 2º do artigo 11 da Lei dessa obrigação legal, em legisla11.124/2005. Confira na Biblioteca Virtual do ção equivalente”, confirmando Curso, onde você também encontrará a Lei nº 11.578/2007. a necessidade de integração da política de habitação à política de desenvolvimento urbano e dando relevo à figura do plano diretor. No final de 2007, foi sancionada a Lei nº 11.578, alterando a Lei nº 11.124/2005 para permitir o repasse de recursos do FNHIS a entidades privadas sem fins lucrativos, marcando uma conquista histórica dos movimentos de luta por moradia, que reivindicavam o acesso direto de associações e cooperativas aos recursos do Fundo. Estas entidades poderão obter repasse de recursos do FNHIS para a provisão habitacional orientada para famílias de baixa renda, observados alguns requisitos, como o funcionamento regular da entidade por no mínimo três anos, a definição de valor limite por projeto e por entidade e a participação em chamada pública para seleção dos projetos. Com a criação do SNHIS, consolida-se a idéia de que as políticas habitacionais dos três níveis de governo precisam estar articuladas entre si, ordenadas através de planos habitacionais e submetidas a instâncias de participação e controle social para que os recursos de subsídio do FNHIS possam ser repassados aos estados e municípios. Plano Nacional de Habitação (PlanHab) A Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades está elaborando o PlanHab, etapa essencial para a implantação da nova Política Nacional de Habitação. Embora a elaboração do PlanHab deva ser entendida como um processo cumulativo e progressivo de trabalho conjunto envolvendo todos os atores públicos, privados e sociais que operam e são beneficiários da política habitacional, a primeira versão do Plano está prevista para ser divulgada ainda no primeiro semestre de 2008. Essa primeira proposta será apresentada pelo Governo Federal às suas instâncias participativas e, a partir de então, ocorrerão novas rodadas de discussão e pactuação com a sociedade sobre as principais estratégias do PlanHab. 148 O PlanHab é parte de um processo de planejamento habitacional, que pressupõe revisões periódicas e articulação com outros instrumentos de planejamento e orçamento, como o Plano Plurianual (PPA). Deverá ser realimentado através de avaliações e monitoramento periódico da política habitacional. Seu horizonte final é o ano de 2023, com revisões nos anos de elaboração dos PPA’s: 2011, 2015 e 2019. O PlanHab deve articular as instâncias de governo e superar a dispersão das ações e programas habitacionais. Neste sentido, será essencial estabelecer novos arranjos institucionais e articular as fontes de recursos públicos e sob gestão pública. Além disso, deverão ser criadas as condições para ampliar a atuação do setor privado e mobilizar os movimentos sociais para contribuir na superação do déficit habitacional. Aula 05 Como plano-mestre da política habitacional no Brasil, o PlanHab deve conter: •• cenários que levem em conta os indicadores macroeconômicos (PIB, inflação, emprego e renda), o crescimento demográfico, a evolução das necessidades habitacionais, a receita das várias fontes de financiamento habitacional e as perspectivas de atendimento dos programas habitacionais existentes e previstos; •• metas físicas e financeiras, com base em prioridades e critérios regionais e de acordo com o perfil do déficit habitacional; •• a forma de articulação dos recursos dos três níveis de governo na implementação dos programas e projetos habitacionais, materializada no Sistema Nacional de Habitação; •• proposta de uma nova articulação institucional do conjunto de atores públicos, privados e demais agentes sociais afetos ao setor habitacional, a partir do Sistema Nacional de Habitação (SNH), de forma a garantir que possam cumprir seus papéis na implementação do PlanHab; •• definição dos mecanismos e instrumentos de regulamentação e fomento à produção de mercado e ampliação da cadeia produtiva; •• proposta de articulação dos programas de caráter nacional e linhas de financiamento nas quais sejam consideradas as diversas fontes de recursos a serem utilizadas; •• diretrizes para priorizar o atendimento da população de baixa renda, garantindo mix entre recursos onerosos e subsidiados para focalizar os segmentos onde se concentra o déficit; 149 •• outros critérios, além da renda familiar, para definir a faixa prioritária de atendimento, como a renda familiar per capita e a indicação de grupos conforme sua capacidade de pagamento em relação aos custos de financiamento das diferentes fontes de recursos. Para que suas diretrizes e metas se consolidem com base em pactos e propostas construídas coletivamente, a elaboração do PlanHab deve contemplar a participação das várias instâncias de controle social que atuam no setor habitacional e garantir uma interlocução privilegiada com os entes federativos (prefeituras e governos de Estado). Os principais interlocutores e estratégias propostas são: •• canais institucionais de controle social e participação, como o Conselho das Cidades e seu Comitê Técnico de Habitação, o Conselho Curador do FGTS e o Conselho Gestor do FNHIS; •• Fórum Nacional dos Secretários de Habitação de Desenvolvimento Urbano e Associação Brasileira de Cohab (ABC); •• grupo de acompanhamento do PlanHab - formado por representantes do Comitê Técnico de Habitação do ConCidades, Conselho Gestor do FNHIS e Conselho Curador do FGTS; •• oficinas com segmentos sociais específicos, como movimentos de moradia, empresários, sindicatos, categorias profissionais, associações de municípios, etc.; •• seminários com especialistas do setor habitacional e áreas afins; •• cinco seminários regionais como momentos de participação e consulta à sociedade. O PlanHab deve orientar a elaboração dos planos habitacionais dos estados e municípios. Por essa razão, deve ser acompanhado com atenção pelos gestores municipais, que, nesse momento, iniciam a elaboração dos Planos Municipais de Habitação. Desenvolvimento Institucional (DI) O DI é um instrumento estratégico da PNH, concebido para dar suporte ao edifício em que se baseia a nova política. Consiste em um conjunto de ações que visam: 150 •• a integração e a cooperação entre os três níveis de governo; Aula 05 •• a articulação entre os agentes públicos, privados e os atores sociais; •• a capacitação dos agentes públicos e sociais para exercerem com autonomia e capacidade técnica a implementação da nova política, através de diferentes recursos metodológicos, valorizando as formas interativas, como este curso, por exemplo; •• a modernização organizacional e técnica dos organismos estaduais, municipais e metropolitanos, o que implica apoio aos organismos específicos de formulação, coordenação e implementação das políticas de habitação nessas três esferas, bem como no incentivo à formação de agentes promotores de natureza social (cooperativas, associações de moradores); •• a atualização do quadro legal e normativo no âmbito federal e nos demais níveis de governo, inclusive na instância metropolitana, através do estímulo e apoio à consolidação das políticas urbanas e habitacionais em instrumentos discutidos e legitimados pela sociedade. A esse respeito, sugerimos que você retome o artigo da primeira aula deste Curso. i Ainda no campo do desenvolvimento institucional, lembramos que está em construção o Sistema de Informação, Avaliação e Monitoramento da Habitação (Simahab). Pela complexidade, dimensão e gravidade social da questão habitacional, a informação qualificada é de suma importância. É impossível realizar uma boa gestão se não conhecermos devidamente o problema habitacional. E todos sabemos que no Brasil a informação é escassa e imprecisa, em particular no caso da habitação, em que mesmo organismos oficiais como o IBGE não podem ser usados como referência para, por exemplo, entre outros que poderiam ser lembrados, medirmos o déficit habitacional. Dispor de informações sistematizadas e de ferramentas de análise capazes de contribuir no entendimento da dinâmica social de produção dos assentamentos precários nas cidades brasileiras é fundamental para, como indica Maricato (2001), “criar a consciência da cidade real”. 151 Pela complexidade, dimensão e gravidade social da questão habitacional, a informação qualificada é de suma importância. É impossível realizar uma boa gestão sem conhecer bem o problema. O Simahab deve eleger e construir indicadores habitacionais que informem sobre a situação da habitação no Brasil e, também, sobre a política, os programas e as ações efetivadas País afora pelos agentes públicos, privados e pela sociedade civil, assim como, ainda, sobre os investimentos realizados, de forma a subsidiar o processo decisório e permitir que se avaliem as realizações no campo da habitação. Estados e municípios devem se empenhar na montagem de sistemas semelhantes, que se articulem e apóiem o sistema nacional. O DI faz parte do escopo de programas e ações habitacionais desenvolvidos pelo Governo Federal, como o Programa Intervenções em Favelas, o Apoio à Provisão Habitacional de interesse Social na modalidade Assistência Técnica e o Pró-Moradia. Recursos para DI podem ser acessados, também, por meio de programas projetados especialmente para essa finalidade, como o de Apoio à Elaboração de Planos Habitacionais de Interesse Social (PLHIS). Sistemas municipais de habitação Como já mencionado anteriormente, para aderir ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), é preciso que o ente federado firme um Termo de Adesão. Esse dispositivo fundamenta a relação de parceria e integração entre os estados, o Distrito Federal, os municípios e a União, e permite o acesso aos recursos articulados no âmbito do FNHIS. No contexto de estruturação do sistema como um todo (ou, em outras palavras, do Sistema Nacional de Habitação), o município tem papel altamente relevante, visto que a ele compete o ordenamento territorial através dos planos diretores, dos quais a Lei Federal exige, em consonância com seus ditames, a definição das diretrizes que levarão ao cumprimento da função social da propriedade. Para 2008, foram reservados R$ 13,72 milhões do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social para apoiar planos de habitação nos municípios com mais de 20 mil habitantes ou integrantes de regiões metropolitanas. 152 Tal como o Sistema Nacional de Habitação e os sistemas estaduais, o Sistema Municipal deve contar com um órgão central responsável pela formulação, coordenação e execução da política municipal de habitação, papel que pode ser desempenhado por uma secretaria municipal ou por outro órgão específico responsável pelo tema. É preciso destacar que a existência pura e simples do organismo não responde ao que se requer; a realidade brasileira torna indispensável a capacitação de quadros técnicos da grande maioria dos municípios para que possam desempenhar as funções devidas, coisa a que se prestam os programas de DI, sobre os quais já informamos. Aula 05 Os conselhos municipais devem se orientar pelos princípios da democratização, controle social e transparência dos processos decisórios, e deles devem participar entidades públicas e privadas, bem como representantes dos segmentos sociais ligados à área de habitação, garantindo aos movimentos populares 25% do total de vagas, condições constantes da Lei 11.124/2005 para que sejam acessados os recursos do FNHIS. Compete-lhes, Veja na Biblioteca Virtual do Curso o artigo 18 da nos termos da Lei, “observadas as reLei 11.124/2005, já citada aqui. gras emanadas do conselho Gestor do FNHIS”, fixar “critérios para a priorização de linhas de ação, alocação de recursos e atendimento dos beneficiários dos programas habitacionais”. Ao Conselho Municipal cabe, portanto, a gestão do Fundo Municipal de Habitação, que deve ser constituído com dotação orçamentária própria, destinando-se à implementação da política municipal de habitação de interesse social e à recepção dos recursos do FNHIS. Os conselhos e fundos já existentes nos municípios serão admitidos no âmbito do SNHIS, desde que sejam compatíveis com os requisitos da Legislação Federal. Devemos obserUma alternativa para o caso de existirem conselho e fundo não compatíveis é adequar os mesmos às citavar, ainda, que os recursos carreados ao das exigências, ação que tende a ser menos morosa fundo estadual podem ser transferidos que a criação de novos. aos fundos municipais, num mecanismo de transferência fundo a fundo. i Estamos vivendo um momento muito propício à formação dos sistemas municipais de habitação, em que as exigências derivadas da legislação e das normativas da escala federal vêm acompanhadas de estímulos e incentivos que se concretizam em recursos transferidos aos municípios para que possam operar. Em janeiro deste ano (2008), foram anunciados 153 os resultados da seleção para acesso aos recursos do FNHIS em 2008. Do montante de R$ 900 milhões, foram reservados R$ 13,72 milhões para o apoio à elaboração de planos de habitação (PLHIS) pelos municípios de todas as grandes regiões brasileiras que tenham população superior a 20 mil habitantes ou sejam integrantes de regiões metropolitanas. O critério, fixado pelo Conselho Gestor do FNHIS, coincide com o perfil dos municípios para os quais o Estatuto da Cidade exige planos diretores municipais, confirmando a necessária articulação entre política urbana e habitacional que comentamos no início deste texto. O Plano Habitacional de Interesse Social (PLHIS) Dadas a complexidade e a abrangência da questão habitacional, seu enfrentamento não é uma tarefa fácil para qualquer nível de governo. O município, no novo quadro resultante da implementação do Sistema Nacional de Habitação, passa a ser protagonista, com a atribuição de mobilizar, otimizar, fiscalizar, articular e adequar os agentes, instrumentos e recursos necessários, de forma que se garanta a participação direta da sociedade na definição e no controle das prioridades e dos programas. Nessa perspectiva, o PLHIS constitui-se em instrumento de articulação da política municipal de habitação à política urbana e ao plano diretor e com a política estadual e nacional para o setor, além de articular, entre si, as várias componentes da política de habitação local. O PLHIS deve servir, ainda, como instrumento de controle, monitoramento e avaliação de seus próprios resultados. i 154 O PLHIS deve conter, no mínimo, um diagnóstico do setor habitacional e um plano de ação. O diagnóstico deve reunir informações que permitam elucidar as raízes e a evolução do problema habitacional e, ao mesmo tempo, registrar e avaliar as soluções encontradas pela municipalidade. Deve traçar um diagnóstico das necessidades habitacionais atuais e estimar sua evolução no Caso o município queira solicitar recursos do PLHIS, tempo. O plano de ação, por sua vez, condeve, além disso, apresentar proposta metodológica siste no delineamento das estratégias para para a realização dos trabalhos de elaboração do Plano fazer frente aos principais problemas, especialmente no que se refere à habitação de interesse social. Dele devem constar: •• as diretrizes e objetivos da política local de habitação; Aula 05 •• as linhas programáticas e as ações; •• as metas a alcançar e uma estimativa dos recursos necessários para atingi-las, por programas ou ação, identificando as fontes existentes; •• e os indicadores que permitam medir a eficácia do planejamento; São possíveis vários arranjos ou combinações entre os conteúdos do plano diretor e do PLHIS, e no tocante aos instrumentos diretamente relacionados à questão habitacional. Vejamos, por exemplo, que a regulamentação das ZEIS pode se dar parcial ou integralmente no corpo do Plano Diretor, mas nada obsta que o plano diretor delimite as ZEIS e fixe suas diretrizes gerais para que o detalhamento se faça no âmbito do PLHIS, não esquecendo que as ZEIS são zoneamentos que exigem a aprovação do legislativo, enquanto que o PLHIS pode ou não ser lei. O PLHIS deve ser elaborado com acompanhamento social e considerando os instrumentos locais do ciclo de gestão orçamentário-financeira, tais como o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Considerações finais Em 2007, de forma inédita, ao ser incluído no rol de ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) o tema da urbanização de assentamentos precários, foi considerado pelo Governo Federal como um dos eixos fundamentais para a consecução do desenvolvimento econômico e social do país. O governo vai injetar, por meio do PAC, R$ 106,3 bilhões no setor habitacional até 2010. O montante contabiliza recursos oriundos ou geridos pela União, investimentos do setor privado e contrapartida de estados, municípios e mutuários. O balanço de um ano do PAC, realizado em janeiro de 2008, mostrou que foram investidos R$ 33,9 bilhões em habitação, enquanto as contrapartidas estaduais e municipais trouxeram outros R$ 7,9 bilhões para o setor, totalizando R$ 41,8 bilhões em 2007. O PAC selecionou 544 projetos de urbanização de favelas, de todos os estados e de 282 municípios, com investimentos de R$ 10,7 bilhões. Destes, R$ 9,4 bilhões foram contratados, beneficiando 723 mil famílias. Em dezembro último, 32,3% dos projetos estavam em licitação e 6,4% com obras iniciadas. 155 i Dados constantes do documento Balanço PAC – 1º ano. Você pode acompanhar o andamento do PAC em www. brasil.gov.br/pac acessado em 09/05/2008 Foram selecionados, também, 1.112 projetos de produção de moradias, de todas as unidades da Federação e de 1.024 municípios, representando R$ 854,5 milhões em investimentos do OGU. Até dezembro de 2007, foram contratados R$ 276 milhões, beneficiando 14 mil famílias. De fato, repetindo a expressão usada por um conhecido urbanista em recente depoimento, “nunca houve tanto dinheiro para programas de saneamento e habitação no Brasil”. E, mais que isso, nunca se priorizou, como agora, o atendimento às necessidades habitacionais da população de mais baixa renda, o que vem sendo feito através da ampliação dos recursos de subsídios para a construção habitacional e por meio de programas de urbanização de favelas direcionados ao setor público, conjugando financiamento e recursos a fundo perdido. Estamos vivendo um período que, do ponto de vista da disponibilização de recursos para políticas de interesse social, supera as expectativas mais otimistas. i É o caso de Santo André, em que o cenário mais otimista delineado pelo PMH, aprovado no início de 2006, foi ultrapassado de longe pelos recursos oriundos do PAC-Habitação – R$ 120 milhões, dos quais R$ 85,2 milhões do OGU, R$ 17,8 milhões do BNDES e R$ 17 milhões de contrapartida do município. Palavras de Demetre Anastassakis em entrevista à publicação Retrato do Brasil (dez 2007/jan 2008). Na época, ele era presidente do Instituto de Arquitetura do Brasil. Os especialistas na questão habitacional, no entanto, estão preocupados diante de tal abundância de crédito, que fez disparar o preço dos terrenos, o que pode levar às conseqüências aventadas por ROLNIK (2008): “Podemos estar diante de uma situação, que já se verificando em nossas cidades, em que o subsídio vai parar no bolso dos proprietários de terrenos, drenando a capacidade de estes atingirem quem mais precisa e reiteradamente jogando os pobres ‘para fora’ das cidades e de suas áreas mais consolidadas e com infra-estrutura”. O enfrentamento dessa situação, induzindo o mercado a redirecionamento de recursos, segundo ela, é possível exatamente através dos instrumentos previstos nos planos diretores participativos, que podem “limitar a captura de investimentos públicos por parte dos mecanismos de valorização imobiliária e ampliar o acesso à terra urbanizada e subutilizada para os mais pobres”, desde que – continua – se supere a “fragilidade técnico-institucional e vulnerabilidade política das gestões municipais às pressões dos interesses por lucros imediatos, pouco comprometidos com a sustentabilidade das cidades”. 156 Esse é um alerta que não deve ser desconsiderado. Pelo contrário, deve fazer redobrar os esforços dos governos e da sociedade para que se evolua rapidamente no processo de construção articulada de uma política urbana e habitacional mais justa e inclusiva. Aula 05 Na aula 6, você vai ver o que precisa ser feito para que os Planos Diretores possam ser colocados em prática e transformar para melhor as nossas cidades. 157 Bibliografia BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Estabelece diretrizes gerais da política urbana. BRASIL. Lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), cria o Fundo Nacional de Interesse Social (FNHIS) e institui o conselho gestor do FNHIS. BRASIL. Comitê Gestor do PAC. Balanço PAC – 1º Ano. Brasília, 22 jan. 2008. ______. Ministério das Cidades. Plano diretor participativo: guia para elaboração pelos Municípios e cidadãos. Brasília: Ministério das Cidades; Confea, 2005. ______ Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Programas Urbanos. Política Nacional de Habitação. Caderno MCidades, n. 4. Brasília: Ministério das Cidades, 2005. ______ Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Habitação. Guia básico dos programas habitacionais. Brasília: Ministério das Cidades, 2007. BRUNO, F.; DENALDI, R.“Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios e a função social da propriedade: notas acerca de uma experiência”. Revista Óculum Ensaios, 2º sem. 2006. Campinas: CEATEC PUC-Campinas. DENALDI, Rosana. Políticas de urbanização de favelas: evolução e impasses. Tese de doutorado. São Paulo: FAUUSP, 2002. ______ “Estratégias de enfrentamento do problema: favela”. In: SANTA ROSA, Junia (Org.). Política habitacional e a integração urbana de assentamentos precários: parâmetros conceituais, técnicos e metodológicos. Ministério das Cidades, Secretaria Nacional de Habitação, 2007. FERREIRA, João S. W. MOTISUKE, Daniela. “A efetividade da implementação de Zonas Especiais de Interesse Social no quadro habitacional brasileiro: uma avaliação inicial”. In: BUENO, Laura; CYMBALISTA, Renato (Org.). Planos diretores municipais: novos conceitos de planejamento territorial. São Paulo: Annablume, 2007. FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Déficit habitacional no Brasil 2005. Fundação João Pinheiro: Belo Horizonte, 2006. 158 INSTITUTO PÓLIS. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília: Câmara dos Deputados: CEDI, 2001. Aula 05 ______ Subsídios para a implementação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social pelos Estados e Município visando a promoção do direito à moradia. São Paulo: Instituto Pólis, nov. 2007. MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes, 2001. ______ Metrópole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência. São Paulo: Hucitec, 1996. RETRATO DO BRASIL. Publicação mensal. Editora Manifesto. São Paulo, n.6, dez. 2007- jan. 2008. ROLNIK, Raquel. “Habitação, solução ou reprodução do caos?” Jornal de Brasília, Brasília, 07 jan. 2008. SANTO ANDRÉ, Prefeitura. Plano Municipal de Habitação. Santo André: PMSA, 2006. SCHECHINGER, Carlos M. “El debate por reformas al suelo urbano en América Latina”. Documento apresentado no Foro sobre reforma urbana y desarrollo territorial: experiencias y perspectivas de aplicación de las Leyes 9ª de 1989 y 388 de 1997 en Colombia. Bogotá: Alcadia Mayor de Bogotá, Lincoln Institute and Land Police, Cider de la Universidad de los Andes, 22-23 abr. 2003. Mimeo. 159 Nesta aula, faremos uma reflexão sobre o desafio que é adotar ações concretas para transformar em realidade as diretrizes contidas no Plano Diretor. Você verá quais são as condições mínimas para este sistema de gestão, tanto no que compete à administração municipal quanto aos setores organizados da sociedade. Duas ações devem ser iniciadas simultaneamente: analisar o Plano Diretor quanto a sua aplicabilidade imediata e promover a reorganização interna da prefeitura que propicie uma gestão integrada e participativa do plano. A gestão democrática, compartilhada, bem instruída, consistente e disciplinada produz uma sinergia social capaz de alavancar a execução do Plano Diretor e do desenvolvimento urbano, construindo a cultura política de direitos. Aula 06 Gestão Urbana Integrada e Participativa e a implementação dos Planos Diretores José Abílio Belo Pereira Otilie Macedo Pinheiro Programa de rádio “Sintonia da Cidade” Um programa de rádio envolve ouvintes de diversas regiões do País, moradores da área urbana e rural, que discutem problemas das suas cidades e como os Planos Diretores podem contribuir para solucioná-los. Produzido pelo Ministério das Cidades para a campanha nacional “Plano Diretor Participativo: Cidade de Todos”, foi dirigido por Marcelo Machado para a O2 Filmes. Tem duração de 18 minutos e você pode ouvi-lo no AVEA. 162 Aula 06 Introdução Os municípios têm hoje o desafio e os meios para reverter o quadro de exclusão territorial e garantir a todos o direito às cidades. Como foi visto nos capítulos anteriores, as prefeituras dispõem, particularmente pós Estatuto da Cidade, de um conjunto de instrumentos legais, urbanísticos, fiscais e financeiros para concretizar as políticas de regulação do uso e ocupação do solo e de captação da valorização imobiliária urbana, que, se utilizados de forma adequada e monitorada, vão possibilitar a reforma urbana e a redução progressiva da desigualdade nas nossas cidades. A Constituição Federal e o Estatuto da Cidade delegaram ao município a competência, ou seja, o poder e o dever, de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade por meio do plano diretor, que, “aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”. Ou seja, os Planos Diretores são o instrumento de transformação e ampliação de direitos e deveres para que a convivência nas cidades torne-se mais justa e melhor, para todos. O Ministério das Cidades, com parcerias, em todos os estados, de entidades dos diversos segmentos que compõem o Conselho das Cidades (o ConCidades), desenvolveu uma política e conduziu uma ação que estimulou e contribuiu para que mais de 1.500 municípios revissem ou elaborassem novo Plano Diretor. Veja, na aula 1 (Raquel Rolnik), o texto de Rolnik, Raquel, “Acesso ao Solo Urbano: Limites e Possibilidades”. Confira também a página da campanha nacional “Plano Diretor participativo: Cidade de Todos” em <www.cidades.gov.br> (endereço acessado em 02/04/08). @ O grande desafio é transformar a lei em ações concretas, que tornem realidade as diretrizes e estratégias contidas no Plano. E esta transformação passa pela estruturação de um sistema de gestão do território municipal e do plano diretor. O objetivo deste texto é apontar as condições mínimas para este sistema de gestão, tanto no que compete à administração municipal quanto aos setores organizados da sociedade, particularmente aqueles comprometidos com a reforma urbana. 163 Duas ações devem ser iniciadas simultaneamente. Por um lado, analisar o Plano Diretor quanto a sua aplicabilidade imediata e, por outro lado, promover a reorganização interna da prefeitura que propicie uma gestão integrada e participativa do plano. Análise do Plano Diretor aprovado Veja na Biblioteca Virtual de nosso Curso as resoluções 25 e 34 do Conselho das Cidades, que dão diretrizes sobre o processo de elaboração e sobre o conteúdo mínimo dos planos diretores. Sugerimos que você consulte, na Biblioteca Virtual do Curso, a cartilha “Os vereadores no processo de elaboração dos planos Diretores participativos”, particularmente o capítulo “Avaliação do conteúdo do Plano Diretor”, páginas 16-25. Em cada município, o primeiro passo é verificar se o Plano Diretor foi elaborado e está aprovado, segundo as diretrizes contidas no Estatuto da Cidade, tanto em relação ao processo participativo de elaboração, quanto ao seu conteúdo. Esta análise é importante porque muitos dos instrumentos, tratados nas aulas anteriores, que possibilitam que a cidade e a propriedade cumpram sua função social, só podem ser aplicados se estiverem descritos e delimitados no plano diretor. É também importante analisar se há coerência entre os objetivos, as estratégias e os instrumentos previstos para alcançá-los. Esta análise pode resultar em quatro situações: (1) o município ainda não elaborou ou concluiu seu Plano; (2) o município elaborou o Plano, que depende, para sua aplicação, de detalhamento em outras leis ou da regulamentação dos instrumentos; (3) o Plano não contempla as diretrizes do Estatuto da Cidade e (4) o Plano é auto-aplicável, ou seja, pode ser implementado imediatamente. 1. Se o município ainda não elaborou ou concluiu seu Plano, a grande tarefa é mobilizar forças, dentro e fora da administração municipal, para incluir no seu texto os instrumentos da forma mais completa possível para que o plano se torne auto-aplicável logo após sua aprovação. 2. Se o Plano já foi aprovado e está incompleto, deve-se elaborar a regulamentação complementar necessária para que ele se torne aplicável e começar a preparar emendas substitutivas para os instrumentos indispensáveis que não foram contemplados. Deve-se também observar, é 164 claro, a prioridade e a conjuntura política de apresentar estas emendas, para não correr o risco de perder conquistas já alcançadas. De toda forma, deve-se iniciar a implementação do plano pelos instrumentos já regulamentados. 3. Se o plano já foi aprovado, mas não atende às diretrizes do Estatuto da Cidade, deve-se iniciar o processo de revisão e elaborar um novo projeto substitutivo. 4. Se o Plano é auto-aplicável, está pronto para iniciar o processo de implementação. Aula 06 Para mais informações sobre este processo, consulte na Biblioteca Virtual “Plano Diretor Participativo: Guia para elaboração pelos Municípios e Cidadãos”, as publicações dos itens 2 e 3 (Ministério das Cidades); “Estatuto da Cidade: Guia para Implementação pelos Municípios e Cidadãos” (Instituto Polis); consulte também a biblioteca do www.cidades.gov.br/secretarias- nacionais/programas-urbanos/biblioteca Assegurar a coerência entre objetivos e instrumentos e os conteúdos mínimos é um primeiro passo e respaldo legal indispensável para a concretização dos objetivos, ou seja, transformar o Plano Diretor em cidade. A eficácia do Plano vai depender da atitude e do compromisso da sociedade local e, especialmente, da administração pública, para que sua operacionalização se faça no respeito às decisões, diretrizes e ações acordadas. @ Em qual das quatro situações descritas se encontra o seu município quanto ao Plano Diretor? Publique sua resposta, com as circunstâncias específicas, no Fórum do AVEA e compartilhe-a com os colegas. Participe! Essa troca de experiências e informações sobre distintas realidades locais é muito importante para o aprendizado de todos. Gestão integrada e participativa do território e do Plano Diretor Esta tarefa será facilitada se foi implantado no município um processo democrático de planejamento urbano e gestão, fortalecido ou iniciado na elaboração do plano diretor. Esse processo continuará nas fases de implementação, monitoramento e revisão, instaurando uma abordagem e um compromisso coletivos com olhar atual, que incorpora definitivamente a função social da propriedade, e futuro, para além dos mandatos, tornando o desenvolvimento urbano um projeto de longo prazo, de cidadania. Isto implica promover transformações profundas na gestão pública, tanto no interior da administração quanto na relação da sociedade com o poder público. Vamos destacar três aspectos: (1) A reorganização da prefeitura para a Gestão Integrada e Participativa do Território e do Plano Diretor (2) A Regulamentação dos Instrumentos e/ou a revisão da Le- 165 gislação Urbanística Municipal Complementar ao Plano Diretor e (3) a implementação do Sistema de Gestão Participativa para monitorar a implantação e revisão do Plano Diretor e o Desenvolvimento Urbano. Reorganização da prefeitura para a gestão do Plano A reorganização da prefeitura para a Gestão Integrada e Participativa do Território e do Plano Diretor se subdivide em cinco itens: 1. A organização interna e a definição de responsabilidades para a implementação do plano; 2. A articulação dos órgãos municipais a partir da integração das políticas e ações no território; 3. A articulação Plano Diretor e Orçamento Municipal; 4. A atualização do sistema de informações e 5. O sistema de comunicação para subsidiar o controle social Historicamente, nossas administrações, em sua maioria, são marcadas pelo centralismo das decisões como margem de manobra e poder e pela submissão/adesão ao poder econômico local (elite econômica, proprietários e empreendedores imobiliários, empresários do setor de infra-estrutura urbana e transporte, detentores dos meios de comunicação), que se beneficiou das ações Propomos que você realize a seguinte atividae investimentos públicos e ocupa, por meio de em grupo de até quatro participantes – de preferência, de uma mesma região do País, para de seus quadros, funções permanentes e esque tenhamos mais variedade de experiências a tratégicas na burocracia das administrações compartilhar: (RIBEIRO e CARDOSO, 2003). •• Identifiquem a atuação de um movimento de luta por moradia. A partir da Constituição de 88, esta prática tradicional do poder público controlador •• Descrevam o perfil da área ocupada e de seus morada vida social e dos destinos da cidade, detendores, os conflitos, encaminhamentos e resoluções, se houver. tor do saber técnico, elitista, populista, que valoriza as grandes obras, começou a enfren•• Publiquem um breve relato no Fórum. tar o crescimento da organização da socieda•• Leiam os relatos dos demais grupos e debatam com de que reivindica seus direitos e se contrapõe os colegas. à cultura dos privilégios. Destacam-se os movimentos de luta por moradia, que pas- 166 saram a exigir o reconhecimento dos direitos à permanência e à posse das áreas ocupadas em favelas e loteamentos irregulares e também os meios de acesso a novas moradias, inclusive, em imóveis vazios de áreas centrais. Aula 06 Os processos de elaboração dos planos em várias cidades do País foram ricos na explicitação do choque entre estas duas concepções e apresentaram os mais diversos resultados de enfrentamentos e pactuação, dependendo do compromisso da administração, do nível de organização e mobilização da sociedade, e da articulação e atuação do poder econômico local. A organização interna e a definição de responsabilidades para a implementação do Plano Uma vez aprovado o Plano, quanto mais comprometido for com a reforma urbana e com a gestão democrática, mais sua implementação vai encontrar resistências e exigir modificações profundas nos procedimentos internos, nas prioridades de gastos públicos, na articulação das ações setoriais e na superação da fragilidade administrativa. A implementação do Plano vai perpassar várias administrações e, portanto, deve ter no seu horizonte a descontinuidade administrativa e principalmente não pode prescindir do engajamento de quadros permanentes da administração. Como o aparelho administrativo não é monolítico, é preciso identificar os espaços, mesmo limitados, abertos a práticas democráticas e buscar na estrutura administrativa servidores capazes e cientes de seu papel numa sociedade democrática, muitas vezes desestimulados e alijados de um trabalho significativo. Os processos de capacitação da equipe interna para a implementação do plano podem contribuir para essa identificação. Um primeiro grande desafio é romper com a visão tecnocrática e incorporar a visão política da questão urbana. Mesmo nos municípios com tradição de planejamento, a prática é voltada para a cidade formal, para os mercados da classe média e alta, raramente dialogando com os mercados de baixa renda. Por outro lado, o Plano não será implementado se ficar sob a responsabilidade de uma equipe técnica, por mais competente e comprometida que seja. É essencial que ele se torne ação de governo e que o projeto seja acompanhado permanentemente pela sociedade organizada e pelos operadores de direito. Portanto, trata-se mais de gestão da cidade do que simplesmente gestão do Plano. 167 A gestão do Plano Diretor demanda definição de órgão e equipe responsável pela sua coordenação. É desejável que a responsabilidade pelo Plano Diretor, internamente nas prefeituras, tenha sido acordada e definida nas discussões de sua elaboração. Melhor ainda se na Lei do Plano Diretor ficaram estabelecidas com clareza as normas de gestão em seus diversos aspectos, dentre outros: da participação dos vários setores do poder público e da sociedade civil, da produção e disseminação de informações, das instâncias de discussão e decisão, da organização administrativa da prefeitura. Se não foi esse o caso, é hora de se organizar e distribuir responsabilidades. Sugere-se: •• Estrutura matricial constituída por servidores de diferentes áreas, que farão a ponte entre as políticas e ações setoriais e as diretrizes do Plano. Esses servidores devem preferencialmente ser do quadro permanente e, sem se desligarem de seus elos verticais e independente de seu grau na hierarquia, devem cooperar em tempo parcial na execução do plano. Deve-se evitar que a equipe seja exclusivamente de “especialistas” da área de planejamento urbano. Além das áreas normalmente afins como habitação, saneamento, transporte e meio ambiente, é fundamental a presença de servidores ligados ao orçamento municipal, ao plano de obras, ao cadastro técnico municipal, à política fiscal (código tributário) e partircularmente com experiência em mobilização social e processos participativos. •• Comissão executiva para operacionalizar a execução do Plano Diretor dentro da prefeitura. Deverá articular as propostas do Plano com outras propostas do governo (especialmente o Plano Plurianual-PPA) e incorporá-las ao orçamento municipal, acompanhar a implantação dos programas e projetos, buscar parcerias e oportunidades de financiamento, organizar reuniões e informações, fornecer condições de funcionamento ao Conselho Gestor do Plano Diretor ou similar. Enfim, esta comissão executiva, subordinada à coordenação geral, deve promover uma sistemática de avaliação da implementação junto ao Conselho da Cidade ou similar. •• Coordenação política da implementação do Plano Diretor. O ideal é que tenha o prefeito e secretários estratégicos. Demanda a nomeação de um coordenador geral, que costuma ser, em muitos municípios, o secretário de Planejamento ou Desenvolvimento Urbano. O importante é que seja uma pessoa com perfil articulador e tenha acesso direto e apoio do prefeito; conhecimento da cidade como um todo e das po- 168 líticas e atividades setoriais; fácil interlocução nas diversas secretarias e nos órgãos de decisão; capacidade de impulsionar o funcionamento do conselho gestor do Plano Diretor que envolve a sociedade civil. E, para que realize tudo isto, que tenha como atividade prioritária a implantação do Plano. Aula 06 •• Se for necessário, faz-se a contratação nas formas legais, por tempo determinado, de especialista/responsável, de preferência que tenha participado da equipe que elaborou o Plano, de ONGs, OSCIPS ou universidades. Deve-se exigir no contrato a permanência do profissional na prefeitura para assegurar a transferência de conhecimento para a equipe local. A responsabilidade do Poder Executivo é clara no Estatuto da Cidade. A integração das políticas e ações no território para sedimentação do Plano Diretor na máquina administrativa Tradicionalmente, pratica-se, no executivo, a visão setorial, centrada em secretarias autônomas, cada uma com sua abordagem própria do município, estabelecendo prioridades e ações desintegradas. Articular idéias, projetos e ações de governo continua sendo um desafio para a administração pública. Em grande parte das cidades brasileiras, o Plano Diretor pode inaugurar um novo processo: articular ações no território. É na análise do território que, ao se superpor mapas setoriais de atendimento de serviços públicos, se percebe mais claramente a expressão territorial das desigualdades sociais. Os espaços de carências de infra-estrutura e serviços mapeados em cada setor se superpõem e são os mesmos onde se concentram as mais baixas rendas, a sub-moradia, o espaço da “não-cidade”. Uma das contribuições do Plano Diretor, além de pautar o processo de planejamento urbano e introduzir os princípios da função social da cidade e da propriedade, é fornecer um suporte facilitador à articulação de ações e, portanto, uma oportunidade de otimizar recursos, ampliando a eficácia da administração. Esse suporte consiste na abordagem territorial integrada, do município e da cidade, fornecendo uma visão da estrutura rural e urbana. 169 Em grande parte das cidades brasileiras, o Plano Diretor pode inaugurar um novo processo: articular ações no território, para assim perceber mais claramente a expressão territorial das desigualdades sociais e alcançar melhores resultados. Nossas cidades raramente são administradas a partir da noção de território, mas é exatamente essa visão que se constitui num elemento facilitador de articulação das políticas públicas e compreensão dos cidadãos sobre o papel do poder público e sobre a apropriação social do espaço. A abordagem focada no território, se necessária na elaboração do Plano Diretor, é indispensável na sua implementação; além de permitir a integração das políticas, facilita o estabelecimento de indicadores para medir a eficácia do plano e o controle da função social da cidade e da propriedade, em diversas escalas: do município, das regiões e dos bairros, propiciando o acompanhamento pelos munícipes da implementação e avaliação do Plano Diretor, no município e em suas partes. O Fome Zero <www. fomezero.gov.br> é um programa que agrega dezenas de ações estatais e de parceiros, transversais e intersetoriais das três esferas de governo. A mais conhecida é o “Bolsa Família”. Ele atua a partir de quatro eixos articuladores: acesso aos alimentos, fortalecimento da agricultura familiar, geração de renda e articulação e mobilização e controle social. A abordagem territorial pressupõe representação do sítio natural e do espaço urbano, geralmente embrionária nos cadastros municipais. Além das já tradicionais representações cartográficas e imagens aéreas, as imagens de satélites, muitas vezes disponíveis na Internet, e as ferramentas de geoprocessamento disponibilizam novos instrumentos para a gestão municipal, especialmente facilitadores da visualização do município e das cidades, nos mais diversos aspectos: rurais, urbanos, arrecadação, saúde, turismo, meio ambiente, adensamento, etc. A atuação pública vem incorporando cada vez mais a noção de territorialidade e inter-relação de setores ou temas, com mais profundidade: •• nas ações sociais, educação, agricultura e na saúde já são inúmeras as articulações de ações, gerando programas eficazes de atendimento público como o “Fome Zero”; •• a segurança pública se beneficia cada vez mais da visão do território nos seus diagnósticos e nas suas ações; •• o meio ambiente tem contribuído muito para o avanço da visão territorial, ao estabelecer, por exemplo, o conceito de desenvolvimento sustentável, que integra aspectos econômicos, sociais e ambientais. 170 Portanto, existe já uma atuação no espaço, ainda que desintegrada e parcial, em diversas experiências municipais, caminhando cada vez mais para o foco no território. A aproximação da coordenação do Plano Diretor das secretarias ou setores tem, na visão de território, um importante elemento comum de apoio e referência. Se a apropriação do espaço, urbano e rural, é a expressão física da estrutura das relações sociais, o conhecimento e a análise da organização territorial com sua complexidade: história, diversidades de usos e ocupação, identidade(s), estrutura fundiária, articulações, desigualdades, especulações, etc., fornece meios de conhecer, compreender, partilhar e atuar na sua reestruturação. Na gestão da cidade, os efeitos da atuação integrada no território tendem a ser muito mais eficazes e estruturadores nas áreas que concentram populações mais pobres. Aula 06 Este é também um tema de muito conflito. A primeira diretriz geral do Estatuto (Cap.1, art.2º inciso I) determina “o direito de cidades sustentáveis, entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”. Para a integração dos princípios do desenvolvimento sustentável com aqueles da Reforma Urbana, é preciso uma ação conjunta para revisão da legislação ambiental, a começar pelo código florestal, que não considera as especificidades das áreas urbanizadas do País, que correspondem a apenas 1% do território e têm sido obstáculo aos processos de regularização fundiária. A política habitacional é a mais estruturante para a implementação do acesso à cidade e foi tratada na aula anterior. i i A articulação de planos, programas e projetos dos diversos setores (secretarias) sobre uma base territorial comum revela vínculos e possibilidades de atuação conjunta inovadoras, facilita romper o pensamento e a atuação setorial e propicia avanços importantes na gestão municipal, tornando mais compreensível, criativa, econômica e eficaz a atuação pública. Na gestão da cidade, os efeitos da atuação integrada no território tendem a ser muito mais eficazes nas áreas que concentram populações mais pobres. A regularização fundiária para as camadas mais pobres da população, além de garantir o direito à propriedade da moradia, demanda uma abordagem integrada de diversas secretarias, na reestruturação urbana da área 171 i a ser regularizada, conferindo a ela uma nova estrutura urbana, centrada no acesso a infra-estrutura, aos serviços públicos e à integração com a cidade formal. Nessas áreas, há necessidade de padrões especiais de urbanização e soluções novas e criativas, especialmente para acessibilidade, e do estabelecimento de normas para o controle do parcelamento, do uso do solo e da especulação. É desejável também a criação de equipamentos e espaços de uso coletivo, que possam fazer o vínculo da área a ser regularizada Como já foi tratado em aulas anteriores, e será tracom a cidade formal, permitindo maior tado particularmente no segundo módulo, que trata da Regularização Fundiária Plena. interação dos moradores com o entorno, produzindo, assim, maior possibilidade de integração do tecido urbano e social. A articulação Plano Diretor e Orçamento Municipal O Orçamento Municipal é o instrumento central da gestão pública: as ações se viabilizam, se previstas e executadas dentro do Orçamento, no equilíbrio entre receitas e despesas. O Estatuto estabelece (no §1º do art. 40) que o “plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e prioridades nele contidas”. E estabelece no art. 44 que “a gestão orçamentária participativa incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal”. O Estatuto torna, portanto, obrigatório o Orçamento Participativo, que pode se transformar num poderoso instrumento de implementação do Plano Diretor e, por outro lado, o Plano Diretor pode subsidiar a elaboração do Orçamento Participativo. A elaboração do orçamento deverá expressar as decisões contidas no Plano Diretor e é condição para programar sua implementação. Mesmo que a aprovação do Plano Diretor tenha se dado após a aprovação do Plano Plurianual, esse pode ser revisto anualmente, por justificativa do Executivo, para incorporar as novas propostas. 172 Os recursos necessários à implementação das propostas do Plano devem ter sido objeto de compatibilização com a arrecadação municipal, seu escalonamento no tempo segundo as prioridades, considerando-se, inclusive, a capacidade de arrecadação e indicando as outras fontes de recursos para sua efetivação. É interessante lembrar que, se por um lado o Plano Diretor gera despesas para garantir direitos, por outro deve gerar receitas oriundas dos serviços prestados, da gestão da valorização imobiliária e do combate à especulação imobiliária. Esse é um dos pontos básicos a serem trabalhados na gestão do plano. Os capítulos anteriores mostraram diversas ações e instrumentos para se cumprir a diretriz da “justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização” para o cumprimento do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana dentre outras citadas no artigo 2º. Foram detalhados os diversos instrumentos de política urbana que propiciam a geração ou ampliação de receitas, dentre outros: o IPTU (com atualização freqüente da Planta de Valores), o Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios, o IPTU Progressivo no Tempo, as Operações Urbanas Consorciadas, a Contribuição de Melhoria, a Outorga Onerosa do Direito de Construir e de Alteração de Uso. Aula 06 Mesmo que a aprovação do Plano Diretor tenha se dado após a aprovação do Plano Plurianual, esse pode ser revisto anualmente, por justificativa do Executivo, para incorporar as novas propostas. Se os instrumentos de política urbana foram bem discutidos e enfocados no processo de elaboração do Plano Diretor, certamente novas receitas orçamentárias foram sinalizadas. No Orçamento Público, as despesas são classificadas por funções de governo e os recursos são alocados por órgãos do governo. A montagem, em cada etapa do Orçamento Municipal (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Orçamento Anual), demanda incluir as despesas referentes ao Plano Diretor em diversas funções de governo (urbanismo, habitação, saneamento, gestão ambiental, transportes, saúde, educação, cultura, agricultura, indústria, etc.), sendo que, na maior parte dos casos, as dotações orçamentárias são alocadas nos órgãos de governo em diversas secretarias. Para tornar coerente com o plano e principalmente explicitar a todos claramente o seu conteúdo, para abrir a “caixa preta” do orçamento, serão necessárias algumas mudanças na estrutura de apresentação orçamentária: as despesas deverão ser classificadas e demonstradas segundo os programas e projetos de investimentos identificados no Plano e priorizadas respeitando as ações estratégicas definidas no Plano. No quadro das receitas, devem estar explicitados os recursos oriundos dos novos instrumentos contidos no Plano. Recomenda-se particularmente verificar se consta do orçamento a rubrica relativa aos fundos de habitação ou de desenvolvimento urbano, se estes foram criados no município. 