Análise preliminar da proposta do governo aos docentes das Instituições Federais de Ensino (IFE) (ou porque a greve continua a ser necessária) Edilson José Graciolli1 Introdução A presente greve dos docentes das Instituições Federais de Ensino (IFE) - que abrange tanto o Magistério Superior (MS) quanto o Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), ou seja, não apenas as universidades, mas também demais instituições da rede federal de ensino2 - teve início em 17 de maio deste ano em função, entre outras razões, de o Governo Federal não negociar pelo menos desde julho de 2010, não cumprir um acordo assinado em agosto de 2011, não responder à pauta de reivindicações, não observar o prazo de 31 de março para a conclusão de estudos com vistas à reestruturação da carreira e não definir uma política decente de recomposição do poder de compra de nossos salários. Se olharmos para o histórico das greves nas IFE, verificaremos que, em primeiro lugar, nem sempre que recorremos a essa forma de resistência, a greve, conseguimos conquistas; os resultados que obtivemos, em geral parciais diante das reivindicações que nos colocaram em movimento, sempre foram por meio de greves3. Essa relação entre greve e atendimento de demandas dos docentes igualmente se verifica na greve deste ano. O governo passou a cumprir o que havia assinado em agosto do ano passado, como a incorporação da GEMAS ao vencimento básico e o pífio reajuste (na verdade, escárnio) de 4% quando a greve era iminente e somente se colocou numa dinâmica de negociação em meio à greve. Ainda é cedo para uma avaliação dessa greve, até porque ela não terminou. Antecipo, entretanto, um argumento que, oportunamente, será detalhado. A greve de 2012 ocorre com uma adesão até mesmo acima de muitas expectativas, não em decorrência da pujança das instâncias dos sindicatos (ANDES, Proifes e sindicatos locais, que estão criando o MDIA, Movimento Docente Independente e Autônomo) ou de suas direções, mas, em alguma medida, apesar daqueles e destas. À categoria docente cabe esse protagonismo, pois nossas condições de evolução na carreira, trabalho e salariais estão aquém do adequado. Por isto, e não por outra razão, estamos em greve. 1 Professor de Ciência Política e Sociologia do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia. Docente com doutorado e Associado 3 na carreira. 2 Independentemente da avaliação que se faça acerca de tal abrangência, o dado objetivo é que docentes do MS e do EBTT estão nesta greve, sejam graduados, especialistas, mestres ou doutores. Este aspecto é decisivo para a crítica que farei sobre a proposta do governo, apresentada no dia 13/07/2012. 3 Conferir, a respeito, o Histórico de greve – reivindicações e resultados, disponível em http://www.adufu.org.br/admin/uploads/noticias/files/historicogreves-reivindicacoeseresultados.pdf. Crítica à proposta do governo, apresentada em 13/07/2012 Estamos em greve, basicamente, para reestruturarmos a carreira existente, recuperarmos e melhorarmos nossos salários e lograrmos melhores condições de trabalho. Esta é a pauta que nos mobiliza4. A carreira em que nos inserimos está defasada, é insuficiente e, principalmente, se encontra profundamente desestruturada, tal como tentei demonstrar em outro texto (cf. http://www.adufu.org.br/admin/uploads/noticias/files/artigoComposicaoremuneratoriaemalhasalarialdecorrentedapropostadoANDES.pdf). Essa desestruturação decorre da política de gratificações, de reajustes concentrados nessas gratificações e do acordo de 2007, pois este priorizou os doutores e, em especial, os da classe Associado. O quadro produzido por essas medidas literalmente arrebentou com a malha salarial que expressa, neste aspecto, a carreira. Sem que se definam um piso nacional salarial (o do início da carreira, para graduado em regime de 20 horas) e, a partir dele, degraus (percentuais) equivalentes para progressões e promoções, tendo em conta tempo de serviço, titulação e avaliação, não será possível corrigir as distorções aludidas. À luz deste argumento se deve dizer, sem subterfúgios, que a proposta do governo não é aceitável, pois não só não corrige tal problema, como os reforça. O que o