CUSTO DE PRODUÇÃO DO LEITE DE CABRA NO CONTEXTO DA AGRICULTURA FAMILIAR ARTUR JOSÉ CABRAL Dissertação apresentada ao Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, como parte das exigências para obtenção do título de Mestre em Produção Animal. Orientador: Prof. Ricardo Augusto Mendonça Vieira CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ OUTUBRO -2006 CUSTO DE PRODUÇÃO DO LEITE DE CABRA NO CONTEXTO DA AGRICULTURA FAMILIAR ARTUR JOSÉ CABRAL Dissertação apresentada ao Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, como parte das exigências para obtenção do título de Mestre em Produção Animal. Aprovada em: 27 de outubro de 2006 Comissão Examinadora: Prof. Marcelo Teixeira Rodrigues (Ph.D., Ciência Leiteira) – UFV Prof. Alberto Magno Fernandes (D.Sc., Zootecnia) – UENF Co-Orientador Prof. Paulo Marcelo de Souza (D. Sc., Economia) – UENF Co-Orientador Prof. Ricardo Augusto Mendonça Vieira (D.Sc., Zootecnia) - UENF Orientador À minha esposa e sempre companheira Hildeliza Às minhas filhas Vívian, Rachel e Liz Aos meus pais Izabel e Antônio Dedico ii AGRADECIMENTOS A Deus, que é Aquele que traz à existência a possibilidade de concretização de nossos ideais. À minha família, pelas lutas que juntos passamos, especialmente pela compreensão e esforços empreendidos durante a realização deste trabalho. À Ieda, que sempre se envolveu, acompanhando o desenvolver de cada etapa desse processo. À Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, pelo legado de conhecimentos indispensáveis ao desempenho de minhas atividades profissionais. À Universidade Estadual Norte Fluminense Darcy Ribeiro, pela oportunidade de realização deste curso e pela concessão da bolsa que contribuiu para viabilizá-lo. Ao Professor Ricardo Augusto Mendonça Vieira, por sua dedicação, paciência, companheirismo, diligência e amizade com que sempre me recebeu. Ao Professor Alberto Magno Fernandes, por suas positivas contribuições, não somente nos assuntos pertinentes a este trabalho, mas às discussões que muito enriqueceram o meu saber. Ao Professor Paulo Marcelo de Souza, pelos ensinamentos ministrados e pela imprescindível colaboração quanto aos cálculos de custo deste trabalho. iii Ao Professor Marcelo Teixeira Rodrigues, pelas sugestões enriquecedoras. Aos Professores do LZNA, pelos ensinamentos. Às secretárias da PGA Etiene, Jovana e Elenita, pela atenção dispensada e presteza no atendimento às situações que delas dependeram durante o curso. Às funcionárias da Biblioteca, Conceição, Vângela, Paloma e Luciane. Ao Adolfo, Felipe e Maurício, pelo apoio, receptividade e companheirismo, que mais do que colegas, tornaram-se verdadeiros amigos. Aos colegas da “república”, Ferolla, Robson, Victor, André e Pedro, que me receberam com satisfação e liberalidade. Aos colegas Edizio, Saulo, Fabinho, Patrícia, Vítor, Tiago, Alberto, Érico, Emanoel, Marcelo, Hélio, Rogério e Brunoro, pelo convívio. À família proprietária do Cabril Caminho do Ouro, Sr. Antonio Carlos, Dilene, Juninho, Sr. Célio, Sra. Mariinha e Conceição, pelo carinho, consideração e especial acolhida, que abriram as portas de seu empreendimento e de seu lar, para que este trabalho pudesse ser realizado com êxito. À família proprietária do Cabril Cantinho da Roça, Sr. Mauro, Sra. Marli, Maycon, Mayron, Sr. Genoíno e Sra. Maura, que, com igual hospitalidade, receberam-me, franqueando suas instalações e residência com amor e receptividade, proporcionando bom andamento da coleta de dados que fundamentou este trabalho. iv BIOGRAFIA ARTUR JOSÉ CABRAL, filho de Antonio Cabral e Izabel Martins da Costa Cabral, nasceu na cidade de Itaperuna, RJ, em 22 de abril de 1962. Em abril de 1981 iniciou o curso de graduação em Medicina Veterinária na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, graduando-se em 25 de agosto de 1985. Desenvolve suas atividades profissionais, desde então, principalmente em rebanhos bovino e caprino leiteiros. Foi admitido em março de 2004 no Curso de Pós-graduação em Produção Animal, em nível de Mestrado, com concentração na área de Nutrição e Produção Aniimal, na Linha de Pesquisas em Nutrição e Produção de Ruminantes e Forragicultura e Pastagens, do Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), em Campos dos Goytacazes, RJ. Submetendo-se à defesa de dissertação para conclusão do curso em 29 de setembro de 2006. v CONTEÚDO Página RESUMO ......................................................................................................... viii ABSTRACT ...................................................................................................... x 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 1 2. REVISÃO DE LITERATURA ....................................................................... 6 2.1. Histórico ............................................................................................... 7 2.2. A Caprinocultura no mundo .................................................................. 9 2.3. A Caprinocultura no Brasil .................................................................... 12 2.3.1. Sistemas de produção de caprinos leiteiros ............................... 13 2.3.2. Aspectos econômicos da caprinocultura leiteira ......................... 15 2.4. A caprinocultura leiteira no contexto da agricultura familiar ................. 19 3. MATERIAL E MÉTODOS ............................................................................ 27 3.1. Descrição dos sistemas de produção .................................................. 28 3.1.1. Rotina de funcionamento do cabril C1 ........................................ 28 3.1.2. Rotina de funcionamento do cabril C2 ........................................ 29 3.2. Índices zootécnicos e coeficientes técnicos da atividade .................... 31 3.3. Análise econômica das unidades de produção familiares ................... 32 3.3.1. Viabilidade econômica e testes de sensibilidade ........................ 35 vi 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................... 36 4.1. Realidade das unidades de produção familiares ................................. 38 4.1.1. Cabril C1 ..................................................................................... 38 4.1.2. Cabril C2 ..................................................................................... 40 4.2. Índices zootécnicos .............................................................................. 43 4.3. Emprego da mão-de-obra .................................................................... 46 4.4. Análise econômica e de rentabilidade das atividades leiteiras ............ 50 4.5. Dificuldades relativas à criação de caprinos leiteiros ........................... 59 4.6. Indicadores de viabilidade .................................................................... 62 5. CONCLUSÕES ............................................................................................ 66 6. RECOMENDAÇÕES ................................................................................... 67 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 69 vii RESUMO CABRAL, Artur José, M.Sc., Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro; setembro de 2006; Custo de produção do leite de cabra no contexto da agricultura familiar. Professor Orientador: Ricardo Augusto Mendonça Vieira. Professores Conselheiros: Alberto Magno Fernandes e Paulo Marcelo de Souza. Foram realizadas coletas de dados em dois cabris pertencentes, respectivamente, a duas propriedades com perfil de agricultura familiar, localizadas no município de Porciúncula, região noroeste do Estado do Rio de Janeiro, entre agosto de 2004 e julho de 2005, com o intuito de estimar os itens que compõem os custos e as receitas da caprinocultura leiteira enquanto negócio, segundo o modelo de produção familiar. Para tanto, foram computados os tempos de execução das tarefas cotidianas pelos membros da família, inclusive para a mão-de-obra contratada, em cada um dos cabris, denominados de C1 e C2. A família proprietária de C1 obtinha a maior parte de sua renda fora da propriedade, ao passo que a família detentora de C2 dependia, exclusivamente, da propriedade para auferir renda. A produção leiteira obtida ao final do período inventariado foi de 11.743 L para C1, ao custo total aproximado de R$ 1,50/L de leite produzido. O volume de leite comercializado em C2 foi de 14.926L, produzidos ao custo unitário total aproximado de R$ 0,72/L. O Cabril C1 apresentou custo de produção superior ao preço unitário do leite pago pela associação de produtores (R$ 0,95/L), porém, este produtor viii ainda conseguiu produzir com margem bruta positiva; C2 obteve lucro de R$ 0,32 por litro de leite comercializado. Os coeficientes técnicos de eficiência foram obtidos pelo quociente entre o total do fator de produção empregado e o volume total de leite produzido em cada cabril. Desta forma, coube destaque para a eficiência de uso da mão-de-obra contratada entre os cabris (0,03108 dH/L para C1 e zero para C2) e para a utilização de concentrados em C1(0,60291 kg/L) e em C2 (0,27871 kg/L). Outro coeficiente técnico estimado foi o maior desembolso direto efetuado pela família detentora de C1 para produção equivalente em volume de produto (0,86182 R$/L), ao passo que o custo operacional efetivo por litro de leite produzido em C2 foi de, apenas, 0,21083 R$/L. Foram realizados cálculos por meio de simulação com base no fluxo de caixa do período de coleta de dados, projetando-se o mesmo fluxo de caixa para quatro anos subsequentes, a fim de se efetuar testes para verificação da viabilidade econômica do empreendimento superavitário em C2. Neste sentido, foram estimados o valor presente líquido (VPL) e a taxa interna de retorno (TIR) nesta situação, quando o VPL estimado foi de R$ 20.721,02 e a TIR de 48,62%. Estes resultados permitiram estimar a viabilidade econômica da caprinocultura leiteira praticada segundo o modelo de produção familiar. A aplicação do teste de sensibilidade permitiu demonstrar a robustez do empreendimento, pois, mesmo imputando-se aumentos acumulativos de 7% sobre todos os custos de produção, o VPL estimado foi de R$ 14.335,81, com uma TIR de 39,30% ao ano. Concluiu-se pela viabilidade econômica da caprinocultura leiteira desenvolvida segundo o modelo familiar de produção. ix ABSTRACT CABRAL, Artur José, M.Sc., Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro; October, 2006; Production cost of goat milk within the household agriculture context. Adviser: Ricardo Augusto Mendonça Vieira. Committee members: Alberto Magno Fernandes e Paulo Marcelo de Souza. Data collections were taken in two dairy goat enterprises belonging, respectively, to two farms within the household agriculture profile, situated in the county of Porciúncula, northwestern region of the State of Rio de Janeiro, form Augusto, 2004 to July, 2005, with the aim of estimating items that compose costs and revenues of the dairy goat husbandry as a business enterprise carried out according to the household production model. To this were computed the expended times of each family membership necessary to perform daily tasks, including wages, on both goat farms named C1 and C2. The family owner of C1 derives their income out the farm, instead of the family owner of C2 whose income depended, exclusively, on farm activities. The milk production obtained at the survey period end for C1 was 11,743 L, with an approximate cost of R$ 1.50/L of milk produced. The amount of milk marketed form C2 was 14,926 L produced with an approximate unitary total cost of R$ 0.72/L. The goat farm C1 presented a production cost superior to the unitary milk price paid by the goat keepers association (R$ 0.95/L), however, this farmer still produced with a positive gross margin; C2 earned a R$ 0.32 profit per liter of milk sold. The x technical efficiency coefficients were obtained by the quotient between the total amount of a production factor employed to the total volume of milk produced on each enterprise. Henceforth, deserves mention the efficiency by the use of wage labor between goat farms (0,03108 day × man/L for C1 and zero for C2) and the concentrate consumption by C1 (0,60291 kg/L) and by C2 (0,27871 kg/L). Another technical coefficient estimated was the greater direct expenses by the family owner of C1 for producing an equivalent product volume (0,86182 R$/L), while the effective operational cost per liter of milk produced on C2 was only 0,21083 R$/L. Calculations were performed by means of simulation based on measured cash flow of the data collection period and projecting the same cash flow to four subsequent years, in order to apply tests to verify the economical viability of the feasible dairy goat husbandry C2. In this sense, were both estimated the net present value (NPV) and the internal rate of return (irr) on this situation, when the estimated NPV was R$ 20,721.02 and an irr of 48.62%. These results allowed estimating the economical viability of the dairy goat husbandry performed according to the household model. The applications of the sensitivity tests allowed demonstrating the strength of such an enterprise because, even ascribing yearly cumulative increases of 7% over all production costs, the resulting net present value estimated was R$ 14,335.81, with an irr of 39.30% per year. It was concluded that the dairy goat husbandry developed according to the household production model was economically feasible. xi 12 1. INTRODUÇÃO Estima-se que o agronegócio represente mais de 30% do produto interno bruto (PIB) brasileiro. Tal participação resulta das atividades primárias em si (agricultura, 6,2%; pecuária 4,1%) e demais contribuições dos setores de insumos agropecuários (2,2%), da agroindústria (10,4%) e de distribuição (11,0%). A cadeia que o compõe ocupa, diretamente, 24% da população economicamente ativa (PEA) e é o segmento que mais tem contribuído para a formação de saldos positivos da balança comercial, por participar com mais de 40% das exportações. Se comparado, por exemplo, ao setor da construção civil, grande absorvedor de mão-de-obra por empregar 7% da PEA, demonstra-se, irrefutavelmente, a importância social e econômica do agronegócio para o país. O setor gera riquezas que alimentam a economia como um todo e promove a melhoria da qualidade de vida, principalmente nas médias e pequenas cidades brasileiras (Gasques et al., 2004). O maior desafio, porém, é o de promover o desenvolvimento, e não apenas o crescimento, das regiões rurais do país, por meio da criação de oportunidades no campo capazes de ampliar as perspectivas de suas populações. Os jovens do meio rural têm aspirações em manter-se nas atividades de seus antecessores, entretanto, o êxodo rural para as grandes cidades brasileiras ainda persiste, mesmo com o baixo custo de oportunidade da mão-de-obra liberada, decorrente da baixa escolaridade (menos de quatro anos) da maioria dos rapazes e moças. É preciso reconhecer as potencialidades do meio rural e identificar vocações regionais para o 13 atendimento à demanda por gêneros diferenciados, para suprir mercados específicos e segmentados com produtos de qualidade e, assim, estabelecer relações dinâmicas entre estas comunidades rurais e as grandes cidades, com seus concorridos mercados consumidores (Abramovay, 2000; Silvestro et al., 2001). O leite é o primeiro alimento a satisfazer as necessidades nutricionais do ser humano durante sua primeira fase do ciclo vital. É um alimento nutritivo, natural e produzido em todo o mundo. A FAO o considera excelente fonte de energia, proteína, gordura, minerais, vitaminas e recomenda uma disponibilidade anual de 244 L per capita. O leite de cabra, em particular, mesmo ao considerar a enorme diferença entre as escalas de produção entre ele e o leite de vaca, é consumido por um maior número de pessoas nas comunidades rurais em todo o planeta do que o proveniente de qualquer outro mamífero doméstico. Além disso, tem sido indicado para pessoas idosas e crianças que apresentem algum tipo de rejeição ao leite de vaca (Haenlein, 2004). Existem relatos de vários autores sobre o fato de o leite de cabra apresentar menores glóbulos de gordura, maior proporção em ácidos graxos de cadeia curta e maiores poder tampão e alcalinidade, o que o torna mais digerível que o leite de vaca. O leite de cabra é freqüentemente utilizado quando crianças apresentam alergia ao leite de vaca ou ao leite de soja, e por uma série de razões nutricionalmente relevantes, o leite de cabra representa uma opção viável para o atendimento às exigências nutricionais de lactentes, crianças, jovens e adultos (Fisberg et al., 1999; Haenlein, 2001; 2004). Vários aspectos que lhe são peculiares o qualificam como um produto nobre e que pode ocupar nichos específicos de mercado, seja na forma de matéria-prima para a gastronomia, como alimento funcional e de valor terapêutico, o que justifica a constituição de estruturas organizadas para a sua produção (arranjos produtivos locais – APL – ou clusters), de forma a complementar a agroindústria leiteira convencional (Cordeiro, 2001; Haenlein, 2001; 2004). Na Europa, em países como a França, a Espanha, a Grécia e a Holanda, a caprinocultura leiteira encontra-se consolidada, com plantéis de raças especializadas responsáveis pela produção de leite e uma estrutura de cadeia produtiva totalmente organizada. Na Ásia e na África existem grandes rebanhos, porém as condições ambientais são menos favoráveis; empregam-se raças autóctones não especializadas em produção de leite, porém rústicas e que conseguem sobreviver e 14 produzir, ainda que marginalmente, em situações de elevada escassez de alimentos e de água. Na América Latina, em países como o Brasil, o México, a Argentina e o Chile, existem alguns exemplos em que a atividade se arranja em estrutura organizada de produção, industrialização, distribuição e mercado, com captações anuais que ultrapassam 500.000 L (Dubeuf et al., 2004). No Brasil, a caprinocultura leiteira especializada é desenvolvida em algumas bacias situadas nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste (Cordeiro, 2001). No estado do Rio de Janeiro encontra-se em fase de consolidação, algo semelhante a um APL para o agronegócio do leite de cabra, que abrange as regiões serrana e noroeste fluminenses, com ramificações para outras regiões do estado (centro e norte fluminenses) e boa parte da zona da mata de Minas Gerais. Nas regiões supracitadas, a caprinocultura deixou de ser uma atividade secundária e passou a constituir uma linha de negócio principal dentro da propriedade, com grande possibilidade de agregação de valor aos produtos e por representar potencial fonte de renda para a família rural. Contudo, o custo de produção do leite de cabra ainda é elevado, particularmente pelo desconhecimento dos criadores por recursos alimentares alternativos (inclusive os de que se dispõem na região), que poderiam ser utilizados para a redução dos custos de produção. Além disto, os mesmos fatores que contribuem para reduzir a competitividade da pecuária bovina, provavelmente também o fazem em relação à pecuária caprina, com o agravante da menor escala de produção apresentada pela caprinocultura leiteira regional. No Rio de Janeiro, pode-se considerar que o agronegócio do leite de cabra está implantado, com todos os agentes exercendo suas funções inerentes a cada elo desta cadeia. A indústria é um segmento de elevada importância econômica pela sua marcante participação na cadeia produtiva e pelas ligações que mantém com os demais elos e setores da economia. À medida que este setor se desenvolve, sua verticalização e sua especialização ampliam-se, com agregação de valor aos produtos elaborados. Neste processo evolutivo, cresce a disputa por mercados, o que exige mais eficiência e competitividade de todos os segmentos da cadeia para sobrevivência nesse ambiente. As vantagens comparativas provenientes da eficiência organizacional, das inovações tecnológicas e da qualidade dos produtos, representam o principal instrumento disponível para alcançar tal condição, e devem ser consideradas também no contexto da agricultura familiar. 