173 No Orçamento Municipal, deve-se tomar cuidado ainda para que os demais investimentos do governo estejam em consonância com o Plano Diretor, por exemplo: se nele está delimitada uma área para preservação, não pode haver previsão de recursos para abertura de via ou instalação que induzam o adensamento na área. Se a diretriz é priorizar a urbanização de áreas adensadas de baixa renda, os investimentos previstos em infra-estrutura devem estar alocados prioritariamente nestas áreas. Mais uma vez, também na elaboração e execução do Orçamento Municipal, percebe-se a profunda articulação do Plano com o conjunto da administração. Esse esforço de integração do Plano Diretor no conjunto das ações e órgãos de governo pode ter como contrapartida um salto de qualidade dos gestores públicos, na percepção e operacionalização de programas integrados, seja no poder executivo, seja no poder legislativo, onde é discutido e aprovado o Orçamento Municipal. Os municípios que elaboraram seu plano num processo participativo e já têm a prática de discutir o Orçamento com a comunidade terão grande facilidade neste processo. Atualização do Sistema de Informações A montagem do sistema de informações tem dois movimentos: um de estruturação e sistematização dos bancos de dados e mapas para permitir o segundo movimento, que é o de análise e produção de informações para o monitoramento e gestão do plano pelo governo e pela sociedade. A estruturação e a sistematização de informações demanda, à equipe matricial, a tarefa imediata de atualização e integração dos cadastros, e de construção de uma base de dados espacializada, de preferência geo referenciada. Ou seja, dotar a prefeitura de um sistema de cadastro multifinalitário de informações atualizadas, integradas e confiáveis, da estrutura fundiária, das ações realizadas, do sistema de arrecadação fiscal, etc. A atualização do IPTU, a identificação de áreas vazias para implantação de ZEIS ou para incidência de urbanização compulsória e do direito de preferência exigem um cadastro permanentemente atualizado, que permita, inclusive, acompanhar o cumprimento dos prazos estabelecidos e as mudanças nos usos e ocupações dos imóveis e permita acompanhar a dinâmica urbana e sua compatibilidade com as políticas traçadas. Particularmente a produção de informações para o monitoramento da “recuperação da valorização da terra” coloca também desafios específicos. Devem ser estabelecidos mecanismos de acompanhamento da arrecadação e dos 174 gastos decorrentes dos novos instrumentos, e também o controle sobre as conseqüências urbanísticas dessas ações. Aula 06 Este conjunto de dados deverá ser também permanentemente trabalhado para subsidiar a prefeitura e a sociedade, particularmente o Conselho Gestor, no processo de monitoramento e gestão do Plano e da cidade. Há duas categorias básicas de informações a serem produzidas para o monitoramento do Plano: (a) informações sobre a inserção do Plano Diretor no Orçamento Municipal e (b) informações sobre a eficácia do Plano Diretor nas suas metas de desenvolvimento urbano e em especial no cumprimento da função social da cidade e da propriedade urbana. a. Informações sobre a inserção do Plano Diretor no Orçamento Municipal, retratando a incorporação das diretrizes e normas do Plano Diretor no Plano Plurianual, nas Diretrizes Orçamentárias e no Orçamento Anual. Como o Orçamento é uma peça bastante complexa para compreensão geral, pode-se dar publicidade a ele através de planilhas simples de acompanhamento da arrecadação (inclusive as receitas com origem no Plano Diretor) e das despesas com programas e atividades. Especial atenção deve ser dada à produção de informações relativas à recuperação da valorização da terra, pelo seu caráter complexo e inovador. Para facilitar o acompanhamento do Conselho Gestor do Plano Diretor ou similar e da comunidade em geral, é interessante organizar as informações com foco territorial, nas diversas escalas do município e, se for o caso, com recortes espaciais e prioritários. Como as ações municipais ou programas subdividem-se em diversas etapas ou atividades, é importante que as informações sejam repassadas descrevendo cada etapa (desapropriações, projetos, licitações, etc.), por exemplo: para implantação de uma área de lazer, pode ser necessária a desapropriação (decreto de desapropriação, imissão de posse da área), a licitação ou a execução direta de projeto e em seguida a licitação ou a execução direta da obra. Todas essas atividades têm prazos legais ou tecnicamente necessários, demandando um tempo muitas vezes desconhecido pelos munícipes e causando uma impressão de lentidão do setor público. É fundamental que esses prazos regulamentares sejam conhecidos, para que a prestação de contas das ações públicas seja melhor percebidas em sua complexidade e não gere desânimo. 175 b. Informações sobre a eficácia do Plano Diretor, nas suas metas de desenvolvimento urbano e em especial no cumprimento da função social da cidade e da propriedade urbana. Essas informações deverão ser construídas pelo poder público e sociedade civil, gerando indicadores econômicos, sociais e ambientais, que permitam acompanhar e avaliar o desempenho do PD, nos seus acertos e nos seus erros. É interessante que sejam indicadores simples, construídos também territorialmente e acordados com os diversos setores do governo e com a população, inclusive dos pedaços da cidade. Assim, pode-se demonstrar a evolução do acesso de todos os munícipes à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e aos equipamentos de cultura e lazer. O artigo 2º do Estatuto da Cidade fornece os temas para o estabelecimento desses indicadores, que serão fundamentais no processo de discussão e revisão de conteúdo dos Planos Diretores. O sistema de comunicação para subsidiar o controle social A produção de informações é parte do processo de Controle Social. Dar a conhecer, com regularidade, o monitoramento do Plano Diretor, tanto via Orçamento Municipal quanto via cumprimento das metas de desenvolvimento urbano, é vital para sedimentar a noção de planejamento, continuidade e processo iniciados na elaboração do Plano Diretor. Isso alimenta um sentimento de construção do futuro pelo exercício da cidadania. Há muitos meios de divulgar a implementação do Plano Diretor para o cidadão. Cada município tem seus próprios caminhos, da mídia tradicional até a mídia alternativa. O resgate das formas de mobilização para elaboração do Plano Diretor pode indicar outros caminhos de popularização do PD. É importante lembrar que o processo de disseminar informações para acompanhamento da implementação do Plano Diretor deverá se dar com regularidade. E que haverá momentos de necessária capacitação, para ampliar conhecimentos ou para incluir novos munícipes no processo de popularização do Plano Diretor, com linguagem simples, acessível e politizada. O Registro de todo o processo é fundamental na prestação de contas, defesa do poder público e na garantia dos direitos de cidadania. 176 O processo de comunicação alimenta o processo de controle social e fortalece o Sistema de Gestão Participativa (ver último item). Aula 06 A regulamentação dos instrumentos e/ou a revisão da Legislação Urbanística Municipal Complementar ao Plano Diretor A grande maioria dos planos diretores infelizmente não é auto-aplicável e remete, em geral, a questões mais polêmicas para a legislação complementar, ou seja: •• A Lei de Zoneamento ou de Uso e Ocupação do Solo, que deverá detalhar as diretrizes genéricas do macrozoneamento, como a definição de perímetros rural e urbano, a definição dos uso e ocupação do solo e a definição de normas específicas para as Zonas Especiais definidas no Plano, inclusive as de interesse social; •• A Lei de Parcelamento; •• A regulamentação dos instrumentos de política urbana; •• O detalhamento ou desenvolvimento de Planos Setoriais ou temas cujas diretrizes foram definidas no Plano Diretor; •• E ainda as demais normas urbanísticas como os códigos de obras ou de edificações; código de posturas e o código tributário. No caso de os Planos Diretores serem auto-aplicáveis, estas normas complementares devem ter sido incorporadas, no todo ou em grande parte, no texto dos planos. Pressupõe-se, nestes casos, que os temas conflitantes da cidade já tenham sido profundamente tratados e pactuados, dando origem a normas e instrumentos de política urbana claros e operacionais. A regulamentação complementar, nesse caso, tende a ser desenvolvida sem grandes embates, apesar de que, muitas vezes, um acordo celebrado em níveis gerais pode resultar, em seu detalhamento mais pontual, em conflitos de ordem local. Por exemplo, a pactuação estabelecida no macrozoneamento pode dar origem a novas discussões e acertos em nível local, nos bairros. Mas uma grande parte dos Planos Diretores não enfrentou as discussões mais polêmicas no período de sua elaboração, em especial os instrumentos de política urbana, relacionados às estratégias e objetivos do plano, por razões diversas: exigüidade de tempo, falta de informações suficientes, 177 busca de pactuação em temas menos polêmicos, temor de enfrentar os temas polêmicos e contrariar os grandes interesses fundiários do município, dentre outras, ou mesmo por um posicionamento acordado de deixar determinados aspectos para a legislação complementar. Na sua maioria, os instrumentos são citados no plano, mas não são regulamentados, nem são definidas as áreas da cidade em que eles incidem. Nesses casos o processo de regulamentação deve estabelecer o momento para se enfrentar e pactuar os grandes temas da função social da cidade e da propriedade. Certamente, o momento da regulamentação é inadequado para grandes definições estruturantes, mas muitos Planos Diretores postergaram essas discussões para o período de regulamentação. Qualquer que seja o caso, a produção da regulamentação complementar deve dar continuidade ao processo participativo de elaboração do Plano Diretor, com discussões nas escalas do município, regional e local. Discussões e decisões locais são necessárias, sobretudo quando se tratam de normas de parcelamento, uso e ocupação do solo. Se o Plano Diretor, por exigência do Estatuto da Cidade, ficou condicionado à participação da sociedade local, o detalhamento e a produção de legislação urbana complementar deve utilizar metodologias participativas, com processo promovido, coordenado e aprovado pelo Conselho Gestor ou qualquer outra instância que tenha sido responsável pela elaboração do Plano Diretor ou proposto pelo mesmo. É preciso estar atento para que o processo de produção da legislação complementar não torne inócuos os princípios ou diretrizes do Plano Diretor, especialmente naqueles aspectos que promovam a efetiva função social da cidade ou da propriedade. Há uma grande tendência de voltar neste momento à prática tradicional de legislação de parcelamento e zoneamento, com seus índices de aproveitamento, taxas de ocupação, propostos como “atividade técnica” para uma cidade ideal, que só atendem e protegem pequena parcela da cidade e as estratégias de mercado dos grandes investidores imobiliários. Este modelo, por não considerar a cidade real, exclui a maior parte da cidade que não consegue alcançar os altos padrões exigidos e é relegada a viver à margem da lei, formando os mercados informais paralelos. Este modelo gera e alimenta duas ordens legais e urbanísticas que coexistem como os dois lados da mesma moeda, sustentando e perpetuando nosso modelo de urbanização, que mantém à distância o pobre, e perpetuando o modelo que impede o pequeno investidor e a população em geral de acessar a cidade. 178 Por outro lado, “criar padrões ‘mais baixos’ e as regularizações especiais de baixa renda, sem quebrar a lógica completa da ordem urbanística baseada em uma forma homogênea e de alta renda de produzir as cidades, não é uma política capaz de democratizar o mercado de terras e, conseqüentemente, a cidade” (In: Regulação urbanística no Brasil: conquista e desafios de um modelo em construção; Rolnik,R, Cymbalista Renato). Aula 06 Portanto, a proposta é priorizar as ações estratégicas definidas no plano com sua especificidade, concentrando a regulamentação nos instrumentos mais apropriados para a concretização dos objetivos, fiscalizando sua aplicação e fazendo sua a revisão periódica. Por exemplo, o que falta regulamentar ou detalhar para implementar as ZEIS, para efetivar a edificação e urbanização compulsória, para implantar a contribuição de melhoria, etc. A legislação complementar precisa ser elaborada de forma mais simples possível, abordando aqueles elementos fundamentais e estruturais (é necessário aprofundar, em cada município, o que é estruturante), para que venha a ser apropriada socialmente. Não pode existir participação efetiva da população na elaboração e implementação de normas urbanas se estas forem de grande complexidade técnica, de difícil compreensão e operacionalização, ensejando complexos e desnecessários caminhos burocráticos. Esse tipo de legislação, muito estimada pelos setores técnicos, serve apenas aos grandes interesses capazes de manipular essas informações, impedem a apropriação coletiva do território urbano com normas claras e tendem a estimular alto grau de irregularidade e clandestinidade no território, pela amA propósito da produção de planos setoriais, consulte pliação da cidade informal. A produção dos planos setoriais, especialmente o de habitação, saneamento e mobilidade, pode ser uma boa oportunidade para implementar a inclusão territorial. na página <www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais> as orientações para elaboração dos planos setoriais, ou seja, na Secretaria de Habitação – o PlanHab; na Secretaria de Transporte e Mobilidade/biblioteca/ para o Plano de Mobilidade e na Secretaria de Saneamento Ambiental para o plano de saneamento. (Endereço acessado em 02/04/2008.) Um dos aspectos a serem abordados na regularização de áreas é a promoção de “assistência técnica e jurídica gratuita para comunidades e grupos sociais menos favorecidos”, conforme determina o Estatuto da Cidade, no artigo 4º, inciso V, letra r. 179 A implementação do Sistema de Gestão Participativa para monitorar a implantação e revisão do Plano Diretor e o desenvolvimento urbano Veja na Biblioteca Virtual a resolução nº 13/2004 do ConCidades. O sistema de gestão participativa foi o principal tema da III Conferência das Cidades, que ocorreu entre os meses de maio e novembro de 2007. O Sistema de Gestão Participativa proposto tem nas Conferências Municipais e no Conselho Gestor/Municipal seus principais canais de deliberação e deverá ser regulamentado em cada município. Como dissemos, a gestão do plano se funde com a gestão da cidade. Cada município deve definir as instâncias diversas de acompanhamento e discussão, variando o nível de formalidade, de delegação das representações, e pautadas por informações de categorias diferentes. É bom lembrar que, na gestão dos Planos Diretores, há também escalas supra-municipais: regiões metropolitanas, microrregiões formadas por municípios vizinhos, com identidade comum, Estado, União. Iniciando pelos processos mais gerais e abrangentes, as Conferências das Cidades, de Política Urbana ou similar são boa oportunidade para discutir questões que transcendem o município e encaminhar propostas, inclusive orçamentárias, para os níveis estadual e federal. É interessante que nessas instâncias possam ser feitos os vínculos de ações e políticas de diversos níveis de governo, aprofundando-se simultaneamente as questões locais, a discussão sistemática do desenvolvimento do município, seus avanços e retrocessos, ancorados na produção de informações socialmente reconhecidas e balizados pelas metas, temas pactuados, estratégias acordadas, etc. Esses são os momentos de maior mobilização da sociedade e do governo para discutir os temas mais gerais e abrangentes, grandes marcos, diretrizes e princípios, produzir encaminhamentos novos e revisões, com o maior número de entidades e pessoas. Nesse momento de foco no futuro, unem-se o acompanhamento de mais longo prazo e os temas de mais ampla repercussão no desenvolvimento social e do território. 180 O acompanhamento mais cotidiano e anual da implementação do Plano Diretor se dá, em geral, pelo Conselho Gestor do PD ou similar. É interessante a incorporação de conselheiros de outros setores ou funções de governo ou sua representação nas reuniões, no sentido de ir produzindo estímulos aos vínculos entre as políticas públicas. A esse Conselho deve caber a responsabilidade pela coordenação de todo o processo de gestão do Plano Diretor e o estímulo e definição de diretrizes para conselhos ou instâncias regionais e locais. Aula 06 Para o bom funcionamento do sistema, é fundamental a produção de informações, e a continuação do processo de capacitação de atores locais, particularmente os conselheiros e delegados do orçamento participativo, para alimentar os processos de conhecimento, análise e, principalmente, de deliberação. Quando abordamos o processo de produção de informações para monitoramento do Plano Diretor, distinguimos duas categorias: •• informações relativas à implementação do Plano Diretor pelo acompanhamento do Orçamento Municipal, produzidas especialmente sob responsabilidade do poder executivo, com foco na execução orçamentária; •• informações relativas ao processo de desenvolvimento urbano e cumprimento da função social da cidade e da propriedade, produzidas sob responsabilidade do poder público e da sociedade civil, com foco nas metas e temas pactuados na elaboração do Plano Diretor. Observamos ainda que as informações deveriam ser construídas integrando diversos órgãos de governo, com objetividade, simplicidade e clareza e, para que possam facilitar sua apropriação além dos conselheiros, pela população em geral, deveriam ser apresentadas também territorialmente em diversas escalas: do município, das regiões e bairros. A gestão do Plano Diretor guarda forte vínculo com o processo de produção de informação e de capacitação, e se dá no tempo e no espaço. No tempo: •• no acompanhamento cotidiano, mensal ou freqüente da execução orçamentária, observada na ótica das propostas prioritárias e do monitoramento da “recuperação da valorização da terra” •• na participação ativa na elaboração anual da Lei de Diretrizes Orçamentárias, do Orçamento Anual e modificações do Orçamento Plurianual, já incorporadas análises sobre as metas e temas pactuados; 181 •• no acompanhamento de longo prazo, especialmente na construção de novos Orçamentos Plurianuais, no primeiro ano das gestões dos prefeitos, momento de profunda reflexão sobre o desenvolvimento municipal e urbano, a partir dos indicadores econômicos, sociais e ambientais. É quando se avalia se os instrumentos propostos e ações realizadas estão produzindo os resultados desejados do ponto de vista urbanístico. São momentos especiais de reflexão também nos vínculos regionais. No espaço: •• de todo o município, com sua identidade natural e cultural, considerando a subdivisão urbano e rural; se possível, é desejável o município em sua inserção regional; •• das regiões do município (distritos, povoados, regiões especiais, conjuntos de bairros); •• dos bairros ou pedaços especiais (áreas de patrimônio natural ou cultural, centros...) A Gestão do Plano Diretor, portanto, deve incorporar as noções de tempo e espaço, de processo de mudança e construção social num território, pautados pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade, na promoção do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantia do bem-estar de seus habitantes. Vale ainda lembrar que o Estatuto da Cidade prevê que ausência de participação popular pode ser alvo das penalidades previstas pela Lei de Improbidade Administrativa (art. 52, inciso VI) e pela Lei da Ação Civil Pública. Considerações finais A gestão do Plano Diretor, partilhada entre Poder Público – Executivo e Legislativo – e sociedade civil, estimula iniciativas de projeto de lei, fóruns de discussão e decisão consultivos e deliberativos, permanentes e temporários, momentos de abertura para discussão e momentos de produção de sínteses, promoção de audiências públicas, diretrizes da produção de informação e comunicação, etc. Um processo de gestão democrática, compartilhada, bem instruída, consistente e disciplinada, produz a sinergia social necessária e capaz de alavancar a implementação do Plano Diretor, e do desenvolvimento ur- 182 bano, tanto pelas ações governamentais quanto particulares, constituindo um exercício da cidadania na construção de um futuro para todos. Não é tarefa fácil. É um processo lento, gradativo, muitas vezes desgastante. Mas, no nosso entendimento, é a única maneira de reverter o quadro de desigualdade das nossas cidades e construir a cultura política de direitos. Na aula 7, a primeira do módulo 2, você verá como a regularização de assentamentos informais é um grande desafio dos governos e da sociedade. Aula 06 Chat sobre o Módulo 1 Você chegou ao final do Módulo 1, que tratou da implementação dos Planos Diretores. Convidamos você a participar de um chat para trocar opiniões, esclarecer dúvidas e avaliar o seu aprendizado até o momento. Para isso, a proposta é que você: •• anote os pontos que mais lhe pareceram relevantes nas seis aulas deste módulo; •• registre seus questionamentos e leve-os para o debate; •• sua participação enriquece o Curso; entre em contato com seu tutor para verificar as datas e horários disponíveis para o chat. 183 Bibliografia CYMBALISTA, Renato; SANTORO, Paula; POLLINI, Paula. “Estatuto da Cidade: o desafio da capacitação de atores locais”. V Curso gestão urbana e de cidades 2004. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro/Escola de Governo Prof. Paulo N. de Carvalho, 2004. (cd-rom). MARICATO, Ermínia – “Sociedades Desiguais, cidades desiguais”. In: Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, Vozes, 2001. MINISTÉRIO DAS CIDADES página da campanha nacional “Plano Diretor participativo: Cidade de Todos”. In: www2.cidades.gov.br (acessado em 02/04/2008). ______ . “Os Vereadores no Processo de Elaboração dos Planos Diretores Participativos”. Cartilha www2.cidades.gov.br/planodiretorparticipativo (acessado em 02/04/2008). PINHEIRO, Otilie Macedo. “Apoio à Gestão Territorial Municipal”. Brasília: PNUD-BRA00/019, 2003 ______ . “Estatuto da Cidade, o Jogo tem Novas Regras”, Belo Horizonte: CREA-MG, 2002 RIBEIRO, LC e CARDOSO (org.). Reforma Urbana e Gestão Democrática: promessas e desafios do estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: FASE, 2003. ROLNIK, Raquel, CYMBALISTA Renato e NAKANO, Kazuo. “Solo Urbano e Habitação de Interesse Social: A Questão Fundiária na Política Habitacional e Urbana do País. ROLNIK, Raquel et allii. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. 2a edição. Brasília, Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2002. ROLNIK, Raquel e PINHEIRO, Otilie (orgs). In “Plano Diretor Participativo: Guia para Elaboração pelos Municípios e Cidadãos”. Brasília: Ministério das Cidades; Confea, 2005. SMOLKA, M.O e MULLAHY. Perspectivas Urbanas:Temas Críticos em Políticas de Suelo en América Latina. LILP, 2007. 184 SOUZA, Marcelo Lopes de. In: A Prisão e a Agora: Reflexões em torno da Democratização do Planejamento e da Gestão das Cidades. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2006 Módulo II O Módulo II deste Curso, composto por seis aulas, aborda questões relacionadas à regularização fundiária de interesse social. Estudaremos conceitos, bases legais e exemplos dos procedimentos comuns a todos os processos de regularização fundiária plena. Nesta aula, você terá a oportunidade de refletir sobre os principais aspectos jurídicos dos programas de regularização de assentamentos informais consolidados. Também estudará algumas experiências brasileiras e internacionais sobre a questão. Avaliaremos juntos as possibilidades abertas pelo Estatuto da Cidade para que tais programas possam ser implementados com sucesso no Brasil. Aula 07 Regularização de assentamentos informais: o grande desafio dos governos e da sociedade Edésio Fernandes i Favela Considerada oficialmente a primeira favela do Rio de Janeiro, o Morro da Providência, que fica atrás da Central do Brasil, foi batizado no final do século 19 como Morro da Favela, daí também a origem do nome (substantivo) que se espalhou depois por outras comunidades carentes do Rio de Janeiro e do Brasil. Os primeiros moradores do Morro da Favela eram ex-combatentes da Guerra de Canudos e se fixaram no local por volta de 1897. Cerca de 10 mil soldados foram para o Rio com a promessa do Governo de ganhar casas na então capital federal. Como os entraves políticos e burocráticos atrasaram a construção dos alojamentos, os ex-combatentes passaram a ocupar provisoriamente as encostas do morro - e por lá acabaram ficando. Tanto a origem do nome Favela quanto Providência remetem à Guerra de Canudos, travada entre tropas republicanas e seguidores de Antônio Conselheiro no sertão baiano. Favela era o nome de um morro que ficava nas proximidades de Canudos e serviu de base e acampamento para os soldados republicanos. (...) Pequeno Dicionário das Favelas. Marcelo Monteiro – Viva Rio www.favelatemmemoria.com.br 190 Introdução Aula 07 Uma das principais características do processo de urbanização intensiva no Brasil tem sido a proliferação de processos informais de desenvolvimento urbano. Ao longo das décadas de crescimento urbano, mas, sobretudo, nas três últimas décadas, dezenas de milhões de brasileiros não têm tido acesso ao solo urbano e à moradia senão através de processos e mecanismos informais – e ilegais. Favelas, loteamentos clandestinos, conjuntos habitacionais irregulares, cortiços, casas de frente-e-fundo, ocupações de áreas públicas sob pontes, viadutos, nas beiras de rios e em áreas de preservação ambiental – essas têm sido as principais formas de habitação produzidas diariamente nas cidades brasileiras, seja nas capitais e grandes cidades, seja nas cidades de porte médio e mesmo nas menores. Ainda que diversas formas de ilegalidade urbana também sejam claramente associadas a grupos sociais mais privilegiados – como, por exemplo, o descumprimento sistemático das normas edilícias e a prática cada vez maior dos chamados “condomínios fechados”, vedando o acesso de todos ao sistema viário e às praias, que são legalmente bens de uso comum de todos –, a informalidade entre os grupos mais pobres precisa ser urgentemente enfrentada, dadas as graves conseqüências socioeconômicas, urbanísticas e ambientais desse fenômeno. Deve-se ressaltar que, além de afetar diretamente os moradores dos assentamentos informais, tais práticas e processos também têm diversos impactos negativos de todo tipo sobre as cidades e sobre as comunidades urbanas como um todo. Esta aula se propõe tão somente a apresentar algumas reflexões gerais sobre os principais aspectos jurídicos dos programas de regularização de assentamentos informais consolidados. Depois de uma breve identificação dos principais fatores que têm causado o fenômeno da informalidade urbana, inclusive o papel central da ordem jurídica, este texto pretende discutir os principais conceitos que estão envolvidos – explicitamente ou não – quando da formulação de programas de regularização pelos governos municipais, bem como as lições mais importantes que já podem ser aprendidas com as experiências brasileiras e internacionais sobre a questão ao longo das últimas décadas. Por fim, este texto fará uma breve avaliação das possibilidades abertas pelo Estatuto da Cidade para que tais programas possam ser implementados com sucesso no Brasil, assim como das principais condições para que tais possibilidades sejam concretizadas. 191 A produção socioeconômica (e político-jurídica) da informalidade urbana Os assentamentos informais – e as conseqüentes falta de segurança da posse, vulnerabilidade política e baixa qualidade de vida dos seus ocupantes que lhes são características – resultam do padrão excludente dos processos de desenvolvimento, planejamento e gestão das áreas urbanas. Mercados de terras especulativos, sistemas políticos clientelistas e regimes jurídicos elitistas não têm oferecido condições suficientes, adequadas e acessíveis de acesso à terra urbana e à moradia para os pobres, assim provocando a ocupação irregular e inadequada do meio ambiente urbano. Em especial, o papel da ordem jurídica na produção da informalidade urbana precisa ser mais bem compreendido. Por um lado, a definição – por leis e políticas públicas – e a interpretação judicial acerca dos direitos de propriedade de maneira individualista, sem uma preocupação consistente com a materialização do princípio constitucional da função social da propriedade, têm permitido que o padrão do processo de crescimento urbano continue sendo essencialmente especulativo, determinando os processos combinados de segregação socioespacial e degradação ambiental. Por outro lado, tanto a ausência de leis urbanísticas municipais quanto a aprovação (especialmente pelos municípios) de uma legislação urbanística elitista, baseada em critérios técnicos irrealistas e sem considerar os impactos socioeconômicos das normas urbanísticas e regras de construção, têm tido um papel fundamental na determinação dos preços da terra e das propriedades urbanas, alimentando, assim, a dinâmica segregadora do mercado imobiliário. Além disso, deve-se ressaltar a dificuldade de implementação de muitas das leis em vigor, devida, em parte, à limitada capacidade de ação das agências publicas, à falta de informação e educação jurídicas, bem como às difíceis condições de acesso ao poder judiciário para a promoção do reconhecimento dos interesses sociais e ambientais (ROLNIK, 1997, e MARICATO, 1996; 2000). A combinação entre esses processos tem feito com que os lugares dos pobres nas cidades sejam tradicionalmente as áreas periféricas, ou mesmo as áreas centrais não dotadas de infra-estrutura urbanística adequada, e, cada vez mais, áreas não adequadas à ocupação humana ou áreas de pre- 192 servação ambiental. De fato, nos últimos anos, os loteamentos irregulares, ocupações informais e favelas têm se assentado justamente nas áreas ambientalmente mais frágeis, muitas delas protegidas por lei através de fortes restrições ao uso, pelo menos nominalmente – e conseqüentemente desprezadas pelo mercado imobiliário formal. Aula 07 Deve-se ressaltar que, por todas essas razões, a ocupação informal se tornou a maior, senão a única, opção de moradia permitida aos pobres nas cidades, o que não é certamente uma boa opção – em termos urbanísticos, sociais e ambientais – e nem, ao contrário do que muitos pensam, uma opção barata, já que o crescimento das práticas de informalidade e o adensamento das áreas já ocupadas têm gerado custos muito elevados de terrenos e aluguéis nessas áreas. Em outras palavras, os pobres no Brasil têm pagado um preço cada vez mais alto – em muitos sentidos – para viver em condições precárias, indignas e, com freqüência cada vez maior, inaceitáveis. Cidades produzidas informalmente são fragmentadas e como tal sua administração é muito mais cara, sendo que, além de complexos e demorados, os programas de regularização de assentamentos informais são necessariamente muito caros. Em outras palavras, prevenir é muito mais fácil e barato do que regularizar. Os pobres no Brasil têm pagado um preço cada vez mais alto – em muitos sentidos – para viver em condições precárias, indignas e inaceitáveis. Prevenir é muito mais fácil e barato que regularizar. É importante destacar que as taxas de crescimento informal têm sido maiores do que as taxas de crescimento urbano e as taxas de crescimento da pobreza, o que claramente demonstra que há uma série de fatores a serem considerados quando da formulação de políticas publicas que se disponham a enfrentar o fenômeno. Os programas de regularização Na falta de uma política nacional sobre a questão até muito recentemente, desde meados da década de 80, quando as experiências pioneiras de Belo Horizonte e Recife foram iniciadas, diversos municípios têm, sempre com muita dificuldade, tentado formular políticas e programas de regularização para o enfrentamento dos processos de desenvolvimento urbano informal. 193 O termo “regularização” tem sido usado pelas diversas municipalidades com sentidos diferentes, referindo-se, em muitos casos, somente à urbanização das áreas informais, isto é, aos programas de implementação de obras de infra-estrutura urbana e prestação de serviços públicos. Em outros casos, o termo tem sido usado para se referir tão somente a políticas de legalização fundiária das áreas e dos lotes ocupados informalmente. Algumas experiências mais compreensivas têm tentado combinar em alguma medida essas duas dimensões fundamentais, quais sejam urbanização e legalização. São ainda mais raros os programas que têm se proposto a promover a regularização das construções informais. Muitos têm sido os argumentos historicamente utilizados, de maneira isolada ou combinada, para justificar a formulação de tais programas, incluindo desde princípios religiosos, éticos e humanitários a diversas razões político-econômicas e socioambientais. Mais recentemente, esse “discurso de valores” se tornou ainda mais forte, na medida em que encontra suporte pleno em um “discurso de direitos”, já que a ordem jurídica nacional – consolidando o capítulo constitucional sobre política urbana, através do Estatuto da Cidade, da Medida Provisória no. 2.220/2001 e da Lei Federal no. 11.481/2007 – finalmente reconheceu o direito social à moradia – de base constitucional – dos ocupantes de assentamentos informais. Tal direito social deve ser entendido aqui em sentido amplo, isto é, o direito de todos a viverem em condições dignas e adequadas das perspectivas jurídica, urbanística e ambiental. De fato, se a Constituição Federal de 1988 já reconheceu os direitos coletivos ao planejamento urbano, ao meio ambiente equilibrado e à gestão democrática das cidades, atualmente tem sido feito, no Brasil e internacionalmente, todo um esforço jurídico-político no sentido de construir as bases de um amplo “direito à cidade”, de forma a garantir que todos possam participar de maneira mais justa dos benefícios e oportunidades criados pelo crescimento urbano. Em outras palavras, os programas de regularização fundiária devem ter por objetivo não apenas o reconhecimento da segurança individual da posse para os ocupantes, mas principalmente a integração socioespacial dos assentamentos informais e seus moradores. Políticas sustentáveis de regularização são as que, ao combinarem urbanização e legalização com políticas de geração de emprego e renda, busquem equilíbrio entre os interesses dos moradores e os interesses coletivos. 194 Entretanto, a falta de compreensão acerca da natureza e dinâmica dos processos de produção da informalidade urbana tem levado a todo tipo de problemas e distorções, sendo que, com freqüência, os programas de regularização acabam por reproduzir a informalidade urbana, ao invés de promoverem a devida integração socioespacial dos assentamentos informais. Nesse contexto, é importante destacar que as políticas sustentáveis de regularização são aquelas que, combinando as dimensões de urbanização e legalização com outras políticas socioeconômicas que visem à geração de emprego e renda, também busquem um equilíbrio entre os interesses individuais dos moradores dos assentamentos e os interesses coletivos da cidade. Aula 07 Há no Brasil hoje três situações principais de informalidade que, gerando efeitos jurídicos distintos, devem ser tratadas de formas diferentes: situações nas quais os moradores têm direitos próprios, subjetivos (individuais e/ou coletivos), à regularizacão; situações nas quais o Poder Publico detém o poder discricionário de determinar a conveniência e as condições da regularização; e situações nas quais, por não envolverem comunidades pobres, não se constitui uma ordem jurídica de “interesse social”. Em todas essas situações, o lugar dos municípios é central, através da formulação de políticas de ordenamento territorial, leis urbanísticas e programas de regularização de assentamentos informais. Lições do debate internacional sobre a regularização Não se pode esquecer que, ao longo dos últimos vinte a trinta anos, não somente no Brasil, mas também em diversos países em desenvolvimento onde o mesmo problema da ocupação informal tem ocorrido e crescido – e onde um volume enorme de recursos financeiros também tem sido investido no sentido de solucioná-lo –, uma significativa corrente de pesquisa acadêmica e institucional tem constantemente avaliado os principais problemas dos programas de regularização. Em 1999, o Programa Saiba mais sobre o Programa Habitat da ONU em http://www. Habitat da Organização das Nações unchs.org/ (em inglês). Unidas lançou a importante Campanha Para informações mais detalhadas sobre a América Latina, consulte http://www.unhabitat-rolac.org/ (em espanhol). Global pela Segurança da Posse. É im- (Endereços acessados em 07/04/2008.) portante que os formuladores de novas políticas e programas de regularização aprendam com as lições das experiên- @ 195 cias passadas. Precisamos todos fazer uma discussão ampla e crítica da questão, pois, afinal, não há necessidade de estarmos constantemente inventando a roda. Formulando as perguntas corretas Dentre as principais lições das experiências internacionais, deve-se ressaltar que a formulação e avaliação dos programas de regularização, bem como a análise dos aspectos práticos e metodológicos do desenho dos projetos de regularização e de sua implementação, dependem fundamentalmente da compreensão da natureza e da dinâmica dos processos que produzem a informalidade urbana. De fato, a condição para que os programas de regularização sejam formulados de forma adequada é que a discussão sobre tais programas precisa ser apoiada na compreensão prévia dos processos socioeconômicos e jurídico-políticos que produzem a informalidade urbana. Para tanto, é preciso promover uma leitura interdisciplinar da questão, combinando as perspectivas econômica, política, social, institucional e técnica – bem como colocando ênfase em sua dimensão jurídica. Em especial, é preciso que os administradores públicos tentem refletir sobre, e responder, algumas questões principais antes de fazerem suas propostas – já que são as respostas a tais perguntas que vão determinar a natureza e o alcance efetivo dos programas de regularização: •• Como são produzidos os assentamentos informais? •• Por que é importante regularizá-los? •• Quando devem os programas de regularização ser formulados e implementados? •• Que áreas devem ser regularizadas? •• O que deve ser feito nas áreas onde, por alguma razão, não couber a regularização? •• Como devem os programas de regularização ser formulados e implementados? •• Que direitos devem ser reconhecidos aos ocupantes de assentamentos informais? •• Quem deve pagar, e como, pelos programas de regularização? •• O que deve acontecer depois da regularização das áreas? 196 Essas são algumas das principais questões a serem enfrentadas pelos administradores públicos. Aula 07 A natureza curativa dos programas de regularização Acima de tudo, deve-se reconhecer que os programas de regularização têm natureza essencialmente curativa e não podem ser dissociados de um conjunto mais amplo de políticas públicas fundiárias e habitacionais, diretrizes de planejamento e estratégias de gestão urbana destinadas a reverter o atual padrão excludente de crescimento urbano. Por um lado, é preciso ampliar o acesso ao mercado formal – isto é, a lotes com serviços e/ou a unidades habitacionais – a uma parcela mais ampla da sociedade, sobretudo os grupos de renda média-baixa, ao lado da reserva de áreas adequadas para habitação de interesse social e oferta de subsídios públicos significativos para as faixas da menor renda (especialmente entre três a cinco salários mínimos). Por outro lado, é preciso rever os modelos urbanísticos que têm sido utilizados pelos municípios, de forma a adaptá-los às realidades socioeconômicas do País e à limitada capacidade de ação institucional das agências públicas. Nesse contexto, as políticas de regularização fundiária não podem ser formuladas de maneira isolada e necessitam ser combinadas com outras políticas públicas preventivas para quebrar o ciclo de exclusão que tem gerado a informalidade. Isso requer intervenção direta e investimento público, sobretudo por parte dos municípios, para produzir opções de moradia, democratizar o acesso à terra e promover uma reforma urbana ampla. Regularizar sem interromper o ciclo de produção da irregularidade acaba implicando, além do sofrimento renovado da população, uma demanda de recursos públicos infinitamente maior. Além disso, em muitos casos o ciclo perverso que leva da informalidade à regularização tem reafirmado e ampliado as bases da política clientelista tradicional, responsável em grande parte pela própria produção do fenômeno da informalidade. Em outros casos, a inadequação ou mesmo o fracasso dos programas tem facilitado o surgimento de novos pactos sociais que, sobretudo no contexto das áreas controladas pelo tráfico de drogas e pelo crime organizado, estão, cada vez mais, desafiando as estruturas políticoinstitucionais oficiais, bem como as bases e a validade da ordem jurídica. 197 Condições básicas para a regularização De qualquer forma, ainda que não devam ser concebidos marginalmente ou somente através de políticas setoriais, os programas de regularização têm uma importância em si mesmos. Para serem bem sucedidos, tais programas devem combinar em alguma medida as ações de urbanização e as estratégias de legalização. Além disso, para serem bem sucedidos, os programas de regularização requerem: •• coragem na tomada de decisões; •• tempo de execução; •• investimento significativo; •• continuidade de ações; •• participação popular em todas as suas etapas; •• a devida integração entre seus objetivos e os instrumentos adotados, bem como entre os programas e as leis existentes e especialmente aprovadas. A questão da legalização No que toca à dimensão da legalização fundiária, tais programas devem ter por objetivo não apenas o reconhecimento da segurança individual da posse para os ocupantes, mas principalmente a integração socioespacial dos assentamentos informais. Isso significa que a identificação dos direitos a serem reconhecidos aos ocupantes deve refletir esse objetivo principal, bem como a necessidade de se compatibilizar objetivos, estratégias e instrumentos. 198 Ainda no tocante aos instrumentos jurídicos a serem utilizados, mesmo que a divisão entre direito público/direito privado tenha que ser sempre considerada em alguma medida devido às implicações distintas das propostas em função do regime de propriedade original das áreas ocupadas, é preciso que os formuladores de programas de regularização se lembrem de que há um leque amplo de opções jurídico-políticas a serem consideradas, além dos direitos individuais de propriedade plena. Sobretudo, é preciso destacar que a materialização do direito social de moradia, tal como consagrado constitucionalmente, não implica necessariamente o reconhecimento de direitos individuais de propriedade, sobretudo nos assentamentos em áreas públicas. A verdade é que, no Brasil e internacionalmente, os programas de regularização baseados na legalização através de títulos de propriedade individual plena não têm sido totalmente bem sucedidos, já que não têm se prestado a garantir a permanência das comunidades nas áreas ocupadas, deixando, assim, de promover a desejada integração socioespacial. Em muitos casos, mesmo na ausência da legalização de áreas consolidadas e dos lotes ocupados, os ocupantes se encontram efetivamente menos expostos às ameaças de despejo e/ou remoção, e os assentamentos informais têm recebido serviços públicos e infra-estrutura urbanística em alguma medida, sendo que muitos moradores têm tido acesso a diversas formas de crédito informal, ou mesmo de crédito formal em alguns casos. Contudo, ainda que a combinação desses fatores gere uma percepção de posse para os ocupantes, isso não quer dizer que a legalização dessas áreas e lotes não seja importante. Aula 07 Títulos são importantes, sobretudo quando há conflitos, sejam eles conflitos de propriedade, conflitos domésticos e familiares, conflitos de direito de vizinhança, etc. Além de oferecerem proteção jurídica contra ameaças de despejos, títulos também são importantes para emque se reconheçam direitos -sócio-políticos e para garantir que os ocupantes dos assentamentos informais possam permanecer nas áreas que ocupam, sem risco de serem expulsos pela ação do mercado imobiliário, por mudanças políticas que quebrem o pacto gerador da percepção de segurança de posse, pela pressão do crime organizado, etc., como tem acontecido em diversas favelas e loteamentos irregulares brasileiros. Contudo, quando da formulação dos programas de legalização e da definição do tipo de direito a ser reconhecido aos ocupantes, é necessário compatibilizar a promoção da segurança individual da posse com outros interesses sociais e ambientais, bem com o devido reconhecimento do direito social de moradia – que, novamente, não se reduz tão somente ao direito individual de propriedade plena. Regularização fundiária e erradicação da pobreza Além disso, é preciso salientar que, ainda que os programas de regularização estejam sendo propostos por diversas agências internacionais com a finalidade de promover a erradicação da pobreza urbana, a experiência brasileira e a internacional têm mostrado que, para terem impacto efetivo sobre a pobreza social, os programas de regularização precisam ser 199 formulados em sintonia com outras estratégias socioeconômicas e político-institucionais especificamente voltadas para a erradicação da pobreza, sobretudo através da criação de emprego e renda. Acima de tudo, para serem bem sucedidos, tais programas de regularização precisam ser combinados com, e apoiados por, um conjunto de processos e mecanismos de várias ordens: financeira, institucional, planejamento urbano, políticas de gênero, administração e gestão fundiária, sistemas de informação, outros instrumentos jurídicos, processos políticos e, processos de mobilização social. Processos e mecanismos que dão suporte aos programas de regularização Dentre os processos financeiros que têm sido considerados no Brasil e internacionalmente para dar o devido suporte aos programas de regularização, devem ser mencionados: •• a criação de fundos financeiros (fundos para os pobres; fundos comunitários); •• empréstimos (esquemas de orientação social); •• programas de hipoteca comunitária; •• incentivos ao setor privado e comunitário; e •• mecanismos de reforma do sistema bancário e financeiro, sobretudo de forma a garantir melhores condições de acesso ao crédito formal. Já os processos institucionais propostos incluem cooperação sistemática entre agências públicas em todos os níveis governamentais; melhor cooperação intergovernamental; estratégias de descentralização; criação de parcerias entre o setor público e o setor privado; participação comunitária; capacitação administrativa e fiscal, bem como a ação de consultores comunitários e de acadêmicos. 200 Fundamental é utilizar as possibilidades e recursos do planejamento urbano de forma a promover o pleno reconhecimento e a integração dos assentamentos informais pelo sistema geral de planejamento. O uso democrático dos processos e instrumentos do planejamento requer a criação, no contexto do zoneamento municipal, de ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), com vistas, sobretudo, a minimizar a pressão do mercado imobiliário, visando garantir a permanência dos ocupantes nas áreas regularizadas. Além disso, é preciso promover a revisão das regulações urbanísticas e dos parâmetros construtivos em tais zonas, bem como, sempre no contexto mais amplo do sistema de planejamento urbano, a exploração dos chamados “ganhos do planejamento”, como a transferência do direito de construir, sobretudo através das negociações urbanas e operações interligadas. Também é importante que os programas de regularização incorporem uma dimensão de gênero, de forma a confrontar o desequilíbrio histórico e cultural e a permitir o empoderamento das mulheres. Aula 07 Outra dimensão fundamental é a da administração e gestão fundiárias, requerendo sistemas cadastrais acessíveis, remoção dos obstáculos cartorários, identificação da propriedade e avaliação fundiária regular. Há controvérsias quanto às estratégias propondo a criação de bancos de terras ou quanto àquelas baseadas exclusivamente na desapropriação e aquisição de terras. Programas de regularização devem ser acompanhados por sistemas de informação, seja no sentido de produzir informações (identificação de regimes de posse; análise e revisão de políticas), seja no sentido de provê-las (planejamento baseado em informação, descentralização do planejamento e gestão, criação de centros abertos de recursos, etc.). Outras questões e instrumentos jurídicos relacionados a programas de regularização incluem a revisão das leis municipais de loteamento, o enfrentamento do falso dilema entre valores sociais e ambientais e a revisão dos sistemas de resolução de conflitos, de forma a torná-los mais eficazes e justos. Tais programas têm necessariamente que ter suporte em processos políticos caracterizados pelos critérios da boa governança urbana: transparência, prestação de contas e participação popular, e especialmente revelar um enfoque “de baixo para acima”, de forma a materializar a proposta constitucional de democratização das estratégias de gestão urbana. Por fim, deve ser dito que, em última análise, o sucesso dos programas de regularização de assentamentos informais requer a renovação dos processos de mobilização social e o fortalecimento da capacidade das associações de moradores e das ONGs, que, mais do que nunca, devem enfatizar a implementação dos programas e o cumprimento dos direitos: a verdade é que há muitas políticas e programas propostos. 