COMUNICAÇÃO: UM JOGO DE MOVIMENTOS ENTRE O SURDO E A EDUCAÇÃO FÍSICA * Luciana Erina Palma 1 ** Profº Dr. Sérgio Carvalho 2 1- INTRODUÇÃO A Educação Física tem passado nos últimos tempos de uma visão e ênfase nos padrões físicos e mecânicos (treinamento, condicionamento, automatização), para uma concepção de desenvolvimento integrado do homem. Passou a se entender a Educação Física como colaboradora e de grande importância/influência no processo global de aprendizagem, contribuindo para o desenvolvimento dos diferentes aspectos como: cognitivo, emocional, físico e social, através do movimento e/ou da prática de atividades físicas. ____________________________ 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência do Movimento Humano - Subárea Comunicação, Movimento e Mídia na Educação Física - CEFD/UFSM/RS. 2 Orientador do Programa de Pós Graduação em Ciência do Movimento Humano e Professor Titular do CEFD/UFSM/RS. Por ter a Educação Física o caráter motivador e criativo, faz com que, principalmente a criança, torne-se mais ativa, interessada e aprenda com maior facilidade, e é neste “jogo” de motivação, aprendizagem e troca de relações tanto interna quanto externa, que evidencia-se um processo de comunicação constante entre ela e o meio que a cerca. Ao se propor esta relação entre Educação Física e Comunicação, compreende-se que ambas são de extrema importância para o desenvolvimento do ser humano, é natural, portanto, incluirmos ou buscarmos entender, compreender e estudar também a relação e a importância que a Educação Física possui para o desenvolvimento do processo comunicativo da criança (ou pessoa) surda. É neste sentido que busca-se fazer uma ligação entre o processo da Comunicação Humana e as formas de comunicar do surdo, analisando a importância e influência da Educação Física sobre o seu desenvolvimento, destacando a conscientização na atuação do profissional de Educação Física como educador no trabalho com pessoas surdas. 2 - O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO HUMANA Desde os primordios da existência humana, a comunicação esteve presente como uma necessidade básica de sobrevivência. Foi a partir dela que as pessoas puderam estabelecer relações e o entendimento das mensagens que eram transmitidas ou evocadas. Com o passar do tempo, a comunicação tornou-se indispensável para a convivência em grupos, tornando-se amplamente difundida entre os diferentes grupos ou povos. Esse partilhar de mensagens passou a ter e a exercer influências sobre a cultura destes povos. E foi com essa influência, unida a evolução dos tempos, que a troca de mensagens que antes era interpessoal (pessoa-pessoa) passou a ser produzida em grande alcance de público, às vezes em locais diferentes, mas tendo-se como referência a mesma mensagem. Neste processo, o homem evoluiu, pois mesmo vivendo em diferentes locais e sob diferentes culturas, passou a compartilhar as mesmas mensagens e a exercer influência sobre elas, selecionando idéias, analisando sua importância e percebendo o que é correto ou incorreto, desenvolvendo assim, a capacidade de reflexão, do modo de agir e interagir e uma capacidade de codificar imagens, mensagens e símbolos nesta comunicação. É esta comunicação que propicia ao homem a possibilidade de sua interação social. Para entendê-la enquanto processo, define-se Comunicação baseando-se em BORDENAVE (1986) e PENTEADO (1982), como toda forma de nos comunicarmos, consciente ou inconscientemente, seja através da linguagem verbal, gestual ou corporal, onde podemos utilizar diferentes meios que irão nos auxiliar para que nossas mensagens sejam entendidas, ao passo que estarão exercendo influências que poderão modificar opiniões, ações, sentimentos, em diferentes níveis. Cabe salientar que toda esta comunicação é influenciada pela cultura em que vivemos e que através dos seus valores e crenças forma-se o meio social, e ao nos comunicarmos influenciamos o meio e somos influenciados por este. A comunicação representa um processo