Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 49.546 - SP (2005/0184397-1) RELATOR IMPETRANTE IMPETRADO PACIENTE : MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROS : QUINTA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO : ANTÔNIO IZZO FILHO EMENTA PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . REDUÇÃO DA PENA-BASE. EXCLUSÃO DOS ANTECEDENTES CRIMINAIS. INQUÉRITOS E PROCESSOS CRIMINAIS EM ANDAMENTO. CONTINUIDADE DELITIVA. REDUÇÃO DO PERCENTUAL EM RAZÃO DO NÚMERO DE INFRAÇÕES. ORDEM CONCEDIDA. 1. É uniforme o entendimento desta Corte no sentido de que a consideração de inquéritos e processos criminais em andamento como maus antecedentes para fins de exacerbação da pena-base viola o princípio constitucional da presunção de inocência. Somente devem ser entendidas como maus antecedentes criminais condenações com trânsito em julgado, excluídas as que configuram reincidência. Precedentes da Quinta e da Sexta Turmas. 2. Também é pacífica a jurisprudência desta Corte ao dizer que o aumento de pena pela continuidade delitiva deve levar em conta somente o número de infrações, sendo que esta Quinta Turma tem considerado correta a exacerbação da pena em 1/5 (um quinto) no crime continuado no caso de 3 (três) delitos (REsp 678.357/SP, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ 9/2/2005, p. 221). 3. Ordem concedida para redimensionar a pena, nos termos do voto do relator. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 15 de agosto de 2006 (Data do Julgamento) MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA Relator Documento: 640513 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 04/09/2006 Página 1 de 6 Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS RELATOR IMPETRANTE IMPETRADO Nº 49.546 - SP (2005/0184397-1) : MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROS : QUINTA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO : ANTÔNIO IZZO FILHO RELATÓRIO PACIENTE MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA: Trata-se de habeas corpus , sem pedido liminar, impetrado em favor de ANTÔNIO IZZO FILHO – condenado à pena de 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, por infração ao delito previsto no art. 250, § 1º, inciso II, alínea a, c/c arts. 59, 62, incisos I e IV, 71, caput , e 14, inciso II, todos do Código Penal, 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, por infração ao art. 288, parágrafo único, c/c arts. 59 e 62, I, todos do Código Penal, e 1 (um) ano, 8 (oito) meses e 12 (doze) dias de detenção, por infração ao art. 10, § 1º, inciso III, da Lei 9.437/97 (duas vezes), c/c arts. 59, 62, incisos I e IV, e 71, caput , do Código Penal –, impugnando acórdão da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação Criminal nº 415.722-3/7), que manteve a sentença condenatória. Alegam os impetrantes que o paciente teve a pena-base fixada acima do mínimo legal com base em maus antecedentes, sem ter a sentença, contudo, indicado quais seriam tais antecedentes, ressaltando não possuir o paciente nenhuma condenação anterior com trânsito em julgado. Sustentam, também, que, tendo o paciente sido condenado por três delitos de incêndio, o acréscimo pela continuidade delitiva deveria ser de 1/5 (um quinto), e não de 1/3 (um terço), conforme entendimento deste Superior Tribunal, que preconiza que o aumento de pena deve variar de acordo com o número de infrações cometidas. Assim, requerem a concessão da ordem a fim de anular a sentença quanto à aplicação da pena. As informações requisitadas foram prestadas pela autoridade apontada como coatora (fls. 115/116) e vieram acompanhadas de cópia da documentação necessária à instrução do presente writ. O Ministério Público Federal, por meio de parecer exarado pela Subprocuradora-Geral da República ZÉLIA OLIVEIRA GOMES, opinou pela concessão parcial da ordem, para que seja redimensionada a pena, adotando a majoração de um quinto por conta da continuidade delitiva (fls. 534/547). É o relatório. HABEAS CORPUS Nº 49.546 - SP (2005/0184397-1) EMENTA Documento: 640513 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 04/09/2006 Página 2 de 6 Superior Tribunal de Justiça PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . REDUÇÃO DA PENA-BASE. EXCLUSÃO DOS ANTECEDENTES CRIMINAIS. INQUÉRITOS E PROCESSOS CRIMINAIS EM ANDAMENTO. CONTINUIDADE DELITIVA. REDUÇÃO DO PERCENTUAL EM RAZÃO DO NÚMERO DE INFRAÇÕES. ORDEM CONCEDIDA. 