201 O novo contexto brasileiro a partir do Estatuto da Cidade i No dia 10 de julho de 2001, foi aprovada a Lei Federal no 10.257, chamada Estatuto da Cidade, que regulamentou o capítulo original sobre política urbana que tinha sido aprovado pela Constituição Federal de 1988. A nova lei se propôs a dar suporte jurídico mais inequívoco à ação dos governos municipais empenhados no enfrentamento das graves questões urbanas, sociais e ambientais, que têm diretamente afetado a vida da enorme parcela de brasileiros que vivem em cidades. Reconhecendo o papel fundamental dos municípios na formulação de diretrizes de planejamento urbano e na condução do processo de gestão das ciPara uma avaliação mais detalhada sobre o Estatuto dades, o Estatuto da Cidade não só conda Cidade, indicamos a leitura de MATTOS, Liana solidou o espaço da competência jurídica Portilho (org.). Estatuto da Cidade Comentado. e da ação política municipal aberto pela Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. Constituição de 1988, como também o ampliou sobremaneira, sobretudo no que toca à questão da regularização fundiária. Até a aprovação do capítulo constitucional sobre política urbana (artigos 182 e 183 da Constituição Federal), além dos diversos problemas de ordem técnica, financeira e político-institucional existentes, havia também muitos obstáculos de ordem jurídica à devida implementação dessas políticas e desses programas de regularização. Com o subseqüente reconhecimento constitucional do direito à moradia como um direito social (Emenda no 26, de 14 de fevereiro de 2000) e, mais recentemente, com a aprovação do Estatuto da Cidade (acompanhado pela Medida Provisória no 2.220, de 4 de setembro de 2001 e recentemente pela Lei Federal no 11.481/2007), a ordem jurídica aplicável à questão dos assentamentos informais foi bastante aprimorada, sendo que muitos dos principais obstáculos legais às políticas de regularização foram removidos. Desde então, um número crescente de municípios tem começado a formular políticas e programas de regularização de assentamentos informais; um número ainda maior de municípios tem aprovado e implementado seus Planos Diretores, em cumprimento às disposições do Estatuto da Cidade. A nova lei federal tem quatro dimensões fundamentais, quais sejam: 1. consolida a noção da função social e ambiental da propriedade e da cidade como o marco conceitual jurídico-político para o Direito Urbanístico; 202 2. regulamenta e cria novos instrumentos urbanísticos para a construção de uma ordem urbana socialmente justa e includente pelos municípios; Aula 07 3. aponta processos político-jurídicos para a gestão democrática das cidades e, 4. de forma a materializar o direito social de moradia, propõe diversos instrumentos jurídicos – notadamente o usucapião especial urbano, a concessão de direito real de uso e a concessão de uso especial para fins de moradia –, para a regularização fundiária dos assentamentos informais em áreas urbanas municipais. Dessa forma, a aprovação do Estatuto da Cidade consolidou a ordem constitucional quanto ao controle jurídico do processo de desenvolvimento urbano, visando reorientar a ação do poder público, do mercado imobiliário e da sociedade de acordo com novos critérios econômicos, sociais e ambientais. Sua efetiva materialização em leis e políticas públicas, contudo, vai depender de vários fatores. A utilização dos novos instrumentos jurídico-urbanísticos e a efetivação das novas possibilidades de ação pelos municípios, inclusive com a finalidade de promover a regularização fundiária, depende fundamentalmente da definição prévia de uma ampla estratégia de planejamento e ação pelos municípios, expressando um “projeto de cidade” que tem necessariamente de ser explicitado publicamente através da legislação urbanística municipal, começando com a lei do Plano Diretor. Nesse contexto, é fundamental que os municípios promovam ampla reforma de suas ordens jurídicas e políticas publicas de acordo com os novos princípios constitucionais e legais, de forma a aprovar um quadro de leis urbanísticas e programas de ação condizentes com o paradigma da função social e ambiental da propriedade e da cidade. Também é preciso que os municípios promovam uma reforma compreensiva de seus processos de gestão político-institucional, político-social e político-administrativa, visando efetivar e ampliar as possibilidades de gestão participativa reconhecidas pelo Estatuto da Cidade, bem como de forma a proceder à devida integração entre planejamento, legislação e gestão urbana para democratizar o processo de tomada de decisões e, assim, legitimar plenamente uma nova ordem jurídico-urbanística de natureza social. Contudo, de crucial importância para que o Estatuto da Cidade “pegue” é a ampla e renovada mobilização da sociedade brasileira, dentro e fora do aparato estatal. Afinal, as leis só “pegam” quanto há uma “pega” adequada no processo político-social mais amplo. 203 Conclusão Desde a aprovação do Estatuto da Cidade, o papel estratégico do Governo Federal – essencialmente, de apoio aos municípios – nesse sentido tem sido cumprido de maneira cada mais vez significativa. Novas leis federais importantes já foram aprovadas e/ou estão sendo discutidas (Parcerias Público-Privado; Consórcios Públicos; Fundo de Habitação de Interesse Social; Patrimônio Publico; revisão da Lei de Parcelamento do Solo Urbano); um programa nacional foi criado em 2003 pelo Ministério das Cidades para apoio à regularização fundiária sustentável, com recursos financeiros crescentes, sobretudo no contexto do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento); e diversas iniciativas de capacitação dos municípios, categorias profissionais e da sociedade mais ampla já foram empreendidas. Mais do que nunca, cabe aos municípios e às comunidades urbanas promover a materialização do novo paradigma constitucional através da reforma da ordem jurídico-urbanística, visando promover o controle do processo de desenvolvimento urbano através da formulação de políticas de ordenamento territorial nas quais os interesses individuais dos proprietários de terras e construções urbanas necessariamente co-existam com outros interesses sociais, culturais e ambientais de outros grupos e da cidade como um todo. Para tanto, foi dado ao poder público municipal o poder de, através de leis, políticas publicas e diversos instrumentos urbanísticos, determinar a medida desse equilíbrio – possível – entre interesses individuais e coletivos quanto à utilização do solo urbano. A questão da regularização fundiária dos assentamentos informais é certamente um dos elementos centrais dessa equação. 204 Nesse contexto, a devida utilização das possibilidades abertas pela nova lei para o enfrentamento dos processos de produção da informalidade urbana depende fundamentalmente da compreensão pelos administradores públicos de seu significado e alcance no contexto da ordem jurídica, sobretudo no que toca à nova concepção – proposta pela Constituição Federal e consolidada pelo Estatuto da Cidade – dada ao direito de propriedade imobiliária urbana, qual seja, o princípio da função social e ambiental da propriedade e da cidade. Rompendo de vez com a tradição civilista e com a concepção individualista do direito de propriedade imobiliária, que têm orientado grande parte da doutrina jurídica e das interpretações dos tribunais ao longo do processo de urbanização intensiva, e culminando, assim, um processo de reforma jurídica que começou na década de 1930, o que a Constituição de 1988 e o Estatuto da Cidade propõem é uma mudança do paradigma conceitual de reconhecimento e interpretação desse direito. Uma reflexão final diz respeito ao papel crucial dos operadores do Direito – advogados, professores, juízes, defensores públicos, promotores de justiça, procuradores e estudantes – nesse processo. Em grande medida o sucesso – ou não – da nova lei vai depender da ação dos juristas brasileiros. Refletindo as tensões do longo processo político-social que o engendrou, bem como a precariedade inerente ao processo legislativo no Brasil, o Estatuto da Cidade (assim como a Medida Provisória no. 2.220/01) tem lá seus problemas jurídicos – que vão da ordem da (má) técnica legislativa em alguns casos à (im)precisão de certos conceitos – e com certeza vai gerar interpretações doutrinárias e judiciais contraditórias. O grande desafio colocado para os juristas brasileiros – naturalmente, aqueles que compreendem a necessidade de se colocar o Direito no mundo da vida - é construir um discurso jurídico sólido, que faça uma leitura teleológica dos princípios constitucionais e legais, integrando os novos direitos sociais e coletivos à luz do marco conceitual consolidado pelo Estatuto da Cidade, de forma a dar suporte jurídico adequado às estratégias político-institucionais de gestão urbano-ambiental comprometidas com a plataforma da reforma urbana. Aula 07 Promover a inclusão social pelo direito: eis o desafio colocado para os juristas brasileiros. Não é mais possível interpretar as graves questões urbanas e ambientais exclusivamente com a ótica individualista do Direito Civil. Identificar problemas jurídicos formais e apontar inconstitucionalidades é uma tarefa fácil, ainda que lucrativa. Difícil – porém urgente – é construir novos argumentos jurídicos que sejam sólidos e consistentes não só da perspectiva da legitimidade político-social, mas também da perspectiva da legalidade. Não podemos mais continuar fazendo apenas o discurso dos valores – temos de construir um discurso dos direitos, que dê suporte às novas estratégias político-institucionais de gestão democrática e inclusão social que diversos municípios têm tentado formular e implementar em todo o País. Promover a inclusão social pelo direito: eis o desafio colocado para os juristas brasileiros. Não é mais possível interpretar as graves questões urbanas e ambientais exclusivamente com a ótica individualista do Direito Civil; da mesma forma, não é mais possível buscar tão somente no Direito Administrativo tradicional (que com freqüência reduz a ordem pública à ordem estatal) os fundamentos para as novas estratégias de gestão municipal e de parcerias entre os setores estatal, comunitário, voluntário e privado. 205 O papel de todos, gestores urbanos municipais e juristas, construindo as bases sociais e coletivas do Direito Urbanístico é fundamental nesse processo de reforma jurídica e reforma urbana, que passa necessariamente pela regularização dos assentamentos informais, para que sejam revertidas as bases dos processos de espoliação urbana e destruição socioambiental que têm caracterizado o crescimento urbano no Brasil. Se precisar de ajuda, peça orientações ao seu tutor, que está preparado(a) para atendê-lo por telefone ou e-mail. Participe, também, do fórum de discussão relativo a essa aula. Propomos a seguinte atividade de pesquisa individual: 1) Por que é importante combinar as políticas pú blicas curativas com as preventivas? Por que é tão difícil colocar esta idéia em prática no cotidiano? 2) Identifique no seu município ou no município objeto do seu estudo, se existe programa de regulari- zação fundiária? 206 Na Aula 8, iremos debater sobre algumas das questões consideradas mais comuns a todos os processos de regularização fundiária no Brasil. Bibliografia Aula 07 ALFONSIN, Betânia de Moraes . Direito à moradia: instrumentos e experiências de regularização fundiária nas cidades brasileiras. Rio de Janeiro: FASE/IPPUR, 1997. ______ . “Políticas de regularização fundiária: justificação, impactos e sustentabilidade”. In Fernandes, Edésio (org.). Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. ______ . FASE, ETAPAS & Centro Josué de Castro. Uma política inovadora de urbanização no Recife - 10 anos do PREZEIS. Recife: FASE/ ETAPAS/Centro Josué de Castro, 1999. ______ . FASE, ETAPAS, Centro Josué de Castro, DED & GTZ. PREZEIS: O olhar dos moradores. Recife: FASE/ETAPAS/Centro Josué de Castro/DED/GTZ, 2000. FERNANDES, Edésio. 2007 “A função social do registro imobiliário” (com Betânia de Moraes Alfonsin). In: 36 Fórum de Direito Urbano e Ambiental. ______ . “A Nova Ordem Juridico-Urbanistica no Brasil”. In: 02 Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, 2005. ______ . “A regularização de favelas: o caso de Belo Horizonte”. In: Fernandes, Edésio (org.) Direito Urbanístico. Belo Horizonte: Del Rey, 1998a. ______ . “A regularização jurídica das favelas no Brasil”. In: Saule Jr., Nelson (org.). Direito à Cidade. São Paulo: Max Limonad/Polis, 1999. ______ . Brazil Urbano (organizador com Marcio Moraes Valença). Rio de Janeiro: Maudad, 2005. ______ . “Direito e Gestão na Construção da Cidade Democrática no Brasil”. In: Brandão, Carlos Antonio Leite (org.). As Cidades da Cidade. Belo Horizonte: UFMG, 2006. ______ . Direito e Governança: tendências da gestão urbano-ambiental e a reforma do setor publico (org.). Belo Horizonte: Escola de Governo da Fundação João Pinheiro, 2000. ______ . “Direito e urbanização no Brasil”. In: Fernandes, Edésio (org.). Direito Urbanístico. Belo Horizonte: Del Rey, 1998b. 207 ______ . Direito Urbanístico (org.). Belo Horizonte: Del Rey, 1998. ______ . Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil (org.). Belo Horizonte: Del Rey, 2001. ______ . “Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil”. In: Fernandes, Edésio (org.). Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001a. ______ . Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais (organizador com Betânia de Moraes Alfonsin). Belo Horizonte: Del Rey, 2006. ______ . “Do Código Civil ao Estatuto da Cidade: algumas notas sobre a trajetoria do Direito Urbanístico no Brasil”. In: Wagner Junior, Luiz Guilherme da Costa (org.). Direito Publico – Estudos em Homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. ______ . “Estatuto da Cidade: Promovendo o Encontro das Agendas “Verde” e “Marrom””. In: Ferreira, Heline Sivini e Leite, Jose Rubens Morato (orgs.). Estado de Direito Ambiental: Tendências - Aspectos Constitucionais e Diagnósticos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. ______ . “Legalizando o Ilegal”. In: Brandão, Carlos Antonio Leite (org.). As Cidades da Cidade. Belo Horizonte: UFMG, 2006. ______ . “Perspectivas para a regularização fundiária em favelas à luz do Estatuto da Cidade”. In: Temas de Direito Urbanístico 3. São Paulo: CAOHURB/Ministério Público de São Paulo/Imprensa Oficial, 2001b. ______ . “Politica Nacional de Regularização Fundiária: contexto, propostas e limites”. In: 56 Revista de Direito Imobiliário, 2004. ______ . “Políticas de Regularização Fundiária: Confrontando o Processo de Crescimento Informal das Cidades Latino-Americanas”. In: 06 Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, 2006. ______ . “Programas de Regularização em Áreas Urbanas: Estado do Conhecimento”. In: 09 Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, 2007. ______ . 2007 “Reforma urbana e reforma jurídica no Brasil: duas questões para reflexão”. In: 34 Forum de Direito Urbano e Ambiental. ______ . “Perspectivas para a renovação das políticas de legalização de favelas no Brasil”. In: Cadernos IPPUR, Vol. XV, No. 1, Jan/Jun. Rio de Janeiro: IPPUR/UFRJ, 2001c. 208 ______ . Cidade, memória e legislação (organizador com Jurema Rugani). Belo Horizonte: IAB, 2002. Aula 07 ______ . “Legalização de favelas em Belo Horizonte: um novo capítulo na história?”. In: Mosaico, Ano 1, No. 0, Fev. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2002a. ______ . “Do Código Civil de 1916 ao Estatuto da Cidade: algumas notas sobre a trajetória do Direito Urbanístico no Brasil”. In: Mattos, Liana Portilho (org.). Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002b. ______ . “Desenvolvimento sustentável e política ambiental no Brasil: confrontando a questão urbana”. In: Lima, André (org.). O Direito para o Brasil Socioambiental. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor/Instituto Socioambiental, 2002c. ______ . “Providing security of tenure for the urban poor: the Brazilian experience”. In: Durand-Lasserve, Alain & Royston, Lauren (orgs.). Holding their Ground – Secure land tenure for the urban poor in developing countries. London: Earthscan, 2002d. ______ . “Combining tenure policies, urban planning and city management in Brazil”. In: Payne, Geoffrey (org.). Land, Rights and Innovations – Improving tenure security for the urban poor. London: Intermerdiate Development Technology Group, 2002e. ______ . A Lei e a Ilegalidade na produção do espaço urbano (organizador com Betânia de Moraes Alfonsin). Belo Horizonte: Del Rey, 2003. ______ . Direito de Moradia e Segurança da Posse no Estatuto da Cidade (organizador com Betânia de Moraes Alfonsin). Belo Horizonte: Fórum, 2004. ______ . “Impacto ambiental em areas urbanas sob a perspectiva juridica”. In: Mendonca, Francisco (org.). Impactos Socioambientais Urbanos. Curitiba: Editora UFPR, 2004. ______ . “Estatuto da Cidade: Promovendo o encontro das agendas “verde” e “marrom”. In: Steinberger, Marilia (org.). Território, ambi ente e políticas públicas espaciais. Brasília: Paralelo 15/LGE, 2006. FERNANDES, Edésio & ROLNIK, Raquel. “Law and Urban Change in Brazil”. In: Fernandes, Edésio & Varley, Ann (orgs.). Illegal Cities - Law 209 and Urban Change in Developing Countries. London: Zed Books, 1998. MARICATO, Ermínia. “As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias”. In: Arantes, Otilia et AL. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000. ______ . Metrópole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência. São Paulo: Hucitec, 1996. MATTOS, Liana Portilho (org.). Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. ROLNIK, Raquel. A Cidade e a Lei. São Paulo: Studio Nobel, 1997. 210 Você estudará nesta aula as questões mais comuns a todos os processos de regularização fundiária. Veremos quais são as necessidades concretas relativas a diagnóstico, coleta de informações, procedimentos legais e administrativos para o bom encaminhamento do licenciamento e regularização de assentamentos urbanos de interesse social. Veremos os principais instrumentos legais para isto e as dificuldades mais freqüentes com que as equipes gestoras se deparam no seu trabalho. Aula 08 A regularização fundiária plena: questões comuns a todos os processos Denise Gouvêa Sandra Ribeiro Assim como em Saudosa Maloca, Adoniran Barbosa (1910-1982) aborda neste samba o tema da desapropriação. Com lirismo e em tom de denúncia, a letra destaca a impotência dos moradores da favela diante da figura da autoridade. O cantor e compositor foi um dos melhores cronistas da rápida expansão urbana de São Paulo, que expulsou os moradores mais pobres para habitações precárias na periferia. Você pode escutar este samba no AVEA. DESPEJO NA FAVELA - Adoniran Barbosa Quando o oficial de justiça chegou Lá na favela E contra seu desejo entregou pra seu Narciso um aviso pra uma ordem de despejo Assinada seu doutor Assim dizia a petição dentro de dez dias quero a favela vazia e os barracos todos no chão É uma ordem superior, Ôôôôôôôô Ô meu senhor, é uma ordem superior Não tem nada não seu doutor, não tem nada, não Amanhã mesmo vou deixar meu barracão Não tem nada, não, seu doutor vou sair daqui pra não ouvir o ronco do trator Pra mim não tem problema em qualquer canto me arrumo de qualquer jeito me ajeito Depois o que eu tenho é tão pouco minha mudança é tão pequena que cabe no bolso de trás Mas essa gente aí hein como é que faz? ÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔ meu senhor mas essa gente aí, hein como é que faz? Fonte: http://cifrantiga3.blogspot.com (endereço acessado em 07/04/2008) 214 Introdução Aula 08 Esta aula pretende refletir sobre os processos de regularização fundiária realizados pelos municípios, estados e União, pois existe carência de estudos que detalhem o passo a passo operacional da regularização fundiária. Pretende-se, portanto, destacar algumas das questões consideradas mais comuns a todos os processos de regularização fundiária. Este texto foi elaborado a partir do Manual de Regularização Fundiária do MCidades (2007), do qual as autoras participaram da coordenação. Destaca-se ainda que a implementação e o detalhamento de cada uma das questões levantadas dependerá muito das peculiaridades locais e das condições dos levantamentos, planos e projetos já existentes. Articulação política e estratégias de gestão para promoção da regularização fundiária A formulação e a implementação dos programas de regularização fundiária é uma necessidade há muito sentida pelos municípios brasileiros, que encontram toda ordem de obstáculos para efetivar a regularização fundiária plena em assentamentos informais de interesse social, principalmente em função da fragilidade técnico-institucional e da vulnerabilidade política das gestões municipais. São poucos os municípios que possuem uma estrutura própria de gestão para os processos de regularização. Muitas vezes, além do município não ter uma política voltada para a regularização, a estrutura institucional existente é totalmente fragmentada, propiciando processos demorados e pontuais. Considerando o quadro da informalidade no País e os graves impactos que tem causado às nossas cidades, é importante tomar providências e procedimentos mais ágeis para o enfrentamento efetivo da questão. Neste sentido, uma estrutura institucional clara, com a criação de equipe multidisciplinar que tenha competência definida, poderá agilizar o processo, enfrentando as várias dimensões deste fenômeno. Para a regularização fundiária ser plena, é importante que inclua também ações de urbanização, ambientais e sociais. Deve proporcionar ao cidadão endereço, identidade, acesso a infra-estrutura básica, equipamentos coletivos e transporte. 215 Não basta, na regularização fundiária, o reconhecimento e a segurança na posse – a regularização dominial, para viabilizar a titulação da área e do lote. Para a regularização fundiária ser plena, é importante que compreenda também ações de urbanização, ambientais e sociais. Ela deve proporcionar ao cidadão endereço, identidade, acesso a serviços de infraestrutura básica, equipamentos coletivos e transporte. Além disso, deve propiciar a transformação da economia informal em economia formal, permitindo o acesso dos moradores ao crédito, para melhoria de suas habitações, e, portanto, permitindo ao cidadão sua integração à cidade, o direito à moradia digna e à cidadania plena. Os municípios precisam também adequar as suas leis de uso, ocupação e parcelamento do solo urbano aos Planos Diretores e não encontram respaldo na legislação urbanístico-ambiental federal. Passam vários anos para licenciar a regularização de assentamentos informais porque são muitos os entraves burocráticos legais, principalmente quanto à integração do licenciamento urbanístico com o ambiental. São comuns os conflitos de competências entre os entes federativos e as sobreposições de análises e procedimentos entre os órgãos institucionais ambientais e os órgãos municipais que tratam do licenciamento urbanístico. Os municípios carecem, na maioria dos casos, de procedimentos básicos operacionais e de ordenamento específico para a regularização fundiária urbana. É importante ainda a articulação das diferentes políticas e a integração intersetorial dos órgãos institucionais municipais com os diferentes entes federativos envolvidos, para que não haja repetição de ações e conflitos, tornando a regularização cada vez mais cara. O reconhecimento dessas ações deve ser concretizado com a distribuição de recursos orçamentários adequados ao tamanho do problema. A formação de parcerias públicoprivadas é essencial para captar recursos e para análise e proposição. Ressalte-se a importância da parceria e da estratégia adequada para a permanente participação social em todo o processo de regularização fundiária, como base de sustentação da gestão democrática participativa. Marco legal da regularização fundiária A Constituição Federal de 1988, no seu art 6º, definiu o direito à moradia digna como um direito fundamental. No seu art 5º, também instituiu a necessidade de que a propriedade cumpra sua função social. No artigo 182, estabeleceu que a política de desenvolvimento urbano, com- 216 petência do poder público municipal, tem por objetivo ordenar o desenvolvimento das funções sociais da cidade e que o Plano Diretor é o instrumento básico para a definição da função social da propriedade. No artigo 183, tratou da garantia do direito à moradia, estabelecendo as condições em que a posse confere ao morador o domínio pleno ou útil sobre o imóvel urbano. O Estatuto da Cidade, em 2001, regulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo os instrumentos de gestão democrática das cidades e de regularização fundiária, que permitem efetivar o direito à cidade e à moradia urbana. Abriu um leque de possibilidades para que a regularização fundiária fosse realmente efetivada. No entanto, há pouca reflexão acerca do instrumental jurídico e urbanístico disponível. Aula 08 Sugerimos a leitura dos artigos 5º, 6º, 182 e 183 da Constituição Federal. Você pode consultar a Carta Magna em http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/ (Endereço acessado em 07/04/2008). @ O Estatuto da Cidade está disponível na Biblioteca Virtual do Curso e também em http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/ estatuto/ (Endereço acessado em 07/04/2008). @ A Medida Provisória nº 2.220, de 2001, veio complementar o Estatuto, disciplinando a Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (CUEM), instrumento de regularização fundiária de ocupações em terras públicas. O Código Civil de 2002, ao tratar do direito de propriedade, também disciplinou o instituto da usucapião e de desapropriação para fins de regularização fundiária, consolidando o Consulte a Lei Federal nº 10.257/2001 - Estatuto da Cidade, a Meprincípio da função socioambiental da dida Provisória nº 2.220/2001 e a Lei Federal nº 11.481/2007 no CD-ROM da Biblioteca Jurídica de Regularização Fundiária Plena. propriedade. A Lei nº 11.481/07 retira Sugerimos que você use este instrumento de pesquisa sempre que os principais obstáculos jurídicos e aper- houver referência a legislação nesta e nas outras aulas. feiçoa a legislação patrimonial da União O Novo Código Civil está disponível na Biblioteca Virtual e tampara simplificar e desburocratizar os bém no endereço http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/ processos de entrega de títulos de pos- L10406.htm (endereço acessado em 07/04/2008). se ou propriedade às famílias com renda até cinco salários mínimos, que vivem em áreas públicas da União. @ 217 É recomendável que o Plano Diretor, instrumento fundamental de política urbana, indique no projeto específico de cada cidade e município como deve se dar a regularização dos assentamentos informais de interesse social e quais serão as diretrizes, os instrumentos e mecanismos para combater à informalidade urbana. O Fortalecimento e a melhor compreensão do alcance da nova ordem jurídico-urbanística proposta pela Constituição e consolidada pelo Estatuto da Cidade, pela MP nº2.220/01, pela Lei nº11.481/07 e pelo novo Código Civil é fundamental para o avanço na elaboração e implementação dos programas de regularização fundiária. Este avanço só será exitoso se integrado a processos de parcerias entre o Poder Público e a sociedade civil, contando com a efetiva participação popular. Caracterização do assentamento informal A caracterização do assentamento informal envolve levantamentos e pesquisas relativos às dimensões físicas, urbanísticas, sociais e de domínio da terra ocupada. Esses levantamentos são fundamentais para que se possa fazer uma leitura técnica da área a ser regularizada. A leitura técnica implica a análise dos levantamentos e da coleta de dados que se referem à legislação vigente e incidente sobre a área do assentamento, à pesquisa fundiária, ao levantamento topográfico e à pesquisa social. Essa análise deve somar-se à leitura que a comunidade envolvida faz de sua realidade. A partir de então, torna-se possível discutir amplamente com a população moradora os problemas e as soluções para a área a ser regularizada. A caracterização do assentamento informal deve resultar de pesquisas de campo (levantamentos físicos e sociais) e consultas aos cadastros técnicos, às fontes primárias e secundárias, em órgãos públicos, cartórios de registro imobiliário e concessionárias de serviços públicos. A pesquisa da legislação A pesquisa da legislação vigente e incidente sobre a área é peça crucial para as futuras definições de projeto dos instrumentos que poderão ser utilizados na regularização patrimonial e urbanística. Para isso, é necessário que se pesquise a Legislação Federal, estadual e municipal aplicada. 218 No âmbito municipal, devem ser verificadas as seguintes leis e normas: Aula 08 •• Lei Orgânica; •• Plano Diretor; •• Lei de Zoneamento; •• código de obras e edificações, uso e ocupação do solo, e normas ou parâmetros para as ZEIS; •• lei de parcelamento do solo, lei de habitação de interesse social e de regularização fundiária; •• legislação ambiental e de patrimônio cultural. A legislação estadual que deve ser consultada é a constituição estadual; as leis que regulamentam regiões metropolitanas, quando for o caso; as leis sobre registros públicos, incluindo pareceres e provimentos das corregedorias gerais de Justiça; as leis sobre regularização fundiária das áreas onde há interesse estadual e as leis ambientais. Na esfera federal, é necessário que se consulte a Constituição Federal, o Estatuto da Cidade – lei n° 10.257/01, a Medida Provisória n° 2.220/01, para verificação da aplicabilidade dos instrumentos de regularização fundiária; as resoluções do Conselho das Cidades; a lei de registros públicos – lei federal n° 6.015/73 e alterações, a lei de parcelamento do solo urbano – lei federal 6766/79 e alterações (PL n° 3057/00); a lei de licitações – lei federal 8666/93, principalmente quanto se tratar de concessão, alienação e doação de áreas públicas; o Código Civil – Lei Federal n° 10.406/02, importante para a aplicação da ação de usucapião; a legislação ambiental que define as condições de preservação de áreas de interesse ambiental, especialmente a lei da política nacional de meio ambiente – lei federal n° 6.938/81; Código Florestal – lei federal n° 4.771/65, a Medida Provisória n° 2.166/01 e as resoluções CONAMA, principalmente a n° 369/06, que trata dos casos em que é possível a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente (APP). Outras leis federais também são importantes, dependendo da área a ser regularizada. Se a área for da União, devem ser consultadas as leis federais n° 9.636/98 e n° 11.481/07, que se aplicam à gestão do patrimônio da União. Se a área for tombada pelo Governo Federal, é necessário que se conheça a norma que regulamenta esse tombamento. Para a regularização de conjuntos habitacionais, é importante consultar a Lei Federal n° 4.591/64. 219 A pesquisa fundiária O resultado da pesquisa fundiária é muito importante para se definir o instrumento ou os instrumentos que poderão e deverão ser aplicados para a concretização da regularização dominial do assentamento para seus moradores. Muitas vezes um assentamento pode ter vários proprietários com registro cartorial, que mesclam o domínio público e o privado. Para a caracterização fundiária, é necessário que se pesquise o registro de imóveis em cartórios da área na qual o assentamento se localiza e as eventuais ações judiciais que por ventura existam. Os levantamentos sobre a situação fundiária são melhor visualizados quando se colocam em mapas as áreas de diferentes domínios dentro do limite do assentamento. O levantamento topográfico O levantamento topográfico visa coletar e definir os limites do assentamento com as formas de ocupação do solo, que caracterizam as informações urbanísticas e físicas naturais. Esse levantamento permitirá a elaboração de projeto urbanístico de regularização fundiária e o cadastramento físico dos lotes. Além disso, possibilita o reconhecimento de logradouros públicos já consolidados pela população moradora. As principais informações que devem ser coletadas são: •• limites do assentamento, com caracterização das vias lindeiras e de áreas confrontantes; •• formas de uso e a ocupação do solo; •• cursos d’água, lagos, lagoas, reservatórios e nascentes; áreas de preservação ambiental; áreas de risco de escorregamentos; áreas inundáveis; áreas sob linhas de transmissão de energia ou sobre dutovias; áreas com vegetação arbórea; áreas degradadas, etc; •• sistema viário incluindo vielas, caminhos de pedestre e escadarias; •• quadras e divisão em lotes; •• infra-estrutura implantada (redes de água, energia, coleta de esgoto e drenagem de águas pluviais); •• delimitação física dos lotes (dimensões e área total). 220 Para uma boa identificação dos lotes, recomenda-se que os levantamentos sejam representados em plantas com escala igual ou superior a 1:1.000. O levantamento topográfico deve ser realizado antes do cadastramento social das famílias, para que possa ser relacionado à base física, o que permite maior coerência às informações quando da elaboração das ações judiciais. É recomendável que os levantamentos físicos e cadastrais (físico e social) sejam realizados de maneira integrada. Assim, as equipes podem entrar em campo ao mesmo tempo e, pela proximidade da abordagem, poderão articular melhor a participação dos moradores, o que pode ajudar a agilizar os trabalhos, pois a receptividade e conhecimento deles contribuirão para o bom resultado dessas atividades. Os levantamentos devem estar relacionados à base cartográfica municipal e podem ser simples ou planimétrico, planialtimétrico ou planialtimétrico cadastral, dependendo das informações existentes no município e da declividade da área. A pesquisa social A pesquisa social possibilitará a definição do perfil social da população moradora do assentamento a ser regularizado e propiciará verificar o interesse social da regularização. Ela se caracteriza por ser o momento do primeiro contato da equipe técnica com as lideranças comunitárias. Esse contato é fundamental para a implementação do processo participativo. A pesquisa social pode ser feita por meio de informações censitárias, levantamentos junto às concessionárias de serviços públicos e aos órgãos da prefeitura, entrevistas com entidades sociais atuantes na área e entrevistas com as lideranças comunitárias e agentes sociais locais. Contempla aspectos sociais, econômicos e culturais da comunidade, como: Aula 08 Planimetria: conjunto de processos que visam à determinação de coordenadas geodésicas horizontais de uma dada estação geodésica. Altimetria: conjunto de processos que objetivam a determinação da altitude de uma dada estação geodésica. (Fonte: IBGE – Glossário Cartográfico.) •• histórico do assentamento; •• população total; •• nível de renda; •• atividades econômicas desenvolvidas pelos moradores; •• serviços e equipamentos sociais existentes; 221 •• formas de organização comunitária preponderantes e •• tipo e características das entidades com atuação no local. Projeto de regularização fundiária e cadastro físico e social Alguns municípios possuem normas técnicas de apresentação de projeto de parcelamento Solo. Esta etapa de projeto deve acontecer após a fase de caracterização do assentamento com os levantamentos e o diagnóstico do assentamento informal a ser regularizado já realizados. No diagnóstico, é importante constar o estudo: do entorno; do sistema de acessos; da paisagem urbana; da existência e demanda de equipamentos públicos; das praças; das áreas verdes e da infra-estrutura básica existente e projetada. Urbanidade, segundo Holanda (2002), é um conceito relativo aos padrões espaciais encontrados nas cidades, que envolvem a facilidade do encontro nos espaços e nos equipamentos públicos entre pessoas de diferentes classes, grupos étnicos e sociais. Envolve também intensa participação na vida secular, e livre manifestação de diferenças. A compreensão da complexidade do fato urbano enquanto espaço construído e sua interação com os processos de regularização fundiária deve ser melhor explorada. 222 É importante que o diagnóstico não caia na armadilha de padrões técnicos inatingíveis, dissociados dos processos socioeconômicos de produção de moradia popular. É necessário valorizar e recuperar os espaços coletivos apropriados pela comunidade, como praças, becos e travessas, no sentido de guardar um conjunto de significados e transformar sespaços às vezes fisicamente precários e deteriorados pelas condições de pobreza em locais de apropriação social. Caso contrário, o resultado poderá ser o empobrecimento das relações dos habitantes com o universo social no qual ele está inserido. A chamada falta de urbanidade. O diagnóstico deverá levar em conta também a avaliação das áreas passíveis de consolidação, as moradias passíveis de remoção e as áreas a serem regularizadas, assim como, as vias de circulação existentes ou projetadas e, quando possível, outras áreas destinadas a uso público; as medidas necessárias para a garantia da sustentabilidade urbanística, social e ambiental das áreas ocupadas, incluindo as formas de compensação, quando for o caso; as condições para garantia da segurança da população em casos de riscos de inundações, erosão e deslizamento de encostas e a necessidade de adequação da infra-estrutura básica. A partir do diagnóstico, deverá ser elaborado o Projeto de Regularização Fundiária, às vezes também denominado de Planta de Alinhamento ou Projeto de Parcelamento do Solo Urbano. No projeto de regularização, devem ser definidos: •• as áreas a serem consolidadas; Aula 08 •• as áreas a serem removidas; •• o sistema de circulação e viário; •• a infra-estrutura básica urbana e as áreas para os equipamentos públicos e •• as praças e áreas verdes. O Projeto de Regularização Fundiária deve ser elaborado em escala adequada (1:1.000 ou maior) e, preferencialmente, georreferenciada. Deve conter, de forma básica: •• o nome do assentamento; •• a sua localização; •• uma planta contendo o traçado do sistema viário e de circulação, as quadras e lotes com as respectivas dimensões, a área e endereçamento, as áreas destinadas a uso público institucional, as áreas verdes, as áreas de preservação permanentes e as faixas não edificáveis, quando existentes. O memorial descritivo deve conter um breve relato sobre o processo de regularização fundiária. Poderá conter: •• uma apresentação geral; •• croqui de situação com a localização da área de intervenção e seu entorno imediato em escala adequada; •• descrição dos aspectos legais e institucionais incidentes na área; •• justificativa e condicionantes do parcelamento do solo urbano; •• histórico da ocupação da área; •• situação dominial; •• descrição analítica do sítio físico; •• localização; •• topografia; •• formas de uso e ocupação do solo; •• sistema de circulação; 223 •• infra-estrutura urbana; •• densidade; •• espaços e equipamentos públicos; •• sistema de endereçamento e •• normas de uso e ocupação do solo. O quadro demonstrativo de áreas deve conter: •• a identificação e a área de cada lote; •• a identificação do sistema viário; •• a identificação das áreas verdes, das áreas institucionais e das faixas de domínio e servidão. A somatória dessas áreas deverá coincidir com a área total da gleba expressa na matrícula existente no Cartório de Registro de Imóveis. Cadastro físico A partir do Projeto de Regularização e do levantamento topográfico para caracterização física das habitações e dos lotes, é realizado o cadastro físico dos lotes nas áreas passíveis de consolidação. As informações do cadastro físico individualizam o lote, compreendendo: •• o endereçamento do lote na quadra e no assentamento; •• o número do lote; •• a forma e dimensões do lote (frente, fundos e laterais); •• a área total do lote e •• croquis do lote e dos lotes vizinhos, com identificação dos confrontantes e tipo de uso predominante. A projeção das edificações é necessária quando os trabalhos envolverem também a regularização das construções existentes nos terrenos. 224 Cadastro social Aula 08 O cadastro social objetiva caracterizar em detalhe as condições sociais e econômicas dos moradores de cada lote que será regularizado. O ideal é que o cadastro social seja realizado no início do processo, considerado na proposta de estratégia de participação da comunidade, pois é um dos elementos mais importantes para o conhecimento e para a qualificação dos moradores no processo de regularização fundiária. O cadastro físico e social é fundamental para os processos jurídicos ou administrativos decorrentes da aplicação dos instrumentos como usucapião e concessão de uso especial para fins de moradia. Nunca é demais lembrar que, para fins de regularização fundiária, é essencial que o cadastro social esteja relacionado com a base física do assentamento (cadastro físico), com vistas a garantir a qualidade das instruções das ações judiciais ou dos processos administrativos. Para a realização do cadastro social, é fundamental que haja: •• reuniões de sensibilização na comunidade; •• definição do questionário a ser aplicado; •• capacitação da equipe de cadastradores; •• Coleta de cópias dos documentos necessários para a instrução dos processos administrativos ou judiciais da regularização fundiária. O levantamento dos documentos dos proprietários das áreas passíveis de regularização e os documentos de promessa de propriedade ou de posse dos moradores das áreas sob intervenção, são os principais documentos para a viabilização dos processos judiciais de regularização fundiária. As informações levantadas na pesquisa fundiária permitirão a definição sdos tipos de instrumentos que poderão ser utilizados . Quanto à comprovação de posse, deve-se sempre buscar realizar a prova documental, pois a comprovação por meio de depoimentos de testemunhas, apesar de possível e justificável, nem sempre é aceita pela Administração Pública ou pelo Judiciário. O cadastro físico e social é, portanto, fundamental para a montagem e a instrução legal das dações judiciais ou dos processos administrativos. 225 Estratégias da participação da sociedade A participação social no processo de regularização fundiária é uma forma de garantir a efetividade das ações, pois elas terão o controle da comunidade envolvida. A implementação dos instrumentos de regularização num assentamento poderá contribuir para alcançar a justiça social se for compartilhada com seus moradores. Ou seja, as decisões sobre a regularização de um assentamento urbano irregular deverão ser fruto de discussões e escolhas de seus moradores em parceria com o Poder Público local. Eles serão os principais protagonistas na realização de todas as etapas do processo de regularização fundiária plena, que incluirá a legalização da posse da terra e todas as ações necessárias para garantir a regularidade urbanística, que deverão dotar o assentamento de melhores condições de moradia e urbanidade. A responsabilidade sobre a gestão do espaço urbano deve ser dividida entre os moradores e os gestores públicos. Mas como essa participação poderá ocorrer? Inicialmente, é necessário socializar as informações sobre a irregularidade do assentamento e as possíveis formas de regularização, além de estabelecer a importância em se legalizar essa fração urbana para sua inserção na cidade legal, tornando-a um bairro, com acesso a equipamentos comunitários, serviços públicos e até mesmo a empréstimos financeiros para melhorias habitacionais. Para que isso aconteça, é importante que os técnicos prestem esclarecimentos sobre a legislação vigente, incluindo os direitos da população à moradia e à cidade; sobre a viabilidade de alternativas jurídicas e urbanísticas e sobre prazos e necessidades de comprovação documental da posse. Essas informações devem ser repassadas aos moradores de maneira clara e descomplicada. Os termos técnico-jurídicos e urbanísticos devem ser decodificados, com uso de exemplos e analogias para que todos tenham entendimento correto e possam, a partir desse conhecimento, discutir e encontrar a melhor solução para as especificidades locais. A disposição dos técnicos para o diálogo é muito importante, porque as informações serão trocadas entre moradores e profissionais. Ninguém melhor do que os próprios moradores conhecem sua realidade, suas necessidades e dificuldades. Isso é o que chamamos de “saber local”, tão importante quanto o saber técnico, o que significa que sem o primeiro não podemos alcançar um processo de participação social. E esse conhecimento é fundamental para o desenvolvimento do trabalho por parte dos técnicos. 226 Uma característica da participação social é que se trata de uma via de mão dupla e, para ter bons resultados, é preciso transparência nas ações e fidedignidade nas informações, de maneira que as decisões possam ser tomadas com consciência, a partir da argumentação e com igualdade de participação. Como defende Jürgen Habermas, por meio do diálogo, explicitando contradições e buscando a superação dos conflitos de interesses existentes, é que se alcançará o consenso. Aula 08 Mais acesso às informações pode proporcionar o exercício da cidadania de maneira mais ampla, na medida em que propicia maior consciência aos moradores dos direitos e deveres relativos aos cidadãos e ao Estado. Isso gerará maior auto-estima na população moradora, aumento das reivindicações por melhores condições de habitabilidade – saneamento básico, acesso à saúde e educação públicas, serviços de transporte, coleta de lixo – e, conseqüentemente, maior cobrança do Poder Público, o que aumenta a participação na vida política do País. Por outro lado, uma maior participação política implica mais responsabilidade da população com o espaço urbano, evitando o adensamento do bairro e garantindo a existência de espaços públicos para o lazer, conservando os equipamentos públicos e mobiliários urbanos e, principalmente, preservando o meio ambiente. Quais são as estratégias que poderão ser utilizadas para viabilizar a participação social? A participação da população moradora no processo de regularização fundiária poderá acontecer de várias formas e um primeiro passo é a divulgação do projeto de intervenção que será realizado na comunidade. Essa divulgação poderá se dar pelos meios de comunicação (rádio e jornais comunitários) e por meio de instituições como escolas, creches, igrejas, associações de moradores, clubes de mães e postos de saúde. Também como estratégia para sensibilizar e mobilizar as comunidades pode ser distribuído material didático, como cartilhas, folders, entre outros, no qual se transmita, com linguagem simples, o que é a regularização fundiária plena, a sua importância na vida da população e como se dará cada etapa do processo de regularização. As primeiras articulações com os moradores a serem beneficiados com a regularização ocorrem, normalmente, em reuniões ou assembléias (organizadas por setores, ruas ou bairros), nas quais são apresentadas a proposta de trabalho e sua agenda. Durante as assembléias, os moradores podem tirar dúvidas e contribuir com a forma de implementação do 227 processo, permitindo os necessários ajustes no método de trabalho a ser adotado. Os principais instrumentos de mobilização são cartilhas e folders; cartazes e faixas; carro de som; rádios e televisão comunitária. Licenciamento nos órgãos competentes Normalmente, o licenciamento urbanístico e ambiental é até hoje realizado de forma dissociada tanto com relação à competência dos entes federativos (União, estados e municípios), quanto com relação ao conteúdo. Além de vários conflitos em decorrência do papel de cada ente federativo no processo de licenciamento, são inúmeras as sobreposições de variáveis ambientais e urbanísticas. A Constituição Federal estabeleceu explicitamente a competência municipal para o licenciamento de atividades de parcelamento, uso e ocupação do solo urbano. Nos termos do art. nº 18, o município é o ente da federação brasileira com a competência exclusiva para legislar sobre questões de parcelamento do solo urbano e de assuntos de interesse local e suplementar à Legislação Federal e estadual, no que couber, conforme o art. nº 30, inciso VIII, da CF. Já o licenciamento ambiental é definido pelo inciso I do artigo 1º da ResoConfira a íntegra da Resolução nº 237/97 na lução CONAMA nº 237/97 como um Biblioteca Virtual. procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, a instalação, a ampliação e a operação de empreendimentos e as atividades utilizadores de recursos ambientais considerados efetiva ou potencialmente poluidores ou daqueles que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental. O processo de licenciamento ambiental foi detalhado a partir do artigo 2º da Resolução CONAMA nº237/97. Esta Resolução inova ao possibilitar que os municípios tenham atribuição de licenciar ambientalmente atividades de baixo impacto, restritas ao território municipal, desde que possuam estrutura administrativa para tal. Portanto, o município assume um papel fundamental na proteção ambiental sustentável, compatibilizando o desenvolvimento socioeconômico com a preservação ambiental. 228 Foi assim adotada a repartição de competência entre os entes federativos. A União deve legislar sobre as questões nacionais e gerais; os estados, os assuntos regionais; e os municípios, aqueles de interesse local. Para solucionar as questões de superposição de competência em matéria ambiental, surge o princípio da subsidiariedade. Este princípio assegura que as decisões serão tomadas pelo nível político mais baixo, por aqueles que estão mais próximos da situação objeto em questão. Trata-se aqui, mais uma vez, do fortalecimento do poder local, mas, na prática, os procedimentos são pouco claros e normalmente pontuais, caso a caso, o que tem resultado na falta de agilidade nos processos de licenciamento. Aula 08 Uma das grandes novidades para os processos de licenciamento ambienConfira a íntegra da Resolução nº 369/2006 na tal é a Resolução CONAMA nº 369 de Biblioteca Virtual. 