0 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS Unidade Universitária de Ciências Exatas e Tecnológicas Curso de Licenciatura em Matemática Leis dos cossenos e dos senos: do surgimento à aplicabilidade Franciney Cristina Bastos Anápolis 2014 1 Franciney Cristina Bastos Leis dos cossenos e dos senos: do surgimento à aplicabilidade Trabalho de Curso apresentado a Coordenação Adjunta de TC, como parte dos requisitos para obtenção do título de Graduada no Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual de Goiás sob a orientação da professora Msc. Selma Marques de Paiva. Anápolis 2014 2 3 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, meu Senhor, que me fortalece e renova todas as manhãs, e que me chamou pra vencer. Sem Ele jamais teria chegado onde estou. Todas as minhas conquistas e vitórias são unicamente para Glória do Senhor Jesus, meu único e eterno Libertador e Salvador. A Ele, minha luz, meu caminho, minha verdade, minha força e minha vida, devo tudo o que sou. À minha família. Ao meu pai Manoel, por me incentivar sempre a perseverar nos estudos, por acreditar no meu potencial, pelo seu imenso carinho e dedicação, meu exemplo de luta e honestidade. À minha irmã Marcinei, por me apoiar em toda esta trajetória, estar ao meu lado em todas as situações, me ajudando a enfrentar os momentos difíceis, acreditando sempre na minha vitória, minha melhor amiga. À minha irmã Noronei, que sempre estendeu sua mão quando precisei, me mostrando que eu nunca estaria sozinha. Ao meu sobrinho Higor, que foi a maior benção que Deus já nos concedeu, que nos alegra e fortalece o sentido de nossas vidas, nosso presente Divino. À minha mãe, que hoje não está mais entre nós, que me amou com todas as suas forças e me educou para a vida, mais do que com palavras, mas com os próprios exemplos, que sempre batalhou para proporcionar o melhor para nossa família e que, com sua imensa generosidade, força e proteção, me ensinou em alguns anos de vida o que muitos não encontram em toda a existência: a força do amor, da fé e da família. A todos os professores, mestres da formação, que de forma direta ou indireta, me proporcionaram um crescimento intelectual e pessoal, especialmente a minha orientadora Selma Marques, o professor Kelvin Couto, que me estimulou a sempre acreditar em mim mesma e superar meus limites e o professor Cleber Carrasco, exemplo de conduta profissional. Aos meus amigos que estiveram e permaneceram ao meu lado. 4 "Sempre me pareceu estranho que todos aqueles que estudam seriamente esta ciência acabam tomados de uma espécie de paixão pela mesma. Em verdade, o que proporciona o máximo de prazer não é o conhecimento e sim a aprendizagem, não é a posse, mas a aquisição, não é a presença, mas o ato de atingir a meta." (Carl Friedrich Gauss) 5 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Circunferência de diâmetro d ..................................................................... 14 Figura 2: Triângulo acutângulo .................................................................................. 19 Figura 3: Triângulo obtusângulo ................................................................................ 21 Figura 4: Triângulos ABC e BCD, inscritos numa circunferência de raio R ............... 22 Figura 5: Triângulos ABC e ACE, inscritos numa circunferência de raio R ............... 23 Figura 6: Triângulos ABC e ABF, inscritos numa circunferência de raio R................ 24 Figura 7: Vetor resultante , de duas forças e .................................................. 25 Figura 8: Representação gráfica do exemplo 1 ......................................................... 26 Figura 9: Triângulo ilustrativo do exemplo 1 .............................................................. 27 Figura 10: Representação gráfica do exemplo 2 ....................................................... 27 Figura 11: Representação gráfica do exemplo 3 ....................................................... 29 Figura 12: Triângulo ABC, reto em ......................................................................... 35 Figura 13: Triângulo ABC, reto em ......................................................................... 36 Figura 14: Triângulo ABC, reto em ......................................................................... 37 6 RESUMO O trabalho discorre sobre as leis dos cossenos e dos senos. Apresenta uma síntese do panorama histórico da Trigonometria, desde o seu surgimento aos dias atuais, expondo também a teoria e a demonstração das leis. Abrange as aplicações dessas leis nas mais diversas situações, além de discutir acerca da importância de inserir as aplicações desse conteúdo nos planejamentos de aula do Ensino Médio. A escolha do tema surgiu de um interesse particular em relação às aplicações do conhecimento matemático, em particular, a Trigonometria. Sendo uma pesquisa de natureza bibliográfica, foi realizada uma leitura sobre o assunto, em vários trabalhos acadêmicos, como dissertações e teses. O resultado do trabalho apresenta as aplicações das leis dos cossenos e dos senos, ratificando sua importância nas aulas do Ensino Médio, e sugere algumas metodologias de ensino deste conteúdo. Palavras-chave: Aplicações; Ensino-aprendizagem; Leis dos cossenos e dos senos; Trigonometria 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8 Capítulo 1 .................................................................................................................. 11 PANORAMA HISTÓRICO - TRIGONOMETRIA ........................................................ 11 1.1. Primeiras noções.......................................................................................... 11 1.2. Relação entre a função corda e a função seno ............................................ 12 1.3. Principais matemáticos que se dedicaram ao estudo da Trigonometria ...... 14 Capítulo 2 .................................................................................................................. 18 LEIS DOS COSSENOS E DOS SENOS ................................................................... 18 2.1. Lei dos cossenos.......................................................................................... 18 2.2. Lei dos senos ............................................................................................... 