Tathiana Mourão dos Anjos
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA EM MEDICINA FELINA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” EM
CLÍNICA MÉDICA E CIRÚRGICA DE FELINOS
Belo Horizonte
2012
Tathiana Mourão dos Anjos
Aluna do Curso de Especialização “Lato Sensu” em
Clínica Médica e Cirúrgica de Felinos
Trabalho monográfico do Curso de
Pós Graduação “Lato Sensu” em
Clínica Médica e Cirúrgica de Felinos
apresentado à UNIP como requisito
parcial para obtenção de título de
especialista
em
Clínica Médica
e
Cirúrgica de Felinos, sob a orientação
da Profa. Dra. Maria Cristina Nobre e
Castro.
Belo Horizonte
2012
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA EM MEDICINA FELINA
Elaborado por Tathiana Mourão dos Anjos
Aluna do Curso de Especialização lato sensu em
Clínica Médica e Cirúrgica de Felinos
Foi analisado e aprovado com grau: ........................................
_______________________________________________________
Profª.
_______________________________________________________
Prof.
_______________________________________________________
Profª. Orientadora Dra. Maria Cristina Nobre e Castro
Belo Horizonte, 07 de março de 2012.
SUMÁRIO
1.
INTRODUÇÃO............................................................................................................
1
2.
REVISÃO DE LITERATURA......................................................................................
2
2.1.
HISTÓRICO................................................................................................................
2
2.2.
FISIOLOGIA...............................................................................................................
3
2.2.1.
Mecanismos de Regulação da Pressão Arterial....................................................
5
2.3.
TIPOS DE HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA (HAS).....................................
16
2.3.1.
Hipertensão Primária................................................................................................ 16
2.3.2.
Hipertensão Secundária........................................................................................... 17
2.3.3.
“Síndrome do Jaleco Branco’’................................................................................
17
2.4.
SINAIS CLÍNICOS DE HAS (LESÕES AOS ÓRGÃOS-ALVO - LOA).....................
19
2.5.
VALORES NORMAIS DE PRESSÃO ARTERIAL FELINA....................................... 24
2.6.
MENSURAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL.............................................................. 26
2.7.
MÉTODOS DE MENSURAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL..................................... 28
2.7.1.
Pressão Invasiva....................................................................................................... 29
2.7.1.1. Cateterização Arterial...............................................................................................
29
2.7.2.
Pressão Não Invasiva...............................................................................................
30
2.7.2.1. Método Oscilométrico..............................................................................................
30
2.7.2.2. Método Doppler Vascular........................................................................................
33
2.8.
INDICAÇÕES PARA MENSURAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL........................... 37
2.9.
TRATAMENTO........................................................................................................... 37
3.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................
42
4.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................
43
RESUMO
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é a elevação anormal e persistente da
pressão arterial, sistólica (PAS) e/ou diastólica (PAD). É uma doença grave,
“silenciosa”, que acarreta inúmeras alterações sistêmicas, em diferentes órgãos
(órgãos-alvo), principalmente nos mais irrigados. É a doença cardiovascular mais
importante do gato idoso, sendo a mais importante doença vascular felina. As
principais lesões aparecem, em ordem de prevalência, nos olhos, rins, coração e
cérebro. A doença renal crônica representa a maior causa de HAS em felinos,
seguida
pelo
hipertireoidismo.
acompanhamento
de
rotina
Gatos
e/ou
sem
hipertensos
intervenção
sem
diagnóstico,
adequada,
sem
geralmente
apresentam-se para consulta, ainda assintomáticos, ou mais comumente, com sinais
clínicos característicos da doença de base responsável pelo desenvolvimento da
HAS. As principais queixas do proprietário são cegueira súbita, emagrecimento,
poliúria, polidipsia, alterações de apetite e comportamento. A mensuração da PA é
essencial para diagnosticar um paciente hipertenso, e tem se tornado imprescindível
na rotina clínica devido a grande importância da HAS, sobretudo em medicina felina,
por sua maior incidência. Somente com o diagnóstico precoce e tratamento da HAS
é possível prevenir e/ou controlar as lesões aos órgãos-alvo. Com o intuito de
melhor informar o (a) médico (a) veterinário (a) sobre hipertensão arterial sistêmica
em medicina felina, propôs-se esta revisão.
Palavras-chave: pressão arterial, gato, hipertensão, medicina felina.
ABSTRACT
Hypertension (HBP) is an abnormal and persistent elevation of blood pressure (SBP)
and / or diastolic (DBP). It is a serious disease, "silent," causing many systemic
changes in different organs (target organs), especially in the most irrigated. It is the
most important cardiovascular disease in the old cat, also being the most important
vascular feline disease. The main lesions appear in order of prevalence, eyes,
kidneys, heart, brain. Chronic kidney disease is the major cause of hypertension in
cats, followed by hyperthyroidism. Hypertensive cats undiagnosed without routine
monitoring and / or without proper intervention often have to query, even
asymptomatic, or more commonly, with characteristic clinical signs of the underlying
disease responsible for the development of hypertension. The main complaints of the
owner are sudden blindness, weight loss, polyuria, polydipsia, changes in appetite
and behavior. BP measurement is essential to diagnose a patient with hypertension,
and has become indispensable in clinical routine because of the importance of
hypertension, especially in feline medicine, due to its incidence. Only with early
diagnosis and treatment of hypertension can be prevented and / or control the
damage to target organs. In order to better inform the (a) Medical (a) veterinary (a)
on hypertension in feline medicine, it was proposed this revision.
Key-words: blood pressure, cat, hypertension, feline medicine.
1
1. INTRODUÇÃO
A pressão arterial (PA) é definida como a força exercida pelo sangue contra a
superfície interna das artérias, impulsionada pelo batimento cardíaco. É determinada
pelo débito cardíaco (DC) e pela resistência vascular periférica (RVP). Os
mecanismos regulatórios da PA dependem de interações complexas entre os
sistemas cardiovascular, neural e endócrino (GUYTON e HALL, 2006).
A PA deve ser mantida dentro de um intervalo relativamente estreito de
valores para garantir que os tecidos e órgãos vitais tenham uma perfusão adequada,
de modo que recebam nutrientes e oxigênio, e eliminem os produtos tóxicos
resultantes do metabolismo. Uma pressão adequada é também vital para
manutenção da taxa de filtração glomerular, uma vez que os rins recebem
aproximadamente 25% de sangue do débito cardíaco (EGNER et al., 2007).
Nos últimos anos, a mensuração da PA vem ocupando lugar de destaque na
medicina veterinária (HENIK et al., 2005), especialmente pela maior disponibilidade
de aparelhos não invasivos, desenvolvidos especialmente para cães e gatos. A
mensuração da PA é essencial para se avaliar o estado circulatório do paciente,
assim como auxiliar no diagnóstico precoce de doenças que possam estar
relacionadas ao desequilíbrio hemodinâmico do mesmo.
Alterações de pressão arterial ocorrem com frequência em cães e gatos.
Tanto a hipotensão quanto a hipertensão, devem o quanto antes ser diagnosticadas,
devendo o paciente ser submetido, quando necessário, a tratamento imediato, sob
pena de incorrer em danos irreversíveis, ou ainda, em óbito (EGNER et al., 2007).
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é a elevação anormal e persistente da
pressão arterial (PA), sistólica (PAS) e/ou diastólica (PAD). É uma doença grave,
“silenciosa”, que acarreta inúmeras alterações sistêmicas, em diferentes órgãos
(“órgãos-alvo”), principalmente nos mais irrigados (BROWN et al., 2007). Tem-se
destacado na clínica de pequenos animais, a importância da HAS, sobretudo em
medicina felina, por sua maior incidência, tornando imprescindível a mensuração da
pressão arterial na rotina clínica (HENIK et al., 2005; JEPSON et al., 2007; JEPSON,
2011; STEPIEN, 2011). A HAS é a doença cardiovascular mais importante do gato
idoso, sendo a mais importante doença vascular felina (MAGGIO et al., 2000).
Com o intuito de melhor informar o (a) médico (a) veterinário (a) sobre a hipertensão
arterial sistêmica em medicina felina, propôs-se esta revisão.
2
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1. HISTÓRICO
A primeira medida experimental da pressão arterial foi feita, em 1711, pelo
pesquisador Stephen Halles, na Inglaterra, em uma égua, imobilizada por um grande
número de estudantes. Halles inseriu uma cânula na artéria carótida do animal,
conectando-a a um tubo de vidro de três metros de altura. A coluna de sangue se
elevou a dois metros e meio de altura acima do animal, tendo sido este, o primeiro
registro de pressão arterial (RIBEIRO e PLAVNIK, 2007).
A medida indireta da PA só se tornou possível a partir de 1880, quando o
cientista Von Basch, na Alemanha, idealizou o primeiro aparelho, que nada mais era
que uma bolsa de borracha cheia de água conectada a uma coluna de mercúrio com
um manômetro. A pressão sistólica era obtida a partir da compressão da bolsa de
borracha sobre a artéria até o desaparecimento do pulso. Em 1896, o médico
italiano Scipione Riva-Rocci, em Turim, substituiu a bolsa por um manguito de
borracha e a água pelo ar (RAMOS, 1998).
