COMPREENDENDO O FUNCIONAMENTO DAS SALAS DE ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO: DOS TRILHOS AS TRILHAS. Autor: Rebecca Oliveira Guimarães - Fonoaudióloga graduada na Universidade Federal de Sergipe - UFS; Grupo de Pesquisa: A construção da Linguagem, patologias e a prática clínica/UFS. E-mail: [email protected] Co-autores: Denielle Novais Almeida - Fonoaudióloga graduada na Universidade Federal de Sergipe - UFS; Grupo de Pesquisa: A construção da Linguagem, patologias e a prática clínica/UFS. E-mail: [email protected] Marcela Maria da Conceição Oliveira - Aluna da graduação em Fonoaudiologia - Iniciação Científica/PIBIC, Universidade Federal de Sergipe – UFS; Grupo de pesquisa: A construção da Linguagem, patologias e a prática clínica/ UFS. Email: [email protected] Verônica da Costa Farias - Aluna da graduação em Fonoaudiologia - Iniciação Científica/PIBIX, Universidade Federal de Sergipe – UFS; Grupo de pesquisa: A construção da Linguagem, patologias e a prática clínica/ UFS. E-mail: [email protected] Eixo temático: Formação de professores e outros profissionais dirigida à linguagem e comunicação; RESUMO Este trabalho objetiva conhecer o funcionamento de duas (02) salas de Atendimento Educacional Especializado (AEE). Ampara-se nos princípios do Interacionismo, na política de Educação Inclusiva e nos estudos recentes sobre as práticas pedagógicas. Metodologicamente as estratégias utilizadas foram da pesquisa – ação crítico colaborativa. A intervenção aconteceu em duas (02) salas de AEE com duas (02) professoras que atendiam a totalidade de sete (07) alunos nos dias acompanhados. As visitas às escolas foram semanais e ocorreram no período de abril a setembro de 2012. O processo de inclusão foi analisado a partir de alguns aspectos como: a prática pedagógica dos professores; a utilização dos recursos pertencentes a cada sala; o cumprimento da determinação da política que respalda o AEE; as relações entre professores, gestores, alunos e familiares imersos nessa rede.Como resultados apontam-se: o uso de poucos recursos de comunicação alternativa e ampliada de alta tecnologia; a necessidade de formação continuada para os professores; a sistematização do diálogo entre as salas (AEE e regular); gestores engajados tornando os processos inclusivos dentro do espaço escolar cada vez mais efetivos. Conclui-se que o trabalho em conjunto, as parcerias estabelecidas do fonoaudiólogo junto a rede escolar, é propulsor de novas práticas, de reflexões e redimensionamento de fazeres cristalizados. Palavras-chave: Fonoaudiologia, Atendimento Educacional Especializado e CAA INTRODUÇÃO Movidas pelo interesse em acompanhar o processo de inclusão escolar de pessoas com necessidades especiais buscamos investigar como o mesmo se efetivava em uma cidade do interior do estado de Sergipe que segue a política de inclusão escolar utilizando o Atendimento Educacional Especializado. O nosso estudo foi realizado na cidade de Nossa Senhora do Socorro, um município sergipano localizado na região metropolitana de Aracaju. Foram realizadas visitas a duas salas de Atendimento Educacional Especializado pertencentes ao município nas quais, buscamos compreender e analisar o funcionamento a partir das vivências, das ações investigativas e do trabalho colaborativo que comparecia nos encontros com as professoras e alunos. O trabalho foi embasado nos princípios da Política Pública de Inclusão Educacional a partir da Constituição Federal (1988), marco normativo da educação inclusiva e de alguns movimentos que também exerceram grande influência na formulação das políticas de educação especial no Brasil, como por exemplo, as diretrizes internacionais de Educação para Todos, (1990) e a Conferência Mundial de Educação Especial, (1994). Esses movimentos fortaleceram a idéia da inclusão de todas as crianças com deficiência, inclusive aquelas com distintas dificuldades de aprendizagem no sistema regular de ensino. Também trouxeram a introdução do entendimento das necessidades educacionais especiais, que se referem tanto às condições dos alunos, como também à relação entre a singularidade de cada indivíduo e a interação do mesmo com o ambiente educacional e social. Assim, foram elencados questionamentos sobre: práticas pedagógicas, gestão escolar, reestruturação e organização da escola regular para o atendimento das necessidades