15 A consolidação da caprinocultura leiteira tem sido dificultada pela falta de política para o setor enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades favoráveis ao seu desenvolvimento. O país tem hoje pouca competitividade no mercado internacional de produtos lácteos e dificuldades para suprir a atual demanda interna sem recorrer a contínuas importações, o que decorre de alguns aspectos: baixa qualidade do leite e derivados, altos custos, baixa escala de produção, assistência técnica e gerencial deficientes, elevado custo de transporte, regulamentação excessiva e obsoleta, importações não planejadas e subsidiadas na origem, assim como elevadas taxas de juros (Vilela et al., 1998). Em 2005, o país apresentou superávit na balança comercial de lácteos de leite de vaca, o que ainda não ocorreu em relação ao leite de cabra. A produção de leite de cabra pode gerar rendas e riquezas. Dentre as suas inúmeras vantagens, merece destaque o fato de que, em pequenas áreas, é possível desenvolvê-la de modo satisfatório, podendo o produtor auferir renda para o sustento de sua família. A estrutura fundiária do noroeste fluminense é formada por pequenas propriedades em sua maioria, o que pode favorecer a expansão do agronegócio caprino leiteiro e aumentar a participação do setor primário desta cadeia no PIB agropecuário regional. A agricultura familiar é um conceito que traz, em sua essência, a conjugação de importantes fatores intimamente relacionados ao aproveitamento dos recursos de que dispõe a família, quais sejam, o trabalho e os bens de produção. Não significa, necessariamente, que deva ser praticada em pequena escala. Trata-se de um conceito diverso de agricultura de subsistência, pois enquanto esta visa exclusivamente o consumo próprio, aquela almeja obter produto para ser vendido a fim de obter lucro e, com este, satisfazer as demais necessidades das pessoas envolvidas no processo produtivo. A caprinocultura leiteira pode ser uma atividade geradora de emprego e renda para a família rural e, quando inserida no contexto da agricultura familiar, pode, ainda, aumentar a inclusão social no campo de forma sustentável. O fato dessa atividade poder ser conduzida em pequenas áreas de forma intensiva, permite à família obter volume de leite cuja venda proporcione renda suficiente para conquistar as condições de vida que almeja. A venda de animais excedentes torna o negócio ainda mais atraente, pois se constitui em outra importante fonte de renda, principalmente quando se trata de rebanho de alto valor genético. Há que se 16 destacar, ainda, dois fatores que têm concorrido para o progresso da caprinocultura leiteira nas regiões fluminenses citadas, que são a compra com regularidade do leite pela indústria e o uso de técnicas de manejo reprodutivo para atenuar os efeitos da sazonalidade e assegurar maior uniformidade à oferta de leite. Contudo, o que se percebe é que o amadorismo ainda parece dominar o meio criatório, pelo fato de a maioria dos caprinocultores desconhecerem a natureza dos caprinos, suas necessidades em manejo, instalações e alimentação que lhes são peculiares, bem como de sua higiene e manejo profilático necessários à manutenção da saúde do rebanho e à obtenção de leite com qualidade. Todavia, existem caprinocultores de sucesso, que acumularam saber zootécnico ao longo dos anos em que conduziram seus empreendimentos; e alguns exemplos podem ser encontrados no contexto da agricultura familiar. É preciso, então, caracterizar tais empreendimentos, entendê-los e demonstrar aos setores público e privado sua viabilidade técnica e econômica, para que os mesmos sejam considerados modelos a serem seguidos por outros agricultores familiares. Com o devido apoio do Estado para a consolidação de arranjos produtivos locais, tais unidades-referência podem ser consideradas paradigmas para a consecução deste fim, e viabilizar a transformação da realidade de falta de perspectivas, de pobreza e de exclusão, em um novo modelo de desenvolvimento sustentável no campo. O objetivo do presente trabalho foi o levantamento pormenorizado do custo de produção, acompanhado de análise econômica da caprinocultura leiteira inserida no modelo de produção familiar, em duas pequenas propriedades localizadas no município de Porciúncula, região noroeste fluminense. Foram detalhados índices zootécnicos e de eficiência técnica, além de todos os itens que afetam o custo de produção do leite de cabra, com o intuito de apurar os componentes mais representativos do custo total. Estas informações poderão servir como subsídios à orientação dos caprinocultores em buscar aumento de eficiência e lucratividade para a caprinocultura leiteira praticada por agricultores familiares. 17 2. REVISÃO DE LITERATURA Alguns trabalhos sobre caprinos encontrados na literatura nacional e internacional destacam a importância da espécie para a segurança alimentar das populações, particularmente daquelas existentes em regiões de menor disponibilidade em recursos alimentares, ou seja, áreas reconhecidamente de menor potencial produtivo (Gall, 1981; Johnson et al., 1986; Devendra, 1987; Van Soest, 1987; Figueiredo, 1990; Ribeiro, 1997; Morand-Fehr e Boyazoglu, 1999). No Brasil, os produtos oriundos dessa atividade são, em ordem de importância, a carne, a pele e o leite; o maior efetivo caprino é destinado ao corte, apesar de existir rebanhos especializados em produção leiteira nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul, com poucos exemplos nas demais regiões do país (Figueiredo, 1990; Ribeiro, 1997; Cordeiro, 2001). Nos últimos trinta anos, o rebanho caprino apresentou maiores taxas de crescimento que as demais espécies de animais domésticos (Morand-Fehr e Boyazoglu, 1999; FAO, 2003). Contudo, ainda é a atividade pecuária que, apesar de presente em todos os continentes, recebe menor suporte de políticas públicas e menor interesse acadêmico se comparada à bovinocultura, à avicultura, à suinocultura e à eqüideocultura. Oculta por estatísticas não verossímeis, a importância econômica da caprinocultura para os países subdesenvolvidos e aqueles em vias de desenvolvimento é, em geral, negligenciada (Dubeuf et al., 2004). No Brasil, este cenário vem sofrendo pressões com base em novos paradigmas de desenvolvimento, que se orientam para o estabelecimento de 18 arranjos produtivos locais, tanto no caso da caprinocultura leiteira (Cordeiro, 2001), como no caso da caprinocultura de corte, normalmente associada à ovinocultura e reunidas no termo geral ovinocaprinocultura (Silva, 2002). O objetivo desta revisão foi o de discutir o referencial teórico acerca da situação da caprinocultura no mundo, onde o leite caprino apresenta relevância, seja para a segurança alimentar ou como produto gerador de riquezas. Objetivou-se também destacar as características da caprinocultura leiteira no Brasil, bem como a sua viabilidade enquanto atividade capaz de melhorar a qualidade de vida da família rural. 2.1. Histórico A cabra acompanha a humanidade há milênios, desde os primórdios da civilização. Relatos de tempos remotos, e contemporâneos, figuram-na entre seus ritos religiosos, mitos e lendas. Sua domesticação, porém, talvez tenha sido mais motivada pelo seu valor como provedora de alimento e de garantia de riquezas: "Procura conhecer o estado de teus rebanhos; põe o teu coração sobre o gado, porque os tesouros não durarão para sempre... E haverá fartura em leite de cabras para o teu sustento, para o sustento da tua casa e dos teus servos." Provérbios, 27: 23 e seguintes. Existe mais de uma centena de citações em que os caprinos compartilham cenas da história e mitologia do povo Hebreu. Os povos das ilhas e da costa ocidental do mar Egeu também a cultuaram em sua mitologia. Zeus, em gratidão a Amaltéia, a cabra que lhe provera leite durante a infância e que mais tarde, a sua pele miraculosa o protegera na guerra contra os titãs, fixou sua imagem no firmamento na forma da constelação de capricórnio (Hatziminaoglou e Boyazoglu, 2004). Ironicamente, ao longo dos séculos, a cabra também tornou-se parceira estratégica para o sustento dos seres humanos que habitam as terras delimitadas por este trópico e o trópico de Câncer, particularmente nas regiões menos desenvolvidas e densamente povoadas. 19 A cabra, além de integrar sua mitologia, provavelmente foi o primeiro animal domesticado pelo homem também com o intuito de prover-lhe alimento, vestes e, inclusive, tração. O domínio da agricultura e a domesticação dos animais formaram o marco revolucionário que ocorreu no período neolítico, e possibilitaram a construção de nossa civilização pautada no trabalho e na previdência. As evidências mais remotas desta simbiose entre a cabra e a humanidade, descobertas a partir de fragmentos fósseis encontrados no Irã, remontam a um passado de 10 milênios (Domingues, 1968; Hatziminaoglou e Boyazoglu, 2004). A inclusão do leite de cabra na alimentação humana parece ser tão remota quanto a domesticação da espécie. O apreço dos antigos Egípcios pelo sabor do queijo feito com o leite de cabra e a crença em suas propriedades como alimento funcional para a cura de doenças, capaz de retardar o envelhecimento e como afrodisíaco, o fizeram importante componente em suas dietas. Há 3.300 anos, o faraó Tutancamon ordenou que sua tumba contivesse 22 tubos com queijo de leite de cabra, para que o revigorasse durante a sua jornada para o outro mundo, e para dar de tributo aos deuses quando lá chegasse. Na Odisséia, Homero descreveu a confecção de queijo pelo ciclope Polifemo, o mesmo que aprisionou Ulisses e seus homens; a prática descrita em muito se assemelha à preparação do queijo tipo Feta, produzido por pastores de cabras nas montanhas gregas da atualidade. Alguns povos do Oriente Médio, do norte da África e do sudoeste da Ásia praticam a caprinocultura como uma tradição tão antiga quanto a sua própria história escrita (Johnson et al., 1986; Fisberg et al., 1999; Hatziminaoglou e Boyazoglu, 2004). Haenlein, em 1992 (citado por Knights e Garcia, 1997), destacou algumas das razões e evidências que dão suporte ao uso em potencial do leite de cabra na nutrição humana: a) O leite de vaca pode ser a principal causa de cólicas em lactentes que o consomem diretamente, ou quando as mães que os amamentam também o consomem, por induzir intolerância pelo bebê ao leite, após períodos que variam de seis meses a um ano; b) A grande maioria dos lactentes alérgica às proteínas do leite de vaca pode ser alimentada com leite de cabra; c) Em um estudo de casos, a maioria dos pacientes com asma, cuja causa foi associada à alergia pelo leite de vaca, tornou-se assintomática seis semanas após a substituição pelo leite de cabra; 20 d) De 20 a 50% dos bebês que apresentam intolerância às proteínas do leite de vaca são também avessos às proteínas da soja; e) A caseína do leite de cabra difere na composição em aminoácidos e é mais digestível que a caseína do leite de vaca; f) O leite de cabra é mais rico nos ácidos cáprico e caprílico e em outros ácidos graxos de cadeia média, cuja ingestão reduz problemas associados à má absorção de nutrientes. As vantagens nutricionais dos ácidos graxos de cadeia média não têm sido exploradas pelos pesquisadores da área. Tais estudos podem revelar peculiaridades do leite de cabra como um alimento nobre e diferenciado, o que pode incluí-lo na lista crescente de alimentos funcionais e desempenhar papel cada vez mais importante na nutrição e medicina humanas, e assim, justificar o desenvolvimento de cadeias produtivas voltadas para a sua produção, industrialização e comercialização (Knights e Garcia, 1997; Haenlein, 2001). O fato é que a simbiose entre a humanidade e a espécie caprina foi tão profícua que, apesar da acelerada mudança no modo de vida dos seres humanos nos últimos duzentos anos, o rebanho caprino ainda é estratégico para a segurança alimentar para mais de um bilhão de pessoas que habitam comunidades rurais e periurbanas em todo o planeta. Graças a sua natureza, a cabra é o único animal doméstico capaz de sobreviver e produzir em ambientes onde os demais segmentos pecuários tornam-se inviáveis ou, até mesmo, impraticáveis. E o seu leite também é valioso como alimento funcional, dietético, terapêutico e de interesse gastronômico. 2.2. A caprinocultura no mundo Segundo Cordeiro (2001), o USDA (United States Department of Agriculture) considera que o leite de cabra é consumido por um maior número de pessoas no mundo do que o de qualquer outra espécie de mamífero doméstico, particularmente por aquelas residentes na Ásia, África e outras regiões em desenvolvimento com elevada densidade demográfica, onde a caprinocultura é exercida para a subsistência, conforme também se depreende de Gall (1981) e de Haenlein (2004). Esta assertiva pode ser facilmente constatada, uma vez que, do total de caprinos existentes no mundo (Tabela 1), mais de 95% são constituídos pelos efetivos dos rebanhos de países menos desenvolvidos. O efetivo mundial caprino, porém, já figura em terceiro lugar entre os mamíferos domésticos: bovinos, ovinos, 21 caprinos, suínos e bubalinos (Johnson et al., 1986; Morand-Fehr e Boyazoglu, 1999). No final do século XIX e durante a primeira parte do século XX, os rebanhos caprinos diminuíram drasticamente em muitos países, em função da industrialização da agricultura, do desenvolvimento da bovinocultura e da ovinocultura especializadas e pela equivocada idéia de que os caprinos, devido aos seus hábitos de pastejo, promoveriam devastação e desertificação de habitats. Contudo, esta tendência se reverteu na segunda metade do século XX e, particularmente em suas duas últimas décadas, foi o rebanho que apresentou maior crescimento no número de animais dentre as referidas espécies, cujos aumentos porcentuais respectivos foram de 10, − 3 , 55, 15 e 30%. A mesma tendência ocorreu na produção mundial de leite, onde a espécie caprina é responsável pela terceira maior estatística em volume de leite produzido. Os incrementos na produção leiteira durante o mesmo período foram de 58% para os caprinos, 36% para os bubalinos, 14% para os bovinos e 2% para os ovinos (Haenlein, 2004; Morand-Fehr et al., 2004). No mesmo período, a população humana aumentou 33%, o que implicou aumento da demanda por alimentos, dentre os quais, há que se incluir o leite e seus derivados (Knights e Garcia, 1997; Haenlein, 2001). Tabela 1. Efetivo do rebanho caprino no mundo e em alguns países onde os produtos derivados da caprinocultura são relevantes economicamente País Mundo China Índia Paquistão Sudão Bangladesh Irã Indonésia Mali Brasil Turquia Grécia Espanha França Ucrânia Efetivo do Rebanho (cabeças) Produção de Leite (t) Produção de Queijo (t) 798.781.383 195.758.954 120.000.000 56.700.000 42.000.000 36.900.000 26.500.000 13.182.100 12.050.000 9.087.000 6.609.037 5.400.000 2.750.000 1.198.000 894.300 12.435.175 256.000 2.700.000 660.000 1.295.000 1.416.000 365.000 220.000 238.590 135.000 240.000 495.000 465.000 587.000 290.000 437.795 7.050 N/C N/C 35.000 N/C 45.716 N/C N/C N/C 60 48.000 37.500 80.500 6.250 N/C - não contabilizado. Fonte: FAO (2005). 22 Os caprinos tendem a se concentrar em regiões áridas e semi-áridas tropicais e subtropicais, de menor potencial agrícola, onde ocupam também terras à margem da agricultura praticada em escala. A correlação de − 0,77 entre o efetivo caprino per capta e a renda média da população fortalece o antigo dito popular de que "a cabra é a vaca do pobre", e parece corroborar um velho axioma proposto pelo Wall Street Journal, de que a pobreza e o efetivo caprino são positivamente correlacionados (Morand-Fehr e Boyazoglu, 1999; Haenlein, 2001). Curiosamente, a caprinocultura é uma atividade econômica de relevância para mais de uma dúzia de países e constitui-se de forma altamente organizada e concentrada nos países desenvolvidos da faixa mediterrânea européia (Knights e Garcia, 1997; Haenlein, 2001; Rancourt et al., 2006). O axioma do Wall Street Journal também não parece verossímil quando aspectos sociais, econômicos e ambientais, e não apenas contábeis, da caprinocultura e do leite de cabra, são considerados. Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que as estatísticas de produção e a forma e a disponibilidade de recursos empregados nos sistemas de produção variam entre os países e regiões (Haenlein, 2001; Dý rmundsson, 2006). O consumo doméstico e o comércio local são os principais destinos do leite e dos produtos originários da atividade nos países menos desenvolvidos, e estes valores não figuram entre as estimativas oficiais (Haines e Warren, 1986; Haenlein, 2004). A caprinocultura integra-se social e economicamente ao cotidiano dos países onde é exercida de duas formas básicas. A primeira reúne rebanhos caprinos numerosos e especializados, com o intuito de obter rentabilidade econômica, i.e., um negócio que produz riquezas, gera empregos diretos e indiretos, consome insumos, serviços especializados e demanda conhecimentos científicos e tecnológicos. Portanto, a atividade é praticada de forma comercial, como parte integrante do circuito de comércio e da economia de escala, e ocorre, em sua maioria, em países desenvolvidos. Os rebanhos deste tipo concentram apenas 1,5% do efetivo caprino mundial, mas são responsáveis por, aproximadamente, 27% da produção de leite registrada pelas estatísticas oficiais em todo o mundo. A segunda forma em que se processam as criações ocorre, predominantemente, em regiões menos desenvolvidas. É caracterizada por rebanhos menores, que ao utilizarem insumos, o fazem apenas de forma marginal; os produtos derivados da atividade são destinados ao consumo doméstico ou comercializados localmente, sem o apoio de uma estrutura organizada de mercado. Esta é a realidade praticada nos países menos 23 desenvolvidos, cuja maioria encontra-se nos trópicos (Knights e Garcia, 1997; Morand-Fehr e Boyazoglu, 1999; Rancourt et al., 2006). Na França, 90% do leite produzido é industrializado e vendido na forma de queijo. Espanha, Itália, Grécia e Portugal produzem mais de 80% da produção total da Europa, e a França é o principal exportador de queijos. Além disso, na Grécia, a produção de leite de cabra supera o quantitativo de leite de vaca produzido. Na Holanda, Áustria e Alemanha, a caprinocultura leiteira cresceu bastante, em função da aplicação do regime de cotas imposto à bovinocultura leiteira, o que fez com que os produtores expandissem os seus investimentos no setor primário do agronegócio do leite de cabra (Morand-Fehr e Boyazoglu, 1999; Dubeuf et al., 2004). 2.2.1. A caprinocultura no Brasil Os dados do IBGE divergem daqueles apresentados pela FAO, conforme é possível constatar para o efetivo dos rebanhos constantes nas Tabelas 1 e 2. O Brasil é o 11º maior rebanho do mundo e contribui com 1,3% da produção mundial de leite de cabra. Apenas para se ter uma idéia da dimensão dos setores, o país responde por 4,4% da produção mundial de leite de vaca, e o volume desta produção no Brasil é 172 vezes maior que a quantidade de leite de cabra produzida anualmente; com base nas estatísticas oficiais, a relação entre o volume mundial de leite de vaca e o de leite de cabra produzidos guarda a proporção aproximada de 1.150:1 (FAO, 2005; IBGE, 2005). A caprinocultura leiteira praticada no Brasil, assim como em outros países da América Latina, é bastante heterogênea. Contudo, existem alguns exemplos regionais onde os sistemas de produção são orientados por mercados que absorvem o leite como o principal produto da atividade (Dubeuf et al., 2004). A região Sudeste, apesar de dispor de apenas 2,4% do efetivo caprino do Brasil (Tabela 2), destaca-se por conter arranjos produtivos locais no agronegócio do leite de cabra, tanto pela produção comercial, por representar mais de 50% do total comercializado no país, quanto pela participação no mercado do leite de cabra e seus derivados. Pratica-se uma criação em sistema intensivo, com raças especializadas na produção leiteira, sendo o leite o principal produto da atividade (Silva, 1998; Cordeiro, 2001; Borges, 2001). 