Em 1905, o pesquisador russo Nikolai Korotkoff (figura 1) desenvolveu o
método auscultatório dos sons produzidos durante a descompressão da artéria,
através de medida indireta da PA, por meio de um esfigmomanômetro (RAMOS,
1998).
Sons de Korotkoff
Fases
Qualidade dos Sons
Base Teórica
Som súbito, forte, bem definido, A pressão da bolsa se iguala à
Fase I
que aumenta em intensidade.
PAS, ocorre passagem parcial
da onda de pulso.
Sucessão
Fase II
mais
de
suaves
sons
e
soprosos, Decorre de mudança no calibre
prolongados arterial (de estreito para mais
(qualidade de sopro intermitente).
largo) com criação de fluxo
turbilhonado - o qual produz
3
vibração do sangue e da parede
arterial - produzindo sopros.
Desaparecimento
Fase III
dos
sons À medida que a pressão na
soprosos e surgimento de sons bolsa
diminui,
a
artéria
mais nítidos e intensos, que permanece aberta na sístole e
aumentam em intensidade.
permanece fechada na diástole
(tardia).
Os sons tornam-se abruptamente A pressão da bolsa encontra-se
Fase IV
mais suaves e abafados, são no nível da pressão diastólica
menos claros.
Fase V
intra-arterial.
Desaparecimento completo dos A
sons.
Figura
1.
artéria
permanece
aberta
durante todo o ciclo cardíaco.
Sons
de
Korotkoff
(modificado
de
http://vsites.unb.br/fs/enf/nipe/korotkovsom.html).
2.2. FISIOLOGIA
A PA resulta de uma interação complexa entre o débito cardíaco (DC) e a
resistência vascular periférica (RVP), onde PA = DC x RVP. A pressão arterial é
medida em milímetros de mercúrio (mmHg) (EGNER et al., 2007).
É produzida pelo batimento cardíaco, e seus valores podem flutuar
constantemente de forma fisiológica, em torno de 10 a 15 mmHg (EGNER et al.,
2007).
A RVP é a principal determinante da variação da PA em descanso, enquanto
o DC assume um papel mais importante durante o exercício (FOX et al., 1999). O
diâmetro do vaso sanguíneo é um fator determinante da RVP (KITTLESON e
KIENLE, 1998). A vasoconstrição resulta em um aumento da pós-carga e,
consequentemente, da RVP. O DC ou, em outras palavras, o volume de sangue
ejetado pelo coração por minuto, é igual à frequência cardíaca (FC) multiplicada pelo
volume de ejeção (VE), onde DC = FC x VE.
4
O VE está relacionado com a pré-carga, pós-carga e contratilidade cardíaca
(EGNER et al., 2007). Quanto maior a taxa de enchimento cardíaco, maior o VE. Da
mesma maneira, quanto maior a força de contração, maior também será o VE.
Qualquer aumento na FC, contratilidade ou pré-carga vão resultar num aumento do
DC. A viscosidade do sangue também pode influenciar a RVP e deste modo a PA. A
maior determinante da viscosidade sanguínea é o seu conteúdo em eritrócitos, ou
seja, um hematócrito elevado resulta numa viscosidade elevada (FOX et al., 1999;
EGNER et al., 2007).
O sangue entra no átrio esquerdo a uma pressão arterial média (PAM)
dificilmente mensurável menor que 14 mmHg. O sangue flui para o ventrículo
durante a diástole. Imediatamente antes do final da diástole, o átrio contrai para
deslocar o resto do sangue para o ventrículo. Somente durante a sístole um
aumento da pressão ocorre; o sangue é então ejetado através da abertura da valva
aórtica e vai para a grande circulação. Um pulso sistólico de PA é, portanto
produzido em cada contração do coração. O volume de ejeção do ventrículo
esquerdo, a velocidade de ejeção, e as propriedades elásticas da aorta
desempenham um importante papel na determinação da PAS. A PAD é determinada
pela duração da diástole, volume sanguíneo circulante e o grau de elasticidade
arterial. A elasticidade arterial é um importante parâmetro da pressão diastólica. O
sangue ejetado em cada sístole produz uma onda de pressão que promove a
dilatação das artérias. Uma porção do sangue ejetado é armazenada nas artérias
dilatadas. Quando as fibras elásticas relaxam, o sangue armazenado é novamente
impelido para frente, criando uma pressão diastólica. Apesar de o volume sanguíneo
diastólico ser uma variável teórica que não pode ser mensurada, esta deve ser
considerada um determinante da PA (EGNER et al., 2007). Se não houvesse
sangue no sistema arterial antes do ventrículo esquerdo ejetar uma quantidade de
sangue, certamente a PA seria mais baixa do que se existisse um volume sanguíneo
normal antes da ejeção (GUYTON e HALL, 2006; EGNER et al., 2007). A diferença
entre os valores de PAS e PAD é chamada pressão de pulso (PP). Esta pode ser
afetada pelo VE (quanto maior o VE, maior a quantidade de sangue bombeada para
o sistema arterial e maior a pressão de pulso) e pela complacência arterial (quanto
maior a complacência da árvore arterial, menor é o aumento na pressão por VE)
(FOX et al., 1999).
5
A pressão arterial média (PAM) é representada pela pressão média ao longo
da duração do volume de ejeção. É usada como um valor de aproximação da
resistência arteriolar. A PAM é ligeiramente inferior ao valor intermediário entre a
PAS e a PAD e pode ser calculada através da equação: PAM = PAD + 1/3 x (PAS –
PAD) ou PAM = PAD + 1/3 x (PP).
Figura 2. Curva de Pressão Arterial (modificado de Egner et al., 2007).
A PAM é importante porque constitui a principal determinante da perfusão
tecidual. De modo geral, é necessária uma PAM mínima de 70 mmHg para
assegurar a perfusão tecidual (FOX et al., 1999; EGNER et al., 2007).
2.2.1. Mecanismos de Regulação da Pressão Arterial
Existem complexos mecanismos de regulação que permitem adaptar a PA às
necessidades fisiológicas de cada momento, assegurando assim os valores mais
corretos para que o fluxo sanguíneo chegue a todos os locais do organismo.
Basicamente, estes mecanismos modificam, de uma forma ou de outra, os dois
parâmetros básicos que mantêm a pressão arterial, o débito cardíaco e/ou a
resistência vascular periférica (figura 3).
6
Figura 3. Mecanismos envolvidos na regulação da pressão arterial e causas do
desenvolvimento de hipertensão arterial sistêmica (modificado de CÔTE et al.,
2011).
Deste modo, a pressão arterial aumenta perante um aumento do débito
cardíaco ou quando se produz uma vasoconstrição periférica (contração das
pequenas artérias) e diminui quando o débito cardíaco diminui ou quando se produz
uma vasodilatação periférica (dilatação das pequenas artérias).
O sistema nervoso central (SNC) controla tanto a atividade do sistema
nervoso autônomo (SNA) como a liberação de fatores hormonais circulantes,
residindo este centro de controle circulatório na ponte da medula oblonga (GUYTON
e HALL, 2006) (figura 4). O centro vasomotor recebe informação de fatores como a
tensão na parede dos vasos e a pressão intravascular assim como a concentração
de O2 e CO2 no sangue. Esta informação é transmitida via quimiorreceptores e
barorreceptores (GUYTON e HALL, 2006; EGNER et al., 2007).
7
Figura 4. Localização do centro de controle circulatório na ponte da medula oblonga
(GUYTON e HALL, 2006).
A homeostase é mantida por mecanismos neurais e hormonais, de resposta
imediata e tardia, para garantir uma perfusão ajustada para as necessidades do
organismo em diferentes momentos (EGNER et al., 2007) (figura 5). Estes
mecanismos neuro-hormonais controlam o sistema cardiovascular. Dependendo do
metabolismo tecidual local, o suprimento sanguíneo para diferentes tecidos e órgãos
é facilitado pela existência de mecanismos de auto-regulação em nível local (FOX et
al.,1999).
8
Figura 5. Mecanismos neuro-humorais de controle de pressão arterial (modificado de
www.google/imagens.com).
Os mecanismos imediatos (segundos a minutos), como os barorreceptores
(figura 6), os quimiorreceptores arteriais e a resposta isquêmica do SNC, são
capazes de responder em questão de segundos a variações bruscas da
hemodinâmica circulatória (GUYTON e HALL, 2006). Esses sistemas são também
muito úteis em situações de emergência, como em uma hemorragia, por exemplo.
Estes receptores periféricos (barorreceptores e quimiorreceptores) são responsáveis
pelos reflexos cardiovasculares e pelo tônus de vasos sanguíneos. Estes processos
servem para assegurar de forma imediata, alterações em curto prazo na pressão
arterial, como por exemplo, devido a alterações posturais (EGNER et al., 2007).
Os barorreceptores são terminações nervosas especialmente sensíveis às
variações de pressão no interior da aorta e das artérias carótidas comuns (nos seios
carotídeos). Localizam-se também nas veias cavas, veias pulmonares, átrios,
ventrículos e pericárdio (GUYTON e HALL, 2006; EGNER et al., 2007) (figuras 6 e
7).
9
Figura 6. Localização dos barorreceptores (modificado de GUYTON e HALL, 2006).
Figura 7. Localização dos barorreceptores (modificado de MURTAUGH, 2007).
São receptores de estiramento que transmitem sinais sensoriais para o centro
vasomotor do tronco cerebral em resposta a alterações na PA (FOX et al.,1999).
