O PROGRAMA CULTURA VIVA NO ENFRENTAMENTO DO
FRACASSO ESCOLAR: A EXPERIÊNCIA DE ALUNOS DE
CAMADAS POPULARES DO MUNICÍPIO DE CORUMBÁ-MS
GARCIA, Edelir Salomão – CPAN/UFMS
[email protected]
BEZERRA, Leide Laura de Almeida – CPAN/UFMS
[email protected]
EixoTemático: Políticas Públicas e Gestão da Educação
Agência Financiadora: CNPq
Resumo
A presente pesquisa tem por objetivo analisar como os alunos dos primeiros anos do ensino
fundamental da rede municipal de ensino de Corumbá-MS, avaliam o “Programa Cultura
Viva” no enfrentamento do fracasso escolar. Para tanto, fez-se um estudo bibliográfico
acerca da temática do fracasso escolar e do Programa Cultura Viva. A coleta de dados deuse através do estudo dos prontuários escolares e de entrevista semi-estruturada com
questões fechadas para levantamento sócio-econômico e cultural, e questões abertas para
que os participantes pudessem discorrer sobre a temática. Estas foram gravadas em áudiocassete e posteriormente transcritas na íntegra. Os 13 participantes desse estudo tiveram o
Termo de Consentimento Informado assinado por seus pais ou responsáveis, conforme
estabelece o Código de Ética do Ministério da Saúde. Os participantes desse estudo
pertencem a camada popular, são oriundos, em sua maioria, de famílias numerosas.
Residem nas proximidades da escola onde estudam em bairros periféricos, as casas são
modestas, sem conforto, em média com dois cômodos e com banheiro externo, sendo as
mesmas cedidas ou construídas em terreno familiar. As condições sócio-econômicas das
famílias foram consideradas por eles baixa. Todos apresentam reprovação na trajetória
escolar e participaram do “Programa Cultura Viva” no ano de 2006. O “Programa Cultura
Viva” possibilitou aos participantes desse estudo um espaço de interação junto aos meios
de cultura com atividades diversas como artesanato com argila, música, canto, esporte,
artes e atividades de acompanhamento escolar. Essas atividades foram bem aproveitadas na
vida escolar desses participantes, levando-os a terem êxito escolar, por meio de reposição
do capital cultural. Nesse contexto, é necessário que a escola (re)avalie suas práticas, pois,
em nome da igualdade, ela seleciona e elimina aqueles que não correspondem às suas
expectativas. Necessário se faz empreender novos estudos para verificar como os
professores avaliam os alunos participantes desse programa.
Palavras-chave: Políticas Sociais. Educação não escolar. Trajetória Escolar.
10888
Introdução
O presente estudo intitulado “O Programa Cultura Viva no enfrentamento do
Fracasso Escolar: a experiência de alunos de camadas populares do município de
Corumbá-MS” tem por objetivo analisar como os alunos das primeiras séries do ensino
fundamental da rede municipal de ensino de Corumbá-MS, com reprovação(ões) em sua
trajetória escolar e que fizeram parte do Programa Cultura Viva no ano letivo de 2006,
avaliam o referido programa no enfrentamento do fracasso escolar vividos por eles.
Para tanto, fez-se um estudo bibliográfico sobre fracasso escolar, na tentativa de
compreender como esta é percebida nas produções científicas. Efetivou-se, ainda, um
estudo nos documentos produzidos pelo Ministério da Cultura para compreender o Projeto
Cultura Viva e conhecer sua proposta. Em seguida, buscou-se conhecer quem são os
alunos do referido projeto, para verificar como eles avaliam tal programa no processo
escolar. Verificou-se que, em meio às visões contraditórias e antagônicas, o projeto tem
conseguido auxiliar, em parte, esses alunos na trajetória escolar.
Fracasso Escolar: um estudo introdutório
Dentre os vários problemas existentes na realidade educacional brasileira o fracasso
escolar é o que mais tem se destacado ao longo da história. Esse problema é evidenciado
nos primeiros anos de escolarização.
