III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO
Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009
AS POTENCIALIDADES E LIMITES DE UM SOFTWARE QUE TRABALHA
CONTEÚDOS DA ALFABETIZAÇÃO1
Isabel Cristina Alves da Silva FRADE (UFMG)2
Camila Takenaka de RESENDE (UFMG)3
Bárbara Bruna Morreira RAMALHO (UFMG)
Resumo
O presente trabalho se propôs a analisar um software educativo. O objeto estudado denomina-se
Arthur e um dia de trabalho dos pais e destina-se a estudantes do segundo ano do Ensino
Fundamental. À luz de referenciais teóricos, na observação do software buscou-se identificar suas
potencialidades e limites para o auxílio no processo de alfabetização. Concluiu-se que, apesar de
criativo e de caráter multidisciplinar, o jogo, possui lacunas em aspectos importantes para um sujeito
que está praticamente alfabetizado. Ressalta-se, entretanto, que tendo consciência da dificuldade de
um jogo abordar a todas as capacidades que são de extrema importância no processo de alfabetização,
considera-se que, se associado a outras formas de ensino, Arthur e um dia de trabalho dos pais pode
cumprir a função de ‘ensinar ludicamente’.
Palavras-chave: Software; Alfabetização; Jogo
Introdução
O conhecimento, as relações dos sujeitos com as máquinas e a velocidade da difusão
da informação são elementos que a partir de 1957, ano em que o Sputnik foi lançado, foram
reordenados. Assim o título da obra de Coscarelli (2006) representa uma boa síntese da
configuração do mundo em que vivemos, a saber: Novas tecnologias, novos textos, novas
formas de pensar. É nesse novo formato que faz-se imperativo à educação e, por conseguinte,
à escola considerar a presença dos aparatos tecnológicos no processo socialização dos sujeitos
a que atende e, por conseguinte uma reflexão sobre a prática vigente na escola. Nessa
perspectiva, “torna-se cada vez mais necessário um fazer educativo que ofereça múltiplos
caminhos e alternativas” (GUIMARÃES e DIAS apud COSCARELLI, 2006, p.23).
Como conseqüência dessas demandas, verifica-se a emergência dos jogos digitais. Ou
seja. É a partir dessas considerações que a abordagem de softwares educativos ganha espaço
no contexto educacional justificando assim, a abordagem que nos dedicaremos nas páginas
1
Trabalho apresentado ao Grupo de Discussão Propostas Pedagógicas Mediadas por Mídias Digitais, no III
Encontro Nacional sobre Hipertexto, Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2009.
2
Graduação em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1980), mestrado em
Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (1993), doutorado em Educação pela Universidade Federal
de Minas Gerais (2000) e pós doutorado pela FE/USP /Brasil e Institut National de Recherche
Pédagogique/França. Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais, atuando na
Graduação e Pós-Graduação . Atua como pesquisadora do CEALE (Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da
FAE/UFMG) e coordena o Setor de Formação Continuada do CEALE, [email protected]
3
Graduanda Pedagogia FAE-UFMG, [email protected]
Graduanda Pedagogia FAE-UFMG, [email protected]
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que se seguem. Além disso, Volpato adverte-nos que “devemos estar sempre abertos e atentos
a possíveis transformações que possam estar ocorrendo no contexto das relações sociais, pois
essas podem interferir em mudanças de valores, de conceitos e de atitudes em relação ao jogo
e ao brinquedo” (2002, p.218).
No entanto, embora reconheçamos aspectos inéditos relativos ao contexto de novas
tecnologias, há questões que permanecem: jogos educativos sempre foram objeto de discussão
na pedagogia e jogos, em geral, se relacionam com uma concepção de atividade construtiva
dos sujeitos. Além disso, eles ultrapassam questões pedagógicas e fazem parte das práticas
culturais de crianças, jovens e adultos e podem ser pensados no conjunto das produções
culturais para e de cada categoria de sujeitos. Jogos para ensinar a ler, por exemplo, são
conhecidos desde a idade média. (ARAUJO,1995). O que se revela, então, como questões
emergentes nesse campo? Poderíamos elencar algumas: os jogos que são construídos
contemporaneamente operam com outros recursos semióticos que as tecnologias
potencializam? Continuam explorando o processo construtivo dos sujeitos? Tem ampliado sua
contribuição no tocante às aprendizagens que proporcionam?
