RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva ARTIGO DE REVISÃO Síndr ome do Desconforto Síndrome Respiratório Agudo de Etiologia Pulmonar e Extrapulmonar Pulmonary and Extrapulmonary Acute Respiratory Distress Syndrome José Henrique Pires Leite Júnior 1, Walter Araújo Zin2, Patricia Rieken Macêdo Rocco3 Abstract Since its description, the acute respiratory distress syndrome (ARDS) has been considered a morphological and functional expression of a similar underlying lung injury caused by a variety of insults. Two distinct forms of ARDS are described, since there are differences between pulmonary ARDS (direct lung injury) and extrapulmonary ARDS (reflecting lung involvement in a more distant systemic inflammatory response). These differences could be detectable radiographically, functionally, and analyzing the responses to therapeutic intervention (PEEP, prone position, drugs). However, the distinction between pulmonary and extrapulmonary ARDS is not always clear and simple, and the observation of some overlapping in pathogenetic mechanisms and morphological alterations may be frequent. Thus, we need to strongly reconsider ARDS as a consistent response to its diverse etiology. We think that if we consider each pathogenetic mechanism, clinical management would be more precise. Key Words: Acute respiratory distress syndrome. Direct and indirect injury. Respiratory mechanics. Computed tomography. PEEP. 1. Doutorando do Laboratório de Fisiologia da Respiração, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2. Professor Titular, Laboratório de Fisiologia da Respiração, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro. 3. Professora Adjunta, Laboratório de Fisiologia da Respiração, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Endereço para correspondência: Patricia Rieken Macêdo Rocco Laboratório de Fisiologia da Respiração - Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho – CCS – Universidade Federal do Rio de Janeiro - Ilha do Fundão. CEP 21949-900 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil. Tel: (+5521) 2562-6557; Fax: (+5521) 2280- 8193 e-mail: [email protected] Órgãos financiadores: Programa de Núcleos de Excelência – Ministério de Ciência e Tecnologia (PRONEX MCT); Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ); Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP); Fundação Universitária José Bonifácio (FUJB-UFRJ); e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) 114 Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) foi descrita inicialmente por Ashbaugh et al. em 1967(1), ao identificarem pacientes ventilados mecanicamente que evoluíam com dispnéia grave, taquipnéia, cianose refratária a oxigenoterapia, diminuição da complacência pulmonar e evidência de infiltrados difusos na radiografia de tórax. Esta entidade clínica foi inicialmente denominada Síndrome do Desconforto Respiratório do Adulto(2), a fim de se contrapor à Síndrome da Membrana Hialina do Recém-Nascido caracterizada pela falta de surfactante pulmonar. Os consensos atuais, no entanto, recomendam o uso do termo Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo devido ao acometimento também em adolescentes e crianças. Murray et al.(3) ampliaram esta definição propondo um sistema de escore de pontos que quantificava a deterioração da fisiologia respiratória baseando-se no nível de PEEP, na relação PaO2/FiO2, na complacência estática e no grau de infiltração evidente na radiografia de tórax. Outros fatores a serem considerados seriam a causa da síndrome e a presença ou não de disfunção orgânica extrapulmonar. O escore de Murray não é capaz de predizer o desfecho durante as primeiras 24-72 horas após o início da SDRA, tendo uso clínico limitado(4,5). Entretanto, quando usado entre 4 e 7 dias do início da síndrome, valores iguais ou maiores que 2.5 podem ser preditivos de complicações, com necessidade de ventilação