Através dos estudos efetuados por Garcia (2004), com o objetivo de fazer um
resgate das produções brasileiras, no período de 1974 a 2003, através do Banco de Dados
de Dissertações e Teses da Associação Nacional de Pesquisadores em Educação (ANPED)
e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), pelo
descritor “Fracasso Escolar” e versando sobre as séries iniciais do ensino fundamental, foi
possível encontrar alguns recortes temáticos sobre professores, alunos, práticas
pedagógicas, políticas educacionais, análises de produções científicas, entre outros.
A autora destaca, ainda, que as análises das teses e dissertações, em sua maioria,
não é linear e está articulada a outros recortes, mas as mesmas foram classificadas e
analisadas de acordo com o núcleo norteador de cada estudo.
10889
Em relação aos estudos que tem o recorte temático sobre o professor, Garcia (2004)
destaca duas tendências: a representação do professor sobre o fracasso escolar e outra
sobre atuação e formação do professor.
Com relação à representação do professor sobre o fracasso escolar, foi possível
destacar três abordagens: a primeira refere-se à visão que os professores tem sobre seus
alunos, familiares e condições sociais e a relação com o fracasso escolar; a segunda analisa
como a representação sobre o fracasso escolar pode interferir no modo de atuação
profissional e; a terceira destaca as implicações das novas propostas educacionais no
pensar e no fazer docente.
Essa questão também pode ser percebida no estudo de Collares (1992) que mostra
que o fracasso escolar era percebido pelo professores como um fenômeno causado,
principalmente, pela má condição de vida e subsistência de grande parte da população
escolar brasileira. Assim, as péssimas condições econômicas, responsáveis dentre outros
fatores pela fome e desnutrição, a falta de moradias adequadas e de saneamento básico,
enfim, todo o conjunto de privações com as quais convivem as classes sociais menos
privilegiadas surge como o elemento explicativo fundamental.
Por outro lado, as pesquisas de Fontana (2000) e de Mello (2001) começam a
sinalizar para novos conceitos, valores e crenças por parte dos professores, dando
indicativos de que a adequação da escola e dos procedimentos de ensino às necessidades e
especificidades de seus alunos pode ser a possibilidade para o sucesso escolar.
Em relação às novas propostas educativas com vistas a minimizar o fracasso escolar
e diminuir a distorção idade/série (ciclos, progressão continuada, classes de aceleração,
entre outras) os estudos mostram, segundo a analise de Garcia (2004), que apesar das
novas propostas educacionais e uma visão diferenciada de escola, os professores pouco
analisam as políticas e as condições de trabalho, mantendo o foco na figura do aluno.
Sampaio (1998), ao analisar as justificativas dos processos de retenção, destaca que
o fracasso é justificado pelos professores como fruto da incapacidade, imaturidade,
lentidão e desajustes emocionais dos alunos. Essas justificativas são identificadas,
principalmente, entre os alunos das camadas mais empobrecidas da população.
Outro aspecto assinalado por Garcia (2004), referente ao professor e ao fracasso
escolar, estava relacionado à prática pedagógica, falta de fundamentação teórica para o
exercício da profissão e, conseqüentemente, falta de competência e de compromisso
político.
10890
Assim, estudos sobre o fracasso escolar acabam por denunciar que os professores
não sabem ensinar as crianças que não rendem na escola, pois não estão preparados e são
mal formados. Dessa maneira, é apontada a necessidade de formação inicial e/ou
continuada dos professores para suprir as possíveis falhas para a efetivação de uma
educação de qualidade (MONTEIRO, 2002).
Nesse contexto, Sanches (1995) destaca que é necessário intervir junto à ação do
professor através do pensar sobre o fracasso escolar para se construir uma prática com
resultados positivos para o aluno e para a convivência escolar.
Com referência às teses e dissertações que tratam do fracasso escolar, com recorte
no aluno, Garcia (2004) destaca três vertentes de estudo: a associação do fracasso escolar
com a origem social do aluno; auto-imagem e a auto-estima do aluno que vivenciou o
fracasso escolar e; a (re)construção da identidade de alunos com histórias de fracasso
escolar.
Com relação à associação do fracasso escolar com a origem sócio-econômico e
cultural do aluno, esta vertente retrata a produção científica das décadas de 1970 e 1980
nas quais enfatizavam que a pobreza e, conseqüentemente, as privações e carências ou
deficiências culturais eram produtos e produtoras do fracasso escolar.