O presente artigo originou-se de um trabalho coletivo4 que iniciamos em 2007 na
disciplina Material Didático de Alfabetização: análise de conteúdo, forma e linguagem.
Pretendemos realizar um aprofundamento em questões que outrora não haviam sido
contempladas na análise de um jogo que continha elementos de alfabetização e letramento
intitulado “Arthur e um dia de trabalho dos pais”. Este trabalho focalizará especialmente os
conteúdos, o modo como a criança deve lidar com o artefato tecnológico, as linguagens, o
ambiente do jogo e alguns aspectos da usabilidade. Em última análise, objetivamos verificar
as possibilidades e limites desse software no processo de ensino e aprendizado da leitura e da
escrita.
Alguns pressupostos gerais para análise do software
Antes de proceder à análise do suporte, apresentaremos alguns pressupostos que
ajudam a pensar dimensões complexas envolvidas na análise. Uma delas refere-se a algumas
utilizações inéditas relativas ao espaço simbólico/material da cultura escrita com o advento de
novas tecnologias. A outra se refere ao que chamamos de definições atuais da alfabetização e
letramento.
4
Análise do software de alfabetização: Arthur e um dia de trabalho dos pais. NEIRA, Aline; RAMALHO,
Bárbara; KUPIDLOWSKY, Camila; RESENDE, Camila; BATISTA, Carla; SILVA, Inês. Faculdade de
Educação. Orientação: Isabel Cristina Alves da Silva Frade
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Em primeiro lugar, no processo de escolarização e, mais especificamente de
alfabetização uma questão emergente, sobretudo a partir da década de 90, era a de que o uso
da escrita e da leitura era indissociável da alfabetização, pois nossa sociedade grafocêntrica
cada vez mais exige diversidade e sofisticação de usos também para as crianças. Somada a
esta questão, então, aparecem algumas específicas da alfabetização digital e do próprio
letramento digital (FRADE:2005). A cultura escrita, com seus usos simbólicos e materiais,
funciona num contexto de materialidades e novos usos: a escrita se faz com instrumentos
digitais (teclado/mouse), com suportes digitais (tela) e com gêneros típicos da cultura digital.
Assim, como apontado por Emília Ferreiro, algumas questões consideradas polêmicas na
própria alfabetização precisam ser relativizadas, uma vez que o uso de novos instrumentos
altera o modo como as crianças lidam com ato de escrever, que pode ser pensado de maneira
ainda mais complexa:
“Não é possível que se travem discursos acalorados pró e contra as virtudes e inconvenientes
de tal ou qual tipo de grafias (contínuas ou descontínuas), em uma época em que a urgência
maior é introduzir os estudantes ao teclado... o computador permite uma nova aglutinação: o
autor das marcas pode ser seu próprio editor” (apud FRADE, 2005, p.71).
Deste modo, os hipertextos constituem-se em novos aspectos materiais, distintos do
papel e do lápis e se caracterizam por novas funções e novos gêneros textuais.
Sobre esta temática, importantes pesquisadores têm trazido contribuições, a exemplo,
Roger Chartier que realiza estudos no campo da história cultural procurando elucidar o
sentido das “revoluções”, destacando os possíveis efeitos da cultura digital nas práticas atuais.
