Manual de Diagnósticos Locais de Segurança Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais Versão adaptada de Guidance on Local Safety Audits. A Compendium of International Practice Manual de Diagnósticos Locais de Segurança Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais O presente manual foi produzido pelo Fórum Europeu para a Segurança Urbana (FESU) e financiado maioritariamente pelo Governo do Canadá, através do National Crime Prevention Center, sob a orientação do Dr. Sohail Husain, director da Analytica Consulting Services. As versões em língua francesa, castelhana e inglesa estão disponíveis online no site www.fesu.org. A versão em língua alemã está disponível em www.beccaria.de, disponibilizada através do Council for Crime Prevention of Lower Saxony, Ministério da Justiça. A presente versão está disponível no site da DirecçãoGeral de Administração Interna, cujo endereço é www.dgai.mai.gov.pt. Este manual pode ser usado e reproduzido gratuitamente sem fins lucrativos, desde que a sua utilização seja devidamente referenciada. São encorajadas quaisquer sugestões e informação sobre instrumentos nacionais complementares que possam vir a contribuir para melhorar a utilidade deste Manual numa futura actualização. Os comentários deverão ser enviados directamente para [email protected] ou para [email protected]. Edição: Ministério da Administração Interna – Direcção-Geral de Administração Interna Lisboa, 2009 Tradução: Maria João Correia Revisão técnica e adaptação para a versão portuguesa: Paulo Machado Colaboradores externos da revisão: Susana Durão, Carlos Fogaça, Susana Silva Tiragem: 1500 exemplares ISBN: 978-989-95928-2-7 Conteúdos Agradecimentos viii Siglas no texto original ix Siglas introduzidas na versão portuguesa ix Preâmbulo da Versão Portuguesa xi INTRODUÇÃO À EDIÇÃO PORTUGUESA xii Contratos Locais de Segurança Introdução xvii 1 PARTE A: O PROCESSO DE DIAGNÓSTICO LOCAL DE SEGURANÇA 5 1 Diagnóstico Local de Segurança em Contexto Alargado 1.1. Desenvolvimento sustentado e inclusão social 1.2. Criar comunidades mais seguras, mais fortes e mais saudáveis 1.3. Orientações da ONU para a prevenção do crime 1.4. O DLS como parte do processo preventivo 1.5 Desenvolvendo uma estratégia: quem deve ser envolvido? 6 6 7 8 9 10 2 Diagnósticos Locais de Segurança: Uma Visão Geral 2.1. O que é um DLS? 2.2. Dez princípios para uma boa prática 2.3. Os benefícios do DLS 12 12 13 14 3 Preparação para o DLS 3.1. Que informação é necessário recolher? 3.2. Que conhecimentos e competências são necessários? 3.3. Quem deve coordenar o DLS? 3.4. Quanto tempo demora um DLS? 3.5. Comparações nacionais e internacionais 16 16 17 18 18 21 4 As Quatro Fases de Implementação do DLS 4.1. Introdução 4.2. Fase 1: Análise alargada e genérica 4.2.1.Contextualização 4.2.2.Análise preliminar do crime e das incivilidades 4.2.3.Vítimas e delinquentes 4.2.4.Identificar os factores de risco associados à delinquência e à vitimização 4.2.5.Aferir as respostas 4.3. Fase 2: Investigação aprofundada e pormenorizada 22 22 23 23 23 24 25 27 27 Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais iii 4.4. Fase 3: Identificar prioridades e oportunidades 4.4.1.Identificar prioridades 4.4.2.Identificar os activos, os pontos fortes e as oportunidades 4.5. Fase 4: Consultoria e comunicação 4.5.1.Consultoria 4.5.2.Divulgação dos Resultados 5 Abordagem Participativa: Motivar e Envolver as Comunidades 5.1. O que é a abordagem participativa e porque é importante? 5.2. Quais os grupos que deverão estar envolvidos? 5.3. Como pode um DLS participativo ser implementado? 5.4. Motivar e envolver grupos sociais marginalizados PARTE B: ASSUNTOS ESPECIFÍCOS PARA AS EQUIPAS DOS DIAGNÓSTICOS LOCAIS DE SEGURANÇA 6 Visão Geral 28 28 28 29 29 29 31 31 32 34 36 39 40 7 Crianças e Jovens 42 7.1. Introdução 42 7.2. Crianças e adolescentes em risco no seio familiar 43 7.3. Crianças e jovens que crescem e vivem em instituições 44 7.4. Crianças e jovens em conflito com a lei 45 7.5. Crianças e jovens na escola 47 7.6. Crianças e jovens envolvidos em gangs com actividades criminosas e violência organizada 50 7.7. Crianças de rua 52 iv 8 Violência Interpessoal 8.1. Introdução 8.2. Violência entre parceiros íntimos (violência conjugal) 8.3. Diagnosticar a violência entre parceiros (conjugal) 8.4. Abuso de idosos 8.5. Diagnosticar o abuso de idosos 8.6. Informação adicional online 54 54 54 55 57 57 58 9 Os Delinquentes e a Sua Ressocialização 9.1. Introdução 9.2. Diagnosticar a reinserção dos delinquentes 59 59 60 10Tráfico de Pessoas 10.1.Introdução 10.2.Diagnosticar o tráfico 10.3.Informação adicional online 62 62 63 65 11Álcool, Drogas Ilícitas e Abuso de Substâncias 11.1.Introdução 11.2.Uma estratégia multidisciplinar integrada 11.3.Ajudar as crianças e os jovens a tomar as decisões certas 11.4.Alcoolismo 11.5.Consumo de drogas ilícitas 11.6.Produção e tráfico de drogas ilícitas 66 66 67 68 68 70 71 12Empresas e Criminalidade 12.1.Introdução 12.2.As empresas como vítimas 12.3.As empresas como facilitadoras e autoras de crimes 72 72 72 73 12.4.As empresas como dissuasoras do crime e impulsionadoras da sua prevenção 12.5.Diagnosticar o envolvimento das empresas no crime e na prevenção 13Bairros com Elevadas Taxas de Criminalidade 13.1.Introdução 13.2.Diagnosticar bairros com elevadas taxas de criminalidade PARTE C: FONTES, TÉCNICAS E INSTRUMENTOS 14Informação do DLS: Considerações Estratégicas 14.1.Fontes de Informação 14.2.Reconhecer a diversidade na comunidade 14.3.Partilha de informação e confidencialidade dos dados 14.4.Observatórios de dados 15A Utilização de Fontes e Dados Secundários 15.1.Introdução 15.2.Dados policiais 15.3.Outros organismos do sistema de justiça criminal 15.4.Serviços de apoio às vítimas 15.5.Serviços de ambiente urbano e de habitação 15.6.Entidades do sistema educativo 15.7.Serviços de apoio social 15.8.Serviços de saúde 15.9.Serviços de bombeiros 15.10.Segurança privada e companhias de seguros 15.11.Inquéritos e pesquisa 74 74 76 76 77 79 80 80 82 83 83 85 85 86 92 94 95 95 97 97 99 99 99 16Recolher e Utilizar Dados de Inquéritos 16.1.Introdução 16.2.Inquéritos de vitimização 16.3.Inquéritos de criminalidade auto-revelada 16.4.Painéis de cidadãos 101 101 103 107 108 17Reunir Informação Qualitativa 17.1.A necessidade de dados qualitativos 17.2.Técnicas para a recolha de informação qualitativa 17.2.1.Entrevistas com informadores privilegiados 17.2.2.Reuniões abertas 17.2.3.Grupos focais 17.2.4.Inquérito por entrevista em profundidade 17.2.5.Trabalho de rua 17.3.Instrumentos para a recolha de informação qualitativa 17.3.1.Visão partilhada 17.3.2.Passeios exploratórios 17.3.4.Método “bola de neve” 17.3.5.Painéis de cidadãos 17.3.6.Orçamento participativo 17.4.A necessidade de uma abordagem equilibrada 110 110 111 111 112 114 114 117 118 118 119 120 120 121 123 Anexo A: Factores de Risco Associados à Delinquência 126 Anexo B: Directrizes das Nações Unidas para a Prevenção do Crime 127 I. II. Introdução Quadro conceptual de referência 127 127 Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais v III. IV. V. Princípios gerais ou de base Organização, métodos e abordagens Cooperação Internacional 128 129 132 Anexo C: Directrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil 133 Anexo D: Manifesto de Saragoça 139 Anexo E: Legislação Portuguesa 140 Anexo F: Fontes de Informação Estatística Oficial Portuguesa 143 E1 Os grandes enquadramentos E2 Programas e estratégias nacionais E3 Autarquias e redes locais F1. Fontes, questões de método e instrumentos F.1.1. Introdução F.1.2. Fontes da estatística da criminalidade F.1.3. O INE como fonte estatística primordial F.1.4 Resultados disponibilizados pelo INE F.1.5. Quem responde aos inquéritos do INE F.1.6 Como é feita a escolha de quem inquirir 140 142 142 143 143 144 146 147 147 147 Anexo G: Resolução do Parlamento Europeu, de 21 de Junho de 2007, Sobre a Delinquência Juvenil: O Papel da Mulher, da Família e da Sociedade 148 vi Bibliografia 156 Organizações, Sítios na Web e Recursos Online 163 Índice de Esquemas, Quadros e Figuras Esquema 1 O processo da prevenção do crime Esquema 2 Grupo de Trabalho para Segurança da Comunidade (GTSC) 9 10 Quadro 1 Quadro 2 Quadro 3 Quadro 4 Quadro 5 Quadro 6 Quadro 7 Quadro 8 Quadro 9 Quadro 10 Quadro 11 Quadro 12 Quadro 13 Quadro 14 Quadro 15 Quadro 16 Quadro 17 Quadro 18 Quadro 19 Quadro 20 Quadro 21 Quadro 22 Quadro 23 Quadro 24 Quadro 25 Quadro 26 Quadro 27 Quadro 28 Quadro 29 Quadro 30 Quadro 31 Quadro 32 Quadro 33 Quadro 34 Informação necessária ao DLS 17 Recrutar a equipa técnica do DLS 19 Exemplo de um cronograma de um DLS 19 O processo de implementação de um DLS 22 Contextualização – perguntas-chave para a Fase 1 23 Crime e incivilidades – perguntas-chave para a Fase 1 24 Problemas a explorar através de informadores privilegiados na Fase 1 25 Vítimas e delinquentes – perguntas-chave para a Fase 1 26 Factores de risco – perguntas-chave para a Fase 1 26 Aferir as actuais respostas – perguntas-chave para a Fase 1 27 Benefícios de uma abordagem participativa 33 Participação comunitária: critérios de identificação 33 Níveis de participação da comunidade 34 Técnicas para envolver as comunidades no planeamento e implementação do DLS 35 DLS: fontes de informação 81 Fontes de informação úteis durante as diferentes Fases de implementação do DLS 82 Potenciais fontes de dados secundários 85 Falhas de informação comuns nas fontes secundárias 86 Crimes que são, com frequência, sub-reportados à polícia 82 Perguntas sobre o “quando” e o “como“ da criminalidade reportada 90 Dados secundários provenientes dos organismos de justiça criminal 94 Dados secundários provenientes das entidades do sistema educativo 96 Dados secundários provenientes dos serviços de saúde 98 O cálculo das taxas de crime 103 Inquéritos de vitimização: opções de aplicação 105 Factores essenciais para o sucesso das entrevistas com informadores privilegiados 112 Factores essenciais para o sucesso das sessões abertas 113 Exemplo de questões a colocar para um grupo focal sobre vizinhança 115 Factores essenciais para o sucesso do o grupo focal 115 Factores essenciais para o sucesso das entrevistas em profundidade 115 Factores essenciais para o sucesso do trabalho de rua 117 Amostra de questões para ‘Visualização em Bairro” 118 Eventos de visão: princípios de boa prática 119 Painel de cidadãos: princípios de boa prática 121 Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 O compromisso comunitário nos bairros de Saskatoom (Canadá) Variações na denúncia de crimes à polícia: percentagem de crimes reportados Mapeamento de dados criminais (Hungria): ocorrências por 100.000 habitantes Análise da incidência horária das ocorrências (Canadá) Análise da incidência horária dos furtos (Austrália) 78 87 89 91 91 Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais vii Agradecimentos Este Manual de Auditorias Locais de Segurança foi desenvolvido pelo Fórum Europeu para a Segurança Urbana (FESU) e foi financiado maioritariamente pelo Governo do Canadá através do National Crime Prevention Center – NCPC. A contribuição deste Centro foi liderada por Mary-Anne Kirven, conselheira sénior e consultora em Planeamento Estratégico, contando com a colaboração de Lucie Léonard, chefe executiva da Unidade do Conhecimento e Investigação. O FESU foi representado por Michel Marcus, director executivo, Elizabeth Johnston, directora-adjunta e Benjamin Blaise, gestor de projectos. O autor responsável pelo Manual foi Sohail Husain, director da Analytica Consulting Services, que liderou uma equipa sediada em Inglaterra, contando ainda com a contribuição de Rob George e Jenny Ewels. Um grupo de consultores da International Advisory Group colaborou significativamente para a realização deste manual, dos quais se destacam os seguintes elementos: Kauko Aromaa Pál Baan Manuele Braghero Radim Bureš Anna Alvazzi del Frate Agnes Gnammon-Adiko Dianne Heriot Barbara Holtmann Dr Pramod Kumar Edgar Mohar Kuri Claudia Laub Erich Marks Laura Petrella Margaret Shaw Franz Vanderschueren Philip Willekens Lilian Zanchi Director, Instituto Europeu para a Prevenção Criminal e Controlo, Finlândia Conselheiro chefe, Departamento de Prevenção Criminal Policial, Ministério da Justiça e a Segurança Interna, Hungria Chefe de gabinete, Ministério Regional para o Governo Local e Participação Comunitária, Região da Toscana, Itália Director adjunto, Departamento de Prevenção Criminal, Ministério do Interior, República Checa Oficial de Prevenção Criminal e Justiça Criminal, Gabinete Coordenador das Nações Unidas de Combate às Drogas e Criminalidade, Áustria Coordenadora nacional, Projecto de Segurança Urbana, Costa do Marfim Secretária assistente, Divisão de Justiça Criminal, Departamento da Procuradoria Geral, Austrália Gestora sénior, Prevenção Social do Crime, Centro de Prevenção Criminal, Conselho para a Investigação Científica e Industrial, República da África do Sul Director, Instituto para o Desenvolvimento e Comunicação, União Indiana Secretária do Departamento de Segurança e Salvaguarda dos Cidadãos, Queretaro, México Presidente, El Agora, Argentina Director Executivo, Conselho para a Prevenção Criminal da Baixa Saxónia, Alemanha Coordenadora, Programa Cidades Mais Seguras, UN-Habitat, Quénia Directora de Análise e Partilha de Informação, Centro Internacional para a Prevenção Criminal, Canadá Professor, Alberto Hurtado University, Chile Director, Departamento de Segurança Local, Federação dos Serviços Públicos dos Assuntos Internos, Bélgica Membro do Parlamento e membro executivo do Fórum Francês para a Segurança Urbana, França São também merecedoras de reconhecimento as contribuições dos seguintes especialistas: Alex Butchart (Organização Mundial de Saúde), Marco Gramegna (Consultor Internacional), Dinesh Sethi (Organização Mundial de Saúde), Jane Stanley (Focus Pty Ltd, Austrália), Fuimaono Tuiasau (Ministério da Justiça, Nova Zelândia) e Debra Willoughby (IODA, Reino Unido). viii Siglas no texto original CPTED CSIR CSSG EFUS HEUNI ICPC ICVS UN UNDP UNECE UNICEF UNICRI UK US WHO Crime Prevention Through Environmental Design Council for Scientific and Industrial Research (South Africa) Community Safety Steering Group European Forum for Urban Safety European Institute for Crime Prevention and Control International Centre for the Prevention of Crime International Crime Victims Survey United Nations United Nations Development Programme United Nations Economic Commission for Europe United Nations Children’s Fund United Nations Interregional Crime and Justice Research Institute United Kingdom United States World Health Organisation Siglas introduzidas na versão portuguesa ACIDI APAV CLAS CLS DLS DGAI DGPJ DGRS EUA GCS GNR GTSC IDT INE MAI MTSS OMS OTSH PDS PJ PNAI PSP SEF SSI Alto-Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural Associação Portuguesa de Apoio à Vítima Conselho Local de Acção Social Contrato Local de Segurança Diagnóstico Local de Segurança Direcção-Geral de Administração Interna Direcção-Geral da Política de Justiça Direcção-Geral de Reinserção Social Estados Unidos da América Gabinete Coordenador de Segurança Guarda Nacional Republicana Grupo de Trabalho para a Segurança da Comunidade Instituto da Droga e da Toxicodependência Instituto Nacional de Estatística Ministério da Administração Interna Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social Organização Mundial de Saúde Observatório do Tráfico de Seres Humanos Plano de Desenvolvimento Social Polícia Judiciária Plano Nacional de Acção para a Inclusão Polícia de Segurança Pública Serviço de Estrangeiros e Fronteiras Sistema de Segurança Interna Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais ix PREÂMBULO DA VERSÃO PORTUGUESA Modificar e conhecer o mundo: por uma relação simétrica A ciência sonha, de uma forma ou de outra, colaborar na produção política do mundo. A reflexão, em sentido lato, é sempre acção. Como disse Roger Bastide no seu famoso livro Antropologia Aplicada (1971): “A intervenção humana na realidade social é simultaneamente acção e ciência, visto que ela permite, ao mesmo tempo, modificar o mundo e, ao mudá-lo, conhecê-lo”. Hoje não é já possível imaginar a intervenção política sem algum garante da sua sustentabilidade no espaço e ao longo do tempo. As acções políticas, para terem efeitos sociais e, mais ainda, para se realizarem tendo em vista um alcance cultural maior, merecem cada vez mais enquadramento numa rede de conhecimentos plurais. Se num primeiro momento tais saberes são independentes, num segundo momento eles revelam-se inter dependentes e comunicantes. A informação por si só não basta; não é. Mas a ciência também deve ser pensada na sua íntima relação com o político. Não existem relações ingénuas ou “puras”. É preciso saber de que modo, em que momento e com que ferramentas a ciência ajuda a construir o mundo com a política. E aqui penso essencialmente na ciência social, ou melhor, no conjunto das disciplinas que reflectem o mundo, o social, a cultura e como as pessoas se movem no seu seio. Surge imediatamente uma questão: de que modo o conhecimento se traduz em intervenção, já que é possível tornar esta atitude consciente, sustentada e sistematizada? Temos muitos exemplos internacionais de como os cientistas sociais jogaram um papel determinante na investigação dirigida para as comunidades. Tal foi particularmente notório quando se tratou de convocar a ajuda destes especialistas para traçar policiamentos comunitários que modificaram a face das Polícias e a sua relação com diversas realidades locais um pouco por todo o mundo. Um guia das experiências internacionais foi produzido por Jerome Skolnick e David Bayley em Policiamento Comunitário (1988). Que desafios se colocaram às ciências sociais aplicadas às questões da segurança das comunidades? Três pontos merecem especial destaque: 1. O contributo maior prende-se com uma questão de perspectiva. Para estudar a base social de implementação, implicações e efeitos de políticas e policiamentos de proximidade há toda a vantagem em desenvolver abordagens científicas de aproximação. Neste sentido, a antropologia das sociedades contemporâneas tem uma experiência metodológica e, através dela, uma elaboração de resultados empíricos e teóricos ímpar. Esta centra-se na análise de processos sociais, no estudo da cultura enquanto processo activo e dinâmico e interessa-se pelos factores de mudança. A análise antropológica é mais sensível do que qualquer outra à experiência vivida das pessoas e, em simultâneo, abre perspectivas para estudos sobre as complexidades que compõem o social. Tal fica visível nos estudos que se baseiam nas intersecções entre biografias, histórias e sociedade. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais xi Porém, conhecer de dentro e de perto, por entre os interstícios sociais e relações interpessoais, não significa perder de vista o conjunto mais amplo das dinâmicas estruturantes que produzem as sociedades. Comunidade ou localidade são uma questão de escala, não de valor. A localidade não deve ser encarada como microcosmos da sociedade mais ampla; ela é desde logo sociedade, situada, fluida, com persistências e mudanças. Não é a comunidade como objecto de estudo que é valorizada (o seu recorte é artificial), mas sim a perspectiva aproximada. Como passar então ao ponto seguinte, de relação entre saber e políticas? 2. A palavra é mediação. Os antropólogos que olham para as sociedades actuais são particularmente sensíveis ao estudo de como o social se manifesta através da variação, contradição, conflito de normas, manipulação de regras, histórias com contexto e conjugação de múltiplas intencionalidades. Nenhuma sociedade, particularmente quando se define tendo por referência o sistema democrático, se ergue sem diferenciação e, até certo ponto, desordem. Já Georges Balandier, no erudito ensaio A Desordem. Elogio do Movimento (1988), escrevia que a ordem (apolínea) e a desordem (dionisíaca) existem em razão uma da outra; trazem nelas as duas. O movimento é sempre portador de incerteza. Pode discutir-se o limite destas abordagens do real e os efeitos do deslocamento da ênfase mais tradicional na morfologia, equilíbrio e sistemas sociais. É particularmente notório, sobretudo no legado da antropologia britânica, o desvio da atenção do “como a sociedade se mantém” para o “como a sociedade se transforma”. Todavia, é precisamente nesse âmbito de variação e de incerteza social e cultural que surge a necessidade de produzir “diagnósticos locais de segurança”. A ordem social não é um ponto de partida; mas alguma ideia de ordem comum e de gestão possível da desordem (do movimento) é um ponto de chegada. Neste âmbito, o cientista social pode ser encarado como um dos mais fundamentais elos de mediação entre diferentes ordens do social, com a sua contribuição para o conhecimento partilhado. Mediação é aqui entendida como uma atitude no sentido de aproximar, fazer dialogar ou conviver partes consideradas diferentes entre si mas que estão (ou se pretende que estejam) envolvidas num mesmo fenómeno, situação ou encontro. Trata-se de uma forma possível de ajuste de assimetrias presentes quando existem estruturas de poder que diferenciam. O seu trabalho de tradução, de reorganização de conteúdos e produção de inteligibilidade pode ser transversal e não apenas de cima para baixo ou de baixo para cima. E, finalmente, como agir politicamente? 3. A produção de ordens e de formas de coesão social implica necessariamente negociação entre os mais diversos actores sociais, de preferência envolvendo não só actividade como criatividade. Neste caso os actores são o Estado, as polícias, as instituições, organizações e associações locais, os cidadãos organizados e os mais diversos habitantes urbanos individualmente. O caminho que vai da ambição humanista e universalista do saber social antropológico à selectividade, parcialidade, “realismo” e contradições da política é tudo menos linear. Muitas pedras surgem necessariamente no caminho: na política como na ciência. Mas o caminho pode ser traçado com objectivos precisos. E um dos mais centrais é o de contribuir indelevelmente para uma humanização das cidades, espaços urbanos vividos e sustentáveis em termos de segurança. Voltemos por um instante às palavras de Roger Bastide que abriram esta curta reflexão. A proposição é interessante. O autor não fala em conhecer para mudar o mundo. O mundo é modificado e, enquanto isso, vai sendo conhecido. É inegável que a ciência muda sempre o objecto de estudo, não estuda apenas. Tal como anteriormente defendi, ela estuda não só a mudança social, mas também sociedades em mudança. E o poder político intervém, para isso foi criado. Mas deve conhecer aquilo em que actua enquanto actua. E não esqueçamos em momento algum que ciência e política são parte integrante desse conhecimento. Lisboa, 6 de Julho de 2009 xii INTRODUÇÃO À EDIÇÃO PORTUGUESA O primeiro contacto que tivemos com a obra que a DGAI agora publica em língua Portuguesa ocorreu em Bruxelas, em Março de 2008, no contexto do Colóquio Internacional Local Safety Audit, organizado pelo Fórum Europeu de Segurança Urbana (FESU). Nessa mesma ocasião, a excelente apresentação do Dr. Sohail Husain, primeiro autor do trabalho que fora encomendado à Analytica Consulting Service (empresa privada de consultoria) pelo FESU, e financiado pelo Centro Nacional de Prevenção do Crime, do Ministério do Interior do Canada, pôs em evidência uma questão que marcaria os dois dias do Colóquio. Muito mais do que um problema de semântica, o tomar partido pelo conceito de auditoria ou pelo conceito de diagnóstico demonstrou a existência, na sala, de duas culturas sócio-técnicas parcialmente diferentes. De um lado, os que defendiam o título original, Guidance on Local Safety Audits – A Compendium of International Practice, alinhados pela perspectiva do autor, e que se encontra clarificada na seguinte afirmação: «A safety audit needs to examine not just crime and victimisation, but their linkages with socio-economic factors and existing services, as well as the wider political and institutional context in which problems occur. The potential benefits of safety audits are increasingly being recognised and their use has become widespread» (retirado da Introdução, p.1). Ou seja, as auditorias revelam-se como um instrumento de análise social abrangente, fortemente contextual, que considera também os factores políticos e institucionais que influenciam esse mesmo contexto. Do outro lado, aqueles que estranharam o termo audit, sobretudo associado ao tema da segurança pública, e que propunham a sua substituição pelo termo diagnostic, por entenderem que a proposta apresentada reflectia bem a (já conhecida) prática do diagnóstico. Ora, em português, auditoria significa o exame cuidadoso, sistemático e independente das actividades desenvolvidas em determinada organização ou sector de actividade, e cujo objectivo é averiguar se elas estão de acordo com as disposições estabelecidas previamente, se foram implementadas com eficácia e se estão em conformidade à consecução dos objectivos. Tratando-se de exame analítico, o termo é empregue, sobretudo, nos sectores da actividade contabilística, financeira e fiscal, remetendo para algo de natureza pericial. Já o termo diagnóstico, bastante mais comum entre nós, relativamente bem assimilado pelas ciências sociais, remete para o conhecimento de algo pela observação dos elementos que o compõem, e articula-se bem com outra gama de conceitos ligados à prescrição de soluções, de remédios, de soluções para os problemas diagnosticados. Admitimos que o facto do termo auditoria estar ainda ligado a uma dimensão normativa, e por isso mesmo auditor ser sinónimo de ouvidor (magistrado especial do quadro de certas repartições públicas), desaconselha a sua utilização no quadro da prática de diagnosis que esta obra sistematiza. Em rigor, os próprios autores usam abundantemente os termos diagnostic e diagnosis quando se referem ao trabalho realizado, levando a encará-los como sinónimos. E não é menos verdade que a ligação do termo diagnóstico à dimensão de observação, clínica, de uma situação ou quadro problemático (eventualmente patológico ou disfuncional) faz de imediato apelar à resolução do problema, à sua erradicação, e sobretudo à sua prevenção. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais xiii Assim, auditar para avaliar e diagnosticar para intervir com remédios poderia sintetizar o que pareceu ser uma antinomia entre os peritos presentes. De um lado, o conhecimento dos processos instalados e omissos; do outro, a identificação dos problemas. Ainda que divididos, por se entender que auditar e diagnosticar são ambas acções relevantes no processo de conhecimento do estado da segurança dos cidadãos e da sua produção, viemos a optar pelo título Diagnósticos Locais de Segurança, apesar de defendermos que a dimensão avaliativa sobre as práticas não deve ficar ausente. Uma opção que não foi seguida noutras traduções já disponíveis1, mas que arriscamos considerar menos polémica e mais próxima do que nesta obra se pretende relevar. A publicação do Manual de Diagnósticos Locais de Segurança. Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais, não poderia ser mais oportuna, numa fase do desenvolvimento do sistema de segurança interna Português (alterado pela Lei nº 53/2008, de 29 de Agosto), acompanhada de uma progressiva discussão pública sobre a governança deste sistema e marcada, também, pela abertura a novas formas de gestão e contratualização da segurança dos cidadãos, das quais faz parte uma nova geração de instrumentos de política de segurança, os Contratos Locais de Segurança (CLS)2. Em Agosto de 2008 foi assinado um acordo entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios, acolhendo um modelo de referência para o estabelecimento dos CLS, tendo sido assinados, desde então, 29 contratos (até Julho de 20093). Antevê-se que as experiências e ensinamentos reunidos neste compêndio poderão ser de extrema actualidade e pertinência para a consolidação e avaliação desses contratos. E atrevemo-nos a pensar que a sua leitura poderá ajudar a tomar uma decisão mais fundamentada pela adesão à contratualização local. Com efeito, a metodologia de diagnóstico local de segurança apresentada e amplamente exemplificada com inúmeras e oportuníssimas alusões a práticas internacionais, põe em evidência a relevância da cooperação multi lateral no domínio da prevenção da segurança à escala das comunidades, tratem-se de grandes urbes ou de pequenos aglomerados humanos. Fica claro para o leitor que o diagnóstico, enquanto prática de análise, preparatório da acção, é um processo interactivo e iterativo, que conduz ao ideal-tipo da comunidade, no sentido que lhe foi atribuído pelo pensamento sociológico clássico (captado nos trabalhos de Ferdinand Tönnies, Émile Durkheim, Georg Simmel, entre muitos outros). É também evidente a incorporação no modelo teórico e nas práticas recomendadas de um conjunto de axiomas que são hoje caros à sociedade portuguesa. Referimo-nos a valores fundamentais no quadro democrático em que vivemos (profissionalismo4, civismo5, transparência6, subsidiariedade7), destacando 1 2 3 4 5 6 7 xiv Na versão em castelhano o título é Auditorías locales de seguridad, e na versão Francesa Guide sur les audits locaux de sécurité. Não será abusivo afirmar-se que o Contrato de Cidade para o Porto, firmado em Novembro de 1996, que constituiu um instrumento (tanto quanto julgamos saber, inédito) de parceria operacional para a prevenção e reforço da segurança urbana nessa cidade, poderá ser entendido como um antepassado não muito distante desta nova geração de instrumentos de política de segurança. Coetâneas desse contrato são as parcerias criadas para desenvolver alguns dos programas de policiamento de proximidade que surgiram na segunda metade da década de 90, destacando-se o Programa Escola Segura, Apoio 65 – Idosos em Segurança, Comércio Seguro, Viver a Serra em Segurança, Verão Seguro. Loures, Porto, Viseu, Cuba, Cabeceiras de Basto, Albufeira, Alcoutim, Aljezur, Castro Marim, Faro, Lagoa, Lagos, Loulé, Monchique, Olhão, Portimão, São Brás de Alportel, Silves, Tavira, Vila do Bispo, Vila Real de Santo António, Alandroal, Borba, Estremoz, Évora, Mourão, Redondo, Reguengos de Monsaraz e Portel. O profissionalismo é aqui entendido como a redignificação do exercício da função e do estatuto social dos actores sociais investidos. Entendido como forma de estar em sociedade, pautada pelo respeito do que é diferente, pela religião, cor, sexo, origem ou por qualquer outra forma de diferenciação social. A convivência cívica equivale a expressar, por actos ou opiniões, este respeito pela diferença. Defende-se, assim, uma concepção não passiva do que se considera civismo. Entende-se, até, como necessário contrariar a degradação da convivência cívica, cujos factores se consideram agravados na sociedade portuguesa, sendo necessário desautorizar e combater os fenómenos de intolerância e de agressão do que é diferente. A qualidade da convivência cívica exige, em resumo, o respeito pela lei e o sentido de dever. A transparência é entendida como uma praxis organizacional que favorece o acompanhamento realizado pelos institutos da democracia e pela sociedade civil, da actividade desenvolvida pelas organizações, públicas ou privadas, em prol dos cidadãos e da comunidade em que se integram. O princípio de subsidiariedade é definido no artigo 5.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia e pretende assegurar uma tomada de decisões tão próxima quanto possível do cidadão, mediante a verificação constante de que a acção a empreender a nível comunitário se justifica relativamente às possibilidades oferecidas pelo nível nacional, regional ou local. Concretamente, trata-se de um princípio segundo o qual a União só deve actuar quando a sua acção seja mais eficaz do que uma acção desenvolvida a nível nacional, regional ou local - excepto quando se trate de domínios da sua competência exclusiva. Este princípio está intimamente relacionado com os princípios da proporcionalidade e da necessidade, que supõem que a acção da União não deve exceder aquilo que seja necessário para alcançar os objectivos do Tratado. ainda o da proximidade8, entendendo-a como acção orientada quer para os problemas concretos das populações9, quer para a subjectivação que estas fazem desses mesmos problemas. Há que dar expressão à Declaração de Saragoça (ver Anexo D deste Manual) no que se refere à relação indivisível entre segurança urbana e democracia. A disseminação do conceito de proximidade, que podemos entender como um ancoradouro para a contratualização local de segurança foi, nesta última década e meia, sujeito a uma espécie de teste de resistência. Ganhou adeptos e proliferou noutros sub sistemas públicos (claramente na Saúde, na Educação, mas em geral por toda a Administração Pública), enfrentou a crítica fácil da despersonalização – baseada na falsa antinomia entre proximidade e eficácia policial, entre o soft e o hard, numa espécie de difamação semântica – mas sobreviveu e foi consagrado. A invocação destes axiomas põe em relevo dois aspectos fundamentais e paradoxais da nossa vida colectiva: por um lado, a necessidade de descontinuar as práticas institucionais e funcionais avoengas, auto-centradas, não comunicantes, que perduraram por demasiado tempo entre nós, e das quais vamos, infelizmente, mas sem surpresas, observando algumas reminiscências; por outro lado, uma sociedade favorável à mudança e à inovação, requisitos de uma transformação sustentável. Mas como nada deve ser tomado por definitivo, nem é recomendável uma adesão acrítica à inovação, torna-se imperativo que mantenhamos uma monitorização eficaz sobre o alcance estratégico dos processos que visam concertar respostas públicas, ou público-privadas, aos problemas que afectam, em graus e qualidades diferentes, a tranquilidade e a segurança das populações. Talvez um dos mais relevantes ganhos estratégicos a escrutinar no diagnóstico local de segurança que conduz à formulação de respostas, consista na reconstituição de uma certa ideia de fazer sociedade, isto é, da nossa capacidade de constituir grupos, definidos como unidades de actividades (sociabilidade), da nossa capacidade para estabelecer redes que suportam a transmissão dos interesses, dos gostos, das opiniões dessas unidades de actividades (sociabilidade), e da nossa capacidade de manter a coesão dos grupos e das redes criadas (socialidade). Em rigor, trata-se de uma combinatória solidária (solidariedade) que pode ter um elevado potencial para intervenções reconstitutivas dos tecidos sociais existentes. Não será a panaceia para todas as nossas maleitas, mas poderá ser uma solução colaborativa com grande interesse. Neste sentido, podem identificar-se, entre outros, dois grandes desafios para os quais deveremos estar preparados: O primeiro decorre, como bem chamou a atenção Louise Casey em Engaging Communities in Fighting Crime, publicado em 2008, da necessidade de uma parceria depender da confiança que temos que depositar nas instituições que suportam estes diagnósticos, e sabemos que essa confiança é na sociedade portuguesa contemporânea um factor crítico. O segundo desafio corresponde a saber fazer bem estes processos de produção de conhecimento orientado para a acção, para que a decisão que a precede seja a mais bem fundamentada possível. Eis, pois, a razão de ser do texto que a DGAI entendeu disponibilizar aos leitores, cabendo uma palavra de agradecimento ao FESU pela respectiva autorização. Lisboa, 8 de Julho de 2009 8 9 Aplicado ao policiamento (policiamento de proximidade), corresponde ao desenvolvimento da actividade policial tão perto quanto possível dos seus destinatários. Trata-se de assegurar a visibilidade das forças de segurança e a sua efectiva acção para combater os factores de insegurança tal como são realmente vividos pelas populações locais. Esta polícia de proximidade diz respeito não apenas à visibilidade das forças de segurança, mas também à sua capacidade de inserção na vida das comunidades, apoiada no conhecimento e no diálogo com os cidadãos e com as entidades que os representam, o que requererá um aumento da qualidade da acção policial para o qual se torna da maior importância a estreita colaboração com os municípios, sempre fortemente interessados em dotar as forças de segurança que operam no seu território de instalações condignas e operacionais. O conceito de polícia de proximidade assume, deste modo, uma dimensão cívica, profissional e política, na assunção de que o reforço da presença e da visibilidade, a qualidade e a exemplaridade da actuação, a melhoria do relacionamento com os cidadãos, uma formação onde os valores cívicos e éticos vão acompanhando o aperfeiçoamento técnico, sublinham a configuração duma nova forma de acção policial. A orientação para os problemas consiste na estruturação das políticas institucionais em função dos problemas que se apresentam aos cidadãos, com ênfase na procura de soluções. O oposto duma política institucional orientada para os problemas é o de uma política institucional orientada para a mera manutenção e justificação das suas próprias características tradicionais, com o objectivo duma simples perpetuação institucional enquanto estruturas organizadas de distribuição de cargos e de poderes estatutários. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais xv DOS DIAGNÓSTICOS AOS CONTRATOS LOCAIS DE SEGURANÇA O Governo desenvolveu, ao longo da legislatura, um programa de segurança integrada e comunitária que privilegia o policiamento de proximidade orientado para a protecção de vítimas especialmente indefesas – como as crianças, as pessoas idosas e as vítimas de maus tratos e de violência doméstica – e para o controlo de fontes de perigo (designadamente, a detecção e apreensão de armas ilegais). Este programa compreende a coordenação e o aprofundamento do policiamento de proximidade (projectando os Planos Integrados de Policiamento de Proximidade e incluindo, entre outros, o Escola Segura, o Idosos em Segurança e o Táxi Seguro) e o desenvolvimento de programas de videovigilância e de geo-referenciação. Constitui vector essencial da nossa política a celebração de parcerias entre o Ministério da Administração Interna e as autarquias. Tais parcerias concretizam-se na celebração de protocolos referentes à construção de esquadras e quartéis para Forças de Segurança e Bombeiros e, sobretudo, nos Contratos Locais de Segurança. Estes contratos correspondem a um acordo para a cooperação na área da prevenção e repressão da criminalidade, visando condutas atentatórias da segurança das populações e da integridade de pessoas e bens. Correspondem, assim, à materialização de um conceito alargado de segurança, que se exprime no policiamento de proximidade, apostando no reforço da presença e da visibilidade policial. No seguimento do Protocolo assinado entre o Ministério da Administração Interna e a Associação Nacional de Municípios Portugueses, a 13 de Agosto de 2008, já foram celebrados 29 Contratos Locais de Segurança com autarquias de 7 distritos: Porto, Lisboa, Évora, Faro, Viseu, Braga e Beja. Os contratos foram subscritos pelos governadores civis destes distritos e pelos presidentes das câmaras municipais do Porto, Loures, Alandroal, Borba, Estremoz, Évora, Mourão, Portel, Redondo, Reguengos de Monsaraz, Albufeira, Alcoutim, Aljezur, Castro Marim, Faro, Lagoa, Lagos, Loulé, Monchique, Olhão, Portimão, São Brás de Alportel, Silves, Tavira, Vila do Bispo, Vila Real de Santo António, Viseu, Cabeceiras de Basto e Cuba. A realização de diagnósticos locais de segurança – de que trata esta oportuna publicação da Direcção Geral da Administração Interna, que nos dá conta das normas e práticas internacionais – tem como objectivo permitir ao Ministério da Administração Interna, às forças e aos serviços de segurança e às autarquias – bem como a outras entidades, públicas e privadas, que possam contribuir para o reforço da segurança –, adaptar as suas acções à realidade local. Após a elaboração do Diagnóstico, é formulado um Plano de Acção, com medidas concretas e calendarizadas, para fazer frente aos fenómenos criminais e a todos os desafios que se colocam no âmbito da segurança – incluindo a protecção civil e a segurança rodoviária. Lisboa, 7 de Setembro de 2009 Rui Pereira (Ministro da Administração Interna) Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais xvii Introdução Introdução “É melhor prevenir que remediar”. Este provérbio aplica-se a doenças, acidentes e causas naturais. E também se aplica ao crime. Na realidade, agir para prevenir a ocorrência de ofensas e agressões é, em termos financeiros, a maneira mais eficaz para criar comunidades mais seguras. Juntamente com o Sistema de Justiça Criminal, tribunais e organismos de execução das penas, deve ser esta a componente chave para dar resposta a estes problemas. A prevenção do crime será mais bem sucedida quanto mais integrar uma estratégia e incluir processos fortemente apoiados por líderes que tenham responsabilidades na segurança da comunidade. Uma visão clara do crime e da vitimização é a base para a construção de actividades que reduzam o crime e aumentem a segurança individual e colectiva. O diagnóstico local de segurança é a ferramenta necessária para adquirir conhecimentos e criar compromissos por parte de um necessário vasto leque de parceiros com o objectivo de atingir resultados significativos ou desejados. Este manual tem como objectivo explicar como utilizar esta ferramenta e incentivar a sua utilização àqueles que têm um papel significativo na prevenção criminal, que desenvolvem e executam acções ou programas que contribuem para a diminuição da criminalidade. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 1 Esta ferramenta tem diferentes denominações consoantes os países (perfil criminal, exame ambiental10, diagnóstico de segurança11), de acordo com o seu perfil criminal e características envolventes, sociais e territoriais. Contudo, o uso do termo diagnóstico local de segurança12 (DLS) é mais simples e é por isso aplicado neste manual. O DLS deve examinar não só crime e vitimização, mas também as ligações com serviços e factores sócio-económicos, assim como a contextualização político-institucional, na qual os problemas ocorrem. As vantagens dos DLS têm sido alvo de um crescente reconhecimento internacional e a sua utilização é cada vez maior13. Podendo ser utilizado com escalas espaciais muito diferentes, o objectivo principal deste manual é apoiar o trabalho a nível das aglomerações urbanas (cidades e grandes vilas)14. Reconhecendo a existência de problemas, contextos, recursos, experiências e níveis de conhecimento que variam de país para país, a necessidade básica de juntar pessoas e informação que possam compreender e ajudar a orientar uma estratégia local é universalmente relevante. É esta necessidade global que será aqui abordada. Recorrendo a estudos de caso em vários países baseados em experiências diferentes, demonstra-se a aplicabilidade do conceito e sua capacidade de adaptação a locais cuja variação demográfica, nível de desenvolvimento e regime de governação se diferenciam significativamente. Este manual foi concebido para um público internacional. Como tal, e dada a sua diversidade, não se podem propor formas de actuação detalhadas para cada país. Por isso, as generalizações sobre as formas mais apropriadas para conseguir os objectivos são inevitáveis. Daí que incentivemos adaptações desta ferramenta aos diferentes con- 10 11 12 13 14 15 2 textos nacionais, para que se construam as ferramentas próprias, no sentido de se identificarem fontes de recursos específicas para a implementação dos DLS. No momento da publicação deste manual15 já existiam intenções, por parte de representantes de outros países, para o fazer, e esperamos que outros países lhe sigam o exemplo. O documento está dividido em três partes. A Parte A é direccionada principalmente aos líderes políticos e legisladores nacionais, bem como aos responsáveis pela prevenção criminal a nível autárquico. Salienta a interligação existente entre estes DLS e os factores sociais, económicos e ambientais, tais como desenvolvimento sustentado, inclusão social e uma efectiva governação urbana. Procura ilustrar-se a importância do DLS na redução do crime e dos factores de risco a ele associados, com a antecipação de acções planeadas e executadas com sucesso. Identificam-se, ainda, as entidades que devem estar envolvidas neste processo, assim como as competências necessárias para realizá-lo. A génese da actividade do DLS, os princípios de boa prática e as Quatro Principais Fases da sua implementação são também desenvolvidas. As Partes B e C são principalmente destinadas aos grupos responsáveis pela supervisão do processo de DLS. A Parte B debruça-se sobre assuntos específicos e relevantes, que devido à sua complexidade, são mais complexos de investigar, sendo por isso mais exigentes, como são os casos das crianças e jovens em risco, do abuso e protecção das mulheres vítimas de violência, do abuso de drogas, do tráfico de seres humanos e da criminalidade relacionada com o comércio ilegal. No original, environmental scan. No original, security diagnosis. No original, audit. Sugere-se a leitura da introdução à edição portuguesa, página xiii. Em Inglaterra e no País de Gales são realizadas periodicamente análises sobre a criminalidade, por cada área de jurisdição. Estes relatórios são exigidos por lei e têm como objectivo fornecer informação no sentido de orientar as estratégias de prevenção criminal. No México é exigido um plano de segurança pública baseado num diagnóstico nacional, regional e municipal. Existem outros exemplos que utilizam esta ferramenta em África, América Latina, Austrália, Ásia e América do Norte. Alguns países europeus pressionam as autarquias para a realização de diagnósticos locais, havendo também situações em que se trata de um requisito para obter verbas governamentais. Por uma questão de simplificação, e procurando interpretar o alcance que os autores quiseram dar a este manual, a versão portuguesa utilizará o termo comunidade para designar as aglomerações humanas às quais este documento se destina, independentemente do seu estatuto político-administrativo. O termo comunidade designará, indiferenciadamente, uma cidade, uma vila, uma freguesia ou uma grande unidade de vizinhança (bairro) para a qual se desenvolva um DLS. Ver ainda a Secção 5.2. deste manual. Na versão original, os autores referem-se a 2008. A Parte C é mais técnica, e por isso direccionada aos técnicos e aos responsáveis pelos processos de DLS. Esta parte enfatiza a importância de associar os dados qualitativos aos quantitativos, com o objectivo de compreender os problemas e as causas das problemáticas sociais identificadas. É também dada uma orientação no sentido de se utilizar e maximizar o uso de ferramentas e técnicas de recolha de informação. São abordados e examinados os pontos fortes e fracos de diferentes fontes secundárias, e aconselhada a melhor forma de abordar a realidade através de inquéritos. Os DLS vão-se tornando mais úteis à medida que a sua frequência for aumentando, gerando gradualmente um aperfeiçoamento na construção deste processo. Este manual não é, por isso, uma versão final. Deve ser entendido como um documento técnico em reestruturação. Quaisquer sugestões, comentários ou melhoramentos são bem-vindos para se poder proceder à sua futura actualização. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 3 PARTE A: DIAGNÓSTICO DE SEGURANÇA 1 Diagnóstico Local de Segurança em Contexto Alargado 1.1. Desenvolvimento sustentado e inclusão social V iver sem violência, crime, intimidação e medo é um direito básico inscrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos e é um pré-requisito fundamental para um normal desenvolvimento dos seres humanos16. Este direito17 não é só importante para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos; ele é importante por si só e por isso fundamental para um desenvolvimento sustentável das cidades e dos países. A segurança contribui para a criação de um ambiente sustentável, permitindo o crescimento económico, a existência de uma eficaz prestação de serviços e, concomitantemente, para uma redução da pobreza e da exclusão social. Isto aplica-se igualmente a países desenvolvidos e subdesenvolvidos, permitindo desta forma atingir os objectivos propostos para os Objectivos de Desenvolvimento do Millenium18. 16 17 18 19 6 A Segurança é um Requisito para o Desenvolvimento “As populações pobres precisam tanto de se sentir seguras como precisam de alimentos, de água potável e de trabalho para obterem rendimento. Sem segurança não existe desenvolvimento. Os agricultores não conseguem trabalhar se temem pelas suas terras, animais e famílias. As crianças e adolescentes, nomeadamente do sexo feminino, com medo de serem atacadas durante o percurso que têm de fazer para a escola, preferem não arriscar, perdendo o acesso à educação. Não há interesses de investimento se houver insegurança, confrontos ou onde a lei e o estado de Direito não sejam mantidos”. Livro Branco do Governo Inglês sobre a Erradicação da Pobreza Mundial (2006)19 É verdade que toda a violência é uma negação dos Direitos Humanos, mas nem toda a violência é punida por lei, ou definida como crime a nível legislativo, existindo uma enorme quantidade de actos de violência que não são reportados ou registados pelos órgãos de polícia criminal. Com o objectivo de esclarecer qualquer dúvida sobre o significado do conceito, ambos as situações são mencionadas neste manual. Em Portugal este direito é merecedor de tutela jurídica, estando plasmado na Constituição Portuguesa, art. 27º, na parte dos Direitos e Deveres Fundamentais. Para mais informações consultar o Millennium Development Goals da ONU, em www.un.org/millenniumgoals.com. Departamento de Desenvolvimento Internacional (UK). Erradicando a Pobreza Mundial. Fazer o Governo trabalhar para os pobres. London: DFID, 2006, em www.dfid.org.uk/wp2006.com. Existem ainda alguns países onde uma parte da população não é afectada por este sentimento de medo resultante de situações de vitimização ou ansiedade em contexto de violência, ou onde a insegurança e corrupção não inibem o investimento ou o crescimento. As consequências sociais e económicas são muito significativas, sendo os grupos sociais mais desfavorecidos ou os mais vulneráveis (mulheres, crianças, idosos) os que mais sofrem com este impacte. Além dos danos directos para a saúde pública podem observar-se outras consequências negativas que restringem o acesso a determinados serviços como à educação, à protecção social; ou às formas de sair da situação de pobreza, incentivando os indivíduos a fazer justiça pela próprias mãos. Estima-se que em alguns países desenvolvidos a criminalidade atinja os 5% do produto nacional bruto (PNB), enquanto nos países em desenvolvimento esta percentagem sobe para os 14%20. A relação directa entre a segurança e o desenvolvimento significa que controlar o crime e criar ambientes mais seguros tem múltiplos benefícios, especialmente para as populações mais empobrecidas. Consequentemente, deve ser uma prioridade governamental a todos os níveis, incluindo os responsáveis judiciais e autárquicos (do planeamento e gestão urbanística), bem como de um vasto leque de serviços sociais e económicos. De facto, a segurança dos indivíduos e do seu meio envolvente é uma das normas fundamentais da ONU na sua Campanha Ambiental de Governação e Planeamento Urbano. É visto como fundamental para a criação de comunidades inclusivas onde “todos, independentemente da sua riqueza, género, idade, etnia ou religião, podem participar activamente e de forma positiva nas oportunidades que o município tem para oferecer”21. Os DLS contribuem para a execução deste objectivo. 1.2. Criar comunidades mais seguras, fortes e saudáveis H istoricamente as formas de combate ao crime, na maioria dos países, resumem-se ao policiamento, ao recurso a empresas de segurança e ao sistema de justiça criminal. Estes, sendo componentes-chave de qualquer estratégia, independentemen- 20 21 te da sua importância, são sistemas que implicam um significativo investimento financeiro. Porém, na maioria das vezes não analisam as motivações que impelem os indivíduos a delinquir, criando a possibilidade da existência de comportamentos discriminativos em relação aos pobres e aos mais vulneráveis. Por este motivo, há muito a ganhar na aplicação de estratégias que dão prioridade à prevenção. Prevenir implica reduzir o risco da ocorrência do crime e as suas consequências, incluindo o medo, através de intervenções que actuem na base destas condições, isto é, nos factores de risco associados às ocorrências. O Campo de Acção da Prevenção Criminal 1 (Prevenir através do desenvolvimento social ou prevenção criminal social). Promover o bem-estar das populações e encorajar o seu comportamento de integração social, através de medidas sociais, económicas, de saúde e educacionais, com particular atenção para as populações mais jovens e para as crianças, enfatizando os factores de risco e de protecção associados ao crime e às suas vítimas. 2 (Prevenção criminal local) Baseando-se em iniciativas, experiências, competências e empenho dos membros da comunidade, tem por objectivo mudar as condições nos bairros que influenciam a prática de actividades anti-sociais ou criminais, a vitimização e a insegurança, que constituem grande parte da criminalidade. 3 (Prevenção criminal situacional) Reduzir as oportunidades de crime, aumentar as probabilidades de apreensão, minimizar os benefícios provenientes da actividade criminosa, incluindo a planificação urbana, providenciar apoio às vítimas e disseminar informação às potenciais vítimas. 4 (Programas de ressocialização) Impedir a reincidência através de programas de ressocialização dos delinquentes e de outros mecanismos de prevenção. Orientações da ONU para a prevenção do crime (2002) Sansfaçon D y B Welsh. Crime Prevention Digest II. Comparative analysis of success community safety. Montreal: IPC, 1999, em www.crime-prevention-intl.org/publications/pub_13_1.pdf. ONU Habitat “The global campaign on urban governance. Nairobi: ONU Habitat”, em http://unhabitat.org/pmss/getPage.asp?page= bookView&book=1537. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 7 A Necessidade de Uma Abordagem Multi-Organizacional “Na estratégia a delinear, para dar resposta à violência, muitos departamentos e instituições devem estar envolvidos, e os programas devem ser estruturados para que se adequem, na perfeição, a diferentes culturas e populações.” WHO World Report on Violence and Health (2002)22 A nossa compreensão sobre prevenção do crime e das suas vítimas tem evoluído muito nos últimos anos. A tomada de consciência do problema pelos municípios é crucial, e o sucesso depende da coordenação do envolvimento de instituições públicas e privadas de diferentes sectores, da sociedade civil23 e das comunidades locais. Os prestadores de serviços das diferentes áreas, tais como, saúde, educação, habitação, transportes e urbanismo, assim como o trabalho realizado pelos grupos de apoio, organizações religiosas, ONG, empresas, todos têm uma contribuição fundamental neste processo. Assim, a participação das mulheres, jovens e minorias, tal como a criação de compromissos políticos, são aspectos essenciais para que o processo de prevenção seja eficaz. Uma prevenção bem sucedida do crime, do medo e da violência, pode ter múltiplos benefícios, criando comunidades mais seguras, mais saudáveis e mais fortes, gerando mais e melhores capacidades para dar contributos positivos à sociedade. Pode ainda ajudar inúmeros organismos a alcançar os seus objectivos. A saúde pública, por exemplo, pode beneficiar através da redução das taxas de mortalidade, de uma melhoria na saúde em geral e da redução dos custos. As escolas podem beneficiar de uma maior assiduidade, de melhores resultados por parte dos seus 22 23 24 8 alunos, e consequentemente, o serviço social constatará que menos crianças irão necessitar de apoio. Estas situações demonstram a importância dos incentivos à participação das organizações no processo de prevenção. 1.3. Orientações da ONU para a prevenção do crime As orientações da ONU, em 2002, para a prevenção do crime (ver Anexo B deste manual) incentivam e aconselham abordagens de âmbito preventivo24, baseando-se em oito princípios básicos, que passamos a enumerar: n Liderança governamental. Todos os níveis de governação devem assumir um papel de liderança nDesenvolvimento sócio-económico e inclusão. Os aspectos da prevenção do crime devem fazer parte de todos os programas e politicas sociais, no que respeita à área social, da saúde e da economia n Cooperação e parcerias. As parcerias devem ser uma parte integrante da prevenção efectiva do crime n Sustentabilidade / Responsabilidade. A prevenção do crime requer recursos adequados, sustentados e direccionados para uma clara responsabilidade na obtenção de financiamento e obtenção de resultados nBase de conhecimentos. As estratégias, os programas, as políticas e as actividades constituintes da prevenção do crime devem ser baseados em conhecimentos multidisciplinares vastos Krug E G, Dahlberg L L, Mercy J A, Zwi A B e Lozano L (eds), Relatório mundial sobre violência e saúde. Geneva WHO, 2002. www.who.int/violence_injury_prevention/violence/world_report/en/full_en.pdf. A sociedade civil tem sido definida como “a rede de associações, normas e práticas sociais que englobam as actividades da sociedade que nada têm a ver com o Estado e as instituições de mercado. Uma sociedade civil saudável e poderosa requer bases organizacionais que reflictam a diversidade social. Requer também uma interacção construtiva e aberta entre as organizações da sociedade civil, as estatais e as de mercado. A sociedade civil engloba organizações religiosas, fundações, associações profissionais, cooperações, sindicatos, instituições académicas, media, grupos de imprensa e partidos políticos.” Ver World Bank. Glossário de termos técnicos, em http://Web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/TOPICS/EXTSOCIALDEVELOPMENT/EXTSOCIALANALYSIS/0,,contentMDK:20 503079~menuPK:1231003~pagePK:148956~piPK:216618~theSitePK:281314,00.html. Conselho Social e Económico da ONU. Acções para promover uma efectiva prevenção do crime: Guidelines para a prevenção do crime. ONU ECOSOC, 24 de Julho de 2002. Reproduzida online no apêndice A, em www.un.org/docs/ecosoc/documents/2002/resolutions/ eres2002-13.pdf. nDireitos Humanos / Regras legais / Cultura da legalidade. O cumprimento da lei e os direitos humanos internacionalmente reconhecidos devem ser respeitados nInterdependência. Os diagnósticos e as estratégias nacionais de prevenção do crime devem ser contextualizados com os problemas da criminalidade local e com o crime organizado internacional nDiferenciação. As estratégias de prevenção devem distinguir as necessidades especiais dos homens e das mulheres, assim como dos membros mais vulneráveis da sociedade.. As recomendações da ONU reconhecem a importância de uma abordagem que se baseie nos conhecimentos e na racionalidade: “As estratégias, as políticas e as actividades da prevenção criminal devem ser baseadas num vasto e interdisciplinar conhecimento dos problemas inerentes ao crime, nas suas múltiplas causas e nas práticas mais promissoras e comprovadas”. Estas condições enfatizam a importância de ter bases estruturadas e planeadas, de reforçar as competências profissionais e de desenvolver respostas estratégicas baseadas num plano rigoroso. As orientações justificam claramente a necessidade de “uma análise sistémica dos problemas criminais, as suas causas, os seus factores de risco e as respectivas consequências, em particular numa escala local” como parte do processo. O objectivo do DLS é fornecer esta forma de análise. A sua utilização como ferramenta de desenvolvimento das estratégias de prevenção tem sido reconhecida internacionalmente por instituições como o Banco Mundial, União Europeia, Departamento de Drogas e Crime da ONU, ONU-Habitat, Organização Mundial de Saúde, Centro Internacional de Prevenção do Crime e o Fórum Europeu para a Segurança Urbana. e duradouros, bem como permitir a utilização eficaz dos escassos recursos existentes25. Para tal é necessário começar com a mobilização dos stakeholders26, cujo apoio é determinante para alcançar resultados. Os DLS têm, também, um papel importante na formação dos seus parceiros, criando um entendimento partilhado sobre os problemas da comunidade e as suas respostas reais, fortalecendo assim a sua resolução, visando um objectivo comum. As conclusões do DLS servem para desenvolver uma linha estratégica, tendo em conta objectivos claros e indicações específicas para a resolução dos problemas prioritários. É neste sentido que as medidas para alcançar as transformações desejadas permitem a sua implementação. Durante o processo, a revisão e validação dos dados devem assegurar que qualquer alteração futura deve assentar em experiências prévias. O processo deve ser de inclusão e participativo, não só para assegurar que os interesses relevantes são considerados correctamente, mas também para que a comunidade beneficie do envolvimento dos stakeholders e da comunidade (Ver Secção 5). Deve reconhecer-se que se trata de um processo evolutivo. O DLS e a estratégia necessitam ser periodicamente adaptados e refeitos, uma vez que, nas comunidades locais, as problemáticas e as prioridades se encontram em constante transformação (Esquema 1). Esquema 1 O processo da prevenção do crime Mobilização DLS 1.4. O DLS como parte do processo preventivo A ssim como em qualquer área do planeamento social, uma abordagem estratégica é a melhor forma de alcançar os resultados desejados 25 26 Inclusão � Participação � Avaliação � Revisão Acção Estratégias Uma abordagem estratégica envolve a preparação de um plano a longo prazo baseado numa análise da situação, influenciada pelos diferentes valores e perspectivas e direccionada para a concretização de um objectivo comum. Um stakeholder (parte interessada) é um indivíduo, comunidade, grupo ou organização com interesse no resultado de uma actividade, quer este seja negativo ou positivo para a actividade ou para si mesmo. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 9 1.5 Desenvolvendo uma estratégia: quem deve ser envolvido?27 S endo o DLS uma parte integrante do processo de desenvolvimento da estratégia de prevenção de uma comunidade, ele deve ser da inteira responsabilidade da equipa que lidera o processo. Um requisito básico inerente a esta equipa, aqui denominada de Grupo de Trabalho para a Segurança da Comunidade28 (GTSC), é o facto de incluir indivíduos que tenham autoridade e capacidade na área da prevenção criminal, permitindo-lhes acordar numa estratégia e levar a cabo a sua planificação e implementação. Entre os seus membros devem estar individualidades do sector público de maior destaque, tais como o presidente da Câmara, membros de outros órgãos do poder local, e comandantes das forças de segurança. Haverá muitos stakeholders com interesses na estratégia e que terão a oportunidade de dar válidas contribuições para o seu desenvolvimento e implementação: representantes de grupos étnicos, minorias constituídas por imigrantes, organizações femininas, grupos de jovens, grupos que partilham a mesma religião, grupos que se identificam pelo sector de actividade e grupos universitários. Em qualquer comunidade existirá um significativo conjunto de organizações que quererá ser participante no processo. A importância do sector privado, como agente social e de desenvolvimento comunitário, também não deverá ignorada. Mas para que haja uma governação eficaz, a equipa não deverá ter mais de 10 a 15 stakeholders para evitar o risco de prejudicar o normal funcionamento inerente ao trabalho do Grupo de Trabalho para a Segurança da Comunidade. Esquema 2 Grupo de Trabalho para Segurança da Comunidade (GTSC) Os serviços públicos-chave, incluindo a saúde, a educação, a segurança social, os serviços de apoio à infância e à juventude, o urbanismo e o desenvolvimento regional, também deverão estar representados nesta equipa, juntamente com elementos da administração da justiça tutelar e penal. Se a comunidade pertence a um país que tenha um governo altamente centralizado, também será importante incluir um representante do governo regional ou nacional. O grupo deve ser constituído de forma heterogénea no que se refere ao género e às diferentes composições étnico-culturais (Esquema 2). 27 28 10 Para esta secção recomenda-se vivamente a consulta do Anexo E (no final do manual), para travar conhecimento com os instrumentos legais já hoje existentes no ordenamento jurídico em Portugal, nomeadamente sobre a criação e constituições dos Conselhos Municipais de Segurança, Conselhos Municipais de Juventude, Conselhos Locais de Acção Social, Comissões de Protecção das Crianças e Jovens em Risco, entre outros. No original: CSSG – Community Safety Steering Group. Em Portugal os CLAS, Conselhos Locais de Acção Social, responsáveis pelos Planos de Desenvolvimento Social, poderão funcionar como uma boa referência para a constituição destes grupos. Com efeito, o CLAS é um órgão dinamizador da Rede Social que se apresenta como plataforma de participação, representação, articulação e congregação de esforços das várias entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos que a todo o momento a ele queiram aderir. Também as Comissões Sociais de Freguesia, no âmbito da Rede Social, poderão representar idêntica mais-valia no sentido da identificação de potenciais parceiros para a constituição de um Grupo de Trabalho para a Segurança da Comunidade. Com efeito, A Resolução do Conselho de Ministros 197/97 de 18 de Novembro definiu a Rede Social como fórum de articulação e congregação de esforços baseado na adesão livre por parte das autarquias e das entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos que nela queiram participar. A Rede Social pretende constituir uma nova forma de parceria entre entidades públicas e privadas actuando nos mesmos territórios, assente na igualdade entre os parceiros, na consensualização dos objectivos e na concertação das acções desenvolvidas pelos diferentes agentes sociais locais. Ao nível local, a Rede Social consubstancia-se através da criação do Conselho Local de Acção Social (CLAS) e das Comissões Sociais de Freguesia (CSF), enquanto plataformas de planeamento e coordenação da intervenção social a nível municipal e de freguesia. Os membros deste grupo de trabalho deverão, por esse motivo, ser seleccionados cuidadosa e criteriosamente, tendo em consideração as circunstâncias locais, com especial destaque para a estrutura sócio-demográfica da comunidade. É necessário não esquecer que normalmente metade da população é feminina e que, em alguns países, os jovens ultrapassam esse número. Os grupos que representam comunidades mais significativas e com uma responsabilidade mais alargada na comunidade, merecem especial atenção, pois influenciam os membros da sua comunidade, devendo, portanto, ter um papel activo no desenrolar do DLS. Caso tenham conhecimentos especializados ou sejam peritos em alguma matéria pertinente para o processo de DLS, deverão ser considerados fortes candidatos para integrarem a equipa. Uma análise de stakeholders pode ajudar a identificar quem realmente é necessário estar envolvido e como poderá fazê-lo da melhor maneira possível29. Tendo-se definido quem pertence ao grupo, continua a ser importante permitir que todas as outras partes interessadas se envolvam no processo. A realização de um fórum trará significativos resultados através de uma reunião alargada sobre segurança comunitária, que deverá ser realizada em sistema de mesa redonda30. Manter um bom nível de comunicação e descobrir as formas apropriadas para envolver os membros da mesa redonda é indispensável para implementar a abor- dagem participativa que antes foi mencionada. Adicionalmente, deve ser formado um pequeno grupo para supervisionar o processo de DLS que será responsável pela concretização dos resultados desejados, no qual se poderão incluir também membros do GTSC e do grupo do fórum que detenham um conhecimento pericial relevante. O desejável é que os seus membros tenham autoridade para garantir que o DLS seja financiado por entidades de significante relevo na comunidade. Grupo de Orientação dos DLS O grupo de orientação do DLS supervisiona a auditoria e é responsável pela sua satisfatória concretização. Idealmente é constituído por menos de 10 elementos, retirados tanto do GTSC, como do fórum, e deve incluir indivíduos com autoridade que assegurem que esta será apoiada por entidades credíveis e de elevada relevância. Será vantajoso incluir representantes de organizações comunitárias que tenham uma larga responsabilidade no âmbito da cidadania, um bom conhecimento da comunidade e uma rede de contactos que torne pertinente o seu envolvimento. Os peritos com experiência em técnicas de investigação em prevenção criminal também devem fazer parte do grupo. Manual de Recursos de Prevenção da Criminalidade, África do Sul O Centro de Prevenção do Crime, do Conselho Sul Africano para a Pesquisa Cientifica e Industrial (CSIR), produziu um Manual de Recursos em papel e em CD-ROM, enumerando as organizações e os contactos detalhados de pessoas que desempenharam um papel na prevenção do crime a nível nacional ou local. Das organizações mencionadas distinguiam-se aquelas que contribuíram na investigação; no apoio a crianças, jovens e vítimas de violência doméstica; departamentos governamentais; entidades associadas aos direitos humanos e igualdade de direitos. A ferramenta para a prevenção do crime do qual este manual de recursos faz parte identifica as seguintes entidades como contribuições significativas para alcançar o objectivo com a “nossa visão de comunidade segura”: nÓrgãos de polícia criminal nServiços de execução das penas (incluindo reinserção social e serviços prisionais) nAutoridades locais / municipais, incluindo urbanistas, polícia de trânsito, serviços de emergência, espaços verdes e os responsáveis pela iluminação pública nOutras entidades do sistema de justiça 29 30 nRepresentantes do Ministério da Educação nAgências e profissionais de turismo nAgentes de desenvolvimento económico nOrganizações Não Governamentais e comunitárias nServiços de segurança social e de saúde nFóruns de polícia comunitária e vigilantes de bairro Existem várias formas de analisar a acção dos intervenientes. Vários conselhos existem online em: www.unhabitat.org/pmss/getpage. asp?page=bookView&book=1122. No original, Community Safety Round Table. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 11 2 Diagnósticos Locais de Segurança: Uma Visão Geral 2.1. O que é um DLS? Um DLS é uma análise sistemática cujo objectivo é compreender o crime e os problemas relacionados com situações de vitimização numa determinada comunidade, identificando equipamentos e recursos que permitam uma actividade preventiva, identifiquem as prioridades e apoiem o desenvolvimento de uma estratégia que permita atingir os objectivos acordados. Um DLS, à escala comunitária, normalmente, consiste em: nContextualizar em termos gerais a comunidade visada, enfatizando os aspectos demográficos, económicos e outras características e comparando-os com dados regionais e nacionais nAnalisar o crime e a violência e os problemas que lhes estão associados, tais como problemas de ordem pública e comportamentos anti-sociais, incluindo a escala, as tendências, a distribuição e o impacto desses problemas nCaracterizar vítimas e delinquentes, incluindo o género, idade, etnia e nível sócio-cultural nInvestigar padrões nos factores de risco que têm probabilidade de contribuir para a ocorrência do crime e da violência 31 12 Diagnóstico de Segurança: Ganhos Rápidos A realização de um DLS não significa que não se possam realizar actividades até que os resultados não sejam conhecidos. Há muito a ganhar respondendo rapidamente aos problemas para os quais existe uma solução rápida e directa, permitindo assim assegurar ganhos rápidos que fortalecem a confiança e a sensação de concretização profissional. nNo que diz respeito à prevenção, validar a eficácia dos projectos e serviços nas diferentes áreas, tais como a saúde, a habitação, o apoio social e da educação nAferir a envolvente política e institucional de modo a identificar oportunidades de desenvolvimento de actividades para a prevenção nIdentificar as oportunidades, forças e poten- cialidades da área, incluindo o capital social, a sociedade civil e os projectos existentes onde a futura estratégia se desenvolverá31 Segundo a OMS “o capital social representa o grau de coesão que existe entre as comunidades. Refere-se aos processos entre pessoas que estabelecem redes, normas e compromissos sociais e facilitam a cooperação e coordenação para seu próprio benefício. O capital social cria-se a partir de múltiplas acções quotidianas entre as pessoas e está expresso em estruturas como os grupos cívicos e religiosos, vínculos familiares, as redes informais da comunidade, normas de voluntariado e altruísmo e nos compromissos. Quanto mais fortes são estas redes e vínculos, maior é a probabilidade que os membros da comunidade cooperem com benefício mútuo”. Os elementos principais do capital social são: cidadania, confiança e valores comuns, voluntariado, implicação na vida comunitária, redes sociais e participação cívica. OMS, Guia da Promoção da Saúde, Genebra: OMS, 1998, em www.who.int/hpr/NPH/docs/hp_glossary_en.pdf. DlS em Central Karoo (África do Sul) A estratégia de prevenção do crime para a Central Karoo na zona oeste da cidade do Cabo foi baseada em dados qualitativos e quantitativos provenientes de várias fontes: n Pesquisa bibliográfica; relatórios de investigação e estudos; estatísticas policiais e planos estratégicos de departamentos locais n Auditoria dos investimentos presentes e futuros que se relacionaram com as causas do crime e da vitimização n Sessões de mobilização das comunidades, através dos seus representantes e líderes de diferentes áreas da Central Karoo que deram a sua contribuição sobre a situação local e sobre as percepções e atitudes perante o crime, assim como a perspectiva do desenvolvimento nessas áreas n Sessões de mobilização empresarial, direccionadas para angariação de apoios e incentivos para as iniciativas de processo de realização de um DLS deve baimplementação de uma estratégia local de prevenção sear-se em princípios acordados pelo GTSC. n Entrevistas individuais e colectivas com os interessados Estes devem ser desenvolvidos de forma a galocais O objectivo deve ser o de abranger sempre todos estes aspectos, tendo consciência de que os DLS necessitam de ser adaptados às circunstâncias locais, variando, por isso, no desenvolvimento da sua estratégia, na sua complexidade e na sua metodologia. Neste sentido, os DLS deverão reflectir os contextos geográficos, institucionais, culturais e de desenvolvimento nos quais estão a ser conduzidos, a disponibilidade de recursos e conhecimentos especializados para o desenvolvimento do processo, assim como a adequação de dados pertinentes e significativos provenientes de entidades oficiais, entre outras32. 2.2. Dez princípios para uma boa prática O rantir a exequibilidade do processo, tornando-o assim justo, inclusivo e formativo, o que contribui para políticas e estratégias prioritárias de elevado nível. Sem o reconhecimento explícito destes princípios, arrisca-se a que os grupos marginalizados e excluídos da sociedade possam não ser adequadamente representados. Os princípios poderão variar de acordo com circunstâncias locais. No entanto, assume-se que os princípios que se seguem têm uma validade universal: nO objectivo do DLS deve ser a obtenção de co- nhecimentos que permitam a compreensão do fenómeno da criminalidade, os problemas com ela relacionados e as suas causas, no sentido de se elaborar uma estratégia de prevenção nO DLS deve ter por base o reconhecimento de que o crime é resultado de uma complexa interacção de factores sociais, económicos, legislativos e ambientais e de circunstâncias pessoais nÉ crucial um forte empenho dos stakeholders em áreas relevantes que envolvem o delineamento de estratégias e a adopção de novas políticas, uma vez que o sucesso depende da capacidade de resposta dos stakeholders relativamente às conclusões alcançadas no DLS nÉ essencial durante o processo de diagnósti- co uma abordagem participativa que envolva a mobilização da sociedade civil e dos interesses da comunidade nÉ necessária uma acção positiva para asse- delo e contribuam para uma boa governação urbana e para um desenvolvimento sustentado gurar que as vozes das populações mais desfavorecidas e vulneráveis são ouvidas, reconhecendo que os dados oficiais não reflectem adequadamente as suas experiências nO DLS deve respeitar a lei e os direitos hu- nO DLS deve incorporar as diferentes perspec- nO DLS deve adoptar práticas que sirvam de mo- manos, promovendo ao mesmo tempo uma cultura de reconhecimento e cumprimento das normas legais 32 A análise forneceu os alicerces para uma prevenção criminal direccionada para uma estratégia, que não se baseando apenas nos aspectos visíveis da actividade criminal, contemplou também as suas causas subjacentes. tivas relacionadas com questões de género, com minorias e com problemas associados à juventude Para um estudo comparativo das abordagens em França, Nova Zelândia, Austrália e UK ver Alvarez J., Les Diagnostic Locaux de Sécurité. Une étude comparée pour mieux comprendre et mieux agir. Quebec: Institute National de Santé Publique du Quebec/Centre International pour la Prévention de la Criminalité, 2006, em www.crpspc.qc.ca/432-DiagnosticsLocauxSecurite_imprimeé.pdf. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 13 nO DLS deve identificar os recursos relevantes numa área, tais como capital social e projectos de sucesso, que poderão fornecer uma base para a construção de respostas nO DLS deve ser parte do processo preventi- vo e nunca ser utilizado como uma ferramenta para encorajar ou justificar comportamentos de vigilância organizada ou de natureza punitiva 2.3. Os benefícios do DLS O DLS exige tempo e recursos da parte dos parceiros da prevenção criminal podendo, porém, gerar múltiplos benefícios. Especificamente, os DLS podem: nCentralizar a informação, a energia e os re- cursos de diferentes organizações e comunidades de modo a possibilitar a construção de um quadro mais abrangente, exaustivo e completo nAjudar organizações, com diferentes perspec- tivas, a chegar a um consenso sobre quais os problemas que deverão ser prioritários nRevelar as complexas interacções existen- tes entre os factores económicos, sociais e outros, mobilizando as entidades a participar em acções preventivas nProvidenciar conhecimentos fundamentais para a efectiva resolução de problemas, permitindo encontrar um equilíbrio entre as diferentes abordagens e acções nContribuir para uma boa governança urbana promovendo parcerias de trabalho e o envolvimento da comunidade nCapacitar os stakeholders locais de forma a desenvolverem as suas potencialidades, competências e conhecimentos nRevelar as diferentes características dos pro- blemas do crime numa área específica, encontrando soluções adaptadas às necessidades locais nEvidenciar as medidas e serviços que funcio- naram bem no passado, identificando uma situação de referência sobre a qual se poderá medir e/ou avaliar a mudança, bem como os resultados alcançados 14 É importante ter em consideração que os DLS providenciam as bases para construir estratégias que sejam realmente eficazes na prevenção do crime e na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Liderança Civil em Bogotá (Colômbia) Em Bogotá a liderança demonstrada pelo presidente da Câmara foi crucial para se atingir uma melhoria substancial na segurança dos seus munícipes entre 1994 e 2003. A taxa de homicídios diminui cerca de 70%, outros crimes cerca de 35% e as mortes causadas por acidentes de viação cerca de 65%. Bogotá deixou de ser a cidade no continente americano com maiores taxas de homicídios, para uma cidade com taxas inferiores a metade das taxas de Washington DC (EUA) e passou a ter um quarto das taxas de Medellin (Colômbia). Outros factores relevantes tiveram os seguintes resultados: n Estabeleceram-se regras para que a recolha e análise dos dados relacionados com o crime, fosse realizada de forma credível, tornando-se possível adoptar medidas metodológicas que foram disseminadas. Promoveu-se a continuação da monitorização e da avaliação da eficácia n Um plano seguro e consistente foi implementado para fortalecer a cultura de cidadania, resolvendo pacificamente conflitos entre os indivíduos e as comunidades, e ajudando os grupos mais vulneráveis da população, na redução do risco de crime, por exemplo, através do controle do consumo de álcool e do uso restrito de armas n Foi dada formação aos líderes da comunidade em assuntos de coexistência e segurança como fazendo parte de uma estratégia mais abrangente que permita uma maior participação e envolvimento dos cidadãos DlS em Yaoundé (Camarões) Um DLS terminado em 2001 divulgou dados estatísticos oficiais e dados recolhidos através de questionários, estudos sobre tópicos específicos (tais como crianças de rua e violência contra a mulher), consultas com a sociedade civil, no sentido de obter as suas opiniões, e muitas outras fontes. Juntou stakeholders que anteriormente não comunicavam, identificou claramente as prioridades e foi um instrumento catalisador de acções para vários projectos-piloto. Conduziu também à implementação de polícias municipais; realizou análises complementares de acções de planeamento na justiça juvenil. Outros desenvolvimentos infra-estruturais (incluindo iluminação pública) em bairros problemáticos também resultaram destas iniciativas. UN-Habitat Diagnóstico da Delinquência Urbana em Yaoundé (2002)33 33 34 Auditoria de Segurança em Port Moresby (Papua Nova-Guiné) Safer Port Moresby é uma iniciativa que foi lançada em 2002 com o apoio do Programa de Desenvolvimento da ONU e da ONU Habitat. Esta iniciativa urbana foi construída em parceria com instituições privadas, públicas e de reconhecido mérito. As autoridades municipais e governo civil local trabalharam em conjunto. A primeira tarefa era completar um “diagnóstico de insegurança local” que identificava as causas subjacentes do crime e a caracterizava as vítimas e os delinquentes. Os resultados foram utilizados para identificar prioridades e delinear em conjunto um plano estratégico. A segunda fase focalizou-se em fortalecer parcerias de modo a permitir a implementação do referido plano. ONU-Habitat Diagnóstico de Relatório de Insegurança (2005)34 Towards an urban crime prevention strategy. Safer Cities Series 4. Nairobi: UN-Habitat, 2005. ONU-Habitat. Diagnóstico do Relatório de Insegurança. Port Moresby, Papua Nova-Guiné. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 15 3 Preparação para o DLS 3.1. Que informação é necessário recolher? Um DLS deve compilar informação sobre várias matérias e assuntos. Deve conter dados contextualizados sobre a comunidade e a sua população, informação sobre o crime e as actividades com ele relacionadas, o impacto e custos do mesmo, os factores ligados à delinquência e à vitimização, os meios, os serviços e as iniciativas que possam reduzir a ocorrência dos problemas, assim como a visão dos cidadãos locais. Como ponto de partida, a equipa do DLS deve realizar uma lista de tópicos que deseja investigar. Poderá então explorar qual a informação que está, realmente, disponível e a que será necessária recolher (Quadro 1)35. Idealmente, um DLS deve conjugar a informação qualitativa e a quantitativa. Cada uma delas providencia informações sobre um determinado assunto, e uma sem a outra deixará, provavelmente, o quadro incompleto. Dados quantitativos (recolhidos, por exemplo, através de inquéritos de vitimização) poderão alertar para a importância das dimensões relativas a um determinado problema ou assunto, providenciando assim respostas às questões sobre “o quê” e “em que quantidades” está a acontecer. Mas os dados qualitativos e/ou descritivos, retirados, por exemplo, 35 36 16 de entrevistas geram, muito provavelmente, uma mais rica e tridimensional perspectiva de respostas às questões “como” e “porquê”. A preferência por informação mais facilmente mensurável em detrimento de informação mais complexa, que só pode ser elucidada através de uma observação participada e de uma discussão, pode conduzir a conclusões enganadoras. Informação Quantitativa vs Qualitativa “Nem tudo o que pode ser contabilizado conta, e nem tudo o que conta pode ser contabilizado” Albert Einstein, 1879-1955 Temos de reconhecer que uma única fonte dificilmente responderá a todas as questões e que a utilidade dos dados policiais e das agências do sistema de Justiça é, muitas vezes, limitada (ver, adiante, Secção 15). Por outro lado, trabalhar com várias informações independentes permite fazer uma triangulação metodológica que garante uma caracterização correcta e exaustiva. Na Austrália, por exemplo, o recenseamento populacional é complementado com informação recolhida junto de grupos específicos (de risco) para aferir a intensidade da problemática associada ao abuso de estupefacientes, no seio da comunidade36. Em Portugal, a possibilidade de existir já um Plano de Desenvolvimento Social (PDS) elaborado para o território a que se dirige o DLS facilita extraordinariamente as tarefas a desenvolver, porquanto parte significativa do diagnóstico é coincidente. Ver mais sobre os PDS em www1.seg-social.pt/left.asp?05.18. Makkai T. Linking drugs and criminal activity: developing an integrated monitoring system, Trends and Issues in Criminal Justice 109. Canberra: Australian Institute of Criminology, 1999, em www.aic.gov.au/publications/tandi/ti109.pdf. 3.2. Que conhecimentos e competências são necessários? Envolver as Comunidades Para maximizar a participação é importante recorrer aos métodos utilizados em grupos individuais ou na comunidade. Considerar idade, género, etnia, normas culturais e outras características irá ajudar a determinar o que melhor resultará. O enDLS com a abrangência de uma comuvolvimento e compromisso aumentarão através nidade urbana (cidade, freguesia, bairro) será mais proveitoso se for planeado com rigor e do uso adequado de: Um n Construção de uma visão e de consensos n Linguagem e terminologia n Formas de comunicação (por exemplo, oral, escrita, pictórica, dramática) n Composição dos grupos (por exemplo, unissexuais ou somente jovens) n Técnicas e ferramentas n Locais, horários e cenários n Facilitadores e investigadores Assim como é importante considerar questões relevantes para os stakeholders. A equipa do DLS deve contar com indivíduos que possuam capacidades, competências, conhecimento e credibilidade necessários para obter, de modo eficaz, o empenho das diferentes comunidades. bem desenvolvido. A informação de um vasto número de elementos tem de ser recolhida de várias fontes e com métodos diferentes. A informação necessita de ser agregada e validada de modo a que as conclusões possam induzir a selecção das prioridades e a arquitectura das respostas. Durante o processo tem de haver uma boa comunicação entre os stakeholders e oportunidades de participação efectiva. O conjunto de áreas de intervenção, actividades e técnicas envolvidas requer os seguintes conhecimentos e competências: Conhecimento n Contexto local – contextualização geográfica, económica, cultural, política e demográfica. n Entidades-chave – As prioridades, as políti- cas, as culturas e os acordos organizacionais dos prestadores de serviços locais mais relevantes, especialmente do sector público e privado não lucrativo. Quadro 1 Informação necessária ao DLS Envolvente Dimensão da comunidade, utilização dos terrenos, estrutura económica, situação política Demografia População total, caracterização da população em termos de género, estrutura etária, diversidade étnico-cultural, emprego/desemprego Crime e comportamentos desviantes Tipos de crimes, ocorrências, delinquentes, vítimas, alvos, e a respectiva distribuição Impacto e custos económicos do crime Em indivíduos e comunidades (consequências das ofensas à integridade física), procura dos serviços de urgência hospitalar, o valor dos bens furtados ou roubados, custos para o sistema de segurança interna e de justiça Percepções Do risco, da vulnerabilidade social, sentidas por parte dos indivíduos e por parte da polícia e do sistema de justiça e de outros serviços Factores de risco Pobreza relativa, violência, crescer em meio institucional, abandono escolar, doença mental Serviços Prestadores de serviços, alcance, qualidade, acesso, utilização Iniciativas Projectos e programas existentes, respostas e práticas eficazes Stakeholders Interesses, capacidades, recursos Retirado de ONU-Habitat: Toolkit para Cidades mais Seguras: “Safer Cities Toolkit” Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 17 n Sistema de justiça e Polícias – A missão e as atribuições da organização policial, as práticas de registo dos crimes e contra-ordenações, pontos fracos e pontos fortes relativos aos dados do sistema de justiça. n Prevenção do crime – Uma compreensão do comportamento delinquente e do medo do crime, incluindo especificamente as questões relacionadas com o género; informação sobre a eficácia das respostas existentes; e, como utilizar os DLS para desenvolver uma estratégia preventiva. Competências Técnicas n Planeamento da investigação – formular ob- jectivos, seleccionar métodos, especificar resultados. n Gestão de projecto – calendarização do trabalho, alocação de recursos, gestão dos riscos e da qualidade. n Análise dos stakeholders – identificação de todas as partes envolvidas, validar os seus interesses e determinar como deverão envolver-se e participar. n Envolvimento comunitário – Produção de actividades que encorajem uma participação mais alargada, especialmente aquelas que facilitem o envolvimento das mulheres, jovens e grupos de risco37. n Técnicas consultivas (de auscultação à população) – entrevistas, reuniões e grupos focais para facilitar a informação de prestadores de serviços e sobre os interesses comunitários. n Estudos sobre vitimização – desenvolvimento de questionários, amostra populacional, desenvolvimento de bases de dados. n Análise estatística – identificar, compilar e analisar dados relevantes fornecidos pelas entidades, utilizando, se possível, sistemas geográficos de informação. n Comunicação – relatórios escritos, apresentações e outras actividades que mantenham os intervenientes envolvidos e que permitam o feedback dos resultados das investigações. É importante reconhecer que diferentes conhecimentos, capacidades e competências vão ser necessárias em diferentes fases. 37 18 No original hard-to-reach groups (ver, também, Secção 5). 3.3. Quem deve coordenar o DLS? T erá de se formar uma pequena equipa que tenha o conhecimento e competências necessários para prosseguir com o diagnóstico e que será gerida por um dos seus membros. Existem várias fontes de recrutamento de indivíduos, incluindo entidades do sector público, sociedade civil, instituições académicas e sector privado. Cada opção tem as suas vantagens, mas existe também um grande número de desvantagens que podem afectar qualquer uma delas (Quadro 2). É muito pouco provável que uma só fonte disponibilize uma equipa completa que reúna todos os requisitos necessários. A maioria dos DLS funciona melhor quando combinam várias fontes diferentes. Por exemplo, uma instituição académica estará melhor equipada de modo a providenciar e aconselhar metodologias de pesquisa e investigação. Uma empresa ou entidade privada estará mais apta a organizar um estudo em toda a comunidade. Criminólogos e especialistas em prevenção criminal poderão aconselhar sobre a sua especialidade. Organizações civis poderão estar fortemente posicionadas de modo a facilitar a ligação com as comunidades. Certamente diferentes pessoas irão ser necessárias em diferentes fases do DLS (ver, ainda, Secção 4). No entanto, há muito a ganhar se o pessoal do sector público estiver envolvido significativamente, em vez de contratualizar externamente para todo o projecto. Este envolvimento do sector público poderá acrescentar à pesquisa uma perspectiva local importante, tão importante como o trabalho que irá ajudar a criar competências e a fortalecer parcerias, trabalhando conjuntamente com os outros organismos envolvidos. 3.4. Quanto tempo demora um DLS? Q uando se realiza um DLS a nível urbano, este pode demorar, numa primeira vez, 6 a 12 meses, dependendo do tamanho da comunidade e da facilidade no acesso à informação fiável e aos recursos necessários para desenvolver o trabalho. O Quadro 3 fornece um exemplo possível das diferentes fases. Quadro 2 Recrutar a equipa técnica do DLS Fonte Potenciais vantagens Potenciais desvantagens Entidades do sector público nCompreensão do contexto nCompreensão das políticas As desvantagens que se seguem aplicam-se a qualquer um dos cenários: e serviços locais nAceder à informação nAceitação do público nEstabelecer parcerias e nFalta de competências de investigação desenvolver competências nRedução de custos nFalta de competências em Organizações da sociedade civil nConhecimento prático nCredibilidade junto dos cidadãos38 nCustos reduzidos Instituições académicas nGrandes competências na área assuntos sobre crime e prevenção nDificuldade em disponibilizar o pessoal apropriado para o projecto nFalta de influência e credibilidade junto de entidades-chave nFalta de credibilidade e envolvimento com a comunidade nFalta de compreensão do contexto político geral e concreto da investigação nObjectividade / independência nCustos moderados Entidades do sector privado nEficaz gestão do projecto nCompetências de investigação e tecnologias nObjectividade / independência nColaboradores dedicados Quadro 3 Exemplo de um cronograma de um DLS Mês Planeamento 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Preparação do grupo de apoio ao DLS Nomear a equipa e acordar um plano de trabalhos Implementação Percepção primária dos problemas, factores de risco e respostas (Fase 1) Pesquisa de tópicos que requerem uma investigação mais profunda (Fase 2) Identificação de prioridades de acção e de oportunidades (Fase 3) Consultar as partes interessadas (stakeholders) e comunicar os resultados (Fase 4) 38 Embora a sociedade civil seja considerada mais credível do que as entidades do sector público junto da comunidade, é necessária alguma precaução. Um estudo desenvolvido pelo Banco Mundial concluiu que as “ONG não influenciam significativamente a vida das populações pobres” e “as pessoas pobres são excluídas também de vários grupos devido ao facto de não terem capacidade monetária, quer para a compra de produtos quer para o pagamento de impostos”. Ver Narayan D. com Patel R, Schafft K, Rademacher A e Koch-Schulte S. “Can Anyone hear us?” Voices of the Poor Volume 1. Banco Mundial, 1999, em http://siteresources.worldbank.org/INTPOVERTY/ Resources/335642-1124115102975/1555199-1124115187705/vol1.pdf. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 19 Os ‘Fonos’ dos povos do Pacífico (Nova Zelândia)39 Em 2005, o ministro da Justiça começou a desenvolver estratégias de prevenção do crime para as 250.000 comunidades do Pacífico mais fortemente implantadas em Auckland, Wellington e Christchurch. ‘Fonos’ foram realizados para averiguar as suas percepções dos problemas relacionados com o crime e de como estes deveriam ser enfrentados. Os convites foram estendidos a organizações do Pacífico e a indivíduos com interesses e competências em assuntos criminais e de justiça, bem como a representantes de organizações juvenis. Um ‘matai’ ou ‘ariki’ com bons conhecimentos sobre os procedimentos do sistema de justiça judicial facilitou o processo de comunicação. Cada um inicia-se com um ‘lotu’ e uma apresentação dos participantes, para que todos fiquem a conhecer a sua comunidade. As reuniões podem demorar até quatro horas, dando oportunidade a todos de serem ouvidos e de todos os assuntos serem debatidos até chegarem a um consenso. A agenda permite, sempre que haja tempo, um ‘mea taumafa’ precedido de oração de graças, uma vez que uma refeição é algo importante na cultura dos povos do Pacífico. O humor e divertimento são também tradicionalmente importantes, pois ajudam a reduzir as tensões quando existem desacordos ou conflitos. O ‘Fonos’ é sempre concluído com uma ‘tataloina’ para agradecer aos participantes, encerrar a sessão e pedir ajuda espiritual para o regresso a casa. O ‘fonos’ funcionou como uma rede e centro de partilha de informação com representantes do Ministério da Justiça apresentando dados estatísticos para orientar a resolução dos problemas e a sua partilha. O processo permitiu às comunidades do Pacífico identificarem o que era importante para eles e o que, na sua opinião, deveria ser feito para obter as reacções que consideravam funcionar. As principais prioridades que emergiram foram a violência familiar e delinquência juvenil (especialmente violência e crimes rodoviários). Houve também um acordo consensual relativamente ao papel das igrejas, sendo este considerado muito importante no que diz respeito à prestação de serviços, no sentido de orientar comportamentos através da mensagem religiosa, tanto no púlpito, como através de outros contactos na comunidade. 39 20 Os povos do Pacífico são neo-zelandenses que se identificam com uma ou mais etnias. Os sete maiores são os maori das ilhas Cook, os habitantes das ilhas Fijian, Niue, Samoa, Tokelau, Tonga e Tuvalu. Fono é uma palavra da Samoa largamente usada pelos povos do Pacífico que descreve uma reunião ou conselho. Outras palavras da Samoa usadas no texto são matai ou ariki (chefe ou ancião), lotu (orador), mea taumafa (refeição partilhada) e tataloina (benção). 3.5. Comparações nacionais e internacionais Um DLS de uma comunidade vai, inevitavelmente, concentrar-se no que se passa dentro dos seus limites, mas poderá ser difícil ter a verdadeira percepção do problema sem algumas referências externas comparáveis (external benchmark). A comparação com o que se passa noutras cidades, países ou continentes pode ajudar a contextualizar os padrões locais e vir a ser útil de outras formas. Por exemplo, a ansiedade da população pode ser atenuada se se demonstrar que a taxa de criminalidade da comunidade se encontra abaixo da média nacional. Pelo contrário, uma taxa de criminalidade relativamente alta pode servir para assegurar, por parte de entidades governamentais regionais ou nacionais, o apoio de recursos adicionais de combate ao crime. É evidente que quando comparamos cidades temos que considerar, também, os factores sociais. Portanto, quanto mais similares as cidades forem em termos de perfis sócio-económicos, mais importante será a comparação. Fazer comparações a nível nacional será difícil em países sem sistemas padronizados de informação, exigindo mais cuidado na interpretação dos dados. As comparações internacionais exigem um cuidado acrescido ou mais minucioso, visto que as definições dos tipos de crime, as regras de procedimento do seu reporte, assim como a forma de recolha destes dados, variam de país para país. Esta inconsistência pode ser ultrapassada através de uma avaliação intercidades41. Esta envolverá um grupo de cidades comparáveis, que cooperam entre si e conduzem os DLS aproximadamente ao mesmo tempo, usando a mesma metodologia. Este procedimento pode ser levado a cabo internamente ou em cooperação internacional e constituirá um avanço significativo para gerar dados consistentes. Esta abordagem pode ser, também, financeiramente vantajosa, se permitir economias de escala (ver, adiante, Secção 16.2 – Questionários Internacionais sobre Vítimas de Crime). O Contexto Húngaro A Estratégia Nacional para a Prevenção do Crime concluiu que a criminalidade no país mais do que triplicou entre 1988 e 1998. Embora estes números não deixem de ser preocupantes, quando comparados com os restantes países europeus encontram-se, ainda assim, significativamente abaixo da maioria dos países da Europa Ocidental e representam menos de metade da taxa de criminalidade da Suécia, da Holanda e da Alemanha. Estratégia Nacional para a Prevenção do Crime (2003)40 40 41 Ministério da Justiça (Hungria). The national strategy for social crime prevention. Annex to Parliamentary resolution 115/2003 (X.28.). Budapest, 2003, em http://bunmegelozes.easyhosting.hu/dok/national_strat_crime_prevention.pdf#search=%22Annex%20to%20Parliamentary%20resolution%20115%2F2003%20(X.28.%22. No original, multi-city assessment. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 21 4 As Quatro Fases de Implementação do DLS 4.1. Introdução UM DLS deve ser desenvolvido de uma forma flexível, em termos de gestão, em termos financeiros e em relação ao cronograma. Tudo isto pode ser conseguido adoptando um processo sistemático com quatro fases principais de implementação, sendo a primeira a análise “alargada e genérica” (Quadro 4). Esta fase envolve uma abordagem de um vasto conjunto de problemas e causas utilizando, tanto quanto possível, informação disponível para que os temas e as faltas de informação sejam rapidamente identificados. Deve-se incluir também, se possível, uma avaliação das respostas que são implementadas no momento presente, para que seja mais fácil identificar quais os problemas que já estão a ser tratados de forma adequada e quais aqueles que requerem mais atenção. Após esta fase, estão reunidas as condições para ser preparado um plano para uma investigação mais detalhada na Fase 2, investigação “aprofundada e pormenorizada”. O objectivo desta fase é preencher as lacunas existentes na informação e investigar os temas e assuntos emergentes, aqueles que requerem um estudo mais detalhado. A Fase 3 envolve o tratamento dos dados recolhidos que permitirão identificar as prioridades para a estratégia de prevenção criminal. Finalmente, na Fase 4 as partes interessadas (stakeholders) são consultadas sobre os resultados obtidos antes de se terminar o relatório e previamente à sua divulgação. Cada uma destas fases será abordada, de seguida. Quadro 4 O processo de implementação de um DLS 22 Fase 1 Fase 2 Fase 3 Fase 4 Análise alargada e genérica Investigação aprofundada e pormenorizada Identificação de prioridades e oportunidades Consultoria e comunicação Investigação inicial dos problemas e causas utilizando informação acessível, quando possível Pesquisa de temáticas que requerem maior atenção para uma melhor compreensão Selecção dos assuntos nos quais a estratégia se deve concentrar, bem como nas suas potencialidades e os meios / bens sobre os quais se devem construir Consulta das partes interessadas (stakeholders), preparação do relatório do DLS e divulgação dos resultados 4.2. Fase 1: Análise alargada e genérica Fase 1 Fase 2 Fase 3 Fase 4 Investigação Consultoria e Análise Identificar Alargada Aprofundada e Prioridades e Comunicação e Genérica Pormenorizada Oportunidades O objectivo da Fase 1 é construir uma imagem alargada do crime e das suas causas, e avaliar a eficácia das actuais respostas utilizando dados que já estão disponíveis e acessíveis. Não necessita de uma análise profunda, mas requer informação suficiente de modo a identificar os problemas e perceber a sua importância. Os componentes de uma análise alargada e genérica são: nContextualização nAnálise preliminar do crime e das incivilidades nCaracterizar genericamente os tipos de vítimas e de delinquentes nIdentificar os factores de risco associados às questões de vitimização e de agressão nAferir as respostas 4.2.1. Contextualização A contextualização deverá ser feita através de uma caracterização demográfica e económica da comunidade, de modo a enquadrá-la num contexto regional e nacional. Igualmente importante será a capacidade de determinar o ambiente político e legislativo e levar a cabo uma análise das atribuições e competências institucionais42. Este procedimento ajudará os parceiros a ver a comunidade num contexto mais global, entendendo melhor os problemas e identificando oportunidades para uma solução estratégica. Para os stakeholders, a nível local ou nacional, a informação assume um papel sensibilizador para demonstrar em que ponto se encontra a comunidade e o que poderá servir de base para justificar mais recursos. 4.2.2.Análise preliminar do crime e das incivilidades A equipa do DLS deve fazer uma avaliação preliminar do crime que ocorre na comunidade e determinar a quantidade, as taxas de incidência e as suas tendências, assim como as variações existentes nas diferentes áreas geográficas. Deverá dar-se particular atenção à natureza e gravidade da violência, relevando as diferentes experiências por parte de homens e de mulheres, de jovens e de idosos, e das minorias étnicas. Quadro 5 Contextualização – perguntas-chave para a Fase 1 Perguntas-chave Como obter respostas 1Quantos habitantes existem e como é que este número varia tendo em conta as alterações demográficas (e a migração)? 2Caracterização sócio-demográfica (idade, sexo e diversidade étnica e cultural). 3Quais são as principais actividades económicas e qual a taxa de desemprego? 4Como varia o perfil sócio-económico da população pela comunidade? 5Qual é a estrutura populacional comparativamente com outras cidades? 42 Em muitos países, as respostas podem ser encontradas em relatórios já existentes ou em recenseamentos. Uma parte muito limitada deve ser extraída para se construir um perfil sumarizado. As outras fontes que forneceram dados mais pormenorizados podem ser referenciadas no relatório do DLS. As variações e discrepâncias encontradas, ao longo da comunidade, deverão ser mapeadas. Este registo não deverá ser muito detalhado, mas deve ser o suficiente para denotarem as diferenças locais mais relevantes. Segundo o Banco Mundial, a análise institucional (IA) foca-se no sucesso das instituições formais e informais do sector público, privado e nos sectores não lucrativos. A IA diz respeito às ligações de instituições e institutos que são importantes para o sucesso do projecto, identifica as obrigações para que o acesso aos serviços por parte das populações mais pobres seja equitativo e examina os activos institucionais que existem dentro destas comunidades. Esta auditoria pode também ajudar a desenvolver incentivos que permitam o envolvimento dos grupos existentes destas populações mais pobres nos objectivos e resultados esperados. Finalmente, esta auditoria permite uma melhor compreensão dos processos de exclusão social em casos em que as “regras do jogo” são diferentes para diferentes “jogadores”, e onde a participação e os direitos variam também de forma considerável. Ver o glossário do Banco Mundial, em http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/TOPICS/EXTSOCIALDEVELOPMENT/EXTSOCIALANALYSIS/0,,contentMDK:205 03079~menuPK:1231003~pagePK:148956~piPK:216618~theSitePK:281314,00.html. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 23 Nalguns países, muita informação sobre crime contra a propriedade (tais como furtos em residências ou de viaturas) e certas formas de violência (tais como roubos) podem ser obtidos através dos registos das ocorrências na polícia. Apesar de se saber que estes dados podem não ser fiáveis (ver, adiante, Secção 15.2), é sempre possível obter informação através dos inquéritos de vitimização. Isto pode, no entanto, não ser a forma mais correcta para obter informações sobre outras problemáticas. Por exemplo, só uma pequena parte da violência familiar e do abuso de drogas é reportada. Problemas similares, tais como os crimes financeiros e económicos, ou o crime organizado, também não serão reportados a maior parte das vezes de forma relevante43. Faz parte desta análise “alargada e genérica” explorar os problemas mais escondidos, através de entrevistas a informadores privilegiados e com outras fontes de informação, nomeadamente a prova documental, para verificar o seu significado e relevância. O Quadro 7 fornece uma lista de problemas e potenciais informadores privilegiados. Através de reuniões e opiniões de peritos, as comunidades podem, por si só, identificar outros tópicos que poderão requerer pesquisa nesse sentido. Se não se conseguir reunir informação suficiente para chegar a uma conclusão, é necessário desenvolver uma outra e mais profunda investigação na fase de implementação, isto é, na Fase 2. Serão fornecidos mais detalhes sobre a investigação de assuntos específicos na Parte B deste Manual. 4.2.3.Vítimas e delinquentes Algumas características colocam certas pessoas em maior risco que outras, aumentando também a probabilidade de voltarem a ser vítimas. Por exemplo, em alguns países desenvolvidos, os jovens do sexo masculino estão mais expostos à violência em locais públicos, e as mulheres correm maiores riscos em casa. Relativamente aos idosos, são os que possuem algum tipo de perturbação mental, deficiência ou incapacidade que se tornam mais vulneráveis que outros indivíduos da mesma faixa etária. Estas características variam de país para país e o DLS deve procurar Quadro 6 Crime e incivilidades – perguntas-chave para a Fase 1 Perguntas-chave 1Quantidade de crimes e de perturbações da ordem pública? 2Qual a repartição entre os crimes violentos e os crimes contra o património? 3Quais são os crimes mais frequentes e quais os que registam maiores e mais frequentes flutuações ? 4Qual é o nível de medo do crime, e quais são os grupos mais afectados? 5Em que bairros e zonas comerciais as taxas Como obter respostas Utilizar as estatísticas policiais quando estas são credíveis e acessíveis44. Entidades e organizações comunitárias podem providenciar alguns dados, mas um inquérito às vítimas será a única opção para ter acesso a dados detalhados sobre experiência e medo do crime. Documentos e informações obtidas juntos de informadores privilegiados podem contribuir para a justificação ou interpretação dos dados. de criminalidade são mais elevadas? 43 44 24 O crime organizado diz respeito ao modus operandi das actividades criminais, e não a uma ofensa específica. Aplica-se a um grupo ou gang que adopta uma abordagem “empresarial” e que emprega outros para dar continuidade aos seus actos criminais para proveito financeiro. Pode estar envolvido com tráfego de seres humanos, tráfico de droga, exploração sexual, extorsão e mendicidade, entre outras actividades. Para esta e para outras tipificações criminais sugere-se, para Portugal, a consulta do Código Penal (cfr. Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro). Para Portugal recomenda-se a utilização dos dados do Ministério da Justiça, disponibilizados pela Direcção-Geral de Política da Justiça (DGPJ). O nível máximo de desagregação territorial situa-se na escala municipal. A série estatística iniciou-se em 1993 e pode ser consultada on line no SIEJ (Sistema de Informação das Estatísticas da Justiça), mediante solicitação de username e password. O SIEJ foi desenvolvido no quadro do projecto Hermes (projecto realizado com comparticipação de fundos comunitários ao abrigo do Programa Operacional para a Sociedade da Informação) e disponibilizado inicialmente e de forma faseada no decurso do ano de 2004. apurar qual é a realidade da área em diagnóstico (Quadro 8). O envolvimento de alguém no crime pode estar associado a determinadas características pessoais, experiências e antecedentes. Por exemplo, em muitos países, ser do sexo masculino e adolescente faz aumentar significativamente o risco. Jovens que abandonam a escola, que crescem num ambiente familiar violento, numa instituição, ou que se associam a amigos e colegas delinquentes, muito provavelmente tornar-se-ão, também eles, delinquentes. Desenvolver um modelo de causas subjacentes ou de factores de risco que influenciam os actuais autores de crimes é essencial para focalizar futuras acções preventivas. 4.2.4.Identificar os factores de risco associados à delinquência e à vitimização Na Fase 1, a análise precisa não só de estabelecer quais os factores que influenciaram a exposição das vítimas ao risco no passado, mas deve também examinar os factores que mais contri- buem para que, especialmente crianças e jovens, venham a ser vítimas de crime. Alguns destes factores podem variar de acordo com as culturas e os países, mas na sua grande maioria, são transversais em todo o mundo. As populações que vivem em bairros problemáticos e aquelas que experienciam alguma pobreza ou dificuldade encontram-se em situações de risco elevado, quando comparadas com a população em geral. O mesmo se aplica a indivíduos que cresceram em instituições ou no seio de famílias desestruturadas e/ou num ambiente familiar violento. Pode-se também estabelecer uma relação entre as pessoas que já foram vítimas e a probabilidade destas para cometerem crimes. As crianças que testemunham ou são vítimas de violência correm o risco, muito provavelmente, de se virem a tornar mais tarde violentas. Perceber esta distribuição do risco é uma parte importante do DLS, visto que para ser bem rentabilizado as respostas têm de ser bem direccionadas e concentradas nestas áreas e nas populações que deverão ser consideradas mais vulneráveis (Quadro 9). Quadro 7 Problemas a explorar através de informadores privilegiados na Fase 1 45 46 47 Problema Informadores privilegiados Abuso e violência familiar45 Serviços sociais, de saúde e de protecção de menores, grupos de apoio à família e à mulher, e organizações de apoio à vítima. Crimes de intolerância46 Grupo de defesa dos interesses das minorias, forças de segurança e organizações comunitárias. Toxicodependência e narco-criminalidade47 Serviços de saúde, forças de segurança, organizações de apoio a toxicodependentes, líderes juvenis. Criminalidade económica e financeira Grupos de interesse empresarial, câmaras de comércio, companhias de seguros, empresas de segurança, forças de segurança. Crime organizado Forças de segurança, organizações comunitárias e grupos de apoio aos imigrantes ilegais e aos profissionais do sexo; organizações de apoio a toxicodependentes. A interpretação do termo “violência familiar” varia, mas a OMS inclui nela os maus-tratos a crianças, a violência contra os companheiros e/ou cônjuges e o abuso de idosos. Em Portugal, este tipo de crime poderá enquadrar-se na (recente) tipificação penal de crime de violência doméstica (ver art. 152º do Código Penal). O termo “crime de intolerância” é aqui usado para englobar as ofensas motivadas pelo racismo, discriminação racial, xenofobia e orientação sexual ou religiosa. São também referidos como “crimes de ódio” (ver art. 240º do Código Penal). Os crimes relacionados com drogas são usados para descrever um largo espectro de ofensas e delitos, incluindo o abuso de substâncias ilícitas, produção e tráfico de droga, crimes induzidos pelo uso de narcóticos e crimes para pagar esse mesmo uso (ver Lei n.º 30/2000, 29 de Novembro, sobre o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 25 Quadro 8 Vítimas e delinquentes – perguntas-chave para a Fase 1 Perguntas-chave Como obter respostas Vítimas 1Qual o risco de se ser vítima e que grupos apresentam as taxas mais elevadas (mulheres, jovens, idosos, minorias)? 2Quais os grupos mais vulneráveis? 3Qual a gravidade da revitimização e dos crimes resultantes de manifestações de intolerância? 4Como varia a taxa de vitimização na comunidade? 5Quais as consequências sociais, económicas e de saúde para as vítimas? Em algumas comunidades, as forças de segurança e outras entidades do sistema de justiça estão aptas a fornecer dados básicos sobre as vítimas, mas normalmente estes são muito limitados. É necessário fazer estudos junto das vítimas para se ter uma ideia mais clara e precisa. A realização de estudos e uma mais directa proximidade dos jovens vão acrescentar importantes dados e perspectivas. As organizações de apoio à vítima podem dar um contributo qualitativo, mas provavelmente não agregam os dados estatísticos. Delinquentes 6Qual é o perfil dos delinquentes identificados (idade, sexo, estatuto sócio-económico e etnia)? 7Como é que estes perfis variam de acordo com o tipo de crime? 8Quantos delinquentes são reincidentes e em que bairros estão concentrados? 9O que se conhece das suas experiências de vida, educação e estado de saúde? 10As doenças mentais e físicas, e o abuso de substâncias são comuns nos delinquentes? Se existir uma gestão dos dados boa e desenvolvida, as entidades policiais e do sistema de justiça podem providenciar informação sobre os delinquentes, apesar de só haver referência aos que foram condenados, que são, muito provavelmente, uma pequena proporção do total48. Obter informação numérica através de outra fonte será difícil, e as informações provenientes das organizações que lidam com os delinquentes são normalmente mais fidedignas (por exemplo, estabelecimentos prisionais ou serviços de reinserção social, organizações da sociedade civil que trabalham com os delinquentes). Quadro 9 Factores de risco – perguntas-chave para a Fase 1 Perguntas-chave Como obter respostas 1Quantas crianças estão a crescer em: Várias entidades, tais como serviços sociais e do Ministério da Educação, podem ter dados muito úteis. Quando não se dispõe de números que correspondam aos factores de risco, podem ser usados indicadores suplementares, como número de beneficiários do RSI ou de outros subsídios, ou apoios sociais que indiciem baixos rendimentos. Sistemas geográficos de informação podem ajudar a definir e a delinear as áreas e os grupos onde se concentra uma multiplicidade de riscos. Na ausência total de dados provenientes de fontes estatísticas ou outros relatórios, deve recorrer-se a informação qualitativa entrevistando os informadores privilegiados. nInstituições nAmbientes familiares com alguns indivíduos violentos e com contactos frequentes com o sistema de justiça 2Quais são as taxas dos seguintes problemas: nAbandono escolar, vadiagem e exclusão social nPobreza e privação nDesemprego e sem-abrigo nToxicodependência, doenças e HIV/SIDA nCondições de habitabilidade e ambientes envolventes muito pobres 3Quais são as áreas da comunidade que têm os indicadores, acima referenciados, com as taxas mais elevadas? 48 26 protecção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica; Lei n.º 14/2005, de 22 de Janeiro, que estabelece o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas). Recomenda-se, igualmente, a consulta do sítio do Instituto da Droga e da Toxicodependência, cuja missão é a de promover a redução do consumo de drogas lícitas e ilícitas, bem como a diminuição das toxicodependências, em www.idt.pt. Em Portugal existe informação sobre autores de crimes, arguidos e condenados. Esta informação é disponibilizada pelo Ministério da Justiça, através da DGPJ (cfr. nota 42). 4.2.5. Aferir as respostas O componente final da Fase 1 é verificar a existência de respostas disponíveis para os principais problemas e factores de risco que foram anteriormente identificados. Estas respostas podem assumir várias formas, incluindo a prestação de cuidados especiais por entidades públicas direccionadas aos grupos mais vulneráveis, nomeadamente na saúde e na educação; policiamento eficaz em bairros e áreas de alto risco; ou a incorporação por parte do município dos princípios da CPTED no urbanismo49. Podem ainda existir projectos específicos direccionados para a violência contra as mulheres ou para desviar os jovens do consumo de drogas ou de comportamentos anti-sociais, furtos ou roubos, por exemplo, em centros comerciais. Claramente, em alguns casos, a prevenção criminal pode não ser o único ou até o principal aspecto do que se determinou como objectivo, mas será certamente uma sua importante consequência. (Quadro 10). Torna-se necessário formular um juízo bem fundamentado de forma a avaliar a “adequabilidade” desta fase. As perguntas constantes no Quadro 10 conduzem a muitas outras questões. Estará a resposta bem direccionada? Estará o serviço acessível àqueles que dele mais necessitam? Será que o serviço tem a abrangência e intensidade desejadas50? E acima de tudo, estará a ter o resultado esperado? As respostas a estas perguntas irão identificar os assuntos-chave para as fases seguintes do DLS. 4.3. Fase 1 Fase 2: Investigação aprofundada e pormenorizada Fase 2 Fase 3 Fase 4 Investigação Consultoria e Análise Identificar Alargada Aprofundada e Prioridades e Comunicação e Genérica Pormenorizada Oportunidades A implementação da Fase 2 consiste em obter um conhecimento mais profundo sobre assuntos específicos. Esta necessidade advém essencialmente de dois factores. Um deles é o facto de na Fase 1 não se ter conseguido recolher informação suficiente ou porque se tornou claro que existem assuntos que requerem conhecimentos mais detalhados e explicativos. Como ponto de partida para esta investigação detalhada, será necessário ter em conta o tempo, o pessoal e os recursos financeiros disponíveis. Esta investigação mais aprofundada irá, muito provavelmente, envolver diferentes stakeholders e empregará diferentes métodos. Pode haver necessidade de realizar um ou mais estudos, sendo que estes vão requerer cada vez mais a participação das comunidades e a perícia dos técnicos. Poderá ser Quadro 10 Aferir as actuais respostas – perguntas-chave para a Fase 1 Perguntas-chave Como obter respostas 1O que tem sido feito? 2Que resultados foram obtidos? 3É o suficiente para produzir um impacto positivo? 4Os recursos estão a ser rentabilizados? 5É necessário fazer algo mais? 49 50 Os informadores-chave serão a principal fonte de informação. A visão daqueles que estão envolvidos e que prestam os serviços necessita de ser equilibrada com a daqueles que recebem os serviços, que necessitam deles e ainda com a dos peritos especializados. CPTED (Crime Prevention Through Environmental Design), em português, prevenção criminal através do desenho urbano, envolve o recurso ao planeamento, concepção e gestão do ambiente construído, para reduzir as causas e as oportunidades para a actividade criminal e o sentimento de insegurança. Para Portugal, e sobre esta matéria, sugere-se a consulta de Machado et al., Metrópoles Seguras - Bases para uma intervenção multissectorial nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, desenvolvido em 2007 pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) para o MAI, em especial do III Volume. A “intensidade” de uma resposta, também chamada “dosagem”, é a quantidade atribuível a um lugar ou destinatário. As intervenções poderão não ter qualquer impacto se a intensidade for muito baixa como resultado dos recursos terem sido mal distribuídos. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 27 vantajoso preparar um grupo de trabalho que examine áreas particulares ou externalizar uma parte desse estudo a grupos locais ou a organizações com características e competências específicas. O leque de potenciais áreas temáticas a abordar é vasto e pode variar de comunidade para comunidade. A investigação pode concentrar-se em populações específicas, problemas específicos ou lugares específicos. É provável que grande parte dos assuntos mais importantes nesta Fase 2 sejam abordados mais profundamente na Parte B deste manual. 4.4. Fase 1 Fase 3: Identificar prioridades e oportunidades Fase 2 Fase 3 Fase 4 Investigação Consultoria e Análise Identificar Alargada Aprofundada e Prioridades e Comunicação e Genérica Pormenorizada Oportunidades 4.4.1. Identificar prioridades Uma estratégia de prevenção não pode abordar todos problemas de uma comunidade. Concentrar escassos recursos num número limitado de prioridades produzirá maior sucesso do que se houvesse uma tentativa de dispersá-los, mesmo que organizadamente. Fazer esta selecção é uma decisão difícil e crucial que deverá ser tomada pelo GTSC. Mas o DLS pode ajudá-los a levar a cabo essa difícil decisão, providenciando a informação necessária para o efeito. Devendo haver um acordo explícito quanto ao critério51, poder-se-ão formular prioridades baseadas, por exemplo, em tipos específicos de crime, em localizações específicas, em determinados grupos minoritários ou em factores de risco particulares. O critério poderá, então, ser usado para adaptar questões que ajudarão a determinar quais os assuntos mais pertinentes, tais como: 51 52 28 nQuais são as principais preocupações da comunidade local?52 nQuais os problemas que mais contribuem para a definição das prioridades das políticas transversais? nPara que áreas/problemáticas existem recursos disponíveis? nQuais os factores de risco que necessitam de atenção mais urgente? nQuais dos problemas têm maior impacto sobre os grupos sociais mais vulneráveis? nQuais os bairros e zonas comerciais mais afectadas pela criminalidade? nQuais os crimes que têm maior ocorrência e taxa de incidência? nQue tipos de crime têm sofrido um maior crescimento? 4.4.2. Identificar os activos, os pontos fortes e as oportunidades O DLS, para além da identificação dos problemas, deverá também evidenciar os activos, as forças e as oportunidades que poderão servir de base para a estratégia, e que poderão assumir diferentes formas, que incluem: nFortes comunidades ou grupos de interesse que querem – e têm a capacidade para – desempenhar um papel importante na mudança nProjectos e programas que tenham tido resultado positivos prestados por organizações da sociedade civil, e que poderão ser alargados a outras prestações de serviços nEntidades que reconheçam a ligação entre o que fazem (a sua actividade) e a prevenção do crime, e que estejam disponíveis para colaborar nPolíticas governamentais e legislação que sirvam como um estímulo para a resolução de problemas nProgramas de financiamento que ofereçam recursos para actividades que se concentrem em prioridades específicas Ainda que as respostas devessem ser igualmente seleccionadas para aproveitar maximamente a sua rentabilidade, nem sempre assim acontece. Vejamos: por exemplo, quanto à prevenção dos maus tratos infligidos sobre menores e a violência dos jovens, os estudos de valorização dos resultados indicam que uma prevenção focalizada nos grupos mais expostos à violência produz mais efeito do que as medidas colectivas. Por outro lado, certas intervenções muito prometedoras beneficiam toda a população, como sejam as iniciativas de redução da violência induzida pelo álcool, através de uma política de preços, taxas e licenças sobre as bebidas alcoólicas e de restrições sobre as práticas de venda que alimentam o consumo ocasional e excessivo, cujo único objectivo é a embriaguez. É importante reconhecer que os cidadãos da comunidade nem sempre têm uma percepção realista da situação do momento, avançando com propostas que nem sempre são as mais apropriadas. Ver, adiante, Secção 5 sobre este assunto. Identificar e evidenciar estes aspectos positivos permite fornecer uma imagem mais favorável, contrabalançando com a imagem criada pelos problemas (imagem negativa) que integram, inevitavelmente, parte substancial de um DLS. Assim, baseando-se nos aspectos positivos, as probabilidades de sucesso numa acção de prevenção serão elevadas. 4.5. Fase 4: Consultoria e comunicação Fase 1 Fase 2 Fase 3 Fase 4 Investigação Consultoria e Análise Identificar Alargada Aprofundada e Prioridades e Comunicação e Genérica Pormenorizada Oportunidades 4.5.1. Consultoria Os resultados do DLS devem ser partilhados com todos os stakeholders que contribuíram com informações ou que, simplesmente, queiram saber os resultados. Deve, também, dar-se-lhes uma oportunidade para comentarem os resultados e validarem as conclusões. Este processo tem de incluir o público em geral, as entidades locais e organizações comunitárias, assim como os autarcas (políticos locais) e o sector privado. Os grupos de risco ou de difícil acesso, assim como os jovens, merecem uma atenção particular. Seja qual for o método, o processo requer uma gestão cuidadosa no sentido de evitar a concentração das atenções somente nos problemas da comunidade, podendo este constituir um factor negativo e de desmoralização. A comunicação precisa evidenciar alguns dos resultados positivos, nomeadamente sobre as potencialidades, os pontos fortes e os casos de sucesso, sublinhando que o DLS é um passo importante no que diz respeito a tornar a comunidade num lugar mais seguro para viver, trabalhar e visitar. 4.5.2. Divulgação dos resultados Um relatório escrito detalhado é, provavelmente, o produto principal de um processo de DLS. Sendo necessário compilar todos os materiais qualitativos e quantitativos que fizeram parte do processo de DLS, o relatório não deverá ser somente uma compilação de dados. Necessita de conter uma análise que, com a informação disponível, interprete e explique aquela realidade concreta; que evidencie os problemas, os temas e as tendências relativas à média nacional ou a outras comunidades; que identifique potenciais prioridades e oportunidades para uma acção preventiva. O relatório deve também descrever o processo de DLS e as decisões que resultaram da consultoria, utlizando também as conclusões desse mesmo DLS. Por outras palavras, necessita de ser orientado para a acção. A comunicação deve ser adaptada a diferentes públicos. Certamente que deverá haver necessidade de realizar uma compilação de resultados, possivelmente em diferentes línguas e com diferentes formatos, incluindo uma versão mais juvenil. Outras opções incluem o envolvimento dos media (jornais e televisão) e reuniões públicas locais. Em algumas culturas é mais apropriado recorrer ao uso de uma história, utilizando um enredo, à dramatização ou imagens nas representações, consoante o que for mais apropriado. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 29 Modelo de relatório de dls Problema Visão e objectivos Grupo de coordenação de segurança comunitária Eixos de investigação Equipa e métodos de investigação Acções e iniciativas de consulta no âmbito deste relatório, incluindo as perguntas-chave Resumo dos resultados-chave Principais problemas e preocupações Actividade preventiva, incluindo serviços e projectos Recursos disponíveis, oportunidades, potencialidades e capacidades Descrição da comunidade Perfil sócio-económico da população Envolvente física e económica Desenvolvimento prospectivo: principais tendências Perfil de segurança comunitária Resultados provenientes da recolha e análise dos dados sobre: nnatureza, escala, tendência e distribuição dos problemas nfactores causais e de risco nimpactes, incluindo medo, consequências sociais e financeiras nperfis dos alvos, das vítimas e dos delinquentes Respostas actuais Modelos de governança, instituições relevantes e legislação de referência Políticas e serviços orientados para os factores de risco Projectos de prevenção do crime O que resulta e o que não resulta Lições aprendidas e oportunidades de desenvolvimento Recomendações Prioridades emergentes baseadas nas provas reunidas Parceiros-chave para futuras acções Recursos e capacidades Acções futuras Plano de acção para futuros passos Enquadramentos temporais Liderança – quem é responsável pelo quê? Extraído do kit de ferramentas da Prevenção Local do Crime desenvolvido por CSIR, África do Sul. 30 5 Abordagem Participativa: Motivar e Envolver as Comunidades 5.1. O que é a abordagem participativa e por que é importante? O DLS deve ter em conta que a população de uma comunidade é constituída por muitos e diferentes grupos sociais, com diferentes interesses, tendo todas eles o direito de fazer parte do processo. A abordagem participativa tem como objectivo encorajar esses grupos sociais a envolverem-se no processo de DLS. O compromisso deste envolvimento deverá ser um dos princípios fundamentais não só dos diagnósticos, mas de todo o trabalho relacionado com a estratégia de prevenção do crime. Envolver os diferentes grupos sociais (contemplando a diferença) irá melhorar significativamente a qualidade dos resultados do DLS e o sucesso do que lhe seguirá (Quadro 11). De facto, resultarão múltiplos benefícios da participação dos grupos sociais e das organizações que os representam, evidenciando-se uma melhor compreensão dos problemas, o desenvolvimento de respostas mais apropriadas e um maior nível de coesão comunitária, com maior manifestação de interesse nas actividades e no sentimento de pertença. O GTSC, deverá, por estes motivos, conseguir o mais elevado número de participações possível, para permitir o bom funcionamento do processo de DLS. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 31 Contudo, é necessária alguma cautela. As comunidades não são infalíveis, podem equivocar-se quando à aferição dos problemas e identificação das respostas. É, por este motivo, necessário integrar perspectivas de elementos da comunidade com complementares análises técnicas externas. 5.2.Quais os grupos que deverão estar envolvidos? O termo comunidade é mais frequentemente utilizado para um grupo de pessoas que vive numa mesma área e tem o mesmo objectivo para a sua cidade ou bairro. Mas, no contexto de um DLS e da abordagem participativa, deve ser usado no seu sentido mais abrangente para incluir “uma comunidade de interesses”, o que não é mais do que grupos de pessoas que partilham um interesse ou características comuns que lhes dá uma perspectiva particular sobre o crime e a sua prevenção, como por exemplo mulheres, minorias étnicas, jovens, sem-abrigo, empresários, residentes de um bairro, de uma freguesia, de uma cidade. As comunidades de interesses estão muitas vezes fortemente representadas pela sociedade civil. Estas são constituídas pelas organizações privadas sem fins lucrativos, instituições de voluntariado e instituições de caridade da comunidade. Neste quadro incluem-se as organizações não governamentais (ONG), grupos comunitários, organizações de mulheres, organizações religiosas, associações profissionais, sindicatos, grupos de auto-ajuda, grupos de aconselhamento e muitos outros. A abordagem participativa deverá incluir o envolvimento de representantes de todas estas organizações e corpos civis. 