Orthod. Sci. Pract. 2013; 6(22):127-136.
COMO SE FAZ
José Fernando Castanha Henriques
Prof. Titular da Disciplina de Ortodontia – Depto. de Odontopediatria, Ortodontia e Saúde Coletiva - FOB/USP.
Roberto Henrique da Costa Grec
Mestre e Doutorando em Ortodontia – FOB/USP.
Endereço do autor: [email protected]
Distalizador First Class modificado para ancoragem em mini-implantes
Uma das alternativas para o tratamento da má oclusão
de Classe II dentária, quando a extração é contraindicada
e não se deseja depender da colaboração do paciente, é a
utilização de distalizadores intrabucais13. Dentre os diversos tipos de distalizadores, o First Class (LEONE®, Firenze,
Figura 1 – Efeito nos molares de acordo com o local de aplicação da força.
Itália) promove uma distalização uni ou bilateral e tem a
vantagem de aplicar a força por vestibular e por palatino
simultaneamente com o intuito de minimizar a rotação
dos molares durante sua movimentação para distal5,6 (Figura 1).
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No entanto, devido a sua ancoragem ser no botão de Nance e nos segundos pré-molares, tem sido observado os mesmos
efeitos colaterais dos outros distalizadores6,9,21. Durante a distalização, acaba ocorrendo uma considerável angulação e mesialização dos pré-molares e caninos, associado com movimento de
inclinação e protrusão dos incisivos superiores, resultando em
aumento do trespasse horizontal e do apinhamento anterossuperior. Isso ocorre devido à força de reação como resposta à
força aplicada nos molares para distal9,10,22, ou seja, parte do espaço obtido é devido à distalização propriamente dita enquanto
outra parte é consequência da perda de ancoragem.
Assim, após a distalização dos molares, é necessário
corrigir os dentes que sofreram essa força contrária, o que
estende o tempo de tratamento, além de aumentar ou acentuar os riscos decorrentes da maior quantidade de movimentações como a reabsorção radicular20.
A perda de ancoragem configura um dos principais problemas durante a distalização de molares superiores com
aparelhos intrabucais em ancoragem convencional, visto que
a utilização do botão de Nance, um dispositivo dentomucossuportado, não é suficiente para impedir que os efeitos
de reação das forças distalizadoras atuem nos dentes de suporte6,13,22. Esse fato pode levar muitos profissionais a não
utilizarem os distalizadores para correção dessa má oclusão,
preferindo outros métodos.
Sendo assim, com o surgimento dos mini-implantes e
sua comprovada eficácia como reforço de ancoragem, sua
utilização tornou-se uma importante aliada na diminuição
desse problema. Diversos estudos têm sido realizados associando os diferentes mecanismos de distalização utilizando
mini-implantes como ancoragem e observaram menor perda
de ancoragem do que os que utilizaram ancoragem convencional4,24, trazendo uma nova perspectiva para o uso dos distalizadores.
Visando apresentar aos ortodontistas uma opção de correção da má oclusão de Classe II dentária com distalizadores
e menores efeitos colaterais, este artigo tem como objetivo
A
descrever a confecção e instalação do distalizador First Class
modificado para ancoragem em mini-implantes no palato.
Instalação dos mini-implantes
A instalação dos mini-implantes deve ser realizada no
palato antes da confecção do aparelho, uma vez que é necessário saber o local exato onde os mini-implantes estão
posicionados para confeccionar o First Class.
O palato é um dos locais mais seguros e indicados para
instalação dos mini-implantes uma vez que possui boa qualidade e quantidade óssea (densidade e espessura óssea)
e altura suficiente para a colocação dos mini-implantes.
Além disso, o palato é recoberto por mucosa ceratinizada
relativamente fina, que favorece a cicatrização e dificulta o
acúmulo excessivo de placa ao redor dos mini-implantes,
evitando peri-implantite e consequente perda da estabilidade do mini-implante14.
Apesar dos mini-implantes possuírem comprimento relativamente curto e serem seguros para instalação no palato,
cada paciente deve ser cuidadosamente avaliado devido às
variações anatômicas individuais26. Sendo assim, o planejamento do local de inserção, inclinação e o tamanho do mini-implante deve ser determinado de acordo com a anatomia
da região avaliada na telerradiografia (Figura 2) para evitar
danos às estruturas adjacentes, como seio maxilar, artérias,
nervo palatino maior, canal nasopalatino e a cavidade nasal.
