EQUILÍBRIO QUÍMICO1 1- Introdução Uma reação química é composta de duas partes separadas por uma flecha, a qual indica o sentido da reação. As espécies químicas denominadas como reagentes ficam à esquerda da flecha e, à direita, ficam os produtos, ou resultado da reação química. Reagentes à Produtos A + B à C + D Quando a reação não se completa e os reagentes e produtos mantêm-se em equilíbrio, utilizam-se duas setas em sentidos contrários ou uma seta dupla para separar as duas partes da reação química. O equilíbrio químico é dinâmico, o qual indica que a reação que se processa em um sentido (dos reagentes para os produtos, sentido direto) tem a mesma taxa de desenvolvimento que a reação que se processa no sentido inverso (dos produtos para os reagentes) Reagentes ßà Produtos A + B ßà C + D A existência de um equilíbrio químico dinâmico significa que a reação química nem sempre caminha para um final; ao invés disto, alguns reagentes e produtos coexistem no sistema. Este equilíbrio dinâmico é um estado em que parece que nada está ocorrendo, porém é um estado no qual reações químicas estão ocorrendo e freqüentemente em velocidades rápidas. 1 Arquimedes Lavorenti. Professor Associado do Depto. de Ciências Exatas, ESALQ/USP, Caixa Postal 9, 13418-900 – Piracicaba – SP. E-mail: [email protected] – Publicação Destinada ao Ensino de Ciências - Química - 28/3/2002 Conforme o sentido da reação, as mesmas podem ser classificadas em irreversíveis ou reversíveis. Nas reações irreversíveis as substâncias que atuam como reagentes se transformam em produtos da reação e entre os mesmos não existe nenhuma afinidade, e a reação não tem retorno, nem um equilíbrio é estabelecido, isto é, não é reversível. Uma espécie química sempre vai existir em equilíbrio com outras formas de si mesma. As outras formas podem existir em quantidades não detectáveis porém elas sempre estarão presente. Estas outras formas originam devido a desordem natural da natureza que nós chamamos de entropia (é impossível ser perfeito). Como exemplo, água pura consiste de compostos moleculares e íons dissociados que coexistem no equilíbrio: H2O(l) ßà H+(aq) + OH-(aq) O subscrito (l) se refere ao estado líquido, e o subscrito (aq) se refere aos íons em solução aquosa. Em uma reação química em equilíbrio, as concentrações (ou pressões parciais) dos reagentes e produtos estão em um estado estacionário, isto é, eles não estão mudando. De qualquer modo, um ponto importante a ser lembrado é que no nível molecular as espécies reagentes (átomos, moléculas ou íons) ainda estão formando produtos, e espécies de produtos estão retornando para os reagentes. No equilíbrio, a taxa na qual os reagentes se transformam em produtos é igual a taxa da reação inversa onde os produtos se transformam em reagentes. A figura à direita mostra um precipitado de PbCrO4 sólido em equilíbrio com íons Pb2+ e CrO42- em solução. No equilíbrio as concentrações dos íons em solução são constantes. Íons Pb2+ e CrO42continuam a formar PbCrO4 sólido, e PbCrO4 sólido continua a se dissolver. Devido a taxa de precipitação e dissolução serem as mesmas, não há variação nas concentrações dos íons em solução. Este equilíbrio é representado pela reação: 2 PbCrO4(s) ßà Pb2+(aq) + CrO42-(aq) A flecha dupla para a direita e para a esquerda nesta equação da reação indica que as reações ainda estão ocorrendo, más que as concentrações atingiram um equilíbrio, isto é, um estado estacionário. 2- Lei da ação das massas O conceito que descreve o equilíbrio químico em termos quantitativos foi proposto pelos noruegueses Cato Guldberg e Peter Waage em 1864. Eles observaram que a concentração molar dos reagentes e produtos em uma reação química em equilíbrio sempre obedecia a uma certa relação, característica para cada tipo de reação e dependente apenas da temperatura, a qual eles denominaram de constante de equilíbrio. Eles propuseram a lei da ação das massas para resumir suas conclusões, cujo enunciado é o seguinte: “a velocidade de uma reação química é diretamente proporcional às concentrações dos reagentes”. Observaram que o fator importante na determinação da velocidade ou taxa de uma reação química não é apenas a quantidade de reagente, mas sim a quantidade de reagente por unidade de volume. Para um equilíbrio químico na forma de: aA + bB ßà cC + dD o quociente da reação: [C]c [D]d Qc = ------------[A]a [B]b avaliado através das concentrações molares em equilíbrio (simbolizadas por [ ] ) dos reagentes e produtos, é igual a uma constante, Kc, a qual tem um valor específico para uma dada reação química e temperatura (o subscrito c indica que a constante de equilíbrio é definida em termos de concentração). 