III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 AS POTENCIALIDADES E LIMITES DE UM SOFTWARE QUE TRABALHA CONTEÚDOS DA ALFABETIZAÇÃO1 Isabel Cristina Alves da Silva FRADE (UFMG)2 Camila Takenaka de RESENDE (UFMG)3 Bárbara Bruna Morreira RAMALHO (UFMG) Resumo O presente trabalho se propôs a analisar um software educativo. O objeto estudado denomina-se Arthur e um dia de trabalho dos pais e destina-se a estudantes do segundo ano do Ensino Fundamental. À luz de referenciais teóricos, na observação do software buscou-se identificar suas potencialidades e limites para o auxílio no processo de alfabetização. Concluiu-se que, apesar de criativo e de caráter multidisciplinar, o jogo, possui lacunas em aspectos importantes para um sujeito que está praticamente alfabetizado. Ressalta-se, entretanto, que tendo consciência da dificuldade de um jogo abordar a todas as capacidades que são de extrema importância no processo de alfabetização, considera-se que, se associado a outras formas de ensino, Arthur e um dia de trabalho dos pais pode cumprir a função de ‘ensinar ludicamente’. Palavras-chave: Software; Alfabetização; Jogo Introdução O conhecimento, as relações dos sujeitos com as máquinas e a velocidade da difusão da informação são elementos que a partir de 1957, ano em que o Sputnik foi lançado, foram reordenados. Assim o título da obra de Coscarelli (2006) representa uma boa síntese da configuração do mundo em que vivemos, a saber: Novas tecnologias, novos textos, novas formas de pensar. É nesse novo formato que faz-se imperativo à educação e, por conseguinte, à escola considerar a presença dos aparatos tecnológicos no processo socialização dos sujeitos a que atende e, por conseguinte uma reflexão sobre a prática vigente na escola. Nessa perspectiva, “torna-se cada vez mais necessário um fazer educativo que ofereça múltiplos caminhos e alternativas” (GUIMARÃES e DIAS apud COSCARELLI, 2006, p.23). Como conseqüência dessas demandas, verifica-se a emergência dos jogos digitais. Ou seja. É a partir dessas considerações que a abordagem de softwares educativos ganha espaço no contexto educacional justificando assim, a abordagem que nos dedicaremos nas páginas 1 Trabalho apresentado ao Grupo de Discussão Propostas Pedagógicas Mediadas por Mídias Digitais, no III Encontro Nacional sobre Hipertexto, Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009. 2 Graduação em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1980), mestrado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (1993), doutorado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (2000) e pós doutorado pela FE/USP /Brasil e Institut National de Recherche Pédagogique/França. Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais, atuando na Graduação e Pós-Graduação . Atua como pesquisadora do CEALE (Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da FAE/UFMG) e coordena o Setor de Formação Continuada do CEALE, [email protected] 3 Graduanda Pedagogia FAE-UFMG, [email protected] Graduanda Pedagogia FAE-UFMG, [email protected] 1 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 que se seguem. Além disso, Volpato adverte-nos que “devemos estar sempre abertos e atentos a possíveis transformações que possam estar ocorrendo no contexto das relações sociais, pois essas podem interferir em mudanças de valores, de conceitos e de atitudes em relação ao jogo e ao brinquedo” (2002, p.218). No entanto, embora reconheçamos aspectos inéditos relativos ao contexto de novas tecnologias, há questões que permanecem: jogos educativos sempre foram objeto de discussão na pedagogia e jogos, em geral, se relacionam com uma concepção de atividade construtiva dos sujeitos. Além disso, eles ultrapassam questões pedagógicas e fazem parte das práticas culturais de crianças, jovens e adultos e podem ser pensados no conjunto das produções culturais para e de cada categoria de sujeitos. Jogos para ensinar a ler, por exemplo, são conhecidos desde a idade média. (ARAUJO,1995). O que se revela, então, como questões emergentes