CASO CLAUDE REYES E OUTROS VS. CHILE: O ACESSO À
INFORMAÇÃO PÚBLICA COMO DIREITO BÁSICO AO EXERCÍCIO DA
DEMOCRACIA
Kecya Rhuane Antenoria Matos1
Paulo de Tarso Dias Klautau Filho2
É possível afirmar que uma sociedade
que não está bem informada não é plenamente livre. 3
Resumo: Analisa o processo de afirmação do direito de acesso à informação pública no
Sistema Interamericano de Direitos Humanos, seus princípios, conteúdo, alcance e a
estreita ligação entre a efetivação deste direito e o exercício da democracia nos países
americanos, tomando como ponto de partida a sentença emblemática da Corte
Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso Claude Reyes e outros vs. Chile,
proferida em 2006. São colocadas ainda questões de ordem prática em que se demonstra
a estrita necessidade do acesso à informação como instrumento para a efetivação de
outros direitos fundamentais, reforçando a ideia de que o indivíduo precisa ter disponíveis
as informações em poder do Estado para que possa participar de forma livre e consciente
das ações de caráter público e, assim, exercer efetivamente a democracia.
Palavras-chave: Acesso à informação. Liberdade de expressão. Democracia. Direitos
humanos.
CLAUDE REYES Y OTRO CASO VS CHILE: ACCESO A LA
INFORMACIÓN PÚBLICA COMO UN DERECHO BÁSICO PARA EL
EJERCICIO DE LA DEMOCRACIA
Resumen: Analiza el proceso de afirmación del derecho de acceso a la información
pública em el Sistema Interamericano de Derechos Humanos, sus principios, contenido,
alcance y la estrecha relación entre la realización de este derecho y El ejercicio de la
democracia en los paises americanos, tomando como punto de partida la sentencia
emblemática de la Corte Interamericana de Derechos Humanos sobre el caso Claude
Reyes y otros vs. Chile, publicada en 2006. También se colocan aspectos prácticos que
demuestran la necesidad estricta de acceso a la información como un instrumento para la
realización de otros derechos fundamentales, lo que refuerza la idea de que el individuo
debe tener isponible la información en poder del Estado para que pueda participar libre y
conscientemente de las acciones de carácter público y así ejercer efectivamente la
democracia.
Palabras clave: Acceso a la información. Libertad de expresión. Democracia. Derechos
humanos.
1
Discente do último semestre de 2011, do Curso de Direito e integrante da Clínica de Direitos Humanos do
CESUPA.
2
Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Master of Laws pela New York University.
Professor do CESUPA.
3
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. La Colegiación Obligatoria de Periodistas
(Arts. 13 y 29 Convención Americana sobre Derechos Humanos). Opinión Consultiva OC-5/85 del 13 de
noviembre de 1985. (Serie A, n. 5), parágrafo 70 (Tradução livre).
2
1 INTRODUÇÃO
Em uma sociedade democrática, espera-se que os indivíduos tenham participação
ativa na construção da cidadania e na efetivação dos direitos. É papel dos cidadãos
acompanhar, participar e, quando necessário, cobrar, criticar e exigir que o Poder Público
tome medidas que assegurem o pleno exercício das garantias fundamentais.
Para tanto, o acesso à informação se mostra como condição indispensável ao
próprio exercício da democracia. Sem informação, os cidadãos acabam por ocupar o
papel de súditos, que se calam e aceitam qualquer tipo de arbitrariedade cometida pelo
Estado, pois não há como reivindicar por aquilo que é desconhecido.
Os sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos reconhecem, em
vários documentos, o direito de acesso à informação como um direito humano que, se
desrespeitado, coloca em risco a vigência de vários outros direitos. A Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (doravante Convenção ou CADH), ao estabelecer em
seu artigo 13 o direito de liberdade de pensamento e de expressão, assegura a todas as
pessoas não apenas o direito de difundir informações livremente, mas também o de
buscar e receber informações e ideias de toda natureza.
Entre os órgãos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos (doravante Corte ou Corte IDH) é a máxima
autoridade na aplicação e interpretação dos dispositivos da Convenção, determinando o
alcance dos direitos e liberdades nela reconhecidos, os requisitos e os parâmetros que
devem ser seguidos pelos Estados signatários deste tratado internacional.
Na sentença da Corte IDH sobre o caso Claude Reyes e outros vs. Chile, de 19 de
setembro de 2006, pela primeira vez um tribunal internacional reconheceu de forma
específica o acesso à informação como um direito humano componente do direito à
liberdade de expressão, firmando os padrões a serem seguidos pelos Estados para a
efetivação deste direito e suas possibilidades de restrição.
O presente trabalho tem por finalidade apresentar o processo de afirmação do
direito de acesso à informação no Sistema Interamericano de proteção aos direitos
humanos, tomando por base o caso Claude Reyes e outros vs. Chile, e a direta ligação
entre a efetivação deste direito com o exercício do papel democrático do cidadão. Para
tanto, se fará inicialmente uma breve exposição sobre os fatos do caso, e posteriormente
será abordada a ligação entre liberdade de expressão, acesso à informação e
democracia, assim como os princípios, conteúdo e alcance do direito de acesso à
3
informação e, por fim, serão apresentados exemplos de aplicações específicas deste
direito.
2 O CASO CLAUDE REYES
O caso Claude Reyes e outros vs. Chile é emblemático não apenas por seu
ineditismo no âmbito internacional de proteção aos direitos humanos, mas principalmente
por ter a Corte IDH proporcionado com esta sentença um grande avanço nas definições
específicas do que se refere ao direito de toda pessoa de ter acesso à informação em
poder do Estado, para que assim possa exercer de forma livre e consciente sua
cidadania.
A questão se originou em 1998, quando o Sr. Marcel Claude Reyes, diretor
executivo de uma organização não governamental voltada para o controle da gestão
pública, solicitou informações referentes ao projeto de industrialização florestal, conhecido
como Projeto Rio Condor, ao Comitê de Investimentos Estrangeiros do Chile (órgão
representante do Estado responsável por autorizar o ingresso de investimentos
estrangeiros no país).
O projeto fora aprovado em 1991 pelo Estado chileno. Este autorizou o
investimento por empresas estrangeiras no valor de 180 milhões de dólares americanos
em trabalhos de desenho, construção e operação do Projeto Rio Condor, que envolvia a
construção de um complexo florestal integrado. Segundo os solicitantes, o projeto
causaria o desmatamento de vastas áreas e produziria grandes impactos ambientais,
tendo gerado intensa discussão pública no país.4
No comunicado encaminhado ao Comitê de Investimentos Estrangeiros, o sr.
Claude Reyes solicitou várias informações de interesse público relacionadas ao referido
projeto, como o acesso aos contratos de investimentos estrangeiros firmados pelo Estado
chileno, a identidade dos investidores, o montante total autorizado para o investimento,
formas e prazos de entrada de capital, dentre outras informações.
O Comitê dispôs algumas das informações solicitadas, porém não se manifestou a
respeito de três delas, quais sejam: 1) os antecedentes dos investidores para assegurar
sua seriedade e idoneidade e os pareceres do Comitê que deram estes antecedentes por
suficientes; 2) as informações em poder do Comitê ou de outras entidades públicas ou
4
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso Claude Reyes y otros Vs. Chile. Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentencia de 19 de septiembre de 2006. (Serie C, n. 151). par. 57.7.
4
privadas com relação ao controle das obrigações que tenham contraído os investidores e
se o Comitê havia tomado conhecimento de alguma infração ou delito; e 3) informações
se o Comitê solicitou de todos os serviços ou empresas dos setores público e privado os
informes e antecedentes que são requeridos para as finalidades do órgão, conforme
determina a legislação.5
Após a denúncia de violação ao direito de acesso à informação ter sido levada ao
Poder Judiciário, e depois de vários recursos não admitidos, inclusive na Corte Suprema
do Chile, o caso foi apresentado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(Comissão ou CIDH), órgão do Sistema Interamericano que recebe as denúncias de
violações de direitos protegidos pela Convenção e, após vários procedimentos, decide
pelo encaminhamento ou não do caso à Corte IDH.