21 Capítulo 3 .................................................................................................................. 25 APLICAÇÕES DIVERSAS ........................................................................................ 25 Capítulo 4 .................................................................................................................. 31 ENSINO-APRENDIZAGEM DAS LEIS DOS COSSENOS E DOS SENOS .............. 31 4.1. O papel da matemática e as dificuldades no ensino-aprendizagem ............ 31 4.2. Metodologias de ensino ............................................................................... 33 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 39 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 41 8 INTRODUÇÃO A Trigonometria é considerada um dos conteúdos mais difíceis da Matemática. Por sua natureza abstrata, a compreensão se torna mais complexa. Como parte desta unidade temática, as leis dos cossenos e dos senos ainda têm um grau maior de dificuldade, devido às fórmulas envolvidas em seu estudo. Além disso, quando os alunos não veem utilidade em determinado conteúdo, relutam em aprendê-lo, e a remota pergunta surge: “Onde eu vou usar isso professor?”. Este problema da falta de utilidade do conteúdo, em alguns casos devido ao material adotado pelo professor, como o livro didático, é corroborado por Pinheiro (2008, p. 35), que afirma: Percebemos também, principalmente nas unidades finais dos capítulos, a falta de atividades de aplicações da Trigonometria em outras áreas do conhecimento. Ainda há falta de interações e relações mais significativas entre a Trigonometria e outras áreas das Ciências. No entanto, apesar de toda essa dificuldade, é também um conteúdo que tem uma importância especial em diversos setores da atividade humana. Quase tão antiga quanto a própria Matemática em si, a Trigonometria contribuiu essencialmente para o progresso da Ciência. Sem ela, os antigos egípcios não teriam construído as magnas pirâmides, não seria possível o desenvolvimento da Astronomia e as grandes navegações estariam fortemente comprometidas. E na atualidade, sua utilidade vai além: na Mecânica, Eletricidade, Engenharia Civil, Topografia e até mesmo na Música e Acústica. Assim também são as leis em questão: elas são indispensáveis na Física, em construções diversas, no cálculo de distâncias inacessíveis, e em outras situações, conforme consta nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006, p. 74): Problemas de cálculos de distâncias inacessíveis são interessantes aplicações da trigonometria, e esse é um assunto que merece ser priorizado na escola. Por exemplo, como calcular a largura de um rio? Que referências (árvore, pedra) são necessárias para que se possa fazer esse cálculo em diferentes condições – com régua e transferidor ou com calculadora? E foi essencialmente do interesse pelas aplicações da Matemática, em especial da Trigonometria, que resultou a escolha do tema deste trabalho: as leis dos cossenos e dos senos. Os pilares do trabalho são: o surgimento, o 9 desenvolvimento e principalmente as aplicações das leis, e também o processo de ensino-aprendizagem desse conteúdo. Foi feita uma revisão bibliográfica acerca do assunto em livros de História da Matemática, livros de Matemática do Ensino Médio, documentos eletrônicos com conteúdos relacionados ao tema, e também em documentos eletrônicos da Secretaria de Educação Básica e da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro, como os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) e outras orientações pedagógicas complementares. Em relação aos objetivos e abordagem, trata-se de uma pesquisa bibliográfica e qualitativa. O presente trabalho está dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo, encontra-se uma síntese sobre o surgimento e desenvolvimento da Trigonometria, bem como das leis dos cossenos e dos senos; e de alguns elementos referentes ao tema, por exemplo, as tábuas trigonométricas, a origem da palavra seno, identidades trigonométricas, relação da Trigonometria com o cálculo infinitesimal e com a Análise Matemática. Ainda faz referência aos principais estudiosos matemáticos que contribuíram para o desenvolvimento da Trigonometria. O capítulo 2 descreve a teoria das leis, as definições e as demonstrações. A lei dos cossenos é verificada geometricamente, e são analisados dois casos: do triângulo acutângulo e do triângulo obtusângulo. A prova da lei dos senos é apresentada considerando o triângulo inscrito numa circunferência e as implicações desta propriedade. As principais aplicações das leis são explanadas no capítulo 3. Através de exemplos práticos, são apresentadas as utilizações. Na Física: a lei dos cossenos é necessária para o cálculo da intensidade da resultante de duas forças, F1 e F2 , que formam entre si um ângulo α. Na Engenharia: tanto a lei dos cossenos quanto a dos senos possibilitam o cálculo de distâncias e alturas. E na própria Matemática, sendo necessárias para a resolução de triângulos quaisquer. Os problemas apresentados são práticos, estimulam o raciocínio e suas soluções são objetivas. As dificuldades do ensino-aprendizagem, as metodologias de ensino e a importância deste conteúdo estão descritas no capítulo 4. Procurou-se discorrer sobre as dificuldades na compreensão da Trigonometria, as causas dessa 10 dificuldade, além de ressaltar os pré-requisitos para o estudo das leis dos cossenos e dos senos. São mencionadas as propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais, e ainda neste capítulo elaboramos algumas sugestões de exercícios. Espera-se que o mesmo seja um material de consulta para todos aqueles que têm interesse em aprimorar seus conhecimentos sobre o tema e como facilitador de estudo para os que têm dificuldade nesse conteúdo. Para aqueles que ainda têm resistência ao assunto ou não veem utilidade do mesmo, pretende-se esclarecer as aplicações das leis dos cossenos e dos senos em problemas diversos da atividade humana. Enfim, o trabalho designa socializar o conhecimento, investigando metodologias que contribuem para um ensino-aprendizagem de qualidade. 