mecânica prolongada(6). O consenso atual(7) define a SDRA como um processo inflamatório associado ao aumento da permeabilidade da membrana alvéolo-capilar, resultando na formação de edema pulmonar não decorrente da elevação da pressão hidrostática (pressão capilar pulmonar ≤ 18 mmHg ou ausência clínica de hipertensão atrial esquerda). Essas alterações resultam na diminuição da complacência estática do sistema respiratório e aumento do shunt pulmonar, caracterizado pela existência de regiões pulmonares perfundidas mas não ventiladas, o que explica a persistência da hipoxemia mesmo após a instituição da oxigenoterapia. Clinicamente, ocorrerá dispnéia de início súbito acompanhada de infiltrado difuso à radiografia de tó- A Volume 14 - Número 3 - Julho/Setembro 2002 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva rax e hipoxemia grave à gasometria arterial. Portanto, considera-se o comportamento evolutivo da síndrome como um continuum de anormalidades na troca gasosa, definindo-se Lesão Pulmonar Aguda quando a relação PaO2/ FiO2 for menor ou igual a 300, e SDRA quando menor ou igual a 200. Os fatores de risco para SDRA foram estudados por vários autores(8, 9), sendo separados pelo consenso americano-europeu(7) em dois grupos, dependendo se a etiologia é pulmonar (direta), caso a lesão tenha ocorrido diretamente no epitélio das vias respiratórias; ou extra-pulmonar (indireta), caso o endotélio vascular tenha sido o sítio inicial de lesão. Dentre as causas diretas, podemos citar: pneumonias, aspiração de conteúdo gástrico, contusão pulmonar, embolia gordurosa, quase-afogamento, inalação de gases tóxicos e edema pulmonar de reperfusão após transplante pulmonar ou embolectomia. Entre as causas indiretas, destacam-se sepse com ou sem hipotensão clinicamente significativa (pressão sistólica ≤ 90 mmHg), trauma grave não torácico, múltiplas transfusões, bypass cardiopulmonar e pancreatite aguda. Vários modelos experimentais têm examinado a resposta inflamatória na SDRA iniciada por infecção, trauma, queimadura e hemorragia(10). Estes estudos têm demonstrado a complexidade e multiplicidade das vias envolvidas neste processo fisiopatológico, indicando que diferenças na lesão inicial associada a outras condições subjacentes podem resultar na ativação de diferentes mecanismos inflamatórios. Apesar das várias causas da SDRA resultarem em alterações patológicas uniformes tardiamente(11-14), várias evidências tem indicado que a fisiopatologia na fase precoce da SDRA pode diferir de acordo com o tipo de insulto primário(13, 15). O presente estudo revisa as principais diferenças epidemiológicas, funcionais e radiológicas da SDRA pulmonar e extrapulmonar e suas implicações terapêuticas. ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS A taxa de mortalidade na SDRA varia entre 40% e 60%(5, 16). No entanto, alguns autores têm sugerido uma queda na mortalidade(17-18). A maioria das mortes é atribuída a sepse ou disfunção orgânica múltipla(4, 9, 16), apesar do sucesso terapêutico da ventilação com baixos volumes correntes indicar que em alguns casos a morte está diretamente relacionada com a lesão pulmonar induzida pelo ventilador. Surpreendentemente, os índices de oxigenação e ventilação no momento da internação, incluindo a relação PaO2/ FiO2, não predizem a evolução(4, 16, 19). No entanto, a ausência de melhora na função pulmonar durante a primeira semana de tratamento é um fator prognóstico negativo(6). Adicionalmente, Seidenfeld et al.(20), em 1986, alertaram para o fato de que a SDRA em que o pulmão era a causa primária apresentavam um pior prognóstico. Monchi et al.(21) constataram que a mortalidade era maior na SDRA pulmonar em comparação com a extrapulmonar. Em contrapartida, Eisner et al.