2006, que trata os casos excepcionais de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em APP. Segundo esta Resolução, a possibilidade de intervenção em APP para regularização fundiária urbana somente poderá ser autorizada pelo órgão ambiental mediante processo administrativo autônomo e prévio (arts. 1º e 2º). A intervenção em APP em área urbana dependerá de autorização do órgão ambiental municipal, desde que o município possua Conselho de Meio Ambiente com caráter deliberativo e Plano Diretor ou lei de diretrizes urbanas (no caso de municípios com menos de 20 mil habitantes), mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual, fundamentada em parecer técnico. Caso contrário, a autorização é do órgão ambiental estadual, conforme art. 4º dessa Resolução. O empreendedor da regularização deve primeiramente comprovar a inexistência de alternativa técnica e locacional e que a intervenção em margens de córregos, topo de morros e restingas atende aos seguintes requisitos, conforme art. 9º da Resolução: ocupação de baixa renda predominantemente residencial; ocupação em ZEIS; ocupação inserida em área urbana que possua pelo menos três das seguintes infra-estruturas: malha viária, captação de águas pluviais, esgotamento sanitário, coleta de resíduos, rede de água e rede de distribuição de energia; densidade demográfica maior que 50 hab/ha; que a ocupação esteja consolidada até 10 de julho de 2001 e a apresentação do Poder Público municipal do Plano de Regularização Fundiária. 229 O Plano de Regularização Fundiária, nos termos dessa Resolução, deverá contemplar, entre outros elementos, o levantamento da sub-bacia em que estiver inserida a APP, identificando passivos e fragilidades ambientais, restrições e potencialidades, unidades de conservação, áreas de proteção de mananciais, sejam águas superficiais ou subterrâneas. Muitos municípios brasileiros levam mais de cinco ano para licenciar e regularizar um assentamento. Esse licenciamento quase nunca é integrado e o processo pode levar anos do órgão ambiental para o urbanístico. Embora essa Resolução signifique, para legislação ambiental, um avanço, é necessário ainda buscar uma formulação que possibilite efetivamente a urbanização e a regularização fundiária dos assentamentos informais de baixa renda que ocupam os trechos de APPs em áreas urbanas. Mais de ano após sua aprovação, a aplicação da Resolução pelos municípios tem sido praticamente nula pela falta de procedimentos mais claros e o detalhamento excessivo, que impede soluções rápidas para o quadro alarmante da informalidade brasileira. A aplicação da Resolução deve garantir não só a melhoria das condições ambientais, mas a melhoria das condições de habitabilidade e o respeito ao direito à moradia. Muitos municípios brasileiros levam mais de cinco anos para licenciar e regularizar um assentamento. Esse licenciamento quase nunca é integrado e o processo pode levar anos do órgão ambiental para o urbanístico, sem falar quando, pelos casos definidos pela lei nº6766/79 art.13 e pela legislação ambiental, necessitam da anuência específica do Estado. O procedimento de licenciamento junto à prefeitura varia muito de município para município. Assim, é necessário, primeiramente, consultar o órgão competente da prefeitura para o conhecimento das exigências e normas locais. O ideal é que o município tenha uma legislação própria sobre parcelamento do solo e regularização fundiária de assentamentos informais, e Zonas Especiais de Interesse Social, e que defina os procedimentos para agilizar a aprovação dos assentamentos informais em seu território. O licenciamento na prefeitura, obtido após a aprovação do projeto de regularização fundiária, é essencial para que se atinja a regularização urbanística, com a inclusão do assentamento nos cadastros municipais e a formalização do sistema viário, das demais áreas públicas e dos endereços dos lotes. Destaca-se, entretanto, que o licenciamento não deve ser um obstáculo a mais na concretização do reconhecimento do direito à mora- 230 dia. Assim, quando a regularização envolver apenas a dimensão jurídica e patrimonial, poderá ocorrer sem o licenciamento municipal, que poderá ser obtido em etapa posterior, sem que a insegurança na posse influencie nas negociações. Aula 08 Nesses casos, após a elaboração do projeto, são elaboradas as plantas individuais que irão compor os processos jurídicos, com a identificação dos confrontantes, sistematizadas de acordo com o tipo de ação a ser proposta. Instrumentos de regularização fundiária Existem vários instrumentos para se efetivar a regularização fundiária, mas é com a combinação desses instrumentos que poderão ser solucionados muitos dos problemas da informalidade urbana de forma mais integrada ao Plano Diretor de cada cidade. Alguns instrumentos associados podem, além de delimitar zonas, definir normas específicas para determinada área e gerar recursos para as ações de regularização fundiária advindas tanto do setor privado como do setor público. Zonas de Especial Interesse Social (ZEIS) É um dos instrumentos fundamentais para a regularização fundiária porque reconhece e insere legalmente o assentamento no mapa da cidade, a partir de uma realidade socioeconômica específica. Está prevista na alínea “f ”, do inciso V do artigo 4º do Estatuto da Cidade. Significa uma categoria específica de zoneamento, permitindo a aplicação de normas especiais de uso, parcelamento e ocupação do solo para fins de regularização fundiária de áreas urbanas ocupadas. Essas normas especiais possibilitam o registro do parcelamento do loteamento, do conjunto habitacional ou do projeto de urbanização da favela, no Cartório de Registro de Imóvel. As ZEIS devem ser instituídas por lei municipal, que pode ser a lei que institui o Plano Diretor, ou por lei municipal específica. A lei deve conter os perímetros das áreas, os critérios para a elaboração e execução do plano de urbanização, as diretrizes para o estabelecimento das normas especiais de parcelamento, uso e ocupação do solo e de edificação, e os institutos jurídicos que poderão ser utilizados para a legalização da titulação das áreas declaradas de habitação de interesse social para a população beneficiária. 231 Usucapião especial A usucapião é um instituto muito antigo do Direito para a aquisição da propriedade pelo prazo de tempo e da forma prescrita em lei, a despeito da vontade do proprietário. A Constituição Federal de 1988, entretanto, inaugurou uma nova modalidade de usucapião, a usucapião urbana, com objetivo de garantir o cumprimento da função social da propriedade. Aplica-se exclusivamente a imóveis particulares, com área máxima: 250 m2 (CF, art. 183; Estatuto da Cidade art.9º ao 14º). Para sua aplicação, é necessária a posse de área urbana de até 250 m2 há cinco anos, sem oposição, e o ocupante não pode possuir outro imóvel e deve utilizar o imóvel ocupado para moradia. A partir do Estatuto da Cidade, além da forma individual criada pela Constituição, foi disciplinada a forma coletiva de aquisição do domínio para áreas de difícil individualização. Existe também a forma de usucapião plúrima, ou seja, é aplicável quando o requerente é um grupo de indivíduos, mas cada um pode ter seu o lote individualizado. A inclusão de várias requisições em uma única ação simplifica sua tramitação, gerando economia processual e agilizando o processo de regularização. O novo Código Civil, nos artigos 1.238 a 1.242, estabelece condições em que se admite a aquisição da propriedade por usucapião, prevendo, além da usucapião urbana (art. 1.240), outras formas de aquisição da propriedade por usucapião. Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (CUEM) Aplica-se a imóveis públicos nos termos da Medida Provisória nº 2.220/01, sem transferência da propriedade e com exigências análogas às da usucapião especial. Não pode haver desvio de finalidade. O direito à CUEM é limitado às posses anteriores a 30 de junho de 2001. Assim, o morador que comprovar a posse de área pública (inferior a 250 m2), de forma mansa e pacífica, ininterrupta, de cinco anos anteriores à data de 30 de junho de 2001, deverá ter este direito reconhecido pelo Poder Público por meio de emissão de título administrativo ou declarado por sentença judicial. A CUEM é gratuita, pode ser transferida pela cadeia sucessória ou por herança, pode ser vendida ou doada e pode ser oferecida como garantia para financiamentos habitacionais (Lei Federal n º 11.481/07). 232 Conforme a MP nº 2.220/01, a Concessão é um direito subjetivo e deixa de ser uma faculdade do Poder Público para efeito de promover a regularização fundiária das áreas ocupadas pela população de baixa renda. O título de concessão de uso especial para fins de moradia será obtido pela via administrativa perante o órgão competente da Administração Pública ou, em caso de recusa ou omissão deste, pela via judicial. A Administração Pública terá o prazo de 12 meses para decidir sobre o pedido, contado da data do seu protocolo, de acordo com o § 1º do artigo 6º. Esse protocolo pode ser requerido individualmente pelo possuidor ou de forma coletiva. Aula 08 Concessão de Direito Real de Uso, individual ou coletiva (CDRU) Não constitui direito subjetivo, mas instrumento da ação discricionária do Poder Público, que agiliza as ações de regularização fundiária. Nos programas de interesse social, tem valor de escritura pública. A CDRU pode também ser utilizada entre particulares. No caso de regularização de assentamentos em terrenos pertencentes a sociedades de economia mista, como as Companhias de Habitação (COHAB), que são pessoas jurídicas de direito privado, este instrumento pode ser utilizado para a transferência do domínio útil dos lotes em favor dos atuais moradores. Direito de Superfície O Direito de Superfície foi incluído no conjunto de instrumentos de regularização fundiária do Estatuto da Cidade (Arts. 21 a 24) e previsto em título específico no Código Civil (Arts. 1.369 a 1.377). Pode ser utilizado para fins de regularização fundiária. Neste caso, o proprietário do imóvel da área particular ou o Poder Público, a partir de um contrato, concede o direito de superfície à população beneficiária da regularização fundiária. Outorga onerosa do direito de construir O objetivo desse instrumento é separar os direitos de propriedade e os de edificação. A outorga onerosa sobre alterações de uso e ocupação do solo pode gerar recursos para investimentos em áreas carentes. Conforme estabelece o artigo 26 do Estatuto da Cidade, o Poder Público Municipal deve utilizar os recursos da Outorga Onerosa para atender às necessidades 233 e demandas habitacionais da cidade, levando em conta a urbanização e a regularização fundiária de áreas ocupadas por população de baixa renda. Operações urbanas consorciadas São definidas no art. 32 do Estatuto da Cidade e possibilitam a aplicação dos recursos oriundos dos negócios imobiliários das operações urbanas para regularização fundiária de assentamentos irregulares. Transferência do direito de construir Conforme define o art. 35 do Estatuto da Cidade, o plano diretor poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir. Esse instrumento pode ser utilizado para a implantação de equipamentos urbanos e comunitários, para preservação histórica, ambiental, paisagístico, social ou cultural. E pode ser usado também de forma conjugada com as ZEIS, para atender ao direito à moradia em imóveis que sejam considerados necessários para servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social. Alienação A alienação dos bens públicos imóveis só é admitida para os bens que integram a categoria dos dominicais, devendo atender às disposições da Lei de Licitações (Lei Federal nº 8.666 de 1993). Apesar de não ser muito empregada para a regularização fundiária, a alienação é um instrumento útil para viabilizar a venda, para fins habitacionais, de prédios que tiveram uso especial destinados à administração direta ou indireta e que deixaram de ser utilizados. Doação 234 É a outorga não onerosa e voluntária de um imóvel ou terreno por parte do proprietário. A Administração Pública pode fazer doações de bens imóveis, desde que estejam desafetados do uso público, e comumente o faz para incentivar construções e atividades de interesse social, como a regularização fundiária. Adjudicação compulsória Aula 08 Ocorre quando o morador possui um documento que comprova que adquiriu e pagou pelo imóvel, mas não possui a sua escritura. A partir desta comprovação, é proposta uma ação judicial e o juiz decide pela adjudicação compulsória e o registro do imóvel em nome do comprador. A adjudicação só gerará registro se o imóvel adquirido tiver matrícula ou transcrição em nome do vendedor. Desapropriação A desapropriação pode ser aplicada em casos de necessidade, de utilidade pública ou de interesse social, como é o caso da regularização fundiária. A partir de 1962, com a Lei Federal nº 4.132, a desapropriação por interesse social passou a ser utilizada “para promover a justa distribuição da propriedade ou Para saber mais sobre os Instrumentos de Regulacondicionar seu uso ao bem estar social” rização Fundiária, consulte o Manual da Regularização Fundiária Plena. (art. 1º), fortalecendo a idéia de desapropriar para fins de regularização fundiária. i Registro imobiliário Só é dono quem registra, diz o dito popular. O registro do título em cartório é a garantia e a segurança efetiva da posse. Significa que o detentor do título registrado tem a segurança jurídica da propriedade ou do direito de posse. A documentação básica exigida para o registro em Cartório de Imóveis é o projeto de regularização, que deverá conter a planta do parcelamento, o memorial descritivo e o quadro de áreas, a certidão de registro anterior, a comprovação de titularidade e a aprovação dos órgãos competentes. No caso da regularização de assentamentos, em vez de auto de aprovação, pode ser emitido pela prefeitura um auto de regularização de parcelamento do solo. Para a matrícula do titulo, é necessária a definição exata dos limites físicos reais da gleba, que devem coincidir aos limites da gleba registrada em Cartório. Se houver diferença, deve ser realizada a retificação da área. Se o assentamento ocupar somente uma parte da gleba, esta deve ser objeto de desmembramento. Se ocupar mais de um lote, deve ser realizada a unificação deles. 235 Após o registro do assentamento, é realizada a abertura da matrícula dos lotes, das áreas públicas e do sistema viário. O título (escritura de venda e compra, termo de concessão ou sentença declaratória de usucapião) é registrado na matrícula do lote ou da unidade habitacional e, após a microfilmagem, o morador recebe a certidão de matrícula do imóvel. Conclusão Procuramos demonstrar nesse artigo a importância de cada passo desde a formação de equipes institucionais para a realização das atividades de regularização fundiária, passando pelos levantamentos, diagnósticos, elaboração de projeto e licenciamento, até chegar ao registro do assentamento e dos lotes. Ao mesmo tempo, incluímos uma breve descrição dos instrumentos existentes para as ações de regularização fundiária, que serão escolhidos a partir das especificidades de cada assentamento informal. Ressaltamos a importância do controle social na gestão urbana e, portanto, a participação da comunidade envolvida no processo de regularização fundiária é um elemento fundamental para o êxito das atividades. Destacamos também que o processo somente está completo quando, além da regularização dominial, que ocorre com o registro da área e dos lotes,,, há a regularização urbanística e a implantação dos equipamentos comunitários e dos serviços públicos necessários para tornar o assentamento um bairro da cidade. É nesse momento que se consolida o direito à cidade aos moradores, e a cidade se torna justa com seus habitantes. A gestão democrática participativa é fundamental na regularização fundiária. Propomos a seguinte atividade de pesquisa individual: •• Pesquisar e relatar uma experiência concreta em que houve avanço no processo de regularização fundiária com a ampliação da participação popular; •• debater as conclusões com os colegas no Fórum. Se precisar de ajuda, peça orientações ao seu tutor, que está preparado(a) para atendê-lo por telefone ou e-mail. 236 Na próxima aula, estudaremos conceitos e bases legais referentes ao registro imobiliário. Bibliografia Aula 08 BRASIL . Código Civil, Lei Federal n°10.406/02, 2002. _______ . Constituição Brasileira, 1988. _______ . Estatuto da Cidade – guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Instituto Pólis. Caixa Econômica Federal. Câmara dos Deputados. Brasília, 2002. _______ . Estatuto da Cidade – lei nº 10.257/01, 2001. _______ . Lei de parcelamento do solo nº 6766/79, 1979. _______ . Lei Federal n° 11.481/07, 2007. _______ . Manual da Regularização Fundiária Plena. Ministério das Cidades. Brasília, 2008. _______ . Medida Provisória nº 2.220/01, 2002. _______ . Regularização da terra e da moradia – o que é e como implementar. Instituto Pólis. CAIXA, 2003. _______ . Resolução CONAMA n° 237/97, 1997. _______ . Resolução CONAMA n° 369/07, 2006. HABERMAS, Jürgen. Sociologia. FREITAG, Barbara; ROUANET, Sérgio Paulo (orgs.). Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Editora Ática, 1993. HOLANDA, Frederico de. O espaço de exceção. Editora Universidade de Brasília, 2002. SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a Cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 2002. 237 Este artigo pretende fornecer aos alunos uma visão geral e prática sobre os aspectos registrários que interferem nos procedimentos de regularização fundiária, especialmente os aspectos relacionados à retificação de registro dos imóveis ocupados ou dos parcelamentos irregulares. Para tanto, serão abordados a organização do sistema de registro de imóveis no Brasil e o procedimento dos registros imobiliários; como se dá a retificação dos registros imobiliários; como obter o registro do projeto de regularização fundiária e dos títulos de regularização fundiária. Aula 09 O registro imobiliário: conceitos e bases legais Rosane Tierno Patryck Araújo Carvalho Esta canção de Lúcio Barbosa, que ficou conhecida na voz de Zé Geraldo, fala sobre a distância entre os cidadãos e os não-cidadãos na cidade. O pedreiro que construiu edifícios e escolas não pode nem mesmo admirá-los nem oferecer condições para a família se educar. Você pode ouvir a música no AVEA. CIDADÃO - Lúcio Barbosa Tá vendo aquele edifício moço? Ajudei a levantar Foi um tempo de aflição Eram quatro condução Duas pra ir, duas pra voltar Hoje depois dele pronto olho pra cima e fico tonto Mas me chega um cidadão e me diz desconfiado, tu tá aí admirado ou tá querendo roubar? Meu domingo tá perdido vou pra casa entristecido Dá vontade de beber E pra aumentar o meu tédio eu nem posso olhar pro prédio que eu ajudei a fazer 240 Tá vendo aquele colégio moço? Eu também trabalhei lá Lá eu quase me arrebento Pus a massa fiz cimento Ajudei a rebocar Minha filha inocente vem pra mim toda contente Pai vou me matricular Mas me diz um cidadão Criança de pé no chão aqui não pode estudar Esta dor doeu mais forte por que que eu deixei o norte eu me pus a me dizer Lá a seca castigava mas o pouco que eu plantava tinha direito a comer (...) Deve o direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter conclusões inconsistentes ou impossíveis Aula 09 (Carlos Maximiliano – Hermenêutica e Aplicação do Direito, em 1923) O registro imobiliário – breve introdução As Políticas de Regularização Fundiária desenvolvidas pelos Municípios brasileiros têm sido aplicadas contemplando aspectos variados: intervenções urbanísticas, ações administrativas ou jurídicas de legalização dos “lotes” ocupados informalmente, e mais raramente, a legalização das construções irregulares. Entretanto, somente a partir da CF de 88, da edição do Estatuto da Cidade – Lei Federal nº 10.257/01 e da Medida Provisória nº 2.220/01, as práticas de regularização plena, contemplando os aspectos urbanísticos, administrativos e jurídicos, passaram a contar com um campo normativo que oferece melhores possibilidades à concretização da regularização. Desde a criação do Ministério das Cidades, em 2003, os Municípios passaram a contar também com apoio financeiro e institucional efetivos para o desenvolvimento de seus programas de regularização fundiária. Ainda assim, é muito comum nos depararmos com experiências de regularização que não conseguem avançar além das intervenções urbanísticas. Essas intervenções, na maioria dos casos, significam obras de custo bastante elevado, dotando os assentamentos informais das redes de infraestrutura básica - redes de abastecimento de água, sistemas de coleta e tratamento de esgoto, redes de drenagem, iluminação pública, abertura e pavimentação de sistema viário, implantação de equipamentos públicos. Além disso, são bastante comuns as obras de recuperação ambiental, seja de margens de córregos, seja de encostas. Mas os aspectos jurídicos da regularização fundiária, especialmente os procedimentos de registro junto aos Serviços de Registro Imobiliário, nem sempre são bem sucedidos. Ou então, o sucesso ocorre após alguns anos de procedimentos judiciais. Esse fato se deve, em grande parte, às normas que disciplinam o registro imobiliário no Brasil, ou numa outra perspectiva, às leituras dadas a essas normas. 241 Nas palavras do Dr. Venício Salles, “o segmento registral ainda conserva toda a reverência ao direito individual de propriedade, tratando-o como absoluto e indevassável” (SALLES, 2007). A Lei de Registros Públicos, Lei Federal nº 6.015/73 não passou por uma reformulação de modo a recepcionar as novas regras trazidas pela Constituição de 1988 e demais diplomas normativos relacionados à gestão e planejamento do solo urbano. Vale lembrar que a Carta de 1988, além de colocar a política urbana como uma das prioridades do país, condicionou a propriedade ao cumprimento da função social. Deste modo, cabe aos operadores do direito a análise sistêmica da lei de Registros Públicos, à luz dessa nova ordem jurídico-urbanística, visando atender aos princípios fundamentais da Constituição de 1988: •• os fundamentos da República Federativa do Brasil, principalmente a promoção da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, inciso III, da Carta Magna); •• os objetivos fundamentais, como: a) a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; b) a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais; e c) promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. •• a função da propriedade e o direito fundamental à moradia. i 242 Considerando que a regularização fundiária tem como um dos seus objetivos garantir o reconhecimento do direito de posse ou da propriedade da terra, principalmente à população de baixa renda, é necessário compreender, ainda que de forma resumida, como está estruturado o sistema de registro de Aos que desejarem um maior aprofundamento no imóveis no país. A organização desse sisassunto, indicamos como referência bibliográfica tema e a interpretação mais tradicional da básica o livro “Direito Registral Imobiliário”, escrito legislação que o regulamenta têm oferecipelo Dr. Venicio Antonio de Paula Salles e publicado do obstáculos importantes ao registro da pela Editora Saraiva em 2006. regularização fundiária pelo país afora. Funcionamento dos registros imobiliários Aula 09 O sistema registral brasileiro é organizado especificamente pela Lei Federal nº 6.015/73, também conhecida como Lei de Registros Públicos. Nos termos do art. 1º dessa lei: Art. 1º Os serviços concernentes aos Registros Públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, ficam sujeitos ao regime estabelecido nesta Lei. § 1º Os Registros referidos neste artigo são os seguintes: I - o registro civil de pessoas naturais; II - o registro civil de pessoas jurídicas; III - o registro de títulos e documentos; IV - o registro de imóveis. § 2º Os demais registros reger-se-ão por leis próprias. (p.ex. protestos e notas). O artigo 236 da Constituição Federal estabelece que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público. Além disso, segundo o artigo 1.227 do Novo Código Civil, “os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis”. O Registro Imobiliário tem a competência estabelecida pela Constituição Federal, e por legislação específica, para exercer atos que permitam o acesso dos títulos ao registro ou averbação, subordinando-se aos princípios e à fiscalização do Poder Judiciário, por meio do Juiz Corregedor Permanente e da Corregedoria Geral de Justiça. Ao registro de imóveis aplicam-se, sem prejuízo de dispositivos de outras leis, os art. 167 a 288 da Lei nº 6.015/73 (Título V, do Registro de Imóveis), e ainda os art. 1º a 28 (Título I, Disposições Gerais) e 289 a 299 (Título VI, Das Disposições Finais e Transitórias), da mesma lei. O registro imobiliário tem como função básica constituir o repositório fiel da propriedade imóvel e dos atos e negócios jurídicos a ela referentes. 243 Os atos de registro englobam: •• a matrícula do imóvel, em sentido amplo; •• os atos de registro, em sentido estrito; •• as averbações. O sistema registral imobiliário utiliza alguns termos específicos para os quais vale a pena trazer definições, ainda que simplificadas. Confira os principais termos neste glossário que consta da cartilha Roteiro para as áreas públicas ocupadas – Programa de Regularização da Prefeitura do Município de Osasco: Título – é o documento pelo qual se reconhece um direito. Por exemplo, um cheque é um título. Outros exemplos: escritura, hipoteca, instrumento particular, título judicial (sentença de usucapião, sentença de desapropriação) Escritura Pública – documento lavrado no tabelião de notas que posteriormente poderá acessar o registro. Documento pelo qual se formaliza a transferência de propriedade de uma pessoa para outra. Contrato – documento que expressa o negócio firmado entre duas pessoas e que estabelece a vontade das pessoas em comprar e vender, entregar e receber, doar. O contrato estabelece direitos e deveres para as partes envolvidas. O contrato pode se dar por escritura pública, por instrumento particular, etc. Matrícula – é o número de controle que se dá no Cartório de Registro de Imóveis (CRI) para cada imóvel. Cada imóvel possui apenas um número de matrícula. Matrícula é a inscrição numerada seqüencialmente do imóvel, praticada sob responsabilidade do oficial do serviço de registro imobiliário, que o identifica e especifica. A matrícula foi a principal inovação da Lei nº 6.015 quanto ao registro de imóveis. Ao determinar a matrícula, caracterizando e confrontando o imóvel, passando este a ser o núcleo do registro, adotou a legislação brasileira o sistema cadastral que se aproxima do sistema germânico. A organização do sistema registral brasileiro atual é de fólio real. 244 Exige-se, portanto, uma base de dados geográficos capazes de individualizar o imóvel, determinando o espaço terrestre por ele ocupado. A esse conjunto de informações, que, em função do bem inscritível, são levadas ao registro, denomina-se fólio real. Aula 09 Averbação – em sentido amplo é anotação, “atos secundários” Exemplo: alteração de nome que constou errado; averbação de penhora; averbação do estado civil, averbação de Habite-se, averbação de mudança do nome da rua. A averbação informa a terceiros o que acontece com o imóvel. Registro – também é anotação, mas anotação de “atos principais”. Por exemplo: destaque de área. Quando se leva ao CRI uma escritura de compra e venda ou uma hipoteca de um imóvel, elas são registradas na matrícula do imóvel. O registro é o ato que declara quem é o proprietário do imóvel ou se a propriedade deste bem está sendo transmitida de uma pessoa a outra. Certidão – é o “extrato”, e a ficha contendo o que está informado lá no CRI. Transcrição – forma de registro anterior à Lei nº 6.015/73. O artigo 167, da Lei Federal nº 6.015/73, traz nos seus dois incisos os atos que são passíveis de registro ou averbação. Apontaremos aqueles que são de interesse imediato ou específico nos procedimentos de regularização fundiária (grifos nossos): Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos I - o registro: (...) 9) dos contratos de compromisso de compra e venda de cessão deste e de promessa de cessão, com ou sem cláusula de arrependimento, que tenham por objeto imóveis não loteados e cujo preço tenha sido pago no ato de sua celebração, ou deva sê-lo a prazo, de uma só vez ou em prestações; (...) 17) das incorporações, instituições e convenções de condomínio; 18) dos contratos de promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas condominiais a que alude a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, quando a incorporação ou a instituição de condomínio se formalizar na vigência desta Lei; 245 246 19) dos loteamentos urbanos e rurais; 20) dos contratos de promessa de compra e venda de terrenos loteados em conformidade com o Decreto-lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, e respectiva cessão e promessa de cessão, quando o loteamento se formalizar na vigência desta Lei; 21) das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis; (...) 28) das sentenças declaratórias de usucapião, independente da regularidade do parcelamento do solo ou da edificação; (Redação dada pela Lei nº 10.257, de 2001) 28) das sentenças declaratórias de usucapião; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.220, de 2001) 29) da compra e venda pura e da condicional; 30) da permuta; 31) da dação em pagamento; (...) 33) da doação entre vivos; 34) da desapropriação amigável e das sentenças que, em processo de desapropriação, fixarem o valor da indenização; (...) 36) da imissão provisória na posse, e respectiva cessão e promessa de cessão, quando concedido à União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, para a execução de parcelamento popular, com finalidade urbana, destinado às classes de menor renda. (Incluído pela Lei nº 9.785, de 1999) 37) dos termos administrativos ou das sentenças declaratórias da concessão de uso especial para fins de moradia; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.220, de 2001) (...) 39) da constituição do direito de superfície de imóvel urbano; (Incluído pela Lei nº 10.257, de 2001) 40) do contrato de concessão de direito real de uso de imóvel público. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.220, de 2001) II - a averbação: (...) 2) por cancelamento, da extinção dos ônus e direitos reais; 3) dos contratos de promessa de compra e venda, das cessões e das promessas de cessão a que alude o Decreto-lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, quando o loteamento se tiver formalizado anteriormente à vigência desta Lei; 4) da mudança de denominação e de numeração dos prédios, da edificação, da reconstrução, da demolição, do desmembramento e do loteamento de imóveis; (...) 6) dos atos pertinentes a unidades autônomas condominiais a que alude a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, quando a incorporação tiver sido formalizada anteriormente à vigência desta Lei; (...) 11) das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade impostas a imóveis, bem como da constituição de fideicomisso; 12) das decisões, recursos e seus efeitos, que tenham por objeto atos ou títulos registrados ou averbados; 13) “ ex offício “, dos nomes dos logradouros, decretados pelo poder público. (...) 15) da re-ratificação do contrato de mútuo com pacto adjeto de hipoteca em favor de entidade integrante do Sistema Financeiro da Habitação, ainda que importando elevação da dívida, desde que mantidas as mesmas partes e que inexista outra hipoteca registrada em favor de terceiros. (...) 18) da notificação para parcelamento, edificação ou utilização compulsórios de imóvel urbano;(Incluído pela Lei nº 10.257, de 2001) 19) da extinção da concessão de uso especial para fins de moradia; (Incluído pela Lei nº 10.257, de 2001) 20) da extinção do direito de superfície do imóvel urbano. (Incluído pela Lei nº 10.257, de 2001) (...) 22. da reserva legal; (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006) 23. da servidão ambiental. (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006) Aula 09 A Lei nº 6.015/73 sofreu várias alterações ao longo desses anos, algumas bastante importantes para os procedimentos de regularização fundiária. Uma delas foi trazida pela Lei Federal 9.785/99, que introduziu a possibilidade de efetuar junto ao Cartório de Registro de Imóveis o registro do auto de imissão na posse, expedido pelo juiz nos procedimentos de desapropriação em curso. Essa inovação é importante na medida em que permite o registro do “parcelamento popular, destinado às classes de menor renda” (...) desde que “promovido pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades Consulte no CD-ROM da Biblioteca Jurídica de Redelegadas, autorizadas por lei a imgularização Fundiária Plena o § 4º do artigo 18 da plantar projetos de habitação”, ainda Lei Federal nº 6.766/79. Lá também estão disponíque a propriedade do imóvel não esteveis outras leis citadas nesta aula. ja em nome do ente público. 247 Outra lei que produziu alterações importantes na Lei de Registros Públicos foi a Lei Federal 10.931/04 (Lei de Alienação Fiduciária). Essa lei introduziu a possibilidade de retificação administrativa de imóveis, assegurando ao CRI autonomia para a retificação. Sobre a retificação administrativa de registros imobiliários, nos debruçaremos adiante. A retificação dos registros imobiliários Nos procedimentos de regularização, quer sejam de loteamentos irregulares ou clandestinos, quer sejam de áreas públicas ocupadas informalmente, é bastante comum nos depararmos com bases imobiliárias com descrições imprecisas, omissas ou incompletas. Esse fato é facilmente constatado quando se realiza o levantamento cadastral do assentamento informal. Ao pretender confrontar o imóvel descrito no registro de imóveis com aquele efetivamente existente e parcelado, percebemos que não há correspondência entre eles: inexistem ou faltam as medidas perimetrais, falta ou sobra área, os marcos não existem mais, etc. Nesses casos, ainda que a regularização urbanística e administrativa esteja completa, dificilmente a regularização alcançará o registro imobiliário, antes que se proceda à retificação da descrição tabular da área parcelada. Nos procedimentos de regularização, seja de loteamentos irregulares ou áreas públicas ocupadas informalmente, é comum nos depararmos com bases imobiliárias que têm descrições imprecisas, omissas ou incompletas. Em 2004, o artigo 59 da Lei Federal 10.931 alterou os artigos 212 a 214 da Lei de Registros Públicos, introduzindo a figura da retificação extrajudicial. Dessa forma, a retificação da descrição de um imóvel poderá ser feita diretamente junto ao Oficial de Registro de Imóveis. Antes dessa modificação, os procedimentos de retificação eram feitos judicialmente, com exceção dos casos de erros evidentes, cuja retificação ocorria no próprio Cartório de Registro de Imóveis. Para enfrentar um procedimento para a retificação de um imóvel, é importante compreender os princípios que orientam o sistema registral brasileiro. Os princípios desse sistema estão definidos na Lei de Registros Públicos, Lei Federal 6.015/73. Vejamos, de maneira sucinta, esses princípios: 248 I - Princípio da Instância – segundo esse princípio somente o titular do direito registral tem a legitimidade para solicitar alterações nos dados tabulares. A lei prevê que se não há o requerimento expresso do titular, somente o Ministério Público pode requer alterações tabulares (art. 13, inciso II). Esse princípio pode representar um sério entrave à regularização, especialmente nos casos em que não é possível localizar o titular de domínio. Ou ainda nos casos, bastante comuns, de associações de moradores ou cooperativas que são cessionárias de direitos das glebas parceladas e têm dificuldades para obter uma procuração do titular de domínio. Aula 09 II - Princípio da Unitariedade – estabelece que cada imóvel deve ter matrícula própria. A cada imóvel corresponde uma única matrícula. III - Princípio da Legalidade – por esse princípio somente os títulos previstos em lei acessam o registro (art. 167, inciso I) IV - Princípio da Legitimação Registral – estabelece que os atos de registro são válidos enquanto não for promovido o seu cancelamento. (art. 252) V - Princípio da Especialidade – determina a individualização do imóvel por meio da descrição tabular. Por esse princípio, a descrição deve dar conta de distinguir um imóvel de outro, permitindo a sua perfeita localização geográfica. Essa descrição deve conter, nos casos de imóveis urbanos: “características e confrontações, localização, área, logradouro, número e sua designação cadastral, se houver” (art. 176, § 1º, inciso II, item 3b). Essa é a chamada especialidade objetiva. A especialidade subjetiva determina a perfeita qualificação do titular (ou titulares) de domínio. Nos termos do artigo 176 (§ 1º, inciso II, item 4): “nome, domicílio e nacionalidade do proprietário”. Além disso, “tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou à falta deste, sua filiação” e “tratandose de pessoa jurídica, a sede social e o número de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda”. VI - Princípio da Continuidade – por definição, estabelece a cadeia sucessória de um imóvel. “Só pode transmitir o direito aquele que possui esse direito, formando a filiação com menção do título anterior”. (LIPORONI, 2005). 249 VII - Os princípios da verdade (ou realidade) e da eficácia das vontades - são princípios mais novos, introduzidos pela Lei nº 10. 931/04 (ver artigos 212 e 213 da Lei Federal nº 6.015/73). São esses dois novos princípios que dão embasamento técnico à retificação de um imóvel pela via administrativa, isto é diretamente junto ao Cartório de Registro de Imóveis. Princípio da Verdade ou Realidade – a descrição tabular deve refletir as características reais da implantação de fato existente de um imóvel. Vale lembrar que muitas glebas possuem descrições antigas, referenciadas em marcos que não existem mais, ou ainda, cujas descrições originalmente adotadas carregaram as imprecisões dos instrumentos utilizados à época. Princípio da Eficácia das Vontades – enuncia que as partes envolvidas, desde que consensualmente, podem alterar as informações tabulares de um imóvel. Mesmo com as alterações da Lei de Registros Públicos, os procedimentos administrativos para retificação de matrículas ainda permanecem como um dos principais dificultadores nas ações de regularização fundiária. A superação dessas dificuldades só se dará na medida em que os princípios registrais passem a ser aplicados em consonância com outros princípios igualmente previstos em lei. No caso da regularização fundiária, especialmente em áreas de interesse social, devem também ser princípios balizadores: •• a função social da propriedade urbana; •• o justo ordenamento das cidades; •• o interesse coletivo. Uma análise mais detida da Lei de Registros Públicos permite identificar modalidades de procedimentos de retificação, conforme o tipo de situação identificada. Passemos a elas. Procedimentos para retificação de registros Aspecto fundamental nas ações retificatórias diz respeito aos procedimentos a serem adotados. Os artigos 212 a 214 da Lei de Registros Públicos explicitam os procedimentos. 250 Para que se proceda à correta aplicação dos procedimentos, deve o interessado ou promotor da regularização fundiária proceder a uma completa análise da área retificanda, em seus aspectos registrários, físicos e de ocupação. Aula 09 Quanto aos aspectos registrários, é importante uma análise da transcrição ou matrícula, buscando compreender, inclusive, a sucessão filiatória do imóvel. Algumas vezes, é possível detectar erros ou omissões cometidos na transposição dos elementos do título: uma medida que se deixou de anotar ou foi anotada com erro evidente; confrontações equivocadas etc. Nessa etapa, pode ser importante também, fazer uma análise das transcrições ou matrículas de imóveis confrontantes. A análise dos aspectos registrários deve acontecer simultaneamente à análise física. Deve-se lançar mão de fotos aéreas atuais e antigas, plantas de cadastros técnicos municipais, mapas históricos do município (nos quais é possível identificar a localização de marcos que não existem mais ou foram modificados), plantas de loteamentos do entorno, etc. O simples ato de tentar desenhar a descrição tabular do imóvel sobre a foto aérea pode revelar fatos preciosos para o procedimento de retificação. Esse estudo conjugado da matrícula e elementos gráficos (fotos, mapas e plantas) é um importante balizador para os levantamentos topográficos, pois indica elementos ou pistas que poderão ser confirmados na fase do levantamento de campo. Utilizaremos como base para entender esses procedimentos, a obra “Direito Registral Imobiliário” (SALLES, 2007), da lavra do Dr. Venício Salles e texto do mesmo autor publicado no site da ANOREG-DF (Associação dos Notários e Registradores do Distrito Federal). Você pode consultar a íntegra do artigo do juiz Venicio Antonio de Paula Salles em http://www.anoregdf.com.br/ (Endereço acessado em 30.03.2008) @ Segundo esse autor, são duas as modalidades de procedimentos de retificação: •• Retificação de ofício ou a requerimento do interessado; •• Retificação Consensual 251 Tanto na retificação de ofício, quanto na retificação a requerimento, o oficial retificará, o registro ou a averbação se houver (ver art. 213, inciso I): •• omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do título (alínea “a”); •• indicação ou atualização de confrontação (alínea “b”); •• alteração de denominação de logradouro público, comprovada por documento oficial (alínea “c”); •• retificação que vise a indicação de rumos, ângulos de deflexão ou inserção de coordenadas georeferenciadas, em que não haja alteração das medidas perimetrais (alínea “d”); •• alteração ou inserção que resulte de mero cálculo matemático feito a partir das medidas perimetrais constantes do registro (alínea “e”); •• reprodução de descrição de linha divisória de imóvel confrontante que já tenha sido objeto de retificação (alínea “f ”); •• inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes por documentos oficiais, ou mediante despacho judicial quando houver necessidade de produção de outras provas (alínea “g”). Para o autor citado, há que se fazer uma diferenciação entre a retificação de ofício e a retificação por simples requerimento do interessado. Principalmente para que seja atendido o princípio da instância, que “assegura, ao titular do domínio, o direito à manutenção da descrição tabular”. Desta forma, como diz Salles no artigo já citado, qualquer correção na informação tabular depende de provocação do interessado, inibindo a retificação de ofício.” Reproduzimos aqui alguns dos argumentos do autor: Este princípio, evidentemente, não tem aplicação absoluta para todos os casos e hipóteses de correção de registro, sendo admitida a providência direta do Oficial Registrador, sem provocação do interessado, em certas hipóteses, como no caso em que a retificação venha a ter sentido de mera superação de erro material constante no registro. 252 Na condição de “ato administrativo”, o ato de registro deve espelhar a realidade, não podendo, por imperativo de coerência, rivalizar com outras informações constantes ou presentes em outros documentos oficiais. Portanto, o ajuste do ato de registro, nestes casos, comporta providência de ofício, não representando desrespeito ao direito outorgado ao interessado. Além de tal hipótese, também pode ser admitida retificação direta e sem provocação, quando o erro registral não estiver situado no “núcleo” tipificador da especialidade objetiva, que é a própria e direta descrição tabular do imóvel intrinsecamente considerado. Este núcleo atinge, basicamente, as medidas perimetrais, a área e os ângulos ou rumos, de forma que toda e qualquer correção que escapar a este substrato, pode ser feita independentemente de requerimento. Aula 09 Em atenção e respeito ao princípio da instância, a retificação de ofício, a exemplo do que ocorria nos casos tipificados como erro evidente, não pode ser deflagrada quando a retificação se mostrar dependente da produção de novas provas. A retificação de ofício se limita à superação de imperfeições viabilizadas pela utilização de documentos pré-existentes. Assim, a correção de ofício para não agredir o princípio da instância deve ter o exato sentido de correção de erro material incidindo sobre pontos periféricos da descrição tabular. (...) Portanto, a retificação de ofício se encontra LIMITADA às correções tabulares feitas a partir de bases documentais, como nos casos de: a. transposição de dados do título causal; b. atualização do nome do confrontante ou da confrontação, em atenção a documento oficial; c. alteração da denominação do logradouro como base em documento oficial; d. inserção de área decorrente de mero cálculo, quando a descrição tabular possua todas as demais informações, com a indicação das perimetrais e os ângulos e rumos, ou quando tais informações constem de documentos oficiais; e. a inserção de rumos e ângulos desde que presentes em documentos oficiais; f. inserção de dados da qualificação pessoal das partes, comprovada por documentos oficiais. As demais hipóteses dependem de requerimento do interessado. Assim se mostra dependente de requerimento do interessado: (a) a retificação tendente a inserir ângulos e rumos do imóvel, desde que não haja alteração das medidas perimetrais; (b) a inserção de área em decorrência de mero cálculo, quando da descrição tabular não constem os ângulos ou rumos. 253 Em todos os casos de Retificação de Oficio ou a Requerimento, o Oficial do Registro de Imóveis deverá instaurar procedimento específico, iniciado através do ato inaugural de retificação ou a partir do requerimento do interessado, juntando os documentos e as provas eventualmente apresentadas. Havendo dúvida relevante na análise das provas ou documentos, o procedimento pode se converter em Retificação Judicial, com a remessa dos autos à Corregedoria Permanente, com o detalhamento das conclusões. (SALLES, 2004). A retificação consensual atende aos casos em que é necessário alterar a descrição tabular do imóvel. Vejamos os termos do art. 213, inciso II: II - a requerimento do interessado, no caso de inserção ou alteração de medida perimetral de que resulte, ou não, alteração de área, instruído com planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no competente Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura - CREA, bem assim pelos confrontantes. Nessas situações, o pedido deverá ser sempre acompanhado de levantamento planimétrico, memorial descritivo e ART (anotação de responsabilidade técnica) do profissional responsável pelo levantamento. Na retificação consensual, além dos documentos apontados acima, é fundamental a anuência dos confrontantes. Obter a anuência dos confrontantes é, em regra, um aspecto que pode dificultar os procedimentos de retificação consensual. Em muitos casos, os confrontantes são algumas dezenas de pessoas, ou o que parece pior, não são facilmente localizáveis. A Lei 6.015/73 também estabelece os procedimentos a serem adotados nessas situações. Esclarece quem deve ser citado, explicita a forma de citação dos confrontantes para os quais não se obteve a devida anuência e também os prazos para manifestação dos mesmos. No § 10 do art. 213, a Lei indica quais são os confrontantes que devem ser citados (g.n.): § 10 Entendem-se como confrontantes não só os proprietários dos imóveis contíguos, mas, também, seus eventuais ocupantes; o condomínio geral, de que tratam os arts. 1.314 e seguintes do Código Civil, será representado por qualquer dos condôminos e o condomínio edilício, de que tratam os arts. 1.331 e seguintes do Código Civil, será representado, conforme o caso, pelo síndico ou pela Comissão de Representantes. 254 Quando não se consegue a assinatura de algum confrontante ou quando o mesmo não é localizado, a lei estabelece os procedimentos e prazos para notificação (g.n.): Aula 09 § 2º Se a planta não contiver a assinatura de algum confrontante, este será notificado pelo Oficial de Registro de Imóveis competente, a requerimento do interessado, para se manifestar em quinze dias, promovendose a notificação pessoalmente ou pelo correio, com aviso de recebimento, ou, ainda, por solicitação do Oficial de Registro de Imóveis, pelo Oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la. § 3º A notificação será dirigida ao endereço do confrontante constante do Registro de Imóveis, podendo ser dirigida ao próprio imóvel contíguo ou àquele fornecido pelo requerente; não sendo encontrado o confrontante ou estando em lugar incerto e não sabido, tal fato será certificado pelo oficial encarregado da diligência, promovendo-se a notificação do confrontante mediante edital, com o mesmo prazo fixado no § 2o, publicado por duas vezes em jornal local de grande circulação. § 4º Presumir-se-á a anuência do confrontante que deixar de apresentar impugnação no prazo da notificação. § 5º Findo o prazo sem impugnação, o oficial averbará a retificação requerida; se houver impugnação fundamentada por parte de algum confrontante, o oficial intimará o requerente e o profissional que houver assinado a planta e o memorial a fim de que, no prazo de cinco dias, se manifestem sobre a impugnação. § 6º Havendo impugnação e se as partes não tiverem formalizado transação amigável para solucioná-la, o oficial remeterá o processo ao juiz competente, que decidirá de plano ou após instrução sumária, salvo se a controvérsia versar sobre o direito de propriedade de alguma das partes, hipótese em que remeterá o interessado para as vias ordinárias. No texto “Retificação de Registro”, Dr. Venício Salles esclarece acerca do procedimento de obtenção de anuência dos confrontantes: A anuência dos confrontantes deve ser dada diretamente na PLANTA, com a reserva de espaço adequado para tanto, contendo a exata qualificação do subscritor e a localização e assento registral de seu imóvel. Nos termos do § 10°, deve ser entendido como confrontante, além dos proprietários, também os “ocupantes”. Assim, para se cumprir os desígnios legais, devem concordar com o pedido de retificação, além dos proprietários, também os ocupantes diretos, desde que não estejam na posse por mera detenção, ou escudados em autorização, permissão ou em razão de contrato firmado como o titular do domínio. Nestes casos a anuência é dispensável. 