Manual de
Diagnósticos Locais
de Segurança
Uma Compilação de Normas
e Práticas Internacionais
Versão adaptada de
Guidance on Local Safety Audits.
A Compendium of International Practice
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança
Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
O presente manual foi produzido pelo Fórum Europeu para a Segurança Urbana (FESU) e financiado
maioritariamente pelo Governo do Canadá, através do National Crime Prevention Center, sob a orientação
do Dr. Sohail Husain, director da Analytica Consulting Services.
As versões em língua francesa, castelhana e inglesa estão disponíveis online no site www.fesu.org. A versão em língua alemã está disponível em www.beccaria.de, disponibilizada através do Council for Crime
Prevention of Lower Saxony, Ministério da Justiça. A presente versão está disponível no site da DirecçãoGeral de Administração Interna, cujo endereço é www.dgai.mai.gov.pt.
Este manual pode ser usado e reproduzido gratuitamente sem fins lucrativos, desde que a sua utilização
seja devidamente referenciada.
São encorajadas quaisquer sugestões e informação sobre instrumentos nacionais complementares que possam vir a contribuir para melhorar a utilidade deste Manual numa futura actualização. Os comentários deverão
ser enviados directamente para [email protected] ou para [email protected].
Edição:
Ministério da Administração Interna –
Direcção-Geral de Administração Interna
Lisboa, 2009
Tradução:
Maria João Correia
Revisão técnica e adaptação
para a versão portuguesa:
Paulo Machado
Colaboradores externos da revisão:
Susana Durão, Carlos Fogaça,
Susana Silva
Tiragem:
1500 exemplares
ISBN: 978-989-95928-2-7
Conteúdos
Agradecimentos viii
Siglas no texto original ix
Siglas introduzidas na versão portuguesa ix
Preâmbulo da Versão Portuguesa xi
INTRODUÇÃO À EDIÇÃO PORTUGUESA xii
Contratos Locais de Segurança Introdução xvii
1
PARTE A: O PROCESSO DE DIAGNÓSTICO LOCAL DE SEGURANÇA 5
1 Diagnóstico Local de Segurança em Contexto Alargado 1.1. Desenvolvimento sustentado e inclusão social 1.2. Criar comunidades mais seguras, mais fortes e mais saudáveis 1.3. Orientações da ONU para a prevenção do crime 1.4. O DLS como parte do processo preventivo 1.5 Desenvolvendo uma estratégia: quem deve ser envolvido? 6
6
7
8
9
10
2 Diagnósticos Locais de Segurança: Uma Visão Geral 2.1. O que é um DLS? 2.2. Dez princípios para uma boa prática 2.3. Os benefícios do DLS 12
12
13
14
3 Preparação para o DLS 3.1. Que informação é necessário recolher? 3.2. Que conhecimentos e competências são necessários? 3.3. Quem deve coordenar o DLS? 3.4. Quanto tempo demora um DLS? 3.5. Comparações nacionais e internacionais 16
16
17
18
18
21
4 As Quatro Fases de Implementação do DLS 4.1. Introdução 4.2. Fase 1: Análise alargada e genérica 4.2.1.Contextualização 4.2.2.Análise preliminar do crime e das incivilidades 4.2.3.Vítimas e delinquentes 4.2.4.Identificar os factores de risco associados à delinquência e à vitimização 4.2.5.Aferir as respostas 4.3. Fase 2: Investigação aprofundada e pormenorizada 22
22
23
23
23
24
25
27
27
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
iii
4.4. Fase 3: Identificar prioridades e oportunidades 4.4.1.Identificar prioridades 4.4.2.Identificar os activos, os pontos fortes e as oportunidades 4.5. Fase 4: Consultoria e comunicação 4.5.1.Consultoria 4.5.2.Divulgação dos Resultados 5 Abordagem Participativa: Motivar e Envolver as Comunidades 5.1. O que é a abordagem participativa e porque é importante? 5.2. Quais os grupos que deverão estar envolvidos? 5.3. Como pode um DLS participativo ser implementado? 5.4. Motivar e envolver grupos sociais marginalizados PARTE B: ASSUNTOS ESPECIFÍCOS PARA AS EQUIPAS DOS
DIAGNÓSTICOS LOCAIS DE SEGURANÇA 6 Visão Geral 28
28
28
29
29
29
31
31
32
34
36
39
40
7 Crianças e Jovens 42
7.1. Introdução 42
7.2. Crianças e adolescentes em risco no seio familiar 43
7.3. Crianças e jovens que crescem e vivem em instituições 44
7.4. Crianças e jovens em conflito com a lei 45
7.5. Crianças e jovens na escola 47
7.6. Crianças e jovens envolvidos em gangs com actividades criminosas e violência organizada 50
7.7. Crianças de rua 52
iv
8 Violência Interpessoal 8.1. Introdução 8.2. Violência entre parceiros íntimos (violência conjugal) 8.3. Diagnosticar a violência entre parceiros (conjugal) 8.4. Abuso de idosos 8.5. Diagnosticar o abuso de idosos 8.6. Informação adicional online 54
54
54
55
57
57
58
9 Os Delinquentes e a Sua Ressocialização 9.1. Introdução 9.2. Diagnosticar a reinserção dos delinquentes 59
59
60
10Tráfico de Pessoas 10.1.Introdução 10.2.Diagnosticar o tráfico 10.3.Informação adicional online 62
62
63
65
11Álcool, Drogas Ilícitas e Abuso de Substâncias 11.1.Introdução 11.2.Uma estratégia multidisciplinar integrada 11.3.Ajudar as crianças e os jovens a tomar as decisões certas 11.4.Alcoolismo 11.5.Consumo de drogas ilícitas 11.6.Produção e tráfico de drogas ilícitas 66
66
67
68
68
70
71
12Empresas e Criminalidade 12.1.Introdução 12.2.As empresas como vítimas 12.3.As empresas como facilitadoras e autoras de crimes 72
72
72
73
12.4.As empresas como dissuasoras do crime e impulsionadoras da sua prevenção 12.5.Diagnosticar o envolvimento das empresas no crime e na prevenção 13Bairros com Elevadas Taxas de Criminalidade 13.1.Introdução 13.2.Diagnosticar bairros com elevadas taxas de criminalidade PARTE C: FONTES, TÉCNICAS E INSTRUMENTOS 14Informação do DLS: Considerações Estratégicas 14.1.Fontes de Informação 14.2.Reconhecer a diversidade na comunidade 14.3.Partilha de informação e confidencialidade dos dados 14.4.Observatórios de dados 15A Utilização de Fontes e Dados Secundários 15.1.Introdução 15.2.Dados policiais 15.3.Outros organismos do sistema de justiça criminal 15.4.Serviços de apoio às vítimas 15.5.Serviços de ambiente urbano e de habitação 15.6.Entidades do sistema educativo 15.7.Serviços de apoio social 15.8.Serviços de saúde 15.9.Serviços de bombeiros 15.10.Segurança privada e companhias de seguros 15.11.Inquéritos e pesquisa 74
74
76
76
77
79
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80
82
83
83
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85
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97
97
99
99
99
16Recolher e Utilizar Dados de Inquéritos 16.1.Introdução 16.2.Inquéritos de vitimização 16.3.Inquéritos de criminalidade auto-revelada 16.4.Painéis de cidadãos 101
101
103
107
108
17Reunir Informação Qualitativa 17.1.A necessidade de dados qualitativos 17.2.Técnicas para a recolha de informação qualitativa 17.2.1.Entrevistas com informadores privilegiados 17.2.2.Reuniões abertas 17.2.3.Grupos focais 17.2.4.Inquérito por entrevista em profundidade 17.2.5.Trabalho de rua 17.3.Instrumentos para a recolha de informação qualitativa 17.3.1.Visão partilhada 17.3.2.Passeios exploratórios 17.3.4.Método “bola de neve” 17.3.5.Painéis de cidadãos 17.3.6.Orçamento participativo 17.4.A necessidade de uma abordagem equilibrada 110
110
111
111
112
114
114
117
118
118
119
120
120
121
123
Anexo A: Factores de Risco Associados à Delinquência 126
Anexo B: Directrizes das Nações Unidas para a Prevenção do Crime 127
I.
II.
Introdução Quadro conceptual de referência 127
127
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
v
III.
IV.
V.
Princípios gerais ou de base Organização, métodos e abordagens Cooperação Internacional 128
129
132
Anexo C: Directrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência
Juvenil 133
Anexo D: Manifesto de Saragoça 139
Anexo E: Legislação Portuguesa 140
Anexo F: Fontes de Informação Estatística Oficial Portuguesa 143
E1 Os grandes enquadramentos E2 Programas e estratégias nacionais E3 Autarquias e redes locais F1. Fontes, questões de método e instrumentos F.1.1. Introdução F.1.2. Fontes da estatística da criminalidade F.1.3. O INE como fonte estatística primordial F.1.4 Resultados disponibilizados pelo INE F.1.5. Quem responde aos inquéritos do INE F.1.6 Como é feita a escolha de quem inquirir 140
142
142
143
143
144
146
147
147
147
Anexo G: Resolução do Parlamento Europeu, de 21 de Junho de 2007,
Sobre a Delinquência Juvenil: O Papel da Mulher, da Família e
da Sociedade 148
vi
Bibliografia 156
Organizações, Sítios na Web e Recursos Online 163
Índice de Esquemas, Quadros e Figuras
Esquema 1 O processo da prevenção do crime Esquema 2 Grupo de Trabalho para Segurança da Comunidade (GTSC) 9
10
Quadro 1
Quadro 2
Quadro 3
Quadro 4
Quadro 5
Quadro 6
Quadro 7
Quadro 8
Quadro 9
Quadro 10
Quadro 11
Quadro 12
Quadro 13
Quadro 14
Quadro 15
Quadro 16
Quadro 17
Quadro 18
Quadro 19
Quadro 20
Quadro 21
Quadro 22
Quadro 23
Quadro 24
Quadro 25
Quadro 26
Quadro 27
Quadro 28
Quadro 29
Quadro 30
Quadro 31
Quadro 32
Quadro 33
Quadro 34
Informação necessária ao DLS 17
Recrutar a equipa técnica do DLS 19
Exemplo de um cronograma de um DLS 19
O processo de implementação de um DLS 22
Contextualização – perguntas-chave para a Fase 1 23
Crime e incivilidades – perguntas-chave para a Fase 1 24
Problemas a explorar através de informadores privilegiados na Fase 1 25
Vítimas e delinquentes – perguntas-chave para a Fase 1 26
Factores de risco – perguntas-chave para a Fase 1 26
Aferir as actuais respostas – perguntas-chave para a Fase 1 27
Benefícios de uma abordagem participativa 33
Participação comunitária: critérios de identificação 33
Níveis de participação da comunidade 34
Técnicas para envolver as comunidades no planeamento e implementação do DLS
35
DLS: fontes de informação 81
Fontes de informação úteis durante as diferentes Fases de implementação do DLS 82
Potenciais fontes de dados secundários 85
Falhas de informação comuns nas fontes secundárias 86
Crimes que são, com frequência, sub-reportados à polícia 82
Perguntas sobre o “quando” e o “como“ da criminalidade reportada 90
Dados secundários provenientes dos organismos de justiça criminal 94
Dados secundários provenientes das entidades do sistema educativo 96
Dados secundários provenientes dos serviços de saúde 98
O cálculo das taxas de crime 103
Inquéritos de vitimização: opções de aplicação 105
Factores essenciais para o sucesso das entrevistas com informadores privilegiados 112
Factores essenciais para o sucesso das sessões abertas 113
Exemplo de questões a colocar para um grupo focal sobre vizinhança 115
Factores essenciais para o sucesso do o grupo focal 115
Factores essenciais para o sucesso das entrevistas em profundidade 115
Factores essenciais para o sucesso do trabalho de rua 117
Amostra de questões para ‘Visualização em Bairro” 118
Eventos de visão: princípios de boa prática 119
Painel de cidadãos: princípios de boa prática 121
Figura 1
Figura 2
Figura 3
Figura 4
Figura 5
O compromisso comunitário nos bairros de Saskatoom (Canadá) Variações na denúncia de crimes à polícia: percentagem de crimes reportados Mapeamento de dados criminais (Hungria): ocorrências por 100.000 habitantes Análise da incidência horária das ocorrências (Canadá) Análise da incidência horária dos furtos (Austrália) 78
87
89
91
91
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
vii
Agradecimentos
Este Manual de Auditorias Locais de Segurança foi desenvolvido pelo Fórum Europeu para a
Segurança Urbana (FESU) e foi financiado maioritariamente pelo Governo do Canadá através do
National Crime Prevention Center – NCPC.
A contribuição deste Centro foi liderada por Mary-Anne Kirven, conselheira sénior e consultora
em Planeamento Estratégico, contando com a colaboração de Lucie Léonard, chefe executiva
da Unidade do Conhecimento e Investigação.
O FESU foi representado por Michel Marcus, director executivo, Elizabeth Johnston, directora-adjunta
e Benjamin Blaise, gestor de projectos.
O autor responsável pelo Manual foi Sohail Husain, director da Analytica Consulting Services, que
liderou uma equipa sediada em Inglaterra, contando ainda com a contribuição de Rob George e
Jenny Ewels.
Um grupo de consultores da International Advisory Group colaborou
significativamente para a realização deste manual, dos quais se
destacam os seguintes elementos:
Kauko Aromaa
Pál Baan
Manuele Braghero
Radim Bureš
Anna Alvazzi del Frate
Agnes Gnammon-Adiko
Dianne Heriot
Barbara Holtmann
Dr Pramod Kumar
Edgar Mohar Kuri
Claudia Laub
Erich Marks
Laura Petrella
Margaret Shaw
Franz Vanderschueren
Philip Willekens
Lilian Zanchi
Director, Instituto Europeu para a Prevenção Criminal e Controlo, Finlândia
Conselheiro chefe, Departamento de Prevenção Criminal Policial,
Ministério da Justiça e a Segurança Interna, Hungria
Chefe de gabinete, Ministério Regional para o Governo Local e
Participação Comunitária, Região da Toscana, Itália
Director adjunto, Departamento de Prevenção Criminal, Ministério
do Interior, República Checa
Oficial de Prevenção Criminal e Justiça Criminal, Gabinete Coordenador
das Nações Unidas de Combate às Drogas e Criminalidade, Áustria
Coordenadora nacional, Projecto de Segurança Urbana, Costa do Marfim
Secretária assistente, Divisão de Justiça Criminal, Departamento da
Procuradoria Geral, Austrália
Gestora sénior, Prevenção Social do Crime, Centro de Prevenção Criminal, Conselho para a Investigação Científica e Industrial, República da África do Sul
Director, Instituto para o Desenvolvimento e Comunicação, União Indiana
Secretária do Departamento de Segurança e Salvaguarda dos Cidadãos, Queretaro, México
Presidente, El Agora, Argentina
Director Executivo, Conselho para a Prevenção Criminal da Baixa
Saxónia, Alemanha
Coordenadora, Programa Cidades Mais Seguras, UN-Habitat, Quénia
Directora de Análise e Partilha de Informação, Centro Internacional para
a Prevenção Criminal, Canadá
Professor, Alberto Hurtado University, Chile
Director, Departamento de Segurança Local, Federação dos Serviços Públicos dos Assuntos Internos, Bélgica
Membro do Parlamento e membro executivo do Fórum Francês para a Segurança Urbana, França
São também merecedoras de reconhecimento as contribuições dos seguintes especialistas: Alex
Butchart (Organização Mundial de Saúde), Marco Gramegna (Consultor Internacional), Dinesh Sethi
(Organização Mundial de Saúde), Jane Stanley (Focus Pty Ltd, Austrália), Fuimaono Tuiasau (Ministério
da Justiça, Nova Zelândia) e Debra Willoughby (IODA, Reino Unido).
viii
Siglas no texto original
CPTED CSIR
CSSG
EFUS
HEUNI
ICPC
ICVS
UN
UNDP
UNECE
UNICEF
UNICRI
UK
US
WHO
Crime Prevention Through Environmental Design
Council for Scientific and Industrial Research (South Africa)
Community Safety Steering Group
European Forum for Urban Safety
European Institute for Crime Prevention and Control
International Centre for the Prevention of Crime
International Crime Victims Survey
United Nations
United Nations Development Programme
United Nations Economic Commission for Europe
United Nations Children’s Fund
United Nations Interregional Crime and Justice Research Institute
United Kingdom
United States
World Health Organisation
Siglas introduzidas na versão portuguesa
ACIDI
APAV
CLAS
CLS
DLS
DGAI
DGPJ
DGRS
EUA
GCS
GNR
GTSC
IDT
INE
MAI
MTSS
OMS
OTSH
PDS
PJ
PNAI
PSP
SEF
SSI
Alto-Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural
Associação Portuguesa de Apoio à Vítima
Conselho Local de Acção Social
Contrato Local de Segurança
Diagnóstico Local de Segurança
Direcção-Geral de Administração Interna
Direcção-Geral da Política de Justiça
Direcção-Geral de Reinserção Social
Estados Unidos da América
Gabinete Coordenador de Segurança
Guarda Nacional Republicana
Grupo de Trabalho para a Segurança da Comunidade
Instituto da Droga e da Toxicodependência
Instituto Nacional de Estatística
Ministério da Administração Interna
Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social
Organização Mundial de Saúde
Observatório do Tráfico de Seres Humanos
Plano de Desenvolvimento Social
Polícia Judiciária
Plano Nacional de Acção para a Inclusão
Polícia de Segurança Pública
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
Sistema de Segurança Interna
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
ix
PREÂMBULO DA
VERSÃO PORTUGUESA
Modificar e conhecer o mundo:
por uma relação simétrica
A
ciência sonha, de uma forma ou de outra, colaborar na produção política do mundo. A reflexão, em
sentido lato, é sempre acção. Como disse Roger Bastide no seu famoso livro Antropologia Aplicada
(1971): “A intervenção humana na realidade social é simultaneamente acção e ciência, visto que ela permite, ao mesmo tempo, modificar o mundo e, ao mudá-lo, conhecê-lo”.
Hoje não é já possível imaginar a intervenção política sem algum garante da sua sustentabilidade no
espaço e ao longo do tempo. As acções políticas, para terem efeitos sociais e, mais ainda, para se realizarem tendo em vista um alcance cultural maior, merecem cada vez mais enquadramento numa rede
de conhecimentos plurais. Se num primeiro momento tais saberes são independentes, num segundo
momento eles revelam-se inter dependentes e comunicantes. A informação por si só não basta; não é.
Mas a ciência também deve ser pensada na sua íntima relação com o político. Não existem relações
ingénuas ou “puras”. É preciso saber de que modo, em que momento e com que ferramentas a ciência
ajuda a construir o mundo com a política. E aqui penso essencialmente na ciência social, ou melhor, no
conjunto das disciplinas que reflectem o mundo, o social, a cultura e como as pessoas se movem no seu
seio. Surge imediatamente uma questão: de que modo o conhecimento se traduz em intervenção, já que
é possível tornar esta atitude consciente, sustentada e sistematizada?
Temos muitos exemplos internacionais de como os cientistas sociais jogaram um papel determinante na
investigação dirigida para as comunidades. Tal foi particularmente notório quando se tratou de convocar a
ajuda destes especialistas para traçar policiamentos comunitários que modificaram a face das Polícias e
a sua relação com diversas realidades locais um pouco por todo o mundo. Um guia das experiências internacionais foi produzido por Jerome Skolnick e David Bayley em Policiamento Comunitário (1988). Que
desafios se colocaram às ciências sociais aplicadas às questões da segurança das comunidades?
Três pontos merecem especial destaque:
1. O contributo maior prende-se com uma questão de perspectiva. Para estudar a base social de
implementação, implicações e efeitos de políticas e policiamentos de proximidade há toda a
vantagem em desenvolver abordagens científicas de aproximação. Neste sentido, a antropologia das
sociedades contemporâneas tem uma experiência metodológica e, através dela, uma elaboração de
resultados empíricos e teóricos ímpar. Esta centra-se na análise de processos sociais, no estudo
da cultura enquanto processo activo e dinâmico e interessa-se pelos factores de mudança. A
análise antropológica é mais sensível do que qualquer outra à experiência vivida das pessoas e,
em simultâneo, abre perspectivas para estudos sobre as complexidades que compõem o social.
Tal fica visível nos estudos que se baseiam nas intersecções entre biografias, histórias e sociedade.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
xi
Porém, conhecer de dentro e de perto, por entre os interstícios sociais e relações interpessoais,
não significa perder de vista o conjunto mais amplo das dinâmicas estruturantes que produzem as
sociedades. Comunidade ou localidade são uma questão de escala, não de valor. A localidade não
deve ser encarada como microcosmos da sociedade mais ampla; ela é desde logo sociedade,
situada, fluida, com persistências e mudanças. Não é a comunidade como objecto de estudo que é
valorizada (o seu recorte é artificial), mas sim a perspectiva aproximada. Como passar então ao ponto
seguinte, de relação entre saber e políticas?
2. A palavra é mediação. Os antropólogos que olham para as sociedades actuais são particularmente
sensíveis ao estudo de como o social se manifesta através da variação, contradição, conflito de
normas, manipulação de regras, histórias com contexto e conjugação de múltiplas intencionalidades.
Nenhuma sociedade, particularmente quando se define tendo por referência o sistema democrático,
se ergue sem diferenciação e, até certo ponto, desordem. Já Georges Balandier, no erudito ensaio A
Desordem. Elogio do Movimento (1988), escrevia que a ordem (apolínea) e a desordem (dionisíaca)
existem em razão uma da outra; trazem nelas as duas. O movimento é sempre portador de incerteza.
Pode discutir-se o limite destas abordagens do real e os efeitos do deslocamento da ênfase mais
tradicional na morfologia, equilíbrio e sistemas sociais. É particularmente notório, sobretudo no legado
da antropologia britânica, o desvio da atenção do “como a sociedade se mantém” para o “como a
sociedade se transforma”. Todavia, é precisamente nesse âmbito de variação e de incerteza social
e cultural que surge a necessidade de produzir “diagnósticos locais de segurança”. A ordem social
não é um ponto de partida; mas alguma ideia de ordem comum e de gestão possível da desordem
(do movimento) é um ponto de chegada.
Neste âmbito, o cientista social pode ser encarado como um dos mais fundamentais elos de
mediação entre diferentes ordens do social, com a sua contribuição para o conhecimento partilhado.
Mediação é aqui entendida como uma atitude no sentido de aproximar, fazer dialogar ou conviver
partes consideradas diferentes entre si mas que estão (ou se pretende que estejam) envolvidas num
mesmo fenómeno, situação ou encontro. Trata-se de uma forma possível de ajuste de assimetrias
presentes quando existem estruturas de poder que diferenciam. O seu trabalho de tradução, de
reorganização de conteúdos e produção de inteligibilidade pode ser transversal e não apenas de
cima para baixo ou de baixo para cima. E, finalmente, como agir politicamente?
3. A produção de ordens e de formas de coesão social implica necessariamente negociação entre os
mais diversos actores sociais, de preferência envolvendo não só actividade como criatividade. Neste
caso os actores são o Estado, as polícias, as instituições, organizações e associações locais, os
cidadãos organizados e os mais diversos habitantes urbanos individualmente. O caminho que vai
da ambição humanista e universalista do saber social antropológico à selectividade, parcialidade,
“realismo” e contradições da política é tudo menos linear. Muitas pedras surgem necessariamente no
caminho: na política como na ciência. Mas o caminho pode ser traçado com objectivos precisos. E
um dos mais centrais é o de contribuir indelevelmente para uma humanização das cidades, espaços
urbanos vividos e sustentáveis em termos de segurança.
Voltemos por um instante às palavras de Roger Bastide que abriram esta curta reflexão. A proposição
é interessante. O autor não fala em conhecer para mudar o mundo. O mundo é modificado e,
enquanto isso, vai sendo conhecido. É inegável que a ciência muda sempre o objecto de estudo, não
estuda apenas. Tal como anteriormente defendi, ela estuda não só a mudança social, mas também
sociedades em mudança. E o poder político intervém, para isso foi criado. Mas deve conhecer aquilo
em que actua enquanto actua. E não esqueçamos em momento algum que ciência e política são
parte integrante desse conhecimento.
Lisboa, 6 de Julho de 2009
xii
INTRODUÇÃO À EDIÇÃO
PORTUGUESA
O
primeiro contacto que tivemos com a obra que a DGAI agora publica em língua Portuguesa ocorreu em Bruxelas, em Março de 2008, no contexto do Colóquio Internacional Local Safety Audit,
organizado pelo Fórum Europeu de Segurança Urbana (FESU).
Nessa mesma ocasião, a excelente apresentação do Dr. Sohail Husain, primeiro autor do trabalho
que fora encomendado à Analytica Consulting Service (empresa privada de consultoria) pelo FESU, e
financiado pelo Centro Nacional de Prevenção do Crime, do Ministério do Interior do Canada, pôs em
evidência uma questão que marcaria os dois dias do Colóquio. Muito mais do que um problema de
semântica, o tomar partido pelo conceito de auditoria ou pelo conceito de diagnóstico demonstrou a
existência, na sala, de duas culturas sócio-técnicas parcialmente diferentes.
De um lado, os que defendiam o título original, Guidance on Local Safety Audits – A Compendium of
International Practice, alinhados pela perspectiva do autor, e que se encontra clarificada na seguinte
afirmação:
«A safety audit needs to examine not just crime and victimisation, but their linkages with socio-economic
factors and existing services, as well as the wider political and institutional context in which problems occur. The potential benefits of safety audits are increasingly being recognised and their use has become
widespread» (retirado da Introdução, p.1). Ou seja, as auditorias revelam-se como um instrumento de
análise social abrangente, fortemente contextual, que considera também os factores políticos e institucionais que influenciam esse mesmo contexto.
Do outro lado, aqueles que estranharam o termo audit, sobretudo associado ao tema da segurança
pública, e que propunham a sua substituição pelo termo diagnostic, por entenderem que a proposta
apresentada reflectia bem a (já conhecida) prática do diagnóstico.
Ora, em português, auditoria significa o exame cuidadoso, sistemático e independente das actividades
desenvolvidas em determinada organização ou sector de actividade, e cujo objectivo é averiguar se
elas estão de acordo com as disposições estabelecidas previamente, se foram implementadas com
eficácia e se estão em conformidade à consecução dos objectivos. Tratando-se de exame analítico, o
termo é empregue, sobretudo, nos sectores da actividade contabilística, financeira e fiscal, remetendo
para algo de natureza pericial. Já o termo diagnóstico, bastante mais comum entre nós, relativamente
bem assimilado pelas ciências sociais, remete para o conhecimento de algo pela observação dos
elementos que o compõem, e articula-se bem com outra gama de conceitos ligados à prescrição de
soluções, de remédios, de soluções para os problemas diagnosticados.
Admitimos que o facto do termo auditoria estar ainda ligado a uma dimensão normativa, e por isso
mesmo auditor ser sinónimo de ouvidor (magistrado especial do quadro de certas repartições públicas), desaconselha a sua utilização no quadro da prática de diagnosis que esta obra sistematiza. Em
rigor, os próprios autores usam abundantemente os termos diagnostic e diagnosis quando se referem
ao trabalho realizado, levando a encará-los como sinónimos. E não é menos verdade que a ligação
do termo diagnóstico à dimensão de observação, clínica, de uma situação ou quadro problemático
(eventualmente patológico ou disfuncional) faz de imediato apelar à resolução do problema, à sua erradicação, e sobretudo à sua prevenção.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
xiii
Assim, auditar para avaliar e diagnosticar para intervir com remédios poderia sintetizar o que pareceu
ser uma antinomia entre os peritos presentes. De um lado, o conhecimento dos processos instalados
e omissos; do outro, a identificação dos problemas. Ainda que divididos, por se entender que auditar
e diagnosticar são ambas acções relevantes no processo de conhecimento do estado da segurança
dos cidadãos e da sua produção, viemos a optar pelo título Diagnósticos Locais de Segurança, apesar
de defendermos que a dimensão avaliativa sobre as práticas não deve ficar ausente. Uma opção que
não foi seguida noutras traduções já disponíveis1, mas que arriscamos considerar menos polémica e
mais próxima do que nesta obra se pretende relevar.
A publicação do Manual de Diagnósticos Locais de Segurança. Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais, não poderia ser mais oportuna, numa fase do desenvolvimento do sistema de
segurança interna Português (alterado pela Lei nº 53/2008, de 29 de Agosto), acompanhada de uma
progressiva discussão pública sobre a governança deste sistema e marcada, também, pela abertura a
novas formas de gestão e contratualização da segurança dos cidadãos, das quais faz parte uma nova
geração de instrumentos de política de segurança, os Contratos Locais de Segurança (CLS)2.
Em Agosto de 2008 foi assinado um acordo entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios,
acolhendo um modelo de referência para o estabelecimento dos CLS, tendo sido assinados, desde
então, 29 contratos (até Julho de 20093). Antevê-se que as experiências e ensinamentos reunidos neste
compêndio poderão ser de extrema actualidade e pertinência para a consolidação e avaliação desses
contratos. E atrevemo-nos a pensar que a sua leitura poderá ajudar a tomar uma decisão mais fundamentada pela adesão à contratualização local.
Com efeito, a metodologia de diagnóstico local de segurança apresentada e amplamente exemplificada com inúmeras e oportuníssimas alusões a práticas internacionais, põe em evidência a relevância da
cooperação multi lateral no domínio da prevenção da segurança à escala das comunidades, tratem-se
de grandes urbes ou de pequenos aglomerados humanos. Fica claro para o leitor que o diagnóstico,
enquanto prática de análise, preparatório da acção, é um processo interactivo e iterativo, que conduz
ao ideal-tipo da comunidade, no sentido que lhe foi atribuído pelo pensamento sociológico clássico
(captado nos trabalhos de Ferdinand Tönnies, Émile Durkheim, Georg Simmel, entre muitos outros).
É também evidente a incorporação no modelo teórico e nas práticas recomendadas de um conjunto de
axiomas que são hoje caros à sociedade portuguesa. Referimo-nos a valores fundamentais no quadro
democrático em que vivemos (profissionalismo4, civismo5, transparência6, subsidiariedade7), destacando
1
2
3
4
5
6
7
xiv
Na versão em castelhano o título é Auditorías locales de seguridad, e na versão Francesa Guide sur les audits locaux de sécurité.
Não será abusivo afirmar-se que o Contrato de Cidade para o Porto, firmado em Novembro de 1996, que constituiu um instrumento
(tanto quanto julgamos saber, inédito) de parceria operacional para a prevenção e reforço da segurança urbana nessa cidade, poderá ser
entendido como um antepassado não muito distante desta nova geração de instrumentos de política de segurança. Coetâneas desse
contrato são as parcerias criadas para desenvolver alguns dos programas de policiamento de proximidade que surgiram na segunda
metade da década de 90, destacando-se o Programa Escola Segura, Apoio 65 – Idosos em Segurança, Comércio Seguro, Viver a Serra
em Segurança, Verão Seguro.
Loures, Porto, Viseu, Cuba, Cabeceiras de Basto, Albufeira, Alcoutim, Aljezur, Castro Marim, Faro, Lagoa, Lagos, Loulé, Monchique,
Olhão, Portimão, São Brás de Alportel, Silves, Tavira, Vila do Bispo, Vila Real de Santo António, Alandroal, Borba, Estremoz, Évora, Mourão,
Redondo, Reguengos de Monsaraz e Portel.
O profissionalismo é aqui entendido como a redignificação do exercício da função e do estatuto social dos actores sociais investidos.
Entendido como forma de estar em sociedade, pautada pelo respeito do que é diferente, pela religião, cor, sexo, origem ou por qualquer
outra forma de diferenciação social. A convivência cívica equivale a expressar, por actos ou opiniões, este respeito pela diferença. Defende-se, assim, uma concepção não passiva do que se considera civismo. Entende-se, até, como necessário contrariar a degradação
da convivência cívica, cujos factores se consideram agravados na sociedade portuguesa, sendo necessário desautorizar e combater os
fenómenos de intolerância e de agressão do que é diferente. A qualidade da convivência cívica exige, em resumo, o respeito pela lei e o
sentido de dever.
A transparência é entendida como uma praxis organizacional que favorece o acompanhamento realizado pelos institutos da democracia
e pela sociedade civil, da actividade desenvolvida pelas organizações, públicas ou privadas, em prol dos cidadãos e da comunidade em
que se integram.
O princípio de subsidiariedade é definido no artigo 5.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia e pretende assegurar uma tomada
de decisões tão próxima quanto possível do cidadão, mediante a verificação constante de que a acção a empreender a nível comunitário
se justifica relativamente às possibilidades oferecidas pelo nível nacional, regional ou local. Concretamente, trata-se de um princípio segundo o qual a União só deve actuar quando a sua acção seja mais eficaz do que uma acção desenvolvida a nível nacional, regional ou
local - excepto quando se trate de domínios da sua competência exclusiva. Este princípio está intimamente relacionado com os princípios
da proporcionalidade e da necessidade, que supõem que a acção da União não deve exceder aquilo que seja necessário para alcançar
os objectivos do Tratado.
ainda o da proximidade8, entendendo-a como acção orientada quer para os problemas concretos
das populações9, quer para a subjectivação que estas fazem desses mesmos problemas. Há que dar
expressão à Declaração de Saragoça (ver Anexo D deste Manual) no que se refere à relação indivisível
entre segurança urbana e democracia.
A disseminação do conceito de proximidade, que podemos entender como um ancoradouro para a
contratualização local de segurança foi, nesta última década e meia, sujeito a uma espécie de teste de
resistência. Ganhou adeptos e proliferou noutros sub sistemas públicos (claramente na Saúde, na Educação, mas em geral por toda a Administração Pública), enfrentou a crítica fácil da despersonalização
– baseada na falsa antinomia entre proximidade e eficácia policial, entre o soft e o hard, numa espécie
de difamação semântica – mas sobreviveu e foi consagrado.
A invocação destes axiomas põe em relevo dois aspectos fundamentais e paradoxais da nossa vida
colectiva: por um lado, a necessidade de descontinuar as práticas institucionais e funcionais avoengas, auto-centradas, não comunicantes, que perduraram por demasiado tempo entre nós, e das quais
vamos, infelizmente, mas sem surpresas, observando algumas reminiscências; por outro lado, uma
sociedade favorável à mudança e à inovação, requisitos de uma transformação sustentável.
Mas como nada deve ser tomado por definitivo, nem é recomendável uma adesão acrítica à inovação,
torna-se imperativo que mantenhamos uma monitorização eficaz sobre o alcance estratégico dos processos que visam concertar respostas públicas, ou público-privadas, aos problemas que afectam, em
graus e qualidades diferentes, a tranquilidade e a segurança das populações.
Talvez um dos mais relevantes ganhos estratégicos a escrutinar no diagnóstico local de segurança que
conduz à formulação de respostas, consista na reconstituição de uma certa ideia de fazer sociedade,
isto é, da nossa capacidade de constituir grupos, definidos como unidades de actividades (sociabilidade), da nossa capacidade para estabelecer redes que suportam a transmissão dos interesses,
dos gostos, das opiniões dessas unidades de actividades (sociabilidade), e da nossa capacidade de
manter a coesão dos grupos e das redes criadas (socialidade). Em rigor, trata-se de uma combinatória solidária (solidariedade) que pode ter um elevado potencial para intervenções reconstitutivas dos
tecidos sociais existentes. Não será a panaceia para todas as nossas maleitas, mas poderá ser uma
solução colaborativa com grande interesse.
Neste sentido, podem identificar-se, entre outros, dois grandes desafios para os quais deveremos estar
preparados: O primeiro decorre, como bem chamou a atenção Louise Casey em Engaging Communities in Fighting Crime, publicado em 2008, da necessidade de uma parceria depender da confiança que
temos que depositar nas instituições que suportam estes diagnósticos, e sabemos que essa confiança
é na sociedade portuguesa contemporânea um factor crítico.
O segundo desafio corresponde a saber fazer bem estes processos de produção de conhecimento
orientado para a acção, para que a decisão que a precede seja a mais bem fundamentada possível.
Eis, pois, a razão de ser do texto que a DGAI entendeu disponibilizar aos leitores, cabendo uma palavra
de agradecimento ao FESU pela respectiva autorização.
Lisboa, 8 de Julho de 2009
8
9
Aplicado ao policiamento (policiamento de proximidade), corresponde ao desenvolvimento da actividade policial tão perto quanto possível dos seus destinatários. Trata-se de assegurar a visibilidade das forças de segurança e a sua efectiva acção para combater os
factores de insegurança tal como são realmente vividos pelas populações locais. Esta polícia de proximidade diz respeito não apenas à
visibilidade das forças de segurança, mas também à sua capacidade de inserção na vida das comunidades, apoiada no conhecimento e
no diálogo com os cidadãos e com as entidades que os representam, o que requererá um aumento da qualidade da acção policial para
o qual se torna da maior importância a estreita colaboração com os municípios, sempre fortemente interessados em dotar as forças de
segurança que operam no seu território de instalações condignas e operacionais. O conceito de polícia de proximidade assume, deste
modo, uma dimensão cívica, profissional e política, na assunção de que o reforço da presença e da visibilidade, a qualidade e a exemplaridade da actuação, a melhoria do relacionamento com os cidadãos, uma formação onde os valores cívicos e éticos vão acompanhando
o aperfeiçoamento técnico, sublinham a configuração duma nova forma de acção policial.
A orientação para os problemas consiste na estruturação das políticas institucionais em função dos problemas que se apresentam aos
cidadãos, com ênfase na procura de soluções. O oposto duma política institucional orientada para os problemas é o de uma política
institucional orientada para a mera manutenção e justificação das suas próprias características tradicionais, com o objectivo duma simples
perpetuação institucional enquanto estruturas organizadas de distribuição de cargos e de poderes estatutários.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
xv
DOS DIAGNÓSTICOS
AOS CONTRATOS LOCAIS
DE SEGURANÇA
O
Governo desenvolveu, ao longo da legislatura, um programa de segurança integrada e comunitária que
privilegia o policiamento de proximidade orientado para a protecção de vítimas especialmente indefesas – como as crianças, as pessoas idosas e as vítimas de maus tratos e de violência doméstica – e para
o controlo de fontes de perigo (designadamente, a detecção e apreensão de armas ilegais). Este programa
compreende a coordenação e o aprofundamento do policiamento de proximidade (projectando os Planos
Integrados de Policiamento de Proximidade e incluindo, entre outros, o Escola Segura, o Idosos em Segurança e o Táxi Seguro) e o desenvolvimento de programas de videovigilância e de geo-referenciação.
Constitui vector essencial da nossa política a celebração de parcerias entre o Ministério da Administração
Interna e as autarquias. Tais parcerias concretizam-se na celebração de protocolos referentes à construção de esquadras e quartéis para Forças de Segurança e Bombeiros e, sobretudo, nos Contratos Locais
de Segurança. Estes contratos correspondem a um acordo para a cooperação na área da prevenção e
repressão da criminalidade, visando condutas atentatórias da segurança das populações e da integridade
de pessoas e bens. Correspondem, assim, à materialização de um conceito alargado de segurança, que
se exprime no policiamento de proximidade, apostando no reforço da presença e da visibilidade policial.
No seguimento do Protocolo assinado entre o Ministério da Administração Interna e a Associação Nacional
de Municípios Portugueses, a 13 de Agosto de 2008, já foram celebrados 29 Contratos Locais de Segurança com autarquias de 7 distritos: Porto, Lisboa, Évora, Faro, Viseu, Braga e Beja. Os contratos foram subscritos pelos governadores civis destes distritos e pelos presidentes das câmaras municipais do Porto, Loures,
Alandroal, Borba, Estremoz, Évora, Mourão, Portel, Redondo, Reguengos de Monsaraz, Albufeira, Alcoutim,
Aljezur, Castro Marim, Faro, Lagoa, Lagos, Loulé, Monchique, Olhão, Portimão, São Brás de Alportel, Silves,
Tavira, Vila do Bispo, Vila Real de Santo António, Viseu, Cabeceiras de Basto e Cuba.
A realização de diagnósticos locais de segurança – de que trata esta oportuna publicação da Direcção
Geral da Administração Interna, que nos dá conta das normas e práticas internacionais – tem como objectivo permitir ao Ministério da Administração Interna, às forças e aos serviços de segurança e às autarquias
– bem como a outras entidades, públicas e privadas, que possam contribuir para o reforço da segurança
–, adaptar as suas acções à realidade local. Após a elaboração do Diagnóstico, é formulado um Plano de
Acção, com medidas concretas e calendarizadas, para fazer frente aos fenómenos criminais e a todos os
desafios que se colocam no âmbito da segurança – incluindo a protecção civil e a segurança rodoviária.
Lisboa, 7 de Setembro de 2009
Rui Pereira
(Ministro da Administração Interna)
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
xvii
Introdução
Introdução
“É
melhor prevenir que remediar”. Este provérbio aplica-se a doenças, acidentes e causas naturais. E também se aplica ao crime.
Na realidade, agir para prevenir a ocorrência de
ofensas e agressões é, em termos financeiros, a
maneira mais eficaz para criar comunidades mais
seguras. Juntamente com o Sistema de Justiça
Criminal, tribunais e organismos de execução das
penas, deve ser esta a componente chave para
dar resposta a estes problemas. A prevenção do
crime será mais bem sucedida quanto mais integrar uma estratégia e incluir processos fortemente
apoiados por líderes que tenham responsabilidades na segurança da comunidade.
Uma visão clara do crime e da vitimização é a
base para a construção de actividades que reduzam o crime e aumentem a segurança individual
e colectiva. O diagnóstico local de segurança é a
ferramenta necessária para adquirir conhecimentos e criar compromissos por parte de um necessário vasto leque de parceiros com o objectivo de
atingir resultados significativos ou desejados.
Este manual tem como objectivo explicar como
utilizar esta ferramenta e incentivar a sua utilização
àqueles que têm um papel significativo na prevenção criminal, que desenvolvem e executam
acções ou programas que contribuem para a diminuição da criminalidade.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
1
Esta ferramenta tem diferentes denominações
consoantes os países (perfil criminal, exame ambiental10, diagnóstico de segurança11), de acordo
com o seu perfil criminal e características envolventes, sociais e territoriais. Contudo, o uso do
termo diagnóstico local de segurança12 (DLS) é
mais simples e é por isso aplicado neste manual.
O DLS deve examinar não só crime e vitimização,
mas também as ligações com serviços e factores
sócio-económicos, assim como a contextualização político-institucional, na qual os problemas
ocorrem. As vantagens dos DLS têm sido alvo
de um crescente reconhecimento internacional e
a sua utilização é cada vez maior13. Podendo ser
utilizado com escalas espaciais muito diferentes,
o objectivo principal deste manual é apoiar o trabalho a nível das aglomerações urbanas (cidades
e grandes vilas)14.
Reconhecendo a existência de problemas, contextos, recursos, experiências e níveis de conhecimento que variam de país para país, a necessidade básica de juntar pessoas e informação
que possam compreender e ajudar a orientar uma
estratégia local é universalmente relevante. É esta
necessidade global que será aqui abordada. Recorrendo a estudos de caso em vários países baseados em experiências diferentes, demonstra-se
a aplicabilidade do conceito e sua capacidade de
adaptação a locais cuja variação demográfica, nível de desenvolvimento e regime de governação
se diferenciam significativamente.
Este manual foi concebido para um público internacional. Como tal, e dada a sua diversidade, não
se podem propor formas de actuação detalhadas
para cada país. Por isso, as generalizações sobre as formas mais apropriadas para conseguir os
objectivos são inevitáveis. Daí que incentivemos
adaptações desta ferramenta aos diferentes con-
10
11
12
13
14
15
2
textos nacionais, para que se construam as ferramentas próprias, no sentido de se identificarem
fontes de recursos específicas para a implementação dos DLS. No momento da publicação deste
manual15 já existiam intenções, por parte de representantes de outros países, para o fazer, e esperamos que outros países lhe sigam o exemplo.
O documento está dividido em três partes. A
Parte A é direccionada principalmente aos líderes políticos e legisladores nacionais, bem como
aos responsáveis pela prevenção criminal a nível
autárquico. Salienta a interligação existente entre
estes DLS e os factores sociais, económicos e
ambientais, tais como desenvolvimento sustentado, inclusão social e uma efectiva governação
urbana. Procura ilustrar-se a importância do DLS
na redução do crime e dos factores de risco a ele
associados, com a antecipação de acções planeadas e executadas com sucesso.
Identificam-se, ainda, as entidades que devem
estar envolvidas neste processo, assim como as
competências necessárias para realizá-lo. A génese da actividade do DLS, os princípios de boa
prática e as Quatro Principais Fases da sua implementação são também desenvolvidas.
As Partes B e C são principalmente destinadas
aos grupos responsáveis pela supervisão do processo de DLS. A Parte B debruça-se sobre assuntos específicos e relevantes, que devido à sua
complexidade, são mais complexos de investigar,
sendo por isso mais exigentes, como são os casos das crianças e jovens em risco, do abuso e
protecção das mulheres vítimas de violência, do
abuso de drogas, do tráfico de seres humanos
e da criminalidade relacionada com o comércio
ilegal.
No original, environmental scan.
No original, security diagnosis.
No original, audit. Sugere-se a leitura da introdução à edição portuguesa, página xiii.
Em Inglaterra e no País de Gales são realizadas periodicamente análises sobre a criminalidade, por cada área de jurisdição. Estes relatórios são exigidos por lei e têm como objectivo fornecer informação no sentido de orientar as estratégias de prevenção criminal. No México
é exigido um plano de segurança pública baseado num diagnóstico nacional, regional e municipal. Existem outros exemplos que utilizam
esta ferramenta em África, América Latina, Austrália, Ásia e América do Norte. Alguns países europeus pressionam as autarquias para a
realização de diagnósticos locais, havendo também situações em que se trata de um requisito para obter verbas governamentais.
Por uma questão de simplificação, e procurando interpretar o alcance que os autores quiseram dar a este manual, a versão portuguesa
utilizará o termo comunidade para designar as aglomerações humanas às quais este documento se destina, independentemente do
seu estatuto político-administrativo. O termo comunidade designará, indiferenciadamente, uma cidade, uma vila, uma freguesia ou uma
grande unidade de vizinhança (bairro) para a qual se desenvolva um DLS. Ver ainda a Secção 5.2. deste manual.
Na versão original, os autores referem-se a 2008.
A Parte C é mais técnica, e por isso direccionada
aos técnicos e aos responsáveis pelos processos de DLS. Esta parte enfatiza a importância de
associar os dados qualitativos aos quantitativos,
com o objectivo de compreender os problemas
e as causas das problemáticas sociais identificadas. É também dada uma orientação no sentido
de se utilizar e maximizar o uso de ferramentas e
técnicas de recolha de informação. São abordados e examinados os pontos fortes e fracos de
diferentes fontes secundárias, e aconselhada a
melhor forma de abordar a realidade através de
inquéritos.
Os DLS vão-se tornando mais úteis à medida
que a sua frequência for aumentando, gerando
gradualmente um aperfeiçoamento na construção deste processo. Este manual não é, por isso,
uma versão final. Deve ser entendido como um
documento técnico em reestruturação. Quaisquer
sugestões, comentários ou melhoramentos são
bem-vindos para se poder proceder à sua futura
actualização.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
3
PARTE A:
DIAGNÓSTICO DE
SEGURANÇA
1 Diagnóstico Local de Segurança em Contexto Alargado
1.1. Desenvolvimento
sustentado e
inclusão social
V
iver sem violência, crime, intimidação e medo
é um direito básico inscrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos e é um pré-requisito
fundamental para um normal desenvolvimento
dos seres humanos16. Este direito17 não é só importante para a melhoria da qualidade de vida dos
cidadãos; ele é importante por si só e por isso
fundamental para um desenvolvimento sustentável das cidades e dos países. A segurança contribui para a criação de um ambiente sustentável,
permitindo o crescimento económico, a existência
de uma eficaz prestação de serviços e, concomitantemente, para uma redução da pobreza e
da exclusão social. Isto aplica-se igualmente a
países desenvolvidos e subdesenvolvidos, permitindo desta forma atingir os objectivos propostos
para os Objectivos de Desenvolvimento do Millenium18.
16
17
18
19
6
A Segurança é um Requisito para
o Desenvolvimento
“As populações pobres precisam tanto de se
sentir seguras como precisam de alimentos, de
água potável e de trabalho para obterem rendimento. Sem segurança não existe desenvolvimento. Os agricultores não conseguem trabalhar se temem pelas suas terras, animais e
famílias. As crianças e adolescentes, nomeadamente do sexo feminino, com medo de serem
atacadas durante o percurso que têm de fazer
para a escola, preferem não arriscar, perdendo
o acesso à educação. Não há interesses de investimento se houver insegurança, confrontos
ou onde a lei e o estado de Direito não sejam
mantidos”.
Livro Branco do Governo Inglês sobre a
Erradicação da Pobreza Mundial (2006)19
É verdade que toda a violência é uma negação dos Direitos Humanos, mas nem toda a violência é punida por lei, ou definida como crime a
nível legislativo, existindo uma enorme quantidade de actos de violência que não são reportados ou registados pelos órgãos de polícia criminal. Com o objectivo de esclarecer qualquer dúvida sobre o significado do conceito, ambos as situações são mencionadas neste manual.
Em Portugal este direito é merecedor de tutela jurídica, estando plasmado na Constituição Portuguesa, art. 27º, na parte dos Direitos e
Deveres Fundamentais.
Para mais informações consultar o Millennium Development Goals da ONU, em www.un.org/millenniumgoals.com.
Departamento de Desenvolvimento Internacional (UK). Erradicando a Pobreza Mundial. Fazer o Governo trabalhar para os pobres. London:
DFID, 2006, em www.dfid.org.uk/wp2006.com.
Existem ainda alguns países onde uma parte da
população não é afectada por este sentimento de
medo resultante de situações de vitimização ou ansiedade em contexto de violência, ou onde a insegurança e corrupção não inibem o investimento ou o
crescimento. As consequências sociais e económicas são muito significativas, sendo os grupos sociais
mais desfavorecidos ou os mais vulneráveis (mulheres, crianças, idosos) os que mais sofrem com este
impacte. Além dos danos directos para a saúde
pública podem observar-se outras consequências
negativas que restringem o acesso a determinados
serviços como à educação, à protecção social; ou
às formas de sair da situação de pobreza, incentivando os indivíduos a fazer justiça pela próprias mãos.
Estima-se que em alguns países desenvolvidos a
criminalidade atinja os 5% do produto nacional bruto (PNB), enquanto nos países em desenvolvimento
esta percentagem sobe para os 14%20.
A relação directa entre a segurança e o desenvolvimento significa que controlar o crime e criar ambientes mais seguros tem múltiplos benefícios, especialmente para as populações mais empobrecidas.
Consequentemente, deve ser uma prioridade governamental a todos os níveis, incluindo os responsáveis
judiciais e autárquicos (do planeamento e gestão urbanística), bem como de um vasto leque de serviços
sociais e económicos. De facto, a segurança dos indivíduos e do seu meio envolvente é uma das normas
fundamentais da ONU na sua Campanha Ambiental
de Governação e Planeamento Urbano. É visto como
fundamental para a criação de comunidades inclusivas onde “todos, independentemente da sua riqueza,
género, idade, etnia ou religião, podem participar activamente e de forma positiva nas oportunidades que
o município tem para oferecer”21. Os DLS contribuem
para a execução deste objectivo.
1.2. Criar comunidades mais seguras,
fortes e saudáveis
H
istoricamente as formas de combate ao crime,
na maioria dos países, resumem-se ao policiamento, ao recurso a empresas de segurança e ao
sistema de justiça criminal. Estes, sendo componentes-chave de qualquer estratégia, independentemen-
20
21
te da sua importância, são sistemas que implicam um
significativo investimento financeiro. Porém, na maioria das vezes não analisam as motivações que impelem os indivíduos a delinquir, criando a possibilidade
da existência de comportamentos discriminativos em
relação aos pobres e aos mais vulneráveis. Por este
motivo, há muito a ganhar na aplicação de estratégias
que dão prioridade à prevenção. Prevenir implica reduzir o risco da ocorrência do crime e as suas consequências, incluindo o medo, através de intervenções
que actuem na base destas condições, isto é, nos
factores de risco associados às ocorrências.
O Campo de Acção da Prevenção Criminal
1 (Prevenir através do desenvolvimento social
ou prevenção criminal social). Promover o
bem-estar das populações e encorajar o
seu comportamento de integração social,
através de medidas sociais, económicas,
de saúde e educacionais, com particular
atenção para as populações mais jovens e
para as crianças, enfatizando os factores de
risco e de protecção associados ao crime e
às suas vítimas.
2 (Prevenção criminal local) Baseando-se
em iniciativas, experiências, competências
e empenho dos membros da comunidade,
tem por objectivo mudar as condições nos
bairros que influenciam a prática de actividades anti-sociais ou criminais, a vitimização e a insegurança, que constituem grande
parte da criminalidade.
3 (Prevenção criminal situacional) Reduzir
as oportunidades de crime, aumentar as
probabilidades de apreensão, minimizar
os benefícios provenientes da actividade
criminosa, incluindo a planificação urbana,
providenciar apoio às vítimas e disseminar
informação às potenciais vítimas.
4 (Programas de ressocialização) Impedir a
reincidência através de programas de ressocialização dos delinquentes e de outros
mecanismos de prevenção.
Orientações da ONU para
a prevenção do crime (2002)
Sansfaçon D y B Welsh. Crime Prevention Digest II. Comparative analysis of success community safety. Montreal: IPC, 1999, em
www.crime-prevention-intl.org/publications/pub_13_1.pdf.
ONU Habitat “The global campaign on urban governance. Nairobi: ONU Habitat”, em http://unhabitat.org/pmss/getPage.asp?page=
bookView&book=1537.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
7
A Necessidade de Uma Abordagem
Multi-Organizacional
“Na estratégia a delinear, para dar resposta à
violência, muitos departamentos e instituições
devem estar envolvidos, e os programas devem
ser estruturados para que se adequem, na perfeição, a diferentes culturas e populações.”
WHO World Report on
Violence and Health (2002)22
A nossa compreensão sobre prevenção do crime
e das suas vítimas tem evoluído muito nos últimos
anos. A tomada de consciência do problema pelos municípios é crucial, e o sucesso depende
da coordenação do envolvimento de instituições
públicas e privadas de diferentes sectores, da
sociedade civil23 e das comunidades locais. Os
prestadores de serviços das diferentes áreas, tais
como, saúde, educação, habitação, transportes e
urbanismo, assim como o trabalho realizado pelos
grupos de apoio, organizações religiosas, ONG,
empresas, todos têm uma contribuição fundamental neste processo. Assim, a participação das
mulheres, jovens e minorias, tal como a criação de
compromissos políticos, são aspectos essenciais
para que o processo de prevenção seja eficaz.
Uma prevenção bem sucedida do crime, do
medo e da violência, pode ter múltiplos benefícios, criando comunidades mais seguras, mais
saudáveis e mais fortes, gerando mais e melhores
capacidades para dar contributos positivos à sociedade. Pode ainda ajudar inúmeros organismos
a alcançar os seus objectivos. A saúde pública,
por exemplo, pode beneficiar através da redução das taxas de mortalidade, de uma melhoria
na saúde em geral e da redução dos custos. As
escolas podem beneficiar de uma maior assiduidade, de melhores resultados por parte dos seus
22
23
24
8
alunos, e consequentemente, o serviço social
constatará que menos crianças irão necessitar de
apoio. Estas situações demonstram a importância
dos incentivos à participação das organizações
no processo de prevenção.
1.3.
Orientações
da ONU para
a prevenção
do crime
As
orientações da ONU, em 2002, para a prevenção do crime (ver Anexo B deste manual) incentivam e aconselham abordagens de
âmbito preventivo24, baseando-se em oito princípios básicos, que passamos a enumerar:
n Liderança governamental. Todos os níveis de
governação devem assumir um papel de liderança
nDesenvolvimento sócio-económico e inclusão.
Os aspectos da prevenção do crime devem
fazer parte de todos os programas e politicas
sociais, no que respeita à área social, da saúde e da economia
n Cooperação e parcerias. As parcerias devem
ser uma parte integrante da prevenção efectiva do crime
n Sustentabilidade / Responsabilidade. A prevenção do crime requer recursos adequados,
sustentados e direccionados para uma clara
responsabilidade na obtenção de financiamento e obtenção de resultados
nBase de conhecimentos. As estratégias, os
programas, as políticas e as actividades constituintes da prevenção do crime devem ser baseados em conhecimentos multidisciplinares
vastos
Krug E G, Dahlberg L L, Mercy J A, Zwi A B e Lozano L (eds), Relatório mundial sobre violência e saúde. Geneva WHO, 2002.
www.who.int/violence_injury_prevention/violence/world_report/en/full_en.pdf.
A sociedade civil tem sido definida como “a rede de associações, normas e práticas sociais que englobam as actividades da sociedade
que nada têm a ver com o Estado e as instituições de mercado. Uma sociedade civil saudável e poderosa requer bases organizacionais que reflictam a diversidade social. Requer também uma interacção construtiva e aberta entre as organizações da sociedade civil,
as estatais e as de mercado. A sociedade civil engloba organizações religiosas, fundações, associações profissionais, cooperações,
sindicatos, instituições académicas, media, grupos de imprensa e partidos políticos.” Ver World Bank. Glossário de termos técnicos, em
http://Web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/TOPICS/EXTSOCIALDEVELOPMENT/EXTSOCIALANALYSIS/0,,contentMDK:20
503079~menuPK:1231003~pagePK:148956~piPK:216618~theSitePK:281314,00.html.
Conselho Social e Económico da ONU. Acções para promover uma efectiva prevenção do crime: Guidelines para a prevenção do crime.
ONU ECOSOC, 24 de Julho de 2002. Reproduzida online no apêndice A, em www.un.org/docs/ecosoc/documents/2002/resolutions/
eres2002-13.pdf.
nDireitos Humanos / Regras legais / Cultura da
legalidade. O cumprimento da lei e os direitos
humanos internacionalmente reconhecidos
devem ser respeitados
nInterdependência. Os diagnósticos e as estratégias nacionais de prevenção do crime
devem ser contextualizados com os problemas da criminalidade local e com o crime organizado internacional
nDiferenciação. As estratégias de prevenção
devem distinguir as necessidades especiais
dos homens e das mulheres, assim como dos
membros mais vulneráveis da sociedade..
As recomendações da ONU reconhecem a importância de uma abordagem que se baseie nos conhecimentos e na racionalidade: “As estratégias, as
políticas e as actividades da prevenção criminal devem ser baseadas num vasto e interdisciplinar conhecimento dos problemas inerentes ao crime, nas
suas múltiplas causas e nas práticas mais promissoras e comprovadas”. Estas condições enfatizam
a importância de ter bases estruturadas e planeadas, de reforçar as competências profissionais e de
desenvolver respostas estratégicas baseadas num
plano rigoroso. As orientações justificam claramente
a necessidade de “uma análise sistémica dos problemas criminais, as suas causas, os seus factores
de risco e as respectivas consequências, em particular numa escala local” como parte do processo.
O objectivo do DLS é fornecer esta forma de análise. A sua utilização como ferramenta de desenvolvimento das estratégias de prevenção tem sido
reconhecida internacionalmente por instituições
como o Banco Mundial, União Europeia, Departamento de Drogas e Crime da ONU, ONU-Habitat,
Organização Mundial de Saúde, Centro Internacional de Prevenção do Crime e o Fórum Europeu
para a Segurança Urbana.
e duradouros, bem como permitir a utilização eficaz dos escassos recursos existentes25. Para tal
é necessário começar com a mobilização dos
stakeholders26, cujo apoio é determinante para alcançar resultados. Os DLS têm, também, um papel importante na formação dos seus parceiros,
criando um entendimento partilhado sobre os problemas da comunidade e as suas respostas reais,
fortalecendo assim a sua resolução, visando um
objectivo comum. As conclusões do DLS servem
para desenvolver uma linha estratégica, tendo
em conta objectivos claros e indicações específicas para a resolução dos problemas prioritários.
É neste sentido que as medidas para alcançar as
transformações desejadas permitem a sua implementação.
Durante o processo, a revisão e validação dos
dados devem assegurar que qualquer alteração
futura deve assentar em experiências prévias. O
processo deve ser de inclusão e participativo, não
só para assegurar que os interesses relevantes
são considerados correctamente, mas também
para que a comunidade beneficie do envolvimento
dos stakeholders e da comunidade (Ver Secção 5).
Deve reconhecer-se que se trata de um processo
evolutivo. O DLS e a estratégia necessitam ser periodicamente adaptados e refeitos, uma vez que,
nas comunidades locais, as problemáticas e as
prioridades se encontram em constante transformação (Esquema 1).
Esquema 1
O processo da prevenção do crime
Mobilização
DLS
1.4. O DLS como parte
do processo
preventivo
A
ssim como em qualquer área do planeamento
social, uma abordagem estratégica é a melhor forma de alcançar os resultados desejados
25
26
Inclusão �
Participação �
Avaliação �
Revisão
Acção
Estratégias
Uma abordagem estratégica envolve a preparação de um plano a longo prazo baseado numa análise da situação, influenciada pelos
diferentes valores e perspectivas e direccionada para a concretização de um objectivo comum.
Um stakeholder (parte interessada) é um indivíduo, comunidade, grupo ou organização com interesse no resultado de uma actividade,
quer este seja negativo ou positivo para a actividade ou para si mesmo.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
9
1.5
Desenvolvendo uma estratégia:
quem deve ser
envolvido?27
S
endo o DLS uma parte integrante do processo de desenvolvimento da estratégia de
prevenção de uma comunidade, ele deve ser
da inteira responsabilidade da equipa que lidera
o processo. Um requisito básico inerente a esta
equipa, aqui denominada de Grupo de Trabalho
para a Segurança da Comunidade28 (GTSC), é o
facto de incluir indivíduos que tenham autoridade e capacidade na área da prevenção criminal,
permitindo-lhes acordar numa estratégia e levar a
cabo a sua planificação e implementação. Entre
os seus membros devem estar individualidades
do sector público de maior destaque, tais como
o presidente da Câmara, membros de outros órgãos do poder local, e comandantes das forças
de segurança.
Haverá muitos stakeholders com interesses na
estratégia e que terão a oportunidade de dar válidas contribuições para o seu desenvolvimento e
implementação: representantes de grupos étnicos, minorias constituídas por imigrantes, organizações femininas, grupos de jovens, grupos que
partilham a mesma religião, grupos que se identificam pelo sector de actividade e grupos universitários. Em qualquer comunidade existirá um significativo conjunto de organizações que quererá ser
participante no processo. A importância do sector
privado, como agente social e de desenvolvimento comunitário, também não deverá ignorada. Mas
para que haja uma governação eficaz, a equipa
não deverá ter mais de 10 a 15 stakeholders para
evitar o risco de prejudicar o normal funcionamento inerente ao trabalho do Grupo de Trabalho para
a Segurança da Comunidade.
Esquema 2
Grupo de Trabalho para Segurança
da Comunidade (GTSC)
Os serviços públicos-chave, incluindo a saúde, a
educação, a segurança social, os serviços de apoio
à infância e à juventude, o urbanismo e o desenvolvimento regional, também deverão estar representados nesta equipa, juntamente com elementos da
administração da justiça tutelar e penal. Se a comunidade pertence a um país que tenha um governo
altamente centralizado, também será importante
incluir um representante do governo regional ou nacional. O grupo deve ser constituído de forma heterogénea no que se refere ao género e às diferentes
composições étnico-culturais (Esquema 2).
27
28
10
Para esta secção recomenda-se vivamente a consulta do Anexo E (no final do manual), para travar conhecimento com os instrumentos
legais já hoje existentes no ordenamento jurídico em Portugal, nomeadamente sobre a criação e constituições dos Conselhos Municipais
de Segurança, Conselhos Municipais de Juventude, Conselhos Locais de Acção Social, Comissões de Protecção das Crianças e Jovens
em Risco, entre outros.
No original: CSSG – Community Safety Steering Group. Em Portugal os CLAS, Conselhos Locais de Acção Social, responsáveis pelos
Planos de Desenvolvimento Social, poderão funcionar como uma boa referência para a constituição destes grupos. Com efeito, o CLAS é
um órgão dinamizador da Rede Social que se apresenta como plataforma de participação, representação, articulação e congregação de
esforços das várias entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos que a todo o momento a ele queiram aderir. Também as Comissões Sociais de Freguesia, no âmbito da Rede Social, poderão representar idêntica mais-valia no sentido da identificação de potenciais
parceiros para a constituição de um Grupo de Trabalho para a Segurança da Comunidade. Com efeito, A Resolução do Conselho de
Ministros 197/97 de 18 de Novembro definiu a Rede Social como fórum de articulação e congregação de esforços baseado na adesão
livre por parte das autarquias e das entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos que nela queiram participar. A Rede Social pretende
constituir uma nova forma de parceria entre entidades públicas e privadas actuando nos mesmos territórios, assente na igualdade entre
os parceiros, na consensualização dos objectivos e na concertação das acções desenvolvidas pelos diferentes agentes sociais locais.
Ao nível local, a Rede Social consubstancia-se através da criação do Conselho Local de Acção Social (CLAS) e das Comissões Sociais
de Freguesia (CSF), enquanto plataformas de planeamento e coordenação da intervenção social a nível municipal e de freguesia.