As produções sobre os efeitos do fracasso escolar para a auto-estima e auto-imagem
dos alunos mostram a importância que a psicologia tomou na educação, principalmente
para analisar e justificar o processo do fracasso escolar nas crianças das classes menos
favorecidas.
Segundo Collares (1994), as crenças e percepções dos professores sobre os alunos
exercem influência na maneira como estes se percebem, pois quanto mais fraco o
desempenho do aluno, menor será sua perspectiva de sucesso e, com isso, desenvolverá
uma baixa auto-estima, fazendo com que os mesmos não se reconheçam como possuidores
de capacidades para estudar.
Segundo Garcia (2004) existe, ainda, estudos que buscaram verificar como se dá o
processo de (re)construção da identidade através da mediação com o outro e o fracasso
escolar. Esses estudos mostraram que as interações que subestimam o aprendizado quanto
à capacidade intelectual reforçam o auto conceito negativo do aluno e desempenham um
papel decisivo de construção de suas identidades negativas. E o processo de (re)construção
da identidade em pessoas estigmatizadas se dá na interação com o outro, com o meio
10891
social. Assim, experiências bem ou mal sucedidas que esses alunos vivenciam acabam por
servir de respaldo para o ajustamento e inserção, ou não, na escola.
Com relação aos estudos que evidenciam a representação de pais e alunos sobre o
fracasso escolar, Garcia (2004) destaca que a maioria dos pais e alunos toma para si a
culpa, pois os alunos tendem a atribuir seus fracassos ao esforço e ao comportamento
adotados por eles e os pais reforçam tais argumentos acrescentando problemas familiares
e/ou de saúde, bem como enfatizam que seus filhos não nasceram para estudar.
Sobre o recorte escola, a autora destaca a evidência de dois aspectos: as práticas
institucionais e as práticas pedagógicas. Os estudos mostraram que as práticas são
discriminatórias e excludentes. Discriminatórias no tratamento à cultura e à linguagem
popular, bem como à baixa expectativa com relação ao desempenho dos alunos e
excludentes quando a escola continua a difundir, inculcar e legitimar as aspirações e o
modo de vida da classe dominante, além de fazer do aluno e seus familiares os únicos
culpados pelo fracasso.
Garcia (2004) analisou, ainda, pesquisas que enfatizam estudos sobre políticas
educacionais que visavam minimizar o fracasso escolar. Esses estudos evidenciam os
limites dos programas e sinalizam que enquanto houver altas taxas de evasão e repetência
haverá políticas pontuais como tentativa de ajuste.
Segundo Maiolino (2002), o Brasil, na tentativa de atender as propostas
internacionais de ampliação do número de crianças na escola, minimização do fracasso
escolar e distorção idade/série, passa a implantar políticas de inclusão, seja pela educação,
seja pela cultura.
Dentre as políticas de inclusão podemos encontrar o “Programa Cultura Viva”, um
Programa do Ministério da Cultura, do governo do Brasil, que tem como objetivo
consolidá-lo como política de Estado, desenvolvendo ações transversais entre os
Ministérios, estados e municípios, através dos meios de formação, criação e difusão
cultural, cujos parceiros imediatos são agentes culturais, artistas, professores e militantes
sociais que percebem a cultura não somente como linguagem artística, mas também como
direito, comportamento e economia. Esse programa visa apoiar projetos que registrem,
resgatem ou preservem manifestações da cultura brasileira, bem como colaborar para a
construção de conhecimento reflexivo e sensível por meio da Cultura, da Educação e da
Cidadania (BRASIL 2005).
10892
Em 2005, a Secretaria de Programas e Projetos Culturais (SPPC) consolidou a
primeira etapa de trabalho, na qual estruturou as bases e objetivos do Programa Cultura
Viva e firmou convênio com 445 entidades da sociedade civil para a implantação e
organização dos Pontos de Cultura em todos os Estados do país, mais o Distrito Federal, e
em três países (Estados Unidos, França e Alemanha). Além dos pontos de Cultura, o
Programa Cultura Viva conta com outras quatro ações empenhadas em estabelecer um
trabalho em prol da Cultura Brasileira: Cultura Digital; Agentes Cultura Viva; Griô; e
Escola Viva.
Em 2006 foi implantado no município de Corumbá-MS o Programa Cultura Viva.