255 É de se ter sempre presente que a retificação afeta o direito de propriedade de forma que apenas os atores envolvidos com este direito é que devem ser chamados ou consultados. Também o Poder Público, titular do imóvel público que serve de acesso ao imóvel, pode subscrever a Planta, na medida em que também ostenta a condição de confrontante. Entretanto, para que tal medida não represente um pré-processo no âmbito da Prefeitura local, o interessado pode optar pela Notificação da Municipalidade. Apresentamos uma outra questão que sempre provoca dúvidas na condução dos procedimentos de retificação. Pode o município, como promovedor da regularização fundiária, requerer a retificação de uma transcrição ou matrícula cujo titular de domínio não seja o próprio município? Se tivermos em mente somente o princípio da instância (somente o titular do direito registral tem a legitimidade para solicitar alterações nos dados tabulares), a resposta pode ser não. Entretanto, há outra previsão na Lei Federal nº 6.015/73, art. 213, § 11, inciso I. Segundo esse parágrafo, independe de retificação: I - a regularização fundiária de interesse social realizada em Zonas Especiais de Interesse Social, nos termos da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, promovida por Município ou pelo Distrito Federal, quando os lotes já estiverem cadastrados individualmente ou com lançamento fiscal há mais de vinte anos. Não temos notícia da aplicação efetiva desse dispositivo. No entanto está previsto na lei, e como tal, poderá ser solicitado pelos municípios aos Cartórios de Registro de Imóveis. Nesses casos, entendemos que o pedido de registro da regularização deverá ser instruído com todas as provas que auxiliem o oficial de registro na tomada de decisão. As provas devem comprovar que a regularização fundiária pretendida não oferece, potencialmente, riscos a terceiros. O Cartório de Registro de Imóveis, em caso de dúvida, remeterá o pedido ao Juiz Corregedor, que decidirá ou solicitará novas provas. Nesses casos, além das plantas e demais documentos exigidos pelo Cartório de Registro de Imóveis, é prudente carrear ao pedido: •• estudo fundiário do imóvel em regularização; •• estudo fundiário dos confrontantes; 256 •• fotos aéreas com indicação da área em regularização, bem como dos confrontantes, demonstrando não haver instabilidade das divisas demarcatórias. Aula 09 Para concluir essa etapa, podemos dizer que a primeira fase de qualquer projeto de regularização fundiária consiste na análise do título que compreende a área a ser regularizada. As possíveis ausências de medidas perimétricas, ou insuficiência de dados que permitam a perfeita identificação do perímetro e da área de superfície da gleba regularizanda, demandam a prévia retificação da matrícula ou transcrição. Resumidamente, os aspectos mais importantes da retificação são: •• o levantamento planimétrico sobreposto ao desenho perimétrico do registro da gleba; •• em seguida, a identificação dos confrontantes, contendo endereço e indicação da sua legitimidade para anuir como confrontantes. Esta identificação deve, preferencialmente, resultar na anuência quanto à reEsta legitimidade consiste na apresentação da magularização que se pretende. Caso trícula ou transcrição do imóvel ou título hábil que o qualifique como ocupante. Por exemplo, um connão se obtenha todas as anuências, trato de venda e compra particular outorgado pelo pode-se requerer ao Cartório que titular de domínio, ou contrato de cessão de direitos. notifique os confrontantes indicados. É legítimo também qualquer dos condôminos ou o Passado o prazo para que estes se condomínio edilício, neste último caso, representado pelo síndico ou Comissão de Representantes. manifestem, presume-se que tenha havido anuência dos mesmos. i Assinale-se que este é o mesmo procedimento para os casos de apuração de remanescentes. Expliquemo-nos: Não raro nos defrontamos com situações em que apenas parte da gleba registrada foi parcelada, ou com implantações de loteamentos em parte de áreas desapropriadas, tais como as conhecidas “sobras de obras viárias”. Nestes casos, é necessário apurar o que de fato “sobrou” do título registrado, e proceder à abertura de matrícula individual para esta área. O procedimento é o mesmo adotado na retificação de registro, com a ressalva que os confrontantes que deverão anuir são exclusivamente os que se localizam na área remanescente, e não todos aqueles da gleba original. 257 Obtida a retificação do registro da gleba, está satisfeita uma das principais condições para a etapa seguinte da regularização fundiária, que consiste no registro do projeto licenciado pelos órgãos competentes. O registro da regularização fundiária Não existem, no ordenamento jurídico pátrio, procedimentos específicos para o registro da regularização fundiária. A legislação aplicável, em regra, é a Lei de Registros Públicos - Lei Federal nº 6.015/73 e Lei de Parcelamento do Solo Urbano - Lei Federal nº 6.766/79, salvo exceções que veremos adiante (registro da concessão de uso especial para fins de moradia). Além da legislação citada, orientam os procedimentos de registro de regularização fundiária, as normas expedidas pela Corregedoria Geral de Justiça em cada Estado. Com efeito, o rito procedimental para o registro especial de loteamentos é idêntico, tanto nos casos de loteamentos novos, quanto nos casos de regularização fundiária de assentamentos informais. O parcelamento do solo está sujeito ao registro especial previsto no art. 18 da Lei nº 6.766/79 que somente pode ser dispensado excepcionalmente, como se verifica no trecho a seguir do parecer apresentado pelo doutor Oscar José Bittencourt Couto, MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria, no Processo CG 1807/2000 (Parecer 36/2002-E): O registro especial, em princípio, é de ser observado em todos os casos de parcelamento, quer em loteamento quer em desmembramento, e somente por exceção, tem-se admitido a dispensa, e em hipóteses onde o parcelamento é de pequeno porte, sem mutação das características urbanísticas do local e sem abertura de novas vias públicas. O registro especial comporta uma peculiaridade: assim que registrado o parcelamento, as vias e praças formadas com o loteamento, bem como os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, passam ao domínio do Município. O art. 18 indica um rol de documentos a serem apresentados para a realização do registro. Vejamos: Art. 18 - Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao Registro Imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, acompanhado dos seguintes documentos: 258 I - título de propriedade do imóvel ou certidão da matrícula, ressalvado o disposto nos §§ 4º e 5º; (NR) (Redação dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99) Aula 09 II - histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 (vinte) anos, acompanhado dos respectivos comprovantes; III - certidões negativas: a) de tributos federais, estaduais e municipais incidentes sobre o imóvel; b) de ações reais referentes ao imóvel, pelo período de 10 (dez) anos; c) de ações penais com respeito ao crime contra o patrimônio e contra a Administração Pública; IV - certidões: a) dos Cartórios de Protestos de Títulos, em nome do loteador, pelo período de 10 (dez) anos; b) de ações pessoais relativas ao loteador, pelo período de 10 (dez) anos; c) de ônus reais relativos ao imóvel; d) de ações penais contra o loteador, pelo período de 10 (dez) anos; V - cópia do ato de aprovação do loteamento e comprovante do termo de verificação pela Prefeitura Municipal ou pelo Distrito Federal, da execução das obras exigidas por legislação municipal, que incluirão, no mínimo, a execução das vias de circulação do loteamento, demarcação dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento das águas pluviais ou da, aprovação de um cronograma, com a duração máxima de quatro anos, acompanhado de competente instrumento de garantia para a execução das obras; (Redação dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99) VI - exemplar do contrato-padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas no art. 26 desta Lei; VII - declaração do cônjuge do requerente de que consente no registro do loteamento. § 1º - Os períodos referidos nos incisos III, b e IV, a, b e d, tomarão por base a data do pedido de registro do loteamento, devendo todas elas ser extraídas em nome daqueles que, nos mencionados períodos, tenham sido titulares de direitos reais sobre o imóvel. § 2º - A existência de protestos, de ações pessoais ou de ações penais, exceto as referentes a crime contra o patrimônio e contra a administração, não impedirá o registro do loteamento se o requerente comprovar que esses protestos ou ações não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes. Se o oficial do registro de imóveis julgar insuficiente a comprovação feita, suscitará a dúvida perante o juiz competente. § 3º - A declaração a que se refere o inciso VII deste artigo não dispensará o consentimento do declarante para os atos de alienação ou promessa 259 de alienação de lotes, ou de direitos a eles relativos, que venham a ser praticados pelo seu cônjuge. § 4º O título de propriedade será dispensado quando se tratar de parcelamento popular, destinado as classes de menor renda, em imóvel declaração de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovido pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a implantar projetos de habitação. (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99) § 5º No caso de que trata o § 4º, o pedido de registro do parcelamento, além dos documentos mencionados nos incisos V e VI deste artigo, será instruído com cópias autênticas da decisão que tenha concedido a imissão provisória na posse, do decreto de desapropriação, do comprovante de sua publicação na imprensa oficial e, quando formulado por entidades delegadas, da lei de criação e de seus atos constitutivos. (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99) Como se pode observar, é grande o número de documentos a serem providenciados para registro do parcelamento, dificultando enormemente a regularização fundiária. Sobretudo se o loteador não se encontrar em paradeiro conhecido, ou estiver falecido. Outra dificuldade para o cumprimento das disposições acima está relacionada à obtenção das certidões negativas aludidas no inciso III do art. 18. A prática na regularização fundiária nos conduz à constatação das seguintes situações: loteamentos promovidos por particulares, muitas das vezes inescrupulosos, que após a venda de unidades, simplesmente desaparecem ou mudam o local da prática delituosa. Essas pessoas, não raras vezes respondem por processos criminais de parcelamento do solo. Em outras situações, a gleba conta com dívidas vultosas de IPTU, em função da combinação de dois fatos: a) o lançamento tributário recai sobre a gleba como um todo; b) os moradores contam com dificuldades organizacionais para arrecadarem sua “fração de lançamento tributário” e honrarem o fisco. As duas situações apresentadas, que são muito freqüentes, certamente impedirão a obtenção das certidões aludidas no Inciso III do art. 18 da Lei Federal nº 6.766/79. Buscando equacionar a questão das certidões de tributos municipais, alguns municípios têm trabalhado com legislações específicas visando à remissão de créditos tributários, isenção do imposto 260 predial e territorial urbano, e até mesmo a isenção do imposto de transmissão de bens imóveis para loteamentos irregulares localizados em zonas especiais de interesse social e que se encontrem em processo de regularização. Aula 09 Veja no web site http://www.leismunicipais.com.br/ os artigos 26 a 30 da Lei Municipal 14.125/05 do Município de São Paulo; a Lei Municipal nº 3.335/01 do Município do Rio de Janeiro; e a Lei Municipal nº 8.924/07, do Município de Santo André-SP. (Endereço acessado em 30.03.2008) @ Diante de tais dificuldades, torna-se imprescindível a elaboração de normas próprias para o registro da regularização fundiária, de teor mais simplificado. Neste sentido, vale citarmos a experiência legislativa do “Projeto More Legal III”, editado pela Corregedoria Geral de Justiça do Rio Grande do Sul, que possibilita a simplificação procedimental do registro da regularização fundiária. Segundo esse Provimento, são requeridos somente os seguintes documentos para registro do parcelamento a ser regularizado: •• título de propriedade do imóvel ou, em determinadas hipóteses, apenas a certidão atualizada da matrícula; •• certidão negativa de ação real ou reipersecutória, de ônus reais e outros gravames, referente ao imóvel, expedida pelo Ofício do Registro de Imóveis; e, •• planta do imóvel e memorial descritivo, emitidos ou aprovados pelo Município. No Estado de São Paulo, onde os processos de regularização fundiária ainda dependem da apreciação do poder judiciário, ou seja, o Cartório só registra o parcelamento regularizado desde que determinado pelo Juiz, o procedimento é regido pelas Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais, por meio do procedimento n° 58/89. Não obstante conterem dispositivos de recepção constitucional questionável, ainda assim, essas Normas de Serviço estabelecem um rol mais simplificado de documentos para a postulação da regularização fundiária quando a mesma for promovida pela Prefeitura, a saber: 261 262 152. Não se aplicam os artigos 18 e 19, da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, aos registros de loteamentos ou desmembramentos requeridos pelas Prefeituras Municipais ou, no seu desinteresse, pelos adquirentes de lotes, para regularizar situações de fato já existentes, sejam elas anteriores ou posteriores àquele diploma legal. 152.1. Para esse fim, os interessados apresentarão requerimento ao Juiz Corregedor Permanente do Cartório competente, instruído com os seguintes documentos: a) planta do loteamento ou desmembramento, devidamente aprovada pela Prefeitura, contendo as subdivisões das quadras, as dimensões e numeração dos lotes, logradouros, espaços livres e outras áreas com destinação específica;” b) quadro indicativo das áreas ocupadas pelos lotes, logradouros, espaços livres e outras áreas com destinação específica; c) certidão de propriedade, com menção de alienações e ônus, nos casos em que o imóvel tenha passado para outra circunscrição imobiliária; d) anuência da autoridade competente da Secretaria da Habitação, quando o parcelamento for localizado em região metropolitana ou nas hipóteses previstas no art. 13 da Lei nº 6.766/79, salvo a relativa aos parcelamentos situados em área de proteção aos mananciais ou de proteção ambiental; e) anuência da autoridade competente da Secretaria do Meio Ambiente, quando o parcelamento for localizado em área de proteção aos mananciais ou de proteção ambiental; f ) licença de instalação da CETESB, salvo quando se tratar de loteamento aprovado ou com existência de fato comprovada (153.1) anterior a 08 de setembro de 1976, ou de desmembramento aprovado ou com existência de fato comprovada (153.1)anterior a 19 de dezembro de 1979. 153. Aplica-se o disposto no item 152 às regularizações requeridas pelos próprios loteadores, desde que, comprovadamente, os parcelamentos sejam anteriores a 19 de dezembro de 1979 e todos os lotes já tenham sido alienados ou compromissados. 153.1. A comprovação será feita com planta aprovada pela Prefeitura ou com certidões que demonstrem lançamento individual de impostos sobre os lotes, sempre anteriormente a 19 de dezembro de 1979. 153.2. Além dos documentos referidos no subitem 152.1, os loteadores deverão apresentar necessariamente: a) declaração de que não há lotes por alienar ou compromissar; b) relação de todos os adquirentes, compromissários compradores ou cessionários dos lotes. 154. Os documentos referidos nos itens anteriores serão registrados e autuados pelo cartório da corregedoria, ouvindo-se, sucessivamente, o oficial do cartório competente e o Ministério Público. 154.1. O Juiz poderá determinar diligências e levantamento pericial para esclarecer dúvidas, promover a unificação de imóveis ou aperfeiçoar sua descrição, correndo as despesas por conta de quem requereu a regularização. Registro de áreas públicas – Concessão de Uso Especial para fins de moradia Aula 09 Trataremos nesse tópico exclusivamente do registro da concessão especial para fins de moradia, previsto na Medida Provisória nº 2.220/01, muito embora haja outros instrumentos aplicáveis na regularização de áreas públicas. A escolha da concessão de uso deve-se ao fato da mesma guardar singularidades face ao art. 18 da Lei Federal nº. 6.766/79. Consulte a íntegra da MP nº 2.220/01 e da Lei 6.766/79 no CD-ROM da Biblioteca Jurídica, na parte Normas Constitucionais e Legislação Aplicável à Regularização Fundiária Plena. Com a publicação do Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257/01, as áreas públicas ocupadas passaram a ter a proteção legal em nível nacional por meio da concessão de uso especial para fins de moradia, dentre outros instrumentos legais (art. 4º, inciso V, alínea “g” e “h”) A Medida Provisória nº 2.220/01, editada logo após o Estatuto da Cidade, disciplinou o instrumento da concessão de uso especial para fins de moradia. A primeira característica é que o reconhecimento do direito à moradia para a população de baixa renda nas áreas públicas, por meio da concessão de uso especial, deixa de ser mero ato discricionário do Poder Público, tornando-se um poder-dever, uma vez preenchidos os requisitos estampados na Medida Provisória, quais sejam: que o morador possua como seu, até 30 de junho de 2001, ininterruptamente e sem oposição, até 250 m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados) de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural. Alternativa não resta ao Poder Público, senão reconhecer o direito à moradia ao morador de área pública, que atenda essas condições, formalizando a respectiva concessão de uso especial de forma gratuita. A Medida Provisória nº 2.220/01 chega a relativizar o exercício deste direito, ou do poder-dever do Poder Público ao tratar de ocupação de imóveis: de uso comum do povo; destinados aos projetos de urbanização; de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental e da proteção dos ecossistemas naturais; reservados à construção de represas; situados 263 em vias de comunicação. Nesses imóveis é facultado ao Poder Público assegurar o exercício do direito de moradia em outro local (art. 5° e incisos, da MP nº 2220/01). Podemos inferir então, que a outorga da concessão de uso especial para fins de moradia, atendidos os requisitos da Medida Provisória nº 2.220/01, é ato vinculado, não restando alternativa ao poder Público senão praticá-lo em conformidade com a legislação pertinente. Neste sentido, a doutrina também se posiciona. Segundo SAULE JÚNIOR (2004, p.412/413): “A concessão de uso deixa de ser uma faculdade do Poder Público para efeito de promover a regularização fundiária das ocupadas pela população de baixa renda. Esta norma constitucional, de forma idêntica ao usucapião urbano, caracteriza a concessão de uso como direito subjetivo, que deve ser declarado por via administrativa ou pela via judicial, mediante provocação dos interessados, nos termos do art. 6º da MP. De acordo com este artigo, o título de concessão de uso especial para fins de moradia será obtido pela via administrativa perante o órgão competente da Administração Pública ou, em caso de recusa ou omissão deste, pela via judicial. (...) O reconhecimento deste direito deixou de ser uma faculdade do Poder Público. O título de concessão de direito especial de uso será obtido por via administrativa ou judicial, diante da recusa ou da omissão do Executivo, nos termos do art. 6º”. Antes de prosseguir, faça uma pausa para reler na Biblioteca Jurídica o artigo 18 da Lei nº 6766/79 e tente responder a questão por si mesmo/a. Caberia, assim, ao registrador exigir os requisitos previstos no artigo 18 da Lei Federal nº. 6766/79 para registro da concessão de uso especial? Se o Poder Público adianta-se na postulação do requerimento de reconhecimento dos direitos conferidos pela Medida Provisória nº 2.220/01, elabora plantas e memoriais em conformidade com a implantação da ocupação, reconhece o direito à moradia outorgando os títulos administrativos de concessão de uso especial para fins de moradia, deve-se ainda curvar-se aos requisitos do art. 18 da Lei Federal nº 6766/79 para registro dos mesmos? 264 Temos que não. Isto porque o conceito de regularização fundiária, a partir da Constituição Federal de 1988, e mais precisamente com o advento do Estatuto da Cidade, comporta outras espécies de tratamento normativo. Aula 09 Podemos concluir sobre esse aspecto que, mesmo que excepcionalmente, outras espécies de regularização podem ingressar em Cartório, com tratamento diferenciado daquele conferido pela Lei Federal nº 6.766/79. Neste sentido, destacamos as lições do desembargador paulista Kioitsi CHICUTA (2003): Tradicionalmente, a regularização fundiária se fazia com observância da Lei nº 6.766/79, mas, agora, a visão não é mais tópica e sim abrangente, o que pode ser observado pela Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece as diretrizes básicas da política urbana, na forma do artigo 182 da Constituição Federal (a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes), dispondo no parágrafo 1.º que “o plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana”, acrescentando no parágrafo 2.º que “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor (g.n) Vejamos também a posição de AGUIAR e BORBA (2007) a respeito: Ao mesmo tempo em que se constitui como um direito positivo, advindo dos canais competentes de expedição de norma jurídica, destituído de vícios formais e materiais, porque percorre os canais previstos no ordenamento processual legislativo, as disposições da CUEM são, igualmente, um direito subjetivo. Tal fato representa a possibilidade de que o indivíduo provoque o Estado para fazer valer sua pretensão contra a Administração Pública e contra terceiros, pois é oponível “erga omnes”, distinguindo-a de todos os demais instrumentos de regularização fundiária. Entender que a regularização fundiária que visa reconhecer um direito subjetivo tenha como pressuposto o atendimento aos requisitos de uma lei de parcelamento do solo voltada aos casos de comercialização de lotes e deva ser por esta disciplinada é o mesmo que afirmar que a usucapião urbana, prevista constitucionalmente, e regida pelo Estatuto da Cidade e pelo Código Civil, deve também se subordinar a Lei Federal nº 6.766/79. 265 Com efeito, tanto a concessão de uso especial para fins de moradia quanto a usucapião possuem características análogas: ambas têm, potencialmente, condições de conferir a regularidade fundiária de assentamentos informais, se consideradas na sua dimensão coletiva. Isto significa que têm o condão curativo próprio à regularização fundiária tradicional, e mais, implicam em regularização fundiária de parcelamento do solo, mesmo que por via oblíqua. Podemos concluir que o registro da concessão especial de uso para fins de moradia não deve se submeter aos regramentos previstos na Lei Federal nº 6.766/79. Procedimentos jurisdicionais de registro Em alguns Estados da Federação, o procedimento de registro da regularização fundiária é disciplinado por normas específicas da Corregedoria Geral de Justiça. Esse órgão surge historicamente da função exercida pelo corregedor. A correição era a ação exercida pelo corregedor na sua comarca, como representante do Rei. Os corregedores, também designados por meirinhos ou adiantados, eram os magistrados que fiscalizavam a administração da justiça nas comarcas. Os Cartórios de Registro de Imóveis são cartórios extrajudicias. Hoje a Corregedoria Geral da Justiça é órgão que funciona na sede do Poder Judiciário estadual. É executora das funções de controle, fiscalização, orientação e instrução dos serviços jurisdicionais e administrativos da Justiça do 1º grau e dos Cartórios Extrajudiciais, com jurisdição em todo o Estado, sendo dirigida por um desembargador eleito nos termos da lei, denominado Corregedor Geral da Justiça. No gozo de suas atribuições, a Corregedoria Geral de Justiça em alguns dos Estados brasileiros edita normas que estabelecem regras específicas para disciplinar o registro da regularização fundiária. Não pretendemos analisar todas as normas vigentes em cada um dos Estados da Federação, mas vale ressaltar dois aspectos: o primeiro é que todos aqueles que se dedicam à prática da regularização fundiária devem, de antemão, procurar conhecer se no seu Estado a Corregedoria Geral de Justiça editou normas relativas à regularização fundiária, e quais os preceitos que a mesma determina sobre a matéria. 266 Como é a situação no seu Estado? Aula 09 O segundo aspecto cinge-se a uma crítica baseada na prática: alguns Estados possuem normas especiais editadas pela Corregedoria Geral de Justiça que determinam que o registro da regularização fundiária deve ser antecedido por processo jurisdicional, ou seja, deve-se ingressar na justiça para obter o competente mandado de registro da regularização fundiária. A título de exemplificação, temos no Estado do Acre o Provimento Conjunto nº 01, que institui o “Projeto Meu Lugar Legal”, editado pelo Tribunal de Justiça do Estado, Corregedoria Geral da Justiça, Procuradoria Geral de Justiça, Procuradoria Geral do Estado e pelo Prefeito de Rio Branco representando a Prefeitura e a Associação dos Municípios do Acre – AMAC. No Estado do Mato Grosso, o Provimento nº 50/2007 da Corregedoria Geral de Justiça. No Estado do Amazonas, o Provimento 90/2003, também editado pela Corregedoria Geral de Justiça. No Ceará, o Provimento nº 01/2007, editado pela Corregedoria Geral de Justiça daquele Estado. No Estado de São Paulo, o Provimento nº 58/89. Todas as normas citadas acima determinam o prévio exame do Poder Judiciário para o registro da regularização fundiária, o que contribui enormemente para a morosidade do processo de registro. Apesar de os órgãos licenciadores da regularização fundiária gozarem de fé pública, em regra, no bojo do processo judicial, ainda que de natureza administrativa, é determinada perícia para formação da convicção do juiz, o que confere mais tempo ao desenrolar do processo. Certamente, este é um dos entraves na regularização fundiária, e que pesem os acurados olhos do poder judiciário. Experiências em Estados que não exigem tal procedimento jurisdicional demonstram que o ingresso do pedido de regularização fundiária diretamente junto ao Cartório de Registro de Imóvel competente, além de não trazer qualquer prejuízo à segurança jurídica, agiliza expressivamente os processos de regularização fundiária. Citemos como exemplo o Estado do Rio Grande do Sul, por meio do provimento More Legal III, e o Estado do Rio de Janeiro, Provimento nº. 44/99, que dispensam o prévio procedimento judicial. 267 Conclusão O registro da regularização fundiária demanda por procedimentos mais simplificados, sob pena de jamais finalizarmos a regularização do assentamento, que se traduz nos registros. Como se pode notar, do ponto de vista registral, a legislação brasileira que incide sobre o registro da regularização fundiária ainda tem muito a avançar. Vimos que são exigidos os mesmos documentos previstos no art. 18 da Lei Federal nº 6.766/79, com a perspectiva de manter os padrões de segurança de aquisição de lotes em parcelamentos do solo recém implantados. Contudo, essas exigências tornam-se grande obstáculo ao registro da regularização fundiária nos Estados que não contam com Normas expedidas pelas respectivas Corregedorias Gerais de Justiça visando à simplificação de ritos para registro do parcelamento regularizado junto aos Serviços de Registro de Imóveis. Isto significa que o registro da regularização fundiária padece pelo excesso de disposições, uma vez que é disciplinado por normas que não atendem às suas peculiaridades. Nesta esteira, certamente temos a aprender com o registro dos projetos urbanísticos de áreas sujeitas às concessões de uso especial. Se por um lado tem por escopo o controle de disponibilidade da área pública, por outro pode nos ensinar que o registro da regularização fundiária demanda exclusivamente por procedimentos mais simplificados, sob pena de jamais atingirmos a etapa final da regularização do assentamento, que se traduz nos registros. O registro dos títulos na regularização fundiária O registro dos títulos (compromissos de compra e venda, promessas de cessão, instrumentos particulares) na regularização fundiária de parcelamentos implantados em áreas particulares, tal como o registro do próprio parcelamento, possui como regra geral a Lei Federal nº 6.766/79. Em especial, destaquemos os arts. 25 a 36 (contratos) e 38 e 40 (regularização do parcelamento do solo promovido pelo Município ou DF) e 41 (registro do compromisso de venda e compra). 268 Está previsto que deve ser depositado em Cartório um contrato denominado “padrão”, com no mínimo os seguintes elementos: Aula 09 “Art. 26 - Os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular, de acordo com o modelo depositado na forma do inciso VI do art. 18 e conterão, pelo menos, as seguintes indicações: I - nome, registro civil, cadastro fiscal no Ministério da Fazenda, nacionalidade, estado civil e residência dos contratantes; II - denominação e situação do loteamento, número e data da inscrição; III - descrição do lote ou dos lotes que forem objeto de compromissos, confrontações, área e outras características; IV - preço, prazo, forma e local de pagamento bem como a importância do sinal; V - taxa de juros incidentes sobre o débito em aberto e sobre as prestações vencidas e não pagas, bem como a cláusula penal, nunca excedente a 10% (dez por cento) do débito e só exigível nos casos de intervenção judicial ou de mora superior a 3 (três) meses; VI - indicação sobre a quem incumbe o pagamento dos impostos e taxas incidentes sobre o lote compromissado; VII - declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento, supletivas da legislação pertinente.” Um dos grandes entraves nos registros de parcelamentos regularizados é que os contratos firmados com os adquirentes, não raras vezes, desatendem aos elementos previstos na Lei Federal nº 6.766/79. Em decorrência, não “podem” ser averbados na matrícula aberta por ocasião do registro da regularização fundiária. Um outro aspecto diz respeito à morosidade do processo de regularização fundiária, tendo em vista as diversas vendas que podem ocorrer no lapso temporal entre a primeira aquisição e a data da regularização fundiária. A alternativa lançada pela nº Lei 6.766/79, com fim de assegurar aos adquirentes a efetiva transmissão da propriedade da área, traduz-se na possibilidade de o adquirente do lote, comprovando o depósito de todas as prestações do preço avençado, obter o registro de propriedade do lote adquirido, valendo para tanto o compromisso de venda e compra devidamente firmado (art. 41), desde que o parcelamento tenha sido regularizado pela Prefeitura ou pelo Distrito Federal. Avençado: acordado, ajustado. Dicionário Houaiss. 269 Nesse aspecto, o art. 41: ...induz a considerar que, ocorridas aquelas circunstâncias especiais, um contrato celebrado mediante instrumento particular, o compromisso de compra e venda, mesmo não averbado ou registrado no registro de imóveis competente, faz base formal suficiente para a obtenção do registro de propriedade imobiliária, consumando a transmissão do domínio, desde que esteja devidamente firmado e o adquirente comprove o depósito de todas as prestações do preço avençado... claro está que as prestações depositadas não precisam cobrir a totalidade do preço avençado. Basta apenas a comprovação de que todo o preço foi pago, seja parte ao loteador, seja parte depositada em cartório ou até parte paga diretamente ao poder público, nos termos do § 3º do art. 40. (MUKAI e outros, 1987, p. 241/242). É importante frisar que a forma de transmissão de domínio prevista neste dispositivo é norma de direito excepcional e anômala daquelas previstas pelo Código Civil, e se o legislador assim o previu, é claro o escopo de proteger o comprador de lotes pertencentes a loteamento irregular, o qual não logrará obter a escritura do loteador faltoso. TAMISO (1999, p. 317) também traz lições valiosas a respeito: Evidencia-se, assim que o legislador preocupou-se com as várias fases de regularização dos parcelamentos, ou seja, a regularização de um loteamento implicará não só na solução das questões urbanísticas (aprovação dos órgãos públicos competentes) e cíveis (situação dominical). Buscou-se, também, a regularização da situação fundiária da área (vez que somente após o registro do parcelamento é que os lotes passarão a ter existência jurídica), inclusive em relação aos compradores. E assim foi feito porque as conseqüências advindas da incompleta regularização do parcelamento atingem a toda a comunidade, causando até mesmo reflexos na segurança jurídica dos negócios celebrados: os adquirentes de lotes irregulares (comumente alienados inúmeras vezes) terão dificuldade (ou impossibilidade) de constatar a quem realmente pertencem, possibilitando a celebração de contratos irregulares e até fraudulentos. Atentas a essas questões, algumas Corregedorias de Justiça disciplinaram a matéria. Exemplo 1 – Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo – provimento nº. 58/89: 270 155. Nos loteamentos ou desmembramentos regularizados pelas Prefeituras Municipais, valerá, como título hábil ao registro dos lotes, o contrato de compromisso de venda e compra celebrado antes da regularização, desde que o adquirente comprove, perante o oficial, o pagamento ou o depósito de todas as prestações do preço avençado, bem como do imposto de transmissão devido, sem prejuízo do cumprimento de outras exigências previstas na Lei dos Registros Públicos. 155.1. Gozará de idêntica validade o contrato de cessão, desde que firmado numa das vias do compromisso de venda e compra, ou, embora formalizado em instrumento separado, venha acompanhado do instrumento de compromisso de venda e compra. Aula 09 155.2. Para tal fim, o oficial, achando a documentação em ordem, procederá ao registro da transmissão de propriedade, arquivando uma via do título e os comprovantes do pagamento. Se a documentação for microfilmada, poderá ser devolvida. 155.3. Na hipótese prevista no item 155.1, o compromisso de venda e compra e a cessão serão registrados. Exemplo 2 – Corregedoria Geral do Rio Grande do Sul – Projeto More Legal III: TÍTULO III Do Registro dos Contratos Art. 6º - Registrado ou averbado o parcelamento (loteamento, desdobramento, fracionamento ou desdobro) do solo urbano, os adquirentes de lotes de terreno poderão requerer o registro dos seus contratos, padronizados ou não, apresentando o respectivo instrumento junto ao ofício do Registro de Imóveis. § 1º - O registro poderá ser obtido diante da comprovação idônea da existência do contrato, nos termos do artigo 27, § 1º e § 2º, da Lei nº 6.766/79; § 2º - Os requisitos de qualificação das partes necessários ao registro, caso inexistentes, serão comprovados através da apresentação de cópia autenticada de documento pessoal de identificação, ou dos cogitados na Lei nº 9.049, de 18 de maio de 1995, ou, ainda, de cópia de certidão de casamento ou equivalente. § 3º - Admite-se, nos parcelamentos populares, a cessão da posse em que estiverem provisoriamente imitidas a União, Estado ou Municípios, e suas entidades delegadas, o que poderá ocorrer por instrumento particular. § 4º - A cessão da posse referida no § 3º, cumpridas as obrigações do cessionário, constitui crédito contra o expropriante, de aceitação obrigatória em garantia de contratos de financiamentos habitacionais. § 5º - Com o registro da sentença que, em processo de desapropriação, fixar o valor da indenização, a posse referida no § 3º converter-se-á em propriedade, e a sua cessão em compromisso de compra e venda, conforme haja obrigações a cumprir ou estejam elas cumpridas, circunstâncias que, demonstradas no Registro de Imóveis, serão averbadas na matrícula relativa ao lote. 271 § 6º - Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação das obrigações do adquirente e de guia de pagamento ou de exoneração do ITBI, registro esse que será feito a requerimento escrito do adquirente, sendo essa regra aplicável somente nos casos do § 3º deste artigo. Exemplo 3 – Corregedoria Geral do Rio de Janeiro – Provimento nº 44/99 Art. 6º - Nos loteamentos ou desmembramentos realizados nos termos da Lei nº 6.766/79 e regularizados pelas Prefeituras, valerá, como título ao registro dos loteamentos, o contrato de compromisso de venda e compra celebrado antes da regularização, desde que o adquirente comprove, perante o Oficial do Registro, o pagamento ou depósito de todas as prestações do preço avençado, bem como do imposto de transmissão devido, sem prejuízo do cumprimento de outras exigências previstas na Lei de Registros Públicos. § 1º - gozará de idêntica validade o contrato de cessão e promessa de cessão, bem como os documentos constantes do art. 27, §1º, da Lei nº 6.766/79, desde que firmado numa das vias do compromisso de venda e compra, ou, embora formalizado em instrumento separado, venha acompanhado do instrumento de compromisso de venda e compra. §2º - Para tal fim, o Oficial, achando a documentação em ordem, procederá ao registro da transmissão da propriedade, arquivando uma via do título e os comprovantes dos pagamentos. Se a documentação for microfilmada, poderá ser devolvida. §3º - Na hipótese prevista no §1º, os contratos ali previstos deverão ser registrados.” Mais afinada com o espírito do Estatuto da Cidade, temos a Ordem de Serviço nº 04/2005 expedida pelo Juiz de Direito Titular Corregedor da 1ª Vara de Registros Públicos da Comarca de São Paulo. Vejamos: “V - REVALIDAÇÃO DE TÍTULOS: 15. - Regularizado o registro do parcelamento os interessados, detentores de direitos sobre os lotes do parcelamento, poderão promover o REGISTRO de seus títulos e documentos de aquisição, nos termos do art. 41, da Lei nº 6.766, comprovando a quitação; § 1º - Quando os contratos de compromisso de venda e compra e cessão(ões) de direitos não contiverem as qualificações necessárias dos compromissário(s) comprador(es) e seu(s) respectivo(s) cônjuges, serão complementados por requerimento assinado pelo interessado, acompanhado de cópias autenticadas das cédulas de identidade, CPF e certidão de casamento, quando for o caso; 272 § 2º - A prova de quitação do preço do lote se dará através de termo de quitação assinado pelo loteador, com firma reconhecida ou com a apresentação da última parcela do preço avençado, devidamente quitada; Aula 09 § 3º - Quanto constar do título que o loteador (es) é (são) representado(s) por procurador, deverá ser apresentada a respectiva prova de representação; § 4º - Em qualquer caso, não deve ser exigida a apresentação da CND do INSS e certidão de quitação de tributos federais; § 5º - O imposto de transmissão de bens imóveis (ITBI) deverá ser recolhido à PMSP antecedentemente ao pedido de registro; § 6º - Quando a descrição do lote constante do título foi imperfeita, o Oficial Registrador complementará os dados faltantes, coletados diretamente da planta “AU”, arquivada na serventia imobiliária; 16. - Caso o título ou os documentos de quitação ostentem imperfeições ou desajustes no que diz respeito aos aspectos ligados à especialidade registrária, poderá o interessado requerer a REVALIDAÇÃO, nos termos do § 13º, do art. 213, da Lei de Registros Públicos, visando habilitá-lo a registro; Parágrafo único: - Para a revalidação de título o interessado poderá produzir prova documental ou técnica, notificando, se for o caso, o(s) titular(es) do domínio e/ou o empreendedor(es). Conclusão As experiências legislativas acima demonstram a necessidade de elaborar e aprovar instrumentos normativos que facilitem, após o registro do projeto de regularização fundiária, a recepção e registro dos títulos de aquisição dos lotes junto à matrícula correspondente. Sem dúvida, é fundamental a elaboração de lei própria que discipline a regularização fundiária em todas as espécies e dimensões. É inviável conduzir procedimentos de regularização de loteamentos implantados irregularmente, seguindo, basicamente, as mesmas exigências legais para registro de um novo parcelamento do solo. Para tanto, será necessário considerar não apenas os aspectos urbanísticos, mas também os aspectos jurídicos anteriormente apontados. No que se refere ao registro de contratos, deve-se ainda analisar se a ausência da qualidade formal dos mesmos pode revelar que a alternativa indicada pela Constituição Federal, qual seja a usucapião, não se torna mais adequada, caso estejam presentes os requisitos desse instituto jurídico. 273 TAMISO indica ainda um outro caminho jurídico que merece ser experimentado nos procedimento de regularização: trata-se de “buscar-se a regularização dos títulos dos adquirentes, através de sentença substitutiva de vontade do parcelador, de maneira coletiva, se atendidos alguns requisitos”. Neste aspecto revela TAMISO: i Código de Processo Civil, Art. 641 - Condenado o devedor a emitir declaração de vontade, a sentença, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida. Do cotejo desses dispositivos com o já citado art. 641 do CPC, conclui-se que, na hipótese de haverem os compradores pago integralmente o preço avençado, se esquivarem os loteadores de lhes outorgar as escrituras definitivas e não for possível o ingresso dos compromissos particulares no registro, viável será a obtenção de provimentos jurisdicional equivalente à declaração de vontade injustamente negada pelos parceladores. “Como conseqüência, os lotes serão adjudicados aos adquirentes, demonstrada a qualidade de compromissário comprador ou cessionário e o pagamento total do preço” (TAMISO, op. cit., p. 322). Por fim, não obstante toda sorte de dificuldades, é importante, nas etapas da regularização fundiária, inclusive naquelas atinentes ao registro, lançar mão de todos os instrumentos técnicos e jurídicos previstos no ordenamento jurídico do país: as leis específicas já citadas nesse texto, normas da Corregedoria Geral de Justiça do respectivo Estado da Federação, Código Civil Brasileiro e Código de Processo Civil Brasileiro. Propomos que você realize a seguinte atividade individual: •• Leia a íntegra do artigo Retificação de Registro, de Venício Antonio de Paula Salles, disponível na Biblioteca Virtual. •• Resuma os pontos principais. •• Anote suas dúvidas. •• Exponha suas dúvidas no tópico desta atividade no Fórum. 274 Na aula 10 você conhecerá mais sobre a regularização fundiária de ocupações em áreas públicas. Verá como essas áreas são classificadas e quais são os requisitos e estratégias para requisitar a Concessão de Uso Especial para fins de Moradia – CUEM. Também estudará como são os procedimentos de regularização fundiária em terras da União. Bibliografia Aula 09 AGUIAR, Carlos e TERESA, Borba. “Regularização Fundiária e Procedimentos Administrativos”. In: ROLNIK, Raquel [et al.]. Regularização Fundiária Plena, Referências Conceituais. Brasília: Ministério das Cidades, 2007. BASSUL, José Roberto. Estatuto da cidade: Quem Ganhou? Quem Perdeu?. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2005 CHICUTA, KIOITSI. “A Função Registral e a Atuação do Judiciário - Breves Considerações Sobre a Desapropriação Judicial e a Concessão Real de Uso”. In Boletim Eletrônico IRIB/ANOREGSP 804. 28/03/2003. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 13ª. São Paulo: Atlas, 2001 JACOMINO, Sérgio [org.]. Registro de Imóveis: Estudos de Direito Registral Imobiliário: XXV e XXVI Encontros dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Applicação do Direito. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1923. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32ª. São Paulo: Malheiros, 2006. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17ª. São Paulo: Malheiros, 2003. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18ª, São Paulo: Atlas, 2005. MUKAI, Toshio. Direito Urbanístico e Ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004. MUKAI, Toshio. e outros. Loteamentos e Desmembramentos Urbanos. São Paulo: Sugestões Literárias, 2ª ed., 1987. ROLNIK, Raquel. A Cidade e a Lei: Legislação, Política Urbana e Territórios na Cidade de São Paulo. 3ª Edição. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP, 2003. ROLNIK, Raquel [et al.]. Regularização Fundiária Plena, Referências Conceituais. Brasília: Ministério das Cidades, 2007. 275 SALLES, Venício Antonio de Paula. Direito Registral Imobiliário. São Paulo Saraiva, 2006. ______ . Retificação de Registro. Associação dos Notários e Registradores do Distrito Federal - ANOREG/DF, 19.08.2004. http://www.anoregdf. org.br/paginas/artigos_exibe.asp?id=1. Acessado em 30.03.2008. SAULE JÚNIOR, Nelson. Direito à Cidade: Trilhas Legais para o Direito às Cidades Sustentáveis. São Paulo: Max Limonad Editora, 1999. ______ . [et al.]. Manual de Regularização fundiária em Terras da União. São Paulo: Instituto Pólis; Brasília: Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão, 2006. ______ . A Proteção Jurídica da moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. SILVA, José Afonso, Direito Urbanístico Brasileiro. 4ª. Edição. São Paulo: Malheiros, 2006. SILVA, Lucilva Pereira da. Julgados de Retificação de Área. São Paulo: Edipro, 1995. TAMISO, Cláudia Helena. “Alguns Aspectos da Lei do Parcelamento do Solo e a Transmissão do Domínio dos Lotes”. In: Temas de Direto Urbanístico. Ministério Público do Estado de São Paulo/CAOHURB, 1999, p. 317. Publicações institucionais Balanço Qualitativo de Gestão: 2001-2004. São Paulo, Prefeitura do Município de São Paulo / Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano, 2003. Estatuto da Cidade: Guia para Implementação pelos Municípios e Cidadãos, Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001. Regularização de Loteamentos no Município de São Paulo. São Paulo, Prefeitura do Município de São Paulo / Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano, 2003. 276 Roteiro para as Áreas Públicas Ocupadas. Programa de Regularização da Prefeitura do Município de Osasco / Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano, 2006. Aula 09 Temas de Direto Urbanístico, [Coord. Geral José Carlos de Freitas]. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Ministério Público do Estado de São Paulo, 1999. 277 Esta aula se divide em duas partes. Na primeira, você verá uma síntese do surgimento, no Brasil, do conceito histórico de terras públicas, como elas se classificam e quais são os instrumentos disponíveis para regularização fundiária aplicáveis a ocupações de interesse social em áreas municipais e estaduais. Na segunda parte, estudaremos os avanços legais para regularização de ocupações de interesse social em áreas públicas da União. Você também terá a oportunidade de conhecer as diretrizes da Secretaria do patrimônio da União, quais os instrumentos específicos de regularização fundiária em áreas da União (aforamento, inscrição de ocupação, permissão, etc.) e quais são os procedimentos para efetivação desta regularização fundiária (o passo a passo da regularização em áreas da União). Aula 10 Regularização fundiária de ocupações em áreas públicas Ellade Imparato 400 ANOS DE FAVELA - Zé Keti 280 400 anos de favela Sem água, com mágoa 400 anos de favela Sonhando com ela 400 anos de favela Sem água, com mágoa 400 anos de favela Sonhando com ela Arranjou um moço da cidade Hoje ela tem vida melhor 400 anos de favela E eu só levando a pior Arranjou um moço da cidade Hoje ela tem vida melhor 400 anos de favela E eu só levando a pior Aula 10 Introdução O surgimento histórico do conceito de áreas públicas e a necessidade de discriminá-las Para a colonização das terras brasileiras, Portugal optou por fazer concessão das terras aqui existentes a fidalgos da corte que, avessos ao trabalho na terra, necessitavam que a labuta fosse feita através da mão-de-obra escrava. De fato, como aqui não foram no primeiro momento descobertas jazidas de metal e pedras preciosas, a metrópole portuguesa precisou encontrar um mecanismo economicamente viável à ocupação e exploração de suas novas terras. Por outro lado, a mão-de-obra livre implicaria custos que os detentores das concessões de terras não queriam arcar, assim, foi dado início à importação de mão-de-obra escrava africana. As concessões de terras eram feitas sobre glebas imensas, sem qualquer precisão de medidas e confrontações, com a obrigatoriedade de cultivo no regime conhecido como sesmarias. As glebas de terra assim concedidas, de forma que os concessionários (sesmeiros) brigassem entre si pelas terras antes de brigarem com a Metrópole (CIRNE LIMA, 1988), não só acabou criando as bases dos latifúndios como a dificuldade com que até hoje nos defrontamos para a demarcação cartográfica e o registro de nossas terras. Os séculos se passaram, veio a independência, em 1822, que encontrou as terras do Brasil atreladas às concessões, porém não cultivadas (idem). O fato de que as terras não cultivadas “cairiam em comisso”, ou seja, o sesmeiro perderia a concessão e as terras voltariam à Coroa, nunca foi muito levado a sério e não há na literatura qualquer caso reportado neste sentido. No século XIX, pressões internacionais e o início da implantação do modelo econômico capitalista tornaram obsoleto o modelo econômico implantado no Brasil a partir do século XVI. No limite, era necessário que o valor econômico fosse transferido à terra para que paulatinamente deixasse de ter valor a comercialização de escravos. 281 Logo no começo da República, o governo introduziu no País um registro novo, o Registro Torrens, oferecendo-o ao povo como alternativa ao então vigente Registro de Imóveis. Idealizado por Robert Richard Torrens e adotado inicialmente na Austrália em 1858, foi estabelecido no Brasil em 1890. No Brasil, veio a subordinar-se a um processo misto, principalmente judicial, muito demorado e dispendioso, com a publicação de editais, custas e outras despesas, só acessível aos ricos. Oferecia uma matrícula ao mesmo tempo constitutiva e legitimadora, dotada de força formal (fé pública) em prova absoluta da propriedade, mais valiosa do que a inscrição comum, que, por ser apenas constitutiva, não purga os vícios acaso existentes na transmissão. Malgrado seu insucesso e desuso, não obstante a excelência teórica desse instituto, o Código de Processo Civil de 1939 o restabeleceu, sendo seguido pelo de 1973, que o incluiu entre os procedimentos extravagantes que continuam em vigor. Descaracterizado, conflituoso, caro e demorado, só resta ser declarado extinto por lei. Adaptado de PORTO, Ary Eduardo. Aspectos de Dominialidade. A íntegra está disponível na Biblioteca Virtual. 