(22) não demonstraram diferenças na mortalidade entre as duas síndromes, mas encontraram variação na taxa de mortalidade se cada fator de risco fosse considerado separadamente, sendo maior na sepse e menor no trauma. Além disso, a ventilação com baixos volumes correntes parece ser igualmente eficaz para qualquer etiologia da SDRA(22). PATOGÊNESE A barreira alvéolo-capilar é formada por duas estruturas histológicas distintas: o endotélio microvascular e o epitélio alveolar. Tem sido demonstrado que a representação histológica da lesão pulmonar aguda é o dano alveolar difuso, independentemente da via de lesão pulmonar, se direta ou indireta(23). No entanto, na fase precoce da SDRA a diferenciação entre lesão direta e indireta é importante, com diferentes repercus- Volume 14 - Número 3 - Julho/Setembro 2002 ARTIGO DE REVISÃO sões pulmonares. A SDRA pulmonar é caracterizada por dano direto do epitélio alveolar. A importância da lesão epitelial no desenvolvimento e recuperação da SDRA tem sido bem estabelecida(24, 25) e o grau de lesão epitelial alveolar é um importante fator para predizer a evolução(26). O epitélio alveolar normal é composto por dois tipos celulares: pneumócitos tipo I, que representam 90% da superfície alveolar, sendo facilmente lesados; e pneumócitos tipo II, cujas principais funções são produção de surfactante e transporte de íons. A perda da integridade epitelial na SDRA acarreta várias conseqüências: (1) em condições normais, a barreira epitelial é menos permeável que a endotelial(25), sendo que a lesão epitelial pode contribuir significativamente para formação de edema alveolar; (2) lesão de pneumócitos II interrompe o transporte normal de fluidos, dificultando a remoção de exudato do espaço alveolar(27), bem como reduz a produção e o turnover de surfactante, contribuindo para anormalidades decorrentes da falta do mesmo(28); (3) a perda da barreira epitelial pode levar ao choque séptico em pacientes com pneumonia bacteriana(29). Desta forma, na SDRA pulmonar há predomínio de consolidação alveolar, com preenchimento do espaço alveolar por células inflamatórias, restos celulares e edema, sendo observado na tomografia computadorizada um aumento homogêneo na atenuação pulmonar com obliteração das margens broncovasculares, podendo existir broncograma aéreo(30). Em contrapartida, na SDRA extrapulmonar, o sítio inicial de lesão é o endotélio vascular. O aumento da permeabilidade desta barreira proporciona a formação de edema intersticial, com aumento do peso do pulmão (“teoria da esponja”) e conseqüente colapso do espaço alveolar. Além disso, alterações na mecânica da parede torácica seriam mais proeminentes, podendo acarretar atelectasia das regiões basais pulmonares devido o aumento da pres- 115 ARTIGO DE REVISÃO são intra-abdominal. Portanto, neste caso a aplicação de manobras de recrutamento poderia ser mais efetiva(31). Esta hipótese tem sido confirmada em estudos experimentais e de necropsia. Em modelos de SDRA causada pela administração de endotoxina de Escherichia coli, a lesão direta resulta em dano alveolar caracterizado pela presença de edema, fibrina, colágeno, agregados de neutrófilos e eritrócitos no interior dos espaços alveolares, enquanto na lesão indireta ocorre predomínio de congestão microvascular, edema intersticial e dano alveolar menos grave(32). Hoelz et al.(33), analisando a microscopia de 38 necropsias, demonstraram haver um predomínio de colapso alveolar, exudato fibrinoso e edema da parede alveolar na SDRA pulmonar quando comparado com a extrapulmonar. DIFERENÇAS NA MECÂNICA RESPIRATÓRIA Gattinonni et al. (31) evidenciaram aumento similar na elastância estática do sistema respiratório (Est,rs) tanto no grupo com SDRA pulmonar como no extrapulmonar. No entanto, na SDRA pulmonar a elevação da Est,rs ocorria às custas do grande aumento observado na elastância pulmonar (Est,L), e a relação Est,L/Est,rs > 0.5 determinaria o aumento da pressão transpulmonar (PL), uma vez que: PL = Paw • Est,L/Est,rs (Eq 1) No entanto, na SDRA extrapulmonar, o aumento da Est,rs