Este foi inserido no Espaço Centro Múltiplo de Esportes e Lazer, abrangendo alunos de
três escolas municipais com alto índice de reprovações, com idade de 7 a 14 anos
matriculados no ensino fundamental.
A ação proposta foi de desenvolver atividades de acompanhamento pedagógico
especializado, na busca de um espaço de interação dialógica e vivencial, com a finalidade
de favorecer ao aluno a apropriação do conhecimento ético e estético da cultura, através de
atividades de apoio pedagógico, dança, teatro, música, esportes, entre outras atividades.
Dessa maneira, a relevância deste estudo consiste na possibilidade de conhecer
como as propostas implementadas pelo governo têm contribuído no desenvolvimento
social e, principalmente, escolar de crianças das camadas populares.
O presente trabalho tem por objetivo conhecer, mesmo que brevemente, a visão dos
participantes do “Programa Cultura Viva” sobre a forma de concretização do mesmo e,
principalmente, analisar como esse programa tem contribuído para minimizar histórias de
fracasso escolar.
Metodologia
O presente estudo deu-se inicialmente através de levantamento e análise
bibliográfica para verificar a produção dos trabalhos existentes acerca do fracasso escolar e
do Programa Cultura Viva, bem como conhecer as tendências e, principalmente, as lacunas
apresentadas pelos mesmos. Foi efetivado, também, ao longo deste trabalho, estudos
pautados na análise sociológica da educação, elemento essencial na elaboração do
instrumento e análise dos dados.
10893
Após o estudo bibliográfico, iniciou-se um levantamento de informações. O
primeiro passo foi contatar a Secretaria Municipal de Educação do Município para solicitar
autorização para realizar o levantamento dos participantes do Projeto Cultura-Viva. De
posse da autorização da Secretária Executiva de Educação, buscou-se no Centro Múltiplo
de Esporte e Lazer, local onde ocorre o referido projeto, a relação dos participantes desse
programa. Neste local foi possível encontrar os dados das crianças inscritas no ano de
2006. Para tanto, foram levantados os nomes dos alunos que cursavam 1ª ou 2ª séries do
ensino fundamental e o nome das escolas que os mesmos encontravam-se matriculados.
De posse do nome dos alunos, das respectivas séries e das escolas em que eles
estavam matriculados no ano de 2006 visitou-se as três escolas que fazem parte do referido
projeto, com a finalidade de verificar quais alunos permaneciam estudando na mesma
escola, bem como analisar os prontuários. Nesse momento, foi solicitada à direção das
escolas autorização para analisar os seus referidos prontuários com o objetivo de verificar
o percurso escolar, bem como levantar dados pessoais para posterior contato pessoal com
os alunos e com os pais ou responsáveis. Dos prontuários analisados, foram selecionados,
aleatoriamente, 20 alunos para fazerem parte desse estudo.
No processo de localização das 20 crianças, 06 prováveis participantes
apresentavam endereços incorretos, o que impossibilitou o contato com os mesmos e com
seus responsáveis. Aos 14 alunos encontrados foi explicado o objetivo dessa pesquisa, bem
como a metodologia adotada, sendo que 13 crianças quiseram participar e seus
responsáveis autorizaram a entrevista, assinando o Termo de Consentimento Informado,
conforme estabelece o Código de Ética do Ministério da Saúde.
Como não se tinha a certeza que os participantes sabiam ler e escrever, a opção foi
pela entrevista semi-estruturada como instrumento de coleta de dados. Concordando com
André e Ludke (1986 apud GARCIA, 2006) destacam que na entrevista a relação que se
cria é de interação, propiciando uma atmosfera de influência recíproca entre quem faz a
pergunta e quem oferece a resposta e este instrumento possibilita, ainda, correções,
esclarecimentos e adaptações tornando-o eficaz na obtenção das informações desejadas.
As entrevistas foram realizadas com os alunos com o acompanhamento de pais ou
responsáveis, em suas residências, em data e horário estabelecidos pelos mesmos. O
instrumento de pesquisa contou com questões fechadas para levantamento sócioeconômico e cultural e questões abertas para que os participantes pudessem discorrer sobre
a temática. Elas foram gravadas em áudio-cassete com duração média de 40 minutos e,
10894
posteriormente, transcritas na íntegra. Após o processo de transcrição das fitas efetuou-se
um estudo pormenorizado das falas, buscando compreender o que cada participante relatou
nas questões abordadas, procurando verificar em que essas respostas se igualavam e/ou
divergiam da resposta do grupo.