A demanda tramitou por quase sete anos na Comissão, sem que se tenha chegado
a uma solução do litígio, sendo então apresentada à Corte em 8 de julho de 2005. O
procedimento perante a Corte perdurou por mais um ano, até a sentença final ser
proferida em 19 de setembro de 2006.
Em linhas gerais, a Corte IDH destacou que o acesso à informação em poder do
Estado favorece a participação da população na gestão dos assuntos públicos, dando
assim publicidade e transparência aos atos do governo. Desta forma, e pelas
considerações que serão abordadas a seguir, declarou que o Estado do Chile violou o
direito à liberdade de pensamento e de expressão, tutelado pelo artigo 13 da Convenção
Americana e, ainda, a violação dos direitos às garantias judiciais (artigo 8) e à proteção
judicial (artigo 25), protegidos pelo mesmo instrumento.
3 LIBERDADE DE EXPRESSÃO, ACESSO À INFORMAÇÃO E DEMOCRACIA
Nas últimas décadas do século XX, vários acontecimentos fizeram com que os
países americanos vivenciassem um verdadeiro renascer democrático. O fim das
ditaduras militares, a decadência da Guerra Fria e as novas tendências constitucionais
caracterizaram o marco inicial de uma nova era. Entretanto, alguns resquícios dos
regimes autoritários foram mantidos e atrelados aos novos governos democráticos.
A liberdade de expressão foi um dos direitos fundamentais que continuou a ser
oficialmente violado. Normas que determinavam a censura prévia estatal de livros, filmes
e obras de arte ainda eram bastante comuns no início dos anos noventa. E a justificativa
5
Id. Ibid., par. 57.13 e 57.17.
5
para limitação indiscriminada deste direito era sempre a proteção da moral, da ordem
pública e dos bons costumes.6
Após a primeira década do século XXI, pode-se afirmar que um novo panorama de
defesa do direito à liberdade de expressão está sendo constituído nas Américas. Quase
todos os textos constitucionais consagram o direito à liberdade de expressão; vários
Estados aprovaram legislações e programas governamentais que visam dar efetividade a
este direito; e outros têm incorporado ou atualizado sua legislação com o objetivo de
garantir o acesso à informação.7
A participação ativa da sociedade civil, aliada ao impulsionamento dado pelos
avanços no sistema regional de proteção aos direitos humanos em matéria de liberdade
de expressão, é substancial para o processo, ainda em curso, de consolidação das
democracias no continente. Entretanto, a base jurídica e jurisprudencial existente ainda
não é suficiente para que este direito seja gozado por todos os indivíduos. Um longo
caminho ainda precisa ser percorrido para que seja dada efetividade plena à liberdade de
expressão em todos os seus aspectos.
O artigo 13 da Convenção Americana agrega em seu texto um alto valor à proteção
da liberdade de pensamento e de expressão:
Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse
direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias
de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou
em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à
censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser
expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:
a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral
públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais
como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de
frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de
informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e
a circulação de ideias e opiniões.
4. A lei pode submeter os espetáculos públicos à censura prévia, com o objetivo
exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da
adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.
5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia
ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à
hostilidade, ao crime ou à violência.
6
ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Comisión Interamericana de Derechos Humanos.
Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. Una agenda hemisférica para la defensa de la liberdad
de expresión. Washington, DC, 2010. par. 2.
7
Id. Ibid., par. 7. Chile, Guatemala, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Peru, República
Dominicana, Trinidad e Tobago, Uruguai, dentre outros, aprovaram leis sobre o acesso à informação nos
últimos anos.
6
A jurisprudência interamericana caracteriza a liberdade de pensamento e de
expressão como um direito com duas dimensões: uma individual e outra coletiva ou
social.8 A dimensão individual comporta a previsão de que ninguém seja arbitrariamente
impedido de manifestar o seu próprio pensamento. Por outro lado, há o direito coletivo de
receber qualquer informação, e a conhecer a expressão do pensamento alheio. A partir
destas duas dimensões se depreende uma série de direitos que se encontram protegidos
no referido artigo.
Na sentença do caso Claude Reyes vs. Chile, a Corte IDH reafirma este
entendimento, assim como fizera em outras decisões,9 ao declarar que a liberdade de
pensamento e de expressão compreende não apenas o direito de expressar livremente
seu próprio pensamento, mas também protege o direito de toda pessoa “buscar” e
“receber” informações de toda índole, inclusive as informações sob controle do Estado.10
A doutrina de Cecília Medina nos recorda, de maneira ampla, a postura ativa do
Estado quando da efetivação de direitos humanos protegidos internacionalmente: “Los
tratados de derechos humanos, a diferencia de otros tratados internacionales, confieren
derechos a los individuos frente al Estado, el que, a su vez, tiene obligaciones para con
ellos”.11
Assim, além da postura ativa do cidadão em exercer seu direito de buscar
informações que estejam sob o controle estatal, há a obrigação positiva do Estado em
disponibilizá-las, de modo que haja o efetivo acesso à informação buscada ou resposta
fundamentada sobre qualquer tipo de restrição, de acordo com os limites permitidos pela
Convenção.
A consolidação da liberdade e justiça social, no quadro das instituições
democráticas, é um dos propósitos perseguidos pelos Estados americanos, constante no
preâmbulo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
8
Cf. Opinión Consultiva OC-5/85, par. 30; CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso
Kimel Vs. Argentina. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 2 de mayo de 2008. (Serie C, n. 177),
par. 53; Id. Caso Ricardo Canese Vs. Paraguay, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 31 de
agosto de 2004. (Serie C, n. 111), par. 77.
9
Id. Caso López Álvarez Vs. Honduras. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 1 de febrero de
2006. (Serie C, n. 141), par. 163; Id. Caso Ricardo Canese Vs. Paraguay, par. 77; Id. Caso Herrera Ulloa
Vs. Costa Rica. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 2 de julio de 2004.
(Serie C, n. 107), par. 108.
10
Id. Caso Claude Reyes y otros Vs. Chile, op. cit., par. 77.
11
MEDINA QUIROGA, Cecília. La convención americana: teoría y jurisprudência: vida, integridad
personal, libertad personal, debido proceso y recurso judicial. Santiago: Universidad de Chile, Facultad de
Derecho, Centro de Derechos Humanos, 2005. par. 8.
7
A implementação efetiva do direito de acesso à informação é um dos pilares de
uma sociedade democrática. Assim é o entendimento da Corte IDH:
La libertad de expresión es una piedra angular en la existencia misma de una
sociedad democrática. Es indispensable para la formación de la opinión pública.
Es también conditio sine qua non para que los partidos políticos, los sindicatos, las
sociedades científicas y culturales, y en general, quienes deseen influir sobre la
colectividad puedan desarrollarse plenamente. Es, en fin, condición para que la
comunidad, a la hora de ejercer sus opciones, esté suficientemente informada. Por
ende, es posible afirmar que una sociedad que no está bien informada no es
12
plenamente libre.
Neste sentido, para aclarar o entendimento interamericano sobre regime
democrático, a Carta Democrática Interamericana, adotada pela Assembleia Geral da
OEA em 11 de setembro de 2001, é de grande importância por afirmar e reforçar a ideia
de que “os povos da América têm direito à democracia e seus governos têm a obrigação
de promovê-la e defendê-la” (artigo 1), e elenca como componentes fundamentais para o
exercício da democracia “a transparência das atividades governamentais, a probidade, a
responsabilidade dos governos na gestão pública, o respeito dos direitos sociais e a
liberdade de expressão e de imprensa” (artigo 4).
Resta claro que a implementação efetiva da liberdade de expressão, e
especificamente do acesso à informação, é requisito essencial para garantir a
transparência e a boa gestão públicas, além de fomentar a luta contra a corrupção, evitar
abusos de funcionários públicos e possibilitar a participação cívica de forma livre e
consciente.