1. É uniforme o entendimento desta Corte no sentido de que a consideração de inquéritos e processos criminais em andamento como maus antecedentes para fins de exacerbação da pena-base viola o princípio constitucional da presunção de inocência. Somente devem ser entendidas como maus antecedentes criminais condenações com trânsito em julgado, excluídas as que configuram reincidência. Precedentes da Quinta e da Sexta Turmas. 2. Também é pacífica a jurisprudência desta Corte ao dizer que o aumento de pena pela continuidade delitiva deve levar em conta somente o número de infrações, sendo que esta Quinta Turma tem considerado correta a exacerbação da pena em 1/5 (um quinto) no crime continuado no caso de 3 (três) delitos (REsp 678.357/SP, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ 9/2/2005, p. 221). 3. Ordem concedida para redimensionar a pena, nos termos do voto do relator. VOTO MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA (Relator): Considerou o voto condutor do acórdão, ao confirmar a sentença condenatória, que "os antecedentes 'são todos os fatos ou episódios da vida anteacta do réu, próximos ou remotos, que possam interessar, de qualquer modo, à avaliação subjetiva do crime' (TACRIM-SP, JUTACRIM 39/167)" (fl. 103). Portanto, assiste razão ao impetrante, pois, segundo o recente magistério jurisprudencial, "Viola o princípio constitucional da presunção da inocência (art. 5º, inciso LVII, da CF) a consideração, à conta de maus antecedentes, de inquéritos e processos em andamento para a exacerbação da pena-base e do regime prisional" (REsp 675.463/RS, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ 13/12/2004, p. 454), sendo vários os precedentes deste Tribunal afirmando, ultimamente, que, "Por maus antecedentes criminais, em virtude do que dispõe o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição de República, deve-se entender a condenação transitada em julgado, excluída aquela que configura reincidência (art. 64, I, CP), excluindo-se processo criminal em curso e indiciamento em inquérito policial" (HC 31.693/MS, Rel. Min. PAULO MEDINA, DJ 6/12/2004, p. 368). Quanto à irresignação relativa à exasperação da pena em face do reconhecimento da continuidade delitiva, é mister destacar o que consignou a sentença (fl. 51): Em relação aos crimes de incêndios, por ser em casa habitada, sua pena deve ser aumentada em um terço, aumentando-se, ainda, em mais um terço, em virtude do crime continuado, pois foram três delitos. Documento: 640513 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 04/09/2006 Página 3 de 6 Superior Tribunal de Justiça Por outro lado, assim constou do voto condutor do acórdão (fls. 102/103): Nenhuma ilegalidade, convém registrar, decorre do aumento de 1/3 (um terço) pela continuidade delitiva, relativamente aos crimes de incêndio, na forma tentada. A Lei Penal, no seu artigo 71, estabelece que o aumento deve se situar entre "um sexto a dois terços", aí se inserindo, por óbvio, o acréscimo de 1/3 (um terço) aplicado pela r. sentença. Tampouco o número de infrações praticadas deve ser o exclusivo critério a ser observado para a definição da quantidade do aumento da reprimenda na hipótese do reconhecimento da continuidade delitiva, pois, como já se decidiu, "O aumento correspondente ao crime continuado leva em conta, no aspecto subjetivo, a personalidade do réu e as demais circunstâncias previstas pelo artigo 59 do Código Penal, e, no aspecto objetivo, o número de infrações, cujas penas se unificam" (TACRIM-SP, RJDTACRIM 11/20). A motivação das ações incendiárias, como já registrado, permitiam, dessa forma, o aumento de 1/3 (um terço) pela benéfica continuidade, não se cogitando de outro parâmetro (notadamente 1/5), que não seria suficiente como resposta penal adequada. Contudo, conforme ensina Júlio Fabbrini Mirabete, “Para o crime continuado foi adotado o sistema da exasperação, aplicando-se a pena de um só dos crimes, se idênticos (crime continuado homogêneo), ou a do mais grave, se da mesma espécie mas diversos (crime continuado heterogêneo), sempre aumentada de um sexto a dois terços. Para a dosagem do aumento deve-se levar em conta, principalmente, o número de infrações praticadas pelo agente. Tem-se recomendado como parâmetros aumento de um sexto para duas