ANAIS III CIMDEPE SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE CIDADES MÉDIAS RIO DE JANEIRO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO- 27 A 30 DE ABRIL 1 Coordenação WILLIAM RIBEIRO DA SILVA (UFRJ) MARIA ENCARNAÇÃO BELTRÃO SPOSITO (UNESP) MARIA JOSÉ MARTINELLI CALIXTO (UFGD) PAULO PEREIRA DE GUSMÃO (UFRJ) Comitê Científico ARTHUR MAGON WITHACKER (UNESP) BEATRIZ RIBEIRO SOARES (UFU) CARLOS BRANDÃO (UFRJ) CARMEN BELLET SANFELIU (UNIVERSITAT DE LLEIDA) CLEVERSON REOLON (UNESP) CRISTIAN HENRÍQUEZ (PUC/CHILE) DENISE DE SOUZA ELIAS (UECE) DIANA LAN (UCPBA/ARGENTINA) DORALICE SÁTYRO MAIA (UFPB) ELISEU SAVÉRIO SPOSITO (UNESP) EVERALDO SANTOS MELAZZO (UNESP) FEDERICO ARENAS VÁSQUEZ (PUC/CHILE) FLORIANO GODINHO DE OLIVEIRA (UERJ) FREDERIC MONIÉ (UFRJ) GLÁUCIO MARAFON (UERJ) JAN BITOUN (UFPE) JOSÉ ALDEMIR DE OLIVEIRA (UFAM) JOSÉ MARIA LLOP TORNE (CATEDRA UNESCO) JULIA ADÃO BERNARDES (UFRJ) LIA OSORIO MACHADO (UFRJ) MARIA LAURA SILVEIRA (CONICET/ARGENTINA) OSCAR ALFREDO SOBARZO MINO (UFS) OSWALDO BUENO AMORIM (PUC/MG) PAULO PEREIRA DE GUSMÃO (UFRJ) RENATO PEQUENO (UFCE) 2 ROBERTO LOBATO CORRÊA (UFRJ) ROSA MOURA (IPARDES) SAINT-CLAIR CORDEIRO DA TRINDADE JUNIOR (UFPA) TATIANA SCHOR (UFAM) Monitores ANA CAROLINA ALVES CARVALHO DE OLIVEIRA BRUNO BARRETO DOS SANTOS BRUNO PEREIRA DO NASCIMENTO CAIO VITOR VILLARINO CHRISTINA BARBARA GIESEBART CINDY MARTINS RODRIGUES EURIDSON RIBEIRO DA CRUZ GABRIELLE DE SOUZA FRADE HUMBERTO MIRANDA DE CARVALHO JOSÉ BERNARDO DA SILVA JUNIOR LÍVIA MARIA DE SOUZA MAGALHÃES LUANA ALVES LESSA MONIQUE DEISE GUIMARÃES BASTOS NATHAN FERREIRA DA SILVA RAFAELA DETTOGNI DUARTE PAES RENILDO NASCIMENTO SANTOS VIVIAN SANTOS DA SILVA 3 FICHA DE CATOLOGRÁFICA III Simpósio Internacional Cidades Médias, 30 Rio de Janeiro - RJ, 2015 Anais do III Simpósio Internacional Cidades Médias, UFRJ/ReCiMe, 26 à 30 de abril de 2015 / organizado por William Ribeiro da Silva, Maria Encarnação Beltrão Sposito, Maria José Martinelli Calixto e Paulo Pereira de Gusmão. Rio de Janeiro. Tema: ISBN: Cidades Médias, Reestruturação Urbana e Redes. 1. Geografia; 2. Espaço Urbano; 3. Urbanismo. Org. I. SILVA, W.R.; org. II. SPOSITO, M.E.B.; org. III. CALIXTO, M.J.M. e org. IV. GUSMÃO, P.P. Título: Anais do III Simpósio Internacional Cidades Médias. CDU: 4 Índice Autor Pág. Agnaldo da Silva Nascimento ......................................................................................13 Aline Fernanda Coimbra .............................................................................................27 Aline Carvalho / Italo Stephan / IzabelaVaz / Marina Galatro ....................................47 Ana Laura Vianna Villela / Alexandre Maurício Matiello ...........................................64 Caline Mendes de Araújo ............................................................................................87 Danilo Marcondes de Alcantara .................................................................................111 Elissandro Trindade de Santana .................................................................................127 Gustavo de Brito / Aline da Silveira / Artur Andrade / Thiago Baptista ....................146 Hélio Carlos Miranda de Oliveira ..............................................................................166 Iara de França / Maria Ivete de Almeida / Francielle Silva / Sara Cristiny Meirelles / Valéria Costa / Rodrigo do Nascimento / Thaís Melo ...............................................194 Janes Socorro da Luz ..................................................................................................216 Lívia Maria de Souza Magalhães .................................................................................235 Marilée Patta ...............................................................................................................257 Marlon Altavini de Abreu ...........................................................................................274 Mayara Mychella Sena Araújo ....................................................................................290 Patrícia Helena Milani ................................................................................................313 Raiza Carolina Diniz Silva / Thamires Lacerda Chaves Bispo ...................................332 Roberto Antero da Silva ..............................................................................................350 Uriana Fernandes Curcino Ribeiro .............................................................................388 Wagner Vinicius Amorim ...........................................................................................403 5 Apresentação A realização do III CIMDEPE busca propiciar a continuidade do debate acerca da relação entre o desenvolvimento econômico e os novos/velhos problemas da urbanização mundial. O processo da urbanização tem demonstrado novas nuances que atribuem novos papéis às cidades médias em todo o mundo, de tal maneira, que elas passaram a apresentar, por um lado, novos problemas urbanos e, por outro, novas perspectivas de desenvolvimento econômico, por meio de investimentos de grandes empresas (indústrias, redes e franquias comerciais e de serviços) que ampliam suas escalas de ação via cidades médias, como nós de articulação da nova economia mundial. Histórico O I CIMDEPE teve como tema central – “Cidades Médias: Dinâmica econômica e produção do espaço urbano”, o que explica a sigla que lhe nomeia. Ocorreu em Presidente Prudente, na Universidade Estadual Paulista (UNESP), entre 6 e 9 de junho de 2005. O segundo evento desta série – II CIMDEPE – teve lugar em Uberlândia, de 6 a 9 de novembro de 2006, na Universidade Federal de Uberlândia. Desde então a Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias (ReCiMe), responsável pela organização destes encontros científicos, priorizou a apresentação de trabalhos sobre este tema em diversos outros congressos, simpósios e encontros, propondo, somente agora, em 2015, a realização do III CIMDEPE. O III CIMDEPE A realização do III CIMDEPE busca propiciar a continuidade do debate acerca da relação entre o desenvolvimento econômico e os novos/velhos problemas da urbanização mundial. O processo da urbanização tem 6 demonstrado novas nuances que atribuem novos papéis às cidades médias em todo o mundo, de tal maneira, que elas passaram a apresentar, por um lado, novos problemas urbanos e, por outro, novas perspectivas de desenvolvimento econômico, por meio de investimentos de grandes empresas (indústrias, redes e franquias comerciais e de serviços) que ampliam suas escalas de ação via cidades médias, como nós de articulação da nova economia mundial. Assim, as novas estratégias do desenvolvimento econômico passaram a incluir estas cidades como alternativas locacionais às escolhas anteriores que recaíam de modo quase exclusivo sobre as metrópoles, ampliando os limites geográficos da expansão capitalista, o que cria oportunidades de acesso ao consumo e à desconcentração de atividades econômicas, mas também, produz novos problemas urbanos, o que coloca como premente o debate sobre uma urbanização não planejada e o rompimento dos mitos da qualidade de vidas em cidades médias, tidas como “redutos de classe média”, pois se constatam processos de favelização, segregação espacial, degradação de áreas centrais, congestionamentos, elevação dos preços imobiliários e consequente expulsão de populações mais pobres. Os seis eixos principais Nesta perspectiva, convidamos a comunidade acadêmica para participar dos debates que incluirão seis eixos principais, com os seguintes coordenadores: Rede urbana – história, tendências e perspectivas Jan Bitoun (UFPE), Doralice Sátiyro Maia (UFPB), Beatriz Ribeiro Soares (UFU), Marcio Catelan (UNESP), Carmen Bellet (Universitat de Lleida/Espanha). A discussão sobre a constituição da rede urbana brasileira encontra-se desde os estudos clássicos da Geografia Urbana. De rede de cidades à rede urbana, a interligação entre centralidades (cidades de diversos tamanhos, vilas e aglomerados rurais) vai se dando desde os caminhos de passagem, caminhos de gado, ferrovias, percursos fluviais e marítimos, rodovias, e linhas aéreas. Desta forma, as transformações da rede urbana brasileira são representativas do aumento da complexidade da divisão técnica e territorial do trabalho no 7 campo, nas florestas e nas cidades e das permanências presentes na trama de relações entre os centros urbanos e outras centralidades. O espaço, cada vez mais fruto do movimento relacional entre instituições e agentes que atuam em múltiplas escalas, é melhor compreendido a partir desta relação – a coexistência entre as permanências e as transformações contemporâneas. Nesta relação é que se observa a (re) definição dos papéis e das funções das cidades na rede urbana. Esta (re) definição de papéis e de funções ganha relevância nos estudos urbanos sob as perspectivas elaboradas a partir dos centros urbanos, que por um conjunto de variáveis e metodologias convenciona-se chamá-los como cidades médias. Embora estas cidades não componham os níveis mais elevados da hierarquia urbana, ganham importância por exercerem papel cada vez mais importante tanto no que diz respeito à mediação entre campo e cidade; cidades locais e/ou cidades pequenas e metrópoles, etc., bem como porque participam da reprodução do capital e das condições materiais de reprodução da vida conforme são inseridas no âmbito das lógicas da globalização, reunindo lógicas de diferentes escalas, e articulando-as no processo de consolidação de sua centralidade, primeiro regional, e em outros momentos para além desta escala. Neste jogo de escala entende-se um contexto analítico para o debate da reconfiguração da rede urbana que adquiriu conteúdos particulares em sua relação com as cidades médias. Reestruturação produtiva, indústria e cidades médias Eliseu Sposito (UNESP), Cleverson Reolon (UNESP), Diana Lan (UCPBUA/Argentina) As mudanças nas formas de organização da produção industrial, no momento de um regime de acumulação chamado flexível, tem importância não apenas em termos gerais, mas rebatimento importante sobre as cidades médias e seu papel na rede urbana. A maneira como as empresas se organizam (em redes, principalmente), como suas atividades se articulam em diferentes escalas, como tomam decisões e definem padrões de localização e ações que visam ampliar sua competitividade em nível global, são alguns dos aspectos que iremos estudar nesta seção do Workshop. Dinâmicas e lógicas do comércio e dos serviços em cidades médias 8 Maria Encarnação Sposito (UNESP), William Ribeiro (UFRJ), Arthur Withacker (UNESP) O setor de atividades comerciais e de serviços passou por significativo processo de crescimento nas três últimas décadas, em decorrência, inclusive, das dinâmicas relativas à reestruturação produtiva, o que significou maiores articulações com a produção agropecuária e industrial. Tal crescimento foi acompanhado de significativa concentração econômica das empresas, alcançando a escala internacional. Este processo redundou em enorme expansão espacial das redes comerciais e de serviços, com destaque para alguns ramos, como: o de super e hipermercados, o bancário e o de eletrodomésticos. Paralelamente e como parte do mesmo conjunto de mudanças, capitais de diferentes escalas, do internacional ao local, passaram a operar no setor comercial e de serviços, de modo associado, por meio do sistema de franquias, o que também teve como resultado enorme expansão espacial de produtos, serviços e, sobretudo, marcas que se difundiram por diferentes países. Tais dinâmicas trouxeram rebatimentos diretos sobre a organização das redes urbanas, em função da redefinição na divisão interurbana e regional do trabalho e também dos processos e formas de produção das cidades. Se, no período anterior, os grandes capitais do setor terciário atuavam predominantemente nas metrópoles e grandes cidades, a concentração econômica e difusão espacial das redes promoveu uma procura por outros estratos das redes urbanas, o que ampliou os mercados consumidores. Todos estes movimentos podem ser analisados por meio de novas relações entre processos, conteúdos e formas urbanas. O estudo de centralidade em suas múltiplas escalas impõe-se, então, como um desafio. Tendo em vista este quadro geral, que particularidades podem ser notadas nas cidades médias quando analisamos as mudanças do setor comercial e de serviços? De que modo se estruturam seus espaços e se redefinem suas centralidades face às transformações recentes? Em que medida as novas estruturas espaciais refletem velhas e/ou novas formas de segmentação socioespacial? A situação geográfica das cidades médias é fator importante nas escolhas espaciais das empresas? O aumento das possibilidades de transportes e comunicações reforça interações espaciais e isso tem 9 consequências para estas cidades? Como se articulam produção, circulação e consumo nas redes urbanas sob os novos arranjos espaciais? Agronegócio e urbanização Denise Elias (UECE), Gláucio Marafon (UERJ), Mirlei Fachini Vicente Pereira (UFU) O GT objetiva aprofundar os debates sobre os processos e formas inerentes à urbanização da sociedade e do território oriundos da difusão da agricultura capitalista globalizada no Brasil e no mundo, no âmbito das discussões teóricas e metodológicas. Serão aceitos trabalhos que versem sobre os seguintes temas: as novas relações entre o agronegócio, as cidades e a reestruturação regional; a especialização funcional das cidades inerente à difusão do agronegócio; o crescimento do terciário (comércio e serviços) alicerçado no consumo produtivo agrícola; incremento da urbanização, das relações interurbanas e novas regionalizações considerando a organização das redes agroindustriais; as novas relações campo-cidade resultantes dos fluxos de capital, mão de obra, mercadorias, informação, tecnologia etc. inerentes às diferentes atividades industriais, agrícolas, comerciais e de serviços que integram as redes agroindustriais; urbanização corporativa associada ao agronegócio e às redes agroindustriais; reestruturação do centro e formação de novas centralidades nas ‘cidades do agronegócio’; aprofundamento das desigualdades socioespaciais nas ‘cidades do agronegócio’. Desigualdades socioespaciais. Produção de moradia, dinâmica imobiliária e segregação residencial Renato Pequeno (UFCE), Everaldo Melazzo (UNESP), Maria José Martineli Calixto (UFGD) Esta sessão de trabalho dedica-se a analisar os processos gerais, os particulares e os singulares das cidades médias considerando os diferentes agentes da produção da habitação e suas articulações com a política urbana: Estado, mercado imobiliário, movimentos sociais, dentre outros. A dinâmica imobiliária e a produção da moradia são dois eixos analíticos que se 10 complementam e que devem ser tomados em suas dimensões espaciais e que remetem a permanente produção e reprodução de desigualdades socioespaciais. Políticas públicas, governança e desenvolvimento regional – políticas públicas / escalas local e regional Paulo Gusmão (UFRJ), Saint-Clair Trindade (UFPA), Carlos Brandão (UFRJ) O eixo temático volta-se para a discussão das cidades médias, relacionando o atual perfil e dinamismo das mesmas às políticas públicas implementadas pelos diversos níveis de governo – federal, estadual e municipal. Busca-se, dessa forma, enfatizar a dimensão política dessas cidades, considerando o papel das mesmas para o desenvolvimento regional, assim como problematizar elementos relacionados às diversas formas e experiências de governança no contexto geográfico imediato no qual se inserem. OBS: Devido à falta de trabalhos, o EIXO IV - Agronegócio e urbanização, foi condensado ao EIXO III - Dinâmicas e lógicas do comércio e dos serviços em cidades médias. 11 Eixo 5: Desigualdades socioespaciais. Produção de moradia, dinâmica imobiliária e segregação residencial. 12 A ORIGEM E A CONSTITUIÇÃO DOS VAZIOS URBANOS DE LONDRINA (PR)1 Agnaldo da Silva Nascimento2 Resumo: O texto realizou uma discussão com ênfase nos vazios urbanos, problematizando a sua presença na cidade média de Londrina (PR). Considerou-se primeiramente que a existência, a manutenção e a multiplicação destes elementos urbanos, inscritos na paisagem, têm sido um indicativo da produção das cidades em função da reprodução do capital. Esse processo tem se dado em detrimento de uma cidade menos desigual, que favoreça a vida do ponto de vista social. Desse modo, a discussão enfocou a expansão do tecido urbano de Londrina buscando a origem, a constituição e a permanência dos vazios urbanos. Baseou-se, para tal objetivo, no histórico de expansão da cidade e em dados quantitativos elaborados a partir de imagem de satélite, por intermédio de técnicas de geoprocessamento. Palavras-chave: Vazios urbanos. Expansão territorial urbana. Londrina. 1. INTRODUÇÃO Nos últimos anos, a produção do espaço urbano demostra-se subordinada à lógica de reprodução do capital imobiliário, bem como pela valorização da propriedade fundiária. Nesse cenário, os vazios urbanos tornam-se mais presentes nas cidades e adquirem maior relevância no campo de estudos da Geografia Urbana. Pensar os vazios urbanos para além de áreas construídas e não construídas no perímetro urbano torna-se um desafio para compreender sua gênese, seu processo, os agentes produtores envolvidos e sua padronização espacial. Nesse sentido, optou-se por abordar os vazios urbanos pela perspectiva histórica, considerando o processo de expansão territorial ao longo do tempo e as formas padronizadas através das quais os vazios urbanos se inscrevem espacialmente, até a contemporaneidade, através de imagens de satélite. A partir da contextualização desses processos, é possível identificar e comparar as possíveis alterações locacionais e verificar se há maior ou menor presença dos vazios urbanos no tecido urbano de Londrina. 1 O texto visa a continuidade do debate sobre o objeto de pesquisa vazio urbano, no qual teve início no trabalho de mestrado realizado por Nascimento (2014) com o título, ‘No vazio, caberiam casas, parques, fábricas...caberia muita cidade’, sob a orientação do Prof. Dr. Nécio Turra Neto. 2 Doutorando em Geografia pela Unesp, campus de Presidente Prudente. Membro do grupo de Produção do Espaço e Redefinições Regionais (Gasperr). E-mail: [email protected]. 13 Dentro dessa conjuntura, adota-se a noção de vazios urbanos debatida por Nascimento (2014), em que se considera como vazios urbanos as áreas particulares que não possuem edificações e estão localizadas dentro do perímetro urbano, loteadas ou não, e que não cumprem a função social da terra, conforme prega o Estatuto das Cidades, também são consideradas vazios urbanos aquelas áreas públicas não edificadas, localizadas dentro do perímetro urbano. Para tal finalidade, a estrutura do texto compreende três partes, sendo a primeira uma síntese da origem e a expansão territorial urbana de Londrina; a segunda parte, o panorama dos vazios urbanos em Londrina e, por fim, as considerações finais. 2. Origem e expansão territorial urbana de Londrina (PR) O processo de origem da cidade de Londrina é marcado pela marcha para oeste da produção da agricultura cafeeira, processo este que também incentivou o surgimento de diversas outras cidades e resultou na constituição de uma importante rede urbana no Norte do Paraná (Mapa 1). A fundação e os processos ligados à trajetória história e a produção do espaço urbano de Londrina (PR) possui uma vasta bibliografia, como por exemplo, o trabalho de Joffily (1984). Nessa obra, o autor reconstrói de maneira crítica a trajetória de (re)ocupação do Norte do Paraná, pela Companhia de Terras do Norte do Paraná (CTNP), apontando a espoliação praticada por banqueiros multinacionais nas terras do norte do Paraná. Para o autor, é comum a história de colonização ser apresentada de maneia errônea com relação ao verdadeiro motivo de interesse dos britânicos por esta área territorial. Ainda que houvesse ocorrido a produção de algodão e de café em larga escala, essa atividade econômica não era o que havia de central nesse processo. O que há de verdadeiramente importante seria a utilização disso enquanto justificativa para apropriação, pois se tratava de “um dos mais vantajosos negócios do mundo: o gigantesco loteamento das terras do norte do Paraná” (JOFILY, 1984, p. 95). Mapa 1: Londrina (PR): Situação geográfica. 