PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
7ª Câmara de Direito Privado
Registro: 2013.0000631745
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº
9134487-70.2008.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes SHELL
BRASIL LTDA e REDE CRISTAL SAO PAULO LTDA, são apelados REDE
CRISTAL SAO PAULO LTDA e SHELL BRASIL LTDA.
ACORDAM, em 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de
São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao apelo e negaram
provimento ao desivo, v. u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores
MIGUEL BRANDI (Presidente) e LUIZ ANTONIO COSTA.
São Paulo, 16 de outubro de 2013
RAMON MATEO JÚNIOR
RELATOR
Assinatura Eletrônica
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
7ª Câmara de Direito Privado
Voto nº 2896
Apelação nº 9134487-70-2008-8-26-0000
Apelante: Shell Brasil Ltda
Apelada: Rede Cristal São Paulo Ltda
Recurso adesivo
Apelante: Rede Cristal São Paulo Ltda
Apelada: Shell Brasil Ltda
Comarca: São Paulo
Juiz sentenciante: Camila de Jesus Gonçalves Pacífico
Ação de Abstenção de Uso de Marca Figurativa e Reparação
por Perdas e Danos Afetado o 'conjunto-imagem' da autora,
também conhecido como 'Trade Dress'
Utilização das
mesmas cores na testada de posto de combustível
Concorrência Desleal configurada Desnecessária a prova
pericial
Cabimento de indenização por perdas e danos
Reparação de danos com base nos critérios do art. 210 da Lei
da Propriedade Industrial Indenização fixada em 20% dos
rendimentos líquidos da ré, relativos ao período que utilizou as
cores vermelho e amarelo, obtendo vantagem indevida
Jurisprudência deste Tribunal Indenização a ser apurada em
sede de liquidação de sentença Apelo provido sentença
reformada Recurso adesivo prejudicado.
Vistos.
Shell Brasil Ltda ingressou com Ação de
Abstenção de Uso de Marca Figurativa e de Reparação de Perdas e
Danos com pedido de Antecipação da Tutela em face de Rede Cristal
São Paulo Ltda.
Alega a autora que a ré não integra sua
rede de postos credenciados para a distribuição de combustível sob a
bandeira Shell, que consiste na utilização de faixas paralelas nas cores
amarelo e vermelho, na testeira de sua cobertura. Aduz que essa
conduta caracteriza a usurpação da marca e a concorrência desleal,
pois a ré se beneficia pela notoriedade e idoneidade da marca sem nada
pagar, induzindo a erro o consumidor mediante propaganda enganosa.
Requer a liquidação dos danos por arbitramento com base na margem
de lucro obtida em cada litro de combustível, multiplicada pela
Apelação nº 9134487-70.2008.8.26.0000 - São Paulo - Voto nº 2896
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quantidade de produto comercializado pela ré. Requer a tutela
antecipada para a
abstenção pela ré da utilização do padrão de
identificação impugnado (fls.02/22). Juntou documentos (fls.23/100).
A tutela antecipada foi deferida (fls.101).
A
ré
Rede
Cristal
São
Paulo
Ltda
apresentou contestação (fls.112/117). Juntou documentos (fls.118/141).
O Juízo Monocrático julgou parcialmente o
pedido, tornando definitiva a antecipação da tutela, para que a ré se
abstenha de utilizar a mesma manifestação visual da autora (a ré
concordou com a alteração da testeira e noticiou nova pintura
fls.134/135),
condenando-a no pagamento das custas e honorários no importe de
R$1.000,00. Porém, negou o pedido indenizatório, posto que a ré não
mantinha anterior contrato para a exploração de seu comércio sob a
bandeira da autora naquele local e nem se utilizava do mesmo logotipo,
identificando-se como “Cristal” (fls.41/43). Aduziu que nesse contexto
fazia-se necessária a prova do efetivo prejuízo para demonstrar o
quanto a utilização das cores e faixas paralelas, mas sem o logotipo
(concha) e com outro nome (Cristal), eram hábeis para confundir o
consumidor e fazê-lo adquirir produto da ré, pensando tratar-se de
produto da autora, mas, regularmente intimada, a autora renunciou à
dilação probatória e não comprovou o comprometimento de sua marca
pela conduta da ré, deixando de produzir perícia, devendo arcar com o
ônus respectivo, nos moldes do CPC, art. 333, I (fls.168/170).