Quando estes receptores detectam uma diminuição da PA há uma estimulação do
sistema nervoso simpático, que não só provoca uma vasoconstrição direta, como
estimula a glândula adrenal a liberar catecolaminas (adrenalina e noradrenalina)
(figuras 8 e 9), que por sua vez vão estimular indiretamente o músculo cardíaco e
sistema vascular, através da ativação de quimiorreceptores, que também são
ativados quando há redução na concentração de oxigênio, além da diminuição do
volume de sangue circulante. A adrenalina aumenta a PA através da ativação de
receptores
α2-adrenérgicos
(vasoconstrição)
e
receptores
B1-adrenérgicos
10
cardíacos, com aumento da frequência cardíaca e da contratilidade miocárdica. A
noradrenalina aumenta a PA principalmente pela ativação dos α-receptores (que
resulta em vasoconstrição). Em resumo, os reflexos dos barorreceptores
desencadeiam vasoconstrição, aumento da frequência cardíaca, aumento da
contratilidade cardíaca e contração esplênica vascular com saída de sangue
armazenado no baço e em outros órgãos abdominais. Todas essas repostas elevam
a PA (GUYTON e HALL, 2006; EGNER et al., 2007).
Figura 8. Ação das Catecolaminas (modificado de EGNER et al., 2007).
Figura 9. Ação dos Barorreceptores e Catecolaminas (modificado de EGNER et al.,
2007).
11
Os quimiorreceptores localizados na parede do arco aórtico e na bifurcação
da artéria carótida comum respondem a alterações dos gases arteriais. Uma
diminuição da pressão parcial de oxigênio (PaO2) e um aumento da pressão parcial
de dióxido de carbono (PaCO2) vão conduzir a um aumento do tônus simpático, com
a mesma cadeia de eventos descrita anteriormente, havendo subsequentemente
uma elevação da PA (GUYTON e HALL, 2006; EGNER et al., 2007). Esses
receptores exercem efeito cronotrópico positivo (aumento da frequência cardíaca) e
efeito inotrópico positivo (aumento da força de contração). Comparativamente à
ação dos barorreceptores, o reflexo quimiorreceptor é geralmente menos importante
para o controle da PA (FOX et al., 1999). Em nível celular, o tônus vasomotor
depende da disponibilidade de cálcio (Ca2+) citossólico para interagir com a miosina
do músculo liso. O cálcio citossólico depende do fluxo de outros cátions, como o
sódio (Na+), potássio (K+) e Magnésio (Mg+). Por exemplo, o aumento do sódio
intracelular está associado a um aumento de cálcio citossólico (FOX et al.,1999).
Em médio e longo prazo, a ação das propriedades mecânicas das paredes
vasculares tem maior influência no controle da PA. Os vasos são capazes de
acomodar seu diâmetro a situações de estiramento prolongado, e também ocorre a
reabsorção de fluido do interstício para o interior dos capilares, em situações de
hipotensão prolongada. Quando a resposta da regulação imediata é incapaz de
normalizar a PA, o organismo lança mão de medidas adicionais. As principais
medidas envolvem o rim, órgão encarregado de filtrar o sangue e, por isso, muito
sensível a qualquer diminuição do fluxo sanguíneo que lhe chega. O rim é
responsável pelo recebimento de 25% de sangue do débito cardíaco. Os elementos
primários da regulação em médio prazo são a ativação do sistema renina
angiotensina aldosterona (SRAA) e a liberação de prostaglandinas (GUYTON e
HALL, 2006; EGNER et al., 2007).
O SRAA (figura 10) desempenha um importante papel na homeostase
cardiovascular. Em estados hipotensivos, ou se há redução do sangue circulante
com diminuição da perfusão renal, as células justaglomerulares na parede da
arteríola aferente secretam a enzima renina para a circulação, cuja função é
hidrolisar o angiotensinogênio secretado em nível hepático, no decapeptídeo
angiotensina I (AT I). Nos vasos pulmonares, a enzima conversora da angiotensina
(ECA) catalisa a formação do octapeptídeo angiotensina II (AT II) a partir da AT I. A
AT II influencia a PA através de vários órgãos. Como um potente vasoconstritor
12
arteriolar (os efeitos venoconstritores são mais suaves), a AT II aumenta a liberação
adrenérgica de noradrenalina, com consequente vasoconstrição. Ao mesmo tempo
em que contribui para o aumento da resistência vascular periférica (RVP), da póscarga e da pressão arterial, a AT II estimula o córtex adrenal a secretar o
mineralocorticóide aldosterona, o qual promove retenção de sódio e água,
aumentando o volume sanguíneo (pré-carga) (FOX et al., 1999; GUYTON e HALL,
2006; EGNER et al., 2007).
A ECA (cininase II), além de participar da formação da AT II, também destrói
a atividade vasodilatadora da bradicinina através da sua fragmentação em
metabólitos inativos, prevenindo a vasodilatação (EGNER et al., 2007).
Estes mecanismos produzem uma elevação terapêutica na pressão arterial
quando há uma deficiência relativa ou absoluta, mas leva à hipertensão em várias
doenças quando há falta de um mecanismo de feedback negativo.
Figura 10. Sistema Renina Angiotensina Aldosterona (modificado de A. Rad, 2006 http://pt.wikipedia.org/wiki/Sistema_renina-angiotensina).
13
Dois tipos básicos de SRAA podem ser descritos: SRAA circulante (no
plasma) para regulação em médio prazo da pressão arterial e SRAA local (tecidual)
para regulação em longo prazo (principalmente no cérebro, glândula adrenal,
coração e vasos sanguíneos). Isto, entretanto, é fortemente espécie-dependente
(EGNER et al., 2007).
A ativação do SRAA estimula a atividade hipertensiva (aumenta o volume
sanguíneo, induz vasoconstrição) e inibe os efeitos hipotensivos da bradicinina
(vasodilatação).
A prostaciclina (PGI2) é uma prostaglandina que desempenha também um
importante papel na regulação da pressão arterial. É um mediador eicosanóide
produzido pelas células endoteliais vasculares pela ação da COX2 sobre o ácido
araquidônico. Este hormônio dilata os vasos sanguíneos e, devido ao seu efeito
natriurético renal, diminui o volume vascular, resultando em diminuição da PA
(EGNER et al., 2007).
Todos estes mecanismos elencados previamente interagem entre si e
constituem um complexo sistema de regulação da PA. Falhas nesse sistema podem
originar desvios dos valores normais da PA, quer seja a sua persistente elevação (a
hipertensão arterial) ou a sua considerável diminuição (a hipotensão arterial)
(EGNER et al., 2007).
Em longo prazo, isto é, após um intervalo de alguns dias, entra em ação a
capacidade dos rins de controlar a excreção de sal e água. Essa capacidade baseiase no fato de que a pressão de perfusão renal exerce uma profunda influência sobre
a excreção de sódio e água. Esse fenômeno, denominado natriurese pressórica,
transforma o rim num poderoso agente efetor na regulação da PA. Quando a PA se
eleva, a excreção renal de água e sódio aumenta, reduzindo o volume sanguíneo,
provocando queda no DC, diminuindo a PA e trazendo de volta ao nível anterior à
taxa de excreção renal de sódio (GUYTON e HALL, 2006).
A regulação hormonal envolvida em longo prazo, que assegura um
controle mais efetivo da PA, é ativada depois que já houve ação dos mecanismos de
regulação imediata e de médio prazo (GUYTON e HALL, 2006).
Estes hormônios servem para aumentar o volume sanguíneo e ativar mecanismos
de contra-regulação. A sua função é ajustar a concentração urinária e a excreção de
sódio (EGNER et al., 2007).
Essa regulação é controlada pela ação de três hormônios: aldosterona,
14
hormônio antidiurético (ADH) ou arginino-vasopressina (AVP) e peptídeo natriurético
atrial (PNA) (GUYTON e HALL, 2006).
Além dos hormônios citados acima se destacam também os hormônios e
autacóides
vasoativos,
como
a
angiotensina
II
e
as
catecolaminas
(vasoconstritores); insulina, prostaciclina (PGI2), bradicinina e o óxido nítrico
(vasodilatadores) (GUYTON e HALL, 2006).
Esses compostos alteram a PA influenciando a resistência vascular periférica
(vasodilatadores e vasoconstritores) ou o débito cardíaco e regulando a excreção
renal de sódio (natriuréticos e anti-natriuréticos). De modo geral, os vasoconstritores,
como as catecolaminas e a angiotensina II, funcionam como retentores de sódio
(anti-natriuréticos), enquanto os vasodilatadores, como o fator (ou peptídeo)
natriurético atrial e o óxido nítrico, atuam como espoliadores de sódio (natriuréticos).
Por essa razão, é praticamente impossível obter um efeito puramente antinatriurético ou vasoconstritor mediante a administração exógena de compostos
vasoativos ou da estimulação de sistemas que liberem esses compostos, como o
sistema nervoso simpático e o sistema renina angiotensina aldosterona (GUYTON e
HALL, 2006).
A aldosterona é um hormônio mineralocorticóide secretado pelas glândulas
adrenais, que promove a retenção renal de sódio, aumentando o volume sanguíneo
e, consequentemente, a pressão arterial. O hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), o
potássio e a angiotensina II estimulam a sua secreção (EGNER et al., 2007) (figura
11).