3 O quociente da reação, Qc, é igual a expressão da constante de equilíbrio, porém para pressões parciais ou concentrações dos reagentes e produtos fora do sistema em equilíbrio. Se Q < K então a reação está ocorrendo em direção à formação dos produtos. Se Q > K então a reação está ocorrendo no sentido inverso, isto é para os reagentes. Se Q = K a reação está em equilíbrio, usamos K no lugar de Q. Exemplo: Uma mistura de hidrogênio (H2), iodo (I2), e iodeto de hidrogênio (HI), cada um com concentração de 0,0020 mol L-1, foi introduzida em um recipiente aquecido a 490oC. Nesta temperatura o valor de constante de equilíbrio (K) é igual a 46 para a seguinte reação: H2(g) + I2(g) ßà 2 HI(g) Indique se a reação tem tendência de formar mais HI ou não. Solução: Calculamos o valor de Q e comparamos com K. Como K tem um valor “intermediário” de Q, esperamos que as concentrações dos reagentes e produtos sejam semelhantes umas das outras. Podemos antecipar que, embora possa ter uma pequena tendência da reação a se deslocar para os produtos ou reagentes, a extensão da reação será bem pequena. O quociente da reação é: [HI]2 (0,0020)2 Q = -------------- = ------------------------ = 1 [H2] [I2] (0,0020) (0,0020) Como Q < K (K= 46), sabemos que o numerador – concentração do produto – é muito pequeno para que a composição do sistema corresponda a um estado de equilíbrio. Portanto, a reação tem tendência a continuar em direção ao lado de mais formação de produtos e consequentemente consumir mais reagentes. Regras para escrever as constantes de equilíbrio: 1) As concentrações ou atividades dos produtos são sempre colocadas no numerador; 2) As concentrações ou atividades dos reagentes são sempre colocadas no denominador; 4 3) Expressar as concentrações dos gases como pressões parciais, P, e das espécies dissolvidas em concentrações molares, [ ]; 4) As pressões parciais ou concentrações são elevadas às potências dos coeficientes estequiométricos da reação balanceada; 5) Elimine os sólidos ou líquidos puros e qualquer solvente da expressão. Nomes específicos para a constante de equilíbrio: 1) Para reações químicas na fase gasosa que usam pressões parciais: Kp 2) Dissociação da água: constante de dissociação da água, Kw 3) Dissociação de ácidos: constante de dissociação de ácidos, Ka 4) Reações de base com a água: constante de dissociação de bases, Kb 5) Solubilidade de precipitados: produto de solubilidade, Ksp O valor da constante de equilíbrio indica a extensão com que a reação química favorece os reagentes ou os produtos no equilíbrio químico. - Valores elevados de K (maiores que 103), o equilíbrio favorece fortemente os produtos; - Valores intermediários de K (entre 10-3 e 103), reagentes e produtos estão presentes no equilíbrio em quantidades iguais; - Valores pequenos de K (menores que 10-3), o equilíbrio favorece fortemente os reagentes. A figura abaixo exemplifica os diferentes valores da constante de equilíbrio, em relação às concentrações dos reagentes e dos produtos. 5 = REAGENTE K = 0,01 = PRODUTO K=1 K = 100 3- Equilíbrio homogêneo e heterogêneo Equilíbrio químico no qual todas as substâncias que fazem parte são de mesma fase ou estado físico é chamado de equilíbrio homogêneo. O equilíbrio heterogêneo é aquele no qual uma substância, no mínimo, está em uma fase diferente das outras. Por exemplo, a pressão de vapor de um líquido é descrito como sendo a pressão exercida por um vapor quando ele está em um estado de equilíbrio dinâmico com seu líquido (líquido ßà vapor). Neste caso, duas fases coexistem no sistema, então se trata de um equilíbrio heterogêneo. A pressão de vapor da água pode ser representada como um equilíbrio dinâmico heterogêneo entre a água líquida e a água de vapor: H2O(l) ßà H2O(g) 6 A existência de uma solução saturada de sal é outro exemplo de equilíbrio heterogêneo, porque o sal sólido coexiste com seus íons na solução aquosa: CaCl2(s) ßà Ca2+(aq) + 2 Cl-(aq) Na decomposição térmica do calcário, CaCO3, CaCO3(s) ßà CaO(s) + CO2(g) a concentração de CO2 é dependente apenas da temperatura e não das quantidades de CaCO3 e CaO, e o equilíbrio é heterogêneo. A síntese de amônia pelo processo Haber, a partir de nitrogênio e hidrogênio, ilustra muito bem um equilíbrio homogêneo: N2(g) + 3 H2(g) ßà 2 NH3(g) 4. Determinação da constante do equilíbrio O conhecimento da constante de equilíbrio de uma reação química possibilita a previsão e interpretação de vários aspectos da composição do sistema em equilíbrio. A magnitude de K indica a “posição” de um equilíbrio químico, se os reagentes ou os produtos são favorecidos no