Os membros deste grupo de trabalho deverão,
por esse motivo, ser seleccionados cuidadosa e
criteriosamente, tendo em consideração as circunstâncias locais, com especial destaque para
a estrutura sócio-demográfica da comunidade. É
necessário não esquecer que normalmente metade da população é feminina e que, em alguns
países, os jovens ultrapassam esse número. Os
grupos que representam comunidades mais significativas e com uma responsabilidade mais alargada na comunidade, merecem especial atenção,
pois influenciam os membros da sua comunidade, devendo, portanto, ter um papel activo no
desenrolar do DLS. Caso tenham conhecimentos
especializados ou sejam peritos em alguma matéria pertinente para o processo de DLS, deverão
ser considerados fortes candidatos para integrarem a equipa. Uma análise de stakeholders pode
ajudar a identificar quem realmente é necessário
estar envolvido e como poderá fazê-lo da melhor
maneira possível29.
Tendo-se definido quem pertence ao grupo, continua a ser importante permitir que todas as outras
partes interessadas se envolvam no processo.
A realização de um fórum trará significativos resultados através de uma reunião alargada sobre
segurança comunitária, que deverá ser realizada
em sistema de mesa redonda30. Manter um bom
nível de comunicação e descobrir as formas apropriadas para envolver os membros da mesa redonda é indispensável para implementar a abor-
dagem participativa que antes foi mencionada.
Adicionalmente, deve ser formado um pequeno
grupo para supervisionar o processo de DLS que
será responsável pela concretização dos resultados desejados, no qual se poderão incluir também
membros do GTSC e do grupo do fórum que detenham um conhecimento pericial relevante. O desejável é que os seus membros tenham autoridade
para garantir que o DLS seja financiado por entidades de significante relevo na comunidade.
Grupo de Orientação dos DLS
O grupo de orientação do DLS supervisiona a auditoria e é responsável pela sua satisfatória concretização. Idealmente é constituído por menos de 10
elementos, retirados tanto do GTSC, como do fórum, e deve incluir indivíduos com autoridade que
assegurem que esta será apoiada por entidades
credíveis e de elevada relevância. Será vantajoso
incluir representantes de organizações comunitárias que tenham uma larga responsabilidade no
âmbito da cidadania, um bom conhecimento da
comunidade e uma rede de contactos que torne
pertinente o seu envolvimento. Os peritos com experiência em técnicas de investigação em prevenção criminal também devem fazer parte do grupo.
Manual de Recursos de Prevenção da Criminalidade, África do Sul
O Centro de Prevenção do Crime, do Conselho Sul Africano para a Pesquisa Cientifica e Industrial
(CSIR), produziu um Manual de Recursos em papel e em CD-ROM, enumerando as organizações e
os contactos detalhados de pessoas que desempenharam um papel na prevenção do crime a nível
nacional ou local. Das organizações mencionadas distinguiam-se aquelas que contribuíram na investigação; no apoio a crianças, jovens e vítimas de violência doméstica; departamentos governamentais;
entidades associadas aos direitos humanos e igualdade de direitos. A ferramenta para a prevenção do
crime do qual este manual de recursos faz parte identifica as seguintes entidades como contribuições
significativas para alcançar o objectivo com a “nossa visão de comunidade segura”:
nÓrgãos de polícia criminal
nServiços de execução das penas (incluindo
reinserção social e serviços prisionais)
nAutoridades locais / municipais, incluindo
urbanistas, polícia de trânsito, serviços
de emergência, espaços verdes e os
responsáveis pela iluminação pública
nOutras entidades do sistema de justiça
29
30
nRepresentantes do Ministério da Educação
nAgências e profissionais de turismo
nAgentes de desenvolvimento económico
nOrganizações Não Governamentais e
comunitárias
nServiços de segurança social e de saúde
nFóruns de polícia comunitária e vigilantes
de bairro
Existem várias formas de analisar a acção dos intervenientes. Vários conselhos existem online em: www.unhabitat.org/pmss/getpage.
asp?page=bookView&book=1122.
No original, Community Safety Round Table.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
11
2 Diagnósticos Locais de
Segurança: Uma Visão Geral
2.1. O que é um DLS?
Um
DLS é uma análise sistemática cujo objectivo é compreender o crime e os problemas relacionados com situações de vitimização numa determinada comunidade, identificando
equipamentos e recursos que permitam uma actividade preventiva, identifiquem as prioridades e
apoiem o desenvolvimento de uma estratégia que
permita atingir os objectivos acordados. Um DLS,
à escala comunitária, normalmente, consiste em:
nContextualizar em termos gerais a comunidade
visada, enfatizando os aspectos demográficos,
económicos e outras características e comparando-os com dados regionais e nacionais
nAnalisar o crime e a violência e os problemas
que lhes estão associados, tais como problemas de ordem pública e comportamentos
anti-sociais, incluindo a escala, as tendências,
a distribuição e o impacto desses problemas
nCaracterizar vítimas e delinquentes, incluindo
o género, idade, etnia e nível sócio-cultural
nInvestigar padrões nos factores de risco que
têm probabilidade de contribuir para a ocorrência do crime e da violência
31
12
Diagnóstico de Segurança: Ganhos Rápidos
A realização de um DLS não significa que
não se possam realizar actividades até que
os resultados não sejam conhecidos. Há
muito a ganhar respondendo rapidamente aos
problemas para os quais existe uma solução
rápida e directa, permitindo assim assegurar
ganhos rápidos que fortalecem a confiança e a
sensação de concretização profissional.
nNo que diz respeito à prevenção, validar a
eficácia dos projectos e serviços nas diferentes áreas, tais como a saúde, a habitação, o
apoio social e da educação
nAferir a envolvente política e institucional de
modo a identificar oportunidades de desenvolvimento de actividades para a prevenção
nIdentificar as oportunidades, forças e poten-
cialidades da área, incluindo o capital social,
a sociedade civil e os projectos existentes
onde a futura estratégia se desenvolverá31
Segundo a OMS “o capital social representa o grau de coesão que existe entre as comunidades. Refere-se aos processos entre pessoas
que estabelecem redes, normas e compromissos sociais e facilitam a cooperação e coordenação para seu próprio benefício. O capital
social cria-se a partir de múltiplas acções quotidianas entre as pessoas e está expresso em estruturas como os grupos cívicos e religiosos, vínculos familiares, as redes informais da comunidade, normas de voluntariado e altruísmo e nos compromissos. Quanto mais fortes
são estas redes e vínculos, maior é a probabilidade que os membros da comunidade cooperem com benefício mútuo”. Os elementos
principais do capital social são: cidadania, confiança e valores comuns, voluntariado, implicação na vida comunitária, redes sociais e
participação cívica. OMS, Guia da Promoção da Saúde, Genebra: OMS, 1998, em www.who.int/hpr/NPH/docs/hp_glossary_en.pdf.
DlS em Central Karoo (África do Sul)
A estratégia de prevenção do crime para a Central Karoo na
zona oeste da cidade do Cabo foi baseada em dados qualitativos e quantitativos provenientes de várias fontes:
n Pesquisa bibliográfica; relatórios de investigação e estudos; estatísticas policiais e planos estratégicos de departamentos locais
n Auditoria dos investimentos presentes e futuros que se
relacionaram com as causas do crime e da vitimização
n Sessões de mobilização das comunidades, através dos
seus representantes e líderes de diferentes áreas da Central
Karoo que deram a sua contribuição sobre a situação local
e sobre as percepções e atitudes perante o crime, assim
como a perspectiva do desenvolvimento nessas áreas
n Sessões de mobilização empresarial, direccionadas para
angariação de apoios e incentivos para as iniciativas de
processo de realização de um DLS deve baimplementação de uma estratégia local de prevenção
sear-se em princípios acordados pelo GTSC.
n Entrevistas individuais e colectivas com os interessados
Estes devem ser desenvolvidos de forma a galocais
O objectivo deve ser o de abranger sempre todos estes aspectos, tendo consciência de que os
DLS necessitam de ser adaptados às circunstâncias locais, variando, por isso, no desenvolvimento da sua estratégia, na sua complexidade e na
sua metodologia. Neste sentido, os DLS deverão
reflectir os contextos geográficos, institucionais,
culturais e de desenvolvimento nos quais estão a
ser conduzidos, a disponibilidade de recursos e
conhecimentos especializados para o desenvolvimento do processo, assim como a adequação de
dados pertinentes e significativos provenientes de
entidades oficiais, entre outras32.
2.2. Dez princípios para uma boa prática
O
rantir a exequibilidade do processo, tornando-o
assim justo, inclusivo e formativo, o que contribui
para políticas e estratégias prioritárias de elevado nível. Sem o reconhecimento explícito destes
princípios, arrisca-se a que os grupos marginalizados e excluídos da sociedade possam não ser
adequadamente representados. Os princípios poderão variar de acordo com circunstâncias locais.
No entanto, assume-se que os princípios que se
seguem têm uma validade universal:
nO objectivo do DLS deve ser a obtenção de co-
nhecimentos que permitam a compreensão do
fenómeno da criminalidade, os problemas com
ela relacionados e as suas causas, no sentido
de se elaborar uma estratégia de prevenção
nO DLS deve ter por base o reconhecimento de
que o crime é resultado de uma complexa interacção de factores sociais, económicos, legislativos e ambientais e de circunstâncias pessoais
nÉ crucial um forte empenho dos stakeholders
em áreas relevantes que envolvem o delineamento de estratégias e a adopção de novas
políticas, uma vez que o sucesso depende da
capacidade de resposta dos stakeholders relativamente às conclusões alcançadas no DLS
nÉ essencial durante o processo de diagnósti-
co uma abordagem participativa que envolva
a mobilização da sociedade civil e dos interesses da comunidade
nÉ necessária uma acção positiva para asse-
delo e contribuam para uma boa governação
urbana e para um desenvolvimento sustentado
gurar que as vozes das populações mais desfavorecidas e vulneráveis são ouvidas, reconhecendo que os dados oficiais não reflectem
adequadamente as suas experiências
nO DLS deve respeitar a lei e os direitos hu-
nO DLS deve incorporar as diferentes perspec-
nO DLS deve adoptar práticas que sirvam de mo-
manos, promovendo ao mesmo tempo uma
cultura de reconhecimento e cumprimento
das normas legais
32
A análise forneceu os alicerces para uma prevenção criminal
direccionada para uma estratégia, que não se baseando apenas nos aspectos visíveis da actividade criminal, contemplou
também as suas causas subjacentes.
tivas relacionadas com questões de género,
com minorias e com problemas associados à
juventude
Para um estudo comparativo das abordagens em França, Nova Zelândia, Austrália e UK ver Alvarez J., Les Diagnostic Locaux de Sécurité.
Une étude comparée pour mieux comprendre et mieux agir. Quebec: Institute National de Santé Publique du Quebec/Centre International
pour la Prévention de la Criminalité, 2006, em www.crpspc.qc.ca/432-DiagnosticsLocauxSecurite_imprimeé.pdf.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
13
nO DLS deve identificar os recursos relevantes
numa área, tais como capital social e projectos de sucesso, que poderão fornecer uma
base para a construção de respostas
nO DLS deve ser parte do processo preventi-
vo e nunca ser utilizado como uma ferramenta
para encorajar ou justificar comportamentos de
vigilância organizada ou de natureza punitiva
2.3. Os benefícios
do DLS
O
DLS exige tempo e recursos da parte dos
parceiros da prevenção criminal podendo,
porém, gerar múltiplos benefícios. Especificamente, os DLS podem:
nCentralizar a informação, a energia e os re-
cursos de diferentes organizações e comunidades de modo a possibilitar a construção
de um quadro mais abrangente, exaustivo e
completo
nAjudar organizações, com diferentes perspec-
tivas, a chegar a um consenso sobre quais os
problemas que deverão ser prioritários
nRevelar as complexas interacções existen-
tes entre os factores económicos, sociais e
outros, mobilizando as entidades a participar
em acções preventivas
nProvidenciar conhecimentos fundamentais
para a efectiva resolução de problemas, permitindo encontrar um equilíbrio entre as diferentes abordagens e acções
nContribuir para uma boa governança urbana
promovendo parcerias de trabalho e o envolvimento da comunidade
nCapacitar os stakeholders locais de forma
a desenvolverem as suas potencialidades,
competências e conhecimentos
nRevelar as diferentes características dos pro-
blemas do crime numa área específica, encontrando soluções adaptadas às necessidades locais
nEvidenciar as medidas e serviços que funcio-
naram bem no passado, identificando uma
situação de referência sobre a qual se poderá
medir e/ou avaliar a mudança, bem como os
resultados alcançados
14
É importante ter em consideração que os DLS
providenciam as bases para construir estratégias
que sejam realmente eficazes na prevenção do
crime e na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
Liderança Civil em Bogotá (Colômbia)
Em Bogotá a liderança demonstrada pelo presidente da Câmara foi crucial para se atingir uma
melhoria substancial na segurança dos seus
munícipes entre 1994 e 2003. A taxa de homicídios diminui cerca de 70%, outros crimes cerca
de 35% e as mortes causadas por acidentes de
viação cerca de 65%. Bogotá deixou de ser a cidade no continente americano com maiores taxas de homicídios, para uma cidade com taxas
inferiores a metade das taxas de Washington
DC (EUA) e passou a ter um quarto das taxas de
Medellin (Colômbia). Outros factores relevantes
tiveram os seguintes resultados:
n Estabeleceram-se regras para que a recolha e análise dos dados relacionados com
o crime, fosse realizada de forma credível,
tornando-se possível adoptar medidas metodológicas que foram disseminadas. Promoveu-se a continuação da monitorização
e da avaliação da eficácia
n Um plano seguro e consistente foi implementado para fortalecer a cultura de cidadania, resolvendo pacificamente conflitos
entre os indivíduos e as comunidades, e
ajudando os grupos mais vulneráveis da
população, na redução do risco de crime,
por exemplo, através do controle do consumo de álcool e do uso restrito de armas
n Foi dada formação aos líderes da comunidade em assuntos de coexistência e segurança como fazendo parte de uma estratégia mais abrangente que permita uma maior
participação e envolvimento dos cidadãos
DlS em Yaoundé (Camarões)
Um DLS terminado em 2001 divulgou dados
estatísticos oficiais e dados recolhidos através
de questionários, estudos sobre tópicos específicos (tais como crianças de rua e violência
contra a mulher), consultas com a sociedade
civil, no sentido de obter as suas opiniões, e
muitas outras fontes. Juntou stakeholders que
anteriormente não comunicavam, identificou
claramente as prioridades e foi um instrumento
catalisador de acções para vários projectos-piloto. Conduziu também à implementação de
polícias municipais; realizou análises complementares de acções de planeamento na justiça
juvenil. Outros desenvolvimentos infra-estruturais (incluindo iluminação pública) em bairros
problemáticos também resultaram destas iniciativas.
UN-Habitat Diagnóstico da Delinquência
Urbana em Yaoundé (2002)33
33
34
Auditoria de Segurança em Port Moresby
(Papua Nova-Guiné)
Safer Port Moresby é uma iniciativa que foi lançada em 2002 com o apoio do Programa de
Desenvolvimento da ONU e da ONU Habitat.
Esta iniciativa urbana foi construída em parceria
com instituições privadas, públicas e de reconhecido mérito. As autoridades municipais e
governo civil local trabalharam em conjunto. A
primeira tarefa era completar um “diagnóstico
de insegurança local” que identificava as causas
subjacentes do crime e a caracterizava as vítimas e os delinquentes. Os resultados foram utilizados para identificar prioridades e delinear em
conjunto um plano estratégico. A segunda fase
focalizou-se em fortalecer parcerias de modo a
permitir a implementação do referido plano.
ONU-Habitat Diagnóstico de Relatório
de Insegurança (2005)34
Towards an urban crime prevention strategy. Safer Cities Series 4. Nairobi: UN-Habitat, 2005.
ONU-Habitat. Diagnóstico do Relatório de Insegurança. Port Moresby, Papua Nova-Guiné.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
15
3 Preparação para o DLS
3.1. Que informação
é necessário
recolher?
Um
DLS deve compilar informação sobre várias
matérias e assuntos. Deve conter dados
contextualizados sobre a comunidade e a sua população, informação sobre o crime e as actividades
com ele relacionadas, o impacto e custos do mesmo,
os factores ligados à delinquência e à vitimização, os
meios, os serviços e as iniciativas que possam reduzir
a ocorrência dos problemas, assim como a visão dos
cidadãos locais. Como ponto de partida, a equipa do
DLS deve realizar uma lista de tópicos que deseja investigar. Poderá então explorar qual a informação que
está, realmente, disponível e a que será necessária
recolher (Quadro 1)35.
Idealmente, um DLS deve conjugar a informação qualitativa e a quantitativa. Cada uma delas providencia
informações sobre um determinado assunto, e uma
sem a outra deixará, provavelmente, o quadro incompleto. Dados quantitativos (recolhidos, por exemplo,
através de inquéritos de vitimização) poderão alertar
para a importância das dimensões relativas a um
determinado problema ou assunto, providenciando
assim respostas às questões sobre “o quê” e “em
que quantidades” está a acontecer. Mas os dados
qualitativos e/ou descritivos, retirados, por exemplo,
35
36
16
de entrevistas geram, muito provavelmente, uma
mais rica e tridimensional perspectiva de respostas
às questões “como” e “porquê”. A preferência por informação mais facilmente mensurável em detrimento de informação mais complexa, que só pode ser
elucidada através de uma observação participada e
de uma discussão, pode conduzir a conclusões enganadoras.
Informação Quantitativa vs Qualitativa
“Nem tudo o que pode ser contabilizado conta,
e nem tudo o que conta pode ser contabilizado”
Albert Einstein, 1879-1955
Temos de reconhecer que uma única fonte dificilmente responderá a todas as questões e que a
utilidade dos dados policiais e das agências do
sistema de Justiça é, muitas vezes, limitada (ver,
adiante, Secção 15). Por outro lado, trabalhar com
várias informações independentes permite fazer
uma triangulação metodológica que garante uma
caracterização correcta e exaustiva. Na Austrália,
por exemplo, o recenseamento populacional é
complementado com informação recolhida junto
de grupos específicos (de risco) para aferir a intensidade da problemática associada ao abuso
de estupefacientes, no seio da comunidade36.
Em Portugal, a possibilidade de existir já um Plano de Desenvolvimento Social (PDS) elaborado para o território a que se dirige o DLS
facilita extraordinariamente as tarefas a desenvolver, porquanto parte significativa do diagnóstico é coincidente. Ver mais sobre os PDS
em www1.seg-social.pt/left.asp?05.18.
Makkai T. Linking drugs and criminal activity: developing an integrated monitoring system, Trends and Issues in Criminal Justice 109.
Canberra: Australian Institute of Criminology, 1999, em www.aic.gov.au/publications/tandi/ti109.pdf.
3.2. Que conhecimentos
e competências
são necessários?
Envolver as Comunidades
Para maximizar a participação é importante recorrer aos métodos utilizados em grupos individuais
ou na comunidade. Considerar idade, género, etnia, normas culturais e outras características irá
ajudar a determinar o que melhor resultará. O enDLS com a abrangência de uma comuvolvimento e compromisso aumentarão através
nidade urbana (cidade, freguesia, bairro)
será mais proveitoso se for planeado com rigor e
do uso adequado de:
Um
n Construção
de uma visão e de consensos
n Linguagem e terminologia
n Formas de comunicação (por exemplo, oral,
escrita, pictórica, dramática)
n Composição dos grupos (por exemplo, unissexuais ou somente jovens)
n Técnicas e ferramentas
n Locais, horários e cenários
n Facilitadores e investigadores
Assim como é importante considerar questões
relevantes para os stakeholders. A equipa do DLS
deve contar com indivíduos que possuam capacidades, competências, conhecimento e credibilidade necessários para obter, de modo eficaz, o
empenho das diferentes comunidades.
bem desenvolvido. A informação de um vasto número de elementos tem de ser recolhida de várias
fontes e com métodos diferentes. A informação
necessita de ser agregada e validada de modo
a que as conclusões possam induzir a selecção
das prioridades e a arquitectura das respostas.
Durante o processo tem de haver uma boa comunicação entre os stakeholders e oportunidades de
participação efectiva. O conjunto de áreas de intervenção, actividades e técnicas envolvidas requer
os seguintes conhecimentos e competências:
Conhecimento
n Contexto local – contextualização geográfica,
económica, cultural, política e demográfica.
n Entidades-chave – As prioridades, as políti-
cas, as culturas e os acordos organizacionais
dos prestadores de serviços locais mais relevantes, especialmente do sector público e
privado não lucrativo.
Quadro 1
Informação necessária ao DLS
Envolvente
Dimensão da comunidade, utilização dos terrenos, estrutura económica, situação política
Demografia
População total, caracterização da população em termos de género,
estrutura etária, diversidade étnico-cultural, emprego/desemprego
Crime e comportamentos desviantes
Tipos de crimes, ocorrências, delinquentes, vítimas, alvos, e a respectiva distribuição
Impacto e custos
económicos
do crime
Em indivíduos e comunidades (consequências das ofensas à integridade
física), procura dos serviços de urgência hospitalar, o valor dos bens furtados
ou roubados, custos para o sistema de segurança interna e de justiça
Percepções
Do risco, da vulnerabilidade social, sentidas por parte dos indivíduos e por parte da polícia e do sistema de justiça e de outros serviços
Factores de risco
Pobreza relativa, violência, crescer em meio institucional, abandono escolar,
doença mental
Serviços
Prestadores de serviços, alcance, qualidade, acesso, utilização Iniciativas
Projectos e programas existentes, respostas e práticas eficazes
Stakeholders
Interesses, capacidades, recursos
Retirado de ONU-Habitat: Toolkit para Cidades mais Seguras: “Safer Cities Toolkit”
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
17
n Sistema de justiça e Polícias – A missão e as
atribuições da organização policial, as práticas de registo dos crimes e contra-ordenações, pontos fracos e pontos fortes relativos
aos dados do sistema de justiça.
n Prevenção do crime – Uma compreensão do
comportamento delinquente e do medo do
crime, incluindo especificamente as questões relacionadas com o género; informação
sobre a eficácia das respostas existentes; e,
como utilizar os DLS para desenvolver uma
estratégia preventiva.
Competências Técnicas
n Planeamento da investigação – formular ob-
jectivos, seleccionar métodos, especificar resultados.
n Gestão de projecto – calendarização do trabalho, alocação de recursos, gestão dos riscos e da qualidade.
n Análise dos stakeholders – identificação de
todas as partes envolvidas, validar os seus
interesses e determinar como deverão envolver-se e participar.
n Envolvimento comunitário – Produção de actividades que encorajem uma participação
mais alargada, especialmente aquelas que
facilitem o envolvimento das mulheres, jovens
e grupos de risco37.
n Técnicas consultivas (de auscultação à população) – entrevistas, reuniões e grupos focais
para facilitar a informação de prestadores de
serviços e sobre os interesses comunitários.
n Estudos sobre vitimização – desenvolvimento
de questionários, amostra populacional, desenvolvimento de bases de dados.
n Análise estatística – identificar, compilar e
analisar dados relevantes fornecidos pelas
entidades, utilizando, se possível, sistemas
geográficos de informação.
n Comunicação – relatórios escritos, apresentações e outras actividades que mantenham
os intervenientes envolvidos e que permitam o
feedback dos resultados das investigações.
É importante reconhecer que diferentes conhecimentos, capacidades e competências vão ser
necessárias em diferentes fases.
37
18
No original hard-to-reach groups (ver, também, Secção 5).
3.3. Quem deve coordenar o DLS?
T
erá de se formar uma pequena equipa que tenha o conhecimento e competências necessários para prosseguir com o diagnóstico e que será
gerida por um dos seus membros. Existem várias
fontes de recrutamento de indivíduos, incluindo
entidades do sector público, sociedade civil, instituições académicas e sector privado. Cada opção tem as suas vantagens, mas existe também
um grande número de desvantagens que podem
afectar qualquer uma delas (Quadro 2).
É muito pouco provável que uma só fonte disponibilize uma equipa completa que reúna todos os
requisitos necessários. A maioria dos DLS funciona
melhor quando combinam várias fontes diferentes.
Por exemplo, uma instituição académica estará melhor equipada de modo a providenciar e aconselhar
metodologias de pesquisa e investigação. Uma empresa ou entidade privada estará mais apta a organizar um estudo em toda a comunidade. Criminólogos e especialistas em prevenção criminal poderão
aconselhar sobre a sua especialidade. Organizações civis poderão estar fortemente posicionadas
de modo a facilitar a ligação com as comunidades.
Certamente diferentes pessoas irão ser necessárias
em diferentes fases do DLS (ver, ainda, Secção 4).
No entanto, há muito a ganhar se o pessoal do
sector público estiver envolvido significativamente,
em vez de contratualizar externamente para todo
o projecto. Este envolvimento do sector público
poderá acrescentar à pesquisa uma perspectiva
local importante, tão importante como o trabalho
que irá ajudar a criar competências e a fortalecer
parcerias, trabalhando conjuntamente com os outros organismos envolvidos.
3.4. Quanto tempo demora um DLS?
Q
uando se realiza um DLS a nível urbano, este
pode demorar, numa primeira vez, 6 a 12 meses, dependendo do tamanho da comunidade e
da facilidade no acesso à informação fiável e aos
recursos necessários para desenvolver o trabalho.
O Quadro 3 fornece um exemplo possível das diferentes fases.
Quadro 2 Recrutar a equipa técnica do DLS
Fonte
Potenciais vantagens
Potenciais desvantagens
Entidades do
sector público
nCompreensão do contexto
nCompreensão das políticas
As desvantagens que se seguem
aplicam-se a qualquer um dos
cenários:
e serviços locais
nAceder à informação
nAceitação do público
nEstabelecer parcerias e
nFalta de competências de
investigação
desenvolver competências
nRedução de custos
nFalta de competências em
Organizações da
sociedade civil
nConhecimento prático
nCredibilidade junto dos cidadãos38
nCustos reduzidos
Instituições
académicas
nGrandes competências na área
assuntos sobre crime e
prevenção
nDificuldade em disponibilizar
o pessoal apropriado para
o projecto
nFalta de influência e credibilidade
junto de entidades-chave
nFalta de credibilidade
e envolvimento com a
comunidade
nFalta de compreensão do
contexto político geral e
concreto
da investigação
nObjectividade / independência
nCustos moderados
Entidades do
sector privado
nEficaz gestão do projecto
nCompetências de investigação
e tecnologias
nObjectividade / independência
nColaboradores dedicados
Quadro 3 Exemplo de um cronograma de um DLS
Mês
Planeamento
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
Preparação do grupo de apoio ao DLS
Nomear a equipa e acordar um plano
de trabalhos
Implementação
Percepção primária dos problemas,
factores de risco e respostas (Fase 1)
Pesquisa de tópicos que requerem
uma investigação mais profunda (Fase 2)
Identificação de prioridades de acção
e de oportunidades (Fase 3)
Consultar as partes interessadas (stakeholders) e comunicar os resultados (Fase 4)
38
Embora a sociedade civil seja considerada mais credível do que as entidades do sector público junto da comunidade, é necessária alguma precaução. Um estudo desenvolvido pelo Banco Mundial concluiu que as “ONG não influenciam significativamente a vida das populações pobres” e “as pessoas pobres são excluídas também de vários grupos devido ao facto de não terem capacidade monetária, quer
para a compra de produtos quer para o pagamento de impostos”. Ver Narayan D. com Patel R, Schafft K, Rademacher A e Koch-Schulte
S. “Can Anyone hear us?” Voices of the Poor Volume 1. Banco Mundial, 1999, em http://siteresources.worldbank.org/INTPOVERTY/
Resources/335642-1124115102975/1555199-1124115187705/vol1.pdf.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
19
Os ‘Fonos’ dos povos do Pacífico (Nova Zelândia)39
Em 2005, o ministro da Justiça começou a desenvolver estratégias de prevenção do crime para
as 250.000 comunidades do Pacífico mais fortemente implantadas em Auckland, Wellington e
Christchurch. ‘Fonos’ foram realizados para averiguar as suas percepções dos problemas relacionados com o crime e de como estes deveriam ser enfrentados. Os convites foram estendidos a
organizações do Pacífico e a indivíduos com interesses e competências em assuntos criminais e
de justiça, bem como a representantes de organizações juvenis.
Um ‘matai’ ou ‘ariki’ com bons conhecimentos sobre os procedimentos do sistema de justiça
judicial facilitou o processo de comunicação. Cada um inicia-se com um ‘lotu’ e uma apresentação dos participantes, para que todos fiquem a conhecer a sua comunidade. As reuniões podem
demorar até quatro horas, dando oportunidade a todos de serem ouvidos e de todos os assuntos
serem debatidos até chegarem a um consenso. A agenda permite, sempre que haja tempo, um
‘mea taumafa’ precedido de oração de graças, uma vez que uma refeição é algo importante na
cultura dos povos do Pacífico. O humor e divertimento são também tradicionalmente importantes,
pois ajudam a reduzir as tensões quando existem desacordos ou conflitos. O ‘Fonos’ é sempre
concluído com uma ‘tataloina’ para agradecer aos participantes, encerrar a sessão e pedir ajuda
espiritual para o regresso a casa.
O ‘fonos’ funcionou como uma rede e centro de partilha de informação com representantes do
Ministério da Justiça apresentando dados estatísticos para orientar a resolução dos problemas e a
sua partilha. O processo permitiu às comunidades do Pacífico identificarem o que era importante
para eles e o que, na sua opinião, deveria ser feito para obter as reacções que consideravam funcionar. As principais prioridades que emergiram foram a violência familiar e delinquência juvenil
(especialmente violência e crimes rodoviários). Houve também um acordo consensual relativamente ao papel das igrejas, sendo este considerado muito importante no que diz respeito à prestação de serviços, no sentido de orientar comportamentos através da mensagem religiosa, tanto no
púlpito, como através de outros contactos na comunidade.
39
20
Os povos do Pacífico são neo-zelandenses que se identificam com uma ou mais etnias. Os sete maiores são os maori das ilhas Cook,
os habitantes das ilhas Fijian, Niue, Samoa, Tokelau, Tonga e Tuvalu. Fono é uma palavra da Samoa largamente usada pelos povos do
Pacífico que descreve uma reunião ou conselho. Outras palavras da Samoa usadas no texto são matai ou ariki (chefe ou ancião), lotu
(orador), mea taumafa (refeição partilhada) e tataloina (benção).
3.5. Comparações
nacionais e internacionais
Um
DLS de uma comunidade vai, inevitavelmente, concentrar-se no que se passa
dentro dos seus limites, mas poderá ser difícil ter a
verdadeira percepção do problema sem algumas
referências externas comparáveis (external benchmark). A comparação com o que se passa noutras cidades, países ou continentes pode ajudar
a contextualizar os padrões locais e vir a ser útil
de outras formas. Por exemplo, a ansiedade da
população pode ser atenuada se se demonstrar
que a taxa de criminalidade da comunidade se
encontra abaixo da média nacional. Pelo contrário,
uma taxa de criminalidade relativamente alta pode
servir para assegurar, por parte de entidades governamentais regionais ou nacionais, o apoio de
recursos adicionais de combate ao crime. É evidente que quando comparamos cidades temos
que considerar, também, os factores sociais. Portanto, quanto mais similares as cidades forem em
termos de perfis sócio-económicos, mais importante será a comparação.
Fazer comparações a nível nacional será difícil em
países sem sistemas padronizados de informação, exigindo mais cuidado na interpretação dos
dados. As comparações internacionais exigem um
cuidado acrescido ou mais minucioso, visto que
as definições dos tipos de crime, as regras de procedimento do seu reporte, assim como a forma de
recolha destes dados, variam de país para país.
Esta inconsistência pode ser ultrapassada através
de uma avaliação intercidades41. Esta envolverá
um grupo de cidades comparáveis, que cooperam
entre si e conduzem os DLS aproximadamente ao
mesmo tempo, usando a mesma metodologia.
Este procedimento pode ser levado a cabo internamente ou em cooperação internacional e constituirá um avanço significativo para gerar dados
consistentes. Esta abordagem pode ser, também,
financeiramente vantajosa, se permitir economias
de escala (ver, adiante, Secção 16.2 – Questionários Internacionais sobre Vítimas de Crime).
O Contexto Húngaro
A Estratégia Nacional para a Prevenção do Crime concluiu que a criminalidade no país mais
do que triplicou entre 1988 e 1998. Embora estes números não deixem de ser preocupantes,
quando comparados com os restantes países
europeus encontram-se, ainda assim, significativamente abaixo da maioria dos países da Europa Ocidental e representam menos de metade
da taxa de criminalidade da Suécia, da Holanda
e da Alemanha.
Estratégia Nacional para a Prevenção
do Crime (2003)40
40
41
Ministério da Justiça (Hungria). The national strategy for social crime prevention. Annex to Parliamentary resolution 115/2003 (X.28.). Budapest,
2003, em http://bunmegelozes.easyhosting.hu/dok/national_strat_crime_prevention.pdf#search=%22Annex%20to%20Parliamentary%20resolution%20115%2F2003%20(X.28.%22.
No original, multi-city assessment.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
21
4 As Quatro Fases de
Implementação do DLS
4.1. Introdução
UM
DLS deve ser desenvolvido de uma forma
flexível, em termos de gestão, em termos
financeiros e em relação ao cronograma. Tudo isto
pode ser conseguido adoptando um processo sistemático com quatro fases principais de implementação, sendo a primeira a análise “alargada e genérica” (Quadro 4). Esta fase envolve uma abordagem
de um vasto conjunto de problemas e causas utilizando, tanto quanto possível, informação disponível
para que os temas e as faltas de informação sejam
rapidamente identificados. Deve-se incluir também,
se possível, uma avaliação das respostas que são
implementadas no momento presente, para que
seja mais fácil identificar quais os problemas que
já estão a ser tratados de forma adequada e quais
aqueles que requerem mais atenção.
Após esta fase, estão reunidas as condições para
ser preparado um plano para uma investigação mais
detalhada na Fase 2, investigação “aprofundada e
pormenorizada”. O objectivo desta fase é preencher
as lacunas existentes na informação e investigar os
temas e assuntos emergentes, aqueles que requerem um estudo mais detalhado. A Fase 3 envolve
o tratamento dos dados recolhidos que permitirão
identificar as prioridades para a estratégia de prevenção criminal. Finalmente, na Fase 4 as partes interessadas (stakeholders) são consultadas sobre os
resultados obtidos antes de se terminar o relatório
e previamente à sua divulgação. Cada uma destas
fases será abordada, de seguida.
Quadro 4
O processo de implementação de um DLS
22
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Análise alargada
e genérica
Investigação
aprofundada e
pormenorizada
Identificação de
prioridades e
oportunidades
Consultoria e
comunicação
Investigação inicial
dos problemas e
causas utilizando
informação acessível,
quando possível
Pesquisa de temáticas
que requerem maior
atenção para uma
melhor compreensão
Selecção dos assuntos
nos quais a estratégia
se deve concentrar,
bem como nas suas
potencialidades e os
meios / bens sobre
os quais se devem
construir
Consulta das
partes interessadas
(stakeholders),
preparação do
relatório do DLS
e divulgação dos
resultados
4.2. Fase 1:
Análise alargada
e genérica
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Investigação
Consultoria e
Análise
Identificar
Alargada Aprofundada e Prioridades e Comunicação
e Genérica Pormenorizada Oportunidades
O
objectivo da Fase 1 é construir uma imagem
alargada do crime e das suas causas, e avaliar
a eficácia das actuais respostas utilizando dados
que já estão disponíveis e acessíveis. Não necessita de uma análise profunda, mas requer informação suficiente de modo a identificar os problemas
e perceber a sua importância. Os componentes de
uma análise alargada e genérica são:
nContextualização
nAnálise preliminar do crime e das incivilidades
nCaracterizar genericamente os tipos
de vítimas e de delinquentes
nIdentificar os factores de risco associados
às questões de vitimização e de agressão
nAferir as respostas
4.2.1. Contextualização
A contextualização deverá ser feita através de uma
caracterização demográfica e económica da comunidade, de modo a enquadrá-la num contexto
regional e nacional. Igualmente importante será a
capacidade de determinar o ambiente político e
legislativo e levar a cabo uma análise das atribuições e competências institucionais42. Este procedimento ajudará os parceiros a ver a comunidade
num contexto mais global, entendendo melhor
os problemas e identificando oportunidades para
uma solução estratégica. Para os stakeholders, a
nível local ou nacional, a informação assume um
papel sensibilizador para demonstrar em que ponto se encontra a comunidade e o que poderá servir de base para justificar mais recursos.
4.2.2.Análise preliminar do crime
e das incivilidades
A equipa do DLS deve fazer uma avaliação preliminar do crime que ocorre na comunidade e determinar a quantidade, as taxas de incidência e as
suas tendências, assim como as variações existentes nas diferentes áreas geográficas. Deverá
dar-se particular atenção à natureza e gravidade
da violência, relevando as diferentes experiências
por parte de homens e de mulheres, de jovens e
de idosos, e das minorias étnicas.
Quadro 5
Contextualização – perguntas-chave para a Fase 1
Perguntas-chave
Como obter respostas
1Quantos habitantes existem e como é
que este número varia tendo em conta as
alterações demográficas (e a migração)?
2Caracterização sócio-demográfica (idade,
sexo e diversidade étnica e cultural).
3Quais são as principais actividades
económicas e qual a taxa de desemprego?
4Como varia o perfil sócio-económico da
população pela comunidade?
5Qual é a estrutura populacional
comparativamente com outras cidades?
42
Em muitos países, as respostas podem ser encontradas em relatórios já existentes ou em recenseamentos. Uma parte muito limitada deve ser
extraída para se construir um perfil sumarizado. As
outras fontes que forneceram dados mais pormenorizados podem ser referenciadas no relatório do
DLS. As variações e discrepâncias encontradas,
ao longo da comunidade, deverão ser mapeadas.
Este registo não deverá ser muito detalhado, mas
deve ser o suficiente para denotarem as diferenças locais mais relevantes.
Segundo o Banco Mundial, a análise institucional (IA) foca-se no sucesso das instituições formais e informais do sector público, privado
e nos sectores não lucrativos. A IA diz respeito às ligações de instituições e institutos que são importantes para o sucesso do projecto,
identifica as obrigações para que o acesso aos serviços por parte das populações mais pobres seja equitativo e examina os activos
institucionais que existem dentro destas comunidades. Esta auditoria pode também ajudar a desenvolver incentivos que permitam o
envolvimento dos grupos existentes destas populações mais pobres nos objectivos e resultados esperados. Finalmente, esta auditoria
permite uma melhor compreensão dos processos de exclusão social em casos em que as “regras do jogo” são diferentes para diferentes “jogadores”, e onde a participação e os direitos variam também de forma considerável. Ver o glossário do Banco Mundial, em
http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/TOPICS/EXTSOCIALDEVELOPMENT/EXTSOCIALANALYSIS/0,,contentMDK:205
03079~menuPK:1231003~pagePK:148956~piPK:216618~theSitePK:281314,00.html.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
23
Nalguns países, muita informação sobre crime
contra a propriedade (tais como furtos em residências ou de viaturas) e certas formas de violência (tais como roubos) podem ser obtidos através
dos registos das ocorrências na polícia. Apesar
de se saber que estes dados podem não ser fiáveis (ver, adiante, Secção 15.2), é sempre possível obter informação através dos inquéritos de
vitimização. Isto pode, no entanto, não ser a forma
mais correcta para obter informações sobre outras problemáticas. Por exemplo, só uma pequena
parte da violência familiar e do abuso de drogas é
reportada. Problemas similares, tais como os crimes financeiros e económicos, ou o crime organizado, também não serão reportados a maior parte
das vezes de forma relevante43.
Faz parte desta análise “alargada e genérica” explorar os problemas mais escondidos, através de
entrevistas a informadores privilegiados e com
outras fontes de informação, nomeadamente a
prova documental, para verificar o seu significado
e relevância. O Quadro 7 fornece uma lista de problemas e potenciais informadores privilegiados.
Através de reuniões e opiniões de peritos, as comunidades podem, por si só, identificar outros
tópicos que poderão requerer pesquisa nesse
sentido. Se não se conseguir reunir informação
suficiente para chegar a uma conclusão, é necessário desenvolver uma outra e mais profunda
investigação na fase de implementação, isto é, na
Fase 2. Serão fornecidos mais detalhes sobre a
investigação de assuntos específicos na Parte B
deste Manual.
4.2.3.Vítimas e delinquentes
Algumas características colocam certas pessoas em maior risco que outras, aumentando também a probabilidade de voltarem a ser vítimas.
Por exemplo, em alguns países desenvolvidos,
os jovens do sexo masculino estão mais expostos à violência em locais públicos, e as mulheres
correm maiores riscos em casa. Relativamente
aos idosos, são os que possuem algum tipo de
perturbação mental, deficiência ou incapacidade
que se tornam mais vulneráveis que outros indivíduos da mesma faixa etária. Estas características
variam de país para país e o DLS deve procurar
Quadro 6
Crime e incivilidades – perguntas-chave para a Fase 1
Perguntas-chave
1Quantidade de crimes e de perturbações
da ordem pública?
2Qual a repartição entre os crimes violentos
e os crimes contra o património?
3Quais são os crimes mais frequentes e
quais os que registam maiores e
mais frequentes flutuações ?
4Qual é o nível de medo do crime,
e quais são os grupos mais afectados?
5Em que bairros e zonas comerciais as taxas
Como obter respostas
Utilizar as estatísticas policiais quando estas são
credíveis e acessíveis44. Entidades e organizações comunitárias podem providenciar alguns
dados, mas um inquérito às vítimas será a única
opção para ter acesso a dados detalhados sobre experiência e medo do crime. Documentos e
informações obtidas juntos de informadores privilegiados podem contribuir para a justificação ou
interpretação dos dados.
de criminalidade são mais elevadas?
43
44
24
O crime organizado diz respeito ao modus operandi das actividades criminais, e não a uma ofensa específica. Aplica-se a um grupo ou
gang que adopta uma abordagem “empresarial” e que emprega outros para dar continuidade aos seus actos criminais para proveito
financeiro. Pode estar envolvido com tráfego de seres humanos, tráfico de droga, exploração sexual, extorsão e mendicidade, entre outras
actividades. Para esta e para outras tipificações criminais sugere-se, para Portugal, a consulta do Código Penal (cfr. Lei n.º 59/2007, de 4
de Setembro).
Para Portugal recomenda-se a utilização dos dados do Ministério da Justiça, disponibilizados pela Direcção-Geral de Política da Justiça
(DGPJ). O nível máximo de desagregação territorial situa-se na escala municipal. A série estatística iniciou-se em 1993 e pode ser consultada on line no SIEJ (Sistema de Informação das Estatísticas da Justiça), mediante solicitação de username e password. O SIEJ foi
desenvolvido no quadro do projecto Hermes (projecto realizado com comparticipação de fundos comunitários ao abrigo do Programa
Operacional para a Sociedade da Informação) e disponibilizado inicialmente e de forma faseada no decurso do ano de 2004.
apurar qual é a realidade da área em diagnóstico
(Quadro 8).
O envolvimento de alguém no crime pode estar
associado a determinadas características pessoais, experiências e antecedentes. Por exemplo,
em muitos países, ser do sexo masculino e adolescente faz aumentar significativamente o risco.
Jovens que abandonam a escola, que crescem
num ambiente familiar violento, numa instituição,
ou que se associam a amigos e colegas delinquentes, muito provavelmente tornar-se-ão, também eles, delinquentes. Desenvolver um modelo
de causas subjacentes ou de factores de risco
que influenciam os actuais autores de crimes é essencial para focalizar futuras acções preventivas.
4.2.4.Identificar os factores de risco associados à delinquência e à vitimização
Na Fase 1, a análise precisa não só de estabelecer quais os factores que influenciaram a exposição das vítimas ao risco no passado, mas deve
também examinar os factores que mais contri-
buem para que, especialmente crianças e jovens,
venham a ser vítimas de crime. Alguns destes factores podem variar de acordo com as culturas e
os países, mas na sua grande maioria, são transversais em todo o mundo.
As populações que vivem em bairros problemáticos e aquelas que experienciam alguma pobreza
ou dificuldade encontram-se em situações de risco elevado, quando comparadas com a população em geral. O mesmo se aplica a indivíduos que
cresceram em instituições ou no seio de famílias
desestruturadas e/ou num ambiente familiar violento. Pode-se também estabelecer uma relação entre
as pessoas que já foram vítimas e a probabilidade
destas para cometerem crimes. As crianças que
testemunham ou são vítimas de violência correm
o risco, muito provavelmente, de se virem a tornar
mais tarde violentas. Perceber esta distribuição do
risco é uma parte importante do DLS, visto que
para ser bem rentabilizado as respostas têm de ser
bem direccionadas e concentradas nestas áreas
e nas populações que deverão ser consideradas
mais vulneráveis (Quadro 9).
Quadro 7
Problemas a explorar através de informadores privilegiados na Fase 1
45
46
47
Problema
Informadores privilegiados
Abuso e violência familiar45
Serviços sociais, de saúde e de protecção de
menores, grupos de apoio à família e à mulher,
e organizações de apoio à vítima.
Crimes de intolerância46
Grupo de defesa dos interesses das minorias,
forças de segurança e organizações comunitárias.
Toxicodependência e narco-criminalidade47
Serviços de saúde, forças de segurança, organizações de apoio a toxicodependentes, líderes juvenis.
Criminalidade económica e financeira
Grupos de interesse empresarial, câmaras de
comércio, companhias de seguros, empresas
de segurança, forças de segurança.
Crime organizado
Forças de segurança, organizações comunitárias
e grupos de apoio aos imigrantes ilegais e aos
profissionais do sexo; organizações de apoio a
toxicodependentes.
A interpretação do termo “violência familiar” varia, mas a OMS inclui nela os maus-tratos a crianças, a violência contra os companheiros
e/ou cônjuges e o abuso de idosos. Em Portugal, este tipo de crime poderá enquadrar-se na (recente) tipificação penal de crime de
violência doméstica (ver art. 152º do Código Penal).
O termo “crime de intolerância” é aqui usado para englobar as ofensas motivadas pelo racismo, discriminação racial, xenofobia e orientação sexual ou religiosa. São também referidos como “crimes de ódio” (ver art. 240º do Código Penal).
Os crimes relacionados com drogas são usados para descrever um largo espectro de ofensas e delitos, incluindo o abuso de substâncias ilícitas, produção e tráfico de droga, crimes induzidos pelo uso de narcóticos e crimes para pagar esse mesmo uso (ver Lei n.º
30/2000, 29 de Novembro, sobre o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
25
Quadro 8
Vítimas e delinquentes – perguntas-chave para a Fase 1
Perguntas-chave
Como obter respostas
Vítimas
1Qual o risco de se ser vítima e que grupos
apresentam as taxas mais elevadas
(mulheres, jovens, idosos, minorias)?
2Quais os grupos mais vulneráveis?
3Qual a gravidade da revitimização e dos crimes
resultantes de manifestações de intolerância?
4Como varia a taxa de vitimização na
comunidade?
5Quais as consequências sociais, económicas
e de saúde para as vítimas?
Em algumas comunidades, as forças de segurança e outras entidades do sistema de justiça estão
aptas a fornecer dados básicos sobre as vítimas,
mas normalmente estes são muito limitados. É
necessário fazer estudos junto das vítimas para
se ter uma ideia mais clara e precisa. A realização de estudos e uma mais directa proximidade
dos jovens vão acrescentar importantes dados e
perspectivas. As organizações de apoio à vítima
podem dar um contributo qualitativo, mas provavelmente não agregam os dados estatísticos.
Delinquentes
6Qual é o perfil dos delinquentes identificados
(idade, sexo, estatuto sócio-económico e
etnia)?
7Como é que estes perfis variam de acordo
com o tipo de crime?
8Quantos delinquentes são reincidentes e
em que bairros estão concentrados?
9O que se conhece das suas experiências
de vida, educação e estado de saúde?
10As doenças mentais e físicas, e o abuso de
substâncias são comuns nos delinquentes?
Se existir uma gestão dos dados boa e desenvolvida,
as entidades policiais e do sistema de justiça podem
providenciar informação sobre os delinquentes, apesar de só haver referência aos que foram condenados, que são, muito provavelmente, uma pequena
proporção do total48. Obter informação numérica
através de outra fonte será difícil, e as informações
provenientes das organizações que lidam com os
delinquentes são normalmente mais fidedignas (por
exemplo, estabelecimentos prisionais ou serviços de
reinserção social, organizações da sociedade civil
que trabalham com os delinquentes).
Quadro 9
Factores de risco – perguntas-chave para a Fase 1
Perguntas-chave
Como obter respostas
1Quantas crianças estão a crescer em:
Várias entidades, tais como serviços sociais e do Ministério da Educação, podem ter dados muito úteis.
Quando não se dispõe de números que correspondam aos factores de risco, podem ser usados indicadores suplementares, como número de beneficiários do RSI ou de outros subsídios, ou apoios
sociais que indiciem baixos rendimentos.
Sistemas geográficos de informação podem ajudar
a definir e a delinear as áreas e os grupos onde se
concentra uma multiplicidade de riscos. Na ausência
total de dados provenientes de fontes estatísticas ou
outros relatórios, deve recorrer-se a informação qualitativa entrevistando os informadores privilegiados.
nInstituições
nAmbientes familiares com alguns indivíduos
violentos e com contactos frequentes com o
sistema de justiça
2Quais são as taxas dos seguintes problemas:
nAbandono escolar, vadiagem e exclusão social
nPobreza e privação
nDesemprego e sem-abrigo
nToxicodependência, doenças e HIV/SIDA
nCondições de habitabilidade e ambientes
envolventes muito pobres
3Quais são as áreas da comunidade que têm
os indicadores, acima referenciados, com as
taxas mais elevadas?
48
26
protecção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica; Lei n.º 14/2005, de 22 de Janeiro, que
estabelece o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas). Recomenda-se, igualmente,
a consulta do sítio do Instituto da Droga e da Toxicodependência, cuja missão é a de promover a redução do consumo de drogas lícitas
e ilícitas, bem como a diminuição das toxicodependências, em www.idt.pt.
Em Portugal existe informação sobre autores de crimes, arguidos e condenados. Esta informação é disponibilizada pelo Ministério da
Justiça, através da DGPJ (cfr. nota 42).
4.2.5. Aferir as respostas
O componente final da Fase 1 é verificar a existência de respostas disponíveis para os principais
problemas e factores de risco que foram anteriormente identificados. Estas respostas podem
assumir várias formas, incluindo a prestação de
cuidados especiais por entidades públicas direccionadas aos grupos mais vulneráveis, nomeadamente na saúde e na educação; policiamento
eficaz em bairros e áreas de alto risco; ou a incorporação por parte do município dos princípios da
CPTED no urbanismo49. Podem ainda existir projectos específicos direccionados para a violência
contra as mulheres ou para desviar os jovens do
consumo de drogas ou de comportamentos anti-sociais, furtos ou roubos, por exemplo, em centros comerciais. Claramente, em alguns casos, a
prevenção criminal pode não ser o único ou até o
principal aspecto do que se determinou como objectivo, mas será certamente uma sua importante
consequência. (Quadro 10).
Torna-se necessário formular um juízo bem fundamentado de forma a avaliar a “adequabilidade”
desta fase. As perguntas constantes no Quadro
10 conduzem a muitas outras questões. Estará
a resposta bem direccionada? Estará o serviço
acessível àqueles que dele mais necessitam?
Será que o serviço tem a abrangência e intensidade desejadas50? E acima de tudo, estará a ter
o resultado esperado? As respostas a estas perguntas irão identificar os assuntos-chave para as
fases seguintes do DLS.
4.3.
Fase 1
Fase 2:
Investigação
aprofundada e
pormenorizada
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Investigação
Consultoria e
Análise
Identificar
Alargada Aprofundada e Prioridades e Comunicação
e Genérica Pormenorizada Oportunidades
A
implementação da Fase 2 consiste em obter
um conhecimento mais profundo sobre assuntos específicos. Esta necessidade advém essencialmente de dois factores. Um deles é o facto
de na Fase 1 não se ter conseguido recolher informação suficiente ou porque se tornou claro que
existem assuntos que requerem conhecimentos
mais detalhados e explicativos. Como ponto de
partida para esta investigação detalhada, será necessário ter em conta o tempo, o pessoal e os
recursos financeiros disponíveis.
Esta investigação mais aprofundada irá, muito provavelmente, envolver diferentes stakeholders e empregará diferentes métodos. Pode haver necessidade de realizar um ou mais estudos, sendo que
estes vão requerer cada vez mais a participação das
comunidades e a perícia dos técnicos. Poderá ser
Quadro 10
Aferir as actuais respostas – perguntas-chave para a Fase 1
Perguntas-chave
Como obter respostas
1O que tem sido feito?
2Que resultados foram obtidos?
3É o suficiente para produzir um impacto
positivo?
4Os recursos estão a ser rentabilizados?
5É necessário fazer algo mais?
49
50
Os informadores-chave serão a principal fonte de
informação. A visão daqueles que estão envolvidos e que prestam os serviços necessita de ser
equilibrada com a daqueles que recebem os serviços, que necessitam deles e ainda com a dos
peritos especializados.
CPTED (Crime Prevention Through Environmental Design), em português, prevenção criminal através do desenho urbano, envolve o recurso ao planeamento, concepção e gestão do ambiente construído, para reduzir as causas e as oportunidades para a actividade criminal e
o sentimento de insegurança. Para Portugal, e sobre esta matéria, sugere-se a consulta de Machado et al., Metrópoles Seguras - Bases
para uma intervenção multissectorial nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, desenvolvido em 2007 pelo Laboratório Nacional de
Engenharia Civil (LNEC) para o MAI, em especial do III Volume.
A “intensidade” de uma resposta, também chamada “dosagem”, é a quantidade atribuível a um lugar ou destinatário. As intervenções
poderão não ter qualquer impacto se a intensidade for muito baixa como resultado dos recursos terem sido mal distribuídos.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
27
vantajoso preparar um grupo de trabalho que examine áreas particulares ou externalizar uma parte desse estudo a grupos locais ou a organizações com
características e competências específicas.
O leque de potenciais áreas temáticas a abordar é
vasto e pode variar de comunidade para comunidade. A investigação pode concentrar-se em populações específicas, problemas específicos ou lugares
específicos. É provável que grande parte dos assuntos mais importantes nesta Fase 2 sejam abordados
mais profundamente na Parte B deste manual.
4.4.
Fase 1
Fase 3:
Identificar
prioridades e
oportunidades
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Investigação
Consultoria e
Análise
Identificar
Alargada Aprofundada e Prioridades e Comunicação
e Genérica Pormenorizada Oportunidades
4.4.1. Identificar prioridades
Uma estratégia de prevenção não pode abordar
todos problemas de uma comunidade. Concentrar
escassos recursos num número limitado de prioridades produzirá maior sucesso do que se houvesse uma tentativa de dispersá-los, mesmo que organizadamente. Fazer esta selecção é uma decisão
difícil e crucial que deverá ser tomada pelo GTSC.
Mas o DLS pode ajudá-los a levar a cabo essa difícil
decisão, providenciando a informação necessária
para o efeito. Devendo haver um acordo explícito
quanto ao critério51, poder-se-ão formular prioridades baseadas, por exemplo, em tipos específicos
de crime, em localizações específicas, em determinados grupos minoritários ou em factores de risco
particulares. O critério poderá, então, ser usado para
adaptar questões que ajudarão a determinar quais
os assuntos mais pertinentes, tais como:
51
52
28
nQuais são as principais preocupações da
comunidade local?52
nQuais os problemas que mais contribuem
para a definição das prioridades das
políticas transversais?
nPara que áreas/problemáticas existem
recursos disponíveis?
nQuais os factores de risco que necessitam
de atenção mais urgente?
nQuais dos problemas têm maior impacto
sobre os grupos sociais mais vulneráveis?
nQuais os bairros e zonas comerciais mais
afectadas pela criminalidade?
nQuais os crimes que têm maior ocorrência
e taxa de incidência?
nQue tipos de crime têm sofrido um maior
crescimento?
4.4.2. Identificar os activos, os pontos
fortes e as oportunidades
O DLS, para além da identificação dos problemas,
deverá também evidenciar os activos, as forças
e as oportunidades que poderão servir de base
para a estratégia, e que poderão assumir diferentes formas, que incluem:
nFortes comunidades ou grupos de interesse
que querem – e têm a capacidade para – desempenhar um papel importante na mudança
nProjectos e programas que tenham tido resultado positivos prestados por organizações
da sociedade civil, e que poderão ser alargados a outras prestações de serviços
nEntidades que reconheçam a ligação entre o
que fazem (a sua actividade) e a prevenção do
crime, e que estejam disponíveis para colaborar
nPolíticas governamentais e legislação que sirvam como um estímulo para a resolução de
problemas
nProgramas de financiamento que ofereçam
recursos para actividades que se concentrem em prioridades específicas
Ainda que as respostas devessem ser igualmente seleccionadas para aproveitar maximamente a sua rentabilidade, nem sempre assim
acontece. Vejamos: por exemplo, quanto à prevenção dos maus tratos infligidos sobre menores e a violência dos jovens, os estudos de
valorização dos resultados indicam que uma prevenção focalizada nos grupos mais expostos à violência produz mais efeito do que as
medidas colectivas. Por outro lado, certas intervenções muito prometedoras beneficiam toda a população, como sejam as iniciativas de
redução da violência induzida pelo álcool, através de uma política de preços, taxas e licenças sobre as bebidas alcoólicas e de restrições
sobre as práticas de venda que alimentam o consumo ocasional e excessivo, cujo único objectivo é a embriaguez.
É importante reconhecer que os cidadãos da comunidade nem sempre têm uma percepção realista da situação do momento, avançando com propostas que nem sempre são as mais apropriadas. Ver, adiante, Secção 5 sobre este assunto.
Identificar e evidenciar estes aspectos positivos
permite fornecer uma imagem mais favorável,
contrabalançando com a imagem criada pelos
problemas (imagem negativa) que integram, inevitavelmente, parte substancial de um DLS. Assim,
baseando-se nos aspectos positivos, as probabilidades de sucesso numa acção de prevenção
serão elevadas.
4.5. Fase 4:
Consultoria e
comunicação
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Investigação
Consultoria e
Análise
Identificar
Alargada Aprofundada e Prioridades e Comunicação
e Genérica Pormenorizada Oportunidades
4.5.1. Consultoria
Os resultados do DLS devem ser partilhados com
todos os stakeholders que contribuíram com informações ou que, simplesmente, queiram saber os
resultados. Deve, também, dar-se-lhes uma oportunidade para comentarem os resultados e validarem as conclusões. Este processo tem de incluir
o público em geral, as entidades locais e organizações comunitárias, assim como os autarcas
(políticos locais) e o sector privado. Os grupos de
risco ou de difícil acesso, assim como os jovens,
merecem uma atenção particular.
Seja qual for o método, o processo requer uma
gestão cuidadosa no sentido de evitar a concentração das atenções somente nos problemas da
comunidade, podendo este constituir um factor
negativo e de desmoralização. A comunicação
precisa evidenciar alguns dos resultados positivos, nomeadamente sobre as potencialidades, os
pontos fortes e os casos de sucesso, sublinhando que o DLS é um passo importante no que diz
respeito a tornar a comunidade num lugar mais
seguro para viver, trabalhar e visitar.
4.5.2. Divulgação dos resultados
Um relatório escrito detalhado é, provavelmente, o
produto principal de um processo de DLS. Sendo
necessário compilar todos os materiais qualitativos e quantitativos que fizeram parte do processo
de DLS, o relatório não deverá ser somente uma
compilação de dados. Necessita de conter uma
análise que, com a informação disponível, interprete e explique aquela realidade concreta; que
evidencie os problemas, os temas e as tendências relativas à média nacional ou a outras comunidades; que identifique potenciais prioridades
e oportunidades para uma acção preventiva. O
relatório deve também descrever o processo de
DLS e as decisões que resultaram da consultoria,
utlizando também as conclusões desse mesmo
DLS. Por outras palavras, necessita de ser orientado para a acção.
A comunicação deve ser adaptada a diferentes
públicos. Certamente que deverá haver necessidade de realizar uma compilação de resultados,
possivelmente em diferentes línguas e com diferentes formatos, incluindo uma versão mais juvenil.
Outras opções incluem o envolvimento dos media
(jornais e televisão) e reuniões públicas locais. Em
algumas culturas é mais apropriado recorrer ao
uso de uma história, utilizando um enredo, à dramatização ou imagens nas representações, consoante o que for mais apropriado.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
29
Modelo de relatório de dls
Problema
Visão e objectivos
Grupo de coordenação de segurança comunitária
Eixos de investigação
Equipa e métodos de investigação
Acções e iniciativas de consulta no âmbito deste relatório,
incluindo as perguntas-chave
Resumo dos
resultados-chave
Principais problemas e preocupações
Actividade preventiva, incluindo serviços e projectos
Recursos disponíveis, oportunidades, potencialidades
e capacidades
Descrição da comunidade
Perfil sócio-económico da população
Envolvente física e económica
Desenvolvimento prospectivo: principais tendências
Perfil de segurança
comunitária
Resultados provenientes da recolha e análise dos dados sobre:
nnatureza, escala, tendência e distribuição dos problemas
nfactores causais e de risco
nimpactes, incluindo medo, consequências sociais
e financeiras
nperfis dos alvos, das vítimas e dos delinquentes
Respostas actuais
Modelos de governança, instituições relevantes e
legislação de referência
Políticas e serviços orientados para os factores de risco
Projectos de prevenção do crime
O que resulta e o que não resulta
Lições aprendidas e oportunidades de desenvolvimento
Recomendações
Prioridades emergentes baseadas nas provas reunidas
Parceiros-chave para futuras acções
Recursos e capacidades
Acções futuras
Plano de acção para futuros passos
Enquadramentos temporais
Liderança – quem é responsável pelo quê?
Extraído do kit de ferramentas da Prevenção Local do Crime desenvolvido por CSIR, África do Sul.
30
5 Abordagem Participativa:
Motivar e Envolver
as Comunidades
5.1.
O que é a
abordagem
participativa
e por que é
importante?
O
DLS deve ter em conta que a população de
uma comunidade é constituída por muitos e diferentes grupos sociais, com diferentes interesses,
tendo todas eles o direito de fazer parte do processo. A abordagem participativa tem como objectivo
encorajar esses grupos sociais a envolverem-se no
processo de DLS. O compromisso deste envolvimento deverá ser um dos princípios fundamentais
não só dos diagnósticos, mas de todo o trabalho relacionado com a estratégia de prevenção do crime.
Envolver os diferentes grupos sociais (contemplando a diferença) irá melhorar significativamente
a qualidade dos resultados do DLS e o sucesso
do que lhe seguirá (Quadro 11). De facto, resultarão múltiplos benefícios da participação dos grupos sociais e das organizações que os representam, evidenciando-se uma melhor compreensão
dos problemas, o desenvolvimento de respostas
mais apropriadas e um maior nível de coesão comunitária, com maior manifestação de interesse
nas actividades e no sentimento de pertença. O
GTSC, deverá, por estes motivos, conseguir o
mais elevado número de participações possível,
para permitir o bom funcionamento do processo
de DLS.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
31
Contudo, é necessária alguma cautela. As comunidades não são infalíveis, podem equivocar-se
quando à aferição dos problemas e identificação
das respostas. É, por este motivo, necessário integrar perspectivas de elementos da comunidade
com complementares análises técnicas externas.
5.2.Quais os grupos
que deverão estar
envolvidos?
O
termo comunidade é mais frequentemente utilizado para um grupo de pessoas que
vive numa mesma área e tem o mesmo objectivo
para a sua cidade ou bairro. Mas, no contexto de
um DLS e da abordagem participativa, deve ser
usado no seu sentido mais abrangente para incluir “uma comunidade de interesses”, o que não
é mais do que grupos de pessoas que partilham
um interesse ou características comuns que lhes
dá uma perspectiva particular sobre o crime e a
sua prevenção, como por exemplo mulheres, minorias étnicas, jovens, sem-abrigo, empresários,
residentes de um bairro, de uma freguesia, de
uma cidade.
As comunidades de interesses estão muitas vezes fortemente representadas pela sociedade
civil. Estas são constituídas pelas organizações
privadas sem fins lucrativos, instituições de voluntariado e instituições de caridade da comunidade.
Neste quadro incluem-se as organizações não
governamentais (ONG), grupos comunitários, organizações de mulheres, organizações religiosas,
associações profissionais, sindicatos, grupos de
auto-ajuda, grupos de aconselhamento e muitos
outros. A abordagem participativa deverá incluir o
envolvimento de representantes de todas estas
organizações e corpos civis.
32
Mas em todas as comunidades existem pequenas
comunidades de interesses que não estão organizadas deste modo. Delas fazem parte os grupos
menos acessíveis que têm um contacto escasso
com as principiais entidades. A abordagem participativa deverá arranjar formas de acção de se
envolver, também, com estes grupos de pessoas, o que requer muita criatividade e esforço por
parte da equipa de técnicos do DLS (ver, adiante,
Secção 5.4).
O principal desafio é a identificação dos grupos
relevantes e a determinação da melhor forma de
assegurar a sua participação. Não é claramente
realista ou necessário que todas elas estejam envolvidas ao mesmo tempo em todas as fases. No
entanto, não é possível estabelecer regras fixas
(de quando e quantas deverão estar envolvidas).