14 Joffily (1984), baseando-se na argumentação apresentada pelo economista Pedro Cail Padis, reafirma que o processo de apropriação revelava-se, desde 1925, como um 15 “projeto imobiliário”, ou seja, um legítimo negócio de terras, sejam elas rurais ou urbanas. Segundo Muller (2001, p. 100), a Companhia de Terras do Norte do Paraná iniciou suas atividades em julho de 1929 e, em uma faixa de grande extensão de terra, fundou a cidade de Londrina. Esta cidade foi escolhida como sede da Companhia no qual seus escritórios foram instalados e, apesar de haver forte presença da mata virgem, iniciaram os trabalhos técnicos, como levantamentos topográficos, instalação de loteamentos e da malha urbana viária nas proximidades de seus núcleos urbanos. O tecido urbano da cidade de Londrina teve como seu plano original, implantado em 1929, o formato retangular. Foi constituído por ruas e praças com traçado ortogonal, composto inicialmente por 237 quadras e 54 vias públicas, chamado de formato de tabuleiro de xadrez (RIBEIRO, 2006). Atualmente, e como diversas cidades brasileiras, sua proporção de crescimento territorial e populacional teve aumento significativo. Seu município, criado institucionalmente no ano de 1934, tem uma população de 493.520 habitantes residentes em área urbana e 13.181 habitantes residentes em área rural, totalizando 506.701 habitantes e sua área territorial possui 1.653,075 km² (IBGE, 2010). Em pesquisa do IBGE (2008), também pode-se verificar informações referentes à Identificação de Regiões de Influência das Cidades (REGIC), no qual a cidade de Londrina comparece com uma centralidade importante na hierarquia das cidades do Norte do Paraná. Ao analisá-la em uma escala estadual, seu destaque é ainda mais significativo, pois no estado do Paraná, depois da capital Curitiba, Londrina é uma das cidades com maior influência regional em diversos setores. O Plano Diretor Municipal de Londrina afirma que a cidade é destaque na rede urbana estadual e nacional por diversos fatores inerentes à ação e/ou relação com as demais regiões do próprio estado, bem como de outros estados do Brasil. Isto é, dispõe de um significativo papel na tomada de decisões (PDPL, 2013). Na cidade de Londrina há a forte presença de grandes hipermercados e franquias, fato confirmado a partir da intensificação da presença do capital a cada ano em amplas escalas geográficas. Desde a implantação do primeiro shopping center, o Contour Shopping, em 1973, no setor oeste, houve a implantação de mais de quatro shopping centers: Catuaí Shopping Center (1990), no setor sul, o Royal Plaza Shopping (1999), no centro principal (RIBEIRO, 2006), o Londrina Norte Shopping (2012), no setor norte, e o Boulevard Londrina Shopping (2013), no setor leste da cidade. Assim como os shopping centers, a presença dos hipermercados também foi intensificada. Os grupos que se destacam são os grupos Supermercados Viscardi (1955), Atacadão Distribuição Comércio e Indústria (1962), Irmãos Muffato & Cia (1975), Correfour (1992) e Condor Super Center (2000) (RIBEIRO, 2006). Há também os mais recentes, como o Wall Mart, localizado no Boulevard Londrina Shopping, a rede atacadista Assaí, do grupo Pão de Açúcar (2013), e Tonhão Santa Rita, na Avenida Jules Verne, em 2014. A presença de tais empreendimentos tem impactado diretamente sobre a valorização das terras ao entorno. Um exemplo é o caso do Catuaí Shopping Center, em 16 que seu entorno foi seguido de forte presença de condomínios fechados horizontais, de alto padrão, que ocuparam o tecido urbano na zona sul. Além desse shopping center, há a presença de condomínios verticais voltados para população de estratos de maior renda em uma área que permaneceu por um tempo expressivo como vazios urbano, entre o centro principal e o shopping center: a Gleba Palhano. Deste modo, há necessidade de aprofundamento do debate sobre a expansão territorial, pois ela se constitui na materialização da ocupação do solo urbano. Conforme Ribeiro (2006), baseado em dados apresentados pelo IBGE, pode-se observar a alteração de áreas de maior concentração urbana no município de Londrina. A de 1960 marcou uma inversão na situação de moradia da população, que passou de predominante rural a predominantemente urbana. Em números relativos, a população urbana possuía 57% em 1960. Na década seguinte (1970) passa a ter 78% da população urbana e nas décadas subsequentes há um aumento progressivo na população urbana em detrimento da rural. Na década de 1930, a expansão territorial urbana de Londrina foi marcada pela presença de vilas, dentre elas, a Vila Agari, Vila Casoni, Vila Nova, Vila Conceição etc. (FRESCA, 2002). Em seguida, na década de 1940, houve um incremento significativo no crescimento do tecido urbano, que indicava uma nova fase de progresso econômico, incentivando as pessoas a buscarem a cidade como moradia. Esse processo rebateu no aumento da população urbana entre as décadas de 1940 e 50, apresentando 73,26% da população urbana (JANUZZI, 2005). A expansão urbana de Londrina se deu de forma descontínua, em “saltos”. Dentre outras razões, deu-se origem à presença de vazios urbanos muito cedo na história de Londrina, ainda que parte significativa deles tivesse sido preenchida em períodos posteriores. Na década de 1940, a expansão urbana segue na direção norte e sul da cidade. Na década seguinte, em 1950, o sentido norte e sul continua a se caracterizar como importante eixo de expansão, com a ampliação para o sentido noroeste e sudeste. Januzzi (2005) afirma que a década de 1960 é marcada pelo processo de verticalização no centro da cidade que, consequentemente, aumentou o adensamento populacional dessa área. Paralelamente, ocorreu uma expansão urbana intensa nas periferias da cidade, em função da migração da população rural para a área urbana. Na década de 1960, grande parte da expansão territorial urbana ocorreu no sentido sul e sudoeste, com uma porção pequena sentido norte e oeste. Na década de 1970, com o declínio da agricultura cafeeira, surgiu uma maior diversidade de culturas como a soja, milho e cana de açúcar (JANUZZI, 2005). Nesse mesmo período, Oliveira (2005) aponta que houve uma crescente instalação de loteamentos, com destaque para o ano de 1976, tendo em vista que no período de 1975 a 1980 houve aprovação de, em média, nove loteamentos privados por ano. O processo de expansão urbana territorial na década de 1980 foi semelhante a da década anterior. De acordo com Oliveira (2005), houve a implantação de 34 loteamentos, exceto 1985, no qual nenhum loteamento foi aprovado. O mapa de expansão apresenta uma área expandida de grande dimensão, a partir de 1970, 17 sobretudo, ao norte de Londrina onde se localiza os chamados Cinco Conjuntos, um empreendimento de grande extensão implantando pelo poder público, a partir da instalação de inúmeros conjuntos habitacionais na zona norte da cidade. Esses empreendimentos foram implantados em descontinuidade com malha urbana anterior, produzindo, assim, inúmeros vazios urbanos presentes entre o centro e essa porção da cidade. Na década de 1990, o mesmo autor afirma que ocorreu uma diminuição relativa do crescimento populacional. Porém, a expansão urbana continuou a ocorrer e segue ocorrendo na atualidade. Como é possível constatar no mapa 2, observa-se que, entre o ano de 1990 e 2013, o tecido urbano teve um representativo aumento em sua área. As informações sobre a expansão territorial de Londrina, em conjunto com as informações sobre a alterações do perímetro urbano apresentadas no mapa 3 se relacionam. As alterações dos perímetros urbanos, no qual a cidade se estende para além dela mesma, permite identificar a origem de novos vazios urbanos. Esses novos vazios, além de impulsionar o aumento da área vazia dentro do perímetro urbano, constituem-se em áreas que não são imediatamente loteadas e colocadas à disposição no mercado. Esses vazios de grandes extensões nos extremos dos perímetros podem talvez ser identificados a partir do que Souza (2003) denomina de periurbano: uma zona em transição entre o uso da terra urbana e rural. Assim sendo, no periurbano misturam-se duas lógicas de uso da terra cujo uso do solo comumente continua o mesmo (rural). Entretanto, a lógica de ação dos empreendedores urbanos é a de reserva de valor. O perímetro urbano delimita o rural e o urbano, é representado por uma linha de um recorte institucional. Do ponto de vista da paisagem, muitas vezes não é possível definir seu limite e visualizar onde começa a cidade e o campo, principalmente tendo em vista que na maior parte dos casos, entre o fim do tecido urbano e o limite do perímetro se concentra grandes dimensões vazias, que são consideradas como vazios urbanos. O perímetro urbano representa uma linha cheia de sentidos, com conteúdos sociais, conteúdos políticos e conteúdos econômicos. O conteúdo político é materializado através da ação política para delimitá-lo e expandi-lo, uma vez que é a câmara municipal que autoriza as mudanças. A alteração implica, ainda, na modificação da cobrança de impostos – como as mudanças da cobrança de Imposto Territorial Rural (ITR) para Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) - este último de valor mais elevado. Estes fatores contribuem diretamente para as diferenças na arrecadação do município. Trata-se de uma linha que representa as transformações de processos urbanos e que são responsáveis pela existência e/ou permanência dos vazios urbanos. No caso de Londrina, identificam-se os vazios urbanos com facilidade nas áreas próximas as extremidades do perímetro, principalmente, ao nordeste, sudeste, sul, sudoeste e noroeste. Eles são identificados também, embora com menor presença, ao leste e oeste, por conta da aproximação (e mesmo conurbação) entre os tecidos urbanos das cidades de Ibiporã e Cambé. É importante salientar que, do ponto de vista do funcionamento do sistema urbano, as três cidades - Londrina, Cambé e Ibiporã – 18 apresentam-se como uma aglomeração urbana, em alguns pontos com conurbação (como o que ocorre entre Londrina e Cambé). Mapa 23: Londrina (PR): expansão do tecido urbano. 3 Na elaboração dos polígonos da mancha urbana do ano de 2013, representada na cor rosa, não foram eliminadas áreas verdes, a hidrografia, praças etc; por conta do nível de detalhamento exigido e do tempo de trabalho necessário para sua elaboração. Optamos, assim, por elaborar o polígono com ênfase no limite da mancha. 19 Mapa 3: Londrina (PR): expansão dos perímetros urbanos. 20 21 Evidencia-se claramente que a área verde representada pela delimitação do perímetro urbano atual instituída recentemente em 2012, está composta por significativo número de vazios. Embora o mapa 3 demostre que o perímetro anterior já obtinha alto indicador da presença de vazios urbanos, este fato consiste em afirmar que, do ponto de vista da capacidade do perímetro então delimitado de incorporar novas frentes de expansão, não era necessária a alteração da extensão do perímetro, ou seja, a racionalidade que rege tal política torna-se questionável. 3. O panorama dos vazios urbanos em Londrina (PR) A cidade de Londrina é caracterizada pela presença marcante do processo de especulação imobiliária, que é reflexo da produção capitalista do espaço urbano e está relacionado diretamente com a produção dos vazios urbanos. O estudo realizado por Arias (1992) sobre os vazios urbanos na zona sul de Londrina foi baseado em dados do Departamento de Obras e Viação da Prefeitura Municipal e considera os lotes em construção e os lotes vazios. A autora afirma que, no período entre 1970 e 1981, 84,64% da área estava representada por vazios urbanos. Ou seja, dos 29.970 lotes da zona Sul da cidade, 25.369 eram vazios urbanos. A autora alega que tal configuração está relacionada a uma possível estagnação na construção civil ou a fase de verticalização da cidade. Para Alves e Antonello (2009), no decorrer do processo da revisão e atualização do Plano Diretor Participativo, pode-se observar que, no ano de 2006, aproximadamente 30% da área urbana de Londrina era constituída de vazios urbanos (Mapa 4). A partir do detalhamento dos dados, era possível visualizar que do total de 30% dos vazios urbanos, 15% eram vazios de grandes extensões, não loteados; enquanto os outros 15% eram de vazios urbanos de menor extensão, em torno de 250 m² a 500 m². É de suma importância salientar que, nos dois exemplos representados nos mapas que faz-se referência como vazios em Londrina, essa classificação abarca os lotes não construídos, áreas não loteadas e vazios urbanos. Essas três categorias são, na perspectiva adotada por essa pesquisa, consideradas vazios urbanos. Mapa 4: Londrina (PR): vazios urbanos (2006) 22 23 Mapa 5: Londrina (PR): Vazios urbanos (2011) 24 Na metodologia adotada na elaboração do mapa 5, não foram consideradas algumas áreas públicas não construídas como vazios urbanos, em razão do mapeamento ser feito através de imagem de satélites e de base de dados pré-existentes, no qual pôdese eliminar as praças e áreas verdes de Londrina. Todavia, não foram eliminados os vazios urbanos de áreas públicas como, por exemplo, áreas que estão abandonadas, comumente chamadas de terrenos baldios e que geram ônus ao município. O mapa 5 apresenta os seguintes itens cartográficos: os vazios urbanos desenhados com base na imagem do satélite de propriedade da Digital Globe do ano de 2011, o perímetro urbano e os eixos viários. É possível constatar através dos dados representados no mapa 5 que a presença de vazios urbanos é significativa, pois a cidade possui 218,13 km² de área total do perímetro urbano, enquanto a área dos vazios consiste em 93,69 km². Isto é, 42,95% da área total do perímetro é representada por vazios urbanos. Além disso, visualiza-se a existência de vazios urbanos de grandes extensões. Outra característica de localização dos vazios urbanos é a sua ocorrência, mesmo que em menores extensões, em áreas próximas ao centro principal, demostrando a incompatibilidade com relação à ocupação uniforme e contínua do urbano. Embora a maior parte dos vazios e aqueles de maiores dimensões encontrarem-se nas extremidades norte e sul do perímetro urbano, há uma faixa central no sentido Nordeste e Oeste, representativa na qual ocorre o processo de conurbação de Londrina e com as cidades de Cambé e Ibiporã. As informações sobre os vazios urbanos de Londrina ao longo do tempo permite realizar comparações. No ano de 2006, havia 30% da área total do perímetro urbano ocupado por vazios urbanos e, em 2011, este percentual chegou aos 42,95%. Assim sendo, e ao desconsiderar a alteração da área do perímetro, nesse caso expandida, há um aumento num período de 5 anos de 12,95% de vazios urbanos na cidade. 4. Considerações finais O processo de produção e os padrões de distribuição atual dos vazios urbanos simboliza a tendência, recente em Londrina, da cidade dispersa. Na cidade de Londrina, os vazios urbanos enquanto elemento da forma urbana, foram identificados pelo uso do solo através do mapeamento. Pôde-se constatar que a cidade apresenta 42,95% da área total do perímetro urbano com a presença de vazios urbanos. Esse fato implica afirmar que quase a metade da área da cidade é constituída por vazios urbanos. Em face da significativa quantidade de vazios urbanos, faz-se necessário repensar as lógicas de produção da cidade, tendo em vista que a ideia de produzir espaço urbano atrelado a expansão territorial urbana, impulsionados pelas frentes de expansão imobiliária com foco em interesses ‘especulatórios’, causam ônus econômico, político, ambiental e social à cidade como um todo. 25 5. Referências bibliográficas ALVES, Elisabeth A.; ANTONELLO, Ideni T. Produção do espaço urbano em Londrina: os vazios urbanos. III ENCONTRO NACIONAL DA ANPEGE, 2009, Curitiba. Espaço e tempo: complexidade e desafio do pensar e do fazer geográfico. Curitiba: ANPEGE, 2009, v. 1. p. 1-15. ARIAS, Carmem. Os vazios urbanos da zona sul de Londrina: estratégias e especulação imobiliária.1992. Monografia (Departamento de Geociências) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 1992. FRESCA, Tânia. M. Mudanças recentes na expansão físico-territorial de Londrina. Geografia (Londrina), Londrina, v. 11, p. 241-264, 2002. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica. cidades@. Dísponivel em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1>. Acesso em: 20 set 2012. JANUZZI, D. C. R. O Desenvolvimento de Londrina e as transformações nos espaços públicos da região central. Semina. Ciências Sociais e Humanas (Online), v. 26, p. 1/12, 2005. JOFFILY, José. Londres-Londrina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. MULLER, N. L. Contribuição ao estudo do norte do Paraná. Geografia (Londrina), Londrina, v.10, n. 1, p. 241-264, 2001. NASCIMENTO, Agnaldo da Silva. No vazio, caberiam casas, parques, fábricas... caberia muita cidade. 2014. 142f. Dissertação (Mestrado em Geografia), Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente. OLIVEIRA, E. L. A iniciativa privada e o parcelamento do solo na expansão de Londrina de 1970 a 2000. In: I SIMPÓSIO INTERNACIONAL CIDADES MÉDIAS: Dinâmica econômica e produção do espaço urbano, 2005, Presidente Prudente. I Simpósio Internacional Cidades Médias, 2005. RIBEIRO, Willian da S. Descentralização e redefinição da centralidade em e de Londrina. 2006. 190f. Dissertação de Mestrado - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" Faculdade de Ciências e Tecnologia. Presidente Prudente. SOUZA, Marcelo Lopes de. ABC do desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. 26 O MERCADO IMOBILIÁRIO: SEMELHANÇAS ENTRE CIDADES MÉDIAS Aline Fernanda Coimbra4 RESUMO Este trabalho é resultado de análises comparativas do mercado imobiliário das cidades médias de Campina Grande – PB, Mossoró – RN e Passo Fundo – RS. A partir da compilação de anúncios imobiliários entre os anos de 1995-2010 são analisadas ofertas de apartamentos, casas e com maior enfoque, os terrenos urbanos, a fim de indicar suas localizações, preços e movimentações ao longo deste período presentes no espaço urbano. Nesta análise comparativa, portanto, busca-se verificar se existem semelhanças no que se refere a tendências de concentração/dispersão espacial das ofertas e nos movimentos ao longo do tempo. Palavras - chave: Cidades Médias, Mercado Imobiliário, Análise Comparativa. 1. INTRODUÇÃO O estudo sobre cidades médias e mercado imobiliário se desenvolve a partir da Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias – ReCiMe, reunindo diversas universidades e pesquisadores. A pesquisa em rede tem o intuito de estudar as constantes mudanças das formas, funções e estruturas das Cidades Médias. Aborda também como tais cidades garantiram novos papéis de intermediação na rede urbana, papéis estes que antes se concentravam de maneira focalizada nas grandes cidades e metrópoles. Neste caso, será apresentada a discussão das localizações, preços, movimentos referentes às ofertas de apartamentos, casas e terrenos urbanos nas cidades médias de Mossoró - RN, Campina Grande - PB e Passo Fundo - RS5. 4 FCT UNESP - Presidente Prudente; GAsPERR e ReCiMe; Mestranda, sob orientação do Prof. Dr. Everaldo Santos Melazzo 5 Tal trabalho advém da pesquisa de Iniciação Científica, a qual resultou também no Trabalho de Conclusão de Curso e em demais trabalhos científicos. 