32 Mas em todas as comunidades existem pequenas comunidades de interesses que não estão organizadas deste modo. Delas fazem parte os grupos menos acessíveis que têm um contacto escasso com as principiais entidades. A abordagem participativa deverá arranjar formas de acção de se envolver, também, com estes grupos de pessoas, o que requer muita criatividade e esforço por parte da equipa de técnicos do DLS (ver, adiante, Secção 5.4). O principal desafio é a identificação dos grupos relevantes e a determinação da melhor forma de assegurar a sua participação. Não é claramente realista ou necessário que todas elas estejam envolvidas ao mesmo tempo em todas as fases. No entanto, não é possível estabelecer regras fixas (de quando e quantas deverão estar envolvidas). As comunidades devem decidir individualmente, tendo em conta a estrutura demográfica, circunstâncias locais e problemas que vão emergindo no decorrer do processo de DLS (Quadro 12). Uma análise de stakeholders pode ser uma ferramenta muito útil para identificar os grupos com interesse significativo numa melhor compreensão da problemática, ajudando também a perceber o seu potencial e possíveis contribuições. Nem sempre os cidadãos e as comunidades encaixam nos critérios de classificação que os stakeholders sugerem. Há comunidades dentro de comunidades e um indivíduo pode pertencer a mais do que uma comunidade. Acordos pré-existentes e memorandos de entendimento poderão providenciar a base para a sua participação no DLS; caso contrário, recorrer-se-á ao diálogo, perguntando às pessoas quais são as suas expectativas quanto ao DLS e como gostariam de participar. Quadro 11 Benefícios de uma abordagem participativa Para as comunidades Para as entidades públicas nDá voz às populações locais e dá-lhes nCria oportunidades para que as comunidades acesso aos decisores nDesenvolve um conhecimento mais profundo dos problemas que os stakeholders têm que enfrentar nGera o sentimento de envolvimento no processo de resolução do problema e controlo sobre os problemas nPermite que grupos marginalizados e de difícil acesso (socialmente excluídos) sejam ouvidos nEncoraja uma partilha de responsabilidades no planeamento e prestação dos serviços nConduz a melhores resultados, que reflectem mais aprofundadamente as aspirações das comunidades afectadas contribuam com os seus conhecimentos, competências e ideias nAjuda os responsáveis pelo planeamento dos serviços a encontrar respostas que satisfaçam as necessidades dos utentes e a rentabilizar melhor os recursos disponíveis nAjuda a criar standards de desempenho significativos de acordo com as necessidades dos utilizadores nFomenta uma parceria que permite à comunidade compreender os problemas e perceber como pode ajudar nPode resultar no envolvimento da comunidade no DLS e na implementação de uma estratégia nSimboliza um maior compromisso dos stakeholders, colocando em primeiro os interesses da comunidade Quadro 12 Participação comunitária: critérios de identificação As comunidades podem ser identificadas por: nSexo nIdade nIncapacidade(s) física(s) ou outra(s) nIdentidade étnico-cultural nCircunstâncias familiares nCaracterização ao nível do emprego nCondições habitacionais nLocalização nDependência nParticipação em delitos nVítimas ... ...e muitos outros factores Perguntas a ter em conta: nÉ esta comunidade afectada desproporcio- nadamente pelo crime e vitimização? nExistem alguns factores culturais ou étnicos distintos ou outros factores sociais que seja importante ter em conta? nOs seus membros encontram-se sobre-representados no sistema de justiça criminal? nA comunidade sofre de factores de risco acima da média? nPoderão os representantes desta comunidade melhorar e aumentar o entendimento e a comunicação? nSerá que o grupo está interessado em desenvolver soluções para a comunidade e participar no DLS? Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 33 5.3.Como pode um DLS participativo ser implementado? C ada comunidade precisa de decidir como transformar, na prática, a sua aposta numa abordagem participativa. Deverá ter a sensibilidade de executar um plano de participação dos grupos evitando que esta decorra e se desenvolva de forma ad hoc. A International Association for Public Participation desenvolveu um esboço de matriz de participação que pode ser útil para desenvolver o plano referido e que contém cinco níveis diferenciados: informar, consultar, envolver, colaborar e responsabilizar53. À medida que se avança nos níveis, aumentam os graus de participação e de influência das comunidades nas decisões (Quadro 13). No nível mais baixo, as entidades simplesmente facultam a informação. Os níveis mais elevados requerem maior participação e envolvimento. No nível mais elevado, as entidades públicas delegam autoridade para a tomada conjunta das decisões finais. É necessário utilizar diferentes técnicas e ferramentas para a implementação da abordagem participativa em cada nível (Quadro 14). Algumas, tais como as newsletters, podem envolver directamente vários indivíduos, mas oferecem somente uma comunicação unidireccional. Outras, como o caso dos questionários às vítimas, necessitam de informação de um grupo selectivo de pessoas. Avançando no espectro, grupos focais e grupos de trabalho conjuntos criam oportunidades para uma colaboração e interacção bidireccional. No planeamento e implementação da Fase 1 a escala e amplitude das tarefas é considerável. É, por esse motivo, sensato o envolvimento com os representantes das organizações da sociedade civil que tenham responsabilidades alargadas na sua comunidade e que possam fornecer informações úteis, baseadas num conhecimento mais profundo dos assuntos relevantes. Podem-se incluir organizações que estejam vocacionadas, por exemplo, para a regeneração da comunidade, para o bem-estar dos jovens e das famílias, para os interesses das minorias ou para o apoio aos mais desfavorecidos. Contudo, vai existir, inevitavelmente, uma participação muito mais alargada se for decidido que há necessidade de aplicação de questionários de vitimização. Quadro 13 Níveis de participação da comunidade 53 34 Nível Informar 1Informar Comunicação unidireccional que inclui partilha de informação, mas não possibilita qualquer oportunidade para que as comunidades influenciem o processo. 2Consultar Para além de informar, convidam-se as comunidades a contribuir na partilha da informação, ideias ou comentários, mas sem qualquer interacção institucional ou compromisso para responder ao que é solicitado. 3Envolver Para além de consultar, providencia oportunidades para que as comunidades dêem o seu contributo no planeamento, implementação, interpretação e hierarquização. 4Colaborar Para além de envolver, trabalha-se em conjunto com as comunidades para desenvolver planos, responde-se às contribuições da comunidade e acordam-se as conclusões. 5Responsabilizar Para além de colaborar, permite que as comunidades tomem as decisões finais sobre a estratégia a seguir. http://iap2.org Na implementação da Fase 2 existem mais oportunidades para a participação dos cidadãos individuais (bem como das organizações) que tenham um interesse pessoal ou um conhecimento mais aprofundado sobre os assuntos específicos, abrangidos pelos estudos profundos e de especialidade. Estes podem incluir, por exemplo, as residentes femininas de um bairro específico; seguranças de uma zona comercial; crianças institucionalizadas; ou organizações de apoio aos imigrantes ilegais e com experiência no combate à exploração deste tipo de população. As organizações comunitárias deverão ser responsabilizadas pela execução de algumas das tarefas do DLS, tais como, os grupos focais ou o trabalho de proximidade. Uma abordagem participativa plena na implementação das Fases 3 e 4 deverá envolver todas as comunidades na selecção das prioridades e na determinação do conteúdo do relatório do DLS, bem como a identificação dos recursos (activos) e dos pontos fortes nos quais assentarão as acções futuras. A questão relevante é saber ao certo qual a influência que detêm na comunidade para melhor se definir, a que nível se devem situar no espectro de participação. Quadro 14 Técnicas para envolver as comunidades no planeamento e implementação do DLS Nível 1 2 3 4 5 Estágio Informar Consultar Envolver Colaborar Responsabilizar Planeamento A comunidade é informada sobre a realização do DLS através da cobertura dos media e de newsletters Representantes da sociedade civil submetem as contribuições ou comentam os planos Envolvimento das comunidades no processo de planeamento Representantes da comunidade são membros do grupo de planeamento Os representantes da comunidade integram o grupo de apoio e validam o plano acordado Fase 1: Alargada e genérica A comunidade é informada sobre os dados estatísticos principais através da cobertura dos media e de newsletters Entrevistas escritas e inquéritos à sociedade civil Interacção com as comunidades para discutir temas e pontos de vista Envolvimento activo Os representantes das comunidades das comunidades na equipa do DLS decidirão quais os temas que serão abordados na Fase 3 Fase 2: Profunda e pormenorizada A comunidade é informada sobre as conclusões de alguns estudos realizados, através da cobertura dos media e de newsletters Reuniões com grupos comunitários, consultas e estudos Reuniões e trabalho em grupo para troca de ideias e discussão das conclusões As comunidades lideram o trabalho do DLS em certas áreas As comunidades começam a aferir a importância dos dados recolhidos Fase 3: Prioridades e oportunidades A comunidade é informada, através da cobertura dos media e de newsletters, dos resultados emergentes Discutem-se os dados analisados e quais as prioridades emergentes As comunidades estão envolvidas na hierarquização e acesso aos recursos As comunidades influenciam fortemente a selecção das prioridades As comunidades decidem quais as prioridades Fase 4: Consultoria e comunicação Distribuição do relatório do DLS com cobertura dos media Comunidades convidadas para aceder e comentar os resultados do relatório do DLS Discussão da versão preliminar do relatório antes da sua publicação O relatório do DLS é escrito em parceria e posto em circulação para ser comentado Representantes da comunidade decidem o conteúdo final do relatório Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 35 A envolvência das crianças e dos jovens é particularmente importante mas coloca diferentes desafios. Várias abordagens têm sido desenvolvidas, com grupos infantis e juvenis, com fóruns de juventude, conselhos de apoio juvenis a nível nacional e regional, assessores/conselheiros juvenis e com a participação dos jovens e crianças na gestão de instituições locais. Estas actividades visam multiplicar as várias formas de participação, tais como participação em conferências, a dramatização, a participação em trabalhos de pesquisa e investigação, as acções militantes e os grupos de pressão, em campanhas, em consultoria e na concepção de projectos54. “Consultar” é, provavelmente, a actividade principal de um DLS e algumas formas de o conseguir serão abordadas com mais profundidade nas Secções 8 e 9. Contudo, no início, as atenções viram-se para os desafios particulares inerentes à contribuição ou envolvimento dos grupos de difícil acesso (marginalizados). O que acontecerá é que nem todos os grupos podem ser representados da mesma forma. No entanto, uma abordagem mais global vai acrescentar grande complexidade e custos, mas o processo terá melhores resultados e mais significado para a comunidade55. 5.4. Motivar e envolver grupos sociais marginalizados O conceito de “grupo social marginalizado”56 é usado de uma forma geral para definir grupos sociais que não estão bem representados pela sociedade civil e que têm um contacto muito escasso com as principais instituições dessa sociedade civil. Esta situação equivale a uma forma de exclusão social, ou marginalização, e corresponde quase sempre à falta ou insuficiência de uma representação formal. Tal marginalização pode resultar do medo ou da suspeita, da privação sócio-económica, de discriminação, das barreiras culturais ou ideológicas, das deficiências ou das necessidades específicas dos sujeitos excluídos (podendo resultar mesmo em auto-exclusão), das barreiras linguísticas, da idade, da falta de auto-organização ou de muitas outras razões. Existe sempre, por conseguinte, o risco de que as necessidades destes grupos sejam subvalorizadas, se não se agir com o seu envolvimento. Para cada DLS será necessário identificar os grupos marginalizados relevantes e ser proactivo no encorajamento dos mesmos em relação à sua participação. As fontes de dados demasiado generalistas, tais como os números da criminalidade, disfarçam a total extensão da experiência do crime e, como tendem a incluir os mais vulneráveis e as vítimas, assegurar o seu envolvimento deve ser uma prioridade. Contudo, independentemente de um grupo ser particularmente de difícil acesso ou não, conseguir o seu envolvimento vai depender das circunstâncias locais. Os sem-abrigo, por exemplo, podem estar bem representados numa comunidade, mas não ter voz activa noutra. Envolvendo a Comunidade Chinesa no Reino Unido Pelo facto de existir uma elevada proporção de elementos da comunidade chinesa a trabalharem em restaurantes locais, os trabalhos de consulta a esta comunidade étnica, por parte dos técnicos de um DLS numa cidade britânica, eram efectuados depois da meia-noite. Tradicionalmente, as famílias chinesas tomavam a sua última refeição do dia depois dos restaurantes encerrarem e estavam mais disponíveis para discutir assuntos integrados no DLS. Grupos marginalizados e relevantes para o DLS podem ser aqueles que: nExperienciaram níveis mais altos de vitimização ou diferentes formas de vitimização, comparativamente com a população geral nEstão representados desproporcionadamente (sobre-representação) no sistema criminal 54 55 56 36 Argumentos para uma maior adesão da participação de crianças e jovens na tomada de decisões e modelos para o conseguir estão apresentados em ONU-Habitat. Youth, children and urban governance. Global campaign on urban governance. Policy Dialogue Series 2. Nairobi: ONU-Habitat, 2004. em www.unhabitat.org/pmss/getPage.asp?page=bookView&book=1810. Um guia para o envolvimento da comunidade na prevenção do crime foi publicado pelo UK Home Office. Forrest. S, Myhill A and Tilley N. Practical lessons for involving the community in crime and disorder problem-solving. Development and Practice Report 43. London: Home Office, 2005, em www.homeoffice.gov.uk/rds/pdfs05/dpr43.pdf. No original, hard-to-reach groups. nSe sintam particularmente vulneráveis ou em risco nContribuam significativamente para o entendimento dos problemas ou para o desenvolvimento de respostas correctas O trabalho com os grupos marginalizados terá mais sucesso se tiver em consideração os seguintes princípios e práticas: Respeito Todos os grupos merecem respeito e as suas diferenças ou particularidades devem ser consideradas durante o processo. O respeito deste princípio pode manifestar-se em actividades culturais específicas (ver o estudo de caso do Ruanda na Secção 9.2). O respeito é especialmente importante quando se aferem problemas e assuntos sensíveis, aqueles cujas vítimas tenham tido experiências recentes e/ou perturbadoras. Confiança A participação efectiva assenta nas relações que têm como base a confiança. A confiança é um processo moroso e difícil de alcançar, podendo haver a possibilidade de muitas vezes os grupos marginalizados interpretarem mal ou não compreenderem o objectivo que as autoridades que recolhem a informação perseguem. A chave para ganhar confiança é estabelecer o compromisso de que os seus pontos de vista serão considerados, e que se tomarão atitudes baseadas nas suas opiniões. O envolvimento deve incluir o feedback sobre os resultados do DLS e torná-los capazes de ter um papel na tomada de decisões. Protocolos Os protocolos estabelecem os termos sobre os quais irá assentar o envolvimento. Estes deverão ser inclusivos, providenciando assim um enquadramento para a parceria. Um protocolo pode assumir várias formas, mas deverá incluir o objectivo de qualquer acção, o comportamento esperado dos participantes e como se vai registar e tratar a informação. O protocolo assume muitas vezes a forma de “regras básicas” de ética, acordadas pelos participantes no início do processo. Elas são regularmente usadas em reuniões com 57 58 jovens, e costumam ser escritas em grandes folhas de papel para se poderem visualizar durante qualquer momento de comunicação. DlS da Criminalidade Contra as Empresas em Comunidades Multiétnicas (Austrália)57 A investigação tem mostrado que o crime experienciado por empresários de minorias étnicas pode ser diferente daquele que é experienciado por outros empresários. Para pesquisar este assunto em duas comunidades Australianas de “concentração étnica”, foram conduzidas entrevistas presenciais com 337 pequenos negociantes em vietnamita, mandarim, cantonês e inglês. Adaptação As abordagens convencionais (reuniões, questionários, etc.) poderão ser desapropriadas para os grupos marginalizados. Os métodos de envolvimento têm de ser feitos à medida das circunstâncias, ou seja: nRecorrer ao uso de actividades de proximidade para estabelecer contacto com indivíduos no seu meio e segundo as suas condições, tais como entrevistas de rua a jovens sem-abrigo ou ligados à prostituição (ver, adiante, Secção 9.2); nEvitar a utilização de material escrito com indivíduos que tenham dificuldades de leitura ou escrita. Interesse Uma vez envolvidos, é essencial maximizar as oportunidades e manter o grupo, ou indivíduos, interessado e motivado. Os problemas e assuntos abordados têm que estar perfeitamente de acordo com as suas experiências. Se a importância e relevância destes assuntos for acompanhada com técnicas criativas e imaginativas, a participação será mais produtiva e sustentada. Deve reconhecer-se que a equipa do DLS pode não ser a mais apropriada para colher os pontos de vista e experiências dos grupos marginalizados. Grupos semelhantes, grupos de confiança ou mediadores poderão obter melhores resultados no que respeita ao estabelecimento de comunicação, através de um diálogo aberto com estes grupos58. Taylor N. Crime against businesses in two ethnically diverse communities, Trends and Issues, in Criminal Justice, 321. Canberra: Australian Institute for Criminology, 2006, em www.aic.gov.au/publications/tandi2/tandi321.pdf. Em Portugal deverá ter-se presente que em Março de 2009 foi aprovada a Estratégia Nacional para a Integração dos Sem-Abrigo (20092015), organizada pelo MTSS em conjunto com outras entidades públicas e privadas, apostando em três áreas específicas: prevenção, intervenção e acompanhamento. De destacar os planos individuais de reinserção social previstos e a criação de um gestor de caso, técnico de referência para a pessoa sem-abrigo, mediador e facilitador dos processos de autonomização. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 37 PARTE B: ASSUNTOS ESPECIFÍCOS PARA AS EQUIPAS DOS DIAGNÓSTICOS LOCAIS DE SEGURANÇA 6 Visão Geral A Parte B concentra-se nos assuntos que deveriam ser examinados em cada comunidade. Eles estão relacionados com populações específicas, problemas específicos e locais específicos e são merecedores de especial atenção por variadíssimas razões. A maior parte deles são importantes porque têm um grande impacto nos membros mais vulneráveis e com menos recursos da sociedade, especialmente crianças, idosos, mulheres, e todos os grupos sociais que são socialmente marginalizados59. O conjunto de assuntos tratados não pode ser aplicado a todos os indivíduos, sendo de crescente complexidade estabelecer um perfil ou um padrão das vítimas. Os rapazes, por exemplo, apresentam um risco muito maior de serem vítimas de homicídio do que as raparigas da mesma faixa etária ou do que outros grupos etários do sexo masculino. As crianças do sexo masculino correm um maior risco no que diz respeito à violência física e as raparigas no que concerne à violência emocional; as mulheres jovens têm também uma probabilidade acrescida de serem abusadas sexualmente, quando comparadas com os 59 40 jovens do sexo masculino. Contudo, as abordagens delineadas podem ser aplicadas a outros assuntos que a equipa do DLS entenda ou queira investigar. Os problemas considerados são, na sua maioria, invisíveis e não constam nas estatísticas porque as vitimas não querem, não se disponibilizam, são relutantes e/ou simplesmente não reportam a violência a que foram submetidas. Algumas vezes, os que lhes estão directamente chegados, incluindo família e entidades ou organizações, podem nem saber da existência do problema. Pode existir um relacionamento de proximidade entre as vítimas e os seus delinquentes, assim como de vitimização e agressão. Pode existir, também, uma falta de confiança nas forças de segurança. E existem com frequência causas múltiplas e complexas ligadas a desigualdades e factores culturais ou históricos que podem transcender as fronteiras internacionais. Neste sentido, ter um conhecimento e compreender estes assuntos pode ser um desafio. Contudo, um bom DLS enfrentará este desafio, e nas secções seguintes fornecem-se orientações no que se refere a formas de abordagem. Em Portugal as questões sociais da marginalização social estão tratadas e são objecto de uma estratégia nacional através do Plano Nacional de Acção para a Inclusão (PNAI). O PNAI é o documento de coordenação estratégica e operacional das políticas de combate à pobreza e à exclusão social e tem três prioridades: combater a pobreza das crianças e idosos; corrigir desvantagens de educação e formação; e reforçar a integração de deficientes e imigrantes. O plano define as prioridades associadas aos pontos críticos da situação social portuguesa, articulando-se com outras estratégias nacionais, e identifica um conjunto de metas concretizáveis e com financiamentos garantidos, de modo a que os resultados possam ser devidamente avaliados. Para saber mais, em www.pnai.pt. Como já anteriormente referenciado, a implementação da Fase 1 (ver, anteriormente, Secção 4.2) deve ser utilizada para se adquirir uma visão alargada e geral da natureza e dimensão dos problemas da comunidade, bem como para a compreensão das prováveis causas e factores de risco relevantes. Para qualquer estratégia que aborde o problema devem ser identificados os serviços existentes e as intervenções utilizadas no momento. É muito importante chegar a uma conclusão sobre a sua existência (se de facto existir alguma intervenção), sobre a sua eficácia (se estão a produzir os resultados desejados) e sobre a adequação destes serviços (se são suficientes). As estatísticas disponíveis e os estudos prévios devem ser considerados, mas as informações mais válidas da Fase 1 provêm de informadores privilegiados com conhecimentos e experiências especializadas. Eles incluem representantes das entidades, organizações, ou grupos profissionais que possuam uma vasta experiência sobre a comunidade. Por exemplo, um médico com muitos anos de experiência do serviço de urgência de um hospital urbano pode contribuir com informações muito válidas sobre fenómenos como a violência associada ao consumo de álcool numa determinada comunidade (ver, adiante, Secção 11.4). Nas secções seguintes serão listadas questões-chave relacionadas com cada um destes assuntos, divididas em dois grupos; as que devem ser efectuadas na Fase 1 para obter a visão geral e as que serão efectuadas na Fase 2, quando é necessária uma pesquisa mais avançada. As questões não serão de resposta fácil. Algumas exigem respostas factuais e quantitativas, mas nem sempre se dispõe de boas estatísticas, por isso, terão de se usar estimativas ou informação alternativa e de substituição61. Outras perguntas serão de resposta aberta e por isso mais opinativas e subjectivas, como por exemplo, a gravidade de um problema, ou a eficácia para combater um determinado problema. Nestes casos, será aconselhável triangular pontos de vista de várias fontes para se chegar a uma conclusão. A equipa do DLS não se deve deixar desencorajar se não se conseguir obter respostas a algumas perguntas de imediato e de forma conclusiva. As dificuldades servem, no entanto, para estimular o pensamento e a comunicação em grupo donde poderão surgir interessantes ideias para ajudar à evolução da investigação. Um dos resultados do DLS pode ser a identificação de assuntos que poderão não ter sido examinados adequadamente durante o processo e que requerem uma investigação mais aprofundada e detalhada. Se não se conseguir o conhecimento pretendido desta forma, ou concluindo-se que o assunto não está a ser combatido de forma eficaz, será necessário uma análise mais detalhada na Fase 260. Essa análise deverá levar a cabo estudos, consultar peritos, realizar entrevistas e questionários, bem como realizar observações no terreno, in loco, entre outras actividades. O objectivo poderá ser completar a visão geral da comunidade que falta ou, em alternativa, concentrar-se num grupo particular da população, nos problemas ou locais que emergiram como parte do problema, e, como tal, requerem uma atenção particular. Na Fase 2, as informações recolhidas no sector da saúde podem provir dos médicos de família/clínica geral, ou de profissionais de saúde pública. 60 61 Em Portugal, a articulação com os Planos de Desenvolvimento Social (PDS) – ver nota 34, anterior - é muito oportuna e fortemente recomendável. Um PDS é um instrumento de definição conjunta e negociada de objectivos prioritários para a promoção do desenvolvimento social local. Tem em vista não só a produção de efeitos correctivos ao nível da redução da pobreza, do desemprego e da exclusão social, mas também efeitos preventivos gerados através de acções da animação das comunidades e da indução de processos de mudança, com vista à melhoria das condições de vida das populações. Esta medida de substituição é utilizada quando a medida necessária é impossível ou muito difícil de obter, dando no entanto uma aproximação ou um bom indicador do que se pretende. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 41 7 Crianças e Jovens 7.1. Introdução AS crianças e os jovens são vítimas de abusos em todos os países e em contextos muito diferenciados: no ambiente familiar, em lares e instituições, na escola, na comunidade e nos locais de trabalho. A violência pode assumir variadas formas, incluindo bullying, castigos corporais, abusos sexuais, mutilação genital, trabalhos forçados e homicídio. Os actos mais violentos experienciados por crianças e jovens são na maioria das vezes perpetuados por pessoas que fazem parte do seu dia-a-dia: pais, outros familiares, colegas de escola, professores, patrões, amigos, namorados ou namoradas. Certas experiências na infância e na adolescência são também associadas a posteriores práticas agressivas e abuso de substâncias62. Sejam quais forem os países e culturas, existe muita consistência nos factores de risco considerados mais influentes e detentores deste efeito cumulativo. Quantos mais forem os factores de risco presentes na vida de uma criança ou de um jovem, maior é a probabilidade de este vir a infringir a lei63. 62 63 64 65 42 Violência no Lar e na Família “Um significativo número de estudos sugere que em todas as regiões do mundo cerca de 80% a 98% das crianças sofrem castigos corporais nas suas casas, sendo que um terço ou mais experienciam castigos físicos graves, com recurso a objectos”. Estudo da ONU sobre a Violência Contra as Crianças (2006)64 A relação existente entre as experiências precoces e a probabilidade de posterior envolvimento em actos de violência e crimes enfatiza a importância de abordar a infância e juventude em conjunto65. Mas a violência juvenil é fortemente influenciada por vários factores do ambiente e do quotidiano de um jovem (por exemplo, a acessibilidade a armas de fogo, álcool, desigualdades económicas, o contexto em que vive, a sua escolarização e as suas oportunidades de trabalho). Todos estes factores devem ser considerados separadamente. Elas estão também fortemente ligadas a outros comportamentos que põem em causa a integridade física e o estado de saúde (e.g. tabagismo, iniciação precoce da actividade sexual) que podem resultar em estados de saúde adversos (e.g. doenças crónicas, distúrbios depressivos, doenças sexualmente transmissíveis) no decorrer das suas vidas. Ver Anexo A deste manual sobre a tipologia dos factores de risco. ONU. Report of the independent expert for the United Nations study on violence against children. General Assembly. Sixty first session. Item 62 (a) of the provisional agenda. A/61/299, 2006, em www.violencestudy.org/IMG/pdf/English-2-2.pdf. Para Portugal, consultar o Programa Escolhas, cuja continuidade e reforço foram assegurados pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 63/2009, de 23 de Julho. O Programa Escolhas visa reforçar o apoio à mobilização das comunidades locais para a criação de projectos de inclusão social de crianças e jovens oriundas de contextos sócio-económicos mais vulneráveis. Tem-se, assim, em consideração o risco acrescido de exclusão social dos públicos-alvo, nomeadamente dos descendentes de imigrantes e minorias étnicas. O programa estrutura-se em cinco áreas estratégicas de intervenção: a) Inclusão escolar e educação não formal; b) Formação profissional e empregabilidade; c) Dinamização comunitária e cidadania; d) Inclusão digital; e) Empreendedorismo e capacitação. Para mais informações consultar o AltoComissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (www.acidi.gov.pt), e em particular www.programaescolhas.pt. Crianças e jovens que tenham sido sujeitos a actos de violência estão duplamente em desvantagem. Não são apenas vítimas. Essa experiência influenciará também o seu futuro negativamente e muito provavelmente voltarão a ser vítimas, também eles eventualmente, delinquentes, ou enveredarão por formas de vida ilegais associadas ao crime. Deste modo a violência pode perpetuar-se durante gerações com as vítimas jovens a tornarem-se delinquentes que acabarão por, também eles, abusar dos seus filhos, continuando assim o ciclo. Identificar e abordar a violência infantil deve ser uma prioridade no sentido de se quebrar o ciclo de violência e crime. Serviços e iniciativas para prevenir as agressões numa fase inicial e intervenções precoces de apoio às crianças e aos adolescentes são essenciais para quebrar este ciclo. É necessário agir para reduzir os múltiplos factores de risco66. Dada a prevalência e a importância estratégica destes problemas, bem como a protecção dos direitos fundamentais das crianças, as intervenções devem ser consideradas prioritárias nas estratégias de prevenção criminal em todo o mundo. Deste modo, o exame das questões e problemáticas relacionadas com crianças e jovens deverá ser um elemento fundamental em todos os DLS. A ligação entre os problemas pressupõe um duplo equacionamento: a situação actual das vítimas e os factores de risco associados a posteriores problemas. Para tornar a tarefa mais realista e operacional, a equipa que integra o GTSC deverá concentrar-se em populações sobre as quais a investigação, em muitos países, demonstrou serem vitimizadas e terem uma maior probabilidade de exposição a múltiplos factores de risco. Algumas vezes, estas já estão identificadas e localizadas, como é o caso das crianças institucionalizadas. Contudo, identificar e aceder a outros grupos, como os das crianças em famílias disfuncionais e crianças que abandonam a escola, pode ser mais difícil. Dados sobre estes factores de risco, se alguma vez tiverem sido recolhidos, estarão espalhados por diversas entidades e organizações da sociedade civil, enquanto a informação sobre as verdadeiras vítimas está provavelmente escondida ou não é registada. As secções seguintes chamam a atenção para importantes linhas de investigação que a equipa 66 67 68 do DLS deverá seguir. Quaisquer relatórios de investigação anteriores providenciarão informações importantes. Contudo, se estes não estão disponíveis, entrevistas e consultas a informadores privilegiados que providenciem informação qualitativa sobre a natureza, amplitude e causas do problema, assim como as actuais repostas existentes, serão provavelmente mais esclarecedoras e reais do que as estatísticas oficiais incompletas. Mulheres Delinquentes (Austrália) Num estudo a 470 reclusas, 63% relataram que experienciaram abusos físicos, sexuais e emocionais enquanto crianças, 60% que tiveram distúrbios mentais na juventude, 44% cresceram em famílias com problemas associados ao abuso de álcool, e 26% em famílias com problemas associados ao consumo de estupefacientes. Resultados de um estudo realizado sobre o abuso de estupefacientes das reclusas (2004)67 7.2. Crianças e adolescentes em risco no seio familiar C orrem um risco elevadíssimo de serem vítimas nas suas próprias casas as crianças e adolescentes cujos pais ou tutores são violentos ou têm profissões ligadas à violência, i.e., nas quais a violência marca presença, que se revelam autores de crimes, ou são toxicodependentes, que têm estilos de vida caóticos ou defendem uma disciplina errática. Essas crianças têm também uma maior probabilidade de serem revitimizadas e de se envolverem, muito provavelmente, na prática de delitos no futuro. Para aceder à natureza e à dimensão dos problemas locais, a equipa do DLS deverá consultar representantes dos serviços da Segurança Social, pois estes poderão ter um registo actualizado das crianças e adolescentes em risco68. Técnicos de saúde e médicos deverão também ter consciência desta problemática, tal como organizações de apoio à família e à criança. Líderes espirituais É indispensável ter presente as Directrizes de Riad, disponíveis neste manual, no Anexo C. Johnson H. Key findings from the drug use careers of female offenders study, Trends and Issues in Crime and Justice 289. Canberra: Australian Institute of Criminology, 2004, em www.aic.gov.au/publications/tandi2/tandi289.pdf. Em Portugal as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (ver Anexo E, no final deste documento) desempenham neste domínio um papel insubstituível (cfr. Lei nº 147/99, de 1 de Setembro). Consulte-se, ainda, a Lei Tutelar Educativa (Lei nº 166/99, de 14 de Setembro). Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 43 e representantes de organizações comunitárias podem, também, dar úteis contributos. Deverão ser localizados programas existentes e qualquer relatório de feedback de utilizadores de serviços poderá providenciar provas da eficácia dos mesmos. Especialmente em países em vias de desenvolvimento, o representante local da UNICEF pode ter informação válida69 assim como os estudos nacionais poderão conter dados relevantes. Perguntas-chave nQuantas crianças e jovens se encontram em risco devido à sua situação familiar? nExistem sistemas eficazes para detectar crianças e jovens em risco? nQuais as circunstâncias familiares que os colocam em situação de risco? nQuais os bairros que têm um número despro- porcional de crianças em risco? nO problema está associado a um determina- do grupo demográfico? nQuais são os serviços e programas que abor- dam este problema? nDe que maneira são as respostas existentes adequadas e eficazes para o problema? nExistirá uma boa cooperação entre organismos para lidar com este assunto? nQuais são as prioridades para as acções futuras? Fontes Privilegiadas nRelatórios de investigações precedentes nServiços da Segurança Social nRepresentantes dos serviços de saúde pública nOrganizações não governamentais de apoio à criança e à família nLíderes espirituais nAssociações comunitárias nRelatórios de feedback dos utentes/destina- tários dos serviços e programas existentes 7.3. Crianças e jovens que crescem e vivem em instituições EM muitos países, as crianças que crescem em instituições estão em maior risco de sofrer abusos, quando comparadas com as que crescem num ambiente familiar tradicional. No entanto, estudos revelam que não é apenas o facto de um criança crescer numa instituição ou em instituições, que aumenta esse risco. É um conjunto de factores diferenciados, um conjunto de situações de risco nas suas vidas a que as crianças institucionalizadas estão sujeitas que potenciam futuros comportamentos anti-sociais, como vitimização na infância, falta de laços parentais e diferentes locais de residência. Uma vez institucionalizadas, elas experienciam violência por parte dos colegas, dos trabalhadores da instituição e de outros. Quando deixam de fazer parte do sistema de acolhimento, encontram-se muito mais vulneráveis e sofrem subsequentes abusos e cometem delitos por variadas razões, incluindo o seu baixo grau de escolaridade, falta de residência e falta de preparação para abraçar o primeiro emprego, logo, para enfrentar a vida sem apoios. Fontes privilegiadas são os profissionais dos serviços sociais e das organizações não governamentais que providenciam apoio e cuidados. Deverão também ser contactados os serviços que prestam apoio pós-institucional a estes jovens. A polícia, o Tribunal de Menores e outras entidades dos sistema de justiça de menores devem ser consultadas sobre o impacto dos factores de risco a que estão expostas as crianças dentro destas instituições, em termos de vitimização e/ou delinquência70. Reclusos: Companheiros de Cela (EUA) Os estabelecimentos prisionais locais dos EUA costumam ingressar reclusos detidos, a aguardar julgamento e condenados com penas curtas. Um estudo de uma amostra representativa de 7.000 reclusos revelou que cerca de 31% cresceram com um progenitor ou tutor com problemas de álcool ou de estupefacientes e 46% dos mesmos cresceram com familiares que estiveram presos. Perfil dos Reclusos (2002)71 69 70 71 44 Para mais conselhos e ferramentas a utilizar num estudo epidemiológico e uma avaliação dos riscos ver Organização Mundial de Saúde e Society for Protection of Child Abuse and Neglect. Preventing child maltreatment: A guide to taking action and generating evidence. Geneva: OMS, 2006, em http://whqlibdoc.who.int/publications/2006/9241594365_eng.pdf. Para Portugal consultar também o Anexo E sobre legislação aplicável. Departamento de Justiça: Bureau of Justice Statistics (US), Profile of jail inmates, 2002. Washington DC: DoJ, 2004, em www.ojp.usdoj.gov/ bjs/abstract/pji02.htm. Crescer em Instituições Do total de 41.700 crianças nascidas em Queensland (Austrália) em 1983, cerca de 2.880 tinham, em 2000, um registo significativo de notificações por maus tratos. A colocação das crianças fora do seio familiar influenciou a probabilidade de a criança cometer crimes. Cerca de 26% das crianças mal tratadas que foram retiradas às suas famílias, cometeram subsequentemente delitos pelo menos uma vez, comparativamente com os 13% que nunca saíram das suas casas. No Reino Unido, onde 2% da população passou alguma parte da sua infância numa instituição, 27% de todos os reclusos e 40% dos indivíduos do sexo masculino que se encontram em instituição de justiça juvenil passaram uma parte da sua infância em instituições. Nos EUA, 12% dos reclusos em estabelecimentos prisionais locais viveram em famílias de acolhimento ou instituições. Perguntas-chave nQuantas crianças e jovens crescem em insti- tuições de acolhimento? nEstão representados em maior número jovens provenientes de alguns bairros em particular? nQual é a proporção de jovens / adultos delin- quentes que estiveram / estão institucionalizados? nQual é o perfil demográfico das vítimas e delinquentes que estiveram / estão em instituições? nExistem situações de maus tratos nestas instituições? nQual o nível de literacia e de competências sociais providenciado nessas instituições? nQuais os maiores factores de risco com que se debatem os jovens que crescem em instituições? nQuais os serviços que dão apoio aos jovens no período pós-institucionalização? nSão os serviços de apoio eficazes e adequados? nQuais as prioridades para futuras acções? Fontes de informação privilegiadas nServiços públicos e outros organismos de acolhimento nPolícia e entidades do sistema de justiça de menores (Tribunal de Menores, centros educativos e outros serviços de reinserção social) nCrianças e jovens institucionalizados nOrganizações de apoio aos jovens em regime de pós-institucionalização nDelinquentes que já estiveram institucionalizados 72 73 Numa posterior aferição da realidade devem incluirse entrevistas aos jovens institucionalizados e aos delinquentes que anteriormente também estiveram em instituições, no sentido de aumentar o conhecimento e entendimento sobre os problemas em causa e quais as propostas que apresentam (considerando as mais eficazes) para reduzir os riscos. Grupos comunitários e outras organizações que trabalham com crianças e jovens em situações de risco deverão ter também conhecimento útil sobre os problemas e as respostas aos mesmos. 7.4. Crianças e jovens em conflito com a lei E sta secção refere-se aos menores que ainda não têm idade (em Portugal menores de 16 anos são considerados inimputáveis em razão da idade) mas que estão sob observação das entidades judiciais ou envolvidos com o sistema de justiça de menores72. A razão mais comum que faz estas crianças chamarem a atenção das entidades é o seu comportamento problemático e conflituoso. Um relatório da ONU chama a atenção para o facto de a violência contra as crianças que se encontram em conflito com a lei ser difundida, mas subvalorizada, pouco reportada e pouco reconhecida. Estas situações ocorrem durante rusgas de rotina ou em apreensões e durante o processo de detenção73. Para Portugal ver o Código Penal, a Lei Tutelar Educativa e a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (consultar o Anexo E). Painel de Organizações Não Governamentais da ONU, Secretary-General’s Study on Violence Against Children. Violence against children in conflict with the law. Geneva, 2005, em http://violencestudy.org/IMG/doc/VACICL_Summary_Report_final.doc. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 45 Delinquência Precoce, Consumo Precoce de Drogas e a Criminalidade Subsequente “Quanto mais cedo se inicia a actividade delitiva, maior é a probabilidade de existir uma delinquência grave e crónica no futuro. Os delinquentes precoces, comparativamente com os delinquentes tardios, têm duas a três vezes maior risco de se tornarem delinquentes habituais. Os delinquentes habituais tiveram no passado um contacto mais frequente com o Tribunal de Menores. Os delinquentes mais violentos iniciaram comportamentos desviantes antes dos 14 anos, e a maioria no período do ensino básico”. Relatório do estudo do Grupo sobre Delinquência Juvenil Grave e Violenta74 “Em média, delinquentes juvenis habituais e violentos reportam o primeiro uso de substâncias ilícitas em idade mais precoce do que os delinquentes juvenis que cometam crimes contra a propriedade”. Relatório sobre Jovens Reclusos na Austrália75 A maioria das crianças cresce fora destes ambientes conturbados sem necessitar de qualquer apoio. Contudo, quanto mais cedo uma criança entrar em conflito com a lei, e quanto mais séria for a causa desse contacto, maior é a probabilidade desta se tornar num delinquente grave e persistente. Adianta-se ainda que, tendo esta entrado no sistema de justiça de menores, e especialmente após um período de privação da liberdade, o risco da continuação da actividade delituosa tem tendência para aumentar na maioria dos países desenvolvidos. As intervenções mais precoces junto das crianças e adolescentes que se envolvem no sistema de justiça são vitais para prevenir a sua permanência prolongada e com maior gravidade, tentando combater assim também maiores índices de vitimização. Um DLS precisa aferir a natureza, a dimensão do problema e a eficácia das respostas que têm sido defendidas e concretizadas, de forma a preencher as áreas que requerem maior atenção. É necessário dar maior relevo àqueles que se encontram já inseridos no sistema de justiça e que possam ter sido sancionados com uma advertên74 75 76 46 cia, a prestação de serviço comunitário ou uma sanção privativa da liberdade, ou seja, internamento em regime fechado. A mesma importância devem ter aqueles para os quais as respostas do sistema judicial não são uma opção, devido ao facto de serem muito jovens e necessitarem de apoio a vários níveis. Avaliar as experiências e as circunstâncias que conduziram estas crianças e jovens a terem contacto com o sistema de justiça também deve ser utilizado para conceber e planear intervenções preventivas de forma a impedir que cheguem às fases mais indesejadas do sistema penal. A informação relevante deverá ser obtida nas polícias, no sistema de justiça de menores e nos serviços de segurança social. Contudo, para uma visão mais detalhada, os jovens mais velhos e as organizações não governamentais que trabalham com eles devem ser consultados sobre os factores que, na sua percepção, são importantes e influenciam os seus comportamentos. Perguntas-chave Crianças com idade inferior à imputabilidade penal (com menos de 12 anos de idade)76 nQuantas crianças são acompanhadas pelo sistema de protecção da infância e juventude? nQuais as actividades que os colocam em conflito com a lei? nO problema está associado a alguns grupos ou bairros em particular? nQual é o perfil demográfico dos envolvidos? nQuais os factores de risco que fazem parte do seu historial? nExiste uma estratégia articulada entre instituições e respostas sociais que responda adequadamente às suas necessidades e que os mantenham afastados do sistema judicial? nTerá a estratégia sido bem implementada e será eficaz e adequada? nQuais são as prioridades para acções futuras? Crianças envolvidas com o sistema de justiça tutelar e penal nQuantos jovens estão envolvidos com o sistema de justiça tutelar ou penal? nQual é o seu perfil demográfico? Localizada em Loeber R and Farrington D (eds). Child delinquents: development, intervention and service needs. Thousand Oaks, London and New Delhi: Sage, 2001. Pritchard J and Payne J. Alcohol, drugs and crime: a study of juveniles in detention, Research and Public Policy Series 67. Canberra: Australian Institute of Criminology, 2005, em www.aic.gov.au/publications/rpp/67/rpp67.pdf. Face às características do sistema de justiça em Portugal, nesta versão opta-se por considerar que o primeiro grupo de questões se aplica apenas a crianças com menos de 12 anos de idade, que se encontram ao abrigo da Lei de Protecção às Crianças e Jovens em Risco (ver anexo E). O segundo grupo de questões aplica-se às crianças e jovens com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos de idade, as quais se encontram ao abrigo da Lei Tutelar Educativa ou o Código Penal (ver igualmente anexo E). nO problema está associado com alguns gru- pos ou bairros em particular? nQue de risco são comuns no seu historial? nQue actividades os levam à delinquência e qual o grau de violência das mesmas? nDe que forma estão aquelas actividades ligadas ao abuso de substâncias? nA quantas foram aplicadas medidas tutelares (admoestação, prestação de tarefas a favor da comunidade e internamento em centro educativo), e medidas penais (penas não privativas da liberdade e penas privativas da liberdade)? nQuantas crianças estão internadas em centros educativos ou presas em estabelecimentos prisionais? nEstarão as entidades a trabalhar de forma eficaz e coordenada em prol destes jovens? nExiste uma estratégia e serviços que previnam a reincidência e que evitem um ainda maior envolvimento futuro com o sistema judicial? nA estratégia está bem implementada, é eficaz e adequada? nQuais são as prioridades para intervenções complementares e acções futuras? Fontes privilegiadas nRelatórios de anteriores investigações nPolícia e sistema de justiça (comissões de protecção, tribunais, serviços de reinserção social e estabelecimentos prisionais) nServiços de Segurança Social e organizações comunitárias que trabalham com a população juvenil nAdolescentes mais velhos 7.5. Crianças e jovens na escola A escola é um dos principais contextos onde as crianças podem adquirir competências, capacidades e conhecimentos com os quais, geralmente, se vão capacitar para a sua vida futura e, em particular, reduzir o risco de entrarem em conflito com a lei. Para além das competências académicas e cognitivas, as crianças, na escola, poderão também aprender sobre responsabilidade e cidadania, relações interpessoais e outras competências para a vida, que diminuem a sua vulnerabilidade e o risco de cometerem actividades ilegais. As crianças que não frequentam a escola ou a abandonam com competências básicas pobres e sem qualificações estão sujeitas a uma maior probabilidade de se tornarem vítimas ou de entrarem em conflito com a lei. Conseguir que as crianças completem o ensino obrigatório (em Portugal, até ao 12º ano de escolaridade) é muito mais rentável, do que pagar as consequências dos comportamentos delinquentes delas mais tarde. A investigação demonstra que o ethos da escola pode ser tão poderoso como o curriculum formal para influenciar os resultados futuros, em especial nas crianças com antecedentes desvantajosos, ou com baixas habilitações literárias. Através da avaliação e do reconhecimento de todas as formas de alcançar os objectivos, do desenvolvimento de relações positivas entre os estudantes, pais e profissionais da escola e com um ambiente escolar seguro, as escolas dão a todas as crianças a sua melhor oportunidade de sucesso. É também na escola que os problemas comportamentais e outros, que podem interferir com a aprendizagem e que estão relacionados com a prática de delitos posteriores, regularmente se manifestam ou são primeiramente identificados. Os professores estão numa situação privilegiada no que toca ao apoio destas crianças e das suas famílias para aceder à ajuda adicional e especializada que seja necessária. Consequentemente, os professores não só têm um papel vital na consciencialização destas crianças para se afastarem de problemas, mas, também, no trabalho de articulação com outras entidades e organizações. Violência na Escola “Reportando-se a um vasto leque de países desenvolvidos, a Global School-based Health Survey concluiu recentemente que cerca de 20% a 65% das crianças em idade escolar relataram terem sido abusadas e violentadas verbal e fisicamente nos últimos 30 dias. O bullying é também frequente em países industrializados”. Estudo da ONU sobre Violência Contra Crianças (2006) Contudo, para muitas crianças, a escola é o local onde são expostos ao risco e onde experienciam situações de vitimização, medo e um sentimento de exclusão ou rejeição. A violência, muitas vezes na forma de bullying, ou através de roubo ou agressão, ocorre com maior frequência no ensino básico e secundário e frequentemente envolve agressões motivadas por questões étnicas e sexuais. Tais actos são cometidos por e contra jovens, assim como por e contra os profissionais da escola sendo, em casos extremos, gangs juvenis a controlar o ambiente escolar. Pode também ser na escola que as crianças primeiro têm contacto com drogas e o uso Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 47 de substâncias ilícitas. Isto acontece muitas vezes nas imediações escolares. As escolas são também alvos de actividades criminosas como fogo posto, furto ou vandalismo contra as instalações. Como resultado, a educação das crianças pode ser interrompida com consequências graves. O sentimento de medo, de vitimização e de rejeição contribuem para o absentismo e o abandono escolar. Os jovens podem mesmo ser expulsos e suspensos devido aos seus comportamentos, existindo, porém, muitas outras razões que afectam a assiduidade escolar, designadamente ambientes familiares problemáticos, doença, dificuldades financeiras ou a necessidade de cuidar de um dos pais ou irmãos. A não ser que se providencie uma educação alternativa, o facto de não frequentar a escola aumenta a probabilidade de se adoptarem comportamentos criminosos que podem vir a acentuar-se com o tempo. Tratar estes problemas relacionados com a escola, identificar respostas eficazes e centrar as atenções em assuntos que requerem uma posterior intervenção deverá, por todos os motivos já mencionados, ser uma prioridade para todos os DLS. Informações obtidas junto dos representantes dos serviços educativos e dos professores deverão ser o ponto de partida. Será conveniente recolher informações sobre as “chamadas de serviço” das escolas para a polícia e para as instituições que trabalham com jovens77. Para informações mais detalhadas, deverão envolver-se os jovens através de questionários e outras formas de aferir as opiniões destes, e os DLS escolares devem organizar-se de modo a obter um conhecimento mais aprofundado sobre a realidade78. Poderá considerar-se a hipótese de dar formação aos jovens para realizar esta pesquisa79. 77 78 79 48 Perguntas-chave nQual a percentagem de jovens que termina o ensino secundário? nQual a percentagem dos jovens que não têm competências básicas de literacia quando terminam/abandonam a escola? nExiste algum mecanismo para avaliar a segurança dos estudantes e dos profissionais da escola? nSe existe, qual o grau de segurança que os alunos e profissionais de educação sentem enquanto se encontram na escola? nQual o nível de absentismo, suspensões e expulsões? nQue formas alternativas existem, em termos educacionais, para os alunos expulsos e excluídos? nO que motiva a violência escolar e qual a sua prevalência? nQual a dimensão do abuso de estupefacientes na escola e imediações? nTodas as escolas têm uma política anti-bullying? nQue outras políticas ou iniciativas existem de modo a criar escolas mais seguras? nQuais são as intervenções actuais existentes que envolvam a educação, a polícia e o sistema de saúde? Funcionam bem? Estão adequadas? nQual é a dimensão e custos dos crimes contra as instalações e recintos escolares? nComo é que os problemas variam de escola para escola, e onde é que eles são mais graves? nQuais as prioridades para acções futuras? Fontes privilegiadas nRelatórios de pesquisas anteriores nRepresentantes dos serviços educativos e pro- fessores nPolícia, tribunal e serviços do sistema de jus- tiça de menores nCrianças e jovens Em Portugal existe o Gabinete Coordenador da Segurança Escolar (GCSE), uma estrutura integrada no âmbito do Ministério da Educação, que vem dar continuidade ao trabalho desenvolvido pela Equipa de Missão para a Segurança Escolar e que tem como missão conceber, coordenar e executar as medidas de segurança nas escolas. Em articulação com o Observatório da Segurança na Escola e com o Programa Escola Segura, cabe ao GCSE conceber, coordenar e executar as medidas de segurança no interior das escolas e no perímetro interior da vedação, incluindo a formação de pessoal docente e não docente. Em função dos dados recolhidos pelo Observatório de Segurança na Escola, cabe ao GCSE elaborar um plano de actividades anual e proceder à concretização das medidas necessárias para combater situações de insegurança e violência escolar. Entre as atribuições do GCSE contam-se a monitorização dos sistemas de vigilância nas escolas e a promoção de programas na área da segurança, nomeadamente nas escolas incluídas no programa dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP). Tem, igualmente, a responsabilidade de organizar acções de formação específicas sobre segurança escolar, destinadas ao pessoal docente e não docente, bem como de promover a realização periódica de exercícios e de simulacros, com o intuito de acompanhar os planos de emergência das escolas e de fomentar a habituação da comunidade educativa aos planos de segurança. O GCSE, no âmbito das funções que lhe são atribuídas, deve ainda acompanhar experiências e modelos de intervenção em execução noutros países. Para obter informações sobre DLS nas escolas, ver Galvin P. The role of a school audit in preventing and minimising violence. Capítulo 2, “Violence reduction in schools. How to make a difference”. Strasbourg: Council of Europe Publishing, 2006. Uma ferramenta de acesso online foi desenvolvida pelo Departamento para a Educação e Competências [Department for Education and Skills (UK)] para os profissionais da educação pode ser encontrada em www.teachernet.gov.uk/emergencies/planning/security/index.html. Lutar Contra o Bullying nas Escolas Para apoiar as escolas australianas de modo a travarem o problema do bullying, o Governo Australiano disponibilizou uma lista (apresentada em baixo) para que as escolas encontrem respostas80. Desadequado Adequado Excelente 1Recursos adquiridos para informar as escolas, os centros de apoio, centros de ocupação dos tempos livres e a comunidade sobre o bullying 2Factos recolhidos sobre o bullying nas escolas e centros comunitários 3Política adoptada através do envolvimento de: n Profissionais de acção educativa n Crianças n Pais 4Elaboração de uma política anti-bullying que: n Descreva o que é o bullying n Reconheça o direito dos indivíduos a estarem a salvo destes actos de bullying n Enfatize a responsabilidade de todos na luta contra o bulling n Indique, em termos gerais, como se deve lidar com os incidentes ligados ao bullying n Tenha o apoio das escolas e da comunidade 5Discutir o bullying com as crianças 6Incluir nos curricula formação sobre bullying, que constitua objecto de estudo e da realização de projectos escolares 7Apoio às crianças vitimizadas 8Avaliação dos resultados dos incidentes do bullying tratados 9Responsabilizar as crianças e envolvê-las na procura de soluções contra o bullying 10Organizar reuniões construtivas com os pais sobre os actos de bullying 11Aferir a forma de resposta das escolas ou jardins-de-infância face ao bullying 12Planear a revisão do trabalho anti-bullying Esta lista permite fazer uma avaliação quanto à adequação das respostas das escolas e jardins de infância face ao bullying. Permite, ainda, perceber como está a ser realizado cada um dos pontos acima referenciados. Esta lista pode também ser útil para os jardins-de-infância, no combate ao bullying. 80 Rigby K. Bullying among young people. Canberra: Australian Government Attorney-General’s Department, 2003, em www.ag.gov.au/agd/ WWW/rwpattach.nsf/VAP/(1E76C1D5D1A37992F0B0C1C4DB87942E)~Bullying+Teachers.pdf/$file/Bullying+Teachers.pdf. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 49 7.6. Crianças e jovens envolvidos em gangs com actividades criminosas e violência organizada Definir os Gangs “Os gangs de rua são grupos de adolescentes e jovens adultos que se unem para formar uma organização semi-estruturada, sendo o seu principal objectivo planearem actividades criminais com vista ao lucro ou organizarem acções de violência contra gangs rivais (por exemplo, menos expostos e visíveis, mas mais permanentes do que outros)”. peritos sentem uma grande dificuldade em chegar a um consenso sobre o que constitui um gang juvenil. Mas a maioria das definições descreve o termo como grupos de jovens estruturados ou semi-estruturados que se envolvem em violência urbana grave e outro tipo de criminalidade81. Particularmente perturbador é o número de crianças e jovens que usa armas brancas e armas de fogo em conflitos entre grupos rivais, com empresas de segurança ou para cometer delitos. “Qualquer grupo estável de jovens que actua nas ruas e que se identifica pelo exercício de práticas ilegais”. OS Australian Institute of Criminology83 Eurogang Program84 “Um grupo de adolescentes e jovens adultos que, juntos se envolvem em actos de violência, actividades ilegais e criminais. Geralmente atribuem uns aos outros um nome ou símbolo comuns, e que normalmente usam um determinaO Projecto COAV (Brasil), e o estudo internacio- do tipo de roupa ou outro item identificativo”. nal alargado no qual este se integra, evidenciaram uma dimensão particularmente perturbadora deste flagelo. Trata-se de um envolvimento vasto e alargado (em países que não se encontram em guerra) de crianças e jovens em grupos organizados e armados, com uma estrutura de comando e poder sobre determinado território, população local ou recursos. Os exemplos na América Latina citados pelo COAV incluem “grupos de contrabando de droga em disputas territoriais (como no Rio de Janeiro, Brasil); gangs criminosos em sentido genérico (tráfico de droga, de armas, e raptores); gangs juvenis estruturados e armados (“maras” e gangs nas Honduras, em El Salvador e na Guatemala); grupos étnicos armados, esquadrões da morte e grupos de vigilantes que executam criminosos. O problema também se encontra em regiões de ex-teatro de conflitos armados, onde o crime organizado recorre a grupos armados”82. 81 82 83 84 85 50 US National Youth Violence Prevention Resource Center85 Os grupos armados organizados que envolvem crianças e jovens têm sido identificados em todo o mundo em países desenvolvidos e subdesenvolvidos, nomeadamente na Nigéria, na Irlanda do Norte e nas Filipinas, havendo diferenças consideráveis quanto ao número de membros e à estrutura organizacional. Existem para fins lucrativos, por razões de supremacia territorial, para “protecção comunitária” ou por razões políticas, algumas vezes com o apoio de população local, de políticos ou de milícias. Estes grupos operam em bairros, em escolas e em zonas comerciais. Muitos estudos confirmam o elevado número de mortes e os crescentes danos que estes grupos Bureau of Justice Assistance (US). Addressing Community gang problems: A practical guide. Monograph. Washington DC: Department of Justice: Office of Justice Programs, 1998, em www.ncjrs.gov/pdffiles/164273.pdf. COAV stands for ‘Children and Youth in Organised Armed Violence’. O projecto foi iniciado no Brasil e está ligado a um estudo internacional envolvendo 10 países, em www.coav.org.br. White R. Understanding youth gangs. Trends and Issues in Criminal Justice, 237. Canberra: Australian Institute for Criminology, 2002, em www.aic.gov.au/publications/tandi/ti237.pdf. www.umsl.edu/~ccj/pdfs/05%20Use%20Request%20Form.pdf www.safeyouth.org/scripts/teens/gangs.asp de jovens armados provocam nas comunidades. Na Nicarágua, por exemplo, quase metade de todos os crimes e actos de delinquência são atribuídos a jovens gangs86. Um estudo realizado em Denver (USA) constatou que, apesar de só 14% dos jovens pertencerem a gangs, estes seriam culpados por 89% dos crimes violentos, enquanto um outro estudo americano concluiu que os membros deste tipo de gangs teriam uma probabilidade sessenta vezes superior de serem mortos do que qualquer outro indivíduo da restante população87. Nas inúmeras comunidades que são afectadas pelo envolvimento de crianças e jovens em gangs juvenis, praticando o crime organizado, armado e/ou violento, qualquer estratégia de prevenção deverá ter por alvo a redução do recrutamento e a diminuição do número de membros, visando assim a redução da actividade criminal. Dada a grande variação das características de um gang, é essencial a realização de um estudo local para ter um conhecimento mais desenvolvido relativamente ao funcionamento, às actividades de recrutamento, à hierarquia, à estrutura e às movimentações que regem estes grupos. Não existem caminhos fáceis para adquirir tal informação, a não ser que, previamente, se tenha efectuado uma pesquisa local. Qualquer estatística oficial terá, muito certamente, pouco valor e a equipa do DLS terá de consultar os informadores privilegiados para construir uma imagem de qualidade durante a implementação da Fase 188. Esta recolha de informação deverá incluir opiniões dos representantes da polícia, das comunidades, das escolas e das organizações da sociedade civil com conhecimento sobre ou envolvidas com os gangs. Para uma melhor compreensão e conhecimento, também se deverá considerar o contexto sócio-económico, especialmente as discrepâncias dos rendimentos, que poderão propiciar as 86 87 88 89 90 91 92 National Youth Gang Center (EUA)89 Nas últimas duas décadas, a proliferação de problemas relacionados com os gangs em pequenas e grandes cidades, subúrbios e até em zonas rurais, conduziram ao desenvolvimento de uma resposta exaustiva e coordenada destes problemas dos gangs americanos através do Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention (OJJDP)90. A resposta do OJJDP envolve cinco componentes principais, sendo uma delas a implementação e operacionalização do National Youth Gang Center (NYGC91). O seu trabalho inclui: n Avaliar o problema dos gangs através da análise dos dados das entidades policiais e de um Estudo Nacional Anual Sobre Gangs Juvenis. n Manter uma base de dados actualizada sobre os gangs. n Apoiar um programa de redução de gangs em quatro bairros, providenciando assistência técnica e formação às comunidades. n Apoiar a iniciativa de uma escola sem gangs baseada num Modelo de Conhecimento sobre Gangs92 através da assistência técnica e formação em quatro localidades. actividades relacionadas com os gangs e com a violência organizada. Se for necessária uma investigação mais detalhada na implementação da Fase 2, certamente que se tornará imperativo recorrer a uma investigação empírica. Esta deverá incluir como se desenvolve o recrutamento, o envolvimento de jovens das escolas e de outros cenários, quais as condições que motivam os indivíduos a associarem-se a um gang, e quais as orientações de determinados associativismos dos gangs. Rodgers D. Youth gangs and violence in Latin America and the Caribbean: a literature survey. LCR, Sustainable Development Working Paper 4. World Bank, 1999, em http://wbln0018.worldbank.org/LAC/LACInfoClient.nsf/d29684951174975c85256735007fef12/1e05 1e74b34f8253852567ed0060dde7?OpenDocument. Citado em Howell JC. Youth gangs: an overview. Washington DC: Department of Justice, Office of Justice Programs, Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention (US), 1998, em www.ncjrs.org/pdffiles/167249.pdf. Em Portugal as forças de segurança distinguem entre delinquência juvenil e criminalidade grupal. Não se tratam de categorias jurídico-penais puras, mas de conceitos policiais. Tais conceitos podem considerar-se um mix entre conceitos sociológicos e categorias policiais para fins meramente estatísticos, que se podem prestar a alguns equívocos descritivos e interpretativos, não resistindo, na maior parte das vezes, à avaliação rigorosa dos respectivos meta-dados. Isto é, sabe-se mal que ocorrências captam a delinquência juvenil ou a criminalidade grupal. Todavia, podem funcionar nesta Fase 1 para uma compreensão geral da situação. Nesse sentido, deve entender-se por delinquência juvenil o stock anual de ocorrências registadas pelas forças de segurança e que respeitam a factos ilícitos qualificados como crimes, cometidos por menores de 16 anos. Por criminalidade grupal a criminalidade praticada por um conjunto de 3 ou mais indivíduos, independentemente da idade desses indivíduos. A relação entre uma e outra categorias decorre do facto de parte significativa da criminalidade grupal ser da responsabilidade de adolescentes com menos de 16 anos. www.iir.com/nygc/maininfo.htm Departamento de Prevenção da Justiça Juvenil e Delinquência. Centro Nacional de Gangs Juvenis. No original, Comprehensive Gang Model. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 51 Perguntas-chave nQuantas crianças e jovens pertencem a gangs criminosos? nQual é o perfil demográfico dos membros dos gangs? nO que motiva as crianças e os jovens a per- tencerem a um gang? nOs gangs estão associados a bairros ou gru- pos em particular? nQual é a principal actividade de um determina- do gang (lucro, insegurança, insatisfação)? nQual a natureza da criminalidade (especial- mente violência/drogas ilícitas)? nQue proporção está envolvida no conflito ar- mado? nQual a taxa de vítimas dentro dos gangs? nQuão grave é o problema dos gangs nas escolas? nExiste alguma estratégia, presentemente, para travar as actividades ligadas aos gangs? nA estratégia está bem implementada? É eficaz e adequada? nQue organizações já estão actualmente envolvidas com os gangs existentes? nQue acções estão a ser tomadas para diminuir o recrutamento? nQuais são as prioridades para as acções futuras? Fontes privilegiadas nRelatórios de investigações anteriores nRepresentantes da polícia, comunidades, escolas e organizações da sociedade civil. nJovens nas escolas e noutros cenários 93 94 95 52 7.7. Crianças de rua A definição de crianças de rua é imprecisa e aplicada a um elevado conjunto de jovens. Pode incluir crianças e jovens sem-abrigo; que trabalham nas ruas mas dormem em casa; que têm ou não contacto familiar; que trabalham em mercados ao ar livre; que vivem nas ruas com as suas famílias; ou que vivem em abrigos diurnos ou nocturnos93. Os relatórios da UNICEF demonstram que “o número exacto de crianças de rua é impossível de quantificar, mas estima-se ser em cerca de dezenas de milhões ou mais, sendo que, algumas estimativas colocam os números nos 100 milhões”94. O que é claro é que todas estas crianças se tornam vulneráveis a inúmeras formas de violência, exploração e abuso, e muitas recorrem ao crime para sobreviver95. A violência contra as crianças de rua é praticada pelos seus próprios pares, membros da comunidade e, algumas vezes, pela polícia e profissionais de segurança96. A ONU defende que a violência praticada pela polícia sobre as crianças de rua – desde agressões verbais a físicas, a violações e outras agressões de natureza sexual, à tortura e “desaparecimentos” – é um tema comum, e crianças de todas as regiões relatam violência cruel e gratuita por parte da polícia. No outro extremo desta escala estão os esquadrões da morte e os grupos de vigilantes97, que são conhecidos por, de forma sistemática, assassinar crianças de rua. Consortium For Street Children, em www.streetchildren.org.uk. UNICEF. The state of the world’s children 2006: Excluded and invisible: Street children. UNICEF: 2006, em www.unicef.org/sowc06/ profiles/street.php. Em Portugal várias instituições se têm dedicado a trabalhar com estas crianças, cujo número é, felizmente, muito reduzido e de todo não comparável com as realidades de alguns países africanos, da América do Sul ou asiáticos. Destaca-se o trabalho do Instituto de Apoio à Criança (ver www.iacrianca.pt). Em 1989 o IAC criou o Projecto de Trabalho de Rua com Crianças em Risco ou Situação de Marginalidade. Actualmente designa-se por Projecto Rua – Em Família para Crescer. O projecto iniciou-se, para dar resposta a um vasto número de crianças e jovens de rua que se encontrava a vaguear na baixa de Lisboa. Animadores de rua e técnicos, através de uma relação personalizada, de contacto com as famílias, de formação em exercício ou procura de emprego, procuravam a integração destas crianças e jovens na família e na comunidade. Em 1993, para suster o problema nas suas origens e prevenir o aparecimento de novos casos, o projecto fixou equipas nas Comunidades de Residência das crianças/jovens que se encontravam na rua: Bairro 6 de Maio (Damaia), Pátio 208 e Bairro do Condado (Chelas) e Bairro Olival do Pancas (Pontinha). Até 2000, deste propósito inicial, passou-se à progressiva autonomização destas comunidades e ao desenvolvimento comunitário. A população do Pátio 208 conseguiu o seu maior objectivo – o realojamento – e continua a manter a Associação de Moradores, procurando, pontualmente, a nossa ajuda. O Bairro 6 de Maio tem ainda o apoio do Projecto Rua, através das relações de parceria que este estabelece com as instituições locais. Hoje em dia, apenas se mantêm as equipas no Bairro Olival do Pancas e no Bairro do Condado. No primeiro ensaia-se um modelo de projecto Integrado em prol da população do bairro, fruto da articulação e concertação dum vasto número de parceiros. No segundo, põe-se em marcha, também, uma experiência piloto, na qual os jovens colaboram na abordagem e integração de outros jovens em risco, desempenhando o papel de mediadores. Neste momento a equipa da Comunidade de Fuga, a que desde o início do projecto trabalha directamente na captação e abordagem das crianças e jovens de rua, continua este trabalho, atenta às novas características destas, muitas delas vítimas de “piores formas de exploração do trabalho infantil”, nomeadamente a prostituição, a mendicidade e o tráfico de droga, tentando motivá-las para a mudança de vida, com valores e projectos. Para viabilizar este objectivo a equipa conta com a equipa do NAC (Núcleo de Apoio às Comunidades) que articula com a equipa da Comunidade de Fuga e as Comunidades de Residência das crianças e jovens no sentido de facilitar a sua integração. Há, ainda, a contar na estruturação dos 3 níveis de intervenção (1ª Linha – Transição – Externo) a equipa do NAD (Núcleo de Apoio e Desenvolvimento) que actua a nível externo (nacional e internacional participando em/e dinamizando várias redes – REAPN, ENSCW, ESAN, BICE e Federação Europeia para as Crianças Desaparecidas e Sexualmente Exploradas), sendo a sua finalidade revalorizar a sociedade para a mudança de mentalidade, atitudes e políticas. Encontram-se particularmente vulneráveis aquelas crianças e jovens que experienciam dificuldade em encontrar trabalho ou que são recrutadas por adultos quando chegam pela primeira vez às cidades. Podem ser forçadas a realizar actividades locais ilegais, tais como transporte de drogas, roubo, crimes de rua, prostituição, ou podem ainda ser traficados para o mesmo propósito. As situações em que se encontram colocam essas crianças e jovens em grande risco, com fortes probabilidades de abusarem de substâncias e de contraírem o vírus HIV/SIDA. Também é necessário reconhecer que as crianças de rua existem tanto em países subdesenvolvidos como em países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento. Contudo, identificar e avaliar os problemas relacionados com as crianças de rua é particularmente difícil devido à sua invisibilidade comparativamente com o resto das crianças com que lidam os serviços públicos. Para conduzir um DLS sobre este assunto, devem consultar-se instituições que desenvolvem serviços no âmbito da protecção da criança, bem como organizações semelhantes da sociedade civil (ex: sem-abrigo). Deve considerar-se o apoio de organizações da sociedade civil com prestígio para obterem opiniões das crianças de rua sobre as suas experiências e prioridades. Devem ser também contactados a polícia, os organismos de protecção de menores os serviços de reinserção social e o tribunal de menores que detêm algum conhecimento sobre vitimização, ofensas, agressões e violência interpessoal. Perguntas-chave nQuantas crianças de rua existem na cidade? nO número está a aumentar? nQual é o seu perfil demográfico? nEm que zonas dormem e trabalham? nPorque estão nas ruas e como sobrevivem? nDe que formas são vitimizados e explorados? nQuais são as actividades que os colocam em conflito com a lei? nQuais as organizações que estão envolvidas com as crianças de rua? nQue serviços oferecem? nComo funcionam esses serviços? São apro- priados e funcionais? nQuais são as prioridades para as acções futuras? Fontes privilegiadas nRelatórios de investigações anteriores nInstituições vocacionadas para a prestação de serviços a crianças nOrganizações da sociedade civil com um in- teresse especial em crianças de rua e assuntos relacionados (ex: sem-abrigo) nCrianças de rua nPolícia, organismos de protecção de menores, serviços de reinserção social e Tribunal de Menores Crianças de Rua em Bamaco (Mali) e Acra (Gana) O Instituto Norueguês de Investigação, Fafo, desenvolveu instrumentos especificamente para a investigação sobre crianças de rua98. Utilizaram-se amostras “determinadas segundo os entrevistados” e de “captura-recaptura”99 para identificar e descrever o perfil das crianças de rua em Bamaco (Mali) e Acra (Gana) e perceber a utilidade destes métodos para este trabalho. A amostra de captura-recaptura revelou-se ser uma boa técnica de amostragem, mas requer algum conhecimento anterior da população das crianças de rua e é difícil de aplicar numa cidade com um elevado número de crianças de rua. A respondent-driven sampling providenciou com sucesso, e segundo os entrevistados, uma visão das características das crianças de rua. Ambos os estudos foram efectuados em estreita colaboração com as organizações locais que trabalham com as crianças de rua. As diferenças entre as duas cidades enfatizam a necessidade de um estudo localizado. Em Bamaco, por exemplo, 96% eram rapazes, enquanto em Acra 75 % eram raparigas. Relatório da Fafo sobre a Identificação de Crianças de Rua (2005)100 Sobre esta matéria consultar os relatórios do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa. Indivíduos que tentam substituir-se às forças de segurança no combate ao crime por considerarem que estas não são eficazes. Esta situação provém do contexto da América do Sul mas não se circunscreve a esse continente. 98 www.fafo.no/indexenglish.htm 99 Técnica amostral para fazer uma estimativa do N, neste caso do número de crianças de rua, numa determinada população. 100 Anne Hatløy A and Huser A. Identification of street children: Characteristics of street children in Bamako and Accra. Fafo Report 474. Oslo: Fafo, 2005, em www.fafo.no/pub/rapp/474/474.pdf. 96 97 Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 53 8 Violência Interpessoal 8.1. Introdução A violência interpessoal101 inclui várias formas de violência e abuso que ocorre no seio de relacionamentos íntimos (i.e. que invocam a parceria conjugal ou uma relação análoga à dos cônjuges, as relações familiares consanguíneas intergeracionais) e que causa danos físicos, psicológicos ou sexuais. De seguida serão abordadas duas formas particulares de violência interpessoal: violência entre parceiros íntimos e violência contra idosos. A violência contra crianças num contexto familiar já foi anteriormente abordada (ver, anteriormente, Secção 7). 8.2. Violência entre parceiros íntimos (violência conjugal) U ma das formas mais comuns de violência praticada contra as mulheres é realizada pelos maridos ou parceiros íntimos. Este tipo de violência ocorre em todos os países e é transversal a todos os estratos sociais e económicos da sociedade, a todas as suas subculturas e religiões. Nos países em que esta problemática tem sido abordada, descobriu-se que afecta uma porção significativa da população102. A violência entre parceiros íntimos pode ser cometida por homens contra mulheres, mulheres contra homens, ou entre parceiros sexuais do mesmo sexo, mas este tipo de violência é maioritariamente cometido por Em Portugal, o conceito de violência doméstica é mais abrangente do que aquele que é mencionado neste manual como violência interpessoal, mas contém esse mesmo tipo de violência. Assim, nos termos da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro (aprovação da Vigésima Terceira alteração ao Código Penal), no seu artº 152º, “1 – Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge; b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou d) A pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”. Deverá ainda consultar-se o III Plano Nacional Contra a Violência Doméstica, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 87/ 2007, de 22 de Junho. 102 Para Portugal, importa consultar a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, em www.cig.gov.pt. Também a Direcção-Geral de Administração Interna (DGAI), que tem a seu cargo a gestão da base de dados de violência doméstica, disponibiliza na internet dados sobre violência doméstica, nomeadamente taxas de incidência por regiões, em www.dgai.mai.gov.pt. 101 54 homens contra as suas companheiras. Adicionalmente, a violência masculina, por norma, causa danos muito mais graves do que a feminina, e as mulheres estão mais expostas à perpetuação destas agressões e a temer pelas suas vidas como resultado do abuso. Finalmente, aumenta de forma significativa nas mulheres a probabilidade de serem gravemente feridas, hospitalizadas e até mortas pelos seus parceiros. A violência entre parceiros íntimos tem um impacto devastador com consequências nefastas nos indivíduos, nas famílias e nas comunidades, podendo alastrar-se para lá do fim dos abusos, afectando a saúde mental e física dos indivíduos que vivem com parceiros violentos, bem como das crianças que testemunham a violência. Violência Entre Parceiros Íntimos (Conjugal) Este termo foi definido de uma forma analítica pela Organização Mundial de Saúde, como qualquer comportamento no seio de uma relação íntima que causa danos físicos, psicológicos ou sexuais a qualquer um dos parceiros. Estes comportamentos incluem: n Actos de agressão física – tais como esbofetear, bater, pontapear e espancar. n Abusos psicológicos – tais como intimidação, rebaixamento e humilhação constante. n Actos sexuais forçados ou outras formas de coação sexual. n Comportamentos controladores variados – tais como isolar a pessoa da sua família e amigos, vigiar todos os seus movimentos, e restringir o seu acesso a informação e assistência. 8.3. Diagnosticar a violência entre parceiros (conjugal) Q uando a violência entre parceiros ocorre, inúmeros factores, tais como o envolvimento emocional, a dependência económica, o bem-estar das crianças, a cultura, a religião e a acessibilidade ao apoio, contribuem para que crimes desta natureza continuem a não ser reportados ou a ser, certamente, sub-reportados104. Por exemplo, estima-se que somente um terço dos casos de violência conjugal seja reportado nos Estados Unidos e em Inglaterra, apesar dos esforços para lidar com este problema. Em países onde as respostas preventivas e jurídicas são escassas, e dados os muitos factores que operam contra os indivíduos que experienciam este tipo de violência, a probabilidade desta ser sub-reportada, ou não ser de todo reportada, é maior. Violência Entre Parceiros Íntimos (Conjugal): um Problema Global “No estudo, a percentagem de mulheres que tem sido agredida pelo seu parceiro nos últimos 12 meses variou entre: 3% ou menos em mulheres australianas, canadianas e norte-americanas, 27% em mulheres que já tiveram um parceiro ocasional (mulheres que sempre tiveram relacionamentos íntimos, mesmo que nem sempre tenha sido o mesmo parceiro), em Léon, Nicarágua; 38% em mulheres actualmente casadas na República da Coreia, e 52% em mulheres casadas palestinianas da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Para muitas destas mulheres, as agressões físicas não são um acto isolado mas sim uma parte de um continuado comportamento abusivo.” “Investigações demonstram que a violência física em relações íntimas é normalmente acompanhada por abusos psicológicos WHO World Report on Violence and Health (2002)103 e, de um terço a metade dos casos, por abuso sexual. Entre 613 mulheres japonesas que, pelo menos por uma vez sofreram abusos, 57% sofreram os três tipos de abusos, físico, psicológico e sexual. Menos de 10% sofreram somente abusos físicos. Igualmente, em Monterrei, no México, 52% das mulheres agredidas fisicamente foram também sexualmente abusadas pelos seus parceiros.” WHO World Report on Violence and Health (2002) Krug E G, Dahlberg L L, Mercy J A, Zwi A B and R Lozano (eds), 2002, World report on violence and health. WHO: Geneva, em www.who. int/violence_injury_prevention/violence/world_report/en/full_en.pdf. 104 Em Portugal sabe-se que a violência doméstica é um dos crimes com maior índice de cifra negra. Ver, também, o site da APAV sobre este mesmo assunto, em www.apav.pt. 103 Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 55 Violência Doméstica na Divisão de Kawempe (Uganda)105 Foram usados vários métodos para recolher dados quantitativos e qualitativos sobre violência doméstica a mais de 400 pessoas. Participaram 315 membros da comunidade, em 32 grupos focais; 91 questionários foram completados por profissionais e líderes locais; e 15 entrevistas foram conduzidas com a ajuda de informadores privilegiados, tais como prestadores de cuidados de saúde, professores, agentes policiais da unidade de apoio à família e líderes religiosos. A pesquisa confirmou a gravidade do problema: n A violência doméstica, maioritariamente cometida contra mulheres e crianças, foi vista como um problema grave; n Mais de metade dos indivíduos que foram objecto de estudo conhecia mais de 10 mulheres que eram vítimas de violência doméstica n O tipo de violência reportada mais frequente foi o espancamento n A violência doméstica causa danos nas relações familiares, problemas de saúde, e inflecte custos económicos na família e provoca repercussões no âmbito da saúde, incluindo na fertilidade das vítimas n As mulheres acham que a violência doméstica se deve à falta de respeito entre parceiros e à desigualdade entre maridos e mulheres; os homens culpam as provocações e os comportamentos menos próprios das mulheres e factores externos, como a pobreza e o álcool ser mais reveladores. Em algumas sociedades, especialmente patriarcais, a violência pode ser mais “aberta”, ou negada, e considerada normal. Nestas situações deverão ser criadas oportunidades e condições nas quais mulheres e as jovens se sintam mais apoiadas para poder falar. Departamentos e organizações especializadas com a missão de prevenir e implementar medidas que combatam a violência entre parceiros, estarão numa posição privilegiada para contribuir activamente para o DLS. Estas incluem as entidades policiais, instituições de saúde (entidades de saúde pública, hospitais, médicos de família), serviços sociais e instituições educativas cujo aconselhamento e serviços de saúde abordem estes assuntos. Adicionalmente, obter opiniões junto dos prestadores de serviços mais generalizados que lidam com as famílias pode ser uma fonte de informação útil, incluindo organizações comunitárias que apoiam populações particulares, tais como imigrantes e minorias identificáveis. Alguns dados podem ser recolhidos através de um estudo generalizado das vítimas, mas as queixas reportadas voluntariamente serão muito baixas. Estudos com objectivos bem delineados, conduzidos para que a confidencialidade e segurança das vítimas nunca seja posta em causa, poderão nServiços de apoio à familia nMédicos de família e prestadores de serviços 105 56 Perguntas-chave nQuantos indivíduos se acredita já terem expe- rienciado violência por parte dos parceiros? Qual a comparação face a outras comunidades? nQual é a forma de violência infligida (física, sexual, psicológica, económica)? nQual a proporção de vítimas masculinas e femininas? nO problema é mais grave em alguma zona geográfica ou comunidade étnica em particular? nEstá actualmente em vigor alguma estratégia eficaz para lidar com o problema? nQue factores causam ou contribuem para a violência? nQual é o grau de vitimizações contínuas? nAs respostas sociais colmatam as necessidades de todos os grupos da comunidade? nDe que modo se podem melhorar as respostas actuais e o que mais pode ser feito? Fontes privilegiadas nPolícia, especialmente agentes com respon- sabilidades especiais relevantes ao domicílio (enfermeiras, assistentes sociais, psicólogos e técnicos que façam visitas de apoio pré e pós-parto) nServiços de emergência médica hospitalar nProfessores nServiços de habitação social nRepresentantes de grupos religiosos ou espirituais nEntidades e organismos do sistema de justiça, incluindo os tribunais e serviços prisionais nOrganizações que providenciam abrigo, refúgio, aconselhamento e outros tipos de apoio às vítimas e às testemunhas nGrupos femininos nGrupos comunitários nServiços sociais que prestam apoio financeiro (i.e., prestações sociais) e assistência social Domestic Violence Prevention Project, Kampala, Uganda (2000). Para mais informações, ver www.preventgbvafrica.org/images/publications/reports/dvpoverview.pdf. 8.4. Abuso de idosos E ste termo diz respeito a abusos de idosos infligidos por membros da família ou outros seus conhecidos, que ocorre nas suas próprias casas, nas casas onde residem ou em instituições. O abuso de idosos pode ser um acto repetido ou isolado, ou consistir na ausência de acções de apoio apropriadas que ocorrem no seio de um relacionamento no qual a pessoa de confiança causa dor ou desconforto à pessoa idosa106. O abuso contra idosos pode assumir várias formas, que foram categorizadas pela OMS no seu Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, em investigações efectuadas, particularmente, no Canadá, Estados Unidos e Reino Unido107. Adicionalmente, foi identificado um leque de outras práticas numa exploração mais detalhada dos abusos infligidos contra idosos em sociedades tradicionais. Estas incluíam o abandono de mulheres viúvas e a confiscação dos seus bens, assim como acusações de bruxaria que resultam na expulsão dos idosos das suas casas ou, até mesmo, no seu assassinato. A obrigação de cuidarem dos netos também se inclui no tipo de abuso de que os idosos são vítimas108. Por uma variedade de motivos, os inúmeros impactes da violência sobre um indivíduo são exacerbados no que toca aos idosos. Incluem o processo de envelhecimento e as doenças, o declínio das faculdades mentais que podem interferir na tomada de decisão de pôr termo aos maus tratos. Para além disso, em idades mais avançadas o seu restabelecimento pode ser comprometido. Alguns termos definem … nAbusos físicos Infligir dor ou ferimentos, coação física, ou utilização de meios de inibição físicos ou medicamentosos. nAbusos psicológicos ou emocionais Infligir danos morais e angústia. nAbusos financeiros ou económicos O uso ilegal ou desapropriado dos recursos financeiros do idoso ou a exploração indevida dos mesmos. n Abusos sexuais Contactos sexuais, de qualquer espécie, não consentidos pelo idoso. nNegligência A recusa ou a falta de prestação de cuidados ao idoso por quem tem essa obrigação. Isto pode envolver ou não uma tentativa consciente de infligir dor física ou emocional no idoso. 8.5. Diagnosticar o abuso de idosos A percepção da natureza e extensão dos maus tratos infligidos contra idosos é garantida em várias frentes: em primeiro e a mais importante, no que respeita aos direitos humanos. Em segundo, à crença universal do problema, baseada na sua identificação por parte de países desenvolvidos onde tem sido objecto de investigações e de acções governamentais; e nos relatórios e factos evidenciados nos países em desenvolvimento109. Existe também a realidade demográfica de um aumento muito rápido da população idosa, tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento110. Diagnosticar os maus tratos a idosos não é tarefa fácil. Os desafios que se colocam são similares aos que se apresentam no diagnóstico da violência entre parceiros, incluindo a parte mais invisível e a natureza privada do comportamento agressivo e ofensivo, da dependência, do isolamento e das consequências da revelação dos abusos na relação e nos cuidados aos idosos. O nível de desenvolvimento nos países industrializados para responder ao abuso de idosos e aos meios Esta definição, desenvolvida em Action on Elder Abuse in the UK, foi adoptada pela International Network for the Prevention of Elder Abuse, e incluída no World Report on Violence and Health, p. 126, da Organização Mundial de Saúde. 107 OMS, World Report on Violence and Health, p. 127. 108 OMS, World Report on Violence and Health, p. 127. 109 OMS, World Report on Violence and Health, p. 125. 110 De acordo com Gilles Pison, em “Le vieillissement démographique sera plus rapide au Sud qu’au Nord” (Population & Sociétés, nº 457, Junho de 2009), «o envelhecimento demográfico inquieta os países do Norte como se eles fossem os únicos afectados. O fenómeno é mundial e já conheceu o seu arranque em muitos países do Sul, nos quais se efectuará bastante mais rapidamente do que ocorreu nos países do Norte. Trata-se de um desafio para o qual esses países se devem preparar desde já». 106 Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 57 Perguntas-chave nA nível nacional, regional e também a nível lo- cal, que ministério ou departamento, caso ele exista, estará mandatado para responder aos assuntos associados ao abuso de idosos?111 nExiste alguma organização não governamental a nível nacional, distrital ou local que tenha como objectivo abordar este tema? nQue percentagem da população é considerada “sénior”? nQuantos indivíduos se suspeita já terem sido vítimas de maus tratos por parte da sua família, por familiares mais afastados, ou em cenários institucionais? nQue forma toma a violência (física, psicológica, sexual, económica)? nQual é a proporção de vítimas em termos de género? nO problema é mais grave em alguma zona da comunidade ou com algum grupo étnico em particular? nExiste actualmente em vigor alguma estratégia eficaz para lidar com o problema? Fontes privilegiadas nDepartamentos sociais e de cuidados de saúde e Organizações Não Governamentais que trabalham com este sector nEquipas de profissionais (médicos, enfermeiras, assistentes sociais) nQualquer entidade local que esteja mandatada para abordar a temática do abuso de idosos nServiços, incluindo abrigos e aconselhamento, que respondam aos pedidos por parte da violência entre parceiros (violência conjugal) nCasas-abrigo para populações diversificadas que apoiem exclusivamente idosos, ou instituições onde os idosos façam parte de um grupo mais alargado. nProjectos locais que respondam ao abuso de idosos, onde está disponível uma resposta mais institucionalizada de modo a alcançar uma visão mais independente, em particular em países ou comunidades locais onde não exista uma infra-estrutura social ou de cuidados de saúde que responda ao problema. 111 58 empregues, variam consideravelmente. Assim sendo, uma avaliação precisa da natureza e da extensão do problema varia enormemente a nível nacional, e é muito provável que não exista partilha sistemática de informação a nível dos governos locais. Tendo em conta que somente agora alguns países em desenvolvimento começam a ter noção do problema, esta informação será muito limitada. Mais ainda, a forma como estes maus tratos a idosos ocorrem em algumas sociedades tradicionais, não sendo vistos como abuso, mas entendidos como fazendo parte dos costumes sociais, deve ser considerada quando se está a avaliar a natureza e extensão do problema. 8.6. Informação adicional online 1 World Health Organisation (2004), Preventing violence: a guide to implementing the recommendations of the world report on violence and health. WHO: Geneva. Ver http://whqlibdoc.who.int/publications/ 2004/9241592079.pdf 2 Coordenado pelo HEUNI, the International Violence Against Women Survey é um estudo comparativo internacional focalizado na violência masculina contra as mulheres, especialmente violência doméstica e agressões sexuais. O seu objectivo é avaliar o nível de vitimização nas mulheres num determinado número de países a nível mundial, baseado na repetição que forneça informação para o desenvolvimento de abordagens legais específicas. Ver www.heuni.fi/12859.htm 3 Hot Peach Pages é um inventário internacional de linhas verdes, abrigos, refúgios, centros de crise e organizações femininas, contêm uma base de dados por países e um índice de recursos de violência doméstica em mais de 70 línguas diferentes. Ver http://hotpeachpages.net Para Portugal, consultar o Ministério da Administração Interna (www.mai.gov.pt), a Direcção-Geral da Administração Interna (www.dgai. mai.gov.pt), a GNR (www.gnr.pt) e a PSP (www.psp.pt). É importante ter presente que Portugal dispõe de um Programa de Policiamento de Proximidade dirigido especificamente á população idosa, denominado Apoio 65 – Idosos em Segurança, através do qual podem ser canalizadas muitas informações e queixas relacionadas com a vitimização de pessoas idosas. 9 Os Delinquentes e a Sua Ressocialização 9.1. Introdução C omo tem sido enfatizado em inúmeros instrumentos internacionais no que diz respeito à prevenção, bem como nos tribunais de menores e em instituições que lidam com a delinquência juvenil, uma reintegração bem sucedida dos delinquentes é essencial para prevenir reincidências e promover a segurança da comunidade112. O termo reinserção social ou ressocialização é normalmente interpretado como sendo um apoio alargado aos delinquentes que são reintroduzidos na comunidade depois de um período de encarceramento, e é de facto este o contexto que aqui se aplica. Inclui esforços, que começam enquanto os delinquentes ainda estão a cumprir pena de prisão, prolongando-se durante o período imediato de transição para a comunidade, e mantendo-se até que a reintegração tenha sucesso113. UN Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners (1957 and 1977), Rule 64; UN Basic Principles for the Treatment of Prisoners (1990), Principle 10; UN Standard Minimum Rules for the Administration of Juvenile Justice (1985), Rules 23 and 24; UN Minimum Rules for Non-Custodial Measures (1990), Rules 1.4,17.2 and 22.1); European Rules on Community Sanctions and Measures, Rule 46; UN Guidelines on the Prevention of Crime (2002), Guidelines for Cooperation and Technical Assistance in the Field of Urban Crime Prevention (1995). 113 Griffiths, C.T., Dandurand, Y, and D. Murdoch. The social reintegration of offenders and crime prevention, International Centre for Criminal Law Reform, April 2007. 112 Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 59 As Orientações das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime (2002), que estabelecem as abordagens da prevenção criminal (ver o Anexo B deste manual), incluem expressamente “aquelas que previnem a reincidência através do apoio à reinserção social dos delinquentes e outros mecanismos de prevenção”114. Alguns desses instrumentos descrevem o desenvolvimento de mecanismos que permitem uma acção integrada entre organizações governamentais e comunitárias no sentido de estabelecer parcerias entre os serviços responsáveis pelos delinquentes, as polícias, os serviços da segurança social, os prestadores de cuidados de saúde, os serviços responsáveis pela habitação e urbanismo, a educação, o emprego e os meios de comunicação115. Como já referido (ver, anteriormente, Secção 1.5), os serviços de execução das penas (serviços de reinserção social e serviços prisionais) devem ser representados no GTSC. Devido ao papel vital que as Organizações Não Governamentais podem desempenhar no apoio aos delinquentes e à sua ressocialização, é pressuposto que o GTSC providencie um fórum para uma vasta participação onde estarão presentes os representantes das organizações que dão apoio aos delinquentes e às suas famílias. Para que as comunidades se comprometam a desenvolver uma estratégia de prevenção analítica, o DLS deve abordar os ex-delinquentes já reintegrados e incluir medidas de prevenção da reincidência, por vários motivos: nA maioria das pessoas que cumpriram penas de prisão reintegra-se na comunidade e apenas uma pequena percentagem das pessoas encarceradas o serão para o resto da sua vida, por força das suas condutas reincidentes. nUma grande percentagem dos crimes é cometida por pessoas que são libertadas das prisões e que, posteriormente, reincidem116. nO perfil dos reclusos revela com frequência pessoas socialmente desfavorecidas por várias razões, incluindo as que se seguem: um historial de marginalização e exclusão; apti- dões e competências deficitárias; níveis baixos de escolaridade; falta de planeamento e gestão financeira; saúde mental e física debilitadas, incluindo o abuso de estupefacientes e uma história pessoal de abuso e violência. nO período de reclusão pode ter deixado marcas e causado efeitos colaterais117. nO regresso dos ex-reclusos à sua comunidade normalmente desencadeia inúmeros desafios, que incluem a procura de emprego e de habitação, a satisfação financeira imediata, a recuperação das consequências provocadas pela institucionalização e ter acesso aos serviços e apoios para as suas necessidades específicas. O desenvolvimento de programas de intervenção e apoio aos delinquentes tem tido uma crescente importância. Estes programas são caracterizados por um apoio continuado que começa ainda com o delinquente a cumprir pena e pretende abordar os assuntos e desafios específicos de cada indivíduo, continuando durante a transição para a comunidade e prolongando-se até à sua completa e bem sucedida ressocialização. 9.2. Diagnosticar a reinserção dos delinquentes T al como com qualquer população ou assunto que constitui o objecto de um DLS, a ênfase deve ser dada aos grupos mais vulneráveis ou em maior risco, e este mesmo princípio deve ser aplicado à população que acaba de cumprir a sua pena. Os esforços devem incidir nos delinquentes de alto e maior risco. Para além disso, os indivíduos que terminaram a sua sentença em estabelecimentos prisionais, e que se acredita estarem associados a uma menor e menos grave actividade criminal, e que tenham sido identificados como prioritários no processo do DLS, podem tornar-se sujeitos de atenção especial. Artigo 6(d) das Orientações das Nações Unidas para a Prevenção do Crime (2002). Em Portugal, a Direcção-Geral de Reinserção Social (DGRS) é o serviço responsável pela definição e execução das políticas públicas da administração de prevenção criminal e de reinserção social de jovens e adultos, designadamente, pela promoção e execução de medidas tutelares educativas e medidas alternativas à prisão. Ver mais em www.reinsercaosocial.mj.pt/web/rs/index. 116 Brown, R.E. and Y. Dandurand. successful strategies that contribute to safer communities, p.3 and T Makkai. Prisoner reintegration postrelease. Paper and presentation prepared for the 16th UN Commission on Crime Prevention and Criminal Justice. 117 Borzycki M. and T. Makkai. Prisoner re-integration post-release. Canberra: Australian Institute of Criminology, March 2007:10. 114 115 60 Um DLS deve ser utilizado para identificar o relacionamento entre os delinquentes de alto e maior risco, crimes específicos e populações vulneráveis de uma determinada comunidade. Deve também ser usada para explorar adequabilidade das redes de apoio dos delinquentes jovens e adultos na sua reinserção, e para identificar que grupos de delinquentes experienciam as maiores dificuldades e por que razões. Perguntas-chave nExiste a funcionar algum mecanismo que in- forme as autoridades locais sobre o momento em que os delinquentes de mais alto risco são libertados numa comunidade específica? nSe existe esse mecanismo, que plano preventivo é praticado no que diz respeito aos delinquentes considerados de alto ou mais alto risco? Este mecanismo é considerado adequado? nQuais são os números aproximados de delinquentes jovens e adultos que retornam à comunidade com uma pena de liberdade condicional? nQue proporção de delinquentes jovens e adultos que regressam à comunidade se pode considerar que põem em maior risco a comunidade no que toca a cometer infracções e outros crimes mais graves? nQue número de delinquentes jovens e adultos que regressa à comunidade se acredita estarem a cometer crimes, sendo considerados particularmente problemáticos na sua comunidade? Fontes privilegiadas nRelatórios de investigações e estudos ante- riores nServiços de execução das penas e os seus serviços descentralizados nTécnicos de reinserção social e outras enti- dades não governamentais capacitadas para providenciar cuidados pós penitenciários e acompanhamento dos delinquentes depois de libertados nTribunais e polícias nServiços de saúde, em particular os que providenciam serviços na área da saúde mental, abuso de substâncias e tratamento domiciliário para populações particulares, tais como os agressores sexuais nOrganismos públicos e não governamentais que lidam com os problemas de habitação, emprego e educação para populações com necessidades especiais Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 61 10 Tráfico de Pessoas 10.1. Introdução O tráfico de seres humanos é uma forma contemporânea de escravatura controlada na maioria das vezes pelo crime organizado. Sabese que ocorre em todos os países do mundo sob diferentes formas e em diferentes níveis, mas é um problema complexo e só a partir de 2000 é que foi adoptada uma definição internacional118. O Protocolo para a Prevenção, Supressão e Punição de Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças e a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Transnacional Organizado, providenciaram a primeira definição adoptada. O protocolo foi assinado em 2000 entrando em vigor em Dezembro de 2003, tendo sido ratificado por mais de 100 países119. Tráfico de Pessoas120 Considera-se tráfico de pessoas “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, através do uso da força, de ameaças ou de outras formas de coacção, como rapto, fraude, engano, abuso de poder ou por uma situação de vulnerabilidade ou, então através da oferta ou recepção de dinheiro ou benefícios de modo a obter a possibilidade de uma pessoa controlar outra, com o objectivo de a explorar. A noção de exploração deverá incluir, no mínimo, exploração de prostituição de terceiros ou outras formas de exploração sexual, trabalhos ou serviços forçados, escravatura ou práticas semelhantes, servidão ou a extracção de órgãos”. UN Protocol to Prevent, Suppress and Punish Trafficking in Persons (2000) Em Portugal foi criado em 2008 (cfr. Decreto-Lei 229/2008, de 27 de Novembro), o Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH), cuja missão consiste em produzir, recolher, tratar e difundir informação e conhecimento respeitantes ao fenómeno do tráfico de pessoas e a outras formas de violência de género. O país também dispõe, a funcionar plenamente desde 2008, de um sistema de monitorização sobre o tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual, que foi ulteriormente assumido no Plano Nacional de Acção para a Inclusão (PNAI) para o período de 2006-2008, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 166/2006, de 15 de Dezembro, e no Plano para a Integração dos Imigrantes (PII), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 63-A/2007, de 3 de Maio. Finalmente, Portugal dispõe de um Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos (2007-2010), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2007, de 22 de Junho. 119 UNODC: Protocol to prevent, suppress and punish trafficking in persons. Vienna, 2000, em www.unodc.org/unodc/crime_cicp_convention.html. 120 Em Portugal o tráfico de pessoas está tipificado no Código Penal, artº 160º: Artigo 160.º: “1 – Quem oferecer, entregar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa para fins de exploração sexual, exploração do trabalho ou extracção de órgãos: a) Por meio de violência, rapto ou ameaça grave; 118 62 As pessoas que são objecto de tráfico podem, entre outras coisas, ser forçadas a: nPedir esmola nTer relações sexuais através da prostituição ou de casamentos forçados121 nTrabalhar em minas, agricultura, trabalho doméstico ou comércio clandestino nPráticas desportivas (tais como o golfe, corridas com animais) nParticipar em conflitos armados (por exemplo, as crianças soldados) nFicar sem órgãos que são extraídos para venda e transplante Este tráfico tem, normalmente, origem em países subdesenvolvidos e nas regiões mais pobres do mundo e é exercido sobre os grupos mais vulneráveis da sociedade, tais como desaparecidos, refugiados ou pessoas desalojadas, especialmente em situações de pós-conflito militar ou de catástrofe natural. Os indivíduos traficados podem já ter comportamentos aditivos ou sofrerem de doença mental, estando por esse motivo mais expostos ao risco de exploração. Contudo, podem pertencer a qualquer classe social ou etnia. As mulheres e crianças formam a maioria das vítimas de tráfico com o objectivo de exploração sexual. A UNICEF reportou que cerca de 1,2 milhões de crianças são traficadas todos os anos para trabalhos forçados, exploração sexual e outros propósitos. Os homens, por sua vez, encontram-se em maior risco de serem traficados para trabalhos pesados e forçados. Escapar é difícil e perigoso. As vítimas podem não conseguir falar a língua local e as suas famílias podem estar a ser ameaçadas nos seus países de origem. Podem também não ter documentos oficiais, estar ilegais, e temer as autoridades por esse facto. O tráfico de seres humanos é um crime grave e uma violação fundamental dos direitos humanos. Contraria todas as convenções internacionais, incluindo o protocolo acima referido, bem como a proibição existente perante as leis internacionais. Considerando as horrendas consequências físicas, mentais e emocionais deste tráfico, a sua detecção e eliminação deverá ser uma prioridade, aconteça o que acontecer. O tráfico não deve ser confundido com auxílio à imigração ilegal, que é a facilitação de passagem ilegal de fronteiras com fins lucrativos. Para uma definição consensual internacional, ver Protocol Against the Smuggling of Migrants by Land, Sea and Air. UNODC, Vienna, 2000, em www.unodc. org/pdf/crime/a_res_55/res5525e.pdf. 10.2. Diagnosticar o tráfico A equipa do DLS pode achar que este não é um problema que afecte a sua comunidade. Contudo, a natureza oculta do tráfico, a impotência das vítimas e a sua possível condição ilegal num país estrangeiro significa que este é muitas vezes invisível para as entidades municipais e para a generalidade da população. Será por isso perigoso, e muitas vezes enganoso, presumir que este não existe. De acordo com um relatório do Governo norte-americano de 2006122, 600.000 a 800.000 pessoas são traficadas anualmente, ao longo das fronteiras internacionais à escala mundial, e uma grande proporção de países estão implicados como “fornecedores”, destinatários ou países de trânsito, embora os níveis de envolvimento tenham elevados índices de variabilidade. Acredita-se que muitas mais são traficadas dentro das fronteiras nacionais. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT)123, o trabalho forçado, incluindo a exploração sexual, gera anualmente cerca de 31 mil milhões de dólares (metade desta soma no mundo industrializado). Sem um inquérito bem ela- b) Através de ardil ou manobra fraudulenta; c) Com abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica, de trabalho ou familiar; d) Aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima; ou e) Mediante a obtenção do consentimento da pessoa que tem o controlo sobre a vítima; é punido com pena de prisão de três a dez anos. 2 – A mesma pena é aplicada a quem, por qualquer meio, aliciar, transportar, proceder ao alojamento ou acolhimento de menor, ou o entregar, oferecer ou aceitar, para fins de exploração sexual, exploração do trabalho ou extracção de órgãos. (…) 4 – Quem, mediante pagamento ou outra contrapartida, oferecer, entregar, solicitar ou aceitar menor, ou obtiver ou prestar consentimento na sua adopção, é punido com pena de prisão de um a cinco anos. (…) 6 – Quem retiver, ocultar, danificar ou destruir documentos de identificação ou de viagem de pessoa vítima de crime previsto nos n.os 1 e 2 é punido com pena de prisão até três anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”. 121 Também denominados “casamentos brancos”. 122 Department of State (US), Trafficking in persons report. Department of State, 2006, em www.state.gov/documents/organization/66086. pdf. Este relatório tem carácter anual, tendo sido publicado recentemente o de 2008. 123 OIT. A global alliance against forced labour. Geneva: ILO, 2005, em www.ilo.org/dyn/declaris/DECLARATIONWEB.GLOBALREPORTSLIST?var_language=EN. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 63 borado pode ser difícil perceber a magnitude do problema numa determinada comunidade. Existe um papel muito importante a desempenhar pelas comunidades e serviços comunitários a nível municipal. Nele inclui-se a avaliação da natureza e escala do problema, a sensibilização/consciencialização, a avaliação dos riscos (especialmente em pessoas mais vulneráveis), o desencorajamento da procura que alimenta a exploração e leva ao tráfico e a prestação de apoio às vítimas. Tais acções serão prestadas muito mais eficazmente se forem baseadas em informação de qualidade, recolhida e analisada durante o processo do DLS. O trabalho a nível municipal deve ser identificado com o apoio das entidades que tratam os assuntos referentes ao tráfico a nível nacional, cujas actividades se baseiam em informações internacionais. As taxas de tráfico reportadas são muito baixas por vários motivos. As vítimas podem ser muito relutantes em desvendar o sucedido, por temerem pela sua segurança e pela segurança das suas famílias, e por terem más experiências com as autoridades no seu país de origem124. Pode, ainda, ser-lhes difícil reportar a sua situação devido ao seu isolamento e à barreira linguística. Por estes motivos, as estatísticas policiais serão muito limitadas e não estarão aptas a poder avaliar a escala do problema. Contudo, as forças e os serviços de segurança devem ser consultados, pois podem ter em sua posse informação e dados importantes que não se encontra nas estatísticas oficiais125. Complementarmente, pode ser útil voltar a consultar outros registos policiais, tais como os que estão relacionados com a prostituição, violência doméstica, maus tratos a crianças, lenocínio, sequestro e extorsão. Estes podem estar relacionados com suspeitos de casos de tráfico que foram indiciados por outros crimes. Para além das estatísticas e informações das forças de segurança, será necessário confiar mais nos dados qualitativos e nas opiniões de fontes bem informadas do que na maioria das fontes de investigação, tendo como base os organismos públicos e da sociedade civil (nos lugares de destino) que tenham mais contacto com as vítimas. Estas incluem organizações que providenciam apoio aos profissionais do sexo, refugiados e indivíduos em busca de asilo, bem como aqueles que tenham ligações fortes com grupos nacionais particulares, étnicos ou culturais. Outros serviços públicos, em especial os serviços de apoio à criança, à saúde e às mulheres, podem também ter experiência em lidar com casos individuais ou ter conhecimento de algo através do contacto com os locais. Perguntas-chave nO que é que se sabe sobre a natureza e es- cala do tráfico a nível nacional? Existirá um ponto de origem, destino e/ou trânsito? nExistem leis específicas a nível nacional que abordem o problema do tráfico humano? Se sim, quais e como? nO que é que se conhece sobre o movimento das pessoas traficadas no país (ex. local de entrada de estrangeiros, destinos dos mesmos ou vítimas de violência doméstica) e como é que eles são transportados? nO que é que se sabe, a nível municipal, sobre o método de recrutamento de vítimas e da natureza e escala do tráfico (exploração sexual, trabalho forçado, extracção de órgãos)? Se não existe qualquer informação, que inferências se podem retirar, tendo em conta o quadro nacional? nQuantos casos locais, reais ou suspeitos, de tráfico humano tem acontecido nos últimos anos? nQual é o perfil das vítimas que se conhece (género, idade, origem, etnia) e o que os faz sair dos seus países de origem? nAs forças de segurança e os prestadores de serviços de apoio às vítimas, incluindo profis- Em Portugal, a Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, referente ao regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, prevê a autorização de residência a vítimas de tráfico de pessoas ou de acção de auxílio à imigração ilegal (Secção V, artº 109º e seguintes). O Decreto-Lei n.º 368/2007, de 5 de Novembro, operacionaliza a modalidade de concessão de autorização de residência a cidadão estrangeiro identificado como vítima do crime de tráfico de pessoas. 125 Em Portugal foi criado, no âmbito do Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos (2007-2010), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2007, de 22 de Junho, um sistema de registo de sinalizações de pessoas presumivelmente traficadas, denominado Guia Único de Registo, preenchido pelas forças e serviços de segurança, complementado com o Guia de Sinalização, este preenchido pelas ONG. Este sistema, sediado na Rede Nacional de Segurança Interna, tem permitido registar situações (sinalizações) que são posteriormente objecto de análise. Este sistema é gerido pelo OTSH. O Guia Único de Registo é o modelo padronizado de registo de ocorrências e indicadores para a sinalização das situações de tráfico (originariamente, tráfico para fins de exploração sexual e agora alargado a todos os tipos de tráfico previstos e enquadrados no Código Penal, artigo 160º). Este instrumento serve para alimentar uma base de dados integrada no Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH) que permite devolver aos OPC o conhecimento útil sobre este fenómeno e as dimensões sociais e geográficas que se entendam pertinentes relevar. Por esta via, produz-se estatísticas nacionais sobre o crime de tráfico, distinguindo, nomeadamente, entre casos sinalizados, casos sujeitos a investigação e casos não confirmados como tráfico, mas relevantes pela sua conexão com este crime. 124 64 sionais de saúde, receberam alguma formação para a identificação e suporte das vítimas do tráfico? Os profissionais de saúde locais receberam alguma formação sobre como identificar pessoas que tenham sido traficadas para extracção de órgãos? nComo é que este problema está a ser abordado e que organizações estão capacitadas para dar apoio às vítimas? Existe alguma protecção especial (ex. assistência, protecção pessoal, estatuto jurídico, etc.) para que anteriores vítimas de tráfico possam testemunhar? nAs respostas que existem, especialmente no que diz respeito ao apoio às vítimas, são adequadas, apropriadas acessíveis e eficazes? nQuem são os traficantes (género, idade, etnia, origem, crimes associados) e quem controla o tráfico e os destinos do mesmo? nOnde são mantidas em cativeiro as pessoas traficadas (ex. casas privadas, apartamentos, hotéis, contentores)? nComo conseguem as pessoas traficadas escapar e onde é que elas aparecem? Como é que estas identificadas e por quem? nNos locais de destino, qual é o perfil das prostitutas que aí trabalham e qual o perfil dos seus clientes? nQuais são as prioridades para acções futuras? Fontes privilegiadas nRelatórios de investigações existentes (aca- démicos, governamentais, ONG) nImprensa nPolícia e outras forças de segurança (SEF) nOutras entidades do sistema de justiça (Mi- nistério Público, prisões, tribunais e serviços de reinserção social) nEntidades sanitárias, especialmente aquelas que prestam serviços aos profissionais do sexo e serviços hospitalares de urgência médica nProgramas de assistência às vítimas e às testemunhas (tais como abrigos para mulheres/ refugiados e centros de apoio às vítimas de abuso sexual e violações). nServiços de apoio às crianças e à família nGrupos de defesa dos direitos da mulher nÓrgãos e instituições de inspecção do trabalho nOrganizações de apoio aos imigrantes, em situação regular e irregular, pessoas que buscam asilo e trabalhadores do sexo nGrupos comunitários que representam a nível nacional grupos étnicos e culturais nOrganizações comunitárias de apoio espiritual e religioso nOrganizações humanitárias nacionais ou internacionais que se façam representar localmente 10.3. Informação adicional online 1 Em 2006 o UNODC publicou Trafficking in Persons: Global Patterns. Compila informação de uma grande variedade de fontes e evidencia as tendências, tendo em conta os países de origem, de trânsito e de destino. Ver www.unodc.org/unodc/en/trafficking_ human_beings.html 2 O UNODC também publicou em 2006 um kit de ferramentas intitulado A Toolkit to Combat Trafficking in Persons. Ver www.unodc.org/ pdf/Trafficking_toolkit_Oct06.pdf 3 O UNICRI Action Programme Against Trafficking in Minors for Sexual Purposes (terminado em Agosto de 2006) tem um website que detalha organizações em todo mundo que lutam contra a exploração sexual de menores. Também informa sobre programas piloto na Costa Rica, Tailândia e Ucrânia. Ver www.unicri.it/ wwd/trafficking/minors/index.php 4 HumanTrafficking.org é um sítio da internet projectado para unir esforços do governo e das ONGs na Ásia de Leste e do Pacífico, para que cooperem e aprendam com as experiências dos outros no que respeita ao combate ao tráfico de seres humanos. O website possui informações locais específicas, como leis e planos de acção e informação sobre contactos importantes para e de diferentes entidades. Tem também uma descrição das actividades das ONGs em diferentes países e os seus contactos detalhados. Ver www.humantrafficking.org 5 The Coalition Against Trafficking in Women é uma ONG fundada em 1988. Dá suporte a projectos anti-tráfico que abordam as ligações entre a prostituição e o tráfico. Assume o desafio de banir a prostituição e proteger as mulheres e crianças que dela são vítimas. O seu website contém um vasto leque de relatórios e recursos para o combate à exploração sexual. Ver www.catwinternational.org/index.php 6 Anti-Slavery International, fundada em 1839, trabalha a nível local, nacional e internacional para eliminar a escravatura no mundo. O seu website tem uma extensa secção sobre tráfico, incluindo referências a muitos relatórios e outras fontes. Ver www.antislavery.org 7 O Home Office do Reino Unido desenvolveu um toolkit especialmente para parcerias locais de combate ao tráfico de pessoas. Ver www. crimereduction.gov.uk/toolkits/index.html Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 65 11 Álcool, Drogas Ilícitas e Abuso de Substâncias 11.1. Introdução OS problemas associados ao consumo de álcool, drogas e substâncias ilícitas estão muito propagados. Sendo as suas consequências tão destrutíveis para os indivíduos, famílias, comunidades e países, a sua investigação deve fazer parte de todos os DLS. Apesar de parecer um problema global que requer acção internacional, é também necessário avaliar o problema e desenvolver respostas a um nível mais local. As Secções que se seguem enfatizam directrizes importantes para questionários que podem e deverão ser explorados nos DLS a nível urbano126. A OMS estima que existam cerca de 76 milhões de pessoas com distúrbios associados ao consumo de álcool127. O consumo abusivo de álcool é um distúrbio que causa graves problemas de saúde, sociais ou ambos, e que está directamente relacionado com os maus tratos a parceiros e a crianças. Tem impacto no ambiente social, psicológico e económico das crianças, aumentando o risco destas entrarem em conflito com a lei. O consumo durante a gestação pode resultar em síndrome alcoólico fetal. O Consumo Abusivo de Álcool por Parte de Indivíduos Violentos128 Nos EUA, entre as vítimas que puderam reportar se o seu agressor teria consumido álcool, 35% das mesmas acreditavam que sim. Em Inglaterra e no País de Gales, 50% das vítimas de violência interpessoal reportaram que o seu agressor estava sobre o efeito do álcool na altura da agressão. Na Rússia, cerca de três quartos dos indivíduos presos por homicídio tinham consumido álcool pouco tempo antes do incidente. Na África do Sul, 44% das vítimas de violência interpessoal acreditam que o seu agressor estivesse sob a influência do álcool. Em Tianjin, China, um estudo levado a cabo sobre os detidos descobriu que 50% dos atacantes tinha ingerido álcool minutos antes do incidente. Portugal dispõe de um instrumento de política neste domínio, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 115/2006, de 18 de Setembro, e denominado Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências, cuja finalidade é garantir o alinhamento das grandes orientações que permitem às organizações modificar, melhorar e fortalecer a sua intervenção na sociedade nas áreas da prevenção e combate a este flagelo social. O Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências no médio prazo até 2012 e o Plano de Acção contra a Droga e as Toxicodependências (2008) inserem-se numa linha de continuidade da Estratégia Nacional publicada em Maio de 1999, que continua a constituir uma referência política de indubitável importância na abordagem do tema. 127 OMS. Global status report on alcohol 2004. Geneva: WHO, 2004, em www.who.int/substance_abuse/publications/global_status_report_2004_overview.pdf. 128 OMS. Interpersonal violence and alcohol. Policy Briefing. OMS: Geneva, 2006, em www.who.int/violence_injury_prevention/violence/ world_report/factsheets/pb_violencealcohol.pdf. 126 66 No seio das comunidades locais, as consequências incluem violência familiar (doméstica, contra crianças e idosos), violência interpessoal em locais públicos, acidentes de viação, desordem pública e problemas relacionados no local de trabalho129. Em vários países onde existe informação disponível, estima-se que este consumo abusivo seja responsável, nos casos de homicídio, por uma menos-valia dos anos de vida 26% nos homens e de 16% nas mulheres. O facto de se ter sido abusado e mal tratado em criança aumenta grandemente o risco da ingestão abusiva e prejudicial de álcool mais tarde130. As drogas ilícitas incluem as substâncias que são produzidas ou processadas através das plantas (tais como o ópio, morfina e heroína), as que são produzidas sinteticamente (tais como as anfetaminas) e drogas psicotrópicas quando usadas para além da sua utilização médico-terapêutica. A sua posse é normalmente considerada um crime, mas talvez o seu uso tenha mais significado e cause mais danos à saúde, dado estar associado a outros comportamentos problemáticos131. A dependência destas substâncias pode precipitar a violência, abuso ou negligência que afecta os parceiros e as crianças, que crescem com maior probabilidade de risco de se meterem em problemas mais tarde. O consumo de substâncias ilícitas pode limitar as capacidades de trabalho, aumentando o risco de acidentes e fazendo com que o indivíduo tenha de angariar dinheiro para as adquirir. Isto fortalece os contactos com outros indivíduos que tenham um estilo de vida à margem da lei, levando assim a que cada vez mais se vejam envolvidos com actividades criminosas. Estimativas recentes sugerem que 200 milhões de pessoas, correspondente a 5% da população mundial, entre os 15 e os 64 anos de idade, consumiram drogas ilícitas durante 2005132. Estima-se que as drogas mais pesadas, ou “drogas duras”, como a heroína e cocaína, foram consumidas por 8 a 13 milhões de pessoas. Ambas causam um sofrimento atroz e a heroína está consistentemente listada como sendo a que provoca mais emergências hospitalares e mais mortes por overdose. A sua produção e comercialização são determinantes para algumas economias nacionais. O imenso lucro adquirido pelas organizações de tráfico dá-lhes a possibilidade para desestabilizarem economias e instituições. Essas organizações criminosas estão bem estabelecidas e relacionadas com o tráfico ilegal de armas133. Embora menos espalhados e menos reportados, os inalantes voláteis também são consumidos em excesso em larga escala, especialmente por crianças e jovens em risco ou mais desfavorecidos. Eles também têm efeitos devastadores sobre a saúde e comportamento e, como tal, deveriam ser examinados separadamente. 11.2. Uma estratégia multidisciplinar integrada A eficácia das acções que têm como objectivo travar o consumo de substâncias ilícitas é potenciada se estas forem desenvolvidas segundo uma estratégia global que tem como foco eliminar o fornecimento destas substâncias, prevenindo que os jovens se tornem toxicómanos e reduzindo assim a procura. Tais acções necessitam da participação activa e da colaboração de múltiplas entidades e organizações, incluindo as responsáveis pela apreensão, educação e tratamento. Estabelecer se uma estratégia deste tipo existe e se está a ser aplicada eficazmente deverá ser a primeira tarefa da equipa do DLS. Perguntas-chave nA comunidade tem uma estratégia de pre- venção de abuso de substâncias ilícitas? nA estratégia cobre o fornecimento, a procura e o tratamento? nAs entidades de relevo estão todas a partici- par activamente? nEstas entidades trabalham bem em conjunto e partilham informação? nA estratégia está bem implementada e é ade- quada e eficaz? Para Portugal, consulte-se o Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), em www.idt.pt, já mencionado na nota 46. Mais informação em OMS. Fact sheets on interpersonal violence and alcohol. OMS: Geneva, 2006, em www.who.int/violence_injury_ prevention/violence/world_report/factsheets/en/index.html. 131 Para Portugal, ver a Lei nº 30/2000, de 29 de Novembro, que define o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a protecção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica. 132 UNODC. 2006 World drugs report. Vienna: UNODC, 2006, em www.unodc.org/unodc/world_drug_report.html. 133 UN General Assembly. Special session on the World Drug problem, New York 8-10 June 1998, Fact Sheet 6, em www.un.org/ga/20special/ presskit/themes/altdev-6.html. 129 130 Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 67 nQuais são as prioridades para acções futuras ao nível municipal e estatal? Fontes privilegiadas nDocumentos da estratégia e relatórios a ela associados nRepresentantes das entidades do sistema de justiça nRepresentantes dos serviços de saúde e educação 11.3. Ajudar as crianças e os jovens a tomar as decisões certas O melhor resultado que uma qualquer estratégia pode ter é o que contribui eficazmente para que as crianças de hoje não se tornem os toxicómanos de amanhã. Isto alcança-se mais facilmente através de um programa que inclua as vertentes de educação, de desenvolvimento de capacidades e competências e de ocupação dos tempos livres. Muito se tem aprendido nos últimos anos sobre os métodos e ferramentas que de facto resultam. Apesar de haver variações entre países e culturas, os trabalhos de investigação sugerem que a simples abordagem de “pregar que as drogas são más e que devem ser evitadas” não é a melhor. Os jovens e as suas famílias necessitam de informação credível e realista para poderem tomar decisões informadas e conscientes, para se protegerem dos riscos e perigos desse mesmo uso. É certo que a educação nas salas de aula é importante, mas a influência da família, dos pares, dos outros jovens e dos seus modelos e ídolos tem de ser levada em consideração. Este alargado círculo, em especial as famílias, necessita de estar bem informado e, se necessário, aceder a ajuda qualificada e especializada. A decisão certa pode ser encorajada se forem providenciadas actividades alternativas construtivas, capacitando e criando competências nos jovens para que estes possam resistir à tentação e à pressão. É também do conhecimento geral que a toxicodependência está directamente relacionada com outros problemas, tais como a prática de crimes por parte dos jovens, problemas familiares, viver 134 68 em comunidades mais desfavorecidas e em locais onde há mais droga disponível e o acesso à mesma é mais facilitado. Portanto, os programas de prevenção serão mais eficazes se tiverem como alvo os indivíduos e as comunidades mais vulneráveis e se, ao mesmo tempo, providenciarem intervenções mais alargadas no tempo. Particularmente importante é o reconhecimento de que, travando os maus tratos a menores, se reduzirá, consequentemente, o risco destes se tornarem toxicodependentes ou alcoólicos134. Perguntas-chave nA comunidade possui alguma estratégia que previna as crianças e os jovens de consumirem e abusarem de drogas ilícitas ou álcool? nEssa estratégia incorpora a educação/formação, o desenvolvimento de competências e ocupações dos tempos livres? nAs escolas estão todas dotadas de uma política apropriada de prevenção de drogas? E estas estão empenhadas em educar sobre a matéria? nA estratégia tem como alvo bairros vulneráveis e crianças consideradas em risco? nÉ reconhecida a importância do papel familiar na estratégia? nEstá a estratégia bem implementada, é apropriada e eficaz? nQuais são as prioridades para acções futuras? Fontes privilegiadas nRelatórios de investigações anteriores nDocumentos da estratégia e relatórios a ela associados nRepresentantes dos serviços de saúde e edu- cação nOrganizações especializadas em abuso de substâncias nOrganizações que providenciam actividades lúdicas 11.4. Alcoolismo AS respostas aos problemas do abuso de álcool devem incluir o apoio às famílias, bem como aos próprios alcoólicos, abordando os problemas mais gerais que muito provavelmente levaram ao abuso em si mesmo e às suas consequências. Deverá dar-se particular atenção a esse Para mais informação sobre a relação entre maus tratos a crianças e consumo abusivo de álcool e de drogas, ver o website de Adverse Childhood Experiences Study, em www.acestudy.org. abuso por parte de crianças e jovens. Para se poder ter um conhecimento sobre a matéria é necessário colher informação qualitativa e quantitativa135. nQuais são os efeitos desse abuso (saúde, As instituições da saúde são uma fonte fundamental. Serviços de emergência hospitalares e médicos de família terão conhecimento sobre a extensão dos problemas dos seus pacientes associadas ao consumo abusivo de álcool. Os serviços de saúde, bem como as organizações da sociedade civil, deverão também ter conhecimentos sobre a dependência, tratamento e outras formas de apoio. A polícia e os serviços municipais podem fornecer informações sobre a violência, “bêbados de rua”, fontes ilícitas de álcool, vendas de álcool a menores e distúrbios em locais públicos relacionados com a ingestão do mesmo. Os jovens, incluindo os que têm problemas com o álcool, devem ser ouvidos para que se perceba o que sabem sobre esta problemática, ajudando na caracterização do problema e das respostas. nQuais são as prioridades para futuras ac- violência e outros)? nQual é a eficácia e a acessibilidade dos servi- ços de tratamento e de apoio? Perguntas-chave População em geral nQual é a gravidade do problema do alcoolismo e quantos estão afectados? nComo, quando e onde se abusa do álcool? nExiste algum grupo demográfico específico ou bairro mais afectado? ções? Crianças e jovens nQual é a gravidade do problema do consumo de álcool por menores? nQual o tipo de álcool consumido pelos jovens e qual é a gravidade do seu consumo? nComo é que eles se conseguem abastecer? nEstão a ser proporcionados programas de formação suficientes? nExiste algum apoio especial para os jovens com problemas? nAs respostas são adequadas e eficazes? Fontes privilegiadas nRelatórios de investigações anteriores nServiços de emergência médica hospitalar nRepresentantes dos serviços comunitários, incluindo os médicos de família nOrganizações da sociedade civil que provi- denciam apoio nCrianças e jovens nPolícia e outras entidades do sistema de justiça nGestores dos serviços municipalizados Informações dos Hospitais para Auditoria de Segurança, Cardiff (Reino Unido) Sedeado na Universidade de Medicina em Cardiff, o ‘Violence Research Group’ (VRG) agrupa clínicos académicos e cientistas da Universidade de Psicologia e os institutos de gestão, para investigar as causas, para promover a prevenção e avaliar intervenções. Focaliza-se, em particular, nos assuntos relacionados com a droga e o álcool e tem desempenhado um papel prioritário na promoção de uma cooperação estreita entre os intervenientes na prevenção e os serviços de saúde. Os estudos científicos concluíram que 85% das 3.500 vítimas de crime violento, tratadas em cada ano no Hospital Universitário do País de Gales, tinham ferimentos nos dentes, boca, maxilares e face, o que reflecte o alvo anatómico dos golpes nas agressões em todo o mundo. Uma parte substancial dos ferimentos que requereram tratamento, em determinado tipo de ofensas, não se encontrava nos registos policiais. Informação sobre o dia/hora e localização da violência e a arma usada nos golpes foi analisada e partilhada. Os responsáveis pelos serviços de saúde e os consultores partilham informações nas reuniões da Associação para a Redução da Criminalidade e nos comités municipais de atribuição de licenças, resultando num melhor entendimento dos problemas e em intervenções mais eficazes. O número de incidentes violentos em estabelecimentos licenciados e na rua desceu e os ferimentos causados por vidros e garrafas também diminuiu. O número de pacientes com ferimentos causados por actos de violência desceu 30% nos últimos três anos. Para mais exemplos e conselhos consultar o website da VRG. Cardiff University Violence And Society Research Group136 Para dados comparativos sobre consumo de álcool por jovens em mais de 30 países, ver os relatórios da OMS. Collaborative crossnational study of health behaviour in school-aged children, em www.hbsc.org. 136 www.cardiff.ac.uk/dentistry/research/phacr/violence 135 Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 69 11.5. Consumo de drogas ilícitas Perguntas-chave nQual é a prevalência do uso de drogas ilíci- tas? A equipa do DLS necessita de compilar informação sobre os consumidores, os dependentes, a procura de tratamento e a acessibilidade dos serviços. Contudo, dados em bruto são difíceis de obter, pois poucos incidentes são oficialmente reportados ou registados. As entidades e os serviços de saúde terão um contributo importante. Organizações voluntárias dedicadas aos assuntos da droga e consultas de utilizadores providenciam perspectivas válidas baseadas na comunidade. Os estudos das queixas auto-reportadas de jovens e adultos podem gerar dados quantitativos sobre o consumo, mas não são eficazes para avaliar os consumos mais graves e problemáticos. As entidades judiciais e policiais terão algum conhecimento sobre a associação existente entre o consumo de drogas e a violência. nQual é o perfil demográfico dos consumidores? nQue drogas são consumidas? A politoxico- mania é frequente? nQual a gravidade da toxicodependência e que impacto tem sobre a comunidade? nEm que zonas ou bairros existem os proble- mas mais sérios? nQue programas de informação e educação estão a ser prestados? nQuais são os serviços de tratamento que es- tão disponíveis? nQue outros programas existem para reduzir a procura? nQuais os programas que existem para dar su- porte às famílias? nA capacidade dos serviços de tratamento e dos programas é suficiente? nAs respostas são fundamentadas por pes- quisas e estudos científicos? nQuais são as prioridades para as acções fu- O Álcool e a Violência Contra as Mulheres turas? “O factor de risco mais preponderante para que ocorra violênFontes privilegiadas cia física entre parceiros íntimos está associado com os comnRelatórios de investigações anteriores portamentos ditos ‘masculinos’, os seus hábitos de bebida, os nPrestadores de serviços de saúde níveis generalizados de agressividade e os comportamentos nConsultas aos consumidores nEstudo de queixas auto-reportadas a jovens controladores”. e adultos Women’s Experiences of Male Violence (2002) 137 nPolícias e outras entidades do sistema de justiça Ligação Entre Comportamentos Aditivos e Taxas de Assaltos e Roubos (Austrália) A investigação mostrou um aumento significativo dos roubos entre 1993 e 2000 em Nova Gales do Sul. Este aumento deveu-se ao facto, mais do que a qualquer outra causa, de se registar uma tendência cada vez mais forte do consumo de heroína. Em cada 10% de aumento nos toxicodependentes de heroína gerou um aumento de 6,4% de roubos. Uma queda no fornecimento de heroína em Sidney em 2001 levou a um rápido e forte decréscimo nos roubos em Nova Gales do Sul. New South Wales Bureau Of Crime Statistics and Research (2003)138 Mouzos J and Makkai T. Women’s experiences of male violence, Research and Public Policy Series 56. Canberra: Australian Institute of Criminology, 2004, em www.aic.gov.au/publications/rpp/56/RPP56.pdf. 138 Bureau of Crime Statistics and Research, New South Wales (Australia). The Impact of heroin dependence on long term robbery trends. 