educacionais especiais. REFERENCIAL TEÓRICO O trabalho é baseado teoricamente sob a perspectiva Interacionista, que trabalha com o conceito de um sujeito ativo e produtor de sentidos, na qual o pensamento é construído pelo ambiente histórico e pelas relações sócioculturais. Partindo da visão apresentada, o processo de ensino-aprendizagem deve, também, ser entendido a partir de uma perspectiva sócio-interacionista, que define o conhecimento como uma construção de todo o elenco envolvido no processo: gestores, professores e alunos. De acordo com Beyer (2006, p. 73): A educação inclusiva caracteriza-se como um novo princípio educacional cujo conceito fundamental defende a heterogeneidade na classe escolar, como situação provocadora de interações entre crianças com situações pessoais as mais diversas. Além desta interação, muito importante para o fomento das aprendizagens recíprocas propõe-se e busca-se uma pedagogia que se dilate frente às diferenças do alunado. Por outro lado como pensarmos o movimento inclusivo numa sociedade que silencia que faz desaparecer o feio, o imperfeito, o disforme, o que estremece os ideais de beleza e perfeição? Nossa sociedade, de forma crescente, encarcerou, excluiu e escondeu pessoas anormais, enquanto as observava, examinava e questionava cuidadosamente. (FOUCAULT,1989, p.164) Nesse sentido, Vigotski (1997) faz uma série de críticas à escola especial pela atuação centrada nas funções elementares e nos limites impostos pela deficiência, rejeitando o ensino por meio de técnicas e treinamentos penosos ajustados à deficiência. Ainda, afirma que a educação especial assim como a educação geral deve envolver o aluno na trama do mundo comum, valorizar o seu acesso a diferentes esferas de atividades. Deve ser, enfim, uma educação social que envolva realmente o aluno na coletividade. Na década de 90 muitos acordos internacionais e nacionais marcaram a política de inclusão social. Nesse contexto, a posposta de educação inclusiva e escola para todos surgiram através de discussões e debates correspondentes a dois encontros mundiais: Conferência Mundial de Educação Para Todos (1990) e a Conferência Mundial de Educação Especial (1994), em Salamanca, na Espanha, de onde se originou a Declaração de Salamanca, cujo objetivo foi reafirmar o compromisso com a educação para todos, crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino. Muitos desses acordos materializaram-se em leis, no campo da educação, ressaltamos a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) da Educação Nacional de 1996 e a Resolução nº 02/01 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (Brasil, 2001). Segundo esses documentos a educação especial é oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para alunos portadores de necessidades especiais. Pensando nas possibilidades de efetivar essa prática dentro das políticas públicas do Governo Federal são criados as salas de Atendimento Educacional Especializado (AEE) na educação básica, fundamentado nos marcos legais, políticos e pedagógicos que tem como finalidade orientar a implementação de sistemas educacionais inclusivos. Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos. (MEC/SEESP, 2001 Art.2º. p.1). A educação especial direciona suas ações no âmbito de uma atuação mais abrangente na escola através da organização de redes de apoio, da formação continuada, da identificação de recursos, serviços e de práticas colaborativas. O atendimento educacional especializado é realizado prioritariamente nas salas de recursos multifuncionais na própria escola ou em outra escola de ensino regular no turno inverso da escolarização. Atender a essas necessidades pressupõe uma mudança no olhar que a escola lança sobre esse indivíduo preconizando não a adaptação do aluno a ela, mas a adaptação do contexto escolar a ele. O professor funciona como a principal mola propulsora do projeto, já que, para que essas modificações escolares aconteçam, ele precisa conhecer o seu aluno e a sua singular maneira de funcionar para além das marcas impressas pela patologia. Torna-se então imprescindível, um planejamento individual para cada aluno, no qual devem ser considerados os diferentes objetivos e estratégias a serem utilizados. O professor além de usar a tecnologia assistiva deve disseminar o seu uso com professores da sala comum e familiares. É também