27 O objetivo recai, inicialmente, na análise do mercado imobiliário a partir de dados de anúncios de jornais nas respectivas cidades estudadas, de maneira a trazer a discussão sobre onde, isto é, em quais áreas/bairros estão concentradas as ofertas entre 1995 e 2010 nestas cidades. Além disso, como essas mudanças de localização decorrentes entre os anos são transferidas para os preços em um curto período de tempo, buscando entender que preço determinado local possui. Isso resultará na compreensão de que este mercado imobiliário provoca novas realocações, concentrações e dispersões, juntamente com os agentes incorporadores que atuam e organizam o espaço, proporcionando distinções entre áreas e quais faixas de renda em sua maioria. Neste caso, proporcionar análises comparativas nos permite articular elementos comuns e diferenças nas cidades dessa pesquisa ou em outras, como vemos em trabalhos de Abreu6, Alcântara7, Spinelli8 e demais. Optar pelo estudo de duas ou mais cidades é importante para a análise comparativa, pois assim nos ajuda a revelar traços comuns do funcionamento de seus mercados imobiliários e como estão ocorrendo às transformações atuais, não focando apenas em uma análise local das singularidades e particularidades de cada cidade. Os procedimentos metodológicos adotados neste trabalho, assim como na pesquisa, fundaram-se na construção de um banco de dados contendo informações de anúncios imobiliários de ofertas de vendas de apartamentos, casas e terrenos urbanos. Tais ofertas foram retiradas de um determinado jornal local em cada uma das cidades, sendo assim em Mossoró temos “O Mossoroense”, Campina Grande “Diário da Borborema”, e Passo Fundo “O Nacional”. A partir de uma listagem de informações foram organizadas tabelas bases com as ofertas imobiliárias que contém o dia, mês e ano, transação, o nome da imobiliária anunciante, o bairro que foi ofertado, tipo do imóvel negociado (casa, apartamento, terreno) e seu uso (residencial, comercial), área do terreno, área construída, e o preço ofertado. Além das informações citadas anteriormente, é importante ressaltar que a série histórica utilizada na pesquisa que se desenvolveu e também base para outros trabalhos 6 ABREU, 2014. 7 ALCÂNTARA, 2013. 8 SPINELLI, 2013. 28 como o de Abreu (2011; 2014) e Alcântara (2013) etc. partem do ano de 1995 como ponto inicial, por ser um período após a implantação do Plano Real, facilitando o ajuste de todos os anúncios a um mesmo padrão, ou seja, todos os anúncios estariam na mesma taxa de conversão e de valores monetários. Posteriormente, os anos escolhidos foram 2000, 2005 e 2010. Tais informações, neste caso, referem-se a dois meses de cada ano delimitado, outubro e dezembro, por serem meses que continham um maior número de anúncios durante um ano todo. Posteriormente, teve-se o cuidado de que todos os dados fossem deflacionados, com o objetivo de se garantir um mesmo índice de referência IGP – DI da FGV (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna da Fundação Getúlio Vargas), portanto a data final seria o ano de 2010. Sendo assim, pretendeu-se garantir a formação de um banco de dados que ajude a revelar as transformações mais estruturais do mercado imobiliário nas cidades analisadas, garantindo deste modo à comparação entre elas. Posteriormente, algumas informações sobre as cidades, localizações sobre os principais objetos imobiliários, áreas de inclusão e exclusão social serão importantes para compor o debate e ajudar a entender as mudanças do mercado imobiliário. Por fim, este trabalho encontra-se dividido em duas grandes partes: a primeira trará considerações teóricas a respeito do tema denominado "O mercado imobiliário e a produção do espaço urbano em cidades médias", e a segunda parte abordará resultados e suas conclusões, denominada “Contribuições para a compreensão do mercado imobiliário em Mossoró, Campina Grande e Passo Fundo”. 2. O MERCADO IMOBILIÁRIO E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM CIDADES MÉDIAS A produção do espaço urbano resulta da ação e posteriormente intensificação de agentes sociais. Portanto, cada um deles possui interesses, contradições e práticas diferenciadas, os quais incidem sobre tal produção, como cita Corrêa (2011). Portanto esse processo se reflete na produção das cidades. Com a intensificação da circulação do capital há a possibilidade de se construir diferentes tipos de espaços a partir da lógica e dos valores capitalistas. Sendo assim, 29 questiona-se se as cidades tornam-se mais diferenciadas ou semelhantes conforme o capitalismo se dissemina através da globalização. Neste caso, entende-se a importâncias das funções desempenhadas também pelas cidades médias no conjunto da rede urbana, pois assim como as metrópoles, elas possuem diferenças, papéis e semelhanças, e nesta diferenciação escalar de relações e trocas, tais processos ganham novos significados. Como afirma Lefebvre (1969, p. 53-55), as transformações e permanências que ocorrem no espaço urbano se relacionam tanto a processos globais, como a modificações do modo de produção, às relações cidade-campo, às classes e à propriedade, desse modo, a cidade não pode ser concebida como um sistema determinado e fechado. A partir do entendimento dessas conexões do espaço urbano, entende-se que as particularidades que cada agente proporciona na história, a situação geográfica ou até mesmo o sítio urbano da cidade, devem ser tomados como importantes no estudo das cidades médias. O impacto de tais ações resultam no desencadeamento de rearranjos no padrão de acessibilidade intra e inter áreas urbanas, nos preços de imóveis, na extensão e oferta de terrenos e no volume da produção de habitações que acabam por influenciar diretamente o conjunto da estrutura urbana, assim como as novas formas de acumulação que o capitalismo vem organizando a partir de análise de políticas habitacionais o crédito imobiliário ou até mesmo o próprio consumo. Neste caso pode-se pensar a vinculação de uma produção da habitação e seu consumo, consumo este que pode ser encontrado em determinadas áreas e locais, objetos imobiliários, consumo de padrões locacionais para determinado nível de renda que são repetidos em outras cidades. O que se supõe que esta produção imobiliária em crescimento no momento atual, não beneficia que tais indivíduos que a consomem ou utilizam também consumam a cidade, por isso torna-se importante analisar essas mudanças e rearranjos nestas cidades. Neste trabalho é possível analisar a semelhança dos movimentos dos preços imobiliários nas cidades médias em função de objetos imobiliários que valorizam e desvalorizam áreas em um curto período de tempo, dependendo de qual objeto seja. Nos casos de valorização, destaco como 30 exemplos os shoppings centers, as universidades/faculdades, os hipermercados, assim como loteamentos, que apareceram em grande parte das cidades com grande importância onde se localizam. No entanto, apesar dessa semelhança se repetir em muitas das cidades, vale lembrar que em cada caso há ritmos, intensidades e maneiras distintas, que propõem novas análises. Já de início, é possível perceber que as cidades possuem diferenças em suas origens com particularidades históricas, geográficas e econômicas (tal como a posição e situação geográfica, a estrutura da propriedade fundiária, as bases produtivas locais, as atividades imobiliárias etc.) e aqueles determinantes produzidos na escala nacional (como a política habitacional, a oferta e disponibilidade de crédito e financiamento, taxas de juros e, mais recentemente, a expansão de capitais imobiliários). Por isso, a desigual produção e transformação do espaço interno das cidades não ocorre aleatoriamente, mas corresponde a padrões de uso do solo específicos a um momento histórico e como a combinação destes elementos ocorreram. A partir deles e de decisões e ações de diferentes agentes que vão sendo paulatinamente tomadas e implementadas, condicionamos os rumos da produção do espaço urbano 9, sua localização, preço, valorização e desvalorização de áreas em curtos períodos de tempo. Entender a produção habitacional é de extrema importância, visto que "quanto mais a urbanização se amplia, mais os custos de equipamentos dos solos tornam-se elevados" (TOPALOV, 1979, p. 79) e isso também ocorre com os preços imobiliários conforme suas localidades, como cita Topalov (1979, p. 69) "o preço de produção da unidade habitacional varia com os equipamentos de viabilização e de serviços coletivos a serem realizados e que devem financiar o capital de promoção", e além disso, o preço é reflexo de onde se está localizado e próximo ao quê/quem? Villaça (1986, p. 98) afirma que, o Estado, em primeiro lugar, faz nas regiões onde se concentram as camadas de mais alta renda, enormes investimentos em infraestrutura urbana, especialmente no sistema viário, ao mesmo tempo em que abre frentes pioneiras para o capital imobiliário [...]. Assim, o sistema viário naquelas regiões é muito melhor que no restante da cidade, não só para atender o maior número 9 Neste caso, os mapas de inclusão/exclusão social, renda de chefes de família e entre outros mapas produzidos pelo Centro de Estudos e Mapeamentos da Exclusão Social para Políticas Públicas (CEMESPP) auxiliaram na localização de novos locais de valorização/desvalorização e novas articulações intraurbanas, que modificou a localização das ofertas imobiliárias. 31 de automóveis, mas também para abrir frente de expansão do capital imobiliário. Neste sentido, os vínculos construídos entre o Estado, o mercado imobiliário, a cidade, as ofertas imobiliárias e o preço existem a partir da relação entre os agentes produtores do espaço urbano e seus interesses, proporcionando formas e estruturas diferenciadas. Referente a essa produção do espaço urbano há diferentes atuações sociais e econômicas no decorrer das décadas, mas conforme as necessidades de se construir e diversificar o espaço habitado pela oferta e demanda provocado pelo crescimento econômico e trocas comerciais, temos uma variação de ofertas em determinados locais mais intensificados do que em outros e isto poderá ser melhor observado nos resultados a seguir. 3. CONTRIBUIÇÕES PARA A COMPREENSÃO DO MERCADO IMOBILIÁRIO EM MOSSORÓ, CAMPINA GRANDE E PASSO FUNDO Após uma breve consideração teórica, a seguir apresentaremos sinteticamente informações de estrutura urbana e os dados referentes às três cidades médias sobre ofertas imobiliárias, a fim de articulá-los às ideias anteriormente apresentadas. De início, percebe-se que a ocupação da cidade de Mossoró aconteceu a oeste do rio Mossoró, local de instalação da estrada de ferro, o que contribuiu para o desenvolvimento e a intensificação da expansão urbana (ELIAS, PEQUENO, 2010). Atualmente a cidade é cortada pela BR 304 a nordeste da cidade, a qual faz ligações a importantes cidades (Fortaleza/CE, Natal/RN) e ao distrito industrial. Percebe-se que para o exemplo de Mossoró, assim como as demais cidades a serem contextualizadas posteriormente, os eixos viários são importantes tanto para entender a influência onde se localizam com as cidades ao redor, além de que alguns eixos como avenidas, rodovias, são importantes para alguns aspectos de valorizações. Na área central é possível observar um intenso processo de verticalização e concentra grande parte das atividades terciárias, o comércio e serviços. À leste temos a instalação de loteamentos e conjuntos habitacionais com pouca infraestrutura, o qual foi local da instalação da primeira base da Petrobrás. À oeste tem-se a área menos populosa em Mossoró, onde estão os loteamentos fechados e condomínios, local de formação recente. Na área norte há muitos conjuntos habitacionais, assim como a presença da 32 antiga estrada de ferro citada como ponto de desenvolvimento (Avenida Rio Branco), portanto uma área um pouco mais antiga em formação. Já ao sul temos alguns loteamentos e a instalação da atual base da Petrobrás, atualmente área de grande concentração de empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida e que apresenta algumas mudanças. A partir de tais informações passamos para o Gráfico 1, que apresenta o preço médio por m² em Mossoró dos anúncios de terrenos, casas e apartamentos entre os anos de 1995, 2000, 2005 e 2010, assim como o preço médio por m² geral da cidade. Gráfico 1. Média por m² em Mossoró entre os anos de 1995 e 2010 Preços terreno casa Preço Médio m² Geral; 1995; R$28,35 Preço Médio m² Geral; 2000; R$48,41 Anos apartamento Preço Médio m² Geral; 2010; Preço Médio m² Geral Preço Médio m² R$392,54 Geral; 2005; R$77,78 Fonte: Jornal “O Mossoroense”. Anos: 1995, 2000, 2005 e 2010 Organização: Aline Fernanda Coimbra, 2013. Há uma grande elevação dos preços entre 2005 e 2010, visto que em anos anteriores temos poucos anúncios ou nenhum, como o caso de apartamentos no ano de 1995, 2000, 2005, e de casas para o ano de 2000, isso indica que a cidade ainda o padrão de tipologia como sendo a casa. A média da cidade apresentou uma leve ascensão no preço médio por m² real nas primeiras séries de anos, e no ano de 2010 uma maior elevação. Posteriormente nas Figuras 1, 2, 3 e 4 teremos os mapas de ofertas de terrenos em Mossoró com o preço médio por m² entre 1995, 2000, 2005 e 2010. 33 34 35 É possível ver que na Figura 2 referente ao ano de 2000 temos poucos bairros ofertados, enquanto que na Figura 4 no ano de 2010 há um maior número de bairros com ofertas, os quais alguns não apresentaram ofertas em outros anos. Analisando cada ano, em 1995 temos o bairro Santo Antônio em destaque, com o preço médio por m² real de R$ 100,37, enquanto que os demais em ordem decrescente de preço são Nova Betânia (R$ 35,57), Presidente Costa e Silva (R$18,21), Alto Sumaré (R$ 12,40), Alto de São Manoel (R$ 11,20). É importante ressaltar que o bairro Santo Antônio fazia parte de uma área de crescente valorização, o que favorecia a expansão de áreas de verticalização, assim como a presença da Av. Rio Branco, que interligava com o Centro. Já o menor preço no bairro Alto Sumaré deve-se a distância da área central e presença de uma favela, além da desvalorização e características de sua população. Prosseguindo a análise, no ano de 2000 temos o bairro Nova Betânia com o preço de R$ 61,10 seguido do bairro Alto de São Manoel (R$ 43,10) e Santa Delmira (R$ 15,50). É possível, portanto, perceber a elevação do preço no bairro Nova Betânia e crescentes valorizações através de objetos imobiliários, para o bairro Alto de São Manoel há sua proximidade com o Supermercado Queiroz e a Instituição de Ensino Superior (UFERSA – Universidade Federal Rural do Semi-Árido e ESAM – Escola Superior de Agricultura de Mossoró), que de certa forma também garantem o aumento dos preços de 1995 a 2000. Já no ano de 2005, temos o Centro com o preço de R$ 169,71, Nova Betânia (R$118,66), Presidente Costa e Silva (R$ 45,97), Abolição (R$ 41,48), Aeroporto (R$ 27,10), Planalto Treze de Maio (R$ 20,60) e Santo Antônio (R$ 10,35). No bairro Nova Betânia entende-se como uma nova frente de expansão para o mercado imobiliário que já apresentava indícios nos dados do ano de 2000, uma vez que nele se localiza o West Shopping Mossoró, hipermercados de redes de atuação nacional (Atacadão), restaurantes, a Universidade Potiguar, condomínios (Alphaville e Sunville) e loteamentos residenciais e horizontais. Apesar disso, o bairro está situado distante do centro, gerando uma forma de parcelamento do solo que “se apresentam como grandes alvos da especulação imobiliária, induzindo a implantação de infra-estruturas” (ELIAS, PEQUENO, 2010, p. 251). No entanto, o Centro como uma área específica, ainda apresenta sua importância, principalmente relacionada com atividades comerciais. 36 Já no ano de 2010, percebemos uma destacada elevação do preço médio por m² dos terrenos observado na legenda do mapa. Isso se dá, no nosso entendimento, devido ao aquecimento do mercado imobiliário e à valorização do solo urbano e da terra, que nos últimos anos cresceram principalmente nas cidades médias. Os bairros em 2010, temos o destaque para Alto de São Manoel (R$ 846,02), Santo Antônio (R$ 294,12), Nova Betânia e Aeroporto (R$ 250,00), Alto Sumaré (R$ 204,35), Abolição (172,22), Presidente Costa e Silva (R$ 119,27) e Abolição (R$ 105,19). Novamente vemos a participação do bairro Nova Betânia, uma valorização do bairro Abolição, assim como o Aeroporto, Alto Sumaré, e o bairro Santo Antônio. No entanto, o destaque maior é para o Alto de São Manoel que não apresentou nenhuma nova transformação ou instalação de equipamentos imobiliários que pudesse explicar esse aumento de preço, apenas concentração de hotéis e supermercados, ou algum lançamento que elevou o preço do bairro no geral. A cidade de Campina Grande teve seu desenvolvimento a partir do seu entroncamento no Planalto da Borborema. Nos anos de 1960/70 ocorreram ações para o desenvolvimento da cidade através de intervenções militares, o que favoreceu a transformação da cidade, assim como uma maior concentração populacional de famílias, principalmente vindas do campo (MAIA, 2014). Na zona leste temos o Boulevard Shopping que garante áreas de valorizações e implantação de loteamentos fechados e ligações com a BR 230. Na zona oeste temos Universidade Federal de Campina Grande e do Campus Bodocongó da Universidade Estadual da Paraíba, além de um parque tecnológico que implicou deslocamentos de atividades e valorizações de áreas próximas. Na zona norte e oeste observou-se a implantação de programas habitacionais em décadas anteriores (COHAB), assim como os do Programa Minha Casa Minha Vida atualmente e alguns loteamentos irregulares. Já na zona sul/sudeste temos a presença do Distrito Industrial, concentrando atividades deste ramo. Após esta breve contextualização temo o Gráfico 2, com o preço médio por m² em Campina Grande dos anúncios de terrenos, casas e apartamentos entre os anos de 1995, 2000, 2005 e 2010, assim como o preço médio por m² geral da cidade. 37 Gráfico 2. Preços Média por m² em Campina Grande entre os anos de 1995 e 2010 Preço Médio m² Geral; 1995; R$523,76 Preço Médio m² Geral; 2000; R$511,89 Preço Médio m² terreno Geral; 2010; R$1.265,43 casa Preço Médio m² apartamento Geral; 2005; R$678,03 Preço Médio m² Geral Anos Fonte: Jornal “Diário da Borborema”. Anos: 1995, 2000, 2005 e 2010 Organização: Aline Fernanda Coimbra, 2013. É possível observar que os preços em Campina Grande são maiores que em Mossoró, assim como o preço médio por m², isso ocorre tanto por diferenças entre a estruturação das cidades e seus momentos históricos em que se instalaram, a localização e condições expansão, assim como proximidades com outras cidades que favorecem sua influência. A curva que se observou no Gráfico 1, é semelhante com o mesmo movimento identificado para a cidade de Mossoró, entre 2005 e 2010. Posteriormente nas Figuras 5, 6, 7 e 8 são apresentados os mapas de ofertas de terrenos em Campina Grande com o preço médio por m² entre 1995, 2000, 2005 e 2010. 38 39 Para o ano de 1995, temos o bairro Catolé em destaque com o preço de R$ 254,49, bairro com grande proximidade com o Centro e com a presença de condomínios residenciais horizontais, seguido do Centro (R$ 139,10), Mirante (R$ 99,66) bairro próximo a importante rodovia BR-230, e muitos equipamentos hoteleiros e de eventos, Bodocongó (R$ 85,14), São José (R$ 49,65). No ano de 2000, temos novamente o Catolé com o preço de R$ 148,80, Mirante (R$ 99,71), Santo Antônio (R$ 97,05), Jardim 40 (R$ 68,06). Há uma diminuição dos preços médios no bairro Catolé e manutenção do preço no Mirante. No ano de 2005, temos o preço médio por m² superior ao ano anterior, mas ainda não ultrapassa o ano inicial de 1995. Em ordem decrescente de preços temos Mirante (R$ 580,82), Bodocongó (R$ 565,70), Prata (R$ 187,49) que possui alguns condomínios residenciais e unidades de saúde, Santo Antônio (R$ 186,11), Alto Branco (R$ 150,59), Jardim Tavares (R$ 148,05), Universitário (R$ 122,57), Catolé (R$ 76,12), Nações (R$ 60,29), Palmeira (R$ 8,65). Os bairros que mais se destacam nesta elevação dos preços são o Mirante, área valorizada pela presença do Garden Hotel Campina Grande Resort e Centro de Convenções, assim como a instalação Boulevard Shopping Campina Grande o que pode ter alavancado os preços e a fim de concentrar uma população de maior renda nas proximidades. Temos também o bairro Bodocongó, que teve valorização pela proximidade com a Universidade Federal de Campina Grande, a Universidade Estadual da Paraíba, a Escola Técnica Redentorista e o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). No ano de 2010 temos o Jardim Tavares (R$ 550,00), Prata (R$ 414,81), Catolé (R$ 368,33), Nações (R$ 322,02), Liberdade (R$ 317,46). Nos bairros, Alto Branco, Jardim Tavares e Nações a partir de 2005 inseriram-se novos condomínios e loteamentos fechados, os quais provocaram valorizações nos preços do m² para os anos seguintes. A estruturação da cidade de Passo Fundo é pautada principalmente na parte central (Av. Brasil) e que atualmente concentra maiores percentagens de verticalização, assim como a presença do Shopping Center Bella Cità. Na zona oeste temos o Distrito Industrial, enquanto que a sul/sudeste temos as áreas residenciais de média e alta renda. Já na parte oeste há uma maior concentração de residências de camadas populares, e na zona norte a formação de ocupações de alta renda (FERRETO, 2012). 