governo apresentou e está disponível em http://portal.andes.org.br/imprensa/noticias/imp-ult1881283994.pdf estabelece uma estratificação dos percentuais que reajustarão os vencimentos básicos e as RTs, num espectro que vai de 12% (auxiliar 1, graduado, em regime de 20 horas) a 45% (titular, doutor, em regime DE). Ora, isso é inaceitável, não só porque intensifica o que procuramos eliminar, como dispensa um tratamento discriminatório, como se a corrosão do poder de compra dos salários fosse diferente em função da titulação e do regime de trabalho! Basta de elitismo estruturado por uma lógica financista, de preservação do orçamento para que os compromissos com outros interesses continuem sagrados, em detrimento do que diz respeito às áreas sociais da atuação do Estado! O escalonamento (divisão ao longo de três anos do reajuste a ser aplicado sobre os salários) fosse com o mesmo percentual para todos, e desde que no patamar de 45%, ele seria, a meu ver, aceitável, embora não devamos nos esquecer que haverá, até 2015, inflação. Mas como o percentual máximo é apenas para um segmento da categoria, também é algo que não pode ser aceito. A proposta governamental ainda apresenta pelo menos dois aspectos muito ruins para nós. O condicionamento para a progressão de um nível para o outro a que se ministre o mínimo de 12 aulas semanais é ilegal (a LDB define esse mínimo em 08 aulas semanais), fator de intensificação da jornada de trabalho e, a rigor, representa uma “solução” à expansão 4 Além desses pontos, o ANDES tem apontado para uma campanha com o “conjunto dos SPFs”. Isto é um equívoco, já abordado por mim em outros textos, e que, neste texto, não é objeto de análise. ensejada pelo REUNI, sem que sequer os compromissos firmados pelos Planos de Expansão sejam cumpridos pelo governo. Fica cada vez mais claro que os professores temporários são uma medida preventiva, visando que o número de professores efetivos seja diminuído em relação ao pactuado entre as IFE e o governo. A definição, pelo MEC, de diretrizes para a progressão na carreira fere o princípio constitucional da autonomia universitária. Se essa proposta for posta em prática, provavelmente pacotes de cima para baixo tratarão o amplo leque de particularidades regionais entre as IFE com uma régua que os pasteurizará, certamente na mesma lógica do corte de gastos e de uma insana corrida atrás de uma cenoura que não será servível a todos. Por fim, o alarde que Governo e meios de comunicação social vêm fazendo quanto ao suposto reajuste de 45% oculta, deliberadamente, que esse é o percentual máximo e destinado a um segmento pequeno da categoria docente, os titulares, muitos dos quais chegaram a tal condição por obra e graça dos trens da alegria à época da chamada Nova República, por meio dos quais docentes foram efetivados sem concurso, de um lado, e, de outro, promovidos no processo de mudança na carreira, de forma que chegaram às classes de Adjunto e Titular por vezes sem título algum, além da Graduação. Conclusão Aceitar essa proposta significaria, além do mencionado nos parágrafos anteriores, rifar boa parte dos colegas em greve, especialmente os mestres, doutores na classe Adjunto, recém chegados ao MS e que percebem que a carreira atual é insuficiente, está defasada e desestruturada, bem como os que trabalham no EBTT. Diante do exposto, é preciso dizer que a negociação apenas começou e não há razão alguma para, após quase 60 dias de desdém governamental, termos pressa quanto ao final da greve. Queremos, sim, que ela acabe rapidamente, mas em condições minimamente aceitáveis, o que, convenhamos, não é o que nos sugere o horizonte da proposta apresentada nessa sexta-feira treze. Portanto, atuar para o fortalecimento da greve e para o aprofundamento do que seria aceitável é a tarefa que nos cabe. De quebra, fiquemos atentos aos descaminhos que, provavelmente, as direções sindicais e suas bases de apoio poderão propor no próximo período. Do espectro político da categoria docente podem vir ou açodamentos para que aceitemos qualquer coisa proposta pelo governo, ou intransigências para que a greve se arraste para além do razoável e do que suportar nossa força política.