papel do professor produzir os materiais didáticos e pedagógicos de acordo com a necessidade de cada aluno com o objetivo de articular as atividades do AEE com as da sala de aula regular. Gomes, (2010) sugere que o trabalho do professor de Atendimento Educacional especializado deve se constituir baseado em três funções principais: gestão dos processos de aprendizagem, avaliação e acompanhamento. A gestão dos processos de aprendizagem é fundamentada na organização dos espaços que possibilitem a eliminação dos obstáculos que dificultam a aprendizagem dos alunos. É lançando mão de algumas estratégias como: a organização do espaço da sala de aula, a interlocução direta do professor do AEE com o professor da sala regular e o uso de materiais de alta e baixa tecnologia. No Atendimento Educacional especializado a avaliação é feita através de um estudo de caso que objetiva construir o perfil do aluno e preparar o plano de intervenção, para isso abrange as três redes de socialização da criança: a sala de recurso multifuncional, a sala de aula e a família. Na escola a avaliação deve ocorrer em distintos momentos e ambientes, o professor deve ter um olhar direcionado não somente ao momento da aula, mas também aos outros espaços, o recreio, as brincadeiras e momentos de interação entre os pares. Já na sala de recurso, sala de aula e família a avaliação visa observar alguns pontos principais. [..] o funcionamento cognitivo, a linguagem oral, o meio ambiente, as aprendizagens escolares, os aspectos afetivo-social, as interações sociais, os comportamentos e atitudes em situação de aprendizagem, o desenvolvimento psicomotor e a saúde do aluno.(GOMES, 2010, p.19) Por fim, o acompanhamento consiste na realização de ações que maximizem o desenvolvimento escolar do aluno. Trata-se da conexão de todos os aspectos anteriormente descritos a fim de entender um pouco mais sobre o funcionamento de cada aluno, considerando a singularidades e a partir de então, propor estratégias de transformação das práticas (incluindo nesse processo professores e familiares) ou até mesmo dos esquemas de aprendizagem. Nesse contexto entra em cena a Comunicação Alternativa e Ampliada que traz respostas aos problemas funcionais encontrados nas pessoas com necessidades especiais “desenvolve para elas ferramentas ou práticas que agilizem, ampliem ou promovam habilidades necessárias no cotidiano.” (BERSCH, 2009, p.89). De acordo com o Instituto de Tecnologia Social (ITS Brasil) A comunicação alternativa envolve o uso de gestos manuais, expressões faciais e corporais, símbolos gráficos, fotografias, gravuras, desenhos, linguagem alfabética e ainda objetos reais, miniaturas, voz digitalizada, dentre outros, como meio de efetuar a comunicação face a face de indivíduos incapazes de usar a linguagem oral. (2008,p.11) Para os sujeitos em questão, a CAA é sinônimo de autonomia. Andrich, (2002, p.3) afirma que: “A autonomia é na essência a motivação pessoal que pode ser definida como a capacidade de motivar a própria vida, de entrar em relação com outros e participar da construção da sociedade.” Dessa forma, fica clara a abrangência da Comunicação Alternativa nos diferentes espaços de socialização, os recursos usados em sala de aula podem e devem ser adaptados para todos os espaços dentro da própria escola e também em casa, com a família. Tendo em vista a realidade socioeconômica do nosso país, discutir, implementar e pesquisar sobre a comunicação alternativa não pode se restringir apenas ao uso de metodologias ou recursos comercializáveis a altos custos, sugere-se o desenvolvimento de adaptações de baixo custo desses recursos, além do reconhecimento do aluno como parte integrante da escola, com necessidades educacionais especializadas que precisam ser observadas e refletidas em ações colaborativas. O movimento inclusivo necessita dessa sensibilidade e dedicação para que tenhamos a tão sonhada e verdadeira educação para todos. OBJETIVOS Este trabalho tem como objetivo analisar como acontece a inclusão através do trabalho desenvolvido nas salas de AEE e refletir como a pesquisa-ação crítico colaborativa pode contribuir na busca da transformação de práticas educativas na escola. METODOLOGIA Aporte teórico metodológico O nosso trabalho foi delineado pela pesquisa-ação crítico colaborativa. Com a pesquisa-ação o fazer se distancia da objetividade da