complexo onde estão interligados diferentes elementos, culminando na troca mútua e num inter-relacionamento entre as pessoas, comunicando-se a todo instante, através de uma complexidade de fatores presentes em cada momento, que buscam a interação e a troca mútua de conhecimentos, de informações, de emoções, além de ser uma necessidade fundamental do ser humano. Ao considerarmos o ser humano um ser social, passamos a entender a importância da comunicação humana e o quanto é fundamental e necessário este convívio e relacionamento em sociedade e/ou grupo social, visto que, através das relações sociais há uma tendência maior na aproximação das pessoas, um intercâmbio de culturas e a convivência com diferentes hábitos de vida, tornando-se importante à sobrevivência individual e coletiva. É uma rede de trocas realizada pelo compartilhar de idéias, emoções, sentimentos, conhecimentos e informações feita um com o (s) outro (s) que é transformada a realidade em que vivem. A comunicação humana é muito rica em suas diferentes formas e meios, ou seja, o ser humano comunica até mesmo ficando em silêncio, pois o seu corpo esta servindo como instrumento desta comunicação de si para os outros ou para ele mesmo, e estas situações com significados é que tornam a comunicação humana interessante e necessária na vida das pessoas. Ao acreditarmos que a comunicação humana só é possível através da compreensão dos diferentes signos ou símbolos nas mensagens transmitidas e compartilhadas, as quais deverão ser de comum entendimento, a comunicação se dará ao tentarmos compartilhar alguma coisa comum, comum a todos e utilizando-se de códigos ou signos também comuns, para que a simbolização presente nesta comunicação seja mutuamente entendida e compartilhada. Para que ocorra esta comunicação são necessários, basicamente, um transmissor, um receptor e uma mensagem, com um significado comum. Assim, toda a comunicação quando executada, supõe-se de comum compreensão, porém nem sempre isso acontece, principalmente se não houver uma interação entre o transmissor e o receptor, ou em situações de comunicações diversificadas. O "meio" utilizado será o componente diferencial. Para PENTEADO (1982) e BERLO (1972), o meio escolhido deve ser dominado preferencialmente pelo transmissor e pelo receptor, para que haja a facilitação do entendimento de sua mensagem. Deve-se selecionar o meio mais adequado e de melhor interpretação para que seja efetivada a comunicação. É através deste circuito entre transmissor, receptor, mensagem e meio que se realiza a comunicação humana. Sabe-se também, que o meio ambiente exerce grande influência na comunicação através de estímulos que irão gerar respostas sob os mais variados tipos e formas. Esses estímulos são de ordem interna e/ou externa, onde provocam uma resposta resultante da compreensão deste estímulo, por parte de quem o interpreta. Por exemplo, ao estarmos frente a um grupo de alunos, ou a uma platéia que nos assiste, e ao nos comunicarmos verbalmente transmitimos estímulos iguais a todos, entretanto o estímulo que iremos receber de cada pessoa será diferente. Apesar de o estímulo ser o mesmo, cada pessoa receberá ou perceberá este estímulo de forma diferente, e a sua resposta se dará através de diferentes formas. A atenção é fundamental para a sua compreensão. Esta atenção depende dos estímulos transmitidos, das situações vivenciadas e das experiências pregressas. Para PENTEADO (1982), existem dois tipos de atenção, uma a atenção periférica, gerada involuntariamente através de um estímulo externo que nos faz atentarmos para qualquer coisa em qualquer momento; e a outra é a atenção dirigida, que se caracteriza por ser um ato voluntário onde está despertado o nosso interesse em determos a atenção a um estímulo específico. São estas as formas de atenção que estão presentes na comunicação humana e que são importantes, pois a comunicação também depende da atenção. A extensa gama de significações que um estímulo pode transmitir e que a atenção pode