282 Assim, em 1824, na Constituição do Império, foi reconhecido o direito à propriedade privada, que poderia ser perdida apenas mediante desapropriação. Para concretizar o direito à propriedade privada, foi editada a Lei de Terras (Lei 601/1850). Lá foi criado o instituto jurídico das terras devolutas. As terras que não pertencessem a particulares seriam devolvidas ao Poder Público, isto é, à Coroa Imperial brasileira. Foi aberta a possibilidade de importação de mão-de-obra livre para o cultivo de terras. Para o registro das terras particulares, essa lei criou o Registro Paroquial. Através do Decreto Imperial que a regulamentou em 1854, ficou assegurado que aqueles que detinham direito às sesmarias deveriam declará-las perante o vigário da paróquia competente pelo local onde se sediavam as concessões declaradas. Para a constituição de ônus sobre as terras, foi criado o Registro Geral, em 1864, possibilitando o uso da propriedade como garantia para os financiamentos necessários às safras agrícolas. O fato é que este sistema assim criado fez com que os minifúndios que se formaram entre 1822 e 1850 fossem eliminados, consagrando os latifúndios. A forma eleita para a demarcação de terras devolutas fez com que, ao se chegar à Proclamação da República, em 1889, essas terras ainda não fossem devidamente conhecidas. A República reconheceu o Brasil como uma Federação e um Estado laico, portanto, desde logo extinguiu os Registros Paroquiais, instituiu no Registro Geral e o método de Torrens para o registro das transações imobiliárias. Em 1891, a primeira Constituição republicana transferiu o direito às terras devolutas aos Estados membros da União recém criada. Ocorre que o método de Torrens aqui parcialmente empregado, ou seja, sem a representação cartográfica das terras que registra, por meio de transcrições, conforme prescreve o modelo original australiano, assim como o Registro Paroquial, não trouxe a clareza necessária a estes registros. Assim, quando o Código Civil de 1916 trouxe a necessidade de serem inscritas nos Registros Imobiliários as transferências de imóveis para operar legalmente a tradição, ou quando reconheceu que são públicas as terras que não pertençam a particulares, não resolveu o problema que o País enfrenta desde as sesmarias, ou seja, a correta individuação dos imóveis. Desta maneira, até hoje há litígio para a demarcação de terras, quer sejam particulares, quer sejam públicas. De qualquer forma, o Código Ci- vil anterior e o vigente classificaram os bens púbicos, o que nos leva a discorrer sobre sua classificação. Aula 10 Classificação de áreas públicas De fato, o Código Civil atual (artigos 98 a 103) dividiu os imóveis públicos em três categorias, de acordo com o uso que se lhes dá, a saber: •• uso comum do povo; •• uso específico (ou especial); e •• bens dominicais (patrimoniais ou dominiais). Consulte o Código Civil na Biblioteca Virtual. No entanto, a histórica divisão entre bens de uso comum do povo, bens de uso específico e bens dominicais, nos termos do artigo 99, incisos I a III do mesmo diploma legal, restou mitigada com a alteração do artigo 17, da Lei de Licitações (Lei Federal nº 8.666/1993), pela Lei Federal nº 11.481/2007. Ficou permitida sua alienação, independentemente de avaliação prévia e licitação, para os programas de regularização fundiária promovidos por órgãos ou entidades públicas. A classificação se impõe pelo fato de que os dois primeiros são fortemente marcados pela finalidade pública que possuem. Contudo, os bens patrimoniais ou dominicais do Estado têm fortes características de direito privado e são, em princípio, disponíveis. Todavia, jamais poderão ser adquiridos por usucapião, conforme disposto nos artigos 183, § 3º e 191, parágrafo único, da Constituição Federal. Os bens de uso comum do povo e os bens especiais, aqui incluídos os bens utilizados pelas autarquias de qualquer dos entes federados, ao interesse do serviço público, como tais continuam inalienáveis, enquanto subsistir a sua destinação. Assim, permanece a necessidade da sua desafetação para deixarem de ser bens fora do comércio. Desafetado o bem, o que somente é possível através de lei, ele passará a ter as características de bem dominical ou patrimonial e, como tal, poderá ser alienado. Por outro lado, o próprio conceito de propriedade alterou-se desde 1824. De fato, a Constituição, em 1988, abandonou definitivamente o paradigma individualista do século XIX ao prescrever que a propriedade é 283 reconhecida como direito do proprietário enquanto este respeitar a sua função social. Todavia, a necessidade que a propriedade imobiliária púbica cumpra sua função social não havia ficado tão clara assim. Os tímidos sinais dados em 1988 começam a ser aclarados com a publicação, treze anos mais tarde, do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001). Disciplinando os artigos constitucionais que tratam da Política Urbana, definiu, dentre os instrumentos previstos, o planejamento municipal para o qual enumera entre outros (art. 4º, III) a concessão de uso especial para fins de moradia e a regularização fundiária. A função social da terra pública ficou mais óbvia com a promulgação da Lei Federal 11.418, em 2007, que prevê medidas para a regularização fundiária de imóveis da União, alterando o dispositivo da Lei Federal nº 8.666/1993, como já mencionado. Desta forma, não mais restam dúvidas que o ordenamento jurídico pátrio, que havia reconhecido o direito de moradia como direito social (art. 6º, CF), assegura a função social de seu exercício em terras públicas e determina a sua regularização como forma de democratizar o acesso a terra urbanizada. No entanto, como a afetação é dada pelo uso, se o uso fático é alterado no curso do tempo, a desafetação já estaria feita de fato, em decorrência do novo uso dado àquela coisa pública. Todavia, não é assim que ainda hoje vê nossa jurisprudência que, com Hely Lopes Meirelles, entende que a alteração da destinação de bem público deve ser dada por autorização legislativa. Se a regra é desafetar para permitir outra destinação ao bem público, temos um problema, pois, ao estudar a concessão de uso especial para fins de moradia, verificamos que ela traz um direito subjetivo do possuidor de área pública ao domínio útil sobre ela. Este instrumento, criado pela Constituição Federal, mencionado pelo Estatuto da Cidade e disciplinado pela Medida Provisória 2220/2001, dá àquele que possui terra pública o direito subjetivo a seu uso, podendo pleitear seu reconhecimento e receber o domínio útil sobre o bem que possui da forma que abordaremos abaixo. O fato é que a dimensão da função social da propriedade pública dada pela Constituição de 1988 ainda não foi plenamente absorvida por nossos Egrégios Tribunais. 284 A propósito, nos bens públicos acima referidos, são facilmente individuados aqueles constituídos por prédios ou apartamentos. O mesmo não se dá quando se fala em terras públicas. Aula 10 As terras públicas podem pertencer ao município, ao Estado, à União, ao Distrito Federal e às suas autarquias e fundações. As terras públicas de domínio a União merecem tratamento diferenciado. No caso das terras, ainda são muito sentidas as questões acima tratadas, pois as dificuldades registrárias em suas descrições e a corretas descrições dos imóveis e seus limites afetam tanto terras particulares quanto públicas. De fato, primeiramente, para extremar a área pública da área particular, é preciso discriminá-las. Isso se faz atualmente através da Lei Federal nº 6.383/1976, que regulamenta este procedimento para as terras estaduais e federais. Independentemente de comentar a pouca eficácia dada por esta Lei que substituiu a legislação anterior e, mesmo assim, não obteve a solução definitiva de processos discriminatórios iniciados no Estado de São Paulo nos anos 20, por exemplo, vê-se que, além da classificação dada às áreas públicas devido a sua destinação, outra classificação é dada pelo ente federado ao qual pertençam. Assim, as terras públicas podem pertencer ao município, ao Estado, à União, ao Distrito Federal e às suas autarquias e fundações. As terras públicas de domínio da União merecem tratamento diferenciado e, por isto, são tratadas na segunda parte deste artigo. Em princípio, os entes federados podem adquirir imóveis por quaisquer das formas de aquisição de propriedade dadas pela legislação civil (Código Civil, artigo 1.238 e seguintes). Ocorre que o município recebe áreas públicas a partir do parcelamento do solo feito em seu território. Assim, são municipais as áreas com destinações públicas, sejam áreas verdes, institucionais e o viário em loteamentos aprovados e implantados nos termos da Lei Federal nº 6.766/1979. Da mesma forma, são estaduais as faixas não edificantes às margens das rodovias estaduais. De qualquer forma, é importante notar que, para a regularização fundiária plena, ou seja, aquela que possibilite o registro dos títulos de domínio útil ou pleno outorgado, além da desafetação, a área deverá estar descrita em uma matrícula no Cartório de Registro de Imóveis responsável pela circunscrição territorial na qual estiver localizada. 285 A partir desta análise e exposição de pressupostos, vamos abordar os instrumentos utilizados para a regularização em áreas públicas municipais e estaduais. Instrumentos de Regularização Fundiária em áreas públicas municipais e estaduais Existem vários instrumentos jurídicos que podem ser utilizados para a regularização de áreas públicas municipais e estaduais. Primeiramente, devemos ponderar sobre a desapropriação como instrumento que utilizado muitas vezes para regularizar ocupações em terras particulares e para a implantação, pelo Poder Público, de habitação de interesse social. De fato, desde 1941, com a publicação do Decreto-lei nº 3.365, que dispôs sobre a desapropriação por utilidade pública, é possível desapropriar áreas para a implantação de loteamentos. Somente a partir de 1962, com a Lei Federal nº 4.132, a desapropriação por interesse social passou a ser utilizada “para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar seu uso ao bem estar social” (Art. 1º), fortalecendo a idéia de desapropriar para fins de regularização fundiária. Em seu artigo 2º, esta Lei considerou de interesse social para fins de fomentar a moradia: o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico; a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habitação, formando núcleos residenciais de mais de dez famílias; e a construção de casas populares. Aquela Lei determinou ainda que, uma vez decretada, o Poder Público tem o prazo de dois anos para fazer o depósito prévio (normalmente o valor venal do imóvel) ou pagar o valor acordado com o expropriado (na hipótese de desapropriação amigável), e dar ao imóvel o destino que moveu o decreto expropriatório. 286 O depósito prévio, comprovado em Juízo, faz com que seja determinada a imissão provisória na posse, que deverá ser registrada na matrícula do imóvel no Registro competente para que produza efeitos jurídicos. Com a imissão provisória na posse, o expropriante poderá, para fins de regularização fundiária ou implantação de projetos habitacionais, outorgar aos beneficiários a cessão ou promessa de cessão da posse, que poderá ser registrada. Uma vez finalizado o processo de desapropriação, a propriedade plena deverá ser automaticamente transmitida pelo expropriante aos cessionários. Aula 10 A possibilidade de registro da imissão provisória na posse e a respectiva cessão ou promessa de cessão consta da Lei Federal nº 6.766 de 1979, após modificação realizada em 1999. Por outro lado, na hipótese da área municipal ou estadual ser pública, independentemente de desapropriação prévia, o instrumento utilizado historicamente para a regularização de assentamentos é a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU). A CDRU, criada e regulamentada pelo Decreto-lei nº 267 de 1979, é o instrumento que possibilita ao proprietário de um imóvel ceder o domínio útil a um terceiro interessado. Em que pese ao fato de ser aplicável a áreas públicas e particulares, vem sido utilizada para áreas públicas. É direito real sobre coisa alheia, em que o proprietário de uma área (cedente) outorga a terceiro (cessionário), por meio de contrato gratuito ou oneroso, o direito de usar o seu imóvel por prazo determinado ou indeterminado, da forma estipulada no contrato. Desta forma, é resolúvel, tanto pelo descumprimento das condições contratuais quanto pelo decurso do prazo estipulado. Quando o cedente for o Poder Público, a outorga do direito pode ser feita por meio de Termo Administrativo, que deverá ser lavrado nos termos previstos na legislação vigente para outorga e registro da CDRU. Por exemplo, se o outorgante for o município, deve ser consultada a legislação municipal para respaldar e formalizar a outorga. Quando a CDRU for feita para fins de regularização fundiária, a legislação federal (Lei nº 8.666 de 1993) expressamente autoriza a dispensa de licitação. O Estatuto da Cidade revitalizou este instrumento ao estabelecer, em seu artigo 48, que, quando utilizados pelo Poder Público em programas para fins habitacionais de interesse social, os contratos de CDRU terão caráter de escritura pública e constituirão título de aceitação obrigatória para financiamentos habitacionais, desde que registrados no Cartório 287 Consulte a íntegra da MP nº 2.220/01 e da Lei 6.766/79 no CD-ROM da Biblioteca Jurídica, na parte Normas Constitucionais e Legislação Aplicável à Regularização Fundiária Plena. de Registro de Imóveis competente. A Lei Federal nº 11.481 de 2007 consolidou a possibilidade de utilização da CDRU como garantia para os financiamentos habitacionais. O instrumento criado pela Constituição Federal para a regularização da moradia em terras públicas foi a Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (CUEM). Por seu caráter inovador e pelas conseqüentes controvérsias que tem despertado, segue comentada no próximo capítulo desta aula. Outro instrumento para a regularização fundiária de terras públicas é o direito de superfície, que, incluído no conjunto de instrumentos de regularização fundiária do Estatuto da Cidade (artigos nº 21 a nº 24), foi também previsto em título específico no Código Civil (artigos nº 1.369 a nº 1.377). Nos termos da legislação, pode ser empregado tanto para regularizar ocupações em áreas particulares como em áreas públicas, dando ao superficiário – beneficiário do direito de superfície – o direito de uso da área, da forma estipulada no contrato, desde que respeitada a legislação urbanística. É direito real o que o proprietário do imóvel cede ao superficiário o direito de uso do solo, subsolo e espaço aéreo do terreno através de contrato feito necessariamente por Escritura Pública a ser registrada no cartório de registro de imóveis. Poderá estabelecer a cessão do direito de superfície a título oneroso ou gratuito, por tempo determinado ou indeterminado. Normalmente, o superficiário responde por todos os tributos que incidirem sobre o imóvel, a não ser que o contrato estipule forma diversa. E, respeitadas as estipulações contratuais, poderá ser transferido a terceiros e será transferido aos herdeiros no caso de morte do superficiário. Na alienação do direito de propriedade, deverá ser dada preferência ao superficiário, ao passo que, na alienação do direito de superfície, deverá ser dada preferência ao proprietário do imóvel. O direito extingue-se pelo advento do termo ou pelo descumprimento por parte do superficiário de suas obrigações contratuais. Extinto o contrato, o fato deverá ser averbado no registro imobiliário e o proprietário recuperará o domínio pleno sobre o imóvel e as acessões que tiverem sido feitas sobre o imóvel, com ou sem indenização, conforme o contratado. 288 O direito de superfície pode ser dado em garantia, para fins de financiamentos habitacionais, desde que respeitado o seu prazo de vigência. Extinto o contrato, o fato deverá ser averbado no registro imobiliário e o proprietário recuperará o domínio pleno sobre o imóvel. Aula 10 A alienação dos bens públicos imóveis é admitida para os bens que integram a categoria dos bens dominicais, devendo atender, como já mencionado, às disposições da Lei de Licitações (Lei Federal nº 8.666 de 1993) que dispensa o processo licitatório para fins de regularização fundiária promovida por órgãos ou entes públicos. De fato, a Lei Federal nº 11.481, de 2007, alterou a Lei de Licitações e acrescentou a dispensa de licitação de imóveis da administração pública, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social nos casos de alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis. Assim, revigorada a possibilidade de alienar bens públicos, acreditamos que a alienação será um instrumento muito utilizado na regularização fundiária, até porque os entes federados têm dificuldade de gerenciar os contratos oriundos dos processos de regularização fundiária. Outro instrumento passível de ser usado para a regularização fundiária de áreas públicas municipais e estaduais é a doação. Trata-se de instituto do Direito Civil e é o contrato pelo qual uma pessoa (o doador), por liberalidade, transfere um bem do seu patrimônio a um donatário que o aceita. A Administração Pública pode fazer doações de bens imóveis, desde que sejam de uso dominical, e comumente o faz para incentivar ações de interesse social, como a regularização fundiária. Existem dois tipos de doação: a simples, sem encargos, e a doação com encargos. As doações simples dependem de autorização legislativa que estabeleça as condições para sua efetivação e de avaliação prévia do bem a ser doado. Na doação com encargos, além dos requisitos já mencionados, será possível realizar licitação, e, de qualquer forma, o instrumento contratual deverá conter, obrigatoriamente, os encargos, o prazo de seu cumprimento e cláusula de revisão, sob pena de nulidade do ato. Bens públicos de uso comum do povo - são os bens disponíveis a todos sem distinção, não necessitando de autorização do Estado para uso e gozo. Exemplo: parques, praças, rios, praias. Bens públicos de uso especial – são os bens com uma destinação pública específica, não podendo ser usados livremente pela população. Exemplo: prédios das repartições públicas. Bens de uso dominical ou bens de uso dominiais – são os bens pertencentes à Aadministração pública do Estado, que não se destinam nem ao uso comum, nem ao uso especial. Exemplo: ilhas e terras da marinha. Afetação – a afetação de bem público se dá pela transformação da sua destinação Desafetação – oposto de afetação. Ela se dá quando a destinação de determinado bem é retirada e este passa a ser de uso dominical. 289 Por outro lado, considerando o marco legal que incide sobre a matéria, a possibilidade de utilização da adjudicação compulsória deve ser lembrada. Esta possibilidade passa a existir sempre que o comprador possui um documento que comprova que adquiriu e pagou pelo imóvel, mas não possui a sua escritura. A partir desta comprovação, é proposta uma ação judicial e o juiz decide pela adjudicação compulsória e o registro do imóvel em nome do comprador. A adjudicação só gerará registro se o imóvel adquirido for regular, isto é, se previamente existir matrícula ou transcrição em nome do vendedor. Assim, a adjudicação compulsória poderá ser exigida pelo Poder Público sempre que, terminado o pagamento de determinado bem imóvel em processo de desapropriação, não obtiver sua escritura do expropriado. Ainda, cabe ao comprador de imóvel alienado pelo Poder Público que ao final do pagamento este lhe adjudique a Escritura de venda e compra do imóvel quitado. No entanto, o instrumento jurídico mais peculiar e inovador para a regularização fundiária em terras particulares é a Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (CUEM). Requisitos e estratégias para requisição administrativa e judicial para a Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (CUEM) A Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia (CUEM) é um instrumento para regularização fundiária em áreas públicas urbanas, criado juntamente com a usucapião urbana, pelo Artigo 183 da Constituição Federal, que, elencada entre os instrumentos jurídicos da política urbana pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.247/2001), foi disciplinada pela Medida Provisória nº 2.220 de 2001. Sua origem se deu diante da constatação pelo legislador constituinte de que, ao vetar a usucapião de áreas públicas, poderia estar tratando dois possuidores na mesma situação de maneira diferente. A CUEM é gratuita, pode ser adquirida por cadeia sucessória ou por herança, pode ser transmitida por ato inter vivos através de venda ou doação e pode ser oferecida como garantia para financiamentos habitacionais. 290 Assim, o possuidor de área particular que ocupasse como seu um imóvel urbano para fins de moradia, uma vez cumpridas as determinações legais, adquiriria o domínio daquela área, enquanto o possuidor de área pública nenhum direito subjetivo teria à sua moradia. Aula 10 Esta constatação é tanto mais verdade quando verificamos a realidade fundiária dos assentamentos informais que muitas vezes são implantados parte em área privada, parte em área pública. No entanto, o direito à CUEM ficou limitado às posses anteriores a 30 de junho de 2001, nos termos da Medida Provisória nº 2220/2001. Há quem conteste a fixação da data, que aparentemente fere a vontade do legislador constituinte, todavia desconhecemos a propositura de ação direta de inconstitucionalidade. De qualquer forma, o morador que comprovar a posse de área pública, de forma mansa e pacífica, ininterrupta, de cinco anos anteriores à data de 30 de junho de 2001, deverá ter este direito reconhecido pelo Poder Público por meio de emissão de título administrativo. É necessário também que o morador não seja proprietário ou concessionário de outro imóvel urbano ou rural. Na forma individual, a área ocupada para fins de moradia não poderá ser superior a 250 m². Na forma coletiva, será atribuída fração ideal de terreno igual a cada possuidor independentemente da área ocupada, desde que cada fração ideal não seja superior a 250 m². É possível requerer a CUEM coletiva sempre que mais de duas famílias ocuparem a mesma área pública em regime de composse, ou seja, sem que seja possível individuar lotes de terreno. A CUEM é gratuita, pode ser adquirida por cadeia sucessória ou por herança, pode ser transmitida por ato inter vivos através de venda ou doação e pode ser oferecida como garantia para financiamentos habitacionais nos termos da Lei Federal nº 11.481 de 2007. O Poder Público deve garantir novo local de moradia ao possuidor quando o local de ocupação acarretar risco de vida ou à saúde deste e de sua família. Nos casos em que a área ocupada for: •• de uso comum do povo; •• estiver destinada a projeto de urbanização; •• de interesse da defesa nacional; 291 •• de preservação ambiental ou de preservação de ecossistemas; •• reservada à construção de represas ou obras congêneres; •• ou se estiver situada em via de comunicação, O Poder Público poderá optar entre garantir o direito no próprio local de moradia ou assegurar ao morador o exercício deste direito em outro local. A concessão será extinta se o concessionário der outro uso à área ou se adquirir outro imóvel urbano ou rural. A concessão é um direito real subjetivo e, em princípio, deve ser requerida à administração pública por via administrativa, que tem o prazo de até um ano para concedê-la. Em caso de resposta negativa ou de ausência de resposta, deve ser requerida em Juízo. Todavia, nada impede que o pedido seja requerido diretamente ao Judiciário se houver resistência aparente da municipalidade em aceitar o pedido de reconhecimento do direito, pois nenhuma lesão ou ameaça a direito poderá ser subtraída do exame do Poder Judiciário. Se área pública pertencer ao Estado ou à União, o interessado deverá requerer Certidão à municipalidade para que ateste o fato e, assim, requer o reconhecimento de seu direito perante o Estado e a União. Como direito real, o título de CUEM pode ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis competente. O que se dará somente nos casos em que o parcelamento do imóvel sobre o qual se localiza o assentamento estiver devidamente inscrito no Cartório de Registro de Imóveis competente por aquela circunscrição. É importante notar, ainda, que, se de um lado o Poder Público tem a obrigação de reconhecer o direito à moradia, uma vez que se demonstre o cumprimento dos requisitos legais acima expostos, tem a faculdade de autorizar o funcionamento dos pequenos negócios existentes em ocupações de áreas públicas. Trata-se de questão muito relevante, porque é natural que nos assentamentos informais se formem pequenos negócios que garantam a subsistência de parte das famílias moradoras. 292 A grande novidade a respeito da CUEM é a publicação, em 28 de janeiro de 2008, da Instrução Normativa nº 2, da Secretaria do Patrimônio da União, que trata do procedimento para CUEM e autorização de uso de imóveis da União. Em que pese o fato de essa Instrução ser obrigatória apenas para os servidores daquela Secretaria, para os municípios e os estados que não tenham sua regulamentação própria ela deverá ser seguida com a motivação que é necessária a todos os atos administrativos. Aula 10 Propomos que você pesquise como a CUEM está sendo empregada na reforma urbana. Em seguida, troque idéias com seus colegas no tópico específico para esta atividade criado no Fórum do AVEA. Considerações finais A regularização fundiária há de ser vista como uma política pública curativa, todavia absolutamente necessária para o resgate da cidadania e para que se assegure o direito à cidade a todos os brasileiros. Fala-se em política pública curativa na medida em que é finita, no sentido em que deverão ser produzidas habitações legais acessíveis à população de baixa renda, possibilitando que esta possa deixar de se assentar de maneira informal em nossas cidades. No entanto, enquanto isso não ocorre, há um imenso passivo de informalidade a ser resgatado através da política pública de regularização fundiária. Por outro lado, não se pode falar em regularização fundiária se não pensarmos na regularização de áreas públicas, sejam elas da União, dos estados, dos municípios ou do Distrito Federal. 293 Bibliografia BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico - Lições de Filosofia do Direito. São Paulo, Ícone Editora Ltda., 1995. ______ . Teoria dell’Ordinamento Giuridico. Turim, Itália, G. Giappichelli – Editore. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Malheiros Editores Ltda., 1997. CENEVIVA, Walter. Lei de Registros Públicos Comentada. São Paulo, Editora Saraiva, 2002. CIRNE Lima, Ruy. Pequena História Territorial do Brasil. Brasília, DF, Escola de Administração Fazendária (ESAF), 1988. COMPARATO, Fábio Konder. “Direitos e Deveres Fundamentais em Matéria de Propriedade”. In: O Cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. São Paulo, Edusp - Editora da Universidade de São Paulo, 1999. DAVIS, Mike. Planeta Favela. São Paulo, Boitempo Editorial, 2006 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva SA - Livreiros Editores, 1979. DEÁK, Csaba. “O Processo de Urbanização no Brasil: Falas e Façanhas”. In: O Processo de Urbanização no Brasil. São Paulo, Edusp - Editora da Universidade de São Paulo, 1999. FARIA, José Eduardo. Direito e Economia na Democratização Brasileira. São Paulo, Malheiros Editores, 1993. ______ . Sociologia Jurídica - Crise do Direito e Práxis Política. Rio de Janeiro, Companhia Editora Forense, 1984. FERNANDES, Edésio. A Regularização de Favelas no Brasil: O Caso de Belo Horizonte in Direito Urbanístico. Belo Horizonte, Livraria Del Rey Editora, 1998. ______ . “Direito e Urbanização no Brasil”. In: Direito Urbanístico. Belo Horizonte, Livraria Del Rey Editora, 1998. 294 FERNANDES, Edésio e Rolnik, Raquel. Law and Urban Change in Brazil in Illegal Cities - Law and Urban Change in Developing Countries. Inglaterra, Zed Books Ltd., 1998. Aula 10 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo, Editora Nacional, 1975. GOMES, Orlando. A Crise do Direito. São Paulo, Max Limonad - Editor de Livros de Direito, 1955. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Buenos Aires, Argentina, Editorial Universitaria de Buenos Aires, 1979. ______ . Direitos Reais. Rio de Janeiro, Editora Forense, 1980 LACERDA, M. Linhares de. Tratado das Terras do Brasil. Rio de Janeiro, Editora Alba Ltda., 1960. MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade. São Paulo, Editora Saraiva, 1997. MARGARIDO, Antônio Benedido. Sobre a Aplicabilidade da Função Social da Propriedade. São Paulo, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, tese de doutorado, 1991. MARQUES, J. M. de Azevedo. Bens Públicos. São Paulo, Revista dos Tribunais, nº 63, 1927. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1981. PINHO, Evangelina Bastos. “Regularização Fundiária em Favelas”. In: Direito Urbanístico - coordenação de Edésio Fernandes, Belo Horizonte, Editora Del Rey, 1998. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo, Saraiva SA Livreiros Editores, 1978. ______ . Liberdade e Democracia. São Paulo, Editora Saraiva, 1987. RENNER, Karl. Gli Istituti de Diritto Privato e la loro Funzione Sociale. Bolonha, Itália, Società Editrice il Mulino, 1981. ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da Rocha, “Função Social da Propriedade Pública” - Coleção Temas de Direito Administrativo 14. São Paulo, Malheiros Editores. 295 RODOTÀ, Stefano. El Terrible Derecho - Estudios sobre la Propriedad Privada. Madri, Editorial Civitas S.A., 1986. RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil, Direito das Coisas - Volume V. São Paulo, Saraiva S. A. - Livreiros Editores, 10ª Edição, 1980. ROLNIK, Raquel. A Cidade e a Lei. São Paulo, Studio Nobel e Fapesp, 1997. ______ . “Para Além da Lei: Legislação Urbanística e Cidadania (São Paulo 1886-1936)”. In: Direito Urbanístico. Belo Horizonte, Editora del Rey, 1998 SAULE JÚNIOr, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro. Ordenamento Constitucional da Política Urbana. Aplicação e Eficácia do Plano Diretor. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Malheiros Editores, 1995 _______ . Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo, Malheiros Editores, 1995. SOARES, Orlando. Comentários à Constituição da República Federativa do Brasil. Rio de Janeiro, Companhia Editora Forense, 1991. TASCHENER, Suzana Pasternak. “Compreendendo a Cidade Informal”. In: Desafios da Cidade Informal. Nairobi, Quênia, United Center for Human Settlements, 1996. VIANNA, Oliveira. O Ocaso do Império. Recife, Pernambuco, Fundação Joaquim Nabuco e Editora Massangana, 1990. WARAT, Luís Alberto. Mitos e Teorias na Interpretação da Lei. Porto Alegre, Editora Síntese Ltda., 1979. 296 Publicações institucionais Aula 10 Boletim do IRIB – Instituto Imobiliário do Brasil n. 309, São Paulo, março/abril de 2003, Estatuto da Cidade, Brasília, Caixa Econômica Federal, 2001 Land Lines, Cambridge, MA, EUA, Instituto Lincoln de Políticas Fundiárias, janeiro de 2006. Projeto Orla - Conduzido pelo Ministério do Meio Ambiente (Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos) e Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão: Report of the Recife Internacional Meeting on Urban Poverty, Nairobi, Quênia, UNCHS (Habitat), 1996 The Istambul Declaration and The Habitat Agenda, Nairobi, Quênia, UNCHS (Habitat), 1997 297 Aula 10 Parte II: Regularização fundiária de interesse social em áreas da União Alexandra Reschke Camila Agustini Patrícia de Menezes Cardoso Simone Gueresi Introdução Os imóveis da União Com a promulgação da Lei de Terras (Lei nº 601, de 1850) e o posterior Decreto nº 1.318, de 1854, estabeleceu-se um sistema de legitimação de posses, o que acabou por ser o marco inicial da primeira grande tentativa de promover a regularização do uso das terras no Brasil. Desde então, a doutrina jurídica e a legislação brasileiras evoluíram no sentido de definir como públicas as áreas que apresentavam alguma razão de relevante interesse público para tanto. Desta forma, não é por acaso que, hoje, o art. 20 da Constituição Federal define os bens que pertencem à União: I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos; II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei; III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005.) V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; VI - o mar territorial; VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos; VIII - os potenciais de energia hidráulica; IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo; X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e préhistóricos; XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. 300 Ressalte-se, também, o fato de que os imóveis públicos federais podem ser classificados em três tipos: 1. bens de uso comum do povo, ou seja, aqueles que são afetados como necessários à coletividade, como rios, praças, ruas, praias, etc., e que, por isso, devem ser do uso de todos os cidadãos; Aula 10 2. bens especiais, ou seja, aqueles que são afetados ao interesse do serviço público, como os prédios das repartições públicas, os fortes, etc.; e 3. bens dominiais, que são aqueles que não têm destinação definida e que, por esta razão, podem ser transacionados pela União e disponibilizados para uso privado, se for o caso. É à luz do dispositivo constitucional e da classificação dos bens públicos que se deve compreender o processo de regularização fundiária nos imóveis da União. Primeiro, porque a análise apurada da especificação dos bens que pertencem à União na Constituição revela uma série de razões que justifica manter o domínio público daquelas áreas. Quanto à classificação em uso comum, especial ou dominial, entender Você tem conhecimento de algum em qual tipo se enquadra determinado imóvel ocupado exemplo concreto em que tenha que se pretende regularizar é o primeiro passo para que havido (ou não) a regularização de a regularização seja possível, já que, quando se tratar ocupação em terra pública federal? A sode ocupação em bens de uso comum do povo ou de lução, se encontrada, foi satisfatória? Caso não tenha havido solução, o que impediu? bens especiais, o projeto de regularização poderá ter Que tal compartilhar suas descobertas e que trabalhar com alternativas de realocação da popuconhecer as dos colegas no Fórum? lação ocupante ou de desafetação daqueles bens. Como se vê, os bens da União vêm definidos como bens públicos federais porque representam interesses ambientais, urbanísticos, de defesa de direitos, e outros interesses estratégicos para a Nação. A manutenção dos terrenos de marinha no domínio público, por exemplo, visa, acima de tudo, manter como acessível, à totalidade da população, áreas de uso comum do povo e preservar – numa análise mais abrangente e integrada, dos pontos de vista patrimonial, ambiental, econômico e social, da ocupação dessas regiões –, garantindo um controle do Poder Público. É de se destacar que é nesse mesmo sentido que tem se orientado a ação governamental dos demais países no mundo. A Inglaterra, por exemplo, começa, agora, a desapropriar propriedades localizadas ao longo de sua costa marítima, a fim de constituir um patrimônio público nacional protegido da especulação imobiliária e de forma a garantir a proteção ambiental dessas áreas, fundamentais para a sustentabilidade da sociedade. 301 i As receitas patrimoniais são as seguintes: foro – contrapartida financeira anual relativa ao exercício do domínio útil em área da União autorizada pelo aforamento; laudêmio – taxa de 5% do valor da transferência dos direitos de aforamento ou de ocupação e taxa de ocupação – relativa à contrapartida anual devida pelos ocupantes inscritos na SPU. Finalmente, deve-se lembrar, sempre, que os bens definidos pela Constituição como de propriedade da União são de todos os brasileiros e que qualquer um que se utilize deles de maneira exclusiva terá, de certa forma, posição privilegiada em relação aos demais cidadãos. É por isto que, em muitos casos, a União estabelece a cobrança das chamadas receitas patrimoniais. São contraprestações devidas pelos particulares pelo uso privilegiado de bens que são de todos. Feitas estas considerações, passamos a indicar as principais premissas que têm orientado a ação de regularização fundiária dos assentamentos informais localizados nos imóveis que se enquadram na definição do art. 20 constitucional, empreendida pela Secretaria do Patrimônio da União, apontando, principalmente, alguns avanços recentes na matéria. Novo paradigma da gestão do patrimônio da União: a efetivação da função socioambiental dos imóveis da União A efetivação da função social é elemento integrador do direito fundamental de propriedade (art. 5º, XXII, CF/88), sem a qual a propriedade perde sua proteção jurídica. Ao mesmo tempo, é princípio constitucional norteador da ordem econômica nacional (art. 170, III, 182 e 186, CF/88). A gestão da propriedade pública se orienta pelas determinações constitucionais, tanto quanto a gestão da propriedade privada. O fato de a propriedade ser pública não garante, por si só, o cumprimento da função social, que depende, sim, da finalidade da utilização dos imóveis públicos. Os imóveis da União devem contribuir para a redução das desigualdades sociais e territoriais, e para a promoção da justiça social (art. 3º, III e IV, CF/88), garantindo direitos sociais (art. 6º, CF/88), como o direito à moradia digna; protegendo o meio ambiente e o patrimônio históricocultural; apoiando o incremento ao desenvolvimento local e nacional; e promovendo a expansão e a melhoria de oferta dos serviços públicos. 302 À luz dos ensinamentos do jurista Eros Grau (1977), “a concepção romana, que justifica a propriedade pela origem (família, dote, estabilidade dos patrimônios), sucumbe diante da concepção aristotélica, finalista, que a justifica pelo seu fim, seus serviços, sua função”. A função social dos imóveis da União é determinada por sua efetiva utilização, ao mesmo tempo em que é requisito indispensável à existência do direito de propriedade da União e dos direitos de uso sobre bens da União. Aula 10 Segundo Eros Grau (1982, p. 240 a 245), a função indica um poder-dever, “o condicionamento do poder – que seria o direito de propriedade – a uma finalidade – atendimento à função social e não só aos interesses individuais do proprietário. Isso impõe ao proprietário o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não, apenas, de não o exercer em prejuízo de outrem.” O princípio da função social da propriedade exige comportamentos positivos do Poder Público, concretizados pela implementação de políticas públicas de inclusão sócio-territorial e promoção de direitos fundamentais. Nessa perspectiva, os programas de regularização fundiária e de provisão de habitação de interesse social compõem dever do Estado em relação à promoção do direito à moradia da população de menor renda, competência comum à União, aos estados, aos municípios e ao Distrito Federal (art. 23, IIX, CF/88). O que, por sua vez, contribui para a efetivação de objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (Art. 3º, I, III e IV da CF/88). A regularização fundiária, como diretriz geral da política urbana (Lei nº 10.257/2001, art. 2º, XIV) rompe, também, com certa lógica de atuação do Estado restrita ao exercício do poder de polícia em áreas de assentamento informal de interesse social. Ao contrário, a nova ordem legal exige que sejam definidas normas com padrões especiais para que se viabilize regularização de favelas, garantindo segurança na posse daquela população que tradicionalmente foi alvo de ações violentas de despejo. Ainda segundo os valiosos ensinamentos de Eros Grau, “a propriedade dotada de função social, que não esteja a cumpri-la, já não será mais objeto de proteção jurídica (...)”. Isso significa que não há fundamento jurídico a atribuir direito de propriedade ao titular do bem (propriedade) que não cumprir sua função social (1990, p. 316). No mesmo sentido, manifesta-se José Afonso da Silva (1999, p. 286), ao entender que a função social é elemento estruturador do direito de propriedade, sendo, por isso, “elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo e utilização dos bens”. 303 Abandono - assim entendido como a ocorrência de ocupação por população de baixa renda de área aforada O reconhecimento do direito à concessão de uso especial para fins de moradia em imóveis da União ocupados e a consagração do abandono como causa extintiva do aforamento são exemplos das conseqüências do fato de que a propriedade pública federal ou parte de seus atributos (como o direito de uso, ocupação, domínio útil) deixa de ser protegida juridicamente de forma integral. Originam-se direitos reais àqueles que exerceram a posse que, cumpridos os requisitos legais, passam a gozar de segurança jurídica da posse. Regulamentado pela MP nº 2.220/2001 e art. 22-A da Lei nº 9.636/98. Leia a íntegra da lei na Biblioteca Virtual. Art. 103, IV do Decreto nº 9.760/46, alterado pela Lei nº 11.481/2007. Confira na Biblioteca Virtual. i A promulgação da Lei nº 11.481, de 31 de maio de 2007, propiciou avanços na consolidação da função social como elemento norteador das ações de regularização fundiária de assentamentos de baixa renda em imóveis da União. Os princípios constitucionais referidos fundamentaram a redefinição da missão institucional, iniciada em 2003, da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), responsável pela gestão dos imóveis públicos federais, ligada ao Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão. Cabe, portanto, à SPU “conhecer, zelar e garantir que cada imóvel cumpra sua função socioambiental, em harmonia com a função arrecadadora, em apoio aos programas estratégicos da Nação”. Vale ressaltar que Art. 1º, I, Portaria nº 232 de 03/08/2005, Regimento a missão redefinida expressa com clareInterno da Secretaria de Patrimônio da União. A ínza que a promoção do cumprimento da tegra está disponível na Biblioteca Virtual. função social do patrimônio da União envolve a harmonização e a conjugação de interesses diversos. Especificamente no que se refere à garantia do direito social à moradia, destaca-se que a definição da regularização fundiária e da urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda como diretriz da política nacional de desenvolvimento urbano, considerando a situação socioeconômica da população e as normas ambientais (art. 2º, XIV, Estatuto da Cidade – Lei nº 10.257/2001), eleva a regularização a uma das prioridades do Governo Federal e, obviamente, da atuação da SPU. Da mesma forma, a utilização prioritária de terras públicas para habitação de interesse social, estabelecida como diretriz do Sistema Nacional de Habitação de Interesse 304 Social (art. 4º, II, c, Lei nº 11.124/2005), também vincula a ação da Secretaria, responsável pela gestão das terras de propriedade da União. Aula 10 Ao mesmo tempo, a exigência de •• espaços institucionais para desenvolvimento das atividades dos órgãos da Administração Pública Federal; •• a salvaguarda de interesses de segurança nacional e militares; •• a proteção dos diferentes grupos étnicos – cuja cultura, expressão, produção e modo de vida constituem patrimônio cultural nacional; •• a conservação ambiental; •• a exploração sustentável de recursos naturais estratégicos; •• os empreendimentos de infra-estrutura de energia e transporte; •• a proliferação de ocupações e empreendimentos turísticos em praias, ilhas, rios e lagoas. São exemplos da diversidade de interesses sobre as terras da União, muitas vezes em disputa, que devem ser consideradas na análise sobre qual a melhor destinação a ser dada a determinado imóvel. A possibilidade de arrecadação de receitas patrimoniais pelo uso dos imóveis da União está situada no âmbito do cumprimento da função social do patrimônio público, garantindo-se a utilização justa e razoável desses imóveis. A utilização privada de um imóvel público, de acordo com sua vocação para o desenvolvimento sustentável da cidade, exige a cobrança financeira pela utilização desse patrimônio, exceto em áreas cuja finalidade seja o reconhecimento e a garantia de direitos sociais e difusos, nas quais a utilização será gratuita. A função social da propriedade rural é definida na Constituição (produtividade, respeito ao meio ambiente e aos direitos do trabalhador). A da propriedade urbana, ainda segundo a Constituição, deve ser estabelecida na lei do Plano Diretor Municipal. A definição do cumprimento da função social sempre terá como componente a dimensão local. Em muitos casos e, especialmente, em se tratando do patrimônio da União, sempre serão ponderados, também, aspectos relevantes do ponto de vista nacional na destinação desses bens. 305 São estratégias de gestão do patrimônio o reforço à colaboração federativa e a consolidação da gestão compartilhada – com outros órgãos federais, outras esferas de governo e sociedade civil, especialmente as parcelas da população historicamente privadas do acesso à terra. Esses fatores são decisivos para concretizar usos adequados ao interesse público e em benefício da coletividade. Avanços no marco legal dos bens da União e o passo a passo da regularização fundiária A regularização de interesse social em imóveis da União é entendida como aquela destinada à população de menor renda – com rendimentos mensais de até cinco salários mínimos – nos termos da Lei nº 11.481, de 2007. A regularização fundiária de interesse social dos imóveis da União tem sido conduzida por meio da articulação de cinco eixos, integrando aspectos 1. administrativos 2. cadastrais 3. urbanístico-ambientais 4. jurídico-cartoriais e 5. de gestão democrática. Ao final, devem resultar na garantia plena do direito à moradia digna como componente de cidades sustentáveis. Seguindo esses cinco eixos, o passo a passo da regularização fundiária dos imóveis da União deve ser procedido de acordo com os princípios da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), contemplando a participação dos beneficiários finais na elaboração, gestão e no monitoramento dos programas e projetos de intervenção na área. A Secretaria do Patrimônio da União é estruturada por um órgão central em Brasília e Gerências Regionais do Patrimônio da União localizadas em cada um dos 26 estados brasileiros e Distrito Federal. Para conhecer mais sobre a SPU, visite http://www.spu.planejamento.gov.br (endereço acessado em 09/04/2008). @ 306 No aspecto da gestão democrática dos bens da União, a realização de audiências e consultas públicas, a formalização de grupos de trabalho ou comitê gestores e a elaboração participativa de planos de trabalho são ferramentas importantes a disposição das Gerências Regionais, que permeiam todos os outros eixos da ação. Da mesma forma, a cooperação federativa e a gestão compartilhada dos programas de regularização são os meios pelos quais o órgão central e as 27 Gerências Regionais do Patrimônio da União da SPU, em conjunto com municípios, estados e Distrito Federal, buscam, de forma descentralizada e em articulação com programas federais afins, promover a gestão do patrimônio da União, orientada pelo cumprimento da função social da propriedade. Aula 10 Cabe aqui lembrar que entidades privadas sem fins lucrativos que desempenham relevante função pública (universidades, associações profissionais, movimentos populares, ONGs, etc.) ou órgãos auxiliares da Justiça (como o Ministério Público e a Defensoria Pública, por exemplo) também são importantes parceiros dessa política. No eixo dos procedimentos administrativos, situam-se tanto as decisões e trâmites quanto o registro documental, específicos da Administração. Inicia-se com a manifestação de interesse através do protocolo de pedido de regularização em nome dos interessados, que podem ser pessoas físicas (ex. moradores, famílias) ou pessoas jurídicas (ex.: associações, cooperativas, prefeitura, Governo do Estado, etc.), perante a SPU ou com a identificação da demanda pela própria SPU. Esta fase inicial compreende: •• o diagnóstico do assentamento; •• a instrução e análise processual; •• a escolha dos instrumentos de regularização; •• a emissão de pareceres pelas Gerências Regionais do Patrimônio da União (GRPUs) e •• a autorização da transferência de direitos sobre os imóveis a órgãos públicos e aos beneficiários finais, de forma individual ou coletiva. No que diz respeito aos instrumentos de transferência de direitos sobre os imóveis da União, a Lei nº 11.481/2007 reconheceu a aplicabilidade da Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia (art. 22-A, Lei nº 9.636/1998) e da Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), prevista no art. 7º do Decreto-lei nº 271/1967), como importantes instrumentos de regularização fundiária. Ampliou-se, também, o rol de situações em que há faculdade de aplicação da CDRU, incluindo associações e cooperativas de interesse público, bem como as comunidades tradicionais. 