As comunidades devem decidir individualmente,
tendo em conta a estrutura demográfica, circunstâncias locais e problemas que vão emergindo no
decorrer do processo de DLS (Quadro 12). Uma
análise de stakeholders pode ser uma ferramenta
muito útil para identificar os grupos com interesse
significativo numa melhor compreensão da problemática, ajudando também a perceber o seu
potencial e possíveis contribuições.
Nem sempre os cidadãos e as comunidades
encaixam nos critérios de classificação que os
stakeholders sugerem. Há comunidades dentro
de comunidades e um indivíduo pode pertencer
a mais do que uma comunidade. Acordos pré-existentes e memorandos de entendimento poderão providenciar a base para a sua participação
no DLS; caso contrário, recorrer-se-á ao diálogo,
perguntando às pessoas quais são as suas expectativas quanto ao DLS e como gostariam de
participar.
Quadro 11
Benefícios de uma abordagem participativa
Para as comunidades
Para as entidades públicas
nDá voz às populações locais e dá-lhes
nCria oportunidades para que as comunidades
acesso aos decisores
nDesenvolve um conhecimento mais
profundo dos problemas que os
stakeholders têm que enfrentar
nGera o sentimento de envolvimento no
processo de resolução do problema e
controlo sobre os problemas
nPermite que grupos marginalizados e
de difícil acesso (socialmente excluídos)
sejam ouvidos
nEncoraja uma partilha de responsabilidades
no planeamento e prestação dos serviços
nConduz a melhores resultados, que
reflectem mais aprofundadamente as
aspirações das comunidades afectadas
contribuam com os seus conhecimentos,
competências e ideias
nAjuda os responsáveis pelo planeamento
dos serviços a encontrar respostas que
satisfaçam as necessidades dos utentes e
a rentabilizar melhor os recursos disponíveis
nAjuda a criar standards de desempenho
significativos de acordo com as necessidades
dos utilizadores
nFomenta uma parceria que permite à
comunidade compreender os problemas
e perceber como pode ajudar
nPode resultar no envolvimento da comunidade
no DLS e na implementação de uma
estratégia
nSimboliza um maior compromisso dos
stakeholders, colocando em primeiro os
interesses da comunidade
Quadro 12
Participação comunitária: critérios de identificação
As comunidades podem ser identificadas por:
nSexo
nIdade
nIncapacidade(s) física(s) ou outra(s)
nIdentidade étnico-cultural
nCircunstâncias familiares
nCaracterização ao nível do emprego
nCondições habitacionais
nLocalização
nDependência
nParticipação em delitos
nVítimas
... ...e muitos outros factores
Perguntas a ter em conta:
nÉ esta comunidade afectada desproporcio-
nadamente pelo crime e vitimização?
nExistem alguns factores culturais ou étnicos
distintos ou outros factores sociais que seja
importante ter em conta?
nOs seus membros encontram-se sobre-representados no sistema de justiça criminal?
nA comunidade sofre de factores de risco
acima da média?
nPoderão os representantes desta comunidade
melhorar e aumentar o entendimento e a
comunicação?
nSerá que o grupo está interessado em
desenvolver soluções para a comunidade
e participar no DLS?
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
33
5.3.Como pode um DLS
participativo ser
implementado?
C
ada comunidade precisa de decidir como
transformar, na prática, a sua aposta numa
abordagem participativa. Deverá ter a sensibilidade
de executar um plano de participação dos grupos
evitando que esta decorra e se desenvolva de forma ad hoc.
A International Association for Public Participation
desenvolveu um esboço de matriz de participação
que pode ser útil para desenvolver o plano referido
e que contém cinco níveis diferenciados: informar,
consultar, envolver, colaborar e responsabilizar53.
À medida que se avança nos níveis, aumentam
os graus de participação e de influência das comunidades nas decisões (Quadro 13). No nível
mais baixo, as entidades simplesmente facultam
a informação. Os níveis mais elevados requerem
maior participação e envolvimento. No nível mais
elevado, as entidades públicas delegam autoridade para a tomada conjunta das decisões finais.
É necessário utilizar diferentes técnicas e ferramentas para a implementação da abordagem
participativa em cada nível (Quadro 14). Algumas,
tais como as newsletters, podem envolver directamente vários indivíduos, mas oferecem somente
uma comunicação unidireccional. Outras, como
o caso dos questionários às vítimas, necessitam
de informação de um grupo selectivo de pessoas.
Avançando no espectro, grupos focais e grupos
de trabalho conjuntos criam oportunidades para
uma colaboração e interacção bidireccional.
No planeamento e implementação da Fase 1 a
escala e amplitude das tarefas é considerável. É,
por esse motivo, sensato o envolvimento com os
representantes das organizações da sociedade
civil que tenham responsabilidades alargadas na
sua comunidade e que possam fornecer informações úteis, baseadas num conhecimento mais
profundo dos assuntos relevantes. Podem-se
incluir organizações que estejam vocacionadas,
por exemplo, para a regeneração da comunidade,
para o bem-estar dos jovens e das famílias, para
os interesses das minorias ou para o apoio aos
mais desfavorecidos. Contudo, vai existir, inevitavelmente, uma participação muito mais alargada
se for decidido que há necessidade de aplicação
de questionários de vitimização.
Quadro 13
Níveis de participação da comunidade
53
34
Nível
Informar
1Informar
Comunicação unidireccional que inclui partilha de informação,
mas não possibilita qualquer oportunidade para que as comunidades influenciem o processo.
2Consultar
Para além de informar, convidam-se as comunidades a contribuir
na partilha da informação, ideias ou comentários, mas sem qualquer interacção institucional ou compromisso para responder ao
que é solicitado.
3Envolver
Para além de consultar, providencia oportunidades para que as
comunidades dêem o seu contributo no planeamento, implementação, interpretação e hierarquização.
4Colaborar
Para além de envolver, trabalha-se em conjunto com as comunidades para desenvolver planos, responde-se às contribuições da
comunidade e acordam-se as conclusões.
5Responsabilizar
Para além de colaborar, permite que as comunidades tomem as
decisões finais sobre a estratégia a seguir.
http://iap2.org
Na implementação da Fase 2 existem mais oportunidades para a participação dos cidadãos individuais (bem como das organizações) que tenham um interesse pessoal ou um conhecimento
mais aprofundado sobre os assuntos específicos,
abrangidos pelos estudos profundos e de especialidade. Estes podem incluir, por exemplo,
as residentes femininas de um bairro específico;
seguranças de uma zona comercial; crianças institucionalizadas; ou organizações de apoio aos
imigrantes ilegais e com experiência no combate
à exploração deste tipo de população. As organizações comunitárias deverão ser responsabilizadas pela execução de algumas das tarefas do
DLS, tais como, os grupos focais ou o trabalho de
proximidade.
Uma abordagem participativa plena na implementação das Fases 3 e 4 deverá envolver todas as
comunidades na selecção das prioridades e na
determinação do conteúdo do relatório do DLS,
bem como a identificação dos recursos (activos)
e dos pontos fortes nos quais assentarão as acções futuras. A questão relevante é saber ao certo
qual a influência que detêm na comunidade para
melhor se definir, a que nível se devem situar no
espectro de participação.
Quadro 14
Técnicas para envolver as comunidades no planeamento e implementação do DLS
Nível
1
2
3
4
5
Estágio
Informar
Consultar
Envolver
Colaborar
Responsabilizar
Planeamento
A comunidade é
informada sobre
a realização do
DLS através da
cobertura dos
media e de
newsletters
Representantes
da sociedade
civil submetem
as contribuições
ou comentam os
planos
Envolvimento
das comunidades
no processo
de planeamento
Representantes da
comunidade são
membros do grupo
de planeamento
Os representantes
da comunidade
integram o grupo
de apoio e validam
o plano acordado
Fase 1:
Alargada
e genérica
A comunidade é
informada sobre os
dados estatísticos
principais através
da cobertura
dos media e de
newsletters
Entrevistas escritas
e inquéritos à
sociedade civil
Interacção com as
comunidades para
discutir temas e
pontos de vista
Envolvimento activo Os representantes
das comunidades
das comunidades
na equipa do DLS
decidirão quais os
temas que serão
abordados na
Fase 3
Fase 2:
Profunda e
pormenorizada
A comunidade é
informada sobre
as conclusões de
alguns estudos
realizados, através
da cobertura
dos media e
de newsletters
Reuniões
com grupos
comunitários,
consultas e estudos
Reuniões e trabalho
em grupo para
troca de ideias
e discussão das
conclusões
As comunidades
lideram o trabalho
do DLS em certas
áreas
As comunidades
começam a aferir
a importância dos
dados recolhidos
Fase 3:
Prioridades e
oportunidades
A comunidade é
informada, através
da cobertura
dos media e
de newsletters,
dos resultados
emergentes
Discutem-se os
dados analisados e
quais as prioridades
emergentes
As comunidades
estão envolvidas
na hierarquização
e acesso aos
recursos
As comunidades
influenciam
fortemente a
selecção das
prioridades
As comunidades
decidem quais
as prioridades
Fase 4:
Consultoria e
comunicação
Distribuição do
relatório do DLS
com cobertura
dos media
Comunidades
convidadas para
aceder e comentar
os resultados do
relatório do DLS
Discussão da
versão preliminar do
relatório antes da
sua publicação
O relatório do
DLS é escrito em
parceria e posto em
circulação para ser
comentado
Representantes
da comunidade
decidem o
conteúdo final
do relatório
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
35
A envolvência das crianças e dos jovens é particularmente importante mas coloca diferentes
desafios. Várias abordagens têm sido desenvolvidas, com grupos infantis e juvenis, com fóruns
de juventude, conselhos de apoio juvenis a nível
nacional e regional, assessores/conselheiros juvenis e com a participação dos jovens e crianças
na gestão de instituições locais. Estas actividades
visam multiplicar as várias formas de participação,
tais como participação em conferências, a dramatização, a participação em trabalhos de pesquisa
e investigação, as acções militantes e os grupos
de pressão, em campanhas, em consultoria e na
concepção de projectos54.
“Consultar” é, provavelmente, a actividade principal de um DLS e algumas formas de o conseguir serão abordadas com mais profundidade nas
Secções 8 e 9. Contudo, no início, as atenções
viram-se para os desafios particulares inerentes à
contribuição ou envolvimento dos grupos de difícil
acesso (marginalizados). O que acontecerá é que
nem todos os grupos podem ser representados
da mesma forma. No entanto, uma abordagem
mais global vai acrescentar grande complexidade
e custos, mas o processo terá melhores resultados e mais significado para a comunidade55.
5.4. Motivar e envolver
grupos sociais
marginalizados
O
conceito de “grupo social marginalizado”56 é
usado de uma forma geral para definir grupos
sociais que não estão bem representados pela
sociedade civil e que têm um contacto muito escasso com as principais instituições dessa sociedade civil. Esta situação equivale a uma forma de
exclusão social, ou marginalização, e corresponde quase sempre à falta ou insuficiência de uma
representação formal. Tal marginalização pode
resultar do medo ou da suspeita, da privação
sócio-económica, de discriminação, das barreiras
culturais ou ideológicas, das deficiências ou das
necessidades específicas dos sujeitos excluídos
(podendo resultar mesmo em auto-exclusão), das
barreiras linguísticas, da idade, da falta de auto-organização ou de muitas outras razões. Existe
sempre, por conseguinte, o risco de que as necessidades destes grupos sejam subvalorizadas,
se não se agir com o seu envolvimento.
Para cada DLS será necessário identificar os grupos
marginalizados relevantes e ser proactivo no encorajamento dos mesmos em relação à sua participação. As fontes de dados demasiado generalistas,
tais como os números da criminalidade, disfarçam
a total extensão da experiência do crime e, como
tendem a incluir os mais vulneráveis e as vítimas, assegurar o seu envolvimento deve ser uma prioridade. Contudo, independentemente de um grupo ser
particularmente de difícil acesso ou não, conseguir
o seu envolvimento vai depender das circunstâncias
locais. Os sem-abrigo, por exemplo, podem estar
bem representados numa comunidade, mas não ter
voz activa noutra.
Envolvendo a Comunidade Chinesa
no Reino Unido
Pelo facto de existir uma elevada proporção de
elementos da comunidade chinesa a trabalharem em restaurantes locais, os trabalhos de
consulta a esta comunidade étnica, por parte
dos técnicos de um DLS numa cidade britânica,
eram efectuados depois da meia-noite. Tradicionalmente, as famílias chinesas tomavam a
sua última refeição do dia depois dos restaurantes encerrarem e estavam mais disponíveis
para discutir assuntos integrados no DLS.
Grupos marginalizados e relevantes para o DLS
podem ser aqueles que:
nExperienciaram níveis mais altos de vitimização ou diferentes formas de vitimização,
comparativamente com a população geral
nEstão representados desproporcionadamente
(sobre-representação) no sistema criminal
54
55
56
36
Argumentos para uma maior adesão da participação de crianças e jovens na tomada de decisões e modelos para o conseguir estão
apresentados em ONU-Habitat. Youth, children and urban governance. Global campaign on urban governance. Policy Dialogue Series 2.
Nairobi: ONU-Habitat, 2004. em www.unhabitat.org/pmss/getPage.asp?page=bookView&book=1810.
Um guia para o envolvimento da comunidade na prevenção do crime foi publicado pelo UK Home Office. Forrest. S, Myhill A and Tilley N.
Practical lessons for involving the community in crime and disorder problem-solving. Development and Practice Report 43. London: Home
Office, 2005, em www.homeoffice.gov.uk/rds/pdfs05/dpr43.pdf.
No original, hard-to-reach groups.
nSe sintam particularmente vulneráveis ou em
risco
nContribuam significativamente para o entendimento dos problemas ou para o desenvolvimento de respostas correctas
O trabalho com os grupos marginalizados terá mais
sucesso se tiver em consideração os seguintes
princípios e práticas:
Respeito
Todos os grupos merecem respeito e as suas diferenças ou particularidades devem ser consideradas durante o processo. O respeito deste princípio pode manifestar-se em actividades culturais
específicas (ver o estudo de caso do Ruanda na
Secção 9.2). O respeito é especialmente importante quando se aferem problemas e assuntos
sensíveis, aqueles cujas vítimas tenham tido experiências recentes e/ou perturbadoras.
Confiança
A participação efectiva assenta nas relações que
têm como base a confiança. A confiança é um
processo moroso e difícil de alcançar, podendo
haver a possibilidade de muitas vezes os grupos
marginalizados interpretarem mal ou não compreenderem o objectivo que as autoridades que
recolhem a informação perseguem. A chave para
ganhar confiança é estabelecer o compromisso
de que os seus pontos de vista serão considerados, e que se tomarão atitudes baseadas nas
suas opiniões. O envolvimento deve incluir o feedback sobre os resultados do DLS e torná-los capazes de ter um papel na tomada de decisões.
Protocolos
Os protocolos estabelecem os termos sobre os
quais irá assentar o envolvimento. Estes deverão
ser inclusivos, providenciando assim um enquadramento para a parceria. Um protocolo pode
assumir várias formas, mas deverá incluir o objectivo de qualquer acção, o comportamento esperado dos participantes e como se vai registar e
tratar a informação. O protocolo assume muitas
vezes a forma de “regras básicas” de ética, acordadas pelos participantes no início do processo.
Elas são regularmente usadas em reuniões com
57
58
jovens, e costumam ser escritas em grandes folhas de papel para se poderem visualizar durante
qualquer momento de comunicação.
DlS da Criminalidade Contra as Empresas
em Comunidades Multiétnicas (Austrália)57
A investigação tem mostrado que o crime experienciado por empresários de minorias étnicas pode ser diferente daquele que é
experienciado por outros empresários. Para pesquisar este assunto em duas comunidades Australianas de “concentração étnica”,
foram conduzidas entrevistas presenciais com 337 pequenos negociantes em vietnamita, mandarim, cantonês e inglês.
Adaptação
As abordagens convencionais (reuniões, questionários, etc.) poderão ser desapropriadas para
os grupos marginalizados. Os métodos de envolvimento têm de ser feitos à medida das circunstâncias, ou seja:
nRecorrer ao uso de actividades de proximidade para estabelecer contacto com indivíduos
no seu meio e segundo as suas condições,
tais como entrevistas de rua a jovens sem-abrigo ou ligados à prostituição (ver, adiante,
Secção 9.2);
nEvitar a utilização de material escrito com indivíduos que tenham dificuldades de leitura ou
escrita.
Interesse
Uma vez envolvidos, é essencial maximizar as
oportunidades e manter o grupo, ou indivíduos,
interessado e motivado. Os problemas e assuntos abordados têm que estar perfeitamente de
acordo com as suas experiências. Se a importância e relevância destes assuntos for acompanhada com técnicas criativas e imaginativas, a
participação será mais produtiva e sustentada.
Deve reconhecer-se que a equipa do DLS pode
não ser a mais apropriada para colher os pontos
de vista e experiências dos grupos marginalizados. Grupos semelhantes, grupos de confiança
ou mediadores poderão obter melhores resultados no que respeita ao estabelecimento de comunicação, através de um diálogo aberto com
estes grupos58.
Taylor N. Crime against businesses in two ethnically diverse communities, Trends and Issues, in Criminal Justice, 321. Canberra: Australian
Institute for Criminology, 2006, em www.aic.gov.au/publications/tandi2/tandi321.pdf.
Em Portugal deverá ter-se presente que em Março de 2009 foi aprovada a Estratégia Nacional para a Integração dos Sem-Abrigo (20092015), organizada pelo MTSS em conjunto com outras entidades públicas e privadas, apostando em três áreas específicas: prevenção,
intervenção e acompanhamento. De destacar os planos individuais de reinserção social previstos e a criação de um gestor de caso,
técnico de referência para a pessoa sem-abrigo, mediador e facilitador dos processos de autonomização.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
37
PARTE B:
ASSUNTOS
ESPECIFÍCOS PARA
AS EQUIPAS DOS
DIAGNÓSTICOS
LOCAIS DE
SEGURANÇA
6 Visão Geral
A
Parte B concentra-se nos assuntos que deveriam ser examinados em cada comunidade.
Eles estão relacionados com populações específicas, problemas específicos e locais específicos e são merecedores de especial atenção por
variadíssimas razões. A maior parte deles são
importantes porque têm um grande impacto nos
membros mais vulneráveis e com menos recursos da sociedade, especialmente crianças, idosos, mulheres, e todos os grupos sociais que são
socialmente marginalizados59.
O conjunto de assuntos tratados não pode ser
aplicado a todos os indivíduos, sendo de crescente complexidade estabelecer um perfil ou um
padrão das vítimas. Os rapazes, por exemplo,
apresentam um risco muito maior de serem vítimas de homicídio do que as raparigas da mesma faixa etária ou do que outros grupos etários
do sexo masculino. As crianças do sexo masculino correm um maior risco no que diz respeito à
violência física e as raparigas no que concerne à
violência emocional; as mulheres jovens têm também uma probabilidade acrescida de serem abusadas sexualmente, quando comparadas com os
59
40
jovens do sexo masculino. Contudo, as abordagens delineadas podem ser aplicadas a outros
assuntos que a equipa do DLS entenda ou queira
investigar.
Os problemas considerados são, na sua maioria,
invisíveis e não constam nas estatísticas porque
as vitimas não querem, não se disponibilizam, são
relutantes e/ou simplesmente não reportam a violência a que foram submetidas. Algumas vezes, os
que lhes estão directamente chegados, incluindo
família e entidades ou organizações, podem nem
saber da existência do problema. Pode existir um
relacionamento de proximidade entre as vítimas
e os seus delinquentes, assim como de vitimização e agressão. Pode existir, também, uma falta
de confiança nas forças de segurança. E existem
com frequência causas múltiplas e complexas ligadas a desigualdades e factores culturais ou históricos que podem transcender as fronteiras internacionais. Neste sentido, ter um conhecimento e
compreender estes assuntos pode ser um desafio.
Contudo, um bom DLS enfrentará este desafio, e
nas secções seguintes fornecem-se orientações
no que se refere a formas de abordagem.
Em Portugal as questões sociais da marginalização social estão tratadas e são objecto de uma estratégia nacional através do Plano
Nacional de Acção para a Inclusão (PNAI). O PNAI é o documento de coordenação estratégica e operacional das políticas de combate
à pobreza e à exclusão social e tem três prioridades: combater a pobreza das crianças e idosos; corrigir desvantagens de educação e
formação; e reforçar a integração de deficientes e imigrantes. O plano define as prioridades associadas aos pontos críticos da situação
social portuguesa, articulando-se com outras estratégias nacionais, e identifica um conjunto de metas concretizáveis e com financiamentos garantidos, de modo a que os resultados possam ser devidamente avaliados. Para saber mais, em www.pnai.pt.
Como já anteriormente referenciado, a implementação da Fase 1 (ver, anteriormente, Secção 4.2)
deve ser utilizada para se adquirir uma visão alargada e geral da natureza e dimensão dos problemas da comunidade, bem como para a compreensão das prováveis causas e factores de risco
relevantes. Para qualquer estratégia que aborde
o problema devem ser identificados os serviços
existentes e as intervenções utilizadas no momento. É muito importante chegar a uma conclusão
sobre a sua existência (se de facto existir alguma
intervenção), sobre a sua eficácia (se estão a produzir os resultados desejados) e sobre a adequação destes serviços (se são suficientes).
As estatísticas disponíveis e os estudos prévios
devem ser considerados, mas as informações
mais válidas da Fase 1 provêm de informadores
privilegiados com conhecimentos e experiências
especializadas. Eles incluem representantes das
entidades, organizações, ou grupos profissionais
que possuam uma vasta experiência sobre a comunidade. Por exemplo, um médico com muitos
anos de experiência do serviço de urgência de um
hospital urbano pode contribuir com informações
muito válidas sobre fenómenos como a violência
associada ao consumo de álcool numa determinada comunidade (ver, adiante, Secção 11.4).
Nas secções seguintes serão listadas questões-chave relacionadas com cada um destes assuntos, divididas em dois grupos; as que devem ser
efectuadas na Fase 1 para obter a visão geral e as
que serão efectuadas na Fase 2, quando é necessária uma pesquisa mais avançada. As questões
não serão de resposta fácil. Algumas exigem respostas factuais e quantitativas, mas nem sempre
se dispõe de boas estatísticas, por isso, terão de
se usar estimativas ou informação alternativa e de
substituição61. Outras perguntas serão de resposta aberta e por isso mais opinativas e subjectivas,
como por exemplo, a gravidade de um problema,
ou a eficácia para combater um determinado problema. Nestes casos, será aconselhável triangular
pontos de vista de várias fontes para se chegar a
uma conclusão.
A equipa do DLS não se deve deixar desencorajar
se não se conseguir obter respostas a algumas
perguntas de imediato e de forma conclusiva. As
dificuldades servem, no entanto, para estimular o
pensamento e a comunicação em grupo donde
poderão surgir interessantes ideias para ajudar à
evolução da investigação. Um dos resultados do
DLS pode ser a identificação de assuntos que poderão não ter sido examinados adequadamente
durante o processo e que requerem uma investigação mais aprofundada e detalhada.
Se não se conseguir o conhecimento pretendido
desta forma, ou concluindo-se que o assunto não
está a ser combatido de forma eficaz, será necessário uma análise mais detalhada na Fase 260.
Essa análise deverá levar a cabo estudos, consultar peritos, realizar entrevistas e questionários,
bem como realizar observações no terreno, in
loco, entre outras actividades. O objectivo poderá
ser completar a visão geral da comunidade que
falta ou, em alternativa, concentrar-se num grupo
particular da população, nos problemas ou locais
que emergiram como parte do problema, e, como
tal, requerem uma atenção particular. Na Fase 2,
as informações recolhidas no sector da saúde podem provir dos médicos de família/clínica geral,
ou de profissionais de saúde pública.
60
61
Em Portugal, a articulação com os Planos de Desenvolvimento Social (PDS) – ver nota 34, anterior - é muito oportuna e fortemente recomendável. Um PDS é um instrumento de definição conjunta e negociada de objectivos prioritários para a promoção do desenvolvimento
social local. Tem em vista não só a produção de efeitos correctivos ao nível da redução da pobreza, do desemprego e da exclusão social,
mas também efeitos preventivos gerados através de acções da animação das comunidades e da indução de processos de mudança,
com vista à melhoria das condições de vida das populações.
Esta medida de substituição é utilizada quando a medida necessária é impossível ou muito difícil de obter, dando no entanto uma aproximação ou um bom indicador do que se pretende.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
41
7 Crianças e Jovens
7.1. Introdução
AS
crianças e os jovens são vítimas de abusos
em todos os países e em contextos muito
diferenciados: no ambiente familiar, em lares e instituições, na escola, na comunidade e nos locais
de trabalho. A violência pode assumir variadas formas, incluindo bullying, castigos corporais, abusos
sexuais, mutilação genital, trabalhos forçados e homicídio. Os actos mais violentos experienciados por
crianças e jovens são na maioria das vezes perpetuados por pessoas que fazem parte do seu dia-a-dia:
pais, outros familiares, colegas de escola, professores, patrões, amigos, namorados ou namoradas.
Certas experiências na infância e na adolescência são também associadas a posteriores práticas
agressivas e abuso de substâncias62. Sejam quais
forem os países e culturas, existe muita consistência
nos factores de risco considerados mais influentes
e detentores deste efeito cumulativo. Quantos mais
forem os factores de risco presentes na vida de uma
criança ou de um jovem, maior é a probabilidade de
este vir a infringir a lei63.
62
63
64
65
42
Violência no Lar e na Família
“Um significativo número de estudos sugere que
em todas as regiões do mundo cerca de 80% a 98%
das crianças sofrem castigos corporais nas suas
casas, sendo que um terço ou mais experienciam
castigos físicos graves, com recurso a objectos”.
Estudo da ONU sobre a Violência
Contra as Crianças (2006)64
A relação existente entre as experiências precoces
e a probabilidade de posterior envolvimento em actos de violência e crimes enfatiza a importância de
abordar a infância e juventude em conjunto65. Mas a
violência juvenil é fortemente influenciada por vários
factores do ambiente e do quotidiano de um jovem
(por exemplo, a acessibilidade a armas de fogo,
álcool, desigualdades económicas, o contexto em
que vive, a sua escolarização e as suas oportunidades de trabalho). Todos estes factores devem ser
considerados separadamente.
Elas estão também fortemente ligadas a outros comportamentos que põem em causa a integridade física e o estado de saúde (e.g. tabagismo, iniciação precoce da actividade sexual) que podem resultar em estados de saúde adversos (e.g. doenças crónicas, distúrbios
depressivos, doenças sexualmente transmissíveis) no decorrer das suas vidas.
Ver Anexo A deste manual sobre a tipologia dos factores de risco.
ONU. Report of the independent expert for the United Nations study on violence against children. General Assembly. Sixty first session. Item
62 (a) of the provisional agenda. A/61/299, 2006, em www.violencestudy.org/IMG/pdf/English-2-2.pdf.
Para Portugal, consultar o Programa Escolhas, cuja continuidade e reforço foram assegurados pela Resolução do Conselho de Ministros n.º
63/2009, de 23 de Julho. O Programa Escolhas visa reforçar o apoio à mobilização das comunidades locais para a criação de projectos de
inclusão social de crianças e jovens oriundas de contextos sócio-económicos mais vulneráveis. Tem-se, assim, em consideração o risco
acrescido de exclusão social dos públicos-alvo, nomeadamente dos descendentes de imigrantes e minorias étnicas. O programa estrutura-se em cinco áreas estratégicas de intervenção: a) Inclusão escolar e educação não formal; b) Formação profissional e empregabilidade;
c) Dinamização comunitária e cidadania; d) Inclusão digital; e) Empreendedorismo e capacitação. Para mais informações consultar o AltoComissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (www.acidi.gov.pt), e em particular www.programaescolhas.pt.
Crianças e jovens que tenham sido sujeitos a actos
de violência estão duplamente em desvantagem.
Não são apenas vítimas. Essa experiência influenciará também o seu futuro negativamente e muito provavelmente voltarão a ser vítimas, também eles eventualmente, delinquentes, ou enveredarão por formas
de vida ilegais associadas ao crime. Deste modo a
violência pode perpetuar-se durante gerações com
as vítimas jovens a tornarem-se delinquentes que
acabarão por, também eles, abusar dos seus filhos,
continuando assim o ciclo. Identificar e abordar a violência infantil deve ser uma prioridade no sentido de
se quebrar o ciclo de violência e crime.
Serviços e iniciativas para prevenir as agressões
numa fase inicial e intervenções precoces de apoio
às crianças e aos adolescentes são essenciais para
quebrar este ciclo. É necessário agir para reduzir
os múltiplos factores de risco66. Dada a prevalência e a importância estratégica destes problemas,
bem como a protecção dos direitos fundamentais
das crianças, as intervenções devem ser consideradas prioritárias nas estratégias de prevenção
criminal em todo o mundo. Deste modo, o exame
das questões e problemáticas relacionadas com
crianças e jovens deverá ser um elemento fundamental em todos os DLS. A ligação entre os problemas pressupõe um duplo equacionamento: a
situação actual das vítimas e os factores de risco
associados a posteriores problemas.
Para tornar a tarefa mais realista e operacional, a
equipa que integra o GTSC deverá concentrar-se
em populações sobre as quais a investigação,
em muitos países, demonstrou serem vitimizadas
e terem uma maior probabilidade de exposição a
múltiplos factores de risco. Algumas vezes, estas
já estão identificadas e localizadas, como é o caso
das crianças institucionalizadas. Contudo, identificar e aceder a outros grupos, como os das crianças em famílias disfuncionais e crianças que abandonam a escola, pode ser mais difícil. Dados sobre
estes factores de risco, se alguma vez tiverem sido
recolhidos, estarão espalhados por diversas entidades e organizações da sociedade civil, enquanto a informação sobre as verdadeiras vítimas está
provavelmente escondida ou não é registada.
As secções seguintes chamam a atenção para
importantes linhas de investigação que a equipa
66
67
68
do DLS deverá seguir. Quaisquer relatórios de investigação anteriores providenciarão informações
importantes. Contudo, se estes não estão disponíveis, entrevistas e consultas a informadores privilegiados que providenciem informação qualitativa
sobre a natureza, amplitude e causas do problema, assim como as actuais repostas existentes,
serão provavelmente mais esclarecedoras e reais
do que as estatísticas oficiais incompletas.
Mulheres Delinquentes (Austrália)
Num estudo a 470 reclusas, 63% relataram que experienciaram
abusos físicos, sexuais e emocionais enquanto crianças, 60%
que tiveram distúrbios mentais na juventude, 44% cresceram
em famílias com problemas associados ao abuso de álcool, e
26% em famílias com problemas associados ao consumo de
estupefacientes.
Resultados de um estudo realizado sobre o abuso
de estupefacientes das reclusas (2004)67
7.2.
Crianças e
adolescentes
em risco no
seio familiar
C
orrem um risco elevadíssimo de serem vítimas
nas suas próprias casas as crianças e adolescentes cujos pais ou tutores são violentos ou têm profissões ligadas à violência, i.e., nas quais a violência
marca presença, que se revelam autores de crimes,
ou são toxicodependentes, que têm estilos de vida
caóticos ou defendem uma disciplina errática. Essas
crianças têm também uma maior probabilidade de
serem revitimizadas e de se envolverem, muito provavelmente, na prática de delitos no futuro.
Para aceder à natureza e à dimensão dos problemas locais, a equipa do DLS deverá consultar representantes dos serviços da Segurança Social,
pois estes poderão ter um registo actualizado das
crianças e adolescentes em risco68. Técnicos de
saúde e médicos deverão também ter consciência desta problemática, tal como organizações
de apoio à família e à criança. Líderes espirituais
É indispensável ter presente as Directrizes de Riad, disponíveis neste manual, no Anexo C.
Johnson H. Key findings from the drug use careers of female offenders study, Trends and Issues in Crime and Justice 289. Canberra:
Australian Institute of Criminology, 2004, em www.aic.gov.au/publications/tandi2/tandi289.pdf.
Em Portugal as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (ver Anexo E, no final deste documento) desempenham neste domínio um
papel insubstituível (cfr. Lei nº 147/99, de 1 de Setembro). Consulte-se, ainda, a Lei Tutelar Educativa (Lei nº 166/99, de 14 de Setembro).
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
43
e representantes de organizações comunitárias
podem, também, dar úteis contributos. Deverão
ser localizados programas existentes e qualquer
relatório de feedback de utilizadores de serviços
poderá providenciar provas da eficácia dos mesmos. Especialmente em países em vias de desenvolvimento, o representante local da UNICEF
pode ter informação válida69 assim como os estudos nacionais poderão conter dados relevantes.
Perguntas-chave
nQuantas crianças e jovens se encontram em
risco devido à sua situação familiar?
nExistem sistemas eficazes para detectar
crianças e jovens em risco?
nQuais as circunstâncias familiares que os
colocam em situação de risco?
nQuais os bairros que têm um número despro-
porcional de crianças em risco?
nO problema está associado a um determina-
do grupo demográfico?
nQuais são os serviços e programas que abor-
dam este problema?
nDe que maneira são as respostas existentes
adequadas e eficazes para o problema?
nExistirá uma boa cooperação entre organismos para lidar com este assunto?
nQuais são as prioridades para as acções
futuras?
Fontes Privilegiadas
nRelatórios de investigações precedentes
nServiços da Segurança Social
nRepresentantes dos serviços de saúde pública
nOrganizações não governamentais de apoio
à criança e à família
nLíderes espirituais
nAssociações comunitárias
nRelatórios de feedback dos utentes/destina-
tários dos serviços e programas existentes
7.3.
Crianças e jovens
que crescem
e vivem em
instituições
EM
muitos países, as crianças que crescem
em instituições estão em maior risco de sofrer abusos, quando comparadas com as que crescem num ambiente familiar tradicional. No entanto,
estudos revelam que não é apenas o facto de um
criança crescer numa instituição ou em instituições,
que aumenta esse risco. É um conjunto de factores
diferenciados, um conjunto de situações de risco
nas suas vidas a que as crianças institucionalizadas
estão sujeitas que potenciam futuros comportamentos anti-sociais, como vitimização na infância, falta
de laços parentais e diferentes locais de residência.
Uma vez institucionalizadas, elas experienciam violência por parte dos colegas, dos trabalhadores da
instituição e de outros. Quando deixam de fazer parte do sistema de acolhimento, encontram-se muito
mais vulneráveis e sofrem subsequentes abusos e
cometem delitos por variadas razões, incluindo o
seu baixo grau de escolaridade, falta de residência
e falta de preparação para abraçar o primeiro emprego, logo, para enfrentar a vida sem apoios.
Fontes privilegiadas são os profissionais dos serviços sociais e das organizações não governamentais que providenciam apoio e cuidados. Deverão
também ser contactados os serviços que prestam
apoio pós-institucional a estes jovens. A polícia, o
Tribunal de Menores e outras entidades dos sistema de justiça de menores devem ser consultadas
sobre o impacto dos factores de risco a que estão
expostas as crianças dentro destas instituições,
em termos de vitimização e/ou delinquência70.
Reclusos: Companheiros de Cela (EUA)
Os estabelecimentos prisionais locais dos EUA costumam ingressar reclusos detidos, a aguardar julgamento e
condenados com penas curtas. Um estudo de uma amostra representativa de 7.000 reclusos revelou que cerca
de 31% cresceram com um progenitor ou tutor com problemas de álcool ou de estupefacientes e 46% dos mesmos cresceram com familiares que estiveram presos.
Perfil dos Reclusos (2002)71
69
70
71
44
Para mais conselhos e ferramentas a utilizar num estudo epidemiológico e uma avaliação dos riscos ver Organização Mundial de Saúde e Society for Protection of Child Abuse and Neglect. Preventing child maltreatment: A guide to taking action and generating evidence. Geneva: OMS,
2006, em http://whqlibdoc.who.int/publications/2006/9241594365_eng.pdf.
Para Portugal consultar também o Anexo E sobre legislação aplicável.
Departamento de Justiça: Bureau of Justice Statistics (US), Profile of jail inmates, 2002. Washington DC: DoJ, 2004, em www.ojp.usdoj.gov/
bjs/abstract/pji02.htm.
Crescer em Instituições
Do total de 41.700 crianças nascidas em Queensland (Austrália) em 1983, cerca de 2.880 tinham, em 2000, um
registo significativo de notificações por maus tratos. A colocação das crianças fora do seio familiar influenciou a
probabilidade de a criança cometer crimes. Cerca de 26% das crianças mal tratadas que foram retiradas às suas
famílias, cometeram subsequentemente delitos pelo menos uma vez, comparativamente com os 13% que nunca
saíram das suas casas.
No Reino Unido, onde 2% da população passou alguma parte da sua infância numa instituição, 27% de todos os
reclusos e 40% dos indivíduos do sexo masculino que se encontram em instituição de justiça juvenil passaram
uma parte da sua infância em instituições.
Nos EUA, 12% dos reclusos em estabelecimentos prisionais locais viveram em famílias de acolhimento ou instituições.
Perguntas-chave
nQuantas crianças e jovens crescem em insti-
tuições de acolhimento?
nEstão representados em maior número jovens
provenientes de alguns bairros em particular?
nQual é a proporção de jovens / adultos delin-
quentes que estiveram / estão institucionalizados?
nQual é o perfil demográfico das vítimas
e delinquentes que estiveram / estão em
instituições?
nExistem situações de maus tratos nestas
instituições?
nQual o nível de literacia e de competências
sociais providenciado nessas instituições?
nQuais os maiores factores de risco com
que se debatem os jovens que crescem
em instituições?
nQuais os serviços que dão apoio aos jovens
no período pós-institucionalização?
nSão os serviços de apoio eficazes e adequados?
nQuais as prioridades para futuras acções?
Fontes de informação privilegiadas
nServiços públicos e outros organismos de
acolhimento
nPolícia e entidades do sistema de justiça de
menores (Tribunal de Menores, centros educativos e outros serviços de reinserção social)
nCrianças e jovens institucionalizados
nOrganizações de apoio aos jovens em regime de pós-institucionalização
nDelinquentes que já estiveram institucionalizados
72
73
Numa posterior aferição da realidade devem incluirse entrevistas aos jovens institucionalizados e aos
delinquentes que anteriormente também estiveram
em instituições, no sentido de aumentar o conhecimento e entendimento sobre os problemas em
causa e quais as propostas que apresentam (considerando as mais eficazes) para reduzir os riscos.
Grupos comunitários e outras organizações que
trabalham com crianças e jovens em situações de
risco deverão ter também conhecimento útil sobre
os problemas e as respostas aos mesmos.
7.4. Crianças e jovens em conflito
com a lei
E
sta secção refere-se aos menores que ainda
não têm idade (em Portugal menores de 16
anos são considerados inimputáveis em razão da
idade) mas que estão sob observação das entidades judiciais ou envolvidos com o sistema de
justiça de menores72. A razão mais comum que
faz estas crianças chamarem a atenção das entidades é o seu comportamento problemático e
conflituoso. Um relatório da ONU chama a atenção para o facto de a violência contra as crianças
que se encontram em conflito com a lei ser difundida, mas subvalorizada, pouco reportada e pouco reconhecida. Estas situações ocorrem durante
rusgas de rotina ou em apreensões e durante o
processo de detenção73.
Para Portugal ver o Código Penal, a Lei Tutelar Educativa e a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (consultar o Anexo E).
Painel de Organizações Não Governamentais da ONU, Secretary-General’s Study on Violence Against Children. Violence against children
in conflict with the law. Geneva, 2005, em http://violencestudy.org/IMG/doc/VACICL_Summary_Report_final.doc.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
45
Delinquência Precoce, Consumo Precoce de Drogas
e a Criminalidade Subsequente
“Quanto mais cedo se inicia a actividade delitiva, maior é a probabilidade de existir uma delinquência grave e crónica no futuro. Os
delinquentes precoces, comparativamente com os delinquentes
tardios, têm duas a três vezes maior risco de se tornarem delinquentes habituais. Os delinquentes habituais tiveram no passado
um contacto mais frequente com o Tribunal de Menores. Os delinquentes mais violentos iniciaram comportamentos desviantes
antes dos 14 anos, e a maioria no período do ensino básico”.
Relatório do estudo do Grupo sobre Delinquência
Juvenil Grave e Violenta74
“Em média, delinquentes juvenis habituais e violentos reportam
o primeiro uso de substâncias ilícitas em idade mais precoce
do que os delinquentes juvenis que cometam crimes contra a
propriedade”.
Relatório sobre Jovens Reclusos na Austrália75
A maioria das crianças cresce fora destes ambientes conturbados sem necessitar de qualquer apoio.
Contudo, quanto mais cedo uma criança entrar em
conflito com a lei, e quanto mais séria for a causa
desse contacto, maior é a probabilidade desta se
tornar num delinquente grave e persistente. Adianta-se ainda que, tendo esta entrado no sistema
de justiça de menores, e especialmente após um
período de privação da liberdade, o risco da continuação da actividade delituosa tem tendência para
aumentar na maioria dos países desenvolvidos.
As intervenções mais precoces junto das crianças
e adolescentes que se envolvem no sistema de
justiça são vitais para prevenir a sua permanência
prolongada e com maior gravidade, tentando combater assim também maiores índices de vitimização. Um DLS precisa aferir a natureza, a dimensão
do problema e a eficácia das respostas que têm
sido defendidas e concretizadas, de forma a preencher as áreas que requerem maior atenção.
É necessário dar maior relevo àqueles que se encontram já inseridos no sistema de justiça e que
possam ter sido sancionados com uma advertên74
75
76
46
cia, a prestação de serviço comunitário ou uma
sanção privativa da liberdade, ou seja, internamento
em regime fechado. A mesma importância devem
ter aqueles para os quais as respostas do sistema
judicial não são uma opção, devido ao facto de serem muito jovens e necessitarem de apoio a vários
níveis. Avaliar as experiências e as circunstâncias
que conduziram estas crianças e jovens a terem
contacto com o sistema de justiça também deve
ser utilizado para conceber e planear intervenções
preventivas de forma a impedir que cheguem às
fases mais indesejadas do sistema penal.
A informação relevante deverá ser obtida nas polícias, no sistema de justiça de menores e nos
serviços de segurança social. Contudo, para uma
visão mais detalhada, os jovens mais velhos e as
organizações não governamentais que trabalham
com eles devem ser consultados sobre os factores que, na sua percepção, são importantes e
influenciam os seus comportamentos.
Perguntas-chave
Crianças com idade inferior à imputabilidade
penal (com menos de 12 anos de idade)76
nQuantas crianças são acompanhadas pelo sistema de protecção da infância e juventude?
nQuais as actividades que os colocam em conflito com a lei?
nO problema está associado a alguns grupos
ou bairros em particular?
nQual é o perfil demográfico dos envolvidos?
nQuais os factores de risco que fazem parte
do seu historial?
nExiste uma estratégia articulada entre instituições e respostas sociais que responda adequadamente às suas necessidades e que os
mantenham afastados do sistema judicial?
nTerá a estratégia sido bem implementada
e será eficaz e adequada?
nQuais são as prioridades para acções futuras?
Crianças envolvidas com o sistema
de justiça tutelar e penal
nQuantos jovens estão envolvidos com o sistema de justiça tutelar ou penal?
nQual é o seu perfil demográfico?
Localizada em Loeber R and Farrington D (eds). Child delinquents: development, intervention and service needs. Thousand Oaks, London
and New Delhi: Sage, 2001.
Pritchard J and Payne J. Alcohol, drugs and crime: a study of juveniles in detention, Research and Public Policy Series 67. Canberra: Australian Institute of Criminology, 2005, em www.aic.gov.au/publications/rpp/67/rpp67.pdf.
Face às características do sistema de justiça em Portugal, nesta versão opta-se por considerar que o primeiro grupo de questões se
aplica apenas a crianças com menos de 12 anos de idade, que se encontram ao abrigo da Lei de Protecção às Crianças e Jovens em
Risco (ver anexo E). O segundo grupo de questões aplica-se às crianças e jovens com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos
de idade, as quais se encontram ao abrigo da Lei Tutelar Educativa ou o Código Penal (ver igualmente anexo E).
nO problema está associado com alguns gru-
pos ou bairros em particular?
nQue de risco são comuns no seu historial?
nQue actividades os levam à delinquência e
qual o grau de violência das mesmas?
nDe que forma estão aquelas actividades ligadas ao abuso de substâncias?
nA quantas foram aplicadas medidas tutelares (admoestação, prestação de tarefas
a favor da comunidade e internamento em
centro educativo), e medidas penais (penas não privativas da liberdade e penas
privativas da liberdade)?
nQuantas crianças estão internadas em centros educativos ou presas em estabelecimentos prisionais?
nEstarão as entidades a trabalhar de forma eficaz e coordenada em prol destes jovens?
nExiste uma estratégia e serviços que previnam
a reincidência e que evitem um ainda maior
envolvimento futuro com o sistema judicial?
nA estratégia está bem implementada, é eficaz
e adequada?
nQuais são as prioridades para intervenções
complementares e acções futuras?
Fontes privilegiadas
nRelatórios de anteriores investigações
nPolícia e sistema de justiça (comissões de
protecção, tribunais, serviços de reinserção
social e estabelecimentos prisionais)
nServiços de Segurança Social e organizações
comunitárias que trabalham com a população
juvenil
nAdolescentes mais velhos
7.5. Crianças e jovens
na escola
A
escola é um dos principais contextos onde as
crianças podem adquirir competências, capacidades e conhecimentos com os quais, geralmente,
se vão capacitar para a sua vida futura e, em particular, reduzir o risco de entrarem em conflito com
a lei. Para além das competências académicas e
cognitivas, as crianças, na escola, poderão também
aprender sobre responsabilidade e cidadania, relações interpessoais e outras competências para a
vida, que diminuem a sua vulnerabilidade e o risco
de cometerem actividades ilegais. As crianças que
não frequentam a escola ou a abandonam com
competências básicas pobres e sem qualificações
estão sujeitas a uma maior probabilidade de se tornarem vítimas ou de entrarem em conflito com a lei.
Conseguir que as crianças completem o ensino
obrigatório (em Portugal, até ao 12º ano de escolaridade) é muito mais rentável, do que pagar as
consequências dos comportamentos delinquentes
delas mais tarde. A investigação demonstra que
o ethos da escola pode ser tão poderoso como o
curriculum formal para influenciar os resultados futuros, em especial nas crianças com antecedentes
desvantajosos, ou com baixas habilitações literárias.
Através da avaliação e do reconhecimento de todas
as formas de alcançar os objectivos, do desenvolvimento de relações positivas entre os estudantes,
pais e profissionais da escola e com um ambiente
escolar seguro, as escolas dão a todas as crianças
a sua melhor oportunidade de sucesso.
É também na escola que os problemas comportamentais e outros, que podem interferir com a aprendizagem e que estão relacionados com a prática de
delitos posteriores, regularmente se manifestam ou
são primeiramente identificados. Os professores estão numa situação privilegiada no que toca ao apoio
destas crianças e das suas famílias para aceder à
ajuda adicional e especializada que seja necessária.
Consequentemente, os professores não só têm um
papel vital na consciencialização destas crianças
para se afastarem de problemas, mas, também, no
trabalho de articulação com outras entidades e organizações.
Violência na Escola
“Reportando-se a um vasto leque de países desenvolvidos,
a Global School-based Health Survey concluiu recentemente
que cerca de 20% a 65% das crianças em idade escolar relataram terem sido abusadas e violentadas verbal e fisicamente
nos últimos 30 dias. O bullying é também frequente em países
industrializados”.
Estudo da ONU sobre Violência Contra Crianças (2006)
Contudo, para muitas crianças, a escola é o local
onde são expostos ao risco e onde experienciam
situações de vitimização, medo e um sentimento
de exclusão ou rejeição. A violência, muitas vezes
na forma de bullying, ou através de roubo ou agressão, ocorre com maior frequência no ensino básico
e secundário e frequentemente envolve agressões
motivadas por questões étnicas e sexuais. Tais actos são cometidos por e contra jovens, assim como
por e contra os profissionais da escola sendo, em
casos extremos, gangs juvenis a controlar o ambiente escolar. Pode também ser na escola que as
crianças primeiro têm contacto com drogas e o uso
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
47
de substâncias ilícitas. Isto acontece muitas vezes
nas imediações escolares. As escolas são também
alvos de actividades criminosas como fogo posto,
furto ou vandalismo contra as instalações.
Como resultado, a educação das crianças pode
ser interrompida com consequências graves. O
sentimento de medo, de vitimização e de rejeição contribuem para o absentismo e o abandono
escolar. Os jovens podem mesmo ser expulsos
e suspensos devido aos seus comportamentos, existindo, porém, muitas outras razões que
afectam a assiduidade escolar, designadamente
ambientes familiares problemáticos, doença, dificuldades financeiras ou a necessidade de cuidar
de um dos pais ou irmãos. A não ser que se providencie uma educação alternativa, o facto de não
frequentar a escola aumenta a probabilidade de
se adoptarem comportamentos criminosos que
podem vir a acentuar-se com o tempo.
Tratar estes problemas relacionados com a escola, identificar respostas eficazes e centrar as atenções em assuntos que requerem uma posterior
intervenção deverá, por todos os motivos já mencionados, ser uma prioridade para todos os DLS.
Informações obtidas junto dos representantes dos
serviços educativos e dos professores deverão
ser o ponto de partida. Será conveniente recolher informações sobre as “chamadas de serviço”
das escolas para a polícia e para as instituições
que trabalham com jovens77. Para informações
mais detalhadas, deverão envolver-se os jovens
através de questionários e outras formas de aferir
as opiniões destes, e os DLS escolares devem
organizar-se de modo a obter um conhecimento mais aprofundado sobre a realidade78. Poderá
considerar-se a hipótese de dar formação aos jovens para realizar esta pesquisa79.
77
78
79
48
Perguntas-chave
nQual a percentagem de jovens que termina o
ensino secundário?
nQual a percentagem dos jovens que não têm
competências básicas de literacia quando
terminam/abandonam a escola?
nExiste algum mecanismo para avaliar a segurança dos estudantes e dos profissionais da
escola?
nSe existe, qual o grau de segurança que os
alunos e profissionais de educação sentem
enquanto se encontram na escola?
nQual o nível de absentismo, suspensões e
expulsões?
nQue formas alternativas existem, em termos educacionais, para os alunos expulsos e excluídos?
nO que motiva a violência escolar e qual a sua
prevalência?
nQual a dimensão do abuso de estupefacientes na escola e imediações?
nTodas as escolas têm uma política anti-bullying?
nQue outras políticas ou iniciativas existem de
modo a criar escolas mais seguras?
nQuais são as intervenções actuais existentes que envolvam a educação, a polícia e o
sistema de saúde? Funcionam bem? Estão
adequadas?
nQual é a dimensão e custos dos crimes contra as instalações e recintos escolares?
nComo é que os problemas variam de escola para
escola, e onde é que eles são mais graves?
nQuais as prioridades para acções futuras?
Fontes privilegiadas
nRelatórios de pesquisas anteriores
nRepresentantes dos serviços educativos e pro-
fessores
nPolícia, tribunal e serviços do sistema de jus-
tiça de menores
nCrianças e jovens
Em Portugal existe o Gabinete Coordenador da Segurança Escolar (GCSE), uma estrutura integrada no âmbito do Ministério da Educação,
que vem dar continuidade ao trabalho desenvolvido pela Equipa de Missão para a Segurança Escolar e que tem como missão conceber,
coordenar e executar as medidas de segurança nas escolas.
Em articulação com o Observatório da Segurança na Escola e com o Programa Escola Segura, cabe ao GCSE conceber, coordenar e executar
as medidas de segurança no interior das escolas e no perímetro interior da vedação, incluindo a formação de pessoal docente e não docente.
Em função dos dados recolhidos pelo Observatório de Segurança na Escola, cabe ao GCSE elaborar um plano de actividades anual e
proceder à concretização das medidas necessárias para combater situações de insegurança e violência escolar.
Entre as atribuições do GCSE contam-se a monitorização dos sistemas de vigilância nas escolas e a promoção de programas na área da
segurança, nomeadamente nas escolas incluídas no programa dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP).
Tem, igualmente, a responsabilidade de organizar acções de formação específicas sobre segurança escolar, destinadas ao pessoal
docente e não docente, bem como de promover a realização periódica de exercícios e de simulacros, com o intuito de acompanhar os
planos de emergência das escolas e de fomentar a habituação da comunidade educativa aos planos de segurança.
O GCSE, no âmbito das funções que lhe são atribuídas, deve ainda acompanhar experiências e modelos de intervenção em execução
noutros países.
Para obter informações sobre DLS nas escolas, ver Galvin P. The role of a school audit in preventing and minimising violence. Capítulo 2,
“Violence reduction in schools. How to make a difference”. Strasbourg: Council of Europe Publishing, 2006.
Uma ferramenta de acesso online foi desenvolvida pelo Departamento para a Educação e Competências [Department for Education and Skills (UK)]
para os profissionais da educação pode ser encontrada em www.teachernet.gov.uk/emergencies/planning/security/index.html.
Lutar Contra o Bullying nas Escolas
Para apoiar as escolas australianas de modo a travarem o problema do bullying, o Governo Australiano disponibilizou uma lista (apresentada em baixo) para que as escolas encontrem respostas80.
Desadequado
Adequado
Excelente
1Recursos adquiridos para informar as escolas,
os centros de apoio, centros de ocupação dos
tempos livres e a comunidade sobre o bullying
2Factos recolhidos sobre o bullying nas escolas
e centros comunitários
3Política adoptada através do envolvimento de:
n Profissionais de acção educativa
n Crianças
n Pais
4Elaboração de uma política anti-bullying que:
n Descreva o que é o bullying
n Reconheça o direito dos indivíduos a
estarem a salvo destes actos de bullying
n Enfatize a responsabilidade de todos na luta contra o bulling
n Indique, em termos gerais, como se deve lidar com os incidentes ligados ao bullying
n Tenha o apoio das escolas e da comunidade
5Discutir o bullying com as crianças
6Incluir nos curricula formação sobre bullying,
que constitua objecto de estudo e da realização de projectos escolares
7Apoio às crianças vitimizadas
8Avaliação dos resultados dos incidentes do
bullying tratados
9Responsabilizar as crianças e envolvê-las na
procura de soluções contra o bullying
10Organizar reuniões construtivas com os pais
sobre os actos de bullying
11Aferir a forma de resposta das escolas ou jardins-de-infância face ao bullying
12Planear a revisão do trabalho anti-bullying
Esta lista permite fazer uma avaliação quanto à adequação das respostas das escolas e jardins de infância face ao bullying. Permite, ainda, perceber como está a ser realizado cada um dos pontos acima
referenciados. Esta lista pode também ser útil para os jardins-de-infância, no combate ao bullying.
80
Rigby K. Bullying among young people. Canberra: Australian Government Attorney-General’s Department, 2003, em www.ag.gov.au/agd/
WWW/rwpattach.nsf/VAP/(1E76C1D5D1A37992F0B0C1C4DB87942E)~Bullying+Teachers.pdf/$file/Bullying+Teachers.pdf.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
49
7.6.
Crianças e jovens envolvidos em gangs com
actividades
criminosas
e violência
organizada
Definir os Gangs
“Os gangs de rua são grupos de adolescentes
e jovens adultos que se unem para formar uma
organização semi-estruturada, sendo o seu
principal objectivo planearem actividades criminais com vista ao lucro ou organizarem acções
de violência contra gangs rivais (por exemplo,
menos expostos e visíveis, mas mais permanentes do que outros)”.
peritos sentem uma grande dificuldade
em chegar a um consenso sobre o que
constitui um gang juvenil. Mas a maioria das definições descreve o termo como grupos de jovens
estruturados ou semi-estruturados que se envolvem em violência urbana grave e outro tipo de
criminalidade81. Particularmente perturbador é o
número de crianças e jovens que usa armas brancas e armas de fogo em conflitos entre grupos
rivais, com empresas de segurança ou para cometer delitos.
“Qualquer grupo estável de jovens que actua
nas ruas e que se identifica pelo exercício de
práticas ilegais”.
OS
Australian Institute of Criminology83
Eurogang Program84
“Um grupo de adolescentes e jovens adultos
que, juntos se envolvem em actos de violência,
actividades ilegais e criminais. Geralmente atribuem uns aos outros um nome ou símbolo comuns, e que normalmente usam um determinaO Projecto COAV (Brasil), e o estudo internacio- do tipo de roupa ou outro item identificativo”.
nal alargado no qual este se integra, evidenciaram uma dimensão particularmente perturbadora
deste flagelo. Trata-se de um envolvimento vasto
e alargado (em países que não se encontram em
guerra) de crianças e jovens em grupos organizados e armados, com uma estrutura de comando
e poder sobre determinado território, população
local ou recursos. Os exemplos na América Latina
citados pelo COAV incluem “grupos de contrabando de droga em disputas territoriais (como no Rio
de Janeiro, Brasil); gangs criminosos em sentido
genérico (tráfico de droga, de armas, e raptores);
gangs juvenis estruturados e armados (“maras” e
gangs nas Honduras, em El Salvador e na Guatemala); grupos étnicos armados, esquadrões
da morte e grupos de vigilantes que executam
criminosos. O problema também se encontra em
regiões de ex-teatro de conflitos armados, onde o
crime organizado recorre a grupos armados”82.
81
82
83
84
85
50
US National Youth Violence Prevention
Resource Center85
Os grupos armados organizados que envolvem
crianças e jovens têm sido identificados em todo
o mundo em países desenvolvidos e subdesenvolvidos, nomeadamente na Nigéria, na Irlanda do
Norte e nas Filipinas, havendo diferenças consideráveis quanto ao número de membros e à estrutura organizacional. Existem para fins lucrativos, por
razões de supremacia territorial, para “protecção
comunitária” ou por razões políticas, algumas vezes com o apoio de população local, de políticos
ou de milícias. Estes grupos operam em bairros,
em escolas e em zonas comerciais.
Muitos estudos confirmam o elevado número de
mortes e os crescentes danos que estes grupos
Bureau of Justice Assistance (US). Addressing Community gang problems: A practical guide. Monograph. Washington DC: Department
of Justice: Office of Justice Programs, 1998, em www.ncjrs.gov/pdffiles/164273.pdf.
COAV stands for ‘Children and Youth in Organised Armed Violence’. O projecto foi iniciado no Brasil e está ligado a um estudo internacional
envolvendo 10 países, em www.coav.org.br.
White R. Understanding youth gangs. Trends and Issues in Criminal Justice, 237. Canberra: Australian Institute for Criminology, 2002, em
www.aic.gov.au/publications/tandi/ti237.pdf.
www.umsl.edu/~ccj/pdfs/05%20Use%20Request%20Form.pdf
www.safeyouth.org/scripts/teens/gangs.asp
de jovens armados provocam nas comunidades.
Na Nicarágua, por exemplo, quase metade de
todos os crimes e actos de delinquência são atribuídos a jovens gangs86. Um estudo realizado em
Denver (USA) constatou que, apesar de só 14%
dos jovens pertencerem a gangs, estes seriam
culpados por 89% dos crimes violentos, enquanto
um outro estudo americano concluiu que os membros deste tipo de gangs teriam uma probabilidade
sessenta vezes superior de serem mortos do que
qualquer outro indivíduo da restante população87.
Nas inúmeras comunidades que são afectadas pelo
envolvimento de crianças e jovens em gangs juvenis, praticando o crime organizado, armado e/ou violento, qualquer estratégia de prevenção deverá ter
por alvo a redução do recrutamento e a diminuição
do número de membros, visando assim a redução
da actividade criminal. Dada a grande variação das
características de um gang, é essencial a realização
de um estudo local para ter um conhecimento mais
desenvolvido relativamente ao funcionamento, às
actividades de recrutamento, à hierarquia, à estrutura e às movimentações que regem estes grupos.
Não existem caminhos fáceis para adquirir tal informação, a não ser que, previamente, se tenha
efectuado uma pesquisa local. Qualquer estatística oficial terá, muito certamente, pouco valor e a
equipa do DLS terá de consultar os informadores
privilegiados para construir uma imagem de qualidade durante a implementação da Fase 188. Esta
recolha de informação deverá incluir opiniões dos
representantes da polícia, das comunidades, das
escolas e das organizações da sociedade civil
com conhecimento sobre ou envolvidas com os
gangs. Para uma melhor compreensão e conhecimento, também se deverá considerar o contexto
sócio-económico, especialmente as discrepâncias dos rendimentos, que poderão propiciar as
86
87
88
89
90
91
92
National Youth Gang Center (EUA)89
Nas últimas duas décadas, a proliferação de problemas relacionados com os gangs em pequenas e grandes cidades,
subúrbios e até em zonas rurais, conduziram ao desenvolvimento de uma resposta exaustiva e coordenada destes problemas dos gangs americanos através do Office of Juvenile
Justice and Delinquency Prevention (OJJDP)90. A resposta do
OJJDP envolve cinco componentes principais, sendo uma delas a implementação e operacionalização do National Youth
Gang Center (NYGC91). O seu trabalho inclui:
n
Avaliar
o problema dos gangs através da análise dos dados das entidades policiais e de um Estudo Nacional Anual Sobre Gangs Juvenis.
n
Manter uma base de dados actualizada sobre os gangs.
n
Apoiar um programa de redução de gangs em quatro bairros, providenciando assistência técnica e formação às
comunidades.
n
Apoiar a iniciativa de uma escola sem gangs baseada num
Modelo de Conhecimento sobre Gangs92 através da assistência técnica e formação em quatro localidades.
actividades relacionadas com os gangs e com a
violência organizada.
Se for necessária uma investigação mais detalhada na implementação da Fase 2, certamente que
se tornará imperativo recorrer a uma investigação
empírica. Esta deverá incluir como se desenvolve o recrutamento, o envolvimento de jovens das
escolas e de outros cenários, quais as condições
que motivam os indivíduos a associarem-se a um
gang, e quais as orientações de determinados associativismos dos gangs.
Rodgers D. Youth gangs and violence in Latin America and the Caribbean: a literature survey. LCR, Sustainable Development Working
Paper 4. World Bank, 1999, em http://wbln0018.worldbank.org/LAC/LACInfoClient.nsf/d29684951174975c85256735007fef12/1e05
1e74b34f8253852567ed0060dde7?OpenDocument.
Citado em Howell JC. Youth gangs: an overview. Washington DC: Department of Justice, Office of Justice Programs, Office of Juvenile
Justice and Delinquency Prevention (US), 1998, em www.ncjrs.org/pdffiles/167249.pdf.
Em Portugal as forças de segurança distinguem entre delinquência juvenil e criminalidade grupal. Não se tratam de categorias jurídico-penais puras, mas de conceitos policiais. Tais conceitos podem considerar-se um mix entre conceitos sociológicos e categorias policiais
para fins meramente estatísticos, que se podem prestar a alguns equívocos descritivos e interpretativos, não resistindo, na maior parte
das vezes, à avaliação rigorosa dos respectivos meta-dados. Isto é, sabe-se mal que ocorrências captam a delinquência juvenil ou a
criminalidade grupal. Todavia, podem funcionar nesta Fase 1 para uma compreensão geral da situação. Nesse sentido, deve entender-se
por delinquência juvenil o stock anual de ocorrências registadas pelas forças de segurança e que respeitam a factos ilícitos qualificados
como crimes, cometidos por menores de 16 anos. Por criminalidade grupal a criminalidade praticada por um conjunto de 3 ou mais
indivíduos, independentemente da idade desses indivíduos. A relação entre uma e outra categorias decorre do facto de parte significativa
da criminalidade grupal ser da responsabilidade de adolescentes com menos de 16 anos.
www.iir.com/nygc/maininfo.htm
Departamento de Prevenção da Justiça Juvenil e Delinquência.
Centro Nacional de Gangs Juvenis.
No original, Comprehensive Gang Model.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
51
Perguntas-chave
nQuantas crianças e jovens pertencem a gangs
criminosos?
nQual é o perfil demográfico dos membros dos
gangs?
nO que motiva as crianças e os jovens a per-
tencerem a um gang?
nOs gangs estão associados a bairros ou gru-
pos em particular?
nQual é a principal actividade de um determina-
do gang (lucro, insegurança, insatisfação)?
nQual a natureza da criminalidade (especial-
mente violência/drogas ilícitas)?
nQue proporção está envolvida no conflito ar-
mado?
nQual a taxa de vítimas dentro dos gangs?
nQuão grave é o problema dos gangs nas escolas?
nExiste alguma estratégia, presentemente, para
travar as actividades ligadas aos gangs?
nA estratégia está bem implementada? É eficaz
e adequada?
nQue organizações já estão actualmente envolvidas com os gangs existentes?
nQue acções estão a ser tomadas para diminuir o recrutamento?
nQuais são as prioridades para as acções
futuras?
Fontes privilegiadas
nRelatórios de investigações anteriores
nRepresentantes da polícia, comunidades,
escolas e organizações da sociedade civil.
nJovens nas escolas e noutros cenários
93
94
95
52
7.7. Crianças de rua
A
definição de crianças de rua é imprecisa e
aplicada a um elevado conjunto de jovens.