11 Capítulo 1 PANORAMA HISTÓRICO – TRIGONOMETRIA 1.1. Primeiras noções A Trigonometria (do grego, trigonos = triângulo e metria = medida) é o estudo da relação entre as medidas dos lados e dos ângulos num triângulo, e seu surgimento não tem uma data específica. Os registros históricos sobre os antigos estudos realizados nesse ramo da Matemática são escassos, pois naquela época o modo de registro era apenas o escrito; como este era bastante precário perdeu-se muito das observações realizadas. Entretanto, pode-se deduzir que as primeiras noções de Trigonometria surgiram com os egípcios e os babilônicos. No papiro de Rhind (antigo Egito) encontramos conceitos primários relacionados à trigonometria, como a cotangente de um ângulo. Esse conceito era necessário na construção das pirâmides, para calcular a inclinação (do egípcio, seqt) de suas faces. Essas noções primárias culminariam, mais tarde, na função tangente. E na Babilônia, entre 1900 a.C. e 1600 a.C., na placa babilônica Plimpton322 foi compilada uma considerável tábua de secantes. Foram as observações e estudos relacionados à Astronomia, sobretudo pelos babilônicos, que impulsionaram o desenvolvimento da Trigonometria. Ainda relativamente à Astronomia, através dos escritos históricos, verificamos que os antigos egípcios e árabes acreditavam na teoria do universo geocêntrico. Segundo o geocentrismo, que é o modelo cosmológico mais antigo, o Sol girava em torno da Terra numa órbita que durava 360 dias para realizar uma volta completa. Assim, a cada dia, o Sol percorria um arco de circunferência da sua órbita. Eles relacionaram esse arco a um ângulo, que tinha como vértice o centro da Terra e cujos lados estendiam-se até as extremidades desse arco. Esse ângulo se tornou uma unidade de medida e recebeu o nome de grau. Embora um grau seja considerado pequeno, os estudos astronômicos lidam com circunferências bem 12 grandes e os cálculos exigem precisão, de modo que os estudiosos sentiram necessidade de unidades menores que o grau. Foi assim que resolveram dividir o grau em 60 partes iguais, cada uma dessas partes representando um minuto. Na busca por unidades ainda menores, houve a divisão do minuto: dividiram-no em 60 partes iguais, sendo cada parte correspondente a um segundo. Já o grado corresponde a um ângulo central de uma circunferência dividida em 400 partes. Segundo alguns estudiosos, a unidade surgiu como forma de arredondamento de valores nos cálculos. 1.2. Relação entre a função corda e a função seno Alguns estudiosos gregos utilizaram em suas pesquisas, conceitos como cordas, ângulos, círculos e a relação entre eles. Por exemplo, Eudoxo (408-355? a.C.) utilizou medidas de ângulos para mensurar a extensão da Terra. Aristarco, que viveu por volta de 300 a.C. deduziu as distâncias do Sol e da Lua e, para isso utilizou o equivalente a uma desigualdade que envolve o seno e a tangente de dois ângulos agudos. Apesar de não haver ainda uma Trigonometria ordenada e sistemática, as leis dos senos e cossenos já estavam presentes em antigas obras, embora não estivessem formuladas como hoje as conhecemos. Segundo afirma Boyer (1996, p.108), Nas obras de Euclides não há trigonometria no sentido estrito da palavra, mas há teoremas equivalentes a leis ou fórmulas trigonométricas específicas. As Proposições II.12 e II.13 de Os elementos, por exemplo, são as leis de co-senos para ângulos obtuso e agudo respectivamente [...] Os teoremas sobre comprimentos de cordas são essencialmente aplicações da lei dos senos. É interessante ressaltar, como observa Contador (2008), que inicialmente a Trigonometria era fundamentada na função corda (de um arco de círculo) e atualmente, na função seno. A seguir veremos a relação entre as duas. Seja d o diâmetro de uma circunferência dada (Fig. 1). Tracemos os raios CM e CN, e depois a corda MN. Seja α o ângulo MĈN , onde C é o centro da circunferência. Em seguida, tracemos o diâmetro de modo que este seja perpendicular à corda MN, interceptando-a em seu ponto médio P. Desse modo, o 13 diâmetro coincidirá com a bissetriz do ângulo α. Como o ângulo MP̂C é reto, temos que: sen α MP = 2 CM (1.1) Mas CM é também o raio da circunferência isto é, a metade do diâmetro. Assim: CM = d 2 (1.2) Substituindo esse resultado na equação (1.1): sen α MP = d 2 2 ⇒ sen α 2 MP = 2 d (1.3) Mas 2 MP = MN. Então sen α MN α = ⇒ MN = d sen 2 d 2 (1.4) MN é a corda correspondente ao ângulo α, de tal modo que as duas funções ficam relacionadas pela seguinte expressão: crd α = d sen α 2 (1.5) 14 Figura 1: Circunferência de diâmetro d Obs: Essa relação também pode ser expressa por: crd α = 2 sen α 2 (1.6) uma vez considerada a circunferência com raio unitário. 1.3. Principais matemáticos que se dedicaram ao estudo da Trigonometria Hiparco de Nicéia, astrônomo e matemático grego (por volta de 180-125 a.C.) foi considerado o pai da Trigonometria. A honra deve-se ao seu trabalho pioneiro de publicar a primeira tabela trigonométrica. O motivo da compilação da tabela foi a utilização desta em seus estudos astronômicos. A ele também é atribuída, na Grécia, a introdução da divisão do círculo em 360°. Um de seus principais trabalhos é constituído de 12 livros, nos quais ele dedicou-se à construção de uma tábua de cordas. Depois de Hiparco, a maior contribuição para o desenvolvimento da Trigonometria foi dada por Cláudio Ptolomeu, por volta do século II da Era Cristã. Este escreveu a que tem sido considerada a obra trigonométrica mais expressiva da 15 antiguidade, denominada Almagesto. Nessa publicação, Ptolomeu organizou uma tábua de cordas, que contém os comprimentos das cordas dos ângulos centrais de um círculo dado, para os ângulos de 0° a 180°. Ptolomeu também estudou outros conteúdos pertinentes à Trigonometria, como por exemplo, o seno da soma e diferença de dois arcos. A construção de tábuas trigonométricas não ficou restrita aos gregos: os hindus também realizaram esse trabalho, ainda que tivessem uma Trigonometria mais aritmética do que geométrica. Durante todo este tempo a Trigonometria existia quase que exclusivamente em função da Astronomia. Somente por volta do século XIII, com os árabes, ela ganhou nova direção. Como ramo da Matemática, desenvolveu-se fundamentada na geometria. Aos árabes também é atribuída a origem da palavra seno. Embora os hindus, por volta do século V d.C. já estivessem utilizando tabelas de senos em substituição às de cordas, a Trigonometria ainda era baseada no estudo das cordas. Dessa forma, os árabes adotaram o termo hindu jiva, que significa corda e traduziram-na como jyã, mais tarde jiba. Como em árabe usualmente são escritas apenas as consoantes das palavras, o termo jiba ficou conhecido como jb. Mais tarde utilizaram a palavra jaib, cujo significado é enseada ou baía. Porém, foi traduzida para o latim como sinus, que resulta em seno, cujo significado é curvatura. (CONTADOR, 2008) O matemático muçulmano Abû’l-Wefâ (940-998) já utilizava o equivalente à fórmula do arco duplo (sen 2α = 2 sen α cos α ) e introduziu a função tangente na Trigonometria, que como parte da Matemática, começou a ser aplicada na Cartografia e também na Topografia. Posteriormente, o italiano Leonardo Fibonacci escreveu uma de suas principais obras, Practica Geometriae (1220), na qual apresenta importantes aplicações trigonométricas. Um trabalho mais completo sobre Trigonometria foi escrito por Regiomontanus, em 1464, no qual escreveu sobre Trigonometria Plana e Esférica. 