captar, influi na efetividade da comunicação, tornando-se difícil estabelecer regras ou princípios para a comunicação humana, pois nos deparamos com a individualidade do ser humano. A individualidade na comunicação é uma característica destacada, pois cada pessoa transmite e compreende mensagens e estímulos, diferentes das demais pessoas, por isso que o universo de símbolos ou de significações deve ser compreensível entre quem transmite e quem recebe a mensagem. Neste sentido, temos como referência algumas normas importantes estabelecidas por Lasswell apud PENTEADO, 1982, sobre a efetividade da comunicação, onde nos coloca que são cinco as questões básicas para entendermos o processo comunicativo: 1º - Quem?; 2º - Diz o quê? (onde depende da clareza para a compreensão do sentido); 3º - A quem? (onde esta presente o poder de condicionamento da mensagem ao receptor); 4º - Através de que meios; 5º - Com que finalidade. (que deverá ser clara e evidente para evitar possíveis distorções). Pode-se resumir o processo da comunicação humana como uma experiência entre transmissor e receptor, utilizando-se de uma significação comum através de signos ou símbolos, e que necessita despertar a atenção de alguém para ser realizada e entendida. A comunicação humana, caracteriza-se inicialmente por ser individual, que compartilha significados e símbolos comuns, onde a sua realização se dá pela atenção dirigida e que tem como objetivo básico e primordial a sua compreensão. Destaca-se, o termo "compreensão", pois ele nos remete a analisar também o processo da comunicação da pessoa surda, e não só da ouvinte. Conforme afirmam RECTOR & TRINTA (1990, p.08), A comunicação é uma atividade humana que todos conhecem e praticam, mas que poucos conseguem definir satisfatoriamente. É que, pela sua cotidianidade, os atos de comunicação parecem tão "naturais", que dispensam maiores explicações. Trata-se, porém, de um campo vasto, onde se entrecruzam, no mesmo esforço de compreensão científica, diversas áreas do conhecimento, compondo uma visão multidisciplinar . E é neste sentido que surgem questionamentos sobre a comunicação do surdo, como se processa essa comunicação, seu entendimento e compreensão das suas formas de comunicar. Por entendermos que a Educação Física compõe uma área de conhecimento, em que a sua prática pode ser uma das formas de desenvolvimento do comunicar do surdo, através da expressão e do movimento; explicitaremos a seguir, as manifestações históricas das correntes metodológicas que guiaram a Educação e Comunicação do surdo, para posteriormente obtermos um melhor entendimento da sua importância. 3 - CORRENTES METODOLÓGICAS SOBRE A COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO DO SURDO: ALGUNS DADOS HISTÓRICOS Conforme a história da educação do surdo e suas manifestações de comunicação, segundo BEHARES (1996), ocorreram diferentes propostas metodológicas, buscando ajustar a pessoa surda ao modelo ouvinte. Isso era (e é até hoje) evidenciado também na forma de chamá-los: Deficientes Auditivos ou Surdos. Há uma diferenciação entre estes termos, onde Deficiente Auditivo (DA) é normalmente denominado quando refere-se a parte clínica e/ou com déficit de audição, pois biologicamente há uma deficiência no aparelho auditivo (ouvido), e Surdo quando refere-se a parte pedagógica, lingüística e de aprendizagem, entendendo que o surdo não é apenas aquele que não ouve, mas que também desenvolve potencialidades psíquicas, sociais e culturais diferentes do ouvinte, e também por ser o termo pelo qual os próprios surdos se referem a si mesmos. Inicialmente destaca-se o modelo Oralismo ou Oralista (método oral), pelo fato de acreditar que o surdo vive em uma sociedade essencialmente ouvinte, ou seja, a sua maioria é ouvinte, dessa forma, ele deverá enquadrar-se neste modelo onde deverá falar e compreender a fala para posteriormente ser aceito e integrado nesta sociedade. Este método vai exercer influência nas propostas educacionais, pois a Escola deveria estimular o surdo