Pode incluir crianças e jovens sem-abrigo; que
trabalham nas ruas mas dormem em casa; que
têm ou não contacto familiar; que trabalham em
mercados ao ar livre; que vivem nas ruas com as
suas famílias; ou que vivem em abrigos diurnos ou
nocturnos93. Os relatórios da UNICEF demonstram
que “o número exacto de crianças de rua é impossível de quantificar, mas estima-se ser em cerca de dezenas de milhões ou mais, sendo que,
algumas estimativas colocam os números nos 100
milhões”94. O que é claro é que todas estas crianças se tornam vulneráveis a inúmeras formas de
violência, exploração e abuso, e muitas recorrem
ao crime para sobreviver95.
A violência contra as crianças de rua é praticada
pelos seus próprios pares, membros da comunidade e, algumas vezes, pela polícia e profissionais
de segurança96. A ONU defende que a violência
praticada pela polícia sobre as crianças de rua –
desde agressões verbais a físicas, a violações e
outras agressões de natureza sexual, à tortura e
“desaparecimentos” – é um tema comum, e crianças de todas as regiões relatam violência cruel e
gratuita por parte da polícia. No outro extremo desta escala estão os esquadrões da morte e os grupos de vigilantes97, que são conhecidos por, de
forma sistemática, assassinar crianças de rua.
Consortium For Street Children, em www.streetchildren.org.uk.
UNICEF. The state of the world’s children 2006: Excluded and invisible: Street children. UNICEF: 2006, em www.unicef.org/sowc06/
profiles/street.php.
Em Portugal várias instituições se têm dedicado a trabalhar com estas crianças, cujo número é, felizmente, muito reduzido e de todo não
comparável com as realidades de alguns países africanos, da América do Sul ou asiáticos. Destaca-se o trabalho do Instituto de Apoio
à Criança (ver www.iacrianca.pt). Em 1989 o IAC criou o Projecto de Trabalho de Rua com Crianças em Risco ou Situação de Marginalidade. Actualmente designa-se por Projecto Rua – Em Família para Crescer.
O projecto iniciou-se, para dar resposta a um vasto número de crianças e jovens de rua que se encontrava a vaguear na baixa de Lisboa.
Animadores de rua e técnicos, através de uma relação personalizada, de contacto com as famílias, de formação em exercício ou procura
de emprego, procuravam a integração destas crianças e jovens na família e na comunidade. Em 1993, para suster o problema nas suas
origens e prevenir o aparecimento de novos casos, o projecto fixou equipas nas Comunidades de Residência das crianças/jovens que
se encontravam na rua: Bairro 6 de Maio (Damaia), Pátio 208 e Bairro do Condado (Chelas) e Bairro Olival do Pancas (Pontinha).
Até 2000, deste propósito inicial, passou-se à progressiva autonomização destas comunidades e ao desenvolvimento comunitário. A
população do Pátio 208 conseguiu o seu maior objectivo – o realojamento – e continua a manter a Associação de Moradores, procurando,
pontualmente, a nossa ajuda. O Bairro 6 de Maio tem ainda o apoio do Projecto Rua, através das relações de parceria que este estabelece
com as instituições locais. Hoje em dia, apenas se mantêm as equipas no Bairro Olival do Pancas e no Bairro do Condado. No primeiro
ensaia-se um modelo de projecto Integrado em prol da população do bairro, fruto da articulação e concertação dum vasto número de
parceiros. No segundo, põe-se em marcha, também, uma experiência piloto, na qual os jovens colaboram na abordagem e integração
de outros jovens em risco, desempenhando o papel de mediadores.
Neste momento a equipa da Comunidade de Fuga, a que desde o início do projecto trabalha directamente na captação e abordagem das
crianças e jovens de rua, continua este trabalho, atenta às novas características destas, muitas delas vítimas de “piores formas de exploração
do trabalho infantil”, nomeadamente a prostituição, a mendicidade e o tráfico de droga, tentando motivá-las para a mudança de vida, com
valores e projectos. Para viabilizar este objectivo a equipa conta com a equipa do NAC (Núcleo de Apoio às Comunidades) que articula com
a equipa da Comunidade de Fuga e as Comunidades de Residência das crianças e jovens no sentido de facilitar a sua integração.
Há, ainda, a contar na estruturação dos 3 níveis de intervenção (1ª Linha – Transição – Externo) a equipa do NAD (Núcleo de Apoio e Desenvolvimento) que actua a nível externo (nacional e internacional participando em/e dinamizando várias redes – REAPN, ENSCW, ESAN,
BICE e Federação Europeia para as Crianças Desaparecidas e Sexualmente Exploradas), sendo a sua finalidade revalorizar a sociedade
para a mudança de mentalidade, atitudes e políticas.
Encontram-se particularmente vulneráveis aquelas crianças e jovens que experienciam dificuldade em encontrar trabalho ou que são recrutadas
por adultos quando chegam pela primeira vez às
cidades. Podem ser forçadas a realizar actividades locais ilegais, tais como transporte de drogas, roubo, crimes de rua, prostituição, ou podem
ainda ser traficados para o mesmo propósito. As
situações em que se encontram colocam essas
crianças e jovens em grande risco, com fortes
probabilidades de abusarem de substâncias e de
contraírem o vírus HIV/SIDA.
Também é necessário reconhecer que as crianças
de rua existem tanto em países subdesenvolvidos
como em países desenvolvidos ou em vias de
desenvolvimento. Contudo, identificar e avaliar os
problemas relacionados com as crianças de rua
é particularmente difícil devido à sua invisibilidade
comparativamente com o resto das crianças com
que lidam os serviços públicos. Para conduzir um
DLS sobre este assunto, devem consultar-se instituições que desenvolvem serviços no âmbito da
protecção da criança, bem como organizações
semelhantes da sociedade civil (ex: sem-abrigo).
Deve considerar-se o apoio de organizações da
sociedade civil com prestígio para obterem opiniões das crianças de rua sobre as suas experiências e prioridades. Devem ser também contactados a polícia, os organismos de protecção
de menores os serviços de reinserção social e o
tribunal de menores que detêm algum conhecimento sobre vitimização, ofensas, agressões e
violência interpessoal.
Perguntas-chave
nQuantas crianças de rua existem na cidade?
nO número está a aumentar?
nQual é o seu perfil demográfico?
nEm que zonas dormem e trabalham?
nPorque estão nas ruas e como sobrevivem?
nDe que formas são vitimizados e explorados?
nQuais são as actividades que os colocam em
conflito com a lei?
nQuais as organizações que estão envolvidas
com as crianças de rua?
nQue serviços oferecem?
nComo funcionam esses serviços? São apro-
priados e funcionais?
nQuais são as prioridades para as acções
futuras?
Fontes privilegiadas
nRelatórios de investigações anteriores
nInstituições vocacionadas para a prestação
de serviços a crianças
nOrganizações da sociedade civil com um in-
teresse especial em crianças de rua e assuntos relacionados (ex: sem-abrigo)
nCrianças de rua
nPolícia, organismos de protecção de menores, serviços de reinserção social e Tribunal
de Menores
Crianças de Rua em Bamaco (Mali) e Acra (Gana)
O Instituto Norueguês de Investigação, Fafo, desenvolveu instrumentos especificamente para a investigação sobre crianças de rua98. Utilizaram-se amostras “determinadas segundo
os entrevistados” e de “captura-recaptura”99 para identificar e
descrever o perfil das crianças de rua em Bamaco (Mali) e
Acra (Gana) e perceber a utilidade destes métodos para este
trabalho. A amostra de captura-recaptura revelou-se ser uma
boa técnica de amostragem, mas requer algum conhecimento
anterior da população das crianças de rua e é difícil de aplicar numa cidade com um elevado número de crianças de rua.
A respondent-driven sampling providenciou com sucesso, e
segundo os entrevistados, uma visão das características das
crianças de rua. Ambos os estudos foram efectuados em estreita colaboração com as organizações locais que trabalham
com as crianças de rua. As diferenças entre as duas cidades
enfatizam a necessidade de um estudo localizado. Em Bamaco, por exemplo, 96% eram rapazes, enquanto em Acra 75 %
eram raparigas.
Relatório da Fafo sobre a Identificação
de Crianças de Rua (2005)100
Sobre esta matéria consultar os relatórios do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa.
Indivíduos que tentam substituir-se às forças de segurança no combate ao crime por considerarem que estas não são eficazes. Esta
situação provém do contexto da América do Sul mas não se circunscreve a esse continente.
98
www.fafo.no/indexenglish.htm
99
Técnica amostral para fazer uma estimativa do N, neste caso do número de crianças de rua, numa determinada população.
100
Anne Hatløy A and Huser A. Identification of street children: Characteristics of street children in Bamako and Accra. Fafo Report 474. Oslo:
Fafo, 2005, em www.fafo.no/pub/rapp/474/474.pdf.
96
97
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
53
8 Violência Interpessoal
8.1. Introdução
A
violência interpessoal101 inclui várias formas de
violência e abuso que ocorre no seio de relacionamentos íntimos (i.e. que invocam a parceria
conjugal ou uma relação análoga à dos cônjuges,
as relações familiares consanguíneas intergeracionais) e que causa danos físicos, psicológicos
ou sexuais. De seguida serão abordadas duas
formas particulares de violência interpessoal: violência entre parceiros íntimos e violência contra
idosos. A violência contra crianças num contexto
familiar já foi anteriormente abordada (ver, anteriormente, Secção 7).
8.2. Violência entre
parceiros íntimos
(violência conjugal)
U
ma das formas mais comuns de violência praticada contra as mulheres é realizada pelos
maridos ou parceiros íntimos. Este tipo de violência ocorre em todos os países e é transversal a
todos os estratos sociais e económicos da sociedade, a todas as suas subculturas e religiões.
Nos países em que esta problemática tem sido
abordada, descobriu-se que afecta uma porção
significativa da população102. A violência entre
parceiros íntimos pode ser cometida por homens
contra mulheres, mulheres contra homens, ou entre parceiros sexuais do mesmo sexo, mas este
tipo de violência é maioritariamente cometido por
Em Portugal, o conceito de violência doméstica é mais abrangente do que aquele que é mencionado neste manual como violência interpessoal, mas contém esse mesmo tipo de violência. Assim, nos termos da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro (aprovação da Vigésima
Terceira alteração ao Código Penal), no seu artº 152º, “1 – Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos,
incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda
que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele
coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
Deverá ainda consultar-se o III Plano Nacional Contra a Violência Doméstica, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 87/
2007, de 22 de Junho.
102
Para Portugal, importa consultar a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, em www.cig.gov.pt. Também a Direcção-Geral
de Administração Interna (DGAI), que tem a seu cargo a gestão da base de dados de violência doméstica, disponibiliza na internet dados
sobre violência doméstica, nomeadamente taxas de incidência por regiões, em www.dgai.mai.gov.pt.
101
54
homens contra as suas companheiras. Adicionalmente, a violência masculina, por norma, causa
danos muito mais graves do que a feminina, e
as mulheres estão mais expostas à perpetuação
destas agressões e a temer pelas suas vidas
como resultado do abuso. Finalmente, aumenta
de forma significativa nas mulheres a probabilidade de serem gravemente feridas, hospitalizadas e
até mortas pelos seus parceiros.
A violência entre parceiros íntimos tem um impacto devastador com consequências nefastas
nos indivíduos, nas famílias e nas comunidades,
podendo alastrar-se para lá do fim dos abusos,
afectando a saúde mental e física dos indivíduos
que vivem com parceiros violentos, bem como
das crianças que testemunham a violência.
Violência Entre Parceiros Íntimos (Conjugal)
Este termo foi definido de uma forma analítica pela Organização Mundial de Saúde, como
qualquer comportamento no seio de uma relação íntima que causa danos físicos, psicológicos ou sexuais a qualquer um dos parceiros.
Estes comportamentos incluem:
n
Actos de agressão física – tais como esbofetear, bater, pontapear e espancar.
n
Abusos psicológicos – tais como intimidação, rebaixamento e humilhação constante.
n
Actos sexuais forçados ou outras formas
de coação sexual.
n
Comportamentos controladores variados –
tais como isolar a pessoa da sua família e
amigos, vigiar todos os seus movimentos,
e restringir o seu acesso a informação e
assistência.
8.3. Diagnosticar a
violência entre
parceiros (conjugal)
Q
uando a violência entre parceiros ocorre, inúmeros factores, tais como o envolvimento
emocional, a dependência económica, o bem-estar das crianças, a cultura, a religião e a acessibilidade ao apoio, contribuem para que crimes
desta natureza continuem a não ser reportados ou
a ser, certamente, sub-reportados104. Por exemplo, estima-se que somente um terço dos casos
de violência conjugal seja reportado nos Estados
Unidos e em Inglaterra, apesar dos esforços para
lidar com este problema. Em países onde as respostas preventivas e jurídicas são escassas, e
dados os muitos factores que operam contra os
indivíduos que experienciam este tipo de violência, a probabilidade desta ser sub-reportada, ou
não ser de todo reportada, é maior.
Violência Entre Parceiros Íntimos (Conjugal):
um Problema Global
“No estudo, a percentagem de mulheres que tem sido agredida pelo seu parceiro nos últimos 12 meses variou entre: 3% ou
menos em mulheres australianas, canadianas e norte-americanas, 27% em mulheres que já tiveram um parceiro ocasional
(mulheres que sempre tiveram relacionamentos íntimos, mesmo que nem sempre tenha sido o mesmo parceiro), em Léon,
Nicarágua; 38% em mulheres actualmente casadas na República da Coreia, e 52% em mulheres casadas palestinianas da
Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Para muitas destas mulheres,
as agressões físicas não são um acto isolado mas sim uma
parte de um continuado comportamento abusivo.”
“Investigações demonstram que a violência física em relações
íntimas é normalmente acompanhada por abusos psicológicos
WHO World Report on Violence
and Health (2002)103 e, de um terço a metade dos casos, por abuso sexual. Entre
613 mulheres japonesas que, pelo menos por uma vez sofreram abusos, 57% sofreram os três tipos de abusos, físico,
psicológico e sexual. Menos de 10% sofreram somente abusos físicos. Igualmente, em Monterrei, no México, 52% das
mulheres agredidas fisicamente foram também sexualmente
abusadas pelos seus parceiros.”
WHO World Report on Violence and Health (2002)
Krug E G, Dahlberg L L, Mercy J A, Zwi A B and R Lozano (eds), 2002, World report on violence and health. WHO: Geneva, em www.who.
int/violence_injury_prevention/violence/world_report/en/full_en.pdf.
104
Em Portugal sabe-se que a violência doméstica é um dos crimes com maior índice de cifra negra. Ver, também, o site da APAV sobre este
mesmo assunto, em www.apav.pt.
103
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
55
Violência Doméstica na Divisão de Kawempe (Uganda)105
Foram usados vários métodos para recolher dados quantitativos e qualitativos sobre violência doméstica a mais de 400
pessoas. Participaram 315 membros da comunidade, em 32
grupos focais; 91 questionários foram completados por profissionais e líderes locais; e 15 entrevistas foram conduzidas
com a ajuda de informadores privilegiados, tais como prestadores de cuidados de saúde, professores, agentes policiais
da unidade de apoio à família e líderes religiosos. A pesquisa
confirmou a gravidade do problema:
n
A violência doméstica, maioritariamente cometida contra
mulheres e crianças, foi vista como um problema grave;
n
Mais de metade dos indivíduos que foram objecto de estudo conhecia mais de 10 mulheres que eram vítimas de
violência doméstica
n
O tipo de violência reportada mais frequente foi o espancamento
n
A violência doméstica causa danos nas relações familiares, problemas de saúde, e inflecte custos económicos
na família e provoca repercussões no âmbito da saúde,
incluindo na fertilidade das vítimas
n
As mulheres acham que a violência doméstica se deve
à falta de respeito entre parceiros e à desigualdade entre
maridos e mulheres; os homens culpam as provocações
e os comportamentos menos próprios das mulheres e
factores externos, como a pobreza e o álcool
ser mais reveladores. Em algumas sociedades,
especialmente patriarcais, a violência pode ser
mais “aberta”, ou negada, e considerada normal.
Nestas situações deverão ser criadas oportunidades e condições nas quais mulheres e as jovens
se sintam mais apoiadas para poder falar.
Departamentos e organizações especializadas
com a missão de prevenir e implementar medidas que combatam a violência entre parceiros,
estarão numa posição privilegiada para contribuir
activamente para o DLS. Estas incluem as entidades policiais, instituições de saúde (entidades de
saúde pública, hospitais, médicos de família), serviços sociais e instituições educativas cujo aconselhamento e serviços de saúde abordem estes
assuntos. Adicionalmente, obter opiniões junto
dos prestadores de serviços mais generalizados
que lidam com as famílias pode ser uma fonte de
informação útil, incluindo organizações comunitárias que apoiam populações particulares, tais
como imigrantes e minorias identificáveis. Alguns
dados podem ser recolhidos através de um estudo generalizado das vítimas, mas as queixas
reportadas voluntariamente serão muito baixas.
Estudos com objectivos bem delineados, conduzidos para que a confidencialidade e segurança
das vítimas nunca seja posta em causa, poderão
nServiços de apoio à familia
nMédicos de família e prestadores de serviços
105
56
Perguntas-chave
nQuantos indivíduos se acredita já terem expe-
rienciado violência por parte dos parceiros?
Qual a comparação face a outras comunidades?
nQual é a forma de violência infligida (física,
sexual, psicológica, económica)?
nQual a proporção de vítimas masculinas e femininas?
nO problema é mais grave em alguma zona geográfica ou comunidade étnica em particular?
nEstá actualmente em vigor alguma estratégia
eficaz para lidar com o problema?
nQue factores causam ou contribuem para
a violência?
nQual é o grau de vitimizações contínuas?
nAs respostas sociais colmatam as necessidades de todos os grupos da comunidade?
nDe que modo se podem melhorar as respostas actuais e o que mais pode ser feito?
Fontes privilegiadas
nPolícia, especialmente agentes com respon-
sabilidades especiais relevantes
ao domicílio (enfermeiras, assistentes sociais,
psicólogos e técnicos que façam visitas de
apoio pré e pós-parto)
nServiços de emergência médica hospitalar
nProfessores
nServiços de habitação social
nRepresentantes de grupos religiosos ou espirituais
nEntidades e organismos do sistema de justiça, incluindo os tribunais e serviços prisionais
nOrganizações que providenciam abrigo, refúgio, aconselhamento e outros tipos de apoio
às vítimas e às testemunhas
nGrupos femininos
nGrupos comunitários
nServiços sociais que prestam apoio financeiro
(i.e., prestações sociais) e assistência social
Domestic Violence Prevention Project, Kampala, Uganda (2000). Para mais informações, ver www.preventgbvafrica.org/images/publications/reports/dvpoverview.pdf.
8.4. Abuso de idosos
E
ste termo diz respeito a abusos de idosos
infligidos por membros da família ou outros
seus conhecidos, que ocorre nas suas próprias
casas, nas casas onde residem ou em instituições.
O abuso de idosos pode ser um acto repetido ou
isolado, ou consistir na ausência de acções de
apoio apropriadas que ocorrem no seio de um
relacionamento no qual a pessoa de confiança
causa dor ou desconforto à pessoa idosa106. O
abuso contra idosos pode assumir várias formas,
que foram categorizadas pela OMS no seu Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, em investigações efectuadas, particularmente, no Canadá,
Estados Unidos e Reino Unido107.
Adicionalmente, foi identificado um leque de outras práticas numa exploração mais detalhada dos
abusos infligidos contra idosos em sociedades
tradicionais. Estas incluíam o abandono de mulheres viúvas e a confiscação dos seus bens, assim como acusações de bruxaria que resultam na
expulsão dos idosos das suas casas ou, até mesmo, no seu assassinato. A obrigação de cuidarem
dos netos também se inclui no tipo de abuso de
que os idosos são vítimas108.
Por uma variedade de motivos, os inúmeros impactes da violência sobre um indivíduo são exacerbados no que toca aos idosos. Incluem o
processo de envelhecimento e as doenças, o declínio das faculdades mentais que podem interferir
na tomada de decisão de pôr termo aos maus tratos. Para além disso, em idades mais avançadas
o seu restabelecimento pode ser comprometido.
Alguns termos definem …
nAbusos físicos
Infligir dor ou ferimentos, coação física, ou
utilização de meios de inibição físicos ou
medicamentosos.
nAbusos psicológicos ou emocionais
Infligir danos morais e angústia.
nAbusos
financeiros ou económicos
O uso ilegal ou desapropriado dos recursos
financeiros do idoso ou a exploração indevida dos mesmos.
n
Abusos sexuais
Contactos sexuais, de qualquer espécie,
não consentidos pelo idoso.
nNegligência
A recusa ou a falta de prestação de cuidados ao idoso por quem tem essa obrigação. Isto pode envolver ou não uma tentativa consciente de infligir dor física ou
emocional no idoso.
8.5. Diagnosticar o
abuso de idosos
A
percepção da natureza e extensão dos maus
tratos infligidos contra idosos é garantida em
várias frentes: em primeiro e a mais importante,
no que respeita aos direitos humanos. Em segundo, à crença universal do problema, baseada na
sua identificação por parte de países desenvolvidos onde tem sido objecto de investigações e de
acções governamentais; e nos relatórios e factos
evidenciados nos países em desenvolvimento109.
Existe também a realidade demográfica de um
aumento muito rápido da população idosa, tanto em países desenvolvidos como em países em
desenvolvimento110.
Diagnosticar os maus tratos a idosos não é tarefa
fácil. Os desafios que se colocam são similares
aos que se apresentam no diagnóstico da violência entre parceiros, incluindo a parte mais invisível
e a natureza privada do comportamento agressivo e ofensivo, da dependência, do isolamento
e das consequências da revelação dos abusos
na relação e nos cuidados aos idosos. O nível
de desenvolvimento nos países industrializados
para responder ao abuso de idosos e aos meios
Esta definição, desenvolvida em Action on Elder Abuse in the UK, foi adoptada pela International Network for the Prevention of Elder Abuse,
e incluída no World Report on Violence and Health, p. 126, da Organização Mundial de Saúde.
107
OMS, World Report on Violence and Health, p. 127.
108
OMS, World Report on Violence and Health, p. 127.
109
OMS, World Report on Violence and Health, p. 125.
110
De acordo com Gilles Pison, em “Le vieillissement démographique sera plus rapide au Sud qu’au Nord” (Population & Sociétés, nº 457,
Junho de 2009), «o envelhecimento demográfico inquieta os países do Norte como se eles fossem os únicos afectados. O fenómeno é
mundial e já conheceu o seu arranque em muitos países do Sul, nos quais se efectuará bastante mais rapidamente do que ocorreu nos
países do Norte. Trata-se de um desafio para o qual esses países se devem preparar desde já».
106
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
57
Perguntas-chave
nA nível nacional, regional e também a nível lo-
cal, que ministério ou departamento, caso ele
exista, estará mandatado para responder aos
assuntos associados ao abuso de idosos?111
nExiste alguma organização não governamental a nível nacional, distrital ou local que tenha
como objectivo abordar este tema?
nQue percentagem da população é considerada “sénior”?
nQuantos indivíduos se suspeita já terem sido
vítimas de maus tratos por parte da sua família, por familiares mais afastados, ou em
cenários institucionais?
nQue forma toma a violência (física, psicológica, sexual, económica)?
nQual é a proporção de vítimas em termos de
género?
nO problema é mais grave em alguma zona da
comunidade ou com algum grupo étnico em
particular?
nExiste actualmente em vigor alguma estratégia eficaz para lidar com o problema?
Fontes privilegiadas
nDepartamentos sociais e de cuidados de
saúde e Organizações Não Governamentais
que trabalham com este sector
nEquipas de profissionais (médicos, enfermeiras, assistentes sociais)
nQualquer entidade local que esteja mandatada para abordar a temática do abuso de
idosos
nServiços, incluindo abrigos e aconselhamento, que respondam aos pedidos por parte da
violência entre parceiros (violência conjugal)
nCasas-abrigo para populações diversificadas
que apoiem exclusivamente idosos, ou instituições onde os idosos façam parte de um
grupo mais alargado.
nProjectos locais que respondam ao abuso
de idosos, onde está disponível uma resposta mais institucionalizada de modo a alcançar
uma visão mais independente, em particular
em países ou comunidades locais onde não
exista uma infra-estrutura social ou de cuidados de saúde que responda ao problema.
111
58
empregues, variam consideravelmente. Assim
sendo, uma avaliação precisa da natureza e da
extensão do problema varia enormemente a nível
nacional, e é muito provável que não exista partilha sistemática de informação a nível dos governos locais. Tendo em conta que somente agora
alguns países em desenvolvimento começam a
ter noção do problema, esta informação será muito limitada. Mais ainda, a forma como estes maus
tratos a idosos ocorrem em algumas sociedades
tradicionais, não sendo vistos como abuso, mas
entendidos como fazendo parte dos costumes
sociais, deve ser considerada quando se está a
avaliar a natureza e extensão do problema.
8.6. Informação
adicional online
1 World Health Organisation (2004), Preventing
violence: a guide to implementing the recommendations of the world report on violence
and health. WHO: Geneva.
Ver http://whqlibdoc.who.int/publications/
2004/9241592079.pdf
2 Coordenado pelo HEUNI, the International
Violence Against Women Survey é um estudo
comparativo internacional focalizado na violência masculina contra as mulheres, especialmente violência doméstica e agressões
sexuais. O seu objectivo é avaliar o nível de
vitimização nas mulheres num determinado
número de países a nível mundial, baseado
na repetição que forneça informação para o
desenvolvimento de abordagens legais específicas.
Ver www.heuni.fi/12859.htm
3 Hot Peach Pages é um inventário internacional
de linhas verdes, abrigos, refúgios, centros
de crise e organizações femininas, contêm
uma base de dados por países e um índice
de recursos de violência doméstica em mais
de 70 línguas diferentes.
Ver http://hotpeachpages.net
Para Portugal, consultar o Ministério da Administração Interna (www.mai.gov.pt), a Direcção-Geral da Administração Interna (www.dgai.
mai.gov.pt), a GNR (www.gnr.pt) e a PSP (www.psp.pt). É importante ter presente que Portugal dispõe de um Programa de Policiamento de Proximidade dirigido especificamente á população idosa, denominado Apoio 65 – Idosos em Segurança, através do qual podem
ser canalizadas muitas informações e queixas relacionadas com a vitimização de pessoas idosas.
9 Os Delinquentes e a
Sua Ressocialização
9.1. Introdução
C
omo tem sido enfatizado em inúmeros instrumentos internacionais no que diz respeito à
prevenção, bem como nos tribunais de menores
e em instituições que lidam com a delinquência
juvenil, uma reintegração bem sucedida dos delinquentes é essencial para prevenir reincidências e promover a segurança da comunidade112.
O termo reinserção social ou ressocialização é
normalmente interpretado como sendo um apoio
alargado aos delinquentes que são reintroduzidos
na comunidade depois de um período de encarceramento, e é de facto este o contexto que aqui
se aplica. Inclui esforços, que começam enquanto os delinquentes ainda estão a cumprir pena de
prisão, prolongando-se durante o período imediato de transição para a comunidade, e mantendo-se até que a reintegração tenha sucesso113.
UN Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners (1957 and 1977), Rule 64; UN Basic Principles for the Treatment of Prisoners
(1990), Principle 10; UN Standard Minimum Rules for the Administration of Juvenile Justice (1985), Rules 23 and 24; UN Minimum Rules
for Non-Custodial Measures (1990), Rules 1.4,17.2 and 22.1); European Rules on Community Sanctions and Measures, Rule 46; UN
Guidelines on the Prevention of Crime (2002), Guidelines for Cooperation and Technical Assistance in the Field of Urban Crime Prevention
(1995).
113
Griffiths, C.T., Dandurand, Y, and D. Murdoch. The social reintegration of offenders and crime prevention, International Centre for Criminal
Law Reform, April 2007.
112
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
59
As Orientações das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime (2002), que estabelecem as
abordagens da prevenção criminal (ver o Anexo B
deste manual), incluem expressamente “aquelas
que previnem a reincidência através do apoio à
reinserção social dos delinquentes e outros mecanismos de prevenção”114. Alguns desses instrumentos descrevem o desenvolvimento de mecanismos que permitem uma acção integrada entre
organizações governamentais e comunitárias no
sentido de estabelecer parcerias entre os serviços responsáveis pelos delinquentes, as polícias,
os serviços da segurança social, os prestadores
de cuidados de saúde, os serviços responsáveis
pela habitação e urbanismo, a educação, o emprego e os meios de comunicação115.
Como já referido (ver, anteriormente, Secção 1.5),
os serviços de execução das penas (serviços de
reinserção social e serviços prisionais) devem ser
representados no GTSC. Devido ao papel vital
que as Organizações Não Governamentais podem desempenhar no apoio aos delinquentes e
à sua ressocialização, é pressuposto que o GTSC
providencie um fórum para uma vasta participação
onde estarão presentes os representantes das organizações que dão apoio aos delinquentes e às
suas famílias.
Para que as comunidades se comprometam a
desenvolver uma estratégia de prevenção analítica, o DLS deve abordar os ex-delinquentes já
reintegrados e incluir medidas de prevenção da
reincidência, por vários motivos:
nA maioria das pessoas que cumpriram penas
de prisão reintegra-se na comunidade e apenas uma pequena percentagem das pessoas
encarceradas o serão para o resto da sua vida,
por força das suas condutas reincidentes.
nUma grande percentagem dos crimes é cometida por pessoas que são libertadas das
prisões e que, posteriormente, reincidem116.
nO perfil dos reclusos revela com frequência
pessoas socialmente desfavorecidas por várias razões, incluindo as que se seguem: um
historial de marginalização e exclusão; apti-
dões e competências deficitárias; níveis baixos de escolaridade; falta de planeamento e
gestão financeira; saúde mental e física debilitadas, incluindo o abuso de estupefacientes
e uma história pessoal de abuso e violência.
nO período de reclusão pode ter deixado marcas e causado efeitos colaterais117.
nO regresso dos ex-reclusos à sua comunidade normalmente desencadeia inúmeros
desafios, que incluem a procura de emprego
e de habitação, a satisfação financeira imediata, a recuperação das consequências provocadas pela institucionalização e ter acesso
aos serviços e apoios para as suas necessidades específicas.
O desenvolvimento de programas de intervenção
e apoio aos delinquentes tem tido uma crescente
importância. Estes programas são caracterizados
por um apoio continuado que começa ainda com
o delinquente a cumprir pena e pretende abordar
os assuntos e desafios específicos de cada indivíduo, continuando durante a transição para a comunidade e prolongando-se até à sua completa e
bem sucedida ressocialização.
9.2. Diagnosticar
a reinserção dos
delinquentes
T
al como com qualquer população ou assunto
que constitui o objecto de um DLS, a ênfase
deve ser dada aos grupos mais vulneráveis ou em
maior risco, e este mesmo princípio deve ser aplicado à população que acaba de cumprir a sua
pena. Os esforços devem incidir nos delinquentes
de alto e maior risco. Para além disso, os indivíduos que terminaram a sua sentença em estabelecimentos prisionais, e que se acredita estarem
associados a uma menor e menos grave actividade criminal, e que tenham sido identificados como
prioritários no processo do DLS, podem tornar-se
sujeitos de atenção especial.
Artigo 6(d) das Orientações das Nações Unidas para a Prevenção do Crime (2002).
Em Portugal, a Direcção-Geral de Reinserção Social (DGRS) é o serviço responsável pela definição e execução das políticas públicas
da administração de prevenção criminal e de reinserção social de jovens e adultos, designadamente, pela promoção e execução de
medidas tutelares educativas e medidas alternativas à prisão. Ver mais em www.reinsercaosocial.mj.pt/web/rs/index.
116
Brown, R.E. and Y. Dandurand. successful strategies that contribute to safer communities, p.3 and T Makkai. Prisoner reintegration postrelease. Paper and presentation prepared for the 16th UN Commission on Crime Prevention and Criminal Justice.
117
Borzycki M. and T. Makkai. Prisoner re-integration post-release. Canberra: Australian Institute of Criminology, March 2007:10.
114
115
60
Um DLS deve ser utilizado para identificar o relacionamento entre os delinquentes de alto e maior
risco, crimes específicos e populações vulneráveis de uma determinada comunidade. Deve também ser usada para explorar adequabilidade das
redes de apoio dos delinquentes jovens e adultos
na sua reinserção, e para identificar que grupos
de delinquentes experienciam as maiores dificuldades e por que razões.
Perguntas-chave
nExiste a funcionar algum mecanismo que in-
forme as autoridades locais sobre o momento
em que os delinquentes de mais alto risco são
libertados numa comunidade específica?
nSe existe esse mecanismo, que plano preventivo é praticado no que diz respeito aos
delinquentes considerados de alto ou mais
alto risco? Este mecanismo é considerado
adequado?
nQuais são os números aproximados de delinquentes jovens e adultos que retornam à
comunidade com uma pena de liberdade
condicional?
nQue proporção de delinquentes jovens e
adultos que regressam à comunidade se
pode considerar que põem em maior risco
a comunidade no que toca a cometer infracções e outros crimes mais graves?
nQue número de delinquentes jovens e adultos que regressa à comunidade se acredita
estarem a cometer crimes, sendo considerados particularmente problemáticos na sua
comunidade?
Fontes privilegiadas
nRelatórios de investigações e estudos ante-
riores
nServiços de execução das penas e os seus
serviços descentralizados
nTécnicos de reinserção social e outras enti-
dades não governamentais capacitadas para
providenciar cuidados pós penitenciários e
acompanhamento dos delinquentes depois
de libertados
nTribunais e polícias
nServiços de saúde, em particular os que providenciam serviços na área da saúde mental,
abuso de substâncias e tratamento domiciliário para populações particulares, tais como
os agressores sexuais
nOrganismos públicos e não governamentais
que lidam com os problemas de habitação,
emprego e educação para populações com
necessidades especiais
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
61
10 Tráfico de Pessoas
10.1. Introdução
O
tráfico de seres humanos é uma forma contemporânea de escravatura controlada na
maioria das vezes pelo crime organizado. Sabese que ocorre em todos os países do mundo sob
diferentes formas e em diferentes níveis, mas é
um problema complexo e só a partir de 2000 é
que foi adoptada uma definição internacional118. O
Protocolo para a Prevenção, Supressão e Punição
de Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e
Crianças e a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Transnacional Organizado, providenciaram a primeira definição adoptada. O protocolo
foi assinado em 2000 entrando em vigor em Dezembro de 2003, tendo sido ratificado por mais de
100 países119.
Tráfico de Pessoas120
Considera-se tráfico de pessoas “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento
ou o acolhimento de pessoas, através do uso
da força, de ameaças ou de outras formas de
coacção, como rapto, fraude, engano, abuso
de poder ou por uma situação de vulnerabilidade ou, então através da oferta ou recepção
de dinheiro ou benefícios de modo a obter a
possibilidade de uma pessoa controlar outra,
com o objectivo de a explorar. A noção de exploração deverá incluir, no mínimo, exploração
de prostituição de terceiros ou outras formas
de exploração sexual, trabalhos ou serviços
forçados, escravatura ou práticas semelhantes,
servidão ou a extracção de órgãos”.
UN Protocol to Prevent, Suppress and
Punish Trafficking in Persons (2000)
Em Portugal foi criado em 2008 (cfr. Decreto-Lei 229/2008, de 27 de Novembro), o Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH), cuja
missão consiste em produzir, recolher, tratar e difundir informação e conhecimento respeitantes ao fenómeno do tráfico de pessoas e a outras
formas de violência de género. O país também dispõe, a funcionar plenamente desde 2008, de um sistema de monitorização sobre o tráfico
de seres humanos para fins de exploração sexual, que foi ulteriormente assumido no Plano Nacional de Acção para a Inclusão (PNAI) para o
período de 2006-2008, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 166/2006, de 15 de Dezembro, e no Plano para a Integração
dos Imigrantes (PII), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 63-A/2007, de 3 de Maio. Finalmente, Portugal dispõe de um Plano
Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos (2007-2010), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2007, de 22 de Junho.
119
UNODC: Protocol to prevent, suppress and punish trafficking in persons. Vienna, 2000, em www.unodc.org/unodc/crime_cicp_convention.html.
120
Em Portugal o tráfico de pessoas está tipificado no Código Penal, artº 160º: Artigo 160.º:
“1 – Quem oferecer, entregar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa para fins de exploração sexual, exploração do trabalho
ou extracção de órgãos:
a) Por meio de violência, rapto ou ameaça grave;
118
62
As pessoas que são objecto de tráfico podem,
entre outras coisas, ser forçadas a:
nPedir esmola
nTer relações sexuais através da prostituição ou
de casamentos forçados121
nTrabalhar em minas, agricultura, trabalho doméstico ou comércio clandestino
nPráticas desportivas (tais como o golfe, corridas com animais)
nParticipar em conflitos armados (por exemplo, as crianças soldados)
nFicar sem órgãos que são extraídos para venda e transplante
Este tráfico tem, normalmente, origem em países
subdesenvolvidos e nas regiões mais pobres do
mundo e é exercido sobre os grupos mais vulneráveis da sociedade, tais como desaparecidos,
refugiados ou pessoas desalojadas, especialmente em situações de pós-conflito militar ou de
catástrofe natural. Os indivíduos traficados podem
já ter comportamentos aditivos ou sofrerem de
doença mental, estando por esse motivo mais expostos ao risco de exploração. Contudo, podem
pertencer a qualquer classe social ou etnia.
As mulheres e crianças formam a maioria das vítimas de tráfico com o objectivo de exploração
sexual. A UNICEF reportou que cerca de 1,2 milhões de crianças são traficadas todos os anos
para trabalhos forçados, exploração sexual e outros propósitos. Os homens, por sua vez, encontram-se em maior risco de serem traficados para
trabalhos pesados e forçados. Escapar é difícil e
perigoso. As vítimas podem não conseguir falar a
língua local e as suas famílias podem estar a ser
ameaçadas nos seus países de origem. Podem
também não ter documentos oficiais, estar ilegais,
e temer as autoridades por esse facto. O tráfico
de seres humanos é um crime grave e uma violação fundamental dos direitos humanos. Contraria
todas as convenções internacionais, incluindo o
protocolo acima referido, bem como a proibição
existente perante as leis internacionais. Considerando as horrendas consequências físicas, mentais e emocionais deste tráfico, a sua detecção e
eliminação deverá ser uma prioridade, aconteça o
que acontecer.
O tráfico não deve ser confundido com auxílio à
imigração ilegal, que é a facilitação de passagem
ilegal de fronteiras com fins lucrativos. Para uma
definição consensual internacional, ver Protocol
Against the Smuggling of Migrants by Land, Sea
and Air. UNODC, Vienna, 2000, em www.unodc.
org/pdf/crime/a_res_55/res5525e.pdf.
10.2. Diagnosticar
o tráfico
A
equipa do DLS pode achar que este não é
um problema que afecte a sua comunidade.
Contudo, a natureza oculta do tráfico, a impotência
das vítimas e a sua possível condição ilegal num
país estrangeiro significa que este é muitas vezes
invisível para as entidades municipais e para a generalidade da população. Será por isso perigoso,
e muitas vezes enganoso, presumir que este não
existe. De acordo com um relatório do Governo
norte-americano de 2006122, 600.000 a 800.000
pessoas são traficadas anualmente, ao longo das
fronteiras internacionais à escala mundial, e uma
grande proporção de países estão implicados
como “fornecedores”, destinatários ou países de
trânsito, embora os níveis de envolvimento tenham
elevados índices de variabilidade. Acredita-se que
muitas mais são traficadas dentro das fronteiras nacionais. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT)123, o trabalho forçado, incluindo a exploração sexual, gera anualmente cerca de
31 mil milhões de dólares (metade desta soma no
mundo industrializado). Sem um inquérito bem ela-
b) Através de ardil ou manobra fraudulenta;
c) Com abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica, de trabalho ou familiar;
d) Aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima; ou
e) Mediante a obtenção do consentimento da pessoa que tem o controlo sobre a vítima;
é punido com pena de prisão de três a dez anos.
2 – A mesma pena é aplicada a quem, por qualquer meio, aliciar, transportar, proceder ao alojamento ou acolhimento de menor, ou o
entregar, oferecer ou aceitar, para fins de exploração sexual, exploração do trabalho ou extracção de órgãos.
(…) 4 – Quem, mediante pagamento ou outra contrapartida, oferecer, entregar, solicitar ou aceitar menor, ou obtiver ou prestar consentimento na sua adopção, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
(…) 6 – Quem retiver, ocultar, danificar ou destruir documentos de identificação ou de viagem de pessoa vítima de crime previsto nos n.os
1 e 2 é punido com pena de prisão até três anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
121
Também denominados “casamentos brancos”.
122
Department of State (US), Trafficking in persons report. Department of State, 2006, em www.state.gov/documents/organization/66086.
pdf. Este relatório tem carácter anual, tendo sido publicado recentemente o de 2008.
123
OIT. A global alliance against forced labour. Geneva: ILO, 2005, em
www.ilo.org/dyn/declaris/DECLARATIONWEB.GLOBALREPORTSLIST?var_language=EN.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
63
borado pode ser difícil perceber a magnitude do
problema numa determinada comunidade.
Existe um papel muito importante a desempenhar
pelas comunidades e serviços comunitários a nível
municipal. Nele inclui-se a avaliação da natureza e
escala do problema, a sensibilização/consciencialização, a avaliação dos riscos (especialmente em
pessoas mais vulneráveis), o desencorajamento
da procura que alimenta a exploração e leva ao tráfico e a prestação de apoio às vítimas. Tais acções
serão prestadas muito mais eficazmente se forem
baseadas em informação de qualidade, recolhida
e analisada durante o processo do DLS. O trabalho
a nível municipal deve ser identificado com o apoio
das entidades que tratam os assuntos referentes
ao tráfico a nível nacional, cujas actividades se baseiam em informações internacionais.
As taxas de tráfico reportadas são muito baixas por
vários motivos. As vítimas podem ser muito relutantes em desvendar o sucedido, por temerem pela
sua segurança e pela segurança das suas famílias,
e por terem más experiências com as autoridades
no seu país de origem124. Pode, ainda, ser-lhes difícil reportar a sua situação devido ao seu isolamento
e à barreira linguística. Por estes motivos, as estatísticas policiais serão muito limitadas e não estarão
aptas a poder avaliar a escala do problema. Contudo, as forças e os serviços de segurança devem
ser consultados, pois podem ter em sua posse informação e dados importantes que não se encontra nas estatísticas oficiais125. Complementarmente,
pode ser útil voltar a consultar outros registos policiais, tais como os que estão relacionados com
a prostituição, violência doméstica, maus tratos a
crianças, lenocínio, sequestro e extorsão. Estes podem estar relacionados com suspeitos de casos de
tráfico que foram indiciados por outros crimes.
Para além das estatísticas e informações das forças de segurança, será necessário confiar mais
nos dados qualitativos e nas opiniões de fontes
bem informadas do que na maioria das fontes de
investigação, tendo como base os organismos públicos e da sociedade civil (nos lugares de destino)
que tenham mais contacto com as vítimas. Estas
incluem organizações que providenciam apoio aos
profissionais do sexo, refugiados e indivíduos em
busca de asilo, bem como aqueles que tenham
ligações fortes com grupos nacionais particulares,
étnicos ou culturais. Outros serviços públicos, em
especial os serviços de apoio à criança, à saúde
e às mulheres, podem também ter experiência em
lidar com casos individuais ou ter conhecimento de
algo através do contacto com os locais.
Perguntas-chave nO que é que se sabe sobre a natureza e es-
cala do tráfico a nível nacional? Existirá um
ponto de origem, destino e/ou trânsito?
nExistem leis específicas a nível nacional que
abordem o problema do tráfico humano? Se
sim, quais e como?
nO que é que se conhece sobre o movimento
das pessoas traficadas no país (ex. local de
entrada de estrangeiros, destinos dos mesmos ou vítimas de violência doméstica) e
como é que eles são transportados?
nO que é que se sabe, a nível municipal, sobre
o método de recrutamento de vítimas e da
natureza e escala do tráfico (exploração sexual, trabalho forçado, extracção de órgãos)?
Se não existe qualquer informação, que inferências se podem retirar, tendo em conta o
quadro nacional?
nQuantos casos locais, reais ou suspeitos, de
tráfico humano tem acontecido nos últimos
anos?
nQual é o perfil das vítimas que se conhece
(género, idade, origem, etnia) e o que os faz
sair dos seus países de origem?
nAs forças de segurança e os prestadores de
serviços de apoio às vítimas, incluindo profis-
Em Portugal, a Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, referente ao regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros
do território nacional, prevê a autorização de residência a vítimas de tráfico de pessoas ou de acção de auxílio à imigração ilegal (Secção
V, artº 109º e seguintes).
O Decreto-Lei n.º 368/2007, de 5 de Novembro, operacionaliza a modalidade de concessão de autorização de residência a cidadão
estrangeiro identificado como vítima do crime de tráfico de pessoas.
125
Em Portugal foi criado, no âmbito do Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos (2007-2010), aprovado pela Resolução do
Conselho de Ministros n.º 81/2007, de 22 de Junho, um sistema de registo de sinalizações de pessoas presumivelmente traficadas,
denominado Guia Único de Registo, preenchido pelas forças e serviços de segurança, complementado com o Guia de Sinalização, este
preenchido pelas ONG. Este sistema, sediado na Rede Nacional de Segurança Interna, tem permitido registar situações (sinalizações)
que são posteriormente objecto de análise. Este sistema é gerido pelo OTSH. O Guia Único de Registo é o modelo padronizado de
registo de ocorrências e indicadores para a sinalização das situações de tráfico (originariamente, tráfico para fins de exploração sexual e
agora alargado a todos os tipos de tráfico previstos e enquadrados no Código Penal, artigo 160º).
Este instrumento serve para alimentar uma base de dados integrada no Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH) que permite
devolver aos OPC o conhecimento útil sobre este fenómeno e as dimensões sociais e geográficas que se entendam pertinentes relevar.
Por esta via, produz-se estatísticas nacionais sobre o crime de tráfico, distinguindo, nomeadamente, entre casos sinalizados, casos sujeitos a investigação e casos não confirmados como tráfico, mas relevantes pela sua conexão com este crime.
124
64
sionais de saúde, receberam alguma formação para a identificação e suporte das vítimas
do tráfico? Os profissionais de saúde locais
receberam alguma formação sobre como
identificar pessoas que tenham sido traficadas para extracção de órgãos?
nComo é que este problema está a ser abordado e que organizações estão capacitadas
para dar apoio às vítimas? Existe alguma protecção especial (ex. assistência, protecção
pessoal, estatuto jurídico, etc.) para que anteriores vítimas de tráfico possam testemunhar?
nAs respostas que existem, especialmente no
que diz respeito ao apoio às vítimas, são adequadas, apropriadas acessíveis e eficazes?
nQuem são os traficantes (género, idade, etnia, origem, crimes associados) e quem controla o tráfico e os destinos do mesmo?
nOnde são mantidas em cativeiro as pessoas
traficadas (ex. casas privadas, apartamentos,
hotéis, contentores)?
nComo conseguem as pessoas traficadas escapar e onde é que elas aparecem? Como é
que estas identificadas e por quem?
nNos locais de destino, qual é o perfil das
prostitutas que aí trabalham e qual o perfil dos
seus clientes?
nQuais são as prioridades para acções futuras?
Fontes privilegiadas
nRelatórios de investigações existentes (aca-
démicos, governamentais, ONG)
nImprensa
nPolícia e outras forças de segurança (SEF)
nOutras entidades do sistema de justiça (Mi-
nistério Público, prisões, tribunais e serviços
de reinserção social)
nEntidades sanitárias, especialmente aquelas
que prestam serviços aos profissionais do sexo
e serviços hospitalares de urgência médica
nProgramas de assistência às vítimas e às testemunhas (tais como abrigos para mulheres/
refugiados e centros de apoio às vítimas de
abuso sexual e violações).
nServiços de apoio às crianças e à família
nGrupos de defesa dos direitos da mulher
nÓrgãos e instituições de inspecção do trabalho
nOrganizações de apoio aos imigrantes, em
situação regular e irregular, pessoas que buscam asilo e trabalhadores do sexo
nGrupos comunitários que representam a nível
nacional grupos étnicos e culturais
nOrganizações comunitárias de apoio espiritual
e religioso
nOrganizações humanitárias nacionais ou internacionais que se façam representar localmente
10.3. Informação
adicional online
1 Em 2006 o UNODC publicou Trafficking in
Persons: Global Patterns. Compila informação de uma grande variedade de fontes e
evidencia as tendências, tendo em conta os
países de origem, de trânsito e de destino.
Ver www.unodc.org/unodc/en/trafficking_
human_beings.html
2 O UNODC também publicou em 2006 um kit
de ferramentas intitulado A Toolkit to Combat
Trafficking in Persons. Ver www.unodc.org/
pdf/Trafficking_toolkit_Oct06.pdf
3 O UNICRI Action Programme Against Trafficking in Minors for Sexual Purposes (terminado
em Agosto de 2006) tem um website que detalha organizações em todo mundo que lutam
contra a exploração sexual de menores. Também informa sobre programas piloto na Costa
Rica, Tailândia e Ucrânia. Ver www.unicri.it/
wwd/trafficking/minors/index.php
4 HumanTrafficking.org é um sítio da internet projectado para unir esforços do governo e das
ONGs na Ásia de Leste e do Pacífico, para que
cooperem e aprendam com as experiências
dos outros no que respeita ao combate ao
tráfico de seres humanos. O website possui
informações locais específicas, como leis e
planos de acção e informação sobre contactos importantes para e de diferentes entidades.
Tem também uma descrição das actividades
das ONGs em diferentes países e os seus contactos detalhados.
Ver www.humantrafficking.org
5 The Coalition Against Trafficking in Women é
uma ONG fundada em 1988. Dá suporte a projectos anti-tráfico que abordam as ligações entre a prostituição e o tráfico. Assume o desafio
de banir a prostituição e proteger as mulheres
e crianças que dela são vítimas. O seu website
contém um vasto leque de relatórios e recursos
para o combate à exploração sexual.
Ver www.catwinternational.org/index.php
6 Anti-Slavery International, fundada em 1839,
trabalha a nível local, nacional e internacional
para eliminar a escravatura no mundo. O seu
website tem uma extensa secção sobre tráfico, incluindo referências a muitos relatórios e
outras fontes. Ver www.antislavery.org
7 O Home Office do Reino Unido desenvolveu
um toolkit especialmente para parcerias locais
de combate ao tráfico de pessoas. Ver www.
crimereduction.gov.uk/toolkits/index.html
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
65
11 Álcool, Drogas Ilícitas e
Abuso de Substâncias
11.1. Introdução
OS
problemas associados ao consumo de
álcool, drogas e substâncias ilícitas estão
muito propagados. Sendo as suas consequências tão destrutíveis para os indivíduos, famílias,
comunidades e países, a sua investigação deve
fazer parte de todos os DLS. Apesar de parecer
um problema global que requer acção internacional, é também necessário avaliar o problema
e desenvolver respostas a um nível mais local. As
Secções que se seguem enfatizam directrizes importantes para questionários que podem e deverão ser explorados nos DLS a nível urbano126.
A OMS estima que existam cerca de 76 milhões
de pessoas com distúrbios associados ao consumo de álcool127. O consumo abusivo de álcool
é um distúrbio que causa graves problemas de
saúde, sociais ou ambos, e que está directamente relacionado com os maus tratos a parceiros e
a crianças. Tem impacto no ambiente social, psicológico e económico das crianças, aumentando
o risco destas entrarem em conflito com a lei. O
consumo durante a gestação pode resultar em
síndrome alcoólico fetal.
O Consumo Abusivo de Álcool por
Parte de Indivíduos Violentos128
Nos EUA, entre as vítimas que puderam reportar
se o seu agressor teria consumido álcool, 35%
das mesmas acreditavam que sim.
Em Inglaterra e no País de Gales, 50% das vítimas de violência interpessoal reportaram que o
seu agressor estava sobre o efeito do álcool na
altura da agressão.
Na Rússia, cerca de três quartos dos indivíduos
presos por homicídio tinham consumido álcool
pouco tempo antes do incidente.
Na África do Sul, 44% das vítimas de violência
interpessoal acreditam que o seu agressor estivesse sob a influência do álcool.
Em Tianjin, China, um estudo levado a cabo
sobre os detidos descobriu que 50% dos atacantes tinha ingerido álcool minutos antes do
incidente.
Portugal dispõe de um instrumento de política neste domínio, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 115/2006, de 18 de
Setembro, e denominado Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências, cuja finalidade é garantir o alinhamento das grandes
orientações que permitem às organizações modificar, melhorar e fortalecer a sua intervenção na sociedade nas áreas da prevenção e
combate a este flagelo social. O Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências no médio prazo até 2012 e o Plano de Acção
contra a Droga e as Toxicodependências (2008) inserem-se numa linha de continuidade da Estratégia Nacional publicada em Maio de
1999, que continua a constituir uma referência política de indubitável importância na abordagem do tema.
127
OMS. Global status report on alcohol 2004. Geneva: WHO, 2004, em www.who.int/substance_abuse/publications/global_status_report_2004_overview.pdf.
128
OMS. Interpersonal violence and alcohol. Policy Briefing. OMS: Geneva, 2006, em www.who.int/violence_injury_prevention/violence/
world_report/factsheets/pb_violencealcohol.pdf.
126
66
No seio das comunidades locais, as consequências incluem violência familiar (doméstica, contra crianças e idosos), violência interpessoal em
locais públicos, acidentes de viação, desordem
pública e problemas relacionados no local de trabalho129. Em vários países onde existe informação
disponível, estima-se que este consumo abusivo
seja responsável, nos casos de homicídio, por
uma menos-valia dos anos de vida 26% nos homens e de 16% nas mulheres. O facto de se ter
sido abusado e mal tratado em criança aumenta
grandemente o risco da ingestão abusiva e prejudicial de álcool mais tarde130.
As drogas ilícitas incluem as substâncias que são
produzidas ou processadas através das plantas
(tais como o ópio, morfina e heroína), as que são
produzidas sinteticamente (tais como as anfetaminas) e drogas psicotrópicas quando usadas
para além da sua utilização médico-terapêutica.
A sua posse é normalmente considerada um crime, mas talvez o seu uso tenha mais significado
e cause mais danos à saúde, dado estar associado a outros comportamentos problemáticos131. A
dependência destas substâncias pode precipitar
a violência, abuso ou negligência que afecta os
parceiros e as crianças, que crescem com maior
probabilidade de risco de se meterem em problemas mais tarde. O consumo de substâncias
ilícitas pode limitar as capacidades de trabalho,
aumentando o risco de acidentes e fazendo com
que o indivíduo tenha de angariar dinheiro para as
adquirir. Isto fortalece os contactos com outros indivíduos que tenham um estilo de vida à margem
da lei, levando assim a que cada vez mais se vejam envolvidos com actividades criminosas.
Estimativas recentes sugerem que 200 milhões
de pessoas, correspondente a 5% da população
mundial, entre os 15 e os 64 anos de idade, consumiram drogas ilícitas durante 2005132. Estima-se
que as drogas mais pesadas, ou “drogas duras”,
como a heroína e cocaína, foram consumidas por
8 a 13 milhões de pessoas. Ambas causam um
sofrimento atroz e a heroína está consistentemente listada como sendo a que provoca mais emergências hospitalares e mais mortes por overdose.
A sua produção e comercialização são determinantes para algumas economias nacionais. O
imenso lucro adquirido pelas organizações de tráfico dá-lhes a possibilidade para desestabilizarem
economias e instituições. Essas organizações criminosas estão bem estabelecidas e relacionadas
com o tráfico ilegal de armas133.
Embora menos espalhados e menos reportados,
os inalantes voláteis também são consumidos
em excesso em larga escala, especialmente por
crianças e jovens em risco ou mais desfavorecidos. Eles também têm efeitos devastadores sobre
a saúde e comportamento e, como tal, deveriam
ser examinados separadamente.
11.2. Uma estratégia multidisciplinar integrada
A
eficácia das acções que têm como objectivo
travar o consumo de substâncias ilícitas é potenciada se estas forem desenvolvidas segundo
uma estratégia global que tem como foco eliminar
o fornecimento destas substâncias, prevenindo
que os jovens se tornem toxicómanos e reduzindo assim a procura. Tais acções necessitam da
participação activa e da colaboração de múltiplas
entidades e organizações, incluindo as responsáveis pela apreensão, educação e tratamento.
Estabelecer se uma estratégia deste tipo existe e
se está a ser aplicada eficazmente deverá ser a
primeira tarefa da equipa do DLS.
Perguntas-chave
nA comunidade tem uma estratégia de pre-
venção de abuso de substâncias ilícitas?
nA estratégia cobre o fornecimento, a procura
e o tratamento?
nAs entidades de relevo estão todas a partici-
par activamente?
nEstas entidades trabalham bem em conjunto
e partilham informação?
nA estratégia está bem implementada e é ade-
quada e eficaz?
Para Portugal, consulte-se o Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), em www.idt.pt, já mencionado na nota 46.
Mais informação em OMS. Fact sheets on interpersonal violence and alcohol. OMS: Geneva, 2006, em www.who.int/violence_injury_
prevention/violence/world_report/factsheets/en/index.html.
131
Para Portugal, ver a Lei nº 30/2000, de 29 de Novembro, que define o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a protecção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica.
132
UNODC. 2006 World drugs report. Vienna: UNODC, 2006, em www.unodc.org/unodc/world_drug_report.html.
133
UN General Assembly. Special session on the World Drug problem, New York 8-10 June 1998, Fact Sheet 6, em www.un.org/ga/20special/
presskit/themes/altdev-6.html.
129
130
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
67
nQuais são as prioridades para acções futuras
ao nível municipal e estatal?
Fontes privilegiadas
nDocumentos da estratégia e relatórios a ela
associados
nRepresentantes das entidades do sistema de
justiça
nRepresentantes dos serviços de saúde e
educação
11.3. Ajudar as crianças
e os jovens a tomar
as decisões certas
O
melhor resultado que uma qualquer estratégia pode ter é o que contribui eficazmente
para que as crianças de hoje não se tornem os
toxicómanos de amanhã. Isto alcança-se mais facilmente através de um programa que inclua as
vertentes de educação, de desenvolvimento de
capacidades e competências e de ocupação dos
tempos livres. Muito se tem aprendido nos últimos
anos sobre os métodos e ferramentas que de facto resultam.
Apesar de haver variações entre países e culturas,
os trabalhos de investigação sugerem que a simples abordagem de “pregar que as drogas são
más e que devem ser evitadas” não é a melhor.
Os jovens e as suas famílias necessitam de informação credível e realista para poderem tomar
decisões informadas e conscientes, para se protegerem dos riscos e perigos desse mesmo uso.
É certo que a educação nas salas de aula é importante, mas a influência da família, dos pares,
dos outros jovens e dos seus modelos e ídolos
tem de ser levada em consideração. Este alargado círculo, em especial as famílias, necessita de
estar bem informado e, se necessário, aceder a
ajuda qualificada e especializada. A decisão certa
pode ser encorajada se forem providenciadas actividades alternativas construtivas, capacitando e
criando competências nos jovens para que estes
possam resistir à tentação e à pressão.
É também do conhecimento geral que a toxicodependência está directamente relacionada com
outros problemas, tais como a prática de crimes
por parte dos jovens, problemas familiares, viver
134
68
em comunidades mais desfavorecidas e em locais onde há mais droga disponível e o acesso
à mesma é mais facilitado. Portanto, os programas de prevenção serão mais eficazes se tiverem
como alvo os indivíduos e as comunidades mais
vulneráveis e se, ao mesmo tempo, providenciarem intervenções mais alargadas no tempo. Particularmente importante é o reconhecimento de
que, travando os maus tratos a menores, se reduzirá, consequentemente, o risco destes se tornarem toxicodependentes ou alcoólicos134.
Perguntas-chave
nA comunidade possui alguma estratégia que
previna as crianças e os jovens de consumirem e abusarem de drogas ilícitas ou álcool?
nEssa estratégia incorpora a educação/formação, o desenvolvimento de competências e
ocupações dos tempos livres?
nAs escolas estão todas dotadas de uma política apropriada de prevenção de drogas? E
estas estão empenhadas em educar sobre a
matéria?
nA estratégia tem como alvo bairros vulneráveis e crianças consideradas em risco?
nÉ reconhecida a importância do papel familiar
na estratégia?
nEstá a estratégia bem implementada, é apropriada e eficaz?
nQuais são as prioridades para acções futuras?
Fontes privilegiadas
nRelatórios de investigações anteriores
nDocumentos da estratégia e relatórios a ela
associados
nRepresentantes dos serviços de saúde e edu-
cação
nOrganizações especializadas em abuso de
substâncias
nOrganizações que providenciam actividades
lúdicas
11.4. Alcoolismo
AS
respostas aos problemas do abuso de álcool devem incluir o apoio às famílias, bem
como aos próprios alcoólicos, abordando os problemas mais gerais que muito provavelmente levaram ao abuso em si mesmo e às suas consequências. Deverá dar-se particular atenção a esse
Para mais informação sobre a relação entre maus tratos a crianças e consumo abusivo de álcool e de drogas, ver o website de Adverse
Childhood Experiences Study, em www.acestudy.org.
abuso por parte de crianças e jovens. Para se poder ter um conhecimento sobre a matéria é necessário colher informação qualitativa e quantitativa135.
nQuais são os efeitos desse abuso (saúde,
As instituições da saúde são uma fonte fundamental. Serviços de emergência hospitalares e médicos
de família terão conhecimento sobre a extensão dos
problemas dos seus pacientes associadas ao consumo abusivo de álcool. Os serviços de saúde, bem
como as organizações da sociedade civil, deverão
também ter conhecimentos sobre a dependência,
tratamento e outras formas de apoio. A polícia e os
serviços municipais podem fornecer informações
sobre a violência, “bêbados de rua”, fontes ilícitas
de álcool, vendas de álcool a menores e distúrbios
em locais públicos relacionados com a ingestão do
mesmo. Os jovens, incluindo os que têm problemas
com o álcool, devem ser ouvidos para que se perceba o que sabem sobre esta problemática, ajudando
na caracterização do problema e das respostas.
nQuais são as prioridades para futuras ac-
violência e outros)?
nQual é a eficácia e a acessibilidade dos servi-
ços de tratamento e de apoio?
Perguntas-chave
População em geral
nQual é a gravidade do problema do alcoolismo e quantos estão afectados?
nComo, quando e onde se abusa do álcool?
nExiste algum grupo demográfico específico
ou bairro mais afectado?
ções?
Crianças e jovens
nQual é a gravidade do problema do consumo
de álcool por menores?
nQual o tipo de álcool consumido pelos jovens
e qual é a gravidade do seu consumo?
nComo é que eles se conseguem abastecer?
nEstão a ser proporcionados programas de
formação suficientes?
nExiste algum apoio especial para os jovens
com problemas?
nAs respostas são adequadas e eficazes?
Fontes privilegiadas
nRelatórios de investigações anteriores
nServiços de emergência médica hospitalar
nRepresentantes dos serviços comunitários,
incluindo os médicos de família
nOrganizações da sociedade civil que provi-
denciam apoio
nCrianças e jovens
nPolícia e outras entidades do sistema de justiça
nGestores dos serviços municipalizados
Informações dos Hospitais para Auditoria de Segurança, Cardiff (Reino Unido)
Sedeado na Universidade de Medicina em Cardiff, o ‘Violence Research Group’ (VRG) agrupa clínicos académicos e cientistas da Universidade de Psicologia e os institutos de gestão, para investigar as causas, para promover
a prevenção e avaliar intervenções. Focaliza-se, em particular, nos assuntos relacionados com a droga e o álcool
e tem desempenhado um papel prioritário na promoção de uma cooperação estreita entre os intervenientes na
prevenção e os serviços de saúde.
Os estudos científicos concluíram que 85% das 3.500 vítimas de crime violento, tratadas em cada ano no Hospital Universitário do País de Gales, tinham ferimentos nos dentes, boca, maxilares e face, o que reflecte o alvo
anatómico dos golpes nas agressões em todo o mundo. Uma parte substancial dos ferimentos que requereram
tratamento, em determinado tipo de ofensas, não se encontrava nos registos policiais.
Informação sobre o dia/hora e localização da violência e a arma usada nos golpes foi analisada e partilhada. Os
responsáveis pelos serviços de saúde e os consultores partilham informações nas reuniões da Associação para
a Redução da Criminalidade e nos comités municipais de atribuição de licenças, resultando num melhor entendimento dos problemas e em intervenções mais eficazes. O número de incidentes violentos em estabelecimentos
licenciados e na rua desceu e os ferimentos causados por vidros e garrafas também diminuiu. O número de
pacientes com ferimentos causados por actos de violência desceu 30% nos últimos três anos.
Para mais exemplos e conselhos consultar o website da VRG.
Cardiff University Violence And Society Research Group136
Para dados comparativos sobre consumo de álcool por jovens em mais de 30 países, ver os relatórios da OMS. Collaborative crossnational study of health behaviour in school-aged children, em www.hbsc.org.
136 www.cardiff.ac.uk/dentistry/research/phacr/violence
135
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
69
11.5. Consumo de
drogas ilícitas
Perguntas-chave
nQual é a prevalência do uso de drogas ilíci-
tas?
A
equipa do DLS necessita de compilar informação sobre os consumidores, os dependentes,
a procura de tratamento e a acessibilidade dos
serviços. Contudo, dados em bruto são difíceis
de obter, pois poucos incidentes são oficialmente
reportados ou registados. As entidades e os serviços de saúde terão um contributo importante.