O hormônio antidiurético é sintetizado no hipotálamo e secretado pela
neurohipófise em resposta à hipovolemia, hiperosmolaridade e sede (figura 11). O
resultado de sua secreção é o aumento do volume vascular e da vasoconstrição, o
que irá acarretar em aumento da PA. A secreção deste hormônio é estimulada pela
ativação do SRAA e inibida pela ativação do peptídeo natriurético atrial (PNA)
(GUYTON e HALL, 2006; EGNER et al., 2007).
15
FIGURA 11. Ação Hormonal e excreção hídrica (modificado de GUYTON e
HALL, 2007).
O PNA é secretado pelos cardiomiócitos atriais e a distensão da parede atrial
é o sinal para sua liberação quando há elevado débito cardíaco, estímulos
simpáticos, fatores metabólicos e hipóxia (GUYTON e HAL, 2006).
O hormônio endotelina-1 (vasoconstritor que age nos músculos lisos das
artérias), estimula a liberação do PNA agindo diretamente no coração ou por
estimular um aumento de volume circulante dentro do órgão. AT II, catecolaminas,
acetilcolina,
arginina,
ADH,
prostaglandinas,
glicocorticóides
e
hormônios
tireoidianos inibem a liberação de PNA. Os seus efeitos consistem em aumentar a
taxa de filtração glomerular (TFG), aumentar a excreção de sódio e reduzir a sua
reabsorção, diminuindo desta maneira, a pressão arterial. O aumento do volume
plasmático (resultado final da ação do SRAA) eleva a PA. Uma vez que o PNA
também inibe a síntese da aldosterona, do hormônio antidiurético e da renina, irá
funcionar como antagonistas do SRAA (GUYTON e HALL, 2006; EGNER et al.,
2007).
16
2.3. TIPOS DE HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA
2.3.1. Hipertensão Primária
É classificada como primária (ou idiopática), quando não há uma causa
subjacente para a hipertensão (BROWN et al., 2007; ELLIOT e WATSON, 2008).
A hipertensão primária é rara nas espécies canina e felina ao contrário do que
ocorre na espécie humana, onde mais de 90% dos casos de hipertensão são
primárias. Geralmente é diagnosticada por exclusão (ELLIOT et al., 2001; BROWN
et al., 2007; EGNER et al., 2007). Embora a hipertensão secundária permaneça
como o tipo mais comum de ocorrência na clínica de caninos e felinos, a hipertensão
idiopática está se tornando mais frequente (SCULLY et al., 1983; SLAUGHTER et
al., 1986; BOVEE et al., 1986; TIPPETT et al., 1987; LITTMAN et al., 1998; BOVEE
et al., 1989) do que conhecida previamente, perfazendo aproximadamente 18 a 20%
dos casos em felinos (MAGGIO et al., 2000; ELLIOT et al., 2001). A doença
subclínica renal está presente com frequência em pessoas e animais com
hipertensão, o que torna difícil estabelecer um diagnóstico válido de hipertensão
primária ou secundária. Além disso, a presença da PA elevada de forma crônica
sugere que um ou ambos os sistemas neuro-hormonais e renais responsáveis pela
regulação da PA seja ou esteja anormal. O diagnóstico da hipertensão arterial
idiopática é estabelecido quando mensurações confiáveis mostram uma elevação
persistente da PA em simultâneo com o paciente sem sinais clínicos e hemograma,
bioquímica sérica e urinálise normais. Infelizmente, o aumento da PA pode induzir a
poliúria e, portanto, a presença de urina de baixa densidade específica em um
paciente com pressão arterial elevada não estabelece que a doença renal esteja
presente. Por outro lado, a presença de urina concentrada faz com que a doença
renal seja menos provável. Desde que a doença renal subclínica ou outra condição
conhecida por causar hipertensão secundária possa estar presente em animais com
hipertensão primária, é recomendado que exames de diagnóstico, além de
hemograma, bioquímica sérica e urinálise sejam considerados em animais afetados
(BROWN et al, 2007).
Dependendo do quadro clínico, estes testes podem incluir o exame de ultrasom renal, medição da taxa de filtração glomerular, avaliação quantitativa da
proteinúria, determinação dos hormônios da tireóide (gato) e do cortisol sanguíneo
17
(cão). Além disso, testes adicionais incluem concentração sérica e urinária de
aldosterona e catecolaminas, além de ecocardiografia cardíaca (BROWN et al,
2007).
2.3.2. Hipertensão Secundária
É causada por determinadas doenças (ou fármacos) representando,
praticamente, quase todos os casos de elevação da PA em pequenos animais
(BROWN et al., 2007; ELLIOT e WATSON, 2008).
Existem várias condições com potencial de causar hipertensão arterial em
pequenos animais. A doença renal crônica seguida pelo hipertireoidismo representa
a maior causa de HAS em felinos (KLEVANS et al., 1979; KOBAYASHI et al., 1990;
LITTMAN, 1994; SANSOM et al., 1994; STILES et al., 1994; MAGGIO et al., 2000;
SYME et al., 2002; CHETBOUL et al., 2003), variando entre 20 a 65% de
prevalência (KOBAYASHI et al., 1990; STILES et al., 1994; e SYME et al., 2002).
Outras doenças e medicações também têm sido descritas como causas de HAS
como hiperaldosteronismo (FLOOD et al., 1999 e MAGGIO et al., 2000),
hiperadrenocorticismo (HOENIG, 2002), anemia crônica (MORGAN, 1986), diabetes
mellitus (LITTMAN, 1994; MAGGIO et al., 2000; CHETBOUL et al., 2003) e terapia
com eritropoetina (COWGILL et al., 1998).
2.3.3. “Síndrome do Jaleco Branco”
A síndrome do jaleco branco é uma pseudo-hipertensão. É a elevação
transitória da pressão arterial devido à ação extremamente rápida de catecolaminas
(figura 12) causada pela ansiedade e estresse durante o processo de mensuração
da PA no consultório (EGNER et al., 2007).
O efeito do jaleco branco ocorre em pessoas e animais. A simples
visualização do médico pelo paciente e ou o simples fato de ir ao consultório pode
causar excitação suficiente para elevar a PA (EGNER et al., 2007). Estudou-se
através de telemetria o efeito do jaleco branco em gatos submetidos a uma
simulação de visita ao consultório veterinario (BELEW et al., 1999). A PA dos gatos
aumentou aproximadamente 30 mmHg durante o deslocamento de carro da
residência do animal ao consultório veterinário, então normalizou quase que
18
completamente dentro de poucos minutos após a entrada dentro do consultório (˂ 10
mmHg). A PAS aumentou novamente (aproximadamente 30 mmHg) durante o
exame clínico (especialmente quando foi feito o exame da cavidade oral e a
mensuração da temperatura). Durante a mensuração da PA, não houve ou se
houve, foi uma mudança mínima na PA dos gatos avaliados. Este efeito é mais
pronunciado em gatos que foram induzidos experimentalmente à insuficiência renal
crônica (EGNER et al., 2007).
De forma súbita, altos ruídos podem levar a uma descarga de adrenalina e
noradrenalina, causando uma mudança imediata da PA no paciente causada, por
exemplo, por uma queda de chave no chão, uma porta batendo, vozes em tom alto,
um veículo passando com uma sirene, luzes piscando, um cachorro latindo, um
telefone tocando ou manipulação veterinária no paciente, além de paciente
naturalmente agitado ou impaciente e um proprietário muito ansioso. A ação
extremamente rápida de catecolaminas pode levar a grandes mudanças em uma ou
mais leituras em uma série de mensurações da PA (EGNER et al., 2007).
O aumento da pressão arterial ocorre, nessas situações, como consequência
do estresse, devido a alterações no sistema nervoso autônomo, dos efeitos da
excitação ou da ansiedade em maiores centros do sistema nervoso central.
Figura 12. Elevação da pressão arterial gerada pelo estresse (modificado de
www.google/imagens.com).
Este tipo de hipertensão é evitado em condições que reduzam ou eliminem o
estresse (por exemplo, alterando as condições de mensuração para reduzir a
19
ansiedade do animal ou a mensuração da PA na casa do animal). Aumento da
pressão arterial induzida por ansiedade pode levar a um falso diagnóstico de
hipertensão arterial sistêmica. Infelizmente, os efeitos da ansiedade sobre a PA não
são previsíveis. Alguns animais apresentam um aumento dramático na PA, enquanto
outros não, e alguns animais podem ainda apresentar uma queda da PA como um
resultado do processo de mensuração da PA (BELEW et al., 1999). O último efeito é
presumivelmente devido à hiperatividade do sistema nervoso parassimpático.
Quimby, Smith e Lunn (2011), estudaram os efeitos do estresse da visita ao
consultório veterinário em 30 gatos saudáveis. Primeiramente foi mensurada a
pressão arterial, pelo método doppler vascular, na própria residência do felino, e
depois, o mesmo foi levado ao consultório veterinário, e após um período de
aclimatação, a PA foi mensurada novamente. Alterações signfificativas foram
observadas na pressão arterial, frequência cardíaca e frequência respiratória.
Concluiu-se que alterações fisiológicas encontradas após exame físico, nem sempre
são ocasionadas por doença, podendo muitas vezes ser geradas pelo estresse,
como transporte e mudança de ambiente.