40 No Gráfico 3, temos o preço médio por m² em Passo Fundo dos anúncios de terrenos, casas e apartamentos entre os anos de 1995, 2000, 2005 e 2010, assim como o preço médio por m² geral da cidade. Gráfico 3. Preços Média por m² em Passo Fundo entre os anos de 1995 e 2010 Preço Médio m² Geral; 1995; R$1.127,45 Preço Médio m² Geral; 2000; R$505,94 Preço Médio m² Geral; 2005; R$751,66 Preço Médio m² terreno Geral; 2010; casa R$1.042,01 apartamento Preço Médio m² Geral Anos Fonte: Jornal “O Nacional”. Anos: 1995, 2000, 2005 e 2010 Organização: Aline Fernanda Coimbra, 2013. Passo Fundo, apesar de indicar altos preços no ano de 1995 e superiores em geral que as outras duas cidades, também confirma o que já vem sendo discutido, acentuações entre os anos de 2005 e 2010, em destaque para os terrenos nas três cidades. Posteriormente nas Figuras 9, 10, 11 e 12 os mapas de ofertas de terrenos em Passo Fundo com o preço médio por m² entre 1995, 2000, 2005 e 2010. 41 42 Em 1995, temos o bairro Santa Terezinha com o preço de R$ 1739,69, seguido do Centro (R$ 1527,21), Vila Vergueiro (R$ 1283,04). Bairros bem próximos ao Centro, e assim localizados na área dos principais serviços da cidade, como no caso da Vila Vergueiro que tem o Hospital da Cidade de Passo Fundo. O ano de 2000, a queda é visível pela legenda das médias das ofertas, com o bairro Santa Terezinha por R$ 1031,00, Centro (R$ 1029,87), Vila Fátima (R$ 993,72). Temos em 2005 o bairro Vera Cruz em elevação (R$ 1648,20), Vergueiro (R$ 1217,82), Centro (R$ 1213,37), Vila Fátima (R$886,55). Já em 2010, temos os bairros Vila Fátima (R$ 1903,48), Vergueiro (R$ 1885,25), Centro (R$1654,00). Percebe-se que a concetração de ofertas próximas ao centro é grande, assim como a formação de um eixo Centro-Vila Fátima, que contribui para a ideia de um centro de alta renda indicado na figura 12. Por fim, o Gráfico 4 indica a média por m² de terrenos nas três cidades (19952010), a fim de facilitar a visualização dessas diferenças de preços médios por m² dos terrenos, em alguns momentos uma supera a outra, mas em geral todas seguem o mesmo movimento. Visto que essas diferenças de patamares se dão pelo o que já foi dito anteriormente, as características de cada cidade em sua formação, localização, agentes e etc. Gráfico 4. Média por m² de terrenos em Mossoró, Campina Grande e Passo Fundo entre os anos de 1995 e 2010 Preços Mossoró Campina Grande Passo Fundo Anos Fonte: Jornal: O Mossoroense, Diário da Borborema, O Nacional. 1995, 2000, 2005 e 2010 Organização: Aline Fernanda Coimbra, 2013. 43 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise desenvolvida até este momento reúne alguns dos elementos necessários para aquilo que Brandão (2012, p. 168) chama a atenção: a necessidade de comparar as “similaridades e diferenças entre os elementos de estudo”. Por isso, é tão importante comparar cidades distintas, já que há possibilidades de ocorrência de determinadas semelhanças no processo de formação e construção do espaço urbano e, sobretudo, nos movimentos do mercado imobiliário. É possível observar que na maioria dos casos, gráficos ou mapas, as médias possuem o movimento ascendente, principalmente a partir de 2005 e, em 2010 essa elevação é mais acentuada. Nos gráficos 2 e 3 percebe-se uma pequena queda entre 1995 e 2000, como no caso de terrenos e apartamentos em Campina Grande onde é importante realçar que o preço por m² da cidade obteve elevações consideráveis ao longo dos anos, assim como terrenos, casas e apartamentos em Passo Fundo. No entanto, isso não acontece em Mossoró, pois o movimento de preços médios por m² apresenta-se totalmente ascendente. Essas elevações dos preços destacados nas três cidades indicam que o mercado imobiliário sofreu ajustes e transformações, o que propõe grandes mudanças no espaço urbano da cidade em um curto período de tempo. Sendo assim, o mercado imobiliário de ofertas de terrenos, casas e apartamentos ganha características que se aproxima no estudo de cidades médias, os quais repercutem um processo de valorização e desvalorização em algumas áreas das cidades. A partir dessa espacialização sugere-se que o mercado imobiliário em si também regula tais ofertas. Mesmo considerando-se as particularidades de cada cidade, oriundas de diferentes contextos históricos, chama-se a atenção para os semelhantes movimentos de crescimento dos preços da terra urbana. No mesmo sentido, objetos imobiliários como shoppings centers, condomínios fechados, hipermercados, são condicionantes explícitos de modificação na estrutura imobiliária e do espaço urbano, levando a acomodações/localização de segmentos sociais específicos em suas proximidades, valorizando o preço por m². 44 REFERÊNCIAS ABREU, M. A. O mercado imobiliário em Londrina, Marília e São José do Rio Preto: análise comparativa do processo de estruturação intra – urbano. Presidente Prudente. Monografia de conclusão de curso. Faculdade de Ciências e Tecnologia/Presidente Prudente. 2011 ABREU, M. A. Diferenciando o espaço e produzindo cidades: lógicas e agentes da produção do espaço urbano em Ribeirão Preto/SP e Londrina/PR. 2014. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Presidente Prudente. ALCÂNTARA, D. M. de. 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Global 1986. 46 O PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA EM CIDADES MÉDIAS: O CASO DE VIÇOSA, MG Aline Werneck Barbosa de Carvalho10 Italo Itamar Caixeiro Stephan11 IzabelaVaz12 Marina Galatro13 Resumo Este artigo tem como objetivo refletir sobre a implantação do Programa Minha Casa, Minha Vida na cidade de Viçosa - MG, procurando identificar particularidades deste processo numa cidade média. O artigo apoia-se em pesquisa bibliográfica, levantamento de dados secundários e pesquisa de campo, mediante o uso de técnicas variadas, como levantamento de dados arquitetônicos e fotográficos, observação direta e aplicação de questionários aos moradores dos conjuntos habitacionais. Excetuando-se o fato de apresentarem um número reduzido de unidades habitacionais, os três empreendimentos construídos em Viçosa apresentam o mesmo padrão construtivo e de localização que tem caracterizado a produção do PMCMV nas grandes cidades brasileiras, configurando-se como expressão da lógica empresarial que Palavras-chave: Política habitacional; Programa Minha Casa, Minha Vida; Cidade Média. 10 Professora Associada do Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal de Viçosa. E-mail: [email protected] 11 Professor Associado do Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal de Viçosa. E-mail: [email protected] 12 Bolsista de pesquisa FAPEMIG; estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal de Viçosa. E-mail: [email protected] 13 Bolsista de pesquisa FAPEMIG; estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal de Viçosa. E-mail: [email protected] 47 1. Introdução Este artigo tem como objetivo discutir o processo de implantação do Programa Minha Casa, Minha Vida numa cidade média, procurando identificar suas características construtivas e urbanísticas, seus principais agentes e suas articulações com a política urbana. No Brasil, o interesse pela investigação das cidades ditas médias desenvolveu-se a partir das décadas de 1950 e 1960. Os estudos realizados, já naquela época, mostravam que essas cidades geralmente desempenhavam um papel essencial no equilíbrio e no funcionamento das redes urbanas regionais e do sistema urbano nacional. Nas décadas de 1970 e 1980, foram elaborados vários planos, programas e políticas de âmbito local e regional que visavam à difusão do processo de desenvolvimento com base na rede urbana e no fortalecimento das cidades médias. Contudo, ao longo do tempo, o papel estratégico regional foi se enfraquecendo como princípio de planejamento, o que ocasionou uma relativa queda de foco nessa categoria de cidades. O interesse pelo estudo das cidades médias voltou ao cenário nacional na década de 1990, motivado pelos resultados do Censo de 1991, que registrou um processo de reversão da polarização industrial e da concentração populacional nos polos metropolitanos, no qual as cidades médias cumprem papel decisivo, sejam elas metropolitanas ou não. Além disso, as cidades médias têm sido consideradas, com maior ou menor razão, como lugares privilegiados em termos de qualidade de vida, de preservação do meio ambiente e do patrimônio urbanístico, e como polos de atração dos crescentes fluxos turísticos Um dos reflexos do interesse renovado pelas cidades médias tem sido o aumento considerável de publicações sobre esse grupo de cidades. Entretanto, as pesquisas relacionadas a esse tema enfrentam obstáculos no que diz respeito à caracterização, ou mesmo à conceituação do termo cidades médias. 48 O conceito de cidade média, tratado por diversos autores, é impreciso, não havendo um consenso ou uma definição mais ou menos cristalizada que possa ser utilizada indistintamente por sociólogos, economistas, arquitetos, geógrafos, demógrafos, entre outros. Dessa forma, tanto pesquisas e reflexões acadêmicas como políticas públicas para as cidades médias têm enfrentado dificuldades na caracterização do grupo que compõe esse nível de cidade (ARAÚJO; MOURA; DIAS, 2010). Sposito (2014) argumenta que “cidade média” não é um conceito, podendo no máximo ser entendido como uma noção científica, e faz distinção entre cidades médias e cidades de médio porte, afirmando que as cidades médias são aquelas que, independente do seu tamanho demográfico, “desempenham papel de comando regional, realizando funções de intermediação entre cidades maiores e menores de sua rede urbana” (p. 26). A partir desta noção, apresentaremos um estudo de caso acerca da produção recente da habitação de interesse social em Viçosa, cidade de 76.147 habitantes 14 localizada na Zona da Mata de Minas Gerais, procurando refletir sobre as particularidades deste processo numa cidade que, pelo seu grau de polarização em relação às pequenas cidades que gravitam no seu entorno, desempenha a função de cidade média. O artigo apoia-se em pesquisa bibliográfica, levantamento de dados secundários e pesquisa de campo, mediante o uso de técnicas variadas, como levantamento de dados arquitetônicos e fotográficos, observação direta e aplicação de questionários aos moradores dos conjuntos habitacionais. O texto está estruturado em três partes, além desta introdução. Inicialmente, aborda-se o quadro da política habitacional brasileira no qual o PMCMV se insere; em seguida, apresentam-se os resultados do estudo de caso, discutindo-se a implantação da modalidade urbana do PMCMV em Viçosa para, finalmente, apresentar as conclusões. 14 SEBRAE, 2013. Disponível em: <http://www.sebraemg.com.br/atendimento/conteudo/dados-e-pesquisas/identidade-dos-municipios> 49 2. O Programa Minha Casa, Minha Vida no contexto da política habitacional brasileira As políticas de habitação para a população de baixa renda, no Brasil, seguiram uma longa trajetória, desde o início do século XX até os dias de hoje. Nesse longo período, destacam-se como marcos importantes a criação da FCP, nos idos de 1940, e o Banco Nacional de Habitação – BNH, no período de 1964 a 1986, apesar das críticas à qualidade construtiva e urbanística dos empreendimentos produzidos. Com o avanço do processo de descentralização, a partir da década de 1980, começa a ser gestada uma nova postura de enfrentamento da questão habitacional, mediante a mobilização da sociedade civil e de setores populares pró-moradia. A primeira década do século XXI é marcada pela retomada do planejamento estatal no setor habitacional e urbano, bem como pelo aumento do volume de recursos e subsídios para a habitação de interesse social (DENALDI, 2012; BUONFIGLIO; BASTOS, 2011). A partir da criação do Ministério das Cidades, em 2003, da aprovação da Política Nacional de Habitação, em 2004, e da criação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS –, em 2005, o Governo Federal tem empreendido esforços na ampliação dos recursos destinados à implementação da política habitacional. No final da primeira década de 2000, foram criados dois grandes programas visando ao acesso da população de baixa renda à moradia: o Programa de Aceleração do Crescimento Urbanização de Assentamentos Precários (PAC-UAP) e o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV). Instituído pela Lei n. 11.977, de 07 de julho de 2009, o PMCMV constitui, atualmente, o principal programa habitacional do governo federal, cujo objetivo consiste na construção maciça de moradias visando à melhoria do sistema habitacional para a população de baixa e média renda. No âmbito do PMCMV estão previstos dois subprogramas: o PNHU – Programa Nacional de Habitação Urbana e o PNHR – Programa Nacional de Habitação Rural. O PNHU “tem por objetivo promover a 50 produção ou aquisição de novas unidades habitacionais ou a requalificação de imóveis urbanos” (Art. 4º, Lei n. 12.124/2011), enquanto cabe ao PNHR “subsidiar a produção ou reforma de imóveis aos agricultores familiares e trabalhadores rurais (...)” (Art. 11, Lei n. 12.124/2011), nas propriedades rurais, posses e agrovilas, em terrenos que não ultrapassem 4 módulos fiscais15. Motivado em por razões econômicas, no contexto da crise mundial de 2008, o PMCMV representou uma política social de grande escala, que estimulou a criação de empregos e de investimentos no setor da construção civil, atendendo à demanda habitacional de baixa renda que o mercado por si só não alcançava até então (ARANTES; FIX, 2009; HIRATA, 2011; KLINTOWITZ, 2011). Amplamente implementado a partir do ano de 2010, a meta do PMCMV era a construção de 1 milhão de moradias na área urbana. Lançada a segunda versão do PMCMV, pela Lei n. 12.1214/2011, estabeleceu-se como nova meta a construção de 2 milhões de moradias até 2014. No caso do PNHR a meta é a produção e reforma de 120.000 unidades habitacionais no período 2011-2014, distribuídas segundo o déficit habitacional do país, mais 70.000 voltadas para os assentados do Programa Nacional de Reforma Agrária (BRASIL, 2013). O PMCMV representa um grande aporte de recursos financeiros para o setor habitacional, composto por 75% de recursos não onerosos advindos do OGU, 22% do FGTS e 3% do BNDES. Com o intuito de estimular a produção habitacional pelo mercado, o Programa ainda agrega um conjunto de medidas como reduções de tarifas, facilidades de acesso ao crédito e aceleração dos processos administrativos) (KLINTOWITZ, 2011. Além das medidas de caráter financeiro, procura-se desburocratizar e agilizar o processo de provisão habitacional, por meio da 15 Módulo fiscal é uma unidade de medida agrária usada no Brasil, instituída pela Lei nº 6.746, de 10 de dezembro 1979. É expressa em hectares e é variável, sendo fixada para cada município levando-se em conta o tipo de exploração predominante no município, a renda obtida com a exploração predominante e com outras explorações existentes no município que mesmo não sendo predominantes sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada, e o conceito de propriedade familiar. O módulo fiscal de Viçosa é igual a 22 ha. 51 flexibilização da contratação das empresas, com a eliminação da exigência de licitação para a obra, e da adoção de medidas de desoneração tributária para as construções destinadas a habitação de interesse social. Alguns pesquisadores têm apontado a má qualidade da produção habitacional do PNHU, bem como a localização periférica dos empreendimentos, ditada na maioria das vezes por interesses especulativos do mercado de terras (MARICATO, 2012; ROLNIK, KLINK, 2011; PENALVA, DUARTE, 2010; HIRATA, 2009; BONDUKI, 2009). No caso do PNHR, pouco foi investigado até o momento acerca da eficácia do processo de provisão de moradias como um todo e da adequação do produto habitacional às necessidades dos moradores. Entretanto, não se pode negar que o PMCMV constitui a mais importante estratégia direcionada para a redução do déficit habitacional no Brasil, desde o BNH, a despeito das razões que estão subjacentes à sua proposição e da eficácia dos seus resultados em termos de qualidade arquitetônica e urbanística. Segundo dados oficiais, desde o seu lançamento até fevereiro de 2013, esse Programa superou a marca de 1 milhão de moradias entregues nas áreas urbanas. Em 2012, houve um aumento de 41% no número de moradias entregues, em relação a 2011; além disso, já foram contratadas mais de 1,34 milhão de unidades habitacionais em todo o país. Considerando-se as moradias entregues e o total contratado, são 2,45 milhões de moradias financiadas pelo Programa até 2013. A maior parte das unidades contratadas (58,2%) é destinada às famílias com renda mensal de até R$ 1.600 (Faixa 1). (BRASIL, 2013) 3. O Programa Minha Casa, Minha Vida numa cidade média: o caso de Viçosa 3.1. Contexto social e econômico da cidade de Viçosa Viçosa é uma cidade localizada na Zona da Mata de Minas Gerais, conhecida por sediar uma importante universidade pública – a Universidade Federal de Viçosa (UFV). A expansão da UFV a partir de 1970 e, mais recentemente, o impacto do Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) têm transformado o 52 espaço urbano, acentuando o processo de expansão urbana. Embora o município disponha de Plano Diretor e de leis urbanísticas de controle do uso e ocupação do solo, a falta de atuação mais decisiva do poder público municipal sobre o mercado imobiliário tem resultado num padrão de ocupação que concentra a população mais abastada nas áreas centrais e bairros servidos por infraestrutura, enquanto os bairros destinados à população de menor renda crescem em direção às encostas, ocupando áreas de relevo muito acidentado, ou em direção às porções mais distantes da mancha urbana. A elevada demanda por moradia estudantil e a oferta limitada de terrenos na zona central têm estimulado a especulação imobiliária, que eleva os preços dos lotes e produz um processo acelerado de verticalização no Centro e nos bairros adjacentes, acentuando o fenômeno da segregação socioespacial. A segregação social e o padrão econômico dos residentes são visíveis na paisagem urbana, impressos nas características morfológicas dos bairros e de suas tipologias habitacionais. A economia local gira em torno das atividades universitárias e, consequentemente, das demandas, necessidades, padrão financeiro, hábitos e gostos dos estudantes, professores e funcionários universitários. Impulsionada principalmente pelo mercado imobiliário e pelo setor de serviços, a cidade enfrenta uma série de problemas, como a especulação imobiliária, que reorganiza a distribuição da população e reconfigura a paisagem urbana, o trânsito caótico, agravado pelo aumento do número de veículos automotores para uma estrutura viária antiga e inadequada, além dos altos índices de inflação dos preços de produtos e serviços, que vêm caracterizando as chamadas “cidades universitárias” em Minas Gerais16. 