infrações; de um quinto para três; de um quarto para quatro; de um terço para cinco; de metade para seis; de dois terços para sete ou mais ilícitos” ("Manual de Direito Penal", 12ª ed., Atlas, Vol. 1, pág. 314). Esse magistério doutrinário tem sido aplicado por esta Quinta Turma, que tem considerado correta a exacerbação da pena em 1/5 (um quinto) no crime continuado no caso de 3 (três) delitos (REsp 678.357/SP, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ 9/2/2005, p. 221). Assim, é pacífica a jurisprudência desta Corte, ao dizer que "O aumento da pena pela continuidade delitiva se faz, basicamente, quanto ao art. 71, caput do Código Penal, por força do número de infrações praticadas. Qualquer outro critério, subjetivo, viola o texto legal enfocado" (HC 44.229/RJ, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ de 20/3/2006, p. 314). Registre-se ainda que "A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, alinhada ao constructo doutrinário, é firme na compreensão de que o aumento relativo à continuidade delitiva deve guardar compatibilidade com a sua extensão, relativamente ao número de infrações" (HC 30.105/SP, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, Sexta Turma, DJ de 18/4/2005, p. 394). Desse modo, passo a redimensionar a pena do delito previsto no art. 250, § 1º, inciso II, alínea a, c/c arts. 59, 62, incisos I e IV, 71, caput , e 14, inciso II, todos do Código Penal, reduzindo a pena-base ao seu mínimo legal (3 anos) pela exclusão dos antecedentes criminais, mantido o aumento de 1/4 (9 meses) pelas circunstâncias agravantes e de 1/3 (1 ano e três meses) por se tratar de casa habitada, e aplicar o percentual de 1/5 (1 ano) para a continuidade Documento: 640513 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 04/09/2006 Página 4 de 6 Superior Tribunal de Justiça delitiva, totalizando até aqui 6 (seis) anos, mantida a redução pela metade (3 anos) em razão do reconhecimento da tentativa, fixando-a, definitivamente, em 3 (três) anos de reclusão, restando inalterada a pena de multa. Quanto ao delito previsto no art. 288, parágrafo único, c/c arts. 59 e 62, I, todos do Código Penal, reduzo a pena-base ao seu mínimo legal (2 anos) pela exclusão dos antecedentes criminais, mantido o aumento de 1/4 (6 meses) pela incidência de circunstância agravante, fixando-a, definitivamente, em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Por fim, no que tange ao delito do art. 10, § 1º, inciso III, da Lei 9.437/97, c/c arts. 59, 62, incisos I e IV, e 71, caput , do Código Penal, reduzo a pena-base ao seu mínimo legal (1 ano) pela exclusão dos antecedentes criminais, mantido o aumento de 1/4 (3 meses) pela incidência das circunstâncias agravantes e de 1/6 (2 meses e 15 dias) pela continuidade delitiva, perfazendo o total de 1 (um) ano, 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de detenção, mantida a pena de multa. Ante o exposto, concedo a ordem impetrada, redimensionando a pena para 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão em regime semi-aberto e 1 (um) ano, 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de detenção em regime aberto, na forma do art. 33, § 2º, alíneas b e c, respectivamente, do Código Penal. É como voto. Documento: 640513 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 04/09/2006 Página 5 de 6 Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO QUINTA TURMA Número Registro: 2005/0184397-1 HC 49546 / SP MATÉRIA CRIMINAL Números Origem: 133499 4157223 602000 EM MESA JULGADO: 15/08/2006 Relator Exmo. Sr. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA Subprocuradora-Geral da República Exma. Sra. Dra. LINDÔRA MARIA ARAÚJO Secretário Bel. LAURO ROCHA REIS AUTUAÇÃO IMPETRANTE IMPETRADO PACIENTE : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROS : QUINTA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO : ANTÔNIO IZZO FILHO ASSUNTO: Penal - Crimes contra a Incolumidade Pública ( art. 250 a 285 ) - Crimes de Perigo Comum Incêndio ( art. 250 ) SUSTENTAÇÃO ORAL SUSTENTOU ORALMENTE: DR. ALBERTO ZACHARIAS TORON (P/ PACTE) CERTIDÃO Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator." Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília, 15 de agosto de 2006 LAURO ROCHA REIS Secretário Documento: 640513 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 04/09/2006 Página 6 de 6