Desta forma, o combate à cultura do secretismo e a garantia do acesso à
informação em poder do Estado devem efetuar avanços concentrados e simultâneos em
três diferentes níveis: 1) o conhecimento aprofundado do conteúdo do direito de acesso à
informação como um direito humano; 2) um regime de acesso à informação; e 3) um
sistema de exceções específicas, claras e transparentes.13 A seguir, abordaremos os
preceitos a serem seguidos para que estes avanços venham a ser consolidados.
12
Cf. Opinión Consultiva OC-5/85, par. 70.
ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Comisión Interamericana de Derechos Humanos.
Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. Informe anual de la relatoría especial para la libertad
de expresión. Washington, D.C, 2003. v. 3, cap. 4.
13
8
4 PRINCÍPIOS DO DIREITO DE ACESSO À INFORMAÇÃ0
A Relatoria Especial para Liberdade de Expressão, da CIDH, aponta que, para que seja
garantido o exercício pleno do direito de acesso à informação, a gestão do Estado deve
ser regida pelos princípios da máxima divulgação e da boa fé.14
Segundo entendimento da Comissão Interamericana, o princípio da máxima
divulgação deve ser pilar para o alcance pleno do direito de acesso à informação. Tal
princípio ordena que seja desenhado um regime jurídico no qual a transparência e o
acesso à informação sejam a regra geral, submetida a restritas e limitadas exceções.
A Resolução 147 do Comitê Jurídico Interamericano (“Principios sobre el Derecho
de Acceso a la Información”) estabelece que, a princípio, toda informação é acessível.
Logo, apesar do acesso à informação ser um direito que admite exceções, estas não
devem ser convertidas em regra geral. Para todos os efeitos, o acesso à informação é a
regra, e o segredo a exceção.
Em consequência ao princípio da máxima divulgação, depreende-se que o acesso
à informação deve estar submetido a um regime limitado de exceções, sendo que toda
negativa de acesso deve ser motivada, e, diante de dúvida ou vazio legal, o direito de ter
acesso à informação deve prevalecer.
Em suma, o princípio da máxima divulgação, segundo entendimento da Corte IDH,
estabelece a presunção de acessibilidade a toda e qualquer informação, sujeita a um
sistema restrito de exceções, que devem estar previamente fixadas por lei, com base nas
permissões da Convenção Americana, desde que sejam necessárias em uma sociedade
democrática, visando sempre a satisfação de um interesse público imperativo.15
Ainda, para que seja garantido o efetivo exercício do direito de acesso à
informação, é fundamental que os agentes estatais que tenham por obrigação fornecer
informações públicas atuem com base no princípio da boa fé. É esperado que todos os
sujeitos assegurem a aplicação deste direito, de modo que ofereçam os meios de
assistência necessários aos solicitantes, promovam uma cultura de transparência e atuem
com diligência e profissionalismo, ou seja, realizem todas as ações necessárias para
satisfazer o interesse público geral.
14
Id. El derecho de acceso a la informacion en el marco jurídico interamericano. Washington, DC,
2010. par. 8.
15
Cf. Caso Claude Reyes y otros Vs. Chile, op. cit, par. 89-92.
9
5 CONTEÚDO E ALCANCE DO DIREITO DE ACESSO À INFORMAÇÃO
A evolução jurídica e jurisprudencial internacional nos permite hoje afirmar que o
direito de acesso à informação é um direito humano universal.16 Assim, toda pessoa tem o
direito de solicitar do Estado qualquer informação que esteja sob sua tutela,
independentemente de haver ou não interesse direto ou afetação pessoal, ou de sua
condição migratória, por exemplo, alcançando inclusive a proteção de direitos difusos.17
Por conseguinte, a pessoa que acessa uma informação em poder do Estado tem o
direito de divulgar e fazer circular livremente tal informação, podendo-se observar a
efetivação das dimensões individual e social da liberdade de expressão, que devem ser
igualmente asseguradas pelos Estados.
Por sua vez, todas as autoridades públicas, de todas as esferas de poder e níveis
de governo, estão obrigadas a colocar à disposição as informações solicitadas. Isto serve
de parâmetro também para todos os que cumprem funções públicas, prestam serviços
públicos ou utilizam recursos públicos em nome do Estado.
Sobre o objeto de proteção do direito de acesso à informação, inclui-se toda a
informação que está sob custódia ou administração do Estado, a informação que este
produz ou está obrigado a produzir e, em geral, toda informação significante, cuja
definição deve ser ampla, incluindo as controladas e arquivadas em qualquer formato ou
meio.18
Várias obrigações são destinadas ao Estado em virtude do direito de acesso à
informação. A primeira delas é a de responder de maneira oportuna, completa e acessível
às solicitações feitas, ou se manifestar em um prazo razoável sobre as razões que
impedem o acesso.19
Ainda, os Estados devem manter um efetivo aparato de proteção e implementação
do direito de acesso à informação. Para tanto, é necessário que existam meios eficientes
16
Juridicamente, o acesso à informação é tutelado pelos principais tratados internacionais de proteção aos
direitos humanos, estando expresso na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948
(art. IV); na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969 (art. 13); na Declaração Universal de
Direitos Humanos, de 1948 (art. 19); no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966 (art. 19);
dentre outros importantes documentos em âmbito regional e global. As principais bases jurisprudenciais são
as alegações de mérito da CIDH e da Corte IDH sobre o caso Claude Reyes e outros vs. Chile.
17
ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Comisión Interamericana de Derechos Humanos.
Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. Estudio especial sobre el derecho a la información.
Washington, D.C, 2007. par. 89.
18
ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Comité Jurídico Interamericano. Resolución 147
(LXXIII-O/08). Principios sobre el derecho de acceso a la Información. Aprobada em lo 73° Período
Ordinario de Sesiones, 4 al 14 de agosto de 2008, Rio de Janeiro, Brasil. Principio 3.
19
Cf. Caso Claude Reyes y otros Vs. Chile, op. cit, par. 77.
10
de acesso que permitam a satisfação deste direito, recursos judiciais idôneos e efetivos
para a revisão de negativas à disponibilização das informações, e meios de transparência
efetiva. Além disso, é necessário que os Estados assumam a obrigação efetiva de
produzir ou captar as informações que lhes são solicitadas, de gerar uma cultura de
transparência, e de adequar seus ordenamentos jurídicos às exigências internacionais do
direito de acesso à informação.
Oportunamente nos cabe abordar o alcance do direito de acesso à informação, as
formas admissíveis de limitações e suas condições. A este respeito, a Comissão
Interamericana, por meio da Relatoria Especial para Liberdade de Expressão, firma
claramente seu posicionamento:
El derecho de acceso a la información no es un derecho absoluto, sino que puede
estar sujeto a limitaciones. Sin embargo [...], dichas limitaciones deben dar
cumplimiento estricto a los requisitos derivados del artículo 13.2 de la Convención
Americana, esto es: verdadera excepcionalidad, consagración legal, objetivos
legítimos, necesidad y estricta proporcionalidad. No obstante, las excepciones no
deben convertirse en la regla general; y debe entenderse, para todos los efectos,
20
que el acceso a la información es la regla, y el secreto la excepción.
A Corte IDH, na sentença do caso Claude Reyes, afirmou que, quando o Estado
restringe o acesso à informação que está sob seu controle, sem a observância dos limites
previstos pela Convenção, é criado um campo fértil para a atuação discricionária e
arbitrária do Estado na classificação de informações como secreta, reservada ou
confidencial, além de gerar intensa insegurança jurídica sobre o exercício deste direito e
as possibilidades do Estado em restringi-lo.21
Em primeiro lugar, o artigo 13.2 da Convenção Americana prevê que o direito de
buscar, receber e divulgar informações, por regra, não pode estar sujeito à censura
prévia. A responsabilização posterior pode ocorrer, desde que as práticas estejam
devidamente fixadas em lei, de forma a assegurar que as restrições não fiquem ao arbítrio
do poder público.