307 A cessão de imóveis da União poderá se dar, desta forma, sob o regime da concessão de direito real de uso (CDRU), aplicável inclusive aos terrenos de marinha e acrescidos, dispensando-se o procedimento licitatório para associações e cooperativas consideradas de interesse público ou social, ou ainda de aproveitamento econômico de interesse nacional (alteração feita no art. 18, II, § 1º, da Lei nº 9.636/98). A CDRU é concedida de forma resolúvel. Isto significa que, se não cumprida a finalidade expressa no contrato a que se destina, a concessão da área da União será automaticamente extinta. Além disto, em relação aos imóveis ocupados para fins de moradia ou não utilizados entregues pela SPU a órgãos da Administração Pública Federal, havendo interesse público na utilização destes bens para fins de implantação de programa ou ações de regularização fundiária ou para titulação em áreas ocupadas por comunidades tradicionais, a SPU fica autorizada a reaver o imóvel por meio de ato de cancelamento da entrega (art. 7º, § 5º e §6º, Decreto nº 9.760/46). Em todos esses casos, excetuam-se, na Lei, os bens imóveis da União que estejam sob a administração do Ministério da Defesa e dos Comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ainda que ocupados para utilização diversa da finalidade dos órgãos. A Secretaria do Patrimônio da União tem promovido discussões, caso a caso, com o Ministério da Defesa, a fim de garantir que todos os imóveis públicos federais tenham a destinação mais adequada ao cumprimento de sua função social. Ressalte-se, aqui, a existência de um acordo de cooperação técnica entre Exército, SPU e Ministério das Cidades, assinado em 2005 e Propomos a seguinte atividade: prorrogado em 2007, com vistas a promoFazer leitura do Manual de Regularização Fundiáver a regularização fundiária das áreas sob ria em Terras da União na Biblioteca Virtual. jurisdição do primeiro que estejam ocupadas por população de baixa renda. Merece destaque, também, a alteração da Lei de Licitações, possibilitando a dispensa de licitação nos casos de alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais ou comerciais de âmbito local (até 250 m2), destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública (art. 17, I, alíneas b, f e h da Lei nº 8.666/1993). 308 A dispensa de licitação deve ser ratificada pela Secretaria do Patrimônio da União e será possível a partir das alterações da Lei nº 11.481/2007, para a transferência de imóveis da União utilizados para fins de moradia ou comerciais locais inseridos no âmbito dos programas públicos acima descritos. Como já mencionado, será cabível também a dispensa de licitação no caso de CDRU para associações e cooperativas, quando caracterizado o interesse público ou social. Aula 10 O eixo da regularização cadastral envolve os procedimentos para corrigir discrepâncias entre a realidade de ocupação da área e os sistemas de informações sobre o patrimônio da União. Começa com o levantamento da situação do imóvel nos sistemas de cadastro da SPU, a existência de terceiros inscritos como responsáveis pelo imóvel e a existência de débitos pendentes referentes a receitas patrimoniais. A SPU dá publicidade ao início do programa de regularização fundiária a partir da publicação de portaria declarando o interesse do serviço público para o imóvel ocupado. O imóvel é, então, “gravado” como de interesse para Regularização Fundiária, inibindo, se for o caso, as cobranças de receitas patrimoniais e eventuais transferências. São cancelados os cadastros impróprios existentes na área. Ficam os antigos responsáveis ligados aos débitos passados, quando existentes, para que se permita o cadastro do assentamento como um todo que, de acordo com as alterações trazidas pela Lei nº 11.481/2007 ao art. 6ª da Lei nº 9.636/1998, não dependerá da comprovação do efetivo aproveitamento. A regularização cadastral estará completa quando os beneficiários finais estiverem registrados como responsáveis pelos imóveis regularizados nos sistemas da SPU. As alterações trazidas pela Lei nº 11.481/2007 ao Decreto-lei nº 1.876/1981 ampliaram para famílias com renda de até cinco salários mínimos a isenção do pagamento de foros, taxas de ocupação e laudêmios, devendo a situação de carência, agora, ser comprovada somente a cada quatro anos e não mais anualmente. Anteriormente, tinham isenção as famílias com renda de até três salários mínimos. O eixo da regularização jurídica e cartorial compreende as transferências de direitos sobre imóveis da União feitas no âmbito administrativo e o seu registro em cartório de registro de imóveis (CRI). Envolve o levantamento da situação dominial do imóvel ocupado, devendo ser feita 309 i a comprovação administrativa ou judicial do domínio da União (condição para a utilização de qualquer um dos instrumentos de regularização fundiária). O domínio inconteste deve, então, ser registrado ou averbado no CRI, a depender da existência ou não de matrícula do imóvel. Neste tópico, é de se notar o avanço trazido pela alteração do art. 8º-A do Decreto nº 9.760/1946 pela Lei nº 11.481/2007, que possibilitou a celeridade do processo de inscrição da área de assentamento no CRI, por meio do auto de demarcação administrativa. Até 1973, a União registrava seus bens apenas administrativamente, o que resultou em grandes diferenças entre as informações disponíveis nos Cartórios e A Lei nº 11.481/2007 trouxe significativo avanço ao incluir o artigo 18-A no Decreto nº 9760/64, posna SPU sobre imóveis da União. A partir sibilitando a demarcação administrativa de imóveis de então, passou a ser obrigatório o reda União para fins de regularização fundiária de gistro perante os Cartórios de Registros interesse social. Esse é feito através de auto de dede Imóveis, além da lavratura interna marcação assinado pela Secretária do Patrimônio da União, cuja instrução será detalhada no curso. em livro próprio, o que já tem força de escritura pública. Os contratos de transferência devem ser averbados na matrícula, bem como o registro do projeto de parcelamento deve ser aprovado na prefeitura, para que, após concluído o processo de regularização, os títulos individuais ou coletivos possam ser registrados. Outra importante conquista garantida pela nova legislação do patrimônio da União foi a gratuidade do 1º registro de direito real e averbação de construção residencial de até 70 m² em áreas objeto de regularização fundiária para famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos, através da alteração da Lei nº 6.015/1973, com a inclusão do art. 290-A. Finalmente, o eixo da regularização urbanístico-ambiental trata da necessária articulação entre a regularização jurídica e cartorial com a qualificação dos aspectos físicos do assentamento, o que inclui provisão de infra-estrutura, serviços, obras de urbanização e adequação ambiental, conjugados aos aspectos sociais dos projetos, compreendendo a mobilização comunitária. Em sua maior parte, os procedimentos para regularização urbanística e ambiental são de responsabilidade dos parceiros da SPU no processo de regularização. Não obstante, a Secretaria deve acompanhar o andamento, visto que alguns aspectos são imprescindíveis para a finalização da regularização nos outros eixos – a individualização dos cadastros e dos títulos, 310 por exemplo, será feita após a aprovação do projeto urbanístico. Da mesma forma, o endereçamento oficial é importante para que se estabeleça a comunicação com os responsáveis pelos imóveis. Aula 10 Considerações finais Todos esses passos evidenciam a compreensão de que a regularização fundiária de imóveis da União não é entendida como a simples viabilização administrativa da transferência de direitos sobre o imóvel, mas, sim, como procedimento que operacionaliza uma política pública, ao integrar os diferentes aspectos da regularização fundiária. Isso evidencia, mais uma vez, a necessidade de gestão compartilhada do patrimônio da União, a fim de garantir plena efetividade nestas ações. Um dos instrumentos utilizados para garantir o entrelaçamento das Regularizações Fundiária, Urbanística e Ambiental são os Termos de Cooperação Técnica firmados entre a SPU e os Municípios, com a participação de todos os parceiros envolvidos. A regularização fundiária de terras da União é mais que asimples viabilização administrativa da transferência de direitos. É um procedimento que operacionaliza uma política pública integrada e, para ser efetivo, requer gestão compartilhada. Como se vê, a regularização fundiária em áreas da União pressupõe uma série de procedimentos, muitos dos quais dependem da atuação de diversos órgãos. Uma das características intrínseca ao processo é que todos os atores envolvidos nestas ações trabalhem articuladamente e paulatinamente, dando continuidade aos procedimentos já iniciados e empenhando esforços máximos para a superação das mais diversas etapas em direção à regularização fundiária plena. A Secretaria do Patrimônio da União tem buscado cumprir seu papel de garantir a regularização das ocupações nos imóveis sob sua administração, reconhecendo que este patrimônio público tem papel de destaque na efetivação do direito fundamental à moradia assegurado a todos os cidadãos brasileiros pela Constituição Federal de 1988, direito este entendido como fator decisivo para a inclusão sócio-territorial, prevenção aos conflitos fundiários, bem como a transformação das cidades brasileiras em cidades inclusivas e sustentáveis. Na aula 11, você verá quais são os elementos essenciais dos processos de regularização fundiária de áreas privadas, com ênfase no instrumento da usucapião. 311 Bibliografia ALFONSIN, Betânia de Moraes. Direito à Moradia: instrumentos e experiências de regularização fundiária nas cidades brasileiras. Rio de Janeiro: FASE/IPPUR, Observatório de Políticas Urbanas, 1997. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 – interpretação e crítica. SP, RT, 1990. _________________. Direito Urbano. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1982. _________________. “Função Social da Propriedade (Direito Econômico)”. In: FRANCA, R. Limongi (coord.). Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. RESCHKE, Alexandra; AUGUSTINI, Camila; GUERESI, Simone. “Um novo parâmetro para a gestão dos bens da União: Função Socioambiental da Propriedade”. In: Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, v. 1, Porto Alegre, pgs. 35 à 43, ago/set.2005. SAULE JÚNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto Alegre. Sergio Antonio Fabris editor. 2004. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. Publicações institucionais INSTRUÇÃO NORMATIVA nº 02, de 28 de janeiro de 2008. “Dispõe sobre Procedimento para a Concessão de Uso especial para fins de Moradia – CUEM e Autorização de Uso em Imóveis da União.” KIT REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM TERRAS DA UNIÃO, contendo o “Manual de Regularização Fundiária em Terras da União” e o “Jogo Regularização Fundiária em Terras da União”. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria do Patrimônio da União; São Paulo: Instituto Polis; 2006. 312 Projeto Orla: fundamentos para gestão integrada - Ministério do Meio Ambiente. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria do Patrimônio da União. Brasília. MMA, 2006. Aula 10 Projeto Orla: guia de implementação - Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Qualidade Ambiental; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria do Patrimônio da União. Brasília, 2005. Projeto Orla: implementação em territórios com urbanização consolidada - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria do Patrimônio da União. NAKANO, Kazuo (coord.), São Paulo. Instituto Polis, 2006. Projeto Orla: subsídios para um projeto de gestão - Ministério do Meio Ambiente; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria do Patrimônio da União. Brasília, 2004. Legislação Base Constituição Federal de 1988. Decreto nº 9.760 de 1946. Lei Federal nº 9.636 de 1998. Lei Federal nº 10.257 de 2001. Lei Federal nº 11.481 de 2007. Medida Provisória nº 2.220 de 2001. 313 Nesta aula, você conhecerá os elementos essenciais dos processos de regularização fundiária de áreas privadas. A ênfase será no estudo das diversas modalidades de usucapião, forma de aquisição da propriedade que considera o tempo em que o ocupante do imóvel esteve em sua posse. Você também verá que o Poder Público deve ser protagonista nas ações de regularização fundiária, para cumprir seu papel constitucional de executor da política urbana. Aula 11 Regularização fundiária de interesse social em áreas privadas Paulo Somlanyi Romeiro Um dos maiores sonhos de boa parte dos brasileiros é conquistar em definitivo um pedaço de chão para viver sem sobressaltos. É disso que fala esta canção gravada em 1971 no disco Toquinho e Vinicius, pela RGE. Você pode escutá-la no AVEA. A TERRA PROMETIDA - Vinicius de Moraes/Toquinho Poder dormir Poder morar Poder sair Poder chegar Poder viver Bem devagar E depois de partir poder voltar E dizer: este aqui é o meu lugar E poder assistir ao entardecer E saber que vai ver o sol raiar E ter amor e dar amor E receber amor até não poder mais E sem querer nenhum poder Poder viver feliz pra se morrer em paz 316 Introdução Aula 11 Essa aula tem como objetivo tratar elementos essenciais dos processos de regularização fundiária de áreas privadas. Desde já, é importante esclarecer que não nos deteremos na regularização de loteamentos irregulares, mas de ocupações espontâneas situadas em áreas privadas, uma vez que trataremos com maior ênfase o instrumento da usucapião, principal instrumento de regularização fundiária dessa tipologia de área privada. Conforme nos ensina Betânia Alfonsin (1999, p. 163): Regularização fundiária é o processo de intervenção pública sob os aspectos jurídico, físico e social, que objetiva legalizar a permanência de populações moradoras de áreas urbanas ocupadas em desconformidade com a lei para fins de habitação, implicando acessoriamente melhorias no ambiente urbano do assentamento, no resgate da cidadania e da qualidade de vida da população beneficiária. Devemos estar atentos ao caráter curativo da regularização fundiária conforme nos ensina o Jurista Edésio Fernandes (2002, p. 21 e 22), para quem “Os programas de regularização têm uma natureza essencialmente curativa e não podem ser dissociados de um conjunto mais amplo de políticas públicas, diretrizes de planejamento e estratégias de gestão urbana destinadas a reverter o atual padrão excludente de crescimento urbano. Por um lado, é preciso ampliar o acesso ao mercado formal a uma parcela mais ampla da sociedade, sobretudo, os grupos de renda média-baixa, ao lado da oferta de subsídios públicos para as faixas da menor renda. Por outro lado, é preciso rever os modelos urbanísticos que têm sido utilizados, de forma a adaptá-los às realidades socioeconômicas e à limitada capacidade de ação institucional das agências públicas. Nesse contexto, as políticas de regularização fundiária não podem ser formuladas de maneira isolada e necessitam ser combinadas com outras políticas públicas preventivas para quebrar o ciclo de exclusão que tem gerado a informalidade.” Considerando que se pretende analisar os processos de regularização fundiária de áreas privadas, nos deteremos apenas pormenorizadamente no instrumento da usucapião e não trataremos dos instrumentos de transferência entre particulares para regularização de áreas privadas quando há anuência do proprietário, tais quais a concessão de direito real de uso, a alienação, a doação, a dação ou o direito de superfície. No entanto, é preciso mencionar a possibilidade de utilização dos mesmos, em que pese se tratarem de casos raros, que geralmente ocorrem apenas com a intervenção do Poder Público. 317 O papel do Poder Público na regularização de área privada Confira na Biblioteca Virtual do Curso. O Poder Público, especialmente o municipal, responsável pela execução da política urbana (art. 182 da Constituição Federal), tem um papel central em processos de regularização fundiária, independente de a área ser pública ou privada. A centralidade do papel do município nos processos de regularização fundiária, considerando seu papel constitucional de executor da política urbana, não significa que os demais entes federativos, União, estados e Distrito Federal, não tenham qualquer responsabilidade em relação à política de regularização fundiária, especialmente quando se trata da regularização das terras de seu domínio. O artigo 23, IX, da Constituição Federal estabelece como sendo competência concorrente entre União, estados, Distrito Federal e municípios: IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; Não resta dúvida que, considerando que um dos componentes do direito à moradia é a segurança jurídica da posse (Comentário Geral nº 4 do Comitê Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais - DHESC das Nações Unidas. Mais informações em http://www.dhescbrasil.org.br - endereço acessado em 09/04/2008), a regularização fundiária é uma das ações que devem ser desenvolvidas por União, estados, Distrito Federal e municípios a fim de promover a melhoria das condições habitacionais, competência concorrente entre todos os entes que compõem a federação brasileira. A centralidade do papel do município na realização da política de regularização fundiária decorre da condição da regularização fundiária de diretriz geral da política urbana, assim definida pelo artigo 2°, XIV do Estatuto da Cidade: 318 XIV - regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais. A regularização fundiária e a urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda elevadas a diretriz geral da política urbana estabelecem critérios para a condução da política urbana nos municípios e responsabilidades aos poderes públicos no sentido de estabelecer políticas e realizar as ações necessárias para regularizar e urbanizar áreas ocupadas por população de baixa renda. Aula 11 Com a consolidação do novo marco legal do direito urbanístico no Brasil, o capítulo da Política Urbana na Constituição Federal e edição do Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257/01, que consagrada o direito às cidades sustentáveis (art. 2°, I), estabelece a regularização fundiária como diretriz geral da política urbana (art. 2°, XIV), e com o reconhecimento do direito à moradia como direito fundamental previsto entre os direitos sociais do artigo 6° da Constituição Federal, os assentamentos informais não mais devem estar sujeitos a ação repressiva do Estado ou omissão deste. Devem, sim, ser objetos de prestação positiva do Estado no que diz respeito a sua regularização e urbanização com a decorrente implantação de serviços públicos e equipamentos sociais. “A legislação deve servir não para impor um ideal idílico de urbanismo, mas para construir um urbanismo a partir dos dados da vida real.” Carlos Ari Sundfeld Os assentamentos informais, considerando as novas regras que regem o ordenamento jurídico brasileiro, devem estar sujeitos a prestação positiva do Estado no sentido de cumprir com os objetivos da nação brasileira de erradicar a pobreza e a marginalização (art. 3°, III, da Constituição Federal), garantir o cumprimento da função social da propriedade (art. 5, XXIII, da Constituição Federal), o que, portanto, define a responsabilidade do Estado de promover a regularização fundiária de assentamentos informais ocupados por população de baixa renda. Para compreender tal evolução, é interessante mencionar os ensinamentos do Professor Carlos Ari Sundfeld, que menciona ao tratar das novas regras de direito urbanístico impostas pelo Estatuto da Cidade que: “A exigência de um ordenamento jurídico que conduza à regularização fundiária e urbanística das ocupações populares existentes introduz um condicionante novo transformador em nosso direito urbanístico. Até então a incompatibilidade entre as ocupações populares e a ordem urbanística ideal tinha como conseqüência a ilegalidade daquelas (sendo a supressão desse estado um dever dos responsáveis pela irregularidade – isto é os próprios ocupantes). Com o Estatuto da Cidade a equação 319 se inverte: a legislação deve servir não para impor um ideal idílico de urbanismo, mas para construir um urbanismo a partir dos dados da vida real. Desse modo, o descompasso entre a situação efetiva das ocupações populares e a regulação urbanística terá como conseqüência a ilegalidade desta última, e não o contrário.” O Poder Público deve ser protagonista nas ações de regularização fundiária no sentido de cumprir seu papel constitucional de executor da política urbana, conforme as diretrizes gerais previstas no artigo 2° do Estatuto da Cidade. Nesse sentido, deve ter leis municipais que possibilitem a atuação da municipalidade em regularização fundiária, estabelecer um planejamento com relação às áreas que devem ser regularizadas, ter uma estrutura administrativa para lidar com os processos de regularização fundiária e criar condições para adesão ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (Lei Federal n° 11.124/05), o que abre a possibilidade de acesso aos recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, que tem como uma de suas finalidades a regularização fundiária. Usucapião e suas modalidades A usucapião é o principal instrumento de regularização fundiária de ocupações espontâneas situadas em áreas privadas. No entanto, pode também ser utilizada para regularizar loteamento irregular que não esteja implantado em uma única gleba ou que tenha sua linha sucessória interrompida, daquele que consta no registro de imóveis e daquele constante dos instrumentos de compra e venda. A usucapião tem origem no direito privado e trata-se de “modo original de aquisição da propriedade individual pela posse prolongada e qualificada”. Nesse sentido, a usucapião é a forma de aquisição da propriedade considerando o tempo em que o ocupante do imóvel esteve em sua posse, desde que essa posse tenha sido exercida segundo requisitos fixados em lei, dependendo da modalidade de usucapião que se pretende utilizar. Trata-se, portanto, da aquisição do domínio do imóvel pela posse sobre ele exercida. São modalidades de usucapião: 320 •• usucapião especial de imóvel urbano (regulamentado pelos artigos 9º a 14 do Estatuto da Cidade), previsto primeiramente na Constituição Federal de 1988 (art. 183); •• usucapião especial rural (art. 191 da Constituição Federal); •• usucapião extraordinário (art. 1.238 do Código Civil) e •• usucapião ordinário (art. 1.242 do Código Civil). Aula 11 Sugerimos a leitura dos artigos das leis citadas. Elas estão disponíveis na Biblioteca Virtual do Curso. Faremos, no próximo item, uma análise pormenorizada da usucapião especial de imóvel urbano, inclusive de sua forma coletiva. Nos deteremos no momento apenas em descrever as demais modalidades de usucapião previstas no ordenamento jurídico brasileiro. A usucapião especial rural tem assento no capítulo que trata da política agrícola e fundiária e da reforma agrária na Constituição Federal. Assim, trata-se de instituto que, como a usucapião especial de imóvel urbano, tem como fundamento a necessidade da propriedade cumprir sua função social. Nesse sentido, são requisitos da usucapião especial rural prevista no artigo 191 da Constituição Federal: possuir como seu, em zona rural, área não superior a 50 hectares, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição à posse, desde que torne a terra produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia e não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. As alterações constantes do Novo Código Civil quanto às modalidades de usucapião vêm no sentido de reconhecer a necessidade de a propriedade atender a sua função social. Importante compreender que as modalidades de usucapião previstas no Código Civil sofreram alterações com a revisão que este diploma legal teve a partir de 2002. Conforme nos ensina o professor Nelson Saule Júnior (2004, p. 381): O denominado usucapião extraordinário teve seu prazo reduzido de vinte para quinze anos (art. 1.238), em se tratando de posse simples, e para dez anos ‘se o possuidor houver estabelecido no imóvel sua moradia habitual, ou nele realizar obras ou serviços de caráter produtivo’ (parágrafo único). O usucapião ordinário também teve seu prazo alterado: para dez anos (art. 1.242), em se tratando de posse simples, e para cinco anos ‘se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base em transcrição constante do registro próprio, cancelada posteriormente, desde que possuidores nele tiverem sua moradia, ou realizado investimento de interesse social e econômico (parágrafo único)’. 321 É possível notar que as alterações constantes do Novo Código Civil com relação às modalidades de usucapião vêm no sentido de reconhecer a necessidade da propriedade atender a sua função social, uma vez que reduzem os prazos em que a posse é qualificada no sentido de cumprir com a função social do imóvel, seja para a produção, seja para a moradia. Usucapião especial de imóvel urbano e a função social da propriedade A usucapião, como já dito, tem sua origem no direito privado. No entanto, para compreensão do instituto da usucapião especial de imóvel urbano é preciso entender que tal modalidade tem sua origem em nosso ordenamento jurídico no capítulo da política urbana da Constituição Federal e foi posteriormente regulamentado pelo Estatuto da Cidade, Lei Federal que estabelece regras gerais para a formulação e execução da política urbana no Brasil. Nesse sentido, “o instituto deve ser interpretado a partir de princípios constitucionais da propriedade e sua função social e do direito à moradia” (SCHÄFER, 2004, p. 112). No mesmo sentido, ao tratar da usucapião especial de imóvel urbano em sua forma coletiva, afirma o juiz de direito Francisco Loureiro(2004, p. 84) que Não há, porém, como estudar a figura do usucapião coletivo criado pelo Estatuto da Cidade pela lente individualista e liberal do velho direito civil, porque seu propósito não é apenas de criar um novo modo de aquisição da propriedade imóvel, mas, sobretudo, o de ordenar a propriedade urbana, funcionalizando-a pela observância de princípios urbanísticos voltados ao bem-estar da pessoa e da comunidade. 322 A política urbana tem como objetivo estabelecido pelo texto constitucional ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182). Considerando que a usucapião de que tratamos tem sua origem no próprio capítulo da política urbana da Constituição Federal, não resta dúvida de que tal modalidade tem como objetivo garantir o cumprimento da função social da propriedade de maneira a possibilitar o desenvolvimento das funções sociais da cidade, pelo que seus requisitos formas de aplicação e interpretação devem ter seu enfoque no direito urbanístico e na consecução das diretrizes gerais da política urbana previstas no artigo 2° do Estatuto da Cidade, especialmente a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda (inciso XIV). Requisitos da usucapião especial de imóvel urbano Aula 11 Os requisitos estabelecidos pelo artigo 9° para usucapião especial de imóvel urbano são exatamente os mesmos previstos no artigo 183 da Constituição Federal, a saber: estar, como se fosse seu, na posse de área urbana não superior a 250 metros quadrados por, no mínimo, cinco anos, ininterruptamente e sem oposição; utilizar o imóvel para sua moradia ou de sua família e não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. A inovação do Estatuto da Cidade em relação a usucapião prevista no artigo 183 da Constituição Federal é a possibilidade de utilizá-la em sua forma coletiva, sobre a qual trataremos adiante, e a possibilidade prevista no parágrafo 3° do artigo 9° do Estatuto da Cidade que “permite a sucessão na posse do herdeiro legítimo, mas exige que o herdeiro legítimo resida no imóvel por ocasião da sucessão” (ROCHA, 2005, p. 100). O parágrafo 2° do artigo 9° estabelece – uma vez considerando a usucapião especial de imóvel urbano como instituto que pretende garantir o cumprimento da função social da propriedade e o direito à moradia do ocupante do imóvel – que este direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. Ou seja, apenas será possível uma pessoa ser beneficiária da usucapião especial de imóvel urbano uma única vez e sobre um único imóvel. Importante mencionar que para fins de aplicação da usucapião especial de imóvel urbano não se deve considerar apenas os imóveis situados em área urbana de acordo com o disposto em legislação municipal, mas sim aqueles que, situados em área rural ou de preservação ambiental, tenham características de imóvel urbano, ou seja, sua tipologia deve ser de imóvel urbano. Não há qualquer impedimento na aplicação da usucapião especial de imóvel urbano em área de risco ou área de preservação ambiental, uma vez que o que se discute nas ações de usucapião é o preenchimento ou não dos requisitos dispostos no artigo 9° e não a característica urbanística ambiental da área. No entanto, se imóvel privado ocupado por população de baixa renda estiver situado em área de risco em que não há possibilidade de ter o risco mitigado, esse deve ser objeto de política pública que garanta o exercício do direito à moradia dessa população em outro local. 323 No mesmo sentido, nos ensina o professor Nelson Saule Júnior (2004, p. 385) ao tratar desses casos: Caso não seja adequado o local para fins de moradia, por se tratar de área de risco ou por ser necessário para preservação ambiental, o Poder Público terá que assegurar uma outra moradia para a população beneficiada pelo usucapião urbano, como forma de compensar a lesão ao direito à moradia e, neste caso, também ao direito de propriedade. Esta medida deve ser resultado de um levantamento destas ocupações pelo Poder Público, como meio de planejar a forma mais adequada de intervir nestas áreas, como a de remover a população de áreas de risco e assegurar uma alternativa de moradia para essa população. Por isso, é fundamental a constituição de um programa de regularização fundiária e a adoção conjugada com outros instrumentos como as Zonas Especiais de Interesse Social, nas cidades onde for elevado o número de áreas urbanas privadas, consideradas de risco ou de preservação ambiental, suscetíveis de usucapião urbano. Cumpre esclarecer ainda a possibilidade de utilização da ação de usucapião especial de imóvel urbano plúrima. Não se trata de outra modalidade de usucapião; neste caso, a modalidade é a mesma da ação de usucapião especial de imóvel urbano individual, no entanto, utiliza-se, para facilitar o processo, a ação judicial plúrima. Esta ação geralmente é utilizada quando um grupo de indivíduos ocupa uma mesma área, sendo possível identificar o lote de cada um. A utilização das ações plúrimas, no caso de ocupantes de uma mesma área privada, facilita a regularização fundiária, uma vez que são incluídos vários requerimentos em uma única ação. Assim, é necessário o acompanhamento de uma única ação no judiciário para solução de vários casos individuais. A usucapião deve ser interpretada, além da ótica da reorganização urbanística, principalmente sob a ótica da função social da propriedade e do direito à moradia. A forma coletiva da ação de usucapião especial de imóvel urbano O artigo 10 do Estatuto da Cidade inova a Constituição Federal com relação à usucapião de imóvel urbano ao prever a possibilidade de usucapir áreas urbanas coletivamente, instituindo, portanto, em nosso ordenamento jurídico a usucapião coletiva. 324 Desde já cumpre ressaltar que a usucapião coletiva não representa uma nova modalidade de usucapião, mas uma “espécie de usucapião constitucional urbano, com o escopo de viabilizar situações fáticas de difícil solução” (LOUREIRO, 2004, p. 94). Aula 11 Da mesma forma que acontece com a usucapião especial de imóvel urbano individual previsto no Estatuto da Cidade, a interpretação acerca da modalidade coletiva da usucapião deve levar em conta a função social da propriedade e o direito à moradia, sendo que “Toda interpretação dos art. 10 a 14 do Estatuto da Cidade, portanto, deve ser voltada a examinar o usucapião como mecanismo de regularização fundiária e, sobretudo, de reorganização urbanística” (idem, p. 84). Nosso entendimento é de que, além da ótica da reorganização urbanística, o instituto da usucapião deve ser interpretado, principalmente, sob a ótica do direito à moradia (artigo 6° Constituição Federal). São requisitos da usucapião coletivas que se diferenciam do individual: o imóvel ser maior de 250 metros quadrados, estar ocupado por população de baixa renda, onde não seja possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor. Sobre o requisito que limita a legitimidade ativa, à população de baixa renda, para a propositura da ação de usucapião coletiva, “Embora não explicite o legislador – e nem seria conveniente que o fizesse – o conteúdo da expressão, entende-se abranger a camada da população sem condições econômicas de adquirir, por negócio oneroso, simples imóvel de moradia” (idem, p.95). Nota-se que tal entendimento apenas reforça a afirmação de que a usucapião especial de imóvel urbano, seja na sua forma coletiva, seja na individual, tem como objetivo o cumprimento da função social da propriedade e a garantia do direito à moradia. Sobre o requisito da impossibilidade de identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, segundo os ensinamentos de Silvio Luis Ferreira da Rocha (2005, p. 100): Esta impossibilidade é relativa e não absoluta, pois, como regra, sempre é possível identificar tais áreas e o respectivo possuidor. Deve prevalecer o entendimento de que a usucapião urbana coletiva é possível naquelas áreas onde o adensamento habitacional impede a delimitação satisfatória do ponto de vista visual e urbanístico. 325 Tal entendimento nos parece correto, pois reconhece o objetivo do próprio instrumento da usucapião coletiva de possibilitar àqueles que vivem nas situações de maior adensamento a obtenção de suas moradias regularizadas e, portanto, a segurança jurídica da posse. No mesmo sentido, nos ensina Francisco Loureiro (2004, p. 96), ao tratar do mesmo tema: A idéia do legislador foi de alcançar aquelas situações em que pode haver posse materialmente certa, mas seu objeto é fluído, as divisas movediças e, principalmente, o perfil urbanístico indesejável. Encaixam-se nessa situação acima aludida as chamadas favelas, ou outros núcleos habitacionais semelhantes não dotados de planejamento ou de serviços públicos essenciais, em que os moradores têm posse material certa de seus barracos, ou de pequenas casas de alvenaria, mas, dado o caos urbanístico das vielas e a própria precariedade das construções, está a ocupação individual sujeita a constantes alterações qualitativas e quantitativas. Litisconsórcio é a situação em que uma das partes é constituída de duas ou mais pessoas, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide; os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito; entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir; ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito. Veja na Biblioteca Virtual os artigos 46 a 49 do Código de Processo Civil. Fonte: Dicionário Jurídico Direito.net http://www.direitonet. com.br/dicionario_juridico/ (Endereço acessado em 09/04/2008) 326 Em seguida, prosseguindo em sua argumentação, afirma que “Em outras palavras, viu o legislador a posse sobre núcleos urbanisticamente desorganizados como uma pluralidade de poderes de fato sobre um mesmo bem (tomado o núcleo em sua totalidade)” (idem, p. 97). Outra inovação da usucapião coletiva é a trazida pelo parágrafo 1° do artigo 10 do Estatuto da Cidade, que possibilita ao possuidor, para fins de contagem do prazo de cinco anos de posse, desde que seja ininterrupta, somar a posse de seu antecessor. Tal inovação aponta claramente para a possibilidade de comprovação da posse de forma coletiva, ou seja, uma vez que é possível somar a posse do antecessor para fins de contagem do prazo de tempo da posse da usucapião coletiva, não interessa de fato se aquele possuidor utiliza o imóvel há mais de cinco anos para moradia, e sim se aquele imóvel está sendo utilizado para moradia há mais de cinco anos ininterruptamente. Considerando o mercado informal de terras existente em assentamentos informais, tal possibilidade, além de facilitar o exercício do direito à moradia facilitando a comprovação do tempo de posse, faz justiça ao possibilitar ao adquirente de boa fé de imóvel de terceiro não proprietário pleitear seus direitos por meio da usucapião coletiva. O artigo 12 do Estatuto da Cidade estabelece como sendo parte legítima para propositura da ação de usucapião especial de imóvel urbano o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente, os possuidores, em estado de composse, ou, como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados. A autorização dos representados, de que depende a associação de moradores da comunidade para poder propor ação de usucapião especial de imóvel urbano, pode ser concedida mediante realização de assembléia geral da entidade. Esta autorização deve constar na ata da assembléia ou ser feita individualmente por cada um dos moradores. Aula 11 A sentença da usucapião especial de imóvel urbano atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe. As frações poderão ser diferenciadas caso haja acordo escrito entre os condôminos (parágrafo 3° do artigo 10 do Estatuto da Cidade). Importante esclarecer que as frações ideais não poderão corresponder a áreas superiores a 250 metros quadrados. A sentença criará condomínio especial indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio. Segundo Silvio Luis Ferreira da ROCHA (2005, p. 104): Este condomínio foi criado com o propósito de viabilizar a reurbanização dessas áreas de modo a melhorar as condições habitacionais da população favelada. O condomínio deve perdurar enquanto não for executado o projeto de urbanização, pois o projeto de urbanização poderia ter sua execução dificultada se fosse permitida apenas a usucapião individual. Estratégia para implementação de medidas jurídicas visando a regularização fundiária de assentamentos informais em áreas privadas A regularização fundiária de áreas privadas ocupadas por população de baixa renda, que passa na maioria dos casos pela propositura de ação de usucapião, qualquer que seja sua modalidade, depende da realização de etapas fundamentais para chegar ao objetivo final de registro da sentença no Cartório de Registro de Imóveis. O aspecto social é central no processo de regularização fundiária, uma vez que uma das diretrizes gerais da política urbana, a gestão democrática da cidade, (artigo 2°, II do Estatuto da Cidade), estabelece que a população deve participar em todos as etapas, da formulação a execução, de programas e projetos da administração. Tal centralidade decorre não somente da obrigatoriedade da participação, mas, e principalmente, do fato da participação da população beneficiada ser fundamental para o sucesso e sustentabilidade da ação de regularização fundiária. 327 Nesse sentido, o processo deve-se iniciar com a definição das formas de gestão democrática do processo de regularização fundiária, estabelecendose canal direto de comunicação com a comunidade e a definição coletiva da forma como se darão a representação e a tomada de decisões dos beneficiários. Recomenda-se a instalação de um Conselho Gestor com representantes do Poder Público e da população beneficiada para tomada de decisão no decorrer do processo. No processo de regularização fundiária, é fundamental que a população beneficiada seja informada e tenha conhecimento prévio de cada ação que será realizada. Nesse sentido, ainda no início do processo, a população beneficiada deverá passar por formação em temas como a política urbana, seus direitos em relação à área e, obviamente, sobre cada etapa do processo de regularização que se inicia. Concomitantemente, poderão ser elaborados o cadastramento social da área, com a caracterização socioeconômica dos seus moradores, a caracterização fundiária do assentamento, sua caracterização física por meio da elaboração de memorial descritivo e levantamento planialtimétrico cadastral (LEPAC), que levarão ao projeto de regularização fundiária da área. É fundamental que, no processo de elaboração do cadastro social da área, seja feita a colheita dos documentos necessários à propositura da ação de usucapião. Tendo sido realizada a caracterização social, física e fundiária da área, deverá ser definida, com a participação da comunidade beneficiada, a modalidade de ação de usucapião que será utilizada. A partir daí, com os documentos recolhidos, deverão ser instruídos os processos ou o processo de usucapião na Sugerimos que você realize a seguinte atividade: modalidade adequada à situação. A De•• Identifique uma situação de usucapião especial de fensoria Pública do Estado pode ser um imóvel urbano, concluído ou em tramitação no Juimportante parceiro do município para diciário; propositura e acompanhamento das ações •• Faça anotações sobre as principais características do de usucapião. Um convênio entre a municaso e participem do debate com os demais colegas cipalidade e a Defensoria Pública poderá no tópico específico do Fórum. ser firmado para realização de processos de regularização fundiária. 328 Durante todo o processo de tramitação da ação de usucapião, a comunidade beneficiada deverá ser informada do seu andamento. Ao final, após transitada em julgado, ou seja, tendo sido esgotadas todas as possibilidades de recursos, a sentença deverá ser levada a registro no Cartório de Registro de Imóveis competente. Aula 11 As Zonas Especiais de Interesse Social e as obras de urbanização Apesar da demarcação da área como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) não ser fator determinante para o êxito na ação de usucapião, uma vez que preenchendo os requisitos para reconhecimento do direito à usucapião, pouco importa se a área está gravada como ZEIS. Esta demarcação, todavia, é importante para que se tenha clareza não só do direito da comunidade à propriedade por meio da usucapião, mas do manifesto interesse público em regularizar a área. A Zona Especial de Interesse Social “é uma zona urbana específica, que pode conter áreas públicas ou particulares ocupadas por população de baixa renda, onde há interesse público de promover a urbanização ou a regularização urbanística e jurídica, sendo utilizadas para habitação de interesse social, para salvaguardar o direito à moradia” (Sales Junior, p.363). Ou seja, a demarcação de área como ZEIS na legislação municipal significa que os moradores têm direito a regularização fundiária da área e há interesse público na regularização e urbanização do assentamento. Considerando que a regularização fundiária e a urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda é uma das diretrizes gerais da política urbana, a demarcação de área como ZEIS significa que tal área, conforme a legislação municipal, deve ser regularizada e urbanizada. Nos casos de inércia do município em realizar ações necessárias para regularizar e urbanizar a área, tais direitos poderão ser pleiteados por meio de ação civil pública de obrigação de fazer para obrigar a municipalidade a proceder obras de urbanização e ações necessárias à propositura das ações de usucapião. Segundo Cássio Scarpinella Bueno (2002, p. 405), “O papel a ser desempenhado pela ação civil pública voltada à proteção da ordem urbanística é o de dar efetivo cumprimento às diversas normas de conteúdo material previstas no Estatuto da Cidade e, evidentemente, em outros diplomas legislativos federais, es- 329 taduais, distritais ou municipais que digam respeito à ordem urbanística”. Nesse caso, as normas de conteúdo material as quais se deveria dar cumprimento são a regularização fundiária prevista no Estatuto da Cidade como diretriz geral da política urbana e a legislação municipal que instituir a ZEIS e determinar sua regularização e urbanização – pode ser o Plano Diretor ou lei municipal específica. Trata-se de um importante instrumento para obrigar o município a realizar as obras de urbanização em áreas ocupadas por população de baixa renda. Considerações finais A partir da análise relativa à regularização fundiária de áreas privadas ocupadas espontaneamente por população de baixa renda, é possível reafirmar a total responsabilidade do Poder Público, especialmente o municipal, por ser o responsável pela execução da política urbana, de criar as condições necessárias para regularizar e urbanizar essas áreas. Outro ponto fundamental para compreensão desse processo é o olhar que deve ser lançado sobre o instituto da usucapião, em especial sobre a usucapião especial de imóvel urbano. Esse olhar deve estar pautado pela necessidade de a propriedade cumprir com sua função social e a garantia do direito à moradia, prevista como direito social pelo artigo 6° da Constituição Federal, além das diretrizes gerais no artigo 2° do Estatuto da Cidade, em especial a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda (inciso XIV). Por fim, quanto ao processo de regularização fundiária em si, além da compreensão da centralidade do trabalho social nesse processo, é fundamental que sua condução esteja pautada pela diretriz da gestão democrática da cidade e da participação popular, sendo garantida a participação da população beneficiada em todas as etapas do processo, principalmente no que diz respeito ao processo de tomada de decisões estratégicas. Estamos chegando ao final do Curso. Na próxima e última aula, você estudará a regularização fundiária de interesse social de loteamentos irregulares e clandestinos inseridos em áreas privadas e de conjuntos habitacionais irregulares produzidos pelo Poder Público. 330 Bibliografia Aula 11 ALFONSIN, Betânia de Moraes. Regularização Fundiária: Um Imperativo Ético da Cidade Sustentável – O Caso de Porto Alegre, O Direito à Cidade Trilhas Legais para o direito às cidades sustentáveis. Max Limonad, São Paulo, 1999. BUENO, Cássio Scarpinella. Ação Civil Pública e Estatuto da Cidade (arts. 55 a 57), Estatuto da Cidade (Comentários à Lei federal 10.257/2001). Coord. Adilson Dallari e Sérgio Ferraz, Malheiros, 2ª edição, São Paulo, 2002. FERNANDES, Edésio. A Natureza Curativa dos Programas de Regularização, Regularização da Terra e Moradia. O Que é e Como Implementar. Instituto Pólis (Coordenação Executiva), Publicação Caixa Econômica Federal, Instituto Pólis, FASE. Acesso, Cidadania e Direitos humanos, COHRE – Centro pela Direito à Moradia conta Despejos, São Paulo, 2002. LOUREIRO, Francisco. Usucapião Coletivo e Habitação Popular, Direito à Moradia e Segurança Jurídica da Posse no Estatuto da Cidade, diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Coord. Betânia Alfonsin e Edésio Fernandes, Belo Horizonte, Fórum, 2004. ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Função Social da Propriedade Pública. Malheiros Editores, São Paulo, 2005. SAULE JÚNIOR, Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 2004. SCHÄFER, Gilberto. Usucapião Especial Urbana: da Constituição ao Estatuto da Cidade, Direito à Moradia e Segurança Jurídica da Posse no Estatuto da Cidade, diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Coord. Betânia Alfonsin e Edésio Fernandes, Belo Horizonte, Fórum, 2004 SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais, Estatuto da Cidade (Comentários à Lei federal nº 10.257/2001). Coord. Adilson Dallari e Sérgio Ferraz, Malheiros, 2ª edição, São Paulo, 2002. 331 Nesta aula, estudaremos a regularização fundiária de interesse social de loteamentos irregulares e clandestinos inseridos em áreas privadas e de conjuntos habitacionais irregulares produzidos pelo poder público. Você verá a importância da utilização dos instrumentos legais existentes no ordenamento jurídico brasileiro para transformar as situações ilegais e de exclusão social, integrando seus moradores à cidade. Aula 12 Regularização fundiária de interesse social de loteamentos e conjuntos habitacionais Cristiane Siggea Benedetto Gabriel Ismael Folgado Blanco A dupla de patriarcas do samba Cartola (Angenor de Oliveira) e Carlos Cachaça (Carlos Moreira de Souza) foi fundamental para a formação das escolas e fixação dos padrões rítmicos do samba. A história de “Alvorada” começou numa madrugada, quando Cartola e Cachaça, descendo o morro do Pendura a Saia, no Rio de Janeiro, sentiram-se impressionados com os primeiros raios de sol que iluminavam o cenário, contrastando a beleza da cena com o sofrimento dos moradores do lugar. Fizeram, então, a primeira parte do samba. A segunda parte surgiu na casa de Hermínio Bello de Carvalho, que fez a letra, enquanto Cartola compunha a melodia na hora. ALVORADA - Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho (1968) Alvorada lá no morro, que beleza Ninguém chora, não há tristeza Ninguém sente dissabor O sol colorindo É tão lindo, é tão lindo E a natureza sorrindo, tingindo, tingindo Você também me lembra a alvorada Quando chega iluminando Meus caminhos tão sem vida E o que me resta é bem pouco Quase nada de que ir assim Vagando numa estrada perdida Alvorada ... fonte: http://cifrantiga.blogspot.com/ (acessado em 10/04/2008) 334 Introdução Aula 12 O sistema jurídico brasileiro conta atualmente com mecanismos de indução de políticas de controle de uso e ocupação do solo, que estão sendo implementadas pelos municípios, com mais ênfase, desde a promulgação do Estatuto da Cidade. Tais mecanismos têm se mostrado fundamentais para o desenvolvimento de uma política urbana adequada, independente das características locais onde ela for inserida. O poder público municipal tem competência constitucional para protagonizar o planejamento do seu território urbano e realizar ações que possam reordenar e regularizar as situações de irregularidade territorial. Dentre essas ações, a regularização fundiária, como uma das diretrizes gerais da política urbana nacional, assim definida no artigo 2º do estatuto da Cidade (inciso XIV), é imprescindível para legalização de situações irreversíveis. De fato, é recomendável que, além da institucionalização de políticas e programas de regularização fundiária na esfera municipal, haja delimitação de áreas passíveis de regularização fundiária no Plano Diretor ou em lei própria. Também é indicado que essas áreas sejam gravadas como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), considerando a situação sócioeconômica da população local e a legislação ambiental incidente, com estabelecimento de normas especiais de parcelamento, uso e ocupação do solo para esses casos. Essa aula terá como foco a regularização fundiária de interesse social de loteamentos irregulares e clandestinos inseridos em áreas privadas e de conjuntos habitacionais irregulares produzidos pelo poder público. Nesse sentido, é recomendável que o município possua previsão legal de regularização fundiária de loteamentos irregulares e clandestinos e de conjuntos habitacionais irregulares quando presente o interesse social. Também se recomenda a indicação dessas áreas como ZEIS, principalmente para que normas próprias facilitadoras da regularização desses empreendimentos possam ser estabelecidas. Importante destacarmos que as formas clássicas de parcelamento do solo urbano encontram-se definidas na Lei nº 6766/79, que prevê o loteamento ou desmembramento como modalidades de divisão de terras. O parcelamento do solo urbano é a mais importante etapa do processo de urbanização. Por meio deste, o desenho urbano se define, com localização 335 dos lotes, do sistema de circulação, das áreas públicas comuns para implantação de equipamentos comunitários e urbanos, e das áreas verdes. Apenas a título de curiosidade, é importante citar a existência dos condomínios e dos loteamentos fechados que não se encontram, todavia, inseridos na lei federal de parcelamento do solo (6766/79). Em nosso ordenamento jurídico, existem duas espécies de condomínio: o tradicional, previsto no Código Civil (art. 1314 e seguintes), e o especial, regido pela Lei n° 4.591/64. As diferenças básicas entre os dois são as seguintes: no condomínio tradicional, toda a coisa fica sujeita ao regime comum, não havendo como ser cogitada a propriedade individual nem a sua divisão; a sua extensão incide sobre a integralidade da coisa. No condomínio especial, também chamado de condomínio horizontal, existe a divisão das partes autônomas, além das partes comuns relativas a todos os condôminos/proprietários (SOARES, 1999). Legalmente, o empreendimento ocupa toda a área descrita do lote, que não se altera, havendo apenas uma subdivisão interna que não afetará o restante da cidade. Por sua vez, a figura do loteamento fechado, que não encontra previsão legal na Lei Federal de parcelamento do solo, vem sendo implantada no Brasil inteiro sem que haja uma normativa adequada para esse tipo de empreendimento. O loteamento fechado possui características bem diferentes do loteamento convencional, pois as áreas de domínio público passam a ter utilização privativa de seus moradores. Muitos municípios aprovam loteamentos convencionais que posteriormente são fechados, passando a ter aparência de condomínios, quando de fato não o são. Os grandes problemas desses empreendimentos são: a ausência de legislação que os regulem; a condição das áreas públicas (viário, áreas de uso comum e áreas de uso institucional) que ficam internas e são utilizadas somente pelos moradores, representando uma perda para o restante da cidade; a polêmica da cobrança de IPTU sobre as áreas públicas que passam a ter uso privado; além dos enclaves urbanísticos e sociais A esse respeito, consulte na Biblioteca Virtual o que tal tipo de loteamento representa, Boletim Anoreg-SP nº 389 de 16/05/2006, e o muitas vezes causando prejuízos à cirAcórdão do Conselho Superior da Magistratura, TJSP, Apelação nº 482-6/0 culação do trânsito e ao planejamento da cidade. 