2003. Sumário disponível em www.lawlink.nsw.gov.au/lawlink/bocsar/ll_bocsar.nsf/pages/bocsar_media101203. 137 70 11.6. Produção e tráfico de drogas ilícitas R eduzir o fornecimento de drogas ilícitas é uma componente essencial na luta contra a toxicodependência. A natureza do sistema de fornecimento tem grande variação entre redes locais que distribuem substâncias produzidas em laboratórios domésticos e cadeias internacionais controladas por crime organizado, operando à escala global. O comércio internacional requer, inevitavelmente, intervenções ao mais alto nível por agências de segurança, mas os parceiros locais podem ajudar a quebrar as actividades dos produtores, bem como, mais localmente, as dos vendedores e intermediários. Polícia e serviços de Justiça são, provavelmente, os maiores detentores de informação sobre o fornecimento de drogas; contudo só é disponibilizada informação muito limitada. Consultas a organizações da sociedade civil que trabalham com os delinquentes e a delinquentes podem revelar algumas luzes sobre os mercados locais. Poderão estar disponíveis relatórios anteriores. Perguntas-chave nQuais as drogas que estão a ser traficadas na cidade? nQual é a escala estimada do negócio? nOnde, quando e por quem são as drogas distribuídas? nDe onde provém o tráfico de drogas? nComo é que elas chegam à cidade? nQuais as drogas e que quantidades são pro- duzidas localmente? nQue ligações existem com gangs de crime Laboratórios de Metanfetaminas (Nova Zelândia) A manufactura e o comércio ilegal de metanfetaminas é um grande negócio na Nova Zelândia, onde são conhecidas como “P”. Algumas são importadas da China mas a maioria é produzida artesanalmente de forma clandestina em laboratórios domésticos, colocando as comunidades em risco devido aos fumos tóxicos. Gangs que antes eram considerados inimigos trabalham em conjunto porque os lucros falam mais alto. Apesar de estar, normalmente, associado a gangs motards, como os Head Hunters, também entraram no mercado alguns gangs étnicos, incluindo os Mongrel Mob. A polícia neozelandesa disponibilizou orientação aos cidadãos para estes poderem identificar os laboratórios em áreas/bairros residenciais. Deverão identificar-se os seguintes sinais: n Cheiros estranhos n Fugas de vapores e fumos de janelas e ou ventiladores n Actividades invulgares a horas estranhas n Instalações que são usadas para outros fins e não os que seriam de esperar (ex. garagem sem entradas e saídas de veículos) n Janelas fechadas ou tapadas de dia e de noite n Pessoas com comportamentos associados ao consumo de drogas n Comportamentos erráticos fora do normal organizado? nO que está a ser feito para reduzir o forneci- mento? New Zealand Police Safety Tips139 nQual é a eficácia dessa acção? nQuais são as prioridades para as acções fu- turas? Fontes privilegiadas nRelatórios de investigações anteriores nPolícia e serviços de Justiça nOrganizações da sociedade civil que provi- denciam apoio aos toxicodependentes 139 www.police.govt.nz/safety/meth.html Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 71 12 Empresas e Criminalidade 12.1. Introdução AS empresas estão envolvidas de diferentes formas com a criminalidade e a sua prevenção. Poderão ser vítimas da criminalidade, podem facilitá-la ou perpetuá-la e podem desempenhar um papel activo de suporte na diminuição das ofensas, disponibilizando um leque alargado de programas preventivos. Cada um destes tópicos merece atenção por parte do DLS e serão sumariamente abordados de seguida. 12.2. As empresas como vítimas AS empresas são as vítimas de um vasto leque de crimes contra o património e bens, tais como roubos, assaltos, fraudes, vandalismo e falsificações, assim como crimes violentos e assédio cometidos contra os colaboradores e os clientes durante os assaltos e roubos. Podem também ser alvos de crime de intolerância, extorsão e corrupção. 140 72 Os Custos do Crime Contra Empresas (Inglaterra e País de Gales) O «Home Office» estima que 44% dos custos totais da criminalidade (60 mil milhões de libras) são sofridos pelas empresas e outras organizações e o custo das fraudes anuais é de 14 mil milhões de libras. The Economic and Social Costs of Crime (2000)140 A investigação em alguns países demonstra que as empresas podem sofrer vitimizações graves. Estudos efectuados às vítimas empresariais na Austrália e no Reino Unido, por exemplo, demonstraram que as taxas de assaltos a empresas podem ser mais altas do que as cometidas contra a propriedade individual. Os problemas repartem-se de forma muito diferente, sendo que a maioria dos incidentes está circunscrita a uma pequena porção das empresas e de instalações. O padrão de incidência deste tipo de crimes é mais forte nalguns sectores do que em alguns crimes cometidos contra indivíduos. Home Office (UK). The economic and social costs of crime. Home Office Research Study 217, London: Home Office, 2000, em www. homeoffice.gov.uk/rds/pdfs/hors217.pdf. Apesar do crime contra as empresas se desenrolar à escala mundial e por grupos organizados, muita da criminalidade é local. Em alguns países e sectores, tais como o retalho ou grossistas, existem danos internamente perpetrados de dimensão considerável, como o crime cometido pelos próprios colaboradores, que são danos tão significativos como os danos resultantes de crimes cometidos por clientes ou outros. Embora se possa pensar que as empresas têm de resolver os seus próprios problemas, existem vários motivos pelos quais a equipa do DLS deve examinar este assunto: nAs empresas fazem parte da comunidade e os crimes cometidos contra as mesmas não as afectam somente a elas. A violência no local de trabalho afecta directamente os trabalhadores e as suas famílias. Perdas financeiras têm um impacto directo nos empregos e os custos são imputados aos clientes. nOs criminosos são conhecidos por variar os seus alvos e podem cometer crimes tanto contra a estabelecimentos comerciais como contra a indivíduos: faz por isso sentido estudá-los em conjunto. nA vitimização tem um maior impacto nas pequenas empresas, não só porque são as mais afectadas, mas porque estas muitas vezes não possuem qualquer seguro ou outros recursos e infra-estruturas que reduzam o risco. As empresas podem desempenhar um papel muito significativo na prevenção do crime na comunidade, sendo que estas ajudarão mais prontamente se os seus próprios problemas também fizerem parte dos objectivos ou actividades planeadas. 12.3. As empresas como facilitadoras e autoras de crimes U ma gestão danosa ou inapropriada, intencional ou não, pode facilitar a prática de crimes. Em zonas de diversão, por exemplo, distúrbios relacionados com o consumo de álcool, tráfico de droga ou exploração sexual de menores podem ocorrer em estabelecimentos licenciados. Vendas irresponsáveis de armas de fogo ou armas brancas podem aumentar o risco de violência. Uma segurança insuficiente ou inexistente em parques de estacionamento de centros comerciais pode aumentar a vulnerabilidade dos visitantes e o risco dos seus veículos serem assaltados. O Mercado da Mercadoria Roubada (Austrália) Os investigadores entrevistaram no território da capital australiana 46 delinquentes e 15 revendedores de bens receptados durante uma investigação sobre o destino dos objectos depois de serem roubados. Vender essa mercadoria roubada a empresas descobriu-se ser um dos métodos mais utilizados. Uma grande variedade de empresas em situação regular, desde as pequenas lojas de bairro às lojas no centro de Camberra, aceitavam mercadoria furtada/roubada e os delinquentes estavam supostamente familiarizados com as redes e o circuito de distribuição que poderiam usar. Ainda que pareça que algumas empresas legítimas servem de fachada a actividades ilegais, pode tratar-se de funcionários dessas empresas que vendem os bens para proveito próprio, utilizando as empresas para receptarem os bens furtados/roubados. The Stolen Property Market in ACT (2002)141 141 Nelson D, Collins L and Gant N (2002). The stolen property market in the Australian Capital Territory. A report prepared by the Australian Institute of Criminology for the ACT Department of Justice and Community Safety, October 2002, em www.aic.gov.au/publications/reports/ act_stolen_property.pdf. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 73 Empresas do sector privado podem ser também usadas para perpetrar o crime, pelos seus proprietários ou trabalhadores. Os crimes variam entre a fraude directa ao cliente até à fraude financeira a nível local, ou fraudes internacionais mais complexas, cujo objectivo consiste em violar as leis nacionais. Aparentemente, poderão utilizar-se empresas legítimas e legais para vender bens roubados ou branquear os proventos do crime. Podem esconder e promover o jogo ilegal e a prostituição, recolher indevidamente informações detalhadas sobre os clientes, tais como identificação bancária dos cartões de crédito, informações posteriormente usadas para cometer outros crimes contra o património. As Empresas Como Parceiros na Prevenção do Crime (África do Sul) “O sector empresarial pode dar um contributo válido no apoio governamental à luta contra o crime e as suas causas, através da transferência de conhecimentos e da criação e desenvolvimento de competências e capacidades, bem como de uma parceria público-privada”. Presidente Nelson Mandela (1996) 12.5. Diagnosticar o envolvimento 12.4. As empresas das empresas como dissuasoras no crime e do crime e na prevenção impulsionadoras dados dos registos policiais incluem al da sua prevenção Osguma estatística relacionada com a vitimi- U ma gestão responsável e eficaz pode contribuir significantemente para o esforço de prevenção contra a criminalidade. Através de acções apropriadas que protejam os trabalhadores e os clientes, e a segurança das suas instalações e bens, as empresas podem reduzir a vitimização directamente ligada à sua própria actividade. Podem desempenhar também um importante papel na prevenção do crime que não está tão directamente ligada aos seus interesses comerciais. Isto pode significar apoios a parcerias locais ou iniciativas individuais. As contribuições podem ser de fundos, horas laborais, consultoria técnica, acesso às instalações ou outro tipo de assistência. Os seus motivos podem ser altruístas, mas também existirá um benefício para as empresas, pois ficam bem relacionadas, protegem os seus clientes e publicitam-se. 74 zação das empresas. Será importante analisá-la, mas muito provavelmente esta estará muito abaixo da verdadeira extensão do problema. Na maioria das vezes, e por razões várias, as empresas não reportam os seus problemas; logo, por vezes, as estatísticas policiais não distinguem os crimes contra as empresas de outros. Um estudo sobre as vitimizações das empresas pode produzir informação válida, apesar de ser difícil conseguir uma taxa de adesão elevada. Informação menos específica pode ser obtida através das instituições representativas, tais como associação de revendedores e retalhistas ou Câmaras de Comércio. Outras fontes a explorar incluem companhias de seguros e de segurança privada. Informação estatística sobre o papel do sector privado como dissuasor, facilitador ou perpetrador do crime será certamente muito mais difícil de obter. Será por esse motivo necessário apoiarem-se mais em dados qualitativos. Representantes do sistema de justiça penal, especialmente das forças policiais, bem como das organizações comunitárias, ou responsáveis da comunidade, devem ser consultados para se obterem as suas perspectivas sobre a situação. As próprias empresas e os seus corpos representativos, tais como as Câmaras de Comércio, devem ser também convidadas a pronunciarem-se. É necessário ter cautela na interpretação da informação recolhida. Pequenas empresas ou indivíduos que fazem parte da economia informal podem ser os mais vulneráveis e os mais afectados, mas são também os menos aptos a fornecerem informação fiável e objectiva142. Estes podem ser de mais difícil abordagem e ter menos influência do que as médias e as grandes empresas no que respeita à definição de programas de prevenção. De uma forma geral, as fontes de informação com mais poder estarão relutantes a revelar pormenores das suas vitimizações e das suas perdas porque se torna um assunto comercialmente sensível. Perguntas-chave nQuais são os principais tipos de vitimização das empresas e quais as áreas mais problemáticas? nEm que medida as empresas, durante a sua gestão e práticas responsáveis, dissuadem ou facilitam os crimes efectuados por terceiros? nO que é que se sabe sobre as empresas como perpetradoras do crime? nQue medidas de prevenção estão em curso? Qual é a eficácia das mesmas? nQue papel desempenham as empresas na prevenção do crime a nível urbano? nQual é a prevalência da violência contra os trabalhadores e como é que ela acontece? nQuais são os custos do crime para as empresas? nQuem comete os crimes (trabalhadores, jovens, gangs)? nQual é o impacto que o crime contra as empresas tem sobre a população e a economia em geral? nComo estão as empresas a reagir? Qual é a eficácia das suas reacções? Fontes privilegiadas nPolícia e outras entidades judiciais (prisões, tribunais) nOrganizações que representam o sector pri- vado, incluindo Câmaras de Comércio nOrganizações comunitárias nProprietários e trabalhadores de pequenas empresas nSeguradoras nPrestadores de serviços de segurança nAutarcas nGerentes de centros comerciais, parques in- dustriais ou outras áreas comerciais nSenhorios 142 Mayhew P and Taylor N. Financial and psychological costs of crime for small retail businesses, Trends and Issues in Crime and Justice 229. Canberra: Australian Institute of Criminology, 2002 em www.aic.gov.au/publications/tandi/ti229.pdf. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 75 13 Bairros com Elevadas Taxas de Criminalidade 13.1. Introdução O crime, a desordem e a insegurança nunca estão distribuídos de modo equitativo. Enquanto algumas comunidades se mantêm relativamente seguras, outras têm áreas residenciais e comerciais que experienciam níveis mais elevados de criminalidade. Os problemas podem estar altamente concentrados a nível espacial, com metade das queixas-crime reportadas a acontecerem em só 10% da área da cidade. Os bairros mais problemáticos143, provavelmente, têm taxas de criminalidade 4 a 5 vezes maiores do que a média da cidade. Viver com uma persistente elevada taxa de criminalidade, não só causa danos graves à saúde, à longevidade e à qualidade de vida dos cidadãos, como afecta o bem-estar presente e futuro das comunidades como um todo. Devido à complexidade e gravidade dos problemas, estes bairros tendem a ser resistentes à mudança. Por esta razão, quando se desenvolve a estratégia de prevenção urbana do crime, reconhecendo que a população deste bairros é certamente pobre e com recursos limitados, esta merece uma atenção especial. Tipicamente, estes bairros são caracterizados por elevados níveis de crime contra a propriedade, violência, tráfico de droga e perturbações de ordem pública, vitimização repetida (ver, adiante, Secção 15.2) e medo do crime. São, igualmente, os mais desfavorecidos em outros aspectos, sofrendo um vasto leque de problemas sociais, económicos, ambientais e outros. Na maioria das vezes existe um ciclo vicioso no qual a carência serve de combustível à insegurança e esta, por sua vez, resiste à regeneração urbana144. Nestas áreas, a estratégia de prevenção do crime deve fazer parte de uma estratégia abrangente e coordenada que aborde todo o espectro de problemas existentes. Estes podem incluir a pobreza, o abandono escolar, a desestruturação familiar, o desemprego, as más condições habitacionais, a escassez de serviços, os estados de abandono, a falta de infra-estruturas de lazer e as dificuldades no sector comercial. A experiência sugere que tratar dos problemas isoladamente não trará melhorias sustentáveis. Em Portugal, a PSP dispõe de um Modelo Integrado de Prevenção e Intervenção Policial em Bairros Problemáticos ou Pontos Quentes (cfr. Directiva Estratégica n.º 16/2006, de 26 de Julho). Foi realizado e publicado em 2007 um estudo que analisa detalhadamente a questão dos bairros problemáticos nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, coordenado pelo LNEC (cfr. Machado et al., Metrópoles Seguras: Bases para uma intervenção multissectorial nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, Relatórios 113 e 114/2007 - DED/ NESO, Lisboa). 144 Em Portugal está em curso a Iniciativa Operações de Qualificação e Reinserção Urbana de Bairros Críticos, aprovada através da Resolução de Conselho de Ministros nº 143/2005, de 2 de Agosto, integrada numa lógica de regeneração urbana mais abrangente e que é conferida pela Política de Cidades POLIS XXI. Para além do eixo das “parcerias para a regeneração urbana” haverá que atender ao eixo das “acções inovadoras para o desenvolvimento urbano”, cuja tipologia de acções consagra “Projectos, de preferência com componente maioritariamente imaterial, que traduzam respostas inovadoras aos problemas urbanos e às novas procuras urbanas, nomeadamente nos seguintes domínios: a) Prestação de serviços de proximidade; b) Acessibilidade e mobilidade urbana; c) Segurança, prevenção de riscos e combate à criminalidade; d) Gestão do espaço público e do edificado” (in Política de Cidades POLIS XXI). 143 76 13.2. Diagnosticar bairros com elevadas taxas de criminalidade Na implementação da Fase 1, um DLS deve ser usado para identificar os bairros que possuem elevadas taxas de criminalidade e estabelecer se está a ser aplicada uma estratégia eficaz no local (ver, anteriormente, Secção 4.2). Se tudo apontar para a necessidade de uma investigação mais detalhada e aprofundada, as atenções devem focar-se nesses bairros específicos durante a implementação da Fase 2. Como foi acima referido não só é insensato, como improvável, considerar assuntos relativos à segurança isoladamente em bairros com elevadas taxas de criminalidade. Os problemas estão interligados e, como tal, necessitam de ser abordados conjuntamente. Somente com acções concertadas poderão alcançar-se progressos reais. Durante a implementação da Fase 2, estabelecer um contacto e envolvência eficaz com a comunidade será vital. Deverá considerar-se a implementação de um grupo ou comité que esteja sediado no bairro para poder gerir e supervisionar a implementação dos trabalhos dessa fase. De preferência, deverá ser liderado por uma organização comunitária respeitada e preocupada com o bem-estar geral do bairro. Contudo, o grupo deverá também incluir representantes de interesses significativos e legítimos, tais como minorias etnoculturais, mulheres, crianças e grupos religiosos. Os potenciais membros deverão também integrar as entidades (como os serviços sociais), as instituições (como escolas), os prestadores de serviços (como assistência social e transportes) e o sector privado (como os retalhistas). Um exercício de reconhecimento da comunidade pode definir o programa para uma pesquisa mais detalhada (ver, adiante, Secção 17.3). O reconhecimento dá a oportunidade aos residentes de opinarem sobre as suas expectativas em relação ao futuro do bairro e ajuda a estabelecer prioridades nos aspectos que necessitam ser alterados. As diferenças entre as aspirações dos diferentes grupos poderão identificar-se e deverá considerar-se a maneira de se poderem conciliar. 145 Um Novo Compromisso: O Programa das Comunidades (Inglaterra)145 Anunciado em 1998, o programa NDC (New Deal for Communities) é um componente-chave do Programa Nacional de Regeneração de Bairros. Com o foco em 39 dos mais problemáticos bairros (com 10.000 habitantes em média), tem como objectivo reduzir as múltiplas privações e fechar o fosso entre estas áreas e o resto do país. O orçamento geral do programa rondou os 2 mil milhões de libras num espaço de dez anos. Em cada bairro, uma parceria com o NDC une a comunidade, entidades locais e prestadores de serviços para que se desenvolva e implemente um programa que melhore a saúde e a educação, reduza o desemprego, aumente o nível das condições de habitabilidade e reduza o crime. A primeira tarefa prática envolveu a pesquisa e consulta de forma a contribuir para o desenvolvimento dos planos que se podiam pôr em prática. Esta foi uma abordagem “disciplinada passo a passo” e com uma duração, em média, de nove meses. Um elemento vital desta abordagem foi a recolha de dados no local sobre o bairro para se identificarem os problemas principais e as potenciais soluções, em articulação com a disponibilidade dos recursos que possam tornar possível essa evolução e atingir os resultados pretendidos. Os resultados do reconhecimento podem ser usados para conceber inquéritos mais sistemáticos. Estudos e consultas com diferentes grupos de interesses (i.e. residentes adultos, jovens e comerciantes) darão voz a todos (ver, adiante, Secção 16.2). Os assuntos que dizem respeito às mulheres, em particular, devem ser explorados num diagnóstico específico para as mulheres. Podem empreender-se visitas de modo a identificar e examinar locais onde as pessoas se sintam menos seguras (ver, adiante, Secção 17.3). Um trabalho de maior proximidade pode ser necessário para criar laços com os grupos mais marginalizados, e cujos pontos de vista podem não estar a ser bem representadas por outros canais. Se estiverem disponíveis estatísticas úteis, devem recolher-se www.neighbourhood.gov.uk/page.asp?id=617 Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 77 os dados das entidades para se acrescentarem ao perfil do crime e dos seus respectivos factores de risco. Os representantes das entidades responsáveis pela prestação de serviços deverão também fazer parte do processo de DLS. Estes contactos não deverão servir somente para examinar os problemas e as preocupações; eles providenciam uma importante oportunidade para evidenciar o lado positivo destes bairros, que serviços estão a trabalhar bem, quais são as vantagens que poderão advir e quem de facto se interessa pela comunidade. Igualmente importante é a necessidade de lutar contra a estigmatização e os rótulos de um bairro que pode ser revigorado por um DLS que não se concentre somente nos aspectos negativos. Tanto quanto possível, deve ser usado para incutir nos moradores a confiança e o sentido de envolvimento e de parceria para tratar os problemas daí para a frente. Figura 1 O compromisso comunitário nos bairros de Saskatoon, Canadá Perguntas-chave nQuais os bairros que têm os problemas mais graves? nCada um tem uma estratégia completa e co- ordenada? nAs estratégias estão bem implementadas, são adequadas e eficazes? Em cada bairro problemático que necessita de uma análise mais detalhada nQuais são as principais preocupações da comunidade? nQual é o impacto dos problemas nos diferentes grupos (mulheres, jovens e minorias)? nExistem locais onde as populações se sintam particularmente inseguras? nComo se pode explicar o nível de crime e de insegurança? nQue outros problemas afectam o bairro? nQual é a visão da comunidade sobre o futuro? nCom que eficácia as entidades prestam os serviços públicos básicos (policiamento, apoio à família, e saúde)? nAs entidades trocam informações e trabalham de modo eficaz em parceria? nO que está a ser feito para combater especificamente este problema? nAs intervenções apropriadas estão a ser direccionadas aos indivíduos e famílias mais vulneráveis? nQuais os serviços e intervenções que estão a trabalhar bem e quais não estão? nQuais são as vantagens e as forças positivas sobre as quais é possível construir-se algo? nQuais são as prioridades da comunidade para acções futuras? Fontes privilegiadas nRelatórios de investigação anteriores nOrganizações sedeadas nas comunidades nJovens nGrupos de defesa dos interesses das mulheres nPrestadores de serviços nPolícia nEmpresas e comerciantes 78 PARTE C: FONTES, TÉCNICAS E INSTRUMENTOS 14 Informação do DLS: Considerações Estratégicas 14.1. Fontes de Informação A Parte C providencia aconselhamento aos executantes sobre o uso das diferentes fontes de informação do DLS. Isto inclui um aconselhamento geral sobre o leque de informação a recolher. Dá especial atenção ao uso de dados provenientes de fontes secundárias (caso existam) e a estudos que forneçam dados quantitativos. Finalmente, examina-se o importante contributo dos dados qualitativos e dão-se conselhos quanto ao uso das técnicas e instrumentos para a sua recolha. O sucesso de um DLS depende da variedade e qualidade da informação na qual se baseiam as conclusões. É importante decidir qual a informação necessária, que fontes existentes são úteis e quais as lacunas que melhor se poderão preencher com investigação empírica. É necessário reconhecer que todos os tipos de fontes têm as suas limitações e os executantes têm de fazer escolhas fundamentais em relação a: nO Valor: a informação acrescentará algo que leve a um melhor conhecimento do contexto local, dos seus problemas ou respostas? nA Validade: a informação é suficientemente precisa, abrangente e actualizada, de modo a justificar a sua inclusão? São as suas limitações conhecidas? 80 nA Prioridade: valerá a pena disponibilizar os recursos necessários para obter e analisar a informação? nA Relevância: terá utilidade a informação para a elaboração da estratégia de prevenção do crime? Um bom DLS construirá um quadro de referência, através da compilação de informação de várias fontes, de modo a assegurar que as perspectivas de todos os interesses da comunidade estão incluídas, e de modo a reduzir a subjectividade que pode estar subjacente ao uso de um número limitado de fontes. Poderá ser possível explorar extensivamente dados recolhidos por terceiros, tais como relatórios policiais ou estatísticas criminais. Quando estes dados são apropriados, faz todo o sentido usar essas fontes secundárias de informação, pois poupa-se tempo e dinheiro. As vantagens e desvantagens das diferentes fontes são demonstradas no Quadro 15. Fontes Primárias Fontes Secundárias Quadro 15 DLS: Fontes de informação Fonte Descrição Vantagens Desvantagens Documentos Relatórios, estudos científicos, planos e avaliações. Facilidade de acesso. Baixo custo. Poderão não tratar os tópicos certos. Podem estar desactualizados. Estatísticas Dados recolhidos antes do DLS por entidades públicas, sociedade civil ou empresas. Podem incluir dados recolhidos rotineiramente ou para outros objectivos. Informação quantitativa acessível no imediato. Baixo custo. Podem não tratar os assuntos de que o DLS precisa. Podem não representar as populações mais pobres e marginalizadas. O acesso pode ser restrito. Os dados não estão seccionados por zonas. Podem estar desactualizados. As definições podem variar entre diferentes entidades. Entrevistas Contactos com informadores-chave (indivíduos conhecedores) em diferentes entidades, na sociedade civil ou nas empresas. Obtêm-se respostas às perguntas “quando” e “como”. Permite flexibilidade para explorar os assuntos. Pouca probabilidade de fornecer dados concretos. Baseiam-se em perspectivas e podem não ser objectivas. Estudos Questionários de vitimizações e de criminalidade auto-revelada. Estudos de opinião. Dados recolhidos com objectivos específicos. Podem ser adaptados a adultos, jovens e empresas. Exigem muitos recursos e é difícil incluir os grupos mais marginalizados. Consultas Reuniões de grupo e envolvimento dos media com as comunidades e grupos. Permite a participação de indivíduos, incluindo os que partilham os mesmos interesses. Dificuldade em cobrir vários grupos diferentes. Trabalho intensivo. Trabalho de proximidade Envolver-se com os grupos no seu próprio meio, muitas vezes individualmente. Poderá ser a melhor opção para os grupos mais marginalizados, pois permite a participação individual. Dificuldade em cobrir vários grupos diferentes. Trabalho intensivo. Observação Visita a locais e serviços específicos para observar e conversar com os intervenientes locais. Providencia uma informação directa e em primeira mão sobre o que está a acontecer. Trabalho intensivo. Dificuldade em obter uma impressão correcta e precisa com uma visita curta. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 81 Noutras situações seria necessário confiar mais na informação proveniente das fontes primárias recolhidas propositadamente pela equipa do DLS. Isto poderá envolver a condução de estudos e consultas, facto que será certamente mais dispendioso, podendo estas ser adaptadas de modo a servir necessidades específicas do DLS. Diferentes fontes serão úteis em diferentes etapas de implementação (Quadro 16). De uma forma geral, a informação proveniente de fontes secundárias será mais utilizada na Etapa 1 (Análise Alargada e Genérica), enquanto a compilação de dados de fontes primárias será essencial em etapas mais avançadas. 14.2. Reconhecer a diversidade na comunidade C ada população de uma determinada comunidade é heterogénea, pois é constituída por vários grupos com perspectivas diferentes sobre o crime e a vitimização, tendo todos eles o direito de ser reconhecidos no processo do DLS. Estes grupos incluem jovens, mulheres, minorias étnicas e culturais, idosos, deficientes, doentes do foro psiquiátrico, comunidades migrantes, os que procuram asilo e muitos outros. O leque de grupos varia de lugar para lugar, reflectindo perfis e padrões demográficos e sociais. Quando a informação é recolhida, considerando a comunidade como um todo (ex. uma cidade, um município), ou quando os dados são recolhidos segundo a média da população total, a individualidade dos diferentes grupos sociais pode ser facilmente ignorada146. É por esse motivo importante que os dados quantitativos e qualitativos sejam desagregados de modo a que as perspectivas, experiências e contribuições desses grupos sociais seja, individualmente, levada em consideração. E quando estes mesmos grupos estão sub-representados na globalidade das fontes de informação, abordagens alternativas necessitam ser adoptadas para assegurar que as suas vozes se façam ouvir (ver, anteriormente, Secção 5.4 e, adiante, Secção 17). Quadro 16 Fontes de informação úteis durante as diferentes Fases de implementação do DLS Fase 1 Fase 2 Fase 3 Fase 4 Análise Alargada e Genérica Investigação Aprofundada e Pormenorizada Identificar Prioridades e Oportunidades Consultoria e Comunicação Documentos Estatísticas Entrevistas Inquéritos Consultas/ Audições Mediação ou intermediação social Observação 146 82 Nota da edição portuguesa. Este efeito de generalização designa-se por “falácia ecológica” e foi desenvolvido por Robinson (1950). Identifica o erro na interpretação de dados estatísticos, correspondente ao estabelecimento de inferências acerca da natureza específica dos indivíduos com base em dados agregados respeitantes ao grupo do qual esses indivíduos fazem parte. No fundo, trata-se da generalização de resultados obtidos para um agregado, tomando os elementos constitutivos desse grupo como iguais. Ora, Robinson, no famoso artigo publicado no American Sociological Review clarificou que uma correlação individual é uma correlação na qual o objecto estatístico ou a coisa descrita é indivisível, e alertou que na correlação as variáveis são propriedades descritivas dos indivíduos e não constantes estatísticas descritivas, como sejam as taxas ou médias. 14.3. Partilha de informação e confidencialidade dos dados P ara que os DLS maximizem o uso dos recursos disponíveis, é necessário que exista uma partilha de informação entre todas as entidades. Preocupações legítimas sobre a quebra de confidencialidade, especialmente no que respeita a dados pessoais, levaram muitos países a impor restrições relativas à divulgação de informação. Estas restrições não devem, contudo, abranger a partilha de dados estatísticos que não são personalizados e que não podem ser relacionados com indivíduos, nem devem inibir o uso dos resultados de investigações provenientes de consultas à comunidade. Já os comentários e as contribuições de indivíduos só devem ser divulgados com o seu claro consentimento. A negociação de um acordo de partilha de informação entre organizações intervenientes, antes de iniciar o DLS, pode ajudar a evitar problemas futuros. Esse acordo deve também abranger a partilha de dados pessoais que possam, claramente, prevenir a actividade criminal no futuro. Sendo este assunto consensual, a partilha de informações impessoais e despersonalizadas deverá ser facilmente negociável147. O “Home Office” publicou um modelo de protocolo para a partilha de informação ao qual as empresas cooperantes podem aderir148. Tendo em conta as leis de protecção de dados e os direitos humanos, este protocolo baliza a partilha das informações, estabelece as regras fundamentais que suportam o acordo e padroniza a segurança dos dados149. Acima de tudo, especifica as condições nas quais cada tipo de dados, dos impessoais aos mais sensíveis, pode ser partilhado. Embora o seu conteúdo reflicta a legislação nacional, os grupos de apoio ao DLS podem considerar importante fazer uma revisão deste modelo, quando desenvolverem os seus próprios acordos com os parceiros organizacionais. O Conselho Australiano de Investigação Criminal providenciou também orientação sobre o manuseamento de informação confidencial e pessoal recolhida no decorrer da investigação150. 14.4. Observatórios de dados UM DLS requer uma integração da informação oriunda de múltiplas fontes, de modo a obter um mais aprofundado conhecimento dos problemas e dos factores causais que afectam o crime e os problemas a ele associados. Embora isto possa parecer, ao princípio, uma tarefa inglória, na realidade ela necessita de ser repetida periodicamente e, idealmente, os que participam na prevenção e os estrategas e técnicos deveriam monitorizar qualquer mudança de forma contínua e sistemática. Este tipo de requisitos não é exclusivo da prevenção do crime. É actualmente aplicado na maioria das áreas, e os observatórios de dados têm-nas estabelecido num cada vez maior número de comunidades, como resposta à necessidade imposta. Um observatório é um organismo que enquadra a informação proveniente de um vasto leque de entidades e a analisa para informar o público e desenvolver programas. Poderá ser necessário negociar com os fornecedores de dados em assuntos de confidencialidade, definições e formatos, para que se maximize a compatibilidade e a relevância dos mesmos. O trabalho do observatório pode incluir a construção de bases de dados integradas ou Sistemas de Informação Geográficos (SIG) que sirvam de suporte à análise. Mais importante ainda é o facto de a informação ser recolhida continuamente para que haja uma actualização regular e uma contínua monitorização. Em Portugal, a carência de bases de micro-dados torna esta questão por demais relevante. Acrescente-se que à ausência de micro-dados se junta um outro grave problema, que resulta da deficiente ou inexistente meta-informação dos dados que se poderiam disponibilizar. 148 www.crimereduction.gov.uk/infosharing21-00.htm 149 Para Portugal convém consultar a seguinte legislação sobre protecção de dados pessoais: n Artigo 35º da Constituição da República Portuguesa – utilização da informática n Lei 67/98 – Lei da Protecção de Dados Pessoais n Lei 2/94 – estabelece os mecanismos de controlo e fiscalização do Sistema de Informação Schengen n Lei 68/98 – entidade nacional na Instância Comum de Controlo da EUROPOL n Lei 36/2003 – regula o estatuto e competências do membro nacional da EUROJUST n Lei 43/2004 – Lei da organização e funcionamento da CNPD 150 Chalmers R and Israel M. Caring for data: law, professional codes and the negotiation of confidentiality in Australian criminological research. Canberra: Criminology Research Council, 2005, em www.aic.gov.au/crc/reports/200304-09.pdf. 147 Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 83 Observatório Regional sobre Politicas de Segurança (Itália)151 Os observatórios podem ser genéricos, cobrindo um vasto leque de políticas e programas, ou focalizados em assuntos específicos, tais como o da segurança urbana. Um observatório deste tipo pode facilitar grandemente o trabalho do DLS e, igualmente importante, permitirá que se acompanhem as alterações, de modo a identificarem-se novos assuntos em tempo útil, despoletando as necessárias intervenções da prevenção do crime. Onde eles existem já provaram ser um recurso insubstituível. Nos locais onde eles ainda não existam os líderes políticos podem desejar desenvolver observatórios destes e incluí-los na sua agenda política. O Observatorio Regionale sulle Politiche Integrate per la Sicurezza foi fundado em 2000 pela região da Toscânia para manter em base de dados um perfil das condições de segurança e desenvolver investigações relacionadas com a mesma. Este compila e analisa uma vasta base de dados que faz a cobertura do crime e dos seus factores de risco permitindo avaliar a insegurança dos cidadãos em diferentes áreas e estratos sociais. Os resultados do observatório ensão uma importante ferramenta para desenvol- Vários exemplos de observatórios podem ser contrados nos países da Europa Ocidental152. Em ver políticas de prevenção do crime. França, um observatório nacional para a toxicodependência (Observatoire Français des Drogues et des Toxicomanies) estabeleceu-se em St. Denis (perto de Paris)153. Em Inglaterra várias regiões têm observatórios gerais e cada região tem um observatório especializado em assuntos relacionados com a saúde pública, incluindo o abuso de substâncias154. http://sicurezza.regione.toscana.it/ Para Portugal, a DGAI identificou uma rede de observatórios que directa ou indirectamente são produtores de dados ou dispõem de repositórios que interessam ao tema da segurança das populações, tendo criado, na sequência dessa identificação, um Fórum de Observatórios. Para saber mais, ver www.dgai.mai.gov.pt. 153 Observatoire Français des Drogues et des Toxicomanies. Ver www.ofdt.fr. 154 The East of England Observatory é um exemplo de um observatório genérico. Ver www.eastofenglandobservatory.org.uk. Para consultar a lista de todos os observatórios da saúde existentes em Inglaterra, ver www.apho.org.uk/apho. 151 152 84 15 A Utilização de Fontes e Dados Secundários 15.1. Introdução OS dados quantitativos são o ingrediente vital de qualquer DLS. Os números dão precisão aos assuntos examinados, são mais fáceis de apresentar e, normalmente, mais fáceis de analisar. Em muitas comunidades um vasto leque de estatísticas sobre assuntos de relevo é recolhido pelas entidades para seu próprio proveito (Quadro 17). Onde estes dados secundários são razoavelmente precisos, úteis e disponíveis, a sua análise deverá ser um dos principais elementos da implementação da Fase 1, não só para construir com relativa brevidade, um perfil da comunidade, mas também para identificar falhas de informação que necessitem de ser preenchidas posteriormente. Quadro 17 Potenciais fontes de dados secundários nPolícia nOutras entidades do sistema de Justiça: tribunais, estabelecimentos prisionais e de reinserção social nServiços de apoio à vítima nServiços de habitação e serviços ambientais nServiços de educação, incluindo escolas e estabelecimentos de ensino superior nServiços de assistência social nPrestadores de cuidados de saúde, incluindo hospitais particulares e clínicas nInstituições de investigação, incluindo universidades nServiços de bombeiros nGrupos comunitários nOrganizações da sociedade civil sem fins lucrativos nEmpresas de segurança privada e seguradoras Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 85 Os dados estatísticos secundários devem, contudo, ser sempre escrutinados, especialmente se não forem suportados por fontes independentes. Os números fornecem uma sensação de exactidão e certeza que nem sempre se justifica, já que estão quase sempre incompletos e poderão muito facilmente ser mal interpretados e/ou desvirtuados. Mais ainda, pelo facto de terem sido recolhidos para outros propósitos, raramente satisfazem as necessidades do DLS. Uma outra dificuldade ainda mais comum é o facto de os dados só estarem disponíveis de uma forma generalizada, enquadrando a comunidade como um todo, ou estarem disponíveis de acordo com subdivisões ou áreas não compatíveis entre si. Por outras palavras, existe uma falta de compatibilidade entre eles. Mesmo onde estão disponíveis boas fontes secundárias, determinada informação relevante não está, normalmente, acessível e necessita de ser recolhida especificamente pela equipa do DLS (Quadro 18). Nada do que foi acima referido invalida o uso das fontes secundárias. Pelo contrário, deverá avaliar-se bem o seu uso, pois a sua rápida acessibilida- de poderá preencher as lacunas, já que a alternativa envolve dispêndio de tempo e de recursos. De facto, em casos onde uma variável é difícil de medir ou um conceito é difícil de definir, não restarão muitas hipóteses se não o uso das fontes secundárias. Isto aplica-se, por exemplo, aos conceitos de exclusão social e medo do crime155. Este último conceito avaliase tendo como base o medo que um indivíduo sente num local particular (em sua casa ou na rua), numa altura particular (por exemplo, depois de escurecer) sem ter em consideração que muitas pessoas parecem ter um medo iminente do escuro independentemente do risco de vitimização que possa ou não existir. 15.2. Dados policiais EM muitas comunidades, os dados criminais registados pela polícia são um importante recurso. Porém, a sua acessibilidade e utilidade tem grandes variações. O acesso pode ser restrito por razões políticas, legais ou técnicas e, em quase todos os países uma quantidade significativa de criminalidade não é reportada ou registada156. Quadro 18 Falhas de informação comuns nas fontes secundárias Características dos delinquentes Idade, sexo, identidade etno-cultural, saúde e incapacidades, situação familiar, nível de instrução, situação laboral, condições de habitabilidade, antecedentes criminais Características das vítimas Idade, sexo, identidade etno-cultural, saúde e incapacidades, situação familiar, nível de instrução, situação laboral, condições de habitabilidade, historial de vitimizações Características dos registos criminais Método usado, localização precisa, hora, uso de armas, ligação com uso de drogas/álcool Problemas frequentemente não reportados Violência grave (violência doméstica ou sexual, outro tipo de violência contra mulheres, maus tratos a crianças), bullying, corrupção, abuso de substâncias, gangs de rua, crime organizado, assaltos a lojas, bagatelas penais (vandalismo, roubos ligeiros) Impactes da criminalidade Morbilidade, mortalidade e outras consequências da violência, com ou sem ferimentos Percepções e sentimentos Medo do crime e da vitimização, incluindo variações de acordo com a idade, sexo, grupo etno-cultural, hora, quais os problemas que deviam ser prioritários, pontos de vistas sobre as entidades e os serviços (autoridade local, polícia, tribunais) Retirado de UN-Habitat Safer Cities Toolkit Em Portugal encontra-se em fase de conclusão um projecto desenvolvido em parceria (INE, DGAI, DGPJ, APAV) que consistiu na tradução e validação para o nosso país de um Inquérito de Vitimização proposto pelo Eurostat. Ver mais sobre esta iniciativa em www.dgai.mai.gov.pt. Existem outros estudos recentes sobre vitimização, desenvolvidos por entidades universitárias ou privadas que devem ser consultados. 156 Para Portugal, sugere-se a consulta do Sistema de Informação das Estatísticas da Justiça (SIEJ), em www.siej.gplp.mj.pt. Este sistema compreende duas componentes fundamentais: 155 86 Só uma fracção das ofensas à integridade física que recebem assistência médica nos serviços de urgência hospitalar, e que estão relacionados com casos de violência, é incluída nas estatísticas policiais. Estudos em Atlanta (EUA) e na Cidade do Cabo (África do Sul) confirmam que até as mortes provocadas por armas de fogo não são muitas vezes registadas. Como se pode ver na Figura 2, esta situação de sub-registo é muito mais séria numas regiões do que noutras, e em muitos cenários e contextos nem os dados das polícias nem dos serviços de saúde estão disponíveis. Esta lacuna de conteúdo não seria um problema tão grave se fosse repartida de forma igual pelos tipos de ofensas e pelos grupos populacionais. Mas esse não é o caso. Certos tipos de crime têm taxas de registo extremamente baixas, incluindo alguns dos mais graves (Quadro 19). E são normalmente os grupos sociais mais pobres e vulneráveis cujas vitimizações não são reportadas. Várias poderão ser as razões para este não-registo: porque desconhecem como se faz uma queixa ou como as podem denunciar; não percepcionam a sua experiência como crime; têm medo da polícia ou evitam o contacto policial porque acreditam que as suas declarações não serão levadas a sério. Em oposição, grupos sociais que estão bem organizados e com recursos, incluindo partes do sector empresarial, estarão mais aptos para integrar as estatísticas, através do recurso aos sistemas oficiais de queixa157. Figura 2 Variações na denúncia de crimes à polícia: percentagem de crimes reportados África Europa Ocidental Ásia Austrália América do Norte � América Latina Europa Central e Oriental Quadro 19 Crimes que são, com frequência, sub-reportados à polícia Violência Violência sexual, violência doméstica, violência Vitimização de crianças e jovens Criminalidade sem vítimas Corrupção Crime efectuado pelas ou contra as empresas Crime organizado Maus tratos a crianças, bullying, agressões, roubos Uso de drogas ilícitas Tráfico de influências Crimes de colarinho branco, fraude, furtos a Delitos menos graves Bagatelas penais (pequenos furtos, vandalismo, contra mulheres estabelecimentos comerciais Tráfico humano, tráfico de drogas, exploração sexual, extorsão comportamento anti-social) A recolha e validação automática da informação de base que suporta a produção das estatísticas da Justiça, por meio de duas vias diferenciadas: através de formulários na internet (antigos instrumentos de notação em papel) preenchidos pelas entidades informadoras da Justiça; ou através da transferência automática da informação a partir dos sistemas das entidades informadoras da Justiça; n A produção das estatísticas da Justiça, a partir de “transformações” (agregações, cálculos, etc.) sobre a informação de base recepcionada. A actual produção estatística cobre diversas áreas (ou domínios), a saber: n Tribunais e Organismos de Resolução Alternativa de Litígios n Registos e Notariado n Polícias e Entidades de Apoio à Investigação n Organismos de Execução de Penas e Medidas e de Intervenção Social n Entidades de Defesa de Direitos 157 Em Portugal existe desde 2008 um sistema de queixa electrónica que favorece, em determinadas condições, a apresentação de queixa. Para mais informações, ver http://queixaselectronicas.mai.gov.pt/sqe.aspx?l=PT. n Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 87 Bocsar: Estatísticas Criminais na Nova Gales do Sul (Austrália)158 O Gabinete de Investigação Criminal e Estatística da Nova Gales do Sul (BOSCAR) é uma entidade de investigação e estatística que pertence ao Departamento Fiscal Geral. Fundado em 1969, publica dados criminais nacionais, todos os trimestres e anualmente, em taxas e volume, subdividida por tipos de crime em 12 regiões e 172 Áreas de Governo Locais (LGA). Permite que as tendências de 17 tipos de crime sejam facilmente monitorizadas durante 10 anos, e toda a informação está disponível para o público em geral. Uma ferramenta de classificação permite que cada LGA compare os seus valores durante os últimos cinco anos com outras áreas e uma tabela de classificação identifica as 50 LGAs com as taxas de crime mais elevadas para nove categorias de crimes. Uma ferramenta criminal específica permite aos utilizadores definir o seu próprio quadro temporal escolhendo entre cinco formatos de tabelas e seleccionando a combinação do tipo de crime, tipo de premissas, região e ano. Esta ferramenta pode então ser usada para visualizar informação detalhada em, por exemplo, assaltos em estabelecimentos licenciados em diferentes regiões, em cada um dos últimos três anos. Apesar das suas limitações, as estatísticas policiais serão, com regularidade, uma fonte inicial de dados sobre vários aspectos da actividade criminal. Estes dados permitirão que a equipa do DLS avalie: nA quantidade dos crimes registados nO tipo de crime registado – e qual a crimina- lidade violenta nAs taxas totais de crimes registados e a taxa de cada tipo de crime nAs tendências longitudinais – se os registos Os dados policiais também providenciam as bases para uma análise da localização do crime. Esta análise pode indicar o tipo de lugar onde ocorre uma ofensa: se numa residência particular, numa escola, numa loja ou numa rua. Estes dados podem ser úteis para estabelecer se existem alguns ambientes mais propícios à actividade criminal. Os crimes podem também ser posicionados espacialmente, geo-referenciados numa área da comunidade (uma ronda de polícia, um bairro ou uma secção estatística) ou mais concretamente a uma morada, um código postal ou uma grelha de referência específica. Mapear a distribuição destes geocódigos pode ajudar a localizar áreas nas quais os indivíduos e as propriedades e/ou bens estão em maior risco, podendo-se, assim, identificar alguns locais estratégicos de criminalidade ou locais específicos nos quais existe uma maior concentração de criminalidade159. Ambos serão muito úteis quando for necessário considerar as acções preventivas mais prioritárias160. Historicamente, as distribuições eram demarcadas manualmente colocando marcadores coloridos num grande mapa, sendo este sistema útil na ausência de outros métodos. Contudo, se houver disponível um mapa computorizado ou um software apropriado, pode executar-se a tarefa mais eficazmente e com uma flexibilidade que permite que os dados sejam explorados de diferentes maneiras161. Através do uso de um Sistema de Informação Geográfico (SIG), os investigadores podem não só levar a cabo análises complexas dos dados criminais, como podem também cruzá-los com outros dados pré-existentes, bases de dados suas, com estatísticas populacionais ou económicas, e estabelecer relações com outros dados, por exemplo, dados de crime ou saúde. diminuem ou aumentam nAs diferenças entre a comunidade, áreas de comparação e a média nacional nA proporção dos crimes registados que se resolvem (taxa de esclarecimento). Bureau of Crime Statistics and Research (New South Wales, Australia). Crime Statistics, em www.lawlink.nsw.gov.au/lawlink/bocsar/ll_bocsar.nsf/pages/bocsar_index. 159 Para mais informação sobre mapeamento da criminalidade e pontos negros (hotspots), ver: National Institute of Justice, US Department of Justice (2005), Mapping crime and understanding hotspots, em www.ncjrs.gov/pdffiles1/nij/209393.pdf National Institute of Justice, US Department of Justice (2005). Mapping and analysis for public safety. www.ojp.usdoj.gov/nij/maps/briefingbook.html UK Home Office Crime Prevention Toolkit on Focus Areas, em www.crimereduction.gov.uk/toolkits/index.html 160 Em Portugal existe já um espólio muito considerável de georeferenciação sócio-criminal, desenvolvido pelo Centro de Recursos da DGAI. Ver mais em www.dgai.mai.gov.pt. 161 Em Portugal, o estudo mencionado na nota 144 (Machado et al., Metrópoles Seguras: Bases para uma intervenção multissectorial nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, Relatórios 113 e 114/2007 - DED/NESO, Lisboa), desenvolveu as bases de um sistema de geo-referenciação com micro-dados policiais. 158 88 Sistema de Gestão da Informação, iQuanta (Inglaterra e País de Gales)162 O iQuanta foi desenvolvido pelo Ministério do Interior britânico para transformar os dados estatísticos recolhidos rotineiramente em resultados úteis para uma performance mais sustentada e melhorada. Trata-se de uma ferramenta cibernética que providencia tanto sumários gráficos como tabelas das tendências das performances. Os números são actualizados mensalmente, para que a polícia e as parcerias de redução do crime possam monitorizar a sua eficácia na redução do crime e comparar as suas performances com outras áreas similares. O iQuanta inclui: n Níveis e taxas totais do crime e de ofensas individuais n Taxas de detenção n Progresso efectuado tendo em conta os grupos-alvo n Percepções públicas, incluindo o medo, identificadas pelo estudo criminal britânico n Projecções das futuras taxas de crime Embora o website do iQuanta seja actual e tecnicamente avançado, tem a desvantagem de estar acessível somente à polícia e aos parceiros da segurança comunitária e não ao público em geral. Figura 3 Mapeamento de dados criminais (Hungria): ocorrências por 100.000 habitantes Baranya County Crime Prevention Strategy (2005) 162 http://police.homeoffice.gov.uk/performance-and-measurement/iquanta e Association of Police Authorities (UK) (2004), iQuanta: a Police Authority guide, em www.apa.police.uk/NR/rdonlyres/24C7F620-D30D-421C-9BB5-FCBB45E6AD26/0/APAiquantasecondeditionFINALPDF.pdf. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 89 De uma ainda maior importância é o uso crescente dos SIG para prever futuros padrões de tendências. Em investigações recentes no Jill Dando Institute of Crime Science (Universidade de Londres) desenvolveu-se uma técnica chamada “cartografia prospectiva”, que tem comprovado ser mais exacta na previsão das vitimizações do que qualquer outro método163. Pode ser instrutivo investigar, na Fase 2, – Investigação Aprofundada e Pormenorizada –, o “como” e o “quando” dos incidentes criminais (Quadro 20). No “quando”, a informação deve incluir as horas do dia, os dias da semana, meses do ano e os feriados. Os crimes raramente estão distribuídos equitativamente e existem “horas de ponta” e “pontos críticos”, mas isto varia também de acordo com o tipo de características dos locais. No “como” a informação está relacionada com as características e técnicas associadas à prática de determinados crimes, tais como a natureza da vítima ou o alvo e o método usado. Clarificar estes assuntos vai permitir aceder a respostas com uma maior oportunidade de sucesso. A polícia pode também providenciar dados sobre os delinquentes, apesar de esta informação ter mais qualidade se combinada com a de outras entidades do sistema de Justiça, para que se obtenha um quadro mais abrangente (ver, anteriormente, Secção 15.3). Esta informação pode, como é óbvio, incluir apenas aqueles que são identificados/detidos, normalmente uma pequena quantidade, e os menos bem sucedidos. Contudo, a informação pode ser extremamente útil e pode ajudar a responder às questões na implementação da Etapa 1 (ver, anteriormente, Secção 4.2). Deverá dar-se particular atenção aos delinquentes reincidentes, visto os mesmos serem, muito provavelmente, responsáveis por uma grande parte dos crimes globalmente praticados. Se o seu número e escala de actividades puderem ser calculados, torna-se possível estimar que proporção será essa. Igualmente importante é a informação sobre delinquentes que cometem crimes graves e perigosos, cujos crimes, embora não necessariamente em grande número, terão um efeito particularmente prejudicial sobre os indivíduos e as comunidades. Na maioria dos casos essa análise necessita de ser acompanhada por um estudo mais aprofundado das características e experiências de vida que possam ter influenciado os comportamentos dos criminosos, e que possam apontar para intervenções preventivas apropriadas. Quadro 20 Perguntas sobre o “quando” e o “como” da criminalidade reportada As perguntas de “como” e “quando” serão normalmente colocadas na implementação da Fase 2 e necessitam ser adaptadas ao tipo específico de ofensas. Em caso de furtos no interior das habitações, as questões que se seguem seriam relevantes: nEm que altura do dia se deu a ocorrência? nEste tipo de incidentes é mais comum em certos dias ou em alguns meses? nComo é que os ladrões conseguiram entrar… nForçaram a entrada pela porta, janela ou outro ponto de acesso nRecorreram ao uso de violência ou ameaçaram fazê-lo nUsaram o embuste nEntraram por uma porta aberta, janela ou outro ponto de acesso nEntraram pelas traseiras ou pela frente da propriedade nQue medidas de segurança existiam – tais como guardas, alarmes ou cadeados? nA habitação estava ocupada ou vazia? nA habitação estava inserida num bairro ou isolada? nQue objectos foram furtados e que itens de valor foram deixados? nComo é que os intrusos se desfizeram dos bens? 163 90 www.ucl.ac.uk/jdi residencial 23:00 – 23:59 22:00 – 22:59 21:00 – 21:59 20:00 – 20:59 19:00 – 19:59 18:00 – 18:59 17:00 – 17:59 16:00 – 16:59 15:00 – 15:59 14:00 – 14:59 13:00 – 13:59 12:00 – 12:59 11:00 – 11:59 10:00 – 10:59 9:00 – 9:59 8:00 – 8:59 7:00 – 7:59 6:00 – 6:59 5:00 – 5:59 4:00 – 4:59 3:00 – 3:59 2:00 – 2:59 1:00 – 1:59 24:00 – 0:59 23:00 – 23:59 22:00 – 22:59 21:00 – 21:59 20:00 – 20:59 19:00 – 19:59 18:00 – 18:59 17:00 – 17:59 16:00 – 16:59 15:00 – 15:59 14:00 – 14:59 13:00 – 13:59 12:00 – 12:59 11:00 – 11:59 10:00 – 10:59 9:00 – 9:59 8:00 – 8:59 7:00 – 7:59 6:00 – 6:59 5:00 – 5:59 4:00 – 4:59 3:00 – 3:59 2:00 – 2:59 1:00 – 1:59 24:00 – 0:59 Figura 4 Análise da incidência horária das ocorrências (Canadá) 140 120 100 80 60 40 20 0 Statistics Canada (2004) Figura 5 Análise da incidência horária dos furtos (Austrália) 9% 8% 7% 6% 5% 4% 3% 2% 1% 0% não residencial Australian Institute for Criminology (2001) Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 91 Criminosos em Inglaterra e no País de Gales Delinquentes reincidentes164 Estima-se que entre um milhão de delinquentes activos, 10% tenham três ou mais condenações prévias e sejam responsáveis por metade da totalidade dos crimes. Dos mais activos, 5.000 serão responsáveis por um em cada dez delitos. A população de delinquentes activos é flutuante; cerca de 20.000 indivíduos saem deste conjunto todos os anos e são substituídos por outros 20.000. Mobilidade da prática do crime165 A investigação demonstra que a maioria dos delinquentes não se afasta muito da sua área residencial para cometer o crime. Esta premissa aplica-se a quase todos os tipos de crimes. No que diz respeito aos furtos domésticos em Yorkshire, por exemplo, a distância média percorrida era de 1,8 milhas, menos de três quilómetros. Os registos policiais podem ser usados para estimar as distâncias percorridas pelos criminosos desde a sua residência até ao local do crime166. Se for constatado que a maioria vem dos arredores da cidade para cometer os crimes, as respostas poderão ter de ser muito diferentes daquelas que seriam tomadas se a maioria dos criminosos fosse indígena. Os dados policiais têm, normalmente, um valor limitado para identificar os padrões e perfis das vítimas. Os registos só dizem respeito a indivíduos que estão dispostos a reportar um incidente e, mesmo nestes casos, as bases de dados raramente estão desenhadas para permitir que se analisem os pormenores das vítimas. Contudo, fazendo parte da investigação mais “alargada e genérica” (Fase 1), as respostas às perguntas listadas no Quadro 8 deverão, inicialmente, ser procuradas nos dados policiais. Se isso não for frutuoso, um estudo às vítimas, suplementado por informações providenciadas por organizações de apoio às vítimas, provavelmente providenciará uma informação muito melhor. Um assunto de particular importância é a vitimização repetida. Estudos internacionais demonstram que para muitos tipos de ofensas o risco de vitimização está ligado à experiência de vitimizações anteriores. Um lugar ou indivíduo que já foi alvo de vitimização está em maior risco de o voltar a ser do que um que nunca tenha sido. E quantas mais vezes um alvo é vitimizado, maior é a probabilidade disso voltar a acontecer. Por este motivo, é particularmente importante ter um conhecimento sobre a extensão do problema para que se possam direccionar medidas preventivas para aqueles que, não só estão mais amedrontados e traumatizados pelas suas experiências, mas que também se encontram em maior risco. 15.3. Outros organismos do sistema de justiça criminal O utras entidades do sistema de justiça criminal poderão dispor de dados sobre delinquentes que sejam relevantes e úteis para um DLS. Essas entidades poderão ser os serviços de execução das penas (serviços tutelares de menores, serviços de reinserção social e serviços prisionais). Tal como acontece com os dados policiais, o acesso a estes dados pode estar condicionado por motivos políticos, legais ou técnicos, e a informação disponível apenas dirá respeito a ocorrências que foram reportadas ou detectadas e que resultaram em acusação. Uma vez mais como os dados policiais, a qualidade da informação disponível varia bastante entre países, de modo que uma avaliação crítica deverá ser efectuada para que se perceba o seu valor no contexto específico a que diz respeito. Uma vez considerados úteis, esses dados ajudarão à caracterização de um quadro mais detalhado sobre os padrões das condutas delinquentes, da actividade delinquente reiterada, da eficácia da acção/intervenção de prevenção da reincidência e dos factores de risco criminal. Deve tomar-se em consideração que os dados prisionais serão provavelmente menos úteis à escala de uma cidade ou comunidade porque os delinquentes podem encontrar-se a cumprir pena longe da comunidade a que pertencem ou na qual praticaram os crimes pelos quais se encontram presos. www.crimereduction.gov.uk/ppominisite01.htm Wiles P and Costello A. The road to nowhere: the evidence for travelling criminals. Research Study 207. London: Home Office, 2000, em www.homeoffice.gov.uk/rds/pdfs/hors207.pdf. 166 Ver, por exemplo, Savoie J, Bédard F and Collins K. Distribution of crime in Montreal neighbourhoods. Crime and Justice Research Paper Series 26 (7), 85-561-MWE2006007. Ottawa: Statistics Canada, 2006, em www.statcan.ca/english/research/85-561-MIE/85-561MIE2006007.pdf. 164 165 92 Revitimização n Um estudo de 1998 na cidade do Cabo (África do Sul) apurou que 28% das vítimas de agressão e 26% das vítimas de furto de automóvel eram vítimas repetidas, e que 25% das famílias que perderam um dos seus membros por homicídio tinham tido essa experiência pelo menos uma vez167. n Um estudo sobre as vítimas em Dar Es Salaam (Tanzânia), em 2002, mostrou que embora as taxas de vitimização repetida num período de cinco anos variassem entre os 22 e os 24% para crimes de furto e roubo, estas eram mais elevadas nos furtos de peças de automóveis (33%) e muito mais elevadas nos furtos de produtos agrícolas, com 51%168. n Um relatório de 1998 do Instituto Australiano de Criminologia demonstrou que 28% dos proprietários vitimizados foram vítimas repetidas de crime contra a propriedade e que só estes proprietários sofreram mais de 50% dos crimes contra o património do total registado169. n Um estudo sueco publicado em 2004 descobriu que 5% da população experienciou metade de todos os crimes cometidos. No que diz respeito a furtos, roubos e ameaças em que o autor era desconhecido da vítima, o risco de agressão aumentou, em dois municípios, 20 vezes para aqueles que já tinham sido vitimizados uma vez nesse ano, e 60 vezes para aqueles que tinham sido vitimizados duas vezes170. n Em Inglaterra e no País de Gales existem níveis elevados de vitimização repetida para furto, crimes que envolvem veículos, roubo, crime sexual e ataques raciais. Um estudo criminal britânico concluiu que 43% das vítimas de violência doméstica eram vitimizadas mais do que uma vez num período de 12 meses171. Camerer L, Louw A, Shaw M, Artz L and Scharf W. Crime in Cape Town. Monograph 23. Institute for Security Studies, 1998, em www.iss.co.za/pubs/MONOGRAPHS/No23/%20Contents.html. 168 Robertshaw R, Louw A and Mtani A. Crime in Dar Es Salaam. Results of a city victim survey. Pretoria: Institute for Security Studies, 2001, em www.iss.co.za/Pubs/Other/DaresSalaam/Content.html. 169 Mukherjee S & Carcach C. Repeat victimisation in Australia, Research and Public Policy Series 15. Griffith ACT: Australian Institute of Criminology, 1998, em www.aic.gov.au/publications/rpp/15/RPP15.pdf 170 Bra– brottsforebyggande radet. A brief presentation on repeat victimisation. November 2004, em www.bra.se/extra/measurepoint/ ?module_instance=4&name=04111225678.pdf&url=/dynamaster/file_archive/050118/4cd46ef889602d3aee015a4518e245c/ 04111225678.pdf. 171 Walker A, Kershaw C and Nicholas S. Crime in England and Wales 2005/06. Home Office Statistical Bulletin 12/06. London: Home Office, 2006, em www.homeoffice.gov.uk/rds/pdfs06/hosb1206.pdf. 167 Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 93 Quadro 21 Dados secundários provenientes dos organismos de justiça criminal Tribunais Informação sobre as pessoas que comparecem em tribunal Tipos de sentenças aplicadas Serviços de execução das penas (serviços tutelares de menores, serviços de reinserção social e serviços prisionais) Características pessoais, familiares e sociais dos delinquentes (idade, sexo, religião, origem étnica, tipo de pena ou medida, crime praticado, datas de entrada e de saída e duração da pena ou medida Factores ligados ao crime praticado (uso de substâncias, baixo nível escolar, sem residência, ruptura familiar) Taxas de reincidência Respostas disponibilizadas para prevenir a reincidência (tratamento da toxicodependência, apoio na reinserção, reabilitação e apoio ao realojamento) 15.4. Serviços de apoio às vítimas OS serviços que providenciam apoio a vítimas e testemunhas podem deter informação agregada, não personalizada, sobre estes, que pode ser utilizada durante a Fase 1 de Implementação. Como as vítimas de certo tipo de crimes podem estar mais dispostas a contactar uma organização de apoio do que apresentar queixa à polícia, essa informação pode ser muito diferente da recolhida pelas estatísticas policiais. Por exemplo, das 2.100 novas vítimas assistidas pelo Serviço de Apoio à Vítima da Austrália do Sul entre 2004-05, mais de metade havia sido vítima de violência, incluindo um número estimado de 300 casos de abuso sexual e 130 casos de violência familiar172. Os serviços de apoio à vítima podem também proceder à obtenção e publicação de úteis resultados de pesquisas. Por exemplo, um relatório, de 2005, sobre o apoio a vítimas em Inglaterra, deu conta de que um quarto das vítimas de furto não melhorou a segurança das suas casas, deixando-as vulneráveis a nova vitimização173. Contudo, e em geral, estes serviços estão orientados para providenciar respostas imediatas e de alta qualidade a vítimas com orçamentos reduzidos, mas têm uma capacidade limitada para desenvolver sistemas de registo estatístico. Estão mais propensos a contribuir com informação qualitativa sobre questões que afectam vítimas e testemunhas, através de “entrevistas a informadores privilegiados” (ver Secção 17.2). Finalmente, deve ser considerada a adequação e eficácia dos serviços de apoio às vítimas174. Não se trata só de aliviar o impacto da sua experiência. As vítimas encontram-se em maior risco de sofrer futuras experiências de vitimização do que pessoas que não foram vitimizadas, pelo que disponibilizar apoio e auxílio para reduzir a sua vulnerabilidade deve ser uma componente vital de qualquer estratégia de prevenção do crime (ver, anteriormente, Secção 15.2). Serviços de Apoio a Vítimas Os Serviços de Apoio a Vítimas em Inglaterra e País de Gales estão em contacto com mais de 1 milhão e 250 mil vítimas e testemunhas, cada ano175. www.victimsa.org/index.php www.victimsupport.org.uk/vs_england_wales/about_us/publications/index.php 174 Em Portugal existem vários serviços públicos e ONG cuja missão consiste em apoiar as vítimas de crimes. Entre estas, destaca-se a APAV, já mencionada na nota 103, pela sua implantação nacional, serviços prestados, tendo sido para o efeito estabelecida uma parceria com os Ministérios da Justiça, Administração Interna e Solidariedade Social, que data de 1998. 