Irresignada com a decisão, apela Shell
Brasil Ltda. Em apertada síntese, sustenta que restou sobejamente
comprovado nos autos que a apelada fez uso indevido da marca e sinais
distintivos da apelante, violando diversos preceitos legais. Sustenta que
a ré colocou no seu posto as faixas vermelha e amarela, utilizando-se
Apelação nº 9134487-70.2008.8.26.0000 - São Paulo - Voto nº 2896
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também a mesma forma das testeiras de cobertura, o que confunde os
consumidores. Aduz incoerência da sentença, pois se confirmou o uso
indevido de marca pelo Posto apelado, a ocorrência seria presumida e
prescinde de prova, pois por meio de sua identificação visual, sobretudo
a
utilização
característica
de
cores,
procurava atrair para seu
estabelecimento clientes da apelante, configurando enriquecimento
ilícito. Requer a reforma da sentença para seu integral provimento
(fls.fls.172/179).
Apela adesivamente Rede Cristal São Paulo
Ltda. Sustenta que o fato de ter pintado a testeira não significa
consonância com a utilização indevida da marca, mas apenas uma
opção da apelante. Alega que no momento da sua instalação, o fundo de
comércio já estava instalado no local e foi anteriormente sede de
empresa estranha a esta lide, mas que por sua vez mantinha contrato
de exclusividade com a autora Shell Brasil. Aduz que foi constituída em
06/12/2002 e que somente aos 10/11/2006 a autora se manifestou
acionando diretamente o Judiciário sem notificá-la dos fatos alegados e
tentar uma solução amigável. Assevera que não tem vinculação a
nenhuma distribuidora e que a análise das fotos juntadas (fls.42/43) são
insuficientes
para
atestar
usurpação
de
marca,
requerendo
a
improcedência da ação e, em pedido subsidiário, sejam as verbas
sucumbenciais e custas repartidas entre as partes, vez que a sentença
julgou parcialmente procedente o pedido (fls.192/198).
Recurso
(fls.180/181),
tempestivo,
recebido
de
no
efeito
apelação
preparado
devolutivo
e
(fls.182)
contrariado (fls.186/191).
Recurso
tempestivo,
recebido
no
efeito
adesivo
devolutivo
preparado
(fls.200)
Apelação nº 9134487-70.2008.8.26.0000 - São Paulo - Voto nº 2896
e
(fls.199),
contrariado
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(fls.202/207).
É o relatório.
Voto.
O
recurso
de
apelação
comporta
provimento. O recurso adesivo não comporta provimento, restando
prejudicado.
O presente inconformismo do apelante
cinge-se ou se limita à questão relativa à condenação da ré-apelada às
perdas e danos.
E, com a mais acatada vênia da orientação
da digna magistrada sentenciante, Camila de Jesus Gonçalves Pacífico,
está evidenciada nos autos a prática de concorrência desleal, motivo
pelo qual imperiosa a fixação de indenização em prol da autoraapelante.
Com efeito, a autora-apelante é titular da
marca Shell, registrada no INPI (fls.45/68), com a testeira dotada das
faixas
vermelha
e
amarela,
com
características
próprias
e
de
conhecimento público notório, que constituem o 'conjunto-imagem' da
autora, também conhecido como 'Trade Dress'.
Na hipótese, como se pode comprovar
pelas fotos encartadas (fls.41/43), manifesta a imitação, pela apelada,
das cores e formas da testeira do estabelecimento já registrada pela
apelante, vindo a gerar confusão nos consumidores, restando, pois,
evidenciada a concorrência desleal.
Tanto assim que a tutela foi deferida
(fls.101),
e a ré alterou as cores de sua testeira (fls.134/135).