era devido tanto ao aumento na Est,L como na Est,w, de modo que a relação Est,L/ Est,rs seria menor ou igual a 0.5, não havendo um grande aumento na pressão transpulmonar (Eq 1). Tem sido sugerido dois mecanismos de atuação da PEEP na fase precoce da SDRA. A PEEP pode aumentar a elastância por provocar o estiramento regional das unidades alveolares que já estão abertas, ou manter as unidades alveolares abertas ao final da expiração, 116 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva as quais se colapsariam em baixas pressões, desta forma diminuindo a elastância. As variações globais da Est,rs dependem da prevalência de cada um destes mecanismos. Gattinoni et al.(31) estudaram a variação da mecânica respiratória em níveis progressivamente maiores de PEEP. O aumento da Est,rs decorrente do aumento da PEEP observado na SDRA pulmonar sugere que o estiramento está ocorrendo de forma preferencial, enquanto a diminuição da Est,rs na SDRA extrapulmonar traduz a ocorrência de recrutamento dos espaços aéreos previamente fechados. Da mesma forma, Pelosi et al.(34) ao aplicarem manobras de recrutamento com pressão de platô de 45 cmH2O demonstraram uma grande alteração da pressão transpulmonar na SDRA pulmonar. No caso da SDRA extrapulmonar, a variação da PL foi menor seguido de melhora da PaO2. Foi desenvolvido em nosso laboratório um modelo de SDRA pulmonar e extrapulmonar induzido, respectivamente, por instilação intratraqueal e injeção intraperitoneal de lipopolissacarídeo de E. coli com grau de lesão similar, como indicado pela mecânica pulmonar. As modificações mecânicas (pressões resistiva, elástica e viscoelástica) na SDRA de origem pulmonar e extrapulmonar foram correlacionadas com os níveis de citocinas (IL6, IL-8 e IL-10) no fluido do lavado broncoalveolar (BALF) e parâmetros da histologia pulmonar (microscopia óptica e eletrônica). Apesar da mecânica pulmonar e alterações morfológicas terem sido similares independentemente da etiologia da SDRA, a lesão direta apresentou uma resposta inflamatória mais pronunciada, i.e., na SDRA pulmonar o aumento de IL-8 e IL-10 foi três vezes maior em relação a SDRA extra-pulmonar, enquanto IL-6 foi duas vezes maior na SDRA pulmonar(35). Além disso, resistência (R) e elastância (E) teciduais e histeresividade (η), quantidade de fibras colágenas e elásticas (oxitalânicas, elaunínicas e fibras elás- ticas maduras) e celularidade tecidual foram determinadas neste modelo de SDRA pulmonar e extrapulmonar(36). R, E e η aumentaram similarmente na SDRA pulmonar e extrapulmonar, sendo acompanhadas pelo aumento de fibras colágenas e celularidade. PARÂMETROS RADIOLÓGICOS Goodman et al.(37) analisaram prospectivamente pacientes na fase precoce da SDRA pulmonar (n=22) e extrapulmonar (n=11), e constataram predomínio de opacificação em vidro fosco(30) simétrica e consolidação dorsal (atelectasia) na SDRA extrapulmonar, enquanto a SDRA pulmonar tendia a ser assimétrica, com consolidações parenquimatosas densas e opacificações em vidro fosco nas mesmas proporções. Desai et al.(38), Winer-Muran et al.(39) e Rouby et al.(40) encontraram resultados similares, mas não idênticos. No entanto, estes estudos são limitados(41). Todos utilizaram um pequeno número de pacientes. O tempo entre o início da SDRA e a realização do exame não foi uniforme e os parâmetros ventilatórios variaram de estudo para estudo. Além disso, o grupo de SDRA extrapulmonar incluiu tanto pacientes com doença abdominal como pacientes no pós-operatório de cirurgias cardíacas, no qual o colapso do lobo inferior esquerdo é mais freqüente. Finalmente, lesões diretas e indiretas podem coexistir, resultando em um padrão morfológico difícil de interpretar. IMPLICAÇÕES TERAPÊUTICAS Suntharalingam et al.