175 www.victimsupport.org/vs_england_wales/index.php 172 173 94 15.5. Serviços de ambiente urbano e de habitação AS organizações e autoridades que providenciam e gerem serviços de ambiente urbano e de habitação numa localidade serão provavelmente detentoras de informação relevante, especialmente acerca de crimes menos graves e incivilidades que não tenham sido relatados à polícia, como sejam: nIncidentes de vandalismo (danos) e os custos das reparações nRuído excessivo proveniente de, por exemplo, música, cães ou maquinarias nQueixas de comportamentos desregrados de jovens ou adultos nDespejos de lixo ou abandono de automóveis e os custos de limpeza e remoção De igual modo, podem contribuir com dados relativos a temas específicos, por exemplo, sobre a extensão e localização de abuso de drogas e álcool, através de: nRelatos por varredores de rua, por exemplo, sobre indícios e utensílios associados ao consumo de drogas (seringas, etc.), latas e garrafas, vómitos nQueixas de tráfico de droga, distúrbios à ordem pública e embriaguez nRegistos de quebras de acordos de arrendamento (por exemplo, não pagamento de rendas) ou a necessidade de realojamentos devido a uso ilegal de drogas Os serviços ou as empresas gestoras dos parques de habitação social podem ter mais informação do que a polícia sobre roubos e outros crimes violentos que afectam os seus “inquilinos”, devido à relutância dos residentes em contactarem a polícia, ou pelo facto de necessitarem de ajuda, nomeadamente para reparações. As fontes de informação variam consideravelmente entre organizações. Quando não estão disponíveis dados quantitativos secundários, pode ser recolhida informação qualitativa através de entrevistas (ver, adiante, Secção 17.2). 176 15.6. Entidades do sistema educativo AS entidades do sistema educativo (escolas, institutos, universidades) são uma fonte importante de informação para qualquer DLS, não só no que toca a factores de risco e causas que contribuem para o cometimento de crimes, mas também locais de ocorrências (Quadro 22). Em muitos países tem sido identificada uma correlação entre aspectos do insucesso escolar nos jovens e o envolvimento em crimes, matéria que devia ser explorada na Fase 1 de implementação. O DLS deveria também incluir a avaliação do apoio educativo a delinquentes presos em estabelecimentos prisionais e que se encontram sujeitos a penas não privativas de liberdade. A falta de competências básicas – literacia e numeracia – é um dos maiores factores de risco associados com a delinquência, e lidar com este défice pode ser um objectivo importante dos programas que visem reduzir a reincidência, aumentar as oportunidades de emprego e a realização pessoal dos delinquentes. Quando possível, as taxas devem ser comparadas com dados de outras comunidades, regiões, e também a nível nacional, para ajudar a determinar onde é que os seus níveis podem ser considerados satisfatórios e onde é que são anormalmente baixos e problemáticos. Os equipamentos do sistema educativo são também locais de crime e desobediência à lei, abrangendo desde episódios relativamente menores às mais sérias ocorrências de violência. Seja qual for a sua natureza, interferem com a aprendizagem, e podem ter outros impactes danosos em crianças e jovens. Boas escolas manterão registos de tais incidentes e os serviços educacionais deverão ser capazes de providenciar informação sobre crimes contra a propriedade, nomeadamente danos e furtos, violência envolvendo estudantes, agressões a funcionários, abuso de drogas, bullying, e a presença de gangs juvenis. Se este tipo de informação não se encontra já constituído como dado secundário, pode ser obtido através de entrevistas a informadores privilegiados176. Em Portugal, o Gabinete Coordenador da Segurança Escolar (GCSE), uma estrutura integrada no âmbito do Ministério da Educação que vem dar continuidade ao trabalho desenvolvido pela Equipa de Missão para a Segurança Escolar, em articulação com o Observatório da Segurança na Escola e com o Programa Escola Segura, dispõe de dados desta natureza e concebe recolhas sistemáticas desse tipo de incidentes, não exclusivamente criminais. Entre as atribuições do GCSE contam-se a monitorização dos sistemas de vigilância nas escolas e a promoção de programas na área da segurança, nomeadamente nas escolas incluídas no Programa dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP). Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 95 Quadro 22 Dados secundários provenientes das entidades do sistema educativo Acesso Disponibilidade nos locais de ensino primário, secundário e superior Capacidade dos pais e/ou encarregados de educação para suportar os custos da educação Participação Níveis de comparência e absentismo Taxas de retenção no ensino secundário, e de ingresso no ensino superior Suspensões temporárias e exclusões permanentes Número de crianças e jovens em idade escolar que não frequentam qualquer estabelecimento de ensino, público ou particular, nem detêm qualquer outra formação específica preparatória para o mercado de trabalho Ambiente Políticas e programas direccionados especificamente para a indisciplina, para o bullying, consumo de drogas e promoção de estilos de vida saudáveis Cooperação entre escolas e pais e encarregados de educação na educação das crianças Disponibilidade e uso efectivo das instalações escolares para actividades comunitárias, fora do horário escolar Currículo Aprendizagem sobre cidadania e prevenção do comportamento anti-social, vitimização, crime e abuso de álcool e drogas Importância na preparação dos jovens para o mercado de trabalho Capacidade de ir ao encontro das necessidades dos alunos com dificuldades de aprendizagem Sucesso Níveis gerais de sucesso educativo Níveis de insucesso escolar (sair da escola sem ter completado a escolaridade básica ou obtido quaisquer outras competências formais) Medidas especiais Apoio a alunos com necessidades de apoio educativo especiais (incluindo problemas como literacia, numeracia e dislexia) Apoio para jovens excluídos do sistema educativo em resultado de problemas comportamentais ou outros 96 15.7. Serviços de apoio social NO decurso da Fase 1 de Implementação, as entidades responsáveis pela prestação de apoio social são uma fonte potencialmente importante de dados secundários sobre crianças, famílias e adultos vulneráveis ao risco de vitimização e delinquência. No que respeita às crianças, a equipa do DLS deveria inquirir sobre aquelas que: nEstejam identificadas em situação de risco de abuso, vítimas de negligência ou de “arranjarem problemas” nEstão “sob tutela” do sistema de protecção nEstão já em conflito com a lei Os serviços de apoio social podem também deter informação valiosa relacionada com diferentes formas de violência familiar, abuso de drogas e álcool, e famílias que experienciam múltiplos problemas, alguns dos quais podem estar relacionados com crime. Informação relevante acerca de adultos vulneráveis pode abranger abusos a idosos, indivíduos com problemas de saúde mental, e pessoas sem-abrigo177. A informação a obter deve incorporar uma avaliação da escala dos problemas, perfis demográficos dos atingidos e qual a distribuição geográfica dos problemas. Igualmente importante é a forma como essas entidades estão a responder aos desafios, se as intervenções existentes estão a abordar de facto as questões e se estão a trabalhar satisfatoriamente na redução de riscos. Quando possível, e para avaliar da seriedade de qualquer problema, os dados devem ser comparados com números equivalentes respeitantes a outras comunidades. 15.8. Serviços de saúde AO longo deste manual têm sido feitas referências quanto à relevância dos dados de serviços de saúde para garantir um DLS completo Crianças Sob Protecção do Estado Estudos no Canadá mostraram que 1 em cada 5 jovens acolhidos em instituições de protecção de menores acaba por engrossar, mais tarde, a população prisional. Em Inglaterra e no País de Gales apenas 6% das crianças que deixaram de estar acolhidos em instituições de protecção de menores, em 2004, obtiveram em cinco disciplinas do ‘GCSE’ (Certificado Geral do Ensino Secundário) notas entre A e C; em contraste com a percentagem de 53% na população geral de alunos. Estima-se que apenas 1% dos que deixam as instituições de protecção de menores vai para a universidade, comparativamente com 37% dos jovens na população em geral. Mais de um quarto dos reclusos foi acolhido durante a infância em instituições de protecção de menores, percentagem treze vezes mais elevada que a taxa na população geral178,179. e exaustivo. Estes serviços são particularmente importantes como fontes de informação acerca das vítimas e do seu local de residência, complementando os dados sobre o crime, mais focalizado nos delinquentes. Os estabelecimentos de saúde são também, e cada vez mais, locais onde a violência e outros crimes ocorrem. Dados estatísticos, relatórios de estudos e outra informação devem ser obtidos junto de hospitais (especialmente serviços de urgências), clínicas e outros estabelecimentos que prestam cuidados de saúde (Quadro 23). Em muitos países, as entidades de saúde pública são responsáveis pelas estatísticas sobre as causas de morte, e especialmente sobre morte violenta e crimes contra a integridade física graves. Por exemplo, a África do Sul tem um Sistema Nacional de Observação de Mortalidade por Ferimentos180, enquanto nos Estados Unidos da América funciona um Sistema Nacional de Declaração de Morte Violenta. Mais do que outra informação disponível, estas fontes contribuem com maior detalhe sobre as ocorrências violentas181. Estas são úteis para avaliar a exaustividade dos dados policiais e para estimar a escala dos problemas. Em Portugal existe a Linha Nacional de Emergência Social (LNES). A LNES é um serviço público gratuito, de âmbito nacional, com funcionamento contínuo e ininterrupto para protecção e salvaguarda da segurança dos cidadãos em situação de Emergência Social – 24 horas por dia, 365 dias por ano – disponível através do número de telefone 144. 178 National Children’s Home. Close the gap for children in care. London: NCH, 2005, em www.nch.org.uk/information/index.php?i =94#care. 179 Social Exclusion Unit (UK). Reducing re-offending by ex-prisoners. London: SEU, 2002, em archive.cabinetoffice.gov.uk/seu/page95 ba.html?id=263. 180 www.sahealthinfo.org/violence/nimss.htm 181 www.cdc.gov/ncipc/profiles/nvdrs/facts.htm 177 Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 97 Quadro 23 Dados secundários provenientes dos serviços de saúde Drogas ilícitas nAbrangência e capacidade dos serviços de tratamento de toxicodependentes, incluindo serviços de aconselhamento, centros-de-dia, internamentos e reabilitação residencial nTempos de espera para estes serviços nNúmero de utentes encaminhados para estes serviços e a proporção dos que completaram o tratamento nNúmero de admissões na urgência hospitalar e de mortes relacionadas com drogas nLigações entre uso de drogas e outras situações clínicas, como hepatites e HIV nProgramas de trocas de seringas e de redução de riscos Violência nInformação sobre as causas de agressões e morte, proveniente dos serviços de saúde e médico-legais nAtendimentos em serviços de urgência hospitalar a pessoas vítimas de violência nInformação por parte dos serviços que prestam cuidados de saúde primários (incluindo médicos de família, enfermeiros ou outros profissionais), dos serviços de urgência hospitalar e de emergência médica, sobre ferimentos e doenças infligidos em resultado de ataques violentos (incluindo domésticos e sexuais), crimes de intolerância, abuso de menores, perturbações relacionadas com álcool e condução perigosa. Abuso de álcool nAbrangência e capacidade dos serviços de tratamento para a dependência do álcool, incluindo intervenções breves em consultórios médicos para desintoxicação e tratamento residencial nTempos de espera para esses serviços nNúmero de encaminhamentos para serviços de tratamento e a proporção dos encaminhados que completaram o tratamento nChamadas de ambulâncias relacionadas com os efeitos do abuso de álcool nAtendimentos relacionados com álcool em unidades de traumatologia e admissões nos serviços de urgência hospitalar, incluindo informação sobre violência doméstica nNúmero de mortes relacionadas com álcool Saúde sexual nDados sobre cuidados em saúde sexual de prostitutas e outros trabalhadores sexuais Saúde mental nDados sobre problemas de saúde mental associados com vitimização e delinquência especialmente violenta Segurança do pessoal182 nDados sobre o pessoal dos serviços de saúde que tenham vivenciado Custos nCustos financeiros do crime para os serviços de saúde, incluindo tratamento de violência, ameaças ou abusos durante o período de trabalho vítimas e tempos de baixa no trabalho causados pela vitimização do pessoal nDados sobre o número e custo dos crimes de dano às instalações de serviços de saúde e sobre o impacto de tais delitos na prestação dos serviços Reclusos nDados sobre problemas de saúde vivenciados por reclusos e os respectivos serviços de saúde 182 98 Em Portugal, a Lei 38/2009, de 20 de Julho, que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2009-2011, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio (Lei Quadro da Política Criminal), prevê no âmbito da prevenção e da investigação prioritárias a ofensa à integridade física contra médicos e outros profissionais de saúde, em exercício de funções ou por causa delas, entre outros profissionais. 15.9. Serviços de bombeiros OS serviços de bombeiros podem deter informação sobre o número, localização e seriedade de incêndios criminosos, ou seja, aqueles que se presume serem produto de fogo posto ou comportamentos negligentes. Esta informação será habitualmente baseada nos pedidos de ajuda, e, como tal, é provável que seja mais abrangente que aquela detida pela polícia. Também poderão estar disponíveis dados sobre uma variedade de outros comportamentos criminosos ou desordeiros, incluindo chamadas falsas, ataques a equipas de combate a incêndios que respondem a chamadas de emergência e o incêndio de automóveis abandonados. 15.10. Segurança privada e companhias de seguros Nos locais onde se encontram instalados Circuitos Internos de Televisão (CCTV), as empresas poderão ter registo dos incidentes captados pelas câmaras183. Esta informação será muito útil durante a Fase 2 de implementação, quando se pesquisar os problemas em relação a locais específicos ou a grupos em particular. As companhias de seguros podem reunir dados sobre crimes de propriedade e monitorizar os riscos de vitimização numa escala geográfica detalhada. Recolherão igualmente dados sobre os custos do crime, tipos de propriedade danificada ou roubada e outra informação detalhada. Mesmo que possa ser acedida a nível local, contudo, não incorporará informação acerca de pessoas e organizações que não possuem seguros (ou escolhem não o fazer). Instituto do Cidadão para o Estudo Sobre a Insegurança, Icesi (México)184 O ICESI é uma organização não lucrativa especializada na produção de informação estatística sobre assuntos relacionados com o crime e a insegurança no México, e que disponibiliza informação para a concepção de políticas públicas. É uma iniciativa de duas universidades nacionais, duas associações de empresas de segurança privada desempe- negócios e uma revista especializada, que tem o apoio dos nham, cada vez mais, um papel importante governos locais e federal. Com esse propósito, e seguindo as na prevenção e controlo do comportamento crimi- Directivas das Nações Unidas, o ICESI leva a cabo Inquérinal e desordeiro em espaços muito diversos: cen- tos Nacionais de Vitimização (ENSI, no acrónimo espanhol), tros comerciais, locais de entretenimento, interfa- gerando indicadores sobre vitimização e crime que oferecem ces de transportes, edifícios públicos, complexos dados comparativos úteis para equipas de diagnóstico local de habitacionais e centros comerciais. Muitas vezes, as empresas guardam o registo dos incidentes, segurança em cidades. AS dos quais nem todos são denunciados à polícia. Podem assim providenciar informação sobre: nNúmeros de ocorrências criminais e incidentes problemáticos em localizações específicas nA natureza dessas ocorrências e incidentes nQuando foram os crimes cometidos e ten- dências ao longo do tempo nComo foram os crimes perpretados nVitimização repetida, particularmente sobre grupos e locais vulneráveis As empresas de segurança privada, com bases de dados menos bem desenvolvidas, terão experiências e percepções da actividade criminal para complementar informação de outras fontes estatísticas. 183 184 15.11. Inquéritos e pesquisa AS universidades, instituições de pesquisa, grupos comunitários e organizações não governamentais realizam estudos sobre todos os aspectos do crime, desordem e medo do crime. Podem assim providenciar dados comparativos (como estatísticas de crime e dados de censos), o enquadramento teórico para a realização do DLS (como sejam as ligações entre álcool e violência), e auditorias e inspecções temáticas aos serviços públicos. Em Portugal existe legislação sobre videovigilância que pode ser consultada no Anexo E. www.icesi.org.mx Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 99 Projectos e programas governamentais também desenvolvem ou encomendam estudos de viabilidade, exercícios de benchmarking, avaliações e exames, que podem incluir resultados relevantes para o DLS a nível local, regional ou nacional. É possível que a equipa do DLS possa, inclusivamente, introduzir algumas questões sobre crime e incivilidades em inquéritos a serem conduzidos na área. nGabinete de Justiça Juvenil e Prevenção da Delinquência (EUA), em www.ojjdp.ncjrs.gov/about/about.html nGabinete Interno de Pesquisa, Desenvolvimen- to e Estatísticas (Inglaterra e País de Gales), em www.homeoffice.gov.uk/rds nCSIR Centro de Prevenção do Crime (África do Sul), em Resultados de pesquisa relevantes de nível nacional e internacional estão cada vez mais disponíveis na internet, publicados por organizações públicas, privadas e do 3º sector. Embora a pesquisa pública possa não estar disponível em todos os países, e deva ser tomado cuidado para garantir que as fontes são fiáveis, os sítios na internet podem ser uma importante fonte de dados para as fases de implementação 1 e 2. Frequentemente, os sítios governamentais disponibilizam vantajosos relatórios de pesquisa, dados, e outros materiais relevantes. www.crimeprevention.csir.co.za/homepage. Relatórios de Pesquisa e Estatísticas Online: Alguns Exemplos www.who.int/whosis/en/index.html php3 nInstituto de Pesquisa de Justiça e Crime Inter- regional das Nações Unidas, em www.unicri.it nSistema Nacional de Vigilância da Mortalida- de por Ferimentos da África do Sul, em www.sahealthinfo.org/violence/nimss.htm nOrganização Mundial de Saúde, Sistema de Informação Estatística, em nInstituto Australiano de Criminologia, Crime e Estatísticas de Justiça Criminal (Austrália), em www.aic.gov.au/stats nSérie de Estatísticas de Crime do Canadá e Artigos de Pesquisa em Justiça (Canadá), em www.statcan.ca/bsolc/english/bsolc?catno =85-561-M nAgência de Estatísticas de Justiça (Estados Unidos da América), em www.ojp.usdoj.gov/bjs/welcome.html 100 nCentros de Prevenção e Controlo da Doença dos Estados Unidos, Sistema de Declaração e Inquirição de Estatísticas Online de Ferimentos, em www.cdc.gov/ncipc/wisqars/default.htm nCentro Internacional para a Prevenção do Cri- me, em www.crime-prevention-intl.org/kb_indica- tors_search.php 16 Recolher e Utilizar Dados de Inquéritos 16.1. Introdução Inquéritos de Vitimização “Inquéritos de vitimização são a melhor ferramenta disponível para recolher informação sobre as experiências em primeira mão dos cidadãos com o crime e a justiça criminal. Mostram alguns dos impactes do crime, quem está mais em risco e, mais importante, a percepção pública das questões prioritárias na sua área”. Crime em Nairobi (2002)185 EM comunidades onde o tipo de dados secundários atrás discutido não está disponível, ou é insuficiente, os inquéritos são a principal opção alternativa para obter informação quantitativa geral acerca de problemas e inquietações locais. Mesmo quando existem bons dados secundários, os inquéritos podem adicionar perspectivas importantes, especialmente sobre as perspectivas e sentimentos individuais, como sejam as percepções dos serviços municipais ou o medo do crime. Os inquéritos serão também especialmente úteis na Fase 2 de implementação, quando uma investigação circunscrita e aprofundada for realizada junto de grupos específicos (como as mulheres), num tema específico (como o uso de drogas) ou numa área geográfica (como um bairro). Os inquéritos populacionais são frequentemente conduzidos por agências públicas e privadas por uma multiplicidade de razões. Por exemplo, algumas municipalidades estabeleceram painéis de cidadãos, um grupo representativo de residentes que são regularmente inquiridos e consultados sobre uma série de matérias para contribuir para a reflexão em sede desse município (ver Secção 16.4). O DLS poderá fazer uso destes inquéritos, até porque a qualidade dos serviços e a preocupação com o crime são assuntos frequentemente abordados. Contudo, habitualmente incluirão apenas um pequeno número de questões relevantes. 185 UN-Habitat. Crime in Nairobi. Results of a citywide victim survey. Safer Cities Series 4. Nairobi: UN-Habitat, 2002. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 101 Para obter dados mais detalhados, será necessário conduzir um inquérito específico para o DLS. Todavia, essa decisão não deve ser tomada de forma ligeira. Para produzirem resultados significativos, os inquéritos requerem bastante tempo, conhecimento e recursos. Questões importantes a considerar de antemão são: nQual é o principal assunto de pesquisa (medo, vitimização, criminalidade)? nQuais são as áreas-chave a abordar? nQual é o grupo ou sector-alvo (adultos, jovens, mulheres, minorias, empresários)? nA pesquisa englobará toda a comunidade ou focar-se-á numa localidade específica? nUm inquérito é a melhor opção em termos de custo/ benefício? nHá recursos disponíveis suficientes? Caso se decida avançar, o planeamento do inquérito deve incluir o desenho do questionário, amostragem, formas de aplicação, codificação e introdução dos dados, análise e elaboração de relatório. Poderá ser necessário recrutar um especialista para a equipa do DLS ou encomendar parte ou a totalidade do processo de inquérito a uma agência, companhia privada, ou instituição académica. Contudo, e embora sejam necessários especialistas, devem ser feitos todos os esforços para envolver organizações comunitárias e pessoas locais, tanto no desenho quanto na administração do inquérito, dado que tal pode reduzir custos, desenvolver as competências locais, garantir que as questões certas são colocadas e aumentar as taxas de resposta. Inquéritos Internacionais de Vítimas de Crime (ICVS)186 Os ICVS são conduzidos sob a égide do Instituto de Investigação Inter-regional do Crime e da Justiça das Nações Unidas (UNICRI) para aumentar o conhecimento das tendências internacionais do crime independentemente das estatísticas administrativas policiais. Empregando uma metodologia estandardizada, as variações nas definições e práticas são minimizadas e comparações podem ser feitas para lá das fronteiras nacionais. Os ICVS foram levados a cabo em cinco ocasiões desde 1989, a mais recente das quais em 2004-05, no qual mais de 30 países participaram. A partir dos resultados do ICVS de 2000, em 17 países industrializados, um estudo deu conta que a discrepância entre o crime registado pela polícia e o crime relatado no inquérito variava largamente consoante o tipo de crime. Por exemplo, 91% dos furtos de automóveis, 78% dos furtos e 55% dos roubos, eram relatados à polícia. Estes números contrastavam com as taxas de registo de 29% para ameaças, 28% para agressão sexual, e 10% para comportamento sexual impróprio. Mais informação comparativa está disponível no sítio do ICPC187. Este reúne informação sobre taxas de crime e outros indicadores de paíNa secção seguinte serão dadas orientações so- ses da Europa, Américas, África e Australásia. bre inquéritos de vitimização, inquéritos de violência auto-revelada, e painéis de cidadãos. Van Kesteren J N, Mayhew, P and Nieuwbeerta P. ) Criminal Victimisation in Seventeen Industrialised Countries: Key Findings from the 2000 International Crime Victims Survey. The Hague: Ministry of Justice, 2000, em www.unicri.it/wwd/analysis/icvs/pdf_files/key2000i/index. htm#download%20full%20text%20in%20pdf. Ver também www.unicri.it/wwd/analysis/icvs/index.php Ver ainda nota 185. 187 www.crime-prevention-intl.org/kb_indicators_search.php 186 102 16.2. Inquéritos de vitimização OS inquéritos de vitimização são usados para investigar a experiência de crime, habitualmente num período superior a 12 meses. Mais do que os dados policiais, este tipo de inquéritos tem-se revelado como uma importante fonte de avaliação quantitativa do número e natureza dos delitos verificados, pois os indivíduos geralmente revelarão mais num inquérito do que o que reportam às forças de segurança. Por exemplo, o Inquérito Internacional de Vítimas de Crime de 2000 (ICVS)188, que procedeu a inquirição em torno de 11 tipos de crime, recolheu informação de cerca do dobro do número de delitos relatados à polícia na Europa Ocidental, e de três vezes o número daquelas relatadas na Europa Central e de Leste189. Os inquéritos são também a forma mais eficiente de avaliação da revitimização, possibilitando o cálculo de taxas tanto de incidência como de prevalência (Quadro 24). Podem também providenciar uma gama mais ampla de outra informação relevante para o DLS, incluindo: nSentimentos acerca da insegurança pessoal em casa, no bairro, no centro da cidade, durante o dia e à noite nConfiança na polícia e no sistema de justiça nPercepções dos problemas mais perturbantes na comunidade ou numa área específica nPercepções das tendências do crime – a situação é melhor, pior, ou igual ao que era antes? nExperiência de, e preocupações sobre, comportamento anti-social (não criminalizado) nPerspectivas sobre medidas existentes que podem prevenir o crime, incluindo serviços e iniciativas de prevenção do crime nPerspectivas sobre medidas capazes de conduzir a uma futura redução do crime e medo nAgências dispostas a desempenhar um papel activo e de auxílio para enfrentar problemas de criminalidade local Quadro 24 O cálculo das taxas de crime Uma taxa de crime proporciona uma mensuração do crime de uma forma que torna fácil a comparação entre comunidades e de mudanças ao longo do tempo, independentemente das diferenças de densidade populacional. Há dois tipos principais de taxas. A taxa de incidência indica o número de crimes registados por 1.000 habitantes num ano (ou 100.000 em populações maiores). Pode ser calculada a partir de dados policiais ou de inquéritos de vitimização. A taxa de prevalência indica o número de vitimizações diferentes por 1.000 ou 100.000 da população num ano190. Habitualmente só é calculável utilizando dados de inquéritos de vitimização. A diferença entre taxas de incidência e prevalência mostra em que medida o crime se concentra em determinadas pessoas. Quanto maior o nível de vitimização repetida, maior o hiato entre as taxas. As taxas necessitarão de ser baseadas na mesma fonte, normalmente um inquérito de vitimização, para que tal comparação possa ser válida. Cálculo da taxa de incidência Cálculo da taxa de prevalência Nº de crimes = População = 2.398 19.976 Nº de vítimas = População = 1.862 19.976 Taxa (por 1000) (2.398 / 19.976) * 1.000 120,0 Taxa (por 1000) (1.862 / 19.976) * 1.000 93,2 = = = = As taxas podem ser calculadas para crimes específicos, mas deve tomar-se em consideração quais os tipos de população apropriados para determinados tipos de crimes. Por exemplo, pode ser mais relevante calcular a taxa de incidência para roubos doméstico por cada 1.000 agregados domésticos, do que por cada 1.000 pessoas. Este inquérito foi também aplicado em Portugal. Uma análise sobre os seus resultados pode ser consultada em Machado et al., Metrópoles Seguras: Bases para uma intervenção multissectorial nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, Relatórios 113 e 114/2007 – DED/ NESO, Lisboa. 189 Alvazzi del Frate A and van Kesteren J. Criminal victimisation in urban Europe. Key findings of the 2000 International Crime Victim Surveys. Vienna: UNICRI, 2004, em www.unicri.it/wwd/analysis/icvs/pdf_files/CriminalVictimisationUrbanEurope.pdf. 190 A prevalência também pode referir-se à vitimização sofrida repetidamente pela mesma pessoa. 188 Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 103 É necessário decidir qual a população-alvo em qualquer pesquisa por inquérito. A maioria foca-se nas experiências de vitimização de indivíduos (como furtos, roubos por esticão ou abusos), e dos seus agregados familiares (como assaltos, roubo de automóveis ou roubo de colheitas). Contudo, os inquéritos podem centrar-se também em organizações, como empresas, investigando vitimização sobre estas (fraude, roubo) e experiências do pessoal empregado (violência no local de trabalho). Podem também ser usados para explorar localizações específicas (como um bairro ou o centro da cidade) ou a experiência de serviços (como os transportes públicos). Diagnóstico Social Local de Segurança Sobre Violência Sexual, Joanesburgo (África do Sul) 191 Foram seleccionadas aleatoriamente 38 áreas para o estudo, e uma equipa de 35 investigadores de campo, da comunidade, levaram a cabo entrevistas a mais de 37.000 mulheres, homens e jovens, bem como a 197 profissionais e trabalhadores de serviços. Foram desenvolvidos três ciclos de recolha de dados e feedback, e alguns grupos foram entrevistados mais do que uma vez. Foram completados questionários de vitimização auto-revelada por cerca de 4.000 mulheres, e foram conduzidas entrevistas de rua a mais de 2.000 homens acerca das suas atitudes face à violência, e do que ajudava os homens a resistir ao seu uso. Foram conduzidas entrevistas em escolas a 16.000 jovens, bem como focus groups a pessoas do mesmo sexo, com homens, mulheres e jovens. Foram utilizadas apresentações teatrais para ajudar os jovens a perceber as suas atitudes e as dos outros, falando-se sobre a violência sexual. Foram também conduzidas entrevistas com pessoal de 14 esquadras policiais, bem como pessoal de serviços do sistema de justiça, médicos e sociais, ONG e organizações de mulheres. Conseguir uma formulação correcta das questões é uma tarefa indispensável, e as mesmas precisarão de ser dirigidas para evitar mal-entendidos e ambiguidades. Todavia, o ICVS foi já implementado em mais de 70 países, e outros já levaram a cabo inquéritos nacionais. Há, pois, uma longa lista de questões experimentadas e testadas à volta do mundo. Em comunidades onde se decida proceder a inquéritos a vítimas, pode-se adoptar a metodologia e questões do ICVS para produzir dados que serão, em alguma medida, compatíveis com os inquéritos internacionais192. Normalmente, um inquérito requer entrevistar uma amostra da população-alvo e daí extrapolar os resultados para um grupo mais amplo. Podem ser usados vários métodos para seleccionar uma amostra, mas para que a sua adequabilidade possa ser avaliada e ajustamentos possam ser feitos, se necessário, é importante conhecer o perfil da população da qual será extraída. Por exemplo, se o inquérito pretende avaliar experiências de vitimização de mulheres na comunidade, será útil estabelecer quantas mulheres existem na comunidade; o seu perfil em termos etários, identidade étnico-cultural e estatuto matrimonial; e alguns indicadores de estatuto educacional e económico (i.e. empregada, desempregada, empresária, outra). Tudo isto são factores que podem ter um peso na vitimização e o inquérito necessitará de incluir questões que escrutinem ou caracterizem os inquiridos para permitir que comparações possam ser feitas entre a amostra e a população que supostamente representa. Recolher esta informação permitirá também retirar conclusões sobre como é que o risco varia entre grupos particulares da população. Para grupos que compõem apenas uma porção reduzida da população, o alargamento das amostras pode ser necessário para obter respostas suficientes para se fazerem inferências estatísticas legítimas. Especial atenção precisa de ser dada à inclusão de inquiridos de grupos difíceis de contactar, como sejam pessoas sem-abrigo e outros grupos socialmente desfavorecidos, que mais provavelmente estarão subrepresentados, se esforços especiais não forem desenvolvidos para garantir a sua participação. Contudo, tal pode ser melhor cumprido através do uso de outros métodos (ver, anteriormente, Secção 5.4 e Secção 17). Também é necessário reconhecer que inquéritos convencionais só podem ser usados com jovens mais maduros e adultos. Outros métodos serão requeridos para recolher informação de crianças mais jovens, que em algumas sociedades se têm revelado como experienciando e testemunhando mais crimes que os adultos. Existem várias opções de aplicação para a condução de entrevistas, cada qual com os seus méritos (Quadro 25). Pode ser vantajoso aplicar www.crime-prevention-intl.org/practice_view.php?new_search=kb_practices_search.php&back=%2Fkb_practices_results. php&practice_id=5 192 O questionário do ICVS de 2000 encontra-se disponível no sítio do UNICRI. Uma equipa de trabalho, coordenado pelo UNODC e UNECE, foi composta para desenvolver padrões (standards) internacionais e orientações para inquéritos a vítimas. Para saber mais, ver www.unece.org/stats/documents/2006.01.crime.htm. 191 104 Inquérito Nacional de Vitimização, Hungria194 Em 2003, o Governo húngaro encomendou o seu primeiro inquérito de vitimização nacional. O Ministério do Interior trabalhou em proximidade com uma entidade privada para conceber e efectuar a pesquisa. Cálculos mostraram ser necessária uma amostra de 10.000 inquiridos para obter exemplos suficientes de vitimização, de modo a fazer inferências úteis acerca da população adulta mais abrangente. Foram conduzidas entreÉ essencial preparar a codificação e análise como vistas por 450 entrevistadores com formação para o efeito, parte integral do processo de planeamento, dado que também isto terá uma considerável influência tendo estes visitado os inquiridos nas suas próprias casas e no desenho do questionário193. Os investigadores perguntado por experiências ocorridas no ano anterior. Houve devem previamente saber que análises de dados uma taxa elevada de respostas – apenas 14% recusaram resserão requeridas, e confiar que estas poderão ser ponder – mas pessoas sem-abrigo foram excluídas da amosproduzidas a partir da versão final do questionário. tra. Apenas cerca de metade dos crimes mencionados pelos inquiridos foram relatados à polícia. Quadro 25 Inquéritos de vitimização: opções de aplicação diferentes métodos a diferentes grupos, e diferentes opções podem ser combinadas. Por exemplo, quando entrevistados em casa, pode dar-se aos inquiridos a oportunidade de responder a questões sensíveis confidencialmente, escrevendo eles próprios as respostas e colocando o questionário preenchido num envelope selado sem marcas distintivas. Método Descrição Vantagens Desvantagens Entrevista remota Questões colocadas por telefone. Pode ser assistida por computador, permitindo a digitação das respostas pelo inquirido directamente para o computador. A amostra pode ser seleccionada aleatoriamente. Pode contactar-se rapidamente um grande número de pessoas numa área ampla a baixo custo. Produzirá amostras enviesadas em áreas com menos telefones. Provavelmente terá maior impacto sobre a participação de pessoas pobres. Autopreenchimento Inquirido lê e responde às questões em papel, computador portátil ou questionário online, normalmente na sua residência. As respostas não são vistas pelo inquiridor. Pode ser processado por correio. A amostra pode ser seleccionada aleatoriamente. Mais propício para recolher informação sobre experiências sensíveis, como abuso, desde que as respostas sejam dadas em privado. Exclui pessoas com baixa literacia ou que não têm acesso a tecnologia. Baixas taxas de resposta. Maior risco de mal-entendidos. Presencial, na residência Questões colocadas por um entrevistador, que também regista as respostas. A amostra pode ser seleccionada aleatoriamente. Possibilidade de esclarecer questões e sondar mais informação para esclarecer as respostas. Pode revelar incidentes que não sejam percepcionados como crimes. Maior probabilidade em ser dispendioso e lento. Pode inibir a revelação de informação sensível. Entrevistas de rua Indivíduos seleccionados em lugares públicos pelo entrevistador, que também regista as respostas. O entrevistador pode preencher quotas de subgrupos para alcançar uma amostra representativa. Bastante fácil, rápido e pouco dispendioso. Improvável a revelação de informação sensível. A amostra não será aleatória. Indivíduos que passam mais tempo em casa serão sub-representados. Software especializado para análise de dados de questionários, como o SPSS ® ou o Statistica ®, encontram-se amplamente disseminados em instituições académicas, e o seu uso facilitará e acelerará consideravelmente o processo. 194 National Institute of Criminology (Hungary). Victims and opinions. Budapest, 2004. 193 Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 105 Finalmente, deve ser reconhecido que os inquéritos de vitimização não são uma panaceia. Dependem da memória das pessoas, que é susceptível de erros (por omissão, enviesamentos culturais, representações sociais ou até mesmo por motivos fisiológicos, ligados, por exemplo, ao envelhecimento ou a uma qualquer patologia). Os inquéritos podem ser dispendiosos e morosos. Obter uma amostra representativa de uma população pode ser complicado. As mulheres são relu- tantes em falar livremente em alguns países. Não produzem dados sobre os chamados crimes sem vítimas, como o abuso de drogas; sobre vítimas de homicídios; ou de jovens vítimas. As respostas podem incluir incidentes que não são crimes, e vice-versa. Não obstante, são uma ferramenta valiosa para avaliar os problemas de criminalidade numa comunidade e as perspectivas dos seus cidadãos a esse respeito. O Inquérito a Vítimas de Nairobi, Quénia195 Realizado em 2001, este inquérito exaustivo iniciou-se com uma pesquisa para identificar que questões necessitavam de uma investigação detalhada e como é que estas variavam pela cidade. Isso permitiu que o inquérito principal se centrasse nas questões mais relevantes. Esta abordagem inicial envolveu 7.954 entrevistas em 110 locais diferentes. A maioria foi realizada na rua ou ao ar livre, em centros comerciais, plataformas de transportes e outros pontos focais. Estas entrevistas foram completadas por outras conduzidas nas residências de inquiridos idosos, enfermos, ou internados em diferentes instituições. Os inquiridos foram seleccionados aleatoriamente, a partir dos 17 anos de idade, e foram inquiridos sobre experiências ocorridas no ano anterior. O inquérito principal contemplou 1.000 entrevistas pessoais, 500 entrevistas em agregados familiares, e 300 entrevistas centradas em empresas. Para obter amostras para os inquéritos individuais e de agregados familiares, a cidade foi dividida em unidades amostrais primárias baseadas nos Censos de 1999 e agrupadas em seis categorias, incluindo, por exemplo, baixo rendimento informal, alto rendimento formal, áreas mais carenciadas, etc. Um processo em duas etapas foi então aplicado. Primeiro, foram seleccionadas unidades através de amostragem aleatória sistemática com a probabilidade proporcional ao tamanho estimado, garantindo que cada tipo estava apropriadamente representado. Depois foram aleatoriamente seleccionados os indivíduos entrevistados dentro de cada unidade espacial, através de enumeradores. Para o inquérito, foi adoptado um processo em duas etapas similares, mas as empresas foram estratificadas por tipo de negócio (retalhistas, indústrias, etc), para garantir que a inquirição cobria um corte transversal representativo dos diversos tipos. O inquérito foi supervisionado por um Grupo de Referência e a UN-Habitat. Foi providenciado um aconselhamento especializado por um especialista do Instituto de Estudos de Segurança, da África do Sul. O trabalho de campo foi realizado pelo Grupo de Tecnologia Intermediária – África Oriental com um grupo de 15 inquiridores. 195 106 UN-Habitat. Crime in Nairobi. Results of a citywide victim survey. Safer Cities Series 4. Nairobi: UN-Habitat, 2002. 16.3. Inquéritos de criminalidade auto-revelada AS informações sobre delinquentes a partir de fontes secundárias são sempre incompletas porque muitos delinquentes não são detectados e, mesmo entre aqueles que o são, nem todos são trazidos perante a justiça. Por vezes, a percentagem daqueles sobre os quais se conhece informação pormenorizada é muito reduzida. Em Inglaterra e no País de Gales, por exemplo, estima-se que apenas um em cada vinte crimes se soluciona com a identificação e condenação do delinquente pelo sistema de Justiça. Isto constitui uma grande lacuna no nosso conhecimento dos delinquentes e dos factores que podem ajudar a prevenir comportamentos criminais futuros. Os inquéritos de criminalidade auto-revelada podem permitir em larga medida diminuir essa lacuna de conhecimento. nEstimar o número de delinquentes na popula- ção e os delitos que cometem, incluindo aqueles não identificados pelo sistema de justiça criminal nEstimar a proporção de delinquentes e delitos que chegam ao conhecimento das entidades do sistema de justiça criminal nEstimar a proporção de delinquentes activos que são jovens, e a proporção de crimes que cometem nReunir informação sobre a natureza dos delitos cometidos e a motivação dos delinquentes nReunir informação sobre padrões de uso de álcool e drogas ilícitas, e as suas relações com a delinquência nReunir dados para identificar factores de risco associados com o surgimento e continuação da delinquência e uso de drogas, e factores associados com a desistência Tal como com os inquéritos de vitimização, deve dar-se a devida atenção aos aspectos usuais de desenho dos inquéritos incluindo: a especificação de objectivos, definição da população, formulação das questões, amostragem, formas de aplicação, codificação e análise. Adicionalmente, dado que tais inquéritos dependem da auto-revelação de actividades ilegais, devem ser desenvolvidos esforços consideráveis para criar condições sob as quais a informação possa ser recolhida confidencialmente e garantido o anonimato dos participantes. Quando esta garantia pode ser dada, e quando os inquéritos são bem construídos, os inquéritos têm provado ser um instrumento útil de recolha de informação acerca da delinquência, podendo ser obtidas elevadas taxas de resposta, mesmo com crianças com 10 anos de idade. O Papel da Memória Os inquéritos de experiências e comportamentos passados dependem da memória pessoal, que é afectada por muitos factores. Não é provável que incidentes sérios sejam esquecidos; são mantidos na memória como se tivessem acontecido recentemente (ampliação representativa). Incidentes menos sérios serão mais provavelmente esquecidos e, caso não sejam, são recordados como se tivessem ocorrido há mais tempo do que aquele que efectivamente decorreu (estreitamento da representação). Por outro lado, incidentes particularmente graves, Relatório Heuni sobre Delinquência Juvenil Auto-Revelada nomeadamente violentos, podem até provocar Um relatório publicado em 2004 explora o uso de um quesepisódios amnésicos. tionário de auto-preenchimento padronizado em Inglaterra e Estes inquéritos recolhem informação respeitante País de Gales, Holanda e Espanha, no ano de 1990, enquanto à extensão e natureza de crimes individuais, uso parte do Estudo Internacional de Delinquência Auto-Revelada. de álcool e drogas, atitudes face ao sistema de O relatório está estruturado em torno das questões incluídas justiça criminal e contactos com o mesmo, e as no questionário, sendo estas – um total de 499 – reproduzidas experiências de vitimização dos próprios delin- num anexo para outros lhes darem uso. O relatório conclui que quentes. Podem assim ser usados para: o método de auto-revelação é uma forma viável e produtiva de investigar a delinquência juvenil. Delinquência Juvenil Auto-Revelada em Inglaterra e País de Gales, Holanda e Espanha (2004)196 196 Barberet R, Bowling B, Junger-Tas J, Rechea-Alberola C, van Kesteren J and Zurawan A. Self-reported juvenile delinquency in England and Wales, The Netherlands and Spain. HEUNI Publication Series 43. Helsinki: HEUNI, 2004. www.heuni.fi/uploads/w7b3a69oec.pdf Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 107 Não obstante, deve-se estar alerta para ameaças significativas à fiabilidade e precisão dos dados. A não-resposta é passível de introduzir enviesamento, dado que indivíduos que tenham cometido muitos crimes estarão menos dispostos a participar. A memória será afectada pela representação do acontecimento. Mesmo com a garantia de anonimato, é possível que alguns inquiridos não respondam com verdade. Por exemplo, na Austrália apenas 57% dos detidos pela polícia que haviam tido resultados positivos para consumo de metanfetaminas em análises de urina, auto-revelaram em entrevista terem consumido tal droga nas últimas 48 horas197. Numa tentativa para recolher mais informação sobre delinquentes mais prolíficos e perigosos, têm sido realizados inquéritos em Inglaterra e no País de Gales entre reclusos e condenados a penas comunitárias. Consulta Comunitária em Inglaterra e País de Gales198 Os investigadores compararam os métodos usados para consultar as comunidades por 263 Parcerias para a Redução do Crime e Desordem como parte dos seus diagnósticos locais de segurança e do desenvolvimento de estratégias de prevenção. O estudo incluía avaliação de reuniões públicas, focus groups, júris, grupos consultivos de policiamento de proximidade, painéis de prevenção do crime, inquéritos de opinião e painéis de cidadãos. Os painéis de cidadãos, utilizados por quase um quarto das Parcerias, foram os que tiveram a avaliação de utilidade mais alta, com 83% a afirmarem a sua utilidade. 16.4. Painéis de cidadãos É importante ter em mente que a forma como o painel funciona e o nível de compromisso que exige podem reduzir a participação de grupos difíceis de envolver e fazer pender a amostra para residentes mais velhos e mais enraizados na comunidade. Usualmente, os painéis compreendem entre 750 e 2.500 pessoas, cuidadosamente seleccionadas para serem um micro-cosmos da população adulta, em termos de idade, género, identidade sócio-cultural, e outras variáveis sócio-demográficas. Como os membros do painel são voluntários retidos por um longo período de tempo (com a ocasional adição de novos membros), pode poupar-se tempo e dinheiro no recrutamento, e as taxas de resposta são geralmente elevadas. Esta combinação de factores significa que é mais provável que as perspectivas recolhidas sejam representativas do que com a maioria de outras formas de consulta. Contudo, é necessário estar consciente das suas limitações. As consultas geralmente têm lugar à distância, através do correio, online ou por telefone, pelo que não há interacção entre os consultados e há um contacto directo mínimo com os investigadores (subgrupos podem ser reunidos para discussão, mas isso é mais complicado). Habitualmente, as oportunidades para explorar assuntos em profundidade são limitadas e o processo pouco contribui para desenvolver a participação na provisão de soluções. A entidade organizadora, em geral um serviço público, é quem tem a responsabilidade de escolher as questões. Mais importante ainda, a forma como o painel funciona e o nível de compromisso necessário para com ele poder reduzir o envolvimento de grupos difíceis de envolver, e fazer pender mais a amostra para residentes de maior idade e mais instalados. McGregor K and Makkai T. Self-reported drug use – how prevalent is under-reporting, Trends and Issues in Crime and Justice 260. Canberra: Australian Institute of Criminology, 2003. http://pandora.nla.gov.au/pan/10850/20051030/www.aic.gov.au/publications/tandi2/ tandi260.pdf. 198 Newburn T and Jones T. Consultation by Crime and Disorder Partnerships. Police Research Series Paper 148. London: Home Office, 2002, em www.homeoffice.gov.uk/rds/prgpdfs/prs148.pdf. 197 108 Inquéritos de Crime e Justiça (C&Js), Inglaterra e País de Gales199 O primeiro de quatro inquéritos de delinquência auto-revelada teve lugar em 2003, sob a coordenação do Home Office. Este recolheu informação sobre a extensão de delinquência contínua e durante o último ano; uso de drogas e álcool; atitudes face ao sistema de justiça criminal; e experiências de vitimização. Foi empregue o desenho de uma amostra probabilística aleatória para seleccionar uma amostra principal de 10.079 pessoas da população em geral, com idades entre os 10 e 65 anos. Uma amostra ‘exponenciada’ de inquiridos negros e de minorias étnicas foi adicionada para permitir o exame das suas experiências em separado, mas pessoas sem-abrigo não foram incluídas. Os jovens foram sobre-representados, pelo que quase metade do grupo principal era composto por indivíduos de idade entre os 10 e 25 anos, o que reflecte o grande interesse relativamente ao seu comportamento. A inusitadamente ampla gama etária da amostra tornou possível estimar a proporção do crime total atribuível a jovens. Entre os resultados verifica-se que: n No ano anterior, 1 em cada 10 inquiridos tinham cometido um crime grave (roubo, assalto, tráfico de droga) e 2% eram delinquentes prolíficos (seis ou mais delitos). n Os delinquentes prolíficos constituíam 2% da amostra e 26% dos delinquentes do ano anterior, mas respondiam por 82% de todos os delitos registados. n Homens com idades entre 10 e 25 (14% da amostra) respondiam por quase metade (47%) de todos os delitos. n 5% dos incidentes eram cometidos quando o transgressor havia tomado drogas ilegais ou álcool. n As razões mais recorrentes para justificar o fim da delinquência eram “eu sabia que estava errado” e “cresci, assentei”. Uma taxa de resposta de 74% foi alcançada para a amostra principal. Em anos subsequentes, a amostra foi reduzida a 5.000 entrevistas, incluindo algum seguimento de casos do grupo original para permitir um estudo longitudinal. Foram conduzidos inquéritos complementares adicionais em prisões e com delinquentes a cumprir sentenças na comunidade. 199 Budd T, Sharp C and Mayhew P. Offending in England and Wales: first results from the 2003 Crime And Justice Survey. Home Office Research Study 275. London: Home Office, 2005, em www.homeoffice.gov.uk/rds/pdfs05/hors275.pdf. Outros relatórios das inquirições de 2003, e posteriores, dos C&JS estão disponíveis no sítio www.homeoffice.gov.uk/rds/index.html. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 109 17 Reunir Informação Qualitativa 17.1. A necessidade de dados qualitativos OS dados quantitativos não são suficientes por si só. Estatísticas áridas precisam de ser complementadas por informação qualitativa, recolhida de entrevistas, reuniões e outras formas de consulta. É o material reunido através destes contactos que iluminará não só o que está a ocorrer, mas o como e porquê está a ocorrer, algo crucial para obter um real entendimento. Tal revelará percepções e preocupações, prioridades e oportunidades, que devem enformar o desenvolvimento de uma futura estratégia de prevenção. Há questões que não se traduzem facilmente para simples números, e são abordadas com muito mais eficácia através da discussão exploratória e outras formas de actividade participativa. Contudo, isto não significa necessariamente ‘inventar’ novos meios de consulta. É muitas vezes preferível fazer uso de mecanismos já existentes, quando estes funcionam bem. A informação qualitativa será requerida nas Fases 1 e 2 de implementação. Contudo, a natureza do material recolhido irá variar dependendo das circunstâncias locais. Na Fase 1, quando o objectivo é produzir rapidamente uma panorâmica através de uma análise alargada e genérica, as fontes principais serão normalmente informadores privilegiados. 200 110 ‘Conseils de Quartier’ (Camarões) Nas cidades de Yaoundé e Douala foi identificada a necessidade de comités de consulta locais. Inicialmente, foram consultados grupos especificamente para a prevenção do crime, mas cedo se percebeu que os dispositivos de consulta precisavam de estar enraizados em mecanismos de governação local. A atenção virou-se, então, para os ‘conseils de quartier’, já estabelecidos em algumas municipalidades. Foram introduzidas emendas ao seu desenho e mandato, para lhes permitir trabalhar sobre questões de protecção e segurança. Em resultado disso, a prevenção do crime ficou incorporada no desenvolvimento local, e os ‘conseils de quartier’ foram envolvidos no diagnóstico local das suas áreas, bem como na identificação de prioridades e na implementação da estratégia acordada200. Laura Petrella, Coordenadora, Programa Cidades Mais Seguras da UN-Habitat Em Portugal, os Conselhos Municipais de Segurança desenvolvem um papel similar. Ver Anexo E deste manual. Na Fase 2 de implementação, à medida que o DLS se dirige para uma análise aprofundada e pormenorizada, concentrando-se em áreas e assuntos mais específicos, serão necessárias contribuições qualitativas, vindas de diferentes fontes. Estas incluirão indivíduos, grupos e organizações com conhecimento pericial nas áreas temáticas relevantes. Mas também é provável que haja mais envolvimento de movimentos de base, incluindo os das comunidades nas quais a atenção esteja centrada e cujas necessidades estejam a emergir como possíveis prioridades estratégicas201. Aqui, é primeiramente dada atenção a uma gama de métodos consultivos, e em seguida a ferramentas específicas para reunir informação qualitativa, tal como elencado abaixo: Métodos Consultivos nEntrevistas com informadores privilegiados nReuniões abertas nFocus groups nInquérito por entrevistas em profundidade nTrabalho de rua Ferramentas consultivas nPasseios / rondas nMétodo “bola de neve” nJúris de cidadãos nOrçamento participativo É sensato reiterar que consulta à comunidade não é o mesmo que envolvimento da comunidade. Esse é um processo bem mais amplo já considerado noutro ponto deste manual (ver, anteriormente, Secção 3.2). 17.2. Técnicas para a recolha de informação qualitativa 17.2.1. Entrevistas com informadores privilegiados As entrevistas com informadores privilegiados dependem, para o seu sucesso, do nível de entendimento dos informadores sobre o assunto. Normalmente, o seu papel será o de completar os dados quantitativos ao fornecer uma interpretação e avaliação bem informada sobre os acontecimentos: porque é que os problemas estão a ocorrer, quais as respostas bem sucedidas, onde são necessárias melhorias, que recursos poderão ser mobilizados? Porém, e na ausência de bons dados quantitativos, os informadores poderão tornar-se na principal fonte de informação sobre a natureza e escala dos problemas. Na Fase 1 dos DLS – quando ainda permanecem várias questões para investigar –, os informadores poderão ser a principal fonte de informações qualitativas, contribuindo com uma representação geográfica alargada, apoiando a equipa de diagnóstico em todas as etapas. Consultar Comunidades “Investigação-acção participante, ou pesquisa consultiva, providencia um tipo de dados particular e muito valioso. Não pretende ser científico, mas provavelmente propicia uma melhor reflexão da situação do que um inquérito de vitimização formal. O que é particularmente útil é que ajuda a relacionar a ligação entre comportamento desviante e a envolvente”. Barbara Holtmann, directora, Conselho para a Pesquisa Científica e Industrial, África do Sul “Os métodos de consulta mais apropriados baseiam-se no contacto pessoal próximo com as comunidades, através de fóruns comunitários, reuniões informais, e discussões pessoa-a-pessoa. Boletins locais e programas de televisão especiais podem alcançar quase todos os membros das comunidades, providenciando uma informação ampla sobre a situação local de crime e segurança, bem como sobre a actuação da polícia e das autoridades locais” Pál Baan, Conselheiro-Chefe, Ministério da Justiça e Forças de Segurança, Hungria 201 Para uma definição de ‘comunidades’ ver, anteriormente, Secção 5.1. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 111 O grupo de informadores privilegiados deverá incluir representantes dos serviços públicos ou instituições, organizações comunitárias com responsabilidades ao nível local e outros grupos de interesse, sendo que a maioria pertencerá à mesa redonda do diagnóstico local de segurança (ver, anteriormente, Secção 1.5.). Nas cidades onde o crime, vitimização ou a prevenção aparentam estar correlacionadas com a identidade étnico-cultural, será importante incluir entre os entrevistados, representantes dos grupos relevantes. A Fase 2 de implementação deverá envolver informadores com conhecimentos específicos, possivelmente relacionados com um tópico, grupo ou sector concreto. A decisão de saber que indivíduos incluir é desafiante. Poderão ser várias as pessoas a quererem participar para expressar os seus pontos de vista. Todavia, como a equipa de diagnóstico terá um tempo e pessoal limitados, faz sentido compilar uma lista exaustiva de tópicos sobre a informação cuja recolha é essencial e considerada desejável, e posteriormente limitá-la aos recursos existentes (Quadro 26). 17.2.2. Reuniões abertas As reuniões abertas podem ser utilizadas com uma dupla estratégia de comunicação: fornecer informação aos participantes e solicitar respostas através de questões e discussão. Por definição, as sessões são abertas a qualquer pessoa e por isso, de natureza inclusiva. Uma forma de garantir o seu sucesso – em termos de participação e envolvimento – é realizá-las perto dos grupos, publicitá-las com antecedência, escolher um (bom) local com boas acessibilidades. Estas reuniões podem atrair um grupo considerável e diversificado de pessoas, com experiências e percepções diversas, embora, e inevitavelmente, sejam aquelas com pontos de vista e motivações mais fortes as que mais aparecerão e contribuirão. Obviamente, não há fiabilidade quanto à representatividade das opiniões expressas – se representantes da comunidade ou de uma minoria enviesada –, mas crianças e adolescentes são participantes improváveis. No mesmo sentido, estas reuniões não serão atractivas para os grupos socialmente excluídos e marginalizados, a não ser que especiais medidas de encorajamento e apoio sejam levadas a cabo, como no caso das mulheres e minorias étnico-culturais. Ainda que esta abertura seja uma mais-valia, a mesma pode levantar problemas de planificação e gestão. O número de participantes é incerto e existirão problemas se muitos – ou muito poucos – comparecerem. Igualmente, nestes contextos torna-se difícil abordar questões mais sensíveis, como a violência doméstica e crimes de ódio ou intolerância. De modo a garantir um debate construtivo, em que as diferenças de opinião não degeneram em conflito, que a ordem de trabalhos não seja desviada por outros interesses, e que uma minoria não domine a discussão, é vital um programa bem estruturado e cuidada assistência (Quadro 27). Quadro 26 Factores indispensáveis para o sucesso das entrevistas com informadores privilegiados nElaborar uma lista com os potenciais entrevistados e seleccionar os mais relevantes nPlanear com antecedência de modo a permitir que os entrevistados estejam preparados nInformar os entrevistados do tempo de duração nFazer o melhor uso da entrevista ao planeá-la nLevar uma segunda pessoa para a entrevista que fique responsável pela gravação nAcordar possíveis contactos posteriores para eventuais esclarecimentos decorrentes da entrevista 112 Diagnóstico Local de Segurança em Cherbourg, Queensland (Austrália)202 A comunidade aborígene de Cherbourg estava preocupada com o aumento dos níveis de criminalidade (em particular da criminalidade juvenil) na sua comunidade e numa cidade próxima – Murgon. A partir de dados estatais, o Departamento das Comunidades concluiu que apesar das taxas de criminalidade estarem elevadas, não existia informação disponível para explicar o porquê ou o seu impacto na comunidade. Entre Abril e Junho de 2006 foram inquiridas mais de 50 pessoas, nas duas comunidades. Para além de crianças, adolescentes, idosos, proprietários, líderes, famílias, foram ainda entrevistados: n Dirigente dos Serviços Comerciais e Financeiros do município de Murgon Shire n Dirigente regional aborígene e dos Serviços Legais Torres Strait Islander, Murgon n Director da escola pública de Cherbourg n Director do Centro para Crianças Gundoo n Gerente do Centro para Crianças Gundoo n Representante dos encarregados de educação na Escola Primária de Cherbourg n Presidente de Mesa do Conselho Aborígene de Cherbourg n Apoio aos professors aborígenes da Escola Primária de Cherbourg, que também trabalham com o Grupo Incidentes Críticos n Centro para o Conhecimento Winifred Fisher da Escola Estatal de Cherbourg n Director da Escola Secundária de Murgon n Sargento Sénior da Polícia de Queensland, Murgon n Departmento das Comunidades (Justiça Juvenil), Murgon e Cherbourg n Departamento de Segurança para as Crianças, Murgon n Centro Recreativo e Desportivo de Cherbourg n Grupo Incidentes Críticos n Centro para a Liderança, Nunderie TAFE, Cherbourg n Director, ‘Bahun Jal Mano – Retiro Silver n Representante para a Juventude, ‘Bahun Jal Mano – Retiro Silver Lining n Líder de equipa, serviços médicos regionais de Barambah n Strong and Smart Digital Unit, Escola Estatal de Cherbourg Quadro 27 Factores críticos de sucesso para as sessões abertas nPublicitar o encontro com antecedência nAcordar o encontro, pensando num bom local nAssegurar que a equipa de diagnóstico e na duração nDefinir claramente os objectivos e o que é esperado nConvidar pessoalmente os participantes nEncorajar os mais apreensivos ou marginalizados nDar apoio logístico nPreparar o local para pessoas com deficiências nManter as apresentações relevantes, curtas e simples nManter sempre uma tónica positiva nConsiderar utilizar um moderador independente nPreparar antecipadamente uma lista de está efectivamente representada questões e pontos para debate nContextualizar o encontro dentro do processo a decorrer nApresentar as restrições e as regras do encontro nIdentificar as áreas de debate nNo final, apresentar oportunidades futuras de encontro nTomar notas precisas do encontro para posterior disseminação nTerminar o encontro com agradecimentos a todos os presentes nConsiderar meios alternativos de comunicar com as pessoas que não puderam estar presentes nesse dia 202 Stanley J, Taylor S and Wilson W. Cherbourg community safety plan report, (30.6.06). Austrália Focus Pty Ltd, 2006, em www.focus-planning.com. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 113 17.2.3. Grupos focais Actualmente, o termo grupo focal (ou grupo de discussão) é aplicado a quase todas as discussões de grupo. No entanto, a sua utilização correcta serve para designar um tipo especial de encontro, organizado e conduzido de um modo concreto, para a obtenção de percepções sobre um tópico específico, informações que serão úteis para os decisores. No seio de um DLS, a metodologia dos grupos focais será mais eficiente durante a Fase 2 de implementação (análise aprofundada e pormenorizada) ou Fase 4 (Consulta e comunicação). 203 Um grupo focal típico é constituído por seis a dez participantes seleccionados por terem em comum certas características, estando estas relacionadas com a temática em discussão. A discussão é conduzida por um moderador experiente, que deve promover um ambiente permissivo e não ameaçador para o debate (com duração entre duas a três horas). O tópico é brevemente introduzido pelo moderador, que posteriormente coloca questões para o grupo explorar (Quadro 28)204. Um grupo focal diverge de um encontro convencional por várias razões, trazendo vantagens acrescidas sobre outras formas de encontros e entrevistas frente-a-frente. Geralmente, é dada especial atenção a um tema que é analisado em profundidade em discussões e interacção dentro do grupo, de modo a proporcionar reflexões e não uma apresentação e preparação formal. O seu tamanho permite uma participação e envolvimento suficientemente alargado para incluir várias opiniões. O moderador pode explorar e desafiar, mas não existe pressão para atingir consensos, sendo o objectivo principal escutar o maior leque de opiniões possível e quais os seus argumentos (Quadro 29). sas sejam representativas da população. Por tal, e se possível, outros métodos deverão ser usados para testar se as ideias e opiniões dadas têm representatividade. 