DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Avenida Liberdade – nº 32 – Centro – São Paulo – CEP 01502-000
PLANTÃO CÍVEL - 4º andar, sala 08 – telefone 3105-5799
São Paulo, 17 de março de 2009.
Ref. Projeto de Lei
A/C
Excelentíssimos Senhores (as) Doutores (as) Senadores (as) e
Excelentíssimos Senhores (as) Doutores (as) Deputados (as) Federais,
EMENTA. Projeto de Lei. Necessidade
de alteração dos artigos 53 e 63 da Lei
nº 8.934/94 que dispõe sobre o registro
público
de
empresas
mercantis.
Ausência
de
obrigatoriedade
de
escritura
pública
para
alteração
contratual
e
dispensabilidade
de
reconhecimento
de
firma
para
arquivamento de atos na Junta
comercial que propiciam a execução de
fraudes e instaura cenário de ilicitude.
Milhares de brasileiros afetados pela
inserção indevida e ardilosa como
sócios de empresa.
Excelentíssimos,
Sou Defensor Público do Estado de São Paulo e peço
venia para trazer ao conhecimento de Vossas Excelências uma séria questão
que demanda, s.m.j., célere alteração legislativa. Desta forma, as pessoas mais
confiáveis e competentes para executá-la são os Senhores Congressistas,
motivo pelo qual venho relatar a questão e rogar por providências.
Quando assumi o cargo em setembro de 2007, lotado na
unidade central da Defensoria fui encarregado de atender as demandas cíveis
da população necessitada e produzir as peças jurídicas para a solução das
questões trazidas por estes cidadãos carentes.
Neste mister, comecei a perceber mês a mês a ocorrência
de situação semelhante (problema jurídico comum), na qual o cidadão perdia,
era furtado ou roubado, ficando, de qualquer forma, destituído de seus
documentos pessoais e logo estaria inserido como sócio - “laranja” – em
empresa comercial, pelo Brasil afora, através da utilização ilícita de sua
documentação que lhe fora desapossada.
Confesso às Vossas Excelências, que no começo, no
primeiro, segundo até o décimo caso ficava muito desconfiado da questão
narrada pelo (a) assistido(a) que procurava a Defensoria Pública para este tipo
de problema, imaginando, até mesmo, tratar-se de sócios que pretendiam se
livrar de empresas fadadas ao insucesso ou à beira da falência.
Mas logo percebia, quando da conversa e coleta de
documentação com estas pessoas realmente hipossuficientes (em todos os
sentidos) não teriam a mínima condição de ingressar, comandar, administrar ou
de qualquer forma participar das empresas que eram inseridas de forma
indevida, com a utilização daqueles seus documentos pessoais que houveram
sido extraviados.
Depois, em conversa com demais colegas e antigos
procuradores da assistência judiciária que executavam atividade semelhante,
até a criação da Defensoria Pública (que por sinal demorou quase 20 longos
anos para ser instalada em São Paulo), foi-me confidenciado que esta
problemática era antiga e milhares de pessoas já haviam procurado a
instituição para solução deste mesmo problema, de forma reiterada.
De fato, toda esta questão ocorre da seguinte forma: o
cidadão tem seus documentos originais retirados de sua posse, por qualquer
motivo (extravio, furto, roubo etc). Terceiros de má-fé utilizam-se destes
documentos para fazer que tais cidadãos figurem como sócios de empresas,
apresentando
contratos
de
alterações
contratuais
particulares,
sem
reconhecimento de firma, em que se pede o arquivamento na junta comercial e
retirada de outros sócios (legítimos ou não) na mesma oportunidade que
inserem as nomes das vítimas.
O cidadão, a princípio, não fica sabendo de nada. E muitas
vezes passam anos sem saber e ter conhecimento que foi inserido como sócio
de uma sociedade. Até que, certo dia, vai fazer a declaração de isento de
imposto de renda (porque são pessoas de baixíssima renda) ou vai comprar
por meio de financiamento, qualquer produto nestas casas de departamentos
de grande porte (que extraem seu cadastro pessoal) e tem-se a notícia que seu
nome está “sujo”.