pesquisa empírica clássica, temos então uma realidade não fixa, a qual o observador e seus instrumentos realizam um papel importante na coleta, análises e interpretação dos dados. Isso quer dizer que há um envolvimento entre o pesquisador e o pesquisado, que não se dá pela simples observação do primeiro pelo segundo, podendo-se obter resultados socialmente mais relevantes. (GIL,1999) O município escolhido para a realização dessa pesquisa foi Nossa Senhora do Socorro, localizado a 13km de Aracaju. Nossa escolha se deu devido a uma parceria estabelecida entre o grupo de pesquisa “A implementação da Comunicação Alternativa e Ampliada na família e na escola: dispositivo para inclusão” com a Coordenação de Educação Inclusiva de Nossa Senhora do Socorro que convergiu na realização do presente trabalho. Inicialmente nossa pesquisa tinha um caráter investigativo, procurávamos apenas observar as ações e práticas presentes na sala de Atendimento Educacional Especializado (AEE), mas a medida que adentramos no universo da inclusão, nossa relação com os alunos e professores pesquisados, modificaram nosso fazer, nos levando a lançar olhares diferenciados e análises mais profundas. Assim buscamos também colaborar com o fazer do professor, não propondo atividades ou maneiras diferenciadas de fazê-las, mas construíamos juntos ações colaborativas que suscitaram um fazer diferenciado, através das reflexões e análises provenientes dos nossos encontros. O município contava com três salas de Atendimento Educacional especializado, sendo que, somente duas funcionavam como salas de recurso multifuncionais e, portanto, seriam as participantes desse projeto. Para fins didáticos nomeamos essas salas como sala 1 e sala 2. As salas 1 e 2 atendem, cada uma, 21 alunos com necessidades educacionais especiais. Os atendimentos ocorrem três dias na semana nos turnos matutino e vespertino. Para essa pesquisa foram realizadas 30 visitas, sendo 18 na sala 1 e 12 na sala 2. As visitas foram iniciadas de acordo com o calendário das escolas. A sala 1 de AEE iniciou dia 2 de abril de 2012 e na sala 2 as aulas só tiveram inicio dia 13 de abril de 2012 devido a incompatibilidade dos horários dos atendimentos com os horários das pesquisadoras. As visitas aconteciam uma vez por semana, no espaço de tempo de 4 horas, nas quais eram realizadas as observações. Enquanto os atendimentos prosseguiam fazíamos anotações dos recursos trabalhados e do modo como foram apresentado para os alunos. Fizeram parte da nossa pesquisa 2 professoras e 7 alunos, com necessidades educacionais especiais, com idade entre 10 a 18 anos, todos atendidos no AEE e devidamente matriculados em escolas regulares no município de Nossa Senhora do Socorro. Esses alunos foram selecionados em razão da permanência das alunas-pesquisadoras nos mesmos dias e horários dos atendimentos dos mesmos, durante todo o tempo a pesquisa. Procedimentos Para investigarmos, analisarmos e compreendermos como acontecia a inclusão através da sala de AEE, precisamos fazer parte da rotina dessas salas, observamos as práticas pedagógicas nos atendimentos, como as professoras ensinavam utilizando os recursos e materiais disponíveis, de que forma estabeleciam a relação professor-aluno, quais ações educacionais dentro do AEE fomentavam a vontade dos alunos em aprender e como estes modificaram seu comportamento e aprendizagem frente as práticas desenvolvidas. Todas essas questões foram devidamente compreendidas a medida que adentramos no espaço, construímos uma relação com os alunos, professores e gestores e podemos nesse viéis, interpretar, analisar e atribuir novas redes de significações, na qual, estavam imersos professores-gestores-alunos e nós pesquisadoras. Assim, com o conhecimento da realidade envolvida na pesquisa, pudemos através da escuta e mediação, colaborar com as práticas educacionais desenvolvidas nas salas do AEE. Construímos conjuntamente estratégias, atividades, análises e interpretações que modificaram as ações inclusivas. RESULTADOS Durante a permanência nas escolas, observamos os atendimentos desde o início do ano letivo, dessa forma, participamos de todo o processo preconizado pela política do Atendimento Educacional Especializado: entrevistas com os pais, atendimentos e comunicação dos professores da sala regular com a sala de AEE. Também realizamos uma palestra para todos os