16 De acordo com matéria do Jornal Estado de Minas, de 18/02/2013, sob a pressão dos preços dos serviços, alimentação e transporte, em 2012 o custo de vida das cidades mineiras do interior registrou variações maiores que as da capital. Em quatro cidades que têm índices próprios de preços apurados pelas universidades locais (Lavras, Uberlândia, Montes Claros e Viçosa), os IPCs foram maiores do que o IPCA e o INPC da Grande BH, indicadores oficiais medidos pelo IBGE. Em Lavras, custo de vida subiu 11,82% e em Viçosa a alta foi de 10,17%. Ver matéria em: <http://www.em.com.br/app/noticia/economia/2013/02/18/internas_economia,351094/custo-devida-no-interior-ja-e-maior-que-em-bh.shtml> 53 A cidade também é marcada por uma significativa desigualdade social e grande parte da população encontra-se abaixo da linha de pobreza (TEIXEIRA et al., 2004). Dados referentes ao ano 2000 indicam que a renda per capita média do município era de R$ 329,71 e a pobreza17 atingia 22,7% da população. No período 1991-2000, o índice GINI passou de 0,60 para 0,61, indicando o aumento da desigualdade social (PLHIS, 2012). Dados da Fundação João Pinheiro, de 2010, indicaram um déficit habitacional básico de 2.023 unidades, correspondendo a 8,9% do total de domicílios do município, dos quais 1.339 conformam o déficit habitacional na faixa de renda até três salários mínimos, ou seja, 66,18% do déficit total. O maior percentual do déficit (46,05%) corresponde a domicílios com ônus excessivo de aluguel, 43,51% à situação de coabitação familiar e apenas 5,54% corresponde a domicílios precários. O quadro se repete no caso das famílias com rendimento entre zero e três salários mínimos, onde a maior parte do déficit (918 unidades) refere-se a domicílios com ônus excessivo de aluguel e constitui 68,59% do total do déficit desta faixa de renda. Um montante de 2.339 domicílios urbanos possui algum tipo de inadequação habitacional: 1347 (57,6%) não possuem rede de esgotamento sanitário, 817 (34,9%) não possuem rede de abastecimento de água e 317 (13,5%) não descartam o lixo corretamente (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2013) 3.2. O Programa Minha Casa, Minha Vida em Viçosa No período compreendido entre 2011 e 2014 foram implantados três conjuntos habitacionais do PMCMV para atender a população com renda inferior a três salários mínimos: Benjamim José Cardoso, Sol Nascente e Floresta. O conjunto Benjamim José Cardoso (conhecido como “Coelha”) foi entregue em setembro de 2011 e possui 132 unidades habitacionais unifamiliares implantadas em pequenos lotes de 10m x 13m, localizadas entre o Bairro Santa Clara e a Estrada dos Araújos. O conjunto Sol Nascente, entregue em abril de 2012, conta com 123 casas, também localizadas em pequenos lotes de 10m x 15m, nas proximidades do Conjunto 17 Neste caso, a pobreza foi medida pela proporção de pessoas com renda domiciliar per capita inferior a R$ 75,50, equivalente à metade do salário mínimo vigente em agosto de 2000. 54 Benjamim José Cardoso. O Condomínio Residencial Floresta é constituído por habitações multifamiliares, reunidas em cinco edifícios de quatro pavimentos com quatro apartamentos cada, totalizando 80 unidades habitacionais. As chaves foram entregues às famílias em fevereiro de 2012 e o processo de ocupação iniciou-se a partir de março As figuras 1, 2 e 3 ilustram estes empreendimentos. Figura 1. Implantação do loteamento e vista de uma das ruas do Conjunto Habitacional Benjamin José Cardoso. Viçosa, MG. 2011. Fonte: NASCIMENTO; CARVALHO, 2013. 55 Figura 2. Vista Planta do loteamento Sol Nascente. Viçosa, MG. 2011. Fonte: http://vicosanews.com/2012/06/13/prefeitura-sorteia-unidades-de-mais-um- conjunto-habitacional/ Figura 3. Implantação e vista do Condomínio Floresta. Viçosa, MG. 2011. Fonte: Adaptado de CARVALHO, OLIVEIRA, WÜRDIG, 2014. Como se pode observar, trata-se de empreendimentos de pequenas dimensões, com um pequeno número de unidades habitacionais. O padrão construtivo e de acabamento segue rigorosamente o prescrito pela especificações do Programa, sendo construídos em alvenaria estrutural. Chama atenção a pequena dimensão dos lotes, considerando-se que os empreendimentos localizam-se em áreas distantes do Centro e pouco servidos por infraestrutura. 56 Os três empreendimentos foram produzidos por empresas locais, de pequeno porte, que se encarregaram de todo o processo de provisão habitacional, desde a escolha e compra do terreno, passando pela elaboração e aprovação dos projetos pelos órgãos municipais e pelo agente financeiro, até a incorporação e construção das unidades, cabendo ainda às empresas a correção de eventuais problemas construtivos, pelo prazo de 5 anos. Ao poder público municipal couberam a realização do cadastro dos interessados e a organização dos documentos para serem enviados à Caixa Econômica Federal, para a seleção final dos beneficiários, o que foi feito no âmbito do Departamento de Habitação da Secretaria de Políticas Sociais. Também ficaram a cargo do município a aprovação dos projetos e a contrapartida exigida pelo Programa, que se deu sob a forma de implantação da infraestrutura de serviços urbanos nas vias de acesso aos empreendimentos, já que o município não possuía possui banco de terras. O Conselho Gestor de Habitação de Interesse Social teve papel muito secundário no processo, responsabilizando-se apenas pela elaboração de critérios para seleção dos beneficiários. Assim sendo, o município deixou de exercer um importante papel na localização dos conjuntos habitacionais, que foram construídos em áreas mal servidas por equipamentos urbanos comunitários, sobretudo os conjuntos Benjamin José Cardoso e Sol Nascente. Os dois primeiros empreendimentos localizam-se a menos de 1km do Centro da cidade, porém em área de difícil acesso devido ao relevo acidentado. Nas suas proximidades não há equipamentos urbanos como escola, creche e posto de saúde, e o comércio restringe-se a um bar. Passados mais de dois anos da sua ocupação, os moradores ainda reclamam que não há serviço de Correio nem telefone público, o sinal para telefone celular é fraco e irregular, os horários de ônibus são insuficientes e a principal via de acesso aos conjuntos residenciais não foi pavimentada, o que impede o acesso das crianças à escola nos dias de chuva forte. Quanto aos beneficiários, várias pesquisas (OLIVEIRA, WÜRDIG e CARVALHO, 2013; NASCIMENTO e CARVALHO, 2013; REIS, 2013) têm indicando a adequada focalização do Programa no município. Todas as famílias beneficiadas nos três 57 conjuntos habitacionais possuíam renda inferior a três salários mínimos, sendo alto o índice de famílias que recebiam menos de 1 salário mínimo. Além disso, a maioria recebe benefício do governo, na forma de bolsa-família. Outra característica é a predominância maciça de mulheres como chefes de família, conforme recomendado pelo Programa (ver Tabela 1). Tabela 1 - Perfil das famílias dos Conjuntos Habitacionais Benjamim José Cardoso, Sol Nascente e Floresta em Viçosa, MG CARACTERÍS TICAS C. H. Benjamin José Cardoso FREQU FREQU ÊNÊN-CIA CIA RELAT ABSOL IVA UTA (%) C. H. Sol Nascente Condomínio Floresta FREQU ÊN-CIA ABSOL UTA FREQU ÊN-CIA ABSOL UTA FREQU ÊN-CIA RELAT IVA (%) FREQU ÊN-CIA RELAT IVA (%) Sexo do chefe da família (%) Feminino 116 91 97 78,86 65 81,25 Masculino 11 8 26 21,14 15 18,75 Renda Familiar 127 2 a 3 SM 5 3,93 4 3,25 2 2,5 1 a 2 SM 38 29,92 41 33,33 29 36,25 Menos de 1 SM 83 65,35 78 63,42 49 61,25 Não declarou 1 0 0 Recebe benefício do Governo Sim 79 62,2 73 59,35 51 63,75 Não 46 36,22 50 40,65 29 36,25 Não declarou 2 1,58 0 0 Número de pessoas na família Até 3 pessoas 56 44,09 32 26,02 38 55,1 De 4 e 5 pessoas 35 27,56 37 30,08 25 36,2 Acima de 5 12 9,45 21 17,07 6 8,7 pessoas Não informado 24 18.9 33 26,83 11 TOTAL 127 100% 123 100% 80 100% Fonte: Elaborada pelas autoras a partir de dados do Projeto Técnico Social e das fichas cadastrais dos beneficiários. No primeiro conjunto habitacional entregue, há três casas em situação irregular, por não terem sido ocupadas pelos seus proprietários: uma delas foi invadida, outra está vazia e a terceira foi depredada. Também existem unidades abandonadas nos demais conjuntos 58 habitacionais, além de problemas sociais ligados ao tráfico de drogas. No Condomínio Floresta os problemas são menores, ao contrário do que se poderia esperar, por se tratar de habitação em condomínio vertical. Atribui-se isto provavelmente ao bom trabalho realizado pelos técnicos sociais e ao fato de se ter adotado a forma de gestão de condomínio individualizada por edifício. Apesar das carências apontadas, há uma proposta recente de construção de novo empreendimento, constituído por blocos de apartamentos, nas imediações do Conjunto Benjamim José Cardoso. O Conselho Gestor de Habitação de Interesse Social manifestou-se contrariamente à proposta, uma vez que os problemas dos conjuntos já implantados ainda não foram solucionados pela Prefeitura, mas há fortes indícios de que as obras serão iniciadas. A legislação urbanística existente no município (Plano Diretor, Lei de Uso e Ocupação do Solo e Lei de Parcelamento do Solo Urbano) não contém instrumentos capazes de barrar a localização inadequada dos empreendimentos. O discurso político do executivo municipal procura destacar a relevância social da iniciativa da Prefeitura e a oportunidade que a contratação das “casas populares do PMCMV” representa para o município, que até então nunca havia produzido habitação para a população de baixa renda. Entretanto, aspectos como a qualidade da moradia, a localização e a contrapartida da Prefeitura na compra de terrenos para implantação dos empreendimentos nem sequer chegaram a ser cogitados. 4. Conclusões Uma análise do desempenho quantitativo do PMCMV em Viçosa indica que a produção de 335 unidades habitacionais (255 casas e 80 apartamentos) foi responsável pela redução de aproximadamente um terço do déficit habitacional na faixa de renda até três salários mínimos. Do ponto de vista institucional, a atuação dos órgãos responsáveis pela condução da política habitacional no município e do Conselho Gestor de Habitação de Interesse 59 Social é limitada, e a articulação entre a política habitacional e a política urbana fica subordinada à lógica do mercado e às forças políticas e econômicas que representam o poder local. A carência de infraestrutura nos entornos dos conjuntos residenciais e a falta de equipamentos comunitários nas suas proximidades revelam o caráter incompleto da iniciativa e sua visão pontual, onde a provisão da casa própria sobressai como única necessidade a ser suprida, desacompanhada de práticas urbanísticas de produção do espaço urbano que compõem o conceito mais amplo de habitação. A construção de moradias do PMCMV nas áreas carentes de infraestrutura urbana, como tem sido apontado por vários pesquisadores, subverte um dos princípios da Política Nacional de Habitação, qual seja a adoção dos instrumentos de reforma urbana, com a finalidade de possibilitar melhor ordenamento e maior controle do uso do solo, combater a retenção especulativa e garantir acesso à terra urbana. Poder-se-ia esperar que em municípios pequenos e médios, o poder público tivesse uma atuação mais forte, até mesmo como agente promotor da política habitacional. Entretanto, a própria forma como o PMCMV foi “desenhado”, através do circuito em que o setor privado é o agente promotor, o papel do poder público sobre a produção dos empreendimentos fica à mercê do mercado. É a lógica empresarial conduzindo a produção da habitação de interesse social, que se repete nas cidades médias, assim como acontece nas grandes cidades brasileiras. 5. Referências Bibliográficas ARAÚJO, M. M. S.; MOURA, R.; DIAS, P. C. Cidades médias: uma categoria em discussão. In: PEREIRA, R. H. M.; FURTADO, B. A. (org.). Dinâmica urbanoregional, rede urbana e suas interfaces. Brasília: Ipea, 2010. Disponível em: <http://www.suzanncordeiro.com/wpcontent/uploads/2011/07/Din%C3% A2mica+..1.pdf#page=53>. Acesso em: 10 ago. 2011. 60 ARANTES, P.F.; FIX, M. Como o governo Lula pretende resolver o problema da habitação. Alguns comentários sobre o pacote habitacional Minha Casa, Minha Vida. Correio da cidadania. [Online], 2009. 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OS CONJUNTOS HABITACIONAIS FINANCIADOS PELO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA EM CHAPECÓ-SC Ana Laura Vianna Villela18 Alexandre Maurício Matiello19 Resumo O presente trabalho constrói, através da cronologia das políticas habitacionais no Brasil, um olhar crítico sobre as questões que conformam a criação dos programas habitacionais, tendo como foco aqueles voltados para a população de baixa renda. Como objeto de reflexão estão os conjuntos habitacionais financiados pelo Programa Minha Casa Minha Vida em Chapecó-SC desde o início deste. A partir da sistematização dos dados fornecidos pela Secretaria Nacional de Habitação/Ministério das Cidades e da investigação sobre a contratação destes empreendimentos, foi possível analisar os parâmetros de como a cidade vem sendo “produzida” pelas construtoras. Ainda que pesem no discurso das leis o cumprimento da função social, a ação do Estado revela-se contraditória quando se percebe a prevalência do capital privado sobre a produção da cidade com financiamento público. Palavras-chave: Habitação de interesse social; Programa Minha Casa Minha Vida; Chapecó 1. Introdução A questão da moradia sempre instigou um número relevante de pesquisas no Brasil, sendo um tema de discussão que ilustra e sintetiza as diversas lutas e crises urbanas, especialmente decorrentes das grandes diferenças socioespaciais urbanas nas cidades brasileiras. Corrêa (1995) lembra que por falta de dinheiro muitos não podem adquirir ou alugar um imóvel de boa qualidade, e então são obrigados a morar em edificações velhas e degradadas, em casas autoconstruídas, loteamentos periféricos, 18 Arquiteta e urbanista, Mestre em Planejamento Urbano. Professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da UNOCHAPECÓ (Universidade Comunitária da Região de Chapecó) e membro do grupo de pesquisa “Cidade: cultura, urbanização e desenvolvimento”. 19 Arquiteto e urbanista, Mestre em Sociologia Política. Professor do curso de Ciências Sociais da UFFS (Universidade Federal da Fronteira Sul) – Campus Chapecó e membro do grupo de pesquisa “Cidade: cultura, urbanização e desenvolvimento”. 64 conjuntos habitacionais produzidos pelo Estado ou até mesmo em favelas. Rolnik (2006) situa esta problemática no contexto de rápida urbanização brasileira: Em um dos movimentos socioterritoriais mais rápidos e intensos de que se tem notícia, a população brasileira passou de predominantemente rural para majoritariamente urbana em menos de 40 anos (1940-1980). Este movimento – impulsionado pela migração de um vasto contingente de pobres – ocorreu sob a égide de um modelo de desenvolvimento urbano que basicamente privou as faixas de menor renda da população de condições básicas de urbanidade, ou de inserção efetiva na cidade (ROLNIK, 2006, p. 199). Neste trabalho20, procura-se compreender as políticas habitacionais nas diversas esferas governamentais e sua aplicação ao nível local. De forma geral, analisou-se o processo de produção dos conjuntos habitacionais financiados pelo Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) na cidade de Chapecó/SC, de julho de 2009 a dezembro de 2012, para então, identificar a relação entre esse tipo de habitação e a formação da cidade, dando destaque aos valores empregados e papel das empresas de construção civil para o desenvolvimento deste processo. Mais especificamente, conseguiu-se mostrar as implicações para o processo de reprodução social do solo urbano na implantação dos conjuntos habitacionais de interesse social Expoente e Monte Castelo, dando-se destaque para alguns aspectos a respeito da inadequação das tipologias habitacionais propostas às necessidades do público a que se direcionam. 2. As políticas habitacionais no Brasil: contexto geral No Brasil, a história dos assentamentos humanos tem sua origem no processo de urbanização, sendo o período de 1930-1945 marcado pela concentração progressiva e acentuada da população nas cidades: com a Segunda Guerra Mundial, a atividade industrial é acelerada, promovendo a modernização do espaço produtivo e das relações de trabalho, e de certa forma, isso fez com que fossem criados novos empregos dando continuidade à migração para as cidades até a década de 1980. Já deste período em diante, houve uma redução significativa no ritmo de crescimento urbano, apesar do aumento no número de cidades com população acima de 20 mil habitantes. 20 Financiado pelo Artigo 171 da Constituição Estadual como bolsa de auxílio à pesquisa e pelo Artigo 170 da Constituição Estadual do Estado de Santa Catarina para os Núcleos de Iniciação Científica. 65 Durante a ditadura de Getúlio Vargas, entre os anos de 1930 a 1945, é que o problema de moradia da população de baixa renda no Brasil se agravou. Esse fator colocou em discussão o tema da habitação de uma maneira jamais antes vista. (CAMPOS, 2011; MEDEIROS, 2007). Assim as problemáticas que dizem respeito às habitações periféricas na cidade, o déficit habitacional, a população morando em áreas irregulares e de risco passaram a ser considerados casos de política pública. (MEDEIROS, 2007). Entre as décadas de 1930 a 1960 ficou a cargo do Instituto de Aposentadoria e Pensões (IAP) a organização e provisão de habitações populares: Neste momento, há um reconhecimento, da atuação do Estado em intervir para a provisão habitacional e, para tanto, era preciso investir recursos públicos e fundos sociais, visto que também se defendia uma imagem do Estado benfeitor, responsável pelo bem-estar dos cidadãos. Aconteceu, em 1946, a criação da Fundação da Casa Popular (FCP), e o fortalecimento dos órgãos encarregados de produzir habitações, como as carteiras prediais dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) (BORGES, 2013, p. 143). No final do governo de Eurico Gaspar Dutra (1946 - 1951) este sistema de financiamento começou a entrar em declínio ocasionado pela crise da previdência. Segundo Borges (2013) foi a ineficiência da política habitacional da Fundação da Casa Popular frente aos Institutos de Aposentadoria e Pensão e a reestruturação do sistema previdenciário ocorrido em torno do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) algumas das causas de sua extinção. No período (1962-64), a FCP passa a ser vista como um órgão completamente ultrapassado. No orçamento do governo para 1964 não foi previsto nenhum recurso para o órgão, com a própria Câmara vetando emendas nesse sentido tal o seu desprestígio (MELO, 2014, p. 57). Em 21 de agosto de 1964 constituiu-se o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que perdurou até 1985, tendo como principal agente desta política habitacional brasileira o Banco Nacional de Habitação (BNH). Durante a existência do BNH, a provisão habitacional executou uma política de habitação por meio de um padrão periférico e precário de localização das moradias populares voltado à construção apenas da casa, sem integrar a habitação de forma, articulada a outras políticas sociais, que garantisse à moradia condições de habitabilidade e ambientais adequadas, apropriada 66 localização em relação ao emprego e equipamentos sociais e serviços urbanos (BORGES, 2013, p. 141). As fontes de recursos eram basicamente duas: a arrecadação do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), e a partir de 1967 o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) (CAMPOS, 2011). o SFH atingiu seu auge no final da década de 1970 e início da década de 1980, quando se conseguiu o financiamento de 400 mil novas unidades por ano. No entanto, o sistema enfrentou um problema crônico: o descompasso entre os reajustes salariais e os das prestações. A interferência do governo para resolver este problema não foi eficiente, levando ao declínio o SFH [...] (VASCONCELOS; JUNIOR, 1996, p. 43). Os conjuntos habitacionais construídos foram compostos