Também Pierre Lévy, discute e caracteriza a cultura contemporânea atual procurando destacar
as conseqüências cognitivas da introdução das novas tecnologias. (FRADE, 2005)
Em segundo lugar e para destacar, no jogo, as contribuições para a alfabetização e
letramento, retomamos algumas definições que auxiliam a verificar as capacidades que o jogo
busca desenvolver. O termo alfabetização proposto por Magda Soares (2005), compreende-se
na “ação de ensinar e aprender a ler e escrever”. Em outra publicação a autora salienta que a
entrada no mundo da escrita ocorre por duas vias, uma a partir de seus usos e outra pelo
aprendizado de uma “técnica”, ou seja, no que se constitui como alfabetização. Tal percepção
embasa-se sob a definição etimológica: “O termo alfabetização não ultrapassa o significado
de ‘levar à aquisição do alfabeto’, ou seja, ensinar o código da língua escrita, ensinar as
habilidades de ler e escrever” (SOARES, 2005, p.15).
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Temos então, para análise do software a idéia de que essa “tecnologia se refere à
compreensão dos modos de funcionamento do sistema de representação alfabético
ortográfico” (FRADE, 2005, p.63). Sendo o sistema de escrita resultado de uma construção
social, passível de transformações, vinculadas a elementos técnicos e a novos artefatos e
mesmo ao contexto de uso em que é aplicado, o aprendizado do sistema de escrita mediante o
uso do computador também pode apresentar interferências relacionadas ao conhecimento dos
suportes e dos instrumentos.
Refletindo e buscando compreender a relevância da condição letrada nos ambientes
digitais, torna-se necessário elucidar também o significado do termo letramento digital, não
tanto como uma apropriação de uma tecnologia, mas como “um certo estado ou condição que
adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e
escrita na tela, diferente do estado ou condição - do letramento - dos que exercem práticas de
leitura e de escrita no papel” (SOARES, 2002, p.151).
A sociedade atual apresenta diferentes modos de inserção da escrita, caracterizando
distintos modos de ser letrado, possibilitando ações pedagógicas diferentes e metodologias de
trabalho que favoreçam a criação de sujeitos letrados. O letramento digital requer então,
convenções distintas daquelas utilizadas na folha de papel, pois a estruturação dos textos, a
maneira de manusear nos obrigam a novas habilidades devido à sua dinâmica.
Breve descrição do software
O software educativo Arthur e um dia de trabalho dos pais, compõe a Coleção Arthur
desenvolvida pelos mesmos criadores da série Coelho Sabido. Originariamente o suporte foi
produzido pela Creative Wonders e, no Brasil, foi traduzido, adaptado e publicado em agosto
de 2003 pela Divertire Editora Ltda. De acordo com o fabricante, a coleção objetiva ser
coerente à classificação do ensino fundamental atualmente adotada no Brasil: 1º ano (antigo
pré) – 4 a 6 anos; 2º ano (antiga primeira série) – 5 a 8 anos; e 3º ano (antiga 2ª série) – 6 a 9
anos. O suporte tem caráter multidisciplinar, e organiza-se em nove jogos, os quais objetivam
trabalhar as capacidades de vocabulário, soletração, orientação temporal e espacial, lógica,
estratégia, aritmética, medidas, compreensão de texto, sinônimos e rimas. Cabe ressaltar que
serão aqui objetos de análise somente aqueles que se propõem a trabalhar conteúdos de
alfabetização: “O Montanha na gráfica”, “As manchetes do Pascoal” e “Uma visita ao
museu”.
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O jogo apresenta uma contextualização dada pelo desafio de participar de atividades
do dia-a-dia dos adultos. Existe uma situação imaginária plausível por detrás das ações. Desta
forma, nele a criança é convidada pelo protagonista e seus amigos a passar um dia no trabalho
de seus pais. Desde o início do jogo também é possível a percepção do seu todo e o
desenvolvimento do jogo é ágil.
Capacidades relacionadas à alfabetização e ao letramento no jogo
A respeito da presença de capacidades relacionadas à alfabetização no jogo analisado,
no ambiente “O Montanha na gráfica” o sujeito deve ordenar as palavras com intuito de elas
estarem aptas a serem impressas na gráfica de seu pai, assinalando a relevância da tarefa, dado
o seu objetivo. No jogo, os níveis de dificuldade centram-se na complexificação ortográfica,
ou seja, no terceiro nível o sujeito é levado a ordenar palavras que contenham “sc”, “ç”, “lh”
entre outros. Além da complexificação das sentenças, no primeiro nível o sujeito lê apenas a
palavras por ele ordenadas, no segundo são apresentadas frases e por último, pequenos textos.