professores da rede municipal com o tema “ Inclusão e Comunicação Alternativa e Ampliada”, esse momento também trouxe dados para o presente trabalho. Na nossa pesquisa, não tivemos contato direto com a sala de aula regular, os encontros eram dados nos intervalos, quando circulávamos pela escola ou quando éramos apresentadas pelas professoras do AEE a alguns professores das crianças atendidas. No entanto, com o convite para ministrar uma palestra para os professores da sala de aula regular, conhecemos muitos daqueles que possuiam alunos com necessidades especiais. Como regularidade, observamos que todos os professores que se manifestaram na palestra tinham em comum muitos questionamentos sobre o que fazer com os alunos, relatavam que por vezes sentiam dificuldade em fazer os “ditos normais” aprenderem, o que dizer dos especiais. Muitos ainda, encorajados pela força da maioria, falavam que não faziam nada com as crianças, ou até mesmo que tentavam alguma atividade uma vez, mas depois as deixavam de lado por conta da falta de resposta ou interação por parte das crianças. Sobre as práticas educativas na escola atual, Givigi aponta que: É possível ver que se continua a reproduzir modelos, como se na escola estivessem os mesmos alunos de séculos atrás, não falamos de uma escola concreta. Falamos de uma grande diversidade de sujeitos na escola, mas continuamos a produzir práticas que levam em conta grupos homogêneos.(GIVIGI, 2007, p.65) De fato, encontramos um grupo de professores que produzem seu próprio fracasso como mediadores de um grupo heterogêneo, os saberes, os novos mecanismos para o ensino de qualquer aluno, não estão dispostos em um manual, são fruto das diversas tentativas, das ações. É preciso que o professor se aproxime daquilo que lhe é devido, ensinar, e tenha claro e planejado os objetivos para cada ação e, como mola propulsora, para suas ações, precisam acreditar nos seus alunos, como sujeitos de vontade, de reflexão e de escolha. (MEIRIEU, 2002) Ao adentrarmos no espaço da sala de AEE, salas 1 e 2, nos deparamos com duas professoras extremamente apaixonadas pelo trabalho proposto pelo múnicípío, crentes na proposta inclusiva e parceiras em tudo que diz respeito a aprendizagem. Encontramos pessoas empenhadas, que buscavam a formação continuada por meio de cursos, palestras, pós-graduação, dentre outros e encontraram no nosso trabalho um apoio durante todo o ano letivo. Desde o momento que fomos apresentadas como alunas-pesquisadoras da universidade (UFS) as professoras vinham até nós, perguntavam sobre o nosso trabalho, sobre as questões relacionadas a fonoaudiologia das mais diversas áreas, sobre o campo da linguagem, tão amplo e presente em suas práticas cotidianas. No início havia certo receio e dúvidas quanto a nossa presença em determinados assuntos, como por exemplo, a nossa participação no momento da entrevista com os pais. Sabemos que esse é um momento que aparecem muitas informações sigilosas, e também um momento de construção do vínculo entre as professoras e os pais. Dessa forma, deixamos as professoras a vontade sobre a nossa participação. A professora da sala 1 pediu para que entrássemos apenas quando ela nos chamasse, a professora da sala 2 nos manteve na sala durante toda a entrevista. Em ambas as salas ficamos atentas ao discurso dos pais na maioria do tempo, muitas vezes eles repetiam o que haviam falado com a professora, relatavam como aconteceu e como reagiam diante da notícia de ter um filho com deficiência. Era, de fato, um momento de escuta, as professoras mediavam a entrevista trazendo questões sobre o desenvolvimento da criança, relações familiares e escolares. Ao longo dos encontros percebíamos os momentos de frustração vividos pelas professoras. A falta de alguns atendimentos devido a problemas com o transporte que levava as crianças até a escola, a impossibilidade de utilização dos recursos de alta tecnologia junto ao reconhecimento de uma falta de preparo para utilizá-los deixavam-nas em dúvida quanto ao que fazer com os sujeitos atendidos. Somado a isso vinha a falta de momentos de discussão com os professores da sala regular e com outros profissionais como psicólogo e fonoaudiólogo presentes na rede, Lígia e Márcia desejavam um feedback por parte desses profissionais, gostariam de articular o AEE com as outras redes de socialização das crianças. Meirieu (2002) fala sobre esse momento de interação, tão desejado pelas professoras, ele chama de “momento pedagógico”, que é justamente esse espaço onde conseguimos pensar novas possibilidades, escapar dos fazeres cristalizados. As professoras não redimensionavam suas práticas com outros jeitos de fazer, não conseguiam ter liberdade na criação de outras formas de aprendizado, pois restringiam o conteúdo trabalhado ao que os alunos tinham dificuldades, um ensino baseado nas evidências perceptíveis como, por exemplo, dificuldade de memorização, de coordenação motora, de leitura e escrita, dentre outras. Também observamos que as salas de AEE parecem não pertencer a escola, é um lugar demarcado pelo atendimento das crianças da inclusão e de responsabilidade da Secretaria de Educação Especial. Existe uma dificuldade no envolvimento da escola com o projeto da inclusão. Percebemos esse movimento em toda a dinâmica das duas escolas, desde o momento da nossa entrada, quando perguntávamos o local da sala de AEE e éramos interrogadas sobre o que era essa sala. Givigi (2007) aponta em seu trabalho que essas salas têm se configurado apenas como locais de atendimento a pessoa com deficiência. Essa concepção vem caracterizando a Educação Especial como um “subsistema paralelo ao ensino comum” e com isso os professores das salas regulares tem se distanciado da responsabilidade pelo aprendizado dos alunos com necessidades especiais. Estar nessas salas provocou em nós o desejo de transformar a prática pedagógica. Vimos professores capazes de mudar as suas práticas, e mais que isso, refletir sobre elas junto ao pesquisador, numa verdadeira relação de colaboração. Os professores pediam textos, sugestões, exemplos práticos, as relações estabelecidas foram de parcerias consistentes, de teoria respaldando as atividades diárias. O processo de colaboração nessa pesquisa deu-se junto aos professores das salas de AEE e gestores da secretaria de educação especial, num intenso processo de estudo e de reflexão sobre as nossas práticas e experiências. Durante todo o ano éramos chamadas a Secretaria de Educação Especial para expor as nossas dificuldades, sugerir alternativas para a gestão para que ela também pudesse contribuir com a formação desses professores, já vislumbravam projetos maiores de formação continuada, sentiam essa necessidade como promotora de um trabalho cada vez mais efetivo. CONCLUSÕES O fonoaudiólogo assume um importante papel no âmbito escolar, estar a disposição para conhecer e conviver com a educação além de assumir o compromisso com o rompimento dos fazeres cristalizados, da lógica institucional que “categoriza” o aluno ideal e capaz. É na troca de saberes e na produção de possibilidades que se encontram novos caminhos para a educação.Algumas ações poderiam contribuir com esse processo, como por exemplo, a realização de grupos de trabalho, como grupo de professores, de pais. Alguns trabalhos como o de Penteado et. al. (2005) relatam a importância da formação de grupos para a transformação do sujeito e das suas relações com a linguagem e com o mundo. Outra possibilidade seria a realização de oficinas para professores do AEE com ações práticas que sistematizam e selecionam o uso dos recursos adequados para cada aluno. Essa identificação ampliaria as possibilidades de atuação do professor frente as necessidades do alunado. Ao fazer parte desse trabalho, também tomamos ele como nosso, e entendemos que o compromisso em mudar as práticas educativas cabe a todos os envolvidos. Nesse caso, ao pesquisador cabe o retorno aos participantes. Esse retorno do conhecimento pode ser realizado de diversas maneiras, uma delas poderia ser a formação de um grupo de estudo com as pesquisadoras e os professores trazendo a teoria que permeia as ações na educação somado a experiência prática de todos os envolvidos. A considerações realizadas nesse trabalho acabam por aqui por uma questão acadêmica, porém, todos os sentidos que impulsionaram o nosso fazer permanecem vivos no caminho dos infindáveis trilhos que compõem essa viagem. Novos destinos, novos lugares e novas descobertas mantém firme o nosso desejo de pesquisadoras, em palavras, demos corpo aos nossos desejos e a outros desejos de fazer outras viagens. REFERENCIAS ANDRICH, R. Empowerment ed educazione all’autonomia. 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