Essa organização se constituiu em elemento fundamental para a análise do perfil
sócio-econômico e cultural, como também, para a compreensão do papel do Programa
Cultura Viva no processo de escolarização dos participantes desse estudo. A análise desse
estudo pautou-se nos estudos na área da sociologia da educação.
Resultados e discussão
Para compreender os diferentes graus de êxito, bem como as esperanças de vida
escolar, Bourdieu (1998a), enfatiza que é necessário fazer uma análise multivariada, que
leve em conta não somente o nível cultural do pai e da mãe, dos avós paternos e maternos e
da residência, mas também um conjunto de características que permitem explicar quase
inteiramente os diferentes graus de êxito obtido pelos diferentes subgrupos definidos pela
combinação de critérios associados às vantagens e desvantagens, cujo efeito se nota em
todos os setores, quer se trate de resultados escolares anteriores, de práticas e
conhecimentos culturais, facilidade lingüística, como também as características
demográficas do grupo familiar, como o tamanho da família.
Desta maneira, os dados desta pesquisa serão apresentados e discutidos através dos
seguintes temas: Perfil Sócio-econômico e Cultural; Família e o Processo de
Escolarização; e Trajetória Escolar e o Programa Cultura Viva.
Perfil Sócio-Econômico e Cultural
Os 13 (treze) participantes desse estudo pertencem a camadas populares, oriundos,
em sua maioria, de famílias numerosas em sua origem. Residem nas proximidades da
escola onde estudam em bairros periféricos. As casas são modestas, sem conforto, em
média com dois cômodos e com banheiro externo, sendo as mesmas cedidas ou construídas
em terreno familiar.
10895
As condições sócio-econômicas das famílias foram consideradas por eles baixa,
pois a maioria das famílias tem renda de um salário mínimo (54%), seguido daqueles que
tem uma renda de 2 a 3 salários mínimos (31%), sendo incluso nesses valores a bolsa do
Programa Bolsa Família do Governo Federal.
Vale ressaltar que os pais desenvolvem atividades que solicitam pouca qualificação,
sendo a maioria braçal como pescador, leiteiro ou pintor, enquanto as mães, em sua
maioria, são do lar e, quando inseridas no mundo do trabalho, atuam como doméstica ou
cozinheira.
Com relação ao nível de escolaridade dos pais, percebeu-se que este também é
reduzido, pois a maioria deles não completou o ensino fundamental. As mães ficaram
divididas entre as que não concluíram o ensino fundamental e as que concluíram o ensino
médio, caracterizando que o nível de escolaridade das mães é superior ao nível dos pais.
No entanto, há que se ressaltar que alguns pais não atingiram a primeira etapa do ensino
fundamental e encontram-se em série escolar inferior à de seus filhos.
Quanto ao convívio social verificou-se que está restrito ao relacionamento com
parentes, vizinhos e a pessoas da igreja. Ressalta-se que o município, nos últimos anos, tem
intensificado suas ações em atividades culturais, através dos festivais com atividades
artísticas: show com artistas populares; peças teatrais; exposição de artes (quadros,
fotografias, escultura, e etc.); concertos musicais; apresentação de dança contemporânea e
de balé clássico; entre outros. Estes, em sua maioria são gratuitos e, pouquíssimas atrações
cobram ingressos a preços populares.
No entanto, pode-se perceber que essas ações não atingiram os sujeitos desse
estudo, pois os mesmos não participam das atividades, pois dizem não ter interesse nelas.
Assim, as atividades de cultura e lazer se restringem basicamente às brincadeiras na rua em
frente de casa e a roda de Tereré, bem como a ida à igreja.
Na descrição das condições de vida das famílias de alunos das camadas populares,
“o que se configura é um mundo no qual tanto os bens materiais como os simbólicos são
reduzidos de tal forma que pode afirmar que se trata de um mundo ‘descapitalizado’ à
margem de quaisquer benesses” (GLORIA, 2003, p. 65).