(42) demonstraram que a SDRA pulmonar estava relacionada a um maior tempo de ventilação mecânica (17 x 9 dias) e maior resistência ao recrutamento quando comparado com o grupo extrapulmonar. Após 6 meses de acompanhamento, ambos os grupos demonstravam um padrão restritivo similar no estudo da função pulmonar. Apesar destes autores não demonstrarem um aumento estatistica- Volume 14 - Número 3 - Julho/Setembro 2002 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva mente significativo da mortalidade, o que pode ser explicado pelo pequeno número de pacientes utilizados neste estudo, o tempo de ventilação mecânica é um importante indicador da mortalidade. A prostaciclina inalada, sugerida como alternativa ao óxido nítrico devido aos seus efeitos colaterais mais tênues e a facilidade de administração(43, 44), alcança a musculatura lisa vascular por difusão nos espaços aéreos, induzindo vasodilatação pulmonar das unidades alveolares ventiladas e redistribuição do fluxo sangüíneo pulmonar de regiões não ventiladas. Domenighetti et al.(45) estudaram as diferenças de resposta na oxigenação e hemodinâmica pulmonares na SDRA pulmonar e extrapulmonar. A nebulização de PGI2 foi efetiva somente na SDRA extrapulmonar, o oposto ocorrendo na SDRA pulmonar, sendo observado até mesmo uma piora da troca gasosa neste último grupo. Riap et al.(46), ao mesmo tempo, evidenciaram que a redistribuição do fluxo pulmonar induzida por óxido nítrico poderia ser otimizada quando em associação com a posição prona na SDRA pulmonar. A SDRA extrapulmonar não demonstrou benefício da associação do óxido nítrico com a posição prona, talvez porque o recrutamento já tenha ocorrido totalmente apenas com a modificação da posição. Neste contexto, Lim et al.(47) observaram que a melhora da relação PaO2/FiO2, definida como um aumento de 40%, ocorria mais intensa e rapidamente na SDRA extrapulmonar. Após 30 minutos de posição prona, esta melhora ocorreu em 63% dos pacientes com SDRA extrapulmonar, contudo nenhum benefício adicional foi observado após 2 horas. Em contrapartida, 23% dos pacientes com SDRA pulmonar alcançaram melhora na relação PaO2/ FiO2 em 30 minutos, e 29% dos pacientes alcançaram em 2 horas. Portanto, a melhora da troca gasosa tem um efeito adicional na SDRA pulmonar em tempos mais prolongados. Nenhum tratamento farmacológico mostrou ser efetivo na redução da mortalidade na SDRA, apesar de ter sido tentado controlar as complexas vias pró-inflamatórias e mediadores da fase aguda da SDRA com drogas antiinflamatórias. Neste contexto, os corticosteróides foram usados para prevenir este processo inflamatório, com resultados decepcionantes. Tem sido especulado que a principal razão para a ausência de benefício dos corticosteróides seria a curta duração do tratamento em pacientes com inflamação persistente. Varpula et al.(48) analisaram retrospectivamente os efeitos da terapia tardia com corticosteróide na gravidade da insuficiência respiratória, na disfunção orgânica múltipla e no grau da reação de fase aguda, e na evolução de pacientes com lesão pulmonar aguda (LPA) de etiologia pulmonar, causada principalmente por Streptococcus pneumoniae. Eles concluíram que o tratamento com corticosteróide poderia ser benéfico na LPA pulmonar caso sinais de inflamação sistêmica persistisse. Recentemente, nós comparamos os efeitos do corticosteróide em modelo experimental de LPA pulmonar e extrapulmonar(36). Contrariamente ao que têm sido observado, a resposta ao corticosteróide na mecânica respiratória, morfometria pulmonar e citocinas foi mais intensa na LPA de etiologia pulmonar quando comparado com a extrapulmonar. CONCLUSÕES Vários trabalhos têm demonstrado que a SDRA de etiologia pulmonar e extra-pulmonar possuem características mecânicas e radiológicas distintas. A SDRA pulmonar é caracterizada por Est,L elevada e Est,w normal. Não apresenta uma boa resposta ao recrutamento e o aumento progressivo da PEEP não diminui a Est,rs. Este fenômeno pode ser explicado pelo predo- Volume 14 - Número 3 - Julho/Setembro 2002 ARTIGO DE REVISÃO mínio