2.4. SINAIS CLÍNICOS DE HAS (LESÕES AOS ÓRGÃOS-ALVO - LOA)
Brown et al. (2007) classificaram a pressão arterial de cães e gatos em 4
categorias, de acordo com o risco de desenvolvimento de lesão hipertensiva aos
órgãos-alvo (LOA), estabelecendo, dessa forma, parâmetros para avaliação clínica
(quadro 1).
Quadro 1. Classificação da PA Segundo o Consenso “Diretrizes para a Identificação,
Avaliação e Manejo da Hipertensão Arterial Sistêmica em Cães e Gatos”.
Categoria de Risco
PAS (mmHg)
PAD (mmHg)
Risco de LOA
I
˂ 150
˂ 95
Risco Mínimo
II
150 - 159
95 -99
Risco Leve
III
160 -179
100-119
Risco Moderado
IV
≥ 180
≥ 120
Risco Elevado
Fonte: BROWN et al.(2007).
20
As principais lesões (denominadas de lesões aos órgãos-alvo - LOA)
aparecem, em ordem de prevalência, nos olhos, rins, coração e cérebro (MAGGIO et
al., 2000)
Gatos hipertensos podem apresentar-se à consulta com sinais clínicos
característicos da doença responsável pelo desenvolvimento de hipertensão. As
queixas mais comuns do proprietário são perda de peso, aumento de ingestão de
água e aumento da micção, assim como alterações do apetite e comportamento,
além de cegueira.
As lesões oculares (figura 12) são observadas em muitos gatos com
hipertensão, e embora os índices de prevalência da injúria ocular variem, tem sido
relatado serem bastante elevados, sendo observado em quase 100% dos casos
(STILES et al., 1994; MAGGIO et al., 2000; CHETBOUL, 2003; SANSOM et al.,
2004). O conjunto de sinais clínicos oculares presentes na hipertensão, comumente
conhecidos como retinopatia hipertensiva (LITTMAN, 1994; MAGGIO et al., 2000)
são descolamento exsudativo de retina (sinal clínico mais comum), edema multifocal
de retina, tortuosidade vascular da retina, hemorragia de retina, hifema,
degeneração retinal (sequela tardia), glaucoma secundário e cegueira súbita
(LITTMAN, 1994; MAGGIO et al., 2000). Início agudo de cegueira e descolamento
bilateral exsudativo da retina pode ser uma queixa de apresentação tanto em gatos
como em cães (LITTMAN, 1994).
O tratamento anti-hipertensivo precoce pode ser eficaz em uma minoria de
pacientes, havendo o reposicionamento retiniano e a restauração da visão (MAGGIO
et al., 2000).
Lesão hipertensiva ocular foi relatada em valores sistólicos tão baixos como
168 mmHg (SANSOM et al., 2004) e o risco de ocorrência eleva substancialmente
quando a PAS é superior a 180 mmHg (SANSOM et al., 1994; CHETBOUL et al.,
2003).
21
FIGURA 12. Paciente hipertenso com descolamento de retina, hemorragia vítrea e
cegueira (arquivo pessoal).
As lesões renais mais presentes na hipertensão arterial são as alterações de
função renal, caracterizada pelas insuficiências renais e a proteinúria.
Gatos e cães hipertensos e nefropatas crônicos podem ou não ter azotemia
(KOBAYASHI et al., 1990).
A exposição do tecido renal durante muitos anos a altas pressões de perfusão
leva uma parte dos pacientes a desenvolver uma fibrose crônica do parênquima
renal, que culmina na perda irreversível de estruturas (figura 13) e comprometimento
de funções deste órgão. Além disso, a microalbuminúria é um marcador de lesão ao
órgão-alvo e a gravidade da albuminúria foi diretamente relacionada com o grau de
aumento da PA em um estudo experimental de doença renal crônica (DRC) em
gatos (MATHUR et al., 2002). A magnitude da proteinúria é um fator prognóstico
negativo na progressão da doença renal crônica felina (ELLIOT e SYME, 2006;
SYME et al. 2006; KING et al, 2006). A redução da proteinúria é talvez a evidência
mais confiável de benefício em um animal tratado com agentes anti-hipertensivos,
particularmente em gatos.
Em pacientes azotêmicos, a lesão ao rim é mais provável quando a PAS
estiver acima de 160 mmHg em cães e gatos. (MATHUR et al., 2004) embora uma
relação linear possa existir entre injúria hipertensiva e pressão arterial em cães com
doença renal crônica (FINCO, 2004).
A hipertensão pode estar presente em qualquer estágio da DRC, e a
concentração de creatinina sérica não é diretamente relacionada à pressão arterial
(KOBAYASHI et al., 1990). Cães e gatos hipertensos com DRC podem ter pouca ou
nenhuma azotemia (CORTADELLAS et al., 2006).
22
FIGURA 13. Imagem ultrassonográfica dos rins esquerdo e direito de um felino
hipertenso demonstrando perda de definição córtico-medular e bordas irregulares
característicos de um paciente doente renal crônico (arquivo pessoal).
As alterações cardíacas em gatos, são bastante frequentes, ocorrendo em 4
de 5 gatos hipertensos (MAGGIO et al,, 2000; ELLIOTT et al., 2001 e CHETBOUL,
2003).
Os sinais clínicos cardíacos observados são ritmo de galope, murmúrio
sistólico e cardiomegalia, geralmente hipertrofia ventricular esquerda (HVE) (mas
achados ecocardiográficos são variáveis) (HENIK, 1997; MAGGIO et al., 2000,
ELLIOTT et al., 2001). Mais insidiosa, mas igualmente deletéria, é a hipertrofia
cardíaca (figura 14), consequência da maior quantidade de trabalho mecânico
realizado pelo coração quando a pressão arterial (pós-carga) está elevada. Essa
hipertrofia acaba comprometendo a oxigenação do miocárdio e o próprio
desempenho cardíaco, levando à insuficiência cardíaca. Embora a HVE não seja
considerada um fator de risco para o tempo de sobrevida, a terapia anti-hipertensiva
eficaz pode reduzir a prevalência de HVE em gatos acometidos (SNYDER et al.,
2001) com insuficiência cardíaca e outras formas graves. As complicações são
raras, mas podem oorrer em gatos com hipertensão não diagnosticada previamente.
Inesperadamente pode haver o desenvolvimento de sinais de insuficiência cardíaca
congestiva após receber fluidoterapia, por exemplo. Além disso, os gatos com
hipertensão secundária devido a outras causas (por exemplo, DRC) podem morrer
de complicações cardiovasculares (ELLIOTT et al., 2001) como é freqüentemente
observado em pessoas hipertensas (ZANNAD et al., 2006).
Epistaxe, presumivelmente devido à hipertensão induzida por alterações
vasculares, tem sido associada com hipertensão arterial sistêmica (BROWN et al.,
2007).
23
FIGURA 14. Paciente hipertenso com hipertireoidismo e cardiomiopatia hipertrófica
(arquivo Pessoal).
No sistema nervoso, é observada encefalopatia hipertensiva, depressão,
apatia, convulsões, desmaios (KYLES, 1999; MAGGIO et al., 2000; BROWN et al,
2007). A encefalopatia hipertensiva (figura 15) tem sido relatada em cães e em gatos
(LITTMANN, 1994; KYLES et al, 1999; MAGGIO et al., 2000; BROWN et al., 2007) e
ocorre em pessoas, sendo muito bem descrita e caracterizada pelo edema de
substância branca e lesões vasculares (SCHARTZ, 2002). Sinais neurológicos têm
sido relatados em 29% (MAGGIO et al., 2000) a 46% de gatos hipertensos
(LITTMANN, 1994)
A encefalopatia hipertensiva ocorre após transplante renal em pessoas e
pode ser uma causa de morte inexplicada em gatos nessas mesmas condições
(TEJANI, 1983; MATHEUS e GREGORY, 1997; KYLES et al., 1999). Na sua fase
inicial, a encefalopatia é sensível ao tratamento anti-hipertensivo (KYLES et al.,
1999; MATHUR et al., 2002). A encefalopatia hipertensiva é mais provável de
ocorrer em gatos com um aumento súbito da pressão arterial, que ultrapasse 180
mmHg (MATHUR et al., 2002; BROWN et al., 2007).
Sinais clínicos observados são típicos de doença intracraniana e inclui
letargia, convulsões, início agudo de alterações de comportamento, desorientação,
pertubações de equilíbrio (por exemplo, sinais vestibulares, inclinação de cabeça e
nistagmo), e defeitos neurológicos focais devido a derrame associado à isquemia
(figura 15). Anormalidades do sistema nervoso central, incluindo hemorragia e
infarto, que acompanham a hipertensão arterial crônica em pessoas (MANOLIO et
al., 2003), também são observados em cães e gatos.
24
FIGURA 15. Paciente hipertenso com quadro neurológico (opstótono) (arquivo
pessoal).
FIGURA 16. Encefalopatia subaguda devido à hipertensão arterial sistêmica. Edema
cerebral com expansão cranial do cerebelo nas figuras a e b comparado ao cérebro
normal na figura c (modificado de CÔTÉ et al., 2011).
2.5. VALORES NORMAIS DE PRESSÃO ARTERIAL FELINA
Vários estudos têm reportado valores de pressão arterial para cães e gatos
normais (quadro 2).