por unidades unifamilares ou multifamiliares, que utilizavam grandes glebas de terra em áreas muito periféricas, e que de acordo com Borges (2013), atestava a existência de um modelo segregador de planejamento urbano, o qual buscava terras de baixo custo e longe da infraestrutura instalada, modelo que se reproduz até os dias de hoje, onde os bairros periféricos formados pela repetição de pequenas casas de duas águas, em quadras que se repetiam, sem qualquer preocupação com composições urbanas que pudessem favorecer o aparecimento de espaços públicos dotados de qualquer qualidade de congregação das populações moradoras (BORGES, 2013, p. 144). Além disto, pode-se acrescentar que a grande parte dos recursos do SFH foi destinada a financiamentos habitacionais para as classes mais abonadas, desviando seu foco, que deveria priorizar as classes com menor renda. A execução da política de produção habitacional via BNH, nos 22 anos de sua existência, utilizou recursos do FGTS para estimular o mercado imobiliário por meio de financiamentos para a produção e comercialização de empreendimentos habitacionais, dinamizou o mercado imobiliário de médio e alto padrão nas cidades brasileiras, provocando grande aumento nos preços de terrenos nas cidades (BORGES, 2013, p. 145). Na década de 1970, surge o Plano Comunidade Urbana para Renovação Acelerada (CURA) que utilizava recursos do Governo Federal, tendo como gestor orçamentário o BNH através da aplicação dos recursos do FGTS. Para que os municípios pudessem fazer parte do Plano CURA, deveriam se enquadrar num estudo de viabilidade, o qual exigia: 67 Exequibilidade financeira, econômica, técnica e urbanística; Existência de mercado na faixa própria de renda, para oferta de terrenos a ser gerada com a execução do projeto; Integração no plano de desenvolvimento local integrado da cidade; Existência de cadastro das propriedades e de sistema para sua atualização permanente; Prioridade de sua realização em comparação com outras áreas da cidade (SERRA, 1991, p.109). Uma vez enquadrado dentro dos requisitos básicos para obtenção das verbas, o município poderia utilizar destes recursos para a execução das seguintes categorias: Sistema Viário; Educação e Cultura; Recreação e Lazer; Transportes Urbanos; Abastecimento de Água; Comércio e Abastecimento; Estudos e Projetos; Drenagem; Serviço Social; Iluminação Pública; Saúde; Coleta de Esgotos; Desapropriação e Gerenciamento. Um fator importante, que faz parte deste processo – mas não fica explícito quando de sua implantação – é que com tais transformações urbanas, houve uma valorização do preço da terra, influenciada por estes novos equipamentos que passaram a fazer parte da paisagem, o que resultou na dificuldade de manutenção naqueles espaços da população de mais baixa renda. Segundo Santos (1994) "melhorar uma via pública significa aumentar também a possibilidade de implantação ou melhoria do transporte público e criar uma valorização que acabará por expulsar daquela vizinhança os mais pobres" (p.113). Esta expulsão se manifesta por diversos mecanismos, desde o aumento de impostos e do custo de vida, alavancada por novas populações de melhor renda, o que dificulta que o padrão social anterior ali sobreviva, seja pela possibilidade de “fazer dinheiro” com a venda dos imóveis, quase sempre adquiridos das populações originais por preços abaixo do valor imobiliário. Com isso fica evidente o processo de exclusão social que decorria dos investimentos deste programa, pois a população de baixa renda não possuía condições de arcar com os custos da renovação urbana, e de certa maneira, à medida que esta nova paisagem ia se construindo, não havia mais espaço para esta camada social. Essa lógica é a da valorização-desvalorização diferencial dos diversos setores urbanos. Como, porém, esses projetos C.U.R.A. são geralmente associados ao programa das cidades médias, aglomerações destinadas a acolher atividades econômicas modernas descentralizadas, o resultado comum é o aumento do valor de todos os terrenos equipados e a reativação, em nível 68 superior, dos processos espaciais que já definem a problemática urbana (SANTOS, 1994, p. 113). No ano de 1980, houve um desequilíbrio no Fundo de Compensações de Variações Salariais (FCVS) em decorrência da desenfreada inflação que chegou a 200% em 1983, atingindo grandes proporções. No mesmo ano houve o aumento das taxas de desemprego, a redução do salário real e o aumento inflacionário acarretando grandes problemas ao SFH, devido ao prejuízo direto nas suas fontes de recursos: as cadernetas de poupança, o FGTS e o retorno dos financiamentos (MEDEIROS, 2007). Em 1986 o BNH sofreu mais um impacto com o lançamento do Plano Cruzado, tendo por consequência um aumento do déficit do FCVS. Diante desta situação, tornouse necessária uma medida de reformulação do SFH e o Governo Sarney opta por extinguir o BNH. Todas as atividades foram destinadas e incorporadas à Caixa Econômica Federal (CEF) (CARDOSO e ARAGÃO, 2013; CAMPOS, 2011; MEDEIROS, 2007). Com o fim do BNH passa-se por um período de estagnação, onde a política habitacional ingressa em uma lacuna que é acompanhada pela afirmação de uma herança que manteve concentrada a estrutura fundiária urbana, e na qual a moradia permaneceu como um privilégio. Assim, as formas de provisão habitacional do período pós-BNH foram as transações de crédito imobiliário, reguladas pelo Conselho Monetário Nacional (BORGES, 2013, p. 146). Contudo, entram em cena os movimentos sociais, que conseguem "avanços no sentido de universalizar formalmente os direitos de cidadania, e garantir a participação popular nas políticas públicas" (BORGES, 2013, p. 146), culminando na inserção dos artigos 182 e 183 na Constituição de 1988. Infelizmente o que se pode observar é que as experiências organizadas pelos movimentos sociais e governos municipais inauguram uma nova postura de enfrentamento à problemática habitacional, marcada pela diversidade de iniciativas e também pela pouca articulação [...]. Com o modelo neoliberal adotado pelo Estado, a partir dos anos de 1990, e o consequente encolhimento da intervenção estatal nas políticas sociais, configurou-se uma nova forma de intervenção na política de habitação caracterizada pelos programas focalizados de financiamento à produção individual e privada de moradias, revelando um período de total estagnação dos programas de produção de habitação popular (BORGES, 2013, p. 146). 69 Em 1990, é criado o Plano de Ação Imediata para Habitação (PAIH) apresentando urgência na criação de milhares de habitações. Objetivavam a construção de 245 mil moradias em 180 dias, priorizando famílias com até cinco salários mínimos e utilizando recursos do FGTS. No entanto as metas não foram atingidas, e conseguiu-se obter o número de 210 mil unidades num período maior do que dezoito meses (MEDEIROS, 2007). Com o objetivo de finalizar esse período de poucos resultados, foi posta em prática, em 1996, a nova Política Nacional de Habitação (PNH) pelo governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2000). Quando se fala em habitação, deve-se pensar num contexto geral, desde acesso a moradia até as condições de infraestrutura urbana do local, e é baseado nessa e em outras premissas que a PNH buscou agir quanto à questão habitacional no Brasil, caracterizando-se pela criação de uma série de programas, entre eles o Programa de Apoio à Produção (PAP), Programa de Demanda Caracterizada (PDC), Programa Carta de Credito (PCC), Programa Carta de Credito Associativa (PCCA), Programa de Arrendamento Residencial (PAR) e ainda a criação de novas fontes de financiamento (CAMPOS, 2011; MEDEIROS, 2007). Destaca-se em 1999 que o público alvo do PAR são as famílias com rendas de até seis salários mínimos, sendo o único programa em que o acesso à moradia não se dá por crédito imobiliário. Os recursos do PAR vieram do programa Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), fundado exclusivamente para o programa, composto de recursos onerosos que vinham dos empréstimos do FGTS e não onerosos derivados do Fundo de Atendimento à Saúde (FAS), do Fundo de Investimento Social (FINSOCIA), do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) e do Programa de Difusão Tecnológica para a Construção de Habitação de Baixo Custo (PROTECH) (MEDEIROS, 2007). Com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, houve uma reavaliação e requalificação das políticas que já estavam implementadas, tal como a Política Nacional de Habitação, Programa Crédito Solidário e o Programa Especial de Habitação Popular. Desta reflexão é implantado o Projeto Moradia, que tinha como objetivo buscar a solução do problema da habitação no Brasil. O projeto envolvia todos os níveis de governo, setor privado, ONGs, Universidades, movimentos sociais, tendo como objetivo transformar este tema numa prioridade nacional, garantindo a todo cidadão brasileiro uma moradia digna. Neste momento também é criado o Ministério das Cidades com o intuito de ser um órgão coordenador, envolvendo, de forma 70 integrada, as políticas ligadas à cidade, ocupando um vazio institucional e resgatando a coordenação política e técnica das questões urbanas, além de articular e qualificar os diferentes entes federativos na montagem de uma estratégia nacional para equacionar os problemas urbanos das cidades brasileiras, alavancando mudanças com o apoio dos instrumentos legais estabelecidos. O ministério se constituiu de quatro secretarias: Habitação, Saneamento, Transporte e Mobilidade e Programas Urbanos, que foi responsável pelas ações na área de planejamento do território e regularização fundiária (BONDUKI, 2008; CARDOSO e ARAGÃO, 2013). Como o momento era positivo, durante o governo Lula em 2007 foram reforçados os planos destinados à promoção do crescimento econômico. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi anunciado prevendo investimentos de 503,9 bilhões de reais até o ano de 2010 e se referia a um grande investimento em diferentes áreas (energia, rodovias, portos, saneamento e habitação) que mudou inicialmente a política de contenção de despesas. Mesmo com boa parte deste programa voltado para as questões de infraestrutura, os setores de habitação e saneamento foram privilegiados em relação à urbanização de assentamentos precários (BONDUKI, 2008). Para melhor compreensão das transformações do papel do Estado na promoção de habitação de interesse social, entende-se importante compreender as fontes de recurso de seus principais financiamentos. Assim se divide a política habitacional em três tipos de atuação: I. Em que o poder público é o agente promotor – modelo de execução do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS - Lei Federal 11.124, de 16 de junho de 2005 que também cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS); II. Em que o setor privado é o agente promotor - modelo de execução do O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV); III. Em que as cooperativas e associações habitacionais se colocam como agente promotor do empreendimento. O SNHIS concentra todos os programas e projetos referentes à habitação de interesse social no Brasil. Ele tem por objetivo garantir que os recursos públicos sejam verdadeiramente destinados à população de baixa renda, e aos que estão na faixa de renda de até cinco salários mínimos a qual concentra a grande parte do déficit habitacional. O mesmo busca integrar as políticas habitacionais federais, estaduais, do 71 Distrito Federal (DF) e municipal, junto como as demais políticas de desenvolvimento urbano, ambiental e de inclusão social. O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) foi regulamentado pela Lei 11.977, de 7 de julho de 2009 que o estrutura a partir de dois programas: Programa Nacional de Habitação Urbana (PNHU) e Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR) e estabelece a construção de 1 milhão de moradias num prazo curto, alocando 34 bilhões divididos em: R$ 25,5 bilhões no orçamento geral da união e R$ 7,5 bilhões do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Foi previsto ainda um investimento de R$ 1 bilhão para a infraestrutura urbana, distribuído pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Para as famílias com renda de até três salários mínimos, a meta era construir 400 mil unidades através do Fundo de Arrendamento Residencial do PMCMV com um pagamento mensal de R$ 50,00 (considerado simbólico); para famílias com renda de 3 a 6 salários mínimos. Também se tinha por objetivo construir 400 mil unidades pelo programa nacional de habitação urbana; já para as famílias com renda de 6 a 10 salários mínimos, o objetivo era construir 200 mil unidades com o financiamento do FGTS. Já o produtor rural solicitaria o financiamento de acordo com a sua renda (CARDOSO & ARAGÃO, 2013). De forma geral, entende-se que estes projetos atualmente conseguem facilitar o acesso aos programas de crédito, não se restringindo a somente um grupo de usuários. Contudo, há de se arcar com as consequências do modelo escolhido, pois se a iniciativa privada participava das construções de habitações no BNH, atualmente, no Programa Minha Casa Minha Vida, é protagonista. Citando Fix e Arantes, Borges (2013) indica que 97% do subsídio público neste programa são destinados à oferta e produção direta por construtoras privadas. 3. A produção dos conjuntos habitacionais e sua implicação sobre a produção da cidade A realidade de Chapecó-SC não é diferente da maioria das cidades brasileiras, mesmo com população menos numerosa do que a dos grandes centros não conseguiu evitar a formação de cinturões de pobreza e a ocupação irregular de áreas de preservação ambiental. Para enfrentar este quadro é criada em 2009, a Secretaria de Habitação (SEHAB), para tratar o tema antes relegado aos departamentos e setores da 72 prefeitura sem autonomia. A SEHAB possui a finalidade de gerenciar, monitorar e tomar as providências necessárias sobre a moradia na cidade, contando com auxílio de técnicos e cadastros especializados21. Historicamente a oferta de conjuntos habitacionais foi feita através de políticas de investimentos governamentais de esfera federal, acessados pela iniciativa privada. Estes possuíam padrões construtivos compatíveis com a faixa de renda de interesse social, porém seus valores de mercado sempre foram inacessíveis às condições de pagamento desta classe. Com a elaboração de novas políticas habitacionais (especialmente o PMCMV) e a facilidade de financiamento vinculada às possibilidades salariais de cada família, os valores das unidades tiveram seu valor reajustado e compatibilizado com faixas de renda, além de ser expressivo o acréscimo no número de novos empreendimentos. A partir da compreensão dos dados fornecidos pela Secretaria Nacional de Habitação/Ministério das Cidades, coletados em 31 de dezembro de 2012 (Tabela 01 e 02), observou-se a aprovação de 19 novos conjuntos habitacionais financiados pelo PMCMV em Chapecó (Figura 01 - Chapecó - Conjuntos habitacionais PMCMC 20092012). O programa vem predominando nos financiamentos das habitações populares na cidade desde quando da aprovação do primeiro contrato. 21 Informações obtidas em entrevista com BODIGHEIMER (2012). 73 Figura 01: Mapa dos Conjuntos habitacionais do PMCMC em Chapecó entre 2009-2012 Fonte: Base Cartografia: Prefeitura Municipal de Chapecó, 2010. Editado por Josiane Urman, 2014. 74 De modo geral se pode observar que grande parte dos conjuntos habitacionais do PMCMV em Chapecó está localizada nos bairros mais periféricos da malha urbana, onde o solo é mais barato e a estrutura ainda não está totalmente instalada, tal como, serviços de saúde, lazer, educação, entre outros, e que: - 84.21% se situam em terrenos urbanizados nas Unidades Ambientais de Moradia (UAM), ocupando lotes vazios ou substituindo edificações unifamiliares, ocasionando um impacto significativo na paisagem e demanda por infraestrutura. - 10.52% em Macroárea de Expansão Urbana Futura (MEUF), ocupando áreas que somente deveriam ser urbanizadas quando do esgotamento de glebas nas áreas já consolidadas, o que de longe é o caso da cidade de Chapecó, que ainda possui muitos vazios urbanos a serem ocupados; - 5.26% em Área Especial de Urbanização e Ocupação Prioritária (AEUOP), ocupando áreas indicadas pelo município como estratégicas e importantes para o desenvolvimento da cidade. Estes dados mostram que, infelizmente, a política pública do município sobre a produção urbana do seu território ainda deixa muito a desejar, pois não houve direcionamento por parte do poder municipal para a localização e tipologia dos empreendimentos, os quais se submeteram apenas à lógica do mercado, embora subsidiado com recurso público. Dentro do PMCMV os empreendimentos financiados estão subdivididos por faixas salariais (Figura 02), o que significa um limite de valor máximo que poderá ser financiado para a construção. Figura 02: faixas salariais do PMCMV Fonte: http://www.pac.gov.br/minha-casa-minha-vida, acessado em 25 de junho de 2014. Aproximadamente 10% dos empreendimentos (02 conjuntos habitacionais Tabela 01) pertencem a Faixa 1. Estes conjuntos habitacionais foram construídos com o intuito de realocar as famílias que residiam em áreas irregulares ou de risco, sendo o 75 valor médio da unidade habitacional de aproximadamente R$ 41.694,61. Serão mais bem debatidos ao longo deste texto. Tabela 01: Empreendimentos pertencentes a Faixa 1 Nome do U.H. Valor da operação Valor por U.H. Construtora Empreendimento Expoente 470 R$ 20.614.000,00 R$ 43.859,57 Construtora 01 Monte Castelo 472 R$ 18.658.000,00 R$ 39.529,66 Construtora 01 Fonte: Base de dados PMCMV - CHAMADA MCTI/CNPq/MCIDADES nº 11/2012 Fonte: SNH/ DHAB/ DUAP/ CAIXA/ IBGE. Dados coletados em: 31 dez 2012. Editado por Josiane Urman, 2014. O restante dos conjuntos habitacionais, que totalizam aproximadamente 90% dos empreendimentos (Tabela 02), foram construídos para a Faixa 2, ou seja, atendendo basicamente a classe média. A fim de compreender os dados sobre os empreendimentos, destaca-se que somente sete construtoras atuaram em Chapecó até este momento, e destas, somente três possuem sede no município. Aprofundando um pouco a questão e considerando o valor da operação (somado ao valor da contrapartida), o número total de unidades habitacionais construídas e valor médio da habitação tem-se uma compreensão melhor dos dados: Construtora 01 (Faixa 01): Valor da operação R$ 43.034.000,00 - 938 UH construídas – aproximadamente R$ 49.000,00 por UH; Construtora 06 (Faixa 02): Valor da operação R$ 8.018.152,63 + Contrapartida R$ 3.722.069,87 = R$ 11.740.222,5 - 80 UH construídas - aproximadamente R$ 147.000,00 por UH; Construtora 03 (Faixa 02): Valor da operação R$ 42.167.354,25 + Contrapartida R$ 17.546.445,05 = R$ 59.713.799,3 - 666 UH construídas - aproximadamente R$ 90.000,00 por UH; Construtora 04 (Faixa 02): Valor da operação LTDA R$ 9.600.000,00 + Contrapartida R$ 2.865.579,07 = R$ 12.465.579,07 - 192 UH construídas aproximadamente R$ 65.000,00 por UH; 76 Construtora 02 (Faixa 02): Valor da operação R$ 26.477.135,23 + Contrapartida R$ 2.384.557,56 = R$ 28.861.692,79 - 483 UH construídas - aproximadamente R$ 60.000,00 por UH; Construtora 07 (Faixa 02): Valor da operação R$ 18.400.000,00 - 368 UH construídas - aproximadamente R$ 50.000,00 por UH; Construtora 05 (Faixa 02): Valor da operação R$ 550.000,00 - 11 UH construídas - aproximadamente R$ 50.000,00 por UH. Tabela 02: Empreendimentos pertencentes a Faixa 2 do PMCMV Nome do Empreendimento UH Condomínio Residencial 46 Sitracarnes I Condomínio Residencial 62 Terraze Conjunto Residencial Dona 240 Geni Condomínio Residencial 39 Dona Verônica Condomínio Residencial 160 Dolce Vitta Residencial Smart Space 124 Gardênia Residencial Spazzio de 192 Primavera Residencial Sol Nascente 11 Conjunto Popular Smart 76 Space Azalea Residencial Solarium 34 Residence Residencial Jardim Módulo I 32 Residencial Smart Space 80 Beladona Condominio Popular 112 Residencial Real Class Ville Condomínio Residencial 128 Dona