Apelação nº 9134487-70.2008.8.26.0000 - São Paulo - Voto nº 2896
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Entretanto a magistrada singular afastou o
cabimento da indenização por perdas e danos, ante a falta de
demonstração de prejuízo pela ora apelante, entendendo que fazia-se
necessária a prova do efetivo prejuízo para demonstrar o quanto a
utilização das cores e faixas paralelas, mas sem o logotipo (concha) e
com outro nome (Cristal), eram hábeis para confundir o consumidor e
fazê-lo adquirir produto da ré, pensando tratar-se de produto da autora,
porém, intimada, a autora renunciou à dilação probatória, não
comprovando o comprometimento de sua marca pela conduta da ré
(fls.169/170).
Portanto, a controvérsia recursal, como
acima mencionado, reside no questionamento acerca da possibilidade
de obtenção da reparação civil.
Em termos de ocorrência de contrafação,
desnecessária a exigência de prova pericial para a comprovação dos
prejuízos, posto estarem eles inseridos na própria infração. A simples
utilização de denominação, cor e design semelhantes à de outrem, de
modo a confundir o consumidor (ainda mais em se tratando de posto de
combustível, que mormente o consumidor avista à distância e o identifica
pelas cores) levando-o a pensar que ambos provêm do mesmo fabricante,
de marca conhecida, é suficiente para gerar prejuízos à proprietária da
marca.
Oportuno ressaltar que se a qualidade do
produto ou mercadoria oferecida ao consumo for deliberadamente
inferior,
vindo
a
causar
danos
aos
motores
dos
veículos
dos
consumidores, a empresa que sofreu a contrafação terá mácula em sua
imagem de revendedora idônea. Por consequência, sobre a “marca” por
ela ostentada recairão os deletérios efeitos negativos, mormente na
esfera
patrimonial,
considerando-se
que
o
ramo
Apelação nº 9134487-70.2008.8.26.0000 - São Paulo - Voto nº 2896
de
venda
de
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combustíveis apresenta singular competitividade, especialmente diante
da sabida e reprovável venda ilegal de combustíveis adulterados (fato de
conhecimento público).
É cediço que a mera utilização das cores
em si mesma não configura a contrafação (artigo 124, VIII, da Lei
9.279/96), entretanto, a utilização combinada da testeira de postos da
rede da apelante (Shell), conforme demonstrado nos autos (fls.41/43), tem
potencial para confundir o consumidor na escolha do posto de
combustível, incidindo na concorrência desleal.
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Concorrência
desleal Utilização das cores verde e amarelo no
posto
de
gasolina
da
ré
Cores
tradicionalmente atribuídas à marca da
bandeira BR de titularidade da autora - As
cores não podem ser objeto de registro (art.
124, VIII), mas em conjunto com uma
determinada marca formam um padrão visual
que, se utilizados de forma indevida, por
terceiros, podem vir a causar confusão entre o
público consumidor, com o nítido intuito de
desvio de clientela - É que tais cores compõem o
denominado trade dress da autora - No tocante
à abstenção do uso das cores a ré
implicitamente concordou com a procedência do
pedido, visto que não recorreu da decisão
liminar, providenciando a alteração das cores
em seu estabelecimento - Quanto à reparação
de danos, tem razão a autora - Concorrência
desleal verificada, embora a marca da ré,
“Tríade”, inserida na testeira e nos rótulos em
verde e amarelo seja diferente da marca BR da
autora, a simples utilização das cores verde e
amarelo tem potencial para confundir os
consumidores menos avisados - Tal situação
não caracteriza a contrafação, mas apenas a
concorrência desleal - Reparação de danos com
base nos critérios do art. 210 da Lei da
Propriedade Industrial - Indenização fixada em
20% dos rendimentos líquidos da ré, relativos
ao período que utilizou as cores verde e
amarelo, obtendo vantagem indevida Jurisprudência deste Tribunal - Ação ordinária
de preceito cominatório c.c. reparação de danos
procedente. Recurso provido. (TJSP, Apel.