17.2.4. Inquérito por entrevista em profundidade Por norma, os inquéritos são realizados para obter informação que pode ser expressa por números e posteriormente utilizada para estimativas estatísticas sobre a população da amostra. Todavia, os inquéritos podem ser utilizados de uma outra forma. As entrevistas em profundidade envolvem uma discussão pouco estruturada e alargada de um assunto concreto e normalmente complexo, sobre o qual o entrevistado tem conhecimento pessoal ou experiência. São métodos excelentes para obter uma perspectiva mais detalhada sobre um tema específico, necessária na implementação da Fase 2 de um DLS, completando, desta forma, a abordagem quantitativa (Quadro 30). Geralmente, entrevistas com duração mínima de uma hora são realizadas por uma pessoa, frentea-frente. O objectivo é o de recolher, através de uma conversa e discussão (e não tanto por via de questões fechadas ou de múltipla escolha), várias opiniões de entre uma amostra de pessoas em situação similar. Uma vez que a informação não será usada para a criação de medidas ou extrapolação estatística, o inquérito por entrevista não está obrigado à constituição de uma amostra alargada ou a seguir um formato rígido de realização. Esta abordagem é apropriada para explorar temas mais sensíveis, tais como a violência familiar e assuntos sobre os quais pouco se sabe (e que torna difícil a elaboração de questionários formais). Normalmente, um estudo baseado nesta metodologia inclui vários grupos com participantes similares, e não apenas um, de modo a garantir um melhor entendimento das atitudes e sentimentos. No final do processo, deverá haver uma aproximação ao tema, pois apenas um número reduzido de indivíduos terão sido envolvidos e, portanto, não se poderá assumir que as opiniões expres- 203 204 114 No original, focus group. Focus Group Meeting foi traduzido Grupo Focal, significando a reunião de um conjunto de pessoas que, sob a moderação de um facilitador, encetam um processo de discussão concentrada sobre um tema específico. in Schiefer, U, Teixeira, P. e Monteiro, S. (2006), Manual de Facilitação para a Gestão de Eventos e Processos Participativos, Princípia Editora, Lda, Estoril. Porém, tem prevalecido a designação anglo-saxónica de focus group, aparecendo também o conceito de grupo de discussão. Entrevistas Sobre Violência Contra as Mulheres, Dar Es Salaam (Tanzânia) Em Março de 2000, e como parte do processo de desenvolvimento de uma estratégia de segurança, foi levado a cabo um inquérito de vitimização. Para explorar questões que não poderiam ser captadas via inquérito, foram conduzidas 1.000 entrevistas a agregados familiares, 42 entrevistas em profundidade a mulheres que haviam experienciado violência e abuso. Neste último grupo, a maioria (79%) foram abusadas economicamente, mais de três quartos sofreram abusos emocionais e 71% abuso físico. 45% afirmaram terem sofrido abuso sexual. Muitas das entrevistadas sofreram os quatro tipos de abuso. Crime in Dar es Salaam. Results of a City Victim Survey (2001)205 Quadro 28 Exemplo de questões a colocar para um grupo focal sobre vizinhança nFale-me sobre o bairro onde vive e do que gosta ou não gosta nO que o faz sentir seguro e inseguro? nQuais são os principais tipos de crime e problemas de desordem na sua comunidade? nO que acha que poderia ser feito para se sentir mais seguro? nExiste um problema local grave relacionado com drogas ilegais? Como é que sabe? nPor que é que os jovens se envolvem em problemas aqui? nQue mais poderá ser feito para prevenir as cau- sas do crime e o comportamento desordeiro? nQual é o melhor motivo para se viver aqui? Quadro 29 Factores indispensáveis para o sucesso do grupo focal nSer claro sobre o tema e sobre a mais-valia dos resultados para o processo de diagnóstico nConsiderar calmamente os critérios para a selecção dos participantes nPlanear vários grupos focais e não apenas um nNomear um moderador experiente que controle o tempo e conduza bem o debate nEvitar grupos com mais de quinze elementos nSeleccionar pessoas que não se conheçam entre si nEscolher bem o espaço que encoraje o debate nColocar questões simples, claras, e que instiguem o debate nTer alguém que tome notas ou que grave a discussão (com autorização dos participantes) nConsiderar incentivos para melhorar a participação (ex. pagamento de despesas e escolha de um horário conveniente) nAdoptar um processo sistemático, focalizado e verificável para a análise das respostas nAssegurar que o relatório esteja condizente com o objectivo e o público Quadro 30 Factores indispensáveis para o sucesso das entrevistas em profundidade nUtilizar entrevistadores que consigam nGarantir a confidencialidade estabelecer um relacionamento com nConduzir as entrevistas em espaços os entrevistados confortáveis e onde seja possível falar nAssegurar previamente que os entrevistados sem receios saibam qual o tema em discussão nIniciar com questões “fáceis” e avançar nAgendar o tempo das entrevistas de modo a gradualmente para tópicos mais sensíveis que não haja interrupções durante as mesmas nPedir autorização para gravar o encontro, de modo a evitar a distracção de tirar notas 205 Robertshaw R, Louw A and Mtani A. Crime in Dar Es Salaam. Results of a city victim survey. Pretoria: Institute for Security Studies, 2001. www.iss.co.za/Pubs/Other/DaresSalaam/Content.html. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 115 Consulta à Comunidade Após Genocídio no Ruanda 206 Mesmo nas mais difíceis circunstâncias, as comunidades podem ser envolvidas na identificação de problemas e suas soluções. Em 1994, o Ruanda sofreu terríveis actos de genocídio. Já no período do pós-conflito, o envolvimento das comunidades em temas tão sensíveis como o crime e policiamento não foi fácil. O ambiente que a equipa de auditores do Ruanda/Reino Unido enfrentou foi pautado por: etnicidades polarizadas; deslocados internos; medo, hostilidade e suspeitas; barreiras linguísticas; pobreza e mortalidade; falta de dados oficiais devido à destruição e importância da tradição oral. Foram consultadas instituições, organizações e grupos-chave através da realização de encontros, focus groups, questionários, entrevistas semi-estruturadas e entrevistas de rua não estruturadas. O representante da comunidade neste programa recolheu opiniões, sentimentos e ideias junto de mais de 7.000 ruandeses a viver nas comunidades. Foi desenvolvida uma metodologia sensível a diferenças e a culturas: n Organização de uma equipa de policiamento de proximidade paritária Ruanda/Reino Unido aos entrevistados que os diagnósticos de segurança não eram governamental ou internacionalmente decretados n Apoiar os membros das equipas, apresentá-los aos focus groups e preparar o processo de diagnóstico n Visitar as pessoas no seu meio n Facilitar o envolvimento de grupos que se sentiam mais vulneráveis ou receosos – por exemplo, grupos informais de mulheres com medo de falar perante a polícia ou homens n Aprendizagem da língua Kinyarwanda pelos membros da equipa do Reino Unido de modo a garantir um contacto aberto n Promover antecipadamente a consciencialização, sensibilização e interesse através dos media e outros métodos inovadores n Facilitar a consulta de informação, incluindo representações gráficas n Utilizar danças e músicas tradicionais no início e fim dos focus groups n Garantir cobertura dos media em todas as etapas, com especial utilização da rádio n Utilizar teatralizações para demonstrar a situação presente e a pretendida n Tanto quanto possível, garantir que todos os sectores da comunidade estão representados e que todas as pessoas têm uma hipótese de participar n Permitir tempo para discussões de debates, respeitando assim a tradição oral n Durante os encontros ter aperitivos, especialmente bebidas n Antecipar e gerir conflitos entre os participantes e destes para os investigadores n Garantir Um tema constante foi a resposta positiva da comunidade que se sentiu envolvida e parte do processo, ao ter sido escutada. 206 116 O diagnóstico ruandês sobre Direitos Humanos e Conduta Policial ocorreu em 2000. Foi financiado pela Danish International Development Agency (DANIDA) e implementado pela IODA através da UNDP Mission in Rwanda. 17.2.5. Trabalho de rua Se um exercício de diagnóstico é apenas estruturado por inquéritos, encontros e painéis dirigidos a grupos representativos, será certa a exclusão de grupos importantes da população, nomeadamente pessoas com baixa literacia, fraca mobilidade e dificuldades de expressão. Também em risco de exclusão estão pessoas de baixo rendimento ou marginalizadas – tais como os sem-abrigo, imigrantes e os refugiados. Outros, incluindo mulheres e minorias, poderão não participar por medo, tradições culturais ou outros factores. Mas como é demonstrado por investigações, estes grupos tendencialmente experienciam vitimização num nível mais alto do que a média. Porque o crime pode ter um impacto desigual nas suas vidas, a sua presença é particularmente importante. Consequentemente, qualquer que seja a comunidade, a equipa do DLS necessita identificar quais os grupos relevantes, passíveis de exclusão ou severamente sub-representados, procurando formas alternativas de recolher as suas experiências, preocupações e ideias. Uma opção é o trabalho de rua, que deliberadamente procura e estabelece contacto com estes grupos no seu ambiente. Com grupos vulneráveis, receosos ou desconfiados, os investigadores necessitam não só de competências técnicas, mas também de competências pessoais para a construção de um relacionamento de confiança, condição essencial para o sucesso (Quadro 31). Este trabalho de rua pode assumir várias formas. Pode envolver encontros casuais (individuais) na rua, para conversas informais ou planear uma discussão mais estruturada com uma família, na sua casa. Pode ainda envolver um grupo de pessoas, que não se sintam intimidadas ao falarem para um colectivo, por exemplo, num ambiente comunitário como uma mesquita ou local de referência de encontro da comunidade. Inquirir Grupos de Mais Difícil Acesso “Os idosos, sem-abrigo, membros de minorias e os jovens deverão ser primeiramente contactos por assistentes sociais e familiares. Posteriormente, serão chamados, dando-se-lhes a oportunidade para se expressarem livremente, identificando os seus problemas e soluções. Outro exemplo, são os indivíduos de etnia cigana que respeitam os polícias oriundos do seu grupo. Falar a língua dos grupos minoritários e participar nos seus eventos culturais ajuda na obtenção de confiança, situação essencial quer para o relacionamento quer para os envolver”. Pál Baan, Consultor-Chefe, Ministério da Justiça e das Forças de Segurança, Hungria Quadro 31 Factores indispensáveis para o sucesso do trabalho de rua nConsiderar usar intermediários de confiança nGarantir a confidencialidade para a apresentação nEvitar uma entrevista formal nUtilizar investigadores capazes de estabelecer nDar tempo para a construção de confiança uma relação com os inquiridos, colocando-os e avançar gradualmente para tópicos à vontade mais difíceis nMarcar encontros num contexto não nDar feedback dos resultados institucional e acordado entre as partes, onde estes se sintam confortáveis Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 117 17.3. Instrumentos para a recolha de informação qualitativa 17.3.1. Visão partilhada A visão partilhada é um exercício para a construção de algo que pode estar relacionado com uma área, uma organização ou um serviço e se projecta no futuro. No contexto da prevenção da criminalidade, a visão será uma imagem colectivamente partilhada de como é crescer, viver e trabalhar num local seguro, onde as pessoas estão livres do medo, violência, vitimização e intolerância. É essencial ter uma visão comum, pois esta unirá as pessoas e garantirá um compromisso colectivo. Trata-se, por conseguinte, de um exercício projectivo que se pretende que seja apropriado pelo maior número de pessoas. Um evento de visão partilhada pode ser útil em várias etapas do processo de DLS. Por exemplo, na Fase 1 de implementação, poderá ser organizado, ao nível da comunidade, com stakeholderschave, via a realização de mesas redondas. Tal poderá apoiar a criação de um sentimento de orientação, direitos e apoio colectivo; todavia, pode igualmente expor diferenças de opinião que devem ser exploradas e conciliadas. A Fase 2 de implementação pode envolver um exercício ao nível de bairro, de grupos concretos e de grupos marginalizados. Para além de fornecer importantes inputs ao DLS, é um bom método para envolver, desde esta fase inicial, as pessoas no processo de tomada de decisão, demonstrando compromisso numa abordagem participativa. Por sua vez, tal pode gerar o interesse comunitário e posterior envolvimento, nomeadamente, na implementação da estratégia. Na Fase 1 e 2, para além de aproximar as pessoas, a visualização pode garantir que o DLS avança na direcção certa, identificando quais as questões que devem ser examinadas em maior profundidade. Tendo em mente esta visão comum, é possível rever e estabelecer quais os passos necessários para a atingir. Esta verificação do programa de actividades é particularmente importante dada a multiplicidade de temas que potencialmente podem ser trabalhados (Quadro 32). Nas fases 3 e 4 de implementação do DLS, a visão pode apoiar o Grupo de Coordenação a determinar as prioridades de acção e quais as respostas que devem ser incorporadas na estratégia. No futuro, a visão pode ser utilizada como ponto de referência contra o qual o impacto da estratégia será avaliado. É a simplicidade do conceito que o torna adequado nas consultas com grupos diversos, incluindo os jovens, e é a sua natureza prospectiva e generativa que encoraja um envolvimento construtivo. Ainda assim, dever-se-á reconhecer as suas limitações. Sem uma gestão cuidada, poderão surgir expectativas irrealistas que originem desilusões. Nem sempre a multiplicidade de visões é conciliável, o que poderá resultar em parcerias discordantes e enfraquecidas. A visão pode levar a fracos resultados porque as pessoas ‘não podem ter o que não sabem’; por vezes é melhor oferecer uma gama de escolhas do que um papel em branco! Quadro 32 Amostra de questões para ‘Visualização em Bairro’ Avançámos 10 anos e todas as coisas que desejava para tornar o seu bairro num local seguro aconteceram! nComo é viver agora no seu bairro? nO que o faz assim? nQuais são as três palavras que descrevem melhor a nova situação? nQuais são os melhores benefícios do que aconteceu? nO que necessita acontecer para melhorar a situação? Uma visão pode ser definida em palavras, mas também pode ser retratada com sucesso através de uma imagem ou dramatização, por vezes mais apropriada para certos grupos, como as crianças. 118 Quadro 33 Eventos de visão: princípios de boa prática 1 A visão é de máxima relevância no primeiro momento da consulta. 2 É essencial uma boa preparação, sendo necessária informação de fundo para criar uma visão informada. 3 A visão tem de ser uma actividade de partilha e não tanto uma acção individual. Poderá ser útil iniciar com a definição da visão individual e posteriormente explorar o que é partilhado, idêntico, e o que é distinto. 4 Permitir bastante tempo para a discussão e ter um facilitador experiente. 5 Trabalhar para a criação de um lema para a visão, que deverá ser curto e inspirador. 17.3.2. Passeios exploratórios Por norma, esta actividade está associada a preocupações com uma área geográfica em concreto e envolve encontros no local para discutir essas inquietações e explorar ideias sobre como as mesmas poderão ser resolvidas. Por tal, é útil na Fase 2 de implementação do DLS. Os participantes poderão ser pessoas locais distintas, um grupo de interesses em concreto, ou um grupo misto que inclui representantes de diferentes entidades. As ideias que surjam destes passeios exploratórios deverão ser transmitidas à equipa de diagnóstico. A utilização de câmaras descartáveis para capturar informação pode apoiar os grupos a partilharem os seus pontos de vista com um público mais vasto207. São particularmente relevantes para observar assuntos relacionados com o ambiente físico, tais como o design de edifícios ou iluminação pública, ou o uso de uma área, por exemplo por consumidores de álcool, excesso de velocidade ou gangs juvenis. Explorar estes locais, em situações em que os problemas são evidentes, pode ser muito eficaz para a sensibilização e tomada de consciência, ao identificar o que está errado, ao aumentar o envolvimento e ao desenvolver respostas. Mais do que numa sala de reuniões, o lado prático do processo fornece-lhe um realismo muito interessante aos participantes locais, e estes tendem de forma mais natural a passar dos problemas para as respostas. Os passeios exploratórios têm sido eficazmente usados nos diagnósticos dirigidos a mulheres para aferir a segurança ao longo dos nós de transportes. O processo deve começar com a clarificação dos objectivos e métodos a utilizar. Posteriormen- 207 te, o grupo observa ou caminha através da zona, discutindo e recolhendo indicações. Tal poderá ser realizado de modo mais sistemático, via uma checklist de questões a considerar, sendo igualmente útil repetir o processo em diferentes momentos (dias ou meses) ou com diferentes grupos. Passeios Exploratórios em Dar Es Salaam (Tanzânia) Os passeios exploratórios efectuados em bairros informais por mulheres acompanhadas de funcionários do planeamento urbano levaram à identificação de um número de questões que não eram evidentes nas estatísticas policiais ou em outras consultas à comunidade. A insegurança apresentou-se associada a locais de consumo ilegal de bebidas, à existência de loteamentos pouco desenvolvidos e a ambientes sujos e pouco higiénicos – de especial preocupação aquando da segurança de crianças. Como resultado, a estratégia de prevenção da criminalidade incluiu o envolvimento dos proprietários dos locais de consumo de bebidas e a entidade reguladora responsável pela atribuição das licenças de loteamento, assim como a limpeza do bairro, além do trabalho já antes desenvolvido de vigilância das ruas e de geração de emprego. Esta forma de diagnóstico também mudou as percepções dos funcionários camarários sobre o seu papel no que diz respeito à prevenção da criminalidade e à resposta às necessidades das mulheres, porque tornou evidente que os funcionários de planeamento urbano podiam considerar a prevenção da criminalidade como uma das suas áreas de competência Laura Petrella, Coordenador, UN-Habitat Safer Cities Programme Algumas organizações vêem estes passeios como a base para os diagnósticos locais de segurança centrados na rua e em outros espaços públicos. Sobre este tema foi produzido pela METRAC (Canadá) o Safety audit resource kit: for women and communities, em www.metrac.org/programs/safe/why.htm. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 119 Inquérito ao Medo do Crime nas Comunidades Imigrantes, Sydney (Austrália) Este estudo foi desenhado para captar as representações dos imigrantes em Sydney, cujas vozes passam largamente despercebidas em sondagens de opinião em língua inglesa. Mais de 80% de um total de 835 inquiridos eram primeira ou segunda geração de imigrantes, de 21 grupos nacionais de um contexto linguístico não inglês. A maioria das entrevistas com adultos foram conduzidas numa língua que não a inglesa. Foi utilizado o método “bola de neve”, seleccionando-se pessoas através de redes comunitárias. Os investigadores acreditam que esta metodologia gerou uma maior participação das vozes das comunidades imigrantes e maior fiabilidade das respostas, por oposição a uma metodologia mais tradicional de constituição aleatória da amostra. por uma boa comunicação, por exemplo, incluindo uma presença na internet e por contactos nos meios de comunicação social. No seio do DLS, um painel poderá ser chamado para examinar um problema concreto durante a Fase 2 de implementação para informar sobre a selecção de prioridades na Fase 3 ou para se pronunciar sobre os resultados do diagnóstico na Fase 4. Gangs, Crime and Community Safety: Perceptions and Experiences in Multicultural Sydney (2002)208 A função dos membros do painel é igualmente distinta dos participantes em outras formas de investigação qualitativa: 17.3.4. Método “bola de neve” O método “bola de neve” significa a utilização de contactos existentes como pontos de referenciação e apresentação para a aquisição de outros contactos. Este processo pode ser útil às equipas do DLS em áreas onde possuem poucos contactos, sendo ainda particularmente útil para grupos marginalizados, como toxicodependentes ou membros de gangs. Metodologicamente, os investigadores estabelecem contacto com uma pessoa dentro desses grupos, que actua como ponto de ligação com os restantes, que por sua vez, estendem a rede continuamente – assim provocando o efeito “bola de neve”. 17.3.5. Painéis de cidadãos Os painéis de cidadãos são painéis aleatórios e demograficamente representativos de cidadãos que se encontram durante quatro ou cinco dias para, de modo cuidado, examinar um assunto de relevância pública. Habitualmente, o painel, que é constituído por 18 a 24 pessoas pagas pelo seu tempo, actua como um microcosmo da população. Eles ouvem as testemunhas e peritos e são capazes de deliberar sobre os assuntos. No final do dia da auscultação, os membros do painel apresentam as suas recomendações aos decisores e ao público. O seu papel será melhorado A sua sustentabilidade deriva da ideia de que a partir do momento em que uma pequena amostra da população escutou este painel, as deliberações deste podem, razoavelmente, representar perspectivas da comunidade (Quadro 34). Esta lógica contrasta com outros métodos quantitativos e qualitativos de consulta mais comuns, que normalmente envolvem amostras grandes para representar o ponto de vista da população. nÉ-lhes dado tempo para reflectir e deliberar conjuntamente e ocasionalmente são assistidos por um perito neutro nÉ-lhes dada a oportunidade para examinar a informação recebida de testemunhos que eles próprios recolheram nÉ esperado que desenvolvam um conjunto de conclusões ou visões para o futuro – que não têm de ser unânimes Nos Estados Unidos da América, o primeiro painel de cidadãos foi organizado em 1974, apesar de iniciativas similares terem surgido na Alemanha. Actualmente, o conceito é utilizado em vários países, incluindo a Dinamarca, Espanha, Austrália e Grã-Bretanha. Encontra-se disponível gratuitamente online um Manual de Painéis de Cidadãos, desenvolvido pelo Jefferson Center, o criador do processo209. University of Technology, Sydney and the University of Western Sydney. Gangs, crime and community safety: perceptions and experiences in multicultural. Sydney: 2002, em www.uts.edu.au/new/releases/2002/September/23.html. 209 www.jefferson-center.org 208 120 Quadro 34 Painel de cidadãos: princípios de boa prática 1 Os membros do painel devem receber informação suficiente (por escrito e oralmente) para a tomada de decisão 2 Os testemunhos devem fornecer dados e podem ser examinados com cruzamento de informação 3 Os membros do painel devem ter o tempo adequado para ficarem informados e discutir os assuntos. Neste sentido, 3 a 5 dias devem ser imputados a cada tema 4 É essencial um moderador formado, sendo o seu papel o de facilitar a discussão e não dirigir ou actuar como juiz num júri 5 As decisões ou recomendações do painel não são vinculativas, mas é importante a existência de consenso para que a entidade patrocinadora (isto é, a equipa de diagnóstico) as tenha em consideração, justificando e publicando os motivos, caso estes não sejam implementados 17.3.6. Orçamento participativo Um dos métodos mais eficazes e válidos para envolver as comunidades é através do orçamento participativo – um processo de deliberação e tomada de decisão democrática – no qual os residentes de uma cidade determinam quais as prioridades de investimento e decidem como afectar parte do orçamento municipal. Apesar de os recursos não serem efectivamente afectados durante o DLS, o conceito pode ser adaptado para este processo. Este pode ser usado para, democraticamente, determinar prioridades de acção e como uma comunidade ou grupo em particular gostaria de ver os recursos divididos entre várias opções. Para que os participantes sintam a sua mais-valia, e à semelhança dos Júris de Cidadãos, é importante que haja um envolvimento claro da equipa do DLS para escutar as conclusões e responder construtivamente a estas. Orçamento Participativo em Porto Alegre (Brasil)210 O orçamento participativo (OP) surgiu nesta cidade de 1,5 milhões pessoas em 1989 e neste momento participam 50,000. O ciclo anual inicia-se em Janeiro, com reuniões por toda a cidade, para encorajar a participação. Um estudo demonstrou que pessoas de baixo rendimento, com menos habilitações e negras não se encontram constrangidas em participar e pronunciar-se. Em Março realizam-se assembleias nas 16 regiões da cidade, assim como encontros temáticos que abordam temas como os transportes, criminalidade e saúde. Nestes encontros – com bastante afluência – são eleitos delegados que representam um bairro e que nos meses subsequentes se reúnem frequentemente para analisarem as necessidades locais e decidirem sobre as suas prioridades. As várias prioridades são levadas à consideração do Conselho do Orçamento Municipal, um fórum com 42 membros reVários estudos sugerem resultados positivos na uti- presentantes de todos os distritos e encontros temáticos. A lização do orçamento participativo na melhoria de sua principal função é conciliar os pedidos de cada região da serviços, numa distribuição dos gastos públicos cidade com os recursos disponíveis e propor e aprovar um mais equitativa, numa maior responsabilização, em orçamento municipal geral. Apesar do Conselho poder sugerir níveis mais altos de participação pública (especialalterações mas não solicitá-las, este orçamento é obrigatório, mente de residentes marginalizados) e de aprendizagem para a cidadania. Largamente desenvol- sendo submetido ao Presidente da Câmara, que pode vetá-lo, vido e utilizado pelo governo local brasileiro, está embora tal nunca tenha ocorrido. neste momento a ser adoptado em outros países da América Latina, assim como na Europa, Ásia, África e América do Norte. No Brasil, o processo foi alargado para criar oportunidades específicas a crianças e jovens. Na área da prevenção da criminalidade, este método tem claramente um papel acrescido para determinar como deve ser gasto o orçamento em estratégias de desenvolvimento futuro e níveis de planeamento de acção. 210 A internet cria as condições para um envolvimento contínuo, o qual a cidade de Porto Alegre já alargou a outras actividades de planeamento. À medida que o orçamento participativo se tem desenvolvido, o número de grupos políticos, culturais e de vizinhança tem duplicado, especialmente nas regiões da cidade que são mais pobres. Em Portugal existem já várias experiências de orçamento participativo que podem ser analisadas. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 121 Checklist de Passeios Exploratórios para Diagnósticos de Segurança para Mulheres – Programa Futuros Seguros em Cowichan Valley, Colômbia Britânica (Canadá)211 Impressões gerais e planificação global nQual a sua primeira reacção a este local? nQuais são as três palavras que melhor descrevem este local? nÉ fácil orientar-se? Faz-lhe sentido? nA área (ou o edificado) é acessível? nÉ servida por transportes? nSaberia onde se dirigir em caso de necessitar de ajuda? A ajuda é acessível? nExistem sinais, por exemplo, a indicar como aceder a serviços de emergência? Isolamento nConsidera a área isolada? Quando? nExistem muitas pessoas nesta área? Durante a manhã, dia, noite? nA ocupação do espaço nas imediações desta área encoraja as pessoas a lá estar? nQual a distância do serviço de emergência mais próximo? Existem telefones públicos próximos? Iluminação nA iluminação é suficiente e encontra-se em bom estado? nExiste iluminação pública? nOs pavimentos, passeios, sinais de direcções e entradas de prédios estão suficientemente ilumi- nados? nA iluminação encontra-se tapada por árvores ou arbustos? nÉ capaz de identificar alguém à distância? Campo de visão, preditores de movimento, locais problemáticos nÉ capaz de ver claramente o que se encontra à sua frente? nExistem áreas pequenas, confinadas, onde você ou outros se poderiam esconder? nSe ameaçado/a qual a facilidade em fugir? nQual a facilidade de um delinquente escapar? nExistem caminhos alternativos disponíveis para si? nExistem espaços ou locais de armazenamento sem estarem fechados? Manutenção nSente a área como estando cuidada ou abandonada? nExiste lixo, graffiti ou vandalismo? nSabe a quem reportar os problemas? Sinalização nExistem sinais ou outra informação sobre onde encontrar assistência, acesso por cadeira de rodas, entradas e saídas? nPodem ser vistos e lidos facilmente? E por alguém numa cadeira de rodas ou com problemas de visão? nExistem sinais que devam ser acrescentados ou alterados? 211 122 Cowichan Valley Safer Futures Program (s/d), Women and Community Safety: a resource book on planning for safer communities. Canadá, em www.saferfutures.org/publications.php#fs. Apesar de ser um conceito simples, o sucesso do orçamento participativo depende de um enquadramento bem estruturado, que inclui: nUma estrutura (área) geográfica bem definida, que complementa as fronteiras políticas, facilitando a tomada de decisões e a oferta de serviços nDebates e encontros bem organizados, na cidade, para envolver as comunidades locais na discussão de assuntos temáticos, para decidir as prioridades estratégicas, para desenvolver planos de acção e para avaliar e monitorizar actividades em curso, de modo a complementar as estruturas democráticas representativas já existentes nUma actividade anual e cíclica, largamente compreendida e aceite, que fornece um enquadramento formal para a participação, o planeamento e a implementação nUma rede de entidades de apoio envolvidas no desenvolvimento de competências locais e na comunicação e promoção de uma política de informação e da sua praxis nUma matriz de orçamento que processe as prioridades locais de acordo com uma tabela completa e abrangente, que vai dando informação sobre qual a despesa realizada, em cada zona da cidade e em cada área de intervenção212. 17.4. A necessidade de uma abordagem equilibrada N enhum método ou instrumento de recolha de informação – quantitativa ou qualitativa – será suficiente por si só. Um diagnóstico local de segurança bem sucedido usará várias abordagens para descrever e explicar o que está a ocorrer. Manual para a Prevenção da Criminalidade Local – The ‘Tin Box’ (África do Sul)213 Este recurso inovador foi desenvolvido em resposta à crescente procura de instrumentos de apoio ao desenvolvimento e implementação de estratégias locais de prevenção da criminalidade. Inclui um guia com indicações passo a passo para cada fase do processo, incluindo como ganhar conhecimento dos problemas locais (diagnóstico de segurança). Estão incluídos materiais que envolverão tanto as comunidades como profissionais. O manual vem numa caixa de lata grande, com um quadro magnético e ímanes representando instituições locais-chave, um puzzle, folhetos de ajuda, recursos sobre inúmeras questões sobre a prevenção local, vários modelos para o planeamento estratégico, planeamento do projecto, comunicações e monitorização. Estes materiais estão disponíveis em CD para os utilizadores adaptarem e aplicarem às suas condições e necessidades locais. Existem igualmente instrumentos para o mapeamento do crime e mobilização de sectores como as escolas. Um desenvolvimento contínuo caminhará para a incorporação de um instrumento para o orçamento integrado e para um diagnóstico de segurança a nível local mais detalhado. O manual é uma iniciativa da parceria coordenada pelo CSIR Crime Prevention Centre com a ONG UMAC, o South African Police Service and Business Against Crime. 212 213 Desenvolvido de ‘What is Participatory Budgeting? A Community Pride Initiative Briefing Paper, 2003, em www.participatorybudgeting.org.uk. Para mais informação, contactar CSIR Crime Prevention Centre (Pretória, África do Sul), em www.crimeprevention.csir.co.za/about.php3. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 123 Encontro com a Comunidade em Kragujevac (Sérvia) Kragujevac é uma cidade industrial na zona central da Sérvia, com uma população acima dos 175.000 habitantes (2002) dos quais 99% são de etnia sérvia e 1% cigana e pessoas deslocadas internamente (ciganos egípcios e albaneses). O fecho e a redução da indústria local criaram um sério problema de desemprego e, com a deterioração desta situação, a polícia constatou um agravamento dos problemas criminais. Criminalidade patrimonial, como furtos em residências, aumentaram bruscamente e a violência, incluindo assaltos à mão armada e violência doméstica (incluindo homicídio) crescem significativamente. O crime organizado, o mercado negro e a corrupção também se tornaram evidentes. Uma alta proporção de delitos envolveu danos criminais e perturbações da ordem pública. Novos agentes do policiamento de proximidade conduziram 10.000 visitas porta a porta para falarem com os residentes sobre os problemas locais. Foi realizado um programa de encontros regulares Mesna Zajednica (divisão administrativa equivalente a freguesia) assim como localmente, de modo a que os cidadãos comunicassem os seus problemas, recolhessem informações e propusessem soluções. Foi desenvolvida uma campanha através dos media para encorajar feedback e participação, tendo sido ainda realizado um inquérito por questionário a 700 residentes para se estabelecer quais as prioridades. À medida que os problemas foram sendo identificados, criaram-se Grupos de Trabalho em áreas como a violência familiar e delinquência juvenil. Cada um dos grupos incluiu representantes de topo de instituições-chave, que foram capazes de fornecer informação acrescida para a identificação de problemas, incluindo dados contextuais úteis para explicar Como parte de um programa mais lato de re- o porquê da existência dos problemas e como é dução das tensões comunitárias, redução da que se poderia enfrentá-los. criminalidade grave e melhoria das relações entre polícia e comunidade, foi introduzido o Apesar da desconfiança inicial, com o decorrer Policiamento de Proximidade e criada uma mul- das actividades e troca de informações os níveis ti-agência em 2004. Reconhecendo que as es- de confiança foram gradualmente crescendo. tatísticas oficiais apenas revelam uma parte da história, a primeira iniciativa foi a organização de uma série de actividades que contribuíssem para o fortalecimento dos laços comunitários, mas também que recolhessem informação sobre os problemas locais através de processos informais de diagnóstico local de segurança. 124 ANEXOS Anexo A Factores de Risco Associados à Delinquência Quadro 35 Factores que aumentam o risco (em países desenvolvidos) 126 Individual Família Escola Comunidade Crescer numa instituição Hiperactividade Impulsividade Dificuldades de aprendizagem Doenças do foro psicológico Insegurança Fracas competências sociais Baixa auto-estima Abuso de drogas Comportamento anti-social Influência de pares com condutas desviantes Violência/abuso Falta de afectos Fraca supervisão Disciplina inconsistente Ruptura familiar Doenças do foro psicológico Conflitos com os pais Pobreza Abuso de substâncias Criminalidade Desemprego Absentismo Suspensão/exclusão Insucesso Comportamento agressivo Bullying Falta de empenho Défices de relacionamento Necessidades especiais Falta de apoio por parte dos progenitores Desempenho insuficiente Rejeição por partes dos amigos Desfavorecimento Elevadas taxas de criminalidade Tensões étnicas Desemprego Desorganização Negligência Disponibilidade das drogas Grande flutuação populacional (“high turnover”) Falta de coesão social Condições de vida más Falta de serviços Anexo B Directrizes das Nações Unidas para a Prevenção do Crime O Conselho Económico e Social (ECOSOC) das Nações Unidas (ONU) tendo em conta a sua Resolução 2002/13 da 37ª Sessão Plenária, realizada em 24 de Julho de 2002, adoptou as “Directrizes para a prevenção do Crime”. Para os objectivos das presentes directrizes, a prevenção do crime compreende as estratégias e as medidas que procuram a redução do risco de ocorrência de crimes e dos seus potenciais efeitos destrutivos sobre os indivíduos e sobre a sociedade, incluindo o sentimento de insegurança, através de uma intervenção que procura influenciar as suas múltiplas causas. A aplicação das leis, das sentenças e de outras decisões judiciais, ainda que desempenhem funções de natureza preventiva, ficam fora do âmbito das presentes Directrizes. O ECOSOC está a finalizar os padrões e as normas das Nações Unidas em termos de prevenção criminal e justiça criminal, baseadas essencialmente nas Directrizes que agora se apresentam. I. Introdução 1 Está claramente provado que estratégias bem planeadas de prevenção do crime previnem não só o crime e a vitimização, mas promovem também a segurança das comunidades e contribuem para o desenvolvimento sustentável dos países. Uma prevenção do crime eficaz e responsável resulta numa melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Tem resultados a longo prazo no que diz respeito à redução dos custos associados ao Sistema de Justiça Criminal, bem como outros custos sociais que advêm do crime. A prevenção do crime oferece oportunidades para se abordar os problemas da criminalidade de uma forma mais humana e rentável. As directrizes que se apresentam de seguida delineiam os elementos necessários para uma efectiva e eficaz prevenção do crime. II. Quadro conceptual de referência 2 É da responsabilidade de todos os níveis governamentais criar, manter e promover um contexto no qual instituições públicas competentes e todos os segmentos da sociedade civil, incluindo o sector empresarial, possam desempenhar activamente o seu papel na prevenção do crime. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 127 3 Para os efeitos das presentes Directrizes, “a prevenção do crime”, abrange as estratégias e medidas que procuram reduzir o risco de ocorrência criminal e os seus potenciais efeitos negativos sobre os indivíduos e a sociedade, incluindo o medo do crime, intervindo na influência das suas múltiplas causas. A aplicação das leis e sentenças e a execução das penas, embora relevantes para a prevenção do crime, extravasam o âmbito de aplicação das Directrizes, dado terem abordagens mais aprofundadas noutros instrumentos das Nações Unidas. 4 As presentes Directrizes abordam o crime e os seus efeitos nas vítimas e na sociedade levando em consideração a crescente internacionalização das actividades criminais. 5 O envolvimento comunitário e a cooperação/parcerias representam elementos essenciais do conceito da prevenção do crime adoptado. Embora o termo “comunidade” possa ter vários significados, a sua essência neste contexto reporta-se ao envolvimento da sociedade civil ao nível local. 6 A prevenção criminal engloba um vasto leque de abordagens, incluindo as que: (a) Promovem o bem-estar das populações e incentivam o comportamento pró-social através de medidas sociais, económicas, de saúde e educativas, com especial ênfase nas crianças e nos jovens, e focalizando-se no risco e nos factores de protecção associados ao crime e à vitimização (prevenção através do desenvolvimento social ou prevenção social do crime); (b) Mudam as condições que nos bairros influenciam a delinquência, a vitimização e a insegurança resultante do crime, através da construção de iniciativas, competências e empenho dos membros da comunidade (prevenção local do crime); (c) Evitam a ocorrência de crimes reduzindo as oportunidades, aumentando o risco de detenção e minimizando os benefícios, através de projectos urbanísticos e de apoio e informação a actuais e potenciais vítimas (prevenção do crime situacional); (d) Previnem a reincidência apoiando a reintegração social dos delinquentes e outros mecanismos preventivos (programas de ressocialização). III. Princípios gerais ou de base Liderança governamental 7 Todos os sectores governamentais devem desempenhar um papel de liderança no desenvolvimento de estratégias de prevenção criminal eficazes e baseadas na promoção dos direitos humanos, criando e mantendo o enquadramento institucional necessário para a sua implementação e revisão. Desenvolvimento sócio-económico e inclusão 8 As questões de prevenção criminal devem ser integradas em todas as políticas e programas sociais de relevância, incluindo os que abordam o emprego, educação, saúde, planeamento urbanístico, pobreza, marginalização social e exclusão, atribuindo particular ênfase às comunidades, famílias, crianças e jovens em risco. Parcerias 9 As parcerias devem ser uma parte integrante de uma estratégia eficaz de prevenção do crime, dado o vasto leque das causas do crime e das competências e responsabilidades necessárias para se abordarem as mesmas. Estas incluem parcerias entre ministérios e entre autoridades, organizações comunitárias, organizações não governamentais, o sector empresarial e cidadãos a título individual . Sustentabilidade / prestação de contas 10 A prevenção do crime necessita de recursos adequados, incluindo financiamento para actividades e estruturas, de modo a ser sustentável. Deverá haver, portanto, mecanismos de prestação de contas no que diz respeito ao financiamento, à implementação e à avaliação e ao cumprimento dos resultados planeados. Enquadramento conceptual 11 As estratégias, políticas, programas e acções de prevenção deverão suportar-se num amplo, e multidisciplinar conjunto de conhecimentos sobre os problemas associados ao crime, as suas múltiplas causas e sobre as práticas de prevenção inovadoras e com provas dadas. 128 Os direitos humanos / o primado do direito / cultura de obediência à lei 12 O primado do Direito e os direitos humanos que são internacionalmente reconhecidos pelos Estados membros devem ser respeitados em todos os aspectos da prevenção do crime. Deverse-á promover activamente uma cultura de obediência à lei na prevenção do crime. Interdependência 13 Os diagnósticos e estratégias nacionais de prevenção do crime deverão ter em consideração, sempre que tal se justifique, as ligações entre os problemas criminais locais e o crime internacional organizado. Diversidade 14 As estratégias de prevenção do crime deverão ter em consideração, sempre que tal se justifique, as necessidades diversas das mulheres e dos homens e as necessidade especiais dos membros mais vulneráveis da sociedade. IV. Organização, métodos e abordagens 15 Reconhecendo que todos os Estados têm as suas próprias e singulares estruturas governamentais, a presente secção estabelece instrumentos e metodologias que os governos e todos os segmentos da sociedade civil devem considerar durante o desenvolvimento das suas estratégias para prevenção do crime e redução da vitimização e que se sustentam em boas práticas internacionais. Envolvimento da comunidade 16 Em algumas das áreas que passaremos a listar, os governos detêm a responsabilidade originária. Contudo, a participação activa da comunidade e de outros segmentos da sociedade civil tem um papel essencial na eficácia da prevenção do crime. As comunidades, em particular, deverão desempenhar um papel importante na identificação das prioridades da prevenção do crime, na sua implementação e avaliação, ajudando a identificar os recursos de base que sejam sustentáveis. A. Organização Estruturas governamentais 17 Os governos deveriam incluir a prevenção como parte integrante das suas estruturas e programas de controlo do crime, assegurando o estabelecimento de responsabilidades e objectivos claros dentro do governo no que diz respeito à organização da prevenção do crime, entre outras coisas: (a) Estabelecendo organismos ou unidades centrais com experiência e competência técnicas e recursos; (b)Estabelecendo um plano de prevenção do crime com prioridades e objectivos claros; (c) Estabelecendo ligações e coordenação entre agências e departamentos governamentais de relevo; (d)Fomentando parcerias com as organizações não governamentais, as empresas, os sectores privado e profissional e a comunidade; (e) Procurando a participação activa dos cidadãos na prevenção do crime, informando-os das necessidades de agir, dos meios de acção disponíveis e do seu papel nas acções a desenvolver. Formação e capacitação 18 Os governos devem apoiar o desenvolvimento das competências necessárias à prevenção do crime: (a) Providenciando o desenvolvimento profissional do pessoal sénior em organismos de relevo; (b)Encorajando as universidades e outros estabelecimentos de ensino ou entidades com responsabilidades na formação profissional a oferecerem cursos básicos e avançados, em colaboração com os profissionais; (c) Trabalhando com os sectores da educação e organismos representativos dos profissionais de modo a desenvolver certificação e qualificações profissionais; Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 129 (d)Capacitar as comunidades para o desenvolvimento e para a implementação de respostas para as suas necessidades. Apoio ao estabelecimento de parcerias 19 Os governos e todos os segmentos da sociedade civil deverão apoiar, sempre que se justifique, o princípio das parcerias: (a) Difundindo o conhecimento da importância deste principio e dos factores que contribuíram para o sucesso das parcerias, incluindo a necessidade de todos as partes intervenientes terem regras e atribuições claras e bem definidas; (b)Fomentando o seu estabelecimento a diferentes níveis e entre diferentes sectores; (c) Facilitando o seu eficiente funcionamento. Sustentabilidade 20 Os governos e outros corpos de financiamento devem esforçar-se por alcançar a sustentabilidade das iniciativas dos seus programas de prevenção do crime: (a) Revendo a atribuição dos recursos de modo a estabelecer e manter um equilíbrio entre a prevenção do crime e o sistema de justiça criminal e outros, para assim potenciar a prevenção do crime e da vitimização; (b)Estabelecendo responsabilidades claras no financiamento, programação e coordenação das iniciativas de prevenção do crime; (c) Encorajando o envolvimento das comunidades na sustentabilidade. B. Métodos Enquadramento conceptual 21 Os governos e a sociedade civil, dependendo das situações, deverão promover uma prevenção do crime baseada no conhecimento: (a) Providenciando a informação necessária para as comunidades poderem lidar com os problemas da criminalidade; (b)Apoiando a criação de um conhecimento útil e prático, validado e sustentado cientificamente; (c) Apoiando a organização e síntese desse conhecimento, identificando e abordando as lacunas que possam existir; (d)Partilhando esses conhecimentos, apropriadamente, entre investigadores, responsáveis pela concepção e aplicação de políticas públicas, educadores, profissionais de outros sectores relevantes e com a comunidade em geral; (e) Aplicando esses conhecimentos na replicação de intervenções de sucesso, no desenvolvimento de novas iniciativas e na antecipação de novos problemas, relacionados com o crime, e de oportunidades de prevenção; (f) Desenvolver sistemas de dados que ajudem a gerir com mais eficiência económica a prevenção criminal, incluindo a realização regular de inquéritos à vitimização e de delinquência auto-revelada; (g)Promover a aplicação destes dados de modo a reduzir a vitimização recorrente, a reincidência criminal e as áreas geográficas com elevada taxa de criminalidade. Planificação das intervenções 22 A planificação das intervenções deve promover um processo que contemple: (a) Uma análise sistemática dos problemas associados ao crime, as suas causas, os seus factores de risco e respectivas consequências, particularmente a nível local; (b)Um plano que delineie a abordagem mais apropriada e adapte as intervenções aos seus problemas locais e contextuais específicos; (c) Um plano de intervenção que responda com eficiência, sustentabilidade e eficácia; (d)A mobilização das entidades que estejam capacitadas para lidar com as causas; (e) A monitorização e a avaliação. 130 Apoio à avaliação 23 Os Governos, outras entidades financiadores e aqueles que estão envolvidos na concepção e desenvolvimento de programas devem: (a) Realizar avaliações a curto e médio prazo, de modo a testar com rigor o que funciona, onde e porquê; (b)Realizar análises custo/benefício; (c) Avaliar quais as acções que resultam numa efectiva redução dos níveis de criminalidade e vitimização, na gravidade dos crimes e no medo do mesmo; (d)Avaliar sistematicamente os resultados e as consequências inesperadas, tanto positivas quanto negativas, tais como o decréscimo nas taxas de criminalidade ou a estigmatização dos indivíduos e das comunidades. C. Abordagens 24 Esta secção detalha as abordagens da prevenção do crime situacional e o do desenvolvimento social. Delineia também as abordagens que o governo e a sociedade civil deverão ter em consideração para assegurar a prevenção do crime organizado. Desenvolvimento social 25 O governo deverá abordar os factores de risco do crime e da vitimização: (a) Promovendo factores preventivos através de programas de desenvolvimento social e económico compreensivos e não estigmatizantes, nas áreas da saúde, educação, habitação e emprego; (b)Promovendo actividades que reduzam a marginalização e a exclusão social; (c) Promovendo uma resolução positiva dos conflitos; (d)Utilizando estratégias educativas e de sensibilização, de modo a promover uma cultura de obediência à lei e tolerância, respeitando as identidades culturais. Situacional 26 Os governos e a sociedade civil, incluindo também, quando necessário, o sector empresarial, devem apoiar o desenvolvimento de programas de prevenção situacional do crime: (a) Melhorando o ordenamento do território; (b)Utilizando métodos de vigilância que sejam sensíveis ao direito à privacidade; (c) Encorajando o design de bens de consumo mais resistentes à prática de crimes; (d)Aumentar a “robustez” ”dos equipamentos urbanos, sem afectar a qualidade das zonas edificadas e o livre acesso aos espaços públicos; (e) Implementar estratégias que previnam a revitimização. Prevenção do crime organizado 27 Os governos e a sociedade civil devem empenhar-se em analisar e resolver as ligações entre o crime internacional organizado e os problemas nacionais e locais associados ao mesmo: (a) Reduzindo as oportunidades actuais e futuras dos grupos criminais organizados participarem no mercado legalizado com produtos provenientes de actos ilícitos, através de medidas legislativas e administrativas apropriadas, entre outras; (b)Desenvolvendo medidas que previnam o uso indevido dos concursos públicos (procedimentos aquisitivos públicos/mercados públicos) pelo crime organizado, bem como subsídios e licenças atribuídas pelas autoridades públicas para a actividade comercial; (c) Elaborando estratégias de prevenção do crime, de modo a proteger os grupos socialmente marginalizados, especialmente mulheres e crianças, que estão vulneráveis à acção dos grupos do crime organizado, incluindo o tráfico de pessoas e o auxilio à emigração ilegal. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 131 V. Cooperação Internacional Standards e normas 28 Ao promoverem actividades internacionais na prevenção do crime, os Estados membros são convidados a ter em consideração os instrumentos mais importantes no que concerne aos direitos humanos e à prevenção do crime, dos quais sejam signatários, tais como a Convenção dos Direitos da Criança (Resolução 44/25 da Assembleia-geral), a Declaração da Erradicação da Violência contra as Mulheres (Resolução 48/104), as Directrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Directrizes de Riad) (Resolução 45/112), a Declaração dos Princípios Básicos da Justiça para as Vítimas do Crime e Abuso de Poder (Resolução 40/34, anexo), as Directrizes para a Cooperação e Assistência Técnica no Campo da Prevenção do Crime Urbano (Conselho Económico e Social, Resolução 1995/9, anexo), bem como a Declaração de Viena sobre Crime e Justiça: Abraçando os Desafios do Século XXI (Assembleia-geral, Resolução 55/59, anexo) e a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Internacional Organizado e os Protocolos adicionais (Resolução 55/25,anexos I-III) Assistência técnica 29 Os Estados membros e importantes organizações internacionais de financiamento devem providenciar apoio financeiro e técnico, incluindo formação e capacitação, aos países em desenvolvimento e países com economias em transição, comunidades e outras organizações de relevância para uma eficaz implementação da prevenção do crime e de estratégias de segurança comunitária a nível local, regional e nacional. Nesse contexto, dever-se-á dar especial atenção à investigação e às intervenções de prevenção criminal através de programas de desenvolvimento social. Redes 30 Os Estados membros devem fortalecer ou estabelecer redes de prevenção criminal ao nível internacional, regional e nacional, com o objectivo de trocar experiências/práticas comprovadas e promissoras, identificando elementos de transmutabilidade e fazendo com que este conhecimento esteja disponível às comunidades em todo o mundo. Ligações entre o crime local e transnacional 31 Os Estados Membros devem colaborar na análise e identificação dos elos de ligação entre o crime transnacional, o nacional e o local. A prevenção do crime como prioridade 32 O Centro Internacional de Prevenção do Crime, os institutos afiliados e associados à Rede do Programa das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e Justiça Criminal e outras entidades de relevo das Nações Unidas devem incluir nas suas prioridades a prevenção do crime tendo em conta as presentes directrizes, preparando um mecanismo coordenador e criando uma lista de peritos que possam avaliar as necessidades e providenciar aconselhamento. Difusão 33 Os mais importantes organismos das Nações Unidas e outras organizações devem cooperar de modo a produzir informação sobre a prevenção do crime no maior número de línguas possível, usando tanto os meios de comunicação electrónicos como a Imprensa escrita. Tradução para português, a partir da versão inglesa, por DGAI. 2009 132 Anexo C Directrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil Directrizes de Riad Resolução 45/112, de 14 de Dezembro de 1990 O Oitavo Congresso das Nações Unidas Sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente – Directrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Directrizes de Riad) I. Princípios fundamentais 1. A prevenção da delinquência juvenil é parte essencial da prevenção do delito na sociedade. Dedicados a actividades lícitas e socialmente úteis, orientados rumo à sociedade e considerando a vida com critérios humanistas, os jovens podem desenvolver atitudes não criminais. 2. Para ter êxito, a prevenção da delinquência juvenil requer, por parte de toda a sociedade, esforços que garantam um desenvolvimento harmonioso dos adolescentes e que respeitem e promovam a sua personalidade a partir da primeira infância. 3. Na aplicação das presentes Directrizes, os programas preventivos devem estar centralizados no bem-estar dos jovens desde sua primeira infância, de acordo com os ordenamentos jurídicos nacionais. 4. É necessário que se reconheça a importância da aplicação de políticas e medidas progressistas de prevenção da delinquência que evitem criminalizar e penalizar a criança por uma conduta que não cause grandes prejuízos ao seu desenvolvimento e que nem prejudique os demais. Essas políticas e medidas deverão conter o seguinte: a) Criação de meios que permitam satisfazer as diversas necessidades dos jovens e que sirvam de apoio para zelar pelo desenvolvimento pessoal de todos os jovens, particularmente daqueles que estejam patentemente em perigo ou em situação de insegurança social e que necessitem de um cuidado e uma protecção especiais. b) Critérios e métodos especializadas para a prevenção da delinquência, baseados nas leis, nos processos, nas instituições, nas instalações e uma rede de prestação de serviços, cuja finalidade seja a de reduzir os motivos, a necessidade e as oportunidades de cometer infracções ou as condições que as propiciem. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 133 c) Uma intervenção oficial cuja principal finalidade seja a de zelar pelo interesse geral do jovem e que se inspire na justiça e na equidade. d) Protecção do bem-estar, do desenvolvimento, dos direitos e dos interesses dos jovens. e) Reconhecimento do facto de que o comportamento dos jovens que não se ajustam aos valores e normas gerais da sociedade são, com frequência, parte do processo de amadurecimento e que tendem a desaparecer, espontaneamente, na maioria das pessoas, quando chegam à maturidade, e f) Consciência de que, segundo a opinião dominante dos especialistas, classificar um jovem de “marginal”, “delinquente” ou “pré-delinquente” geralmente favorece o desenvolvimento de formas permanentes de comportamento indesejado. 5. Devem ser desenvolvidos serviços e programas com base na comunidade para a prevenção da delinquência juvenil. Só em último caso se recorrerá a organismos mais formais de controlo social. II. Efeitos das directrizes 6. As presentes directrizes deverão ser interpretadas e aplicadas no âmbito da Declaração Universal de Direitos Humanos, do Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, da Declaração dos Direitos da Criança e da Convenção sobre os Direitos da Criança e no contexto das regras mínimas das Nações Unidas para a administração da justiça para os jovens, como também de outros instrumentos e normas relativos aos direitos, interesses e bem-estar de todas as crianças e adolescentes. 7. Igualmente, as presentes directrizes deverão ser aplicadas no contexto das condições económicas, sociais e culturais predominantes em cada um dos Estados membros. III. Prevenção geral 8. Deverão ser formulados, em todos os níveis do governo, planos gerais de prevenção que compreendam, entre outras coisas, o seguinte: a) Análise profunda do problema e relação de programas e serviços, facilidades e recursos disponíveis; b) Funções bem definidas dos organismos e instituições competentes que se ocupam de actividades preventivas; c) Mecanismos para a coordenação adequada das actividades de prevenção entre os organismos governamentais e não governamentais; d) Políticas, estratégias e programas baseados em estudos de prognósticos e que sejam objecto de vigilância permanente e avaliação cuidadosa durante sua aplicação; e Métodos para diminuir, de maneira eficaz, as oportunidades de cometer actos de delinquência juvenil; f) Participação da comunidade em toda uma série de serviços e programas; g) Estreita cooperação interdisciplinar entre os governos nacionais, estaduais, municipais e locais, com a participação do sector privado, de cidadãos representativos da comunidade interessada e de organizações do trabalho, de cuidado à criança, de educação sanitária, sociais, judiciais e dos serviços de repressão, na aplicação de medidas coordenadas para prevenir a delinquência juvenil e os delitos dos jovens; h) Participação dos jovens nas políticas e nos processos de prevenção da delinquência juvenil, principalmente nos programas de serviços comunitários, de auto-ajuda juvenil e de indemnização e assistência às vítimas; i) Pessoal especializado de todos os níveis. IV. Processos de socialização 9. Deverá ser prestada uma atenção especial às políticas de prevenção que favoreçam a socialização e a integração eficazes de todas as crianças e jovens, particularmente através da família, da comunidade, dos grupos de jovens nas mesmas condições, da escola, da formação profissional e do meio laboral, como também mediante a acção de organizações voluntárias. Deverá ser respeitado, devidamente, o desenvolvimento pessoal das crianças e dos jovens que deverão ser aceites, em pé de igualdade, como co-participantes nos processos de socialização e integração. 134 A. Família 10.Toda sociedade deverá atribuir elevada prioridade às necessidades e ao bem-estar da família e de todos os seus membros. 11.Como a família é a unidade central encarregada da integração social primária da criança, devese prosseguir com os esforços governamentais e de organizações sociais para a preservação da integridade da família, incluindo a família numerosa. A sociedade tem a obrigação de ajudar a família a cuidar e proteger a criança e garantir o seu bem-estar físico e mental. Deverão ser prestados serviços apropriados, inclusivamente o de creches diurnas. 12.Os governos deverão adoptar políticas que permitam o crescimento das crianças num ambiente familiar estável e firme. Deverão ser facilitados serviços adequados para famílias que necessitem de assistência para a resolução de situações de instabilidade ou conflito. 13.Quando não existir um ambiente familiar estável e firme e quando os esforços da comunidade para oferecer assistência aos pais, nesse aspecto, tiverem fracassado e a família numerosa já não puder cumprir essa função, deverá recorrer-se a outras possíveis modalidades de situação familiar, entre elas o acolhimento familiar e a adopção que, na medida do possível, deverão reproduzir um ambiente familiar estável e firme e, ao mesmo tempo, produzir nas crianças um sentimento de permanência, para evitar os problemas relacionados com a “deslocação” de um lugar a outro. 14.Deverá ser prestada uma atenção especial às crianças de famílias afectadas por problemas originados por mudanças rápidas e desiguais no âmbito económico, social e cultural, especialmente as crianças de famílias indígenas e imigrantes. Como tais mudanças podem alterar a capacidade social da família para proporcionar a educação e a alimentação tradicional aos filhos, geralmente, como resultado do conflito do papel social e da cultura, será necessário elaborar modalidades inovadoras e socialmente construtivas para a socialização das crianças. 15.Deverão ser adoptadas medidas e elaborados programas para dar às famílias a oportunidade de aprenderem as suas funções e obrigações em relação ao desenvolvimento e ao cuidado dos seus filhos, para os quais se fomentarão relações positivas entre pais e filhos, sensibilizar-se-ão os pais no que diz respeito aos problemas das crianças e dos jovens e fomentarar-se-á a participação dos jovens nas actividades familiares e comunitárias. 16.Os governos deverão adoptar medidas para fomentar a união e a harmonia na família e desencorajar a separação dos filhos dos seus pais, a não ser quando circunstâncias que afectem o bem-estar e o futuro dos filhos não deixem outra opção. 17.É importante destacar a função de controlo social da família e da família numerosa, mas também é igualmente importante reconhecer a função futura, as responsabilidades, a participação e a associação dos jovens na sociedade. 18.Com o objectivo de assegurar o direito das crianças a uma integração social adequada, os governos e outros organismos deverão recorrer às organizações sociais e jurídicas existentes, mas deverão, também, adoptar ou facilitar a adopção de medidas inovadoras, quando as instituições e costumes tradicionais já não forem eficazes. B. Educação 19.Os governos têm a obrigação de facilitar o acesso ao ensino público a todos os jovens. 20.Os sistemas de educação, além das suas possibilidades de formação académica e profissional, deverão dar atenção especial ao seguinte: a) Ensinar os valores fundamentais e fomentar o respeito à identidade própria e às características culturais da criança, aos valores sociais do país em que mora a criança, às civilizações diferentes da sua e aos direitos humanos e liberdades fundamentais; b) Fomentar e desenvolver, o mais possível, a personalidade, as aptidões e a capacidade mental e física dos jovens; c) Conseguir a participação activa dos jovens no processo educativo, no lugar de serem meros objectos passivos de tal processo; d) Desenvolver actividades que fomentem um sentimento de identidade e integração à escola e à comunidade, como também a compreensão mútua e a harmonia; e) Incentivar os jovens a compreender e a respeitar opiniões e pontos de vista diversos, como Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 135 também as diferenças culturais e de outra índole; f) Oferecer informação e orientação sobre a formação profissional, as oportunidades de trabalho e as possibilidades de uma profissão; g) Evitar medidas disciplinares severas, particularmente os castigos corporais. 21.Os sistemas de educação deverão tentar trabalhar em cooperação com os pais, com as organizações comunitárias e com os organismos que se ocupam das actividades dos jovens. 22.Deverá ser dada ao jovem informação sobre o ordenamento jurídico e os seus direitos e obrigações de acordo com a lei, assim como sobre o sistema de valores universais. 23.Os sistemas de educação deverão cuidar e atender, de maneira especial, aos jovens que estejam em situação de risco social. Deverão ser preparados e utilizados, plenamente, programas de prevenção e materiais didácticos, assim como planos de estudos, critérios e instrumentos especializados. 24.Deverá ser prestada especial atenção na adopção de políticas e estratégias gerais de prevenção do uso indevido de álcool, drogas e outras substâncias por parte dos jovens. Deverá dar-se formação e prover os professores e outros profissionais com meios que possam prevenir e resolver estes problemas. Deverá ser dada aos estudantes informação sobre o emprego e o uso indevido das drogas. 25.As escolas deverão servir como centros de informação e consulta para prestar assistência médica, assessoria e outros serviços aos jovens, sobretudo aos que estiverem especialmente necessitados e forem objecto de maus tratos, abandono, vitimização e exploração. 26.Serão aplicados diversos programas com o objectivo de que professores e outros adultos possam compreender os problemas, as necessidades e as preocupações dos jovens, especialmente daqueles que pertençam a grupos mais necessitados, menos favorecidos, a grupos de baixo rendimento e a minorias étnicas ou de outra índole. 27.Os sistemas escolares deverão tratar de promover e alcançar os mais elevados níveis profissionais e educativos, no que diz respeito a programas de estudo, métodos e critérios didácticos e de aprendizagem, contratação e capacitação de pessoal docente. Deverá haver supervisão e avaliação regulares dos resultados, tarefa que se encomendará a organizações e órgãos profissionais competentes. 28.Em cooperação com grupos da comunidade, os sistemas educativos deverão planear, organizar e desenvolver actividades paralelas ao programa de estudos que forem de interesse para os jovens. 29.Deverá ser prestada ajuda a crianças e jovens que tenham dificuldades para respeitar as normas da assistência, assim como aos que abandonam os estudos. 30.As escolas deverão fomentar a adopção de políticas e normas equitativas e justas; os estudantes estarão representados nos órgãos da administração escolar e nos de adopção de decisões e participarão nos assuntos e procedimentos disciplinares. C. Comunidade 31.Deverão ser estabelecidos serviços e programas de carácter comunitário ou serem fortalecidos os já existentes, de maneira a que respondam às necessidades, aos interesses e às inquietudes especiais dos jovens e ofereçam, a eles e a suas famílias, assessoria e orientação adequadas. 32.As comunidades deverão adoptar ou reforçar uma série de medidas de apoio, baseadas na comunidade e destinadas a ajudar os jovens, particularmente centros de desenvolvimento comunitário, instalações e serviços de recreio, visando fazer frente aos problemas especiais dos jovens expostos a risco social. Essa forma de ajuda deverá ser prestada respeitando os direitos individuais. 33.Deverão ser estabelecidos serviços especiais para dar alojamento adequado aos jovens que não puderem continuar a residir com as suas famílias. 34.Serão organizados diversos serviços e sistemas de ajuda para enfrentar as dificuldades que os jovens experimentam ao passar da adolescência à idade adulta. Entre estes serviços, deverão figurar programas especiais para os jovens toxicómanos, onde será dada a máxima importância aos cuidados, ao assessoramento, à assistência e às medidas de carácter terapêutico. 35.Os governos e outras instituições deverão dar apoio financeiro e de outra natureza às organizações voluntárias que ofereçam serviços aos jovens. 36.No plano local, deverão ser criadas ou reforçadas as organizações juvenis que participem plenamente na gestão dos assuntos comunitários. Estas organizações deverão animar os jovens 136 a organizar projectos colectivos e voluntários, particularmente aqueles cuja finalidade seja a de prestar ajuda aos jovens necessitados. 37.Os organismos governamentais deverão assumir, especialmente, a responsabilidade do cuidado das crianças sem-abrigo (“meninos de rua”) e organizar os serviços que estes necessitem. A informação sobre serviços locais, alojamento, trabalho e outras formas e fontes de ajuda deverá ser facilmente acessível aos jovens. 38.Deverá ser organizada uma grande variedade de instalações e serviços recreativos de especial interesse para os jovens, aos quais estes tenham fácil acesso. D. Meios de comunicação 39.Os meios de comunicação deverão certificar-se de que a criança e o jovem têm acesso à informação e aos materiais procedentes de diversas fontes nacionais e internacionais. 