Lori Condomínio Residencia Dona 48 Hilda Residencial Jardim Módulo II 48 Valor da Valor da Valor por Contrapartida operação (R$) U. H. (R$) R$ R$ 2.300.000,00 50.000,00 R$ R$ 3.100.000,00 50.000,00 R$ R$ 12.000.000,00 50.000,00 R$ R$ 2.156.147,99 55.285,84 R$ R$ 8.000.000,00 50.000,00 R$ 1.154.267,76 R$ R$ 7.699.384,22 62.091,80 R$ 2.865.579,07 R$ R$ 9.600.000,00 50.000,00 R$ R$ 550.000,00 50.000,00 R$ R$ 4.519.970,03 59.473,28 R$ 134.414,03 R$ R$ 1.700.000,00 50.000,00 R$ 1.307.085,65 R$ R$ 2.258.152,63 70.567,26 R$ 8.487.588,4 R$ R$ 4.000.000,00 50.000,00 R$ 7.770.174,86 R$ R$ 12.248.000,00 109.357,14 R$ 2.189.887,44 R$ R$ 6.840.987,24 53.445,21 R$ 194.670,12 R$ R$ 4.080.000,00 85.000,00 R$ 5.760.000,00 R$ 2.414.984,22 R$ 77 Construtora Construtora 02 Construtora 02 Construtora 03 Construtora 02 Construtora 02 Construtora 03 Construtora 04 Construtora 05 Construtora 03 Construtora 03 Construtora 06 Construtora 03 Construtora 03 Construtora 02 Construtora 02 Construtora 06 120.000,00 R$ R$ Construtora 07 18.400.000,00 50.000,00 Fonte: Base de dados PMCMV - CHAMADA MCTI/CNPq/MCIDADES nº 11/2012 Fonte: SNH/ DHAB/ DUAP/ CAIXA/ IBGE. Dados coletados em: 31 dez 2012. Editado por URMAN e VILLELA, 2014. Residencial Bem Viver IV 368 Assim pode-se perceber que a Construtora 01 foi a que construiu o maior número de unidades e com menor preço, e considerando-se o limitador de renda da Faixa 01, o dado apresenta-se bem coerente. Na Faixa 02, o que se pode observar é a opção das construtoras em atender o limite mínimo da faixa (Construtora 05 e Construtora 07), os valores medianos (Construtora 02 e Construtora 04) e os valores mais altos (Construtora 03 e Construtora 06), de onde se pode concluir que ou se teve uma considerável variação no padrão construtivo das unidades habitacionais ou que o lucro de algumas construtoras foi mais significativo. Também se destaca o fato de que na Faixa 2 a Construtora 02 e a Construtora 03 construíram, individualmente, seis dos dezenove empreendimentos, o que lhes dá certa expressão no setor. De qualquer forma, observa-se a concentração das operações de produção dentro de um rol estreito de empreendedores, o que para CARDOSO & ARAGÃO (2011), é o modelo predominante no Brasil na produção de habitação de interesse social, com poucas empresas, o que facilita a financeirização e concentração do capital imobiliário numa tendência histórica jamais vista no país. 4. Monte Castelo e Expoente: idas e vindas sociais Dois grandes empreendimentos na cidade de Chapecó: o Expoente e o Monte Castelo (Tabela 03 e Figura 06) foram gestionados pelo poder público municipal para a faixa 1 do PMCMV, ambos executados pela Construtora 01. Foram ocupados por uma população cuja demanda foi cadastrada junto a SEHAB. Tabela 03: Dados das relocações das famílias das áreas de risco Monte Castelo Aproximadamente 120 famílias 34 famílias saíram de trás do Caic (São Pedro) 16 famílias saíram da Rua Gaspar (ao lado da Rua Caçador - Eldorado) 78 70 famílias saíram da frente do posto de saúde do Bairro Seminário. Expoente 42 famílias saíram da baixada do bairro Maria Aproximadamente 102 famílias Goretti 60 famílias saíram da área do lado da Cantu (Passo dos Fortes) Fonte: Prefeitura Municipal de Chapecó, Secretaria de Habitação, 2013. O Expoente (Figura 03), localizado no Bairro Seminário, possui um total de 470 unidades, divididas em 134 lotes de casas térreas de 36m2 e 336 apartamentos de 45m2/cada distribuídos em 40 blocos, numa área de 82.000m2. Do total de unidades habitacionais, 15 estão adaptadas para pessoas com deficiência e 15 para idosos. O processo de execução iniciou em 2009 e foi até 2011 e contou com um investimento de R$ 20.614.000,00 do Governo Federal, oriundos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), beneficiando famílias com renda de até R$ 1.395 reais (Faixa 01). Da fase inicial, 102 famílias vieram de áreas irregulares e 368 por sorteio, todas cadastradas junto a SEHAB, chamadas para assinatura imediata do contrato, e mais 700 famílias sorteadas para suplência (isso de um total de 2.293 famílias com cadastro aprovado que foram para o sorteio). As famílias contempladas pagam uma parcela de 10% do seu salário por 10 anos, o que corresponde ao valor mínimo de R$ 50,00 e ao máximo de R$ 139,50 ao mês, e apenas após este período o imóvel é transferido permitindo negociações de venda e aluguel. Figura 03: Foto do Expoente, Chapecó-SC Figura 04: Foto do Monte Castelo, ChapecóSC Fonte: Luana. S. de Pellegrin, 2013. Fonte: Luana. S. de Pellegrin, 2013. 79 O Monte Castelo (Figura 04), também localizado no Bairro Seminário, possui um total de 472 unidades distribuídas em 59 blocos com 8 apartamentos/cada de dois quartos, sala, cozinha e banheiro. O processo iniciou em 2010 e foi até 2012, contando com um investimento de R$ 18.658.000,00. Da fase inicial 120 famílias vieram de áreas irregulares e 352 por sorteio, chamadas para assinatura imediata do contrato, e mais 700 famílias sorteadas para suplência (isso de um total de 4.325 famílias com cadastro aprovado que foram para o sorteio). A prestação do imóvel é de 5% da renda da família, menor do que o investido no Expoente, pois as analises mostraram que 10% ainda se tratava de um valor alto para esta população pagar. Interessante é que, apesar de serem utilizados os mesmos critérios para o sorteio das famílias e de atender os mesmos parâmetros de vulnerabilidade social o Expoente acabou recebendo as famílias com menor renda, que recebem entre R$100,00 / R$200,00, e com maior vulnerabilidade social. No Monte Castelo as famílias recebem entre R$800,00 / R$1.000,00, sendo notório seu melhor nível social. De maneira geral estas famílias moravam em casas precárias, mas com direto acesso a rua e seu entorno, caracterizando uma relação mais próxima com o território. A partir do acompanhamento da ocupação destes conjuntos habitacionais pode-se perceber a dificuldade de adaptação destas famílias à tipologia de edifício, com “novidades” que incluíam deste o custo condominial até a convivência com a vizinhança numa nova ordem espacial. No Monte Castelo foram utilizados aquecedores solares e com eles se obteve um ganho em relação à economia de energia nos edifícios, outro diferencial foi a instalação de gás central. Assim se tem no mesmo boleto a taxa de condomínio, gás, luz e água. A dificuldade em ser perceber a taxa condominial como um somatório destes serviços, cujo valor é bastante expressivo na economia das famílias, implicou em intensa e repetida inadimplência. A ocupação das casas, no caso do Expoente, foi mais fácil de gerenciar devido à semelhança da tipologia com fogão a gás individual, espaço para o plantio, entre outros e isso se mostra no fato destes moradores serem adimplentes com o pagamento da luz e da água. Considerando que todas as famílias possuem renda semelhante, fica clara a diferença entre as tipologias – uni e multifamiliar – e a necessidade de que as políticas públicas sejam sensíveis a esta complexidade. 80 Desta forma urge a necessidade dos governos compreenderem as demandas destes processos de produção habitacional virem acompanhados e antecedidos de outras ações tal como, de oferta de instrução para hábitos de convivência, para preparar e acompanhar esta comunidade para bem morar. Nesse sentido a SEHAB possui ações pontuais, e implantadas posteriormente a ocupação da unidade habitacional, que possibilitam um melhor acesso a comunidade. O Expoente foi dividido em quatro partes, onde cada uma destas recebe um tipo de projeto social. Já o Monte Castelo foi dividido em seis partes, onde cada uma destas recebe um projeto social. Estes são acompanhados por uma assistente social e um monitor social. Além disso, as parcerias com a Fundação de Ação Social de Chapecó (FASC) e a Secretaria de Educação possibilitam que cursos e atividades aconteçam via estas instituições. Tanto a creche do Expoente, como um campo de futebol e uma praça com academia ao ar livre são investimentos que chegaram depois da população já instalada. 81 Figura 05: Mapa de identificação dos assentamentos e dos locais de relocação das famílias que hoje habitam nos loteamentos Expoente e Monte Castelo Chapecó. Fonte: Base Cartografia: Prefeitura Municipal de Chapecó, 2010. Editado por PELLEGRIN, 2013. 6. Moradia e cidade: casamento ou divórcio? 82 Refletindo-se acerca dos efeitos das políticas habitacionais sobre a sociedade, percebe-se que o Estado sempre pautou suas ações neste campo, desde o Governo Vargas passando pela criação do BNH, “como tentativa [...] de obter apoio das camadas populares com o discurso da “casa própria”. (BORGES, 2013, p. 141). Ainda que a gestão destas políticas tenha se reconfigurado ao longo dos anos, passando por contextos de maior pressão popular, o tema habitação tem ganhado o interesse nos últimos anos em termos de financiamento público federal, e de um modo muito particular, tem demonstrado que além da presença do Estado, a produção habitacional tem encontrado na iniciativa privada uma grande protagonista. Após uma lacuna na ação efetiva do Estado brasileiro para reduzir o déficit habitacional registra-se a retomada desta pauta, em 2009, com o Programa Minha Casa, Minha Vida que foi "criado como mecanismo para estimular a produção de habitação e manter o crescimento dos setores imobiliários e da construção civil, impulsionando o crescimento da economia frente aos efeitos da crise capitalista mundial [...]". (BORGES, 2013, p. 141) Portanto, antes mesmo de responder ao déficit habitacional, a atual política habitacional, apresenta uma motivação específica diante de demandas macroeconômicas. Assim, como nos períodos anteriores, a produção habitacional se vincula a interesses que a transcendem, e ainda que se continue fazendo uso do populismo assistencialista, no fundo a moradia não alcançou o status de demanda social complexa. O que quisemos explicitar neste artigo é que o centralismo da atuação estatal ao longo do século XX, e que implicou em uma produção habitacional incapaz de responder ao déficit que só se agravou, não alterou o panorama de qualidade urbana no seu âmago. As recentes políticas, como o PMCMV, onde a participação da iniciativa privada se revela como verdadeira formuladora de políticas, com pouquíssima regulação estatal, seja na esfera federal ou local, atesta que a gestão dos recursos públicos se deslocou para a esfera do mercado. Como afirma Shimbo (2011. p. 60), “[...] as empresas construtoras e incorporadoras têm grande autonomia em relação ao Estado no que diz respeito à concepção e à execução das unidades habitacionais [...]”, e continuam, a nosso ver, não oferecendo resposta à altura dos problemas, uma vez que ao atender ao “déficit em números” de unidades produzidas, ainda é muito aquém do que oferecer moradia bem localizada, adequada às demandas peculiares da população de baixa renda, com 83 estrutura urbana e políticas de permanência das populações. A lógica do Estado, primando por números expressivos no curto prazo, só poderia encontrar na iniciativa privada a “eficiência” que o modelo empresarial de mercado oferece. Catelan e Bastazini (2014) também corrobora esta perspectiva, em que ações estatais se combinam aos interesses do mercado, pois enquanto ao governo importa influir na natureza e quantidade de políticas públicas, é por meio do setor imobiliário e dos bancos que a política é operada, implicando no controle por parte destes grupos da direção das políticas. Estes autores reiteram que isto comprova o caráter histórico de financeirização das políticas habitacionais, já iniciado com o BHN e seu tipo de fonte de recursos. A partir das reflexões e experiências realizadas no Monte Castelo e Expoente ponderações podem ser desenhadas para futuras ações, como por exemplo, de não realizar mais empreendimentos com elevado número de unidades habitacionais, o que dificulta a gestão condominial; a importância de se rever a tipologia habitacional para o público, uma vez que as famílias de baixa renda não se adaptam com facilidade à habitação multifamiliar; bem como realizar os investimentos em equipamentos junto com a execução das unidades, para que as populações não penem ainda mais com o deslocamento para estes conjuntos. No caso do Expoente, atestam pra nossa pesquisa os depoimentos dos moradores que em grande parte foram contemplados originalmente com unidades no conjunto já retornaram para as áreas irregulares ou locais próximos de onde já moravam, denotando a ineficácia de se combater o déficit com políticas que ignoram a complexidade do problema. Assim, as políticas habitacionais acabam contando contra, e como destacam CARDOSO & ARAGÃO (2011), ao processo de acumulação das construtoras se soma a incapacidade da política de bem responder aos problemas de mobilidade, segregação urbana, e com diminuição do papel do poder público, a resposta aos problemas de cada localidade é ignorada, pois, como afirmamos, a lógica da produção está divorciada do querer do cidadão. Contudo entende-se que a efetividade de qualquer plano habitacional só se dará na medida em que a gestão democrática garantir outro rumo para a política habitacional. O casamento entre os interesses estatais e os da iniciativa pressupõem o divórcio entre os interesses públicos e os do cidadão. O papel do controle social é fundamental para que uma “nova relação” se estabeleça. Baseando-se em Lefebvre, Rolnik (2014) nos dá 84 uma perspectiva já tão debatida, mas de tão pouco realizada, ainda inovadora: a privatização ou a terceirização do direito ao acesso a moradia é comparável à privação da própria possibilidade de fazer parte, de desfrutar a vida urbana. A política habitacional brasileira especializada no microcosmo da cidade Chapecó pode partir deste ponto para que este direito à cidade seja bem mais que a materialidade da casa própria, e da infraestrutura urbana, mas abarque o sentimento de pertencimento a cidade, que implica na escolha de seus cidadãos acerca de seus interesses. Referências BODIGHEIMER, Tatiane C. Tatiane Cristine Bodigheimer: entrevista [nov. 2012]. Entrevistadora: A. L. V. Villela. Chapecó: Unochapecó, 2012. Entrevista concedida a pesquisa Processos de (re)estruturação urbana em Chapecó: a habitação na produção da cidade BONDUKI, Nabil. 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Caline Mendes de Araújo22 RESUMO O processo de produção do espaço das cidades brasileiras sempre foi caracterizado por discrepâncias e desigualdades socioespaciais. Os problemas de moradia e a constituição de comunidades autoconstruídas existem há muito tempo em cidades médias, como Campina Grande/PB, a exemplo da Rosa Mística, que constitui o recorte espacial desta pesquisa. O objetivo do presente estudo foi compreender o papel do Estado e dos moradores na produção desse espaço. A pesquisa demonstrou que, ao longo do tempo, o Estado apresentou atuações contínuas, no que se refere às ausências, e descontínuas, no que diz respeito às intervenções. Com relação aos moradores pode-se verificar que a sua atuação foi contínua no tempo. Considera-se que esses agentes deram origem a um espaço heterogêneo e permeado por inúmeras e complexas dinâmicas espaciais a serem discutidas a partir de tipologias espaciais. Palavras chave: Campina Grande, habitação, tipologias espaciais. 22 Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco. [email protected] 87 INTRODUÇÃO Verifica-se no Brasil uma série de incongruências relacionadas à produção da cidade. Assim, grupos sociais distintos encontram-se vivendo em realidades altamente discrepantes, no que se refere o acesso à moradia, infraestrutura, serviços públicos, entre outros. Em meio ao processo de modernização e urbanização da cidade de Campina Grande também pode-se perceber a produção de um espaço urbano demasiadamente desigual, ou seja, “A experiência mostra que a urbanização de Campina Grande é socialmente seletiva e economicamente concentrada” (SILVA, 1987, p.63). Esse processo resultou, entre outros fatos, em um crescimento da demanda por moradia e um consequente aumento do déficit habitacional, além do crescimento de áreas autoconstruídas da cidade, caracterizadas por habitações e infraestrutura precárias, bem como serviços escassos. A Rosa Mística é uma dessas áreas supracitadas, constitui uma comunidade23 urbana que está localizada na Zona Norte de Campina Grande – PB. Surgiu na década de 1940, através do processo de loteamento clandestino. A Rosa Mística foi sendo ocupada pelas pessoas que, movidas pelo êxodo rural e em razão dos preços baixos dos terrenos do local, entre outros motivos, chegavam à pujante cidade de Campina Grande. Passados quase 40 anos, na década de 1980, o espaço sofreu um processo de intervenção na sua infraestrutura em uma ação do poder público local. Foi nessa época que o então Buraco da Jia passa a ser chamado, também, de Rosa Mística. Além disso, surgiram novas ocupações, que cresceram e se adensaram, posteriormente, no entorno da comunidade. Diante desse contexto e, tendo em vista que a dinâmica de uma cidade média como Campina Grande se apresenta de maneira distinta das grandes cidades, em relação aos aspectos políticos, sociais e econômicos, surgiu a necessidade de um debate a 23 A respeito da utilização desse termo, aqui, ressalta-se que “Onde quer que os membros de qualquer grupo, pequeno ou grande, vivam juntos e de modo tal que partilhem não deste ou daquele interesse, mas das condições básicas de uma vida em comum chamamos a esse grupo de comunidade” (MACLIVER & PAGE, 1973, p. 122). 88 respeito de uma área pobre dessa cidade, a Rosa Mística. Busca-se, nessa pesquisa24, não apenas refletir sobre aquele espaço, mas também contribuir, de alguma maneira, com a reflexão a respeito de espaços com configurações semelhantes em outras cidades médias, partindo do pressuposto que, uma vez que o espaço urbano é produzido, produzem-se dois modelos de cidade: um para os pobres e outro para os ricos. Percebe-se que os agentes produtores e reprodutores podem agir diferencialmente sobre o mesmo espaço, em temporalidades diferentes e de acordo com a lógica do momento, levando em consideração que a produção desigual do espaço não ocorre de maneira arbitrária, mas atende às intenções de diferentes agentes presentes na cidade, como será verificado a seguir na discussão sobre a produção do espaço e dinâmica habitacional de Campina Grande. 1. CAMPINA GRANDE: O CONTEXTO HABITACIONAL EM UMA CIDADE MÉDIA. Campina Grande se localiza no interior da Paraíba, e distancia-se da capital aproximadamente 120km, possui 385.213 habitantes, e cerca de 594,182 km² (IBGE, 2010). Além disso, configura-se como uma Capital Regional do tipo B (REGIC, 2007). Afirma-se que, atualmente, a cidade pode ser considerada como uma cidade média. Nesse sentido, para Maia, as cidades médias25 são “[...] centros urbanos que apresentam concentração e centralização econômicas expressivas em dada escala... (MAIA, et al, 2013, p. 31). No que diz respeito às reflexões sobre cidades médias no Brasil, Sposito (2007a, p. 242) expõe: Observando o Brasil atual, encontramos cidades denominadas como médias que tiveram seus papéis ampliados e suas redes de relações se tornaram supra-regionais (entendida aqui a pequena 24 A pesquisa tem um caráter explicativo e constitui-se um estudo de caso, buscando explicitar, analisar e compreender os fenômenos que permeiam a atuação do Estado na área estudada, além do papel do demais agentes, partindo de uma abordagem qualitativa, predominantemente. Nesse sentido, contou com procedimentos tais como: mapeamentos, coleta de dados, observações empíricas, registros fotográficos, análises documentais, pesquisas em jornais e periódicos, buscas documentais em órgãos e instituições públicas e/ou privadas, realização de entrevistas com moradores, funcionários públicos, entre outros. 25 Outras contribuições valiosas, não apresentadas aqui, em virtude do espaço e dos objetivos do artigo, a respeito da discussão sobre cidades médias, podem ser encontradas em SPOSITO (2007b) e em SPOSITO et al (2006). 