a falar fazendo o treinamento da fala, a fim de que ele pudesse se enquadrar no modelo normal ou modelo ouvinte. Dessa forma, Ponce De Léon (15101584), monge beneditino espanhol, propôs novos princípios para a educação do surdo, pois compreendeu que a mudez era uma conseqüência da surdez, assim passou a utilizar o treinamento da fala e o alfabeto manual. Mesmo utilizando esses meios, a educação dos surdos continuou a ser considerada oralista, porque ensinava o surdo a falar. Com o passar dos tempos, vários estudiosos começaram a dar ênfase ao Manualismo, que consistia no ensino das palavras através de signos manuais e gestos. Destaca-se Charles Michel de L’Eppé (1712-1789), onde segundo DA COSTA (1994, p. 94), "era partidário da expressão da palavra por signos visuais através do manualismo. E é a ele que se deve a criação do alfabeto manual que utilizava apenas para ensinar nomes próprios ou termos abstratos. As demais palavras eram expressas por gestos ".; desvalorizando dessa forma o Oralismo. Com isso surgiram várias controvérsias, principalmente quando da realização do 1º Congresso Internacional para Professores de Surdos, realizado em Paris em 1878, sobre a utilização do Oralismo ou do Manualismo na educação do surdo, onde surgiram tendências ora oralistas, ora manualistas. Várias foram as metodologias utilizadas na educação do surdo, partindo do oralismo como atividade de treinamento auditivo, exercícios fono-articulatórios, a percepção da leitura oro-facial (leitura dos lábios) e o desenvolvimento sensorial. Foi somente neste século que surgiram novas propostas educacionais para a melhor aprendizagem e comunicação do surdo. Surgiu então, nos Estados Unidos - década de 60 - o método de Comunicação Total, e que segundo Rampelotto apud CASARIN (1996, p.16) "por Comunicação Total entende-se uma forma de trabalhar com o surdo onde a comunicação se estabelece através de todos os meios imagináveis para que haja uma comunicação".. CASARIN (1996, p.16) define ainda as formas de comunicação utilizadas na Comunicação Total como: "a fala, a leitura labial, o português sinalizado, a língua de sinais, o alfabeto datilológico, a escrita, o desenho, a expressão facial, a mímica, ou seja, uso de gestos, dramatização, expressão corporal". Com o objetivo de se estabelecer uma comunicação com o surdo utilizando todos os meios de comunicação que se apresentavam para a realização da educação do surdo, a Comunicação Total tornou-se, segundo RAMPELOTTO (1993, p.34), "uma filosofia de libertação total na busca pela comunicação do surdo. A sensação de "mãos atadas", que o oralismo produzia, é ultrapassada ". No entanto, os procedimentos utilizados pela Comunicação Total logo foram desgastados, pois não alcançavam os objetivos com relação a compreensão dos conteúdos pelo aluno surdo. O que pôde-se observar é que a prática da Comunicação Total, reduziu-se a uma nova metodologia de comunicação chamada Bimodal, que utiliza simultaneamente a Língua de Sinais e a fala, ou seja, de característica visual-auditiva, dificultando a compreensão e a expressão da comunicação, que para o surdo tornou-se de difícil entendimento, pois sua atenção deveria ser redobrada justamente por serem dois tipos de línguas diferentes e com estruturas também diferentes. Com todas estas transformações e necessitando de um modelo que atendesse aos interesses da comunidade surda como forma de contribuir para a sua melhor aprendizagem e a conseqüente comunicação, surge num modelo sócio-antropológico uma proposta Bilingüe de Educação do surdo (Bilingüísmo) em que consiste na utilização e aceitação da Língua de Sinais, enfatizando a grande possibilidade de integração e educação do surdo através deste modelo. Por ser a Língua de Sinais, a língua própria do surdo e que possui uma cultura também própria, e o Bilinguísmo ser uma abordagem usada na educação do surdo, é que se acredita no sucesso deste modelo na educação e comunicação do surdo, pois possibilitará através dele a aquisição de sua língua