16 Neste livro fez também uma demonstração da lei dos senos. Ainda contribuiu para o desenvolvimento da Trigonometria com o cálculo de tabelas de senos e tangentes. Entre os séculos XV e XVI, a Trigonometria mais uma vez teve seu desenvolvimento impulsionado por estudos relacionados à Astronomia. Nicolau Copérnico (1473-1543), astrônomo que propôs o sistema heliocêntrico, efetuou novos cálculos em Astronomia posicional. Em seu livro De Revolutionibus Orbium Coelestium desenvolveu importantes conceitos trigonométricos. As funções trigonométricas foram definidas por Rheticus (1514-1576), a partir de relações entre os lados de um triângulo retângulo, no qual considerou o seno de um ângulo em substituição ao seno de um arco. Nesse mesmo período surgiram algumas nomenclaturas e abreviações: os termos co-sinus (cosseno) e cotangente, que significam respectivamente o seno e a tangente do complemento de um ângulo, por Edmund Gunter em 1620, e as abreviaturas sen, cos, tan, sec, cossec e cotg para seno, cosseno, tangente, secante, cossecante e cotangente, respectivamente, que estão presentes nos trabalhos de Albert Girard, de 1626, e de William Oughtred, de 1657. Algumas identidades trigonométricas já estavam sendo estudadas na época. Na França, François Viète (1540-1603) demonstrou a igualdade sen α - sen β = 2 cos α+β α-β cos 2 2 (1.7) e ainda chegou a fórmulas para ângulos múltiplos: sen nx e cos nx. Em sua obra Variorum de rebus mathematicis, há um enunciado equivalente a atual lei das tangentes: a+b A+B tan 2 = 2 a-b A-B tan 2 2 (1.8) Durante quase dois milênios de existência, a Trigonometria esteve fortemente ligada à Astronomia. Os números utilizados nos cálculos astronômicos 17 eram muito grandes, o que dificultava a realização das operações de multiplicação e divisão. O objetivo de facilitar os cálculos e a preocupação com as relações funcionais ocasionou a prostaférese (do grego prosthaphaeresis, cujo significado é adição ou subtração), isto é, a transformação de produto de funções em soma ou diferença. Por volta do século XVII, revelaram-se aplicações dos estudos trigonométricos na refração e outros ramos da Física. A relação com a Física estimulou o surgimento de outra unidade de medida angular: o radiano, instituída em 1873, por Thomas Muir e James T. Thompson. Esta unidade proporcionou maior exatidão e facilidade nos cálculos trigonométricos e na Física tem grande importância no estudo de movimentos curvilíneos. O avanço do conhecimento matemático e o desenvolvimento da Geometria Analítica no século XVII, com René Descartes, expandiram o estudo das curvas. Nesse contexto histórico, apresentou-se o prelúdio dos gráficos de funções trigonométricas. Gilles Personne de Roberval, em 1635 realizou o primeiro esboço da curva seno. Outro matemático de destaque no estudo das funções trigonométricas foi John Wallis (1616-1703), que ilustra um gráfico de dois períodos da função seno em seu livro Mecânica. A Trigonometria também esteve fortemente ligada ao cálculo infinitesimal. Newton (1642-1727) deduziu a série para sen x, a partir do estudo de séries infinitas; Roberval demonstrou ainda que: ∫ sen x dx = cos a b a cos b (1.9) O progresso da Trigonometria veio principalmente com Euler (1707-1783), responsável pela criação da função “e”, que associa a cada número um ponto de um determinado círculo C de raio unitário e cujo centro está na origem de um plano cartesiano. Dessa maneira podem ser definidas as funções seno e cosseno de um número real e não de um ângulo, como era anteriormente necessário. Finalmente, as funções trigonométricas estiveram presentes na Análise Matemática a partir de Jean-Baptiste Joseph Fourier, com estudos sobre movimentos periódicos e as séries de Fourier. 18 Capítulo 2 LEIS DOS COSSENOS E DOS SENOS Como visto no capítulo anterior, as leis dos senos e dos cossenos, que podemos entender como relações entre os elementos de um triângulo, já eram conhecidas há cerca de 2000 anos e estão presentes nas obras de Euclides e também de Ptolomeu, não estavam formuladas da maneira que hoje conhecemos, mas em essência eram as correspondentes leis. Por volta do século XV, Regiomontanus fez uma demonstração da lei dos senos. Seguidamente, veremos o enunciado de tais leis bem como suas demonstrações. 2.1. Lei dos cossenos Em qualquer triângulo, o quadrado de um dos lados é igual à soma dos quadrados dos outros dois lados, menos duas vezes o produto desses dois lados pelo cosseno do ângulo formado por eles. Para um triângulo de lados a, b e c, por exemplo, temos: a 2 = b 2 + c 2 - 2 b c cos  . A seguir, faremos uma demonstração geométrica da lei dos cossenos. Demonstração: Seja ABC um triângulo qualquer. Consideraremos dois casos, a saber, quando o triângulo é acutângulo e quando é obtusângulo. 1º CASO: o ângulo  é agudo ( < 90°) – ver Figura 2. Traçando a altura h relativamente ao ângulo Cˆ , obtemos o Δ BCD, reto em D. Pelo teorema de Pitágoras: a2 = h 2 + y 2 (2.1) No Δ ACD, também reto em D, temos: b2 = h 2 + x 2 ⇒ h2 = b 2 - x 2 (2.2) 19 Substituindo (2.2) em (2.1): a2 = b 2 - x 2 + y 2 (2.3) Mas, c=x+y ⇒ y=c-x (2.4) Levando essa última relação em (2.3): a 2 = b 2 - x 2 + (c - x) 2 ⇒ a2 = b 2 - x 2 + c 2 - 2 c x + x 2 (2.5) ⇒ a2 = b 2 + c 2 - 2 c x Do Δ ACD tem-se que: x cos Aˆ = ⇒ x = b cos Aˆ b (2.6) Substituindo (2.6) em (2.5): a 2 = b 2 + c 2 - 2 b c cos Aˆ (2.7) c.q.d. Figura 2: Triângulo acutângulo 20 As demonstrações de que: b 2 = a 2 + c 2 - 2 a c cos Bˆ c = a + b - 2 a b cos Cˆ 2 2 (2.8) 2 são análogas. 