nesse campo? Poderíamos elencar algumas: os jogos que são construídos contemporaneamente operam com outros recursos semióticos que as tecnologias potencializam? Continuam explorando o processo construtivo dos sujeitos? Tem ampliado sua contribuição no tocante às aprendizagens que proporcionam? O presente artigo originou-se de um trabalho coletivo4 que iniciamos em 2007 na disciplina Material Didático de Alfabetização: análise de conteúdo, forma e linguagem. Pretendemos realizar um aprofundamento em questões que outrora não haviam sido contempladas na análise de um jogo que continha elementos de alfabetização e letramento intitulado “Arthur e um dia de trabalho dos pais”. Este trabalho focalizará especialmente os conteúdos, o modo como a criança deve lidar com o artefato tecnológico, as linguagens, o ambiente do jogo e alguns aspectos da usabilidade. Em última análise, objetivamos verificar as possibilidades e limites desse software no processo de ensino e aprendizado da leitura e da escrita. Alguns pressupostos gerais para análise do software Antes de proceder à análise do suporte, apresentaremos alguns pressupostos que ajudam a pensar dimensões complexas envolvidas na análise. Uma delas refere-se a algumas utilizações inéditas relativas ao espaço simbólico/material da cultura escrita com o advento de novas tecnologias. A outra se refere ao que chamamos de definições atuais da alfabetização e letramento. 4 Análise do software de alfabetização: Arthur e um dia de trabalho dos pais. NEIRA, Aline; RAMALHO, Bárbara; KUPIDLOWSKY, Camila; RESENDE, Camila; BATISTA, Carla; SILVA, Inês. Faculdade de Educação. Orientação: Isabel Cristina Alves da Silva Frade 2 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 Em primeiro lugar, no processo de escolarização e, mais especificamente de alfabetização uma questão emergente, sobretudo a partir da década de 90, era a de que o uso da escrita e da leitura era indissociável da alfabetização, pois nossa sociedade grafocêntrica cada vez mais exige diversidade e sofisticação de usos também para as crianças. Somada a esta questão, então, aparecem algumas específicas da alfabetização digital e do próprio letramento digital (FRADE:2005). A cultura escrita, com seus usos simbólicos e materiais, funciona num contexto de materialidades e novos usos: a escrita se faz com instrumentos digitais (teclado/mouse), com suportes digitais (tela) e com gêneros típicos da cultura digital. Assim, como apontado por Emília Ferreiro, algumas questões consideradas polêmicas na própria alfabetização precisam ser relativizadas, uma vez que o uso de novos instrumentos altera o modo como as crianças lidam com ato de escrever, que pode ser pensado de maneira ainda mais complexa: “Não é possível que se travem discursos acalorados pró e contra as virtudes e inconvenientes de tal ou qual tipo de grafias (contínuas ou descontínuas), em uma época em que a urgência maior é introduzir os estudantes ao teclado... o computador permite uma nova aglutinação: o autor das marcas pode ser seu próprio editor” (apud FRADE, 2005, p.71). Deste modo, os hipertextos constituem-se em novos aspectos materiais, distintos do papel e do lápis e se caracterizam por novas funções e novos gêneros textuais. Sobre esta temática, importantes pesquisadores têm trazido contribuições, a exemplo, Roger Chartier que realiza estudos no campo da história cultural procurando elucidar o sentido das “revoluções”, destacando os possíveis efeitos da cultura digital nas práticas atuais. Também Pierre Lévy, discute e caracteriza a cultura contemporânea atual procurando destacar as conseqüências cognitivas da introdução das novas tecnologias. (FRADE, 2005) Em segundo lugar e para destacar, no jogo, as contribuições para a alfabetização e letramento, retomamos algumas definições que auxiliam a verificar as capacidades que o jogo busca desenvolver. O termo alfabetização proposto por Magda Soares (2005), compreende-se na “ação de ensinar e aprender a ler e escrever”. Em outra publicação a autora salienta que a entrada no mundo da escrita ocorre por duas vias, uma a partir de seus usos e outra pelo aprendizado de uma “técnica”, ou seja, no que se constitui como alfabetização. Tal percepção embasa-se sob a definição etimológica: “O termo alfabetização não ultrapassa o significado de ‘levar à aquisição do alfabeto’, ou seja, ensinar o código da língua escrita, ensinar as habilidades de ler e escrever” (SOARES, 2005, p.15). 