secundária que é a língua oral, além de, propiciar um melhor desenvolvimento nos diferentes níveis, sejam eles, intelectual, emocional, perceptivo, ou social melhorando a sua interação entre os demais surdos, bem como, entre os ouvintes. Neste sentido, CASARIN (1996, p.23) afirma, Consciente do papel da linguagem na organização das funções psicológicas superiores durante o desenvolvimento do ser humano, acredito que se tornou de imperiosa necessidade o bilingüismo como forma de interação com as duas culturas, e a educação bilingüe como instrumento de construção psicocognitivo, social e educacional do sujeito surdo. Continuando Skliar apud CASARIN (1996, p. 23), destaca que "Será somente de esta manera que el niño sordo pueda actualizar sus capacidades lingüísticocomunicativas, desarrollar su identidad cultural y aprender ... ". Admitindo essa identidade cultural própria do surdo e a proposta do Bilingüísmo com sua importância e relevância para a comunicação e educação do surdo, temos BEHARES (1996, p.15) que complementa, "A educação Bilingüe Bicultural propõe dirigir sua atenção à criação de uma identidade bicultural confortável, ao permitir à criança desenvolver suas potencialidades dentro da cultura surda e aproximar-se, através dela, da cultura ouvinte majoritária". Percebe-se que através destas modificações e transformações, mudanças significativas ocorreram em relação a educação e comunicação da pessoa surda, porém todas estas correntes metodológicas que nortearam e norteiam a educação e a comunicação do surdo, estão longe se serem as ideais para que ele se desenvolva e se integre, pois sabe-se que as escolas e os professores não estão preparados para efetivar a aprendizagem e conseqüentemente o surdo fica "à margem" do processo de desenvolvimento. Para se entender e estabelecer uma verdadeira aprendizagem e desenvolvimento do surdo, abordaremos a seguir, suas formas de comunicação. 4 - FORMAS DE COMUNICAR DO SURDO Ao abordarmos as correntes metodológicas de educação e comunicação do surdo, pôde-se perceber que este se utiliza de movimentos e expressões peculiares e necessários para a sua comunicação e desenvolvimento, seja nos aspectos motores, perceptivo, cognitivo, lingüístico ou sócio-culturais. A expressão no processo comunicativo do surdo, é um elemento básico para que ele exteriorize suas mensagens nas mais variadas formas para interagir com o meio, pois a sua comunicação serve como fator de sobrevivência individual e coletiva, estendidos aos seus relacionamentos sociais e transformadores de sua própria realidade. Para tanto, o surdo utiliza para a sua comunicação a linguagem ou comunicação não-verbal que caracteriza-se pela movimentação significativa do corpo fazendo uso de formas ou expressões gestuais, corporais e faciais, compondo a estrutura de sua linguagem. As expressões gestuais (ou gestos) são de suma importância para ele, pois além de ser o elemento básico para a comunicação da Língua de Sinais, apresentando um refinamento rico e preciso nos movimentos, serve também para demonstrar, segundo RECTOR & TRINTA (1990, p.21), " uma intenção cognitiva, expressiva ou descritiva, quanto a referências de ordem afetiva". As expressões gestuais servem para expressar idéias ou palavras e também signos gráficos, onde distingüi-se três grupos, que segundo DA COSTA (1994, p. 95) são: O gesto demonstrativo, é aquele em que a criança aponta ou indica um objeto em vez de nomeá-lo. Gestos representativos ou imitativos, são aqueles em que a criança imita, com movimentos simples, ações corriqueiras como beber, escrever. (...) Estes gestos podem ter dois aspectos: a) a representação, no espaço, do contorno do objeto que serve para representar (exemplo: uma bola); b) a forma plástica manual do volume do objeto (exemplo: o bebê nos braços do adulto). Os gestos simbólicos são utilizados para a transposição de idéias por associação, utilizados basicamente por todos nós com o acenar das mãos para dizer adeus entre outros. Quanto as expressões corporais, são