2º CASO: o ângulo  é obtuso ( > 90°) – ver Figura 3. Através do prolongamento do lado AB, traçamos a altura h relativa a este lado. No triângulo BCD, pelo Teorema de Pitágoras: a 2 = (c + x )2 + h 2 (2.9) No triângulo ACD, pelo mesmo Teorema: b2 = h 2 + x 2 ⇒ h2 = b 2 - x 2 (2.10) Levando (2.10) em (2.9): a 2 = (c + x) 2 + b 2 - x 2 ⇒ a2 = c 2 + 2 c x + x 2 + b 2 - x 2 (2.11) ⇒ a2 = b 2 + c 2 + 2 c x Sabemos que o cosseno de um ângulo obtuso é oposto ao cosseno do suplemento desse ângulo, então: cos  = - cos ( 180° - Â) = x cos  = b x b (2.12) ⇒ x = - b cos  (2.12) em (2.11): a 2 = b 2 + c 2 + 2 c (- b cos Â) (2.13) ⇒ a 2 = b 2 + c 2 - 2 b c cos  c.q.d. 21 Figura 3: Triângulo obtusângulo Por raciocínio análogo mostra-se que: b 2 = a 2 + c 2 - 2 a c cos B̂ (2.14) c 2 = a 2 + b 2 - 2 a b cos Ĉ 2.2. Lei dos senos Em qualquer triângulo, a proporção entre os lados e os senos dos ângulos opostos aos respectivos lados se mantém constante e igual à medida do diâmetro da circunferência circunscrita ao triângulo. Num triângulo cujos lados medem a, b e c, por exemplo, vale: a sen  = b sen B̂ = c sen Ĉ = 2 R. Demonstração: Seja um triângulo qualquer inscrito numa circunferência de raio R, como o da figura 4. Denominando este triângulo por ABC, temos: lado a, oposto ao ângulo A; lado b, oposto ao ângulo B; e lado c, oposto ao ângulo C. Tracemos o diâmetro a partir do vértice B até a extremidade D. Unindo este ponto D ao vértice C, obtemos o triângulo BCD. 22 Figura 4: Triângulos ABC e BCD, inscritos numa circunferência de raio R Por estar inscrito numa semicircunferência, este triângulo é retângulo; e por determinarem a mesma corda na circunferência concluímos que os ângulos A e D são iguais. Então:  = D̂ ⇒ sen  = sen D̂ ⇒ sen  = a a ⇒ = 2R 2R sen  (2.15) Traçando agora o diâmetro a partir do vértice C até a extremidade E, e ligando esta ao vértice A temos o triângulo ACE, reto em A por também estar contido numa semicircunferência (Figura 5). 23 Figura 5: Triângulos ABC e ACE, inscritos numa circunferência de raio R Verificamos ainda que os ângulos B e E são iguais por determinarem a mesma corda. Então: B̂ = Ê ⇒ sen B̂ = sen Ê ⇒ sen B̂ = b b ⇒ = 2R 2R sen B̂ (2.16) Analogamente, traçaremos o diâmetro a partir do vértice A até a extremidade F, e em seguida ligaremos este ponto ao vértice B. Assim obtemos o triângulo ABF reto em B (Figura 6). 24 Figura 6: Triângulos ABC e ABF, inscritos numa circunferência de raio R Os ângulos C e F são iguais, pois definem a mesma corda. Logo: Ĉ = F̂ ⇒ sen Ĉ = sen F̂ ⇒ sen Ĉ = c c ⇒ = 2R 2R sen Ĉ (2.17) De (2.15), (2.16) e (2.17) concluímos que: a sen  = b sen B̂ = c sen Ĉ =2R (2.18) 25 Capítulo 3 APLICAÇÕES DIVERSAS Como visto, desde o surgimento e durante seu desenvolvimento, a Trigonometria restringia-se ao estudo dos triângulos e estava relacionada à Astronomia. Atualmente, seu emprego projeta-se também em outras áreas da Matemática, como na Análise. Uma importante obra que aborda um tratamento analítico da Trigonometria é Miscelânea Analítica, escrita por Moivre em 1730. Na atividade humana, também notamos a utilidade da Trigonometria, como por exemplo, na Mecânica, Eletricidade, Engenharia Civil, Topografia e até mesmo na Música e Acústica. Particularmente, a lei dos senos é utilizada para a resolução de triângulos quaisquer: em muitos exercícios de trigonometria é necessário calcular a medida de um dos lados de um determinado triângulo sendo dadas as medidas dos outros dois lados e do ângulo formado por estes lados. Neste caso, a ferramenta utilizada é a lei dos cossenos. Essa lei ainda permite calcular todos os ângulos de um triângulo, se forem conhecidas as medidas dos três lados. As aplicações da lei dos cossenos não se limitam à disciplina de Matemática. Na Física, temos que a força é uma grandeza vetorial e como tal dever ser calculada vetorialmente. Então a fórmula para se calcular a intensidade da resultante de duas forças, F1 e F2 , que formam entre si um ângulo α, é a própria lei dos cossenos, como na ilustração abaixo: Figura 7: Vetor resultante R , de duas forças F1 e F2 26 Aplicando a lei dos cossenos ao triângulo ABC da figura 7, temos: R 2 = F12 + F2 2 - 2 F1 F2 cos (180° - α ) (3.1) Como cos (180° - α) = - cos α R 2 = F12 + F2 2 - 2 F1 F2 (- cos α ) ⇒ R = F + F2 + 2 F1 F2 cos α 2 2 1 2 (3.2) expressão que nos fornece a intensidade da resultante R . Em construções diversas também se faz necessária a aplicação da lei dos cossenos, como nos exemplos seguintes: Exemplo 1. (Unicamp-SP) A água utilizada na casa de um sítio é captada e bombeada do rio para uma caixa-d’água a 50 m de distância. A casa está a 80 m de distância da caixa-d’água e o ângulo formado pelas direções caixa-d’água-bomba e caixa-d’água-casa é de 60º. Se se pretende bombear água do mesmo ponto de captação até a casa, quantos metros de encanamento são necessários? Fonte: GIOVANNI, José Ruy.; BONJORNO, José Roberto.; Júnior, José Ruy Giovanni. Matemática fundamental. São Paulo: FTD, 1994. Volume único. Figura 8: Representação gráfica do exemplo 1 Solução: Temos o seguinte triângulo ilustrativo: 27 Figura 9: Triângulo ilustrativo do exemplo 1 Utilizando a lei dos cossenos, na figura 9 teremos: x 2 = 80 2 + 50 2 - 2 × 80 × 50 × cos 60° x 2 = 6400 + 2500 - 8000 × 0,5 x 2 = 6400 + 2500 - 4000 x 2 = 4900 ⇒ x = 4900 ⇒ x = 70 Portanto, para bombear água do mesmo ponto de captação até a casa, são necessários 70 metros de encanamento. Exemplo 2. Pretende-se construir uma passarela ligando as sacadas de dois prédios. Para calcular seu comprimento, foram esticadas duas cordas dessas sacadas até o solo, como mostra a ilustração na figura 10. Com os dados da figura 10, determine a medida aproximada da passarela e as medidas dos ângulos B̂ e Ĉ . Figura 10: Representação gráfica do exemplo 2 28 Solução: AC = b = 20 m AB = c = 18 m  = 30° Precisamos calcular BC = a, B̂ e Ĉ Pela lei dos cossenos, temos: a 2 = b 2 + c 2 - 2 b c cos Aˆ ⇒ a 2 = 20 2 + 18 2 - 2 × 20 × 18 × cos 30° ⇒ a 2 = 400 + 324 - 720 × Substituindo 3 2 3 = 1,7 , temos: a 2 = 400 + 324 - 720 × 0,85 ⇒ a 2 = 400 + 324 - 612 ⇒ a 2 = 112 ⇒ a = 112 ⇒ a ≈ 10,6 Utilizando a lei dos senos: a b 10,6 20 10,6 20 ⇒ = ⇒ = sen 30° 0,5 sen B̂ sen B̂ sen  sen B̂ 20 ⇒ 21,2 = ⇒ sen B̂ ≈ 0,94 ⇒ B̂ ≈ 70 o sen B̂ Através do cálculo da soma dos ângulos internos do triângulo:  + B̂ + Ĉ = 180° ⇒ 30° + 70° + Ĉ = 180° ⇒ Ĉ = 180° - 30° - 70° ⇒ Ĉ = 80° Logo, a medida aproximada da passarela é de 10,6 metros, a do ângulo B é de 70° e a do ângulo C é de 80°. A lei dos senos também auxilia no cálculo de distâncias inacessíveis, com o subsídio de um instrumento utilizado por engenheiros, topógrafos e agrimensores: o teodolito. 