3 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 Temos então, para análise do software a idéia de que essa “tecnologia se refere à compreensão dos modos de funcionamento do sistema de representação alfabético ortográfico” (FRADE, 2005, p.63). Sendo o sistema de escrita resultado de uma construção social, passível de transformações, vinculadas a elementos técnicos e a novos artefatos e mesmo ao contexto de uso em que é aplicado, o aprendizado do sistema de escrita mediante o uso do computador também pode apresentar interferências relacionadas ao conhecimento dos suportes e dos instrumentos. Refletindo e buscando compreender a relevância da condição letrada nos ambientes digitais, torna-se necessário elucidar também o significado do termo letramento digital, não tanto como uma apropriação de uma tecnologia, mas como “um certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e escrita na tela, diferente do estado ou condição - do letramento - dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel” (SOARES, 2002, p.151). A sociedade atual apresenta diferentes modos de inserção da escrita, caracterizando distintos modos de ser letrado, possibilitando ações pedagógicas diferentes e metodologias de trabalho que favoreçam a criação de sujeitos letrados. O letramento digital requer então, convenções distintas daquelas utilizadas na folha de papel, pois a estruturação dos textos, a maneira de manusear nos obrigam a novas habilidades devido à sua dinâmica. Breve descrição do software O software educativo Arthur e um dia de trabalho dos pais, compõe a Coleção Arthur desenvolvida pelos mesmos criadores da série Coelho Sabido. Originariamente o suporte foi produzido pela Creative Wonders e, no Brasil, foi traduzido, adaptado e publicado em agosto de 2003 pela Divertire Editora Ltda. De acordo com o fabricante, a coleção objetiva ser coerente à classificação do ensino fundamental atualmente adotada no Brasil: 1º ano (antigo pré) – 4 a 6 anos; 2º ano (antiga primeira série) – 5 a 8 anos; e 3º ano (antiga 2ª série) – 6 a 9 anos. O suporte tem caráter multidisciplinar, e organiza-se em nove jogos, os quais objetivam trabalhar as capacidades de vocabulário, soletração, orientação temporal e espacial, lógica, estratégia, aritmética, medidas, compreensão de texto, sinônimos e rimas. Cabe ressaltar que serão aqui objetos de análise somente aqueles que se propõem a trabalhar conteúdos de alfabetização: “O Montanha na gráfica”, “As manchetes do Pascoal” e “Uma visita ao museu”. 4 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 O jogo apresenta uma contextualização dada pelo desafio de participar de atividades do dia-a-dia dos adultos. Existe uma situação imaginária plausível por detrás das ações. Desta forma, nele a criança é convidada pelo protagonista e seus amigos a passar um dia no trabalho de seus pais. Desde o início do jogo também é possível a percepção do seu todo e o desenvolvimento do jogo é ágil. Capacidades relacionadas à alfabetização e ao letramento no jogo A respeito da presença de capacidades relacionadas à alfabetização no jogo analisado, no ambiente “O Montanha na gráfica” o sujeito deve ordenar as palavras com intuito de elas estarem aptas a serem impressas na gráfica de seu pai, assinalando a relevância da tarefa, dado o seu objetivo. No jogo, os níveis de dificuldade centram-se na complexificação ortográfica, ou seja, no terceiro nível o sujeito é levado a ordenar palavras que contenham “sc”, “ç”, “lh” entre outros. Além da complexificação das sentenças, no primeiro nível o sujeito lê apenas a palavras por ele ordenadas, no segundo