de igual forma importantes para a comunicação do surdo, pois elas se transformam na linguagem silenciosa da comunicação não-verbal, que contribuem para se entender melhor o comportamento interpessoal, seja numa simples conversa, seja numa turma ou grupos de alunos, etc.. RECTOR & TRINTA (1990, p.21 ), afirmam que O homem é um ser em movimento e, ao mover-se, põe em funcionamento formas de expressão completas e complexas, que são, de resto, socialmente partilhadas". e é desta forma que " o corpo, pois comunica, e esta comunicação confunde-se com a própria vida. É ela uma necessidade básica da pessoa humana., do homem social. O surdo também utiliza-se da expressão corporal como meio de interação social, e é através dos movimentos corporais dotados de significados e sentimentos expressados por ele que o corpo torna-se um "veículo" em sua comunicação. As expressões faciais tornam-se presentes na comunicação como um elemento integrante da estrutura da Língua de Sinais, tornando-se um recurso importante na transmissão de desejos e sentimentos, sob a forma de ações e reações diversas, ou seja, funcionam como auxiliares na comunicação como forma de demonstrar expressões de alegria, tristeza, impacto, cansaço, etc. . As expressões faciais demonstram diferentes estados emocionais e um importantíssimo coadjuvante na comunicação do surdo, juntamente com as demais expressões descritas anteriormente. Este tipo de expressão colabora para a realização e entendimento da leitura labial pelo surdo. Todas estas formas de expressões; gestual, corporal e facial; apresentam variadas combinações das diferentes partes do corpo, que através do movimento buscam COMUNICAR. Dessa forma, movimento e expressão tornam-se meios através dos quais o surdo manifesta o seu interior, expande sua criatividade, suas emoções e sensações, criando e recriando formas de comunicação e de conhecimento de tudo que o cerca. Por todas estas considerações, RECTOR & TRINTA (1990, p. 83), afirmam que, Todos esses gestos e movimentos mostram que a dinâmica do corpo é tão expressiva ou até mais do que a palavra. Como já dissemos, o corpo fala; usando-o e observando o uso que os outros fazem dele, todo homem pode entender seu próximo e comunicar-se com ele. Neste sentido, o surdo por utilizar-se basicamente do movimento e expressão para a sua comunicação, possui direta ou indiretamente um vínculo com a área da Educação Física, pois a atividade física torna-se importante para o seu desenvolvimento motor, cognitivo, perceptivo, lingüístico e emocional, justamente por trabalhar com o movimento corporal e com a expressão. Abordaremos a seguir, a importância e influência da Educação Física na educação e comunicação do surdo. 5 - EDUCAÇÃO FÍSICA: A INFLUÊNCIA DE SUA PRÁTICA NO PROCESSO COMUNICATIVO DO SURDO Sabe-se que as pessoas surdas, principalmente as de grau severo (perda auditiva entre 70 a 90 decibéis) e profundo (perda auditiva superior a 90 decibéis), apresentam problemas na recepção e produção da linguagem verbal, transformando-se em desafios para a Educação Tradicional, e em específico, para a Educação Física, pois com a perda da audição é difícil a compreensão da linguagem verbal, afetando o seu desenvolvimento lingüístico, cognitivo, emocional, dificultando muitas vezes, o seu ajustamento social. KIRK & GALLAGHER (1987, p.242), afirmam que O problema fundamental de comunicação das crianças surdas consiste em duas partes significativas: as limitações de um modo de comunicação com outras pessoas e as limitações progressivas no desenvolvimento normal da linguagem. Cada uma dessas limitações afeta gravemente os processos de desenvolvimento da criança, bem como as áreas de realização acadêmica, ajustamento social e pessoal e ajustamento ocupacional. Continuando, os mesmos autores ainda colocam " Além do domínio dos principais sistemas de comunicação, várias outras habilidades são necessárias para a criança Deficiente Auditiva, e muitas delas são ensinadas por profissionais diferentes com habilidades