24 A Região Nordeste concentra a maior proporção do efetivo caprino brasileiro (Tabela 2), porém sua produtividade leiteira anual é baixa, em torno de 0,25 L/animal/dia, particularmente por tratar-se de animais de raças que se adaptaram às condições da região desde a introdução dos caprinos pelos colonizadores portugueses. Mesmo com a baixa produtividade, porém, a região tem expressivo volume de produção, devido ao numeroso rebanho, e não se pode esquecer que o consumo doméstico absorve boa parte da produção. O poder público, ao atuar na cadeia produtiva fazendo às vezes o papel da indústria quando compra o leite, cria um mercado que prontamente é suprido pelos produtores. O exemplo disto é que no estado do Rio Grande do Norte, por exemplo, há uma associação de produtores que recebe 2.200.000 L de leite por ano. Esse leite é adquirido pelo governo estadual para ser usado na merenda escolar. O tipo de criação praticada no nordeste é semelhante às de outras partes do mundo, onde os principais produtos da caprinocultura são a carne e a pele. A Região Sul do país, por seu turno, tem uma produção bem mais modesta, onde a empresa Ladell capta 240.000 L de leite por ano, em média. Esse leite é comercializado na modalidade longa vida, sendo também destinado ao fabrico de queijo e iogurte. Recentemente, o Paraná também instituiu um programa para estimular o desenvolvimento da caprinocultura (Cordeiro, 2001). Cabe salientar que, no Brasil, a principal forma de comercialização é o leite fluido, na maioria das vezes empacotado em sacos plásticos, congelado e comercializado em pequenos estabelecimentos (Silva, 1998). Tabela 2. Efetivo do rebanho caprino no Brasil segundo as regiões administrativas, o estado do Rio de Janeiro e o noroeste fluminense Item Brasil Região Norte Região Nordeste Região Centro-Oeste Região Sul Região Sudeste Estado do Rio de Janeiro Noroeste Fluminense Fonte: IBGE (2005). Efetivo do Rebanho Caprino (cabeças) 10.046.888 148.546 9.331.460 110.011 219.455 237.416 30.527 7.170 % 100,00 1,48 92,88 1,09 2,18 2,36 0,30 0,07 25 2.3. Sistemas de produção de caprinos leiteiros Os sistemas de produção de caprinos, segundo Borges e Bresslau (2001), são subdivididos em extensivo, intensivo a pasto, intensivo semiconfinado e intensivo confinado. No sistema extensivo, os animais são criados em pastagens nativas, não pertencem a raças especializadas, e encontram-se sob controle zootécnico precário. No sistema intensivo a pasto, são utilizados animais de raças especializadas em produção leiteira, eficiente controle zootécnico e pastagens melhoradas. No sistema intensivo semiconfinado, animais de raças especializadas são mantidos parte do tempo recebendo alimentação em baias e parte do tempo alimentando-se em pastagens melhoradas. Animais de raças leiteiras são utilizados no sistema intensivo confinado, com provento de água, alimentação volumosa e concentrada. No Brasil, os sistemas de produção variam desde a criação de subsistência, nos quais a atividade é desenvolvida em pequenos criatórios, com a produção voltada exclusivamente para o consumo doméstico ou local, tanto nas áreas rurais como nas periferias das grandes cidades, como em criatórios comerciais bem organizados, com grandes estruturas de produção e que, na maioria das vezes, dedicam-se também ao beneficiamento e à comercialização dos produtos (Ribeiro, 1997). Pode-se compilar da literatura específica na área, algumas recomendações para a criação de cabras leiteiras. No sistema de produção intensivo confinado, especial atenção deve ser dada a todos os detalhes que envolvam o bem-estar animal. Regularidade no horário de oferecimento dos alimentos e água potável sempre à disposição. As instalações devem oferecer conforto aos animais, mas é importante não confundir conforto com luxo. Em regiões mais quentes deve ser dada atenção à altura do pé direito e ao material usado na cobertura do galpão, de forma a propiciar maior conforto térmico aos animais. Sempre que possível, devem ser utilizadas telhas de barro. Outro aspecto não menos importante é a altura entre o assoalho do cabril e o solo, pois os dejetos dos animais devem ser retirados pelo menos uma vez por semana e para a pessoa que vai efetuar essa tarefa, trabalhar na posição vertical é muito mais cômodo, o que aumenta a eficiência de trabalho. No caso de se optar por cama, é importante usar material seco e fazer a reposição da cama sempre que necessário. O piso precisa apresentar declividade e não conter 26 obstáculos ao escoamento da umidade gerada pelos animais. É preciso fazer a retirada de toda a cama pelo menos 4 vezes ao ano, proceder a uma perfeita higienização do piso e, ainda, promover um vazio sanitário, para, somente em momento posterior, voltar a ocupá-la com os animais. Deve-se buscar uniformizar os lotes de animais em relação ao tamanho, sexo e produção, sendo a prática da descorna necessária. Deve ser respeitada a metragem quadrada para cada animal, que no cabril com piso ripado fica em torno de dois metros quadrados por animal adulto (Gall, 1981; Quitet, 1990; Ribeiro, 1997). No piso tipo cama, a metragem quadrada por animal ainda é motivo de debate entre os autores. 2.4. Aspectos econômicos da caprinocultura leiteira Mas por quê estimular o desenvolvimento da caprinocultura leiteira e organizar arranjos produtivos para a produção de leite de cabra? Segundo Haenlein (2004), é necessário reconhecer que existe demanda pelo produto em nível mundial. Esta demanda é produzida por três fatores relacionados à cabra e ao seu interesse econômico pela humanidade. Primeiro, o aumento da população em nível mundial implica maior necessidade de alimentos, e parte dessa demanda é suprida pelo leite de cabra, ainda que o processo ocorra à margem da economia de escala. O segundo fator relaciona-se ao uso do leite de cabra na gastronomia, pelo fato de existirem, em vários países, nichos de mercado constituídos por consumidores de alto poder aquisitivo, e que consomem regularmente derivados lácteos como queijos e iogurte. E o terceiro fator relevante associa-se à hipoalergenicidade do leite de cabra, pois o seu uso evita que medicamentos ou produtos industrializados sejam empregados para tratar alergias e doenças associadas ao consumo do leite de vaca e derivados; além disso, os consumidores tendem a preferir o leite de cabra por entenderem que o seu uso constitui-se em tratamento mais natural a ser empregado. A baixa produtividade da bovinocultura leiteira no Brasil, comparada a de países mais adiantados, tem sua origem em fatores de ordem técnica, política, econômica e social. Enquanto, de um lado, predominam rebanhos de baixo potencial genético, insipiente manejo sanitário e reprodutivo, submetidos a uma alimentação deficiente, por outro, tem-se uma estrutura de produção pulverizada, altos custos de produção e de financiamento, pesada carga tributária e política de preços incapaz de promover maior estabilidade da renda do setor e estimular a produção mediante 27 investimentos em qualidade e aumento de produtividade (Vilela et al.,1998; Gomes et al., 2001), fatores esses, sem perda de generalidade, também aplicáveis à caprinocultura. Os fatores tradicionalmente considerados na avaliação dos sistemas de produção são: produtividade, alimentação, sazonalidade, escala de produção, custo de produção, gerenciamento, sanidade, qualidade, padrão genético e assistência técnica (Krug, 2001). A produtividade é uma das armas mais potentes para a competição (Borges, 2001), embora esteja diretamente relacionada a outros fatores como genética, alimentação, sanidade, sistema de produção, intervalo entre ordenhas, gestação, estágio da curva de lactação, idade, individualidade, clima, habilidade do ordenhador, taxa de mortalidade, intervalo entre partos, época de parição, período seco e condição corporal. Todos estes fatores interagem e concorrem para o sucesso ou o fracasso da atividade. O desempenho geral de uma exploração leiteira pode ser mostrado por meio de uma série de índices tecnológicos (índices de produtividade dos vários fatores e relação de uso que os mesmos guardam entre si), e pela análise de rentabilidade da atividade. Como exemplo de índices de produtividade ou de eficiência técnica, destacam-se: produção média de leite por animal; produção de leite por hectare por ano; taxa de natalidade; idade ao primeiro parto; intervalo entre partos; litros de leite por kg de concentrado fornecido; mão-de-obra por litro de leite produzido, entre outros (Gomes et al., 1986). A complexidade do cálculo do custo de produção da atividade leiteira recomenda forte interação entre o técnico, que estima o custo, e o produtor, para que a interpretação dos resultados se aproxime da realidade. Sem esse cuidado, é possível que o técnico encontre elevado custo de produção, enquanto, para o produtor, a atividade pareça andar bem, e vice-versa. Horizontes de prazos diferentes entre os objetivos do produtor e o período de análise são, freqüentemente, razões de interpretações errôneas. Por exemplo, o produtor que inicia um programa de melhoramento genético em seu rebanho sabe que seus objetivos começarão a ser alcançados depois de três ou quatro anos, apenas. Se o período de cálculo de produção de leite for de um ano e os ganhos do melhoramento genético não forem corretamente contabilizados, é possível que os cálculos não reflitam a realidade do produtor. Daí, a necessidade de considerar, no cálculo do custo, os objetivos e as metas do produtor (Gomes, 1999). 28 A estimação dos custos de produção é tarefa trabalhosa, e que envolve o levantamento detalhado dos fatores de produção de que a propriedade dispõe (insumos, recursos humanos, máquinas e equipamentos, animais de produção e de serviço, benfeitorias e instalações, terra e capital), bem como da forma como são utilizados. Em primeiro lugar, deve-se buscar, dentro da atividade-alvo desenvolvida em determinada região, uma propriedade que reúna atributos de eficiência técnica e econômica para ser considerada referência na orientação do perfil tecnológico e dos objetivos da unidade escolhida (Gomes, 1989; Gomes et al., 1995), de sorte que reflita níveis tecnológicos e produtivos competitivos e tangíveis pela maioria dos produtores. Supõe-se que esta unidade de referência apresente custo de produção inferior ao da maioria dos produtores de leite de cabra, em razão de apresentar coeficientes técnicos mais favoráveis. Estudos deste tipo produzem informações essenciais ao planejamento da atividade primária e para a cadeia produtiva como um todo, tais como margem de lucro, retorno após investimentos em qualidade, número de empregos diretos necessários e outros aspectos economicamente relevantes (Gomes et al., 1995). O rebanho caprino é um investimento com razoável liquidez. Isto é, o pecuarista pode transformar, com relativa facilidade, o rebanho em dinheiro com a venda de animais. Por isso é que Gomes (1999), considera importante examinar a variação do inventário animal ao se empreender a análise econômica da atividade leiteira. A variação do inventário animal não deve ser considerada como renda e sim como riqueza. Entretanto, é uma riqueza que pode ser facilmente transformada em renda, pela razoável liquidez deste investimento. Ao referir-se à variação do inventário animal, Gomes (1989), desenvolveu um raciocínio em relação à bovinocultura que se faz plenamente aplicável à caprinocultura. Neste quesito, há que se considerar a valorização do rebanho em função de sua qualidade genética. Pode-se verificar que o valor da venda de animais tem grande influência no custo do leite. Se, no período analisado, o produtor vendeu muitos animais, o custo do leite será menor; ao contrário, se ele não vendeu animais ou vendeu pouco, o custo será maior. Portanto, o ideal seria que o rebanho estivesse estabilizado, e as vendas de machos, de fêmeas excedentes e de cabras descartadas fossem normais, isto é, mesmo com tais vendas, o rebanho no início e ao final do período em análise tivessem o mesmo tamanho, em razão dos nascimentos, vendas e descartes consoante à própria evolução. Gomes (1999) relata que, por vezes, 29 acontecem vendas que alteram a estabilidade do rebanho, o que representa uma complicação no cálculo do custo do leite. A preocupação com a estabilidade do rebanho é justificada para garantir as mesmas condições nos custos e nas receitas, visto que, se isto não for observado, pode acontecer super ou subvalorização do custo unitário de produção de leite. Com rigor, a variação do inventário animal não deveria ser considerada renda, e sim, riqueza. No entanto, é preferível relaxar os conceitos de renda e de riqueza, e incluir a variação do inventário animal na composição da renda, do que estimar custos de produção de leite que pouco reproduzam a realidade (Gomes, 1999). A pecuária é uma atividade de produção conjunta, na qual é difícil isolar o custo de apenas um componente. Assim, por exemplo, quando se alimenta o rebanho, obtém-se como resultado o leite, a carne (cabritos nascidos, animais jovens mudando de categoria e animais adultos ganhando peso) e esterco. Por isso, não é correto chamar de custo de produção de um litro de leite o resultado da divisão entre o custo total da atividade e o total da produção leiteira. Alguns artifícios podem ser usados para contornar o problema. O artifício, cujos pressupostos menos violam a realidade, consiste em admitir que o custo para produzir o kg de carne é igual ao valor de venda do kg de carne, e que, o custo para produzir o kg de esterco é igual ao valor de venda do kg de esterco. Deste modo, o custo do leite é igual ao custo da atividade leiteira menos o custo para produzir carne e esterco. Em outras palavras, o custo do leite é igual ao custo da atividade leiteira menos o valor da venda de animais e esterco (Gomes, 1989; Gomes et al., 1995). Há que se destacar a importância da renda líquida da atividade leiteira. Dois conceitos de renda líquida são relevantes. A renda líquida de longo prazo mede a remuneração do empreendedor pelo risco que corre de administrar o estabelecimento. É o resíduo que sobra depois de se remunerar todos os fatores de produção. O empreendedor compara essa renda líquida com outras alternativas para verificar se compensa manter o estabelecimento em funcionamento. Mede, assim, a estabilidade do negócio, ou seja, se o deve levar adiante ou encerrá-lo. Quando a renda líquida de longo prazo é negativa, o negócio, enquanto atividade econômica, não se sustenta. O outro conceito importante sob a ótica econômica é a renda familiar. Quando o empreendedor e o dono do capital são a mesma pessoa, que ainda é a regra na agricultura brasileira, a família recebe como remuneração a renda líquida de longo prazo acrescida das remunerações dos fatores fixos, da 30 remuneração do trabalho familiar e subtraídas as depreciações. Não se incluem fontes externas de renda. É o que a família dispõe para custear suas despesas contando somente com a renda oriunda do estabelecimento. A renda familiar mede a estabilidade da família, ou seja, se compensa permanecer na fazenda ou mudarse para a cidade. Quando a família não dispõe de outras fontes de renda, uma renda líquida familiar positiva não pode perdurar se a renda líquida de longo prazo da atividade permanecer negativa (Alves, 2001). Neste quesito, porém, existem famílias que persistem com a atividade deficitária, aceitando menor remuneração para a mão-de-obra familiar, reflexo, segundo Gomes (1999), do custo de oportunidade deste item. Ao analisar a sustentabilidade da caprinocultura leiteira, enquanto atividade econômica desempenhada como negócio e, principalmente, como empreendimento da família rural, todos estes aspectos devem ser considerados. Além disso, é necessário ponderar os benefícios sociais, culturais, ambientais e da própria identidade territorial onde se pratica a caprinocultura leiteira, para que se atribua justo valor à cabra leiteira, considerada por Knights e Garcia (1999), o recurso animal mais subutilizado nos trópicos. 2.5. A caprinocultura leiteira no contexto da agricultura familiar A caprinocultura tem sido encarada por organizações não governamentais como instrumento de combate à pobreza capaz de assegurar o desenvolvimento sustentado. Um dos exemplos de maior destaque é o Heifer Project International – HPI. Na Ásia, o HPI foi implantado na China, Tailândia, Nepal, Coréia do Norte e Índia, com o objetivo de reduzir a pobreza e a fome nestas regiões. Neste projeto, os agricultores familiares receberam animais como um presente, mas tiveram de retribuir de alguma forma, o presente recebido. O chavão Passar o Presente materializa os objetivos do HPI: pessoas ajudando-se mutuamente para eliminar a pobreza. Todos os receptores do HPI devem passar parte do produto obtido de seus animais doados, bem como a experiência em cuidar deles, para outros agricultores necessitados, de sorte que o objetivo de diminuição da pobreza possa ser atingido. Passar o presente assegura sustentabilidade ao programa e pode ocorrer de múltiplas formas: passar algum resultado dos animais recebidos para outros 31 agricultores necessitados, reembolso de dinheiro pelos animais recebidos, reembolso do empréstimo recebido, etc. (Pelant et al., 1999). Em duas vilas da Província de Cabo Oeste, África do Sul – Sheshegu e Ncera, caprinos são criados para produzir leite, carne, pele e, em alguns casos, fibra. A maior parte dos caprinos pertence a agricultores familiares que os criam em regime extensivo, o qual é caracterizado por pobre manejo e baixa produtividade. Este sistema é conhecido como um sistema de produção comunal aos pastores desta região, onde grandes áreas de savana são compartilhadas como pasto para os rebanhos domésticos (Masika e Mafu, 2003). No Vale de Beka’a, no Líbano, 65% dos fazendeiros são criadores de cabras e ovelhas em proporções diversas entre as duas espécies na composição de seus rebanhos, 23% criam apenas cabras e 12%, apenas ovelhas. Os sistemas de produção são de três tipos: rebanhos sedentários mantidos dentro e em torno das vilas e criados semi-intensivamente; transumância a partir de fazendas do vale para as montanhas no verão, e grandes rebanhos semi-nômades pertencentes a lavradores sem terras, que migram sazonalmente entre áreas de cultivo e cadeias de montanhas distantes. A renda fornecida pelo rebanho pode atingir até 90% do total da renda familiar. Os leites de cabra e o de ovelha são vendidos sem processamento, enquanto que apenas 10% são beneficiados e vendidos como queijo, manteiga e iogurte. Parte do leite produzido também é destinado ao consumo doméstico (Hamadeh et al., 1995). Panin e Mahabile (1996), estudaram a importância econômica dos empreendimentos de pequenos ruminantes para agricultores familiares em Botswana, África. As informações foram colhidas de 114 produtores familiares. A interpretação dos resultados permitiu concluir que os empreendimentos de pequenos ruminantes foram lucrativos e economicamente viáveis. Estes proporcionaram renda média de US$ 11,27 por animal por ano para os agricultores familiares. Também proporcionou retorno anual de 34% do capital investido no negócio, e representou 15% na composição da renda familiar, o que é substancial quando se compara à contribuição das culturas agrícolas (aproximadamente o dobro da composição proporcionada pelas culturas agrícolas). Estas informações têm implicação para o desenvolvimento dos empreendimentos com pequenos ruminantes para os agricultores familiares de Botswana. Os autores concluíram que 32 o negócio foi economicamente viável e contribuiu substancialmente no total da renda familiar. O Brasil, após a década de 1970, viveu o crescimento de cidades entre 50.000 e 500.000 mil habitantes. Estas cidades e as grandes metrópoles brasileiras atraíram enorme contingente de mão-de-obra que habitava as regiões rurais. Este processo encontra paralelo na literatura internacional e denomina-se hiperurbanização. Estas cidades ainda atraem fortemente as populações rurais, sobretudo os jovens; dentre eles, cada vez mais as moças. O grande problema, porém, é que a mão-de-obra advinda do campo é despreparada, por sua maioria apresentar baixo nível de escolaridade (Abramovay, 2000; Silvestro et al., 2001). O país parece colher no presente a falta de investimentos em educação de qualidade, visto que os quantitativos que os governos, por décadas, insistiram e insistem mostrar como prova de resultado na melhoria das espúrias estatísticas educacionais, apenas corroboram a primeira impressão. Mas este cenário, por desolador que pareça, apresenta novas oportunidades para o desenvolvimento rural. Segundo Abramovay (2000), o crescimento das médias cidades sempre produzirá demandas que as zonas rurais de pequenas cidades circunvizinhas poderão suprir, o que pode resultar no que o autor denomina integração dinâmica entre as populações rurais e urbanas. Esta condição pode proporcionar oportunidades às famílias rurais de empreenderem atividades ligadas ao agronegócio, de forma a atender às demandas geradas, e tornar profícua e atrativa a permanência no campo, em detrimento da atração exercida pelas cidades. Nestes casos, para fazer parte do desenvolvimento regional, o principal desafio que as unidades familiares de produção agropecuária enfrentam é a dificuldade em dotarem-se dos meios (terra, capital, infra-estrutura rural, ambiente cultural para evitar o isolamento social) que lhes permitam participar de mercados dinâmicos, i.e., competitivos e exigentes em inovações. Por mais necessárias que sejam as produções de commodities como o arroz, o feijão, o leite, o milho e a mandioca, por exemplo, passam a ser cada vez mais importantes as demandas por produtos diferenciados, para os quais as suas qualidade e origem sejam as principais características. Esta conjuntura define um novo perfil para as atividades agrícolas e as unidades de produção familiares, perfil este orientado para mercados específicos, segmentados e altamente exigentes em qualidade. 