são apresentadas frases e por último, pequenos textos. Para isso o usuário deve compreender a diferença entre a escrita alfabética e outras formas gráficas, no caso as imagens. Simultaneamente, é necessário que haja uma compreensão quanto à orientação e o alinhamento da escrita. Além disso, o conhecimento do alfabeto deve ser compreendido, ou seja, a apreensão da natureza alfabética é sistematizada neste ambiente, uma vez que é oralizada a palavra e a criança deve dominar as relações entre grafemas e fonemas para a conclusão. Essa oralização, potencial do artefato, ajuda a estabelecer esta relação. Como instrumentos tecnológicos, a criança deve aprender a utilizar o mouse a fim de levar as letras ao local desejado utilizando uma seta e o arraste. Este modo de jogar elimina a dificuldade do teclado, uma vez o olhar da criança pode se concentrar na tela. Em a “As Manchetes de Pascoal” a criança deve encontrar antônimos, sinônimos e rimas para disponibilizá-las à sua mãe para que esta possa redigir uma manchete. O jogador deve reconhecer entre quatro palavras, aquela mais adequada ao que lhe é solicitado. Desta forma, para a conclusão dessas tarefas, além do trabalho com alguns aspectos semânticos, o jogador deve reconhecer as unidades fonológicas das palavras. Nesse momento ele deve utilizar o mouse para ao clicar na palavra ouvir o seu som e significado que se encontram em um segundo outro quadro (rima, antônimo e sinônimo) podendo assim fazer uma a relação entre esses dois aspectos. A rima é trabalhada no primeiro nível do jogo, o conceito de antônimos, no segundo e, no terceiro nível, os sinônimos. 5 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 Em “Uma visita ao museu” o jogador deve identificar as peças no espaço que se relacionam com pequenos textos relacionados ao tema: Egito, Bandeirantes, índios, Invenções Tecnológicas, Gregos e Romanos. É necessária a compreensão global do texto lido para que seja possível fazer a relação entre o texto e a imagem. As variações de níveis estão relacionadas à extensão do texto a ser lido, bem como a complexificação do objeto. Esse procedimento também deve ser realizado por meio do uso do mouse. No entanto, ressalta-se que esta habilidade de leitura de textos distingue um pouco o destinatário do jogo, uma vez que conta com um leitor que decifra autonomamente e compreende textos em contexto de uso. No software Arthur e o um dia de trabalho dos pais, de uma forma geral, o desenvolvimento das capacidades, conhecimentos e atitudes encontram-se subdivididas. O jogo atende à capacidade de compreender diferenças entre escrita alfabética e outras formas gráficas ao propor que o jogador diferencie imagens da representação verbal. As atividades propostas relacionadas ao domínio das convenções gráficas se torna eficaz à medida que possibilita a compreensão da orientação e do alinhamento da escrita da língua portuguesa, propondo que o jogador ordene as letras com o intuito de construir palavras; possibilita ainda o reconhecimento de unidades fonológicas como sílabas, rimas, terminações de palavras, quando o aprendiz deve, entre outras funções, reconhecer palavras que rimam. Entretanto o jogo não propõe nenhuma atividade que possibilite a compreensão da função e segmentação dos espaços em branco e da pontuação final de frase. O conhecimento sobre o alfabeto somente é proposto nos momentos em que as palavras são ditadas para que o jogador ordene as letras para transcrevê-las. Pode-se dizer que, nesse momento, é trabalhada indiretamente a compreensão da natureza alfabética do sistema de escrita, ou seja, que as letras representam partes menores das palavras. O software não leva à compreensão da categorização gráfica e funcional das letras ou ao conhecimento e utilização de diferentes tipos de letras. O domínio das relações entre grafemas e fonemas é trabalhado de forma parcial através da apresentação de palavras que contêm simultaneamente as mesmas letras - acentuadas e não acentuadas; também é possibilitado o domínio das regularidades