diversas". (p.256) Essas habilidades necessárias para a criança surda, são basicamente: a aquisição da Língua de Sinais, a compreensão das expressões faciais e dos movimentos corporais, a compreensão e o tempo de intervalo dos movimentos labiais, a compreensão da comunicação através de sinais e gestos, as vibrações dos sons e das pistas de comunicação (tátil, cinestésica, visual) e um desenvolvimento motor adequado para posteriormente comunicar-se. Nesse sentido, destaca-se a importância dos diferentes profissionais como fonoaudiólogos, médicos, educadores especiais, pedagogos, lingüístas, e em específico o da educação física na contribuição de um melhor desenvolvimento destas habilidades. Enfatiza-se a importância deste profissional no desenvolvimento das habilidades que envolvem o Movimento e a Expressão. Dentro das habilidades necessárias para o desenvolvimento motor, destaca-se a coordenação geral, através da execução de movimentos amplos, pouco complexos, onde envolvam o trabalho com os membros superiores e inferiores e o tronco, em atividades como de correr, saltar, engatinhar, rolar, combinados, e/ou com a utilização de materiais (bola, corda, aro, etc.); e a coordenação visomotora, através de movimentos mais refinados, com atividades que requeiram maior atenção e concentração: acertar um alvo, arremessar a bola na cesta, por exemplo. O desenvolvimento da coordenação é importante porque permite ao indivíduo (principalmente a criança) uma consciência da integração das diferentes partes de seu corpo na seqüência dos movimentos, auxiliando os surdos na comunicação em Língua de Sinais. Destaca-se, de igual forma, o equilíbrio, seja em movimento (dinâmico) ou parado (estático), em função de sua perda auditiva, trabalhando-se com atividades de equilibrar o corpo sobre e/ou sob, equilibrar um objeto, combinação de atividades coordenadas e equilíbrio, etc.; e o ritmo, por exigir uma ordenação mais precisa dos movimentos numa determinada atividade, além de possuir grande relação entre espaço e tempo, básico e essencial para o desenvolvimento do surdo. Atividades como: andar, correr, saltar ao toque de bater as mãos, movimentar o corpo conforme o quicar da bola, são indicadas. Na compreensão das expressões, a ênfase deve ser dada ao esquema corporal, para que a criança surda obtenha a consciência de seu corpo e da sua unidade, da relação de seu corpo com as diferentes partes que o constitui, bem como, da relação de seu corpo com o espaço e os objetos a sua volta, formando a imagem de seu próprio corpo, para posteriormente (ou juntamente) desenvolver a expressão corporal, que por sua vez, torna-se indispensável para a compreensão e transmissão da comunicação. O desenvolvimento da expressão corporal é de máxima importância para o surdo em qualquer idade, mas principalmente quando este é criança. É a partir da estimulação e desenvolvimento recebido na infância, que a criança surda terá maiores possibilidades de comunicação, interação e convivência social, assim como de sua realização pessoal. AUFAUVRE (1987, p.33), destaca “Toda deficiência representa uma barreira entre a criança e a vida sob seus diferentes aspectos: a criança e os objetos que ela deve manipular; a criança e as pessoas com quem tem que lidar; a criança e o mundo a descobrir, a criança e a imagem que vai construir de si mesma, neste confronto ativo”. Godinho apud FERNANDES (1990, p.52), afirma que O surdo se coloca em inferioridade relativa aos normais em razão da estruturação diferente de sua percepção e a consequente alteração da inteligência, personalidade, nível emocional, habilidade psicomotriz, verbalização e sociabilidade, o que se reflete no comportamento global do indivíduo, acentuando o isolamento e os níveis de dependência. Problema de maior relevância neste tipo de deficiência é a inserção de seu portador no contexto social, uma vez que, por sua própria natureza, a deficiência auditiva afeta severamente a área da comunicação, de cujo desempenho depende essencialmente a