29 Exemplo 3. Para determinar a altura de uma torre de rádio, um engenheiro , com a ajuda de uma trena, coloca um teodolito a uma distância de 90 metros da torre. Usando o teodolito, mirou o alto da torre e verificou, na escala do teodolito, que o ângulo formado por essa linha visual com a horizontal é de 36º. Se o teodolito está a 2,1 metros do chão, pede-se determinar a altura da torre. Solução: Figura 11: Representação gráfica do exemplo 3 Como queremos calcular a altura da torre, consideramos o ângulo que esta faz com a linha horizontal, como sendo de 90º. Sendo a soma dos ângulos internos do triângulo igual a 180°, e o ângulo entre a linha horizontal e a visual medido em 36°, obtemos o ângulo α, formado pelas linhas visual e vertical: 90° + 36° + α = 180° ⇒ α = 180° - 90° - 36° ⇒ α = 54° Agora, podemos encontrar a medida x utilizando a leis dos senos: x 90 x 90 x = ⇒ = ⇒ = 111,1 ⇒ x = 65,5 sen 36° sen 54° 0,59 0,81 0,59 E a medida y é dada por: y = x + 2,1 ⇒ y = 65,5 + 2,1 ⇒ y = 67,6 Logo, a altura da torre é de aproximadamente 67,6 metros. Do exposto acima, a respeito das diversas aplicações das leis dos cossenos e dos senos, percebe-se a relevância de seu aprendizado, que também 30 deve preceder o das funções trigonométricas, como está explícito nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006, p. 73): No que se refere ao estudo das funções trigonométricas, destaca-se um trabalho com a trigonometria, o qual deve anteceder a abordagem das funções seno, co-seno e tangente, priorizando as relações métricas no triângulo retângulo e as leis do seno e do co-seno como ferramentas essenciais a serem adquiridas pelos alunos no ensino médio. Vemos assim, que o estudo das leis dos cossenos e dos senos facilita a compreensão das funções trigonométricas, conteúdo importância, e deve estar relacionado com situações reais. também de extrema 31 Capítulo 4 ENSINO-APRENDIZAGEM DAS LEIS DOS COSSENOS E DOS SENOS 4.1. O papel da matemática e as dificuldades no ensino-aprendizagem A investigação na área de Educação Matemática deve-se à necessidade de discutir a didática do ensino de Matemática, objetivando um ensinoaprendizagem de qualidade e que seja centralizado no educando. Ensino esse que forme seres humanos pensantes, que não reproduzam informações transmitidas, mas sim, capazes de discutir ideias, formular hipóteses, buscar novas soluções para problemas, enfim, construir o conhecimento. Espera-se que o aluno, ao concluir o Ensino Médio, esteja apto para aplicar seus conhecimentos matemáticos em diferentes situações. Segundo os PCN+ (Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais / Ensino Médio), o conhecimento matemático é necessário em uma grande diversidade de circunstâncias, considerado como instrumento para lidar com situações da vida cotidiana, como suporte a outras áreas do conhecimento ou, ainda, como forma de desenvolver habilidades de pensamento. Particularmente no Ensino Médio, a Matemática deve ser vista como parte do conhecimento humano fundamental para a formação dos jovens, capaz de contribuir para o desenvolvimento de capacidades que deles serão requeridas tanto na vida profissional quanto na vida social e também como instrumento que desperta a criatividade e a autoconfiança. Tudo isso se refere ao papel formativo da Matemática. Já seu caráter instrumental está pautado no fato de os alunos saberem utilizá-la para solucionar problemas práticos, compreenderem que é uma ciência com características próprias, fundamentada em teoremas e demonstrações, e imprescindível ao conhecimento científico e tecnológico (PCNEM – Parte III). 32 Ainda segundo os PCN+, a disciplina de Matemática está estruturada em três eixos temáticos, agrupados a partir de uma articulação lógica dos conteúdos, a saber: 1. Álgebra: números e operações 2. Geometria e medidas 3. Análise de dados Visando melhor planejamento do currículo, cada um desses temas pode ser subdividido em unidades temáticas. O tema Álgebra: Números e Operações, está disposto em duas unidades temáticas, quais sejam, variação de grandezas e trigonometria. Para o tema Geometria e medidas, são propostas quatro unidades temáticas: geometria plana, geometria espacial, geometria métrica e geometria analítica. E o tema Análise de dados é composto por três unidades: estatística, contagem e probabilidade. E, ainda, em cada uma dessas unidades estão distribuídos diversos conteúdos. Focalizando o interesse na unidade temática trigonometria, temos os seguintes conteúdos: Razões trigonométricas no triângulo e Trigonometria na circunferência, dos quais fazem parte as leis dos cossenos e dos senos. Estas são ensinadas na 2ª série do Ensino Médio, na qual se pressupõe que o aluno já tenha conhecimento suficiente para compreendê-las e interpretá-las. Mas dentro da realidade escolar, este tópico da Trigonometria, que deveria chamar a atenção por suas diversas aplicações, muitas vezes é considerado um “fardo” pesado pelos alunos. Aliás, a maioria não gosta de estudar tudo o que está relacionado a esta unidade temática. E esse fato tem sido objeto de pesquisas dedicadas ao ensino da Trigonometria, nas quais já se foi falado sobre essas dificuldades e desinteresse pelo assunto: Dos vários conteúdos de Matemática, a Trigonometria é um dos de mais difícil compreensão pelos (as) alunos (as). Acreditamos que tal dificuldade se deva ao seu grau de abstração e a forma expositiva / transmissiva em que a mesma é ensinada. Os fatos e conceitos são apresentados sem que o aluno tenha oportunidade de construí-los. (AMARAL, 2002, p.11, apud PINHEIRO, 2008, p. 12) E na pesquisa de Nielce Costa (1997, p. 15 e 17), ela declara: 33 Assim sendo, a trigonometria, que é uma das formas matemáticas do Homem compreender e interpretar a Natureza pode ser, para nossos alunos, apenas um assunto abstrato e sem utilidade [...] Uma aluna chegou a mencionar que gostaria de ter “perdido menos tempo” com trigonometria para “assistir mais aulas sobre juros, porcentagens, álgebra, probabilidade” (sic) porque, em seu entender, tais assuntos eram de maior valia para o cotidiano [..] No trecho do trabalho de Pinheiro, inclusive, vemos uma das possíveis causas dessa resistência por parte