33 Mas qual é a relação entre as ditas "novas oportunidades" que podem surgir no meio rural e a caprinocultura leiteira? Até bem pouco tempo atrás, esta atividade era exercida em muitos lugares no Brasil por necessidade, pois os fazendeiros adquiriam cabras para dar leite às crianças, principalmente aquelas que manifestavam aversão ao leite de vaca. Também se praticava a caprinocultura em uma escala um pouco maior, tanto no Brasil como em vários países, por tradição, ou por pessoas aficionadas por caprinos (Gall, 1981; Ribeiro, 1997; Dubeuf et al., 2004; Dý rmundsson, 2006). Conforme salientado anteriormente, o rebanho caprino cresceu em paralelo ao aumento da população humana nos países menos desenvolvidos, mas cresceu também nos países europeus desenvolvidos por razões distintas do crescimento populacional em si. Conversas informais com alguns caprinocultores fluminenses permitem traçar um histórico semelhante para esta atividade no estado do Rio de Janeiro. Mas a questão provocada é recorrente. Será a caprinocultura leiteira, de fato, uma atividade capaz de transformar a realidade do meio rural em um estado como o Rio de Janeiro, cuja economia é fortemente estruturada nos setores de serviços, extração de petróleo e gás natural, aluguéis, comunicações, construção civil, transportes, instituições financeiras, comércio e indústrias, que constituem mais de 91% do PIB fluminense, cabendo à agropecuária participar com 0,4% apenas? O estado é um grande mercado importador de alimentos, por apresentar densidade demográfica de 328 habitantes/km2 e por concentrar mais de 12 milhões de habitantes na região metropolitana em torno da capital, a cidade do Rio de Janeiro. Mercado este, disputado não apenas pelas regiões produtoras do interior fluminense, mas também pelas demais regiões produtoras de alimentos pertencentes a outros estados da federação. Neste ambiente, conforme previu Haddad (1999), fica difícil imaginar a sobrevivência das atividades agropecuárias desenvolvidas, em solo fluminense no caso em análise, se as regiões produtoras não dispuserem de competitividade dinâmica em termos de preço e qualidade para enfrentar produtos equivalentes provenientes de outras regiões ou países, em um contexto de comércio livre. Segundo Johnson et al. (1986), as cabras são animais dóceis, de fácil manejo, demandam pequena quantidade de volumoso, baixo investimento inicial em instalações e podem ocupar a mão-de-obra de toda a família. A caprinocultura leiteira merece especial destaque no contexto da agricultura familiar, por ser uma 34 atividade que pode ser conduzida em pequenas áreas para sua implantação, e permite gerar lucro suficiente para a manutenção da família. Sinn et al. (1999), argumentaram que a atividade inclui sócio-economicamente mulheres e crianças do meio rural. Ao se tornarem responsáveis pelo trato dos animais, do manejo diário e da ordenha, a mulher e as crianças passam a ter seu trabalho remunerado de forma recompensadora; em geral, quando a renda dos homens é aumentada, eles não a investem direto na família, usam-na em benefício próprio e de maneira desregrada. Quando a mulher é a gestora do negócio, a família colhe benefícios diretos, pois a mulher investe mais na educação e alimentação da família e de si própria, o que implica melhoria das condições de vida de toda a família em curto espaço de tempo. O tamanho médio das propriedades rurais no Estado do Rio de Janeiro sofreu considerável redução durante o século XX. Constata-se, entre os anos 20 e 80, que a média da área total das propriedades fluminenses reduziu de 120 para 41 ha. A partir de 1985 e após o censo agropecuário de 1996, entretanto, pôde-se observar uma inversão, pois a média da área total das propriedades rurais no Estado aumentou de 36 para 45 ha (IBGE, 1976; CIDE, 1998). Contudo, esta tendência de reconcentração da terra precisa ser confirmada após o próximo censo agropecuário que, infelizmente, ainda não ocorreu. A estrutura fundiária fluminense é desigual. Considerando o tamanho médio das propriedades supra citado, apenas 32,28 % do total de terras fluminenses ocupadas por estabelecimentos agropecuários (2.416.305 ha) são constituídos por propriedades com menos de 100 ha (IBGE, 2004a). A desigualdade é demonstrada pelo fato de esta área conter 90,16 % dos estabelecimentos na agropecuária (IBGE, 2004b). Esta "atomização" das propriedades rurais (M. T. Rodrigues, por comunicação pessoal) traz implicações negativas às regiões centro, noroeste e norte fluminenses. O potencial de utilização de suas terras e a baixa competitividade dinâmica são fatores restritivos adicionais ao desenvolvimento da pecuária tradicional empreendida regionalmente. O que pode explicar o aparente processo de retomada da concentração de terras. A redução da propriedade restringe o processo de sucessão nas unidades de produção familiares, pois o acesso à terra constitui-se o principal fator de extinção do negócio familiar e da migração para as cidades, particularmente dos jovens agricultores (Abramovay, 2000; Zaibet et al., 2004). Então, estas propriedades são, em geral, adquiridas por profissionais liberais e passam a fazer parte dos ativos em 35 suas carteiras de negócios, sendo praticada a criação extensiva de gado de corte na maioria dos casos (Silvestro et al., 2001). A terra, como fator de produção, precisa ser assegurada às famílias que se encontram em processo sucessório de seu agronegócio, de forma a consolidar as novas unidades familiares de produção, uma vez que o capital social nelas constante detém a força motriz capaz de produzir o desenvolvimento rural sustentado (Teufel et al., 1998; Morand-Fehr e Boyazoglu, 1999; Silvestro et al., 2001). Nos países em desenvolvimento, a agricultura subdivide-se entre um setor tradicional e outro caracterizado pela moderna produção agropecuária. Os agricultores tradicionais foram, e ainda são, reservatório de mão-de-obra para o estágio de transição ou de modernização. Este processo culmina em uma terceira etapa, quando o fator principal de produção deixa de ser o trabalho e passa a ser o capital, capaz de adquirir as modernas tecnologias que substituem o emprego de mão-de-obra maciça. Este modelo de crescimento econômico proposto por J. W. Mellor nos anos 60, antecipou o que ocorreu nos países em desenvolvimento, onde a agricultura tradicional teve de se modificar em função da crescente urbanização e a contínua redução do tamanho das propriedades rurais (Zaibet et al., 2004). É necessário, portanto, incluir no modelo de produção agropecuária familiar, as interações complexas que existem no modelo agrícola tradicional. Assim, os elementos dos sistemas tradicionais são integrados no modelo familiar, quais sejam a produção, o consumo doméstico e a autonomia decisória. Desta forma, pode-se descrever a moderna agricultura familiar, em sua maioria, como importante segmento do agronegócio, caracterizado pela comercialização parcial, no sentido de que parte da produção é destinada ao consumo próprio, e que parte da força de trabalho familiar pode também encontrar fonte de renda fora da propriedade, em atividades não agrícolas. As unidades de produção familiares, porém, em sua maioria, situam-se em ambientes de alto risco, onde os mercados não operam perfeitamente. Mesmo nestas condições, os agricultores familiares conseguem reduzir os riscos por meio da diversificação das atividades na propriedade, por meio do trabalho em mutirão e pelo trabalho não agrícola fora da atividade (Zaibet et al., 2004). O trabalho fora da propriedade, particularmente o que é associado às atividades não agrícolas, é também uma realidade para as populações do meio rural brasileiro (Abramovay, 2000; Silvestro et al., 2001). A importância desta fonte de 36 renda é tanto maior quanto mais restritas são as perspectivas da família em relação ao negócio empreendido na propriedade; se a família não detém todos os fatores que asseguram renda satisfatória aos seus membros, cresce o desinteresse pelas atividades tradicionalmente empregadas; e o desinteresse em manter o negócio dos pais é maior entre os rapazes e moças das famílias rurais das categorias de renda inferior (Abramovay, 2000; Silvestro et al., 2001; Zaibet et al., 2004). Portanto, na análise econômica dos empreendimentos familiares, qualquer que seja sua natureza, o custo de oportunidade da mão-de-obra familiar disponível deve ser considerado, de forma a avaliá-los como atividades potencialmente competitivas em manter as pessoas no campo, com toda a infra-estrutura e condições sócio-culturais necessárias à satisfação de todos os membros da família (Morand-Fehr e Boyazoglu, 1999; Abramovay, 2000; Morand-Fehr et al., 2004). A caprinocultura leiteira está na pauta das políticas públicas brasileiras voltadas à agricultura familiar e ao desenvolvimento rural sustentável (MDA, 2005). E não apenas no Brasil, conforme se depreende das revisões apresentadas recentemente no Small Ruminant Research, jornal científico editado pela Elsevier e coordenado tecnicamente pela International Goat Association – IGA (Knights e Garcia, 1997; Teufel et al., 1998; Morand-Fehr e Boyazoglu, 1999; Pelant et al., 1999; Dubeuf et al., 2004; Morand-Fehr et al., 2004; Dý rmundsson, 2006; Niznikowski et al., 2006; Rancourt et al., 2006). A caprinocultura é considerada instrumento de combate à miséria e à fome, e ainda, constitui-se em atividade capaz de incluir social e economicamente, toda a força de trabalho da família rural. Praticada à margem da economia de mercado ou não, suscita oportunidades no meio rural possíveis de serem desenvolvidas tanto em países desenvolvidos como naqueles que ainda se encontram em estágio inferior de desenvolvimento. Nas regiões onde já encontram-se arranjos produtivos locais para o agronegócio do leite caprino, a atividade deve desenvolver-se não apenas voltada à produção leiteira. O turismo rural é uma tendência favorável e os consumidores vêem a cabra como um animal bucólico e criado em condições saudáveis e naturais. Desta forma, além da comercialização do leite, os caprinocultores podem inovar e oferecer aos turistas, produtos como queijos e iogurtes feitos na propriedade; além disso, a criação de cabras harmoniza a paisagem rural, fator de primeira importância para a atração de turistas. 37 Os países europeus, particularmente os participantes da comunidade econômica européia, sofrem pressões para a redução de subsídios agrícolas. É bem provável, porém, que a caprinocultura leiteira fique fora desse processo, ou seja atingida apenas parcialmente. A principal virtude da atividade, que também é o seu maior apelo, reside no fato de que a sua prática não traz prejuízo ao meio ambiente, absorve a mão-de-obra familiar e auxilia no processo de preservação da paisagem rural, o que vai ao encontro das demandas do desenvolvimento sustentável. Neste cenário, não interessa mais aos contribuintes urbanos europeus apenas o desenvolvimento econômico do meio rural, i.e., o incremento da produtividade e da renda dos produtores. Os fatores que doravante exercerão maior influência são o condicionamento ecológico para preservação da paisagem campestre e o desenvolvimento rural, o que justificará, para estas nações, a continuidade de aplicação de subsídios públicos para o setor (Dý rmundsson, 2006; Niznikowski et al., 2006; Rancourt et al., 2006). Infelizmente, esta não é uma boa notícia para a caprinocultura fluminense, que poderia vislumbrar na extinção dos subsídios possibilidades não imaginadas para o crescimento do setor. Contudo, o mercado brasileiro é enorme, rico em oportunidades para o desenvolvimento do meio rural de forma sustentável. O consumo de leite de cabra e seus derivados é incipiente e tem perspectivas de crescimento, de igual forma como ocorreu nos países mediterrâneos. É preciso identificar produtores familiares bem sucedidos, que se encontrem inseridos na cadeia produtiva do leite de cabra, entender a causa de seu sucesso, sanar suas ineficiências, avaliar sua capacidade de absorção de novas tecnologias e quantificar os impactos causados, para enfim, empregá-los como unidades de referência e disseminar o saber acumulado para o benefício de outros caprinocultores e de outros em potencial que aspirem ingressar nessa recompensadora atividade. 38 3. MATERIAL E MÉTODOS O trabalho de coleta de dados no campo foi realizado entre os meses de agosto de 2004 e julho de 2005, em duas propriedades com perfil de produção familiar, situadas na localidade Córrego do Ouro, primeiro distrito do município de Porciúncula, pertencente à mesorregião administrativa noroeste do estado do Rio de Janeiro. As duas propriedades foram selecionadas pelo fato de, em ambas, a família ser a proprietária dos fatores de produção, participar diretamente na realização de tarefas cotidianas relativas à atividade leiteira, inclusive a responsabilidade por todo o processo decisório e gestor da propriedade. Além disso, as duas propriedades são os principais fornecedores de leite de cabra da Associação dos Caprinocultores do Noroeste Fluminense – CAPRINORF, sediada em Porciúncula. Os caprinocultores foram também escolhidos por utilizarem tecnologia de produção ao alcance dos demais afiliados da associação. A CAPRINORF dispunha de infra-estrutura para o resfriamento e o armazenamento de 2000 L. Esta associação era formada por 26 produtores, dentre os quais, uma afiliação correspondia a uma associação de produtores rurais assentados, que reunia 51 agricultores familiares, todos caprinocultores, localizada no município mineiro de Pedra Dourada, Zona da Mata do Estado de Minas Gerais. O município de Porciúncula encontra-se a 20º 57' S e a 42º 2' W. Sua população foi estimada em 16.093 habitantes (IBGE, acesso em 01/07/2005) e ocupa área geográfica de 302 km2. O município apresentou, segundo o PNUD (2000), índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,73, que o colocou 39 na76a posição (entre 91 municípios) dentro do estado do Rio de Janeiro, e na 2.433ª posição no cenário nacional (entre 5.507 municípios). A cidade de Porciúncula dista 150 km de Campos dos Goytacazes – sede da UENF – e 380 km da cidade do Rio Janeiro, capital do Estado. A topografia do município é acidentada. A sede do município encontra-se a uma altitude de 184 m, sendo 396 m a altitude do segundo distrito (Purilândia) e 620 m a altitude registrada no centro do terceiro distrito (Santa Clara). O solo das várzeas cortadas pelo Rio Carangola e seus afluentes é, em sua maioria, do tipo hidromórfico; nas colinas e morros, os solos predominantes são dos tipos latossólico e podzólico e ocorrem em ambas as classes, tanto eutróficos como distróficos. O clima, segundo a classificação de Köppen, foi caracterizado como Aw nas áreas de menor altitude, e Cwa nas áreas de maior cota altimétrica, justamente nas divisas com os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. 3.1. Descrição dos sistemas de produção Os cabris eram próximos, distantes, aproximadamente, 600 m entre si. Situavam-se na localidade denominada Córrego do Ouro, de coordenadas geográficas 20º 57' S e 42º 3' W. O relevo desta localidade era extremamente acidentado, com pequenas áreas de várzea onde predominam solos hidromórficos. As propriedades foram denominadas por cabril um, C1, e cabril dois, C2, e referenciadas desta forma ao longo do texto. 3.1.1. Rotina de funcionamento do cabril C1 A altitude da sede de C1 foi registrada por sensoriamento remoto, a 218 m acima do nível do mar. O sistema de produção era intensivo e em condições de confinamento. A atividade foi iniciada em 2003 com a construção das instalações e aquisição dos primeiros animais. Em 2004 foi construído um aprisco suspenso, com área equivalente a 105 m², com baias de piso ripado, depósito de volumoso e corredor central. A propriedade continha 17 ha e não dispunha de área plana mecanizável. A única atividade produtiva desenvolvida na propriedade era a caprinocultura leiteira. A condução das tarefas relativas à rotina diária de manejo do rebanho – constituído por 23 cabras em lactação, 17 cabritas de 2 meses, 5 cabritas de 12 meses e 2 bodes – era realizada pelo esposo e, esporadicamente, também pela esposa, que formavam o casal proprietáio do negócio, pelo filho, pelo pai da esposa e por um funcionário contratado. Os machos eram descartados ou esporadicamente vendidos. 40 O capim napier (Pennisetum purpureum, Schumacher, cv. Napier) era utilizado como volumoso, colhido no campo, picado e oferecido verde aos animais três vezes ao dia, às 6:00, 13:00 e 15:00 h. A colheita da forragem no campo era realizada pelo funcionário contratado e as demais atividades eram efetuadas pelo pai da esposa e o funcionário a auxiliá-lo. Na maioria das vezes, estas pessoas também eram responsáveis pela oferta de concentrado aos animais. O casal proprietário, o marido com 58 anos e a esposa com 40 anos, e o filho (18 anos) residiam na cidade. Na mesma residência também moravam o pai (66 anos) e a mãe (61 anos) da esposa. O casal trabalhava na cidade, os pais da esposa eram aposentados e o filho do casal proprietário era estudante, à época. Convém destacar que o casal proprietário de C1 obtinha a maior parte de sua renda fora da propriedade, i.e., o trabalho no cabril era realizado antes de irem para seus respectivos trabalhos cotidianos na cidade, e em suas folgas nos finais de semana, feriados e períodos de férias. Sempre, pela manhã, o pai da esposa deslocava-se até a propriedade e, juntamente com o funcionário, realizava as tarefas relativas à alimentação do rebanho. Na maioria das vezes, o pai deslocava-se à propriedade e responsabilizava-se pela ordenha matinal; porém, quando não podia realizar esta tarefa, o avô e o funcionário realizavam a ordenha. O filho do casal proprietário também auxiliava nas tarefas cotidianas do cabril, quando não se encontrava em horário escolar. A ordenha vespertina era realizada pelo pai da esposa, pelo funcionário e, aos domingos e feriados, pelo filho do casal proprietário. O proprietário também era responsável pelo transporte do leite até a associação. Para tal fim, utilizava o veículo de passeio da família para realizar o deslocamento entre a propriedade e o posto de recebimento do leite, distância esta de, aproximadamente, 4,6 km. De forma conjunta e participativa, o casal proprietário e o seu filho eram responsáveis pela gestão e decisões tomadas acerca do negócio. Todo o leite produzido era entregue à CAPRINORF; por sua vez, a associação vendia o leite entregue pelos associados, integralmente, para um laticínio especializado em leite de cabra e seus derivados, sediado no município de Nova Friburgo, Estado do Rio de Janeiro. 