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Com quem deve ficar a guarda dos filhos?
Roberta Canossa *
A sociedade por mais moderna que seja ainda guarda resquícios e ranços do passado.
Entrementes a questão da guarda dos filhos deve ser tratada de maneira objetiva levando-se
em conta, sobretudo, aspectos pragmáticos que serão analisados a seguir. Desta feita,
quando inexiste a possibilidade de que a guarda compartilhada se efetive, não deve haver
qualquer decisão judicial que se fundamente, mesmo que indiretamente, em dados
subjetivos, tais como o entendimento obsoleto e superado segundo o qual a guarda de filhos
menores deva, necessariamente, ser concedida às mães.
Em que se baseia tal interpretação? Qual o motivo de tal privilégio sexista e discriminatório
para com os homens? É possível ser atribuída tal vantagem única e exclusivamente em
razão da maternidade? E as determinações constitucionais referentes à imparcialidade do
Juiz, à vedação a discriminação e à igualdade entre os sexos, como ficam em relação a esse
preceito já pré-concebido? E a paternidade, que papel ocupa na Legislação? Esse privilégio
leva em conta o papel ocupado hodiernamente pelas mulheres? E quando o pai reúne
melhores condições para ser o guardião dos filhos?
Esse artigo tem o intuito de esclarecer tais questões considerando-se primeiramente que
generalizações (indiscriminadas) são um ótimo meio de se cometer injustiças. Assim, não
deve toda mãe gozar do privilégio da guarda simplesmente por pertencer a tal categoria,
bem como, não deve todo pai sucumbir a essa pretensão em razão do comportamento
reprovável de outros.
Historicamente tem-se no ser mãe um exemplo clássico de amor, desvelo e abnegação,
fomentada em parte pela igreja católica incentivando o culto à Santa Virgem Maria, cuja
virgindade é ressalvada, mesmo após a concepção de seu filho Jesus. O que aparentemente
seria um contra-senso, é um fato inconteste narrado pela Bíblia. Daí provavelmente surgiu a
idéia etérea e sagrada da maternidade, gerando a presunção coletiva de que todas as
mulheres tem a mesma relação de divindade com a sua prole, fato esse que coincide com a
inclinação existencialista para a maternidade de boa parte das mulheres, mas não de todas.
Já o papel do homem sempre foi o do provedor, ausente de casa boa parte do dia, em busca
de meios para propiciar o sustento do lar. Muitas das vezes a importância da paternidade foi
mitigada, em função desta aludida (porém necessária) ausência. Esse equivocado
entendimento relativizou a importância fundamental da presença paterna na criação de sua
prole, havendo situações em que o pai, no caso de separação judicial, fica reduzido à
condição de um mero pagador mensal de pensão, e visitador quinzenal em relação aos
filhos.
Com efeito, o desenvolvimento da sociedade somado a inserção crescente da mulher no
mercado de trabalho, fizeram com que, diferentemente do que ocorria no passado, a
disponibilidade feminina para a criação dos filhos seja praticamente a mesma da dos
homens. Não se vislumbra mais na mulher moderna a possibilidade nem tampouco a
vontade para dedicar-se exclusivamente ao lar e aos filhos. Esse fato considerado faz com
que homens e mulheres, neste quesito, fiquem em paridade de condições no caso de uma
disputa judicial pela guarda dos filhos.
Não é intenção desse estudo polemizar ou criar celeumas em torno dos temas supracitados,
mas ao contrário, visa este interpretar a legislação aplicável à guarda dos filhos de modo
claro, conciso e, sobretudo, sem preconceitos ou interpretações parciais e predeterminadas.
A guarda é inerente ao poder familiar, que é direito e dever (exercido por ambos os
genitores), em igualdade de condições, não se alterando com o advento da ruptura do
relacionamento.
A idéia de que a guarda deva ser concedida preferencialmente à mãe, foi em parte incitada
pelos próprios homens que ao longo do tempo em razão de uma certa acomodação, se
abstiveram muito facilmente do múnus da paternidade, acreditando ser essa uma tarefa
eminentemente feminina e julgando, erroneamente, não ser possível conciliar trabalho com
a criação dos filhos.