convivência social normal e profícua. Tem-se na Educação Física, portanto, uma aliada na superação destas barreiras e na contribuição do desenvolvimento dos níveis motores, perceptivo, cognitivo e sócio-cultural para todas as pessoas e em especial para os surdos, porque suas aulas possuem características diferenciadas, são desenvolvidas no “pátio” ou no ginásio, permite maior liberdade, os alunos tornam-se mais espontâneos, mais criativos e produzem mais e com maior facilidade, mantendo uma constante troca de relações sociais. Nesta troca de relações, libera-se a criatividade, as emoções e produzem-se formas diferenciadas de movimentos e expressões tornando o aluno surdo mais ativo, produtivo e integrado. Destaca-se a criatividade e a espontaneidade dentre as características da Educação Física já citadas, já que a criatividade proporciona novas descobertas, novas percepções, revela novas formas e movimentos, onde estão interligados, principalmente os aspectos emocional, cognitivo e o corporal, e juntamente com ela percebe-se a manifestação da espontaneidade, através da demonstração das expressões corporais, a criação de novos gestos, formando uma linguagem corporal única e individual, que exprime um sentimento positivo e importante para a sua formação e desenvolvimento. E é dessa forma, que a Educação Física torna-se importante e necessária, e a capacitação de seus profissionais para atuarem nesta área torna-se imprescindível, visto que a atuação é também competência deste profissional, além de constituir uma área de trabalho e de uma linha de pesquisa emergente. Dessa forma, não nos resta dúvidas com relação à importância e a influência que a atividade física, ou a prática esportiva ou recreativa, ou o exercício físico, representam para a formação de todo e qualquer ser humano, e aqui em especial para a criança surda, pois além de possibilitar que ela se movimente descobrindo-se, permite também que ela descubra o mundo a sua volta desenvolvendo-se física, mental, emocional, lingüística e socialmente. É neste sentido que está a relação e a grande influência da Educação Física para o surdo e a contribuição que esta pode proporcionar para o melhor desenvolvimento de sua capacidade de comunicação e de sua melhor integração social. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUFAUVRE, M. R. ; - Aprender a Brincar, Aprender a Viver. Jogos e Brinquedos para a criança deficiente. Opção pedagógica e terapêutica. Editora Manole. São Paulo. 1987. BEHARES, L.,E., - Novas Correntes na Educação do Surdo: dos enfoques Clínicos aos Culturais. In Revista Educação Especial. Universidade Federal de Santa Maria. Tradução Eleny Gianini, 1996 BERLO, D.K. - O Processo da Comunicação: Introdução à Teoria e Prática. Rio de Janeiro. Editora Fundo de Cultura. 1972. BORDENAVE, J.E.D.; - O que é Comunicação. Nova cultural Brasiliense. Coleção Primeiros Passos. São Paulo. 1986. CASARIN, M.M.;- Construindo uma nova realidade: O Imaginário Social na Educação de Surdos. Dissertação de Mestrado/UFSM. Santa Maria/RS. 1996. DA COSTA, M.P.R.; -Orientações para Ensinar o Deficiente Auditivo a se Comunicar. Revista Brasileira de Educação Especial. Volume I, Número 02. Piracicaba-SP. 1994. FERNANDES, E.;- Problemas Linguísticos e Cognitivos do Surdo. Editora Agir. Rio de Janeiro- RJ . 1990. KIRK, S., GALLAGHER, J.J.; -Educação da Criança Excepcional. 4ª edição. Martins Fontes Editora. São Paulo. 1987. PENTEADO, J. R. W.;- A técnica da Comunicação Humana. 8 ª edição. Livraria Pioneira Editora. São Paulo. 1982. RAMPELOTTO, E. M.;- Processo e Produto na Educação de Surdos. Dissertação de Mestrado/UFSM. Santa Maria/RS. 1993. RECTOR, M., TRINTA, A,R.,- Comunicação do Corpo. Série Princípios. Editora Ática. São Paulo. 1990. ___________________ 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência do Movimento Humano - Subárea Comunicação, Movimento e Mídia na Educação Física. 2 Orientador do Programa de Pós-Graduação em Ciência do Movimento Humano e Professor Titular do CEFD/UFSM.