41 3.1.2. Rotina de funcionamento do cabril C2 A sede do cabril C2 encontrava-se a 208 m de altitude e distante 4,0 km do posto de recebimento de leite da associação. O cabril C2, tal como C1, foi qualificado como um sistema intensivo de produção de leite de cabra. A propriedade ocupava uma área total de 7,2 ha, onde também era praticada a bovinocultura leiteira. A caprinocultura leiteira passou a existir como negócio em 2000, todavia, o esposo era criador de cabras desde a sua juventude, porém a atividade era conduzida com animais sem raça definida, e seus produtos vendidos no comércio local (leite e animais para o corte). Ao iniciar a atividade de forma especializada na produção leiteira, a família aproveitou um galpão para suínos de 30 m² e o adaptou para a criação das cabras e, em 2004, construiu um galpão de 20 m². O cabril era próximo à casa sede da propriedade onde residia a família, o que favorecia o manejo diário e os cuidados com todo o rebanho caprino. A área destinada à produção de alimento volumoso para os caprinos era uma várzea de 0,17 ha cobertos por capim angola (Urochloa mutica (Forssk.) T.Q. Nguyen). O cabril dispunha de rebanho composto por 26 cabras, 15 em lactação, nove cabritas de nove meses e um bode. A rotina diária de manejo dos animais era efetuada pelo casal proprietário, o marido com 43 anos e a esposa com 38 anos de idade, e seus dois filhos, o mais velho com 17 anos e o mais novo com 13 anos de idade. A família residia na propriedade e não dispunha de qualquer outra fonte de renda senão a gerada pela caprinocultura e bovinocultura leiteiras. A esposa incumbia-se, estritamente, das tarefas relacionadas à caprinocultura leiteira, além de realizar as tarefas domésticas, com dupla jornada de trabalho. Ela e o filho mais novo faziam a ordenha matinal e vespertina das cabras, forneciam o alimento volumoso, o concentrado e a água para os animais do cabril. Ofereciam os alimentos duas vezes ao dia, às 8:00 e às 17:00 h, e faziam a varredura do piso ripado, o que normalmente ocorria antes de iniciar a ordenha. A esposa também era responsável pelo controle das vendas dos leites de cabra e de vaca. O marido colhia a forragem na várzea entre 13:00 e 14:00 h. Quando a mesma encontrava-se com umidade excessiva, a deixava desidratar sobre lona plástica ao sol, ou à sombra, nos dias chuvosos. Às 17:00 h picava parte da forragem para que a esposa e o filho mais novo fizessem o fornecimento de 42 volumoso do período vespertino. Na manhã seguinte, a parte restante era triturada e oferecida aos animais. Em ambas as ofertas, o concentrado era distribuído sobre o volumoso contido nos cochos, consoante às necessidades da categoria animal (animais jovens e cabras secas) e suas respectivas produções (cabras em lactação). Cabe salientar que o trato dos animais era sempre realizado após as ordenhas. A esposa, após a ordenha vespertina, armazenava o leite em congelador, cuja capacidade era de 240 L. Ao efetuar a ordenha e o trato matinais, transferia o leite congelado da véspera e o da manhã para um latão de 50 L. Em seguida, o esposo o transportava até o posto de recebimento da associação. O casal de produtores também vendia parte do leite de cabra para o comércio local. O transporte do leite até a associação e aos consumidores era realizado por meio de charrete tracionada por eqüino. O esposo era técnico agrícola e também cuidava da administração e do processo decisório da propriedade. Os filhos o auxiliavam na colheita e processamento da forragem, no trabalho junto à atividade da bovinocultura leiteira e, nos finais de semana, feriados e férias, responsabilizavam-se pelo transporte do leite até o posto da associação na cidade. 3.2. Índices zootécnicos e coeficientes técnicos da atividade Os índices zootécnicos relativos ao rebanho nos dois cabris foram obtidos por meio dos levantamentos de campo, durante o período de inventário. Foram registrados a data do parto, o número de crias por parto, o porcentual de fêmeas nascidas, o peso das crias ao nascer e a idade à desmama. Foram realizadas pesagens das fêmeas desde o nascimento até a idade à primeira cobertura, e registradas a idade e o peso ao primeiro parto. As pesagens foram realizadas em balança mecânica convencional, com capacidade máxima de 200 kg e resolução de 0,1 kg. Foi adaptada uma estrutura em madeira, de tara conhecida, para contenção dos animais sobre a balança. A média do período lactacional foi registrada para cada cabril e contabilizadas a produção total de leite, o volume de leite produzido por cabra durante o período lactacional e a média diária da produção leiteira por cabra em lactação. Para tanto, foram efetuados controles leiteiros quinzenais em cada cabril. Nos dias relativos ao controle leiteiro, o leite ordenhado de cada cabra era 43 acondicionado em balde plástico de tara conhecida e pesado em balança mecânica de carga máxima de 10 kg, com precisão de 10 g. Esta operação foi efetuada nas datas dos controles leiteiros tanto na parte da manhã como à tarde. O total de leite produzido no decurso lactacional foi estimado pelo somatório dos produtos entre a massa de leite registrada após as pesagens quinzenais e os intervalos entre os respectivos controles, i.e., 15 dias. O total de leite vendido foi apurado, mensalmente, mediante os comprovantes de recebimento emitidos pela CAPRINORF (em ambos os cabris) e o total de leite vendido para o comércio local (no caso de C2). Somando-se os 12 meses, foram integralizados os montantes produzidos durante o período de inventário, em ambas as propriedades. Os tempos gastos durante as execuções das tarefas cotidianas dos cabris foram cronometrados em minutos, e tomadas várias repetições ao longo do período de inventário, de forma a possiblitar a estimação da dispersão em torno do tempo médio gasto para as respectivas tarefas. Os tempos foram convertidos em dias-homem trabalhados (dH), e o coeficiente técnico respectivo para a tarefa, estimado da seguinte forma: dH × L−1 = T × 365 ÷ (60 × 8 ) PLA na qual T equivale ao tempo cronometrado, em minutos, gasto para realização da tarefa, e PLA foi a produção leiteira anual levantada, expressa em litros (L). 3.3. Análise econômica das unidades de produção familiares Os dados de campo foram tabulados em planilha eletrônica ® (Microsoft Excel 97) para a realização das estimativas acerca do desempenho financeiro e econômico dos cabris C1 e C2. O procedimento geral para análise da rentabilidade foi estabelecido pela determinação da relação entre a margem bruta e os custos operacionais (Gomes, 1986). Por seu turno, este procedimento envolveu as seguintes etapas: a) Determinação da receita total Considera-se na determinação da receita total somente os produtos da caprinocultura leiteira, excluindo outros produtos da propriedade . Portanto, a receita 44 constitui-se basicamente da venda de leite e de animais descartados, e também considerou como receita a variação positiva do inventário animal. Assim, o valor da receita total em determinado período pôde ser determinado da seguinte forma: RT = PL × QL + Pa × Qa + ΔIV na qual RT é o valor da receita total no período considerado (R$/ano); PL equivale ao preço médio do leite (R$/L) registrado no período; QL corresponde à quantidade de leite vendida, em litros (L), no período; Pa é o preço médio do kg de animais vivos praticado no comércio local durante o período de avaliação; Qa representa a quantidade, em kg, de animais vendidos no período; e ΔIV corresponde à variação do inventário animal observada, estimada pela diferença: ΔIV = Pa × (MRF − MRI) − VCA em que MRF e MRI correspondem às massas totais (kg) em animais contabilizadas ao final e no início do período de levantamento; VCA equivale ao valor total gasto com a aquisição de animais no período; e Pa possui o mesmo significado atribuído anteriormente. b) Determinação do custo operacional efetivo (C.O.E.) Basicamente, foram contemplados para a estruturação do custo operacional, todos os desembolsos efetivamente realizados pelos proprietários na condução da atividade, tais como: aquisição de ração concentrada; remuneração da mão-de-obra contratada; aluguel de máquinas, equipamentos e tração animal; aluguel de pastagens; serviços e produtos veterinários; inseminação artificial; sementes, adubos e defensivos agrícolas; combustível e energia; reparo de benfeitorias; reparo de máquinas e equipamentos; transporte do leite; impostos, taxas e seguridade social; bem como despesas gerais e eventuais. c) Determinação do custo operacional total (C.O.T.) Ao C.O.E. foram acrescentados o custo de oportunidade da mão-de-obra familiar, a remuneração dos recursos humanos responsáveis pela gestão do negócio e a depreciação dos fatores de produção, quais sejam: benfeitorias, máquinas e equipamentos e animais de serviço. A mão-de-obra para a gestão foi pressuposta equivalente a 25% de três salários mínimos, incluso os encargos. Os animais de produção não foram depreciados pelo fato de as cabras jovens substituírem as cabras em final de vida produtiva, o que manteve estável a idade média do plantel 45 de cabras em produção. O custo de se criar as cabras jovens supôs-se equivalente ao custo de se depreciar as cabras adultas em produção. Para efeito de cálculo, não se aplicou depreciação ao fator de produção terra. O método mais utilizado para estimar as depreciações é o método linear, dado pela expressão: Vi − Vr Da = ΔT em que Da foi a depreciação anual considerada; Vi equivaleu ao valor inicial do fator de produção e Vr ao seu valor residual. A vida útil do fator de produção foi representada na equação acima por ΔT . No caso de se considerar o valor residual ou valor de sucata igual a zero, a fórmula se reduz a Vi ΔT . d) Determinação do custo total e do custo da produção leiteira O custo total foi estimado após contabilizado o C.O.T. e adicionadas a remuneração do capital circulante (capital de giro) e estável (imobilizado nos fatores fixos de produção), o que incluiu o custo de oportunidade pelo uso do fator terra. Para este cálculo considerou-se a forma predominante de utilização da terra na região. Aplicou-se a taxa de juros de 6% ao ano, para o cálculo da remuneração do capital estável (Ra), da seguinte forma: Ra = Vi + Vf ×i 2 em que Vf e Vi equivalem aos valores final e inicial do fator de produção contabilizado, e i corresponde à taxa média de juros praticada no período. O custo da produção leiteira foi estimado pela diferença entre o custo total da atividade e as receitas decorrentes da venda de animais e da variação do inventário animal. O resultado foi dividido pela produção leiteira no período com o intuito de se apresentar o custo unitário de produção do leite em cada uma das propriedades. e) Determinação dos resultados econômicos A margem bruta foi estimada pela diferença entre a receita total e o custo operacional efetivo. A margem bruta remunera os fatores fixos de produção não 46 contemplados no conceito de custo operacional efetivo, como a mão-de-obra familiar e os demais fatores mencionados anteriormente. A rentabilidade de determinada inversão de capital pode ser estimada com base em várias sistemáticas de cálculo. Optou-se pelo critério definido pela relação entre a margem bruta e o custo operacional total. Desta forma, todos os fatores que compõem o C.O.E., bem como a mão-de-obra familiar e as depreciações, foram remunerados. O lucro da caprinocultura leiteira foi estimado pela diferença entre a receita bruta e o custo total da atividade, e a taxa de retorno do capital investido foi calculada da seguinte maneira: tr = R.B. − C.T. × 100 I erm que R.B. corresponde à receita bruta apurada, C.T. ao custo total estimado, e I equivale aos investimentos realizados, i.e., ao somatório dos valores de todos os fatores de produção utilizados na caprinocultura leiteira. Neste quesito coube a inclusão, ou não, do fator terra. 3..3.1. Viabilidade econômica e testes de sensibilidade A estimativa da viabilidade econômica foi efetuada por meio do cálculo do valor presente líquido (VPL) e da taxa interna de retorno (TIR) nos casos em que o empreendimento apresentar lucro. Para tanto, o fluxo de caixa anual (fca) registrado no período de análise foi projetado para os quatro anos seguintes de funcionamento da caprinocultura leiteira. O fluxo de caixa correspondeu à diferença entre o total de entradas e o total de saídas registrados para a atividade. O cálculo de VPL foi baseado em fluxos de caixa futuros, com base na seguinte expressão: VPL = ∑ k fca k (1 + i)k , ∀k = 0, 1, 2, Κ , 5 anos, 47 em que i correspondeu à taxa de juros de 6% ao ano. A taxa interna de retorno foi estimada como a taxa de juros recebida para os resultados do investimento que consistiram em saídas (valores negativos) e entradas (valores positivos) na composição dos fca k que ocorrem em períodos regulares, i.e., ao final de cada ano. A TIR foi estimada de forma iterativa por meio do Microsoft® Excel 97. Esta taxa torna nulo o VPL do fluxo de caixa. A viabilidade econômica da caprinocultura leiteira foi estimada com base na reprodução do fca1 para os quatro anos seguintes, i.e., fca1 = fca 2 = Κ = fca 5 . Supôs-se, para tanto, o regime atual de estabilidade de preços de venda dos produtos e de custo dos insumos. Foi também realizado um teste de sensibilidade sobre os indicadores de rentabilidade. Este teste foi efetuado com base na simulação de um cenário pessimista, para o qual foram imputados aumentos cumulativos de 7% ao ano sobre os custos de produção e mantidas estáveis as receitas. Então, o fca foi projetado para os quatro anos seguintes da atividade. O fca foi computado a partir da receita total e de outras entradas. Em seguida, foram descontados os custos operacionais e as despesas em investimentos, como reforma de capineiras, construção de benfeitorias, aquisição de máquinas, equipamentos, animais e outros fatores de produção necessários. 48 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO O município de Porciúncula encontra-se em uma região de condição tropical úmida. Por estar próximo à costa ocidental do Oceano Atlântico Sul, seu clima é fortemente influenciado pelas massas de ar que dele provêem. Para melhor caracterização do clima regional, foram levantadas as variáveis climáticas registradas na estação meteorológica do município durante o período de coleta de dados no campo (Figura 1). O clima predominante na cota altimétrica da sede do município é o Aw, segundo a classificação de Köppen, e este influencia também a região onde encontravam-se as unidades de produção familiares, por estas pertencerem à mesma cota altimétrica. Foram estimadas, para o período analisado, ou seja, de agosto de 2004 a julho de 2005, temperatura média diária de 23,1 ºC, 83,0 % de umidade relativa média diária e uma pluviosidade acumulada de 1.615 mm. A introdução de animais melhorados originários de clima temperado nos trópicos, seja para exploração direta ou para o acasalamento com animais nativos e adaptados para aumentar o rendimento pecuário, produziu uma série de resultados de sucessos e fracassos, históricos. O clima é de grande importância para a Zootecnia brasileira porque 4/5 do território nacional onde são desenvolvidas as criações acham-se na zona tropical (Domingues, 1968). Esta consideração é relevante, pois os rebanhos caprinos dos dois cabris estudados e aqueles pertencentes aos demais afiliados da CAPRINORF são do tipo leiteiro especializado, basicamente formado por animais da raça Saanen, i.e., 49 ºC M áx . ºC M éd. 35 32 29 30 30 31 25 25 31 32 ºC M ín. 32 32 29 28 27 23 25 24 26 25 25 25 22 20 20 20 20 19 15 26 21 21 20 21 19 20 17 16 15 14 10 14 5 0 A go S et Out Nov Dez Jan Fev M ar A br M ai Jun Jul 2004 - 2005 UR% M éd. 100 UR% M ín. % P luviosidade 90 80 84 83 70 77 71 60 40 60 48 30 57 57 12 0 A go S et 55 56 91 88 61 60 58 16 7 9 1 87 26 19 10 86 51 37 20 87 75 50 52 82 85 5 0 2 3 M ai Jun Jul 0 Out Nov Dez Jan Fev M ar A br 2004 - 2005 Figura 1: Observações registradas mensalmente na estação meteorológica de Porciúncula durante o período de coleta de dados no campo: médias das temperaturas máximas (ºC Máx.), temperaturas médias diárias (ºC Méd.), médias das temperaturas mínimas (ºC Mín.), médias diárias da umidade relativa (UR %Méd.), médias da umidade relativa mínima (UR % Mín.) e porcentual mensal da pluviosidade anual (% Pluviosidade). 50 originários do tronco europeu das raças caprinas. Conforme anteviram Boyazoglu e Morand-Fehr (1987), a adaptabilidade da espécie caprina a diferentes condições ambientais, quando acompanhada de intensificação do processo produtivo, torna os animais dependentes da gestão humana e menos dependentes das condições climáticas, geofísicas e sócio-econômicas das regiões onde assim são criados. Contrariamente aos exemplos de insucesso na aclimação de bovinos leiteiros melhorados de raças européias em algumas regiões pastoris do centro-sul (Domingues, 1968), cabras de raças leiteiras européias são criadas com êxito em muitas regiões tropicais úmidas, semi-áridas e até mesmo desérticas (Osuji,1987; Knights e Garcia, 1997). No sudeste brasileiro, estas raças são criadas com relativa facilidade e formam os rebanhos de bacias leiteiras especializadas (Cordeiro, 2001). O rebanho do município de Porciúncula corrobora a hipótese acerca da adaptabilidade das raças caprinas leiteiras especializadas ao trópico úmido. O emprego de animais especializados na produção leiteira possibilitou à associação de produtores do município tornar-se, em 2005, a maior fornecedora de leite caprino para um dos laticínios beneficiadores de leite de cabra com sede no Estado do Rio de Janeiro, por ter contribuído com 126.405 L naquele ano, segundo informações colhidas junto à indústria (P. R. C. Cordeiro – Celles Cordeiro Alimentos Ltda., por comunicação pessoal). 4.1. Realidade das unidades de produção familiares 4.1.1. Cabril C1 A unidade de produção familiar que constitui C1 pertence a uma família de classe média, cuja renda principal é obtida fora da propriedade. Antes de se tornarem caprinocultores, a família empreendeu um negócio com leite de vaca, mas devido a baixa atratividade do negócio, extinguiram a atividade. A caprinocultura leiteira surgiu como opção para a família, pelo fato de ter-se consolidado no município um canal de comercialização regular para o leite de cabra e também por diletantismo e afinidade pela cabra leiteira. Para ilustrar o fato, cabe salientar que a família tem participado regularmente de torneios para cabras leiteiras na feira agropecuária municipal. Ao iniciarem a atividade, buscaram informações com caprinocultores que residiam no município e em outras regiões. Sempre participaram de cursos, 51 seminários e programas de extensão voltados para a caprinocultura leiteira. Notouse, após apreciação da aparência geral dos animais, das condições de higiene e das práticas de manejo rotineiras praticadas nesta unidade de produção familiar, uma tendência à profissionalização e o desejo claro de atingirem a sustentabilidade econômica do negócio. No tocante ao manejo dos animais, algumas práticas eram realizadas em consonância à literatura técnica da área, e outras, com base na experiência e saber acumulado por tentativa e erro ou em crenças que surgem entre os criadores. Não era praticado manejo específico para as cabras gestantes. Estas fêmeas eram mantidas no mesmo grupo onde encontravam-se em período lactacional. A conseqüência deste processo era a ocorrência de partos e a mamada de colostro pelas crias em suas respectivas mães. As crias (machos e fêmeas), por sua vez, após mamarem o colostro, eram identificadas e transportadas para uma baia coletiva onde eram realizados o corte do excesso de cordão umbilical e aplicada tintura de iodo nesta região para prevenir infecções. Ainda na primeira semana de vida das crias, as fêmeas eram mochadas com ferro quente e os machos descartados. As cabras recém-paridas em fase colostral eram ordenhadas e o colostro armazenado para ser fornecido como alimento às crias em fase de aleitamento. O período de aleitamento durava 60 dias e o processo era artificial, inclusive com o emprego de sucedâneo lácteo comercial indicado para bezerros, preparado com água morna (± 35 a 40 °C) no momento do fornecimento e oferecido individualmente em mamadeiras. A oferta de sucedâneo era mantida até que os animais se fartassem. A partir de uma semana de vida, as cabritas encontravam concentrado no cocho, oferecido ad libitum. Ao final do período de aleitamento, as cabritas eram transferidas para um aprisco com piso ripado e suspenso, onde recebiam capim napier picado à vontade e concentrado, e lá permaneciam, mesmo depois de parirem. Os animais, dentro de cada categoria, eram agrupados por lotes e alojados em baias. Eventualmente eram transferidos de baia, mas sem obedecer a uma lógica definida. As cabras em lactação eram de igual forma manejadas e recebiam capim napier verde picado e concentrado. Eram ordenhadas em uma plataforma de contenção específica para a ordenha de cabras leiteiras, sempre após o trato. 