Neste sentido, a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão, adotada
pela CIDH em 2000, afirma em seu Princípio nº 4 a estrita excepcionalidade da limitação
do acesso à informação: “[...] Este princípio só admite limitações excepcionais que devem
estar previamente estabelecidas em lei para o caso de existência de perigo real e
iminente que ameace a segurança nacional em sociedades democráticas”.
20
ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Comisión Interamericana de Derechos Humanos.
Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. El derecho de acceso a la informacion en el marco
jurídico interamericano, op. cit., par. 11.
21
Cf. Caso Claude Reyes y otros Vs. Chile, op. cit, par. 98.
11
Por definição da Corte IDH, a expressão “lei” utilizada na Convenção não significa
qualquer norma jurídica, mas atos normativos gerais adotados pelo órgão legislativo
constitucionalmente previsto e democraticamente eleito, de acordo com os procedimentos
constitucionais, em vistas ao bem comum.22 Estas leis devem ser ditadas por razões de
interesse geral e com o propósito para o qual tenham sido estabelecidas.23
Em segundo lugar, não basta a existência de lei que permita a limitação do acesso
à informação. Qualquer restrição estabelecida em lei deve ser necessária para assegurar
“o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas” ou “a proteção da segurança
nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas”. Ademais, o alcance
destes conceitos deve ser definido de forma clara e precisa, devendo ser as restrições
impostas necessárias em uma sociedade democrática, o que requer que estejam
orientadas a satisfazer um interesse público imperativo.
A
limitação
à
informação
deve
estar
relacionada
com
o
requisito
da
proporcionalidade, de forma a interferir minimamente no efetivo exercício do direito. Para
tanto, a CIDH estabelece que cabe ao Estado comprovar que a restrição imposta deve: 1)
estar relacionada com um dos objetivos que a justificam; 2) demonstrar que a divulgação
da informação efetivamente ameaça causar um prejuízo substancial a este objetivo e; 3)
demonstrar que o prejuízo ao objetivo é maior que o interesse público em ter acesso à
determinada informação.24
Existindo os motivos permitidos pela Convenção para limitação do acesso à
informação em poder do Estado, a pessoa solicitante deve receber uma resposta
fundamentada sobre a negativa, de forma que conheça as razões precisas sobre a
restrição e a impossibilidade do acesso.
Assim, o Estado, ao estabelecer limitações ao direito de acesso à informação, deve
demonstrar que cumpriu com os parâmetros estabelecidos pela Convenção Americana 25
e que não agiu de forma arbitrária, recaindo a carga probatória para justificar qualquer
negativa de acesso sobre o órgão estatal ao qual a informação fora solicitada.26
22
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. La Expresión "Leyes" en el Artículo 30 de la
Convención Americana sobre Derechos Humanos. Opinión Consultiva OC-6/86 del 9 de mayo de 1986.
(Serie A, n. 6). par. 26-29.
23
Cf. Caso Claude Reyes y otros Vs. Chile, op. cit., par. 89.
24
ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Comisión Interamericana de Derechos Humanos.
Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. El derecho de acceso a la informacion en el marco
jurídico interamericano, op. cit., par. 53.
25
Id. Alegações da Comissão perante a Corte IDH no caso Claude Reyes y otros Vs. Chile, op. cit., par. 58.
c).
26
ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Comité Jurídico Interamericano. Resolución 147
(LXXIII-O/08), op. cit., principio 7.
12
Finalmente, a legislação interna do país deve deixar claro que a restrição à
informação não é eterna, podendo ser mantida somente enquanto a sua publicação possa
comprometer os objetivos protegidos pela Convenção. Desta forma, o regime de
exceções deve ser mantido por um prazo razoável, com período de tempo definido em lei,
sendo que, ultrapassado este prazo, a informação deve poder ser consultada pelo
público.
6 APLICAÇÕES ESPECÍFICAS DO DIREITO DE ACESSO À INFORMAÇÃO
O acesso à informação é um direito considerado em si mesmo, mas também é
pressuposto básico para o exercício de outros direitos fundamentais. Somente com a
possibilidade de acessar as informações que estão em poder do Estado os indivíduos
poderão saber sobre a existência de algum direito seu que esteja sendo violado ou que
seja necessário reivindicar.
Desta forma, trazemos como exemplo duas situações específicas em que a
efetivação do acesso à informação se torna ainda mais necessária para a efetivação de
outros direitos.
6.1 ACESSO À INFORMAÇÃO AMBIENTAL
As informações ambientais geradas ou mantidas em poder do Estado abrangem
todos os dados e registros mantidos por um organismo público, independentemente do
suporte, da fonte ou da data de criação. Estão incluídas neste rol também as empresas
privadas que exercem funções públicas (construção de estradas, fornecimento de energia
elétrica, etc.), e corporações privadas que guardem informações de relevante interesse
público, como referentes ao meio ambiente ou à saúde pública.27
Em se tratando de proteção internacional, um importante documento que traz como
princípio o acesso à informação ambiental é a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, assinada em 1992 durante a Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92). Seu princípio nº 10 estabelece claramente a
proteção deste direito:
A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no
nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada
indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que
disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e
atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de
participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a
27
ARTIGO 19 BRASIL. Acesso à informação ambiental. Cartilha, p. 8.
13
conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição
de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e
administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos.
Mais uma vez recai sobre o Estado a responsabilidade na disponibilização da
informação, de forma a estimular a participação popular. Assim, quando a efetivação de
outros direitos depende da disponibilização de uma informação pública relevante, o
Estado deve oferecê-la de forma oportuna, acessível e completa.28 A CIDH ainda vai além
e prevê que este direito deve ser garantido particularmente aos sujeitos mais
vulneráveis29.
Desta forma, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e comunidades tradicionais
somente poderão proteger seu direito de propriedade, por exemplo, contra intervenções
externas, se estiverem devidamente informados e conscientes sobre os projetos previstos
para seus territórios coletivos. Aliás, pelo reconhecimento da forte ligação com o território
em que habitam, aos povos indígenas é assegurada a realização de consultas efetivas e
previamente informadas com as comunidades quando algum ato ou decisão possa afetar
seus territórios tradicionais, sendo que qualquer determinação deve ser baseada no
consentimento prévio e informado destas populações.30
Somente com o conhecimento das informações em poder do Estado sobre o meio
ambiente, suas formas de utilização e proteção, a sociedade poderá participar nas
tomadas de decisões, na elaboração e no monitoramento de políticas públicas na área
ambiental, o que é de fundamental importância para prezar pela dignidade e qualidade de
vida das atuais e futuras gerações.
6.2 ARQUIVOS DE MEMÓRIA HISTÓRICA SOBRE GRAVES VIOLAÇÕES DE
DIREITOS HUMANOS
A maioria dos Estados americanos passou por graves períodos de exceção durante
a segunda metade do século XX. As ditaduras militares assolaram os países por vários
28
ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Comisión Interamericana de Derechos Humanos.
Demanda ante la corte interamericana de derechos humanos em el caso del Pueblo Indígena Kichwa
de Sarayaku y sus miembros (Caso 12.465) contra Ecuador. 26 de abril de 2010. par. 136.
29
ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Comisión Interamericana de Derechos Humanos.
Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. Informe anual de la relatoría especial para la libertad
de expresión. Washington, D.C., 2008. v. 2, cap. 3, par. 147.
30
ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Comisión Interamericana de Derechos Humanos.
Informe nº 40/04. Fondo, Comunidades Indígenas Mayas del Distrito de Toledo, Belice. Washington, D.C.,
12 de octubre de 2004. par. 142.
14
anos, e as incontáveis violações de direitos humanos ocorridas à época ainda não são
plenamente conhecidas pelas sociedades até os dias atuais.
O caráter instrumental do direito de acesso à informação mais uma vez se coloca
como fundamental para que muitas das graves violações de direitos humanos ocorridas
em determinados períodos históricos sejam conhecidas, primeiramente, para que, a partir
daí, seja possível almejar qualquer tipo de reparação. O conhecimento sobre práticas
violadoras de direitos humanos, executadas principalmente por agentes do Estado, auxilia
ainda na prevenção para que tais ocorrências não sejam repetidas.
