Torre de Hanoi
(Piaget, 1974, p. 172-178 – EDP-53, PPGEdu/PGIE-UFRGS – 2010/1 )
Prof. Fernando Becker
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Experimento para tratar da TC das ações e das relações
entre conceituação e ação mental (p.172).
Descrição: três varas ou hastes A (ponto de partida), B e C
(ponto de chegada) coloridas (Vm, Az, Am). Discos ou
quadrados perfurados...
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Problema: transportar a torre de A a C, deslocando apenas
uma peça a cada vez, não a colocando jamais sobre uma
menor; assim que retirar a peça deverá posicioná-la numa
das outras colunas... Isso exigirá uma torre intermediária
(B) para transpor as peças de A para C...
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Daí, transitividade e recorrência... a partir de três peças...
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Torre da Hanoi: orientações para aplicação (TC, p. 172-173)
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Pedir à criança que resolva o problema com duas peças, depois
com três; então, relate e explique o que fez e, em seguida, repita
para se poder julgar a consistência da solução encontrada, bem
como da eventual supressão de desvios inúteis.
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Pedir, então, à criança que resolva novamente o problema, mudando o
ponto de partida; se iniciou pela torre Vm, inicia, agora, pela Az ou
pela Am; lembrar de perguntar à criança qual a torre de destino. É
importante verificar se a criança mantém seu esquema inicial ou se
consegue adaptá-lo.
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Num 3º momento, o experimentador diz que vai agir sob a orientação
da criança que deverá ditar, passo a passo, o caminho a seguir – processo útil para se avaliar a TC de consciência realizada em cada nível.
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Finalmente, convoca-se um 2º sujeito, pedindo ao primeiro que
lhe explique as regras do jogo e o caminho a seguir – novo e
bom instrumento de análise.
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TC - Torre da Hanoi: estádios (TC, p. 173-178)
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Estádio I (5/6 anos) – Fracasso com três peças. Êxito com duas, mas
tentativas de contornar as regras do jogo e sem consciência das
ligações lógicas.
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MAR (5;4) – nenhuma TC das seqüências que foram bem sucedidas;
apenas TC de que a peça pequena percorre mais caminho que a grande.
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FRO (5;3). Fracasso... Burla as regra do jogo. Consegue êxito em sete
deslocamentos, mas não consegue repetir esses procedimentos.
Impressiona as dificuldades dos pequenos sujeitos. Traço comum do
Estádio I: “a ausência de todo plano ou de toda compreensão
antecipada, na tarefa de deslocar duas peças de A a C”. Transitividade
ainda não adquirida: passar de A a C usando B como mediador. Por
isso tateia ou viola as regras do jogo. Quando é bem sucedido não
sabe por que.
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Há, nesse nível, primazia sistemáticas das ações exploradoras
sobre toda dedução, com ausência de TC das combinações
exitosas.
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Estádio II (7 a 8 anos) – Sucesso imediato com duas peças. Com três,
trabalhoso mas, aos poucos atinge estabilidade.
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GOU (7;6) – Êxito com três, mas não consegue relatar o que fez,
mudando ponto de partida e de chegada. Sucesso tb com quatro, mas qdo
se pergunta a ela: “Há movimentos semelhantes com 3 e com 4 peças?”,
responde que sim, mas refaz tudo com grande dificuldade.
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ROB (8;7) – Obtém êxito com dez, depois com oito deslocamentos. “Faz
diferença o lugar de onde se começa?” – Sim, não, talvez seja melhor
assim (faz tentativas e constata o acerto). “E se se colocar mesmo assim,
ali...” – Não sei, nunca fiz (já havia feito 3v essa jogada. Repete
seqüências que levaram ao fracasso; e quando se pergunta sobre o êxito,
em vez de explicar como fez, executa de novo a ação material.
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Para se passar a peça de A para a haste de destino C, ela tem
que ser colocada em espera em B. Há, aí, uma certa
transitividade prática, no plano das ações particulares...
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TC - Torre da Hanoi: estádios (TC, p. 173-178)
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Não se trata de uma estrutura operatória, decorrente de experiência
cotidiana e universalmente constatada como A=ou>C, se A=ou>B e
B=ou>C aplicável a todos os tipos de relações de significações e
conteúdos diferentes. É interessante observar que essa “transitividade
em ações” constitui-se no mesmo nível IIA que a transitividade
lógico-matemática em geral.
Mas, aqui, temos ainda uma primazia da ação, a conceituação consistindo
ainda em relatos incompletos com numerosos esquecimentos (“não sei
mais”, “nunca fiz isso”) e não num plano diretor que determine
detalhadamente as ações sucessivas. Entretanto, é nítido o progresso
com relação ao estádio I; progresso que é marcado por uma melhor
diferenciação dos meios e dos objetivos e uma subordinação daqueles a
estes.