52 Na Tabela 3 foram apresentadas a produção leiteira média diária, a média diária por cabra em lactação e a produção mensal registrada em C1, para cada mês do período pesquisado. A maioria das cabras, segundo os produtores, iniciaram a lactação em julho de 2004 e permaneceram produzindo leite, com persistência, até março, quando ocorreram os acasalamentos estacionais naturais. Neste momento, foi possível notar o decréscimo acentuado da produção leiteira do rebanho. A produção verificada nos primeiros seis meses de levantamento não se restabeleceu até que se repetissem as parições no início do inverno subsequente, isto é, em agosto de 2005. A menor produção mensal no período estudado foi de apenas 4,9% da maior produção registrada, o que permitiu demostrar que a produção do cabril foi fortemente impactada pelo período de acasalamento, já que os outros fatores determinantes da produção permaneceram inalterados. Tabela 3: Evolução da produção e da produtividade do cabril C1 Meses Produção (L/mês) Média Diária (L/d) Agosto/2004 Setembro/2004 Outubro/2004 Novembro/2004 Dezembro/2004 Janeiro/2005 Fevereiro/2005 Março/2005 Abril/2005 Maio/2005 Junho/2005 Julho/2005 1.520 1.483 1.602 1.609 1.370 1.312 900 673 442 79 213 540 49,03 49,43 51,67 53,63 44,19 42,32 32,14 21,71 14,73 2,55 7,10 18,00 23 24 24 25 24 23 23 23 23 11 6 10 978 32,62 20 Médias Cabras Produção em por Cabra Lactação (L/d) Rebanho Total % de Cabras em Lactação 2,13 2,06 2,15 2,14 1,84 1,84 1,40 0,94 0,64 0,23 1,18 1,80 47 46 45 46 45 43 43 46 46 46 48 48 48,93 52,17 53,33 54,34 53,33 53,48 53,48 50,00 50,00 23,91 12,50 20,83 1,53 46 43,48 4.1.2. Cabril C2 A família proprietária do cabril C2 era constituída pelo casal e dois filhos. A renda necessária à manutenção da família, bem como para o atendimento às demandas por educação, saúde, lazer e poupança, advinha exclusivamente da 53 propriedade, por meio dos dois sistemas de produção pecuária que a família empreendia: a bovinocultura e a caprinocultura leiteiras. O esposo era natural da localidade onde foi realizado o presente estudo. Residia com os pais em propriedade confrontante à que, no período em estudo, lhe pertencia e residia com a família. Inicialmente, porém, esta propriedade não lhe pertencia, mas passou nela a residir após contrair matrimônio. No início de sua vida conjugal, foi rizicultor meeiro em outras terras e criou suínos na propriedade onde residia. Auferia parte de sua renda também com o trabalho rural fora da propriedade. À medida que progrediu como agricultor e pecuarista, adquiriu a propriedade onde morava. Com a decadência da orizicultura na região noroeste fluminense, abandonou a lavoura e, devido ao aumento dos custos de produção, viu-se obrigado a extinguir a criação de porcos. O produtor já criava bovinos leiteiros como negócio e algumas cabras leiteiras para prover leite ao filho mais novo, alérgico ao leite de vaca. Ao extinguir as atividades iniciais, investiu na ampliação das atividades leiteiras. Na qualidade de produtor de leite caprino, juntamente com outros pioneiros do município, tentou o beneficiamento e o envase longa vida do leite para ampliar a comercialização, mas neste empreendimento não alcançou êxito. Neste momento, porém, a associação articulou a comercialização do leite de cabra produzido pelos caprinocultores do município de Porciúncula para um laticínio fluminense especializado em leite de cabra. Com o problema da comercialização resolvido, a família detentora do cabril C2 especializou-se na criação de cabras leiteiras. O cabril não tinha baia maternidade. As cabras em final de gestação eram mantidas nos mesmos lotes em que encontravam-se produzindo leite. Pariam nas mesmas baias ou, eventualmente, eram retiradas das baias para parirem com maior conforto. Após o parto, o produtor realizava o corte do cordão umbilical e passava tintura de iodo para evitar infecções. Após uma semana de vida, o caprinocultor efetuava a descorna das cabritas com ferro quente. Neste cabril, as crias recebiam colostro nas primeiras horas de vida, sem qualquer tratamento, porém, o proprietário tinha a preocupação em não deixar as cabritas mamarem logo após nascerem, principalmente naquelas cabras que suspeitava serem portadoras do vírus causador da artrite-encefalite caprina. Utilizava apenas o colostro de cabras que considerava sadias. Após esta fase, as crias em fase de aleitamento recebiam leite ou colostro diluído de vaca, à temperatura ambiente, extraído do próprio sistema de produção da propriedade. A 54 fase de aleitamento durava, em média, 60 dias. O leite ou o colostro diluído de vaca eram oferecido em mamadeiras individuais a cada cabrita, sempre após a ordenha das cabras. Era oferecida uma quantidade suficiente para as cabritas se fartarem. Na fase de recria, as cabritas eram arraçoadas com capim angola e concentrado. As cabritas eram agrupadas em um lote para serem criadas juntas, pois o produtor acreditava que, desta forma, evitava problemas de relacionamento entre animais de grupos diferentes na formação dos lotes. O número de lotes era limitado ao número de baias existentes no cabril. Na Tabela 4 foram apresentadas a produção de leite ao longo dos doze meses que serviram de base para a coleta de dados no campo. A produção não declinou na mesma intensidade que ocorreu no cabril C1. Pode-se observar o incremento no número de cabras lactantes no mês de março, fruto da indução de cios no mês de outubro, por meio da aplicação do programa de luz associado ao efeito bode. A menor produção mensal registrada foi 57,98% do volume de leite produzido no mês de maior produção, o que resultou em menor impacto da sazonalidade sobre a produção leiteira. Esta preocupação em manter a produção mais estável ao longo do ano decorreu da necessidade de manutenção das receitas da propriedade ao longo do ano e de uma sinalização da indústria, que iria praticar o sistema de cota e extra cota, ou seja, um preço maior para a quantidade produzida nos meses de entressafra (cota) e um preço menor para o leite produzido a mais que a média produzida nos meses de entressafra (extra-cota). Durante o período de levantamento foram registradas 3 mortes de cabras lactantes. Tabela 4: Evolução da produção e da produtividade do cabril C2 Média Cabras Produção Rebanho % de Cabras Produção Diária em por Cabra Meses Total em Lactação (L/mês) (L/d) Lactação (L/d) Agosto/2004 Setembro/2004 Outubro/2004 Novembro/2004 Dezembro/2004 Janeiro/2005 Fevereiro/2005 Março/2005 Abril/2005 Maio/2005 Junho/2005 Julho/2005 1.276 1.464 1.554 1.535 1.417 1.310 1.138 1.191 1.053 946 890 1.152 41,16 48,80 50,13 51,83 45,71 42,26 40,64 38,42 35,10 30,52 29,67 37,16 15 19 22 20 21 17 16 24 22 16 17 19 2,74 2,57 2,27 2,59 2,18 2,48 2,54 1,60 1,60 1,91 1,74 1,96 32 33 34 36 36 36 37 39 39 38 36 38 46,87 57,57 64,70 55,55 58,33 47,22 43,24 61,54 56,41 42,10 47,22 50,00 Médias 1.244 40,89 19 2,18 36 52,53 55 4.2. Índices zootécnicos Na Tabela 5 foram listados os índices zootécnicos levantados nos dois cabris durante o período inventariado. Algumas aparentes diferenças registradas encontram fundamento no manejo em geral e, principalmente, devido à gestão da atividade efetuada por cada família. Foi aplicado, a posteriori, o teste t para identificar diferenças que pudessem auxiliar no entendimento do funcionamento dos cabris. Para tanto, foram consideradas significativas as diferenças cujo nível descritivo do teste (valor P) atendesse ao critério P < 0,10. Tabela 5. Índices zootécnicos levantados nos cabris Especificação Intervalo de partos (meses) Fertilidade(%) Prolificidade (crias/parto) Fêmeas nascidas (%) Peso ao nascimento (kg) Idade de desmama (dias) Peso à desmama (kg) Idade à primeira cobrição (meses) Peso à primeira cobrição (kg) Período de serviço (dias) Idade ao primeiro parto (meses) Peso ao primeiro parto (kg) Período de lactação (dias) Produção de leite total por animal (L/lactação) Produção de leite total no período (L) Mortalidade (%) Cabras lactantes/total de cabras (%) Cabras lactantes/total de animais (%) 1 Capril C1 Capril C2 x (± s; n) 1 x (± s; n) 1 12,51 (1,93; 8) 86,95 1,83 (0,69; 24) 38,64 3,21 (0,63; 18) 60 13,14 (4,11; 7) 9,13 (0,60; 5) 27,50 (4,05; 5) 231 (54,37; 8) 14,13 (0,61; 5) 37,68 (4,52; 5) 306 (42,81; 8) 441 11.743 8,7 86,95 41,66 10,53 (1,66; 5) 85,71 1,53 (0,73; 33) 47,00 3,71(0,76; 21) 60 13,36 (2,23; 6) 15,34 (1,65; 6) 38,70 (7,99; 6) 166 (56,19; 5) 20,53 (1,62; 6) 49,83 (6,80; 6) 268 (45,29; 5) 606 14.926 13,88 76,00 52,77 x corresponde à média, s representa o desvio padrão e n o tamanho amostrais. Pode-se depreender, da Tabela 5, que o intervalo entre partos menor (P = 0,0753) no cabril C2 foi conseqüência da indução de cios em outubro de 2004. O proprietário do cabril C2 aplicou a tecnologia do programa de luz associada à do efeito macho para evitar que, em primeiro lugar, ficasse sem produção de leite, ou seja, sem renda, nos meses de maio e junho e, em segundo lugar, para não ter um excesso de produção a partir de julho. Isto foi feito em resposta à indústria 56 captadora, que sinalizara implementar o regime de cota e extra-cota já no período da entressafra de 2005. Outras variáveis foram afetadas por esta intervenção. A primeira cobertura das cabritas foi atrasada (P = 0,0001), o que resultou em maior peso corporal à cobertura (P = 0,0149) e ao primeiro parto (P = 0,0063), bem como maior idade ao primeiro parto (P = 0,0001). Os índices de fertilidade listados na Tabela 5 foram numericamente próximos e os de prolificidade não diferiram pelo teste t (P = 0,1195). O peso ao nascer das crias foi significativamente diferente pelo teste t (P = 0,0308), entretanto, o peso à desmama não diferiu (P = 0,9050). O período de serviço foi maior (P = 0,0645) para o cabril C1, por não ter induzido cios antes da estação natural de acasalamento. Apesar de C1 ter apresentado numericamente maior período lactacional, provavelmente devido às limitações amostrais, não foi detectada diferença significativa entre os cabris para esta variável (P = 0,1610). Os índices zootécnicos são determinantes na rentabilidade, pois guardam relação direta com as receitas e despesas da atividade (Castro, 1987; Gomes, 1995). A fertilidade observada em ambos os cabris (Tabela 5) pode ser melhorada, visto que a média histórica deste índice para rebanhos criados por agricultores familiares em países em desenvolvimento pode atingir 96% (Castro, 1987). A manutenção de animais que não pariram contribuíram para o aumento dos custos fixos da atividade em ambos os cabris. O volume de leite produzido em C2 foi maior que o volume de leite produzido em C1 no período analisado. Como conseqüência, os totais de leite produzidos por cabra lactante, tanto a média individual como a média lactacional, foram maiores para o cabril C2. Computados os quocientes entre o número médio de cabras lactantes e o total de cabras ou o total de animais no rebanho, foi possível identificar maior produtividade para o cabril C2, pois uma menor proporção de cabras lactantes em relação ao número total de cabras foi responsável por maior produção leiteira. Entretanto, a menor proporção de cabras lactantes em relação ao total de animais em C1 resultou de maior retenção de cabritas, o que ocorreu em menor grau para o cabril C2 ao final do período estudado. De igual forma à fertilidade, a elevação do porcentual de cabras lactantes em relação ao rebanho total poderia contribuir para a redução dos custos fixos desde que seja elevado este quociente para valores iguais ou superiores a 80%, índice possível de ser alcançado por agricultores familiares ao conduzirem rebanhos leiteiros (Castro, 1987). 57 Depreende-se, das Tabelas 3 e 4, que os acasalamentos verificados em decorrência do programa de luz associado ao efeito macho aplicados em C2 possibilitou que 42,68 % da produção leiteira anual ocorresse nos meses de fevereiro a julho de 2005 (entressafra), e 57,32 % da produção total durante os meses de agosto de 2004 a janeiro de 2005 (safra). Já para o caso do cabril C1 constatou-se, a partir dos dados da Tabela 3, que a produção leiteira foi sazonal, pelo fato de o período de parições naturais ter proporcionado 75,76% da produção leiteira total durante a safra, e apenas 24,24% concentrados na entressafra. O padrão de distribuição da produção leiteira ao longo do ano decorreu do manejo reprodutivo aplicado (Quitet, 1990; Ribeiro, 1987). Portanto, a estacionalidade reprodutiva dos caprinos pode comprometer a rentabilidade da caprinocultura leiteira conduzida segundo o modelo de produção familiar quando o porcentual de concentração da produção atinge valores superiores a 80% durante 6 meses do ano (Castro, 1987). As produções leiteiras relatadas para cabras de raças pertencentes ao tronco europeu variam de 420 a 1090 L/lactação, produções estas registradas tanto em condições de clima temperado como de clima tropical (AFRC, 1997; Knights e Garcia, 1997; Guimarães, 2004). Produtividade entre 2,5 e 3,5 kg/d para este padrão racial de cabras leiteiras pode ser alcançada por rebanhos nos trópicos, com durações de lactação variando entre 250 e 350 dias (AFRC, 1997; Knights e Garcia, 1997). A produtividade, tratando-se de índice determinante da rentabilidade em sistemas de produção leiteira (Gomes, 1986), pode-se especular que incrementos de produtividade por meio de seleção no próprio rebanho podem viabilizar o empreendimento em C1 e tornar ainda mais rentável C2, visto que a seleção pela produção leiteira dentro do mesmo rebanho apresenta herdabilidade alta (Guimarães, 2004). Esta prática, porém, exige que o caprinocultor implemente controle leiteiro sistemático para o rebanho. No material preparado pelo AFRC (1997) para caprinos, o peso ideal recomendado para a primeira cobrição de cabritas é o de 60% da massa corporal das cabras adultas, o que implica taxa diária de ganho em massa corporal de 150 g/d para cobrição entre seis e oito meses de idade e parto aos 12 meses de vida. Em ambos os cabris foi possível constatar que o desenvolvimento das cabritas esteve aquém desta recomendação, pois as estimativas obtidas a partir dos índices zootécnicos obtidos foram de 89 g/d para o cabril C1 e 76 g/d para o cabril C2. 58 4.3. Emprego da mão-de-obra O trabalho nos cabris era cotidiano e precisava ser feito sem interrupções, tal como exigem os sistemas de produção leiteira. Os tempos gastos, em total de minutos por atividade, para efetuar as tarefas cotidianas em ambos os cabris foram computados por meio de medidas repetidas ao longo do período inventariado e listadas as estimativas da média e do desvio padrão das variáveis (Tabela 6). Tabela 6 . Tempos1 gastos para a realização das atividades cotidianas nos cabris Especificação Ordenha das cabras2 Picar a forragem Trato dos animais3 Arrumar o leite Levar o leite para a Associação Colher a forragem Limpar o esterco sob o cabril4 Cabril C1 x (± s; n) 110,00 (± 54,51; 22) 32,83 (± 8,19; 23) 146,05 (± 29,18; 19) 17,44 (± 12,91; 9) 30,33 (± 4,24; 3) 115,44 (± 36,73; 18) 43,66 ( ± 3,53; 3) Cabril C2 x (± s; n) 130,67 (± 25,89; 24) 9,09 (± 2,21; 21) 53,54 (± 16,10; 22) 15,57 (± 9,52; 19) 54,67 (± 5,03; 3) 36,10 (± 6,52; 19) 55,00 (± 13,23; 3) 1 Tempos expressos em minutos. 2 Nesta atividade foram inclusos os tempos necessários para se varrer o piso ripado e os corredores dos cabris. 3 Nesta variável foram acrescidos os tempos de limpeza dos cochos. 4 Foram inclusos os tempos gastos para distribuição de esterco nas capineiras. As médias para os totais de tempo gastos, em minutos, para cada atividade exercida pelos diferentes trabalhadores, seja por membros familiares ou pela mãode-obra contratada, foram cronometradas e somadas. Foi estimada a estatística t para identificar possíveis diferenças entre os tempos gastos para que fossem efetuadas as mesmas tarefas em cada unidade de produção familiar. Para tanto, foi considerado o critério de que P < 0,10. Ao longo do dia, em ambos os cabris, a rotina de trabalho seguia uma seqüência lógica. No cabril C1 essa rotina se iniciava pela limpeza dos cochos e moagem da forragem colhida e armazenada na véspera, bem como a distribuição da forragem verde picada nos cochos; em seguida, os animais eram ordenhados e o leite envasado para o transporte até a associação. A colheita de forragem e a limpeza do esterco do cabril eram realizadas depois de concluídas as demais 59 tarefas. Cabe ressaltar que, nesta propriedade, foram realizadas cotidianamente duas ordenhas entre os períodos de agosto de 2004 a fevereiro de 2005. A partir daí, apenas em junho de 2005 e em diante é que foram novamente efetuadas duas ordenhas diárias nas cabras em lactação. No cabril C2 as atividades cotidianas iniciavam pela ordenha matinal. Concomitantemente, o capim angola colhido e armazenado na véspera era picado e trazido para ser oferecido aos animais após a ordenha. Após o trato dos animais, a esposa envasava o leite para ser transportado até o posto de recebimento de leite da associação. Uma porção do leite caprino era acondicionada em garrafas de plástico de dois litros (embalagem para refrigerantes) para ser vendido no comércio local. O esposo, no início do período vespertino, colhia a forragem e a deixava desidratar ao sol ou à sombra, conforme as condições do tempo, para ser oferecida no trato vespertino do mesmo dia que a forragem era colhida e no trato matinal do dia seguinte. A remoção do esterco acumulado sob o piso ripado do cabril era realizada uma vez por semana, mas o tempo apresentado na tabela 6 foi computado dividindo-se o tempo total gasto para efetuar a atividade pelo número de dias da semana. Cabe salientar que o mesmo procedimento de cálculo foi adotado para o cabril C1. Em ambos os cabris, os tempos gastos para distribuir o esterco nas capineiras foi computado juntamente com o tempo necessário para a remoção do próprio esterco acumulado sob os cabris. O tempo gasto para a tarefa ordenha não diferiu estatisticamente (P = 0,1163) entre os cabris, o que resultou em diferenças quanto à produtividade da mão-de-obra entre os cabris (Tabela 6). A atividade de picar a forragem diferiu significativamente (P < 0,0001) e o menor tempo gasto registrado no cabril C2 foi devido ao uso de equipamento mais potente e com maior capacidade de processamento de forragem. Existem diferenças entre as plantas forrageiras empregadas, pois o capim napier, de crescimento cespitoso, apresenta maior quantidade de caule que o capim angola, o que demandaria equipamento mais potente em C1. O abastecimento da picadeira com o capim angola parecia um pouco mais difícil, porém, este fato não atrasou o processo de moagem em relação ao capim napier, o que permite especular que a diferença foi devida principalmente à capacidade de processamento do equipamento. A alimentação do rebanho no cabril C1 pode ser considerada uma tarefa trabalhosa, pois é o componente que mais contribuiu para o tempo diário gasto com 60 a atividade (29,46% do total). Este tempo foi superior (P < 0,0001) ao registrado para o cabril C2. A tarefa de colher a forragem demandou tempos diferentes (P < 0,0001) para cada uma das unidades de produção (Tabela 6). No cabril C1, o trabalho de colheita da forragem consumiu, em média, 23,29% do tempo gasto com a caprinocultura leiteira. Esta atividade em C2, porém, consumiu apenas 10,18% da mão-de-obra familiar empregada na execução das tarefas relativas à atividade em estudo. A produção de forragem a partir da várzea de capim angola em C2 assegurava o abastecimento de volumoso ao longo de todo o ano para todas as categorias animais. A única fonte de adubo aplicada era o próprio esterco produzido pelos animais do cabril. O esterco era removido e distribuído nas áreas da várzea onde a forragem havia sido recentemente colhida. Esta tarefa consumia 15,50% do tempo total dedicado pela família à atividade. Cabe salientar que os tempos gastos para efetuar esta atividade, em ambos os cabris, não diferiram estatisticamente (P = 0,9738). Na tabela 7 foram apresentadas as estimativas da média e do desvio padrão para as mesmas variáveis listadas na tabela 6, porém corrigidas para a dimensão total de dias × homem trabalhados por litro de leite produzido em cada cabril (dH/L), integralizados para o período de inventário. A eficiência da mão-de-obra diferiu, em alguns quesitos, entre os cabris. Foi também empregada a estatística t para detectar possíveis diferenças com base em P < 0,10. A produção e os tempos gastos para realização das tarefas cotidianas foram somados para todo o período inventariado. As tarefas de picar a forragem (P < 0,0001), de alimentar os animais (P < 0,0001) e a colheita da forragem (P < 0,0001) foram realizadas com mais eficiência no cabril C2 (Tabela 7). A tarefa de transportar o leite no cabril C1 foi feita com maior eficiência de uso do tempo de mão-de-obra por litro de leite produzido (P = 0,0247) devido ao uso de veículo para o transporte. Não diferiram significativamente os coeficientes técnicos de emprego de mão-deobra para a ordenha das cabras (P = 0,5649), para envasar o leite a ser transportado à associação (P = 0,2744) e limpar o esterco sob os cabris (P = 0,9738) em ambas as unidades de produção familiares (tabela 7). 