Essa ‘descapitalização’, segundo Glória (2003), pode implicar uma relação de
incompreensão e de conflito com o mundo da escola, pois as famílias das camadas
populares muitas vezes são desprovidas de recursos capazes de proporcionar melhores
resultados escolares a seus filhos.
10896
Família e o Processo de Escolarização
O processo de escolarização dos participantes obtido através da análise dos
prontuários escolares mostrou que todos haviam sofrido reprovação, pelo menos uma vez,
em sua trajetória escolar. No entanto, alguns participantes não perceberam que haviam
reprovado devido ao processo de ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos.
Essa transposição de série teve, para alguns, efeito positivo, pois para eles não
terem sido “reprovado” se fez muito importante, pois são vistos como bons alunos diante
de seus pais, amigos e professores. Reprovar para os participantes significa ser “burro”,
“não saber nada”, “indisciplinado”, “bagunceiro”, entre outros. Para eles, o bom aluno é
aquele que fica quieto, faz as tarefas, obedece a professora e consegue passar de ano.
Os pais ou responsáveis pelas crianças afirmam, em sua maioria, que elas
reprovavam por não ter um acompanhamento em casa, pois eles não têm tempo, tampouco
conhecimento para auxiliá-los nos estudos. Destacam, ainda, que não tem ninguém na
família que possa ajudá-los nos afazeres escolares, tampouco recursos para pagar um
professor particular para suprir as dificuldades encontradas e, como forma de minimizar os
problemas decorrentes da não aprendizagem, exigem que seus filhos sejam comportados e
façam o que o professor mandar. Esta parece ser a maneira que encontraram para que seus
filhos permaneçam com sucesso na escola.
Segundo Glória (2003), o envolvimento do sujeito com a escola e a perspectiva de
torná-lo um “bom aluno” parece não se concretizar senão com o envolvimento da família
no processo educacional. Esse fato, segundo a autora, evidencia-se quanto mais
desfavorecidas forem as classes sociais, pois as mesmas não investem com clareza na
educação escolar de seus filhos, tampouco tem como auxiliar e proporcionar investimentos
devido a ausência ou a insuficiência de capital cultural familiar para se transformar em
capital escolar.
Ao investigar a relação de difusão do conhecimento e da cultura entre pais e filhos,
foi possível verificar um distanciamento na família. De modo geral, devido ao tipo de
trabalho e formação dos pais, constatou-se que eles se fazem pouco presente no cotidiano
de seus filhos, deixando de lado as práticas culturais como conversações, desenvolvimento
de programas e passeios e supervisão dos estudos de seus filhos.
Este dado parece evidenciar o que a escola tem chamado de “pais omissos”.
Segundo Lahire (1995), os discursos sobre a omissão dos pais são emitidos pelos
10897
professores, pois os pais não são “vistos” e essa invisibilidade tende a ser interpretada,
principalmente quando a criança está com dificuldade escolar, como uma indiferença com
relação a assuntos de escola e da escolaridade da criança.
No entanto, foi possível perceber que as famílias atribuem um papel muito
importante para a escola, pois acreditam que a ascensão escolar poderá possibilitar um
lugar no mercado de trabalho e, consequentemente, melhores condições de vida. Dessa
maneira, elas tendem a investir dentro das possibilidades possíveis, bem como utilizar de
estratégias que nem sempre são rentáveis, principalmente, por não terem familiaridade com
a linguagem e a cultura da escola.
Identificou-se, também, que materiais disponíveis nas residências tem ajudado no
desenvolvimento escolar. Todos foram unânimes em dizer que os próprios livros didáticos
se constituem na base de consulta e de estudo, pois na maioria das casas dos participantes
não existem revistas, jornais, livros, enciclopédias ou qualquer outro material para
consulta, como verificou-se que os mesmos não desenvolveram o hábito de leitura.
Buscou-se conhecer, ainda, como o computador influenciava o processo de
escolarização dos participantes. Verificou-se que apenas uma família utiliza a internet
como recurso de consulta para realização dos trabalhos escolares, apesar de seu crescente
uso pelos jovens. Os participantes afirmam que utilizam o computador na escola de
maneira restrita e, esporadicamente, eles vão a uma Lan House para jogar.