40.Os meios de comunicação deverão ser incentivados a divulgarem a contribuição positiva dos jovens à sociedade. 41.Deverão ser incentivados os meios de comunicação a difundirem informação relativa à existência de serviços, instalações e oportunidades destinados aos jovens dentro da sociedade. 42.Deverá ser solicitado aos meios de comunicação em geral, e à televisão e ao cinema em particular, que reduzam o nível de violência nas suas mensagens e que dêem uma imagem desfavorável da violência e da exploração, evitando apresentações degradantes das crianças, da mulher e das relações interpessoais, fomentando, ao contrário, os princípios e as actividades de carácter comunitário. 43.Os meios de comunicação deverão ter consciência da importância da sua função e responsabilidade, assim como da sua influência nas comunicações relacionadas com o uso indevido de drogas entre os jovens. Deverão utilizar o seu poder para prevenir o uso indevido de drogas, através de mensagens coerentes difundidas equilibradamente. Campanhas eficazes de luta contra as drogas deverão ser fomentadas, nos níveis primário, secundário e terciário. V. Política social 44.Os organismos governamentais deverão dar a máxima prioridade aos planos e programas dedicados aos jovens e proporcionar fundos suficientes e recursos de outro tipo para a prestação de serviços eficazes, proporcionando, também, as instalações e a mão-de-obra para oferecer serviços adequados de assistência médica, saúde mental, nutrição, alojamento e os demais serviços necessários, particularmente a prevenção e o tratamento do uso indevido de drogas, além de terem a certeza de que esses recursos chegarão aos jovens e serão realmente utilizados em seu benefício. 45.Só em último caso os jovens deverão ser internados em instituições e pelo mínimo tempo necessário, e deverá dar-se a máxima importância aos interesses superiores do jovem. Os critérios para a autorização de uma intervenção oficial desta natureza deverão ser definidos estritamente e limitados às seguintes situações: a) Quando a criança ou o jovem tiver sofrido lesões físicas causadas pelos pais ou tutores; b) Quando a criança ou jovem tiver sido vítima de maus tratos sexuais, físicos ou emocionais por parte dos pais ou tutores; c) Quando a criança ou o jovem tiver sido negligenciado, abandonado ou explorado pelos pais ou tutores; e d) Quando a criança ou o jovem se vir ameaçado por um perigo físico ou moral devido ao comportamento dos pais ou tutores. 46.Os organismos governamentais deverão dar ao jovem a oportunidade de continuar a sua educação a tempo inteiro, financiada pelo Estado quando os pais não tiverem condições materiais para isso, e dar também a oportunidade de adquirir experiência profissional. 47.Os programas de prevenção da delinquência deverão ser planeados e executados com base em conclusões fiáveis que sejam o resultado de uma pesquisa científica e, periodicamente, deverão ser revisitados, avaliados e readaptados de acordo com essas conclusões. 48.Deverá ser difundida, entre a comunidade profissional e o público em geral, informação sobre o tipo de comportamento ou de situação que se traduza, ou possa ser traduzida, em vitimização, danos e maus tratos físicos e psicológicos aos jovens. 49.A participação em todos os planos e programas deverá geralmente ser voluntária. Os próprios jovens deverão intervir na sua formulação, desenvolvimento e execução. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 137 VI. Legislação e administração da Justiça na infância e na adolescência 50.Os governos deverão promulgar e aplicar leis e procedimentos especiais para fomentar e proteger os direitos e o bem-estar de todos os jovens. 51.Deverá ser promulgada e aplicada uma legislação que proíba a vitimização, os maus tratos e a exploração das crianças e dos jovens. 52.Nenhuma criança ou jovem deverá ser objecto de medidas severas ou degradantes de correcção ou castigo no lar, na escola ou em qualquer outra instituição. 53.Deverão ser adoptadas e aplicadas leis que regulamentem e controlem o acesso das crianças e jovens às armas de qualquer tipo. 54.Com o objectivo de impedir que se prossiga a estigmatização, a vitimização e a incriminação dos jovens, deverá ser promulgada uma legislação pela qual seja garantido que todo acto que não seja considerado um delito, nem seja punido quando cometido por um adulto, também não deverá ser considerado um delito, nem ser objecto de punição quando for cometido por um jovem. 55.Poderá ser considerada a possibilidade de se estabelecer um organismo de “protecção da infância e da adolescência” (provedor) ou um serviço análogo independente que garanta o respeito da condição jurídica, dos direitos e dos interesses dos jovens e, também, a possibilidade de remeter casos aos serviços disponíveis. Do mesmo modo, deverão ser estabelecidos serviços de defesa jurídica da criança. 56.O pessoal, de ambos os sexos, da polícia e de outros órgãos de justiça deverão ser capacitados para atender as necessidades especiais dos jovens; essa equipa deverá estar familiarizada com os programas e as possibilidades de encaminhamento para outros serviços, e devem recorrer a eles sempre que possível, com o objectivo de evitar que os jovens sejam levados ao sistema de justiça penal. 57.Leis deverão ser promulgadas e aplicadas, estritamente, para proteger os jovens do uso indevido das drogas e dos traficantes. VII. Pesquisa, adopção de políticas e coordenação 58.Esforços deverão ser feitos para fomentar a interacção e coordenação, de carácter multidisciplinar e interdisciplinar, entre os distintos sectores; e, dentro de cada sector, dos organismos e serviços económicos, sociais, educativos e de saúde, do sistema judiciário, dos organismos dedicados aos jovens, à comunidade e ao desenvolvimento e de outras instituições pertinentes, e deverão ser estabelecidos os mecanismos apropriados para tal efeito. 59.Deverá ser intensificado, no plano nacional, regional e internacional, o intercâmbio de informação, experiência e conhecimentos técnicos obtidos graças a projectos, programas, práticas e iniciativas relacionadas com a delinquência juvenil, a prevenção da delinquência e a justiça na infância e na adolescência. 60.Deverá ser promovida e intensificada a cooperação regional e internacional nos assuntos relativos à delinquência juvenil, à prevenção da delinquência e à justiça na infância e na adolescência, com a participação de profissionais, especialistas e autoridades. 61.Todos os governos, o sistema das Nações Unidas e outras organizações interessadas deverão apoiar firmemente a cooperação técnica e científica nos assuntos práticos relacionados com a adopção de políticas, particularmente nos projectos experimentais, de capacitação e demonstração, sobre questões concretas relativas à prevenção da delinquência juvenil e de delitos cometidos por jovens. 62.Deverá ser incentivada a colaboração nas actividades de pesquisa científica sobre as modalidades eficazes de prevenção da delinquência juvenil e dos delitos cometidos por jovens; e as suas conclusões deverão ser objecto de ampla difusão e avaliação. 63.Os órgãos, organismos e escritórios competentes das Nações Unidas deverão manter uma estreita colaboração e coordenação nas distintas questões relacionadas com as crianças, a justiça na infância e na adolescência, e a prevenção da delinquência juvenil e dos delitos cometidos por jovens. 64.Com base nessas Directrizes, as Nações Unidas, em cooperação com as instituições interessadas, deverão desempenhar um papel activo na pesquisa, na colaboração científica, na formulação de opções de política e no exame e na supervisão da sua aplicação e, também, servir de fonte de informação fidedigna sobre as modalidades eficazes de prevenção da delinquência. Tradução para português, a partir da versão francesa, por DGAI. 2009 138 Anexo D Manifesto de Saragoça Os participantes na conferência de Saragoça de 2,3 e 4 de Novembro de 2006 adoptaram o Manifesto de Saragoça sobre a segurança urbana e a democracia: 1. A segurança é um bem comum essencial, em grande parte ligado a outros bens comuns como a inclusão social, o direito ao trabalho, à saúde, à educação e à cultura. Qualquer estratégia que use o medo deve ser rejeitada a favor de acções que promovam a cidadania activa, a apropriação do território da cidade e o desenvolvimento da vida colectiva. O acesso aos direitos favorece o direito à segurança. 2. Cientes da pressão profundamente preocupante que a criminalidade sob todas as suas formas exerce sobre a manutenção dos equilíbrios sociais, jurídicos, culturais e políticos, os participantes desejam que sejam implementadas políticas globais integradas e eficazes que visem lutar simultaneamente contra os efeitos da criminalidade e as suas causas, como a exclusão social, as discriminações em matéria de direitos e as desigualdades económicas. 3. Os participantes na conferência esforçam-se em particular para que o direito das mulheres a participarem plenamente na vida profissional e social seja reconhecido e para que nesse domínio sejam desenvolvidas acções positivas no âmbito da política global de luta contra a insegurança. As violências de que são vítimas traduzem a desigualdade das relações entre homens e mulheres e os preconceitos culturais. O direito das mulheres deve ser objecto de programas de promoção da igualdade e de uma abordagem por género. 4. Embora exista localmente um diálogo entre as pessoas e as culturas, existe um risco sério para que prevaleçam as forças favoráveis ao “choque de civilizações”, criando um quadro apocalíptico para a segurança e o futuro dos cidadãos. Nestas condições, o nosso compromisso como administradores e representantes das nossas comunidades consiste em criar um espaço de diálogo e de encontro entre populações de várias origens, ou seja, uma aliança entre as civilizações. 5. Ao instar a União a estabelecer regras comuns europeias relativamente às condições de admissão e de repatriamento de estrangeiros, confirmamos o nosso empenho em garantir condições de acolhimento que respeitem os direitos fundamentais, bem como medidas de integração e regras de partilha dos direitos e deveres, direccionadas em particular aos imigrantes regulares. 6. O terrorismo tenta explorar as desigualdades sociais e culturais existentes nas nossas sociedades. Qualquer resposta de índole a favorecer acções discriminatórias, a designar bodes expiatórios, a promover atitudes agressivas e racistas, deve ser proscrita. 7. Afirmamos a necessidade de manter as liberdades e apelamos os Estados e as Instituições internacionais a respeitarem os direitos fundamentais. 8. Solicitamos o reconhecimento do papel das cidades pela União Europeia e pelos Estados, e que esse reconhecimento seja apoiado por instrumentos financeiros. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 139 Anexo E Legislação Portuguesa A presente listagem de legislação não pretende, nem poderia ser, um cotejo exaustivo de todos os diplomas cuja consulta se torna relevante, e se estimula, no quadro da elaboração de um diagnóstico local de segurança. Essa tarefa equivaleria, em si mesmo, à produção de um compêndio legislativo, objectivo que está fora do alcance da presente versão portuguesa do manual. Os diplomas agora mencionados têm, assim, um carácter meramente ilustrativo sobre a diversificada produção legislativa nacional, cobrindo o que se designa, neste anexo, por grandes enquadramentos, a legislação mais orientada para as atribuições e competências das autarquias locais, a saúde, a educação, a videovigilância, alguns programas nacionais de referência. Boa parte dos diplomas aqui indicados foram sendo sinalizados em notas de rodapé ao longo do texto. Ao leitor sugere-se a construção do seu próprio guião legislativo, recorrendo às aplicações informáticas hoje disponíveis na internet para estabelecimento das conexões relevantes em cada domínio específico. A consulta directa do texto legislativo pode ser feita, gratuitamente, em www.dre.pt/. E1 Os grandes enquadramentos Política Criminal nLei da Organização da Investigação Criminal – Lei n.º 49/2008, de 27 de Agosto nLei-Quadro da Política Criminal – Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio nRegulamentação: Lei n.º 38/2009, de 20 de Julho nRegime jurídico de protecção às vítimas de crimes violentos e definição da indemnização a atribuir nesses casos – Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro Sistema de Segurança Interna nLei de Segurança Interna – Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto Sistema de Justiça nAcesso ao Direito e aos Tribunais – Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho nRegulamentação: Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro Portaria n.º 11/2008, de 3 de Janeiro Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro 140 nLei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto nRegulamentação: Decreto-Lei n.º 25/2009, de 26 de Janeiro de 2009 nEstatuto dos Magistrados Judiciais – Lei n.º 21/85, de 30 de Julho nEstatuto do Ministério Público – Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro Justiça Penal nCódigo Penal – Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro nActualização: Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro (vigésima terceira alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro) nRegime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas – Lei n.º 14/2005, de 26 de Janeiro (altera pela décima terceira vez o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, acrescentando novas substâncias à tabela II-A anexa ao decreto-lei). nRegime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a protecção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica – Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro nRegime aplicável em matéria penal aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos – Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro nPrestação de Trabalho a Favor da Comunidade – Decreto-Lei n.º 375/97, de 24 de Dezembro nCódigo do Processo Penal – Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (décima quinta alteração do Decreto – Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro) nLei de Execução das Penas: Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro nVigilância electrónica (obrigação de permanência na habitação) – Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto nDireito Penitenciário – Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de Agosto nTribunais de execução das penas – Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro nRegime da mediação em processo penal - Lei n.º 21/2007, de 12 de Junho nRegulamentação: Portaria n.º 68-A/2008, de 22 de Janeiro Portaria n.º 68-B/2008, de 22 de Janeiro Portaria n.º 68-C/2008, de 22 de Janeiro Portaria n.º 732/2009, de 8 de Julho Justiça Juvenil nLei Tutelar Educativa – Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro nRegulamentação: Decreto-Lei n.º 323-D/2000, de 20 de Dezembro Decreto-Lei n.º 323-E/2000, de 20 de Dezembro Decreto-Lei n.º 5-B/2001, de 12 de Janeiro Portaria n.º 1200-B/2000, de 20 de Dezembro Portaria n.º 102/2008, de 1 de Fevereiro Sistema de Protecção à Infância e Juventude nComissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco – Decreto-Lei n.º 98/98, de 18 de Abril. nLei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo – Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro. nRegulamentação: Decreto-Lei n.º 332-B/2000, de 30 de Dezembro; Decreto-Lei n.º 11/2008, de 17 de Janeiro; Decreto-Lei n.º 12/2008, de 17 de Janeiro; Despacho n.º 30988/2008, publicado no DR-2.ª Série, n.º 233, de 2/12/2008; nCódigo Civil – Livro IV – Direito da Família: Art.ºs 1576.º a 2020. Segurança privada e videovigilância nRegime jurídico da actividade de segurança privada – Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro nLei 1/2005, de 10 de Janeiro – regula a videovigilância pelas forças de segurança em locais públi- cos de utilização comum nDecreto-Lei 207/2005, de 29 de Novembro – Regula os meios de vigilância electrónica rodoviária utilizados pelas forças de segurança Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 141 nLei 51/2006, de 29 de Agosto – regula a utilização de sistemas de vigilância rodoviária pela EP e pelas concessionárias rodoviárias nLei 33/2007, de 13 de Agosto – regula a instalação e utilização de sistemas de videovigilância em táxis Segurança escolar nDecreto-Lei n.º 117/2009, de 18 de Maio de 2009 – Cria o Gabinete Coordenador de Segurança Escolar como estrutura integrada no âmbito do Ministério da Educação, dotada de autonomia administrativa nDespacho n.º 25 650/2006, de 19 de Dezembro de 2006 – Aprova o regulamento do Programa Escola Segura publicado no DR 2.ª série n.º 242, de 19 de Dezembro E2 Programas e estratégias nacionais nResolução do Conselho de Ministros N.º 63/2009, de 23 de Julho – Programa Escolhas 2010-2012 (Revisão) nResolução do Conselho de Ministros N.º 49/2008, de 6 de Março – Plano Nacional de Saúde Mental nResolução do Conselho de Ministros N.º 81/2007, de 22 de Junho – I Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos (2007-2010) nResolução do Conselho de Ministros N.º 82/2007, de 22 de Junho – III Plano Nacional Para a Igual- dade – Cidadania e Género (2007-2010) nResolução do Conselho de Ministros N.º 83/2007, de 22 De Junho – III Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (2007-2010) nResolução do Conselho de Ministros Nº 115/2006, de 18 De Setembro – Plano Nacional Contra a Droga e as Toxicodependências nEstratégia Nacional para a Protecção Social e Inclusão Social nEstratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem-Abrigo 2009-2015 nEstratégia Nacional de Segurança Rodoviária 2008-2015 E3 Autarquias e redes locais Autarquias nPolícias Municipais: Decreto-Lei n.º 197/2008, de 7 de Outubro, actualiza o quadro jurídico fixado pela Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, que revê a lei-quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais nConselhos municipais de segurança – Lei n.º 33/98, de 18 de Julho. Redes locais: nLei-quadro de transferências de atribuições e competências para as autarquias locais – Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro. nConselhos municipais de juventude – Lei n.º 8/2009, de 18 de Fevereiro. nRede social (Conselhos locais de acção social) – Resolução Conselho de Ministros n.º 197/97, de 18 de Novembro 142 Anexo F Fontes de Informação Estatística Oficial Portuguesa F1. Fontes, questões de método e instrumentos F.1.1. Introdução O estatuto concedido à informação, nomeadamente como suporte à realização de DLS, exige o abandono daquela concepção ingénua (herdeira do racionalismo novecentista) de que as estatísticas nos permitem conhecer tudo, garantindo em simultâneo a neutralidade do observador relativamente ao objecto, a sua total apreensão, e o conhecimento das suas propriedades intrínsecas (independentes dos conceitos empregues). Esta preocupação é igualmente válida para a nossa própria produção de “dados” (seja por observação directa ou indirecta). Todas as modalidades de captação do real enformam da mesma limitação: a observação é sempre um procedimento socialmente contingente. Daí que a limitação inerente à utilização de dados estatísticos oficiais não decorra da menor confiança que possamos ter sobre a sua qualidade. A questão é de outra natureza. É que o dado social é sintomático, ou seja, reflecte o olhar que o seu produtor tem sobre o que captou, sobre o que entendeu que deveria (e como) ser captado. Nestas condições, o problema de se saber como é que algo que começa por ter valor relativo (para um determinado objectivo), se revela útil para terceiros, não é meramente académico. A observação é sempre um processo de definição do objecto, e as definições, nomeadamente as que se transformam em soluções operatórias para captação da realidade, não são neutras. Emprega-se aqui uma frase conhecida (a que não conseguimos atribuir autoria), que se refere às estatísticas como reflectindo o olhar da sociedade sobre si própria, mas não a realidade. Não comungamos da posição exacerbadamente crítica sobre os dados estatísticos oficiais portugueses, mas queremos guardar distanciamento da visão positivista e imaculada sobre eles, porque entendemos que “reflectem, sobretudo, o olhar que em determinado contexto socialmente definido, a sociedade tem sobre si própria” (Bacelar, 1996). Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 143 Procuramos ter presente, a cada passo da investigação, e sempre que convocamos dados alheios, o alcance dessa informação – ou seja, procuramos ter consciência do carácter socialmente construído dos dados estatísticos –, orientados por um princípio exegético que qualquer pesquisa impõe, e que a diversidade de dimensões de análise dos diagnósticos locais de segurança reforça. F.1.2. Fontes da estatística da criminalidade Portugal dispõe, desde há década e meia, concretamente desde 1993, de dados estatísticos sobre a criminalidade participada aos Órgãos de Polícia Criminal. O Ministério da Justiça tem essa atribuição, anteriormente acometida ao seu Gabinete de Política Legislativa e Planeamento, e presentemente à Direcção-Geral da Política de Justiça (DGPJ). Todavia, os “dados da Justiça” não se confinam à criminalidade reportada, cobrindo outros domínios, como se verá de seguida. Ao INE cabe a divulgação destes dados, quer recorrendo a publicações periódicas em papel quer, mais recentemente, através da edição digital (em cd rom ou disponibilizado na sua plataforma em ambiente web). Este sistema compreende duas componentes fundamentais: nA recolha e validação automática da informação de base que suporta a produção das estatísticas da Justiça, por meio de duas vias diferenciadas: através de formulários na internet (antigos instrumentos de notação em papel) preenchidos pelas entidades informadoras da Justiça; ou através da transferência automática da informação a partir dos sistemas das entidades informadoras da Justiça; nA produção das estatísticas da Justiça, a partir de “transformações” (agregações, cálculos, etc.) sobre a informação de base recepcionada. A actual produção estatística cobre diversas áreas (ou domínios), a saber: nTribunais e Organismos de Resolução Alternativa de Litígios; nRegistos e Notariado; nPolícias e Entidades de Apoio à Investigação; nOrganismos de Execução de Penas e Medidas e de Intervenção Social; nEntidades de Defesa de Direitos. Estes domínios correspondem, portanto, às fontes primárias da informação reunida e sistematizada no SIEJ. As entidades informadoras do domínio são, presentemente, as seguintes: nPolícia Judiciária (PJ), Polícia de Segurança Pública (PSP), Guarda Nacional Republicana (GNR), Inspecção-Geral de Jogos (IGJ), [desde 1994] a Inspecção-Geral das Actividades Económicas (IGAE), [desde 1995] as Alfândegas (ALF), as Direcções Distritais de Finanças (DDF), [e desde 2005] a Polícia Marítima (PM) e a Polícia Judiciária Militar (PJM). Comparativamente com os dados divulgados pelo INE no seu site para o tema “Justiça”, a consulta do site do SIEJ apresenta três vantagens importantes: nMaior desagregação da tipologia criminal (permitindo o acesso ao Nível 3, que corresponde ao máximo de desagregação); nPeriodização mais dilatada (todas as variáveis registam informação desde 1993); nInformação mais actualizada (com raras excepções). É necessário ter presente que a utilização dos dados estatísticos sobre a criminalidade reportada é feita por diferentes entidades, nomeadamente pelo Gabinete Coordenador de Segurança (GCS) para efeitos de produção do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI). Nem sempre assim foi (designadamente entre 1988 e 1995), mas desde 1996 que esta é a fonte oficial dos RASI, e que não se confunde com os dados estatísticos divulgados por cada força de segurança (parte dos quais consta igualmente do RASI, em Secções próprias). Embora tendencialmente semelhantes, subsistem (ainda) hoje diferenças entre os valores parcelares e totais disponibilizados por uma força de segurança e o valor que lhe corresponde, enquanto fonte primária, no conjunto da criminalidade reportada. Um dos motivos habitualmente apontado para essas discrepâncias 144 prende-se com o facto de o SIEJ conseguir uma depuração relevante das chamadas duplas contagens (casos reportados a mais do que um órgão de polícia criminal214), o que não se aplica a cada uma das fontes primárias, de per se. Existem, porém, outros motivos, de ordem metodológica e processual que podem originar essas mesmas discrepâncias, mas cuja exegese não cabe neste texto aprofundar. Ninguém duvida que a criminalidade real (praticada) e a criminalidade reportada (ou aparente) também não se confundem. A distinção formal entre uma e outra pode ser ilustrada pela diferença entre vitimização e litigação. Há, certamente, muitas ocorrências que, por motivos diferentes, não são objecto de registo e, consequentemente, não figuram nas estatísticas criminais: “É importante ter (cons)ciência sobre a incontornável diferença entre os factos ocorridos, tipificados como crimes, e os factos que chegam ao conhecimento dos órgãos de polícia criminal. É sempre desejável que essa diferença seja a menor possível, e para tal devem concorrer mudanças significativas nos processos de recolha da informação e na conduta dos lesados e ofendidos. Essa diferença tem, por conseguinte, causas que se situam do lado da oferta de segurança (sistema de segurança interna e judicial) e do lado da procura (sociedade em geral). Autores como Cario (1997), Cusson (1998), Aubusson de Cavarly (1998), ou entre nós Crucho de Almeida (1984), Vieira de Carvalho (2006), entre tantos outros, e como os próprios Relatórios Anuais de Segurança Interna referem, todos demonstram que a criminalidade revelada é um subconjunto de um conjunto que só dificilmente se pode estimar, nomeadamente através do confronto entre os índices de vitimização participada e a vitimização auto-revelada (que se pode apurar, também ela com margens de erro, pelos inquéritos de vitimização). Há, por exemplo, a convicção generalizada de que o chamado “crime invisível” se faz notar mais em certos tipos (por exemplo nos crimes sexuais, económico-financeiros, na corrupção) do que noutros, e que se têm registado alterações importantes sobre a revelação dos eventos criminais, sobretudo com o alargamento dos mecanismos de cobertura da actividade seguradora (os furtos e roubos em residências, os furtos de certos bens no interior de viaturas, como sejam equipamentos áudio, e o próprio furto de viaturas, pela sua obrigatoriedade, são exemplos de crimes que muito provavelmente serão esmagadoramente participados)” (Machado et al., 2007: 190)215. Existe, também, a situação contrária, bastante menos comentada e (ainda menos) estudada. Trata-se das participações aos Órgãos de Polícia Criminal (OPC) que engrossam a estatística anual dos crimes mas que não dão origem quer a inquérito, quer a instrução criminal, também aqui por motivos diversos, incluindo a falta de fundamentação e os erros processuais. A comparação, para uma mesma fracção temporal, entre o movimento de processos de inquérito-crime, em tribunais de 1ª instância, e o total de ocorrências participadas ilustra esta situação. Mais elucidativa, porém, é a comparação entre o movimento de processos de instrução criminal e esse mesmo total de ocorrências reportadas aos órgãos de polícia criminal. A pirâmide de litigação penal (Sousa Santos et al., 1996: 296) caracteriza-se, justamente, por um fortíssimo estreitamento angular, tendo as condenações representado em 1992, e em termos totais, cerca de 2% do total do universo dos crimes cometidos (estimados). Admite-se, porém, que esta percentagem tenha aumentado significativamente na última década. Em princípio, a atribuição de um NUIPC (Número Único Identificador de Processo Crime), sistema de notação criado em 1991 (cfr. Portaria nº 1223-A/91, de 30 de Dezembro, evitaria tais duplicações. Este sistema é caracterizado pela atribuição de um número único a cada processo (NUIPC) e visa a sua individualização, que se mantém desde o seu registo inicial até ao arquivo, de forma unívoca, e independentemente dos serviços onde se encontra. Todos os Órgãos de Polícia Criminal usam este sistema. O NUIPC é um conjunto de 14 posições com a seguinte constituição: n Um número sequencial de seis dígitos, a iniciar em 1 em cada ano civil; n Os dois últimos algarismos do número do ano civil em curso à data da atribuição, separados dos dígitos anteriores por uma barra (/); n Um dígito de controlo, separado dos dígitos anteriores por um ponto (.); n Cinco caracteres para identificação do serviço notador (código identificador do serviço notador). 215 Admite-se que seja consensual a interpretação segundo a qual as cifras negras da criminalidade se devem, grosso modo, a três dimensões externas: desempenho policial, desempenho do sistema judicial e confiança das populações nas instituições. As características intrínsecas de cada crime explicam, por si mesmas, a sua maior ou menor visibilidade. 214 Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 145 Há, pois, que não confundir esses casos de vitimização com o chamado esclarecimento, que pode ser operacionalizado pelo coeficiente (habitualmente baixo) entre o número de ocorrências e o número de condenações de um tipo de delito, que essa mesma pirâmide de litigação penal põe em evidência216. E por maioria de motivos, há que não confundir a ratio entre o crime na arguição e o crime na condenação nas diferentes fases do julgamento. Por conseguinte, ao usar-se o volume anual das ocorrências reportadas aos OPC, cuja (falsa) equivalência com a criminalidade praticada se generalizou, importa sinalizar que se trata de uma fonte oficial fidedigna mas que encerra problemas e apresenta limitações claras para a compreensão do fenómeno criminal em Portugal. Não deixa, no entanto, de ser uma medida de sensibilidade da sociedade perante os factos criminalizáveis, uma vez que “uma participação pode ser definida como a plasmação processual de uma suspeita” (Sousa Santos et al., 1996: 297). F.1.3. O INE como fonte estatística primordial nEstatísticas primárias – obtidas a partir do tratamento de respostas aos diversos inquéritos às orga- nizações e aos cidadãos; nEstatísticas derivadas – obtidas por agregação e/ou cruzamento de variáveis das estatísticas pri- márias e de outras fontes de informação nacionais e internacionais; nEstimativas de variáveis económicas e de população; nProjecções demográficas; nEstudos sobre fenómenos demográficos, sociais ou económicos. Os resultados são disponibilizados em vários produtos - de acordo com o Calendário anunciado on line – dos quais se salienta o “Destaque”, enviado aos órgãos de comunicação social e disponibilizado simultaneamente no portal do INE (www.ine.pt) aos seus utilizadores. A maioria da informação disponibilizada pelo INE está acessível nesse portal. Parte dessa informação é também editada em publicações. A disponibilização é feita de acordo com a periodicidade das operações estatísticas: mensal, trimestral, semestral, anual, quinquenal, decenal ou ocasional, no caso dos estudos. No portal do Instituto Nacional de Estatística encontra-se disponível um catálogo de informação estatística, territorializada, que constitui o maior e mais actual acervo de dados existentes. Para efeitos de navegação nesse portal aconselha-se o recurso ao endereço www.ine.pt/xportal/ xmain?xpid=INE&xpgid=ine_navegacao, no qual se pode observar uma demonstração sobre como aceder a cada uma das grandes áreas de serviço, a saber: nBase de dados (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/base_dados_parte1_n.htm) nUtilizadores (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/utilizadores2.htm) nMapas (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/mapas_novo_n.htm) nPesquisa (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/pesquisa.htm) nDivisões Territoriais (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/unid_territ.htm) nInstitucional (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/instc.htm) nInformação Estatística (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/infrom_estatistica.htm) nPublicações (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/public.htm) nEstudos (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/estudos.htm) nDossiês temáticos (www.ine.pt/ajuda_pt/navegacao/dossier.htm) 216 146 Infelizmente, não se conhecem pirâmides de litigação penal por tipos específicos de crimes, nem tão-pouco uma actualização do exercício apresentado por Boaventura Sousa Santos e outros em 1996. F.1.4. Resultados disponibilizados pelo INE Em regra, a informação do INE é obtida a partir de: nInquéritos exaustivos (recenseamentos) em que todos os elementos de um universo são sujeitos a observação: Censos da População e da Habitação e Recenseamento Geral Agrícola. nInquéritos por amostragem em que são recolhidos os dados de uma amostra representativa do universo a observar. No processo de apuramento de resultados são usados métodos estatísticos para extrapolação dos dados resultantes da inquirição da amostra para o universo; nFontes administrativas, em que são utilizados, para fins estatísticos, dados resultantes de procedimentos administrativos (é o caso da estatística criminal). Os inquéritos do INE podem abranger variáveis para definição em termos quantitativos (respostas pedidas com referência a quantidades) ou em termos qualitativos (respostas pedidas com base em opiniões/perspectivas). F.1.5. Quem responde aos inquéritos do INE Os informadores privilegiados do INE são habitualmente os seguintes: nAs organizações (do sector público e privado, empresas, associações, administração central e local, etc.); nOs cidadãos seleccionados pelo INE e previamente informados por escrito. F.1.6. Como é feita a escolha de quem inquirir Para a maioria dos inquéritos (exceptuam-se os recenseamentos) as organizações e os cidadãos são escolhidos com base em métodos de amostragem. No caso das organizações, a selecção é feita a partir da base de dados do INE (Ficheiro de Unidades Estatísticas), que contém informação sobre empresas e estabelecimentos, empresários em nome individual, associações, organismos da Administração Pública, central e local, entre outros. Esta base – a mais vasta do nosso país, com mais de um milhão de registos – é constituída a partir dos dados de cadastro recebidos do Registo Nacional de Pessoa Colectiva. A sua actualização é feita com recurso a diversas fontes, de entre as quais se destacam a informação fiscal, os registos de pessoa colectiva, bem como as alterações conhecidas a partir dos inquéritos do INE. No caso dos cidadãos a selecção é feita a partir da chamada Amostra-mãe, subconjunto de quinhentos mil registos (alojamentos) extraídos da base de dados censitária. Esta base é construída a partir da informação fornecida pelos próprios cidadãos nos Recenseamentos Gerais da População e da Habitação. Os cidadãos podem ser chamados a responder: nPor entrevista directa, em sua casa, efectuada por entrevistadores do INE, devidamente credenciados para o efeito; nPor auto-preenchimento de questionários que lhes são deixados em casa (mas sempre com o apoio de um entrevistador). nPor telefone, com alargamento gradual a um cada vez maior número de operações estatísticas. A resposta é obrigatória. É obrigatória a prestação de informações, a título não remunerado, que forem solicitadas pelo INE no exercício das suas competências e no quadro de autoridade estatística que lhe é conferido por Lei. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 147 Anexo G Resolução do Parlamento Europeu, de 21 de Junho de 2007, sobre a Deliquência Juvenil: o Papel da Mulher, Família e da Sociedade P6_TA(2007)0283 Delinquência Juvenil – Papel das Mulheres, da Família e da Sociedade Resolução do Parlamento Europeu, de 21 de Junho de 2007, Sobre a Delinquência Juvenil: o Papel da Mulher, da Família e da Sociedade [2007/2011(Ini)] O Parlamento Europeu, nTendo em conta a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, de 20 de Novembro de 1989, e em particular os seus artigos 37º e 40º, nTendo em conta as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Meno- res ou “Regras de Beijing”, de 1985, tal como adoptadas pela Assembleia-Geral na sua Resolução 40/33, de 29 de Novembro de 1985, nTendo em conta os Princípios Orientadores das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil ou “Princípios Orientadores de Riade” de 1990, tal como adoptados pela Assembleia-Geral na sua Resolução 45/112, de 14 de Dezembro de 1990, nTendo em conta as Regras das Nações Unidas para a Protecção de Menores Privados de Liberdade, tal como adoptadas pela Assembleia-Geral na sua Resolução 45/113, de 14 de Dezembro de 1990, nTendo em conta a Convenção Europeia do Conselho da Europa sobre o Exercício dos Direitos da Criança, de 25 de Janeiro de 1996, e em particular o seu artigo 1° e os seus artigos 3° a 9°, nTendo em conta a Recomendação do Comité dos Ministros do Conselho da Europa aos Estados membros sobre novas formas de tratar a delinquência juvenil e o papel da justiça juvenil, de 24 de Setembro de 2003217, 217 148 Rec(2003)20. nTendo em conta a Recomendação do Comité dos Ministros do Conselho da Europa, sobre as reacções sociais à delinquência juvenil, de 17 de Setembro de 1987218, nTendo em conta a Recomendação do Comité dos Ministros do Conselho da Europa, sobre as reacções sociais ao comportamento delinquente de jovens provenientes de famílias migrantes, de 18 de Abril de 1988219, nTendo em conta o Tratado UE, e em particular o seu artigo 6º, bem como as disposições do Título VI, relativo à cooperação policial e judiciária em matéria penal, nTendo em conta o Tratado CE, e em particular o seu Título XI, relativo à política social, à educação, à formação profissional e à juventude, e nomeadamente o artigo 137º, nTendo em conta o programa-quadro relativo à cooperação policial e judiciária em matéria penal (AGIS), que expirou a 31 de Dezembro de 2006, assim como o Regulamento (CE) nº 168/2007 do Conselho, de 15 de Fevereiro de 2007, que cria a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia220, nTendo em conta a sua posição de 30 de Novembro de 2006 sobre uma proposta de decisão do Conselho que autoriza a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia a exercer as suas actividades nos domínios referidos no Título VI do Tratado da União Europeia221, nTendo em conta a posição de 22 de Maio de 2007, sobre a posição comum do Conselho tendo em vista a aprovação da decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece, para o período de 2007 a 2013, um programa específico de prevenção e de combate à violência contra as crianças, os jovens e as mulheres e de protecção das vítimas e dos grupos de risco (Programa DAPHNE III), no âmbito do programa geral “Direitos Fundamentais e Justiça”222, nTendo em conta a Comunicação da Comissão “Rumo a uma estratégia da UE sobre os direitos da criança”(COM(2006)0367), nTendo em conta a sua Resolução de 8 de Julho de 1992, sobre uma Carta Europeia dos Direitos da Criança223, e em particular os seus nºs 8.22 e 8.23, nTendo em conta a Decisão 2001/427/JAI do Conselho, de 28 de Maio de 2001, que cria uma Rede Europeia de prevenção da criminalidade224, nTendo em conta o parecer do Comité Económico e Social, de 15 de Março de 2006, sobre “A prevenção da delinquência juvenil, as formas de tratamento da mesma e o papel da justiça de menores na União Europeia”225, nTendo em conta as conclusões da conferência realizada em Glasgow, de 5 a 7 de Setembro de 2005, no âmbito da Presidência britânica, sobre o tema “Juventude e criminalidade: uma abordagem europeia”, nTendo em conta os últimos relatórios anuais do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, nTendo em conta o artigo 45º do seu Regimento, nTendo em conta o relatório da Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade dos Géneros (A6‑0212/2007), A.Considerando que o comportamento delinquente dos menores é muito mais perigoso do que o dos adultos, uma vez que atinge um segmento particularmente vulnerável da população na fase de construção da sua personalidade, expondo os menores, desde muito jovens, ao risco da exclusão e estigmatização sociais, B.Considerando que a desescolarização constitui um factor agravante do risco de delinquência juvenil, C.Considerando que, segundo estudos nacionais, europeus e internacionais, o fenómeno da delinquência juvenil regista, nas duas últimas décadas, um crescimento alarmante, D.Considerando que a delinquência juvenil se está a tornar um fenómeno preocupante devido ao carácter maciço que presentemente assume, o qual radica na regressão da idade em que tem início a delinquência, no recrudescimento do número de crimes praticados por crianças de menos de treze anos e no facto de os seus actos denotarem uma crueldade cada vez maior, Rec(87)20. Rec(88)6. 220 JO L 53 de 22.2.2007, p. 1. 221 Textos Aprovados, P6_TA(2006)0510. 222 Textos Aprovados, P6_TA(2007)0188. 223 JO C 241 de 21.9.1992, p. 67. 224 JO L 153 de 8.6.2001, p. 1. 225 JO C 110 de 9.5.2006, p. 75. 218 219 Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 149 E.Considerando que o actual modo de registo e apresentação das estatísticas sobre a delinquência juvenil não corresponde às necessidades reais e às condições actuais, o que torna tanto mais urgente a necessidade de dispor de estatísticas nacionais fiáveis, F.Considerando que é difícil ordenar por categorias, e de forma absoluta, as causas que levam um menor a adoptar comportamentos delinquentes, uma vez que o percurso que o conduz a comportamentos socialmente desviantes e, por fim, transgressores é individual e específico e resulta das vivências e dos pólos mais importantes em torno dos quais evolui cada criança e adolescente: a família, a escola, as amizades, bem como a sua envolvente sócio-económica, G.Considerando que entre os principais factores de delinquência juvenil se contam a ausência de referências, a falta de comunicação e de modelos apropriados no seio da família devido à frequente ausência dos pais, os problemas psicopatológicos relacionados com fenómenos de violência física e sexual por parte de pessoas do ambiente familiar, as insuficiências do sistema de ensino no tocante à transmissão de valores sociais, a pobreza, o desemprego, a exclusão social e o racismo; salientando que outros factores igualmente importantes residem na tendência particular para o mimetismo que os jovens desenvolvem na fase de desenvolvimento da sua personalidade, nas perturbações da personalidade relacionadas com o consumo de álcool e droga, na promoção de modelos de violência gratuita, excessiva e injustificada, por parte dos meios de comunicação social, de determinados sítios de internet e dos jogos de vídeo, H.Considerando que os comportamentos desviantes dos jovens não radicam sistematicamente no contexto familiar, I. Considerando que cumpre estabelecer uma correlação entre o aumento do consumo de cannabis e outras drogas e/ou de álcool pelos adolescentes e o recrudescimento da delinquência juvenil, J.Considerando que os imigrantes, e nomeadamente os menores, estão muito mais expostos ao controlo social, o que cria a percepção de que a delinquência juvenil atinge principalmente a imigração e não toda a sociedade, uma abordagem que é não só errada como socialmente perigosa, K.Considerando que as duas formas “contemporâneas” de delinquência juvenil consistem na constituição de “bandos de menores” e na crescente violência no meio escolar, fenómenos que atingem uma particular amplitude em certos Estados membros e cujo estudo e eventuais soluções se afiguram complexos, L.Considerando que a intensificação de fenómenos como os bandos de menores violentos organizados levaram certos Estados membros a iniciar um debate sobre a necessidade de uma revisão do direito penal de menores, M.Considerando que, em certos Estados membros, as imediações das escolas e até mesmo os pátios de recreio, inclusive nas zonas residenciais favorecidas, se tornaram zonas à margem do Direito (oferta de droga, actos de violência, por vezes com recurso a armas brancas, diversas formas de extorsão, prática de jogos perigosos e, por exemplo, o fenómeno do “happy slapping”, que consiste na colocação de fotografias de cenas de violência captadas por telefones móveis em sítios de internet), N.Considerando que se assiste, nos últimos anos, a uma reforma progressiva das legislações penais nacionais relativas aos menores, e que essa reforma deveria ser centrada em medidas de prevenção, em medidas judiciais e extrajudiciais e em medidas de reeducação e de reabilitação, incluindo uma terapia sempre que necessário; salientando no entanto que, na prática, a aplicação dessas novas medidas é muitas vezes ineficaz, por falta de estruturas técnicas e materiais apropriadas e modernas, insuficiência de pessoal especializado e qualificado, financiamento limitado e, em certos casos, por falta de vontade política dos intervenientes envolvidos ou devido a deficiências intrínsecas ao sistema, O.Considerando que a avalanche de imagens de cenas de extrema violência e de material pornográfico veiculada por vários meios de comunicação e audiovisuais, como os jogos, a televisão e a Internet, bem como a exploração, pela comunicação social, da imagem de menores delinquentes ou vítimas atingem, muitas vezes, os limites da violação dos direitos fundamentais da criança e contribuem para a banalização da violência, P.Constatando que as estatísticas publicadas em determinados Estados membros indicam que entre 70% e 80% dos menores a que são aplicadas sanções quando cometem o primeiro delito não reincidem, Q.Considerando os estudos e artigos publicados em certos Estados membros que revelam o au150 mento do número de actos de violência de adolescentes contra os pais e a situação de impotência em que estes se encontram, R.Considerando que as redes de crime organizado recorrem, por vezes, aos menores delinquentes para levar a cabo as suas actividades, S.Considerando que, no âmbito da Rede Europeia de Prevenção da Criminalidade (REPC), criada em 2001, foi criado um grupo de trabalho especifico sobre o tema da delinquência juvenil, que iniciou um estudo comparativo exaustivo nos 27 Estados membros que constituirá a base para futuras evoluções da política da União neste sector, 1. Salienta que, para fazer efectivamente face ao fenómeno da delinquência juvenil, é necessária uma estratégia integrada a nível nacional e europeu que combine os três princípios: prevenção, medidas judiciais e extrajudiciais e inserção social de todos os jovens; Políticas nacionais 2. Salienta que, na concepção e implementação de uma estratégia nacional integrada, a participação social directa de todos os representantes da sociedade deverá assumir uma importância decisiva: o Estado, como gestor central, os representantes da administração regional e local, os responsáveis da comunidade escolar, a família, as ONG, e nomeadamente as que se ocupam dos jovens, a sociedade civil e cada indivíduo; e sustenta que é essencial dispor de meios financeiros suficientes para pôr em prática acções efectivas para fazer face à delinquência juvenil; 3. Frisa que, para fazer efectivamente face à delinquência juvenil, é necessária uma política integrada e eficaz nos planos escolar, social, familiar e educativo que contribua para a transmissão dos valores sociais e cívicos, bem como para a sociabilização precoce dos jovens; considera que é, por outro lado, necessário definir uma política contra a exclusão social e a pobreza, de redução das desigualdades sociais, que aposte em maior coesão económica e social, conferindo particular atenção à pobreza infantil; 4. Considera necessário que as famílias, os educadores e a sociedade transmitam valores aos jovens desde a infância; 5. Considera que a prevenção da delinquência juvenil exige também políticas públicas em outras áreas, incluindo habitação, emprego, formação profissional, ocupação dos tempos livres e intercâmbios juvenis; 6. Recorda que tanto as famílias e as escolas como a sociedade em geral devem colaborar para lutar contra o fenómeno crescente da violência juvenil; 7. Chama a atenção para o papel específico da família em todas as etapas do combate à delinquência juvenil e exorta os Estados membros a preverem um apoio adequado para os pais; constata, em determinados casos, a necessidade de um maior envolvimento e responsabilização por parte destes últimos; 8. Incentiva os Estados membros a preverem, no quadro das políticas nacionais, a instituição de uma licença parental de um ano que permita às famílias, que assim o desejem, privilegiarem a educação dos filhos na baixa infância, a qual assume uma importância capital em termos de desenvolvimento afectivo; 9. Convida os Estados membros a concederem um apoio especial às famílias com problemas económicos e sociais; assinala que a adopção de medidas destinadas a cobrir as necessidades essenciais em matéria de alojamento e alimentação, a garantir o acesso de todos os membros da família, em particular das crianças, ao ensino básico e à assistência médica e medicamentosa, bem como as acções que visam garantir um acesso equitativo dos membros dessas famílias ao mercado de trabalho e à vida social, económica e política, contribuirão para assegurar um ambiente familiar saudável e justo para o desenvolvimento e a primeira socialização das crianças; 10.Insta os Estados membros a consagrarem recursos financeiros ao aumento de serviços eficientes de aconselhamento psicossocial, incluindo pontos de contacto para famílias com problemas, afectadas pela delinquência juvenil; 11.Salienta o papel particular desempenhado pela escola e pela comunidade escolar na formação da personalidade das crianças e dos adolescentes; salienta que duas características fundamentais da escola actual, a saber, o multiculturalismo e o aprofundamento das diferenças entre as classes sociais, podem, na ausência das estruturas apropriadas de intervenção, apoio e abordagem dos alunos pelo sistema escolar, conduzir a fenómenos de violência escolar; Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 151 12.Convida, neste âmbito, os Estados membros a fornecerem às autoridades escolares as linhas de orientação adequadas com vista a um sistema moderno de resolução dos conflitos no âmbito escolar através de instâncias de mediação que contem com a participação conjunta dos alunos, pais, professores e serviços competentes das autoridades locais; 13.Considera absolutamente necessária a prestação da formação apropriada aos professores para que possam gerir o carácter heterogéneo das classes, desenvolver uma pedagogia que não seja moralista, mas sim preventiva e centrada na solidariedade, e evitar a estigmatização e a exclusão tanto dos menores delinquentes como dos condiscípulos destes que se tornam suas vítimas; 14.Convida também os Estados membros a integrarem nas respectivas políticas educativas um aconselhamento e um apoio psicológico especificamente destinados às crianças com problemas de socialização, a disponibilidade de cuidados de saúde em cada estabelecimento escolar, a designação de um trabalhador social, de um sociólogo criminologista e de um pedo-psicólogo, especializados na área da delinquência juvenil e que tenham a seu cargo um número restrito de estabelecimentos escolares, o controlo estrito do consumo de álcool ou de drogas pelos alunos, a luta contra todas as formas de discriminação contra os membros da comunidade escolar, a designação de um mediador comunitário, que fará a ligação entre a escola e a sociedade, bem como a colaboração entre as diferentes comunidades escolares em matéria de concepção e aplicação de programas contra a violência; 15.Convida os Estados membros e as autoridades nacionais e regionais competentes a velarem pela aplicação rigorosa e integral da legislação comunitária e nacional relativa à sinalização do conteúdo das emissões televisivas e outros programas que possam conter cenas particularmente violentas ou cenas inapropriadas para menores; solicita igualmente aos Estados membros que acordem com os meios de comunicação social um “roteiro” de protecção dos direitos da criança, e em especial dos menores delinquentes, tanto no que se refere à proibição de difusão de imagens de grande violência em determinadas faixas horárias como à revelação da identidade dos menores envolvidos em actos de delinquência; 16.Recomenda aos Estados membros que reforcem o papel e melhorem a qualidade dos centros juvenis enquanto espaço de intercâmbio entre jovens e assinala que a integração de jovens delinquentes nesses espaços contribuirá para a sua socialização, reforçando neles o sentimento de fazerem parte da sociedade; 17.Assinala que os meios de comunicação social podem desempenhar um papel importante para a prevenção do fenómeno da delinquência juvenil através de iniciativas de informação e sensibilização do público e da difusão de emissões de elevada qualidade que ponham em evidência o papel positivo dos jovens na sociedade, controlando, por outro lado, a difusão de cenas de violência, pornografia e consumo de droga, com base em acordos a integrar no “roteiro” de protecção dos direitos da criança; 18.Frisa igualmente, no quadro do combate à delinquência juvenil, que é importante desenvolver nos Estados membros medidas que prevejam penas alternativas à privação da liberdade e de carácter pedagógico, como a prestação de trabalho social, a reparação e intermediação com as vítimas e cursos de formação profissional em função da gravidade do delito, da idade do delinquente, da sua personalidade e da sua maturidade, a que os juízes nacionais poderão amplamente recorrer; 19.Exorta os Estados membros a adoptarem novas medidas inovadoras de abordagem judicial, como a participação directa dos pais ou tutores do menor no processo penal – desde a fase da acusação até à da aplicação da pena – conjugadas com a reeducação e o apoio psicológico intensivo, a possibilidade de escolher uma família de acolhimento para, se necessário, assegurar a educação do menor e o apoio em termos de aconselhamento e de informação aos pais, professores e alunos nos casos de comportamento violento dos menores no espaço escolar; 20.Recorda que, em matéria de delinquência juvenil, a tramitação e a duração do processo judicial, a selecção da medida a adoptar e a respectiva execução ulterior devem ser pautadas pelo princípio do interesse superior da criança e pelo respeito pelo direito processual de cada Estado-membro; frisa, neste contexto, que só em última instância deverá ser aplicada uma medida de encarceramento, a executar em infra-estruturas adaptadas aos menores delinquentes; 21.Convida os Estados membros a preverem, no âmbito de uma abordagem integrada da delinquência juvenil, dotações específicas e autónomas nos seus orçamentos para medidas de prevenção 152 da delinquência juvenil, o aumento das dotações destinadas aos programas de inserção social e profissional dos jovens e o reforço dos fundos destinados tanto à melhoria e modernização das infra-estruturas de acolhimento de menores delinquentes à escala central e regional, como à formação especializada e à formação contínua de todos os profissionais e responsáveis envolvidos; Para uma estratégia europeia 22.Recomenda aos Estados membros que, em colaboração com a Comissão, procedam sem tardar à elaboração e adopção de uma série de modelos e orientações mínimas e comuns a todos os Estados membros em matéria de delinquência juvenil, centradas nos três pilares fundamentais que são em primeiro lugar, a prevenção; em segundo, as medidas judiciais e extrajudiciais; e, em terceiro, a reabilitação, a integração e a reinserção sociais, com base nos princípios consagrados a nível internacional nas Regras de Beijing, nos Princípios Orientadores de Riade e na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, bem como nas demais convenções internacionais aprovadas neste domínio, 23.Defende que o objectivo de uma abordagem europeia comum deve consistir na formulação de modelos de intervenção destinados a fazer face e a gerir o fenómeno da delinquência juvenil e que as medidas de encarceramento e as sanções penais apenas devem ser aplicadas em último recurso quando consideradas absolutamente indispensáveis; 24.Crê que o envolvimento e a participação de jovens em todas as questões e decisões que os visam são indispensáveis para a identificação de soluções comuns que surtam bons resultados; considera, por este motivo, que, quando da intervenção de assessores nos tribunais de menores, haveria que atentar não só no facto de possuírem experiência no domínio da educação de jovens, mas também de terem sido formados para a problemática da correlação entre violência e juventude; 25.Convida a Comissão a estabelecer, para todos os Estados membros, critérios concretos sobre a recolha de dados estatísticos nacionais, a fim de assegurar a sua comparabilidade e, por conseguinte, a sua utilidade no delineamento de medidas à escala europeia; convida os Estados membros a participarem activamente no trabalho da Comissão, mobilizando todas as autoridades competentes nacionais, regionais e locais, bem como associações, ONG e outras organizações da sociedade civil activas neste sector e transmitindo as informações por elas recolhidas; 26.Insta a Comissão e as autoridades nacionais e locais dos Estados membros a pautarem-se pelas melhores práticas existentes nos países da União, que mobilizam toda a sociedade e incluem acções e intervenções positivas de associações de pais e de ONG nas escolas e de moradores num bairro, bem como a estabelecerem um balanço das experiências levadas a efeito nos Estados membros no que respeita a acordos de cooperação entre as autoridades policiais, os estabelecimentos de ensino, as autoridades locais, as organizações de jovens e os serviços sociais a nível local, respeitando a regra da confidencialidade partilhada, e estratégias nacionais e programas de apoio aos jovens a nível nacional; convida os Estados membros a pautarem-se pelas melhores práticas que neles se observem em matéria de combate ao recrudescimento inquietante do consumo de droga por menores e da delinquência que se lhe encontra associada, bem como pelas melhores soluções a aplicar em caso de consumo problemático, nomeadamente no domínio dos cuidados médicos; 27.Congratula-se com as iniciativas nacionais que incluem acções positivas de integração como é o caso do “animador extra-escolar” que está a ser actualmente implementado em regiões como La Rioja; 28.Convida a Comissão e os Estados membros a tirarem partido, numa primeira fase, dos meios e programas europeus existentes, integrando neles acções destinadas a fazer face e a prevenir a delinquência juvenil, assim como a garantir a normal reinserção social dos delinquentes e das vítimas; refere, a título indicativo: nO programa específico “Prevenir e combater a criminalidade”(2007-2013), centrado essencialmente na prevenção da criminalidade e na protecção das vítimas, nO programa específico “Justiça penal”(2007-2013), tendo em vista a promoção da cooperação judiciária em matéria penal com base no reconhecimento e confiança mútuos, no reforça dos contactos e do intercâmbio de informações entre as autoridades nacionais competentes, Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 153 nO programa “DAPHNE III” sobre o combate à violência contra as crianças e os jovens, nO programa “Juventude em acção” (2007-2013), entre cujas prioridades fundamentais se conta o apoio aos jovens que têm menos oportunidades ou provenientes de meios menos favorecidos, nAs acções do Fundo Social Europeu e do Programa Equal destinadas a reforçar a integração social e o combate a todas as formas de discriminação, bem como a facilitar o acesso das pessoas menos favorecidas ao mercado de trabalho, nO programa no âmbito da iniciativa Urbact, apoiado pela União, que visa o intercâmbio das melhores práticas entre as cidades europeias na perspectiva de um ambiente onde os habitantes possam viver melhor e que inclui acções com vista à criação de um ambiente urbano mais seguro para os jovens, bem como acções “no domínio da inserção social dos jovens menos favorecidos mediante uma maior participação e envolvimento social, nProgramas de iniciativa intergovernamental, tais como “Let bind safe net for children and youth at risk”, centrados na adopção de medidas a favor das crianças e dos jovens em risco ou em situação de exclusão social e nos quais podem e devem participar parceiros do maior número possível de Estados membros, nA linha telefónica europeia para as crianças desaparecidas, entre as quais figuram as vítimas da delinquência juvenil; 29.Frisa a necessidade de uma estreita cooperação e da criação de uma rede entre todas as autoridades judiciais e policiais à escala nacional e comunitária no que se refere à investigação e à resolução dos casos de desaparecimento de crianças, vítimas da delinquência juvenil, com base nos objectivos específicos da Estratégia da União Europeia sobre os Direitos da Criança, tal como delineada na comunicação da Comissão acima citada; 30.Salienta que um dos elementos de prevenção e de luta contra a delinquência dos jovens consiste no desenvolvimento de uma política da comunicação que dê a conhecer a problemática, na erradicação da violência dos meios de comunicação social e no apoio aos meios de comunicação audiovisuais cuja programação não esteja exclusivamente centrada em programas violentos; por conseguinte, solicita a fixação de normas europeias destinadas a limitar a difusão da violência tanto nos meios de comunicação audiovisuais como na imprensa escrita; 31.Assinala que a Directiva 89/552/CEE226, dita “Televisão sem fronteiras”, que fixa importantes restrições à difusão de imagens de violência e, de um modo geral, de imagens inadequadas à educação das crianças, constitui uma medida apropriada de prevenção da violência perpetrada por menores contra menores; convida a Comissão a desenvolver acções complementares nesse sentido, tornando essas obrigações extensivas também ao sector da telefonia móvel e da internet, acções que deverão constituir uma das prioridades políticas fundamentais no âmbito da supracitada comunicação da Comissão sobre os direitos da criança; 32.Saúda o início da aplicação do quadro europeu de auto-regulação das empresas europeias com vista a uma utilização mais segura dos telefones móveis por menores e crianças, e salienta que a informação e a vigilância no tocante à navegação na internet e a uma utilização segura dos telefones móveis deverão ser futuramente objecto de propostas concretas da Comissão, vinculativas a nível europeu; 33.Insta a Comissão a continuar a promover a criação de uma linha telefónica SOS para crianças e jovens com problemas, a nível europeu e gratuita, porquanto linhas telefónicas desta natureza podem constituir um importante contributo para a prevenção da delinquência juvenil; 34.Convida a Comissão a propor, uma vez concluídos os estudos necessários a nível europeu, um programa-quadro comunitário integrado que compreenda acções comunitárias de prevenção, um apoio às iniciativas das ONG e à cooperação inter-estatal, o financiamento de programas-piloto a nível regional e local baseados nas melhores práticas nacionais e que visarão a sua divulgação a nível europeu, assim como a cobertura das necessidades em matéria de infraestruturas sociais e pedagógicas; 35.Salienta que existem, a nível das acções comunitárias, duas políticas fundamentais que devem ser imediatamente aplicadas: nA integração do financiamento das acções de prevenção em programas comunitários já 226 154 JO L 298 de 17.10.1989, p. 23. existentes e a criação de uma nova rubrica orçamental consagrada às acções e às redes integradas destinadas a fazer face à delinquência juvenil, nA publicação de um estudo e, subsequentemente, de uma comunicação da Comissão sobre a dimensão do fenómeno na Europa e os devidos preparativos, através de uma rede de especialistas nacionais, com vista à elaboração de um programa-quadro integrado para fazer face à delinquência juvenil; 36.Convida, neste âmbito, a Comissão a proceder à elaboração de um programa de acções cofinanciadas que inclua: nA investigação das melhores práticas no domínio da prevenção e de soluções eficazes e inovadoras estribadas numa abordagem multissectorial, nA avaliação e a análise da eficácia, a longo prazo, de determinados sistemas recentemente desenvolvidos no domínio do tratamento dos menores delinquentes, como a “justiça reparativa”, nO intercâmbio das melhores práticas a nível internacional, nacional e local, incluindo as experiências muito satisfatórias adquiridas no âmbito do programa europeu Daphne contra a violência, o qual, por ter gerado muitos projectos eficientes contra a violência, pode ser considerado como um exemplo de “melhores práticas”, nA garantia de que esses serviços e práticas se centram prioritariamente no interesse superior da criança e dos jovens, na protecção dos seus direitos e na aprendizagem, por parte destes dois grupos, dos seus direitos e do respeito da lei; nO desenvolvimento de um modelo europeu de protecção da juventude centrado nos três pilares fundamentais representados pela prevenção, pelas medidas judiciais e extrajudiciais e pela reabilitação, integração e reinserção social, assim como na promoção dos valores do respeito, da igualdade e dos direitos e obrigações de todos, nA elaboração de programas de educação e formação profissional de menores com dificuldades para facilitar a sua integração social e instaurar uma verdadeira igualdade de oportunidades para todos, através da aprendizagem ao longo da vida; uma formação que seja desde o início eficiente para todos e o cumprimento dos objectivos de Barcelona, que constituem uma condição prévia para uma prevenção eficaz da violência; o apoio às iniciativas existentes levadas a cabo, neste contexto, pelas organizações de jovens, nUm programa coordenado de formação contínua dos mediadores nacionais, das forças policiais, dos funcionários judiciais, dos órgãos nacionais competentes e das autoridades de supervisão, nA ligação em rede dos serviços competentes da administração local e regional e das organizações de jovens, bem como da comunidade escolar; 37.Recomenda à Comissão que, no âmbito das acções preliminares do Observatório Europeu da Delinquência Juvenil e do respectivo programa-quadro, proponha sem tardar as seguintes medidas de promoção e divulgação de experiências e de saber-fazer: na investigação colectiva e a divulgação dos resultados das políticas nacionais, na organização de conferências e fóruns com a participação de especialistas nacionais, na promoção da comunicação e da informação entre as autoridades competentes e as instituições sociais através da internet e a criação de um website dedicado a estas questões, na criação de um centro internacional de excelência; 38.Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente Resolução ao Conselho, à Comissão, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões. Manual de Diagnósticos Locais de Segurança – Uma Compilação de Normas e Práticas Internacionais 155 Bibliografia Alvarez J. Les diagnostics locaux de sécurité. Une étude comparée, pour mieux comprendre et mieux agir. Québec: Institute national de santé publique du Québec/Centre international pour la prévention de la criminalité, 2006. www.crpspc.qc.ca/432-DiagnosticsLocauxSecurite_imprimée.pdf Alvazzi del Frate A and van Kesteren J. Criminal victimisation in urban Europe. Key findings of the 2000 International Crime Victim Surveys. Vienna: UNICRI, 2004. www.unicri.it/wwd/analysis/icvs/pdf_files/CriminalVictimisationUrbanEurope.pdf Anne Hatløy A and Huser A. Identification of street children: Characteristics of street children in Bamako and Accra. Fafo Report 474. 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