61 Tabela 7. Coeficientes técnicos de mão-de-obra1 empregados para a realização das atividades por litro de leite produzido em ambos os cabris Especificação Ordenha das cabras Picar a forragem Trato dos animais Arrumar o leite Levar o leite para a Associação Colher a forragem Limpar o esterco sob o cabril Cabril C1 x (± s ) 7,1230×10-3 2,1259×10-3 9,4574×10-3 1,1293×10-3 1,9426×10-3 7,4753×10-3 2,7844×10-3 (3,5297×10 -3) (5,3030×10 -4) (1,8895×10 -3) (8,3590×10-4) (3,2370×10 -4) (2,3784×10-3) (5,5300×10-4) Cabril C2 x (± s ) 6,6570×10-3 4,6300×10-4 2,7276×10-3 7,9320×10-4 2,7852×10-3 1,8391×10-3 2,8020×10-3 (1,3189×10-3) (1,1250×10 -4) (8,2020×10-4) (4,8500×10-4) (2,5620×10-4) (3,3210×10-4) (6,7400×10-4) Coeficientes expressos em total de dias × homem trabalhados por litro de leite produzido (dH/L). O tamanho da amostra, n, foi o mesmo registrado na tabela 4. 1 No cabril C2, uma unidade de produção com perfil estritamente familiar, onde a família obtinha renda exclusivamente das atividades econômicas empreendidas na propriedade, as tarefas cotidianas eram realizadas por toda a família. O proprietário realizava, junto com o filho primogênito, as tarefas mais árduas, como a colheita e o processamento da forragem e a limpeza do cabril, o que ocupou 44% da mão-de-obra familiar em média durante o período analisado (Figura 2). Apesar de a participação do primogênito ser a menor dentre as atividades cotidianas do cabril, sua participação no trabalho junto à bovinocultura leiteira era essencial. A esposa e o filho caçula responderam por 56% do tempo gasto com as tarefas diárias da atividade em estudo (Figura 2). Vale ressaltar que os filhos também cumpriam suas obrigações escolares e a esposa também realizava todas as tarefas domésticas. O proprietário, além das atividades discriminadas, era responsável pela gestão do negócio, todavia, conforme a metodologia adotada, este tempo seria muito difícil de ser medido, portanto, foi estimado com base no custo de oportunidade de mão-de-obra especializada na administração da atividade. A impressão que se tinha, no cabril C2, era a de que a família precisava da participação de todos os seus membros nas atividades cotidianas, conforme é possível constatar a partir do porcentual do trabalho efetuado pelo filho caçula na Figura 2. É importante registrar que a família dispensava cuidados especiais aos animais, particularmente pelo fato de as instalações serem praticamente anexas à residência da família e por desejarem obter a máxima rentabilidade possível da atividade, mesmo porque, a caprinocultura leiteira contribuía com, aproximadamente, 50% da renda familiar mensal. 62 Esposa Caçula Primogênito Esposo Esposa 30% Esposo 43% Primogênito 1% Caçula 26% Figura 2: Proporções do tempo total dedicado à caprinocultura leiteira por cada membro da família proprietária do cabril C2. 4.4. Análise econômica e de rentabilidade das atividades leiteiras A receita anual do cabril C1 foi constituída pela venda de leite para a associação (83,22%), pela venda de animais (6,54%) e em função do crescimento do rebanho (10,24%), estimado por meio da variação do inventário animal (Tabela 8). Constatou-se nesta unidade de produção familiar (C1), que o principal componente da receita foi a comercialização do leite produzido exclusivamente para a associação (tabela 8). A estimativa do custo operacional efetivo (C.O.E.) permitiu quantificar o desembolso anual efetivo da família para cobrir os custos diretos do sistema de produção. Foram acrescidos a este custo, sem desembolso efetivo porém, a mão-de-obra familiar, a mão-de-obra familiar necessária à administração 63 Tabela 8. Resumo das rendas e dos custos da atividade leiteira no Cabril C1 T.A.L. Especificação Unidade (u.m./ano) 1. RENDA BRUTA (RB) Leite Animais Variação do Inventário Animal TOTAL 2 . CUSTOS DE PRODUÇÃO 2.1. Custo Operacional Efetivo (C.O.E.) Mão-de-obra contratada Concentrados Leite para cabritas em aleitamento Sal mineral Transporte do leite Energia e combustível Reparo de máquinas Medicamentos Outros gastos de custeio TOTAL DO C.O.E. 2.2. Custo Operacional Total (C.O.T.) Custo operacional efetivo Mão-de-obra familiar Administração Depreciações Benfeitorias Máquinas Animais de serviço TOTAL DO C.O.T. 2.3. CUSTO TOTAL Custo operacional total Remuneração do capital de giro Remuneração do capital estável Benfeitorias Máquinas Animais Custo de oportunidade da terra CUSTO TOTAL DA ATIVIDADE (C.T.) 3. CUSTO DA PRODUÇÃO LEITEIRA 3.1. CUSTO UNITÁRIO DO LEITE PRODUZIDO 4. RESULTADOS ECONÔMICOS 4.1. Margem bruta total (RB – C.O.E.) 4.2. Margem bruta unitária (RB – C.O.E.) 4.3. Renda líquida total (RB – C.O.T.) 4.4. Renda líquida unitária (RB – C.O.T.) 4.5. Lucro total (RB – C.T.) 4.6. Lucro unitário (RB – C.T.) 4.7. Margem bruta/Área 4.8. Margem bruta/Cabra em lactação 4.9. Margem bruta/Total de cabras 4.10. Taxa de retorno do capital excluída a terra 4.11. Taxa de retorno do capital incluída a terra u.m. u.m. u.m. u.m. 11.198,07 880,00 1.377,32 13.455,39 u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. 4.542,42 4.184,17 123,14 125,00 354,15 572,47 0,0000 137,40 81,62 10.120,37 u.m. u.m. u.m. 10.120,37 4.542,42 3406,81 u.m. u.m. u.m. u.m. 234,00 90,00 90,00 18.483,60 u.m. u.m. 18.483,60 303,61 u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m./L 429,00 33,00 521,45 129,34 19.900,00 17.642,68 1,5024 u.m. u.m./L u.m. u.m./L u.m. u.m./L u.m./ha u.m./Cabra u.m./Cabra % a.a. % a.a. 3.335,02 0,2840 -5.028,21 -0,4282 -6.444,61 -0,5488 3.912,05 166,75 72,50 -29,00 -25,81 T.A.L. – total da atividade leiteira; u.m. – unidade monetária, sendo 1 u.m. = R$ 1,00 = US$ 0,34, em agosto de 2004, e US$ =0,42, em junho de 2005. 64 do negócio e as depreciações, o que produziu como resultado o custo operacional total (C.O.T.). O custo total foi estimado acrescentando-se ao C.O.T. a remuneração sobre os fatores fixos de produção e sobre o capital de giro (tabela 8). O custo da atividade equivaleu ao somatório de todos os componentes de custo. O custo da produção leiteira foi estimado subtraindo-se o valor da venda de animais e o valor da variação do inventário animal, do custo total da atividade. O esterco produzido em ambos os cabris era integralmente depositado sobre as capineiras usadas para a produção de forragem para os caprinos. Desta forma, nenhum resultado financeiro líquido foi imputado tanto às receitas como às despesas em cada um dos empreendimentos. A interpretação dos resultados econômicos apurados permitiu concluir que a atividade apresentou margem bruta, o que possibilitou à família cobrir o custo operacional efetivo (tabela 8). A associação recebeu em média, R$ 1,06 (um real e seis centavos) por litro de leite no período inventariado, mas o repasse médio ao cabril C1 foi de, aproximadamente, R$ 0,95 (noventa e cinco centavos de real), em função da taxa de administração da associação, de 10%. Cabe salientar que a empresa compradora não praticava, à época, preços diferenciais devido à qualidade e ao volume de leite produzido. Observou-se, nesta situação, que o valor recebido pelo litro de leite não permitiu a remuneração de todos os fatores de produção contabilizados, o que acarretou prejuízo de R$ 0,55 (cinqüenta e cinco centavos de real) para cada litro de leite produzido. Todavia, se computadas as receitas efetivamente apuradas (venda de leite e de animais = R$ 12.078,07) e excluído o custo de oportunidade da mão-de-obra familiar (R$ 7.949,23), tanto para a execução de tarefas como para a administração, foi possível constatar que a receita obtida cobriria os demais itens de custo e tornaria a atividade superavitária, com taxa de retorno esperada de 0,51% ao ano. O custo de oportunidade da mão-de-obra familiar parece não nortear o interesse de agricultores familiares por empreendimentos com caprinos em muitos países, e sua viabilidade econômica, freqüentemente, é comprometida quando incluso este elemento de despesa na análise econômica. Financeiramente, porém, se excluído o custo da mão-de-obra familiar, os empreendimentos com caprinos, via de regra, apresentam margem bruta positiva (Teufel et al., 1998; Hamadeh et al., 2001). Como a família não dependia da renda do cabril C1, a continuidade da atividade seria viável financeiramente, no entanto, deveriam ser implementadas ações corretivas visando a otimização de 65 alguns fatores de produção, a melhoria dos índices zootécnicos e o aumento do rebanho. Considerando os investimentos realizados em novas instalações, constatou-se que os resultados apurados encontravam-se dentro dos objetivos do produtor em relação à sua criação, isto é, aumento de plantel e, consequentemente, aumento do número de cabras em lactação em futuro próximo. A situação inverteu-se para o cabril C2, cuja necessidade de renda dependia fortemente do desempenho da atividade econômica empreendida na propriedade, conforme é possível depreender das informações contidas na tabela 9. A interpretação dos resultados econômicos apurados permitiu concluir que a atividade foi lucrativa, o que possibilitou à família remunerar todos os fatores de produção, não somente o C.O.E., como também o C.O.T. e a remunerações sobre os fatores fixos de produção e sobre o capital de giro (tabela 9). O valor do litro de leite repassado pela associação ao produtor de C2, obviamente, não diferiu do preço recebido por C1, i.e., aproximadamente R$ 0,95. Entretanto, o valor médio do litro de leite recebido pelo proprietário de C2 foi próximo de R$ 1,04 (um real e quatro centavos), basicamente, devido à proporção de leite vendida no comércio local (14,61% do total produzido), cujo preço unitário recebido foi de R$ 1,50 (um real e cinqüenta centavos). O total de receitas, conforme é possível deduzir das informações contidas na tabela 9, foi constituído pela venda de leite (92,80%), pela venda de animais (3,36%) e pelo valor acumulado devido à variação positiva do inventário animal (3,84%). Este resultado é um reflexo da especialização desta unidade de produção familiar em produção leiteira. Mesmo que o proprietário não vendesse parte do leite ao comércio local, continuaria com um lucro unitário aproximado de R$ 0,31 (trinta e um centavos de real), o que demonstra a eficiência do sistema de produção. Um ponto importante a ser ressaltado além do lucro é a própria remuneração da mão-de-obra familiar, o que totalizou R$ 7.594,31 ou, aproximadamente, R$ 0,51 (cinqüenta e um centavos) por litro de leite produzido. A diferença básica entre os custos de ambos os cabris deveu-se ao C.O.E., pois este custo em C1 foi 3,2 vezes maior que em C2 (tabelas 8 e 9, Figura 3). Dentre os itens mais dispendiosos deste custo em C1 destacaram-se a mão-de-obra contratada, despesa que não ocorreu em C2, e o gasto com concentrado, correspondente a 1,8 vez o gasto executado em C2. 66 Tabela 9. Resumo das rendas e dos custos da atividade leiteira no Cabril C2 T.A.L. Especificação Unidade (u.m./ano) 1. RENDA BRUTA (RB) Leite Animais Variação do Inventário Animal TOTAL 2 . CUSTOS DE PRODUÇÃO 2.1. Custo Operacional Efetivo (C.O.E.) Mão-de-obra contratada Concentrados Leite para cabritas em aleitamento Sal mineral Transporte do leite Energia e combustível Reparo de máquinas Medicamentos Outros gastos de custeio TOTAL DO C.O.E. 2.2. Custo Operacional Total (C.O.T.) Custo operacional efetivo Mão-de-obra familiar Administração Depreciações Benfeitorias Máquinas Animais de serviço TOTAL DO C.O.T. 2.3. CUSTO TOTAL Custo operacional total Remuneração do capital de giro Remuneração do capital estável Benfeitorias Máquinas Animais Custo de oportunidade da terra CUSTO TOTAL DA ATIVIDADE (C.T.) 3. CUSTO DA PRODUÇÃO LEITEIRA 3.1. CUSTO UNITÁRIO DO LEITE PRODUZIDO 4. RESULTADOS ECONÔMICOS 4.1. Margem bruta total (RB – C.O.E.) 4.2. Margem bruta unitária (RB – C.O.E.) 4.3. Renda líquida total (RB – C.O.T.) 4.4. Renda líquida unitária (RB – C.O.T.) 4.5. Lucro total (RB – C.T.) 4.6. Lucro unitário (RB – C.T.) 4.7. Margem bruta/Área 4.8. Margem bruta/Cabra em lactação 4.9. Margem bruta/Total de cabras 4.10. Taxa de retorno do capital excluída a terra 4.11. Taxa de retorno do capital incluída a terra u.m. u.m. u.m. u.m. 15.502,80 567,00 632,80 16.702,60 u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. 0,00 2.285,92 374,00 100,00 0,00 258,46 110,00 18,50 0,00 3.146,88 u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. 3.146,80 4.187,54 3.406,77 164,70 155,85 90,00 11.151,74 u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m. u.m./L 11.151,74 94,40 u.m. u.m./L u.m. u.m./L u.m. u.m./L u.m./ha u.m./Cabra u.m./Cabra % a.a. % a.a. 13.555,72 0,9082 5.550,86 0,3719 4.829,29 0,3235 81.366,87 713,46 376,55 42,38 40,35 90,58 84,48 426,84 25,27 11.873,31 10.673,51 0,7151 67 T.A.L. – total da atividade leiteira; u.m. – unidade monetária, sendo 1 u.m. = R$ 1,00 = US$ 0,34, em agosto de 2004, e US$ =0,42, em junho de 2005. O transporte do leite em C2 onerou diretamente a produção, pois este gasto foi computado como mão-de-obra familiar acrescida da depreciação e da remuneração do capital investido na charrete e no animal de tração. Portanto, este gasto não figurou na tabela 9 como elemento de despesa, mas foi computado indiretamente a partir da charrete, do animal de tração e do tempo gasto pela mão-de-obra familiar para levar o leite ao tanque de resfriamento da associação. Foram descontados do C.O.E. a mão-de-obra contratada e o gasto com concentrado, em ambos os cabris, para compará-los. Desta forma, estimou-se que o gasto em C1 foi 1,6 vez maior que este mesmo gasto em C2, o que significou menor desembolso financeiro para o ultimo. Deduzido do C.O.T. o total da mãode-obra familiar empregada na administração e execução das tarefas, C1 e C2 apresentaram resultados semelhantes (R$ 414,00 vs. R$ 410,55). Isto se deveu à diferença no cômputo das depreciações das instalações, pois em C1, com apriscos mais novos, o tempo de depreciação computado foi de 50 anos. Em C2, com apriscos adaptados, feitos com material reaproveitado e bem mais velhos, a expectativa de vida útil considerada foi de 15 anos. Apesar do maior valor imobilizado como instalações em C1, o maior tempo diluiu o custo com a depreciação. Como os apriscos em C2 eram feitos com material usado, foi necessário estabelecer menor vida útil, dada a necessidade de renovação das estruturas. A remuneração dos capitais de giro e estável e o custo de oportunidade pelo uso da terra em C1 foi 1,9 vez o total apurado em C2. Esta diferença permitiu demonstrar o maior investimento imobilizado na unidade de produção C1. Algumas diferenças entre os resultados da análise econômica podem ser destacadas (Tabela 10). A diferença entre o porcentual do C.O.E. em C1 e o de C2 foi de 24,34% em relação ao custo total, o que se deveu principalmente à mãode-obra contratada em C1. O envolvimento da família na gestão e execução das tarefas cotidianas em C2 (64% do C.O.T) resultou em maior dispêndio com estes 68 itens quando comparado ao porcentual observado em C1 (39,97%). Os demais itens de custo não impactaram o custo total de produção em cada cabril na mesma proporção que as variáveis aqui mencionadas (tabela 10). Tabela 10. Porcentuais dos componentes de custo em cada cabril Especificação 1. Custos de Produção 1.1. Custo operacional efetivo - C.O.E. Mão de obra contratada Concentrado Leite para cabrita Sal mineral Medicamentos Transporte do leite Energia e combustível Reparo de máquinas Outros gastos de custeio Total do C.O.E. 1.2. Custo operacional total - C.O.T. C.O.E. Mão-de-obra familiar Administração Depreciações Benfeitorias Máquinas Animais de serviço Total do C. O.T. 1.3. Custo total - C.T. C.O.T. Remuneração do capital de giro Remuneração do capital estável Benfeitorias Máquinas Animais Custo de oportunidade da terra Cus to total 2. Renda do leite/ Renda da atividade 3. Indicadores de resultados 3.1.Margem bruta total (RB - C.O.E.) 3.2.Margem bruta unitária (RB - C.O.E.) Unidade Cabril C1 Cabril C2 % % % % % % % % % % 22,82 21,02 0,62 0,63 0,69 1,78 2,87 0,00 0,41 50,84 0,00 19,25 3,15 0,84 0,16 0,00 2,17 0,92 0,00 26,50 % % % 50,84 22,85 17,12 26,50 35,29 28,71 % % % % 1,17 0,45 0,45 92,88 1,38 1,31 0,75 93,92 % % 92,88 1,52 93,92 0,79 % % % % % 2,15 0,16 2,62 0,65 100,00 0,76 0,71 3,59 0,22 100,00 % 83,22 92,82 R$/ano R$/L 3.335,02 0,2840 13.555,72 0,9082 69 3.3.Renda liquida total (RB - C.O.T.) 3.4.Renda liquida unitária (RB - C.O.T.) 3.5.Lucro total (RB - C.T.) 3.6.Lucro unitário (RB - C.T.) 3.7.Margem bruta/Área 3.8.Margem bruta/cabra em lactação 3.9.Margem bruta/total de cabras 3.10.Taxa de retorno do capital excluída a terra 3.11.Taxa de retorno do capital incluída a terra R$/ano R$/L R$/ano R$/L R$/ha R$/cabeça R$/cabeça %a.a. %a.a. -5,028,21 -0,4282 -6.444,61 -0,5488 3.912,05 166,75 72,50 -29,00 -25,81 5.550,86 0,3719 4.829,29 0,3252 81.366,87 713,36 376,55 42,38 40,35 A receita no cabril C2 dependeu mais da venda de leite e menos da venda de animais e do acréscimo devido à variação do inventário animal do que em C1 (Figura 3, Tabela 10). Ambas as unidades de produção apresentaram margem bruta positiva, porém, após remunerados todos os fatores de produção, inclusive a terra, observou-se prejuízo em C1 e lucro em C2. A diferença entre a rentabilidade dos dois cabris pôde ser apurada já a partir da renda líquida (RB – COT, Tabela 10) que exclui apenas a remuneração dos fatores fixos de produção. Considerando que a cabra foi a unidade produtiva principal neste negócio, constatou-se maior margem bruta por cabra lactante e por cabra adulta no rebanho de C2 (tabela 10). 70 (a) (b) 10% 3% 4% 7% 83% Leite (c) Anim ais 93% VIA Leite (d) 7% Anim ais VIA 6% 27% 51% 42% 67% CO E itens do CO T Rem unerações CO E Itens CO T Rem unerações Figura 3. Distribuição porcentual entre receitas e custos para os cabris C1 (a e c) e C2 (b e d). COE, custo operacional efetivo; COT, custo operacional total; VIA, variação do inventário animal. A taxa de retorno do capital correspondeu ao quociente entre a receita total subtraída do C.T. e o total de investimentos realizados, nos quais foi incluído ou não o fator terra. O valor apurado para o negócio empreendido na unidade de produção familiar C2 foi positivo em ambas as situações cogitadas. Este resultado significa que, para cada mil reais investidos na caprinocultura leiteira enquanto negócio nesta pequena propriedade da família detentora de C2, há um retorno de R$ 423,80 excluída a terra ou, caso este componente fosse incluído nos custos, um retorno de R$ 403,50 de ao ano. 71 Os coeficientes técnicos foram estimados como medidas da eficiência de utilização dos fatores empregados na produção leiteira, visto ter sido majoritária a receita decorrente da venda de leite, o que permitiu demonstrar a especialização de ambos os sistemas pesquisados na produção de leite de cabra (tabela 11). Conforme revelado anteriormente (tabela 10), em C1 gastou-se com mãode-obra contratada, e mais do que o dobro em concentrados para produzir o mesmo equivalente em leite registrado no cabril C2 (tabela 11). Um componente importante a ser mencionado foi o gasto dez vezes menor com o aleitamento das crias por meio do emprego de sucedâneo lácteo em C1, uma vez que o custo de oportunidade do leite de vaca usado no aleitamento das cabritas em C2 foi de R$ 0,70/L, o mesmo preço que o proprietário de C2 recebia com a venda deste produto originário da bovinocultura leiteira que empreendia na propriedade. O desembolso para cobrir o C.O.E. em C1 foi aproximadamente 4 vezes maior que o necessário para a produção do mesmo montante em produto (leite) na unidade C2. O mesmo raciocínio pode ser considerado para a eficiência de utilização da mão-de-obra familiar, cujo índice expresso em dH/L foi 1,6 vez maior em C1. Não menos importante foram as diferenças entre os coeficientes técnicos para a remuneração do capital imobilizado em benfeitorias, cujo índice foi seis vezes maior em C1, i.e., um montante maior de recursos alocados para uma menor produção. De igual forma, há 1,5 vez mais dinheiro imobilizado no rebanho em C1 para cada litro de leite produzido do que no rebanho pertencente a C2. A maior produtividade do rebanho C2 diluiu o capital imobilizado, o que proporcionou coeficiente técnico mais favorável. 