dos educandos: a metodologia empregada pelo professor. Certamente esta não é a única causa, pois são diversos os fatores que podem provocar o desinteresse nos alunos: problemas familiares e socioeconômicos, falta de motivação do professor por conta de sua desvalorização profissional, carência de material didático e infraestrutura escolar comprometida, dentre outros. Mas a metodologia utilizada tem uma parcela grande de responsabilidade na falha (bem como no sucesso) do processo educativo. Os alunos não têm a atenção despertada quando o professor explica o conteúdo cercado por fórmulas “prontas”, isto é, não mostra como é possível chegar até a expressão final através de uma demonstração. Outro fator que provoca o desinteresse dos alunos pela disciplina de Matemática é a falta de aplicações da mesma. Desse modo, o aluno não vê significado na aprendizagem. Na Trigonometria, esse desinteresse é ainda mais predominante. Esta, que é uma forma de compreensão e interpretação do mundo torna-se, para o aluno, um assunto sem utilidade. Em particular, quando se ensina as leis dos cossenos e dos senos, se o professor não souber aliar a teoria às aplicações, esse aprendizado pode se tornar vazio de sentido. 4.2. Metodologias de ensino Diante das dificuldades, é necessário pesquisar metodologias diferenciadas para, de fato, colocar em prática o que é proposto. Porém, relativamente ao ensino da Trigonometria, e consequentemente das leis dos cossenos e dos senos, o que se têm observado é uma escassez de trabalhos acadêmicos. Verificamos isso no trabalho de Reis e Allevato (2011), que fizeram uma investigação sobre a produção acadêmica no banco de teses da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) referente ao ensino da Trigonometria no Ensino Médio de 1987 a 2009: “Vale destacar a inexistência de produção acadêmica, sobre o Ensino da Trigonometria no Ensino 34 Médio, nas regiões Norte e Centro-Oeste”. Isso mostra que durante um período de doze anos não foram publicados nenhum trabalho nessa temática em duas regiões do Brasil, Norte e Centro-Oeste. A pesquisa conclui que foram elaboradas 22 dissertações e 3 teses nessa área em todo o País, número relativamente pequeno para o período considerado. No que se segue, são apresentadas algumas metodologias de ensino, especificamente para as leis dos cossenos e dos senos. É interessante que antes de ensinar as leis dos cossenos e dos senos, o professor faça uma breve revisão de alguns tópicos, como: Classificação dos triângulos quantos aos ângulos; Definição de cosseno e seno no triângulo retângulo e no ciclo trigonométrico; Triângulo inscrito em circunferência. Isto está de acordo com a Orientação Pedagógica Saerjinho1 (p. 51-52), que é uma avaliação externa que permite que o professor e a escola acompanhem a evolução do aprendizado dos alunos bimestralmente, a qual recomenda que uma das competências que o aluno deve ter ao estudar a lei dos cossenos é a classificação de triângulos quanto aos ângulos, e no caso da lei dos senos, a relação direta entre o triângulo e a circunferência, na qual ele está inscrito. Sem essa revisão, o aprendizado pode ser comprometido; ora, se o aluno não se recorda da definição de seno e cosseno, como irá conseguir assimilar, de forma significativa, as relações dessas razões trigonométricas? Feita a revisão, o professor pode pedir aos alunos que tentem resolver, por exemplo, um exercício de cálculo de grandes distâncias (no qual é necessária a utilização das leis dos cossenos ou dos senos, tais como os exercícios apresentados no capítulo anterior). Depois de algumas sugestões e tentativas por parte dos alunos, o professor comenta que o exercício é solucionado empregando relações 1 Saerjinho: uma das ações que integram o Sistema de Avaliação da Educação Básica do Rio de Janeiro – SAERJ. 35 entre os lados e os ângulos de um triângulo, que ilustra a questão. Então, deve-se comentar que essas relações são denominadas leis dos cossenos e dos senos. Depois o professor poderá demonstrar as leis, mostrando aos alunos como é possível chegar à fórmula final. Assim, os alunos poderão resolver o exercício proposto pelo professor, visualizando uma aplicação daquilo que estão aprendendo. Depois que os alunos aprendem as duas leis, o professor pode trabalhar a relação entre diferentes tópicos, evitando ensinar conteúdos “isolados”. Por exemplo, a partir da lei dos cossenos, é possível chegar ao Teorema de Pitágoras. Aqui o professor pede aos alunos que considerem o ângulo referido na fórmula, como sendo de 90°. Têm-se então: Figura 12: Triângulo ABC, reto em  a 2 = b 2 + c 2 - 2 b c cos Aˆ ⇒ a 2 = b 2 + c 2 - 2 b c cos 90° ⇒ a2 = b 2 + c 2 - 2 × b × c × 0 (4.1) ⇒ a2 = b 2 + c 2 - 0 ⇒ a2 = b 2 + c 2 Assim, verão o Teorema de Pitágoras como um caso particular da referida lei. Também é possível obter, a partir desta lei, a razão trigonométrica cosseno de um ângulo agudo. Assim como para o Teorema de Pitágoras, basta considerar um dos ângulos como sendo complementar, com a ressalva de que agora o ângulo considerado reto será um dos que não estão envolvidos na fórmula; 36 e depois aplicar o próprio Teorema de Pitágoras. Seja, por exemplo, o ângulo C complementar: Figura 13: Triângulo ABC, reto em Ĉ a 2 = b 2 + c 2 - 2 b c cos Aˆ ⇒ 2 b c cos Aˆ = b 2 + c 2 - a 2 (4.2) b2 + c 2 - a 2 ˆ ⇒ cos A = 2b c Mas c 2= a 2 + b 2 (4.3) Substituindo em (4.2): b2 + a 2 + b2 - a2 2 b2 b cos Aˆ = ⇒ cos Aˆ = ⇒ cos Aˆ = 2bc 2bc c (4.4) O caso em que B é complementar é similar. A razão trigonométrica seno também pode ser obtida a partir da lei dos senos (novamente considerando um ângulo complementar). O professor deve ressaltar que em todos os casos consideramos um dos ângulos reto, porque as razões trigonométricas são definidas no triângulo retângulo. Pela lei dos senos, temos: 37 a sen  = b sen B̂ c = sen Ĉ = 2R (4.5) Tomando as duas primeiras igualdades, seja o triângulo retângulo em B (Figura 14): Figura 14: Triângulo ABC, reto em B̂ a sen  = b sen B̂ (4.6) Mas sabemos que sen 90º = 1. Logo, a sen Aˆ = b a a ⇒ = b ⇒ sen Aˆ = 1 b sen Aˆ (4.7) Da mesma forma, encontramos c sen Cˆ = b (4.8) Fazer essas correspondências em sala de aula é importante para que o aluno veja que uma relação pode ser um caso particular de outra; além de entenderem que não é necessário decorarem fórmulas: eles podem deduzi-las através de relações matemáticas. Alternativamente, pode-se iniciar sua abordagem com uma pergunta teórica, levando os alunos a refletirem e promovendo a construção do conhecimento. A pergunta a seguir ilustra essa sugestão. 