Começa, assim a via crucis deste cidadão. Procura a
Defensoria Pública. Solicitamos documentos para a Receita Federal. Nestes,
vem apontado o nome da empresa ou empresas que o assistido faz parte como
sócio (ilicitamente). Solicitamos, em seguida, certidão de inteiro teor para a
Junta comercial para conhecer o histórico e conteúdo destas empresas. E lá
vem demonstrado, por meio de documentos, que aquele cidadão “solicitou” seu
ingresso na sociedade, por meio de instrumento particular, na data prevista,
com sua assinatura, o que, na maior parte dos casos, percebe-se, a olhos nus,
tratar-se de falsificação grosseira.
Próximo passo solicitamos demais documentos, como
declaração de testemunhas, comprovantes que sempre laborou em local
diverso e nunca compareceu naquela empresa, Boletins de ocorrência da
época do extravio dos documentos, da inserção indevida na empresa, entre
outros.
De posse de toda a documentação é confeccionada a
petição inicial em que se busca a declaração de inexistência de relação jurídica
daquele necessitado com as empresas apontadas pela Junta comercial e pela
Receita Federal que a vítima compõe os quadros societários.
O processo demora anos para tramitar, mas após a
constatação, por meio de documentos e exames grafotécnicos, que aquela
assinatura constante no pedido de alteração contratual, que foi arquivado no
registro público de empresas mercantis (junta comercial) não é do cidadão e
que foi fraudada, o d. magistrado declara a inexistência de qualquer relação
jurídica deste cidadão com a empresa cuja sociedade foi-lhe imputada, de
forma ilícita, excluindo-o do quadro societário.
Situação pior ocorre (e diga-se com extrema freqüência)
quando além de ser inserido como sócio de empresa de forma fraudulenta, os
demais componentes desta empresa (ou terceiros de má-fé) utilizando da
condição de sócio daquele cidadão conseguem abrir contas em seu nome,
representando a empresa, em diversas instituições financeiras, inclusive com a
expedição de talonários de cheques em que figura como titular da conta da
empresa. Destrói-se por completo a vida e reputação destes cidadãos.
Esta questão pode ocorrer e, de fato ocorre, com ricos ou
com pobres. Pode-se dizer que ninguém está imune à ação destes fraudadores
quando do extravio de documentos. Entretanto, os mais abastados logo
descobrem a fraude, já que em constante utilização de seu crédito e
movimentação de suas contas e declarações de imposto de renda. Assim,
embora necessitem também de declaração judicial para exonerar-se de
qualquer responsabilidade, logo tratem de contratar advogados e rapidamente
solucionar o caso em seu nascedouro.
Já os menos favorecidos, que muitas das vezes não
sabem sequer como proceder e a quem recorrer, demoram anos para descobrir
este fato e outros tantos para chegar até a Defensoria Pública, quando sua
situação já se encontra arruinada e contaminada, levando-se longo período até
retornarem ao status quo ante, com a declaração judicial.
Analisando a fundo este cenário posto e procurando
entender a facilidade e a alta periodicidade com que tal problema ocorre,
consegui, a meu ver, encontrar a possível solução para, se não extinguir,
minimizar a ocorrência deste evento e tal saída depende de alteração
legislativa.
Dispõe a Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1.994, que
trata do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, em seu
artigo 53, o seguinte:
Artigo 53 – “As alterações contratuais ou estatutárias
poderão
ser
efetivadas
por
escritura
pública
ou
particular, independentemente da forma adotada no ato
constitutivo”.(grifo nosso)
E, ainda, (e mais perigoso) o que está estabelecido no
artigo 63 da mesma lei supracitada, que se reproduz abaixo:
Artigo 63 – “Os atos levados a arquivamento nas
juntas
comerciais
são
dispensados
de
reconhecimento de firma, exceto quando se tratar de
procuração”. (grifo nosso)
Pela observância conjunta destes dois dispositivos da Lei
nº 8.934/94 torna-se claro o motivo pelo qual diversas ilegalidades são
perpetradas e a razão de existir tantos processos semelhantes de pessoas na
mesma situação de vítimas inseridas em sociedades de forma ilícita: a
simplicidade com que a lei permite que as alterações contratuais sejam feitas,
bem como a forma com que seus atos são arquivados, revelando nítida falta de
controle e rigor na fiscalização de tais atos.
