Valor Econômico, 18 de novembro de 2015
Levy por Meirelles?
Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso
EPGE-FGV
É pouco provável que Meirelles consiga fazer mais do que Levy tem
conseguido. O discurso em torno de sua possível ida ao Ministério da Fazenda - ajuste
com crescimento - é uma quimera heterodoxa que nunca deu certo e que lembra a
substituição de Simonsen por Delfim em 1979, mais uma tentativa de operar milagres
que não funcionou.
Após a desastrada gestão de Dilma I, o país encontra-se duplamente desajustado em
termos econômicos. Mas em vez de se encarar os problemas com realismo, há sinais de
que se vai apostar numa saída miraculosa fadada ao fracasso. É a repetição da
substituição de Simonsen por Delfim em 1979.
O primeiro desajuste, de caráter estrutural, é o fiscal. O governo Dilma I aumentou
vertiginosamente gastos e concedeu generosas desonerações setoriais, transformando
um superávit primário de 3% do PIB em um déficit de 1% a 2%, dependendo de como
se reconhecem as pedaladas. Para corrigir tamanha desordem, seria preciso grandes
cortes de despesas e aumentos de receitas. Mas, por imposição legal, somente 10% do
orçamento é passível de cortes discricionários de gastos, e não há disposição e liderança
para implantá-los; e os aumentos de receitas esbarram na resistência da sociedade a
pagar mais impostos, diante já enorme carga fiscal do país.
O segundo desajuste, de caráter temporário, é o de preços relativos. Após as eleições de
2014, o represamento dos preços de combustíveis, da energia elétrica e da taxa de
câmbio teve que dar lugar ao realismo tarifário e cambial. Para se impedir que a enorme
pressão inflacionária, decorrente da abrupta elevação desses preços, contamine os
preços livremente determinados em mercado, é preciso manter a economia
temporariamente desaquecida. O desemprego provoca a queda de salário real necessária
para reequilibrar uma economia em que, durante os anos dourados do boom de
commodities, os salários subiram acima da produtividade do trabalho. Doloroso, mas
aritmeticamente inevitável.
A correção dos males gestados durante Dilma I exigiria, portanto, algum
desaquecimento, durante o qual se corrigiriam os preços relativos, seguido de reformas
estruturais destinadas a se recuperar permanentemente o superávit primário. A retomada
do crescimento só se tornará viável quando o governo conseguir convencer a sociedade
de que a trajetória da dívida pública não é explosiva. Isso exigiria corajosas reformas
que não dependem de Levy, pois são decisões eminentemente políticas.
Mas a recessão e a pressão inflacionária, agravada pelo avanço da operação Lava-Jato,
derrubaram a popularidade presidencial. A persistir no ritmo atual, o PT será dizimado
nas eleições municipais do próximo ano, o que reduzirá sua capacidade de eleger uma
bancada federal minimamente significativa em 2018, sem falar na presidência. Para
salvar o partido, Lula articula a substituição de Levy por Meirelles. Anuncia que o país
voltará a crescer com a simples troca de comando na economia...
Em 1979 o Brasil passou por uma experiência análoga à atual, pois chegara ao fim de
um ciclo de crescimento. Não tendo se ajustado à primeira crise do petróleo de 1973, o
país acumulara uma alta dívida externa, tendo sido surpreendido por uma segunda crise
do petróleo em 1979. A acelerada elevação dos juros internacionais tornava o ajuste
inadiável. Diante da ampla indexação existente à época – a lei determinava a plena
correção monetária anual dos salários –, se a necessária desvalorização cambial fosse
adotada num ambiente de pleno emprego, a inflação dispararia. Era preciso primeiro
desaquecer a economia para depois se desvalorizar a taxa de câmbio. Em abril de 1979,
o então ministro Simonsen adotou em um plano de contenção de gastos e limitação do
crédito destinado a desaquecer a economia.
Mas o país preferiu cair na tentação do caminho fácil. Em agosto, Simonsen foi
substituído por Delfim, ex-ministro que havia conduzido o país durante o milagre
econômico de 1968-74. A crise seria atacada acelerando-se o crescimento, e a inflação
controlada com aumento da oferta de alimentos. Para isso, ampliou-se o crédito à
agricultura, o que aqueceu a demanda agregada. Num ambiente de início de
redemocratização, a insatisfação da classe média diante da alta inflação levou o
Congresso a encurtar de anual para semestral o prazo de correção salarial. Essa
mudança não apenas constituía um forte choque de custos, como ampliava a indexação
da economia. Em dezembro, numa economia mais indexada e aquecida, adotou-se uma
maxidesvalorização de 30%. Ao longo de 1980, a inflação superou a 100%, o que levou
à reversão de políticas em outubro. A aventura de 1979-80 comprometeu mais de uma
década de crescimento.
O que poderia Meirelles fazer que Levy não tenha tentado? Dilma lhe permitiria trocar
todos os heterodoxos ainda encastelados em Brasília por gente de sua confiança? O PT,
que em várias votações de medidas propostas por Levy se juntou à oposição para
sabotá-las, seguiria a orientação de Meirelles? Para colocar o país na rota de
crescimento seria preciso, além da dolorosa correção dos preços relativos, aprovar
reformas profundas como as elencadas no documento intitulado Ponte para o Futuro
divulgado pelo PMDB. Haveria ambiente para isso?
É pouco provável que Meirelles consiga fazer mais do que Levy tem conseguido.
Mesmo que receba mais apoio político, seria suficiente para implantar as reformas
estruturais de que o país precisa? Além disso, o discurso de seu padrinho é em essência
o de anti-ajuste, ou mais sutilmente, o de ajuste e crescimento simultâneos, uma
quimera heterodoxa que já se mostrou impraticável em vários momentos no passado.
Como escreveu Marx, a história se repete, sendo na primeira vez como tragédia, e na
segunda como farsa. Dessa vez, parte-se de uma farsa política para se gerar mais uma
tragédia macroeconômica.
Download

Levy por Meirelles?