O acesso à informação histórica permite a concretização do direito à verdade, tão
fundamental para a construção da identidade coletiva e individual no seio da sociedade.
Sob este aspecto, a Corte IDH afirma claramente que “toda pessoa, inclusive os familiares
das vítimas de graves violações de direitos humanos, tem o direito de conhecer a
verdade. Por conseguinte, os familiares das vítimas e a sociedade devem ser informados
de todo o ocorrido com relação a essas violações”.31
Antonio Augusto Cançado Trindade, enquanto Juiz Presidente da Corte IDH na
decisão do caso Bámaca Velásquez vs. Guatemala, afirmou a importância do direito à
verdade para o indivíduo e, consequentemente, para a sociedade:
La búsqueda de la verdad – como lo ilustran los casos de dezaparición forzada de
personas – constituye el punto de partida para la libertación así como la protección
del ser humano; sin la verdad (por más insuportable que ésta venga a ser) no es
posible libertarse del tormento de la incertidumbre, y tampoco es posible ejercer
32
los derechos protegidos.
Em consequência, o Estado tem o dever de criar e preservar arquivos públicos
destinados a sistematizar informações referentes a graves violações de direitos humanos.
É o que estabelece a Resolução 2267 (“El derecho a la verdad”) da Assembleia Geral da
OEA33 ao determinar a obrigação do Estado em definir, em sua jurisdição interna, os
meios para preservação de arquivos e outras provas que possibilitem e facilitem o
conhecimento de tais violações, os atos de investigação das denúncias e o acesso a um
recurso efetivo para obtenção de informações por parte das vítimas.
Entretanto, a simples disponibilização da informação que se encontra em poder do
Estado não abrange todas as obrigações governamentais. É necessário ainda que se
31
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso Gomes Lund y otros (Guerrilha do
Araguaia) Vs. Brasil. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24 de
noviembre de 2010. (Serie C, n. 219). par. 200.
32
Id. Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. Fondo. Sentencia de 25 de noviembre de 2000. Voto
razonado del Juez A. A. Cançado Trindade. (Serie C, n. 70). par. 29.
33
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Assembleia Geral. Resolução 2267 (XXXVII-O/07).
Direito à verdade. Aprovada na quarta sessão plenária, realizada em 5 de junho de 2007. Washington, D.C.,
2006.
15
desenvolva um trabalho de investigação e confirmação dos fatos, quer constem ou não
em documentos oficiais, com a finalidade de esclarecer verdadeiramente o ocorrido e
informar os familiares e a opinião pública em geral.
Neste sentido, há a experiência de vários países que instituíram as chamadas
Comissões da Verdade, visando o esclarecimento de seu passado histórico34. Essas
Comissões são órgãos governamentais temporários oficialmente investidos de poderes
para identificar e reconhecer os fatos ocorridos e as pessoas que participaram desses
processos, abrangendo tanto as vítimas quanto os perpetradores de violências. Este
levantamento histórico é feito com pelo menos dois propósitos, quais sejam, “assegurar o
direito à memória das vítimas e confiar às futuras gerações a responsabilidade de
prevenir a ocorrência de tais práticas”.35
O Brasil, 26 anos depois do término do período de exceção, criou a sua Comissão
Nacional da Verdade, por meio da Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011.36 A Comissão
objetiva investigar, em um prazo de dois anos, violações de direitos humanos ocorridas
entre 1946 e 1988 e será composta por sete membros nomeados pela Presidência da
República. Entretanto, ainda vigora no Brasil a Lei 6.683/79, a chamada Lei de Anistia,37
que concede anistia a todos os que “cometeram crimes políticos ou conexos com estes”
no período dos governos militares, estando incluídas na interpretação de “crimes
conexos” graves violações de direitos humanos cometidas por agentes do Estado. Esta
34
NÚCLEO MEMÓRIA. A comissão da verdade no Brasil: por que? o que é? o que temos de fazer? São
Paulo, 2011. p. 18. A Uganda foi o primeiro país a instituir uma Comissão da Verdade, em 1974, seguida
por Bolívia (1982), Argentina (1983), Uruguai (a primeira Comissão em 1985), Zimbábue (1985), Uganda (a
segunda Comissão no ano de 1986), Chile (a primeira em 1986), Nepal (1990), Chade (1991), Alemanha
(1992), El Salvador (1992), Sri Lanka (1994), Haiti (1995), África do Sul (1995), Equador (a primeira em
1996), Guatemala (1999), Nigéria (1999), Uruguai (a segunda em 2000), Coreia do Sul (2000), Panamá
(2001), Peru (2001), República Federal da Iugoslávia (2001), Gana (2002), Timor Leste (2002), Serra Leoa
(2002), Chile (a segunda em 2003), Paraguai (2004), Marrocos (2004), Carolina do Norte, EUA (2004),
República Democrática do Congo (2004), Indonésia e Timor Leste (2005), Coreia do Sul (a segunda em
2005), Libéria (2006), Equador (a segunda em 2008), Ilhas Maurício (2009), Ilhas Salomão (2009), Togo
(2009), Quênia (2009) e Canadá (2009).
35
KLAUTAU FILHO, Paulo. O direito dos cidadãos à verdade perante o poder público. São Paulo:
Método; Belém: Ed. CESUPA, 2008. p. 30.
36
BRASIL. Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011. Cria a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da
Casa Civil da Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20112014/2011/Lei/L12528.htm>. Acesso em: 21 nov. 2011.
37
BRASIL. Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979. Concede anistia e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6683.htm>. Acesso em: 21 nov. 2011. É concedida anistia a
todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979,
cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos
suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público,
aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes
sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares. §1º Consideram-se conexos,
para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por
motivação política.
16
Lei foi declarada incompatível com a Convenção Americana e carente de efeitos jurídicos
pela Corte IDH,38 por impedir a investigação e a sanção de graves violações ocorridas
neste período, representando um obstáculo para a investigação dos fatos.
Mais do que o investimento na criação e manutenção de arquivos públicos pelo
Estado, visando conservar o passado histórico, é necessário que a busca pela verdade
seja contínua e progressiva, enquanto existir na sociedade qualquer indício de violação de
direitos humanos. Todos os mecanismos e princípios do direito de acesso à informação
devem ser colocados em prática, pois só assim a sociedade poderá exercer a democracia
de forma livre e consciente.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A importância do direito de acesso à informação é afirmada pela jurisprudência
interamericana por múltiplas razões: por ser uma ferramenta crítica que proporciona a
participação democrática, o controle da gestão pública, o controle da corrupção e outros
abusos governamentais; por servir como meio para a autodeterminação individual e
coletiva, em incentivo à democracia, uma vez que possibilita a tomada de decisões de
forma livre e consciente; por ser um instrumento essencial para a efetivação de outros
direitos humanos, tendo em vista que apenas com o conhecimento preciso do conteúdo
dos direitos e suas formas de acesso é possível torná-los efetivos.
Quando a Corte Interamericana, na sentença do caso Claude Reyes, reconheceu o
direito de acesso à informação como um direito humano fundamental, protegido por
tratados de direitos humanos que obrigam os países a respeitá-lo, não fez pouca coisa.
A partir desta sentença, muitas mudanças aconteceram nos países americanos em
prol da efetivação deste direito. O Chile passou a ser um dos líderes na região em
políticas de acesso à informação, tendo sancionado a Ley de Transparencia e criado o
Consejo para la Transparencia em 2009. Pelo menos outros 18 países da América
sancionaram leis de acesso à informação pública,39 como fez o Brasil recentemente por
38
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso Gomes Lund y otros (Guerrilha do
Araguaia) Vs. Brasil, op. cit., par. 325.3.
39
ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Comisión Interamericana de Derechos Humanos.
Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. El derecho de acceso a la informacion en el marco
jurídico interamericano, op. cit., p. x.