72 Tabela 11. Demonstrativo dos coeficientes técnicos para os dois cabris Especificação ELEMENTOS DE DESPESAS 1. Custo Operacional Efetivo (C.O.E.) Mão-de-obra contratada Concentrados Leite para cabritas em aleitamento Sal mineral Transporte do leite Energia Combustível Reparo de máquinas Medicamentos Outros gastos de custeio 2. Custo Operacional Total (C.O.T.) C.O.E. Mão-de-obra familiar Administração Depreciações: Benfeitorias Máquinas Animais de serviço 3. CUSTO TOTAL C.O.T. Remuneração do capital de giro Remuneração do capital estável: Benfeitorias Máquinas Animais Custo de oportunidade da terra CUSTO TOTAL DA ATIVIDADE (C.T.) 4. CUSTO DA PRODUÇÃO LEITEIRA Unidade Cabril C1 Cabril C2 dH/L kg/L L/L kg/L R$/L kWh/L L/L R$/L R$/L R$/L 0,03108 0,60291 0,02488 0,01064 0,03016 0,18019 0,00000 0,00000 0,01170 0,00695 0,00000 0,27871 0,03578 0,00670 0,00000 0,05802 0,00241 0,00737 0,00124 0,00000 R$/L dH/L dH/L 0,86182 0,03108 0.00770 0,21083 0,01807 0,00620 R$/L R$/L R$/L 0,01993 0,00766 0,00766 0,01103 0,01044 0,00603 R$/L R$/L 1,57401 0,02585 0,74714 0,00632 R$/L R$/L R$/L R$/L R$/L R$/L 0,03653 0,00281 0,04441 0,01101 1,69463 1,50239 0,00607 0,00566 0,02860 0,00169 0,79548 0,71509 4.5. Dificuldades relativas à criação de caprinos leiteiros O estado sanitário e a aparência geral de ambos os rebanhos eram bons, sem sinais clínicos de doenças. Existiam, porém, alguns animais com menores escores de condição corporal que, ao longo do período inventariado, sofreram emagrecimento progressivo, inclusive com a necessidade de sacrifício de uma cabra adulta em cada cabril. Apesar disso, o gasto com medicamentos foi muito 73 inferior em relação aos custos totais da atividade leiteira em ambos os cabris (Tabela 10). Não existiam programas que os criadores seguissem para melhorar a saúde de seus rebanhos. Por exemplo, apesar do proprietário de C2 ter demostrado preocupação com a transmissão horizontal da artrite-encefalite caprina a vírus (CAEV), a medida profilática que adotava não evitava a infecção das crias, muito menos a transmissão de um animal para outro, pois não conhecia os animais soro-positivos, apenas suspeitava da doença ao observar a sintomatologia da CAEV em alguns animais com quadro clínico evoluído, provavelmente associado a esta doença. Conforme se depreende de Rosa (1996), somente com a adoção de práticas efetivas é possível o controle e a erradicação da doença no médio prazo. Portanto para alcançar esta meta, deve-se evitar o ingresso de animais doentes ou portadores da doença no rebanho, realizar exames sorológicos periódicos para o conhecimento dos animais positivos e proceder ao seu isolamento e descarte assim que possível. Não permitir que as crias recém-nascidas mamem em suas mães mas, de forma alternativa, proverlhes colostro pasteurizado a 56 °C por 60 minutos nas suas primeiras horas de vida, e empregar sucedâneo (produto comercial ou leite de vaca) nos casos em que o custo de oportunidade do leite de cabra for elevado. A unidade de produção C1 gastou 2,16 vezes mais concentrado para produzir o mesmo equivalente em litro de leite (Tabela 11). Apesar de o cabril C1 ter apresentado variação positiva do inventário animal, o que implicou aumento da necessidade de concentrado do rebanho, esta variação provavelmente não permite explicar toda esta diferença observada. A diferença básica entre os regimes alimentares de ambos os cabris era a planta forrageira empregada como alimento volumoso. No cabril C1 era utilizado o capim elefante (Pennisetum purpureum Schum., cv. Napier), enquanto que no cabril C2 era empregado o capim angola (Urochloa mutica (Forssk.) T.Q. Nguyen). O capim elefante é uma forrageira perene, cespitosa e pode atingir, em média, de 3 a 4 m de altura. Perfilha vigorosamente, pois suas raízes são grossas e rizomatosas. Os colmos são cilíndricos, glabros, cheios, com entrenós de 15 a 20 cm de comprimento e diâmetro de até 2,5 cm. As folhas atingem até 1,25 m de 74 comprimento por 4 cm de largura, contêm uma nervura central larga e de cor mais clara e apresentam disposição alternada ao longo do caule. Existem diversas variedades cultivadas mas, em geral, não produzem bem em solos hidromórficos. No entanto, é comprovadamente de origem tropical e se adapta bem à maioria das condições brasileiras (Carvalho, 1985). No Brasil, tem sido cultivado na forma de capineiras para ser colhido, picado e oferecido aos animais, ensilado ou ainda empregado na formação de pastagens (Obeid et al., 1984). O nome vulgar capim angola parece ter sido empregado como denominação de espécies diferentes. A partir do ano 2000, sua denominação científica foi revista pelo International Code of Botanical Nomenclature, quando passou a ser denominada Urochloa mutica e os nomes Brachiaria purpurascens e Brachiaria mutica considerados sinônimos. Segundo Pupo (1979), o capim angola é uma gramínea estolonífera decumbente perene, com colmos ocos e glabros, considerada de origem africana, porém há controvérsia se não é originária do Brasil. Apresenta bom perfilhamento e emite vigorosos estolões, longos e rasteiros, que crescem rapidamente e emitem raízes nos nós, o que a permite cobrir o terreno em curto espaço de tempo. Não produz sementes viáveis e sua reprodução é feita por meio de propagação de mudas. Difundida em todo o território nacional, adapta-se melhor em baixadas úmidas ou alagadiças. Não resiste a secas severas e geadas, mas quando as condições climáticas são favoráveis, o capim angola vegeta exuberantemente, proporcionando forragem nutritiva e palatável. No início da década de 1970 foi descoberta uma nova gramínea ocupando solos hidromórficos do Estado do Rio de Janeiro. Esta gramínea possui características morfológicas tanto da B. mutica como da B. radicans, também existente na região, e constatou-se que era um híbrido interespecífico originário do cruzamento espontâneo das duas espécies citadas, denominado capim tangola. As plantas forrageiras cultivadas em ambos os cabris pertenciam ao grupo C4, cuja característica é o elevado rendimento forrageiro nas condições tropicais, onde o crescimento pode ser incrementado pela adubação (Van Soest, 1994). Estas espécies acumulam reservas nas raízes para posterior mobilização durante 75 a rebrotação e, ao crescerem vigorosamente, produzem grande quantidade de parede celular, que por seu turno, encerra carboidratos de natureza fibrosa (Mertens, 2002). Na medida em que ocorre o acúmulo de matéria seca, os carboidratos da parede celular são incrustados pela lignina, depositada enquanto dure o crescimento vegetativo (Van Soest, 1994). Este processo causa aumento linear da repleção ruminal do capim elefante (Vieira et al; 1997), o que trás contingências para a utilização desta forrageira por animais ruminantes mais produtivos, por necessitarem de menor tempo de renovação da matéria fibrosa no rúmen (Demment e Longhurst, 1987; Van Soest, 1987). Uma vez que o tamanho animal representa restrição adicional à dinâmica ruminal da fibra, este processo se acentua quando os pequenos ruminantes são arraçoados com alimentos ricos em fibra insolúvel ou pobres em conteúdo celular. Os caprinos, mesmo alimentados com forragem picada, mantêm o seu hábito seletivo, e no caso de plantas forrageiras com crescimento cespitoso como o capim elefante, os animais podem refugar até 60% do total oferecido (Demment e Longhurst, 1987). Obviamente, o montante refugado pode depender, em muito, da qualidade da forragem ofertada. O estádio de desenvolvimento da planta forrageira, o tamanho médio das partículas da forragem após trituradas (Van Soest, 1994) e a interação da forragem com outros alimentos, podem afetar o consumo da forragem disponível ora estimulando-o, ora limitando-o. A moagem dificulta a seleção de partes da planta oferecida mas, ainda assim, com o aumento da oferta (o que significa aumento de sobras), os caprinos são capazes de selecionar as partes de melhor qualidade, como os fragmentos de folhas ou bocados da forragem com menores teores de fibra (Johson e van Eys, 1987; Van soest, 1987; Morales et al., 2000; Fedele et al., 2002). O capim angola apresenta teor de fibra em detergente neutro (FDN) na fase assintótica de seu crescimento (aproximadamente 40 dias) equivalente ao capim elefante com altura de corte de 150 cm, i.e., aproximadamente 60% de FDN (Vieira et al., 1997; Ornelas, 2003). Mesmo os relatos sobre os teores de FDN indigerível (%MS) para o capim angola (27%) e para o capim elefante (20%) nestas condições (Vieira et al., 1997; Henriques, 2004), não permitiram justificar 76 as diferenças entre os coeficientes técnicos observados para o uso de concentrados entre os dois cabris (tabela 9). O capim napier no cabril C1 era colhido com altura equivalente a 150 cm. O capim angola no cabril C2 não era cortado rente ao solo, apenas a parte vegetativa não senescente era colhida. Os caprinos, quando em liberdade, são capazes de selecionar as partes mais nutritivas da forragem disponível, no entanto, em regime de confinamento, esta condição natural é restrita pelo criador (Van Soest, 1987; Forbes, 1995). Portanto, o desempenho das funções produtivas depende diretamente da qualidade da matéria alimentar oferecida. A hipótese é a de que as propriedades cinéticas de degradação e passagem do capim angola propiciem maior aporte de nutrientes para as cabras leiteiras do que o capim elefante, ainda que ambos sejam produzidos segundo a recomendação técnica de manejo para cada espécie. Contudo, esta hipótese precisa ser confirmada após investigações futuras. 4.6. Indicadores de viabilidade Os resultados da análise econômica do cabril C2 (tabela 9) foram considerados para apreciação da viabilidade econômica do negócio e para a realização dos testes de sensibilidade conforme descrito na seção 3.3.1. Os fluxos de caixa estimados por meio de simulação a partir do resultado vigente para os quatro anos subsequentes foram de R$ 5.961,41. O total de investimentos equivaleu a R$ 11.968,11, entre animais, instalações, máquinas, equipamentos e terra. O valor presente líquido (VPL) estimado ao final do período simulado foi de R$ 20.721,02, com uma taxa interna de retorno (TIR) para o negócio de 48,62%. Esta rentabilidade é considerada alta para o negócio pecuário, particularmente se considerado que todos os fatores de produção, inclusive a mão-de-obra familiar, tanto para execução das tarefas diárias como para administração do negócio, foram plenamente remunerados. Este resultado permitiu concluir que a caprinocultura leiteira praticada segundo o modelo familiar de produção em tela foi viável economicamente. 77 A realização do teste de sensibilidade permitiu identificar que o sistema seria viável, ainda que em um cenário pessimista de aumento dos insumos e estabilidade do preço de venda dos produtos responsáveis pelas receitas do negócio, pois apresentou VPL igual a R$ 14.335,81 e TIR equivalente a 39,30%, o que demonstrou a robustez do empreendimento. A família auferiu renda equivalente à remuneração da mão-de-obra empregada acrescida do lucro da atividade. O valor apurado ao final do período de inventário foi equivalente a R$ 12.423,60, o que resultou em renda familiar mensal de R$ 1.035,30. O salário mínimo vigente no estado à época era de R$ 300,00. Admitindo-se que o casal poderia trabalhar fora da propriedade para obter renda, a receita familiar mensal seria de apenas R$ 600,00. A família inteira trabalhava com as cabras leiteiras e gastava apenas 6 horas diárias, o que totalizava 42 horas semanais. Se trabalhassem fora da propriedade, o casal, apenas, teria de perfazer uma jornada de trabalho equivalente a 88 horas semanais. A caprinocultura leiteira é uma atividade que permite incluir toda a família no trabalho e gestão do negócio, particularmente a mulher e os filhos menores. Depoimentos colhidos em outras regiões do planeta ilustram esta vantagem da caprinocultura. A Sra. Yan Liyu, entrevistada no interior da China, uma das pessoas receptoras do Heifer Project International - HPI, declarou que "os caprinos a livraram da pobreza". Shi Meirong, outra receptora do HPI e entrevistada também naquele país, declarou que "apenas quando se tem dinheiro você pode ser o mestre de seu próprio destino". A criação de caprinos representa uma alternativa para a inclusão das mulheres no agronegócio rural para que possam contribuir efetivamente para o desenvolvimento sustentável no campo (Sinn et al., 1999). A unidade de produção familiar C2 apresentou vantagens comparativas em relação às de outras localidades no mundo. O custo unitário do litro de leite produzido é bem inferior ao praticado, em média, nos principais países europeus onde a produção de leite caprino é relevante comercialmente. O leite produzido ao custo de US$ 0,27 o litro compete com os preços pagos ao produtor relatados por Dubeuf et al. (2004) na Espanha (US$ 0,43/L), Itália (US$ 0,46/L), Grécia 78 (US$ 0,56/L) e França (US$ 0,49/L). Se comparada às eficiências de remuneração dos trabalhadores nestes países, estimada segundo Rancourt et al. (2006), pelo quociente entre a margem bruta do empreendimento e o total anual de horas trabalhadas nas tarefas diárias (unidade laboral, UL), na Espanha, França, Grécia e Itália eqüivalem, respectivamente, a US$ 18.148,00/UL, US$ 20.740,00/UL, 14.259,00/UL e US$ 25.926,00/UL. Estes índices de eficiência técnica para a remuneração da mão-de-obra1 foram de US$ 4.226,29/UL, registrados em C1, e de US$ 7.585,63/UL em C2, o que permitiu concluir que o custo de produção segundo os modelos de produção familiar estudados fora competitivo. Os quocientes entre as margens brutas por cabra, ainda segundo estes autores, foram de US$ 269,63 (Espanha), US$ 466,67 (França), US$ 197,03 (Grécia) e US$ 575,55 (Itália). A margem bruta por cabra observada no cabril C2 foi de US$ 141,00. No Líbano, por exemplo, a inclusão do custo de oportunidade da mão-deobra familiar revelou que os empreendimentos não apresentariam viabilidade econômica (Hamadeh et al., 2001). A caprinocultura empreendida em moldes familiares em Botswana, porém, tal como em C2, apresentou viabilidade econômica, com taxa de retorno anual de 33,8%, constatado em estudo efetuado por Panin e Mahabile, em 1997. A dependência da renda proporcionada pela caprinocultura pode explicar as possíveis diferenças entre sistemas superavitários e deficitários (Teufel et al., 1998; Sinn et al., 1999). A família proprietária do cabril C2 dependia exclusivamente da propriedade para obter a renda necessária à satisfação de suas necessidades, enquanto que a família proprietária de C1 precisaria manter a atividade apenas em equilíbrio, i.e., remunerando todos os fatores de produção apenas. Conforme Alves (2001) salientou, se a família não dispuser de outras fontes de renda, uma renda líquida familiar positiva não pode perdurar se a perspectiva for de prejuízo no longo prazo para o empreendimento. A exploração de petróleo trouxe forte crescimento econômico para a região norte fluminense, o que implicou aumento da demanda por mão-de-obra em todos os setores da economia de municípios como Macaé, Campos dos 1 Para o cálculo foram considerados 242 dias/homem trabalhados ao longo de um ano. 79 Goytacazes e Rio das Ostras, por exemplo. Estas cidades médias estão exercendo, conforme antecipou Abramovay (2000), forte atratividade sobre a mãode-obra de toda a região noroeste do Estado do Rio de Janeiro. Todavia, como este mesmo autor salienta, o custo de oportunidade da mão-de-obra advinda dos pequenos municípios satélites a estas cidades é baixo. A renda competitiva da caprinocultura leiteira observada na unidade de produção familiar C2 (margem bruta/UL) pode representar um contraponto à fascinação exercida pelas referidas cidades. Recentemente, após contato com o produtor, constatou-se que o mesmo adquiriu 7,3 ha próximos à sua propriedade com o fim de ampliar o negócio da caprinocultura leiteira, em função da decisão de seu filho primogênito em permanecer trabalhando com o pai e, provavelmente lhe suceder no negócio. A sucessão exitosa dos empreendimentos familiares é o grande desafio para se alcançar o desenvolvimento sustentável no campo (Silvestro et al., 2001). Assegurar aos jovens agricultores familiares que deverão suceder aos seus pais, área de terra suficiente e financiamento com taxas compatíveis para os demais fatores de produção é necessidade premente a ser materializada na forma de políticas públicas que possibilitem a manutenção das famílias no campo, orgulhosas por seu negócio e sua vida rural com qualidade (Morand-Fehr e Boyazoglu, 1999; Silvestro et al., 2001; Haenlein, 2001). A rentabilidade demonstrada para a atividade em C2 permite afirmar que a caprinocultura leiteira, empreendida segundo o modelo de produção familiar, pode garantir aos filhos a oportunidade de sucederem aos pais na condução da atividade. O negócio pode proporcionar renda de forma competitiva e assegurar-lhes autonomia em decidir por buscarem ou não sua sobrevivência em meio urbano. O lucro e a plena remuneração da mão de obra familiar podem torná-los menos susceptíveis às pressões exercidas pela conjuntura socio-econômica vivida pelos jovens agricultores familiares fluminenses, o que evitaria, outrossim, sua quase certa migração para as médias e grandes cidades, onde, provavelmente, não teriam a mesma qualidade de vida. 80 5. CONCLUSÕES A caprinocultura leiteira é uma atividade que pode gerar renda e riqueza para o produtor rural. Torna possível a satisfação das necessidades, em todos os sentidos, de sua família e até mesmo que ela reinvista em seus fatores de produção. O desenvolvimento da atividade no contexto da agricultura familiar possibilita que a mulher ingresse efetivamente no negócio rural, o que amplia a eqüidade entre os gêneros em um ambiente tipicamente masculino. O trabalho na atividade pode ocupar toda a família e o desempenho econômico da caprinocultura leiteira torna viável a pequena propriedade, desde que inserida na cadeia produtiva e que não existam restrições quanto à comercialização de seu principal produto, i.e., o leite in natura, particularmente por este representar mais de 85% das receitas da atividade. Outro ponto relevante reside no fato de a atividade produzir riqueza o suficiente para tornar exitosa a sucessão do negócio empreendido pela família, o que a torna importante instrumento de geração de empregos, renda e desenvolvimento para o meio rural. A qualidade do volumoso é um dos fatores determinantes da rentabilidade da atividade, pois um bom volumoso reduz o gasto com concentrados. Neste sentido, pesquisas sobre o valor nutricional de plantas forrageiras adaptadas ou adaptáveis ao noroeste fluminense precisam ser aprofundadas. 81 6. RECOMENDAÇÕES Para que o negócio caprinocultura leiteira se torne economicamente viável, no caso do cabril C1, alguns ajustes seriam recomendados: primeiramente, em se optando por manter a quantidade de mão-de-obra, é preciso aumentar a sua eficiência de trabalho, aumentar o plantel e elevar a concentração de animais nas instalações respeitando-se área mínima de 1,5 m2 por cabra adulta; a seguir, concentrar todo o plantel de matrizes no cabril principal; viabilizar a área de várzea com capim-angola para o trato dos animais; cogitar a produção de silagem de milho e, finalmente, prosseguir com rigor na eliminação de animais que apresentarem menor produtividade, i.e., implementar programa de seleção de matrizes. Já no caso do cabril C2, o negócio é lucrativo, porém, como quase todos os fatores de produção estão sendo usados em seus limites máximos, o que poderia ser feito é a sua ampliação, pelo aumento do número de animais e instalações, para que com isto possa ser utilizado todo o potencial do fator de produção excedente, ou seja, a mão-de-obra familiar. Há a necessidade premente de se implantar um programa de seleção para o aumento da produtividade do rebanho. Se o produtor aumentar o plantel em quantidade e qualidade, o montante de 82 dinheiro auferido no lucro será maior, o que permitirá, desse modo, que os filhos permaneçam de forma economicamente sustentável na propriedade. As autoridades municipais, os agentes de extensão rural e a associação de produtores precisam trabalhar de forma cooperativa para a erradicação da CAEV no médio prazo, e de outras doenças infecciosas que acometem os caprinos e trazem prejuízos econômicos, uma vez que esforços individuais e isolados não trazem benefícios concretos para a erradicação da doença. Além disso, a união de todos os atores municipais, articulando-se na busca por redução de custos dos insumos, redução de impostos, busca por mais canais e formas de comercialização para o leite, além da necessária busca por recursos com taxas de juros compatíveis ao desenvolvimento sustentável da caprinocultura leiteira praticada no contexto da agricultura familiar, são ações prementes para a definitiva consolidação da caprinocultura leiteira no município de Porciúncula. Desta forma, os objetivos de inclusão social no campo e a atenuação das desigualdades regionais serão plenamente alcançados. 83 7. 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