Para isso o usuário deve compreender a diferença entre a escrita alfabética e outras formas
gráficas, no caso as imagens. Simultaneamente, é necessário que haja uma compreensão
quanto à orientação e o alinhamento da escrita. Além disso, o conhecimento do alfabeto deve
ser compreendido, ou seja, a apreensão da natureza alfabética é sistematizada neste ambiente,
uma vez que é oralizada a palavra e a criança deve dominar as relações entre grafemas e
fonemas para a conclusão. Essa oralização, potencial do artefato, ajuda a estabelecer esta
relação. Como instrumentos tecnológicos, a criança deve aprender a utilizar o mouse a fim de
levar as letras ao local desejado utilizando uma seta e o arraste. Este modo de jogar elimina a
dificuldade do teclado, uma vez o olhar da criança pode se concentrar na tela.
Em a “As Manchetes de Pascoal” a criança deve encontrar antônimos, sinônimos e
rimas para disponibilizá-las à sua mãe para que esta possa redigir uma manchete. O jogador
deve reconhecer entre quatro palavras, aquela mais adequada ao que lhe é solicitado. Desta
forma, para a conclusão dessas tarefas, além do trabalho com alguns aspectos semânticos, o
jogador deve reconhecer as unidades fonológicas das palavras. Nesse momento ele deve
utilizar o mouse para ao clicar na palavra ouvir o seu som e significado que se encontram em
um segundo outro quadro (rima, antônimo e sinônimo) podendo assim fazer uma a relação
entre esses dois aspectos. A rima é trabalhada no primeiro nível do jogo, o conceito de
antônimos, no segundo e, no terceiro nível, os sinônimos.
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Em “Uma visita ao museu” o jogador deve identificar as peças no espaço que se
relacionam com pequenos textos relacionados ao tema: Egito, Bandeirantes, índios, Invenções
Tecnológicas, Gregos e Romanos. É necessária a compreensão global do texto lido para que
seja possível fazer a relação entre o texto e a imagem.
As variações de níveis estão
relacionadas à extensão do texto a ser lido, bem como a complexificação do objeto. Esse
procedimento também deve ser realizado por meio do uso do mouse. No entanto, ressalta-se
que esta habilidade de leitura de textos distingue um pouco o destinatário do jogo, uma vez
que conta com um leitor que decifra autonomamente e compreende textos em contexto de uso.
No software Arthur e o um dia de trabalho dos pais, de uma forma geral, o
desenvolvimento das capacidades, conhecimentos e atitudes encontram-se subdivididas. O
jogo atende à capacidade de compreender diferenças entre escrita alfabética e outras formas
gráficas ao propor que o jogador diferencie imagens da representação verbal. As atividades
propostas relacionadas ao domínio das convenções gráficas se torna eficaz à medida que
possibilita a compreensão da orientação e do alinhamento da escrita da língua portuguesa,
propondo que o jogador ordene as letras com o intuito de construir palavras; possibilita ainda
o reconhecimento de unidades fonológicas como sílabas, rimas, terminações de palavras,
quando o aprendiz deve, entre outras funções, reconhecer palavras que rimam. Entretanto o
jogo não propõe nenhuma atividade que possibilite a compreensão da função e segmentação
dos espaços em branco e da pontuação final de frase.
O conhecimento sobre o alfabeto somente é proposto nos momentos em que as
palavras são ditadas para que o jogador ordene as letras para transcrevê-las. Pode-se dizer
que, nesse momento, é trabalhada indiretamente a compreensão da natureza alfabética do
sistema de escrita, ou seja, que as letras representam partes menores das palavras. O software
não leva à compreensão da categorização gráfica e funcional das letras ou ao conhecimento e
utilização de diferentes tipos de letras. O domínio das relações entre grafemas e fonemas é
trabalhado de forma parcial através da apresentação de palavras que contêm simultaneamente
as mesmas letras - acentuadas e não acentuadas; também é possibilitado o domínio das
regularidades ortográficas, além da exposição de palavras de ortografia arbitrária. Entretanto,
destaca-se que o trabalho não ocorre de forma sistemática, não possibilitando ao aprendiz uma
reflexão real a esse respeito.