Esses valores variam de acordo com cada estudo, refletindo as diferenças
nas populações avaliadas, nas técnicas de mensuração utilizadas e no manejo dos
animais.
Esta variabilidade enfatiza a importância da padronização das técnicas de
mensuração de pressão arterial na medicina veterinária (BODEY et al., 1994;
BODEY e SANSOM., 1998; LIN et al., 2006).
25
Quadro 2. Valores de Pressão Arterial de Felinos obtidos em Diferentes Estudos.
Método de
N°. de
PAS
PAD
PAM
Referência
Mensuração
Animais
(mmHg)
(mmHg)
(mmHg)
Bibliográfica
Intra-Arterial
6
125 ± 11
105 ± 10
89 ± 9
Brown et al., 1997
Intra-Arterial
6
126 ± 9
106 ± 10
91 ± 11
Belew et al., 1999
Oscilometria
104
139 ± 27
99 ± 27
77 ± 25
Bodey et al., 1998
Oscilometria
60
115 ± 10
96 ± 12
74 ± 11
Mishina et al., 1998
Doppler
4
139 ± 8
-
-
Klevans et al., 1979
Doppler
33
118 ± 11
-
-
Kobayashi et al., 1990
Doppler
50
162 ± 19
-
-
Sparkes et al., 1999
Doppler
15
145.5 ±18.3
Doppler
53
133.6 ± 16
Nelson et al., 2002
-
-
Lin et al., 2006
Fonte: BROWN et al, 2007.
Fatores fisiológicos adicionais afetam o que é considerada a pressão arterial
normal. Cada batimento cardíaco produz uma onda distinta de pressão arterial, e a
PA pode flutuar constantemente em valores de 10 a 15 mmHg. Os efeitos dessas
flutuações sobre a precisão da mensuração podem ser minimizados por meio de
medidas da PA em série (mínimo de 3 a 5 leituras separadas) (EGNER et al., 2007).
26
Os efeitos da idade não são tão claros em cães e gatos como é no homem.
Em um estudo (SANSOM et al., 2004) foi observado o aumento contínuo da PA
relacionado à idade dos gatos. Em outro trabalho (BODEY e SANSOM, 1998),
também foi observado aumento da pressão arterial de acordo com o avançar da
idade em uma população heterogênea de gatos, entretanto este aumento ocorreu
nos gatos acima de 11 anos de idade. Carvalho (2009) também observou aumento
significativo da PAS em função da idade dos gatos. Porém, este achado não é
consistente em todas as pesquisas. Lawler et al. (1996) e Sparkes et al. (1999) não
observaram efeito da idade em outro estudo de gatos saudáveis. Um aumento
relativamente pequeno de 1,5 mmHg por ano foi observado para a pressão arterial
média (PAM) em outro estudo em gatos aparentemente saudáveis (MISHINA et al.,
1998).
Brown, Langford e Tarver (1997) não observaram alteração nos valores de
PA de acordo com a variação circadiana como visto em aguns trabalhos com cães.
No entanto, Mishina, Watanabe e Watanabe (2006) observaram, por telemetria,
valores de PA mais elevados quando os gatos estavam em atividade, e valores mais
baixos quando dormiam, concluindo que provavelmente esses valores estivessem
mais fortemente correlacionados com o nível de atividade e a interação com o meio
ambiente em que vivem, do que com o ciclo circadiano, uma vez que gatos são
animais crepusculares (dormindo tanto de dia quanto de noite).
Apesar da maioria dos gatos avaliados por veterinários serem castrados,
alguns autores (BODEY e SANSOM, 1998; MISHINA et al., 1998; CARVALHO,
2009), relatam não haver efeito do sexo sobre os valores da PA nestes gatos.
Ao contrário do que ocorre em cães, não existem diferenças substanciais na
PA em diferentes raças de gatos, provavelmente devido à menor heterogenicidade
racial (BODEY e SANSOM, 1998; CHETBOUL, 2003; BROWN et al., 2007).
Em um estudo de obesidade, não foram observadas alterações da PA em
gatos obesos pelo método oscilométrico (BODEY e SANSOM, 1998; CARVALHO,
2009), não tendo sido avaliado pelo método doppler.
2.6. MENSURAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL
Para registro e obtenção de valores confiáveis da PA, é recomendado que
sempre o mesmo examinador realize as mensurações de PA. Deve ser seguido o
27
protocolo padrão criado pelo Consenso “Diretrizes para a Identificação, Avaliação e
Manejo de Hipertensão Arterial Sistêmica em Cães e Gatos” do Colégio Americano
de Medicina Veterinária Interna (ACVIM) e Sociedade Veterinária de Pressão Arterial
(VBPS) escrito por Brown et al. (2007) que preconiza:
 Testar e calibrar o aparelho semestralmente e padronizar o procedimento.
 Ambiente deve ser isolado, calmo, afastado e preferencialmente o proprietário
deve estar presente.
O paciente não deve estar sob influência de sedativos e deve ser permitido ao
mesmo que se acostume ao ambiente, por período mínimo de 5 a 10 minutos antes
de iniciar a mensuração da PA. Deve estar calmo e imóvel.
 Deve ser gentilmente contido em posição confortável, limitando a distância da
base do coração (átrio direito) ao manguito.
A largura do manguito deve ser ± 40% da circunferência da extremidade do
membro em cães e 30 a 40% em gatos. O tamanho deve ser anotado na ficha
médica de registro, assim como o local onde será colocado, estando esta
informação disponível em consultas futuras. Deve ser colocado na extremidade do
membro ou na base da cauda, variando conforme o animal, a preferência do
operador e a indicação do fabricante do aparelho.
O mesmo indivíduo (veterinário), essencialmente treinado, deve ser responsável
por todos os processos de mensuração, com base nas recomendações deste
protocolo padrão.
 A primeira medida deve ser descartada e, pelo menos 3, de preferência 5 a 7
medidas consecutivas e consistentes (variação < 20% PAS) devem ser anotadas.
O procedimento de mensuração deve ser repetido se necessário, alterando a
localização e/ou manguito para obtenção de valores consistentes. Se ainda persistir
dúvida, mensurar após 7 dias.
 Deve ser calculada a média aritmética dos valores obtidos.
Fichas de registro devem ser padronizadas, incluindo informação quanto ao
tamanho e local de colocação do manguito, valores obtidos, bom senso na exclusão
de quaisquer valores, a média aritmética calculada e a interpretação dos resultados
pelo (a) médico (a) veterinário (a). Quaisquer outras informações que forem
consideradas pertinentes devem constar na ficha de registro do paciente.
28
2.7. MÉTODOS DE MENSURAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL
Na medicina veterinária, ao contrário do que ocorre na medicina humana, as
mensurações da pressão arterial ainda não são uma rotina apesar do diagnóstico e
do manejo da hipertensão arterial sistêmica serem baseados na sua determinação.
A PA pode ser avaliada tanto por métodos indiretos (não invasivos), quanto
por métodos diretos (invasivos). Muito embora os métodos invasivos ofereçam
vantagens como a representação consistente e precisa da pressão arterial
sistêmica, sendo o método padrão-ouro, são, no entanto, raramente utilizados na
prática, devido às dificuldades da técnica (PORCIELLO et al., 2004), que incluem
sedação ou anestesia do paciente, fatores que, além de pouco práticos, podem
reduzir artificialmente a pressão arterial (KITTLESON e OLIVER, 1983). Por tais
motivos, os métodos invasivos de medida da pressão arterial são mais usados em
pesquisas (CHALIFOUX et al., 1985).
Os métodos não invasivos, contudo, são preferivelmente utilizados em
situações clínicas, devido à maior praticidade de uso e à possibilidade de ser
repetidos entre pequenos intervalos de tempo. Entretanto, as técnicas indiretas são
menos precisas quando a pressão sanguínea é baixa, quando há vasoconstrição ou
quando ocorre movimentação excessiva do animal (PODELL, 1992). Algumas
classes de dispositivos não invasivos para mensurar a PA disponíveis atualmente
são doppler vascular, oscilometria e fotopletismografia (JEPSON et al., 2005).
O erro técnico, relacionado à inexperiência do operador, é a principal causa
de resultados imprecisos obtidos por métodos indiretos. Portanto, para obtenção de
resultados confiáveis, a pessoa que mensura a PA deve conhecer bem o método e o
aparelho, dominar a técnica, saber escolher o manguito ideal para cada animal e
principalmente, ser muito paciente e hábil para lidar com os animais, especialmente
os felinos. Além disso, deve ser capaz de identificar valores elevados de PA
relacionados ao estresse do paciente, para evitar um falso diagnóstico de
hipertensão (“síndrome do jaleco branco”) (BROWN et al., 2007).
Se o manguito escolhido for muito grande ou se o manguito for colocado
muito proximal ao carpo (ou tarso), valores falsamente elevados poderão ser
obtidos.
