Perto do Mar, Longe da Cruz? Monica Baumgarten de Bolle Economista, Sócia-Diretora da Galanto | MBB Consultoria e Global Fellow | Wilson Center (Artigo para publicação no O Estado de S. Paulo de 12/12/2014) Passadas menos de duas semanas do anúncio da nova equipe econômica, que ainda não é nova, nem bem equipe, o País afastou-se do mar, voltou para perto da cruz. Era para ser diferente. A ortodoxia resgatada era para ser o elixir, o leite bom derramado na garganta dos “caretas”, estilo “mas eu também sei ser careta”, palavras de Caetano na boca da Presidente Dilma – e de seus Ministros. Joaquim Levy delineou as sensatas diretrizes da política fiscal, salientou todos os pontos que já havia discutido em “Robustez Fiscal e Qualidade do Gasto como Ferramentas para Crescimento”, publicado em setembro de 2014, antes de ser cogitado para o Ministério da Fazenda. No documento, Levy trata das regras explícitas para o crescimento das despesas primárias, necessárias para conter a escalada dos gastos, das metas para o superávit primário nos próximos anos, da redução da dívida bruta como principal objetivo de médio prazo. Tudo o que qualquer pessoa com alguma dose de bom senso econômico queria ouvir foi dito pelo novo futuro Ministro em seu primeiro pronunciamento. Alguns dias depois, o Banco Central fez o que todos queriam: elevou os juros, reafirmou o compromisso com o combate à inflação. É verdade que alguns criticaram a declaração que seguiu a decisão, talvez porque o hábito de criticar seja difícil de abandonar, como todo hábito. Ainda assim, a elevação da Selic e o pronunciamento suave sobre o tamanho do ciclo de aperto monetário não são incoerentes. Aliás, não poderiam ser mais coerentes com a perspectiva de que política fiscal e política monetária andem lado a lado, como há muito não ocorre no País. Joaquim Levy na Fazenda é aliado poderoso de Alexandre Tombini. Nelson Barbosa, o “desenvolvimentista”, o “menos careta”, para ficar nos rótulos simplórios que volta e meia são conferidos àqueles que expressam suas opiniões no Brasil, deixou claro que está em sintonia com seus pares. Disse claramente que o desafio imediato é ajustar o orçamento de 2015, falou em eficiência do gasto público e modernização da gestão. Apesar de tudo isso, o leite azedou. O mercado anda desenxabido; os analistas, céticos; os economistas, temerosos. Há, realmente, muito que temer: o escândalo da Petrobras e seus desdobramentos potencialmente catastróficos para as instituições brasileiras; as obras paralisadas por causa das investigações sobre o papel das empreiteiras; as dificuldades de financiamento das companhias envolvidas. Para além disso, há a desconhecida situação fiscal do País em 2014, o ponto de partida que pode tornar muito difícil a tarefa de Levy em 2015. Afinal, caso o Brasil termine o ano com um déficit primário de cerca de 0,5% do PIB, como alguns especulam, o esforço total para chegar à meta de 1,2% será de quase dois pontos percentuais do PIB. Com gastos engessados e carga tributária vultosa, a tarefa é hercúlea, ainda que não impossível. É provável que a CIDE tenha de ser reintroduzida, que as desonerações temporárias tenham de ser revertidas, que diversas medidas impopulares criem desalento e indignação. E isso sem falar na situação dos bancos públicos, nos prováveis problemas nas carteiras de empréstimos do Banco do Brasil e da Caixa Econômica. O câmbio e a redução dos preços das commodities por certo hão de atrapalhar, a queda do preço do petróleo dificilmente haverá de ajudar. O rombo nas contas externas de quase 4% do PIB será ainda mais difícil de financiar, sobretudo se a sombra da Petrobras provocar danos permanentes à percepção externa do Brasil. Contudo, mesmo diante de tudo isso, tivemos um vislumbre do mar, a nova equipe econômica nos deu esguelha de mar. Para afastar a cruz, é preciso que os novos Ministros sejam empossados, que tenham espaço para definir suas equipes, que possam anunciar as medidas que ajudarão a reequilibrar o Brasil profanado por quatro anos de má gestão. Presidente Dilma, deixe seus Ministros formarem equipes, ouça as palavras de Caetano: “Mas eu também sei ser careta/ De perto ninguém é normal”. Às vezes, deve seguir em linha reta a economia, para o bem, não para o mal.