Conforme Zago (2000 apud GARCIA, 2006), a instabilidade, a inconstância e a
precariedade nas condições de vida têm um peso importante sobre o percurso e as formas
de investimento escolar, evidenciando que as relações entre as condições sócio-econômicas
e culturais das famílias e os resultados escolares dos filhos são de natureza complexa.
Trajetória Escolar e o Programa Cultura Viva
De acordo com os pais ou responsáveis, a participação no “Programa Cultura Viva”
se deu por dois motivos, sendo um caracterizado pela dificuldade de aprendizagem dos
alunos e o outro como proposta para os alunos receberem bolsas do Governo.
Para compreender como o “Programa Cultura Viva” poderia, ou não, contribuir
com o desenvolvimento escolar de seus participantes, tendo em vista as atividades
oferecidas no desenvolvimento do mesmo, foi verificado como os sujeitos percebiam sua
trajetória escolar antes e depois do “Programa Cultura Viva”.
10898
Para a maioria dos participantes a escola, antes do “Cultura Viva”, era difícil. Eles,
em sua maioria, não se consideravam bom aluno, por não cumprir com as tarefas,
conversar muito, não prestar atenção e ir mal nas provas.
Quando questionados sobre o que faziam no projeto, a maioria destacou que era só
diversão, pois só brincava, jogava, fazia atividades desportivas e artesanato, aprendiam a
cantar, tocar um instrumento musical e dançar. Essas atividades, para eles, não contribuíam
para o desenvolvimento na escola. No entanto, todos admitiram que ao iniciar no programa
começaram a melhorar seu comportamento e atenção na sala de aula.
A brincadeira, os jogos, as músicas, artesanatos, entre as outras atividades são
vistos por eles apenas como diversão, desconhecendo como essas atividades tendem a
contribuir para o desenvolvimento escolar como reposição de capital cultural.
No entanto, a acumulação de capital cultural, segundo Boudieu (1998b) exige uma
incorporação que custa tempo, que deve ser investido pelo investidor. Assim, o capital
cultural torna-se propriedade do indivíduo e integra a pessoa, é o ter que se torna ser.
Quando questionados sobre o desempenho escolar após a participação no programa,
em meio a contradições e antagonismos, eles começam a perceber que os elementos que
não julgavam essenciais ao desenvolvimento escolar estavam, de certa maneira, fazendo
com que pudessem continuar a estudar com sucesso. As falas foram se alterando no
decorrer das entrevistas, evidenciando que o “Cultura Viva” foi ajudando os mesmos a
melhorar o rendimento escolar, desde o comportamento, passando pelo processo de
interação social, até a aprovação na série.
Demonstraram que as aulas de reforço têm contribuído com a aprendizagem
escolar, pois a professora explica com calma e desenvolve atividades lúdicas, dando
suporte ao ensino e, às vezes, retomando conteúdos anteriores para ensinar conteúdos
atuais.
Nesse contexto, o “Programa Cultura Viva” teve uma significativa avaliação tanto
para as crianças que participaram quanto para os responsáveis que viram o progresso de
seus filhos através do desempenho escolar. Contudo, não tinham clareza em que ou como o
programa havia contribuído para o êxito escolar.
Segundo Bourdieu (1998a), o sistema de ensino espera recrutar educandos que
satisfaçam às exigências que ele pressupõe, sem exigí-lo explicitamente e sem transmití-lo
metodicamente.
10899
Nesse contexto, parece que o programa tem assistido aos seus participantes para
que os mesmos possam ascender entre as séries escolares, pois para Charlot (2000), não
existe fracasso escolar, mas, sim, situações que levam ao fracasso, principalmente quando
se trata da camada popular.
Considerações Finais
A presente pesquisa pretendeu analisar como os alunos dos primeiros anos do
ensino fundamental da rede municipal de ensino de Corumbá-MS avaliam o “Programa
Cultura Viva” no enfrentamento do fracasso escolar.
Os participantes deste estudo são oriundos da camada popular, os pais, em sua
maioria, têm baixa escolaridade e desenvolve atividades profissionais esporádicas e
braçais, fato que parece sinalizar com a dificuldade dos mesmos no acompanhamento
escolar de seus filhos.
