Uma nova estrutura pastoral
Pedro A. Ribeiro de Oliveira*
O processo de renovação impulsionado pelo Concílio Vaticano II resgata o conceito de Povo de
Deus e propõe o diálogo como meio de evangelização do mundo moderno. Essa proposta esbarra,
contudo, na rígida estrutura eclesiástica montada desde a reforma gregoriana e reforçada pelos
concílios de Trento e do Vaticano I. Tendo como eixo a relação de autoridade Papa-bispopresbítero, que demarca o espaço eclesial, ela modelou uma cristandade na qual os leigos e
leigas tornaram-se meros consumidores da graça sacramental administrada por ministros
ordenados. Dada a resistência daquela estrutura, a proposta de renovação está fazendo germinar
uma nova estrutura eclesial, marcada por relações de "comunhão e participação", em lugar do
eixo clerical de autoridade, e que pretende ser tão inovadora para o mundo atual quanto foi a
estrutura gregoriana para o segundo milênio.
A nova estrutura eclesial que vem sendo gestada no Brasil (e noutros países latino-americanos)
desde meados do século 20, funda-se em três elementos básicos: os organismos de colegialidade
episcopal (principalmente a CNBB), a participação ativa de leigas e leigos desde as bases
populares (as Comunidades Eclesiais de Base –CEBs) e os novos organismos de serviço (as
Pastorais). Cada um tem sua especificidade e autonomia, e a rigor poderia existir sem os outros,
mas na medida em que se articulam, criam um espaço eclesial em cuja estrutura pode-se
perceber uma alternativa à antiga estrutura clerical. Vejamos esses três elementos e sua
articulação.
A CNBB é muito mais do que um organismo dos bispos católicos, na medida em que estes
representam (falam por) sua igreja particular. Fazendo a distinção entre a Igreja entendida como
instituição visível e a comunidade como entidade moral formada pelo conjunto nem sempre
visibilizado de pessoas que se identificam como católicas, fica mais clara a forma de atuação da
CNBB. Porque transcende as particularidades diocesanas, ela expressa a consciência da grande
comunidade católica brasileira. Por outro lado, não tendo poder jurídico sobre as dioceses, cuja
autonomia permite até mesmo não incorporar suas orientações e projetos, ela só tem uma
autoridade moral. Como então explicar sua inegável influência na sociedade, na ordem política e
na cultura do Brasil? É porque em seus 50 anos de existência ela vem atuando não só através da
antiga estrutura hierárquica, mas também em articulação com as CEBs e as Pastorais.
As CEBs congregam leigos e leigas que, por morarem em periferias urbanas, em áreas rurais, ou
em outros locais onde a estrutura paroquial não consegue funcionar a contento, organizam-se
entre si para fazer a celebração dominical, cultivar a Fé cristã pela reflexão bíblica em pequenos
grupos, e de alguma maneira atuar na melhoria das condições do lugar onde vivem. A estimativa
de 70 a 80 mil comunidades espalhadas por todo o Brasil pode dar uma idéia da sua penetração
capilar na sociedade brasileira. Embora tenham hoje pouca visibilidade na mídia (ao contrário dos
anos 80, quando sua força política assustava as classes dirigentes), elas são a maior força de
mobilização da Igreja na sociedade, uma vez muitos de seus membros participam também de
organismos da sociedade civil (associações de bairro, sindicatos, partidos políticos, e os mais
diversos movimentos sociais). Sua ligação com a CNBB lhes dá a identidade institucional católica,
mesmo quando o bispo ou o pároco local não reconhecem a legitimidade de sua existência. Em
compensação, é nelas que os projetos e propostas da CNBB recebem a maior adesão, sendo
assim implementados desde as bases populares e incidindo na realidade social.
O terceiro elemento dessa nova estrutura pastoral são as Pastorais e organismos equivalentes
(como as Comissões de Direitos Humanos, ou de Justiça e Paz), por meio dos quais a Igreja
estabelece uma ponte com setores específicos da sociedade (jovens, lavradores, operários,
índios, negros, mulheres e muitos outros). As Pastorais raramente congregam grande número de
membros, mas revelam-se eficazes em questões cruciais da sociedade por oferecerem a seus
membros (normalmente pessoas de liderança) uma assessoria bem qualificada. São socialmente
reconhecidas como voz da Igreja, embora nem sempre tenham a chancela oficial.
A articulação desses três elementos potencializa sua capacidade de ação. A CNBB, com seu
prestígio institucional, garante a identidade católica dos demais. A rede de CEBs, por sua inserção
nas comunidades locais, assegura a mobilização de muitos fiéis. As Pastorais, tornando a Igreja
presente nos setores fulcrais da sociedade, dão à Igreja incidência sobre os temas de ponta da
realidade. Assim, essa embrionária estrutura pastoral formada pelo tripé CNBB-CEBs-Pastorais,
representa uma inovação criativa face à antiga estrutura clerical herdada do século XI, e torna
viável o projeto de Povo de Deus anunciado no Concílio Vaticano II.
[*Pedro A. Ribeiro de Oliveira. Sociólogo, Professor na Universidade Católica de Brasília
Brasília, 31/ outubro. 2001].
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