Por meio da observação das estruturas anatômicas e da
profundidade do tecido ósseo do palato no exame radiográfico ou tomográfico, o comprimento dos mini-implantes a
ser inserido nesta região deve ser determinado calculando
a espessura do palato até 1 mm aquém do soalho da fossa
nasal (Figura 3), para que não haja perfuração da cavidade
nasal durante a instalação, nem fique inadequadamente exposto devido a um comprimento excessivo, o que causaria
um desconforto ao paciente, inflamação na região e dificuldade de aplicação da mecânica escolhida.
B
Figura 2 (A-B) - A) Telerradiografia mostrando inserção vertical do mini-implante em área com pouca espessura óssea causando a perfuração do soalho da fossa nasal.
B) Telerradiografia mostrando inserção correta do mini-implante.
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Figura 3 - Determinação do comprimento do mini-implante e angulação recomendada.
A escolha do diâmetro do mini-implante deve ser feita
de acordo com a largura e espessura do osso e proximidade
de estruturas nobres, o que no palato não representa um
A
problema, já que essa região possui espessura e qualidade
óssea suficientes, bem como segurança quanto às estruturas
anatômicas, se seguidos certos cuidados15.
A trajetória de inserção dos mini-implantes no palato é
um fator importante a ser observado para que seja realizada
em uma região com maior quantidade possível de osso sem
riscos às estruturas adjacentes. Por isso, os mini-implantes
devem ser, preferencialmente, inseridos com distância lateral
da sutura palatina mediana, sendo esse o local mais indicado nos pacientes em crescimento3,17 (Figura 4A), na região
posterior ao forame e canal nasopalatino, seguindo-se uma
trajetória segura com inclinação de 45º para anterior (Figuras
3 e 4B).
No palato, a região óssea mais favorável para a instalação dos mini-implantes corresponde de 3 a 6 mm lateralmente à sutura palatina mediana e de 6 a 9 mm posteriormente ao forame incisivo1.
A Figura 5 mostra dois mini-implantes inseridos na região paramediana do palato de acordo com as recomendações já descritas.
B
Figura 4 (A-B) - Local e direção de instalação dos mini-implantes.
Características do First Class
Como pode-se observar em estudo previamente publicado sobre a confecção e componentes do First Class em
ancoragem convencional23, este distalizador é composto de
quatro bandas, sendo duas nos primeiros molares superiores
e duas nos segundos pré-molares superiores, um parafuso
expansor na vestibular (parte ativa), uma mola na palatina
com a função de contrabalancear a força aplicada na vestibular e o botão de Nance para ancoragem (parte passiva).
Os componentes do aparelho First Class são comercializados em um kit (Leone® - Firenze, Itália) composto por parafuso expansor vestibular, tubo vestibular, tubo vestibular
alto, tubo palatino, anel fechado, fio palatino, chave de ativação e mola de memória.
Figura 5 - Fotografia oclusal após instalação dos mini-implantes.
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Confecção do First Class modificado
Inicialmente é realizado o procedimento de separação
interdental com elásticos entre os primeiros molares e segundos pré-molares (Figura 6).
Deve-se realizar a moldagem de transferência em alginato com as bandas inseridas e bem posicionadas nos primeiros
molares e segundos pré-molares superiores do paciente para
obtenção dos modelos de trabalho em gesso e confecção do
aparelho em laboratório (Figura 7).
É importante tomar cuidado para que as bandas não se
desloquem da moldagem durante o vazamento do gesso.
Na Figura 7E, foi colocado resina Duralay na região de
registro dos mini-implantes para que na obtenção do modelo
de gesso, essa região fique bem demarcada (Figura 8A) para
facilitar a adaptação do fio do distalizador que será apoiado
nos mini-implantes (Figura 8B).
Para a confecção da porção palatina do aparelho, realiza-se dobras no fio de aço com espessura de .045” (incluso no kit) para a correta adaptação aos mini-implantes
(Figura 9).
Este fio é encaixado em um tubo de .045” soldado na
superfície palatina das bandas dos primeiros molares superiores e funciona como um guia que permite o deslizamento
do molar durante a fase ativa de distalização (Figura 10).
Na superfície vestibular das bandas dos segundos pré-molares superiores, solda-se um tubo que serve como guia
para o parafuso expansor (Figura 11). O kit apresenta esses
tubos de dois tamanhos diferentes, sendo o tubo alto indicado nos casos em que os pré-molares estiverem para palatina
em relação aos molares.
A
Figura 6 (A-B) - Instalação dos elásticos de separação.