No II, cada lance é subordinado ao objetivo: transferir as peças sem
botar uma > sobre uma <, etc. “Estou refletindo para ver se consigo
colocar” (GOU). Isso é devido ao progresso das antecipações
amplamente exercitada nesse estádio II. Dr. Fernando Becker - Prof. Titular UFRGS
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Seriam as antecipações expressão de mecanismos operatórios mais
gerais? Toda ação pode conduzir a antecipações em função dos seguintes
fatores: (a) certas “tentativas e erros”, com correções posteriores, cujo
processo retroativo acarreta um efeito proativo de natureza antecipadora;
(b) transferências devidas à simples assimilação reprodutora (ou
generalizadora).
O (b) não é suficiente para TsC (regulações automáticas); o (a), com
regulações mais ativas, conduz a TsC que se traduzem por meio de
antecipações deliberadas e são elas que explicariam os progressos na
subordinação dos meios aos objetivos.
Numa palavra, o permanente desenvolvimento das ações conduz a
antecipações melhoradas, sem recorrer a deduções extraídas de EE
operatórias, porque estas, embora procedendo das coordenações gerais
das ações, situam-se em níveis superiores (complexo jogo das
abstrações reflexionantes), cuja aplicação é de natureza dedutiva,
enquanto as antecipações permanecem indutivas. No estádio III,
encontraremos o início de deduções operatórias (sujeito FUM, com
apenas 7 anos, p. 177-6).
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TC - Torre da Hanoi: estádios (TC, p. 173-178)
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Estádio III – Sucessos rápidos com três peças e antecipação cada vez
mais inferencial com mais peças, utilizando-se explicitamente a
experiência anterior.
RIB (10;0) – Êxito com 3 peças e 7 lances; quando se muda objetivo
continua tendo êxito: – Deve-se fazer a cada vez a mesma coisa,
excetuando-se o fato de que é necessário mudar de coluna. “O que é ‘a
mesma coisa’?” – É o princípio. Com 4 peças: Deve-se mudar mais
vezes nos quadrados, mas a gente conhece um pouquinho os movimentos
e os repete. E com 8? – Será quase a mesma coisa, excetuando-se o fato
de que há mais rodelas (TC, p. 178).
ROB (11;7) – Faz rápida adaptação de esquema quando inicia com haste
diferente do jogo anterior. Eu estava pensando que era como antes.
Resolve com 15 lances o jogo com 4 peças. “Estava mais difícil?” – Um
pouco. Há um disco a mais, é preciso recorrer a mais lances; quando ao
mais, é o mesmo sistema. “Qual sistema?” – Começa-se sempre
retirando a menor (IV), depois a média (III), em seguida a pequena sobre
a média e se pode então retirar a grande (II): monta-se uma pequena
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TC - Torre da Hanoi: Conclusão (TC, p. 173-178)
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pirâmide ali e então a passagem está livre e eu recomeço depois,
é a mesma história em seguida (com I). Explica, então, a um
companheiro. A conversa deles termina com estas palavras: É o
início que conta, o primeiro lance do início: é preciso prestar
atenção, senão é irreparável, ou então se deverá recorrer a
muito mais lances.
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Conclusões do III
Em vez de transferência sem modificações, RIB generaliza o
método com 3, 4 e 8 peças; fala de um mesmo “princípio” e
ROB de um mesmo “sistema” que consistem num jogo de
recorrências e da transitividade das posições – doravante
justificada e não mais apenas utilizada praticamente.
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TC - Torre da Hanoi - Conclusão (TC, p. 173-178)
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Encontramo-nos muito perto de uma dedução operatória. Sem dúvida, a
aquisição desse método deve-se às ações anteriores e à sua coordenação,
mas desta o sujeito tira, por abstração reflexionante, uma espécie de
modelo geral que pode depois aplicar a seguir. É a mudança de nível
hierárquico, exigido por esse processo, que marca então o início da
dedução operatória.
Mas, tudo isso ainda é aqui apenas um início, porque essa dedução
ocorre em conseqüência das TsC de ações ou de coordenações
inicialmente não ditadas por ela, ao passo que, no caso de estruturas
mais gerais, como as que intervêm nas conservações, quantificação da
inclusão, síntese do número etc., a necessidade das composições se
impôs por meio de um jogo de abstrações reflexionantes que
modificam retroativamente a própria interpretação das ações sem
resultar simplesmente de seus sucessos ou fracassos.
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EDP-53-TC-CapXIVTorreHanoi-2010