Organizações voluntárias dedicadas aos assuntos
da droga e consultas de utilizadores providenciam
perspectivas válidas baseadas na comunidade.
Os estudos das queixas auto-reportadas de jovens e adultos podem gerar dados quantitativos
sobre o consumo, mas não são eficazes para
avaliar os consumos mais graves e problemáticos. As entidades judiciais e policiais terão algum
conhecimento sobre a associação existente entre
o consumo de drogas e a violência.
nQual é o perfil demográfico dos consumidores?
nQue drogas são consumidas? A politoxico-
mania é frequente?
nQual a gravidade da toxicodependência e
que impacto tem sobre a comunidade?
nEm que zonas ou bairros existem os proble-
mas mais sérios?
nQue programas de informação e educação
estão a ser prestados?
nQuais são os serviços de tratamento que es-
tão disponíveis?
nQue outros programas existem para reduzir a
procura?
nQuais os programas que existem para dar su-
porte às famílias?
nA capacidade dos serviços de tratamento e
dos programas é suficiente?
nAs respostas são fundamentadas por pes-
quisas e estudos científicos?
nQuais são as prioridades para as acções fu-
O Álcool e a Violência Contra as Mulheres
turas?
“O factor de risco mais preponderante para que ocorra violênFontes privilegiadas
cia física entre parceiros íntimos está associado com os comnRelatórios de investigações anteriores
portamentos ditos ‘masculinos’, os seus hábitos de bebida, os
nPrestadores de serviços de saúde
níveis generalizados de agressividade e os comportamentos
nConsultas aos consumidores
nEstudo de queixas auto-reportadas a jovens
controladores”.
e adultos
Women’s Experiences of Male Violence (2002)
137
nPolícias e outras entidades do sistema de
justiça
Ligação Entre Comportamentos Aditivos e Taxas
de Assaltos e Roubos (Austrália)
A investigação mostrou um aumento significativo dos roubos entre 1993 e 2000 em Nova Gales do Sul. Este aumento
deveu-se ao facto, mais do que a qualquer outra causa, de se
registar uma tendência cada vez mais forte do consumo de
heroína. Em cada 10% de aumento nos toxicodependentes de
heroína gerou um aumento de 6,4% de roubos. Uma queda no
fornecimento de heroína em Sidney em 2001 levou a um rápido e forte decréscimo nos roubos em Nova Gales do Sul.
New South Wales Bureau Of Crime Statistics
and Research (2003)138
Mouzos J and Makkai T. Women’s experiences of male violence, Research and Public Policy Series 56. Canberra: Australian Institute of
Criminology, 2004, em www.aic.gov.au/publications/rpp/56/RPP56.pdf.
138
Bureau of Crime Statistics and Research, New South Wales (Australia). The Impact of heroin dependence on long term robbery trends.
2003. Sumário disponível em www.lawlink.nsw.gov.au/lawlink/bocsar/ll_bocsar.nsf/pages/bocsar_media101203.
137
70
11.6. Produção e tráfico
de drogas ilícitas
R
eduzir o fornecimento de drogas ilícitas é uma
componente essencial na luta contra a toxicodependência. A natureza do sistema de fornecimento tem grande variação entre redes locais que
distribuem substâncias produzidas em laboratórios
domésticos e cadeias internacionais controladas
por crime organizado, operando à escala global.
O comércio internacional requer, inevitavelmente,
intervenções ao mais alto nível por agências de
segurança, mas os parceiros locais podem ajudar a quebrar as actividades dos produtores, bem
como, mais localmente, as dos vendedores e intermediários.
Polícia e serviços de Justiça são, provavelmente,
os maiores detentores de informação sobre o fornecimento de drogas; contudo só é disponibilizada informação muito limitada. Consultas a organizações da sociedade civil que trabalham com
os delinquentes e a delinquentes podem revelar
algumas luzes sobre os mercados locais. Poderão estar disponíveis relatórios anteriores.
Perguntas-chave
nQuais as drogas que estão a ser traficadas na
cidade?
nQual é a escala estimada do negócio?
nOnde, quando e por quem são as drogas
distribuídas?
nDe onde provém o tráfico de drogas?
nComo é que elas chegam à cidade?
nQuais as drogas e que quantidades são pro-
duzidas localmente?
nQue ligações existem com gangs de crime
Laboratórios de Metanfetaminas
(Nova Zelândia)
A manufactura e o comércio ilegal de metanfetaminas é um grande negócio na Nova Zelândia,
onde são conhecidas como “P”. Algumas são
importadas da China mas a maioria é produzida
artesanalmente de forma clandestina em laboratórios domésticos, colocando as comunidades em risco devido aos fumos tóxicos.
Gangs que antes eram considerados inimigos
trabalham em conjunto porque os lucros falam
mais alto. Apesar de estar, normalmente, associado a gangs motards, como os Head Hunters,
também entraram no mercado alguns gangs étnicos, incluindo os Mongrel Mob.
A polícia neozelandesa disponibilizou orientação
aos cidadãos para estes poderem identificar os
laboratórios em áreas/bairros residenciais. Deverão identificar-se os seguintes sinais:
n
Cheiros estranhos
n
Fugas de vapores e fumos de janelas e ou
ventiladores
n
Actividades invulgares a horas estranhas
n
Instalações que são usadas para outros fins
e não os que seriam de esperar (ex. garagem sem entradas e saídas de veículos)
n
Janelas fechadas ou tapadas de dia e de
noite
n
Pessoas com comportamentos associados
ao consumo de drogas
n
Comportamentos erráticos fora do normal
organizado?
nO que está a ser feito para reduzir o forneci-
mento?
New Zealand Police Safety Tips139
nQual é a eficácia dessa acção?
nQuais são as prioridades para as acções fu-
turas?
Fontes privilegiadas
nRelatórios de investigações anteriores
nPolícia e serviços de Justiça
nOrganizações da sociedade civil que provi-
denciam apoio aos toxicodependentes
139
www.police.govt.nz/safety/meth.html
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
71
12 Empresas
e Criminalidade
12.1. Introdução
AS
empresas estão envolvidas de diferentes
formas com a criminalidade e a sua prevenção. Poderão ser vítimas da criminalidade,
podem facilitá-la ou perpetuá-la e podem desempenhar um papel activo de suporte na diminuição
das ofensas, disponibilizando um leque alargado
de programas preventivos. Cada um destes tópicos merece atenção por parte do DLS e serão
sumariamente abordados de seguida.
12.2. As empresas
como vítimas
AS
empresas são as vítimas de um vasto leque de crimes contra o património e bens,
tais como roubos, assaltos, fraudes, vandalismo
e falsificações, assim como crimes violentos e
assédio cometidos contra os colaboradores e
os clientes durante os assaltos e roubos. Podem
também ser alvos de crime de intolerância, extorsão e corrupção.
140
72
Os Custos do Crime Contra Empresas
(Inglaterra e País de Gales)
O «Home Office» estima que 44% dos custos
totais da criminalidade (60 mil milhões de libras) são sofridos pelas empresas e outras organizações e o custo das fraudes anuais é de
14 mil milhões de libras.
The Economic and Social Costs
of Crime (2000)140
A investigação em alguns países demonstra que
as empresas podem sofrer vitimizações graves.
Estudos efectuados às vítimas empresariais na
Austrália e no Reino Unido, por exemplo, demonstraram que as taxas de assaltos a empresas podem ser mais altas do que as cometidas contra
a propriedade individual. Os problemas repartem-se de forma muito diferente, sendo que a maioria
dos incidentes está circunscrita a uma pequena
porção das empresas e de instalações. O padrão
de incidência deste tipo de crimes é mais forte
nalguns sectores do que em alguns crimes cometidos contra indivíduos.
Home Office (UK). The economic and social costs of crime. Home Office Research Study 217, London: Home Office, 2000, em www.
homeoffice.gov.uk/rds/pdfs/hors217.pdf.
Apesar do crime contra as empresas se desenrolar à escala mundial e por grupos organizados,
muita da criminalidade é local. Em alguns países
e sectores, tais como o retalho ou grossistas, existem danos internamente perpetrados de dimensão considerável, como o crime cometido pelos
próprios colaboradores, que são danos tão significativos como os danos resultantes de crimes
cometidos por clientes ou outros.
Embora se possa pensar que as empresas têm
de resolver os seus próprios problemas, existem
vários motivos pelos quais a equipa do DLS deve
examinar este assunto:
nAs empresas fazem parte da comunidade e
os crimes cometidos contra as mesmas não
as afectam somente a elas. A violência no
local de trabalho afecta directamente os trabalhadores e as suas famílias. Perdas financeiras têm um impacto directo nos empregos
e os custos são imputados aos clientes.
nOs criminosos são conhecidos por variar os
seus alvos e podem cometer crimes tanto
contra a estabelecimentos comerciais como
contra a indivíduos: faz por isso sentido estudá-los em conjunto.
nA vitimização tem um maior impacto nas pequenas empresas, não só porque são as mais
afectadas, mas porque estas muitas vezes
não possuem qualquer seguro ou outros recursos e infra-estruturas que reduzam o risco.
As empresas podem desempenhar um papel muito significativo na prevenção do crime na comunidade, sendo que estas ajudarão mais prontamente se os seus próprios problemas também fizerem
parte dos objectivos ou actividades planeadas.
12.3. As empresas como facilitadoras e
autoras de crimes
U
ma gestão danosa ou inapropriada, intencional ou não, pode facilitar a prática de crimes.
Em zonas de diversão, por exemplo, distúrbios relacionados com o consumo de álcool, tráfico de
droga ou exploração sexual de menores podem
ocorrer em estabelecimentos licenciados. Vendas
irresponsáveis de armas de fogo ou armas brancas podem aumentar o risco de violência. Uma
segurança insuficiente ou inexistente em parques
de estacionamento de centros comerciais pode
aumentar a vulnerabilidade dos visitantes e o risco
dos seus veículos serem assaltados.
O Mercado da Mercadoria Roubada
(Austrália)
Os investigadores entrevistaram no território da
capital australiana 46 delinquentes e 15 revendedores de bens receptados durante uma investigação sobre o destino dos objectos depois
de serem roubados. Vender essa mercadoria
roubada a empresas descobriu-se ser um dos
métodos mais utilizados.
Uma grande variedade de empresas em situação regular, desde as pequenas lojas de bairro
às lojas no centro de Camberra, aceitavam mercadoria furtada/roubada e os delinquentes estavam supostamente familiarizados com as redes
e o circuito de distribuição que poderiam usar.
Ainda que pareça que algumas empresas legítimas servem de fachada a actividades ilegais,
pode tratar-se de funcionários dessas empresas
que vendem os bens para proveito próprio, utilizando as empresas para receptarem os bens
furtados/roubados.
The Stolen Property Market in ACT (2002)141
141
Nelson D, Collins L and Gant N (2002). The stolen property market in the Australian Capital Territory. A report prepared by the Australian Institute of Criminology for the ACT Department of Justice and Community Safety, October 2002, em www.aic.gov.au/publications/reports/
act_stolen_property.pdf.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
73
Empresas do sector privado podem ser também usadas para perpetrar o crime, pelos seus
proprietários ou trabalhadores. Os crimes variam
entre a fraude directa ao cliente até à fraude financeira a nível local, ou fraudes internacionais mais
complexas, cujo objectivo consiste em violar as
leis nacionais. Aparentemente, poderão utilizar-se empresas legítimas e legais para vender bens
roubados ou branquear os proventos do crime.
Podem esconder e promover o jogo ilegal e a
prostituição, recolher indevidamente informações
detalhadas sobre os clientes, tais como identificação bancária dos cartões de crédito, informações posteriormente usadas para cometer outros
crimes contra o património.
As Empresas Como Parceiros na Prevenção
do Crime (África do Sul)
“O sector empresarial pode dar um contributo
válido no apoio governamental à luta contra o
crime e as suas causas, através da transferência de conhecimentos e da criação e desenvolvimento de competências e capacidades, bem
como de uma parceria público-privada”.
Presidente Nelson Mandela (1996)
12.5. Diagnosticar
o envolvimento
12.4. As empresas
das empresas
como dissuasoras no crime e
do crime e
na prevenção
impulsionadoras dados dos registos policiais incluem al
da sua prevenção Osguma estatística relacionada com a vitimi-
U
ma gestão responsável e eficaz pode contribuir significantemente para o esforço de prevenção contra a criminalidade. Através de acções
apropriadas que protejam os trabalhadores e os
clientes, e a segurança das suas instalações e
bens, as empresas podem reduzir a vitimização
directamente ligada à sua própria actividade.
Podem desempenhar também um importante
papel na prevenção do crime que não está tão
directamente ligada aos seus interesses comerciais. Isto pode significar apoios a parcerias locais
ou iniciativas individuais. As contribuições podem
ser de fundos, horas laborais, consultoria técnica,
acesso às instalações ou outro tipo de assistência. Os seus motivos podem ser altruístas, mas
também existirá um benefício para as empresas,
pois ficam bem relacionadas, protegem os seus
clientes e publicitam-se.
74
zação das empresas. Será importante analisá-la,
mas muito provavelmente esta estará muito abaixo da verdadeira extensão do problema. Na maioria das vezes, e por razões várias, as empresas
não reportam os seus problemas; logo, por vezes,
as estatísticas policiais não distinguem os crimes
contra as empresas de outros.
Um estudo sobre as vitimizações das empresas
pode produzir informação válida, apesar de ser difícil conseguir uma taxa de adesão elevada. Informação menos específica pode ser obtida através
das instituições representativas, tais como associação de revendedores e retalhistas ou Câmaras
de Comércio. Outras fontes a explorar incluem
companhias de seguros e de segurança privada.
Informação estatística sobre o papel do sector privado como dissuasor, facilitador ou perpetrador
do crime será certamente muito mais difícil de obter. Será por esse motivo necessário apoiarem-se
mais em dados qualitativos. Representantes do
sistema de justiça penal, especialmente das forças policiais, bem como das organizações comunitárias, ou responsáveis da comunidade, devem
ser consultados para se obterem as suas perspectivas sobre a situação. As próprias empresas
e os seus corpos representativos, tais como as
Câmaras de Comércio, devem ser também convidadas a pronunciarem-se.
É necessário ter cautela na interpretação da informação recolhida. Pequenas empresas ou indivíduos que fazem parte da economia informal podem ser os mais vulneráveis e os mais afectados,
mas são também os menos aptos a fornecerem
informação fiável e objectiva142. Estes podem ser
de mais difícil abordagem e ter menos influência
do que as médias e as grandes empresas no que
respeita à definição de programas de prevenção.
De uma forma geral, as fontes de informação com
mais poder estarão relutantes a revelar pormenores
das suas vitimizações e das suas perdas porque
se torna um assunto comercialmente sensível.
Perguntas-chave
nQuais são os principais tipos de vitimização
das empresas e quais as áreas mais problemáticas?
nEm que medida as empresas, durante a sua
gestão e práticas responsáveis, dissuadem ou
facilitam os crimes efectuados por terceiros?
nO que é que se sabe sobre as empresas
como perpetradoras do crime?
nQue medidas de prevenção estão em curso?
Qual é a eficácia das mesmas?
nQue papel desempenham as empresas na
prevenção do crime a nível urbano?
nQual é a prevalência da violência contra
os trabalhadores e como é que ela acontece?
nQuais são os custos do crime para as empresas?
nQuem comete os crimes (trabalhadores,
jovens, gangs)?
nQual é o impacto que o crime contra as
empresas tem sobre a população e a economia em geral?
nComo estão as empresas a reagir? Qual é
a eficácia das suas reacções?
Fontes privilegiadas
nPolícia e outras entidades judiciais (prisões,
tribunais)
nOrganizações que representam o sector pri-
vado, incluindo Câmaras de Comércio
nOrganizações comunitárias
nProprietários e trabalhadores de pequenas
empresas
nSeguradoras
nPrestadores de serviços de segurança
nAutarcas
nGerentes de centros comerciais, parques in-
dustriais ou outras áreas comerciais
nSenhorios
142
Mayhew P and Taylor N. Financial and psychological costs of crime for small retail businesses, Trends and Issues in Crime and Justice 229.
Canberra: Australian Institute of Criminology, 2002 em www.aic.gov.au/publications/tandi/ti229.pdf.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
75
13 Bairros com Elevadas Taxas
de Criminalidade
13.1. Introdução
O
crime, a desordem e a insegurança nunca estão distribuídos de modo equitativo. Enquanto
algumas comunidades se mantêm relativamente
seguras, outras têm áreas residenciais e comerciais
que experienciam níveis mais elevados de criminalidade. Os problemas podem estar altamente concentrados a nível espacial, com metade das queixas-crime reportadas a acontecerem em só 10% da
área da cidade. Os bairros mais problemáticos143,
provavelmente, têm taxas de criminalidade 4 a 5 vezes maiores do que a média da cidade.
Viver com uma persistente elevada taxa de criminalidade, não só causa danos graves à saúde, à
longevidade e à qualidade de vida dos cidadãos,
como afecta o bem-estar presente e futuro das comunidades como um todo. Devido à complexidade e gravidade dos problemas, estes bairros tendem a ser resistentes à mudança. Por esta razão,
quando se desenvolve a estratégia de prevenção
urbana do crime, reconhecendo que a população
deste bairros é certamente pobre e com recursos
limitados, esta merece uma atenção especial.
Tipicamente, estes bairros são caracterizados
por elevados níveis de crime contra a propriedade, violência, tráfico de droga e perturbações de
ordem pública, vitimização repetida (ver, adiante,
Secção 15.2) e medo do crime. São, igualmente, os mais desfavorecidos em outros aspectos,
sofrendo um vasto leque de problemas sociais,
económicos, ambientais e outros. Na maioria das
vezes existe um ciclo vicioso no qual a carência
serve de combustível à insegurança e esta, por
sua vez, resiste à regeneração urbana144.
Nestas áreas, a estratégia de prevenção do crime
deve fazer parte de uma estratégia abrangente e
coordenada que aborde todo o espectro de problemas existentes. Estes podem incluir a pobreza,
o abandono escolar, a desestruturação familiar, o
desemprego, as más condições habitacionais, a
escassez de serviços, os estados de abandono,
a falta de infra-estruturas de lazer e as dificuldades
no sector comercial. A experiência sugere que tratar dos problemas isoladamente não trará melhorias sustentáveis.
Em Portugal, a PSP dispõe de um Modelo Integrado de Prevenção e Intervenção Policial em Bairros Problemáticos ou Pontos Quentes
(cfr. Directiva Estratégica n.º 16/2006, de 26 de Julho). Foi realizado e publicado em 2007 um estudo que analisa detalhadamente a
questão dos bairros problemáticos nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, coordenado pelo LNEC (cfr. Machado et al., Metrópoles
Seguras: Bases para uma intervenção multissectorial nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, Relatórios 113 e 114/2007 - DED/
NESO, Lisboa).
144
Em Portugal está em curso a Iniciativa Operações de Qualificação e Reinserção Urbana de Bairros Críticos, aprovada através da Resolução de Conselho de Ministros nº 143/2005, de 2 de Agosto, integrada numa lógica de regeneração urbana mais abrangente e que é
conferida pela Política de Cidades POLIS XXI. Para além do eixo das “parcerias para a regeneração urbana” haverá que atender ao eixo
das “acções inovadoras para o desenvolvimento urbano”, cuja tipologia de acções consagra “Projectos, de preferência com componente
maioritariamente imaterial, que traduzam respostas inovadoras aos problemas urbanos e às novas procuras urbanas, nomeadamente nos
seguintes domínios: a) Prestação de serviços de proximidade; b) Acessibilidade e mobilidade urbana; c) Segurança, prevenção de riscos
e combate à criminalidade; d) Gestão do espaço público e do edificado” (in Política de Cidades POLIS XXI).
143
76
13.2. Diagnosticar
bairros com
elevadas taxas
de criminalidade
Na
implementação da Fase 1, um DLS deve
ser usado para identificar os bairros que
possuem elevadas taxas de criminalidade e estabelecer se está a ser aplicada uma estratégia
eficaz no local (ver, anteriormente, Secção 4.2). Se
tudo apontar para a necessidade de uma investigação mais detalhada e aprofundada, as atenções devem focar-se nesses bairros específicos
durante a implementação da Fase 2. Como foi
acima referido não só é insensato, como improvável, considerar assuntos relativos à segurança
isoladamente em bairros com elevadas taxas de
criminalidade. Os problemas estão interligados e,
como tal, necessitam de ser abordados conjuntamente. Somente com acções concertadas poderão alcançar-se progressos reais.
Durante a implementação da Fase 2, estabelecer
um contacto e envolvência eficaz com a comunidade será vital. Deverá considerar-se a implementação de um grupo ou comité que esteja sediado no bairro para poder gerir e supervisionar
a implementação dos trabalhos dessa fase. De
preferência, deverá ser liderado por uma organização comunitária respeitada e preocupada com
o bem-estar geral do bairro. Contudo, o grupo deverá também incluir representantes de interesses
significativos e legítimos, tais como minorias etnoculturais, mulheres, crianças e grupos religiosos.
Os potenciais membros deverão também integrar
as entidades (como os serviços sociais), as instituições (como escolas), os prestadores de serviços (como assistência social e transportes) e o
sector privado (como os retalhistas).
Um exercício de reconhecimento da comunidade
pode definir o programa para uma pesquisa mais
detalhada (ver, adiante, Secção 17.3). O reconhecimento dá a oportunidade aos residentes de opinarem sobre as suas expectativas em relação ao
futuro do bairro e ajuda a estabelecer prioridades
nos aspectos que necessitam ser alterados. As
diferenças entre as aspirações dos diferentes grupos poderão identificar-se e deverá considerar-se
a maneira de se poderem conciliar.
145
Um Novo Compromisso: O Programa
das Comunidades (Inglaterra)145
Anunciado em 1998, o programa NDC (New
Deal for Communities) é um componente-chave
do Programa Nacional de Regeneração de Bairros. Com o foco em 39 dos mais problemáticos
bairros (com 10.000 habitantes em média), tem
como objectivo reduzir as múltiplas privações e
fechar o fosso entre estas áreas e o resto do país.
O orçamento geral do programa rondou os 2 mil
milhões de libras num espaço de dez anos.
Em cada bairro, uma parceria com o NDC une a
comunidade, entidades locais e prestadores de
serviços para que se desenvolva e implemente
um programa que melhore a saúde e a educação, reduza o desemprego, aumente o nível das
condições de habitabilidade e reduza o crime.
A primeira tarefa prática envolveu a pesquisa
e consulta de forma a contribuir para o desenvolvimento dos planos que se podiam pôr em
prática. Esta foi uma abordagem “disciplinada
passo a passo” e com uma duração, em média,
de nove meses. Um elemento vital desta abordagem foi a recolha de dados no local sobre o
bairro para se identificarem os problemas principais e as potenciais soluções, em articulação
com a disponibilidade dos recursos que possam tornar possível essa evolução e atingir os
resultados pretendidos.
Os resultados do reconhecimento podem ser
usados para conceber inquéritos mais sistemáticos. Estudos e consultas com diferentes grupos
de interesses (i.e. residentes adultos, jovens e comerciantes) darão voz a todos (ver, adiante, Secção 16.2). Os assuntos que dizem respeito às mulheres, em particular, devem ser explorados num
diagnóstico específico para as mulheres. Podem
empreender-se visitas de modo a identificar e examinar locais onde as pessoas se sintam menos
seguras (ver, adiante, Secção 17.3). Um trabalho
de maior proximidade pode ser necessário para
criar laços com os grupos mais marginalizados, e
cujos pontos de vista podem não estar a ser bem
representadas por outros canais. Se estiverem
disponíveis estatísticas úteis, devem recolher-se
www.neighbourhood.gov.uk/page.asp?id=617
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
77
os dados das entidades para se acrescentarem
ao perfil do crime e dos seus respectivos factores de risco. Os representantes das entidades
responsáveis pela prestação de serviços deverão
também fazer parte do processo de DLS.
Estes contactos não deverão servir somente para
examinar os problemas e as preocupações; eles
providenciam uma importante oportunidade para
evidenciar o lado positivo destes bairros, que serviços estão a trabalhar bem, quais são as vantagens que poderão advir e quem de facto se interessa pela comunidade. Igualmente importante é
a necessidade de lutar contra a estigmatização e
os rótulos de um bairro que pode ser revigorado
por um DLS que não se concentre somente nos
aspectos negativos. Tanto quanto possível, deve
ser usado para incutir nos moradores a confiança
e o sentido de envolvimento e de parceria para
tratar os problemas daí para a frente.
Figura 1
O compromisso comunitário nos
bairros de Saskatoon, Canadá
Perguntas-chave
nQuais os bairros que têm os problemas mais
graves?
nCada um tem uma estratégia completa e co-
ordenada?
nAs estratégias estão bem implementadas,
são adequadas e eficazes?
Em cada bairro problemático que necessita
de uma análise mais detalhada
nQuais são as principais preocupações da comunidade?
nQual é o impacto dos problemas nos diferentes grupos (mulheres, jovens e minorias)?
nExistem locais onde as populações se sintam
particularmente inseguras?
nComo se pode explicar o nível de crime e de
insegurança?
nQue outros problemas afectam o bairro?
nQual é a visão da comunidade sobre o futuro?
nCom que eficácia as entidades prestam os serviços públicos básicos (policiamento, apoio à
família, e saúde)?
nAs entidades trocam informações e trabalham de modo eficaz em parceria?
nO que está a ser feito para combater especificamente este problema?
nAs intervenções apropriadas estão a ser direccionadas aos indivíduos e famílias mais
vulneráveis?
nQuais os serviços e intervenções que estão a
trabalhar bem e quais não estão?
nQuais são as vantagens e as forças positivas
sobre as quais é possível construir-se algo?
nQuais são as prioridades da comunidade
para acções futuras?
Fontes privilegiadas
nRelatórios de investigação anteriores
nOrganizações sedeadas nas comunidades
nJovens
nGrupos de defesa dos interesses das mulheres
nPrestadores de serviços
nPolícia
nEmpresas e comerciantes
78
PARTE C:
FONTES,
TÉCNICAS E
INSTRUMENTOS
14 Informação do DLS:
Considerações Estratégicas
14.1. Fontes de
Informação
A
Parte C providencia aconselhamento aos executantes sobre o uso das diferentes fontes de
informação do DLS. Isto inclui um aconselhamento geral sobre o leque de informação a recolher.
Dá especial atenção ao uso de dados provenientes de fontes secundárias (caso existam) e a estudos que forneçam dados quantitativos. Finalmente, examina-se o importante contributo dos dados
qualitativos e dão-se conselhos quanto ao uso
das técnicas e instrumentos para a sua recolha.
O sucesso de um DLS depende da variedade e
qualidade da informação na qual se baseiam as
conclusões. É importante decidir qual a informação necessária, que fontes existentes são úteis
e quais as lacunas que melhor se poderão preencher com investigação empírica. É necessário
reconhecer que todos os tipos de fontes têm as
suas limitações e os executantes têm de fazer escolhas fundamentais em relação a:
nO Valor: a informação acrescentará algo que
leve a um melhor conhecimento do contexto
local, dos seus problemas ou respostas?
nA Validade: a informação é suficientemente
precisa, abrangente e actualizada, de modo
a justificar a sua inclusão? São as suas limitações conhecidas?
80
nA Prioridade: valerá a pena disponibilizar os
recursos necessários para obter e analisar a
informação?
nA Relevância: terá utilidade a informação
para a elaboração da estratégia de prevenção do crime?
Um bom DLS construirá um quadro de referência,
através da compilação de informação de várias
fontes, de modo a assegurar que as perspectivas de todos os interesses da comunidade estão
incluídas, e de modo a reduzir a subjectividade
que pode estar subjacente ao uso de um número limitado de fontes. Poderá ser possível explorar
extensivamente dados recolhidos por terceiros,
tais como relatórios policiais ou estatísticas criminais. Quando estes dados são apropriados, faz
todo o sentido usar essas fontes secundárias de
informação, pois poupa-se tempo e dinheiro. As
vantagens e desvantagens das diferentes fontes
são demonstradas no Quadro 15.
Fontes Primárias
Fontes Secundárias
Quadro 15
DLS: Fontes de informação
Fonte
Descrição
Vantagens
Desvantagens
Documentos
Relatórios, estudos
científicos, planos e
avaliações.
Facilidade de acesso.
Baixo custo.
Poderão não tratar os
tópicos certos. Podem
estar desactualizados.
Estatísticas
Dados recolhidos
antes do DLS por
entidades públicas,
sociedade civil ou
empresas. Podem
incluir dados recolhidos
rotineiramente ou
para outros
objectivos.
Informação quantitativa
acessível no imediato.
Baixo custo.
Podem não tratar os
assuntos de que o
DLS precisa. Podem
não representar
as populações
mais pobres e
marginalizadas.
O acesso pode ser
restrito. Os dados
não estão seccionados
por zonas. Podem
estar desactualizados.
As definições podem
variar entre diferentes
entidades.
Entrevistas
Contactos com
informadores-chave (indivíduos
conhecedores) em
diferentes entidades,
na sociedade civil
ou nas empresas.
Obtêm-se respostas
às perguntas
“quando” e “como”.
Permite flexibilidade
para explorar os
assuntos.
Pouca probabilidade
de fornecer dados
concretos. Baseiam-se em perspectivas
e podem não ser
objectivas.
Estudos
Questionários de
vitimizações e de
criminalidade auto-revelada. Estudos
de opinião.
Dados recolhidos com
objectivos específicos.
Podem ser adaptados
a adultos, jovens e
empresas.
Exigem muitos
recursos e é difícil
incluir os grupos
mais marginalizados.
Consultas
Reuniões de grupo
e envolvimento
dos media com
as comunidades e
grupos.
Permite a participação
de indivíduos,
incluindo os que
partilham os mesmos
interesses. Dificuldade em
cobrir vários grupos
diferentes. Trabalho
intensivo.
Trabalho de
proximidade
Envolver-se com os
grupos no seu próprio
meio, muitas vezes
individualmente.
Poderá ser a melhor
opção para os grupos
mais marginalizados,
pois permite a
participação individual.
Dificuldade em
cobrir vários grupos
diferentes. Trabalho
intensivo.
Observação
Visita a locais e
serviços específicos
para observar e
conversar com os
intervenientes locais.
Providencia uma
informação directa
e em primeira mão
sobre o que está a
acontecer.
Trabalho intensivo.
Dificuldade em obter
uma impressão
correcta e precisa
com uma visita curta.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
81
Noutras situações seria necessário confiar mais na
informação proveniente das fontes primárias recolhidas propositadamente pela equipa do DLS. Isto
poderá envolver a condução de estudos e consultas, facto que será certamente mais dispendioso,
podendo estas ser adaptadas de modo a servir
necessidades específicas do DLS.
Diferentes fontes serão úteis em diferentes etapas
de implementação (Quadro 16). De uma forma geral, a informação proveniente de fontes secundárias
será mais utilizada na Etapa 1 (Análise Alargada e
Genérica), enquanto a compilação de dados de
fontes primárias será essencial em etapas mais
avançadas.
14.2. Reconhecer
a diversidade
na comunidade
C
ada população de uma determinada comunidade é heterogénea, pois é constituída por
vários grupos com perspectivas diferentes sobre
o crime e a vitimização, tendo todos eles o direito
de ser reconhecidos no processo do DLS. Estes
grupos incluem jovens, mulheres, minorias étnicas e culturais, idosos, deficientes, doentes do
foro psiquiátrico, comunidades migrantes, os que
procuram asilo e muitos outros. O leque de grupos varia de lugar para lugar, reflectindo perfis e
padrões demográficos e sociais.
Quando a informação é recolhida, considerando a
comunidade como um todo (ex. uma cidade, um
município), ou quando os dados são recolhidos
segundo a média da população total, a individualidade dos diferentes grupos sociais pode ser facilmente ignorada146. É por esse motivo importante
que os dados quantitativos e qualitativos sejam
desagregados de modo a que as perspectivas,
experiências e contribuições desses grupos sociais seja, individualmente, levada em consideração. E quando estes mesmos grupos estão
sub-representados na globalidade das fontes de
informação, abordagens alternativas necessitam
ser adoptadas para assegurar que as suas vozes
se façam ouvir (ver, anteriormente, Secção 5.4 e,
adiante, Secção 17).
Quadro 16
Fontes de informação úteis durante as diferentes Fases de implementação do DLS
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Análise Alargada
e Genérica
Investigação
Aprofundada e
Pormenorizada
Identificar
Prioridades e
Oportunidades
Consultoria e
Comunicação
Documentos
Estatísticas
Entrevistas
Inquéritos
Consultas/
Audições
Mediação ou
intermediação
social
Observação
146
82
Nota da edição portuguesa. Este efeito de generalização designa-se por “falácia ecológica” e foi desenvolvido por Robinson (1950).
Identifica o erro na interpretação de dados estatísticos, correspondente ao estabelecimento de inferências acerca da natureza específica
dos indivíduos com base em dados agregados respeitantes ao grupo do qual esses indivíduos fazem parte. No fundo, trata-se da generalização de resultados obtidos para um agregado, tomando os elementos constitutivos desse grupo como iguais. Ora, Robinson, no
famoso artigo publicado no American Sociological Review clarificou que uma correlação individual é uma correlação na qual o objecto
estatístico ou a coisa descrita é indivisível, e alertou que na correlação as variáveis são propriedades descritivas dos indivíduos e não
constantes estatísticas descritivas, como sejam as taxas ou médias.
14.3. Partilha de
informação e
confidencialidade
dos dados
P
ara que os DLS maximizem o uso dos recursos
disponíveis, é necessário que exista uma partilha
de informação entre todas as entidades. Preocupações legítimas sobre a quebra de confidencialidade,
especialmente no que respeita a dados pessoais,
levaram muitos países a impor restrições relativas à
divulgação de informação. Estas restrições não devem, contudo, abranger a partilha de dados estatísticos que não são personalizados e que não podem
ser relacionados com indivíduos, nem devem inibir
o uso dos resultados de investigações provenientes
de consultas à comunidade. Já os comentários e as
contribuições de indivíduos só devem ser divulgados com o seu claro consentimento.
A negociação de um acordo de partilha de informação entre organizações intervenientes, antes
de iniciar o DLS, pode ajudar a evitar problemas
futuros. Esse acordo deve também abranger a
partilha de dados pessoais que possam, claramente, prevenir a actividade criminal no futuro.
Sendo este assunto consensual, a partilha de informações impessoais e despersonalizadas deverá ser facilmente negociável147.
O “Home Office” publicou um modelo de protocolo para a partilha de informação ao qual as empresas cooperantes podem aderir148. Tendo em
conta as leis de protecção de dados e os direitos
humanos, este protocolo baliza a partilha das informações, estabelece as regras fundamentais que
suportam o acordo e padroniza a segurança dos
dados149. Acima de tudo, especifica as condições
nas quais cada tipo de dados, dos impessoais
aos mais sensíveis, pode ser partilhado. Embora
o seu conteúdo reflicta a legislação nacional, os
grupos de apoio ao DLS podem considerar importante fazer uma revisão deste modelo, quando
desenvolverem os seus próprios acordos com os
parceiros organizacionais.
O Conselho Australiano de Investigação Criminal
providenciou também orientação sobre o manuseamento de informação confidencial e pessoal
recolhida no decorrer da investigação150.
14.4. Observatórios
de dados
UM
DLS requer uma integração da informação
oriunda de múltiplas fontes, de modo a obter um mais aprofundado conhecimento dos problemas e dos factores causais que afectam o crime e
os problemas a ele associados. Embora isto possa
parecer, ao princípio, uma tarefa inglória, na realidade ela necessita de ser repetida periodicamente e,
idealmente, os que participam na prevenção e os
estrategas e técnicos deveriam monitorizar qualquer
mudança de forma contínua e sistemática. Este tipo
de requisitos não é exclusivo da prevenção do crime. É actualmente aplicado na maioria das áreas,
e os observatórios de dados têm-nas estabelecido num cada vez maior número de comunidades,
como resposta à necessidade imposta.
Um observatório é um organismo que enquadra a
informação proveniente de um vasto leque de entidades e a analisa para informar o público e desenvolver programas. Poderá ser necessário negociar
com os fornecedores de dados em assuntos de
confidencialidade, definições e formatos, para que
se maximize a compatibilidade e a relevância dos
mesmos. O trabalho do observatório pode incluir
a construção de bases de dados integradas ou
Sistemas de Informação Geográficos (SIG) que
sirvam de suporte à análise. Mais importante ainda
é o facto de a informação ser recolhida continuamente para que haja uma actualização regular e
uma contínua monitorização.
Em Portugal, a carência de bases de micro-dados torna esta questão por demais relevante. Acrescente-se que à ausência de micro-dados
se junta um outro grave problema, que resulta da deficiente ou inexistente meta-informação dos dados que se poderiam disponibilizar.
148
www.crimereduction.gov.uk/infosharing21-00.htm
149
Para Portugal convém consultar a seguinte legislação sobre protecção de dados pessoais:
n Artigo 35º da Constituição da República Portuguesa – utilização da informática
n Lei 67/98 – Lei da Protecção de Dados Pessoais
n Lei 2/94 – estabelece os mecanismos de controlo e fiscalização do Sistema de Informação Schengen
n Lei 68/98 – entidade nacional na Instância Comum de Controlo da EUROPOL
n Lei 36/2003 – regula o estatuto e competências do membro nacional da EUROJUST
n Lei 43/2004 – Lei da organização e funcionamento da CNPD
150
Chalmers R and Israel M. Caring for data: law, professional codes and the negotiation of confidentiality in Australian criminological research.
Canberra: Criminology Research Council, 2005, em www.aic.gov.au/crc/reports/200304-09.pdf.
147
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
83
Observatório Regional sobre Politicas
de Segurança (Itália)151
Os observatórios podem ser genéricos, cobrindo
um vasto leque de políticas e programas, ou focalizados em assuntos específicos, tais como o
da segurança urbana. Um observatório deste tipo
pode facilitar grandemente o trabalho do DLS e,
igualmente importante, permitirá que se acompanhem as alterações, de modo a identificarem-se
novos assuntos em tempo útil, despoletando as
necessárias intervenções da prevenção do crime. Onde eles existem já provaram ser um recurso insubstituível. Nos locais onde eles ainda não
existam os líderes políticos podem desejar desenvolver observatórios destes e incluí-los na sua
agenda política.
O Observatorio Regionale sulle Politiche Integrate per la Sicurezza foi fundado em 2000 pela
região da Toscânia para manter em base de
dados um perfil das condições de segurança e
desenvolver investigações relacionadas com a
mesma. Este compila e analisa uma vasta base
de dados que faz a cobertura do crime e dos
seus factores de risco permitindo avaliar a insegurança dos cidadãos em diferentes áreas e
estratos sociais. Os resultados do observatório
ensão uma importante ferramenta para desenvol- Vários exemplos de observatórios podem ser
contrados nos países da Europa Ocidental152. Em
ver políticas de prevenção do crime.
França, um observatório nacional para a toxicodependência (Observatoire Français des Drogues et
des Toxicomanies) estabeleceu-se em St. Denis
(perto de Paris)153. Em Inglaterra várias regiões têm
observatórios gerais e cada região tem um observatório especializado em assuntos relacionados
com a saúde pública, incluindo o abuso de substâncias154.
http://sicurezza.regione.toscana.it/
Para Portugal, a DGAI identificou uma rede de observatórios que directa ou indirectamente são produtores de dados ou dispõem de
repositórios que interessam ao tema da segurança das populações, tendo criado, na sequência dessa identificação, um Fórum de Observatórios. Para saber mais, ver www.dgai.mai.gov.pt.
153
Observatoire Français des Drogues et des Toxicomanies. Ver www.ofdt.fr.
154
The East of England Observatory é um exemplo de um observatório genérico. Ver www.eastofenglandobservatory.org.uk. Para consultar a lista de todos os observatórios da saúde existentes em Inglaterra, ver www.apho.org.uk/apho.
151
152
84
15 A Utilização de
Fontes e Dados
Secundários
15.1. Introdução
OS
dados quantitativos são o ingrediente vital
de qualquer DLS. Os números dão precisão aos assuntos examinados, são mais fáceis de
apresentar e, normalmente, mais fáceis de analisar. Em muitas comunidades um vasto leque de
estatísticas sobre assuntos de relevo é recolhido
pelas entidades para seu próprio proveito (Quadro
17). Onde estes dados secundários são razoavelmente precisos, úteis e disponíveis, a sua análise
deverá ser um dos principais elementos da implementação da Fase 1, não só para construir com
relativa brevidade, um perfil da comunidade, mas
também para identificar falhas de informação que
necessitem de ser preenchidas posteriormente.
Quadro 17
Potenciais fontes de dados secundários
nPolícia
nOutras entidades do sistema de Justiça:
tribunais, estabelecimentos prisionais e de reinserção social
nServiços de apoio à vítima
nServiços de habitação e serviços ambientais
nServiços de educação, incluindo escolas e estabelecimentos de ensino superior
nServiços de assistência social
nPrestadores de cuidados de saúde, incluindo hospitais particulares e clínicas
nInstituições de investigação, incluindo universidades
nServiços de bombeiros
nGrupos comunitários
nOrganizações da sociedade civil sem fins lucrativos
nEmpresas de segurança privada e seguradoras
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
85
Os dados estatísticos secundários devem, contudo,
ser sempre escrutinados, especialmente se não forem suportados por fontes independentes. Os números fornecem uma sensação de exactidão e certeza que nem sempre se justifica, já que estão quase
sempre incompletos e poderão muito facilmente ser
mal interpretados e/ou desvirtuados. Mais ainda, pelo
facto de terem sido recolhidos para outros propósitos, raramente satisfazem as necessidades do DLS.
Uma outra dificuldade ainda mais comum é o facto de os dados só estarem disponíveis de uma
forma generalizada, enquadrando a comunidade
como um todo, ou estarem disponíveis de acordo com subdivisões ou áreas não compatíveis
entre si. Por outras palavras, existe uma falta de
compatibilidade entre eles. Mesmo onde estão
disponíveis boas fontes secundárias, determinada informação relevante não está, normalmente,
acessível e necessita de ser recolhida especificamente pela equipa do DLS (Quadro 18).
Nada do que foi acima referido invalida o uso das
fontes secundárias. Pelo contrário, deverá avaliar-se bem o seu uso, pois a sua rápida acessibilida-
de poderá preencher as lacunas, já que a alternativa envolve dispêndio de tempo e de recursos.
De facto, em casos onde uma variável é difícil de medir
ou um conceito é difícil de definir, não restarão muitas
hipóteses se não o uso das fontes secundárias. Isto
aplica-se, por exemplo, aos conceitos de exclusão
social e medo do crime155. Este último conceito avaliase tendo como base o medo que um indivíduo sente
num local particular (em sua casa ou na rua), numa altura particular (por exemplo, depois de escurecer) sem
ter em consideração que muitas pessoas parecem ter
um medo iminente do escuro independentemente do
risco de vitimização que possa ou não existir.
15.2. Dados policiais
EM
muitas comunidades, os dados criminais
registados pela polícia são um importante
recurso. Porém, a sua acessibilidade e utilidade
tem grandes variações. O acesso pode ser restrito
por razões políticas, legais ou técnicas e, em quase todos os países uma quantidade significativa
de criminalidade não é reportada ou registada156.
Quadro 18
Falhas de informação comuns nas fontes secundárias
Características dos
delinquentes
Idade, sexo, identidade etno-cultural, saúde e incapacidades,
situação familiar, nível de instrução, situação laboral, condições
de habitabilidade, antecedentes criminais
Características das vítimas
Idade, sexo, identidade etno-cultural, saúde e incapacidades,
situação familiar, nível de instrução, situação laboral, condições
de habitabilidade, historial de vitimizações
Características dos registos
criminais
Método usado, localização precisa, hora, uso de armas, ligação
com uso de drogas/álcool
Problemas frequentemente
não reportados
Violência grave (violência doméstica ou sexual, outro tipo de
violência contra mulheres, maus tratos a crianças), bullying, corrupção, abuso de substâncias, gangs de rua, crime organizado,
assaltos a lojas, bagatelas penais (vandalismo, roubos ligeiros)
Impactes da criminalidade
Morbilidade, mortalidade e outras consequências da violência,
com ou sem ferimentos
Percepções e sentimentos
Medo do crime e da vitimização, incluindo variações de acordo
com a idade, sexo, grupo etno-cultural, hora, quais os problemas que deviam ser prioritários, pontos de vistas sobre as
entidades e os serviços (autoridade local, polícia, tribunais)
Retirado de UN-Habitat Safer Cities Toolkit
Em Portugal encontra-se em fase de conclusão um projecto desenvolvido em parceria (INE, DGAI, DGPJ, APAV) que consistiu na tradução e
validação para o nosso país de um Inquérito de Vitimização proposto pelo Eurostat. Ver mais sobre esta iniciativa em www.dgai.mai.gov.pt.
Existem outros estudos recentes sobre vitimização, desenvolvidos por entidades universitárias ou privadas que devem ser consultados.
156
Para Portugal, sugere-se a consulta do Sistema de Informação das Estatísticas da Justiça (SIEJ), em www.siej.gplp.mj.pt. Este sistema
compreende duas componentes fundamentais:
155
86
Só uma fracção das ofensas à integridade física
que recebem assistência médica nos serviços
de urgência hospitalar, e que estão relacionados
com casos de violência, é incluída nas estatísticas
policiais. Estudos em Atlanta (EUA) e na Cidade
do Cabo (África do Sul) confirmam que até as
mortes provocadas por armas de fogo não são
muitas vezes registadas. Como se pode ver na Figura 2, esta situação de sub-registo é muito mais
séria numas regiões do que noutras, e em muitos
cenários e contextos nem os dados das polícias
nem dos serviços de saúde estão disponíveis.
Esta lacuna de conteúdo não seria um problema
tão grave se fosse repartida de forma igual pelos
tipos de ofensas e pelos grupos populacionais.
Mas esse não é o caso. Certos tipos de crime têm
taxas de registo extremamente baixas, incluindo
alguns dos mais graves (Quadro 19). E são normalmente os grupos sociais mais pobres e vulneráveis cujas vitimizações não são reportadas. Várias poderão ser as razões para este não-registo:
porque desconhecem como se faz uma queixa ou
como as podem denunciar; não percepcionam a
sua experiência como crime; têm medo da polícia ou evitam o contacto policial porque acreditam
que as suas declarações não serão levadas a sério. Em oposição, grupos sociais que estão bem
organizados e com recursos, incluindo partes do
sector empresarial, estarão mais aptos para integrar as estatísticas, através do recurso aos sistemas oficiais de queixa157.
Figura 2 Variações na denúncia de crimes
à polícia: percentagem de crimes
reportados
África
Europa
Ocidental
Ásia
Austrália
América
do Norte �
América
Latina
Europa Central
e Oriental
Quadro 19
Crimes que são, com frequência, sub-reportados à polícia
Violência
Violência sexual, violência doméstica, violência
Vitimização de crianças e jovens
Criminalidade sem vítimas
Corrupção
Crime efectuado pelas ou
contra as empresas
Crime organizado
Maus tratos a crianças, bullying, agressões, roubos
Uso de drogas ilícitas
Tráfico de influências
Crimes de colarinho branco, fraude, furtos a
Delitos menos graves
Bagatelas penais (pequenos furtos, vandalismo,
contra mulheres
estabelecimentos comerciais
Tráfico humano, tráfico de drogas, exploração
sexual, extorsão
comportamento anti-social)
A recolha e validação automática da informação de base que suporta a produção das estatísticas da Justiça, por meio de duas vias
diferenciadas: através de formulários na internet (antigos instrumentos de notação em papel) preenchidos pelas entidades informadoras
da Justiça; ou através da transferência automática da informação a partir dos sistemas das entidades informadoras da Justiça;
n A produção das estatísticas da Justiça, a partir de “transformações” (agregações, cálculos, etc.) sobre a informação de base recepcionada.
A actual produção estatística cobre diversas áreas (ou domínios), a saber:
n Tribunais e Organismos de Resolução Alternativa de Litígios
n Registos e Notariado
n Polícias e Entidades de Apoio à Investigação
n Organismos de Execução de Penas e Medidas e de Intervenção Social
n Entidades de Defesa de Direitos
157
Em Portugal existe desde 2008 um sistema de queixa electrónica que favorece, em determinadas condições, a apresentação de queixa.
Para mais informações, ver http://queixaselectronicas.mai.gov.pt/sqe.aspx?l=PT.
n
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
87
Bocsar: Estatísticas Criminais na Nova Gales do Sul
(Austrália)158
O Gabinete de Investigação Criminal e Estatística da Nova Gales do Sul (BOSCAR) é uma entidade de investigação e estatística que pertence ao Departamento Fiscal Geral. Fundado em
1969, publica dados criminais nacionais, todos os trimestres e
anualmente, em taxas e volume, subdividida por tipos de crime
em 12 regiões e 172 Áreas de Governo Locais (LGA). Permite
que as tendências de 17 tipos de crime sejam facilmente monitorizadas durante 10 anos, e toda a informação está disponível para o público em geral.
Uma ferramenta de classificação permite que cada LGA compare os seus valores durante os últimos cinco anos com outras áreas e uma tabela de classificação identifica as 50 LGAs
com as taxas de crime mais elevadas para nove categorias de
crimes. Uma ferramenta criminal específica permite aos utilizadores definir o seu próprio quadro temporal escolhendo entre
cinco formatos de tabelas e seleccionando a combinação do
tipo de crime, tipo de premissas, região e ano. Esta ferramenta
pode então ser usada para visualizar informação detalhada em,
por exemplo, assaltos em estabelecimentos licenciados em diferentes regiões, em cada um dos últimos três anos.
Apesar das suas limitações, as estatísticas policiais
serão, com regularidade, uma fonte inicial de dados sobre vários aspectos da actividade criminal.
Estes dados permitirão que a equipa do DLS avalie:
nA quantidade dos crimes registados
nO tipo de crime registado – e qual a crimina-
lidade violenta
nAs taxas totais de crimes registados e a taxa
de cada tipo de crime
nAs tendências longitudinais – se os registos
Os dados policiais também providenciam as bases para uma análise da localização do crime. Esta
análise pode indicar o tipo de lugar onde ocorre
uma ofensa: se numa residência particular, numa
escola, numa loja ou numa rua. Estes dados podem ser úteis para estabelecer se existem alguns
ambientes mais propícios à actividade criminal.
Os crimes podem também ser posicionados espacialmente, geo-referenciados numa área da
comunidade (uma ronda de polícia, um bairro ou
uma secção estatística) ou mais concretamente a
uma morada, um código postal ou uma grelha de
referência específica. Mapear a distribuição destes geocódigos pode ajudar a localizar áreas nas
quais os indivíduos e as propriedades e/ou bens
estão em maior risco, podendo-se, assim, identificar alguns locais estratégicos de criminalidade
ou locais específicos nos quais existe uma maior
concentração de criminalidade159. Ambos serão
muito úteis quando for necessário considerar as
acções preventivas mais prioritárias160.
Historicamente, as distribuições eram demarcadas manualmente colocando marcadores coloridos num grande mapa, sendo este sistema útil na
ausência de outros métodos. Contudo, se houver
disponível um mapa computorizado ou um software
apropriado, pode executar-se a tarefa mais eficazmente e com uma flexibilidade que permite que os
dados sejam explorados de diferentes maneiras161.
Através do uso de um Sistema de Informação Geográfico (SIG), os investigadores podem não só
levar a cabo análises complexas dos dados criminais, como podem também cruzá-los com outros
dados pré-existentes, bases de dados suas, com
estatísticas populacionais ou económicas, e estabelecer relações com outros dados, por exemplo,
dados de crime ou saúde.
diminuem ou aumentam
nAs diferenças entre a comunidade, áreas de
comparação e a média nacional
nA proporção dos crimes registados que se
resolvem (taxa de esclarecimento).
Bureau of Crime Statistics and Research (New South Wales, Australia). Crime Statistics, em
www.lawlink.nsw.gov.au/lawlink/bocsar/ll_bocsar.nsf/pages/bocsar_index.
159
Para mais informação sobre mapeamento da criminalidade e pontos negros (hotspots), ver:
National Institute of Justice, US Department of Justice (2005), Mapping crime and understanding hotspots, em
www.ncjrs.gov/pdffiles1/nij/209393.pdf
National Institute of Justice, US Department of Justice (2005). Mapping and analysis for public safety.
www.ojp.usdoj.gov/nij/maps/briefingbook.html
UK Home Office Crime Prevention Toolkit on Focus Areas, em www.crimereduction.gov.uk/toolkits/index.html
160
Em Portugal existe já um espólio muito considerável de georeferenciação sócio-criminal, desenvolvido pelo Centro de Recursos da DGAI.
Ver mais em www.dgai.mai.gov.pt.
161
Em Portugal, o estudo mencionado na nota 144 (Machado et al., Metrópoles Seguras: Bases para uma intervenção multissectorial nas
Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, Relatórios 113 e 114/2007 - DED/NESO, Lisboa), desenvolveu as bases de um sistema de
geo-referenciação com micro-dados policiais.
158
88
Sistema de Gestão da Informação, iQuanta (Inglaterra e País de Gales)162
O iQuanta foi desenvolvido pelo Ministério do Interior britânico para transformar os dados estatísticos recolhidos rotineiramente em resultados úteis para uma performance mais sustentada e
melhorada. Trata-se de uma ferramenta cibernética que providencia tanto sumários gráficos como
tabelas das tendências das performances.
Os números são actualizados mensalmente, para que a polícia e as parcerias de redução do crime
possam monitorizar a sua eficácia na redução do crime e comparar as suas performances com
outras áreas similares. O iQuanta inclui:
n
Níveis e taxas totais do crime e de ofensas individuais
n
Taxas de detenção
n
Progresso efectuado tendo em conta os grupos-alvo
n
Percepções públicas, incluindo o medo, identificadas pelo estudo criminal britânico
n
Projecções das futuras taxas de crime
Embora o website do iQuanta seja actual e tecnicamente avançado, tem a desvantagem de estar
acessível somente à polícia e aos parceiros da segurança comunitária e não ao público em geral.
Figura 3
Mapeamento de dados criminais (Hungria): ocorrências por 100.000 habitantes
Baranya County Crime Prevention Strategy (2005)
162
http://police.homeoffice.gov.uk/performance-and-measurement/iquanta e Association of Police Authorities (UK) (2004), iQuanta: a
Police Authority guide, em www.apa.police.uk/NR/rdonlyres/24C7F620-D30D-421C-9BB5-FCBB45E6AD26/0/APAiquantasecondeditionFINALPDF.pdf.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
89
De uma ainda maior importância é o uso crescente dos SIG para prever futuros padrões de tendências. Em investigações recentes no Jill Dando
Institute of Crime Science (Universidade de Londres) desenvolveu-se uma técnica chamada “cartografia prospectiva”, que tem comprovado ser
mais exacta na previsão das vitimizações do que
qualquer outro método163.
Pode ser instrutivo investigar, na Fase 2, – Investigação Aprofundada e Pormenorizada –, o “como” e o
“quando” dos incidentes criminais (Quadro 20). No
“quando”, a informação deve incluir as horas do
dia, os dias da semana, meses do ano e os feriados. Os crimes raramente estão distribuídos equitativamente e existem “horas de ponta” e “pontos
críticos”, mas isto varia também de acordo com o
tipo de características dos locais. No “como” a informação está relacionada com as características
e técnicas associadas à prática de determinados
crimes, tais como a natureza da vítima ou o alvo
e o método usado. Clarificar estes assuntos vai
permitir aceder a respostas com uma maior oportunidade de sucesso.
A polícia pode também providenciar dados sobre
os delinquentes, apesar de esta informação ter mais
qualidade se combinada com a de outras entidades
do sistema de Justiça, para que se obtenha um
quadro mais abrangente (ver, anteriormente, Secção 15.3). Esta informação pode, como é óbvio,
incluir apenas aqueles que são identificados/detidos, normalmente uma pequena quantidade, e os
menos bem sucedidos. Contudo, a informação
pode ser extremamente útil e pode ajudar a responder às questões na implementação da Etapa
1 (ver, anteriormente, Secção 4.2).
Deverá dar-se particular atenção aos delinquentes
reincidentes, visto os mesmos serem, muito provavelmente, responsáveis por uma grande parte dos
crimes globalmente praticados. Se o seu número
e escala de actividades puderem ser calculados,
torna-se possível estimar que proporção será essa.
Igualmente importante é a informação sobre delinquentes que cometem crimes graves e perigosos,
cujos crimes, embora não necessariamente em
grande número, terão um efeito particularmente
prejudicial sobre os indivíduos e as comunidades.
Na maioria dos casos essa análise necessita de
ser acompanhada por um estudo mais aprofundado das características e experiências de vida que
possam ter influenciado os comportamentos dos
criminosos, e que possam apontar para intervenções preventivas apropriadas.
Quadro 20
Perguntas sobre o “quando” e o “como” da criminalidade reportada
As perguntas de “como” e “quando” serão normalmente colocadas na implementação da
Fase 2 e necessitam ser adaptadas ao tipo específico de ofensas. Em caso de furtos no
interior das habitações, as questões que se seguem seriam relevantes:
nEm que altura do dia se deu a ocorrência?
nEste tipo de incidentes é mais comum em certos dias ou em alguns meses?
nComo é que os ladrões conseguiram entrar…
nForçaram a entrada pela porta, janela ou outro ponto de acesso
nRecorreram ao uso de violência ou ameaçaram fazê-lo
nUsaram o embuste
nEntraram por uma porta aberta, janela ou outro ponto de acesso
nEntraram pelas traseiras ou pela frente da propriedade
nQue medidas de segurança existiam – tais como guardas, alarmes ou cadeados?
nA habitação estava ocupada ou vazia?
nA habitação estava inserida num bairro ou isolada?
nQue objectos foram furtados e que itens de valor foram deixados?
nComo é que os intrusos se desfizeram dos bens?
163
90
www.ucl.ac.uk/jdi
residencial
23:00 – 23:59
22:00 – 22:59
21:00 – 21:59
20:00 – 20:59
19:00 – 19:59
18:00 – 18:59
17:00 – 17:59
16:00 – 16:59
15:00 – 15:59
14:00 – 14:59
13:00 – 13:59
12:00 – 12:59
11:00 – 11:59
10:00 – 10:59
9:00 – 9:59
8:00 – 8:59
7:00 – 7:59
6:00 – 6:59
5:00 – 5:59
4:00 – 4:59
3:00 – 3:59
2:00 – 2:59
1:00 – 1:59
24:00 – 0:59
23:00 – 23:59
22:00 – 22:59
21:00 – 21:59
20:00 – 20:59
19:00 – 19:59
18:00 – 18:59
17:00 – 17:59
16:00 – 16:59
15:00 – 15:59
14:00 – 14:59
13:00 – 13:59
12:00 – 12:59
11:00 – 11:59
10:00 – 10:59
9:00 – 9:59
8:00 – 8:59
7:00 – 7:59
6:00 – 6:59
5:00 – 5:59
4:00 – 4:59
3:00 – 3:59
2:00 – 2:59
1:00 – 1:59
24:00 – 0:59
Figura 4
Análise da incidência horária das ocorrências (Canadá)
140
120
100
80
60
40
20
0
Statistics Canada (2004)
Figura 5
Análise da incidência horária dos furtos (Austrália)
9%
8%
7%
6%
5%
4%
3%
2%
1%
0%
não residencial
Australian Institute for Criminology (2001)
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
91
Criminosos em Inglaterra e no País de Gales
Delinquentes reincidentes164
Estima-se que entre um milhão de delinquentes activos, 10%
tenham três ou mais condenações prévias e sejam responsáveis por metade da totalidade dos crimes. Dos mais activos,
5.000 serão responsáveis por um em cada dez delitos. A população de delinquentes activos é flutuante; cerca de 20.000
indivíduos saem deste conjunto todos os anos e são substituídos por outros 20.000.
Mobilidade da prática do crime165
A investigação demonstra que a maioria dos delinquentes não
se afasta muito da sua área residencial para cometer o crime. Esta premissa aplica-se a quase todos os tipos de crimes.
No que diz respeito aos furtos domésticos em Yorkshire, por
exemplo, a distância média percorrida era de 1,8 milhas, menos de três quilómetros.
Os registos policiais podem ser usados para
estimar as distâncias percorridas pelos criminosos desde a sua residência até ao local do crime166. Se for constatado que a maioria vem dos
arredores da cidade para cometer os crimes, as
respostas poderão ter de ser muito diferentes daquelas que seriam tomadas se a maioria dos criminosos fosse indígena. Os dados policiais têm,
normalmente, um valor limitado para identificar
os padrões e perfis das vítimas. Os registos só
dizem respeito a indivíduos que estão dispostos
a reportar um incidente e, mesmo nestes casos,
as bases de dados raramente estão desenhadas
para permitir que se analisem os pormenores das
vítimas. Contudo, fazendo parte da investigação
mais “alargada e genérica” (Fase 1), as respostas às perguntas listadas no Quadro 8 deverão,
inicialmente, ser procuradas nos dados policiais.
Se isso não for frutuoso, um estudo às vítimas, suplementado por informações providenciadas por
organizações de apoio às vítimas, provavelmente
providenciará uma informação muito melhor.
Um assunto de particular importância é a vitimização repetida. Estudos internacionais demonstram
que para muitos tipos de ofensas o risco de vitimização está ligado à experiência de vitimizações
anteriores. Um lugar ou indivíduo que já foi alvo
de vitimização está em maior risco de o voltar a
ser do que um que nunca tenha sido. E quantas
mais vezes um alvo é vitimizado, maior é a probabilidade disso voltar a acontecer. Por este motivo, é particularmente importante ter um conhecimento sobre a extensão do problema para que
se possam direccionar medidas preventivas para
aqueles que, não só estão mais amedrontados e
traumatizados pelas suas experiências, mas que
também se encontram em maior risco.
15.3. Outros organismos
do sistema de
justiça criminal
O
utras entidades do sistema de justiça criminal
poderão dispor de dados sobre delinquentes
que sejam relevantes e úteis para um DLS. Essas
entidades poderão ser os serviços de execução
das penas (serviços tutelares de menores, serviços de reinserção social e serviços prisionais).
Tal como acontece com os dados policiais, o
acesso a estes dados pode estar condicionado
por motivos políticos, legais ou técnicos, e a informação disponível apenas dirá respeito a ocorrências que foram reportadas ou detectadas e que
resultaram em acusação. Uma vez mais como os
dados policiais, a qualidade da informação disponível varia bastante entre países, de modo que
uma avaliação crítica deverá ser efectuada para
que se perceba o seu valor no contexto específico
a que diz respeito.
Uma vez considerados úteis, esses dados ajudarão à caracterização de um quadro mais detalhado sobre os padrões das condutas delinquentes,
da actividade delinquente reiterada, da eficácia da
acção/intervenção de prevenção da reincidência
e dos factores de risco criminal. Deve tomar-se
em consideração que os dados prisionais serão
provavelmente menos úteis à escala de uma cidade ou comunidade porque os delinquentes podem encontrar-se a cumprir pena longe da comunidade a que pertencem ou na qual praticaram os
crimes pelos quais se encontram presos.
www.crimereduction.gov.uk/ppominisite01.htm
Wiles P and Costello A. The road to nowhere: the evidence for travelling criminals. Research Study 207. London: Home Office, 2000, em
www.homeoffice.gov.uk/rds/pdfs/hors207.pdf.
166
Ver, por exemplo, Savoie J, Bédard F and Collins K. Distribution of crime in Montreal neighbourhoods. Crime and Justice Research Paper Series 26 (7), 85-561-MWE2006007. Ottawa: Statistics Canada, 2006, em www.statcan.ca/english/research/85-561-MIE/85-561MIE2006007.pdf.
164
165
92
Revitimização
n
Um estudo de 1998 na cidade do Cabo (África do Sul) apurou que 28% das vítimas de agressão e 26% das vítimas de furto de automóvel eram vítimas repetidas, e que 25% das famílias
que perderam um dos seus membros por homicídio tinham tido essa experiência pelo menos
uma vez167.
n
Um estudo sobre as vítimas em Dar Es Salaam (Tanzânia), em 2002, mostrou que embora as
taxas de vitimização repetida num período de cinco anos variassem entre os 22 e os 24% para
crimes de furto e roubo, estas eram mais elevadas nos furtos de peças de automóveis (33%)
e muito mais elevadas nos furtos de produtos agrícolas, com 51%168.
n
Um
relatório de 1998 do Instituto Australiano de Criminologia demonstrou que 28% dos proprietários vitimizados foram vítimas repetidas de crime contra a propriedade e que só estes
proprietários sofreram mais de 50% dos crimes contra o património do total registado169.
n
Um estudo sueco publicado em 2004 descobriu que 5% da população experienciou metade de
todos os crimes cometidos. No que diz respeito a furtos, roubos e ameaças em que o autor
era desconhecido da vítima, o risco de agressão aumentou, em dois municípios, 20 vezes
para aqueles que já tinham sido vitimizados uma vez nesse ano, e 60 vezes para aqueles que
tinham sido vitimizados duas vezes170.
n
Em
Inglaterra e no País de Gales existem níveis elevados de vitimização repetida para furto,
crimes que envolvem veículos, roubo, crime sexual e ataques raciais. Um estudo criminal
britânico concluiu que 43% das vítimas de violência doméstica eram vitimizadas mais do que
uma vez num período de 12 meses171.