Apelação nº 9134487-70.2008.8.26.0000 - São Paulo - Voto nº 2896
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9069987-58.2009.8.26.0000, 1ª Câmara de
Direito Privado, Rel. Des. PAULO EDUARDO
RAZUK, j. 8/11/11).
Sobre esse aspecto, mister consignar que o
Egrégio Superior Tribunal de Justiça assim já decidiu: "as perdas e
danos, nos casos de uso indevido de marca, decorrem do próprio ato
ilícito praticado pela ré" (REsp. 101.118, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO
TEIXEIRA, j . 01/03/2000).
Demais disso, o art. 209 da Lei da
Propriedade Industrial estabelece: “Fica ressalvado ao prejudicado o
direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados
por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de
concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a
reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos
comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e
serviços postos no comércio"
Nessa trilha, ante a conduta reprovável da
apelada, que encontrou o fundo de comércio instalado pela antiga
parceira da apelante (fls.113/114;145) e não viabilizou alteração de sua
testeira, aproveitando-se de eventual desvio de clientela, irrecusável sua
responsabilidade ao pagamento de indenização por perdas e danos em
prol da apelante.
Ação de Obrigação de não fazer c.c.
indenização. Trade Dress. Identidade de
formas e cores das testeiras dos postos da rede
PETROBRÁS e Jóia. Distinção que se afere pela
ótica profana do consumidor. Concorrência
desleal
configurada.
Contrafação
não
reconhecida, muito embora tenha se verificado
a utilização indevida da testeira que pode gerar
confusão aos consumidores. Obrigação de
exclusão da testeira. Perdas e danos. Critérios
apontados pelo artigo 210 da Lei 9.279/96.
Razoável fixação em 20% do valor dos
rendimentos líquidos do correspondente ao que
se pagaria pela utilização da marca por meio de
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contrato de franquia. Recurso provido. (TJSP,
Apel. 0019698-51.2007.8.26.0000, 3ª Câmara
de Direito Privado, Rel. Des. ADILSON DE
ANDRADE, j. 02.08.11).
No tocante ao valor da indenização, será
feita pelos critérios apontados no artigo 210 da Lei 9.279/96 e
seu
arbitramento depende de elementos, que deverão ser aferidos em sede
de liquidação por arbitramento.
Logicamente que a autora não possuía
meios para quantificar os prejuízos experimentados em razão do ato
praticado pela ré. Mas, de toda sorte, é de se esclarecer que o valor do
prejuízo deve levar em consideração o lucro aferido pela apelada,
durante o período em que houve a prática da concorrência desleal.
A jurisprudência deste Colendo Tribunal
de Justiça, a esse propósito, vem fixando o percentual de 20% dos
rendimentos líquidos da apelada, relativo ao período em que utilizou a
testeira com as cores dos postos da apelante (Shell), pela qual obteve
vantagem indevida.
“Concorrência desleal - Uso de cores e layout de
terceiro na testeira de posto de gasolina Semelhança suficiente para causar confusão e
associação, desviando a clientela - Aproveitamento Abstenção de uso e indenização pelo período de
violação - Valor de 50% dos rendimentos líquidos
que é excessivo e deve ser reduzido para 20% Ônus sucumbências da ré, ante ao mínimo
decaimento da autora - Provimento, em parte”
(TJSP, Apelação nº. 533.838.4/0-00, Des. Rel. Ênio
Zuliani, julgado em 06.03.2008);
Em face do exposto, fica prejudicado o
recurso adesivo.
Ante o acolhimento integral do apelo,
deverá a ré arcar com os ônus sucumbenciais, inclusive honorários
advocatícios, estes fixados no percentual de 10% sobre o valor da
Apelação nº 9134487-70.2008.8.26.0000 - São Paulo - Voto nº 2896
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condenação, observadas as diretrizes legais.
Ante o exposto, DÁ-SE PROVIMENTO ao apelo e
NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso adesivo .
RAMON MATEO JUNIOR
Relator
Apelação nº 9134487-70.2008.8.26.0000 - São Paulo - Voto nº 2896
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