de consolidação pulmonar, que na TC apresenta-se assimétrica, com presença de consolidação densa do parênquima e opacificação em vidro fosco. Por outro lado, a SDRA extrapulmonar é caracterizada por uma alta Est,w e Est,L, esta última menor que na SDRA pulmonar. A aplicação de PEEP progressivamente maiores resulta no recrutamento pulmonar. Isto pode ser explicado pela predominância de edema intersticial e colapso alveolar, que se apresentam na TC com um predomínio de opacificação em vidro fosco simétrica e difusa, e consolidação dorsal (atelectasia). Desta forma, a abordagem terapêutica deve ser diferente, com o intuito de melhorar o prognóstico destes pacientes. RESUMO Desde a sua descrição, a Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) têm sido considerada como expressão morfológica e funcional de uma lesão pulmonar subjacente causada por vários insultos. Duas formas distintas de SDRA são descritas, uma vez que existem diferenças entre SDRA pulmonar (lesão pulmonar direta) e SDRA extrapulmonar (refletindo o envolvimento pulmonar secundário a uma resposta inflamatória sistêmica). Estas diferenças podem ser detectadas funcional e radiograficamente, ou através da resposta a uma intervenção terapêutica (PEEP, posição prona, drogas). Entretanto, a distinção entre a SDRA pulmonar e extrapulmonar não é sempre óbvia e simples já que existem mecanismos patogenéticos e morfológicos que se sobrepõem. Existe uma necessidade crescente de reconsiderarmos a SDRA como resposta a suas várias etiologias. Acreditamos que se considerarmos cada mecanismo patogenético, a conduta clínica será mais precisa. Unitermos: Síndrome do desconforto respiratório agudo. Lesão direta e indireta. Mecânica respiratória. Tomografia computadorizada. PEEP. 117 ARTIGO DE REVISÃO REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. Ashbaugh DG, Bigelow DB, Petty TL, et al. Acute respiratory distress in adults. Lancet 1967;2:319-23. Petty TL, Ashbaugh DG. The adult respiratory distress syndrome: clinical features, factors influencing prognosis and principles of management. Chest 1971;60:233-39. Murray JF, Matthay MA, Luce JM, et al. An expanded definition of the adult respiratory distress syndrome. Am Rev Respir Dis 1988;138:720-23. Doyle RL, Szaflarski N, Modin GW, et al. Identification of patients with acute lung injury: predictors of mortality. Am J Respir Crit Care Med 1995;152:1818-24. Zilberberg MD, Epstein SK. Acute lung injury in the medical ICU: comorbid conditions, age, etiology, and hospital outcome. Am J Respir Crit Care Med 1998;157:1159-64. 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Revista Brasileira de Terapia Intensiva, vol. 14 nº 2 :73-80, 2002. Estamos republicando as mesmas com as devidas correções. Tabela 1 - Distribuição dos Pacientes segundo Sexo e Faixa Etária FAIXA ETÁRIA - ANOS SEXO n Tabela 3 - Distribuição Porcentual dos Pacientes de acordo com a Evolução: Pacientes que Faleceram e os que Permaneceram Vivos SEXO 12 - 20 21 - 60 > 60 Masculino 3,3aα 49,8aβ 46,9aβ 968 Feminino 5,7aα 46,1aβ 48,2aβ 725 a - indica diferença não significante entre sexos em cada uma das faixas etárias. α e β - indicam diferença significante entre faixas etárias em cada um dos sexos. EVOLUÇÃO FAIXA ETÁRIA - ANOS 12 - 20 21 - 60 288 4,1aAα 54,4bAβ 41,5bAγ 680 óbito 4,3aAα 38,1aAβ 57,6aAγ 210 vivo 6,2aAα 49,4aAβ 44,4bAβ 514 óbito 1,4 Masculino vivo Feminino Feminino aAβ > 60 59,7aAγ Masculino aAα n 38,9 a,b - em cada sexo e em cada faixa etária, letras diferentes indicam diferença significante entre porcentagem de óbitos e vivos. A,B - letras diferentes indicam diferenças entre sexos ao levarem-se em conta a evolução do caso (óbito ou sobrevida) e a faixa etária. α, β - letras diferentes indicam diferenças significantes entre cada faixa etária, levando-se em conta óbito/sobrevida e sexos. Tabela 2 - Distribuição Porcentual dos Pacientes Segundo o Tempo de