ortográficas, além da exposição de palavras de ortografia arbitrária. Entretanto, destaca-se que o trabalho não ocorre de forma sistemática, não possibilitando ao aprendiz uma reflexão real a esse respeito. Embora se verifique que a leitura e a escrita são apresentadas e que há algumas atividades específicas com o sistema de escrita, isto não se constitui como principal elemento de sua relação pedagógica. Por isso, também não se verifica uma ocorrência sistemática de habilidades ou situações de escrita. As dimensões da escrita analisadas no conjunto das outras 6 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 atividades são esporádicas ou concentram-se em aspectos ortográficos nos levando a indagar sobre o que as crianças aprenderiam sobre o sistema de escrita com este recurso. O termo letramento é considerado como “um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos" (KLEIMAN apud SOARES, 2002, p.1). Ou seja, consiste no “estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva as práticas sociais que usam a escrita” (SOARES,1998). A concepção aqui adotada é aquela de que o letramento busca ampliar, não extinguir o conceito de alfabetização. Ou seja, não considera apenas o domínio das habilidades de codificar e decodificar palavras, mas volta à atenção ao uso de tais habilidades em práticas sociais em que ler e escrever se fazem necessário. Em relação à análise das capacidades e considerando que crianças ainda não alfabetizadas podem ser destinatárias do jogo, seria necessária certa mediação, ou algumas tentativas mais intuitivas do jogador para dar conta sozinho, de tarefas que exigem leitura autônoma. Nessa perspectiva, pode-se dizer que o jogo alia alfabetização e letramento, mas prioriza usuários com mais experiência de leitura e de escrita. Aspectos do ambiente, da usabilidade e da linguagem do jogo A perspectiva de letramento digital em “Arthur e um dia de trabalho dos pais” pode se referir ao ambiente “O Montanha na gráfica”. Todavia, há também aspectos de certa alfabetização digital em jogo (FRADE, 2005). Neste ambiente o sujeito deve compreender como se realiza a leitura nesta tela, uma vez que as letras se encontram na parte inferior e devem ser dispostas nas frases que se encontram acima. Desse modo torna-se necessário também o aprendizado do manuseio do mouse. Isso revela a necessidade de acrescentarmos à nossa análise aspectos ergonômicos, de usabilidade, de linguagem, além do conteúdo (FERREIRA:2006; NOVAIS e BERGAMO, 2007). Vários outros exemplos se referem a aspectos de “domínio físico” do artefato que, com certeza, traz questões cognitivas. Em “As manchetes de Pascoal” o usuário deve compreender que por meio do manuseio do mouse e um clique com o botão direito se estabelece uma relação entre o primeiro quadro (palavras disponíveis) e o segundo (que se refere ao enunciado para se estabelecer relações entre antônimos, sinônimos ou rimas da palavra que se encontra abaixo). 7 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 Já em “Uma visita ao museu” a relação entre o texto e as imagens deve ser realizada também por meio da seta (que se constitui no prolongamento do mouse): na medida em que se coloca a seta em cima do objeto este é destacado e pode ser relacionado ao texto por meio de um click com o botão direito. Dadas as definições, torna-se possível afirmar que Arthur e um dia de trabalho dos pais pressupõe alfabetização e letramento digital, haja vista o próprio título do software. Assim, nas atividades aqui analisadas as habilidades de alfabetização são trabalhadas a partir da perspectiva do uso social da língua. O termo usabilidade deve ser compreendido neste artigo, “em favor da experiência da alfabetização e não sobre uma forma de se obter uma finalização rápida da tarefa”. (NOVAIS e BERGAMO, 2007). No que tange à usabilidade, ressaltam-se aqui os conceitos em favor da comunicação, de forma a analisar a interface do jogo não apenas sobre o viés funcional – como o usuário compreende e assimila as informações -, mas a sua