® BuscaLegis.ccj.ufsc.Br Primeira Conferência Nacional das Cidades Ana Candida Echevenguá* O cidadão precisa se mobilizar – e há prazos fixados - para a Conferência Nacional das Cidades que formará os Conselhos das Cidades, nos três níveis da Federação. Mas o que é tudo isso? Inicialmente, é importante salientar que nossa Constituição Federal ordena o pleno desenvolvimento da função social da cidade1 e garante o bem-estar de seus habitantes, dedicando um capítulo à política de desenvolvimento urbano sustentável, estatuindo que esta deve ser implementada pelo Poder Público Municipal, em conformidade com o Estatuto da Cidade e com a legislação protetiva do meio ambiente. O que é o Estatuto da Cidade? Trata-se da Lei 10.257/2001, um conjunto de medidas que visam à implementação da função social da propriedade e a regulamentar a execução da política urbana tratada nos artigos 182 e 183 da nossa CF. Apresenta importantes institutos como o das operações urbanas consorciadas, da outorga onerosa do direito de construir e um novo vetor tributário: IPTU progressivo aplicável aos terrenos urbanos ociosos e aos loteamentos grilados na periferia. Em vários artigos, propõe-se a ordenar e controlar o uso do solo para evitar a deterioração das áreas urbanizadas, a poluição e a degradação ambiental. Além disso, fortalece a gestão democrática, com a ação de conselhos de política urbana, das leis de iniciativa popular e da realização de debates, audiências e consultas públicas. E torna obrigatório o plano diretor para cidades com mais de 20 mil habitantes, para as integrantes de áreas de especial interesse turístico e para as inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental. Sua aplicação, no entanto, ainda é inexpressiva! Em 2003, uma das primeiras iniciativas do atual governo federal foi a criação do Ministério das Cidades, cujo atual Ministro é Olivio Dutra. Dentre seus objetivos está a universalização do direito à cidade, garantindo o acesso da população à habitação digna, ao saneamento básico e à adequada mobilidade no trânsito, facilitada pelo transporte público. Nesse meio tempo, tal Ministério já apurou que: - 82% da população vive em cidades; - o Brasil possui um deficit habitacional correspondente a 6 milhões e meio de unidades. E que há 5 milhões de unidades ociosas. Isto significa que há falta de condição de renda para acesso à habitação, ou seja, a visão tecnocrática dos planos urbanísticos ignorou a realidade desigual das condições de renda. - cerca de 60 milhões de brasileiros (9,6 milhões de domicílios) das cidades não dispõem de coleta de esgoto; - somente 25,6% dos esgotos coletados recebem tratamento adequado; - cerca de 15 milhões de pessoas (3,4 milhões de domicílios), não possuem esgoto sanitário e acesso à água encanada; - 16 milhões de brasileiros não têm coleta de resíduos sólidos; - 64% dos municípios depositam, em lixões, os resíduos coletados; - as cidades de porte médio (com população entre 100 mil e 500 mil habitantes), embora não vivenciem os problemas das metrópoles, apresentam o aumento da cidade ilegal, destituída de infra-estrutura; - de 1996 a 2000, foram criados 485 municípios com população de até 20.000 habitantes; - atualmente, 72% dos 5.561 municípios do país apresenta população inferior a 20.000 habitantes, ou seja, representam 20% da população nacional e possuem os menores índices de desenvolvimento econômico; - em 2001, ocorreram 307.287 acidentes de trânsito (20.039 mortes); - dos 30 milhões de veículos que circulam no Brasil, 25 milhões são automóveis e apenas 115 mil são ônibus; - a ilegalidade, sob o ponto de vista fundiário (cidade ilegal), é em torno de 60%. Esta população vive, ainda, sem acesso às condições básicas (em favelas, ocupações de risco e loteamentos irregulares). O número de moradores em favelas duplicou de 1980 a 1990. Nesse território de ilegalidade urbana prolifera a violência e, em especial, o crime organizado. O crescimento urbano desordenado conduz ao desastre ambiental. Todos os municípios brasileiros têm seu território ocupado sem a observância da legislação urbanística. A situação agravou-se após a edição da Lei 6.766/1979, que implementou regras elitistas e restritivas sobre o parcelamento do solo urbano, fomentando, assim, a ilegalidade. E, em especial, com o desmonte da máquina pública e com a precariedade ou inexistência de prestação de serviço público urbano, decorrentes de gestão autoritária, tecnocrática e destituída de planejamento. Somado a isto, inexiste uma consciência coletiva ambientalista voltada a ocupações geradoras da deterioração do meio ambiente. O principal componente da estrutura do Ministério das Cidades será o Conselho Nacional das Cidades, um fórum nacional de articulação das políticas setoriais de desenvolvimento urbano. As Medidas Provisórias 2220/2001 e 103/2003 atribuíram-lhe as seguintes competências: “I - propor diretrizes, instrumentos, normas e prioridades da política nacional de desenvolvimento urbano; II - acompanhar e avaliar a implementação da política nacional de desenvolvimento urbano, em especial as políticas de habitação, de saneamento básico e de transportes urbanos, e recomendar as providências necessárias ao cumprimento de seus objetivos; III - propor a edição de normas gerais de direito urbanístico e manifestar-se sobre propostas de alteração da legislação pertinente ao desenvolvimento urbano; IV - emitir orientações e recomendações sobre a aplicação da Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, e dos demais atos normativos relacionados ao desenvolvimento urbano; V - promover a cooperação entre os governos da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e