336 A regularização fundiária de loteamentos de interesse social Aula 12 Dados obtidos no último censo realizado pelo IBGE no ano de 2001 apontam para uma triste realidade nacional: mais da metade dos municípios brasileiros possui em seu perímetro urbano ocupações consolidadas caracterizadas por O site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) loteamentos irregulares e clandestinos. Nor- é uma fonte rica em informações sobre a realidade dos municípios brasileiros. Sugerimos em especial o canal malmente esses loteamentos são carentes Cidades. Acesse http://www.ibge.gov.br (Endereço de infra-estrutura básica e a sua população acessado em 10/04/2008). predominante é de baixa e média renda. @ Enfrentar a produção da irregularidade é um grande desafio, pois as suas causas estão relacionadas a pobreza, distribuição de renda, valorização e especulação imobiliária e altos valores dos terrenos regulares existentes nas cidades, entre outros fatores. Assim, é necessário, além de regularizar, induzir o mercado imobiliário formal a produzir lotes compatíveis com a renda das populações menos favorecidas. A legislação que regula o parcelamento do solo urbano e estabelece regras gerais para sua implantação na esfera federal, como já mencionado, é a Lei nº 6766/79. Para o jurista Hely Lopes Meirelles (1981), “loteamento urbano é a divisão voluntária do solo em unidades (lotes) com abertura de vias e logradouros públicos, na forma da legislação pertinente; este se distingue do desmembramento, que é a simples divisão da área urbana ou passível de urbanização, com aproveitamento das vias públicas existentes”. Um loteamento é legal se a sua planta e o seu projeto forem aprovados pelos órgãos municipais competentes e se ele for implantado de acordo com o projeto aprovado, sempre respeitando o cronograma de obras, a fim de evitar situações de irregularidade. É também necessário que este loteamento aprovado seja registrado no Cartório de Registro Imobiliário local. Antagonicamente, a ilegalidade dos loteamentos se dá quando constatadas irregularidades na fase da sua implantação ou quando for implantado clandestinamente, à revelia do poder público. Para cada uma dessas duas tipologias, serão abordadas as definições, as possibilidades de regularização e como o poder público deve proceder quando tomar conhecimento de situações aqui tipificadas. 337 Procedimentos de regularização fundiária de loteamentos irregulares Para definição do procedimento que pode ser adotado para a regularização de um loteamento irregular, é importante a identificação do tipo de irregularidade e sua natureza, que pode ser jurídica e/ou urbanística. Um loteamento será considerado irregular se for aprovado pela prefeitura e for implantado em desacordo com o projeto aprovado, ou não respeitar o cronograma de obras, ou ainda não for registrado no Cartório de Registro de Imóveis local. Assim, a irregularidade jurídica ocorre se um loteamento aprovado pela prefeitura não for registrado no Cartório de Registro de Imóveis local, no prazo de 180 dias a contar da data da sua aprovação, sendo responsável por este ato o empreendedor que solicitou a aprovação do loteamento. A pena imposta ao descumprimento deste prazo é a caducidade do alvará de aprovação do projeto, prevista no artigo 18 da Lei nº 6766/79. Ocorrendo o transcurso desse prazo, o Registro de Imóveis deverá recusar o registro do loteamento, exigir a renovação do antigo ou a apresentação de um novo alvará de aprovação do projeto. A ausência do registro imobiliário do empreendimento é fator de impedimento para que se inicie a venda dos lotes, que não poderão ter suas matrículas individualizadas. Nessa hipótese, não há que se falar em direito adquirido. Caduco o alvará, estará o projeto sujeito a nova análise. Se nesse ínterim ocorreu mudança na legislação, deverá ser o empreendimento analisado à luz do novo ordenamento. A irregularidade urbanística normalmente ocorre na fase de implantação de um loteamento aprovado pelo Poder Público, nas seguintes hipóteses: •• quando houver descumprimento do cronograma de obras; •• quando as obras executadas estiverem em desacordo com o projeto aprovado e as especificações técnicas; ou •• quando a implantação do sistema viário e dos lotes não respeitar a planta aprovada. 338 Nesses casos, o empreendedor responsável estará sujeito a ser penalizado com multas, caducidade do alvará de aprovação, embargos da obra e até mesmo com a decretação de irregularidade do parcelamento pelo poder público local. É óbvio que cada caso deverá ser analisado à luz da legislação incidente. Deve sempre ser considerada a gravidade dos fatos, podendo a municipalidade fazer acordo com o empreendedor e estabelecer prazo para que ele possa sanar as irregularidades constatadas. Aula 12 Todavia, dependendo da gravidade da situação, a municipalidade poderá, desde a sua identificação, decretar a irregularidade do loteamento, por despacho da autoridade municipal responsável pela aprovação e fiscalização do parcelamento do solo, dependendo da divisão de competências de cada prefeitura (diretor do departamento, secretário da pasta ou até mesmo pelo prefeito). É imprescindível que a decretação da irregularidade conste imediatamente nos autos do processo que aprovou o loteamento e que os servidores da prefeitura que prestam informações e orientações ao público sejam imediatamente cientificados desta decretação. É indicado que seja publicada, na imprensa local, a notícia da decretação da irregularidade do loteamento, a fim de alertar o público em geral e os interessados, visando evitar a comercialização de lotes. O Ministério Público também deve ser comunicado oficialmente para que adote as medidas necessárias de instauração de inquérito e apuração das irregularidades cometidas pelo loteador na esfera cível e criminal. O empreendedor e/ou seus representantes legais devem ser notificados pela prefeitura sobre a decretação da irregularidade do loteamento: por carta com aviso de recebimento ou pessoalmente, por servidor público habilitado ou por notificação via Cartório de Notas. Esta notificação deverá determinar que o empreendedor não realize novas vendas, não receba mais as prestações devidas pelos adquirentes e forneça a listagem de todos os adquirentes de lotes, com seus respectivos endereços e contatos telefônicos. A prefeitura deve comunicar todos os adquirentes de lotes sobre a situação de irregularidade do loteamento do solo, para que suspendam os pagamentos das prestações e passem a depositá-las em uma conta bancária indicada. Esta indicação pode ser feita pela própria prefeitura, nos casos em que houver previsão legal para tanto, ou pelo Cartório de Registro de Imóveis, quando o loteamento tiver sido registrado. 339 O Cartório de Registro de Imóveis no qual o parcelamento foi registrado também deverá ser comunicado oficialmente, para que dê publicidade formal deste fato na matrícula do loteamento, averbando a decretação da sua irregularidade. Se for o caso, o carVeja na Biblioteca Virtual o Artigo 38 da Lei Fetório também deverá proceder ao rederal nº 6766/79. colhimento das prestações mensais devidas pelos adquirentes dos lotes e depositá-las em uma conta bancária vinculada ao loteamento. O juiz corregedor dos Cartórios de Registro de Imóveis da Comarca também deverá ser cientificado pela prefeitura da situação de irregularidade do loteamento, pois deverá orientar o Cartório de Registro de Imóveis sobre as medidas que este adotará quanto ao recebimento das prestações e para possível averbação na matrícula do loteamento da decretação da sua irregularidade. Tomadas todas essas providencias pelo Poder Público local, ainda há a possibilidade de o loteador regularizar o loteamento junto à municipalidade, seja realizando as obras necessárias, seja aprovando novo projeto. Tudo dependerá da situação real de cada caso. O importante é que a prefeitura sempre acompanhe esta regularização, com atenção especial na fase de execução das obras, para verificação da implantação da infra-estrutura básica e da qualidade dos serviços de drenagem subterrânea, redes de água e esgoto, arruamento, terraplenagem realizada, alinhamento de vias e dos lotes, e preservação das nascentes, córregos e mata ciliar quando necessário for. A regularização pela prefeitura Constatado que o loteador não tomou as providências para sanar a irregularidade decretada, a prefeitura deverá tomar para si a responsabilidade pela regularização do loteamento. O primeiro passo para tanto é traçar um diagnóstico da situação atual da irregularidade (verificar se a situação permanece a mesma da decretação da irregularidade e decurso do prazo dado ao loteador para regularizar). 340 Se houver necessidade da realização de obras de infra-estrutura, o Poder Público deverá realizá-las. É importante destacar que estamos aqui tratando de regularização de interesse social. Assim, mesmo que os adquirentes dos lotes não realizem pagamento de parcelas anteriormente devidas ao loteador, a prefeitura poderá estabelecer critérios para regularizar loteamentos irregulares sem que os moradores desses loteamentos, geralmente lesados pelos loteadores, arquem com as despesas decorrentes das obras de infra-estrutura. A prefeitura pode se ressarcir dos gastos despendidos na hipótese de haver depósito de valores pelos adquirentes dos lotes em conta corrente indicada pelo cartório ou pelo próprio Poder Público local. Também há a possibilidade da municipalidade ingressar com ação judicial contra o loteador cobrando esses valores. Tudo dependerá do caso concreto analisado. Aula 12 No Estado de São Paulo, por provimento da Corregedoria Geral de Justiça, os Cartórios de Registro de Imóveis foram liberados dessa atribuição de serem receptores das prestações. Pela decisão do Poder Judiciário, foi autorizada a celebração de convênio entre a prefeitura e o banco estatal local. i Quando o loteamento não for implantado de acordo com o projeto original aprovado, registrado no Cartório de registro de Imóveis, no qual for constatado que a situação real não prejudica os adquirentes dos lotes nem há prejuízo de cunho urbanístico ou ambiental para o município, a prefeitura poderá requerer a substituição do projeto registrado no Cartório de Registro de Imóveis. Havendo dúvidas, o Oficial do Registro de Imóveis deverá suscitá-las ao juiz corregedor. Quando o loteamento foi aprovado e registrado, mas as obras de implantação não foram executadas no prazo estabelecido no cronograma de aprovação, isso também acarretará a caducidade do alvará de aprovação. O resultado desse ato é a determinação de paralisação imediata das obras. Nesses casos, o Poder Público poderá analisar novamente o projeto e, não ocorrendo mudanças na legislação, poderá emitir novo alvará de aprovação, prorrogando o prazo para conclusão das obras, porém na condição de loteamento irregular. Isso implicará a suspensão do pagamento das prestações por parte dos adquirentes, se elas estiverem acontecendo. Esta é a sanção prevista em lei, aplicável ao loteador faltoso. 341 Ocorrendo qualquer alteração legislativa que modifique as condições da aprovação vencida, o empreendedor deverá ser compelido a promover a adaptação do projeto do loteamento. Isto se a nova legislação permitir, caso contrário, não será deferida a nova licença, pois o direito adquirido somente existirá na vigência da aprovação, ou seja, no prazo estabelecido para implantação do loteamento. Neste caso, poderá ser reconhecida pelo Poder Público uma parte do loteamento efetivamente implantado. A parte que não estiver consolidada implicará um modificativo do projeto perante o Cartório de Registro de Imóveis. Também poderão ser feitas as rescisões dos contratos de compra e venda referentes aos lotes da área em que o loteamento não foi implantado e a conseqüente restituição dos valores pagos pelos adquirentes. Procedimentos de regularização fundiária de loteamentos clandestinos Um loteamento é considerado clandestino quando implantado à revelia do poder público e à margem da legislação urbanística, ambiental, civil, penal e registrária, com abertura de ruas e demarcação de lotes sem aprovação de projeto pelo Poder Público e sem qualquer controle para posterior comercialização. Comumente, esses empreendimentos são totalmente carentes de infra-estrutura básica, de equipamentos comunitários, ficando à margem de um processo de planejamento urbanístico. i A Lei n° 9.099/95 instituiu os juizados especiais cíveis e criminais. Também previu a suspensão do processo nos crimes cominados com pena mínima de até um ano de prisão (art. 89), quando o acusado não tiver sido condenado por outro crime. Esta suspensão pode durar de dois a quatro anos, durante os quais o acusado deverá ter bom comportamento e se apresentar ao juiz sempre que solicitado for. Depois deste prazo, a punibilidade do acusado é extinta. A Lei n° 9.714/98 determinou a substituição das penas privativas de liberdade pelas penas “alternativas”, que são restritivas de direitos quando a pena imposta pelo crime não ultrapassar o limite de quatro anos. 342 Este tipo de loteamento é tipificado pela Lei nº 6766/79 (art. 50 e seguintes) como crime contra a Administração Pública. Todavia, outras duas leis editadas posteriormente (Lei nº 9099/95 e Lei nº 9714/98) reduziram o poder das penalidades impostas ao loteador clandestino na primeira lei. Atualmente, poucos loteadores clandestinos condenados cumprem penas restritivas de liberdade. A maioria dos juízes opta por aplicar penas alternativas, restritivas de direitos, o que acaba diminuindo a criminalização desse tipo de loteamento. Em decorrência dessas mudanças no direito penal, adotou-se como prática, nos crimes de loteamento clandestino, a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena alternativa. Ocorre que, ante o desaparelhamento do Poder Público para a fiscalização do cumprimento dessas penas, generalizou-se entre os juízes a condenação do infrator a distribuir cestas básicas à população carente. Como resultado, o que se tem verificado é que a capacidade dissuasória da criminalização do loteamento clandestino foi bastante reduzida. Os loteamentos clandestinos podem ser promovidos tanto pelos proprietários do terreno quanto por terceiros, os chamados “grileiros”. Quando promovidos pelos próprios proprietários, estes buscam escapar dos procedimentos e ônus contidos na legislação incidente sobre o loteamento do solo e, normalmente, sequer realizam as obras de infra-estrutura necessárias. Se forem implantados por “grileiros” de terras, se caracterizam por serem promovidos por criminosos que vendem terrenos que não lhes pertencem. A maioria dos casos de loteamento clandestino ocorre à revelia das autoridades locais, pois este tipo de prática quase nunca é de imediata identificação pelo Poder Público, muitas vezes falho em seu sistema de gestão. Um ponto de destaque é a fragilidade do nosso sistema de registros de imóveis. Muitas vezes, mais de uma pessoa possui o título de propriedade de uma determinada área. Outro é a descrição vaga dos imóveis em títulos muito antigos, ensejando a impossibilidade da precisa delimitação da área loteada, o que acaba facilitando a implantação de parcelamentos clandestinos. Aula 12 Grileiro é um termo que designa quem falsifica documentos para, de forma ilegal, tornarse dono por direito de terras que não lhe pertencem. O termo provém da técnica que consiste em colocar escrituras falsas dentro de uma caixa com grilos, de modo a deixar os documentos amarelados e roídos, dando-lhes uma aparência antiga. Os adquirentes de lotes provenientes de loteamentos clandestinos não alcançarão a condição de titulares de domínio enquanto não regularizado o loteamento, mesmo quando o loteador é o proprietário da gleba original, pois a regularidade jurídica do empreendimento, com a aprovação do loteamento e o seu registro, é sempre condição (e não a única) para registro dos lotes individualizados no Cartório de Registro de Imóveis. A abertura das respectivas matrículas dos lotes no Cartório de registro de Imóveis competente é condição legal para alienação destes (art. 37, Lei nº 6766/79). Levada ao conhecimento do Poder Público a existência de loteamento do solo clandestino, o primeiro passo a seguir é traçar um diagnóstico da situação atual da ilegalidade e providenciar a imediata instauração de procedimento administrativo para averiguar o que realmente aconteceu. Para tanto, é necessário fazer a vistoria da área para realização de um le- 343 vantamento preliminar da situação real do loteamento, com entrevista da comunidade local e do entorno e, se possível, dos adquirentes dos lotes. Concomitantemente, o órgão técnico responsável do Poder Público deverá elaborar um laudo técnico com identificação da área loteada clandestinamente. Neste laudo, deverá constar a legislação incidente sobre a área, qual o grau de intervenção urbana (abertura de vias, demarcação de lotes, terraplenagem, edificações, desmatamento, ocupações em encostas e topo de morro, etc.), se há obras em andamento no local e identificar os responsáveis pela implantação do loteamento e, se for o caso, pela comercialização dos lotes. Levada ao conhecimento do Poder Público a existência de loteamento clandestino, o primeiro passo é traçar um diagnóstico e instaurar de imediato um procedimento administrativo para averiguar o que realmente aconteceu. A prefeitura deverá imediatamente adotar medidas para dar publicidade dos fatos constatados aos adquirentes dos lotes e à população local, utilizando, para tanto, os meios mais acessíveis e eficazes (carro de som, fiscais no local, jornal de circulação local, avisos fixados nos estabelecimentos comerciais próximos ao empreendimento, contato com lideranças locais, notificações, entre outros). Também deverá impedir a continuidade das obras, a comercialização dos lotes e a construção de novas moradias. O Ministério Público local deverá ser informado sobre a existência de loteamento clandestino para que adote as medidas necessárias de instauração de inquérito e apuração do crime e demais irregularidades cometidas pelo loteador na esfera cível e criminal. O responsável pelo empreendimento deverá ser notificado pela prefeitura a apresentar, em curto prazo (24h ou 48h), prova de que o loteamento não é clandestino, ou seja, a documentação comprovando que loteamento foi aprovado. Esgotado este prazo, sem apresentação das provas, deverá ser lavrado Boletim de Ocorrência que também instruirá o processo administrativo e o inquérito instaurado pelo Ministério Público. Também, o empreendedor e seus representantes deverão ser notificados para: •• se absterem de prosseguir com as obras; •• suspenderem a realização de novas vendas; 344 •• suspenderem o recebimento das prestações pelos lotes vendidos; Aula 12 •• rescindirem os contratos com os adquirentes; •• devolverem os valores recebidos aos adquirentes e, ainda •• apresentarem a relação dos adquirentes com nome, qualificação, endereço e contatos. Todas essas informações e ações deverão estar documentadas no processo administrativo instaurado. O Ministério Público deverá ser comunicado do andamento deste procedimento e ser alimentado com informações e documentos que forem colecionados ao longo deste procedimento. Tomadas essas atitudes, a prefeitura deverá providenciar uma avaliação técnica na área para verificar se há como ser feita a regularização fundiária do loteamento, estabelecendo parâmetros mínimos de aceitação de uma situação consolidada e irreversível ou, se for o caso, poderá optar por remover total ou parcialmente o loteamento. A regularização pela prefeitura Caso a prefeitura opte por realizar a regularização fundiária de um loteamento clandestino de interesse social, deverá, em um primeiro momento, tentar levar o loteador a assumir a responsabilidade pela regularização. Todavia, quando o loteador não tiver a disposição para promover a regularização, estiver foragido ou quando tomar atitudes que demonstrem a sua intenção de não regularização da área, a prefeitura poderá promover a regularização por sua própria conta, devendo se orientar pelo interesse público. O primeiro passo a ser dado é a realização de uma pesquisa fundiária no Cartório de Registro de Imóveis, a fim de saber qual a situação do imóvel loteado clandestinamente. Ao mesmo tempo, deverá ser feita a caracterização do assentamento e providenciado um levantamento físico da área, sendo definidas as estratégias de participação da comunidade local. Caso exista projeto de demarcação dos lotes, subdivisão das quadras, do sistema viário, das redes, mesmo que na forma de um croqui, confrontar este com a ocupação efetiva da área e o seu real traçado. 345 Quando a prefeitura optar por promover a regularização fundiária em face da caracterização de irreversibilidade do loteamento, a população local deverá participar ativamente do processo, sendo necessária uma estratégia que facilite a organização comunitária. Imprescindível que a população local seja envolvida neste processo, seja por meio de simples orientação, seja por meio de assistência técnica aos moradores (cortes de terreno, aterros, esgotamento sanitário, fornecimento de planta padrão). Não sendo compatível o título de propriedade da área com a situação real do loteamento, deverá ser realizada sua retificação, junto ao Cartório de Registro de Imóveis. Passada esta fase, deverá ser elaborado projeto de regularização fundiária contemplando um projeto urbanístico completo com: •• denominação do loteamento; •• sistema viário e subdivisão das quadras em lotes com dimensões, curvas de nível; •• identificação das vias e lotes; •• identificação e dimensão das áreas verdes e dos equipamentos comunitários; •• dimensões lineares e angulares do projeto; •• áreas não edificantes, se existirem; •• perfis longitudinais; •• projeto dos sistemas de escoamento de águas pluviais, da rede de esgoto, de distribuição da água potável, de pavimentação, de rede de iluminação pública e de arborização, além do memorial descritivo com justificativa do projeto e especificações técnicas. Este projeto deverá ser feito visando adequar ao máximo a situação implantada aos parâmetros urbanísticos e à legislação ambiental incidentes, aplicando-se, quando necessário, medidas compensatórias. Todo esse processo deve ser construído junto com a comunidade e os vários órgãos técnicos envolvidos. Há de se ter um consenso quanto ao projeto, que garanta melhor qualidade de vida à comunidade, dentro das condições objetivas encontradas, após o que será submetido esse projeto à análise formal dos órgãos responsáveis pelos licenciamentos urbanístico e ambiental. 346 Uma vez regular, o projeto deverá ser registrado no cartório de registro de imóveis competente. Aula 12 Regularização fundiária de conjunto habitacional de interesse social Conceituação de conjunto habitacional Na definição adotada pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, extraída da leitura do item 156.1, temos que: As normas estão disponíveis no site http://www.mp.sp.gov.br/ (Endereço Acessado em 10/04/2008). @ Entende-se como conjunto habitacional o empreendimento em que o parcelamento do imóvel urbano, com ou sem abertura de ruas, é feito para alienação de unidades habitacionais já edificadas pelo próprio empreendedor. Do restante da leitura dos tópicos relativos ao conjunto habitacional (caput do item 156 e 156.2) pode-se ainda interpretar de forma clara que tanto podem ser promovidos pela iniciativa privada quanto pelo Poder Público, sendo relativizadas as exigências quan- Os agentes públicos previstos na Lei nº 4.380, art. 8º to ao cumprimento do art. 18 da Lei nº para compor o Sistema Financeiro de Habitação são caracterizados pela finalidade não lucrativa e pelo 6766/79 quando se tratar de empreendi- compromisso de facilitar e promover a construção mento produzido pelo Poder Público em e aquisição da casa própria ou moradia. nome do interesse social. i O Conjunto Habitaciona (CH) pode, assim, partir de uma base de parcelamento do solo caracterizada como loteamento ou desmembramento, porém a edificação concomitante das unidades habitacionais é que irá caracterizar essa figura própria. Extrai-se da conceituação acima que um condomínio não é conjunto habitacional. Isso não significa que um conjunto habitacional não possa ser composto de vários condomínios. Pensemos naqueles casos em que ocorra um desmembramento ou loteamento, criando-se lotes independentes e em cada lote individualizado se promova a construção de unidades habitacionais sobrepostas ou mesmo edifícios com mais de dois pa- 347 vimentos. Neste caso, teremos a presença de um conjunto habitacional. O importante é que todo esse empreendimento faça parte do mesmo projeto, do mesmo processo. Ao se promover o parcelamento do solo e o seu registro e, depois, com os lotes autônomos, ou seja, já individualizados, se construir condomínios em cada um deles, não mais teremos um conjunto habitacional, mas simplesmente um conjunto de condomínios independentes entre si. O certo é que se encontram as mais diversas conceituações sobre conjunto habitacional nas legislações municipais, cada qual adotando uma concepção própria, ora limitando o número de lotes, ora exigindo a conformação horizontal, ora proibindo a existência de áreas públicas, ora condicionando a porcentagem da área pública à densidade populacional do empreendimento. Como se depreende da definição adotada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, através da sua Corregedoria Geral, trata-se de empreendimento na forma de parcelamento do solo ao qual a construção de unidades habitacionais está vinculada, no qual haverá que se respeitar as porcentagens de áreas públicas. 348 Características em comum dos conjuntos habitacionais de interesse social Aula 12 Financiamento Recursos provenientes de Fundo Municipal de Habitação ou outros Programas (municipal, estadual, federal). Parcerias. Tipologia Variáveis topográficas podem exigir ou propiciar a possibilidade de se trabalhar com tipologias construtivas diferentes: casas isoladas, casas geminadas, casas superpostas, prédios, tudo dentro de um mesmo projeto, constituindo um único conjunto habitacional. Convenção condominial É necessário que se estabeleça um Instrumento Particular de Instituição, Especificação e Convenção de Condomínio sempre que houver a existência de mais de uma unidade autônoma dentro do mesmo terreno (casas superpostas ou prédios). Infra-estrutura A lei municipal deve disciplinar as obras mínimas, em consonância com as normas federais, ex.: obras de drenagem superficial, guias e sarjetas; galerias de águas pluviais, instalação de rede de água e solução para o esgotamento sanitário. Pavimentação opcional ou conforme a exigência imposta pelas condições topográficas e geológicas. Agentes promotores Poder Público exclusivamente. Poder Público em conjunto com os beneficiários. Poder Público em parceria com a iniciativa privada. Iniciativa privada, desde que as unidades produzidas se destinem a atender uma demanda de interesse social, ou seja, sejam destinadas à população de baixa renda. 349 A aprovação nos órgãos técnicos Desenvolvido o projeto e havendo o título de propriedade que confira legitimidade a quem se apresente como interessado, já é possível ingressar com o pedido de aprovação nos órgãos técnicos responsáveis. É evidente que o ideal é sempre uma análise prévia através de um pedido de diretrizes, momento no qual se indicarão as características físicas e ambientais do terreno (nascentes, córregos, matas significativas, vegetação existente). Com base nas diretrizes fixadas pelo órgão técnico, é possível desenvolver o projeto. Por se tratar de empreendimento de interesse social, é fundamental que o município possua legislação própria com parâmetros especiais. Caso contrário, alternativa não haverá senão a edição de uma lei específica que autorize a implantação do empreendimento em cima de parâmetros especiais ou, como na cidade de São Paulo, onde o Legislativo autorizou o Executivo a editar decretos específicos. O início da obra sem a devida aprovação dos órgãos técnicos já estará a caracterizar o parcelamento do solo e a construção irregular. No caso de um conjunto habitacional, existe a necessidade de uma dupla análise, tanto em relação ao parcelamento do solo, quanto em relação às edificações que serão erigidas. O ideal é sempre fazer uma análise prévia através de um pedido de diretrizes, quando se indicarão as características físicas e ambientais do terreno. Com base nas diretrizes fixadas pelo órgão técnico, é possível desenvolver o projeto. Na cidade de São Paulo, para essas situações, em que o Poder Público é o próprio interessado, existe o procedimento denominado Plano Integrado, no qual se especifica uma tramitação mais ágil entre os distintos órgãos analisadores. Nos casos de aprovação de empreendimento, muitas vezes se exige a análise por parte de órgãos estaduais, especialmente os vinculados a proteção do meio ambiente. No Estado de São Paulo, também, essa passagem pelo crivo estadual tem um aspecto positivo. Esse procedimento foi criado para agilizar os procedimentos, através de um único “balcão de atendimento”, pelo qual serão analisados os projetos de água e esgoto, de segurança contra incên- 350 dio (nos casos de edifícios), os aspectos ambientais e o possível confronto com zoneamentos estabelecidos pelo Estado, como, por exemplo, mananciais ou áreas de proteção ambiental, além do aspecto da poluição. Aula 12 Principalmente no que diz respeito à questão ambiental e aos efeitos relativos à poluição, é importante que se ouça a manifestação de outro ente federativo, que não somente o município, uma vez que cabe ao Estado parcela significativa de responsabilidade quanto ao licenciamento e seus reflexos ambientais. O que não se pode admitir é que esses limites sejam extrapolados, ferindo a competência municipal de gerir seu ordenamento territorial. Assim, não cabe ao Estado interferir no modelo de parcelamento do solo, quando esse possuir a configuração de interesse social. Quando se trata de meio ambiente e poluição, deve-se ouvir a manifestação de outro ente federativo, pois cabe ao Estado grande parcela de responsabilidade quanto ao licenciamento e seus reflexos ambientais. Parece-nos, assim, que a subordinação a uma dupla análise, no que diz respeito aos limites da questão ambiental, está plenamente amparada por nosso ordenamento jurídico maior. Entretanto, vem se buscando avançar no sentido de o município alcançar a qualificação necessária de tal modo que ele mesmo tenha a competência para analisar o aspecto ambiental sem ter que se remeter a uma análise estadual. Da relação condominial dentro de um conjunto habitacional Existem situações em que, para a implantação do empreendimento habitacional, devido a características físicas e para um melhor aproveitamento do terreno, exige-se também a construção de unidades habitacionais sobrepostas ou verticalizadas. Essa situação especial em relação a essas construções exige uma formatação jurídica diferenciada, de modo a se garantir a segurança jurídica dos moradores específicos dessas construções (casas sobrepostas). Assim, em casos de duas ou mais construções em um único lote, existe a necessidade da constituição de um condomínio para cada lote, nos termos da Lei nº 4.591/64, com a Instituição e Especificação do Regime de Condomínio e respectiva Convenção Condominial. 351 Registro do auto de imissão na posse Considerando que a grande maioria dos empreendimentos conjuntos habitacionais é de autoria do Poder Público, é comum nos depararmos com um problema logo de início, que impede a tramitação regular de um processo de aprovação: a ausência de legitimidade da administração. Muitas vezes, a aquisição da propriedade ocorre através de um processo de desapropriação e, portanto, a titularidade de domínio somente se adquiria com o pagamento do valor indenizatório, com a expedição da carta de adjudicação ou mandado judicial. A demora nos processos de desapropriação invariavelmente era um dos entraves à possibilidade de regularização fundiária de empreendimentos habitacionais promovidos pelo Poder Público. Merece destaque, neste ponto, a edição da Lei nº 9785/99, que alterou a legislação pertinente ao parcelamento do solo, de desapropriação e de registro público, provocando grande modificação conceitual, de forma a destravar um procedimento que se fazia necessáConsulte a íntegra da Lei nº 9785/99 na Biblioterio para permitir a aprovação do projeto ca Virtual. perante os órgãos públicos de aprovação e o acesso ao registro de imóveis. Com essa alteração legislativa, passou-se a admitir o registro do auto de imissão da posse, ato esse que permite a regularização do empreendimento habitacional por parte do Poder Público, o registro do Conjunto Habitacional e, inclusive, a transferência para terceiros por meio da cessão de posse, independentemente do pagamento da indenização ter sido concluído. Mutirão Muitas vezes, pode-se ter a compreensão de que a figura do conjunto habitacional exige intervenção única do Poder Público, com a aquisição da terra, a obtenção dos recursos, o desenvolvimento do projeto, a implantação do parcelamento do solo e a construção das unidades habitacionais. É possível, porém, que a construção do empreendimento se dê por meio da mão-de-obra dos próprios beneficiários, ao que se convencionou chamar de mutirão. O modo construtivo em nada alterará a figura jurídica do 352 conjunto habitacional. Esse modo construtivo pode se dar através da autoconstrução ou através de uma forma de organização coletiva pela qual todos constroem todas as moradias. Aula 12 Nesses casos, é importante que o projeto de parcelamento do solo e a tipologia das construções sejam coletivamente discutidos e desenvolvidos por uma assessoria técnica escolhida e contratada pela associação, de forma que todos se sintam elementos ativos desse processo. Da exigência de CND do INSS É importante destacar: os empreendimentos habitacionais que contem com a construção da moradia deverão ter a obra inscrita perante o Instituto Nacional de Seguridade Social, com a abertura da competente matrícula de obra, mesmo naqueles casos caracterizados como mutirão. O não cumprimento dessa providência poderá render dificuldades futuras, especialmente por ocasião do registro do empreendimento, bem como sujeitar o titular de domínio da área maior a responder em processo de execução. Encontramos na Instrução Normativa nº 3, de 14/07/2005, no art. 413, XXVI, a definição de conjunto habitacional para fins de tributação previdenciária, limitando o tamanho da unidade a Link: 70 m², e também no art. 462, III, a possibilidade de isenção em relação à mão-de-obra não remunera- http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/38/mpssrp/2005/in3/tituloii.htm da, caso típico das construções em mutirão ou da autoconstrução. Já a abertura de matrícula é prevista no art. 25. @ Quanto à responsabilidade do oficial do Registro de Imóveis, a legislação previdenciária atribui a esse a função de fiscalização do recolhimento das contribuições devidas. O registro de contrato sem a apresentação da CND pela pessoa jurídica alienante acarreta a responsabilidade solidária do oficial, conforme art. 48 e 92, da Lei nº 8.212/91. A averbação de construção sem a CND sujeita o oficial às mesmas conseqüências (ORLANDI NETO, in DIP, 1998, p. 87). Assim, na implementação de novos empreendimentos, há que se ater a esse aspecto previdenciário. Nos casos, entretanto, de regularização de conjunto habitacional que não possuam a prévia inscrição, poderá se utilizar do art. 290-A, § 1º, da Lei nº 6015/73, cuja redação foi introduzida 353 Confira na 11.481/2007. Biblioteca Virtual a Lei nº pela Lei nº 11.481/2007, pelo qual, nos casos de regularização fundiária de interesse social, independe de comprovação do pagamento de quaisquer tributos, inclusive previdenciário. Da exigência do controle via processo administrativo Pode-se observar em várias cidades que o histórico do desencadeamento concreto, que originou certo ordenamento do território municipal, não encontra registro que permita perseguir as causas e efeitos de determinadas decisões político-administrativas. A importância da existência de registros dos fatos e atos administrativos é fundamental para se garantir os preceitos constitucionais de transparência, de moralidade, de interesse público, de publicidade. Nesse sentido, é obrigatório que todos os atos administrativos estejam devidamente registrados em processo administrativo e que se tenha um controle mínimo, a fim de permitir sua localização e a identificação do objeto tratado em cada processo. Assim, também nos casos de interesse social é fundamental a existência de registros que tratem da definição do programa, da opção quanto ao projeto, das regras para a escolha da demanda beneficiária, da desapropriação da terra, do controle de liberação de recursos, medição e prestação de contas, da contratação de serviços especializados, do processo de aprovação/regularização, etc. Considerações finais É comum nos depararmos com loteamentos e conjuntos habitacionais implantados há muito tempo que se encontram ainda em situação de irregularidade. Isto ocorre porque, muitas vezes, espaços reservados para áreas verdes ou áreas institucionais se encontram ocupados por moradias. Também é comum que as obras de infra-estrutura tenham de alguma forma se deteriorado, necessitando ser refeitas. Em face de tais situações, normalmente os órgãos técnicos exigem 354 primeiro a solução dos problemas para depois emitir o competente Auto de Regularização, que também se poderá denominar de Alvará de Regularização ou Alvará de Aprovação. Este não se trata do alvará constante no procedimento de aprovação regular. Aula 12 Para que não perdure a situação de irregularidade, a solução que se vislumbra é o da possibilidade de emissão de um Auto de Regularização com ressalvas, devendo o processo administrativo estar instruído com todos os apontamentos necessários – desde a realização de obras até a necessidade de remoções a serem executadas – e um cronograma físico-financeiro, assinados pelo prefeito e secretários responsáveis. Importante que sejam utilizados os instrumentos legais existentes no nosso ordenamento jurídico, visando à transformação das situações ilegais e de exclusão social, com estratégias definidas, com o objetivo principal de regularizar os loteamentos os conjuntos habitacionais ilegais, integrando os seus moradores à cidade. Identifique se existem loteamentos irregulares, clandestinos ou conjuntos habitacionais irregulares em sua cidade. Como o poder público tem lidado com a situação? Escreva um breve relato e troque experiências com seus colegas no Fórum do AVEA. i •• Contribua com o tópico do Fórum em que esta questão será debatida. A troca de idéias entre os participantes do Curso é muito importante. Participe! Se precisar de mais instruções sobre os procedimentos desta atividade, entre em contato com seu tutor. 355 Bibliografia ALFONSIN, Betânia de Moraes. Direito à Moradia: Instrumentos e Experiências de Regularização Fundiária nas Cidades Brasileiras. Observatório de Políticas Públicas: IPPUR: FASE, 1997. DALLARI, Adilson Abreu: Ferraz Sérgio, coordenadores. Estatuto da Cidade – Comentários à Lei Federal 10.257/01. Malheiros Editores Ltda, 2002 DIP, Ricardo Henry Marques, organizador. Registros Públicos e Segurança Jurídica. Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998 FERNANDES, Edésio, organizador. Direito Urbanístico. Livraria Del Rey Editora, 1998. FINK, Daniel Roberto, coordenador. Temas de Direito Urbanístico, Vol. 4. Centro de Apoio Operacional de Urbanismo e Meio Ambiente. Ministério Público do stado de São Paulo. Imprensa Oficial do Estado, 2005. FREITAS, José Carlos, coordenador. Temas de Direito Urbanístico, Vol. 1. Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo. Ministério Público do Estado de São Paulo. Imprensa Oficial do Estado, 1999. MATTOS, Liana Portilho, organizadora. Estatuto da Cidade Comentado. Mandamentos, 2002. MINISTÉRIO DAS CIDADES. Manual de Regularização Fundiária Plena, 2007. ROLNIK, Raquel. “Para Além da Lei: Legislação Urbanística e Cidadania (São Paulo 1886-1936)”. In: Direito Urbanístico. Coordenação de Edésio Fernandes, Belo Horizonte, Editora del Rey, 1998 _______ A Cidade e a Lei. São Paulo, Studio Nobel e Fapesp, 1997 ROLNIK, Raquel [et al.]. Regularização Fundiária Plena – Referências Conceituais. Ministério das Cidades, 2007. SAULE JUNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Sérgio Antonio Fabris Editor, 2004. 356 _______ . Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro. Ordenamento Constitucional da Política Urbana. Aplicação e Eficácia do Plano Diretor. Sérgio Antonio Fabris Editor, 1997. Aula 12 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. Malheiros Editores Ltda, 2000. SOARES, Danielle Machado. Condomínio de Fato; Incidência do Princípio da Autonomia Privada nas Relações Jurídicas Reais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999 Publicações institucionais Estatuto da Cidade: Guia para Implementação pelos Municípios e Cidadãos, Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001. Manual de Regularização Fundiária Plena, Ministério das Cidades, Secretaria nacional de Programas Urbanos Regularização de Loteamentos no Município de São Paulo. São Paulo, Prefeitura do Município de São Paulo / Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano, 2003. 357 Conclusão Parabéns! Você chegou ao final do Curso. Nestas doze semanas, tratamos de um tema fundamental para os brasileiros que vivem nas cidades. Nossa expectativa é que este processo de ensino-aprendizagem contribua para o avanço da regularização fundiária plena, baseada nos princípios fundamentais de justiça social e de democracia. Temos muita satisfação em convidar você para participar do chat de encerramento. O objetivo é fazer uma avaliação coletiva de nosso percurso, revisar os pontos de destaque e esclarecer dúvidas. Informe-se sobre datas e horários disponíveis com seu tutor. Um abraço! 358 Autores Autores Profª. Alexandra Reschke Arquiteta e urbanista, secretária do Patrimônio da União. Profª. Camila Agustini Advogada, especialista em Direitos Humanos, coordenadora geral de Legislação Patrimonial da Secretaria do Patrimônio da União Profª. Claudia Virginia de Souza Arquiteta, Mestre em planejamento urbano e regional pelo IPPUR/UFRJ, diretora da Coordenaria de Implementação do Plano Diretor da prefeitura de Santo André, consultora em planejamento urbano e habitacional. Profª. Cristiane Siggea Benedetto Advogada, consultora jurídica na área de Regularização Fundiária. Coordenadora do módulo II – Regularização Fundiária Plena – Curso à distância de Acesso à Terra Urbanizada promovido pelo Ministério das Cidades em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina. Profª. Denise Gouvêa Arquiteta, urbanista, assessora técnica da Secretaria Nacional de Programas Urbanos/Ministério das Cidades e Mestre em planejamento urbano pela Universidade de Brasília (UnB). Prof. Edésio Fernandes Jurista e urbanista; professor da Universidade de Londres; coordenador do International Research Group on Law and Urban Space (IRGLUS). Profª. Ellade Imparato Advogada, Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, consultora jurídica especializada em Direito Urbanístico, integrante da equipe de Direito à Cidade do Instituto Polis, diretora administrativa do Instituto Urbanístico de Direito Administrativo (IBDU) e associada ao Interrnational Research Group for Law and Urban Space (IRGLUS). Prof. Gabriel Ismael Folgado Blanco Advogado, consultor jurídico nas áreas de regularização fundiária, urbanismo e meio ambiente. Prof. José Abílio Belo Pereira Arquiteto e urbanista, é especialista em Planejamento Urbano Participativo. Secretário Municipal de Planejamento da prefeitura de Be tim/MG (1997-2000) e secretário municipal de Regulação Urbana da prefeitura de Belo Horizonte (2001-2002), é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Unicentro Izabel Hendrix e assessor da presidência do CREA/MG. Profª. Junia Santa Rosa Economista e Mestre em Gestão das Cidades PUC/MG. É especialista em Ciências Sociais pela UNICAMP/SP e Gestão Urbana pela Universitat de Barcelona. É Diretora do Departamento de Desenvolvimento Institucional e Cooperação e secretária-substituta da Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades. Profª. Margareth Matiko Uemura Arquiteta urbanista, Mestre em Planejamento Urbano, especialista em Desenho e Gestão do Território Municipal, ex-coordenadora do Programa de reabilitação de Áreas Urbanas Centrais do Ministério das Cidades e professora da Universidade Bandeirantes – SP. Profª. Otilie Macedo Pinheiro Arquiteta e urbanista, é especialista em Planejamento e Gestão Urbana Participativa; coordenou o Orçamento Participativo de Betim/MG (1993-1998); foi diretora de Apoio à Gestão Municipal e Territorial do Ministério das Cidades (2003-2007), onde coordenou a campanha nacional “Plano Diretor Participativo: Cidade de Todos”, e assessora técnica da Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados. Autores Profª. Patrícia de Menezes Cardoso Advogada, mestranda em Direito Urbanístico, assessora técnica da Secretaria do Patrimônio da União Prof. Patryck Araújo Carvalho Arquiteto e urbanista, diretor de Regularização Fundiária da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura do Município de Osasco – SP. Profª. Paula Santoro Arquiteta e urbanista, graduada, Mestre e Doutoranda pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Técnica do Núcleo de Urbanismo do Instituto Pólis (2002-hoje) e do Instituto Socioambiental (2007-hoje). Prof. Paulo Somlanyi Romeiro Advogado da equipe de Direito à Cidade do Instituto Pólis e mestrando em direito urbanístico ambiental pela PUC-SP. Prof. Pedro Jorgensen Arquiteto e urbanista (UFRJ) e Mestre em Engenharia de Transportes (COPPE-UFRJ), pesquisador, autor e co-autor de artigos e estudos sobre os temas Operações Urbanas e Recuperação da Valorização da Terra. Profª. Raquel Rolnik Arquiteta e urbanista especializada em planejamento e gestão da terra urbana. É professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e do Mestrado em Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, SP. Relatora de “Direito à Moradia” da ONU. Prof. Renato Cymbalista Arquiteto e urbanista, Mestre e Doutor pela FAU-USP e professor da Escola da Cidade. Autor e organizador de artigos e livros sobre reforma urbana e política urbana, entre eles “Planos Diretores Municipais: novos conceitos de planejametno territorial” (Ed. Anna Blume, 2007, com Laura Bueno). Profª. Rosana Denaldi Doutora em arquitetura e planejamento urbano pela FAUUSP, especialista em Política Habitacional pelo Institute for Housing Planning and Building (IHS) em Roterdã, professora de Planejamento Urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Santos, consultora nas áreas de planejamento urbano e habitacional. Profª. Rosane Tierno Advogada, secretária executiva do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – (IBDU), membro do Centro de Direitos Gaspar Garcia, coordenadora jurídica do Programa de Regularização Fundiária da Prefeitura do Município de Osasco – SP. Profª. Sandra Ribeiro Arquiteta, urbanista, gerente de projeto da Secretaria Nacional de Programas Urbanos/Ministério das Cidades e Mestre em planejamento urbano pela Universidade de Brasília (UnB). Profª. Simone Gueresi Arquiteta e urbanista, mestre em Planejamento Urbano, coordenadora Geal de Projetos Especiais da Secretaria do Patrimônio da União Autores .