Uma vez que a própria lei autoriza que qualquer alteração
contratual ou estatutária, de empresa regularmente registrada na junta, seja
feita por simples instrumento particular (artigo 53) e que neste instrumento
particular (ato) levado a arquivamento a registro nas juntas comerciais as
assinaturas estão dispensadas de reconhecimento de firma (artigo 63), as
fraudes ficam liberadas para serem realizadas, de forma infantil, por pessoas
de má-fé.
Isto porque, se não há controle nas juntas (avalizadas pela
própria lei), que dispensa escritura pública e ainda o reconhecimento de firma
em atos levados a arquivamento na junta, basta qualquer rascunho simples
(intitulado como instrumento particular), com um rabisco qualquer fazendo
passar pela assinatura verdadeira do suposto sócio, para que este, como num
passe de mágica, seja inserido em qualquer empresa registrada na junta.
E é justamente o que ocorre na prática. Os processos que
ajuizamos destes casos contém, na totalidade, alterações contratuais por
instrumento particular, com o nome do assistido passando a compor o quadro
societário e ao final do documento uma assinatura qualquer em cima de seu
respectivo nome digitado, tentando imitar, de forma grosseira, a assinatura
contida em seu documento extraviado.
Muitos casos a assinatura é flagrantemente diferente, do
tipo que a original mostrada no R.G. consubstancia-se no nome corrido em
forma por extenso do cidadão e na alteração contratual encontra-se um rabisco
qualquer ao invés do nome própria que a pessoa assina.
Houvesse um mínimo de rigor legal e um controle maior,
tal prática seria evitada ou quiçá, numa previsão otimista, extinta. E para tanto,
imperiosa, s.m.j., uma simples alteração legislativa nos dois comandos da lei
mencionada, que impediria a fragilidade com que as ilicitudes são cometidas.
Bastaria: 1) a exigência do reconhecimento da firma do
sócio ingressante que assina a alteração contratual solicitando seu ingresso, o
que significa um controle simples e prévio feito pelos cartórios de notas, para
que muitas fraudes seriam evitadas. E, para rigor maior e afastamento integral
desta prática 2) a exigência de instrumento público que sanaria qualquer
intenção maliciosa junto aos registros públicos de empresas mercantis.
Nesta análise, o que sugiro e venho buscar junto às
Vossas Excelências refere-se à alteração legislativa dos dois dispositivos em
testilha, na tentativa de espancar este quadro, para passar a figurar na lei,
consoante nossa mera sugestão, a seguinte alteração legislativa, com nova
redação aos artigos 53 e 63, conforme apresentado a seguir:
Artigo 53 – “As alterações contratuais ou estatutárias,
que tenham por objeto o ingresso ou a retirada de sócio,
bem como a cessão, venda ou qualquer tipo de
transferência de quotas, deverão ser efetivadas por
escritura pública”.
E, ainda, e mais importante o que está estabelecido no
artigo 63 da mesma lei supracitada, que se reproduz abaixo:
Artigo 63 – “Os atos levados a arquivamento nas juntas
comerciais exigem reconhecimento de firma, inclusive
quando se tratar de procuração”.
Significa simples modificação legal, mas que pode ter
efeitos expressivos. O único óbice legislativo para adoção de mencionada
alteração legislativa que vislumbramos poderia consistir no aumento de custo
para efetivar as alterações e o arquivamento de atos, já que referidos
procedimentos possuem taxas de cartório.
No entanto, além de os sócios de boa-fé serem os maiores
beneficiários, uma vez que a segurança de sua própria empresa é que estará
garantida, referidas taxas são de custo módico, que pode ser enfrentada sem
acarretar grandes despesas para as empresas, que não é o que desejamos.