a sociedade civil na formulação e execução da política nacional de desenvolvimento urbano; VI - elaborar o regimento interno; VII -propor as diretrizes para a distribuição regional e setorial do orçamento do Ministério das Cidades”. O Conselho das Cidades será deliberativo (e não meramente consultivo), formado por representantes democraticamente escolhidos na Conferência Nacional das Cidades2. A primeira dessas Conferências realizar-se-á em Brasília, de 23 a 26 de outubro de 2003. Terá como lema Cidade Para Todos, como tema Construindo uma política democrática e integrada para as Cidades e as seguintes finalidades: “I - Propor princípios e diretrizes para as políticas setoriais e para a política nacional das cidades; II - Identificar os principais problemas que afligem as cidades brasileiras trazendo a voz dos vários segmentos e agentes produtores, consumidores e gestores; III - Indicar prioridades de atuação ao Ministério das Cidades; IV - Propor a natureza e novas atribuições, bem como indicar os membros do Conselho das Cidades; V - Propor as formas de participação no processo de formação do Conselho das Cidades; VI - Avaliar programas em andamento e legislações vigentes nas áreas de Habitação, Saneamento Ambiental, Programas Urbanos, Trânsito, Transporte e Mobilidade Urbana, desenvolvidas pelos Governos Federal, Estaduais, Municipais e do Distrito Federal nas suas diversas etapas, com base nos princípios e diretrizes definidos; VII - Avaliar o sistema de gestão e implementação destas políticas, intermediando a relação com a sociedade na busca da construção de uma esfera público-participativa; VIII - Avaliar os instrumentos de participação popular na elaboração e implementação das diversas políticas públicas”. A Primeira Conferência Nacional das Cidades será composta de 2.500 delegados, com expressiva representação não-governamental: terá somente 250 representantes do Poder Público Federal, indicados pelo Executivo e pelo Congresso Nacional, 562 delegados serão indicados por entidades nacionais; 1688 delegados, eleitos nas Conferências Estaduais e o restante será indicado por ONGs, entidades profissionais, acadêmicas e de pesquisa, trabalhadores, através de suas entidades sindicais, empresários relacionados à produção e ao financiamento do desenvolvimento urbano, operadores e concessionários de serviços públicos. Santa Catarina, por exemplo, contará com a representação de 59 delegados (5 representantes de ONGs e 16 de movimentos populares). Rio Grande do Sul, com 83 (7 representantes de ONGs e 23 de movimentos populares). Ela deverá ser precedida de conferências municipais e estaduais. Frisa-se que a não realização de uma etapa não será empecilho para a realização da outra: - para cada Conferência Municipal deverá ser constituída uma Comissão Preparatória com a participação de representantes dos diversos segmentos já mencionados para escolha dos delegados municipais. O Poder Executivo Municipal tem a prerrogativa de convocar a Conferência Municipal. Mas, se ele se omitir, não efetuando a convocação até o dia de 30 de junho de 2003, os representantes de 50% dos segmentos, em nível municipal, poderão convocá-la; - o mesmo ocorre com a Conferência Estadual, que é indispensável para a participação de delegados estaduais na Conferência Nacional das Cidades: o Executivo Estadual tem a prerrogativa da convocação para as Conferências Estaduais (que devem ocorrer de 16/08/2003 a 28/09/2003). Omisso, até o prazo de 15 de junho de 2003, representantes de, no mínimo 50% dos segmentos em nível estadual, poderão convocá-la através de veículos com ampla divulgação. O Ministério das Cidades, com esta iniciativa, pretende tirar as instituições e a sociedade do analfabetismo urbanístico, criando a consciência da dimensão dos problemas oriundos do crescimento urbano irregular e socialmente desigual. A democracia direta parece consolidada! Nosso país carece, há tempos, de política institucional para as regiões metropolitanas. Busca, com políticas compensatórias pontuais, a solução da violência, da poluição e da miséria. Sabemos que o problema urbano brasileiro não é de escassez de terra: é de uso efetivo desta e de organização do espaço urbano. Mas, atualmente, não há como planejar cidade sem pensar no campo. Não há um modelo único para as cidades. O certo é que elas devem ser construídas sob bases mínimas para a cidadania e urbanidade. Portanto, devemos agir rapidamente!! É preciso garantir nosso direito constitucional a cidades sustentáveis, ou seja, garantir "... o direito à terra ubana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, ao transporte, e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações..." (art. 2o., inciso I do Estatuto da Cidade). 1 – artigo 182, caput, CF. 2 - Segundo o Regimento da Conferência, esta terá uma composição total de 2.500 delegados. A representação dos diversos segmentos deve ser composta de: gestores, administradores públicos e legislativos - federal, estaduais, municipais e Distrito Federal (40%); movimentos sociais e populares (25%); ONGs, entidades profissionais, acadêmicas e de pesquisa (7,5%); trabalhadores, através de suas entidades sindicais (10%); empresários relacionados à produção e ao financiamento do desenvolvimento urbano (7,5%); operadores e concessionários de serviços públicos (10%). *Advogada trabalhista e ambientalista e atuante em SC, PR e RS; Diretora Jurídica do Instituto do Desenvolvimento Sustentável de Santa Catarina - IDESC. Email: [email protected]. OAB/RS 30.723 Disponível em: < http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=124&idAreaSel=13&seeArt=yes >. Acesso em: 11 out. 2007.