Embora se verifique que a leitura e a escrita são apresentadas e que há algumas
atividades específicas com o sistema de escrita, isto não se constitui como principal elemento
de sua relação pedagógica. Por isso, também não se verifica uma ocorrência sistemática de
habilidades ou situações de escrita. As dimensões da escrita analisadas no conjunto das outras
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atividades são esporádicas ou concentram-se em aspectos ortográficos nos levando a indagar
sobre o que as crianças aprenderiam sobre o sistema de escrita com este recurso.
O termo letramento é considerado como “um conjunto de práticas sociais que usam a
escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para
objetivos específicos" (KLEIMAN apud SOARES, 2002, p.1). Ou seja, consiste no “estado
ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva as práticas sociais que usam
a escrita” (SOARES,1998).
A concepção aqui adotada é aquela de que o letramento busca ampliar, não extinguir o
conceito de alfabetização. Ou seja, não considera apenas o domínio das habilidades de
codificar e decodificar palavras, mas volta à atenção ao uso de tais habilidades em práticas
sociais em que ler e escrever se fazem necessário. Em relação à análise das capacidades e
considerando que crianças ainda não alfabetizadas podem ser destinatárias do jogo, seria
necessária certa mediação, ou algumas tentativas mais intuitivas do jogador para dar conta
sozinho, de tarefas que exigem leitura autônoma. Nessa perspectiva, pode-se dizer que o jogo
alia alfabetização e letramento, mas prioriza usuários com mais experiência de leitura e de
escrita.
Aspectos do ambiente, da usabilidade e da linguagem do jogo
A perspectiva de letramento digital em “Arthur e um dia de trabalho dos pais” pode se
referir ao ambiente “O Montanha na gráfica”. Todavia, há também aspectos de certa
alfabetização digital em jogo (FRADE, 2005). Neste ambiente o sujeito deve compreender
como se realiza a leitura nesta tela, uma vez que as letras se encontram na parte inferior e
devem ser dispostas nas frases que se encontram acima. Desse modo torna-se necessário
também o aprendizado do manuseio do mouse. Isso revela a necessidade de acrescentarmos à
nossa análise aspectos ergonômicos, de usabilidade, de linguagem, além do conteúdo
(FERREIRA:2006; NOVAIS e BERGAMO, 2007).
Vários outros exemplos se referem a aspectos de “domínio físico” do artefato que,
com certeza, traz questões cognitivas. Em “As manchetes de Pascoal” o usuário deve
compreender que por meio do manuseio do mouse e um clique com o botão direito se
estabelece uma relação entre o primeiro quadro (palavras disponíveis) e o segundo (que se
refere ao enunciado para se estabelecer relações entre antônimos, sinônimos ou rimas da
palavra que se encontra abaixo).
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Já em “Uma visita ao museu” a relação entre o texto e as imagens deve ser realizada
também por meio da seta (que se constitui no prolongamento do mouse): na medida em que se
coloca a seta em cima do objeto este é destacado e pode ser relacionado ao texto por meio de
um click com o botão direito.
Dadas as definições, torna-se possível afirmar que Arthur e um dia de trabalho dos
pais pressupõe alfabetização e letramento digital, haja vista o próprio título do software.
Assim, nas atividades aqui analisadas as habilidades de alfabetização são trabalhadas a partir
da perspectiva do uso social da língua.