Entretanto, não é todo dia que ocorre uma alteração contratual numa empresa
e melhor que, quando esta vier a ocorrer, que o sistema esteja protegido,
garantindo a segurança de todos os possíveis envolvidos.
Se esta sugestão legislativa sugerida for acatada, ou ainda
qualquer outra, proposta neste sentido, pelos competentíssimos Senhores
deputados e senadores, evitar-se-ão milhares de demandas judiciais que
remedeiam situação já prejudicada.
Na verdade, o que o Poder Judiciário faz, em casos tais,
consiste na verificação do conjunto probatório apresentado, mas, em especial,
a produção em juízo de prova pericial grafotécnica para certificar-se que aquela
assinatura constante na alteração contratual arquivada na junta comercial não
corresponde com a verdade letra (assinatura) do autor da ação, excluindo o
cidadão dos quadros da empresa ré e isentando-o, conseqüentemente, de
quaisquer responsabilidades outrora lhe imputada.
Veja que se existir norma legal exigindo que haja o
reconhecimento de firma para o arquivamento de atos, bem como a
necessidade de instrumento público nas alterações legislativas fundamentais,
como ingresso e retirada de sócio, tais providências eliminar-se-iam a
impunidade e facilidade com que tais modificações são realizadas.
Seria, em última análise, um adiantamento protetivo,
mediante a conferência prévia da documentação por meio de cartórios
extrajudiciais especializados para este tipo de atividade, evitando que “laranjas”
sejam indiscriminadamente inseridos em qualquer sociedade.
Para se ter a dimensão aproximada do problema, somente
em 2008 a Defensoria Pública de São Paulo atendeu mais de 500 casos
referentes a esta questão, de vítimas que perderam seus documentos e
tornaram-se do dia para noite “empresários”.
Possuo extensa documentação que posso disponibilizar às
Vossas Excelências. Em que pesem tratar-se de documentos pessoais de
nossos assistidos, utilizados para o fim de ingresso com demanda judicial, todo
o material a ser disponibilizado, caso requerido, para tratar de tal questão, foi
expressamente por eles autorizados.
Inclusive, muitas destas pessoas carentes que estão com
processos em tramitação, representados pela Defensoria Pública, se
dispuseram a contar suas aflições pessoais aos Senhores Deputados e
Senadores, a fim de consignar como a vida destas pessoas tornou-se um
verdadeiro martírio, após sua inserção em empresas que sequer ouviram falar.
Cientifico Vossas Excelências que a população de São
Paulo e porque não dizer do Brasil todo, depende de vossa compreensão e
atenção para que medidas sejam tomadas no sentido de se evitar a
continuidade deste problema.
Embora os Defensores Públicos estejam legitimados a
propor Ações Civis Públicas para o atendimento da população carente de
forma coletiva, tal problema não comporta este tipo de ação porque, ainda que
se trate de casos análogos, as particularidades de cada caso exige uma
análise isolada pelo Poder Judiciário, o que não conseguimos, ainda que de
posse de importante ferramenta processual, evitar as milhares de demandas
individuais.
Somente através do árduo e incansável trabalho de
Vossas Excelências, atentos aos reclamos sociais, poderemos reverter, de
forma razoavelmente simples, este cenário de ilicitude.
Por fim, mantenho-me à disposição de Vossas Excelências
para quaisquer informações adicionais que se façam necessárias ou, ainda,
fornecimento de material pertinente ou até mesmo para uma exposição do
problema em plenário das Casas Legislativas.
Sem prejuízo desta comunicação informal para colocar
Vossas Excelências a par deste grave problema, ressalto que será remetido
ofício endereçado aos presidentes das mesas das casas legislativas cumprido
as formalidades que o caso merece. Entretanto, novamente rogo pela
cooperação de Vossas Excelências de levar o caso adiante para que o mesmo
entre, ao menos, em análise na CCJ.
Certo de suas imediatas providências, aproveito a
oportunidade
para
apresentar
meus
protestos
de
elevada
consideração.
Atenciosamente,
Luiz Rascovski
Defensor Público do Estado de São Paulo
estima
e
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