equilíbrio. O conhecimento das propriedades de K faz com que se possa interpretar a mudança na composição, resultante de alterações nas condições da reação, tais como a temperatura e pressão. Estas aplicações são importantes na química, e são usadas para discutir à respeito da solubilidade, comportamento de ácidos, bases e sais, e ocorrência de reações de óxido-redução. Etapas para o cálculo da constante de equilíbrio: Escrever a equação química balanceada e então: 7 1) Estabelecer uma tabela de equilíbrio, mostrando as concentrações molares iniciais de cada uma das substâncias que tomam parte na reação. Esta etapa mostra como o químico prepara o sistema da reação, isto é, o que e quanto de cada uma das substâncias são colocadas no recipiente. • Para misturas, concentrações molares são relativas a 1 mol L-1 e pressões parciais são relativas a 1 atm. • Para sólidos e líquidos puros, as concentrações molares são todas iguais a 1. 2) Escrever as variações nas concentrações molares que são necessárias para que a reação alcance o equilíbrio. É comum não se conhecer estas alterações, então se escreve uma delas como sendo x e através da estequiometria da reação, se expressa as outras alterações em função do x. 3) Escrever as concentrações molares de equilíbrio, adicionando as alterações na concentração (da etapa 2) para a concentração inicial de cada uma das substâncias (da etapa 1). Lembrar sempre que embora uma variação na concentração possa ser positiva (um aumento) ou negativa (um decréscimo), o valor da concentração deve ser sempre positivo. 4) Usar o quociente da reação e a constante de equilíbrio para determinar o valor da concentração molar desconhecida no equilíbrio. Nesta etapa, as concentrações de equilíbrio que foram determinadas na etapa 3 são substituídas no quociente da reação. Devido ao fato do valor do quociente da reação (Qc) no equilíbrio ser a constante de equilíbrio Kc, a expressão resultante pode ser resolvida para achar o valor de x. O mesmo procedimento pode ser feito para calcular composições em termos de pressões parciais. 8 Exemplo: Uma mistura consistindo de 0,500 mol N2 L-1 e 0,800 mol H2 L-1 em um recipiente reage e alcança o equilíbrio. No equilíbrio, a concentração da amônia é 0,150 mol L-1. Calcule o valor da constante de equilíbrio para: N2(g) + 3 H2(g) ßà 2 NH3(g) Solução: Precisamos saber as concentrações de equilíbrio de cada uma das substâncias na mistura que está reagindo e então substituir aqueles valores no quociente da reação (Qc). Devido ao fato das concentrações molares iniciais de cada um dos reagentes serem conhecidas (etapa 1; inicialmente não há amônia presente) e o aumento na concentração molar de equilíbrio do produto ser conhecido (etapa 2), o decréscimo na concentração molar de cada um dos reagentes pode ser calculado através da estequiometria da reação. Estabelecer a tabela de equilíbrio: Equação de equilíbrio: N2 Espécies N2 Etapa 1. Concentração inicial, mol L-1 Etapa 2. Variação na concentração, mol L-1 + 3 H2 H2 ßà 2 NH3 NH3 0,500 0,800 0 -1/2(0,150) -3/2(0,150) +0,150 0,575 0,150 Etapa 3. Concentração no equilíbrio, mol L-1 0,425 Etapa 4. Para obter a constante de equilíbrio, os valores das concentrações no equilíbrio da etapa 3 são inseridas no quociente da reação: [NH3]2 Qc = ---------------- = Kc ( no equilíbrio) [N2] [H2]3 (0,150)2 Kc = ------------------------ = 0,278 0,425 x (0,575)3 9 5. Fatores que influem no equilíbrio Às vezes certas circunstâncias indicam que é necessário o conhecimento dos fatores que podem influenciar no equilíbrio de uma reação química, a fim de favorecer a formação de mais produtos de interesse. Equilíbrio químico, sendo dinâmico, são passíveis de responder às mudanças nas condições sob as quais ocorrem as reações. Se uma reação química está em equilíbrio ela vai tender a permanecer no equilíbrio e se ela não estiver em equilíbrio ela vai tender a alcançar o equilíbrio. Se uma mudança nas condições da reação aumenta a taxa na qual os reagentes se transformam em produtos, então, a composição do equilíbrio se ajusta até que a taxa da reação inversa aumente para igualar com a nova taxa no sentido direto. Se a mudança reduz a taxa da reação no sentido direto, então os produtos se decompõem em reagentes até que as duas taxas se igualem novamente. Devido ao efeito catalítico, as taxas de ambas as reações no sentido direto e inverso se igualam, não tem nenhum efeito na composição da mistura em equilíbrio. Estas situações são explicadas pelo principio de Le Chatelier, o qual, porém não fornece uma explicação nem tão pouco produz um valor numérico. 