De acordo com Jepson et al. (2005), a pressão arterial sistólica (PAS) foi
mensurada em 100% das tentativas de uso do doppler em gatos conscientes
29
enquanto que a pressão arterial diastólica (PAD) só foi possível em apenas 51,4%
das tentativas de uso do doppler. As médias obtidas de PAD por dois examinadores,
nesse caso, foram estatisticamente diferentes entre si, o que implica que a PAD,
obtida por meio do doppler, pode não ser confiável. Já com relação à mensuração
desses parâmetros por meio do método oscilométrico, esses mesmos autores
relatam maior dificuldade, uma vez que o animal teria de permanecer sem se mover
durante todo o procedimento, o que nem sempre é possível. Ao comparar os
resultados obtidos entre o doppler e o oscilométrico, os autores não encontraram
diferença significativa entre as médias de leitura da PAS, porém, muito embora as
médias de PA obtidas fossem comparáveis entre ambos os aparelhos, houve maior
variação nos dados pontuais fornecidos pelo aparelho oscilométrico. Já com relação
à PAD, o método oscilométrico mostrou-se estatisticamente superior.
Os métodos não invasivos de avaliação da pressão arterial disponíveis
atualmente, embora tenham seu uso já consagrado, ainda deixam muitas dúvidas
quanto à sua acurácia e praticidade na rotina clínica (ACIERNO et al., 2010). Dessa
maneira, é importante que possamos comparar e estabelecer métodos e aparelhos
confiáveis que verdadeiramente nos auxiliem em um diagnóstico seguro e rápido da
hipertensão arterial felina, enfermidade esta que vem assumindo grande importância
na clínica felina.
2.7.1. Pressão Invasiva
2.7.1.1. Cateterização Arterial
Após a obtenção do plano anestésico, o membro deve ser tricotomizado e
após assepsia prévia, ser introduzido na artéria femoral um cateter, que deverá ser
acoplado a um transdutor elétrico de pressão (figura 17) conectado ao monitor
multiparâmetro (figura 18) através de um tubo extensor e uma torneira de três vias,
posicionado entre a extensão e o transdutor. O transdutor de pressão deve ser
posicionado à altura do coração do paciente e ser “zerado” (fechando o transdutor
para o paciente e abrindo-o para o ar ambiente). Em seguida o transdutor é fechado
para o ar ambiente e é aberta a comunicação para o paciente, iniciando-se os
registros da PA invasiva (ARAÚJO, 1992).
30
São obtidos na tela do monitor um traçado contínuo da onda de pulso e os
valores digitais das pressões arterial sistólica, média e diastólica (TRIM, 1994;
NUNES, 2002). Todo o sistema compreendido entre paciente e transdutor deve ser
preenchido com líquido (solução salina heparinizada) e estar isento de bolhas de ar
(NUNES, 2002). A presença de bolhas de ar no sistema provoca uma diminuição na
amplitude do pulso, interferindo nos valores de pressão obtidos (BODEY et al., 1994;
TRIM, 1994). Para que a mensuração da pressão seja precisa, a interface entre o ar
e a solução salina heparinizada deverá estar à altura do coração (TRIM, 1994).
Figura 17. Transdutor elétrico de pressão invasiva (arquivo pessoal).
Figura 18. Monitor multiparâmetro com módulo de pressão invasiva (arquivo
pessoal).
2.7.2. Pressão Não Invasiva
2.7.2.1. Método Oscilométrico
31
Para mensuração pelo método oscilométrico, o gato deve ser posicionado no
colo do proprietário ou em posição confortável. A largura do manguito (figuras 19 e
20) deve ser correspondente a 30% - 40% da circunferência do membro, colocado
sobre o terço proximal do mesmo.
FIGURA 19. Escolha do manguito ideal para mensuração da PA (arquivo pessoal).
Figura 20. Diferentes tamanhos de manguito para mensuração de PA (modificado de
www.petmap.com).
32
O membro deve estar posicionado ao nível do coração (figura 21). O
manguito, então, é automaticamente inflado a uma pressão suprassistólica e, em
seguida, desinflado automaticamente de modo progressivo.
FIGURA 21. Correto posicionamento do animal e do manguito para mensuração
indireta da PA pelo método oscilométrico (arquivo pessoal).
As oscilações (ondas) da parede arterial emitidas pela pulsação sanguínea
permite ao aparelho oscilométrico captar a oscilação máxima e determinar a pressão
arterial média (PAM). Logo, por cálculo aritmético, o aparelho determina as PAS,
PAD, além da FC (figura 22).
33
Figura 22. Legenda da obtenção dos valores da PAD, PAM, PAS e FC (arquivo
pessoal).
Para que nova mensuração possa ser realizada sem interferência, o
manguito deve ser totalmente desinflado, a fim de normalizar mais rapidamente a
estase venosa (HENIK, 1997; HENIK et al., 2005).
2.7.2.2. Método Doppler Vascular
Para mensuração pelo método doppler vascular, o gato deve ser posicionado
no colo do proprietário ou em posição confortável (figura 23).
34
Figura 23. Correto posicionamento do animal e do manguito para mensuração
indireta da PA pelo método doppler vascular (arquivo pessoal).
A largura do manguito deve ser correspondente a 30% - 40% da
circunferência do membro, colocado sobre o terço proximal do mesmo. O membro
deve estar posicionado ao nível do coração direito. O manguito deve ser conectado
a um esfigmomanômetro aneróide (figura 24). O operador deve usar fone de ouvido
(figura 25), conectado ao aparelho, para evitar ruídos gerados pelo mesmo no
momento da colocação do gel no transdutor, minimizando dessa maneira o estresse
do animal durante a mensuração da PA. O transdutor (geralmente de 8,2 MHz)
(figura 25), conectado ao doppler vascular, é formado por cristais piezelétricos que
emitem ondas de alta frequência, que são refletidas pelo movimento dos eritrócitos
dentro do leito vascular, e transformadas em sinal sonoro.
35
Figura 24. Esfigmomanômetro Aneróide (arquivo pessoal).
Figura 25. Material necessário para mensuração da PA pelo método doppler
vascular (arquivo pessoal).
36
Caso a mensuração da PA seja realizada no membro anterior, álcool 70° e
gel de ecografia devem ser aplicados sobre o pêlo da região palmar metacarpal
próxima ao coxim, onde o pulso é palpável e sobre a superfície do transdutor, que
será ali posicionado (figura 26). Não é necessário tricotomizar os pêlos dessa região.
Figura 26. Correto posicionamento do transdutor do doppler vascular no membro do
paciente (arquivo pessoal).
Após obtenção dos sinais de pulso adequados, o manguito é então inflado até
aproximadamente 30 mmHg superior à pressão necessária para se obliterar o sinal
de pulso audível e, em seguida, a válvula do esfigmomanômetro deve ser aberta
lentamente, sendo regulada manualmente para a liberação de ar na velocidade de 2
a 5 mmHg por segundo, para que o manguito desinfle lentamente. A PAS será
determinada no momento em que o sinal de pulso se tornar audível novamente, e a
PAD quando os sinais audíveis, abruptamente, diminuírem ou alterarem o timbre,
tornando-se abafados. Entretanto, valores de PAD não são considerados, já que são
bastante subjetivos quando obtidos pelo doppler vascular (HENIK et al., 2005).
Tanto para mensuração da PA, pelo método oscilométrico, quanto pelo
método doppler vascular, a primeira leitura e leituras discrepantes (variabilidade
maior que 20% nos valores sistólicos) devem ser descartadas, e uma média
aritmética das demais deverá ser realizada. O ideal é que se obtenham valores de
PA, em pelo menos, 3 a 5 ciclos de repetições, com intervalo mínimo de 30
segundos entre cada ciclo (BROWN et al., 2007).
37
2.8. INDICAÇÕES PARA MENSURAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL
A mensuração da PA é uma ferramenta importante, por muitas vezes
indispensável. As indicações são diversas. Pode ser incorporada aos exames de
rotina (check up geral, acompanhamento geriátrico, consultas de rotina) assim como
para o diagnóstico, tratamento e o acompanhamento de determinadas doenças
acompanhadas de alterações hemodinâmicas como doença renal crônica,
hipertireoidismo, diabetes melittus, hiperadrenocorticismo, cardiopatia, além da
hipertensão arterial sistêmica. Além disso, para monitoramento de pacientes
anestesiados (pré, trans e pós cirúrgico) ou sob cuidados intensivos (choque, crise
hipertensiva) (EGNER et al., 2007).
O rastreio de rotina da PA permite uma avaliação do status circulatório
individual de cada paciente (EGNER et al., 2007). No entanto, Brown et al. (2007)
acreditam que um rastreio indeterminado em animais saudáveis possa incorrer no
risco de um falso diagnóstico de hipertensão. Valores elevados de PA em animais
saudáveis, particularmente nos jovens, devem ser assumidos como resultado de
uma hipertensão de estresse, até nova avaliação. Além disso, os mesmos autores
referem existir poucas evidências que suportem o diagnóstico e tratamento da
hipertensão como um problema isolado. Assim sendo, não se recomenda o rastreio
de rotina de hipertensão em todos os cães e gatos. Contudo, a mensuração
periódica da PA, idealmente iniciada numa idade jovem, ajuda a determinar o perfil
individual de PA característico de cada animal. Uma abordagem possível, adotada
por alguns clínicos, é realizar um programa de rastreio que indique os valores de
base em animais, através da mensuração da PA aos 2-3 anos, outra vez aos 4-6
anos, uma terceira vez aos 7-9 anos de idade e assim por diante, de modo a
desenvolver valores de referência para o animal em questão (BROWN et al., 2007).