Camerer L, Louw A, Shaw M, Artz L and Scharf W. Crime in Cape Town. Monograph 23. Institute for Security Studies, 1998, em
www.iss.co.za/pubs/MONOGRAPHS/No23/%20Contents.html.
168
Robertshaw R, Louw A and Mtani A. Crime in Dar Es Salaam. Results of a city victim survey. Pretoria: Institute for Security Studies, 2001, em
www.iss.co.za/Pubs/Other/DaresSalaam/Content.html.
169
Mukherjee S & Carcach C. Repeat victimisation in Australia, Research and Public Policy Series 15. Griffith ACT: Australian Institute of Criminology, 1998, em www.aic.gov.au/publications/rpp/15/RPP15.pdf
170
Bra– brottsforebyggande radet. A brief presentation on repeat victimisation. November 2004, em www.bra.se/extra/measurepoint/
?module_instance=4&name=04111225678.pdf&url=/dynamaster/file_archive/050118/4cd46ef889602d3aee015a4518e245c/
04111225678.pdf.
171
Walker A, Kershaw C and Nicholas S. Crime in England and Wales 2005/06. Home Office Statistical Bulletin 12/06. London: Home Office,
2006, em www.homeoffice.gov.uk/rds/pdfs06/hosb1206.pdf.
167
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
93
Quadro 21
Dados secundários provenientes dos organismos de justiça criminal
Tribunais
Informação sobre as pessoas que comparecem em tribunal
Tipos de sentenças aplicadas
Serviços de execução
das penas (serviços tutelares
de menores, serviços de
reinserção social e serviços
prisionais)
Características pessoais, familiares e sociais dos delinquentes
(idade, sexo, religião, origem étnica, tipo de pena ou medida,
crime praticado, datas de entrada e de saída e duração da
pena ou medida
Factores ligados ao crime praticado (uso de substâncias,
baixo nível escolar, sem residência, ruptura familiar)
Taxas de reincidência
Respostas disponibilizadas para prevenir a reincidência
(tratamento da toxicodependência, apoio na reinserção,
reabilitação e apoio ao realojamento)
15.4. Serviços de apoio
às vítimas
OS
serviços que providenciam apoio a vítimas e testemunhas podem deter informação agregada, não personalizada, sobre estes, que pode ser utilizada durante a Fase 1 de
Implementação. Como as vítimas de certo tipo
de crimes podem estar mais dispostas a contactar uma organização de apoio do que apresentar
queixa à polícia, essa informação pode ser muito
diferente da recolhida pelas estatísticas policiais.
Por exemplo, das 2.100 novas vítimas assistidas
pelo Serviço de Apoio à Vítima da Austrália do Sul
entre 2004-05, mais de metade havia sido vítima
de violência, incluindo um número estimado de
300 casos de abuso sexual e 130 casos de violência familiar172.
Os serviços de apoio à vítima podem também
proceder à obtenção e publicação de úteis resultados de pesquisas. Por exemplo, um relatório, de
2005, sobre o apoio a vítimas em Inglaterra, deu
conta de que um quarto das vítimas de furto não
melhorou a segurança das suas casas, deixando-as vulneráveis a nova vitimização173. Contudo, e
em geral, estes serviços estão orientados para
providenciar respostas imediatas e de alta qualidade a vítimas com orçamentos reduzidos, mas
têm uma capacidade limitada para desenvolver
sistemas de registo estatístico. Estão mais propensos a contribuir com informação qualitativa sobre questões que afectam vítimas e testemunhas,
através de “entrevistas a informadores privilegiados” (ver Secção 17.2).
Finalmente, deve ser considerada a adequação e
eficácia dos serviços de apoio às vítimas174. Não
se trata só de aliviar o impacto da sua experiência. As vítimas encontram-se em maior risco de
sofrer futuras experiências de vitimização do que
pessoas que não foram vitimizadas, pelo que disponibilizar apoio e auxílio para reduzir a sua vulnerabilidade deve ser uma componente vital de
qualquer estratégia de prevenção do crime (ver,
anteriormente, Secção 15.2).
Serviços de Apoio a Vítimas
Os Serviços de Apoio a Vítimas em Inglaterra e
País de Gales estão em contacto com mais de
1 milhão e 250 mil vítimas e testemunhas, cada
ano175.
www.victimsa.org/index.php
www.victimsupport.org.uk/vs_england_wales/about_us/publications/index.php
174
Em Portugal existem vários serviços públicos e ONG cuja missão consiste em apoiar as vítimas de crimes. Entre estas, destaca-se a
APAV, já mencionada na nota 103, pela sua implantação nacional, serviços prestados, tendo sido para o efeito estabelecida uma parceria
com os Ministérios da Justiça, Administração Interna e Solidariedade Social, que data de 1998.
175
www.victimsupport.org/vs_england_wales/index.php
172
173
94
15.5. Serviços de
ambiente urbano
e de habitação
AS
organizações e autoridades que providenciam e gerem serviços de ambiente urbano e de habitação numa localidade serão provavelmente detentoras de informação relevante,
especialmente acerca de crimes menos graves
e incivilidades que não tenham sido relatados à
polícia, como sejam:
nIncidentes de vandalismo (danos) e os custos das reparações
nRuído excessivo proveniente de, por exemplo, música, cães ou maquinarias
nQueixas de comportamentos desregrados
de jovens ou adultos
nDespejos de lixo ou abandono de automóveis e os custos de limpeza e remoção
De igual modo, podem contribuir com dados relativos a temas específicos, por exemplo, sobre
a extensão e localização de abuso de drogas e
álcool, através de:
nRelatos por varredores de rua, por exemplo,
sobre indícios e utensílios associados ao
consumo de drogas (seringas, etc.), latas e
garrafas, vómitos
nQueixas de tráfico de droga, distúrbios à ordem pública e embriaguez
nRegistos de quebras de acordos de arrendamento (por exemplo, não pagamento de
rendas) ou a necessidade de realojamentos
devido a uso ilegal de drogas
Os serviços ou as empresas gestoras dos parques de habitação social podem ter mais informação do que a polícia sobre roubos e outros
crimes violentos que afectam os seus “inquilinos”,
devido à relutância dos residentes em contactarem a polícia, ou pelo facto de necessitarem de
ajuda, nomeadamente para reparações. As fontes
de informação variam consideravelmente entre
organizações. Quando não estão disponíveis dados quantitativos secundários, pode ser recolhida
informação qualitativa através de entrevistas (ver,
adiante, Secção 17.2).
176
15.6. Entidades do
sistema educativo
AS
entidades do sistema educativo (escolas,
institutos, universidades) são uma fonte
importante de informação para qualquer DLS, não
só no que toca a factores de risco e causas que
contribuem para o cometimento de crimes, mas
também locais de ocorrências (Quadro 22). Em
muitos países tem sido identificada uma correlação entre aspectos do insucesso escolar nos jovens e o envolvimento em crimes, matéria que devia ser explorada na Fase 1 de implementação.
O DLS deveria também incluir a avaliação do apoio
educativo a delinquentes presos em estabelecimentos prisionais e que se encontram sujeitos a
penas não privativas de liberdade. A falta de competências básicas – literacia e numeracia – é um
dos maiores factores de risco associados com a
delinquência, e lidar com este défice pode ser um
objectivo importante dos programas que visem reduzir a reincidência, aumentar as oportunidades de
emprego e a realização pessoal dos delinquentes.
Quando possível, as taxas devem ser comparadas com dados de outras comunidades, regiões,
e também a nível nacional, para ajudar a determinar onde é que os seus níveis podem ser considerados satisfatórios e onde é que são anormalmente baixos e problemáticos.
Os equipamentos do sistema educativo são também locais de crime e desobediência à lei, abrangendo desde episódios relativamente menores às
mais sérias ocorrências de violência. Seja qual for
a sua natureza, interferem com a aprendizagem, e
podem ter outros impactes danosos em crianças
e jovens. Boas escolas manterão registos de tais
incidentes e os serviços educacionais deverão ser
capazes de providenciar informação sobre crimes
contra a propriedade, nomeadamente danos e
furtos, violência envolvendo estudantes, agressões a funcionários, abuso de drogas, bullying,
e a presença de gangs juvenis. Se este tipo de
informação não se encontra já constituído como
dado secundário, pode ser obtido através de entrevistas a informadores privilegiados176.
Em Portugal, o Gabinete Coordenador da Segurança Escolar (GCSE), uma estrutura integrada no âmbito do Ministério da Educação que
vem dar continuidade ao trabalho desenvolvido pela Equipa de Missão para a Segurança Escolar, em articulação com o Observatório da
Segurança na Escola e com o Programa Escola Segura, dispõe de dados desta natureza e concebe recolhas sistemáticas desse tipo de
incidentes, não exclusivamente criminais. Entre as atribuições do GCSE contam-se a monitorização dos sistemas de vigilância nas escolas e a promoção de programas na área da segurança, nomeadamente nas escolas incluídas no Programa dos Territórios Educativos de
Intervenção Prioritária (TEIP).
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
95
Quadro 22
Dados secundários provenientes das entidades do sistema educativo
Acesso
Disponibilidade nos locais de ensino primário, secundário e superior
Capacidade dos pais e/ou encarregados de educação para suportar
os custos da educação
Participação
Níveis de comparência e absentismo
Taxas de retenção no ensino secundário, e de ingresso no ensino
superior
Suspensões temporárias e exclusões permanentes
Número de crianças e jovens em idade escolar que não frequentam
qualquer estabelecimento de ensino, público ou particular, nem detêm
qualquer outra formação específica preparatória para o mercado de
trabalho
Ambiente
Políticas e programas direccionados especificamente para a indisciplina,
para o bullying, consumo de drogas e promoção de estilos de vida
saudáveis
Cooperação entre escolas e pais e encarregados de educação na
educação das crianças
Disponibilidade e uso efectivo das instalações escolares para
actividades comunitárias, fora do horário escolar
Currículo
Aprendizagem sobre cidadania e prevenção do comportamento anti-social, vitimização, crime e abuso de álcool e drogas
Importância na preparação dos jovens para o mercado de trabalho
Capacidade de ir ao encontro das necessidades dos alunos com
dificuldades de aprendizagem
Sucesso
Níveis gerais de sucesso educativo
Níveis de insucesso escolar (sair da escola sem ter completado a
escolaridade básica ou obtido quaisquer outras competências formais)
Medidas
especiais
Apoio a alunos com necessidades de apoio educativo especiais
(incluindo problemas como literacia, numeracia e dislexia)
Apoio para jovens excluídos do sistema educativo em resultado de
problemas comportamentais ou outros
96
15.7. Serviços de
apoio social
NO
decurso da Fase 1 de Implementação,
as entidades responsáveis pela prestação de apoio social são uma fonte potencialmente importante de dados secundários sobre
crianças, famílias e adultos vulneráveis ao risco
de vitimização e delinquência. No que respeita às
crianças, a equipa do DLS deveria inquirir sobre
aquelas que:
nEstejam identificadas em situação de risco
de abuso, vítimas de negligência ou
de “arranjarem problemas”
nEstão “sob tutela” do sistema de protecção
nEstão já em conflito com a lei
Os serviços de apoio social podem também deter informação valiosa relacionada com diferentes formas
de violência familiar, abuso de drogas e álcool, e famílias que experienciam múltiplos problemas, alguns
dos quais podem estar relacionados com crime.
Informação relevante acerca de adultos vulneráveis
pode abranger abusos a idosos, indivíduos com problemas de saúde mental, e pessoas sem-abrigo177.
A informação a obter deve incorporar uma avaliação da escala dos problemas, perfis demográficos
dos atingidos e qual a distribuição geográfica dos
problemas. Igualmente importante é a forma como
essas entidades estão a responder aos desafios,
se as intervenções existentes estão a abordar de
facto as questões e se estão a trabalhar satisfatoriamente na redução de riscos. Quando possível,
e para avaliar da seriedade de qualquer problema,
os dados devem ser comparados com números
equivalentes respeitantes a outras comunidades.
15.8. Serviços de saúde
AO
longo deste manual têm sido feitas referências quanto à relevância dos dados de
serviços de saúde para garantir um DLS completo
Crianças Sob Protecção do Estado
Estudos no Canadá mostraram que 1 em cada 5 jovens acolhidos em instituições de protecção de menores acaba por engrossar, mais tarde, a população prisional.
Em Inglaterra e no País de Gales apenas 6% das crianças que
deixaram de estar acolhidos em instituições de protecção de
menores, em 2004, obtiveram em cinco disciplinas do ‘GCSE’
(Certificado Geral do Ensino Secundário) notas entre A e C; em
contraste com a percentagem de 53% na população geral de
alunos. Estima-se que apenas 1% dos que deixam as instituições de protecção de menores vai para a universidade, comparativamente com 37% dos jovens na população em geral.
Mais de um quarto dos reclusos foi acolhido durante a infância
em instituições de protecção de menores, percentagem treze
vezes mais elevada que a taxa na população geral178,179.
e exaustivo. Estes serviços são particularmente importantes como fontes de informação acerca das
vítimas e do seu local de residência, complementando os dados sobre o crime, mais focalizado nos
delinquentes. Os estabelecimentos de saúde são
também, e cada vez mais, locais onde a violência e
outros crimes ocorrem. Dados estatísticos, relatórios de estudos e outra informação devem ser obtidos junto de hospitais (especialmente serviços de
urgências), clínicas e outros estabelecimentos que
prestam cuidados de saúde (Quadro 23).
Em muitos países, as entidades de saúde pública
são responsáveis pelas estatísticas sobre as causas de morte, e especialmente sobre morte violenta e crimes contra a integridade física graves. Por
exemplo, a África do Sul tem um Sistema Nacional
de Observação de Mortalidade por Ferimentos180,
enquanto nos Estados Unidos da América funciona um Sistema Nacional de Declaração de Morte
Violenta. Mais do que outra informação disponível,
estas fontes contribuem com maior detalhe sobre
as ocorrências violentas181. Estas são úteis para
avaliar a exaustividade dos dados policiais e para
estimar a escala dos problemas.
Em Portugal existe a Linha Nacional de Emergência Social (LNES). A LNES é um serviço público gratuito, de âmbito nacional, com funcionamento contínuo e ininterrupto para protecção e salvaguarda da segurança dos cidadãos em situação de Emergência Social – 24 horas
por dia, 365 dias por ano – disponível através do número de telefone 144.
178
National Children’s Home. Close the gap for children in care. London: NCH, 2005, em www.nch.org.uk/information/index.php?i
=94#care.
179
Social Exclusion Unit (UK). Reducing re-offending by ex-prisoners. London: SEU, 2002, em archive.cabinetoffice.gov.uk/seu/page95
ba.html?id=263.
180
www.sahealthinfo.org/violence/nimss.htm
181
www.cdc.gov/ncipc/profiles/nvdrs/facts.htm
177
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
97
Quadro 23
Dados secundários provenientes dos serviços de saúde
Drogas ilícitas
nAbrangência e capacidade dos serviços de tratamento de toxicodependentes,
incluindo serviços de aconselhamento, centros-de-dia, internamentos e
reabilitação residencial
nTempos de espera para estes serviços
nNúmero de utentes encaminhados para estes serviços e a proporção dos que
completaram o tratamento
nNúmero de admissões na urgência hospitalar e de mortes relacionadas com
drogas
nLigações entre uso de drogas e outras situações clínicas, como hepatites e HIV
nProgramas de trocas de seringas e de redução de riscos
Violência
nInformação sobre as causas de agressões e morte, proveniente dos serviços
de saúde e médico-legais
nAtendimentos em serviços de urgência hospitalar a pessoas vítimas de violência
nInformação por parte dos serviços que prestam cuidados de saúde primários
(incluindo médicos de família, enfermeiros ou outros profissionais), dos
serviços de urgência hospitalar e de emergência médica, sobre ferimentos e
doenças infligidos em resultado de ataques violentos (incluindo domésticos e
sexuais), crimes de intolerância, abuso de menores, perturbações relacionadas
com álcool e condução perigosa.
Abuso de álcool
nAbrangência e capacidade dos serviços de tratamento para a dependência
do álcool, incluindo intervenções breves em consultórios médicos para
desintoxicação e tratamento residencial
nTempos de espera para esses serviços
nNúmero de encaminhamentos para serviços de tratamento e a proporção dos
encaminhados que completaram o tratamento
nChamadas de ambulâncias relacionadas com os efeitos do abuso de álcool
nAtendimentos relacionados com álcool em unidades de traumatologia e
admissões nos serviços de urgência hospitalar, incluindo informação sobre
violência doméstica
nNúmero de mortes relacionadas com álcool
Saúde sexual
nDados sobre cuidados em saúde sexual de prostitutas e outros trabalhadores
sexuais
Saúde mental
nDados sobre problemas de saúde mental associados com vitimização e
delinquência especialmente violenta
Segurança do
pessoal182
nDados sobre o pessoal dos serviços de saúde que tenham vivenciado
Custos
nCustos financeiros do crime para os serviços de saúde, incluindo tratamento de
violência, ameaças ou abusos durante o período de trabalho
vítimas e tempos de baixa no trabalho causados pela vitimização do pessoal
nDados sobre o número e custo dos crimes de dano às instalações de serviços
de saúde e sobre o impacto de tais delitos na prestação dos serviços
Reclusos
nDados sobre problemas de saúde vivenciados por reclusos e os respectivos
serviços de saúde
182
98
Em Portugal, a Lei 38/2009, de 20 de Julho, que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de
2009-2011, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio (Lei Quadro da Política Criminal), prevê no âmbito da prevenção e da
investigação prioritárias a ofensa à integridade física contra médicos e outros profissionais de saúde, em exercício de funções ou por
causa delas, entre outros profissionais.
15.9. Serviços de
bombeiros
OS
serviços de bombeiros podem deter informação sobre o número, localização
e seriedade de incêndios criminosos, ou seja,
aqueles que se presume serem produto de fogo
posto ou comportamentos negligentes. Esta informação será habitualmente baseada nos pedidos
de ajuda, e, como tal, é provável que seja mais
abrangente que aquela detida pela polícia.
Também poderão estar disponíveis dados sobre
uma variedade de outros comportamentos criminosos ou desordeiros, incluindo chamadas falsas,
ataques a equipas de combate a incêndios que
respondem a chamadas de emergência e o incêndio de automóveis abandonados.
15.10.
Segurança
privada e
companhias
de seguros
Nos locais onde se encontram instalados Circuitos
Internos de Televisão (CCTV), as empresas poderão ter registo dos incidentes captados pelas câmaras183. Esta informação será muito útil durante a
Fase 2 de implementação, quando se pesquisar
os problemas em relação a locais específicos ou
a grupos em particular.
As companhias de seguros podem reunir dados
sobre crimes de propriedade e monitorizar os riscos de vitimização numa escala geográfica detalhada. Recolherão igualmente dados sobre os
custos do crime, tipos de propriedade danificada
ou roubada e outra informação detalhada. Mesmo que possa ser acedida a nível local, contudo,
não incorporará informação acerca de pessoas e
organizações que não possuem seguros (ou escolhem não o fazer).
Instituto do Cidadão para o Estudo Sobre
a Insegurança, Icesi (México)184
O ICESI é uma organização não lucrativa especializada na produção de informação estatística sobre assuntos relacionados
com o crime e a insegurança no México, e que disponibiliza
informação para a concepção de políticas públicas. É uma iniciativa de duas universidades nacionais, duas associações de
empresas de segurança privada desempe- negócios e uma revista especializada, que tem o apoio dos
nham, cada vez mais, um papel importante governos locais e federal. Com esse propósito, e seguindo as
na prevenção e controlo do comportamento crimi- Directivas das Nações Unidas, o ICESI leva a cabo Inquérinal e desordeiro em espaços muito diversos: cen- tos Nacionais de Vitimização (ENSI, no acrónimo espanhol),
tros comerciais, locais de entretenimento, interfa- gerando indicadores sobre vitimização e crime que oferecem
ces de transportes, edifícios públicos, complexos
dados comparativos úteis para equipas de diagnóstico local de
habitacionais e centros comerciais. Muitas vezes,
as empresas guardam o registo dos incidentes, segurança em cidades.
AS
dos quais nem todos são denunciados à polícia.
Podem assim providenciar informação sobre:
nNúmeros de ocorrências criminais e incidentes
problemáticos em localizações específicas
nA natureza dessas ocorrências e incidentes
nQuando foram os crimes cometidos e ten-
dências ao longo do tempo
nComo foram os crimes perpretados
nVitimização repetida, particularmente sobre
grupos e locais vulneráveis
As empresas de segurança privada, com bases de
dados menos bem desenvolvidas, terão experiências e percepções da actividade criminal para complementar informação de outras fontes estatísticas.
183
184
15.11. Inquéritos
e pesquisa
AS
universidades, instituições de pesquisa,
grupos comunitários e organizações não
governamentais realizam estudos sobre todos os
aspectos do crime, desordem e medo do crime.
Podem assim providenciar dados comparativos
(como estatísticas de crime e dados de censos),
o enquadramento teórico para a realização do
DLS (como sejam as ligações entre álcool e violência), e auditorias e inspecções temáticas aos
serviços públicos.
Em Portugal existe legislação sobre videovigilância que pode ser consultada no Anexo E.
www.icesi.org.mx
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
99
Projectos e programas governamentais também
desenvolvem ou encomendam estudos de viabilidade, exercícios de benchmarking, avaliações e
exames, que podem incluir resultados relevantes
para o DLS a nível local, regional ou nacional. É
possível que a equipa do DLS possa, inclusivamente, introduzir algumas questões sobre crime
e incivilidades em inquéritos a serem conduzidos
na área.
nGabinete de Justiça Juvenil e Prevenção da
Delinquência (EUA), em
www.ojjdp.ncjrs.gov/about/about.html
nGabinete Interno de Pesquisa, Desenvolvimen-
to e Estatísticas (Inglaterra e País de Gales), em
www.homeoffice.gov.uk/rds
nCSIR Centro de Prevenção do Crime (África
do Sul), em
Resultados de pesquisa relevantes de nível nacional e internacional estão cada vez mais disponíveis na internet, publicados por organizações
públicas, privadas e do 3º sector. Embora a pesquisa pública possa não estar disponível em todos os países, e deva ser tomado cuidado para
garantir que as fontes são fiáveis, os sítios na internet podem ser uma importante fonte de dados
para as fases de implementação 1 e 2. Frequentemente, os sítios governamentais disponibilizam
vantajosos relatórios de pesquisa, dados, e outros
materiais relevantes.
www.crimeprevention.csir.co.za/homepage.
Relatórios de Pesquisa e Estatísticas
Online: Alguns Exemplos
www.who.int/whosis/en/index.html
php3
nInstituto de Pesquisa de Justiça e Crime Inter-
regional das Nações Unidas, em
www.unicri.it
nSistema Nacional de Vigilância da Mortalida-
de por Ferimentos da África do Sul, em
www.sahealthinfo.org/violence/nimss.htm
nOrganização Mundial de Saúde, Sistema de
Informação Estatística, em
nInstituto Australiano de Criminologia, Crime e
Estatísticas de Justiça Criminal (Austrália), em
www.aic.gov.au/stats
nSérie de Estatísticas de Crime do Canadá e
Artigos de Pesquisa em Justiça (Canadá), em
www.statcan.ca/bsolc/english/bsolc?catno
=85-561-M
nAgência de Estatísticas de Justiça (Estados
Unidos da América), em
www.ojp.usdoj.gov/bjs/welcome.html
100
nCentros de Prevenção e Controlo da Doença
dos Estados Unidos, Sistema de Declaração
e Inquirição de Estatísticas Online de Ferimentos, em
www.cdc.gov/ncipc/wisqars/default.htm
nCentro Internacional para a Prevenção do Cri-
me, em
www.crime-prevention-intl.org/kb_indica-
tors_search.php
16 Recolher e Utilizar
Dados de Inquéritos
16.1. Introdução
Inquéritos de Vitimização
“Inquéritos de vitimização são a melhor ferramenta disponível para recolher informação sobre as experiências em primeira mão dos cidadãos com o crime e a justiça criminal. Mostram
alguns dos impactes do crime, quem está mais
em risco e, mais importante, a percepção pública das questões prioritárias na sua área”.
Crime em Nairobi (2002)185
EM
comunidades onde o tipo de dados
secundários atrás discutido não está
disponível, ou é insuficiente, os inquéritos são a
principal opção alternativa para obter informação
quantitativa geral acerca de problemas e inquietações locais. Mesmo quando existem bons dados secundários, os inquéritos podem adicionar
perspectivas importantes, especialmente sobre
as perspectivas e sentimentos individuais, como
sejam as percepções dos serviços municipais ou
o medo do crime. Os inquéritos serão também especialmente úteis na Fase 2 de implementação,
quando uma investigação circunscrita e aprofundada for realizada junto de grupos específicos
(como as mulheres), num tema específico (como
o uso de drogas) ou numa área geográfica (como
um bairro).
Os inquéritos populacionais são frequentemente
conduzidos por agências públicas e privadas por
uma multiplicidade de razões. Por exemplo, algumas municipalidades estabeleceram painéis de
cidadãos, um grupo representativo de residentes
que são regularmente inquiridos e consultados
sobre uma série de matérias para contribuir para
a reflexão em sede desse município (ver Secção
16.4). O DLS poderá fazer uso destes inquéritos,
até porque a qualidade dos serviços e a preocupação com o crime são assuntos frequentemente
abordados. Contudo, habitualmente incluirão apenas um pequeno número de questões relevantes.
185
UN-Habitat. Crime in Nairobi. Results of a citywide victim survey. Safer Cities Series 4. Nairobi: UN-Habitat, 2002.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
101
Para obter dados mais detalhados, será necessário conduzir um inquérito específico para o DLS.
Todavia, essa decisão não deve ser tomada de
forma ligeira. Para produzirem resultados significativos, os inquéritos requerem bastante tempo,
conhecimento e recursos. Questões importantes
a considerar de antemão são:
nQual é o principal assunto de pesquisa
(medo, vitimização, criminalidade)?
nQuais são as áreas-chave a abordar?
nQual é o grupo ou sector-alvo (adultos,
jovens, mulheres, minorias, empresários)?
nA pesquisa englobará toda a comunidade
ou focar-se-á numa localidade específica?
nUm inquérito é a melhor opção em termos
de custo/ benefício?
nHá recursos disponíveis suficientes?
Caso se decida avançar, o planeamento do inquérito deve incluir o desenho do questionário,
amostragem, formas de aplicação, codificação
e introdução dos dados, análise e elaboração de
relatório. Poderá ser necessário recrutar um especialista para a equipa do DLS ou encomendar
parte ou a totalidade do processo de inquérito a
uma agência, companhia privada, ou instituição
académica. Contudo, e embora sejam necessários especialistas, devem ser feitos todos os esforços para envolver organizações comunitárias
e pessoas locais, tanto no desenho quanto na
administração do inquérito, dado que tal pode reduzir custos, desenvolver as competências locais,
garantir que as questões certas são colocadas e
aumentar as taxas de resposta.
Inquéritos Internacionais de Vítimas de Crime
(ICVS)186
Os ICVS são conduzidos sob a égide do Instituto de Investigação Inter-regional do Crime e
da Justiça das Nações Unidas (UNICRI) para
aumentar o conhecimento das tendências internacionais do crime independentemente das estatísticas administrativas policiais. Empregando
uma metodologia estandardizada, as variações
nas definições e práticas são minimizadas e
comparações podem ser feitas para lá das fronteiras nacionais. Os ICVS foram levados a cabo
em cinco ocasiões desde 1989, a mais recente
das quais em 2004-05, no qual mais de 30 países participaram.
A partir dos resultados do ICVS de 2000, em
17 países industrializados, um estudo deu conta que a discrepância entre o crime registado
pela polícia e o crime relatado no inquérito variava largamente consoante o tipo de crime. Por
exemplo, 91% dos furtos de automóveis, 78%
dos furtos e 55% dos roubos, eram relatados
à polícia. Estes números contrastavam com as
taxas de registo de 29% para ameaças, 28%
para agressão sexual, e 10% para comportamento sexual impróprio.
Mais informação comparativa está disponível
no sítio do ICPC187. Este reúne informação sobre taxas de crime e outros indicadores de paíNa secção seguinte serão dadas orientações so- ses da Europa, Américas, África e Australásia.
bre inquéritos de vitimização, inquéritos de violência auto-revelada, e painéis de cidadãos.
Van Kesteren J N, Mayhew, P and Nieuwbeerta P. ) Criminal Victimisation in Seventeen Industrialised Countries: Key Findings from the 2000
International Crime Victims Survey. The Hague: Ministry of Justice, 2000, em www.unicri.it/wwd/analysis/icvs/pdf_files/key2000i/index.
htm#download%20full%20text%20in%20pdf.
Ver também www.unicri.it/wwd/analysis/icvs/index.php
Ver ainda nota 185.
187
www.crime-prevention-intl.org/kb_indicators_search.php
186
102
16.2. Inquéritos
de vitimização
OS
inquéritos de vitimização são usados para
investigar a experiência de crime, habitualmente num período superior a 12 meses. Mais do
que os dados policiais, este tipo de inquéritos tem-se revelado como uma importante fonte de avaliação quantitativa do número e natureza dos delitos
verificados, pois os indivíduos geralmente revelarão
mais num inquérito do que o que reportam às forças
de segurança. Por exemplo, o Inquérito Internacional de Vítimas de Crime de 2000 (ICVS)188, que procedeu a inquirição em torno de 11 tipos de crime,
recolheu informação de cerca do dobro do número
de delitos relatados à polícia na Europa Ocidental, e
de três vezes o número daquelas relatadas na Europa Central e de Leste189. Os inquéritos são também
a forma mais eficiente de avaliação da revitimização,
possibilitando o cálculo de taxas tanto de incidência
como de prevalência (Quadro 24).
Podem também providenciar uma gama mais
ampla de outra informação relevante para o DLS,
incluindo:
nSentimentos acerca da insegurança pessoal
em casa, no bairro, no centro da cidade, durante o dia e à noite
nConfiança na polícia e no sistema de justiça
nPercepções dos problemas mais perturbantes na comunidade ou numa área específica
nPercepções das tendências do crime – a situação é melhor, pior, ou igual ao que era antes?
nExperiência de, e preocupações sobre, comportamento anti-social (não criminalizado)
nPerspectivas sobre medidas existentes que
podem prevenir o crime, incluindo serviços e
iniciativas de prevenção do crime
nPerspectivas sobre medidas capazes de conduzir a uma futura redução do crime e medo
nAgências dispostas a desempenhar um papel activo e de auxílio para enfrentar problemas de criminalidade local
Quadro 24
O cálculo das taxas de crime
Uma taxa de crime proporciona uma mensuração do crime de uma forma que torna fácil a comparação
entre comunidades e de mudanças ao longo do tempo, independentemente das diferenças de densidade
populacional. Há dois tipos principais de taxas.
A taxa de incidência indica o número de crimes registados por 1.000 habitantes num ano (ou 100.000 em
populações maiores). Pode ser calculada a partir de dados policiais ou de inquéritos de vitimização.
A taxa de prevalência indica o número de vitimizações diferentes por 1.000 ou 100.000 da população num
ano190. Habitualmente só é calculável utilizando dados de inquéritos de vitimização.
A diferença entre taxas de incidência e prevalência mostra em que medida o crime se concentra em
determinadas pessoas. Quanto maior o nível de vitimização repetida, maior o hiato entre as taxas.
As taxas necessitarão de ser baseadas na mesma fonte, normalmente um inquérito de vitimização, para que
tal comparação possa ser válida.
Cálculo da taxa de incidência
Cálculo da taxa de prevalência
Nº de crimes =
População =
2.398
19.976
Nº de vítimas =
População =
1.862
19.976
Taxa
(por 1000)
(2.398 / 19.976) * 1.000
120,0
Taxa
(por 1000)
(1.862 / 19.976) * 1.000
93,2
=
=
=
=
As taxas podem ser calculadas para crimes específicos, mas deve tomar-se em consideração quais os tipos de
população apropriados para determinados tipos de crimes. Por exemplo, pode ser mais relevante calcular a taxa
de incidência para roubos doméstico por cada 1.000 agregados domésticos, do que por cada 1.000 pessoas.
Este inquérito foi também aplicado em Portugal. Uma análise sobre os seus resultados pode ser consultada em Machado et al., Metrópoles Seguras: Bases para uma intervenção multissectorial nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, Relatórios 113 e 114/2007 – DED/
NESO, Lisboa.
189
Alvazzi del Frate A and van Kesteren J. Criminal victimisation in urban Europe. Key findings of the 2000 International Crime Victim Surveys.
Vienna: UNICRI, 2004, em www.unicri.it/wwd/analysis/icvs/pdf_files/CriminalVictimisationUrbanEurope.pdf.
190
A prevalência também pode referir-se à vitimização sofrida repetidamente pela mesma pessoa.
188
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
103
É necessário decidir qual a população-alvo em qualquer pesquisa por inquérito. A maioria foca-se nas
experiências de vitimização de indivíduos (como furtos, roubos por esticão ou abusos), e dos seus agregados familiares (como assaltos, roubo de automóveis ou roubo de colheitas). Contudo, os inquéritos
podem centrar-se também em organizações, como
empresas, investigando vitimização sobre estas (fraude, roubo) e experiências do pessoal empregado
(violência no local de trabalho). Podem também ser
usados para explorar localizações específicas (como
um bairro ou o centro da cidade) ou a experiência de
serviços (como os transportes públicos).
Diagnóstico Social Local de Segurança Sobre
Violência Sexual, Joanesburgo (África do Sul) 191
Foram seleccionadas aleatoriamente 38 áreas para o estudo, e
uma equipa de 35 investigadores de campo, da comunidade,
levaram a cabo entrevistas a mais de 37.000 mulheres, homens e jovens, bem como a 197 profissionais e trabalhadores
de serviços. Foram desenvolvidos três ciclos de recolha de dados e feedback, e alguns grupos foram entrevistados mais do
que uma vez. Foram completados questionários de vitimização
auto-revelada por cerca de 4.000 mulheres, e foram conduzidas
entrevistas de rua a mais de 2.000 homens acerca das suas atitudes face à violência, e do que ajudava os homens a resistir ao
seu uso. Foram conduzidas entrevistas em escolas a 16.000 jovens, bem como focus groups a pessoas do mesmo sexo, com
homens, mulheres e jovens. Foram utilizadas apresentações
teatrais para ajudar os jovens a perceber as suas atitudes e as
dos outros, falando-se sobre a violência sexual. Foram também
conduzidas entrevistas com pessoal de 14 esquadras policiais,
bem como pessoal de serviços do sistema de justiça, médicos
e sociais, ONG e organizações de mulheres.
Conseguir uma formulação correcta das questões
é uma tarefa indispensável, e as mesmas precisarão de ser dirigidas para evitar mal-entendidos
e ambiguidades. Todavia, o ICVS foi já implementado em mais de 70 países, e outros já levaram a
cabo inquéritos nacionais. Há, pois, uma longa lista de questões experimentadas e testadas à volta do mundo. Em comunidades onde se decida
proceder a inquéritos a vítimas, pode-se adoptar
a metodologia e questões do ICVS para produzir
dados que serão, em alguma medida, compatíveis com os inquéritos internacionais192.
Normalmente, um inquérito requer entrevistar uma
amostra da população-alvo e daí extrapolar os resultados para um grupo mais amplo. Podem ser
usados vários métodos para seleccionar uma
amostra, mas para que a sua adequabilidade possa ser avaliada e ajustamentos possam ser feitos,
se necessário, é importante conhecer o perfil da
população da qual será extraída. Por exemplo, se o
inquérito pretende avaliar experiências de vitimização de mulheres na comunidade, será útil estabelecer quantas mulheres existem na comunidade; o
seu perfil em termos etários, identidade étnico-cultural e estatuto matrimonial; e alguns indicadores
de estatuto educacional e económico (i.e. empregada, desempregada, empresária, outra).
Tudo isto são factores que podem ter um peso
na vitimização e o inquérito necessitará de incluir
questões que escrutinem ou caracterizem os inquiridos para permitir que comparações possam
ser feitas entre a amostra e a população que supostamente representa. Recolher esta informação
permitirá também retirar conclusões sobre como
é que o risco varia entre grupos particulares da
população. Para grupos que compõem apenas
uma porção reduzida da população, o alargamento das amostras pode ser necessário para obter
respostas suficientes para se fazerem inferências
estatísticas legítimas.
Especial atenção precisa de ser dada à inclusão
de inquiridos de grupos difíceis de contactar,
como sejam pessoas sem-abrigo e outros grupos
socialmente desfavorecidos, que mais provavelmente estarão subrepresentados, se esforços
especiais não forem desenvolvidos para garantir
a sua participação. Contudo, tal pode ser melhor
cumprido através do uso de outros métodos (ver,
anteriormente, Secção 5.4 e Secção 17). Também
é necessário reconhecer que inquéritos convencionais só podem ser usados com jovens mais
maduros e adultos. Outros métodos serão requeridos para recolher informação de crianças mais
jovens, que em algumas sociedades se têm revelado como experienciando e testemunhando mais
crimes que os adultos.
Existem várias opções de aplicação para a condução de entrevistas, cada qual com os seus
méritos (Quadro 25). Pode ser vantajoso aplicar
www.crime-prevention-intl.org/practice_view.php?new_search=kb_practices_search.php&back=%2Fkb_practices_results.
php&practice_id=5
192
O questionário do ICVS de 2000 encontra-se disponível no sítio do UNICRI. Uma equipa de trabalho, coordenado pelo UNODC e UNECE,
foi composta para desenvolver padrões (standards) internacionais e orientações para inquéritos a vítimas. Para saber mais, ver
www.unece.org/stats/documents/2006.01.crime.htm.
191
104
Inquérito Nacional de Vitimização, Hungria194
Em 2003, o Governo húngaro encomendou o seu primeiro inquérito de vitimização nacional. O Ministério do Interior trabalhou em proximidade com uma entidade privada para conceber
e efectuar a pesquisa. Cálculos mostraram ser necessária uma
amostra de 10.000 inquiridos para obter exemplos suficientes
de vitimização, de modo a fazer inferências úteis acerca da
população adulta mais abrangente. Foram conduzidas entreÉ essencial preparar a codificação e análise como
vistas por 450 entrevistadores com formação para o efeito,
parte integral do processo de planeamento, dado
que também isto terá uma considerável influência tendo estes visitado os inquiridos nas suas próprias casas e
no desenho do questionário193. Os investigadores perguntado por experiências ocorridas no ano anterior. Houve
devem previamente saber que análises de dados uma taxa elevada de respostas – apenas 14% recusaram resserão requeridas, e confiar que estas poderão ser ponder – mas pessoas sem-abrigo foram excluídas da amosproduzidas a partir da versão final do questionário. tra. Apenas cerca de metade dos crimes mencionados pelos
inquiridos foram relatados à polícia.
Quadro 25
Inquéritos de vitimização: opções de aplicação
diferentes métodos a diferentes grupos, e diferentes opções podem ser combinadas. Por exemplo,
quando entrevistados em casa, pode dar-se aos
inquiridos a oportunidade de responder a questões sensíveis confidencialmente, escrevendo eles
próprios as respostas e colocando o questionário
preenchido num envelope selado sem marcas
distintivas.
Método
Descrição
Vantagens
Desvantagens
Entrevista
remota
Questões colocadas por
telefone. Pode ser assistida
por computador, permitindo
a digitação das respostas
pelo inquirido directamente
para o computador.
A amostra pode ser seleccionada aleatoriamente.
Pode contactar-se rapidamente um grande número
de pessoas numa área
ampla a baixo custo.
Produzirá amostras enviesadas em áreas com menos
telefones. Provavelmente
terá maior impacto sobre
a participação de pessoas
pobres.
Autopreenchimento
Inquirido lê e responde
às questões em papel,
computador portátil ou
questionário online, normalmente na sua residência.
As respostas não são vistas
pelo inquiridor. Pode ser
processado por correio.
A amostra pode ser seleccionada aleatoriamente.
Mais propício para recolher
informação sobre experiências sensíveis, como abuso,
desde que as respostas
sejam dadas em privado.
Exclui pessoas com baixa
literacia ou que não têm
acesso a tecnologia. Baixas
taxas de resposta. Maior
risco de mal-entendidos.
Presencial,
na residência
Questões colocadas por
um entrevistador, que também regista as respostas.
A amostra pode ser seleccionada aleatoriamente. Possibilidade de esclarecer questões
e sondar mais informação
para esclarecer as respostas.
Pode revelar incidentes que
não sejam percepcionados
como crimes.
Maior probabilidade em
ser dispendioso e lento.
Pode inibir a revelação de
informação sensível.
Entrevistas
de rua
Indivíduos seleccionados
em lugares públicos pelo
entrevistador, que também
regista as respostas.
O entrevistador pode preencher quotas de subgrupos
para alcançar uma amostra
representativa. Bastante fácil,
rápido e pouco dispendioso.
Improvável a revelação
de informação sensível. A
amostra não será aleatória.
Indivíduos que passam
mais tempo em casa serão
sub-representados.
Software especializado para análise de dados de questionários, como o SPSS ® ou o Statistica ®, encontram-se amplamente disseminados em instituições académicas, e o seu uso facilitará e acelerará consideravelmente o processo.
194
National Institute of Criminology (Hungary). Victims and opinions. Budapest, 2004.
193
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
105
Finalmente, deve ser reconhecido que os inquéritos de vitimização não são uma panaceia. Dependem da memória das pessoas, que é susceptível de erros (por omissão, enviesamentos
culturais, representações sociais ou até mesmo
por motivos fisiológicos, ligados, por exemplo, ao
envelhecimento ou a uma qualquer patologia). Os
inquéritos podem ser dispendiosos e morosos.
Obter uma amostra representativa de uma população pode ser complicado. As mulheres são relu-
tantes em falar livremente em alguns países. Não
produzem dados sobre os chamados crimes sem
vítimas, como o abuso de drogas; sobre vítimas
de homicídios; ou de jovens vítimas. As respostas podem incluir incidentes que não são crimes,
e vice-versa. Não obstante, são uma ferramenta
valiosa para avaliar os problemas de criminalidade
numa comunidade e as perspectivas dos seus cidadãos a esse respeito.
O Inquérito a Vítimas de Nairobi, Quénia195
Realizado em 2001, este inquérito exaustivo iniciou-se com uma pesquisa para identificar que
questões necessitavam de uma investigação detalhada e como é que estas variavam pela cidade.
Isso permitiu que o inquérito principal se centrasse nas questões mais relevantes.
Esta abordagem inicial envolveu 7.954 entrevistas em 110 locais diferentes. A maioria foi realizada
na rua ou ao ar livre, em centros comerciais, plataformas de transportes e outros pontos focais.
Estas entrevistas foram completadas por outras conduzidas nas residências de inquiridos idosos,
enfermos, ou internados em diferentes instituições. Os inquiridos foram seleccionados aleatoriamente, a partir dos 17 anos de idade, e foram inquiridos sobre experiências ocorridas no ano
anterior.
O inquérito principal contemplou 1.000 entrevistas pessoais, 500 entrevistas em agregados familiares, e 300 entrevistas centradas em empresas.
Para obter amostras para os inquéritos individuais e de agregados familiares, a cidade foi dividida
em unidades amostrais primárias baseadas nos Censos de 1999 e agrupadas em seis categorias,
incluindo, por exemplo, baixo rendimento informal, alto rendimento formal, áreas mais carenciadas, etc. Um processo em duas etapas foi então aplicado. Primeiro, foram seleccionadas unidades através de amostragem aleatória sistemática com a probabilidade proporcional ao tamanho
estimado, garantindo que cada tipo estava apropriadamente representado. Depois foram aleatoriamente seleccionados os indivíduos entrevistados dentro de cada unidade espacial, através de
enumeradores.
Para o inquérito, foi adoptado um processo em duas etapas similares, mas as empresas foram
estratificadas por tipo de negócio (retalhistas, indústrias, etc), para garantir que a inquirição cobria
um corte transversal representativo dos diversos tipos.
O inquérito foi supervisionado por um Grupo de Referência e a UN-Habitat. Foi providenciado um
aconselhamento especializado por um especialista do Instituto de Estudos de Segurança, da África
do Sul. O trabalho de campo foi realizado pelo Grupo de Tecnologia Intermediária – África Oriental
com um grupo de 15 inquiridores.
195
106
UN-Habitat. Crime in Nairobi. Results of a citywide victim survey. Safer Cities Series 4. Nairobi: UN-Habitat, 2002.
16.3. Inquéritos de
criminalidade
auto-revelada
AS
informações sobre delinquentes a partir de
fontes secundárias são sempre incompletas porque muitos delinquentes não são detectados e, mesmo entre aqueles que o são, nem todos
são trazidos perante a justiça. Por vezes, a percentagem daqueles sobre os quais se conhece informação pormenorizada é muito reduzida. Em Inglaterra e no País de Gales, por exemplo, estima-se
que apenas um em cada vinte crimes se soluciona
com a identificação e condenação do delinquente
pelo sistema de Justiça. Isto constitui uma grande
lacuna no nosso conhecimento dos delinquentes
e dos factores que podem ajudar a prevenir comportamentos criminais futuros. Os inquéritos de criminalidade auto-revelada podem permitir em larga
medida diminuir essa lacuna de conhecimento.
nEstimar o número de delinquentes na popula-
ção e os delitos que cometem, incluindo aqueles não identificados pelo sistema de justiça
criminal
nEstimar a proporção de delinquentes e delitos que chegam ao conhecimento das entidades do sistema de justiça criminal
nEstimar a proporção de delinquentes activos
que são jovens, e a proporção de crimes que
cometem
nReunir informação sobre a natureza dos delitos
cometidos e a motivação dos delinquentes
nReunir informação sobre padrões de uso de
álcool e drogas ilícitas, e as suas relações
com a delinquência
nReunir dados para identificar factores de risco
associados com o surgimento e continuação
da delinquência e uso de drogas, e factores
associados com a desistência
Tal como com os inquéritos de vitimização, deve
dar-se a devida atenção aos aspectos usuais de
desenho dos inquéritos incluindo: a especificação
de objectivos, definição da população, formulação
das questões, amostragem, formas de aplicação, codificação e análise. Adicionalmente, dado
que tais inquéritos dependem da auto-revelação
de actividades ilegais, devem ser desenvolvidos
esforços consideráveis para criar condições sob
as quais a informação possa ser recolhida confidencialmente e garantido o anonimato dos participantes. Quando esta garantia pode ser dada,
e quando os inquéritos são bem construídos, os
inquéritos têm provado ser um instrumento útil de
recolha de informação acerca da delinquência,
podendo ser obtidas elevadas taxas de resposta,
mesmo com crianças com 10 anos de idade.
O Papel da Memória
Os inquéritos de experiências e comportamentos passados dependem da memória pessoal,
que é afectada por muitos factores. Não é provável que incidentes sérios sejam esquecidos;
são mantidos na memória como se tivessem
acontecido recentemente (ampliação representativa). Incidentes menos sérios serão mais
provavelmente esquecidos e, caso não sejam,
são recordados como se tivessem ocorrido há
mais tempo do que aquele que efectivamente
decorreu (estreitamento da representação). Por
outro lado, incidentes particularmente graves, Relatório Heuni sobre Delinquência Juvenil Auto-Revelada
nomeadamente violentos, podem até provocar Um relatório publicado em 2004 explora o uso de um quesepisódios amnésicos.
tionário de auto-preenchimento padronizado em Inglaterra e
Estes inquéritos recolhem informação respeitante País de Gales, Holanda e Espanha, no ano de 1990, enquanto
à extensão e natureza de crimes individuais, uso parte do Estudo Internacional de Delinquência Auto-Revelada.
de álcool e drogas, atitudes face ao sistema de O relatório está estruturado em torno das questões incluídas
justiça criminal e contactos com o mesmo, e as no questionário, sendo estas – um total de 499 – reproduzidas
experiências de vitimização dos próprios delin- num anexo para outros lhes darem uso. O relatório conclui que
quentes. Podem assim ser usados para:
o método de auto-revelação é uma forma viável e produtiva de
investigar a delinquência juvenil.
Delinquência Juvenil Auto-Revelada em Inglaterra e País de
Gales, Holanda e Espanha (2004)196
196
Barberet R, Bowling B, Junger-Tas J, Rechea-Alberola C, van Kesteren J and Zurawan A. Self-reported juvenile delinquency in England and
Wales, The Netherlands and Spain. HEUNI Publication Series 43. Helsinki: HEUNI, 2004. www.heuni.fi/uploads/w7b3a69oec.pdf
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
107
Não obstante, deve-se estar alerta para ameaças
significativas à fiabilidade e precisão dos dados. A
não-resposta é passível de introduzir enviesamento, dado que indivíduos que tenham cometido
muitos crimes estarão menos dispostos a participar. A memória será afectada pela representação do acontecimento. Mesmo com a garantia de
anonimato, é possível que alguns inquiridos não
respondam com verdade. Por exemplo, na Austrália apenas 57% dos detidos pela polícia que
haviam tido resultados positivos para consumo de
metanfetaminas em análises de urina, auto-revelaram em entrevista terem consumido tal droga nas
últimas 48 horas197. Numa tentativa para recolher
mais informação sobre delinquentes mais prolíficos e perigosos, têm sido realizados inquéritos
em Inglaterra e no País de Gales entre reclusos e
condenados a penas comunitárias.
Consulta Comunitária em Inglaterra e País de Gales198
Os investigadores compararam os métodos usados para consultar as comunidades por 263 Parcerias para a Redução do
Crime e Desordem como parte dos seus diagnósticos locais de
segurança e do desenvolvimento de estratégias de prevenção.
O estudo incluía avaliação de reuniões públicas, focus groups,
júris, grupos consultivos de policiamento de proximidade, painéis de prevenção do crime, inquéritos de opinião e painéis
de cidadãos. Os painéis de cidadãos, utilizados por quase um
quarto das Parcerias, foram os que tiveram a avaliação de utilidade mais alta, com 83% a afirmarem a sua utilidade.
16.4. Painéis de
cidadãos
É
importante ter em mente que a forma como
o painel funciona e o nível de compromisso
que exige podem reduzir a participação de grupos
difíceis de envolver e fazer pender a amostra para
residentes mais velhos e mais enraizados na comunidade.
Usualmente, os painéis compreendem entre 750
e 2.500 pessoas, cuidadosamente seleccionadas
para serem um micro-cosmos da população adulta,
em termos de idade, género, identidade sócio-cultural, e outras variáveis sócio-demográficas. Como
os membros do painel são voluntários retidos por
um longo período de tempo (com a ocasional adição de novos membros), pode poupar-se tempo
e dinheiro no recrutamento, e as taxas de resposta são geralmente elevadas. Esta combinação de
factores significa que é mais provável que as perspectivas recolhidas sejam representativas do que
com a maioria de outras formas de consulta.
Contudo, é necessário estar consciente das suas
limitações. As consultas geralmente têm lugar à
distância, através do correio, online ou por telefone, pelo que não há interacção entre os consultados e há um contacto directo mínimo com os
investigadores (subgrupos podem ser reunidos
para discussão, mas isso é mais complicado).
Habitualmente, as oportunidades para explorar assuntos em profundidade são limitadas e o processo pouco contribui para desenvolver a participação
na provisão de soluções. A entidade organizadora,
em geral um serviço público, é quem tem a responsabilidade de escolher as questões. Mais importante ainda, a forma como o painel funciona e
o nível de compromisso necessário para com ele
poder reduzir o envolvimento de grupos difíceis de
envolver, e fazer pender mais a amostra para residentes de maior idade e mais instalados.
McGregor K and Makkai T. Self-reported drug use – how prevalent is under-reporting, Trends and Issues in Crime and Justice 260. Canberra: Australian Institute of Criminology, 2003. http://pandora.nla.gov.au/pan/10850/20051030/www.aic.gov.au/publications/tandi2/
tandi260.pdf.
198
Newburn T and Jones T. Consultation by Crime and Disorder Partnerships. Police Research Series Paper 148. London: Home Office, 2002,
em www.homeoffice.gov.uk/rds/prgpdfs/prs148.pdf.
197
108
Inquéritos de Crime e Justiça (C&Js), Inglaterra e País de Gales199
O primeiro de quatro inquéritos de delinquência auto-revelada teve lugar em 2003, sob a coordenação do Home Office. Este recolheu informação sobre a extensão de delinquência contínua
e durante o último ano; uso de drogas e álcool; atitudes face ao sistema de justiça criminal; e
experiências de vitimização.
Foi empregue o desenho de uma amostra probabilística aleatória para seleccionar uma amostra
principal de 10.079 pessoas da população em geral, com idades entre os 10 e 65 anos. Uma
amostra ‘exponenciada’ de inquiridos negros e de minorias étnicas foi adicionada para permitir
o exame das suas experiências em separado, mas pessoas sem-abrigo não foram incluídas. Os
jovens foram sobre-representados, pelo que quase metade do grupo principal era composto por
indivíduos de idade entre os 10 e 25 anos, o que reflecte o grande interesse relativamente ao seu
comportamento. A inusitadamente ampla gama etária da amostra tornou possível estimar a proporção do crime total atribuível a jovens. Entre os resultados verifica-se que:
n
No
ano anterior, 1 em cada 10 inquiridos tinham cometido um crime grave (roubo, assalto,
tráfico de droga) e 2% eram delinquentes prolíficos (seis ou mais delitos).
n
Os delinquentes prolíficos constituíam 2% da amostra e 26% dos delinquentes do ano anterior,
mas respondiam por 82% de todos os delitos registados.
n
Homens com idades entre 10 e 25 (14% da amostra) respondiam por quase metade (47%) de
todos os delitos.
n
5% dos incidentes eram cometidos quando o transgressor havia tomado drogas ilegais ou
álcool.
n
As razões mais recorrentes para justificar o fim da delinquência eram “eu sabia que estava
errado” e “cresci, assentei”.
Uma taxa de resposta de 74% foi alcançada para a amostra principal. Em anos subsequentes, a
amostra foi reduzida a 5.000 entrevistas, incluindo algum seguimento de casos do grupo original
para permitir um estudo longitudinal. Foram conduzidos inquéritos complementares adicionais em
prisões e com delinquentes a cumprir sentenças na comunidade.
199
Budd T, Sharp C and Mayhew P. Offending in England and Wales: first results from the 2003 Crime And Justice Survey. Home Office Research
Study 275. London: Home Office, 2005, em www.homeoffice.gov.uk/rds/pdfs05/hors275.pdf.
Outros relatórios das inquirições de 2003, e posteriores, dos C&JS estão disponíveis no sítio www.homeoffice.gov.uk/rds/index.html.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
109
17 Reunir Informação
Qualitativa
17.1. A necessidade
de dados
qualitativos
OS
dados quantitativos não são suficientes por
si só. Estatísticas áridas precisam de ser
complementadas por informação qualitativa, recolhida de entrevistas, reuniões e outras formas de consulta. É o material reunido através destes contactos
que iluminará não só o que está a ocorrer, mas o
como e porquê está a ocorrer, algo crucial para obter um real entendimento. Tal revelará percepções
e preocupações, prioridades e oportunidades, que
devem enformar o desenvolvimento de uma futura
estratégia de prevenção. Há questões que não se
traduzem facilmente para simples números, e são
abordadas com muito mais eficácia através da discussão exploratória e outras formas de actividade
participativa. Contudo, isto não significa necessariamente ‘inventar’ novos meios de consulta. É muitas
vezes preferível fazer uso de mecanismos já existentes, quando estes funcionam bem.
A informação qualitativa será requerida nas Fases
1 e 2 de implementação. Contudo, a natureza do
material recolhido irá variar dependendo das circunstâncias locais. Na Fase 1, quando o objectivo
é produzir rapidamente uma panorâmica através
de uma análise alargada e genérica, as fontes
principais serão normalmente informadores privilegiados.
200
110
‘Conseils de Quartier’ (Camarões)
Nas cidades de Yaoundé e Douala foi identificada a necessidade de comités de consulta
locais. Inicialmente, foram consultados grupos
especificamente para a prevenção do crime,
mas cedo se percebeu que os dispositivos de
consulta precisavam de estar enraizados em
mecanismos de governação local. A atenção
virou-se, então, para os ‘conseils de quartier’,
já estabelecidos em algumas municipalidades.
Foram introduzidas emendas ao seu desenho
e mandato, para lhes permitir trabalhar sobre
questões de protecção e segurança. Em resultado disso, a prevenção do crime ficou incorporada no desenvolvimento local, e os ‘conseils
de quartier’ foram envolvidos no diagnóstico local das suas áreas, bem como na identificação
de prioridades e na implementação da estratégia acordada200.
Laura Petrella, Coordenadora, Programa
Cidades Mais Seguras da UN-Habitat
Em Portugal, os Conselhos Municipais de Segurança desenvolvem um papel similar. Ver Anexo E deste manual.
Na Fase 2 de implementação, à medida que o
DLS se dirige para uma análise aprofundada e
pormenorizada, concentrando-se em áreas e assuntos mais específicos, serão necessárias contribuições qualitativas, vindas de diferentes fontes.
Estas incluirão indivíduos, grupos e organizações
com conhecimento pericial nas áreas temáticas
relevantes. Mas também é provável que haja mais
envolvimento de movimentos de base, incluindo
os das comunidades nas quais a atenção esteja
centrada e cujas necessidades estejam a emergir
como possíveis prioridades estratégicas201.
Aqui, é primeiramente dada atenção a uma gama
de métodos consultivos, e em seguida a ferramentas específicas para reunir informação qualitativa, tal como elencado abaixo:
Métodos Consultivos
nEntrevistas com informadores privilegiados
nReuniões abertas
nFocus groups
nInquérito por entrevistas em profundidade
nTrabalho de rua
Ferramentas consultivas
nPasseios / rondas
nMétodo “bola de neve”
nJúris de cidadãos
nOrçamento participativo
É sensato reiterar que consulta à comunidade não é
o mesmo que envolvimento da comunidade. Esse é
um processo bem mais amplo já considerado noutro
ponto deste manual (ver, anteriormente, Secção 3.2).
17.2. Técnicas para
a recolha de
informação
qualitativa
17.2.1. Entrevistas com informadores
privilegiados
As entrevistas com informadores privilegiados
dependem, para o seu sucesso, do nível de entendimento dos informadores sobre o assunto.
Normalmente, o seu papel será o de completar
os dados quantitativos ao fornecer uma interpretação e avaliação bem informada sobre os acontecimentos: porque é que os problemas estão a
ocorrer, quais as respostas bem sucedidas, onde
são necessárias melhorias, que recursos poderão
ser mobilizados?
Porém, e na ausência de bons dados quantitativos, os informadores poderão tornar-se na principal fonte de informação sobre a natureza e escala
dos problemas.
Na Fase 1 dos DLS – quando ainda permanecem
várias questões para investigar –, os informadores poderão ser a principal fonte de informações
qualitativas, contribuindo com uma representação
geográfica alargada, apoiando a equipa de diagnóstico em todas as etapas.
Consultar Comunidades
“Investigação-acção participante, ou pesquisa consultiva, providencia um tipo de dados particular
e muito valioso. Não pretende ser científico, mas provavelmente propicia uma melhor reflexão da
situação do que um inquérito de vitimização formal. O que é particularmente útil é que ajuda a
relacionar a ligação entre comportamento desviante e a envolvente”.
Barbara Holtmann, directora, Conselho para a Pesquisa Científica e Industrial, África do Sul
“Os métodos de consulta mais apropriados baseiam-se no contacto pessoal próximo com as comunidades, através de fóruns comunitários, reuniões informais, e discussões pessoa-a-pessoa.
Boletins locais e programas de televisão especiais podem alcançar quase todos os membros das
comunidades, providenciando uma informação ampla sobre a situação local de crime e segurança, bem como sobre a actuação da polícia e das autoridades locais”
Pál Baan, Conselheiro-Chefe, Ministério da Justiça e Forças de Segurança, Hungria
201
Para uma definição de ‘comunidades’ ver, anteriormente, Secção 5.1.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
111
O grupo de informadores privilegiados deverá incluir
representantes dos serviços públicos ou instituições, organizações comunitárias com responsabilidades ao nível local e outros grupos de interesse,
sendo que a maioria pertencerá à mesa redonda do
diagnóstico local de segurança (ver, anteriormente,
Secção 1.5.). Nas cidades onde o crime, vitimização ou a prevenção aparentam estar correlacionadas com a identidade étnico-cultural, será importante incluir entre os entrevistados, representantes
dos grupos relevantes. A Fase 2 de implementação
deverá envolver informadores com conhecimentos
específicos, possivelmente relacionados com um
tópico, grupo ou sector concreto.
A decisão de saber que indivíduos incluir é desafiante. Poderão ser várias as pessoas a quererem participar para expressar os seus pontos de vista. Todavia, como a equipa de diagnóstico terá um tempo
e pessoal limitados, faz sentido compilar uma lista
exaustiva de tópicos sobre a informação cuja recolha é essencial e considerada desejável, e posteriormente limitá-la aos recursos existentes (Quadro 26).
17.2.2. Reuniões abertas
As reuniões abertas podem ser utilizadas com
uma dupla estratégia de comunicação: fornecer
informação aos participantes e solicitar respostas
através de questões e discussão. Por definição,
as sessões são abertas a qualquer pessoa e por
isso, de natureza inclusiva. Uma forma de garantir o seu sucesso – em termos de participação e
envolvimento – é realizá-las perto dos grupos, publicitá-las com antecedência, escolher um (bom)
local com boas acessibilidades.
Estas reuniões podem atrair um grupo considerável e diversificado de pessoas, com experiências
e percepções diversas, embora, e inevitavelmente, sejam aquelas com pontos de vista e motivações mais fortes as que mais aparecerão e contribuirão. Obviamente, não há fiabilidade quanto à
representatividade das opiniões expressas – se
representantes da comunidade ou de uma minoria enviesada –, mas crianças e adolescentes são
participantes improváveis. No mesmo sentido, estas reuniões não serão atractivas para os grupos
socialmente excluídos e marginalizados, a não ser
que especiais medidas de encorajamento e apoio
sejam levadas a cabo, como no caso das mulheres e minorias étnico-culturais.
Ainda que esta abertura seja uma mais-valia, a
mesma pode levantar problemas de planificação
e gestão. O número de participantes é incerto e
existirão problemas se muitos – ou muito poucos
– comparecerem. Igualmente, nestes contextos
torna-se difícil abordar questões mais sensíveis,
como a violência doméstica e crimes de ódio ou
intolerância. De modo a garantir um debate construtivo, em que as diferenças de opinião não degeneram em conflito, que a ordem de trabalhos
não seja desviada por outros interesses, e que
uma minoria não domine a discussão, é vital um
programa bem estruturado e cuidada assistência
(Quadro 27).
Quadro 26
Factores indispensáveis para o sucesso das entrevistas com
informadores privilegiados
nElaborar uma lista com os potenciais entrevistados e seleccionar os mais relevantes
nPlanear com antecedência de modo a permitir que os entrevistados estejam preparados
nInformar os entrevistados do tempo de duração
nFazer o melhor uso da entrevista ao planeá-la
nLevar uma segunda pessoa para a entrevista que fique responsável pela gravação
nAcordar possíveis contactos posteriores para eventuais esclarecimentos decorrentes da
entrevista
112
Diagnóstico Local de Segurança em Cherbourg, Queensland (Austrália)202
A comunidade aborígene de Cherbourg estava preocupada com o aumento dos níveis de criminalidade (em particular da criminalidade juvenil) na sua comunidade e numa cidade próxima – Murgon. A partir de dados estatais, o Departamento das Comunidades concluiu que apesar das taxas
de criminalidade estarem elevadas, não existia informação disponível para explicar o porquê ou o
seu impacto na comunidade. Entre Abril e Junho de 2006 foram inquiridas mais de 50 pessoas,
nas duas comunidades. Para além de crianças, adolescentes, idosos, proprietários, líderes, famílias, foram ainda entrevistados:
n
Dirigente
dos Serviços Comerciais e
Financeiros do município de Murgon Shire
n
Dirigente regional aborígene e dos Serviços
Legais Torres Strait Islander, Murgon
n
Director da escola pública de Cherbourg
n
Director do Centro para Crianças Gundoo
n
Gerente do Centro para Crianças Gundoo
n
Representante dos encarregados de
educação na Escola Primária de Cherbourg
n
Presidente de Mesa do Conselho Aborígene
de Cherbourg
n
Apoio aos professors aborígenes da Escola
Primária de Cherbourg, que também
trabalham com o Grupo Incidentes Críticos
n
Centro para o Conhecimento Winifred Fisher
da Escola Estatal de Cherbourg
n
Director da Escola Secundária de Murgon
n
Sargento
Sénior da Polícia de Queensland,
Murgon
n
Departmento das Comunidades (Justiça
Juvenil), Murgon e Cherbourg
n
Departamento de Segurança para as
Crianças, Murgon
n
Centro Recreativo e Desportivo de Cherbourg
n
Grupo Incidentes Críticos
n
Centro para a Liderança, Nunderie TAFE,
Cherbourg
n
Director, ‘Bahun Jal Mano – Retiro Silver
n
Representante para a Juventude, ‘Bahun Jal
Mano – Retiro Silver Lining
n
Líder de equipa, serviços médicos regionais
de Barambah
n
Strong and Smart Digital Unit, Escola Estatal
de Cherbourg
Quadro 27
Factores críticos de sucesso para as sessões abertas
nPublicitar o encontro com antecedência
nAcordar o encontro, pensando num bom local
nAssegurar que a equipa de diagnóstico
e na duração
nDefinir claramente os objectivos e o que é
esperado
nConvidar pessoalmente os participantes
nEncorajar os mais apreensivos ou
marginalizados
nDar apoio logístico
nPreparar o local para pessoas com
deficiências
nManter as apresentações relevantes,
curtas e simples
nManter sempre uma tónica positiva
nConsiderar utilizar um moderador
independente
nPreparar antecipadamente uma lista de
está efectivamente representada
questões e pontos para debate
nContextualizar o encontro dentro do processo
a decorrer
nApresentar as restrições e as regras do
encontro
nIdentificar as áreas de debate
nNo final, apresentar oportunidades futuras
de encontro
nTomar notas precisas do encontro para
posterior disseminação
nTerminar o encontro com agradecimentos
a todos os presentes
nConsiderar meios alternativos de comunicar
com as pessoas que não puderam estar
presentes nesse dia
202
Stanley J, Taylor S and Wilson W. Cherbourg community safety plan report, (30.6.06). Austrália Focus Pty Ltd, 2006, em
www.focus-planning.com.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
113
17.2.3. Grupos focais
Actualmente, o termo grupo focal (ou grupo
de discussão) é aplicado a quase todas as discussões de grupo. No entanto, a sua utilização
correcta serve para designar um tipo especial de
encontro, organizado e conduzido de um modo
concreto, para a obtenção de percepções sobre um tópico específico, informações que serão
úteis para os decisores. No seio de um DLS, a
metodologia dos grupos focais será mais eficiente
durante a Fase 2 de implementação (análise aprofundada e pormenorizada) ou Fase 4 (Consulta e
comunicação).