Entretanto, há um contingente masculino, a quem é dedicado esse estudo, com
comportamento diametralmente oposto ao descrito anteriormente que luta incansavelmente
para poder exercer efetivamente a guarda de seus filhos e demonstra ter todas as condições
para tanto. Todavia, esse seleto grupo (o qual se coaduna com o perfil do homem de hoje),
é arbitrariamente ceifado em sua pretensão pelo Poder Judiciário, em função do vestuto
preconceito, segundo qual toda a mãe, seja ela qual for, é mais capacitada para exercer a
guarda dos filhos, salvo em raríssimas exceções. Tal posicionamento é inconcebível, pois
se fundamenta em uma premissa variável, logo, falível e anda mal o julgador que se pauta
mesmo que subliminarmente por tais parâmetros.
Há que se ponderar ainda que a lei, por mais que demore, acaba trazendo em seu bojo a
evolução do comportamento e dos costumes sociais, refletindo essas tendências. Assim se
pautou o legislador ao esculpir o teor dos artigos 1584, caput e 1612 da Lei 10.406, de 10
de janeiro de 2002 (Código Civil), que assim dispõe, “in verbis”:
Art. 1.584. Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes
acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições
para exercê-la.
E mais adiante:
Art. 1.612. O filho reconhecido, enquanto menor, ficará sob a guarda do genitor que o
reconheceu, e, se ambos o reconheceram e não houver acordo, sob a de quem melhor
atender aos interesses do menor.
Verifica-se que em ambos artigos a determinação é expressa no sentido de preservar o bemestar dos filhos atendendo a requisitos objetivos tais como: melhores condições para o
exercício da guarda que melhor atendam aos interesses do menor.
É certo que tais pré-requisitos poderão e deverão, necessariamente, ser objeto de prova em
um processo no qual seja disputada a guarda de filhos. E por ser demasiadamente
abrangente o conceito constante do novo Código Civil, há que serem demonstrados todos
os fatores que permitam ao requerente corroborar processualmente as tais “melhores
condições” que possui, sendo estas de ordem assistencial, material, moral, emocional,
psicológica, afetiva, financeira, estrutural entre outras. Devendo, pois, ser todos esses
pressupostos considerados individualmente pelo julgador. Sendo, por fim, atribuída a
guarda ao litigante mais capaz, que se incumbiu de fazer prova de todos esses mencionados
itens no decorrer do processo.
Demais disso, conforme dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8.069/90,
parágrafo 2º do artigo Art. 161 - é imperioso que, em havendo condições, seja ouvida a
criança em Juízo, não apenas e tão somente para aferir a sua manifestação de vontade
acerca da causa em si, mas para que seja permitido ao Juiz verificar se esta não está sendo
usada pelo detentor da guarda em desfavor do outro que a disputa, um dos indicativos da
Síndrome de Alienação Parental, já descrita e estudada pelo Direito e pela Psicologia que
em suma a define como sendo: “A rejeição do genitor que" ficou de fora “pelos seus
próprios filhos, fenômeno este provocado normalmente pelo guardião que detêm a
exclusividade da guarda sobre eles (a conhecida guarda física monoparental ou exclusiva).
Esta guarda única permite ao genitor que detêm a guarda com exclusividade, a capacidade
de monopolizar o controle sobre a pessoa do filho, como um ditador, de forma que ao
exercer este poder extravagante, desequilibra o relacionamento entre os pais em relação
ao filho. A situação se caracteriza quando, a qualquer preço, o genitor guardião que quer
se vingar do ex-cônjuge, através da condição de superioridade que detêm, faz com que o
outro progenitor ou se dobre as suas vontades, ou então se afaste dos filhos”. [1]
Vale consignar ainda que o julgador tem o dever da imparcialidade bem como o requerente
não pode, em hipótese alguma se sentir discriminado e preterido em benefício da mãe. Tal
proceder afronta de uma só vez três corolários constitucionais respectivamente, o dever da
imparcialidade do Juiz, bem como o da vedação à discriminação e o da isonomia entre os
sexos e não pode ser admitido sob qualquer hipótese, vez que pressuposto de validade de
qualquer ato jurídico é a consonância com a Constituição que lhe dá sustentação.