B
Sobre o lado vestibular das bandas dos primeiros molares direito e esquerdo são soldados os parafusos expansores
(parte ativa). Além disso, deve-se deixar uma extensão de fio
para distal do molar de 10 mm que corresponde a abertura
(ativação) máxima do parafuso (Figura 12).
Para fixar o parafuso ao tubo vestibular do pré-molar,
insere-se um anel que evitará que o parafuso escape durante
a ativação (Figura 13).
É importante que, durante a soldagem do fio na palatina, este fique o mais paralelo possível ao parafuso expansor
da vestibular (Figura 14A), visto que esse paralelismo possibilita uma distalização sem travamento do sistema. Para obter
o paralelismo, utiliza-se um dispositivo adquirido separadamente ao kit denominado paralelizador (Figuras 14A e 14B).
Entre o pré-molar e o molar é inserida uma mola de
memória de .010”x .045” de NITI totalmente comprimida
proporcionando uma força de 200g. Entretanto, essa força
acaba não sendo significante, pois essa mola tem o efeito
limitado pelo parafuso expansor com apenas a finalidade de
contrabalancear a ação desse parafuso por vestibular, evitando a rotação do molar durante a fase de distalização5,6
(Figura 15).
Ao final, é realizado o acabamento e polimento das partes soldadas do aparelho para que apresente maior lisura e
conforto ao paciente (Figura 16).
Para aumentar o contato do aparelho com o mini-implante com o intuito de aumentar a ancoragem, coloca-se
resina acrílica autopolimerizável na região de conexão do fio
de aço palatino com os mini-implantes (Figura 17).
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A
D
B
C
E
F
Figura 7 (A-F) - Sequência para obtenção do modelo de trabalho.
A
B
Figura 8 (A-B) - Modelo de trabalho com resina Duralay na região dos mini-implantes.
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Figura 9 - Dobras no fio de aço para adaptação aos mini-implantes.
Figura 10 - Fio de aço encaixado no tubo palatino do molar.
Figura 11 - Tubos vestibulares soldados.
Figura 12 - Parafuso expansor soldado e extensão de 10 mm do fio para distal
do molar.
A
Figura 13 - Travamento do parafuso expansor com o anel de fixação.
B
Figura 14 (A-B) - A) Paralelismo entre o fio de aço e o parafuso expansor.
B) Paralelizador.
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Figura 15 - Inserção da mola de .010”x .045” de NITI.
A
Figura 16 - Aparelho First Class modificado para ancoragem esquelética.
B
Figura 17 (A-B) - Colocação de resina acrílica para aumento do contato entre o aparelho e o mini-implante.
Ativação do First Class
Após a instalação do aparelho, o paciente é orientado
quanto à higiene bucal, cuidados com o aparelho e ativação
do parafuso expansor direito e esquerdo que é feita por meio
de uma chave incluída no kit. A ativação é realizada pelo próprio paciente ou responsável, o que exige certa colaboração
do mesmo para que o tratamento tenha sucesso. O parafuso deve ser ativado 1/4 de volta ao dia, correspondente a
0,1 mm de distalização, no sentido anti-horário, o que faz
com que, do lado direito, a ativação seja feita de cima para
baixo (Figura 18A) e do lado esquerdo, de baixo para cima
(Figura 18B). A mola de níquel-titânio inserida na face palatina já apresenta uma pré-ativação devido a sua compressão
quando inserida e durante a distalização dos molares não é
necessário reativá-la.
Os pacientes são observados a cada 15 dias com a finalidade de verificar possíveis quebras e observar se as ativações
estão sendo realizadas corretamente. O distalizador First
Class modificado deve ser ativado até alcançar sobrecorreção
da relação molar.
Tratamento ortodôntico com First Class modificado
Com o objetivo de tratar a má oclusão de Classe II dentária bilateral (Figura 19), foi instalado, inicialmente, o aparelho distalizador First Class modificado para ancoragem
em mini-implantes (Figura 20) até obter cerca de 1 a 2 mm
de sobrecorreção da relação molar normal que, neste caso,
ocorreu em 5 meses (Figuras 21 e 22).
Após a correção, o distalizador foi removido e realizada
nova moldagem de transferência para confecção de uma barra transpalatina ancorada nos mini-implantes, a fim de manter
os molares na relação molar normal obtida (Figura 23).
Posteriormente, instalou-se a aparelhagem fixa para alinhamento, nivelamento e finalização do caso (Figura 24).
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A
B
Figura 18 (A-B) - A) Ativação do aparelho lado direito e B) lado esquerdo.