17
meio da Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011,40 e outros se encontram em curso de
procedimento para fazê-lo.
Entretanto, estes avanços precisam ser vistos como os primeiros passos visando à
construção de uma cultura de transparência na sociedade. A possibilidade de acesso a
outros bens e direitos faz do acesso à informação base de sustentação de qualquer
regime democrático. Na cultura do secretismo não há participação pública, logo, não há
democracia.
Sem liberdade de expressão e informação não há que se falar em democracia
plena, e sem democracia a história já demonstrou que várias garantias estão em situação
de vulnerabilidade, desde o direito à vida até o direito à propriedade são colocados em
perigo.
O princípio da máxima divulgação precisa ser colocado em prática para que o
acesso à informação seja efetivamente a regra, e não a exceção. Neste processo, é
essencial também a boa fé dos agentes públicos no fornecimento e busca idônea de toda
informação que esteja em poder do Estado. Assim, até mesmo as limitações atribuídas a
este direito devem levar em consideração os seus princípios, uma vez que restrições são
permitidas apenas com base no disposto na Convenção Americana, com resposta
fundamentada quando da negativa, e desde que sejam necessárias em uma sociedade
democrática.
A informação pertence às pessoas. Ela não pode ser vista como propriedade do
Estado, em que o seu acesso se deva a um favor do governo. Aos governantes cabe
administrar a informação somente enquanto representantes dos indivíduos, seguindo os
padrões e princípios internacionais de proteção e promoção do direito de acesso à
informação de forma a possibilitar a efetivação de outros tantos direitos da pessoa
humana.
40
BRASIL. Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011, op. cit.
18
REFERÊNCIAS
ARTIGO 19 BRASIL. Acesso à informação ambiental. Cartilha. Disponível em:
<http://artigo19.org/doc/CARTILHAAMBIENTALARTIGO19.pdf >. Acesso em: 22 maio
2011.
BRASIL. Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011. Cria a Comissão Nacional da Verdade
no âmbito da Casa Civil da Presidência da República. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528.htm>. Acesso em:
21 nov. 2011.
BRASIL. Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979. Concede anistia e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6683.htm>. Acesso em: 21 nov.
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19
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20
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MEDINA QUIROGA, Cecília. La convención americana: teoría y jurisprudência: vida,
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Universidad de Chile, Facultad de Derecho, Centro de Derechos Humanos, 2005.
Disponível em: <http://www.iidh.ed.cr/
BibliotecaWeb/Varios/Documentos/BD_1231064373/La%20Convencion%20Americana.pd
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ncion+Americana.pdf>. Acesso em: 13 fev. 2011.
21
APÊNDICE A
FICHAMENTO*
CASO CLAUDE REYES E OUTROS VS. CHILE41
1 ATORES ENVOLVIDOS
1.1 ESTADO DO CHILE
O Chile é Estado Parte da Organização dos Estados Americanos (OEA) e ratificou
a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em 21 de agosto de 1990, tendo
reconhecido na mesma data a competência contenciosa da Corte Interamericana de
Direitos Humanos (par. 5).
1.2 PETICIONÁRIOS (REPRESENTANTES DAS VÍTIMAS)
A denúncia do caso Claude Reyes e outros vs. Chile foi apresentada à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos em 17 de dezembro de 1998 pelos seguintes
peticionários: “Clínica Jurídica de Interés Público” da Universidad Diego Portales; as
organizações chilenas “ONG FORJA”, “Fundación Terram” e “Corporación la Morada”; o
“Instituto de Defensa Legal del Perú”; as organizações argentinas “Fundación Poder
Ciudadano” e “Asociación para los Derechos Civiles”; e os senhores Baldo Prokurica
Prokurica, Oswaldo Palma Flores, Guido Girardo Lavín e Leopoldo Sánchez Grunert (par.
6).
2 ARTIGOS VIOLADOS
A denúncia apresentada pela Comissão à Corte Interamericana alega a violação
pelo Estado chileno dos direitos consagrados nos artigos 13 (Liberdade de Pensamento e
de Expressão) e 25 (Proteção Judicial) da Convenção Americana, relacionados às
obrigações estabelecidas nos artigos 1.1 (Obrigação de Respeitar os Direitos) e 2 (Dever
de Adotar Disposições de Direito Interno) do mesmo instrumento, em prejuízo dos
senhores Marcel Claude Reyes, Sebastián Cox Urrejola e Arturo Longton Guerrero (par.
2).
* Fichamento elaborado pela discente Kecya Matos para composição do Banco de Dados da Clínica de
Direitos Humanos do Centro Universitário do Pará – CESUPA.
41
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Claude Reyes y otros Vs. Chile. Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentencia de 19 de septiembre de 2006. Serie C No. 151. Disponível em:
<http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_151_esp.pdf>. Acesso em: 04 out 2011.
22
Os representantes das vítimas alegaram também a violação do artigo 8 (Garantias
Judiciais) e do artigo 23 (Direitos Políticos) da Convenção Americana, em relação aos
artigos 1.1 e 2 do mesmo tratado (par. 109).
3 NARRATIVA DOS FATOS
Em 1991 o Estado do Chile celebrou contrato de investimentos estrangeiros com
as empresas Cetec Engineering Company Inc. e Sentarn Enterprises Ltd. (investidores
estrangeiros) e a empresa Inversiones Cetec-Sel Chile Limitada (empresa chilena
receptora), para que esta utilizasse a quantia de 180 milhões de dólares americanos em
trabalhos de desenho, construção e operação de um projeto de industrialização florestal,
conhecido como “Proyecto Río Cóndor”, que envolvia o desenvolvimento de um complexo
florestal integrado, “compuesto de un aserradero mecanizado, planta reelaboradora de
madera, fabricación de chapas y tableros, planta recuperadora de astillas [y] planta
energética”. Este projeto era de grande impacto ambiental e gerou discussão pública (par.
57.7).
Em 1993 a empresa receptora Inversiones Cetec-Sel Chile Limitada mudou sua
razão social para Forestal Trillium Ltda, e em 1999 mudou novamente para Forestal Savia
Limitada (par. 57.9).
O sr. Marcel Claude Reyes foi diretor executivo entre os anos de 1997 e 2003 da
organização não governamental “Fundación Terram”, que tem por finalidade promover a
capacidade da sociedade civil para responder a decisões públicas sobre investimentos
relacionadas ao uso dos recursos naturais, assim como participar ativamente do debate
público e da produção de informação sólida sobre desenvolvimento sustentável no Chile
(par. 57.12).
Em 7 de maio de 1998 o sr. Claude Reyes, enquanto diretor da referida Fundação,
remeteu uma comunicação ao vice-presidente executivo do Comitê de Investimentos
Estrangeiros indicando que a referida organização se propôs a avaliar os fatores
comerciais, econômicos e sociais do Projeto Rio Condor, medir o impacto sobre o meio
ambiente e ativar o controle social sobre a gestão dos órgãos do Estado que tiveram ou
que tenham ingerência no desenvolvimento do Projeto, tendo solicitado ao Comitê as
seguintes informações de interesse público (par. 57.13):
1. os contratos de investimentos estrangeiros firmados pelo Estado chileno
referentes ao Projeto Rio Condor;
23
2. a identidade dos investidores, sejam estrangeiros ou nacionais;
3. os antecedentes dos investidores para assegurar sua seriedade e idoneidade e
os pareceres do Comitê que deram os antecedentes por suficientes;
4. o montante total autorizado para investimento, formas e prazos de entrada de
capital e existência de créditos associados ao projeto;
5. o capital efetivamente ingressado no país;
6. as informações em poder do Comitê ou de outras entidades públicas ou privadas
com relação ao controle das obrigações que tenham contraído os investidores e se o
Comitê havia tomado conhecimento de alguma infração ou delito;
7. informações se o Comitê solicitou, conforme determina a legislação, de todos os
serviços ou empresas dos setores público e privado os informes e antecedentes que são
requeridos para as finalidades do Comitê.