203
Um grupo focal típico é constituído por seis a dez
participantes seleccionados por terem em comum
certas características, estando estas relacionadas
com a temática em discussão. A discussão é conduzida por um moderador experiente, que deve
promover um ambiente permissivo e não ameaçador para o debate (com duração entre duas a três
horas). O tópico é brevemente introduzido pelo
moderador, que posteriormente coloca questões
para o grupo explorar (Quadro 28)204.
Um grupo focal diverge de um encontro convencional por várias razões, trazendo vantagens
acrescidas sobre outras formas de encontros e
entrevistas frente-a-frente. Geralmente, é dada
especial atenção a um tema que é analisado em
profundidade em discussões e interacção dentro do grupo, de modo a proporcionar reflexões
e não uma apresentação e preparação formal. O
seu tamanho permite uma participação e envolvimento suficientemente alargado para incluir várias
opiniões. O moderador pode explorar e desafiar,
mas não existe pressão para atingir consensos,
sendo o objectivo principal escutar o maior leque
de opiniões possível e quais os seus argumentos
(Quadro 29).
sas sejam representativas da população. Por tal, e
se possível, outros métodos deverão ser usados
para testar se as ideias e opiniões dadas têm representatividade.
17.2.4. Inquérito por entrevista em
profundidade
Por norma, os inquéritos são realizados para obter
informação que pode ser expressa por números
e posteriormente utilizada para estimativas estatísticas sobre a população da amostra. Todavia,
os inquéritos podem ser utilizados de uma outra
forma. As entrevistas em profundidade envolvem
uma discussão pouco estruturada e alargada de
um assunto concreto e normalmente complexo,
sobre o qual o entrevistado tem conhecimento
pessoal ou experiência. São métodos excelentes
para obter uma perspectiva mais detalhada sobre
um tema específico, necessária na implementação da Fase 2 de um DLS, completando, desta
forma, a abordagem quantitativa (Quadro 30).
Geralmente, entrevistas com duração mínima de
uma hora são realizadas por uma pessoa, frentea-frente. O objectivo é o de recolher, através de
uma conversa e discussão (e não tanto por via de
questões fechadas ou de múltipla escolha), várias
opiniões de entre uma amostra de pessoas em
situação similar. Uma vez que a informação não
será usada para a criação de medidas ou extrapolação estatística, o inquérito por entrevista não está
obrigado à constituição de uma amostra alargada
ou a seguir um formato rígido de realização. Esta
abordagem é apropriada para explorar temas mais
sensíveis, tais como a violência familiar e assuntos
sobre os quais pouco se sabe (e que torna difícil a
elaboração de questionários formais).
Normalmente, um estudo baseado nesta metodologia inclui vários grupos com participantes similares, e não apenas um, de modo a garantir um
melhor entendimento das atitudes e sentimentos.
No final do processo, deverá haver uma aproximação ao tema, pois apenas um número reduzido
de indivíduos terão sido envolvidos e, portanto,
não se poderá assumir que as opiniões expres-
203
204
114
No original, focus group.
Focus Group Meeting foi traduzido Grupo Focal, significando a reunião de um conjunto de pessoas que, sob a moderação de um facilitador, encetam um processo de discussão concentrada sobre um tema específico. in Schiefer, U, Teixeira, P. e Monteiro, S. (2006), Manual
de Facilitação para a Gestão de Eventos e Processos Participativos, Princípia Editora, Lda, Estoril. Porém, tem prevalecido a designação
anglo-saxónica de focus group, aparecendo também o conceito de grupo de discussão.
Entrevistas Sobre Violência Contra as Mulheres, Dar Es Salaam (Tanzânia)
Em Março de 2000, e como parte do processo de desenvolvimento de uma estratégia de segurança, foi levado a cabo um inquérito de vitimização. Para explorar questões que não poderiam ser
captadas via inquérito, foram conduzidas 1.000 entrevistas a agregados familiares, 42 entrevistas
em profundidade a mulheres que haviam experienciado violência e abuso. Neste último grupo, a
maioria (79%) foram abusadas economicamente, mais de três quartos sofreram abusos emocionais e 71% abuso físico. 45% afirmaram terem sofrido abuso sexual. Muitas das entrevistadas
sofreram os quatro tipos de abuso.
Crime in Dar es Salaam. Results of a City Victim Survey (2001)205
Quadro 28
Exemplo de questões a colocar para um grupo focal sobre vizinhança
nFale-me sobre o bairro onde vive e do que
gosta ou não gosta
nO que o faz sentir seguro e inseguro?
nQuais são os principais tipos de crime e problemas de desordem na sua comunidade?
nO que acha que poderia ser feito para se
sentir mais seguro?
nExiste um problema local grave relacionado
com drogas ilegais? Como é que sabe?
nPor que é que os jovens se envolvem em
problemas aqui?
nQue mais poderá ser feito para prevenir as cau-
sas do crime e o comportamento desordeiro?
nQual é o melhor motivo para se viver aqui?
Quadro 29
Factores indispensáveis para o sucesso do grupo focal
nSer claro sobre o tema e sobre a mais-valia dos
resultados para o processo de diagnóstico
nConsiderar calmamente os critérios para a
selecção dos participantes
nPlanear vários grupos focais e não apenas um
nNomear um moderador experiente que
controle o tempo e conduza bem o debate
nEvitar grupos com mais de quinze elementos
nSeleccionar pessoas que não se conheçam
entre si
nEscolher bem o espaço que encoraje o debate
nColocar questões simples, claras, e que
instiguem o debate
nTer alguém que tome notas ou que grave a
discussão (com autorização dos participantes)
nConsiderar incentivos para melhorar a
participação (ex. pagamento de despesas
e escolha de um horário conveniente)
nAdoptar um processo sistemático, focalizado
e verificável para a análise das respostas
nAssegurar que o relatório esteja condizente
com o objectivo e o público
Quadro 30
Factores indispensáveis para o sucesso das entrevistas em profundidade
nUtilizar entrevistadores que consigam
nGarantir a confidencialidade
estabelecer um relacionamento com
nConduzir as entrevistas em espaços
os entrevistados
confortáveis e onde seja possível falar
nAssegurar previamente que os entrevistados
sem receios
saibam qual o tema em discussão
nIniciar com questões “fáceis” e avançar
nAgendar o tempo das entrevistas de modo a
gradualmente para tópicos mais sensíveis
que não haja interrupções durante as mesmas nPedir autorização para gravar o encontro,
de modo a evitar a distracção de tirar notas
205
Robertshaw R, Louw A and Mtani A. Crime in Dar Es Salaam. Results of a city victim survey. Pretoria: Institute for Security Studies, 2001.
www.iss.co.za/Pubs/Other/DaresSalaam/Content.html.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
115
Consulta à Comunidade Após Genocídio no Ruanda 206
Mesmo nas mais difíceis circunstâncias, as comunidades podem ser envolvidas na identificação
de problemas e suas soluções.
Em 1994, o Ruanda sofreu terríveis actos de genocídio. Já no período do pós-conflito, o envolvimento das comunidades em temas tão sensíveis como o crime e policiamento não foi fácil. O
ambiente que a equipa de auditores do Ruanda/Reino Unido enfrentou foi pautado por: etnicidades
polarizadas; deslocados internos; medo, hostilidade e suspeitas; barreiras linguísticas; pobreza e
mortalidade; falta de dados oficiais devido à destruição e importância da tradição oral.
Foram consultadas instituições, organizações e grupos-chave através da realização de encontros,
focus groups, questionários, entrevistas semi-estruturadas e entrevistas de rua não estruturadas.
O representante da comunidade neste programa recolheu opiniões, sentimentos e ideias junto de
mais de 7.000 ruandeses a viver nas comunidades. Foi desenvolvida uma metodologia sensível a
diferenças e a culturas:
n
Organização
de uma equipa de policiamento de proximidade paritária Ruanda/Reino Unido
aos entrevistados que os diagnósticos de segurança não eram governamental ou
internacionalmente decretados
n
Apoiar os membros das equipas, apresentá-los aos focus groups e preparar o processo de
diagnóstico
n
Visitar as pessoas no seu meio
n
Facilitar o envolvimento de grupos que se sentiam mais vulneráveis ou receosos – por exemplo, grupos informais de mulheres com medo de falar perante a polícia ou homens
n
Aprendizagem da língua Kinyarwanda pelos membros da equipa do Reino Unido de modo a
garantir um contacto aberto
n
Promover antecipadamente a consciencialização, sensibilização e interesse através dos media
e outros métodos inovadores
n
Facilitar a consulta de informação, incluindo representações gráficas
n
Utilizar danças e músicas tradicionais no início e fim dos focus groups
n
Garantir cobertura dos media em todas as etapas, com especial utilização da rádio
n
Utilizar teatralizações para demonstrar a situação presente e a pretendida
n
Tanto quanto possível, garantir que todos os sectores da comunidade estão representados e
que todas as pessoas têm uma hipótese de participar
n
Permitir tempo para discussões de debates, respeitando assim a tradição oral
n
Durante os encontros ter aperitivos, especialmente bebidas
n
Antecipar e gerir conflitos entre os participantes e destes para os investigadores
n
Garantir
Um tema constante foi a resposta positiva da comunidade que se sentiu envolvida e parte do processo, ao ter sido escutada.
206
116
O diagnóstico ruandês sobre Direitos Humanos e Conduta Policial ocorreu em 2000. Foi financiado pela Danish International Development
Agency (DANIDA) e implementado pela IODA através da UNDP Mission in Rwanda.
17.2.5. Trabalho de rua
Se um exercício de diagnóstico é apenas estruturado por inquéritos, encontros e painéis dirigidos
a grupos representativos, será certa a exclusão de
grupos importantes da população, nomeadamente pessoas com baixa literacia, fraca mobilidade
e dificuldades de expressão. Também em risco
de exclusão estão pessoas de baixo rendimento
ou marginalizadas – tais como os sem-abrigo, imigrantes e os refugiados. Outros, incluindo mulheres e minorias, poderão não participar por medo,
tradições culturais ou outros factores. Mas como
é demonstrado por investigações, estes grupos
tendencialmente experienciam vitimização num
nível mais alto do que a média. Porque o crime
pode ter um impacto desigual nas suas vidas, a
sua presença é particularmente importante.
Consequentemente, qualquer que seja a comunidade, a equipa do DLS necessita identificar quais
os grupos relevantes, passíveis de exclusão ou
severamente sub-representados, procurando formas alternativas de recolher as suas experiências,
preocupações e ideias. Uma opção é o trabalho
de rua, que deliberadamente procura e estabelece contacto com estes grupos no seu ambiente.
Com grupos vulneráveis, receosos ou desconfiados, os investigadores necessitam não só de
competências técnicas, mas também de competências pessoais para a construção de um relacionamento de confiança, condição essencial para o
sucesso (Quadro 31).
Este trabalho de rua pode assumir várias formas.
Pode envolver encontros casuais (individuais) na
rua, para conversas informais ou planear uma discussão mais estruturada com uma família, na sua
casa. Pode ainda envolver um grupo de pessoas,
que não se sintam intimidadas ao falarem para um
colectivo, por exemplo, num ambiente comunitário como uma mesquita ou local de referência de
encontro da comunidade.
Inquirir Grupos de Mais Difícil Acesso
“Os idosos, sem-abrigo, membros de minorias
e os jovens deverão ser primeiramente contactos por assistentes sociais e familiares. Posteriormente, serão chamados, dando-se-lhes a
oportunidade para se expressarem livremente,
identificando os seus problemas e soluções.
Outro exemplo, são os indivíduos de etnia cigana que respeitam os polícias oriundos do seu
grupo. Falar a língua dos grupos minoritários e
participar nos seus eventos culturais ajuda na
obtenção de confiança, situação essencial quer
para o relacionamento quer para os envolver”.
Pál Baan, Consultor-Chefe, Ministério da Justiça
e das Forças de Segurança, Hungria
Quadro 31
Factores indispensáveis para o sucesso do trabalho de rua
nConsiderar usar intermediários de confiança
nGarantir a confidencialidade
para a apresentação
nEvitar uma entrevista formal
nUtilizar investigadores capazes de estabelecer nDar tempo para a construção de confiança
uma relação com os inquiridos, colocando-os
e avançar gradualmente para tópicos
à vontade
mais difíceis
nMarcar encontros num contexto não
nDar feedback dos resultados
institucional e acordado entre as partes,
onde estes se sintam confortáveis
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
117
17.3. Instrumentos
para a recolha
de informação
qualitativa
17.3.1. Visão partilhada
A visão partilhada é um exercício para a construção de algo que pode estar relacionado com uma
área, uma organização ou um serviço e se projecta no futuro. No contexto da prevenção da criminalidade, a visão será uma imagem colectivamente partilhada de como é crescer, viver e trabalhar
num local seguro, onde as pessoas estão livres
do medo, violência, vitimização e intolerância. É
essencial ter uma visão comum, pois esta unirá as
pessoas e garantirá um compromisso colectivo.
Trata-se, por conseguinte, de um exercício projectivo que se pretende que seja apropriado pelo
maior número de pessoas.
Um evento de visão partilhada pode ser útil em
várias etapas do processo de DLS. Por exemplo,
na Fase 1 de implementação, poderá ser organizado, ao nível da comunidade, com stakeholderschave, via a realização de mesas redondas. Tal
poderá apoiar a criação de um sentimento de
orientação, direitos e apoio colectivo; todavia,
pode igualmente expor diferenças de opinião que
devem ser exploradas e conciliadas.
A Fase 2 de implementação pode envolver um
exercício ao nível de bairro, de grupos concretos
e de grupos marginalizados. Para além de fornecer importantes inputs ao DLS, é um bom método
para envolver, desde esta fase inicial, as pessoas
no processo de tomada de decisão, demonstrando compromisso numa abordagem participativa.
Por sua vez, tal pode gerar o interesse comunitário
e posterior envolvimento, nomeadamente, na implementação da estratégia.
Na Fase 1 e 2, para além de aproximar as pessoas, a visualização pode garantir que o DLS avança
na direcção certa, identificando quais as questões
que devem ser examinadas em maior profundidade. Tendo em mente esta visão comum, é possível rever e estabelecer quais os passos necessários para a atingir. Esta verificação do programa
de actividades é particularmente importante dada
a multiplicidade de temas que potencialmente podem ser trabalhados (Quadro 32).
Nas fases 3 e 4 de implementação do DLS, a visão pode apoiar o Grupo de Coordenação a determinar as prioridades de acção e quais as respostas que devem ser incorporadas na estratégia.
No futuro, a visão pode ser utilizada como ponto
de referência contra o qual o impacto da estratégia será avaliado.
É a simplicidade do conceito que o torna adequado nas consultas com grupos diversos, incluindo
os jovens, e é a sua natureza prospectiva e generativa que encoraja um envolvimento construtivo.
Ainda assim, dever-se-á reconhecer as suas limitações. Sem uma gestão cuidada, poderão surgir
expectativas irrealistas que originem desilusões.
Nem sempre a multiplicidade de visões é conciliável, o que poderá resultar em parcerias discordantes e enfraquecidas. A visão pode levar a fracos
resultados porque as pessoas ‘não podem ter o
que não sabem’; por vezes é melhor oferecer uma
gama de escolhas do que um papel em branco!
Quadro 32
Amostra de questões para ‘Visualização em Bairro’
Avançámos 10 anos e todas as coisas que desejava para tornar o seu bairro num local seguro
aconteceram!
nComo é viver agora no seu bairro?
nO que o faz assim?
nQuais são as três palavras que descrevem melhor a nova situação?
nQuais são os melhores benefícios do que aconteceu?
nO que necessita acontecer para melhorar a situação?
Uma visão pode ser definida em palavras, mas também pode ser retratada com sucesso através de
uma imagem ou dramatização, por vezes mais apropriada para certos grupos, como as crianças.
118
Quadro 33
Eventos de visão: princípios de boa prática
1 A visão é de máxima relevância no primeiro momento da consulta.
2 É essencial uma boa preparação, sendo necessária informação de fundo para criar uma visão
informada.
3 A visão tem de ser uma actividade de partilha e não tanto uma acção individual. Poderá ser útil
iniciar com a definição da visão individual e posteriormente explorar o que é partilhado, idêntico,
e o que é distinto.
4 Permitir bastante tempo para a discussão e ter um facilitador experiente.
5 Trabalhar para a criação de um lema para a visão, que deverá ser curto e inspirador.
17.3.2. Passeios exploratórios
Por norma, esta actividade está associada a preocupações com uma área geográfica em concreto
e envolve encontros no local para discutir essas inquietações e explorar ideias sobre como as mesmas
poderão ser resolvidas. Por tal, é útil na Fase 2 de
implementação do DLS. Os participantes poderão
ser pessoas locais distintas, um grupo de interesses
em concreto, ou um grupo misto que inclui representantes de diferentes entidades. As ideias que
surjam destes passeios exploratórios deverão ser
transmitidas à equipa de diagnóstico. A utilização
de câmaras descartáveis para capturar informação
pode apoiar os grupos a partilharem os seus pontos
de vista com um público mais vasto207.
São particularmente relevantes para observar assuntos relacionados com o ambiente físico, tais
como o design de edifícios ou iluminação pública,
ou o uso de uma área, por exemplo por consumidores de álcool, excesso de velocidade ou gangs
juvenis. Explorar estes locais, em situações em que
os problemas são evidentes, pode ser muito eficaz
para a sensibilização e tomada de consciência, ao
identificar o que está errado, ao aumentar o envolvimento e ao desenvolver respostas. Mais do que
numa sala de reuniões, o lado prático do processo fornece-lhe um realismo muito interessante aos
participantes locais, e estes tendem de forma mais
natural a passar dos problemas para as respostas.
Os passeios exploratórios têm sido eficazmente
usados nos diagnósticos dirigidos a mulheres para
aferir a segurança ao longo dos nós de transportes. O processo deve começar com a clarificação
dos objectivos e métodos a utilizar. Posteriormen-
207
te, o grupo observa ou caminha através da zona,
discutindo e recolhendo indicações. Tal poderá ser
realizado de modo mais sistemático, via uma checklist de questões a considerar, sendo igualmente útil repetir o processo em diferentes momentos
(dias ou meses) ou com diferentes grupos.
Passeios Exploratórios em Dar Es Salaam (Tanzânia)
Os passeios exploratórios efectuados em bairros informais
por mulheres acompanhadas de funcionários do planeamento urbano levaram à identificação de um número de questões
que não eram evidentes nas estatísticas policiais ou em outras
consultas à comunidade. A insegurança apresentou-se associada a locais de consumo ilegal de bebidas, à existência de
loteamentos pouco desenvolvidos e a ambientes sujos e pouco higiénicos – de especial preocupação aquando da segurança de crianças. Como resultado, a estratégia de prevenção
da criminalidade incluiu o envolvimento dos proprietários dos
locais de consumo de bebidas e a entidade reguladora responsável pela atribuição das licenças de loteamento, assim como
a limpeza do bairro, além do trabalho já antes desenvolvido de
vigilância das ruas e de geração de emprego. Esta forma de
diagnóstico também mudou as percepções dos funcionários
camarários sobre o seu papel no que diz respeito à prevenção
da criminalidade e à resposta às necessidades das mulheres,
porque tornou evidente que os funcionários de planeamento
urbano podiam considerar a prevenção da criminalidade como
uma das suas áreas de competência
Laura Petrella, Coordenador, UN-Habitat Safer
Cities Programme
Algumas organizações vêem estes passeios como a base para os diagnósticos locais de segurança centrados na rua e em outros
espaços públicos. Sobre este tema foi produzido pela METRAC (Canadá) o Safety audit resource kit: for women and communities, em
www.metrac.org/programs/safe/why.htm.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
119
Inquérito ao Medo do Crime nas Comunidades Imigrantes,
Sydney (Austrália)
Este estudo foi desenhado para captar as representações dos
imigrantes em Sydney, cujas vozes passam largamente despercebidas em sondagens de opinião em língua inglesa. Mais
de 80% de um total de 835 inquiridos eram primeira ou segunda geração de imigrantes, de 21 grupos nacionais de um
contexto linguístico não inglês. A maioria das entrevistas com
adultos foram conduzidas numa língua que não a inglesa.
Foi utilizado o método “bola de neve”, seleccionando-se pessoas através de redes comunitárias. Os investigadores acreditam que esta metodologia gerou uma maior participação das
vozes das comunidades imigrantes e maior fiabilidade das respostas, por oposição a uma metodologia mais tradicional de
constituição aleatória da amostra.
por uma boa comunicação, por exemplo, incluindo uma presença na internet e por contactos nos
meios de comunicação social. No seio do DLS,
um painel poderá ser chamado para examinar
um problema concreto durante a Fase 2 de implementação para informar sobre a selecção de
prioridades na Fase 3 ou para se pronunciar sobre
os resultados do diagnóstico na Fase 4.
Gangs, Crime and Community Safety: Perceptions and
Experiences in Multicultural Sydney (2002)208
A função dos membros do painel é igualmente
distinta dos participantes em outras formas de investigação qualitativa:
17.3.4. Método “bola de neve”
O método “bola de neve” significa a utilização de
contactos existentes como pontos de referenciação e apresentação para a aquisição de outros
contactos. Este processo pode ser útil às equipas do DLS em áreas onde possuem poucos
contactos, sendo ainda particularmente útil para
grupos marginalizados, como toxicodependentes
ou membros de gangs. Metodologicamente, os
investigadores estabelecem contacto com uma
pessoa dentro desses grupos, que actua como
ponto de ligação com os restantes, que por sua
vez, estendem a rede continuamente – assim provocando o efeito “bola de neve”.
17.3.5. Painéis de cidadãos
Os painéis de cidadãos são painéis aleatórios e
demograficamente representativos de cidadãos
que se encontram durante quatro ou cinco dias
para, de modo cuidado, examinar um assunto de
relevância pública. Habitualmente, o painel, que é
constituído por 18 a 24 pessoas pagas pelo seu
tempo, actua como um microcosmo da população. Eles ouvem as testemunhas e peritos e são
capazes de deliberar sobre os assuntos. No final
do dia da auscultação, os membros do painel
apresentam as suas recomendações aos decisores e ao público. O seu papel será melhorado
A sua sustentabilidade deriva da ideia de que a
partir do momento em que uma pequena amostra da população escutou este painel, as deliberações deste podem, razoavelmente, representar
perspectivas da comunidade (Quadro 34). Esta
lógica contrasta com outros métodos quantitativos e qualitativos de consulta mais comuns, que
normalmente envolvem amostras grandes para
representar o ponto de vista da população.
nÉ-lhes dado tempo para reflectir e deliberar
conjuntamente e ocasionalmente são assistidos por um perito neutro
nÉ-lhes dada a oportunidade para examinar
a informação recebida de testemunhos que
eles próprios recolheram
nÉ esperado que desenvolvam um conjunto
de conclusões ou visões para o futuro – que
não têm de ser unânimes
Nos Estados Unidos da América, o primeiro painel
de cidadãos foi organizado em 1974, apesar de
iniciativas similares terem surgido na Alemanha.
Actualmente, o conceito é utilizado em vários países, incluindo a Dinamarca, Espanha, Austrália
e Grã-Bretanha. Encontra-se disponível gratuitamente online um Manual de Painéis de Cidadãos,
desenvolvido pelo Jefferson Center, o criador do
processo209.
University of Technology, Sydney and the University of Western Sydney. Gangs, crime and community safety: perceptions and experiences
in multicultural. Sydney: 2002, em www.uts.edu.au/new/releases/2002/September/23.html.
209
www.jefferson-center.org
208
120
Quadro 34
Painel de cidadãos: princípios de boa prática
1 Os membros do painel devem receber informação suficiente (por escrito e oralmente) para a tomada de decisão
2 Os testemunhos devem fornecer dados e podem ser examinados com cruzamento de informação
3 Os membros do painel devem ter o tempo adequado para ficarem informados e discutir os assuntos. Neste sentido, 3 a 5 dias devem ser imputados a cada tema
4 É essencial um moderador formado, sendo o seu papel o de facilitar a discussão e não dirigir ou
actuar como juiz num júri
5 As decisões ou recomendações do painel não são vinculativas, mas é importante a existência de
consenso para que a entidade patrocinadora (isto é, a equipa de diagnóstico) as tenha em consideração, justificando e publicando os motivos, caso estes não sejam implementados
17.3.6. Orçamento participativo
Um dos métodos mais eficazes e válidos para envolver as comunidades é através do orçamento
participativo – um processo de deliberação e tomada de decisão democrática – no qual os residentes de uma cidade determinam quais as prioridades de investimento e decidem como afectar
parte do orçamento municipal. Apesar de os recursos não serem efectivamente afectados durante o DLS, o conceito pode ser adaptado para este
processo. Este pode ser usado para, democraticamente, determinar prioridades de acção e como
uma comunidade ou grupo em particular gostaria
de ver os recursos divididos entre várias opções.
Para que os participantes sintam a sua mais-valia,
e à semelhança dos Júris de Cidadãos, é importante que haja um envolvimento claro da equipa
do DLS para escutar as conclusões e responder
construtivamente a estas.
Orçamento Participativo em Porto Alegre (Brasil)210
O orçamento participativo (OP) surgiu nesta cidade de 1,5 milhões pessoas em 1989 e neste momento participam 50,000.
O ciclo anual inicia-se em Janeiro, com reuniões por toda a
cidade, para encorajar a participação. Um estudo demonstrou
que pessoas de baixo rendimento, com menos habilitações e
negras não se encontram constrangidas em participar e pronunciar-se. Em Março realizam-se assembleias nas 16 regiões da cidade, assim como encontros temáticos que abordam
temas como os transportes, criminalidade e saúde. Nestes
encontros – com bastante afluência – são eleitos delegados
que representam um bairro e que nos meses subsequentes
se reúnem frequentemente para analisarem as necessidades
locais e decidirem sobre as suas prioridades.
As várias prioridades são levadas à consideração do Conselho do Orçamento Municipal, um fórum com 42 membros reVários estudos sugerem resultados positivos na uti- presentantes de todos os distritos e encontros temáticos. A
lização do orçamento participativo na melhoria de sua principal função é conciliar os pedidos de cada região da
serviços, numa distribuição dos gastos públicos cidade com os recursos disponíveis e propor e aprovar um
mais equitativa, numa maior responsabilização, em orçamento municipal geral. Apesar do Conselho poder sugerir
níveis mais altos de participação pública (especialalterações mas não solicitá-las, este orçamento é obrigatório,
mente de residentes marginalizados) e de aprendizagem para a cidadania. Largamente desenvol- sendo submetido ao Presidente da Câmara, que pode vetá-lo,
vido e utilizado pelo governo local brasileiro, está embora tal nunca tenha ocorrido.
neste momento a ser adoptado em outros países
da América Latina, assim como na Europa, Ásia,
África e América do Norte. No Brasil, o processo
foi alargado para criar oportunidades específicas a
crianças e jovens. Na área da prevenção da criminalidade, este método tem claramente um papel
acrescido para determinar como deve ser gasto o
orçamento em estratégias de desenvolvimento futuro e níveis de planeamento de acção.
210
A internet cria as condições para um envolvimento contínuo,
o qual a cidade de Porto Alegre já alargou a outras actividades de planeamento. À medida que o orçamento participativo
se tem desenvolvido, o número de grupos políticos, culturais
e de vizinhança tem duplicado, especialmente nas regiões da
cidade que são mais pobres.
Em Portugal existem já várias experiências de orçamento participativo que podem ser analisadas.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
121
Checklist de Passeios Exploratórios para Diagnósticos de Segurança
para Mulheres – Programa Futuros Seguros em Cowichan Valley,
Colômbia Britânica (Canadá)211
Impressões gerais e planificação global
nQual a sua primeira reacção a este local?
nQuais são as três palavras que melhor descrevem este local?
nÉ fácil orientar-se? Faz-lhe sentido?
nA área (ou o edificado) é acessível?
nÉ servida por transportes?
nSaberia onde se dirigir em caso de necessitar de ajuda? A ajuda é acessível?
nExistem sinais, por exemplo, a indicar como aceder a serviços de emergência?
Isolamento
nConsidera a área isolada? Quando?
nExistem muitas pessoas nesta área? Durante a manhã, dia, noite?
nA ocupação do espaço nas imediações desta área encoraja as pessoas a lá estar?
nQual a distância do serviço de emergência mais próximo? Existem telefones públicos próximos?
Iluminação
nA iluminação é suficiente e encontra-se em bom estado?
nExiste iluminação pública?
nOs pavimentos, passeios, sinais de direcções e entradas de prédios estão suficientemente ilumi-
nados?
nA iluminação encontra-se tapada por árvores ou arbustos?
nÉ capaz de identificar alguém à distância?
Campo de visão, preditores de movimento, locais problemáticos
nÉ capaz de ver claramente o que se encontra à sua frente?
nExistem áreas pequenas, confinadas, onde você ou outros se poderiam esconder?
nSe ameaçado/a qual a facilidade em fugir?
nQual a facilidade de um delinquente escapar?
nExistem caminhos alternativos disponíveis para si?
nExistem espaços ou locais de armazenamento sem estarem fechados?
Manutenção
nSente a área como estando cuidada ou abandonada?
nExiste lixo, graffiti ou vandalismo?
nSabe a quem reportar os problemas?
Sinalização
nExistem sinais ou outra informação sobre onde encontrar assistência, acesso por cadeira de rodas,
entradas e saídas?
nPodem ser vistos e lidos facilmente? E por alguém numa cadeira de rodas ou com problemas de
visão?
nExistem sinais que devam ser acrescentados ou alterados?
211
122
Cowichan Valley Safer Futures Program (s/d), Women and Community Safety: a resource book on planning for safer communities. Canadá,
em www.saferfutures.org/publications.php#fs.
Apesar de ser um conceito simples, o sucesso do
orçamento participativo depende de um enquadramento bem estruturado, que inclui:
nUma estrutura (área) geográfica bem definida, que complementa as fronteiras políticas,
facilitando a tomada de decisões e a oferta
de serviços
nDebates e encontros bem organizados, na
cidade, para envolver as comunidades locais
na discussão de assuntos temáticos, para
decidir as prioridades estratégicas, para desenvolver planos de acção e para avaliar e
monitorizar actividades em curso, de modo
a complementar as estruturas democráticas
representativas já existentes
nUma actividade anual e cíclica, largamente compreendida e aceite, que fornece um enquadramento formal para a participação, o planeamento e a implementação
nUma rede de entidades de apoio envolvidas
no desenvolvimento de competências locais
e na comunicação e promoção de uma política de informação e da sua praxis
nUma matriz de orçamento que processe as
prioridades locais de acordo com uma tabela
completa e abrangente, que vai dando informação sobre qual a despesa realizada, em
cada zona da cidade e em cada área de intervenção212.
17.4. A necessidade
de uma
abordagem
equilibrada
N
enhum método ou instrumento de recolha de
informação – quantitativa ou qualitativa – será
suficiente por si só. Um diagnóstico local de segurança bem sucedido usará várias abordagens
para descrever e explicar o que está a ocorrer.
Manual para a Prevenção da Criminalidade Local – The ‘Tin Box’ (África do Sul)213
Este recurso inovador foi desenvolvido em resposta à crescente procura de instrumentos de apoio
ao desenvolvimento e implementação de estratégias locais de prevenção da criminalidade. Inclui
um guia com indicações passo a passo para cada fase do processo, incluindo como ganhar conhecimento dos problemas locais (diagnóstico de segurança).
Estão incluídos materiais que envolverão tanto as comunidades como profissionais. O manual
vem numa caixa de lata grande, com um quadro magnético e ímanes representando instituições
locais-chave, um puzzle, folhetos de ajuda, recursos sobre inúmeras questões sobre a prevenção
local, vários modelos para o planeamento estratégico, planeamento do projecto, comunicações e
monitorização. Estes materiais estão disponíveis em CD para os utilizadores adaptarem e aplicarem às suas condições e necessidades locais. Existem igualmente instrumentos para o mapeamento do crime e mobilização de sectores como as escolas.
Um desenvolvimento contínuo caminhará para a incorporação de um instrumento para o orçamento integrado e para um diagnóstico de segurança a nível local mais detalhado. O manual é uma
iniciativa da parceria coordenada pelo CSIR Crime Prevention Centre com a ONG UMAC, o South
African Police Service and Business Against Crime.
212
213
Desenvolvido de ‘What is Participatory Budgeting? A Community Pride Initiative Briefing Paper, 2003, em www.participatorybudgeting.org.uk.
Para mais informação, contactar CSIR Crime Prevention Centre (Pretória, África do Sul), em www.crimeprevention.csir.co.za/about.php3.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
123
Encontro com a Comunidade em Kragujevac
(Sérvia)
Kragujevac é uma cidade industrial na zona
central da Sérvia, com uma população acima
dos 175.000 habitantes (2002) dos quais 99%
são de etnia sérvia e 1% cigana e pessoas deslocadas internamente (ciganos egípcios e albaneses). O fecho e a redução da indústria local
criaram um sério problema de desemprego e,
com a deterioração desta situação, a polícia
constatou um agravamento dos problemas criminais. Criminalidade patrimonial, como furtos
em residências, aumentaram bruscamente e a
violência, incluindo assaltos à mão armada e
violência doméstica (incluindo homicídio) crescem significativamente. O crime organizado, o
mercado negro e a corrupção também se tornaram evidentes. Uma alta proporção de delitos
envolveu danos criminais e perturbações da
ordem pública.
Novos agentes do policiamento de proximidade
conduziram 10.000 visitas porta a porta para
falarem com os residentes sobre os problemas
locais. Foi realizado um programa de encontros regulares Mesna Zajednica (divisão administrativa equivalente a freguesia) assim como
localmente, de modo a que os cidadãos comunicassem os seus problemas, recolhessem informações e propusessem soluções. Foi desenvolvida uma campanha através dos media para
encorajar feedback e participação, tendo sido
ainda realizado um inquérito por questionário
a 700 residentes para se estabelecer quais as
prioridades. À medida que os problemas foram
sendo identificados, criaram-se Grupos de Trabalho em áreas como a violência familiar e delinquência juvenil. Cada um dos grupos incluiu
representantes de topo de instituições-chave,
que foram capazes de fornecer informação
acrescida para a identificação de problemas,
incluindo dados contextuais úteis para explicar
Como parte de um programa mais lato de re- o porquê da existência dos problemas e como é
dução das tensões comunitárias, redução da que se poderia enfrentá-los.
criminalidade grave e melhoria das relações
entre polícia e comunidade, foi introduzido o Apesar da desconfiança inicial, com o decorrer
Policiamento de Proximidade e criada uma mul- das actividades e troca de informações os níveis
ti-agência em 2004. Reconhecendo que as es- de confiança foram gradualmente crescendo.
tatísticas oficiais apenas revelam uma parte da
história, a primeira iniciativa foi a organização
de uma série de actividades que contribuíssem
para o fortalecimento dos laços comunitários,
mas também que recolhessem informação sobre os problemas locais através de processos
informais de diagnóstico local de segurança.
124
ANEXOS
Anexo A
Factores de Risco
Associados à
Delinquência
Quadro 35
Factores que aumentam o risco (em países desenvolvidos)
126
Individual
Família
Escola
Comunidade
Crescer numa instituição
Hiperactividade
Impulsividade
Dificuldades de
aprendizagem
Doenças do foro psicológico
Insegurança
Fracas competências sociais
Baixa auto-estima
Abuso de drogas
Comportamento anti-social
Influência de pares com
condutas desviantes
Violência/abuso
Falta de afectos
Fraca supervisão
Disciplina inconsistente
Ruptura familiar
Doenças do foro psicológico
Conflitos com os pais
Pobreza
Abuso de substâncias
Criminalidade
Desemprego
Absentismo
Suspensão/exclusão
Insucesso
Comportamento agressivo
Bullying
Falta de empenho
Défices de relacionamento
Necessidades especiais
Falta de apoio por parte dos
progenitores
Desempenho insuficiente
Rejeição por partes dos
amigos
Desfavorecimento
Elevadas taxas de criminalidade
Tensões étnicas
Desemprego
Desorganização
Negligência
Disponibilidade das drogas
Grande flutuação populacional
(“high turnover”)
Falta de coesão social
Condições de vida más
Falta de serviços
Anexo B
Directrizes das
Nações Unidas para
a Prevenção do Crime
O Conselho Económico e Social (ECOSOC) das Nações Unidas (ONU) tendo em conta a sua Resolução 2002/13 da 37ª Sessão Plenária, realizada em 24 de Julho de 2002, adoptou as “Directrizes para
a prevenção do Crime”.
Para os objectivos das presentes directrizes, a prevenção do crime compreende as estratégias e as
medidas que procuram a redução do risco de ocorrência de crimes e dos seus potenciais efeitos destrutivos sobre os indivíduos e sobre a sociedade, incluindo o sentimento de insegurança, através de
uma intervenção que procura influenciar as suas múltiplas causas. A aplicação das leis, das sentenças
e de outras decisões judiciais, ainda que desempenhem funções de natureza preventiva, ficam fora do
âmbito das presentes Directrizes.
O ECOSOC está a finalizar os padrões e as normas das Nações Unidas em termos de prevenção criminal e justiça criminal, baseadas essencialmente nas Directrizes que agora se apresentam.
I. Introdução
1 Está claramente provado que estratégias bem planeadas de prevenção do crime previnem não
só o crime e a vitimização, mas promovem também a segurança das comunidades e contribuem
para o desenvolvimento sustentável dos países. Uma prevenção do crime eficaz e responsável
resulta numa melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Tem resultados a longo prazo no
que diz respeito à redução dos custos associados ao Sistema de Justiça Criminal, bem como
outros custos sociais que advêm do crime. A prevenção do crime oferece oportunidades para
se abordar os problemas da criminalidade de uma forma mais humana e rentável. As directrizes
que se apresentam de seguida delineiam os elementos necessários para uma efectiva e eficaz
prevenção do crime.
II. Quadro conceptual de referência
2 É da responsabilidade de todos os níveis governamentais criar, manter e promover um contexto
no qual instituições públicas competentes e todos os segmentos da sociedade civil, incluindo o
sector empresarial, possam desempenhar activamente o seu papel na prevenção do crime.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
127
3 Para os efeitos das presentes Directrizes, “a prevenção do crime”, abrange as estratégias e medidas que procuram reduzir o risco de ocorrência criminal e os seus potenciais efeitos negativos
sobre os indivíduos e a sociedade, incluindo o medo do crime, intervindo na influência das suas
múltiplas causas. A aplicação das leis e sentenças e a execução das penas, embora relevantes
para a prevenção do crime, extravasam o âmbito de aplicação das Directrizes, dado terem abordagens mais aprofundadas noutros instrumentos das Nações Unidas.
4 As presentes Directrizes abordam o crime e os seus efeitos nas vítimas e na sociedade levando
em consideração a crescente internacionalização das actividades criminais.
5 O envolvimento comunitário e a cooperação/parcerias representam elementos essenciais do conceito da prevenção do crime adoptado. Embora o termo “comunidade” possa ter vários significados, a sua essência neste contexto reporta-se ao envolvimento da sociedade civil ao nível local.
6 A prevenção criminal engloba um vasto leque de abordagens, incluindo as que:
(a)
Promovem o bem-estar das populações e incentivam o comportamento pró-social através
de medidas sociais, económicas, de saúde e educativas, com especial ênfase nas crianças
e nos jovens, e focalizando-se no risco e nos factores de protecção associados ao crime e
à vitimização (prevenção através do desenvolvimento social ou prevenção social do crime);
(b)
Mudam as condições que nos bairros influenciam a delinquência, a vitimização e a insegurança resultante do crime, através da construção de iniciativas, competências e empenho
dos membros da comunidade (prevenção local do crime);
(c)
Evitam a ocorrência de crimes reduzindo as oportunidades, aumentando o risco de detenção e minimizando os benefícios, através de projectos urbanísticos e de apoio e informação
a actuais e potenciais vítimas (prevenção do crime situacional);
(d)
Previnem a reincidência apoiando a reintegração social dos delinquentes e outros mecanismos preventivos (programas de ressocialização).
III. Princípios gerais ou de base
Liderança governamental
7 Todos os sectores governamentais devem desempenhar um papel de liderança no desenvolvimento de estratégias de prevenção criminal eficazes e baseadas na promoção dos direitos humanos, criando e mantendo o enquadramento institucional necessário para a sua implementação
e revisão.
Desenvolvimento sócio-económico e inclusão
8 As questões de prevenção criminal devem ser integradas em todas as políticas e programas
sociais de relevância, incluindo os que abordam o emprego, educação, saúde, planeamento
urbanístico, pobreza, marginalização social e exclusão, atribuindo particular ênfase às comunidades, famílias, crianças e jovens em risco.
Parcerias
9 As parcerias devem ser uma parte integrante de uma estratégia eficaz de prevenção do crime, dado
o vasto leque das causas do crime e das competências e responsabilidades necessárias para se
abordarem as mesmas. Estas incluem parcerias entre ministérios e entre autoridades, organizações
comunitárias, organizações não governamentais, o sector empresarial e cidadãos a título individual .
Sustentabilidade / prestação de contas
10 A prevenção do crime necessita de recursos adequados, incluindo financiamento para actividades e estruturas, de modo a ser sustentável. Deverá haver, portanto, mecanismos de prestação
de contas no que diz respeito ao financiamento, à implementação e à avaliação e ao cumprimento dos resultados planeados.
Enquadramento conceptual
11 As estratégias, políticas, programas e acções de prevenção deverão suportar-se num amplo, e
multidisciplinar conjunto de conhecimentos sobre os problemas associados ao crime, as suas
múltiplas causas e sobre as práticas de prevenção inovadoras e com provas dadas.
128
Os direitos humanos / o primado do direito / cultura de obediência à lei
12 O primado do Direito e os direitos humanos que são internacionalmente reconhecidos pelos
Estados membros devem ser respeitados em todos os aspectos da prevenção do crime. Deverse-á promover activamente uma cultura de obediência à lei na prevenção do crime.
Interdependência
13 Os diagnósticos e estratégias nacionais de prevenção do crime deverão ter em consideração,
sempre que tal se justifique, as ligações entre os problemas criminais locais e o crime internacional organizado.
Diversidade
14 As estratégias de prevenção do crime deverão ter em consideração, sempre que tal se justifique,
as necessidades diversas das mulheres e dos homens e as necessidade especiais dos membros mais vulneráveis da sociedade.
IV. Organização, métodos e abordagens
15 Reconhecendo que todos os Estados têm as suas próprias e singulares estruturas governamentais, a presente secção estabelece instrumentos e metodologias que os governos e todos os
segmentos da sociedade civil devem considerar durante o desenvolvimento das suas estratégias para prevenção do crime e redução da vitimização e que se sustentam em boas práticas
internacionais.
Envolvimento da comunidade
16 Em algumas das áreas que passaremos a listar, os governos detêm a responsabilidade originária.
Contudo, a participação activa da comunidade e de outros segmentos da sociedade civil tem um
papel essencial na eficácia da prevenção do crime. As comunidades, em particular, deverão desempenhar um papel importante na identificação das prioridades da prevenção do crime, na sua
implementação e avaliação, ajudando a identificar os recursos de base que sejam sustentáveis.
A. Organização
Estruturas governamentais
17 Os governos deveriam incluir a prevenção como parte integrante das suas estruturas e programas
de controlo do crime, assegurando o estabelecimento de responsabilidades e objectivos claros
dentro do governo no que diz respeito à organização da prevenção do crime, entre outras coisas:
(a) Estabelecendo organismos ou unidades centrais com experiência e competência técnicas e
recursos;
(b)Estabelecendo um plano de prevenção do crime com prioridades e objectivos claros;
(c) Estabelecendo ligações e coordenação entre agências e departamentos governamentais
de relevo;
(d)Fomentando parcerias com as organizações não governamentais, as empresas, os sectores
privado e profissional e a comunidade;
(e) Procurando a participação activa dos cidadãos na prevenção do crime, informando-os das necessidades de agir, dos meios de acção disponíveis e do seu papel nas acções a desenvolver.
Formação e capacitação
18 Os governos devem apoiar o desenvolvimento das competências necessárias à prevenção do crime:
(a) Providenciando o desenvolvimento profissional do pessoal sénior em organismos de relevo;
(b)Encorajando as universidades e outros estabelecimentos de ensino ou entidades com responsabilidades na formação profissional a oferecerem cursos básicos e avançados, em
colaboração com os profissionais;
(c) Trabalhando com os sectores da educação e organismos representativos dos profissionais
de modo a desenvolver certificação e qualificações profissionais;
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
129
(d)Capacitar as comunidades para o desenvolvimento e para a implementação de respostas
para as suas necessidades.
Apoio ao estabelecimento de parcerias
19 Os governos e todos os segmentos da sociedade civil deverão apoiar, sempre que se justifique,
o princípio das parcerias:
(a) Difundindo o conhecimento da importância deste principio e dos factores que contribuíram
para o sucesso das parcerias, incluindo a necessidade de todos as partes intervenientes
terem regras e atribuições claras e bem definidas;
(b)Fomentando o seu estabelecimento a diferentes níveis e entre diferentes sectores;
(c) Facilitando o seu eficiente funcionamento.
Sustentabilidade
20 Os governos e outros corpos de financiamento devem esforçar-se por alcançar a sustentabilidade das iniciativas dos seus programas de prevenção do crime:
(a) Revendo a atribuição dos recursos de modo a estabelecer e manter um equilíbrio entre a
prevenção do crime e o sistema de justiça criminal e outros, para assim potenciar a prevenção do crime e da vitimização;
(b)Estabelecendo responsabilidades claras no financiamento, programação e coordenação
das iniciativas de prevenção do crime;
(c) Encorajando o envolvimento das comunidades na sustentabilidade.
B. Métodos
Enquadramento conceptual
21 Os governos e a sociedade civil, dependendo das situações, deverão promover uma prevenção
do crime baseada no conhecimento:
(a) Providenciando a informação necessária para as comunidades poderem lidar com os problemas
da criminalidade;
(b)Apoiando a criação de um conhecimento útil e prático, validado e sustentado cientificamente;
(c) Apoiando a organização e síntese desse conhecimento, identificando e abordando as lacunas
que possam existir;
(d)Partilhando esses conhecimentos, apropriadamente, entre investigadores, responsáveis pela
concepção e aplicação de políticas públicas, educadores, profissionais de outros sectores relevantes e com a comunidade em geral;
(e) Aplicando esses conhecimentos na replicação de intervenções de sucesso, no desenvolvimento
de novas iniciativas e na antecipação de novos problemas, relacionados com o crime, e de oportunidades de prevenção;
(f) Desenvolver sistemas de dados que ajudem a gerir com mais eficiência económica a prevenção
criminal, incluindo a realização regular de inquéritos à vitimização e de delinquência auto-revelada;
(g)Promover a aplicação destes dados de modo a reduzir a vitimização recorrente, a reincidência
criminal e as áreas geográficas com elevada taxa de criminalidade.
Planificação das intervenções
22 A planificação das intervenções deve promover um processo que contemple:
(a) Uma análise sistemática dos problemas associados ao crime, as suas causas, os seus factores de risco e respectivas consequências, particularmente a nível local;
(b)Um plano que delineie a abordagem mais apropriada e adapte as intervenções aos seus
problemas locais e contextuais específicos;
(c) Um plano de intervenção que responda com eficiência, sustentabilidade e eficácia;
(d)A mobilização das entidades que estejam capacitadas para lidar com as causas;
(e) A monitorização e a avaliação.
130
Apoio à avaliação
23 Os Governos, outras entidades financiadores e aqueles que estão envolvidos na concepção e
desenvolvimento de programas devem:
(a) Realizar avaliações a curto e médio prazo, de modo a testar com rigor o que funciona, onde
e porquê;
(b)Realizar análises custo/benefício;
(c) Avaliar quais as acções que resultam numa efectiva redução dos níveis de criminalidade e
vitimização, na gravidade dos crimes e no medo do mesmo;
(d)Avaliar sistematicamente os resultados e as consequências inesperadas, tanto positivas
quanto negativas, tais como o decréscimo nas taxas de criminalidade ou a estigmatização
dos indivíduos e das comunidades.
C. Abordagens
24 Esta secção detalha as abordagens da prevenção do crime situacional e o do desenvolvimento
social. Delineia também as abordagens que o governo e a sociedade civil deverão ter em consideração para assegurar a prevenção do crime organizado.
Desenvolvimento social
25 O governo deverá abordar os factores de risco do crime e da vitimização:
(a) Promovendo factores preventivos através de programas de desenvolvimento social e económico
compreensivos e não estigmatizantes, nas áreas da saúde, educação, habitação e emprego;
(b)Promovendo actividades que reduzam a marginalização e a exclusão social;
(c) Promovendo uma resolução positiva dos conflitos;
(d)Utilizando estratégias educativas e de sensibilização, de modo a promover uma cultura de
obediência à lei e tolerância, respeitando as identidades culturais.
Situacional
26 Os governos e a sociedade civil, incluindo também, quando necessário, o sector empresarial,
devem apoiar o desenvolvimento de programas de prevenção situacional do crime:
(a) Melhorando o ordenamento do território;
(b)Utilizando métodos de vigilância que sejam sensíveis ao direito à privacidade;
(c) Encorajando o design de bens de consumo mais resistentes à prática de crimes;
(d)Aumentar a “robustez” ”dos equipamentos urbanos, sem afectar a qualidade das zonas
edificadas e o livre acesso aos espaços públicos;
(e) Implementar estratégias que previnam a revitimização.
Prevenção do crime organizado
27 Os governos e a sociedade civil devem empenhar-se em analisar e resolver as ligações entre o
crime internacional organizado e os problemas nacionais e locais associados ao mesmo:
(a) Reduzindo as oportunidades actuais e futuras dos grupos criminais organizados participarem no mercado legalizado com produtos provenientes de actos ilícitos, através de medidas
legislativas e administrativas apropriadas, entre outras;
(b)Desenvolvendo medidas que previnam o uso indevido dos concursos públicos (procedimentos aquisitivos públicos/mercados públicos) pelo crime organizado, bem como subsídios e licenças atribuídas pelas autoridades públicas para a actividade comercial;
(c) Elaborando estratégias de prevenção do crime, de modo a proteger os grupos socialmente
marginalizados, especialmente mulheres e crianças, que estão vulneráveis à acção dos grupos do crime organizado, incluindo o tráfico de pessoas e o auxilio à emigração ilegal.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
131
V. Cooperação Internacional
Standards e normas
28 Ao promoverem actividades internacionais na prevenção do crime, os Estados membros são
convidados a ter em consideração os instrumentos mais importantes no que concerne aos direitos humanos e à prevenção do crime, dos quais sejam signatários, tais como a Convenção
dos Direitos da Criança (Resolução 44/25 da Assembleia-geral), a Declaração da Erradicação
da Violência contra as Mulheres (Resolução 48/104), as Directrizes das Nações Unidas para a
Prevenção da Delinquência Juvenil (Directrizes de Riad) (Resolução 45/112), a Declaração dos
Princípios Básicos da Justiça para as Vítimas do Crime e Abuso de Poder (Resolução 40/34, anexo), as Directrizes para a Cooperação e Assistência Técnica no Campo da Prevenção do Crime
Urbano (Conselho Económico e Social, Resolução 1995/9, anexo), bem como a Declaração de
Viena sobre Crime e Justiça: Abraçando os Desafios do Século XXI (Assembleia-geral, Resolução
55/59, anexo) e a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Internacional Organizado e os
Protocolos adicionais (Resolução 55/25,anexos I-III)
Assistência técnica
29 Os Estados membros e importantes organizações internacionais de financiamento devem providenciar apoio financeiro e técnico, incluindo formação e capacitação, aos países em desenvolvimento e países com economias em transição, comunidades e outras organizações de relevância
para uma eficaz implementação da prevenção do crime e de estratégias de segurança comunitária
a nível local, regional e nacional. Nesse contexto, dever-se-á dar especial atenção à investigação e
às intervenções de prevenção criminal através de programas de desenvolvimento social.
Redes
30 Os Estados membros devem fortalecer ou estabelecer redes de prevenção criminal ao nível
internacional, regional e nacional, com o objectivo de trocar experiências/práticas comprovadas
e promissoras, identificando elementos de transmutabilidade e fazendo com que este conhecimento esteja disponível às comunidades em todo o mundo.
Ligações entre o crime local e transnacional
31 Os Estados Membros devem colaborar na análise e identificação dos elos de ligação entre o
crime transnacional, o nacional e o local.
A prevenção do crime como prioridade
32 O Centro Internacional de Prevenção do Crime, os institutos afiliados e associados à Rede do
Programa das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e Justiça Criminal e outras entidades
de relevo das Nações Unidas devem incluir nas suas prioridades a prevenção do crime tendo em
conta as presentes directrizes, preparando um mecanismo coordenador e criando uma lista de
peritos que possam avaliar as necessidades e providenciar aconselhamento.
Difusão
33 Os mais importantes organismos das Nações Unidas e outras organizações devem cooperar de
modo a produzir informação sobre a prevenção do crime no maior número de línguas possível,
usando tanto os meios de comunicação electrónicos como a Imprensa escrita.
Tradução para português, a partir da versão inglesa, por DGAI. 2009
132
Anexo C
Directrizes das Nações
Unidas para Prevenção
da Delinquência Juvenil
Directrizes de Riad
Resolução 45/112, de 14 de Dezembro de 1990
O Oitavo Congresso das Nações Unidas Sobre Prevenção do Delito
e Tratamento do Delinquente – Directrizes das Nações Unidas para
a Prevenção da Delinquência Juvenil (Directrizes de Riad)
I. Princípios fundamentais
1. A prevenção da delinquência juvenil é parte essencial da prevenção do delito na sociedade. Dedicados a actividades lícitas e socialmente úteis, orientados rumo à sociedade e considerando a
vida com critérios humanistas, os jovens podem desenvolver atitudes não criminais.
2. Para ter êxito, a prevenção da delinquência juvenil requer, por parte de toda a sociedade, esforços que garantam um desenvolvimento harmonioso dos adolescentes e que respeitem e promovam a sua personalidade a partir da primeira infância.
3. Na aplicação das presentes Directrizes, os programas preventivos devem estar centralizados no bem-estar dos jovens desde sua primeira infância, de acordo com os ordenamentos jurídicos nacionais.
4. É necessário que se reconheça a importância da aplicação de políticas e medidas progressistas
de prevenção da delinquência que evitem criminalizar e penalizar a criança por uma conduta que
não cause grandes prejuízos ao seu desenvolvimento e que nem prejudique os demais. Essas
políticas e medidas deverão conter o seguinte:
a) Criação de meios que permitam satisfazer as diversas necessidades dos jovens e que sirvam de apoio para zelar pelo desenvolvimento pessoal de todos os jovens, particularmente
daqueles que estejam patentemente em perigo ou em situação de insegurança social e que
necessitem de um cuidado e uma protecção especiais.
b) Critérios e métodos especializadas para a prevenção da delinquência, baseados nas leis,
nos processos, nas instituições, nas instalações e uma rede de prestação de serviços, cuja
finalidade seja a de reduzir os motivos, a necessidade e as oportunidades de cometer infracções ou as condições que as propiciem.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
133
c) Uma intervenção oficial cuja principal finalidade seja a de zelar pelo interesse geral do jovem
e que se inspire na justiça e na equidade.
d) Protecção do bem-estar, do desenvolvimento, dos direitos e dos interesses dos jovens.
e) Reconhecimento do facto de que o comportamento dos jovens que não se ajustam aos
valores e normas gerais da sociedade são, com frequência, parte do processo de amadurecimento e que tendem a desaparecer, espontaneamente, na maioria das pessoas, quando
chegam à maturidade, e
f) Consciência de que, segundo a opinião dominante dos especialistas, classificar um jovem
de “marginal”, “delinquente” ou “pré-delinquente” geralmente favorece o desenvolvimento
de formas permanentes de comportamento indesejado.
5. Devem ser desenvolvidos serviços e programas com base na comunidade para a prevenção da
delinquência juvenil. Só em último caso se recorrerá a organismos mais formais de controlo social.
II. Efeitos das directrizes
6. As presentes directrizes deverão ser interpretadas e aplicadas no âmbito da Declaração Universal de Direitos Humanos, do Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais e
do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, da Declaração dos Direitos da Criança e da
Convenção sobre os Direitos da Criança e no contexto das regras mínimas das Nações Unidas
para a administração da justiça para os jovens, como também de outros instrumentos e normas
relativos aos direitos, interesses e bem-estar de todas as crianças e adolescentes.
7. Igualmente, as presentes directrizes deverão ser aplicadas no contexto das condições económicas, sociais e culturais predominantes em cada um dos Estados membros.
III. Prevenção geral
8. Deverão ser formulados, em todos os níveis do governo, planos gerais de prevenção que compreendam, entre outras coisas, o seguinte:
a) Análise profunda do problema e relação de programas e serviços, facilidades e recursos
disponíveis;
b) Funções bem definidas dos organismos e instituições competentes que se ocupam de actividades preventivas;
c) Mecanismos para a coordenação adequada das actividades de prevenção entre os organismos governamentais e não governamentais;
d) Políticas, estratégias e programas baseados em estudos de prognósticos e que sejam objecto de vigilância permanente e avaliação cuidadosa durante sua aplicação;
e Métodos para diminuir, de maneira eficaz, as oportunidades de cometer actos de delinquência juvenil;
f) Participação da comunidade em toda uma série de serviços e programas;
g) Estreita cooperação interdisciplinar entre os governos nacionais, estaduais, municipais e
locais, com a participação do sector privado, de cidadãos representativos da comunidade
interessada e de organizações do trabalho, de cuidado à criança, de educação sanitária,
sociais, judiciais e dos serviços de repressão, na aplicação de medidas coordenadas para
prevenir a delinquência juvenil e os delitos dos jovens;
h) Participação dos jovens nas políticas e nos processos de prevenção da delinquência juvenil,
principalmente nos programas de serviços comunitários, de auto-ajuda juvenil e de indemnização e assistência às vítimas;
i) Pessoal especializado de todos os níveis.
IV. Processos de socialização
9. Deverá ser prestada uma atenção especial às políticas de prevenção que favoreçam a socialização
e a integração eficazes de todas as crianças e jovens, particularmente através da família, da comunidade, dos grupos de jovens nas mesmas condições, da escola, da formação profissional e do
meio laboral, como também mediante a acção de organizações voluntárias. Deverá ser respeitado,
devidamente, o desenvolvimento pessoal das crianças e dos jovens que deverão ser aceites, em
pé de igualdade, como co-participantes nos processos de socialização e integração.
134
A. Família
10.Toda sociedade deverá atribuir elevada prioridade às necessidades e ao bem-estar da família e
de todos os seus membros.
11.Como a família é a unidade central encarregada da integração social primária da criança, devese prosseguir com os esforços governamentais e de organizações sociais para a preservação
da integridade da família, incluindo a família numerosa. A sociedade tem a obrigação de ajudar
a família a cuidar e proteger a criança e garantir o seu bem-estar físico e mental. Deverão ser
prestados serviços apropriados, inclusivamente o de creches diurnas.
12.Os governos deverão adoptar políticas que permitam o crescimento das crianças num ambiente
familiar estável e firme. Deverão ser facilitados serviços adequados para famílias que necessitem
de assistência para a resolução de situações de instabilidade ou conflito.
13.Quando não existir um ambiente familiar estável e firme e quando os esforços da comunidade
para oferecer assistência aos pais, nesse aspecto, tiverem fracassado e a família numerosa já não
puder cumprir essa função, deverá recorrer-se a outras possíveis modalidades de situação familiar,
entre elas o acolhimento familiar e a adopção que, na medida do possível, deverão reproduzir um
ambiente familiar estável e firme e, ao mesmo tempo, produzir nas crianças um sentimento de
permanência, para evitar os problemas relacionados com a “deslocação” de um lugar a outro.
14.Deverá ser prestada uma atenção especial às crianças de famílias afectadas por problemas originados por mudanças rápidas e desiguais no âmbito económico, social e cultural, especialmente
as crianças de famílias indígenas e imigrantes. Como tais mudanças podem alterar a capacidade
social da família para proporcionar a educação e a alimentação tradicional aos filhos, geralmente,
como resultado do conflito do papel social e da cultura, será necessário elaborar modalidades
inovadoras e socialmente construtivas para a socialização das crianças.
15.Deverão ser adoptadas medidas e elaborados programas para dar às famílias a oportunidade
de aprenderem as suas funções e obrigações em relação ao desenvolvimento e ao cuidado dos
seus filhos, para os quais se fomentarão relações positivas entre pais e filhos, sensibilizar-se-ão
os pais no que diz respeito aos problemas das crianças e dos jovens e fomentarar-se-á a participação dos jovens nas actividades familiares e comunitárias.
16.Os governos deverão adoptar medidas para fomentar a união e a harmonia na família e desencorajar a separação dos filhos dos seus pais, a não ser quando circunstâncias que afectem o
bem-estar e o futuro dos filhos não deixem outra opção.
17.É importante destacar a função de controlo social da família e da família numerosa, mas também
é igualmente importante reconhecer a função futura, as responsabilidades, a participação e a
associação dos jovens na sociedade.
18.Com o objectivo de assegurar o direito das crianças a uma integração social adequada, os governos e outros organismos deverão recorrer às organizações sociais e jurídicas existentes, mas
deverão, também, adoptar ou facilitar a adopção de medidas inovadoras, quando as instituições
e costumes tradicionais já não forem eficazes.
B. Educação
19.Os governos têm a obrigação de facilitar o acesso ao ensino público a todos os jovens.
20.Os sistemas de educação, além das suas possibilidades de formação académica e profissional,
deverão dar atenção especial ao seguinte:
a) Ensinar os valores fundamentais e fomentar o respeito à identidade própria e às características culturais da criança, aos valores sociais do país em que mora a criança, às civilizações
diferentes da sua e aos direitos humanos e liberdades fundamentais;
b) Fomentar e desenvolver, o mais possível, a personalidade, as aptidões e a capacidade
mental e física dos jovens;
c) Conseguir a participação activa dos jovens no processo educativo, no lugar de serem meros
objectos passivos de tal processo;
d) Desenvolver actividades que fomentem um sentimento de identidade e integração à escola
e à comunidade, como também a compreensão mútua e a harmonia;
e) Incentivar os jovens a compreender e a respeitar opiniões e pontos de vista diversos, como
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
135
também as diferenças culturais e de outra índole;
f) Oferecer informação e orientação sobre a formação profissional, as oportunidades de trabalho e as possibilidades de uma profissão;
g) Evitar medidas disciplinares severas, particularmente os castigos corporais.
21.Os sistemas de educação deverão tentar trabalhar em cooperação com os pais, com as organizações comunitárias e com os organismos que se ocupam das actividades dos jovens.
22.Deverá ser dada ao jovem informação sobre o ordenamento jurídico e os seus direitos e obrigações de acordo com a lei, assim como sobre o sistema de valores universais.
23.Os sistemas de educação deverão cuidar e atender, de maneira especial, aos jovens que estejam
em situação de risco social. Deverão ser preparados e utilizados, plenamente, programas de prevenção e materiais didácticos, assim como planos de estudos, critérios e instrumentos especializados.
24.Deverá ser prestada especial atenção na adopção de políticas e estratégias gerais de prevenção do
uso indevido de álcool, drogas e outras substâncias por parte dos jovens. Deverá dar-se formação e
prover os professores e outros profissionais com meios que possam prevenir e resolver estes problemas. Deverá ser dada aos estudantes informação sobre o emprego e o uso indevido das drogas.
25.As escolas deverão servir como centros de informação e consulta para prestar assistência médica, assessoria e outros serviços aos jovens, sobretudo aos que estiverem especialmente necessitados e forem objecto de maus tratos, abandono, vitimização e exploração.