forma atrativa e envolvente. Uma vez que concebemos que a atração e envolvimento são pontos fundamentais para que crianças usem ferramentas digitais como parte integrante de sua educação. Desta forma, em nossa compreensão, os cenários e modelos facilitam e direcionam para uma melhor assimilação do conteúdo. (NOVAIS e BERGAMO, 2007) No software analisado, observa-se o uso de animações e muitas cores que buscam captar a atenção dos sujeitos fazendo com que o jogo se faça visualmente atrativo para crianças nesta faixa etária. Suas projeções são ricas em detalhes multicoloridas, dinâmicas e interativas. Outro aspecto relativo à usabilidade é o feedback – uma resposta apresentada de forma clara e objetiva às ações do usuário, auxiliando na compreensão do efeito de sua interação ou mesmo a sua correção, dando possibilidade ao jogador de reflexão sobre o erro e ajudando na descoberta do que fazer para acertar O software oferece possibilidades de interação e atende a algumas características especiais relacionadas à comunicação com o usuário e às respostas dadas ao jogador, oferecendo em vários momentos uma comunicação direta com o sujeito, além de auxílios e incentivos quanto à autonomia da criança frente aos desafios encontrados. Nele, o erro é compreendido como parte do processo de aprendizagem, já que o software indica a incorreção da criança, mas oferece-lhe ajuda. Em “O Montanha na Gráfica”, por exemplo, as letras da palavra que deve ser formada são destacadas em amarelo quando o usuário realiza três ou mais tentativas. Também no jogo as “Manchetes do Pascoal” os personagens Arthur e Pascoal esclarecem no momento do erro o que consiste uma rima e um 8 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 antônimo. Em contrapartida no jogo “O Montanha na Gráfica” não é permitido outra letra que não seja a destinada aquele espaço, ou seja, o jogo recusa a colocação. Entende-se que um jogo deve ser flexível quanto à oferta de escolhas para o usuário, levando-o ao caminho que pareça mais compreensível. Deste modo, em “Arthur e um dia de trabalho dos pais” são também verificados vários caminhos a serem percorridos possibilitando, portanto, que o sujeito escolha o seu destino, trazendo para criança maior liberdade e autonomia no processo de aquisição das tarefas propostas. Considera-se ainda que o jogo dispõe de um método de fácil navegação e inteligibilidade para a criança, por dispor principalmente de uma relativa abertura para o usuário, deixando claro, ao mesmo tempo, os objetivos que se deve atingir no decorrer do percurso. Daí a relevância de se ressaltar que É importante considerar o contexto do usuário em questão, compreender que, ao trabalhar com crianças em sua fase de alfabetização, muitos dos conceitos de facilidade de uso de interface assimilados pela maioria dos usuários de computador, ainda não fazem parte do seu universo cognitivo. Isso não significa que os elementos desenvolvidos nessas interfaces não podem introduzir a criança ao universo de signos que farão parte de sua educação digital. (NOVAIS e BERGAMO, 2007) É possível observar no jogo uma importante característica quanto ao repertorio lingüístico utilizado nas atividades, pois são usadas orientações verbais faladas de modo variado na realização tanto dos níveis dentro de um ambiente de jogo, quanto entre um ambiente e outro. A unidade lingüística eleita para focalização também varia conforme o ambiente, sendo solicitadas por vezes letras ou palavras. O jogo apresenta várias etapas a serem cumpridas, cada uma contendo atividades em três níveis de dificuldade. É preciso cumprir, portanto, todas as etapas para se obter o certificado (que pode ser aqui interpretado como um reforço positivo). Ao mesmo tempo, o jogo possibilita a elaboração de hipóteses pela criança e a construção de conhecimentos. Mas refletindo sobre aspectos que o caracterizam, pode-se fazer outra análise: as mudanças de fases constituem-se no desafio que é próprio a vários tipos de jogos. Desde modo, o software possui uma importante