O termo usabilidade deve ser compreendido neste artigo, “em favor da experiência da
alfabetização e não sobre uma forma de se obter uma finalização rápida da tarefa”. (NOVAIS
e BERGAMO, 2007). No que tange à usabilidade, ressaltam-se aqui os conceitos em favor da
comunicação, de forma a analisar a interface do jogo não apenas sobre o viés funcional –
como o usuário compreende e assimila as informações -, mas a sua forma atrativa e
envolvente. Uma vez que concebemos que a atração e envolvimento são pontos fundamentais
para que crianças usem ferramentas digitais como parte integrante de sua educação. Desta
forma, em nossa compreensão, os cenários e modelos facilitam e direcionam para uma melhor
assimilação do conteúdo. (NOVAIS e BERGAMO, 2007)
No software analisado, observa-se o uso de animações e muitas cores que buscam
captar a atenção dos sujeitos fazendo com que o jogo se faça visualmente atrativo para
crianças nesta faixa etária. Suas projeções são ricas em detalhes multicoloridas, dinâmicas e
interativas.
Outro aspecto relativo à usabilidade é o feedback – uma resposta apresentada de forma
clara e objetiva às ações do usuário, auxiliando na compreensão do efeito de sua interação ou
mesmo a sua correção, dando possibilidade ao jogador de reflexão sobre o erro e ajudando na
descoberta do que fazer para acertar
O software oferece possibilidades de interação e atende a algumas características
especiais relacionadas à comunicação com o usuário e às respostas dadas ao jogador,
oferecendo em vários momentos uma comunicação direta com o sujeito, além de auxílios e
incentivos quanto à autonomia da criança frente aos desafios encontrados.
Nele, o erro é compreendido como parte do processo de aprendizagem, já que o
software indica a incorreção da criança, mas oferece-lhe ajuda. Em “O Montanha na Gráfica”,
por exemplo, as letras da palavra que deve ser formada são destacadas em amarelo quando o
usuário realiza três ou mais tentativas. Também no jogo as “Manchetes do Pascoal” os
personagens Arthur e Pascoal esclarecem no momento do erro o que consiste uma rima e um
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antônimo. Em contrapartida no jogo “O Montanha na Gráfica” não é permitido outra letra que
não seja a destinada aquele espaço, ou seja, o jogo recusa a colocação.
Entende-se que um jogo deve ser flexível quanto à oferta de escolhas para o usuário,
levando-o ao caminho que pareça mais compreensível. Deste modo, em “Arthur e um dia de
trabalho dos pais” são também verificados vários caminhos a serem percorridos
possibilitando, portanto, que o sujeito escolha o seu destino, trazendo para criança maior
liberdade e autonomia no processo de aquisição das tarefas propostas.
Considera-se ainda que o jogo dispõe de um método de fácil navegação e
inteligibilidade para a criança, por dispor principalmente de uma relativa abertura para o
usuário, deixando claro, ao mesmo tempo, os objetivos que se deve atingir no decorrer do
percurso. Daí a relevância de se ressaltar que
É importante considerar o contexto do usuário em questão, compreender que, ao trabalhar com
crianças em sua fase de alfabetização, muitos dos conceitos de facilidade de uso de interface
assimilados pela maioria dos usuários de computador, ainda não fazem parte do seu universo
cognitivo. Isso não significa que os elementos desenvolvidos nessas interfaces não podem
introduzir a criança ao universo de signos que farão parte de sua educação digital. (NOVAIS e
BERGAMO, 2007)
É possível observar no jogo uma importante característica quanto ao repertorio
lingüístico utilizado nas atividades, pois são usadas orientações verbais faladas de modo
variado na realização tanto dos níveis dentro de um ambiente de jogo, quanto entre um
ambiente e outro. A unidade lingüística eleita para focalização também varia conforme o
ambiente, sendo solicitadas por vezes letras ou palavras.