38 Nas questões envolvendo triângulo retângulo, o conceito matemático utilizado para resolvê-las é o Teorema de Pitágoras. Mas, e quando se trata de triângulos acutângulos e obtusângulos? Será que o mesmo Teorema é válido nesses casos? Ora, se esse Teorema exige que o triângulo tenha um ângulo de 90º, então não podemos utilizá-lo nos casos em que o triângulo não cumpre esse requisito. Precisamos, dessa forma, de outra relação matemática. Então, depois de uma discussão inicial – a História da Matemática é sugestiva – explicar aos alunos que para resolver problemas que envolvam triângulos, sejam eles quais forem, as ferramentas utilizadas são as leis dos cossenos e dos senos. Essas são relações mais gerais nas questões envolvendo triângulos. E mostrar como é possível deduzir esses teoremas. E para complementar, a interdisciplinaridade deve ser empregada sempre que possível. É o que propõe os PCNEM - Parte III (2000, p. 44): Outro tema que exemplifica a relação da aprendizagem de Matemática com o desenvolvimento de habilidades e competências é a Trigonometria, desde que seu estudo esteja ligado às aplicações [...] o que deve ser assegurado são as aplicações da Trigonometria na resolução de problemas que envolvem medições, em especial o cálculo de distâncias inacessíveis, e na construção de modelos que correspondem a fenômenos periódicos. Nesse sentido, um projeto envolvendo também a Física pode ser uma grande oportunidade de aprendizagem significativa. Por exemplo, na Física, a Trigonometria se faz necessária para entender a mecânica, a ondulatória e também o movimento harmônico simples. E a lei dos cossenos é a ferramenta utilizada para o cálculo da intensidade da resultante de duas forças, F1 e F2 , que formam entre si um ângulo α, como descrito no capítulo anterior, acerca das diversas aplicações das leis dos cossenos e dos senos. O objetivo dessa abordagem é despertar o interesse dos alunos pela Trigonometria, em especial as leis dos senos e dos cossenos, suprimindo o paradigma de que este é o “terror” da Matemática. E através desses exemplos, vemos que as leis dos cossenos e dos senos podem ser tratadas de forma interdisciplinar e contextualizada, sem lançar mão de exercícios mecânicos, que não instigam os alunos a desenvolver a criatividade. 39 CONSIDERAÇÕES FINAIS A resistência à Trigonometria, por parte dos alunos, é um tema que precisa ser abordado a partir de diversos aspectos. O formalismo excessivo, a desconsideração em relação à História da Matemática, o estudo “fragmentado” do conteúdo e a falta de relações com o cotidiano estão entre as principais causas do desinteresse por esta unidade temática. Inseridas nesta unidade, as leis dos cossenos e dos senos são definidas por suas respectivas fórmulas. E essa característica já provoca, inicialmente, certa objeção nos alunos em aprendê-las. Porém, a maneira como o professor aborda este conteúdo está diretamente relacionada com o fracasso, ou o sucesso, do processo de ensino-aprendizagem. Se já existe um paradigma no meio escolar de que a Matemática é difícil, complexa, mais desinteresse ainda os alunos têm quando o professor introduz um conteúdo expondo fórmulas e solicitando exercícios, nos quais se exige apenas a substituição de valores. É nesse ponto que o professor deve ater sua atenção ao explicar as leis dos cossenos e dos senos: na metodologia de ensino. A natureza bibliográfica da pesquisa demandou a leitura de algumas dissertações, teses e outros trabalhos, tendo como foco a Trigonometria e, especialmente as leis dos cossenos e senos. E, tanto a observação desses trabalhos como a experiência do Estágio Supervisionado realizado nos últimos períodos da faculdade ratificaram algumas considerações: que as leis em questão têm aplicações importantes em diversas situações, como pode-se observar no capítulo 3 deste trabalho, e que uma metodologia adequada pode elencar o interesse dos alunos. Uma metodologia que valorize: A História da Matemática – as leis em questão não são uma descoberta recente: a lei dos cossenos, por exemplo, pode ser encontrada no livro de Euclides, Os Elementos, escrito aproximadamente em 320 a. C, e a lei dos senos já era conhecida por Ptolomeu, que viveu por volta do ano de 150; A demonstração das fórmulas – que já está ao nível de compreensão dos alunos do Ensino Médio. Mostrar como é 40 possível chegar àquela fórmula, e as relações com outros tópicos como o Teorema de Pitágoras e as razões trigonométricas; e, em última análise, porém com destaque especial: As aplicações das leis dos cossenos e dos senos – que indiscutivelmente deve fazer parte dos planos de aula desse conteúdo, pelo fato de ser uma metodologia que atrai a atenção dos alunos e torna a aula mais didática. É certo que há muito se fala sobre a importância das aplicações da Matemática, todavia no caso do conteúdo abordado neste trabalho, o que se nota é que muitos professores ainda permanecem na utilização de uma didática que não desperta o interesse dos alunos, que está apoiada em fórmulas e exercícios que não estimulam a criatividade. Dessa forma, uma metodologia que valorize as aplicações das leis pode colaborar positivamente para o processo educativo. 41 REFERÊNCIAS BOYER, Carl Benjamim. História da matemática. 2. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 1996. BRASIL. Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Volume 2. Brasília, 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_02_internet.pdf>. Acesso em: 07 set. 2013. BRASIL. PCNEM: Parte III – Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília, 2000. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ciencian.pdf>. Acesso em: 08 out. 2013. BRASIL. PCN+: Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, 2002. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/CienciasNatureza.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2013. CONTADOR, Paulo Roberto Martins. Matemática, uma breve história. 2. ed. São Paulo: Livraria da física, 2008. 1 v. COSTA, Nielce Meneguelo Lobo da. Funções seno e cosseno: uma sequência de ensino a partir dos contextos do “mundo experimental” e do computador. São Paulo, 1997. 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