característica, pois oferece um desafio crescente, aumentando o nível de dificuldade à medida que o jogador é bem sucedido garantindo a ele recompensas, sinalizando ao jogador que o seu esforço está sendo levado em conta. Aspectos relativos à linguagem e a emergência de vários tipos de recursos possibilitados pelas tecnologias digitais são ressaltados por Frade (2005). O suporte digital traz, na diferenciação com outras linguagens, como a do impresso, a questão da tipografia, sincronização áudio e escrita, além da voz que pode acrescentar novas significações a este 9 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 conjunto, por vezes libertando o usuário da dependência da escrita. Neste sentido, podemos indagar sobre como são utilizadas essas linguagens na configuração de jogos. Através da caracterização do software aqui desenvolvida é possível aferir a presença de animação bem como a predominância das linguagens áudio e visual em detrimento da escrita. Nele, tais recursos comumente são utilizados de maneira simultânea, por exemplo, o áudio faz-se presente em ‘músicas de fundo’ para os jogos, e na comunicação do personagem com o jogador. Ainda, é por meio da visualização dos jogos, imagens e personagens que o sujeito tem acesso ao software. Além disso, as imagens são utilizadas para favorecer a própria dinâmica do jogo: “O Montanha na gráfica” faz uso das imagens para que o jogador as identifique e possa escrevê-las. O mesmo recurso é utilizado em “Uma visita ao museu”, diferenciando-se apenas por ser uma atividade de leitura. Em ambos os casos, ao clicar sobre os objetos ou as letras, estes se destacam dos demais, um recurso utilizado também em “As manchetes de Pascoal”. Esse aspecto mostra-se interessante ao passo que diferencia a tela dos recursos de página. A escrita não é empregada para as funções de intervenção ou instrução, ou seja, no jogo o seu uso é feito apenas para a inscrição do nome do jogador, o que abre mais possibilidades tanto para o acesso ao jogo, como para a leitura de letras, palavras e textos. Por outro lado, verifica-se que as atividades de escrita são mais reduzidas do que aquelas de reconhecimento de letras, sons e as atividades de produção escrita perdem para as atividades de leitura. As atividades exigem memorização e, para tanto, a repetição é freqüente. No entanto não de forma exclusiva: há algumas possibilidades para que o usuário utilize algumas pistas para resolver os problemas de escrita, como se verifica no jogo “Montanha Gráfica”- dentre as letras apresentadas, as letras que correspondem a aquela palavra são colocadas em amarelo. Considerações Finais Considera-se que há ainda um longo caminho a se percorrer no que tange à relação entre educação, tecnologia e cultura escrita. Os desafios não são poucos, dizem respeito desde a inserção dessa nova realidade na cultura escolar à produção e desenvolvimento de materiais que atendam às especificidades do ensino e aprendizado das habilidades de leitura e escrita numa perspectiva de letramento. Nesse sentido, referente à análise de “Arthur e um dia de trabalho dos pais” concluiuse que apesar de criativo e de caráter multidisciplinar, o jogo ainda apresenta poucas 10 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 possibilidades do ponto de vista da leitura e escrita e não apresenta situações sistemáticas de alfabetização. Sendo assim, atende pouco a criança que ainda não se alfabetizou e ainda possui lacunas em aspectos importantes para um sujeito que está praticamente alfabetizado.Ressalta-se, entretanto, que esta não parece ser sua intenção primeira. Tendo consciência da dificuldade de um jogo abordar a todas as capacidades que são de extrema importância no processo de alfabetização e letramento, considera-se que, se associado a outras formas de ensino, Arthur e um dia de trabalho dos pais pode cumprir a função de ‘ensinar ludicamente’. Referências ARAUJO, Maria Carmem C. da Silva. Perspectiva histórica da alfabetização. 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