5.1. Efeito da adição de reagentes. O efeito da adição de reagentes a uma reação química em equilíbrio é para aumentar a concentração ou pressão parcial dos produtos. O efeito da adição de produtos a uma reação química é o inverso da adição de reagentes, ou seja, vai ocorrer o aumento da regeneração da concentração ou pressão parcial dos reagentes. Supondo que nós adicionamos hidrogênio a uma mistura em equilíbrio na reação de síntese de Haber para produção de amônia, cuja reação é: N2(g) + 3 H2(g) ßà 2 NH3(g) 10 De acordo com o principio de Le Chatelier, o equilíbrio vai tender a se ajustar para minimizar o aumento no número de moléculas de hidrogênio. Este ajuste é encontrado quando a reação produz amônia adicional, com conseqüente diminuição nas concentrações de N2 e H2: N2(g) + 3 H2(g) à 2 NH3(g) Inversamente, se adicionarmos amônia, o equilíbrio então vai se ajustar para minimizar o efeito da adição de amônia e então a composição do equilíbrio será deslocada em direção aos reagentes: N2(g) + 3 H3(g) ß 2 NH3(g) 5.2. Efeito da pressão. Todos os equilíbrios químicos são afetados em alguma extensão pela pressão exercida no sistema, porém na maioria dos casos a constante de equilíbrio varia muito pouco com a pressão. Quando gases estão envolvidos na reação em equilíbrio, o efeito da pressão se torna mais significativo. O equilíbrio responde a alterações na pressão, principalmente nas reações na fase gasosa. De acordo com o principio de Le Chatelier, um equilíbrio na fase gasosa responde a um aumento na pressão fazendo com que a reação se desloque no sentido em que diminua este aumento na pressão. A formação de NH3 através de N2 e H2 diminui o número de moléculas de gás no recipiente (de 4 para 2 mols) e portanto também diminui a pressão que a mistura exerce, a composição do equilíbrio vai tender a se deslocar em direção ao produto. Isto porque o principio de Le Chatelier indica que quando uma pressão é aplicada em uma reação em equilíbrio, a composição tende a se deslocar na direção que corresponda a um menor número de moléculas na fase gasosa. Assim sendo, para aumentar a produção de amônia no processo Haber, a síntese deve ser feita em pressões elevadas. O processo industrial atual usa pressões de 250 atm ou mais. 11 Outros equilíbrios também respondem igualmente: quando a pressão é aumentada, a reação em equilíbrio tende a se ajustar para reduzir o número de moléculas na fase gasosa. 5.3. Efeito da temperatura. Todas as reações químicas em equilíbrio são afetadas pela temperatura e na maioria destes equilíbrios o efeito da temperatura é significativo. Os valores das constantes de equilíbrios são, portanto sempre fornecidas em uma determinada temperatura, normalmente a 25oC. O principio de Le Chatelier também pode ser usado para prever como uma reação química em equilíbrio vai responder a uma variação de temperatura. Se a temperatura aumenta a reação tem tendência a se deslocar em direção ao lado que consuma esta energia adicionada. Se uma reação é exotérmica (libera calor), tal como no processo Haber de produção de amônia, então a diminuição de temperatura vai favorecer a produção de amônia porque o calor gerado na reação tende a minimizar a diminuição da temperatura. Em uma reação endotérmica (consome calor), tal como a decomposição de PCl5, calor deve ser fornecido para deslocar em direção ao produto. Quanto maior a energia de ativação de uma reação química, mais sensível é a sua taxa (velocidade) as variações de temperatura. Considere a figura abaixo de uma reação endotérmica: Energia E’a Ea Reação Endotérmica ∆H Altamente sensível à temperatura Produtos Reagentes 12 A energia de ativação (Ea) de uma reação endotérmica no sentido dos reagentes para os produtos (esquerda para direita) é maior do que a do sentido inverso (E’a), isto é, dos produtos para os reagentes (direita para esquerda). Como as reações químicas que possuem energia de ativação maior são mais sensíveis às variações de temperatura, então a reação endotérmica acima mostra que a reação direta (dos reagentes para os produtos) aumenta mais rapidamente com o aumento da temperatura do que a reação inversa. Como resultado disto, quando a temperatura de equilíbrio da mistura é alcançada, mais reagente são convertidos em produtos até que a concentração dos produtos tenha atingido quantidade suficiente para que a reação inversa se estabeleça. O mesmo argumento se aplica à reação exotérmica abaixo, porém, agora a reação inversa, isto é dos produtos para os reagentes, é mais sensível à temperatura e produz mais reagentes quando a temperatura é aumentada. Energia Ea Reação Exotérmica E’a ∆H Altamente sensível à temperatura Produtos Reagentes 13