No entanto, foi possível perceber que os pais, por acreditar que a ascensão escolar é
elemento essencial para a inserção no mercado de trabalho para melhores condições de
vida, se tornam presentes no processo de escolarização de seus filhos, não deixando que os
mesmos faltem nas aulas, tampouco deixem de obedecer aos professores. Encaminhando
seus filhos ao “Programa Cultura Viva” na tentativa de seus filhos obterem êxito escolar.
O referido programa possibilitou aos participantes desse estudo um espaço de
interação junto aos meios de cultura com atividades diversas como artesanato com argila,
música, canto, esporte, artes e atividades de acompanhamento escolar. Essas atividades
tiveram grande aproveitamento na vida escolar desses participantes, sendo apreendidos e
aproveitados dentro do espaço escolar, levando os alunos do suposto fracasso ao êxito
escolar, por meio de reposição do capital cultural.
Dessa maneira, o programa a passa ser visto pelos participantes, em meio às
contradições e antagonismos, como um local que subsidia e promove rentabilidade escolar
necessária à ascensão dos mesmos.
Nesse contexto, vale empreender novos estudos para verificar como os professores
avaliam tal programa na vida de seus alunos, bem como empreender novos estudos que
busquem os alunos que transferiram de escola e/ou desistiram do programa.
10900
Referências
BOURDIEU, P. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e a cultura In:
CATANI A.; NOGUEIRA, M. A. (Orgs.). Escritos de educação. 8. ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1998a, p. 39-64. (Ciências Sociais da Educação).
______. Os três estados do capital cultural. In: CATANI A.; NOGUEIRA, M. A. (Orgs.).
Escritos de educação. 8. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998b, p.71-79. (Ciências Sociais da
Educação).
BRASIL. Ministério da Cultura. Programa Cultura Viva. Brasília: MIC, 2005.
CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes
Médicas, 2000.
COLLARES, C. A. L. Ajudando a desmistificar o Fracasso Escolar. Toda Criança é Capaz
de Aprender? Séries Idéias, n.6. São Paulo: FDE, p. 24-28, 1992.
COLLARES, C. A. L. O cotidiano patologizado: Espaço de preconceitos e práticas
cristalizadas. 1994 (Tese de livre-docência) – Faculdade de Educação da Universidade de
Campinas, Campinas, 1994.
FONTANA, S. Escola pública paulista: local que não reprova e nem ensina?. 2000.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Campus Marília, Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho, Marília, 2000.
GARCIA, E. S. Fracasso Escolar: um estudo das produções brasileiras, do período de
1974 a 2003, através do Banco de Dados de Dissertações e Teses da Associação Nacional
de Pesquisadores em Educação (ANPED) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Ensino Superior (CAPES). Araraquara: UNESP, 2004. 42 p. (mimeo).
GARCIA, E. S. Trajetória escolar de ex-alunos de classes especiais para deficientes
mentais. 2006. 181 f. Tese (Doutorado em Educação Escolar) - Faculdade de Ciências e
Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2006.
GLORIA, D. M. A. A “escola dos que passam sem saber” a prática da não-retenção escolar
na narrativa de alunos e familiares. Revista Brasileira de Educação, São Paulo,
Jan/Fev/Mar/Abr, n. 22, p. 61-76, 2003.
LAHIRE, B. Sucesso escolar nos meios populares: as razões do improvável. São Paulo:
Ed. Ática, 2004.
MAIOLINO, E. V. S. Programa de aceleração de aprendizagem como política pública
educacional. 2002. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro de Ciências Humanas e
Sociais, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2002.
MELLO, F. C. M. Um estudo das representações sobre o fracasso escolar em
professores da escola plural. 2001. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade
Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2001.
10901
MONTEIRO, M. I. Práticas Alfabetizadoras: contradições produzindo sucesso e fracasso
escolar. Araraquara: JM, 2002.
SAMPAIO, M. M. F. Um gosto amargo de escola: relações entre currículo, ensino e
fracasso escolar. EDUC/FAPESP - São Paulo, 1998.
SANCHES C. L. C.. Recuperação: um caminho para pensar a ação pedagógica. 1995.
128 f. Dissertação (Mestrado em Educação – Supervisão e Currículo) – Pontifícia Católica
de São Paulo, São Paulo, 1995.
Download

o programa cultura viva no enfrentamento do fracasso