26.Serão aplicados diversos programas com o objectivo de que professores e outros adultos possam compreender os problemas, as necessidades e as preocupações dos jovens, especialmente daqueles que pertençam a grupos mais necessitados, menos favorecidos, a grupos de
baixo rendimento e a minorias étnicas ou de outra índole.
27.Os sistemas escolares deverão tratar de promover e alcançar os mais elevados níveis profissionais e educativos, no que diz respeito a programas de estudo, métodos e critérios didácticos e
de aprendizagem, contratação e capacitação de pessoal docente. Deverá haver supervisão e
avaliação regulares dos resultados, tarefa que se encomendará a organizações e órgãos profissionais competentes.
28.Em cooperação com grupos da comunidade, os sistemas educativos deverão planear, organizar e
desenvolver actividades paralelas ao programa de estudos que forem de interesse para os jovens.
29.Deverá ser prestada ajuda a crianças e jovens que tenham dificuldades para respeitar as normas
da assistência, assim como aos que abandonam os estudos.
30.As escolas deverão fomentar a adopção de políticas e normas equitativas e justas; os estudantes
estarão representados nos órgãos da administração escolar e nos de adopção de decisões e
participarão nos assuntos e procedimentos disciplinares.
C. Comunidade
31.Deverão ser estabelecidos serviços e programas de carácter comunitário ou serem fortalecidos
os já existentes, de maneira a que respondam às necessidades, aos interesses e às inquietudes
especiais dos jovens e ofereçam, a eles e a suas famílias, assessoria e orientação adequadas.
32.As comunidades deverão adoptar ou reforçar uma série de medidas de apoio, baseadas na comunidade e destinadas a ajudar os jovens, particularmente centros de desenvolvimento comunitário,
instalações e serviços de recreio, visando fazer frente aos problemas especiais dos jovens expostos a risco social. Essa forma de ajuda deverá ser prestada respeitando os direitos individuais.
33.Deverão ser estabelecidos serviços especiais para dar alojamento adequado aos jovens que não
puderem continuar a residir com as suas famílias.
34.Serão organizados diversos serviços e sistemas de ajuda para enfrentar as dificuldades que os
jovens experimentam ao passar da adolescência à idade adulta. Entre estes serviços, deverão
figurar programas especiais para os jovens toxicómanos, onde será dada a máxima importância
aos cuidados, ao assessoramento, à assistência e às medidas de carácter terapêutico.
35.Os governos e outras instituições deverão dar apoio financeiro e de outra natureza às organizações voluntárias que ofereçam serviços aos jovens.
36.No plano local, deverão ser criadas ou reforçadas as organizações juvenis que participem plenamente na gestão dos assuntos comunitários. Estas organizações deverão animar os jovens
136
a organizar projectos colectivos e voluntários, particularmente aqueles cuja finalidade seja a de
prestar ajuda aos jovens necessitados.
37.Os organismos governamentais deverão assumir, especialmente, a responsabilidade do cuidado
das crianças sem-abrigo (“meninos de rua”) e organizar os serviços que estes necessitem. A
informação sobre serviços locais, alojamento, trabalho e outras formas e fontes de ajuda deverá
ser facilmente acessível aos jovens.
38.Deverá ser organizada uma grande variedade de instalações e serviços recreativos de especial
interesse para os jovens, aos quais estes tenham fácil acesso.
D. Meios de comunicação
39.Os meios de comunicação deverão certificar-se de que a criança e o jovem têm acesso à informação e aos materiais procedentes de diversas fontes nacionais e internacionais.
40.Os meios de comunicação deverão ser incentivados a divulgarem a contribuição positiva dos
jovens à sociedade.
41.Deverão ser incentivados os meios de comunicação a difundirem informação relativa à existência
de serviços, instalações e oportunidades destinados aos jovens dentro da sociedade.
42.Deverá ser solicitado aos meios de comunicação em geral, e à televisão e ao cinema em particular, que
reduzam o nível de violência nas suas mensagens e que dêem uma imagem desfavorável da violência
e da exploração, evitando apresentações degradantes das crianças, da mulher e das relações interpessoais, fomentando, ao contrário, os princípios e as actividades de carácter comunitário.
43.Os meios de comunicação deverão ter consciência da importância da sua função e responsabilidade, assim como da sua influência nas comunicações relacionadas com o uso indevido de
drogas entre os jovens. Deverão utilizar o seu poder para prevenir o uso indevido de drogas, através de mensagens coerentes difundidas equilibradamente. Campanhas eficazes de luta contra
as drogas deverão ser fomentadas, nos níveis primário, secundário e terciário.
V. Política social
44.Os organismos governamentais deverão dar a máxima prioridade aos planos e programas dedicados
aos jovens e proporcionar fundos suficientes e recursos de outro tipo para a prestação de serviços
eficazes, proporcionando, também, as instalações e a mão-de-obra para oferecer serviços adequados de assistência médica, saúde mental, nutrição, alojamento e os demais serviços necessários,
particularmente a prevenção e o tratamento do uso indevido de drogas, além de terem a certeza de
que esses recursos chegarão aos jovens e serão realmente utilizados em seu benefício.
45.Só em último caso os jovens deverão ser internados em instituições e pelo mínimo tempo necessário, e deverá dar-se a máxima importância aos interesses superiores do jovem. Os critérios
para a autorização de uma intervenção oficial desta natureza deverão ser definidos estritamente e
limitados às seguintes situações:
a) Quando a criança ou o jovem tiver sofrido lesões físicas causadas pelos pais ou tutores;
b) Quando a criança ou jovem tiver sido vítima de maus tratos sexuais, físicos ou emocionais
por parte dos pais ou tutores;
c) Quando a criança ou o jovem tiver sido negligenciado, abandonado ou explorado pelos pais
ou tutores; e
d) Quando a criança ou o jovem se vir ameaçado por um perigo físico ou moral devido ao comportamento dos pais ou tutores.
46.Os organismos governamentais deverão dar ao jovem a oportunidade de continuar a sua educação a tempo inteiro, financiada pelo Estado quando os pais não tiverem condições materiais para
isso, e dar também a oportunidade de adquirir experiência profissional.
47.Os programas de prevenção da delinquência deverão ser planeados e executados com base em
conclusões fiáveis que sejam o resultado de uma pesquisa científica e, periodicamente, deverão
ser revisitados, avaliados e readaptados de acordo com essas conclusões.
48.Deverá ser difundida, entre a comunidade profissional e o público em geral, informação sobre o
tipo de comportamento ou de situação que se traduza, ou possa ser traduzida, em vitimização,
danos e maus tratos físicos e psicológicos aos jovens.
49.A participação em todos os planos e programas deverá geralmente ser voluntária. Os próprios
jovens deverão intervir na sua formulação, desenvolvimento e execução.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
137
VI. Legislação e administração da Justiça na infância e na adolescência
50.Os governos deverão promulgar e aplicar leis e procedimentos especiais para fomentar e proteger os direitos e o bem-estar de todos os jovens.
51.Deverá ser promulgada e aplicada uma legislação que proíba a vitimização, os maus tratos e a
exploração das crianças e dos jovens.
52.Nenhuma criança ou jovem deverá ser objecto de medidas severas ou degradantes de correcção ou castigo no lar, na escola ou em qualquer outra instituição.
53.Deverão ser adoptadas e aplicadas leis que regulamentem e controlem o acesso das crianças e
jovens às armas de qualquer tipo.
54.Com o objectivo de impedir que se prossiga a estigmatização, a vitimização e a incriminação dos
jovens, deverá ser promulgada uma legislação pela qual seja garantido que todo acto que não seja
considerado um delito, nem seja punido quando cometido por um adulto, também não deverá ser
considerado um delito, nem ser objecto de punição quando for cometido por um jovem.
55.Poderá ser considerada a possibilidade de se estabelecer um organismo de “protecção da infância e da adolescência” (provedor) ou um serviço análogo independente que garanta o respeito
da condição jurídica, dos direitos e dos interesses dos jovens e, também, a possibilidade de
remeter casos aos serviços disponíveis. Do mesmo modo, deverão ser estabelecidos serviços
de defesa jurídica da criança.
56.O pessoal, de ambos os sexos, da polícia e de outros órgãos de justiça deverão ser capacitados para
atender as necessidades especiais dos jovens; essa equipa deverá estar familiarizada com os programas e as possibilidades de encaminhamento para outros serviços, e devem recorrer a eles sempre que
possível, com o objectivo de evitar que os jovens sejam levados ao sistema de justiça penal.
57.Leis deverão ser promulgadas e aplicadas, estritamente, para proteger os jovens do uso indevido
das drogas e dos traficantes.
VII. Pesquisa, adopção de políticas e coordenação
58.Esforços deverão ser feitos para fomentar a interacção e coordenação, de carácter multidisciplinar e interdisciplinar, entre os distintos sectores; e, dentro de cada sector, dos organismos
e serviços económicos, sociais, educativos e de saúde, do sistema judiciário, dos organismos
dedicados aos jovens, à comunidade e ao desenvolvimento e de outras instituições pertinentes,
e deverão ser estabelecidos os mecanismos apropriados para tal efeito.
59.Deverá ser intensificado, no plano nacional, regional e internacional, o intercâmbio de informação,
experiência e conhecimentos técnicos obtidos graças a projectos, programas, práticas e iniciativas relacionadas com a delinquência juvenil, a prevenção da delinquência e a justiça na infância
e na adolescência.
60.Deverá ser promovida e intensificada a cooperação regional e internacional nos assuntos relativos
à delinquência juvenil, à prevenção da delinquência e à justiça na infância e na adolescência,
com a participação de profissionais, especialistas e autoridades.
61.Todos os governos, o sistema das Nações Unidas e outras organizações interessadas deverão apoiar
firmemente a cooperação técnica e científica nos assuntos práticos relacionados com a adopção de
políticas, particularmente nos projectos experimentais, de capacitação e demonstração, sobre questões concretas relativas à prevenção da delinquência juvenil e de delitos cometidos por jovens.
62.Deverá ser incentivada a colaboração nas actividades de pesquisa científica sobre as modalidades eficazes de prevenção da delinquência juvenil e dos delitos cometidos por jovens; e as suas
conclusões deverão ser objecto de ampla difusão e avaliação.
63.Os órgãos, organismos e escritórios competentes das Nações Unidas deverão manter uma estreita
colaboração e coordenação nas distintas questões relacionadas com as crianças, a justiça na infância e na adolescência, e a prevenção da delinquência juvenil e dos delitos cometidos por jovens.
64.Com base nessas Directrizes, as Nações Unidas, em cooperação com as instituições interessadas, deverão desempenhar um papel activo na pesquisa, na colaboração científica, na formulação de opções de política e no exame e na supervisão da sua aplicação e, também, servir de
fonte de informação fidedigna sobre as modalidades eficazes de prevenção da delinquência.
Tradução para português, a partir da versão francesa, por DGAI. 2009
138
Anexo D
Manifesto de Saragoça
Os participantes na conferência de Saragoça de 2,3 e 4 de Novembro de 2006 adoptaram o Manifesto
de Saragoça sobre a segurança urbana e a democracia:
1. A segurança é um bem comum essencial, em grande parte ligado a outros bens comuns como a inclusão social, o direito ao trabalho, à saúde, à educação e à cultura. Qualquer estratégia que use o medo
deve ser rejeitada a favor de acções que promovam a cidadania activa, a apropriação do território da
cidade e o desenvolvimento da vida colectiva. O acesso aos direitos favorece o direito à segurança.
2. Cientes da pressão profundamente preocupante que a criminalidade sob todas as suas formas
exerce sobre a manutenção dos equilíbrios sociais, jurídicos, culturais e políticos, os participantes desejam que sejam implementadas políticas globais integradas e eficazes que visem lutar
simultaneamente contra os efeitos da criminalidade e as suas causas, como a exclusão social,
as discriminações em matéria de direitos e as desigualdades económicas.
3. Os participantes na conferência esforçam-se em particular para que o direito das mulheres a participarem plenamente na vida profissional e social seja reconhecido e para que nesse domínio sejam desenvolvidas acções positivas no âmbito da política global de luta contra a insegurança. As
violências de que são vítimas traduzem a desigualdade das relações entre homens e mulheres e
os preconceitos culturais. O direito das mulheres deve ser objecto de programas de promoção
da igualdade e de uma abordagem por género.
4. Embora exista localmente um diálogo entre as pessoas e as culturas, existe um risco sério para
que prevaleçam as forças favoráveis ao “choque de civilizações”, criando um quadro apocalíptico
para a segurança e o futuro dos cidadãos. Nestas condições, o nosso compromisso como administradores e representantes das nossas comunidades consiste em criar um espaço de diálogo e
de encontro entre populações de várias origens, ou seja, uma aliança entre as civilizações.
5. Ao instar a União a estabelecer regras comuns europeias relativamente às condições de admissão e de repatriamento de estrangeiros, confirmamos o nosso empenho em garantir condições
de acolhimento que respeitem os direitos fundamentais, bem como medidas de integração e
regras de partilha dos direitos e deveres, direccionadas em particular aos imigrantes regulares.
6. O terrorismo tenta explorar as desigualdades sociais e culturais existentes nas nossas sociedades. Qualquer resposta de índole a favorecer acções discriminatórias, a designar bodes expiatórios, a promover atitudes agressivas e racistas, deve ser proscrita.
7. Afirmamos a necessidade de manter as liberdades e apelamos os Estados e as Instituições internacionais a respeitarem os direitos fundamentais.
8. Solicitamos o reconhecimento do papel das cidades pela União Europeia e pelos Estados, e que
esse reconhecimento seja apoiado por instrumentos financeiros.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
139
Anexo E
Legislação Portuguesa
A presente listagem de legislação não pretende, nem poderia ser, um cotejo exaustivo de todos os
diplomas cuja consulta se torna relevante, e se estimula, no quadro da elaboração de um diagnóstico
local de segurança. Essa tarefa equivaleria, em si mesmo, à produção de um compêndio legislativo,
objectivo que está fora do alcance da presente versão portuguesa do manual.
Os diplomas agora mencionados têm, assim, um carácter meramente ilustrativo sobre a diversificada
produção legislativa nacional, cobrindo o que se designa, neste anexo, por grandes enquadramentos, a legislação mais orientada para as atribuições e competências das autarquias locais, a saúde, a
educação, a videovigilância, alguns programas nacionais de referência. Boa parte dos diplomas aqui
indicados foram sendo sinalizados em notas de rodapé ao longo do texto.
Ao leitor sugere-se a construção do seu próprio guião legislativo, recorrendo às aplicações informáticas
hoje disponíveis na internet para estabelecimento das conexões relevantes em cada domínio específico. A consulta directa do texto legislativo pode ser feita, gratuitamente, em www.dre.pt/.
E1 Os grandes enquadramentos
Política Criminal
nLei da Organização da Investigação Criminal – Lei n.º 49/2008, de 27 de Agosto
nLei-Quadro da Política Criminal – Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio
nRegulamentação: Lei n.º 38/2009, de 20 de Julho
nRegime jurídico de protecção às vítimas de crimes violentos e definição da indemnização a atribuir
nesses casos – Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro
Sistema de Segurança Interna
nLei de Segurança Interna – Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto
Sistema de Justiça
nAcesso ao Direito e aos Tribunais – Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho
nRegulamentação: Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto
Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março
Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro
Portaria n.º 11/2008, de 3 de Janeiro
Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro
140
nLei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto
nRegulamentação: Decreto-Lei n.º 25/2009, de 26 de Janeiro de 2009
nEstatuto dos Magistrados Judiciais – Lei n.º 21/85, de 30 de Julho
nEstatuto do Ministério Público – Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro
Justiça Penal
nCódigo Penal – Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro
nActualização: Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro (vigésima terceira alteração ao Código Penal,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro)
nRegime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas
– Lei n.º 14/2005, de 26 de Janeiro (altera pela décima terceira vez o Decreto-Lei n.º 15/93, de
22 de Janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e
substâncias psicotrópicas, acrescentando novas substâncias à tabela II-A anexa ao decreto-lei).
nRegime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como
a protecção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica
– Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro
nRegime aplicável em matéria penal aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos
– Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro
nPrestação de Trabalho a Favor da Comunidade – Decreto-Lei n.º 375/97, de 24 de Dezembro
nCódigo do Processo Penal – Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (décima quinta alteração do Decreto
– Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro)
nLei de Execução das Penas: Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro
nVigilância electrónica (obrigação de permanência na habitação) – Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto
nDireito Penitenciário – Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de Agosto
nTribunais de execução das penas – Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro
nRegime da mediação em processo penal - Lei n.º 21/2007, de 12 de Junho
nRegulamentação: Portaria n.º 68-A/2008, de 22 de Janeiro
Portaria n.º 68-B/2008, de 22 de Janeiro
Portaria n.º 68-C/2008, de 22 de Janeiro
Portaria n.º 732/2009, de 8 de Julho
Justiça Juvenil
nLei Tutelar Educativa – Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro
nRegulamentação: Decreto-Lei n.º 323-D/2000, de 20 de Dezembro
Decreto-Lei n.º 323-E/2000, de 20 de Dezembro
Decreto-Lei n.º 5-B/2001, de 12 de Janeiro
Portaria n.º 1200-B/2000, de 20 de Dezembro
Portaria n.º 102/2008, de 1 de Fevereiro
Sistema de Protecção à Infância e Juventude
nComissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco – Decreto-Lei n.º 98/98, de 18 de Abril.
nLei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo – Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro.
nRegulamentação: Decreto-Lei n.º 332-B/2000, de 30 de Dezembro;
Decreto-Lei n.º 11/2008, de 17 de Janeiro;
Decreto-Lei n.º 12/2008, de 17 de Janeiro;
Despacho n.º 30988/2008, publicado no DR-2.ª Série, n.º 233, de 2/12/2008;
nCódigo Civil – Livro IV – Direito da Família: Art.ºs 1576.º a 2020.
Segurança privada e videovigilância
nRegime jurídico da actividade de segurança privada – Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro
nLei 1/2005, de 10 de Janeiro – regula a videovigilância pelas forças de segurança em locais públi-
cos de utilização comum
nDecreto-Lei 207/2005, de 29 de Novembro – Regula os meios de vigilância electrónica rodoviária
utilizados pelas forças de segurança
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
141
nLei 51/2006, de 29 de Agosto – regula a utilização de sistemas de vigilância rodoviária pela EP e
pelas concessionárias rodoviárias
nLei 33/2007, de 13 de Agosto – regula a instalação e utilização de sistemas de videovigilância em táxis
Segurança escolar
nDecreto-Lei n.º 117/2009, de 18 de Maio de 2009 – Cria o Gabinete Coordenador de Segurança
Escolar como estrutura integrada no âmbito do Ministério da Educação, dotada de autonomia administrativa
nDespacho n.º 25 650/2006, de 19 de Dezembro de 2006 – Aprova o regulamento do Programa
Escola Segura publicado no DR 2.ª série n.º 242, de 19 de Dezembro
E2 Programas e estratégias nacionais
nResolução do Conselho de Ministros N.º 63/2009, de 23 de Julho – Programa Escolhas 2010-2012
(Revisão)
nResolução do Conselho de Ministros N.º 49/2008, de 6 de Março – Plano Nacional de Saúde Mental
nResolução do Conselho de Ministros N.º 81/2007, de 22 de Junho – I Plano Nacional Contra o
Tráfico de Seres Humanos (2007-2010)
nResolução do Conselho de Ministros N.º 82/2007, de 22 de Junho – III Plano Nacional Para a Igual-
dade – Cidadania e Género (2007-2010)
nResolução do Conselho de Ministros N.º 83/2007, de 22 De Junho – III Plano Nacional Contra a
Violência Doméstica (2007-2010)
nResolução do Conselho de Ministros Nº 115/2006, de 18 De Setembro – Plano Nacional Contra a
Droga e as Toxicodependências
nEstratégia Nacional para a Protecção Social e Inclusão Social
nEstratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem-Abrigo 2009-2015
nEstratégia Nacional de Segurança Rodoviária 2008-2015
E3 Autarquias e redes locais
Autarquias
nPolícias Municipais: Decreto-Lei n.º 197/2008, de 7 de Outubro, actualiza o quadro jurídico fixado
pela Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, que revê a lei-quadro que define o regime e forma de criação
das polícias municipais
nConselhos municipais de segurança – Lei n.º 33/98, de 18 de Julho.
Redes locais:
nLei-quadro de transferências de atribuições e competências para as autarquias locais – Lei n.º 159/99,
de 14 de Setembro.
nConselhos municipais de juventude – Lei n.º 8/2009, de 18 de Fevereiro.
nRede social (Conselhos locais de acção social) – Resolução Conselho de Ministros n.º 197/97, de
18 de Novembro
142
Anexo F
Fontes de Informação
Estatística Oficial
Portuguesa
F1. Fontes, questões de método e instrumentos
F.1.1. Introdução
O estatuto concedido à informação, nomeadamente como suporte à realização de DLS, exige o abandono daquela concepção ingénua (herdeira do racionalismo novecentista) de que as estatísticas nos
permitem conhecer tudo, garantindo em simultâneo a neutralidade do observador relativamente ao objecto, a sua total apreensão, e o conhecimento das suas propriedades intrínsecas (independentes dos
conceitos empregues).
Esta preocupação é igualmente válida para a nossa própria produção de “dados” (seja por observação
directa ou indirecta). Todas as modalidades de captação do real enformam da mesma limitação: a observação é sempre um procedimento socialmente contingente. Daí que a limitação inerente à utilização de
dados estatísticos oficiais não decorra da menor confiança que possamos ter sobre a sua qualidade.
A questão é de outra natureza. É que o dado social é sintomático, ou seja, reflecte o olhar que o seu
produtor tem sobre o que captou, sobre o que entendeu que deveria (e como) ser captado. Nestas
condições, o problema de se saber como é que algo que começa por ter valor relativo (para um determinado objectivo), se revela útil para terceiros, não é meramente académico. A observação é sempre
um processo de definição do objecto, e as definições, nomeadamente as que se transformam em
soluções operatórias para captação da realidade, não são neutras. Emprega-se aqui uma frase conhecida (a que não conseguimos atribuir autoria), que se refere às estatísticas como reflectindo o olhar da
sociedade sobre si própria, mas não a realidade.
Não comungamos da posição exacerbadamente crítica sobre os dados estatísticos oficiais portugueses, mas queremos guardar distanciamento da visão positivista e imaculada sobre eles, porque entendemos que “reflectem, sobretudo, o olhar que em determinado contexto socialmente definido, a
sociedade tem sobre si própria” (Bacelar, 1996).
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
143
Procuramos ter presente, a cada passo da investigação, e sempre que convocamos dados alheios, o
alcance dessa informação – ou seja, procuramos ter consciência do carácter socialmente construído
dos dados estatísticos –, orientados por um princípio exegético que qualquer pesquisa impõe, e que a
diversidade de dimensões de análise dos diagnósticos locais de segurança reforça.
F.1.2. Fontes da estatística da criminalidade
Portugal dispõe, desde há década e meia, concretamente desde 1993, de dados estatísticos sobre a
criminalidade participada aos Órgãos de Polícia Criminal. O Ministério da Justiça tem essa atribuição,
anteriormente acometida ao seu Gabinete de Política Legislativa e Planeamento, e presentemente à
Direcção-Geral da Política de Justiça (DGPJ). Todavia, os “dados da Justiça” não se confinam à criminalidade reportada, cobrindo outros domínios, como se verá de seguida.
Ao INE cabe a divulgação destes dados, quer recorrendo a publicações periódicas em papel quer,
mais recentemente, através da edição digital (em cd rom ou disponibilizado na sua plataforma em
ambiente web).
Este sistema compreende duas componentes fundamentais:
nA recolha e validação automática da informação de base que suporta a produção das estatísticas da
Justiça, por meio de duas vias diferenciadas: através de formulários na internet (antigos instrumentos
de notação em papel) preenchidos pelas entidades informadoras da Justiça; ou através da transferência automática da informação a partir dos sistemas das entidades informadoras da Justiça;
nA produção das estatísticas da Justiça, a partir de “transformações” (agregações, cálculos, etc.)
sobre a informação de base recepcionada.
A actual produção estatística cobre diversas áreas (ou domínios), a saber:
nTribunais e Organismos de Resolução Alternativa de Litígios;
nRegistos e Notariado;
nPolícias e Entidades de Apoio à Investigação;
nOrganismos de Execução de Penas e Medidas e de Intervenção Social;
nEntidades de Defesa de Direitos.
Estes domínios correspondem, portanto, às fontes primárias da informação reunida e sistematizada no
SIEJ. As entidades informadoras do domínio são, presentemente, as seguintes:
nPolícia Judiciária (PJ), Polícia de Segurança Pública (PSP), Guarda Nacional Republicana (GNR),
Inspecção-Geral de Jogos (IGJ), [desde 1994] a Inspecção-Geral das Actividades Económicas
(IGAE), [desde 1995] as Alfândegas (ALF), as Direcções Distritais de Finanças (DDF), [e desde
2005] a Polícia Marítima (PM) e a Polícia Judiciária Militar (PJM).
Comparativamente com os dados divulgados pelo INE no seu site para o tema “Justiça”, a consulta do
site do SIEJ apresenta três vantagens importantes:
nMaior desagregação da tipologia criminal (permitindo o acesso ao Nível 3, que corresponde ao
máximo de desagregação);
nPeriodização mais dilatada (todas as variáveis registam informação desde 1993);
nInformação mais actualizada (com raras excepções).
É necessário ter presente que a utilização dos dados estatísticos sobre a criminalidade reportada é feita
por diferentes entidades, nomeadamente pelo Gabinete Coordenador de Segurança (GCS) para efeitos
de produção do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI). Nem sempre assim foi (designadamente
entre 1988 e 1995), mas desde 1996 que esta é a fonte oficial dos RASI, e que não se confunde com
os dados estatísticos divulgados por cada força de segurança (parte dos quais consta igualmente do
RASI, em Secções próprias).
Embora tendencialmente semelhantes, subsistem (ainda) hoje diferenças entre os valores parcelares e
totais disponibilizados por uma força de segurança e o valor que lhe corresponde, enquanto fonte primária,
no conjunto da criminalidade reportada. Um dos motivos habitualmente apontado para essas discrepâncias
144
prende-se com o facto de o SIEJ conseguir uma depuração relevante das chamadas duplas contagens
(casos reportados a mais do que um órgão de polícia criminal214), o que não se aplica a cada uma das fontes primárias, de per se. Existem, porém, outros motivos, de ordem metodológica e processual que podem
originar essas mesmas discrepâncias, mas cuja exegese não cabe neste texto aprofundar.
Ninguém duvida que a criminalidade real (praticada) e a criminalidade reportada (ou aparente) também
não se confundem. A distinção formal entre uma e outra pode ser ilustrada pela diferença entre vitimização e litigação. Há, certamente, muitas ocorrências que, por motivos diferentes, não são objecto de
registo e, consequentemente, não figuram nas estatísticas criminais:
“É importante ter (cons)ciência sobre a incontornável diferença entre os factos ocorridos, tipificados
como crimes, e os factos que chegam ao conhecimento dos órgãos de polícia criminal. É sempre desejável que essa diferença seja a menor possível, e para tal devem concorrer mudanças significativas
nos processos de recolha da informação e na conduta dos lesados e ofendidos. Essa diferença tem,
por conseguinte, causas que se situam do lado da oferta de segurança (sistema de segurança interna
e judicial) e do lado da procura (sociedade em geral).
Autores como Cario (1997), Cusson (1998), Aubusson de Cavarly (1998), ou entre nós Crucho de Almeida (1984), Vieira de Carvalho (2006), entre tantos outros, e como os próprios Relatórios Anuais de
Segurança Interna referem, todos demonstram que a criminalidade revelada é um subconjunto de um
conjunto que só dificilmente se pode estimar, nomeadamente através do confronto entre os índices de
vitimização participada e a vitimização auto-revelada (que se pode apurar, também ela com margens
de erro, pelos inquéritos de vitimização).
Há, por exemplo, a convicção generalizada de que o chamado “crime invisível” se faz notar mais em
certos tipos (por exemplo nos crimes sexuais, económico-financeiros, na corrupção) do que noutros, e
que se têm registado alterações importantes sobre a revelação dos eventos criminais, sobretudo com
o alargamento dos mecanismos de cobertura da actividade seguradora (os furtos e roubos em residências, os furtos de certos bens no interior de viaturas, como sejam equipamentos áudio, e o próprio
furto de viaturas, pela sua obrigatoriedade, são exemplos de crimes que muito provavelmente serão
esmagadoramente participados)” (Machado et al., 2007: 190)215.
Existe, também, a situação contrária, bastante menos comentada e (ainda menos) estudada. Trata-se
das participações aos Órgãos de Polícia Criminal (OPC) que engrossam a estatística anual dos crimes
mas que não dão origem quer a inquérito, quer a instrução criminal, também aqui por motivos diversos,
incluindo a falta de fundamentação e os erros processuais. A comparação, para uma mesma fracção
temporal, entre o movimento de processos de inquérito-crime, em tribunais de 1ª instância, e o total de
ocorrências participadas ilustra esta situação. Mais elucidativa, porém, é a comparação entre o movimento de processos de instrução criminal e esse mesmo total de ocorrências reportadas aos órgãos
de polícia criminal. A pirâmide de litigação penal (Sousa Santos et al., 1996: 296) caracteriza-se, justamente, por um fortíssimo estreitamento angular, tendo as condenações representado em 1992, e em
termos totais, cerca de 2% do total do universo dos crimes cometidos (estimados). Admite-se, porém,
que esta percentagem tenha aumentado significativamente na última década.
Em princípio, a atribuição de um NUIPC (Número Único Identificador de Processo Crime), sistema de notação criado em 1991 (cfr.
Portaria nº 1223-A/91, de 30 de Dezembro, evitaria tais duplicações. Este sistema é caracterizado pela atribuição de um número único
a cada processo (NUIPC) e visa a sua individualização, que se mantém desde o seu registo inicial até ao arquivo, de forma unívoca, e
independentemente dos serviços onde se encontra. Todos os Órgãos de Polícia Criminal usam este sistema. O NUIPC é um conjunto de
14 posições com a seguinte constituição:
n Um número sequencial de seis dígitos, a iniciar em 1 em cada ano civil;
n Os dois últimos algarismos do número do ano civil em curso à data da atribuição, separados dos dígitos anteriores por uma barra (/);
n Um dígito de controlo, separado dos dígitos anteriores por um ponto (.);
n Cinco caracteres para identificação do serviço notador (código identificador do serviço notador).
215
Admite-se que seja consensual a interpretação segundo a qual as cifras negras da criminalidade se devem, grosso modo, a três dimensões externas: desempenho policial, desempenho do sistema judicial e confiança das populações nas instituições. As características
intrínsecas de cada crime explicam, por si mesmas, a sua maior ou menor visibilidade.
214
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
145
Há, pois, que não confundir esses casos de vitimização com o chamado esclarecimento, que pode ser
operacionalizado pelo coeficiente (habitualmente baixo) entre o número de ocorrências e o número de
condenações de um tipo de delito, que essa mesma pirâmide de litigação penal põe em evidência216. E
por maioria de motivos, há que não confundir a ratio entre o crime na arguição e o crime na condenação
nas diferentes fases do julgamento.
Por conseguinte, ao usar-se o volume anual das ocorrências reportadas aos OPC, cuja (falsa) equivalência com a criminalidade praticada se generalizou, importa sinalizar que se trata de uma fonte oficial
fidedigna mas que encerra problemas e apresenta limitações claras para a compreensão do fenómeno
criminal em Portugal. Não deixa, no entanto, de ser uma medida de sensibilidade da sociedade perante
os factos criminalizáveis, uma vez que “uma participação pode ser definida como a plasmação processual de uma suspeita” (Sousa Santos et al., 1996: 297).
F.1.3. O INE como fonte estatística primordial
nEstatísticas primárias – obtidas a partir do tratamento de respostas aos diversos inquéritos às orga-
nizações e aos cidadãos;
nEstatísticas derivadas – obtidas por agregação e/ou cruzamento de variáveis das estatísticas pri-
márias e de outras fontes de informação nacionais e internacionais;
nEstimativas de variáveis económicas e de população;
nProjecções demográficas;
nEstudos sobre fenómenos demográficos, sociais ou económicos.
Os resultados são disponibilizados em vários produtos - de acordo com o Calendário anunciado on
line – dos quais se salienta o “Destaque”, enviado aos órgãos de comunicação social e disponibilizado
simultaneamente no portal do INE (www.ine.pt) aos seus utilizadores.
A maioria da informação disponibilizada pelo INE está acessível nesse portal. Parte dessa informação
é também editada em publicações.
A disponibilização é feita de acordo com a periodicidade das operações estatísticas: mensal, trimestral,
semestral, anual, quinquenal, decenal ou ocasional, no caso dos estudos.
No portal do Instituto Nacional de Estatística encontra-se disponível um catálogo de informação estatística, territorializada, que constitui o maior e mais actual acervo de dados existentes.
Para efeitos de navegação nesse portal aconselha-se o recurso ao endereço www.ine.pt/xportal/
xmain?xpid=INE&xpgid=ine_navegacao, no qual se pode observar uma demonstração sobre como
aceder a cada uma das grandes áreas de serviço, a saber:
nBase de dados (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/base_dados_parte1_n.htm)
nUtilizadores (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/utilizadores2.htm)
nMapas (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/mapas_novo_n.htm)
nPesquisa (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/pesquisa.htm)
nDivisões Territoriais (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/unid_territ.htm)
nInstitucional (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/instc.htm)
nInformação Estatística (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/infrom_estatistica.htm)
nPublicações (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/public.htm)
nEstudos (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/estudos.htm)
nDossiês temáticos (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/dossier.htm)
216
146
Infelizmente, não se conhecem pirâmides de litigação penal por tipos específicos de crimes, nem tão-pouco uma actualização do exercício apresentado por Boaventura Sousa Santos e outros em 1996.
F.1.4. Resultados disponibilizados pelo INE
Em regra, a informação do INE é obtida a partir de:
nInquéritos exaustivos (recenseamentos) em que todos os elementos de um universo são sujeitos
a observação: Censos da População e da Habitação e Recenseamento Geral Agrícola.
nInquéritos por amostragem em que são recolhidos os dados de uma amostra representativa do
universo a observar. No processo de apuramento de resultados são usados métodos estatísticos
para extrapolação dos dados resultantes da inquirição da amostra para o universo;
nFontes administrativas, em que são utilizados, para fins estatísticos, dados resultantes de procedimentos administrativos (é o caso da estatística criminal).
Os inquéritos do INE podem abranger variáveis para definição em termos quantitativos (respostas pedidas com referência a quantidades) ou em termos qualitativos (respostas pedidas com base em
opiniões/perspectivas).
F.1.5. Quem responde aos inquéritos do INE
Os informadores privilegiados do INE são habitualmente os seguintes:
nAs organizações (do sector público e privado, empresas, associações, administração central e
local, etc.);
nOs cidadãos seleccionados pelo INE e previamente informados por escrito.
F.1.6. Como é feita a escolha de quem inquirir
Para a maioria dos inquéritos (exceptuam-se os recenseamentos) as organizações e os cidadãos são
escolhidos com base em métodos de amostragem.
No caso das organizações, a selecção é feita a partir da base de dados do INE (Ficheiro de Unidades
Estatísticas), que contém informação sobre empresas e estabelecimentos, empresários em nome individual, associações, organismos da Administração Pública, central e local, entre outros. Esta base – a
mais vasta do nosso país, com mais de um milhão de registos – é constituída a partir dos dados de
cadastro recebidos do Registo Nacional de Pessoa Colectiva. A sua actualização é feita com recurso
a diversas fontes, de entre as quais se destacam a informação fiscal, os registos de pessoa colectiva,
bem como as alterações conhecidas a partir dos inquéritos do INE.
No caso dos cidadãos a selecção é feita a partir da chamada Amostra-mãe, subconjunto de quinhentos
mil registos (alojamentos) extraídos da base de dados censitária. Esta base é construída a partir da informação fornecida pelos próprios cidadãos nos Recenseamentos Gerais da População e da Habitação.
Os cidadãos podem ser chamados a responder:
nPor entrevista directa, em sua casa, efectuada por entrevistadores do INE, devidamente credenciados para o efeito;
nPor auto-preenchimento de questionários que lhes são deixados em casa (mas sempre com o
apoio de um entrevistador).
nPor telefone, com alargamento gradual a um cada vez maior número de operações estatísticas.
A resposta é obrigatória.
É obrigatória a prestação de informações, a título não remunerado, que forem solicitadas pelo INE no
exercício das suas competências e no quadro de autoridade estatística que lhe é conferido por Lei.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
147
Anexo G
Resolução do Parlamento
Europeu, de 21 de Junho
de 2007, sobre a
Deliquência Juvenil:
o Papel da Mulher,
Família e da Sociedade
P6_TA(2007)0283
Delinquência Juvenil – Papel das Mulheres, da Família e da Sociedade
Resolução do Parlamento Europeu, de 21 de Junho de 2007, Sobre a Delinquência Juvenil: o Papel da
Mulher, da Família e da Sociedade [2007/2011(Ini)]
O Parlamento Europeu,
nTendo em conta a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, de 20 de Novembro de 1989,
e em particular os seus artigos 37º e 40º,
nTendo em conta as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Meno-
res ou “Regras de Beijing”, de 1985, tal como adoptadas pela Assembleia-Geral na sua Resolução
40/33, de 29 de Novembro de 1985,
nTendo em conta os Princípios Orientadores das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência
Juvenil ou “Princípios Orientadores de Riade” de 1990, tal como adoptados pela Assembleia-Geral
na sua Resolução 45/112, de 14 de Dezembro de 1990,
nTendo em conta as Regras das Nações Unidas para a Protecção de Menores Privados de Liberdade,
tal como adoptadas pela Assembleia-Geral na sua Resolução 45/113, de 14 de Dezembro de 1990,
nTendo em conta a Convenção Europeia do Conselho da Europa sobre o Exercício dos Direitos da
Criança, de 25 de Janeiro de 1996, e em particular o seu artigo 1° e os seus artigos 3° a 9°,
nTendo em conta a Recomendação do Comité dos Ministros do Conselho da Europa aos Estados
membros sobre novas formas de tratar a delinquência juvenil e o papel da justiça juvenil, de 24 de
Setembro de 2003217,
217
148
Rec(2003)20.
nTendo em conta a Recomendação do Comité dos Ministros do Conselho da Europa, sobre as
reacções sociais à delinquência juvenil, de 17 de Setembro de 1987218,
nTendo em conta a Recomendação do Comité dos Ministros do Conselho da Europa, sobre as
reacções sociais ao comportamento delinquente de jovens provenientes de famílias migrantes, de
18 de Abril de 1988219,
nTendo em conta o Tratado UE, e em particular o seu artigo 6º, bem como as disposições do Título
VI, relativo à cooperação policial e judiciária em matéria penal,
nTendo em conta o Tratado CE, e em particular o seu Título XI, relativo à política social, à educação,
à formação profissional e à juventude, e nomeadamente o artigo 137º,
nTendo em conta o programa-quadro relativo à cooperação policial e judiciária em matéria penal (AGIS),
que expirou a 31 de Dezembro de 2006, assim como o Regulamento (CE) nº 168/2007 do Conselho,
de 15 de Fevereiro de 2007, que cria a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia220,
nTendo em conta a sua posição de 30 de Novembro de 2006 sobre uma proposta de decisão do
Conselho que autoriza a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia a exercer as suas
actividades nos domínios referidos no Título VI do Tratado da União Europeia221,
nTendo em conta a posição de 22 de Maio de 2007, sobre a posição comum do Conselho tendo
em vista a aprovação da decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece, para o
período de 2007 a 2013, um programa específico de prevenção e de combate à violência contra
as crianças, os jovens e as mulheres e de protecção das vítimas e dos grupos de risco (Programa
DAPHNE III), no âmbito do programa geral “Direitos Fundamentais e Justiça”222,
nTendo em conta a Comunicação da Comissão “Rumo a uma estratégia da UE sobre os direitos da
criança”(COM(2006)0367),
nTendo em conta a sua Resolução de 8 de Julho de 1992, sobre uma Carta Europeia dos Direitos
da Criança223, e em particular os seus nºs 8.22 e 8.23,
nTendo em conta a Decisão 2001/427/JAI do Conselho, de 28 de Maio de 2001, que cria uma Rede
Europeia de prevenção da criminalidade224,
nTendo em conta o parecer do Comité Económico e Social, de 15 de Março de 2006, sobre “A
prevenção da delinquência juvenil, as formas de tratamento da mesma e o papel da justiça de
menores na União Europeia”225,
nTendo em conta as conclusões da conferência realizada em Glasgow, de 5 a 7 de Setembro de 2005, no
âmbito da Presidência britânica, sobre o tema “Juventude e criminalidade: uma abordagem europeia”,
nTendo em conta os últimos relatórios anuais do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência,
nTendo em conta o artigo 45º do seu Regimento,
nTendo em conta o relatório da Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade dos Géneros
(A6‑0212/2007),
A.Considerando que o comportamento delinquente dos menores é muito mais perigoso do que o
dos adultos, uma vez que atinge um segmento particularmente vulnerável da população na fase de
construção da sua personalidade, expondo os menores, desde muito jovens, ao risco da exclusão
e estigmatização sociais,
B.Considerando que a desescolarização constitui um factor agravante do risco de delinquência juvenil,
C.Considerando que, segundo estudos nacionais, europeus e internacionais, o fenómeno da delinquência juvenil regista, nas duas últimas décadas, um crescimento alarmante,
D.Considerando que a delinquência juvenil se está a tornar um fenómeno preocupante devido ao
carácter maciço que presentemente assume, o qual radica na regressão da idade em que tem
início a delinquência, no recrudescimento do número de crimes praticados por crianças de menos
de treze anos e no facto de os seus actos denotarem uma crueldade cada vez maior,
Rec(87)20.
Rec(88)6.
220
JO L 53 de 22.2.2007, p. 1.
221
Textos Aprovados, P6_TA(2006)0510.
222
Textos Aprovados, P6_TA(2007)0188.
223
JO C 241 de 21.9.1992, p. 67.
224
JO L 153 de 8.6.2001, p. 1.
225
JO C 110 de 9.5.2006, p. 75.
218
219
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
149
E.Considerando que o actual modo de registo e apresentação das estatísticas sobre a delinquência
juvenil não corresponde às necessidades reais e às condições actuais, o que torna tanto mais
urgente a necessidade de dispor de estatísticas nacionais fiáveis,
F.Considerando que é difícil ordenar por categorias, e de forma absoluta, as causas que levam um
menor a adoptar comportamentos delinquentes, uma vez que o percurso que o conduz a comportamentos socialmente desviantes e, por fim, transgressores é individual e específico e resulta das
vivências e dos pólos mais importantes em torno dos quais evolui cada criança e adolescente: a
família, a escola, as amizades, bem como a sua envolvente sócio-económica,
G.Considerando que entre os principais factores de delinquência juvenil se contam a ausência de
referências, a falta de comunicação e de modelos apropriados no seio da família devido à frequente ausência dos pais, os problemas psicopatológicos relacionados com fenómenos de violência
física e sexual por parte de pessoas do ambiente familiar, as insuficiências do sistema de ensino
no tocante à transmissão de valores sociais, a pobreza, o desemprego, a exclusão social e o
racismo; salientando que outros factores igualmente importantes residem na tendência particular
para o mimetismo que os jovens desenvolvem na fase de desenvolvimento da sua personalidade,
nas perturbações da personalidade relacionadas com o consumo de álcool e droga, na promoção
de modelos de violência gratuita, excessiva e injustificada, por parte dos meios de comunicação
social, de determinados sítios de internet e dos jogos de vídeo,
H.Considerando que os comportamentos desviantes dos jovens não radicam sistematicamente no
contexto familiar,
I. Considerando que cumpre estabelecer uma correlação entre o aumento do consumo de cannabis
e outras drogas e/ou de álcool pelos adolescentes e o recrudescimento da delinquência juvenil,
J.Considerando que os imigrantes, e nomeadamente os menores, estão muito mais expostos ao controlo social, o que cria a percepção de que a delinquência juvenil atinge principalmente a imigração
e não toda a sociedade, uma abordagem que é não só errada como socialmente perigosa,
K.Considerando que as duas formas “contemporâneas” de delinquência juvenil consistem na constituição de “bandos de menores” e na crescente violência no meio escolar, fenómenos que atingem uma particular amplitude em certos Estados membros e cujo estudo e eventuais soluções se
afiguram complexos,
L.Considerando que a intensificação de fenómenos como os bandos de menores violentos organizados levaram certos Estados membros a iniciar um debate sobre a necessidade de uma revisão
do direito penal de menores,
M.Considerando que, em certos Estados membros, as imediações das escolas e até mesmo os
pátios de recreio, inclusive nas zonas residenciais favorecidas, se tornaram zonas à margem do
Direito (oferta de droga, actos de violência, por vezes com recurso a armas brancas, diversas
formas de extorsão, prática de jogos perigosos e, por exemplo, o fenómeno do “happy slapping”,
que consiste na colocação de fotografias de cenas de violência captadas por telefones móveis em
sítios de internet),
N.Considerando que se assiste, nos últimos anos, a uma reforma progressiva das legislações penais nacionais relativas aos menores, e que essa reforma deveria ser centrada em medidas de
prevenção, em medidas judiciais e extrajudiciais e em medidas de reeducação e de reabilitação,
incluindo uma terapia sempre que necessário; salientando no entanto que, na prática, a aplicação
dessas novas medidas é muitas vezes ineficaz, por falta de estruturas técnicas e materiais apropriadas e modernas, insuficiência de pessoal especializado e qualificado, financiamento limitado
e, em certos casos, por falta de vontade política dos intervenientes envolvidos ou devido a deficiências intrínsecas ao sistema,
O.Considerando que a avalanche de imagens de cenas de extrema violência e de material pornográfico veiculada por vários meios de comunicação e audiovisuais, como os jogos, a televisão e a
Internet, bem como a exploração, pela comunicação social, da imagem de menores delinquentes
ou vítimas atingem, muitas vezes, os limites da violação dos direitos fundamentais da criança e
contribuem para a banalização da violência,
P.Constatando que as estatísticas publicadas em determinados Estados membros indicam que entre 70% e 80% dos menores a que são aplicadas sanções quando cometem o primeiro delito não
reincidem,
Q.Considerando os estudos e artigos publicados em certos Estados membros que revelam o au150
mento do número de actos de violência de adolescentes contra os pais e a situação de impotência
em que estes se encontram,
R.Considerando que as redes de crime organizado recorrem, por vezes, aos menores delinquentes
para levar a cabo as suas actividades,
S.Considerando que, no âmbito da Rede Europeia de Prevenção da Criminalidade (REPC), criada
em 2001, foi criado um grupo de trabalho especifico sobre o tema da delinquência juvenil, que
iniciou um estudo comparativo exaustivo nos 27 Estados membros que constituirá a base para
futuras evoluções da política da União neste sector,
1. Salienta que, para fazer efectivamente face ao fenómeno da delinquência juvenil, é necessária
uma estratégia integrada a nível nacional e europeu que combine os três princípios: prevenção,
medidas judiciais e extrajudiciais e inserção social de todos os jovens;
Políticas nacionais
2. Salienta que, na concepção e implementação de uma estratégia nacional integrada, a participação social directa de todos os representantes da sociedade deverá assumir uma importância
decisiva: o Estado, como gestor central, os representantes da administração regional e local, os
responsáveis da comunidade escolar, a família, as ONG, e nomeadamente as que se ocupam
dos jovens, a sociedade civil e cada indivíduo; e sustenta que é essencial dispor de meios financeiros suficientes para pôr em prática acções efectivas para fazer face à delinquência juvenil;
3. Frisa que, para fazer efectivamente face à delinquência juvenil, é necessária uma política integrada e eficaz nos planos escolar, social, familiar e educativo que contribua para a transmissão dos
valores sociais e cívicos, bem como para a sociabilização precoce dos jovens; considera que é,
por outro lado, necessário definir uma política contra a exclusão social e a pobreza, de redução
das desigualdades sociais, que aposte em maior coesão económica e social, conferindo particular atenção à pobreza infantil;
4. Considera necessário que as famílias, os educadores e a sociedade transmitam valores aos
jovens desde a infância;
5. Considera que a prevenção da delinquência juvenil exige também políticas públicas em outras
áreas, incluindo habitação, emprego, formação profissional, ocupação dos tempos livres e intercâmbios juvenis;
6. Recorda que tanto as famílias e as escolas como a sociedade em geral devem colaborar para
lutar contra o fenómeno crescente da violência juvenil;
7. Chama a atenção para o papel específico da família em todas as etapas do combate à delinquência juvenil e exorta os Estados membros a preverem um apoio adequado para os pais; constata,
em determinados casos, a necessidade de um maior envolvimento e responsabilização por parte
destes últimos;
8. Incentiva os Estados membros a preverem, no quadro das políticas nacionais, a instituição de
uma licença parental de um ano que permita às famílias, que assim o desejem, privilegiarem a
educação dos filhos na baixa infância, a qual assume uma importância capital em termos de
desenvolvimento afectivo;
9. Convida os Estados membros a concederem um apoio especial às famílias com problemas
económicos e sociais; assinala que a adopção de medidas destinadas a cobrir as necessidades
essenciais em matéria de alojamento e alimentação, a garantir o acesso de todos os membros
da família, em particular das crianças, ao ensino básico e à assistência médica e medicamentosa, bem como as acções que visam garantir um acesso equitativo dos membros dessas famílias
ao mercado de trabalho e à vida social, económica e política, contribuirão para assegurar um ambiente familiar saudável e justo para o desenvolvimento e a primeira socialização das crianças;
10.Insta os Estados membros a consagrarem recursos financeiros ao aumento de serviços eficientes de aconselhamento psicossocial, incluindo pontos de contacto para famílias com problemas,
afectadas pela delinquência juvenil;
11.Salienta o papel particular desempenhado pela escola e pela comunidade escolar na formação
da personalidade das crianças e dos adolescentes; salienta que duas características fundamentais da escola actual, a saber, o multiculturalismo e o aprofundamento das diferenças entre as
classes sociais, podem, na ausência das estruturas apropriadas de intervenção, apoio e abordagem dos alunos pelo sistema escolar, conduzir a fenómenos de violência escolar;
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
151
12.Convida, neste âmbito, os Estados membros a fornecerem às autoridades escolares as linhas de
orientação adequadas com vista a um sistema moderno de resolução dos conflitos no âmbito
escolar através de instâncias de mediação que contem com a participação conjunta dos alunos,
pais, professores e serviços competentes das autoridades locais;
13.Considera absolutamente necessária a prestação da formação apropriada aos professores para
que possam gerir o carácter heterogéneo das classes, desenvolver uma pedagogia que não seja
moralista, mas sim preventiva e centrada na solidariedade, e evitar a estigmatização e a exclusão
tanto dos menores delinquentes como dos condiscípulos destes que se tornam suas vítimas;
14.Convida também os Estados membros a integrarem nas respectivas políticas educativas um
aconselhamento e um apoio psicológico especificamente destinados às crianças com problemas de socialização, a disponibilidade de cuidados de saúde em cada estabelecimento escolar,
a designação de um trabalhador social, de um sociólogo criminologista e de um pedo-psicólogo,
especializados na área da delinquência juvenil e que tenham a seu cargo um número restrito de
estabelecimentos escolares, o controlo estrito do consumo de álcool ou de drogas pelos alunos,
a luta contra todas as formas de discriminação contra os membros da comunidade escolar, a
designação de um mediador comunitário, que fará a ligação entre a escola e a sociedade, bem
como a colaboração entre as diferentes comunidades escolares em matéria de concepção e
aplicação de programas contra a violência;
15.Convida os Estados membros e as autoridades nacionais e regionais competentes a velarem
pela aplicação rigorosa e integral da legislação comunitária e nacional relativa à sinalização do
conteúdo das emissões televisivas e outros programas que possam conter cenas particularmente violentas ou cenas inapropriadas para menores; solicita igualmente aos Estados membros
que acordem com os meios de comunicação social um “roteiro” de protecção dos direitos da
criança, e em especial dos menores delinquentes, tanto no que se refere à proibição de difusão
de imagens de grande violência em determinadas faixas horárias como à revelação da identidade
dos menores envolvidos em actos de delinquência;
16.Recomenda aos Estados membros que reforcem o papel e melhorem a qualidade dos centros
juvenis enquanto espaço de intercâmbio entre jovens e assinala que a integração de jovens delinquentes nesses espaços contribuirá para a sua socialização, reforçando neles o sentimento de
fazerem parte da sociedade;
17.Assinala que os meios de comunicação social podem desempenhar um papel importante para
a prevenção do fenómeno da delinquência juvenil através de iniciativas de informação e sensibilização do público e da difusão de emissões de elevada qualidade que ponham em evidência
o papel positivo dos jovens na sociedade, controlando, por outro lado, a difusão de cenas de
violência, pornografia e consumo de droga, com base em acordos a integrar no “roteiro” de protecção dos direitos da criança;
18.Frisa igualmente, no quadro do combate à delinquência juvenil, que é importante desenvolver
nos Estados membros medidas que prevejam penas alternativas à privação da liberdade e de
carácter pedagógico, como a prestação de trabalho social, a reparação e intermediação com
as vítimas e cursos de formação profissional em função da gravidade do delito, da idade do
delinquente, da sua personalidade e da sua maturidade, a que os juízes nacionais poderão amplamente recorrer;
19.Exorta os Estados membros a adoptarem novas medidas inovadoras de abordagem judicial,
como a participação directa dos pais ou tutores do menor no processo penal – desde a fase da
acusação até à da aplicação da pena – conjugadas com a reeducação e o apoio psicológico
intensivo, a possibilidade de escolher uma família de acolhimento para, se necessário, assegurar
a educação do menor e o apoio em termos de aconselhamento e de informação aos pais, professores e alunos nos casos de comportamento violento dos menores no espaço escolar;
20.Recorda que, em matéria de delinquência juvenil, a tramitação e a duração do processo judicial,
a selecção da medida a adoptar e a respectiva execução ulterior devem ser pautadas pelo princípio do interesse superior da criança e pelo respeito pelo direito processual de cada Estado-membro; frisa, neste contexto, que só em última instância deverá ser aplicada uma medida de
encarceramento, a executar em infra-estruturas adaptadas aos menores delinquentes;
21.Convida os Estados membros a preverem, no âmbito de uma abordagem integrada da delinquência juvenil, dotações específicas e autónomas nos seus orçamentos para medidas de prevenção
152
da delinquência juvenil, o aumento das dotações destinadas aos programas de inserção social e
profissional dos jovens e o reforço dos fundos destinados tanto à melhoria e modernização das
infra-estruturas de acolhimento de menores delinquentes à escala central e regional, como à formação especializada e à formação contínua de todos os profissionais e responsáveis envolvidos;
Para uma estratégia europeia
22.Recomenda aos Estados membros que, em colaboração com a Comissão, procedam sem tardar à elaboração e adopção de uma série de modelos e orientações mínimas e comuns a todos
os Estados membros em matéria de delinquência juvenil, centradas nos três pilares fundamentais
que são em primeiro lugar, a prevenção; em segundo, as medidas judiciais e extrajudiciais; e, em
terceiro, a reabilitação, a integração e a reinserção sociais, com base nos princípios consagrados
a nível internacional nas Regras de Beijing, nos Princípios Orientadores de Riade e na Convenção
das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, bem como nas demais convenções internacionais aprovadas neste domínio,
23.Defende que o objectivo de uma abordagem europeia comum deve consistir na formulação de
modelos de intervenção destinados a fazer face e a gerir o fenómeno da delinquência juvenil e
que as medidas de encarceramento e as sanções penais apenas devem ser aplicadas em último
recurso quando consideradas absolutamente indispensáveis;
24.Crê que o envolvimento e a participação de jovens em todas as questões e decisões que os
visam são indispensáveis para a identificação de soluções comuns que surtam bons resultados;
considera, por este motivo, que, quando da intervenção de assessores nos tribunais de menores, haveria que atentar não só no facto de possuírem experiência no domínio da educação de
jovens, mas também de terem sido formados para a problemática da correlação entre violência e
juventude;
25.Convida a Comissão a estabelecer, para todos os Estados membros, critérios concretos sobre a
recolha de dados estatísticos nacionais, a fim de assegurar a sua comparabilidade e, por conseguinte, a sua utilidade no delineamento de medidas à escala europeia; convida os Estados membros a participarem activamente no trabalho da Comissão, mobilizando todas as autoridades
competentes nacionais, regionais e locais, bem como associações, ONG e outras organizações
da sociedade civil activas neste sector e transmitindo as informações por elas recolhidas;
26.Insta a Comissão e as autoridades nacionais e locais dos Estados membros a pautarem-se pelas
melhores práticas existentes nos países da União, que mobilizam toda a sociedade e incluem
acções e intervenções positivas de associações de pais e de ONG nas escolas e de moradores num bairro, bem como a estabelecerem um balanço das experiências levadas a efeito nos
Estados membros no que respeita a acordos de cooperação entre as autoridades policiais, os
estabelecimentos de ensino, as autoridades locais, as organizações de jovens e os serviços
sociais a nível local, respeitando a regra da confidencialidade partilhada, e estratégias nacionais
e programas de apoio aos jovens a nível nacional; convida os Estados membros a pautarem-se
pelas melhores práticas que neles se observem em matéria de combate ao recrudescimento inquietante do consumo de droga por menores e da delinquência que se lhe encontra associada,
bem como pelas melhores soluções a aplicar em caso de consumo problemático, nomeadamente no domínio dos cuidados médicos;
27.Congratula-se com as iniciativas nacionais que incluem acções positivas de integração como é
o caso do “animador extra-escolar” que está a ser actualmente implementado em regiões como
La Rioja;
28.Convida a Comissão e os Estados membros a tirarem partido, numa primeira fase, dos meios e
programas europeus existentes, integrando neles acções destinadas a fazer face e a prevenir a
delinquência juvenil, assim como a garantir a normal reinserção social dos delinquentes e das
vítimas; refere, a título indicativo:
nO programa específico “Prevenir e combater a criminalidade”(2007-2013), centrado essencialmente na prevenção da criminalidade e na protecção das vítimas,
nO programa específico “Justiça penal”(2007-2013), tendo em vista a promoção da cooperação judiciária em matéria penal com base no reconhecimento e confiança mútuos,
no reforça dos contactos e do intercâmbio de informações entre as autoridades nacionais
competentes,
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
153
nO programa “DAPHNE III” sobre o combate à violência contra as crianças e os jovens,
nO programa “Juventude em acção” (2007-2013), entre cujas prioridades fundamentais se
conta o apoio aos jovens que têm menos oportunidades ou provenientes de meios menos
favorecidos,
nAs acções do Fundo Social Europeu e do Programa Equal destinadas a reforçar a integração social e o combate a todas as formas de discriminação, bem como a facilitar o acesso
das pessoas menos favorecidas ao mercado de trabalho,
nO programa no âmbito da iniciativa Urbact, apoiado pela União, que visa o intercâmbio
das melhores práticas entre as cidades europeias na perspectiva de um ambiente onde os
habitantes possam viver melhor e que inclui acções com vista à criação de um ambiente
urbano mais seguro para os jovens, bem como acções “no domínio da inserção social dos
jovens menos favorecidos mediante uma maior participação e envolvimento social,
nProgramas de iniciativa intergovernamental, tais como “Let bind safe net for children and
youth at risk”, centrados na adopção de medidas a favor das crianças e dos jovens em
risco ou em situação de exclusão social e nos quais podem e devem participar parceiros
do maior número possível de Estados membros,
nA linha telefónica europeia para as crianças desaparecidas, entre as quais figuram as vítimas da delinquência juvenil;
29.Frisa a necessidade de uma estreita cooperação e da criação de uma rede entre todas as autoridades judiciais e policiais à escala nacional e comunitária no que se refere à investigação e
à resolução dos casos de desaparecimento de crianças, vítimas da delinquência juvenil, com
base nos objectivos específicos da Estratégia da União Europeia sobre os Direitos da Criança, tal
como delineada na comunicação da Comissão acima citada;
30.Salienta que um dos elementos de prevenção e de luta contra a delinquência dos jovens consiste
no desenvolvimento de uma política da comunicação que dê a conhecer a problemática, na erradicação da violência dos meios de comunicação social e no apoio aos meios de comunicação
audiovisuais cuja programação não esteja exclusivamente centrada em programas violentos; por
conseguinte, solicita a fixação de normas europeias destinadas a limitar a difusão da violência
tanto nos meios de comunicação audiovisuais como na imprensa escrita;
31.Assinala que a Directiva 89/552/CEE226, dita “Televisão sem fronteiras”, que fixa importantes restrições à difusão de imagens de violência e, de um modo geral, de imagens inadequadas à
educação das crianças, constitui uma medida apropriada de prevenção da violência perpetrada
por menores contra menores; convida a Comissão a desenvolver acções complementares nesse sentido, tornando essas obrigações extensivas também ao sector da telefonia móvel e da
internet, acções que deverão constituir uma das prioridades políticas fundamentais no âmbito da
supracitada comunicação da Comissão sobre os direitos da criança;
32.Saúda o início da aplicação do quadro europeu de auto-regulação das empresas europeias com
vista a uma utilização mais segura dos telefones móveis por menores e crianças, e salienta que a
informação e a vigilância no tocante à navegação na internet e a uma utilização segura dos telefones móveis deverão ser futuramente objecto de propostas concretas da Comissão, vinculativas
a nível europeu;
33.Insta a Comissão a continuar a promover a criação de uma linha telefónica SOS para crianças
e jovens com problemas, a nível europeu e gratuita, porquanto linhas telefónicas desta natureza
podem constituir um importante contributo para a prevenção da delinquência juvenil;
34.Convida a Comissão a propor, uma vez concluídos os estudos necessários a nível europeu, um
programa-quadro comunitário integrado que compreenda acções comunitárias de prevenção,
um apoio às iniciativas das ONG e à cooperação inter-estatal, o financiamento de programas-piloto a nível regional e local baseados nas melhores práticas nacionais e que visarão a sua
divulgação a nível europeu, assim como a cobertura das necessidades em matéria de infraestruturas sociais e pedagógicas;
35.Salienta que existem, a nível das acções comunitárias, duas políticas fundamentais que devem
ser imediatamente aplicadas:
nA integração do financiamento das acções de prevenção em programas comunitários já
226
154
JO L 298 de 17.10.1989, p. 23.
existentes e a criação de uma nova rubrica orçamental consagrada às acções e às redes
integradas destinadas a fazer face à delinquência juvenil,
nA publicação de um estudo e, subsequentemente, de uma comunicação da Comissão sobre a dimensão do fenómeno na Europa e os devidos preparativos, através de uma rede
de especialistas nacionais, com vista à elaboração de um programa-quadro integrado para
fazer face à delinquência juvenil;
36.Convida, neste âmbito, a Comissão a proceder à elaboração de um programa de acções cofinanciadas que inclua:
nA investigação das melhores práticas no domínio da prevenção e de soluções eficazes e
inovadoras estribadas numa abordagem multissectorial,
nA avaliação e a análise da eficácia, a longo prazo, de determinados sistemas recentemente desenvolvidos no domínio do tratamento dos menores delinquentes, como a “justiça reparativa”,
nO intercâmbio das melhores práticas a nível internacional, nacional e local, incluindo as experiências muito satisfatórias adquiridas no âmbito do programa europeu Daphne contra
a violência, o qual, por ter gerado muitos projectos eficientes contra a violência, pode ser
considerado como um exemplo de “melhores práticas”,
nA garantia de que esses serviços e práticas se centram prioritariamente no interesse superior
da criança e dos jovens, na protecção dos seus direitos e na aprendizagem, por parte destes dois grupos, dos seus direitos e do respeito da lei;
nO desenvolvimento de um modelo europeu de protecção da juventude centrado nos três
pilares fundamentais representados pela prevenção, pelas medidas judiciais e extrajudiciais
e pela reabilitação, integração e reinserção social, assim como na promoção dos valores do
respeito, da igualdade e dos direitos e obrigações de todos,
nA elaboração de programas de educação e formação profissional de menores com dificuldades para facilitar a sua integração social e instaurar uma verdadeira igualdade de oportunidades para todos, através da aprendizagem ao longo da vida; uma formação que seja
desde o início eficiente para todos e o cumprimento dos objectivos de Barcelona, que constituem uma condição prévia para uma prevenção eficaz da violência; o apoio às iniciativas
existentes levadas a cabo, neste contexto, pelas organizações de jovens,
nUm programa coordenado de formação contínua dos mediadores nacionais, das forças
policiais, dos funcionários judiciais, dos órgãos nacionais competentes e das autoridades
de supervisão,
nA ligação em rede dos serviços competentes da administração local e regional e das organizações de jovens, bem como da comunidade escolar;
37.Recomenda à Comissão que, no âmbito das acções preliminares do Observatório Europeu da
Delinquência Juvenil e do respectivo programa-quadro, proponha sem tardar as seguintes medidas de promoção e divulgação de experiências e de saber-fazer:
na investigação colectiva e a divulgação dos resultados das políticas nacionais,
na organização de conferências e fóruns com a participação de especialistas nacionais,
na promoção da comunicação e da informação entre as autoridades competentes e as instituições sociais através da internet e a criação de um website dedicado a estas questões,
na criação de um centro internacional de excelência;
38.Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente Resolução ao Conselho, à Comissão, ao
Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões.
Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais
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