2.9. TRATAMENTO
A normalização da PA e a reversibilidade das lesões orgânicas, quando
possível, são os objetivos do tratamento (figuras 27 e 28). Este passa pelo controle
da doença primária, mas muitas vezes é necessário efetuar um tratamento adicional
com medicação anti-hipertensiva. Os valores persistentes de PAS e PAD, superiores
a 160/100 mmHg, respectivamente, podem apresentar risco para o desenvolvimento
38
de lesões aos órgãos-alvo, principalmente nos mais irrigados, tais como olhos, rins,
coração e cérebro (BROWN et al., 2007). No paciente com LOA e no doente renal
crônico em estágios IRIS II, III e IV, esses valores já justificam o tratamento.
Figura 27. Algoritmo demonstrando processo de decisão de tratamento de pacientes
com hipertensão arterial sistêmica (modificado de BROWN et al., 2007).
Nos gatos com risco Mínimo de LOA (PA menor que 150/95 mmHg), a terapia
anti-hipertensiva ainda não é recomendada. Estes valores de PA representam o
objetivo da terapia anti-hipertensiva para pacientes com hipertensão moderada a
grave (BROWN et al, 2007).
Há escassez de dados para apoiar intervenção terapêutica quando a
PA é menor que 160/100 mmHg (Risco Leve de LOA - 150-159/95-99 mmHg). A
terapia anti-hipertensiva ainda não é indicada nesta situação. Algumas pesquisas de
cães e gatos normais apresentaram valores dentro ou próximo dessa faixa. Além
disso, é provável que alguns animais nesta categoria exibam a hipertensão do jaleco
branco (BROWN et al, 2007).
39
Para os gatos com Risco moderado de LOA (PA entre 160-179 /100-119
mmHg), a justificativa para o tratamento nesta categoria de risco é limitar LOA
posterior, sabidamente naqueles animais com LOA pré-existente. Algumas
alterações, como hipertrfofia ventricular esquerda (SNYDER et al., 2001) e
encefalopatia hipertensiva (KYLES et al., 1999) podem resolver parcial ou totalmente
com a terapia. Terapia anti-hipertensiva pode reduzir a incidência ou retardar o
desenvolvimento de outras anomalias, tais como coroidopatia e encefalopatia
hipertensiva (KYLES et al., 1999; MATHUR et al., 2002) e ainda pode retardar a
progressão da doença renal crônica (BROWN et al., 2003). A maioria dos animais
desta categoria, particularmente aqueles com LOA ou hipertensão secundária, são
candidatos à terapia anti-hipertensiva. Outros animais sem LOA, particularmente
aqueles com PA no limite inferior deste intervalo ou aqueles em que a hipertensão
do jaleco branco não pode ser descartada como a única causa do aumento da PA,
em geral, não necessitam de tratamento. Os dados permanecem incompletos para
cães e gatos, e esta decisão requer a integração de todos os fatores relacionados ao
paciente e o julgamento clínico.
Para gatos com Grave Risco de LOA (PA ˃ 180/120 mmHg), a justificativa
para o tratamento é o de limitar o grau de LOA, para os quais o risco é alto. Erro
técnico ou extrema hipertensão do jaleco branco poderia produzir um aumento tão
grande na PA em um cão ou em um gato normal, mas não de forma persistente. É
recomendado mensurar a PA pelo menos em 2 momentos distintos para confirmar o
grau de risco. A única exceção seria um paciente em que uma LOA potencialmente
rapidamente progressiva, como coroidopatia ou encefalopatia hipertensiva, já esteja
presente. Animais desta categoria de risco são candidatos à terapia anti-hipertensiva
e manejo adequado de uma doença específica ou de quaisquer condições que
possam causar hipertensão secundária (EGNER et al., 2007).
Havendo valores persistentes de PA superiores a 180/120 mmHg, deve-se
tratar todos os gatos com os bloqueadores de canais de cálcio (besilato de
anlodipino - 0,625 mg/gato/VO/SID). Nos casos em que existam evidências de
retinopatia hipertensiva ou lesões centrais, a terapia anti-hipertensiva já deve ser
instituída na primeira avaliação (BARTGES e POLZIN, 2011). O monitoramento da
PA deve ser semanal até que os valores atinjam níveis normais e, posteriormente,
no intervalo de três a quatro meses (BARTGES e POLZIN, 2011). Os gatos
respondem muito bem à monoterapia. O uso dos inibidores da ECA, tanto para o
40
controle da proteinúria no doente renal crônico, quanto para o controle da
hipertensão arterial sistêmica, pode ocasionar o aumento discreto de 0,5 mg/dl nos
níveis séricos de creatinina, no início da terapia, mas espera-se o retorno das
concentrações iniciais em cinco a sete dias. Quando se observa o aumento
repentino da concentração sérica de creatinina, esse fato pode estar relacionado ao
efeito colateral do fármaco, enquanto que o aumento gradativo sugere a existência
de comprometimento intrínseco da função renal (ELLIOT e WATSON, 2008). Caso o
tratamento não seja efetivo com os bloqueadores de canais de cálcio e os inibidores
da ECA, diuréticos, betabloqueadores e bloqueadores beta-adrenérgicos podem ser
utilizados (quadro 3).
Figura 28. Conduta recomendada para avaliação e tratamento da PA e identificação
de LOA (modificado de BROWN et a., 2007).
Para tratamento de emergência, os agentes com um rápido início de ação são
indicados, incluindo agentes de uso parenteral como a hidralazina (0,2 mg/kg IV ou
IM, repetida a cada 2 horas ou conforme necessário), enalaprilato (0,2 mg/kg IV,
repetidos a cada 1 a 2 horas, se necessário), labetolol (0,25 mg/kg IV mais de 2
minutos, repetida até a dose total de 3,75 mg/kg, seguida por uma infusão constante
de velocidade de 25 mg/kg/min) e esmolol (50-75 mg/ kg/min taxa constante
41
perfusão), bem como aqueles com rápido início de eficácia quando administrada por
via oral (por exemplo, anlodipino 0,1-0,25 mg/kg a cada 24 horas).
Se medicamentos parenterais forem usados, monitoramento contínuo da PA
deve ser feito, se possível, por cateterismo arterial.
Muitos veterinários preferem medicação oral (anlodipino), particularmente em
gatos, pois em geral, diminui a PA em animais gravemente hipertensos
independentemente da doença primária, e este agente têm risco limitado de causar
hipotensão arterial. A PA e a lesão de órgão-alvo devem ser avaliadas com
frequência (a cada 1-3 dias) e a dosagem do medicamento ou intervalo entre doses
ajustados em conformidade. Uma vez que a PA ou lesão em órgão-alvo estabilizou
em um nível adequado, o paciente deve ser mantido conforme as recomendações
terapêuticas padrões. Estes pacientes devem ser cuidadosamente reavaliados antes
da instituição da terapia anti-hipertensiva crônica (figura 30) (BROWN et al., 2007).
Quadro 3. Agentes Hipertensivos Orais para Gatos.
Classe
Fármaco
Dose Oral Usual
Inibidor de ECA
Benazepril
0.5 mg/kg/BID
Inibidor de ECA
Enalapril
0.5 mg/kg/SID
Bloqueador Canal de Ca
Anlodipino
0.1–0.25 mg/kg/SID (até > 0.5 mg/kg)
Bloqueador-α1
Prazosina
0.25–0.5 mg/gato/SID
Bloqueador-α1
Acepromazina
0.5–2 mg/kg/TID
Bloqueador-α1
Fenoxibenzamina
2.5 mg/gato/TID-BID (0.5 mg/gato/SID)
Vasodilatador direto
Hidralazina
2.5 mg/gato/BID-SID
Antagonista Aldosterona
Espironolactona
1.0–2.0 mg/kg/BID
β-Bloqueador
Propranolol
2.5–5 mg/gato/TID
β-Bloqueador
Atenolol
6.25–12.5 mg/gato/BID
Diurético Tiazídico
Hidroclorotiazida
2–4 mg/kg/BID-SID
Diurético de Alça
Furosemida
1–4 mg/kg/TID-SID
Fonte: Modificado de BROWN et al., 2007
42
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A hipertensão arterial pode ser secundária a diversas doenças sistêmicas e
exames específicos devem ser realizados na tentativa de excluir as causas
conhecidas desta condição. Nos casos idiopáticos, justifica-se o tratamento
empírico.
A mensuração da pressão arterial em cães e em gatos ainda não é uma
técnica de auxílio diagnóstico praticada de forma rotineira entre os clínicos
veterinários. Isso reflete a falha no reconhecimento da incidência e importância da
hipertensão arterial sistêmica em pequenos animais.
O diagnóstico da hipertensão é usualmente, tardio, sendo observadas
alterações ocular, cardíaca, renal ou neurológica, algumas, já irreversíveis, como a
cegueira. A medida de pressão sanguínea sistêmica realizada por aparelhos
modernos e com recursos, que permitem uma medida exata, possibilita resultados
confiantes e com precisão.
A triagem e a identificação precoce da hipertensão são de extrema
importância, uma vez que, é um processo destrutivo aos órgãos. Além disso, a
mensuração da pressão arterial pode ser usada para triagem de novos pacientes,
em casos de emergência, no paciente de terapia intensiva, animais sedados, além o
próprio acompanhamento do paciente hipertenso.
43
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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