A
B
C
B
C
Figura 19 (A-C) - Fotografias intrabucais iniciais.
A
Figura 20 (A-C) - Distalizador First Class modificado instalado na cavidade bucal.
A
B
Figura 21 (A-C) - Início da distalização (primeiro mês).
C
135
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A
B
C
B
C
Figura 22 (A-C) - Término da distalização (5 meses).
A
Figura 23 (A-C) - Dispositivo de contenção após a distalização.
A
B
C
Figura 24 (A-C) - Fase de finalização com aparelho fixo (26 meses).
Considerações finais
Antes de se decidir utilizar uma mecânica de distalização
dos molares para a correção da má oclusão de Classe II, é
necessário um cuidadoso planejamento para determinar se o
paciente será beneficiado pela mecânica escolhida11.
Esse planejamento deve considerar o grau de comprometimento esquelético, uma vez que os efeitos dos distalizadores são restritos aos componentes dentários2, o perfil
facial considerando as vantagens e desvantagens de se realizar um tratamento com extração7,22,25, a presença e localização dos terceiros molares, pois a distalização necessita de
espaço para ocorrer, bem como a necessidade de indicação
de aparelhos funcionais em pacientes Classe II com retrusão
mandibular16,19.
Se após esse criterioso diagnóstico optar-se pelo uso dos
distalizadores intrabucais, deve-se estabelecer uma ancoragem eficiente, pois este tipo de tratamento, geralmente,
promove perda de ancoragem. Essa eficiência pode ser alcançada pela utilização de ancoragem esquelética, por meio
da utilização de mini-implantes, cuja instalação na região
descrita é simples e segura de ser realizada se levado em
consideração as características anatômicas próprias de cada
paciente e o correto planejamento e técnica de inserção15,
podendo ser realizada pelos próprios ortodontistas.
Uma dificuldade encontrada durante a instalação dos
mini-implantes no palato é quanto à inserção direta do mini-implante, pois, uma vez que o ângulo de inserção deve ficar
para anterior26, exige colaboração do paciente em relação à
abertura da boca durante o procedimento, tendenciando o
operador a mudar esse ângulo e inserir o dispositivo em local
com menor quantidade de osso, podendo perfurar o soalho
da fossa nasal12. Além disso, devido ao difícil acesso para a
inserção dos mini-implantes no palato, é necessário utilizar a
chave digital.
Geralmente, os mini-implantes são bem aceitos pelos
pacientes e dificilmente causam dor e desconforto durante
e após o procedimento de instalação.
Mini-implantes podem fazer o papel de ancoragem direta ou indireta. Na ancoragem esquelética direta, os mini-
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-implantes recebem diretamente a força de reação resultante
da movimentação; enquanto na indireta, a força é recebida
por dentes de ancoragem que estão apoiados nos mini-implantes10.
A ausência de perda de ancoragem tem sido observada
durante a distalização dos molares superiores com o uso dos
mini-implantes, quando a ancoragem é direta4,18. Entretanto,
quando se utiliza uma ancoragem esquelética indireta, como
a descrita no presente artigo, pode ocorrer alguma perda de
ancoragem, como observado também em outros estudos8,24.
Ressalta-se que o principal fator para o sucesso do tratamento com distalizador intrabucal consiste na sua correta
indicação. Quando bem indicados, os distalizadores intrabucais representam um grande aliado para o ortodontista no
tratamento mais conservador da má oclusão de Classe II de
pacientes não colaboradores.
O First Class é um aparelho de simples confecção que
promove uma distalização eficiente dos molares superiores,
porém, deve-se observar durante a construção do aparelho
o paralelismo do parafuso expansor com o fio por palatino,
visto que um erro desse paralelismo pode impedir a distalização6.
Como o distalizador First Class é um aparelho relativamente novo e possui detalhes que podem influenciar a mecânica ortodôntica, é importante conhecer todos os passos da
confecção, instalação e ativação para sua efetiva utilização.
Para o sucesso do tratamento com este distalizador,
deve-se conhecer as indicações, biomecânica do aparelho,
além dos efeitos colaterais provocados durante o movimento
de distalização. Esses efeitos colaterais podem ser minimizados por meio da modificação realizada para ancoragem em
mini-implantes como demonstrada neste artigo.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao apoio financeiro da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, n.
2009/04843-7 e n.2011/17126-1) e à colaboração do protético Luiz Sérgio Vieira da Faculdade de Odontologia de Bauru
(FOB-USP).
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