Em maio de 1998, o vice-presidente do Comitê prestou informações ao sr. Claude
Reyes e ao deputado Arturo Longton Guerrero referentes aos itens 1, 2, 4 e 5 das
informações solicitadas (par. 57.14-15). Entretanto, o Comitê não se manifestou sobre os
pontos 3, 6 e 7, e tão pouco fundamentou a negação da entrega das informações (par.
57.17).
A Lei de Bases da Administração do Estado, vigente à época, não continha
disposições referentes ao direito de acesso à informação em poder do Estado, nem aos
princípios de transparência e publicidade da administração. Esta lei também não
consagrava um procedimento para viabilizar o acesso à informação em poder da
administração pública (par. 57.33).
Sobre a atuação judicial interna, em 27 de julho de 1998 os srs. Marcel Claude
Reyes, Sebastián Cox Urrejola e Arturo Longton Guerrero apresentaram recurso de
proteção perante a Corte de Apelações de Santiago, alegando violação aos direitos de
liberdade de expressão e de acesso a informação em poder do Estado (par. 57.23). A
referida Corte emitiu decisão declarando inadmissível o recurso de proteção interposto
por manifesta falta de fundamento (par. 57.25).
Foram ainda interpostos recurso de reposição ante a Corte de Apelações de
Santiago e recurso de queixa contra os Ministros da Corte de Apelações de Santiago
perante a Corte Suprema do Chile, sendo também não admitidos (par. 57.27-31).
24
4 EVOLUÇÃO DO PROCESSO
Em 17 de dezembro de 1998, os peticionários apresentaram uma denúncia perante
a Comissão Interamericana de Direito Humanos alegando as violações referentes à
negativa infundada de informações sobre o Projeto Rio Condor no Estado do Chile. A
Comissão declarou a admissibilidade do caso em 10 de outubro de 2003, e se colocou à
disposição das partes a fim de se alcançar uma solução amistosa (par. 6-7).
Em 7 de março de 2005, mediante a falta de sucesso para a formulação de um
acordo, a Comissão aprovou informe em que declarou a violação dos direitos de Marcel
Claude Reyes, Sebastián Cox Urrejola e Arturo Longton Guerrero ao acesso à informação
pública e à proteção judicial previstos na Convenção Americana, e recomendou ao Estado
chileno a) divulgar publicamente as informações solicitadas, b) outorgar uma reparação
adequada aos solicitantes pela violação de seus direitos, e c) ajustar a ordem jurídica
interna e adotar as medidas necessárias para garantir o acesso efetivo às informações
públicas (par. 8).
Em 1 de julho de 2005, a Comissão decidiu submeter o caso à jurisdição da Corte
Interamericana por entender que o Estado não havia adotado suas recomendações de
forma satisfatória (par. 14).
Em 8 de julho de 2005, o caso foi apresentado pela Comissão à Corte (par. 15). Os
representantes das vítimas apresentaram escrito de argumentos e solicitações em 28 de
setembro de 2005, e o Estado apresentou escrito de contestação à demanda em 2 de
dezembro de 2005 (par. 20-21).
Houve ainda apresentação de outros documentos, testemunhos e perícias por
parte da Comissão, dos representantes das vítimas e do Estado, além da manifestação
de várias organizações na qualidade de amici curiae (par. 21-47), até ser proferida a
sentença ora sob análise pela Corte Interamericana, em 19 de setembro de 2006.
5 ALEGAÇÕES DE MÉRITO
5.1 ARTIGO 13 DA CONVENÇÃO AMERICANA (LIBERDADE DE PENSAMENTO E DE
EXPRESSÃO)
Comissão (par. 58): O artigo 13 da Convenção Americana deve compreender uma
obrigação positiva do Estado de oferecer o acesso à informação pública, e este direito se
faz muito importante em uma sociedade democrática, uma vez que habilita a sociedade
civil a controlar as ações do governo, a quem confiou a proteção de seus interesses.
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O direito de acesso à informação deve estar regido pelo princípio da máxima
divulgação, e carga probatória pertence ao Estado, que deve demonstrar que as
limitações a este direito são compatíveis com as normas interamericanas de acesso à
informação.
‘Ello significa que la restricción no sólo debe relacionarse con uno de [los]
objetivos [legítimos que la justifican], sino que también debe demostrarse
que la divulgación constituye una amenaza de causar substancial perjuicio
a ese objetivo y que el perjuicio al objetivo debe ser mayor que el interés
público en disponer de la información’ (prueba de proporcionalidad).
Representantes das vítimas (par. 59): A alegação do Estado perante a Corte de
que não prestara a informação solicitada por haver um vazio normativo a respeito da
confidencialidade das informações entregues pelas empresas vulnera a presunção da
máxima divulgação da informação e os princípios de proporcionalidade e necessidade
que se impõem às restrições ao direito de liberdade de expressão.
O reconhecimento implícito da falta de investigação e da negação da informação
por parte do Comitê vulnera o direito de acesso à informação, uma vez que o interesse
público exige do Estado a adoção de medidas adicionais e complementares de proteção
destinadas a assegurar a idoneidade e seriedade de quem faz investimentos no país.
Estado (par. 60): O Comitê de Investimentos Estrangeiros não possuía as
informações requeridas nos pontos 6 e 7 da solicitação. Com relação ao ponto 3, o
Comitê não conta com capacidade física nem com faculdades legais para investigar
situações de fato dos investidores. Não é função do Comitê “efectúa[r] un estudio previo
para garantizar la viabilidad técnica, legal, financiera o económica de los proyectos
económicos [de inversión]; esa tarea es de los propios inversionistas”.
A informação solicitada ao Comitê orientada a conhecer o possível impacto
ambiental que o projeto florestal poderia gerar é de competência da Comissão Nacional
de Meio Ambiente, e por isso não estava em posse do Comitê. O Estado alega ainda que
tem dado cumprimento às recomendações feitas pela Comissão em seu informe de
mérito, quais sejam, outorgar uma reparação adequada aos solicitantes pela violação de
seus direitos, e ajustar a ordem jurídica interna e adotar as medidas necessárias para
garantir o acesso efetivo às informações públicas.
Quanto à recomendação de divulgar publicamente as informações solicitadas, a
circunstância de que o projeto em questão não foi implementado nem executado faz com
que desapareçam os motivos da informação solicitada, estando o cumprimento da
recomendação absolutamente fora de contexto.
26
Em relação às outras recomendações, o Estado estava analisando uma reparação
de caráter simbólico para reconhecer a situação de vulneração de direitos das vítimas, e
afirma estar adaptando sua normatização interna para moldá-la conforme o disposto no
artigo 13 da Convenção Americana.
Corte: O direito à liberdade de pensamento e de expressão compreende não
apenas o direito e a liberdade de expressar seu próprio pensamento, mas também o
direito e a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda índole
(par. 76).
A Corte considera que o artigo 13 da Convenção Americana, ao estipular
expressamente os direitos de “buscar” e “receber” informações, protege o direito de toda
pessoa de solicitar informações que estejam sob controle do Estado, com as ressalvas
permitidas pelo regime de restrições da Convenção. Em consequência, o artigo ampara o
direito de receber a informação e a obrigação positiva do Estado de oferecê-la, de forma
que a pessoa receba efetivamente a informação ou resposta fundamentada sobre a
negativa ao acesso, por algum motivo permitido pela Convenção (par. 77).
Em diversas resoluções, a Assembleia Geral da OEA considerou que o acesso à
informação pública é um requisito indispensável para o funcionamento da democracia,
para uma maior transparência e para uma boa gestão pública, e que em um sistema
democrático,
representativo
e
participativo,
a
cidadania
exerce
seus
direitos
constitucionais por meio de uma ampla liberdade de expressão e de um livre acesso à
informação (par. 84).
A atuação do Estado deve ser regida pelos princípios da publicidade e
transparência na gestão pública, o que torna possível que as pessoas que estejam sob
sua jurisdição exerçam o controle democrático das gestões estatais, de forma que
possam questionar, indagar e considerar se está sendo dado o adequado cumprimento às
funções públicas (par. 86).