Permanência na UTI, Levando em Consideração Sexo e Faixa Etária SEXO TEMPO DE PERMANÊNCIA FAIXA ETÁRIA - ANOS 12 - 20 Masculino Masculino Feminino Feminino < 7d > 7d < 7d > 7d aAα 3,2 1,8aAα 5,3aAα 3,1aAα 21 - 60 aAβ 51,4 n* Tabela 5 - Distribuição Percentual dos Pacientes de Acordo com Positividade ou Negatividade do Diagnóstico Primário de Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) SEXO DIAGNÓSTICO IAM FAIXA ETÁRIA ANOS n > 60 45,3aAβ 42,7aAβ 55,5aAβ 46,2aAβ 48,6aAβ 47,8aAβ 49,2aAβ 164 587 130 a, b - em cada sexo e em cada faixa etária, letras diferentes indicam diferença significante entre tempos de permanência. A e B em cada tempo de permanência e em cada faixa etária, letras diferentes indicam diferença significante entre sexos. α, β em cada sexo e em cada tempo de permanência, letras diferentes indicam diferença significante entre cada faixa etária. * Não foram incluídos, nos grupos, os dados de alguns pacientes em razão de não se dispor, nesses casos, das datas da alta ou da transferência da UTI. Volume 14 - Número 3 - Julho/Setembro 2002 12 - 20 801 Masc Masc Fem Fem + + - aAα 0 4,1 bAα aAα 0 6,5 bAα 21 - 60 > 60 aAβ 48,7aAβ 189 aAβ aAβ 779 aAβ 98 aAβ 627 51,3 49,4 aAβ 41,8 aAβ 46,7 46,5 58,2 46,7 + diagnóstico presente; - diagnóstico ausente; Masc = masculino, Fem = feminino. a,b em cada sexo e em cada faixa etária, letras diferentes indicam diferença significante entre porcentagem de pacientes com o diagnóstico de IAM+ ou -. A,B em cada grupo de pacientes com diagnóstico de IAM+ ou IAM-, e em cada faixa etária, letras diferentes indicam diferença significante entre os sexos. α, β em cada sexo e em cada grupo de pacientes com o diagnóstico de IAM+ ou IAM-, letras diferentes indicam diferença significante entre cada faixa etária. 119 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva ERRATA Tabela 6 - Distribuição Percentual dos Pacientes de acordo com Positividade ou Negatividade do Diagnóstico Primário de Hemorragia Digestiva Alta (HDA) SEXO DIAGNÓSTICO HDA FAIXA ETÁRIA ANOS 12 - 20 Masc Masc Fem Fem + + - 4,8 aAα 3,2 aAα aAα 0 5,9 bAα 21 - 60 aAγ 66,7 aAβ 49,0 aAβ 34,5 aAβ 46,6 n Tabela 8 - Distribuição Percentual de Pacientes de acordo com Positividade ou Negatividade do Diagnóstico Primário de Intoxicação Exógena (IE) SEXO DIAGNÓSTICO IE > 60 aAγ 28,6 aAβ 47,7 aBβ 65,5 aAβ 47,5 FAIXA ETÁRIA ANOS 12 - 20 21 - 60 42 926 29 696 + diagnóstico presente; - diagnóstico ausente; Masc = masculino, Fem = feminino. a,b letras diferentes indicam diferença significante entre porcentagem de pacientes com diagnóstico + e -. A,B letras diferentes indicam diferença entre sexos. α, β letras diferentes indicam diferença entre faixas etárias (ver rodapé da Tabela 5). Masc Masc Fem Fem + + - 31,3 2,8 aAαβ aAα 54,5 4,9 aAα aAα aAα 62,5 aAβ 49,6 aAα 45,5 aAβ 46,1 n > 60 6,3aAβ bAβ 47,6 aAβ 0 49 bAβ 16 952 11 714 + diagnóstico presente; - diagnóstico ausente; Masc = masculino, Fem = feminino. a,b letras diferentes indicam diferença significante entre porcentagem de pacientes com diagnóstico + e -. A,B letras diferentes indicam diferença entre sexos. α, β letras diferentes indicam diferença entre faixas etárias (ver rodapé da Tabela 5). Tabela 7 - Distribuição Percentual de Pacientes de acordo com Positividade ou Negatividade do Diagnóstico Primário de Choque Séptico (CS) SEXO DIAGNÓSTICO CS FAIXA ETÁRIA ANOS 12 - 20 Masc Masc Fem Fem + + - 7,3 aAα 3,1 aAα 1,9 aAα 6,0 aAα 21 - 60 n > 60 aAβ 56,1aAβ aAβ aAβ 927 aAβ 53 aAβ 672 36,6 50,4 aAβ 62,3 aAβ 44,8 46,5 35,8 49,2 41 + diagnóstico presente; - diagnóstico ausente; Masc = masculino, Fem = feminino. a,b letras diferentes indicam diferença significante entre porcentagem de pacientes com diagnóstico + e -. A,B letras diferentes indicam diferença entre sexos. α, β letras diferentes indicam diferença entre faixas etárias (ver rodapé da Tabela 5). 120 Volume 14 - Número 3 - Julho/Setembro 2002