Tecidas essas considerações, mister se faz que o enfrentamento da questão pelo Poder
Judiciário ocorra de modo sereno, repise-se, sem pré-julgamentos, sob pena de assim não
sendo, o pai abrir mão do exercício da paternidade, já que em vários casos, os óbices
impostos pela mãe no que tange à convivência entre pais e filhos são tão rigorosos e
desgastantes que após uma luta inglória os progenitores acabam por abandonar seus filhos.
A Justiça, todavia, não pode compactuar mesmo que tacitamente com essa lastimável
prática que por vezes ocorre. Normalmente, nesses casos, a guardiã, ressentida com a
separação do casal e ciente da tendência favorável que possui no que pertine a manutenção
ou obtenção da guarda dos filhos começa a impor uma série de restrições absurdas e
despropositadas ao consagrado direito de visitas do pai, além de desvirtuar a finalidade da
pensão alimentícia como meio de atingir ou vingar-se do ex-parceiro. Acrescente-se a isso
ainda a um “treinamento” sistemático para que a criança passe desrespeitar o pai,
descredibilizando e minando a sua autoridade deste último. Deste modo, ao longo do
tempo, alguns homens abstêm-se da paternidade vez que tal atribuição lhes causa (em tais
condições) tanto dissabor.
A lide relativa à modificação de guarda que contiver os elementos acima descritos já
sinaliza de plano indícios do desequilíbrio emocional por parte da detentora da guarda, que
ao assim agir, prioriza os próprios ressentimentos em prejuízo de um sadio
desenvolvimento mental dos filhos. Referido acontecimento, uma vez demonstrado deve se
reverter em favor do requerente da guarda, e por via reflexa, em prejuízo da guardiã que
possuir este lastimável comportamento, pois se sabe que, a qualquer custo, deve ser
preservada a integridade psicológica da criança, que não pode, de modo algum, ser usada
ou instada a tomar partido no que tange ao relacionamento dos pais. Ressaltando-se,
outrossim, que ambos tem igual importância na formação da criança, impondo-se, portanto,
que esta seja poupada do doloroso e difícil processo de separação do casal.
Nada obstante, repita-se, o principio da igualdade entre os sexos foi consagrado na
Constituição Federal, princípio este de grande importância nas relações conjugais e nas
relações entre pais e filhos. No mesmo diapasão, o Código Civil no artigo 1630, que
dispõe:
Art. 1630: Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.
O exercício do poder familiar, diga-se por mais uma vez, compete aos pais, igualmente,
pois não é o exercício de uma autoridade, mas de um encargo imposto pela paternidade e
maternidade, decorrente da lei, conforme o artigo 1631 do mesmo Código.
Assim restou demonstrado não haver atualmente qualquer privilégio de ordem legal que
justifique maior facilidade à mãe no caso de uma disputa judicial pela guarda, vez que a
importância reservada à paternidade, pela legislação vigente, é exatamente a mesma da
maternidade.
Indubitavelmente a guarda compartilhada seria o meio mais aconselhável para dirimir essa
delicada e dolorosa questão. Todavia, a aplicação dessa guarda, na prática se revela
complicada tendo em vista a desgastada relação entre os ex-cônjuges, permeada de mágoas
e ressentimentos, muitas das vezes não sendo preservado nem sequer um canal de
comunicação entre os pais, tornando-se extremamente difícil para ambos tomarem decisões
conjuntas a respeito dos filhos ao longo da vida destes.
Em não sendo possível partilhar a guarda de igual modo entre os pais, esta deve ser
atribuída (em prol do menor) a quem obtiver melhores condições para exercê-la, quer seja
este o pai, quer seja esta a mãe. Afinal de contas decidir de modo contrário é temerário,
pois se a causa já é sentenciada de antemão, verifica-se a ocorrência de um perigoso
precedente que desvirtua, por completo, o ideal nobre e elevado de pacificação social e
resolução efetiva de conflitos que a Justiça deve sempre perseguir.
* Advogada especializada em Direito de Família e pós-graduanda em Direito do Trabalho
pela PUC-SP.
Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/x/34/56/3456/
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