O jogo apresenta várias etapas a serem cumpridas, cada uma contendo atividades em
três níveis de dificuldade. É preciso cumprir, portanto, todas as etapas para se obter o
certificado (que pode ser aqui interpretado como um reforço positivo). Ao mesmo tempo, o
jogo possibilita a elaboração de hipóteses pela criança e a construção de conhecimentos. Mas
refletindo sobre aspectos que o caracterizam, pode-se fazer outra análise: as mudanças de
fases constituem-se no desafio que é próprio a vários tipos de jogos. Desde modo, o software
possui uma importante característica, pois oferece um desafio crescente, aumentando o nível
de dificuldade à medida que o jogador é bem sucedido garantindo a ele recompensas,
sinalizando ao jogador que o seu esforço está sendo levado em conta.
Aspectos relativos à linguagem e a emergência de vários tipos de recursos
possibilitados pelas tecnologias digitais são ressaltados por Frade (2005). O suporte digital
traz, na diferenciação com outras linguagens, como a do impresso, a questão da tipografia,
sincronização áudio e escrita, além da voz que pode acrescentar novas significações a este
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conjunto, por vezes libertando o usuário da dependência da escrita. Neste sentido, podemos
indagar sobre como são utilizadas essas linguagens na configuração de jogos.
Através da caracterização do software aqui desenvolvida é possível aferir a presença
de animação bem como a predominância das linguagens áudio e visual em detrimento da
escrita. Nele, tais recursos comumente são utilizados de maneira simultânea, por exemplo, o
áudio faz-se presente em ‘músicas de fundo’ para os jogos, e na comunicação do personagem
com o jogador.
Ainda, é por meio da visualização dos jogos, imagens e personagens que o sujeito tem
acesso ao software. Além disso, as imagens são utilizadas para favorecer a própria dinâmica
do jogo: “O Montanha na gráfica” faz uso das imagens para que o jogador as identifique e
possa escrevê-las. O mesmo recurso é utilizado em “Uma visita ao museu”, diferenciando-se
apenas por ser uma atividade de leitura. Em ambos os casos, ao clicar sobre os objetos ou as
letras, estes se destacam dos demais, um recurso utilizado também em “As manchetes de
Pascoal”. Esse aspecto mostra-se interessante ao passo que diferencia a tela dos recursos de
página. A escrita não é empregada para as funções de intervenção ou instrução, ou seja, no
jogo o seu uso é feito apenas para a inscrição do nome do jogador, o que abre mais
possibilidades tanto para o acesso ao jogo, como para a leitura de letras, palavras e textos. Por
outro lado, verifica-se que as atividades de escrita são mais reduzidas do que aquelas de
reconhecimento de letras, sons e as atividades de produção escrita perdem para as atividades
de leitura.
As atividades exigem memorização e, para tanto, a repetição é freqüente. No entanto
não de forma exclusiva: há algumas possibilidades para que o usuário utilize algumas pistas
para resolver os problemas de escrita, como se verifica no jogo “Montanha Gráfica”- dentre as
letras apresentadas, as letras que correspondem a aquela palavra são colocadas em amarelo.
Considerações Finais
Considera-se que há ainda um longo caminho a se percorrer no que tange à relação
entre educação, tecnologia e cultura escrita. Os desafios não são poucos, dizem respeito desde
a inserção dessa nova realidade na cultura escolar à produção e desenvolvimento de materiais
que atendam às especificidades do ensino e aprendizado das habilidades de leitura e escrita
numa perspectiva de letramento.
Nesse sentido, referente à análise de “Arthur e um dia de trabalho dos pais” concluiuse que apesar de criativo e de caráter multidisciplinar, o jogo ainda apresenta poucas
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possibilidades do ponto de vista da leitura e escrita e não apresenta situações sistemáticas de
alfabetização. Sendo assim, atende pouco a criança que ainda não se alfabetizou e ainda
possui lacunas em aspectos importantes para um sujeito que está praticamente
alfabetizado.Ressalta-se, entretanto, que esta não parece ser sua intenção primeira.
Tendo consciência da dificuldade de um jogo abordar a todas as capacidades que são
de extrema importância no processo de alfabetização e letramento, considera-se que, se
associado a outras formas de ensino, Arthur e um dia de trabalho dos pais pode cumprir a
função de ‘ensinar ludicamente’.
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