O direito de acesso à informação em poder do Estado admite restrições, que
devem seguir os requisitos fixados pela Convenção. Primeiramente, as restrições devem
estar previamente fixadas em lei, como meio para assegurar que não fiquem ao arbítrio
do poder público. Essas leis devem ser ditadas por razões de interesse geral e com o
propósito para o qual tenham sido estabelecidas (par. 89).
Em segundo lugar, a restrição estabelecida por lei deve responder a um objetivo
estabelecido na Convenção Americana, em seu artigo 13.2, ou seja, devem ser
necessárias para assegurar “o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas”
27
ou “a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral
públicas” (par. 90).
Por último, as restrições impostas devem ser necessárias em uma sociedade
democrática, o que depende de que estejam orientadas a satisfazer um interesse público
imperativo. A restrição deve ser proporcional ao interesse que a justifica e deve ser
condizente para o alcance desse legítimo objetivo, interferindo minimamente no efetivo
exercício do direito (par. 91).
Em uma sociedade democrática é indispensável que as autoridades se orientem
pelo princípio da máxima divulgação, o qual estabelece a presunção de que toda
informação é acessível, sujeito a um regime restrito de exceções (par. 92).
A Corte entende que o estabelecimento de restrições ao direito de acesso à
informação em poder do Estado por meio de práticas de suas autoridades, sem a
observância dos limites convencionais, cria um campo fértil para a atuação discricionária
e arbitrária do Estado na classificação da informação como secreta, reservada ou
confidencial, e gera insegurança jurídica sobre o exercício deste direito e as faculdades
do Estado para restringi-lo (par. 98).
5.2 ARTIGO 23 DA CONVENÇÃO AMERICANA (DIREITOS POLÍTICOS)
Comissão (par. 104): A Comissão não alegou a violação do artigo 23 da
Convenção Americana.
Representante0073 das vítimas (par. 105): O Estado vulnerou o direito à
participação direta nos assuntos públicos. Para a efetivação deste, é imprescindível que
os cidadãos possam exercer também o direito de acesso à informação pública, uma vez
que estes dois direitos convergem, legitimam e sustentam o direito ao controle social. A
negativa injustificada de entrega da informação solicitada infringe o direito à participação
política.
Estado (par. 106): O Estado não apresentou alegações sobre a violação do artigo
23 da Convenção Americana.
Corte (par. 107): A Corte não examinou a alegada violação do artigo 23 da
Convenção por já ter levado em consideração os argumentos formulados pelos
representantes ao analisar a violação do artigo 13 da Convenção.
5.3 ARTIGOS 8 E 25 DA CONVENÇÃO AMERICANA (GARANTIAS JUDICIAIS E
PROTEÇÃO JUDICIAL)
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Comissão (par. 108): A respeito da violação do artigo 25, a Comissão alegou que
a falta de um recurso judicial efetivo para reparar violações de direitos protegidos pela
Convenção em si constitui uma violação da Convenção. A efetividade do recurso implica
que o órgão judicial avalie o mérito da denúncia. O Estado tem a obrigação de oferecer
um recurso judicial efetivo diante das denúncias de violação ao direito de acesso à
informação.
Representantes das vítimas (par. 109): O não reconhecimento dos recursos pela
Corte de Apelações de Santiago e também pela Corte Suprema, sem fundamentação
para esta conclusão, impediu que as vítimas fossem ouvidas com as devidas garantias
para a satisfação do direito reclamado.
Estado (par. 110): O artigo 25 da Convenção impõe ao Estado uma obrigação de
meios e não de resultados. Os solicitantes poderiam ter utilizados de outros recursos
internos, mas não o fizeram.
Corte: O artigo 8.1 da Convenção Americana não se aplica somente a juízes e
tribunais judiciais, mas as garantias estabelecidas por esta norma devem ser observadas
em todos os procedimentos em que os órgãos estatais tomam decisões sobre a
determinação dos direitos das pessoas (par. 118).
A Corte estabeleceu que as decisões tomadas por órgãos internos que possam
afetar direitos humanos devem estar devidamente fundamentadas, pois ao contrário
seriam consideradas decisões arbitrárias (par. 120). Pela falta de entrega da informação
solicitada e a falta de fundamentação para a negativa por parte do Comitê de
Investimentos Estrangeiros do Chile, a Corte conclui que a decisão da autoridade
administrativa violou o direito às garantias judiciais consagrado no artigo 8.1 da
Convenção (par. 123).
Ainda sobre as garantias judiciais, a Corte estabeleceu que todos os órgãos que
exerçam funções jurisdicionais têm o dever de tomar decisões justas baseadas no
respeito pleno às garantias do devido processo estabelecidas no artigo 8.1 da Convenção
(par. 126).
O artigo 25.1 da Convenção estabelece a obrigação dos Estados em oferecer um
recurso judicial efetivo contra atos violatórios de seus direitos fundamentais. Dispõe ainda
que esta garantia se aplica não apenas aos direitos contidos na Convenção, mas também
àqueles reconhecidos pela Constituição e pelas leis do país (par. 128).
A inexistência de um recurso efetivo contra as violações de direitos protegidos pela
Convenção constitui em si uma violação por parte do Estado, que tem obrigação de
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consagrar normativamente e assegurar a efetiva aplicação dos recursos (par. 130).
Entretanto, não basta a existência formal destes, mas devem ter efetividade e ser idôneos
para combater a violação (par. 131).
O Estado deve garantir que diante a negação de informação sob seu controle
exista um recurso judicial simples, rápido e efetivo em que se determine se houve
violação do acesso à informação pelo solicitante, e, havendo, que ordene ao órgão
competente a entrega da informação, sendo indispensável o fator celeridade nesta
matéria. Ainda, de acordo com os artigos 2 e 25.2.b) da Convenção, o Estado tem
obrigação de criar um recurso judicial para proteger o direito caso ainda não exista em
seu ordenamento (par. 137).
6 PONTOS RESOLUTIVOS
A Corte declara, por unanimidade, que o Estado do Chile violou o direito a
liberdade de pensamento e de expressão (art. 13) em prejuízo de Marcel Claude Reyes e
Arturo Longton Guerrero; por quatro votos contra dois, que o Estado violou o direito às
garantias judiciais (art. 8.1) em prejuízo de Marcel Claude Reyes e Arturo Longton
Guerrero a respeito da decisão da autoridade administrativa de não entregar a informação
solicitada; e, por unanimidade, que o Estado violou os direitos às garantias judiciais e à
proteção judicial (arts. 8.1 e 25) em prejuízo de Marcel Claude Reyes, Arturo Longton
Guerrero e Sebastián Cox Urrejola a respeito da decisão judicial do recurso de proteção.
E decide, por unanimidade, que:
- O Estado deve entregar a informação solicitada pelas vítimas, ou apresentar uma
decisão fundamentada a respeito da negativa, no prazo de seis meses;
- O Estado deve publicar as partes da sentença relativas aos fatos provados, às violações
declaradas pela Corte e a resolução em Diário Oficial e em outro jornal de ampla
circulação nacional, no prazo de seis meses;
- O Estado deve adotar, em um prazo razoável, as medidas necessárias para garantir o
direito de acesso à informação em poder estatal;
- O Estado deve realizar, em um prazo razoável, a capacitação dos órgãos, autoridades e
agentes públicos encarregados de atender às solicitações de acesso à informação em
poder estatal;
- O Estado deve pagar aos srs. Marcel Claude Reyes, Arturo Longton Guerrero e
Sebastián Cox Urrejola, no prazo de um ano, a quantidade de U$ 10.000,00 (dez mil
dólares dos Estados Unidos da América), entregues em partes iguais às vítimas.
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- A Corte supervisionará o cumprimento integral da sentença e dará por concluído o caso
uma vez que o Estado tenha cumprido totalmente o disposto nela.
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caso claude reyes e outros vs. chile: o acesso à - Fabsoft