89 região composta pelas cidades pequenas que ela polarizava e ainda polariza). Nesse contexto, “Campina Grande [...] mantém uma centralidade bastante significativa na Região Nordeste” (MAIA, 2013, p. 31). Os anos de história dessa cidade e uma série de acontecimentos importantes contribuíram para que a mesma se tornasse um dos mais importantes centros urbanos do interior do Nordeste. Ao longo do século XX a cidade passou por importantes processos, como a chegada do trem, a reforma urbanística, a pujança industrial e comercial que significaram muito para a sua inserção e destaque no cenário nordestino e nacional. A respeito do papel de Campina Grande perante as cidades médias brasileiras, Maia afirma: No que se refere à sua situação no quadro das cidades médias brasileiras, desempenha importante papel regional: mantém forte relação com a área da qual está situada [...], mas também compõe o conjunto que representa no mercado nacional [...]. (MAIA, 2013, p. 31). Devido a sua importância regional, Campina Grande foi e ainda é um centro urbano de forte atração populacional. As migrações do campo para a cidade bem como a migrações intermunicipais, ou seja, “áreas rurais ou pequenas cidades sobre as quais ela exerce poder de atração" (MAIA, 2013, p. 31), constituíram fatores fundamentais para o aumento da população e crescimento da cidade. Entretanto, na contramão do crescimento econômico, em meio a todo o processo de modernização e urbanização de Campina Grande, pode-se perceber um crescimento de sérios problemas urbanos, a exemplo da demanda por moradia, fato que colaborou com déficit habitacional na cidade (tabela 1) e o crescimento de áreas caracterizadas por moradias precárias e ausência de infraestrutura, ressaltando as grandes desigualdades intraurbanas verificadas já há algum tempo. Tabela 1: Estimativas do Déficit Habitacional Básico (1) e Domicílios Vagos. Campina Grande - 2000. 90 Fonte: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações (CEI), 2004 – 2005 (Adaptado de Maia, 2013). Observa-se que, no início da década de 2000, os dados referentes ao déficit habitacional de Campina Grande eram bastante expressivos. Leva-se em consideração ainda a existência de um grande número de unidades habitacionais desocupadas. Esses dados indicam que, na verdade, “o problema da habitação não pode ser resolvido apenas a partir da construção de novas moradias, mas sim com uma política que fomente a ocupação dos domicílios fechados ou a sua re-distribuição (MAIA, 2013, p. 10-11). Nesse sentido, ao longo do tempo o Estado tentou, com pouco êxito, sanar algumas dessas “dívidas sociais” com o implemento de programas habitacionais que pouco alteraram a situação de moradia na cidade. Assim, dados mais recentes da Caixa Econômica Federal apontam que, em 2011, a demanda habitacional de Campina Grande era de 11.209, fato que mostra que houve uma diminuição irrisória desse montante, observado na tabela 1. As políticas públicas de habitação se constituem como “indicadores” de ações típicas do Estado que prioriza certos grupos em detrimento dos demais26. Dessa maneira, o presente estudo pretende discutir as dinâmicas habitacionais que permeiam uma cidade média como Campina Grande, levando em consideração o papel do Estado, assim como dos demais agentes produtores do espaço (CORRÊA, 2011), a exemplo dos moradores, trazendo para a discussão o estudo de caso do processo de produção espacial da Rosa Mística. 26 “Com um déficit habitacional de aproximadamente 13 mil moradias, a cidade de Campina Grande tem registrado aumento de invasões de terrenos públicos e casas em construção por conta da demora da entrega das unidades habitacionais. A Prefeitura de Campina Grande diz que tem fiscalizado, mas que enfrenta dificuldades em conter as invasões porque tem moradores que esperam há anos pelo benefício” (Fonte: Reportagem G1-PB, 08-10-2014). 91 2. TÁTICAS E ESTRATÉGIAS27: O PAPEL DOS AGENTES PRODUTORES DO ESPAÇO Para Certeau (1994, p. 41), o cotidiano é permeado pelas “maneiras de fazer” que, segundo ele “[...] constituem as mil práticas pelas quais os usuários se reapropriam do espaço organizado pelas técnicas de produção sociocultural”. Essas “maneiras de fazer” ou “práticas cotidianas” dizem respeito, sobretudo, aos fazeres daquelas pessoas que se encontram inseridas nesse cotidiano, vivendo, se relacionando com seus pares, circulando. Segundo o referido autor, “muitas práticas cotidianas (falar, ler, circular, fazer compras ou preparar as refeições etc.) são do tipo “tática” (CERTEAU, 1994, p. 47). As táticas são as práticas cotidianas dos sujeitos individuais. De acordo com Certeau (1994, p. 47), a tática é: [...] um cálculo que não pode contar com um próprio, nem portanto com uma fronteira que distingue o outro como totalidade visível. A tática só tem por lugar o do outro. Ela aí se insinua, fragmentariamente, sem apreendê-lo por inteiro, sem poder retê-lo à distância. Ela não dispõe de base onde capitalizar os seus proveitos, preparar suas expansões e assegurar uma independência em face das circunstâncias. A tática é uma ação do cotidiano, se relaciona ao dia a dia, à necessidade, à criatividade. A “tática só tem por lugar o do outro”, como afirma o autor, porque é uma ação realizada em um contexto já estabelecido, no qual o poder do “outro” prevalece. Nesse sentido, a ação que representa esse “outro”, detentor de poder, chama-se estratégia, que pode ser definida como: [...] o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado. A estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças [...] (CERTEAU, 1994, p. 99, grifos do autor). 27 CERTEAU (1994). 92 A estratégia é a ação planejada do sujeito de poder. Essa ação se dá de forma hierarquizada uma vez que os “sujeitos do poder” agem de forma a decidir sobre o cotidiano, sem levar em consideração o contexto desse cotidiano, mas levando em conta sua vontade particular, isolada, exterior, como defende o referido autor. Nesse sentido, pode-se afirmar que “[...] a tática é determinada pela ausência de poder assim como a estratégia é organizada pelo postulado de um poder” (CERTEAU, 1994, p. 101, grifo do autor). Partindo da discussão sobre essas táticas, relacionadas aos moradores, e a respeito das estratégias, que envolvem o Estado, pode-se lançar mão de contribuições de outros autores que se debruçam sobre pesquisas no espaço urbano, para entender melhor essas articulações também em cidades médias. A respeito do Estado e sua relação com a lógica do capital, Santos afirma: O Estado capitalista é uma relação social, isto é, condensa uma série de articulações (conflituais, umas; não conflituais, outras) de forças sociais, sendo que uma dessas articulações é dominante, porque a sua lógica permeia (em graus diversos) as demais articulações vigentes na mesma formação social [...]. (SANTOS, 2008, p. 24). Ao condensar essas articulações, o Estado assume papeis específicos, pois atua em várias “esferas”. Ele não é uno, mas “múltiplo”, no sentido de atender a várias demandas: sociais, econômicas, políticas, entre outras. O Estado e o capital não estão desvinculados, ao contrário, eles atuam conjuntamente, muitas vezes se confundindo. E é isso que pode ser percebido na (re) produção do espaço urbano que, cada vez mais, apresenta-se desigual, tanto nas suas formas quanto no seu conteúdo. Portanto, o Estado é capitalista “[...] na medida em que, ao condensar, como articulação dominante, as relações sociais de produção capitalista, está dependente da lógica do capital e, portanto, do processo de acumulação que por ela se rege” (SANTOS, 2008, p. 24-25). De acordo com Corrêa, a ação do Estado “tende a privilegiar os interesses daquele segmento ou segmentos da classe dominante que, a cada momento, estão no poder” (CORRÊA, 1993, p. 26). Além de assumir certos papeis, de acordo com o momento histórico, o Estado também age segundo escalas espaciais específicas. Corrêa afirma: “O Estado atua também na organização espacial da cidade. Sua atuação tem sido 93 complexa e variável tanto no tempo como no espaço, refletindo a dinâmica da sociedade da qual é parte constituinte” (CORRÊA, 1993 p. 24). Diante disso, cada vez mais se faz necessária uma atuação equilibrada do Estado nos espaços dos mais pobres28, que não podem mais continuar ocupando um papel secundário na produção do espaço das cidades. De acordo com Maricato, “[...] a infra-estrutura, os equipamentos coletivos e os serviços públicos somente podem ser providos pelo Estado, e nunca pelas famílias individualmente” (MARICATO, 2003, p. 83). O papel do Estado, nesse contexto, é demasiadamente importante no processo de consolidação de alguns espaços. A esse respeito, Rodrigues esclarece: “Dentre os vários agentes que produzem o espaço urbano, destaca-se o Estado que tem presença marcante na produção, distribuição e gestão dos equipamentos de consumo coletivos necessários à vida nas cidades” (RODRIGUES, 2003, p. 20). Para Corrêa, [...] é através da implantação de serviços públicos, como sistemas viários, calçamento, água, esgoto, iluminação, parques, coleta de lixo etc., interessantes tanto às empresas como à população em geral, que a atuação do Estado se faz de modo mais corrente e esperado. (CORRÊA, 1993, p. 24). Ou seja, o Estado pode atuar de maneiras diversas no espaço urbano, contudo, a dotação de infraestrutura é uma intervenção “básica”, tanto que é a mais esperada, como afirma o autor. São ações que cabem exclusivamente ao poder público. Além dessas atuações, outras cabem ao Estado, por exemplo, garantir o direito à moradia. Sobre a relação do Estado e a questão da habitação, Santos afirma: Quando a falta do alojamento das classes trabalhadoras é generalizada, a habitação transforma-se num problema social. E porque a habitação urbana depende de meios de consumo ou suportes materiais que só existem sob a forma coletiva (o saneamento, água e eletricidade, tipo de construção e sua localização etc. etc.), ou seja, bens e serviços indivisíveis, meios de consumo coletivo, pode-se dizer que o problema habitacional torna-se duplamente social [...] Isto explica o papel cada vez mais decisivo do Estado no provimento dos bens e serviços urbanos (SANTOS, 2008, p. 65). 28 Souza (2009, apud MIRANDA, 2011) entende pobreza como “a precariedade histórica de inserção de pessoas em um ou mais circuitos da vida em sociedade [...]. A pobreza carrega consigo uma variedade de manifestações, sendo, portanto, um fenômeno heterogêneo e complexo”. 94 A resolução dos problemas de moradia não implica apenas a construção de casas, mas também o provimento de meios de consumo coletivo, a regularização fundiária, a geração de renda, entre outros. Por isso e por outros tantos fatores, um dos maiores problemas do Estado foi sempre a habitação. Em relação à solução dos problemas habitacionais no Brasil, o Estado tem fracassado quando observadas as necessidades e as reais intervenções. Tanto no nível do país quanto em escalas outras escalas, como nas cidades médias, o problema vem se agravando e cada vez o Estado mostra-se “incapaz” de resolver. Santos explica o porquê desse fracasso do Estado: [...] a ação do Estado capitalista (produção direta de habitações, contrato de desenvolvimento da habitação social, financiamento a juro bonificado da aquisição da casa própria etc.) só é possível mediante meios tornados disponíveis pelo processo de acumulação, porque a atividade produtiva do Estado (produção da habitação, por exemplo) está, em parte pelo menos, submetida à lei do valor e ainda porque o funcionamento da renda fundiária urbana, em articulação com os tipos de propriedade fundiária que resta referir, tem vindo a conduzir a uma constante e vertiginosa subida nos preços do solo urbano, por todas essas razões o Estado capitalista tem “fracassado” sistematicamente na resolução desse problema social (SANTOS, 2008, p. 66). Nas cidades esse “fracasso” tem como resultado a formação e ampliação cada vez maior das ocupações ilegais, sem o mínimo de infraestrutura. Essas ocupações se multiplicam nos espaços urbanos, que compreendem as margens de riachos, encostas, áreas de preservação, entre outros. São construções precárias, pouco espaçosas, insalubres. Santos é taxativo ao afirmar que “É reconhecido o fracasso (generalizado, mas de intensidade variável) dos Estados capitalistas na resolução do problema habitacional das classes trabalhadoras” (SANTOS, 2008, p. 76). Essas ocupações se multiplicam também em função dos altos preços de moradia, tanto no mercado imobiliário formal quanto no informal, como também por toda negligência histórica do Estado frente aos problemas habitacionais, fato que resulta na expansão de áreas ocupadas ilegalmente, constituídas na sua maioria por uma gama de problemas. 95 Assim, “[...] a cidade legal, dentro das normas da legislação, torna-se a exceção e a cidade ilegal ou irregular torna-se regra porque a maior parte da população mora fora dos padrões exigidos pela legislação” (MARICATO, 2001, p. 39). Sobre a relação espaço-aspectos jurídicos, temos a seguinte reflexão de Santos: “[...] a política urbana (por exemplo, a política habitacional), desgarrada, quer da política fundiária, quer da política de emprego, não pode deixar de fracassar” (SANTOS, 2008, p. 74). Atuar no espaço urbano, nos problemas de moradia, entre outros, requer muito mais que apenas a realização de projetos ou a sua execução incompleta. A política urbana é muito mais abrangente e não cabe “esquecer” das questões jurídicas fundiárias que passaram desde muito tempo a ser inerentes ao espaço. Diante da discussão, apresenta-se aqui uma análise do processo de produção do espaço da Rosa Mística, a partir da década de 1980, levando em consideração a heterogeneidade espacial que foi originada das ações dos agentes produtores do espaço (CORRÊA, 2011), sobretudo Estado e moradores. O resultado de todo esse processo foi a formação dos tipos espaciais, que serão identificadas, delimitadas e discutidos em seguida. Assim, foi possível constatar que a produção da Rosa Mística se deu por meio da formação de subespaços que constituem os tipos espaciais. Esses tipos formaram-se em períodos distintos e o fator “tempo” é fundamental à sua compreensão. Para Santos M.: “Períodos são pedaços de tempo submetidos à mesma lei histórica, com a manutenção das estruturas. Estas se definem como conjuntos de relações e de proporções prevalentes ao longo de certo pedaço de tempo e nos permite definir nosso objeto de análise” (SANTOS M., 2008, p. 67). 3. RESULTADOS: PROCESSO DE PRODUÇÃO DOS TIPOS ESPACIAIS DA ROSA MÍSTICA E ATUAÇÃO DOS AGENTES. Atualmente a Rosa Mística constitui uma área aproximada de 70.000m² e conta com cerca de 250 famílias (mapa 01). A maioria possui baixo poder aquisitivo e sobrevive de trabalhos informais e/ou auxílios do governo federal. Mapa 01 ‒ Localização de Campina Grande (e da Rosa Mística). 96 Ao longo da história do processo de produção da Rosa Mística alguns fatos importantes marcaram sua história e contribuíram para a constituição daquela área tal como se encontra hoje. A sua origem, através de loteamentos clandestinos na década de 1940, a primeira intervenção do Estado nos anos de 1980 (juntamente com a construção do conjunto habitacional do local), bem como as ocupações irregulares que ocorreram nesse período foram alguns dos acontecimentos que marcaram esse espaço. A partir desses acontecimentos e levando em conta algumas variáveis (status jurídico, tempo de existência, “grau” de consolidação, mobilidade social, dentre outros), a pesquisa se debruça sobre os problemas habitacionais da Rosa Mística entendendo que a mesma não constitui um espaço homogêneo. Ao contrário, sabe-se que esse espaço, assim como as demais áreas urbanas, possui uma série de especificidades e complexidades, constituindo um espaço múltiplo e heterogêneo. Nesse sentido, a pesquisa propõe a discussão desses problemas a partir da identificação, classificação e discussão de cinco tipos espaciais distintos, formados ao longo do processo de produção desse espaço, a saber: 1) Ocupação inicial; 2) Ocupações anexadas à inicial na década de 1980; 3) Conjunto habitacional; 4) Ocupações ilegais das décadas de 1980 e 1990; e 5) As ocupações ilegais da década de 2000 (mapa 02; figura 01). 97 Mapa 02 ‒ Delimitação dos tipos espaciais da Rosa Mística. Fonte: Elaborado por Caline Mendes de Araújo e Geislam Lima. Dados de drenagem e arruamento: Secretaria de Planejamento de Campina Grande – PB. Figura 01 ‒ Delimitação dos tipos espaciais da Rosa Mística. Fonte: Google Earth (adaptado pela autora, 2014). O mapa e a figura acima ilustram a atual configuração espacial da Rosa Mística, a partir dos tipos apresentados. As diversidades espaciais dos tipos se referem às formas de morar e suas implicações e consequências. Segue uma breve discussão de cada um desses tipos apresentados: 98 Tipo 1) Diz respeito à área que foi inicialmente ocupada, através do processo de loteamento iniciado na década de 1940. Essa área da Rosa Mística ainda hoje se encontra, na sua grande parte, com a situação jurídica não regularizada. As negociações entre os compradores e os loteadores no passado não se deram de forma oficial e não foram regularizadas com o tempo, caracterizando-se, assim, um contexto totalmente baseado em táticas frente à ausência de ações e estratégias do poder público (CERTEAU, 1994). Nesse espaço, percebe-se que a mobilidade social possibilitou que os moradores melhorassem um pouco de vida. Quando perguntada sobre o que mudou naquele espaço desde a ocupação inicial, uma moradora afirma (L. B. S, aposentada de 60 anos, mora no local há 50. Entrevista realizada em: janeiro de 2013): “Mudou muito, eu era tão pobre, criei esses dez filhos lavando roupa de ganho, trabalhando na feira, na roça, trabalhando de noite e de dia. Mudou muito porque hoje em dia, eles estão tudo sobre si, pra sobreviver eu sofri demais...”. Houve certa melhora nas condições de trabalho dos moradores daquele espaço, conforme demonstra a fala da moradora, e o acesso ao mercado profissional se tornou mais fácil com o tempo, o que possibilitou a melhoria na vida de alguns moradores. Essas melhorias podem ser representadas, por exemplo, pelas reformas realizadas nos imóveis. A respeito dessas reformas, a moradora comenta: Na minha casa era eu, meu marido e seis filhos [...] e a minha casa ela só tinha uma sala, um quarto, uma cozinha dividida, quarto e cozinha pra seis filhos. Enquanto eles eram pequenos dava pra todos, quando foi crescendo [...] moça e rapaz aí num dava mais [...]. Aí meus filhos foram crescendo, comecei a trabalhar, aí futuramente arranjei um serviço no Estado e comecei a trabalhar, aí tive a chance de fazer um empréstimo [...] (M. L. R, desempregada de 46 anos, mora no local há 23 anos Entrevista realizada em: janeiro de2013). São inúmeros os motivos pelos quais as famílias necessitaram fazer tais modificações nas suas moradias, dentre os quais se destaca o crescimento do número de membros das famílias. E o principal fator que tornou possível essas reformas foi a possibilidade de acesso a emprego. Nesse contexto, “mesmo nas faixas de remuneração mais baixa, à medida que o tempo avança, as casas podem deixar de ser precárias para ganhar condição melhor de habitabilidade” (KOWARIK, 2000, p. 87). 99 O espaço externo às casas dessa área também sofreu alterações, a partir de estratégias do Estado, como exposto anteriormente, pois essa foi a área na qual o Estado investiu de maneira um pouco mais efetiva, a exemplo da canalização de parte do riacho que corta a Rosa Mística, dos calçamentos, instalação de rede elétrica, entre outros (fotografia 01). Entretanto, esses investimentos foram concentrados na década de 1980 e, posteriormente, os espaços quase não passaram por reparos e reformas. Fotografia 01‒Travessa Severino Verônica. Fonte: Pesquisa de campo (Janeiro/2013). Tipo 2) Compreende as ocupações anexadas à inicial, na década de 1980 (fotografia 02). Assim como o tipo 1, essas ocupações surgem a partir de loteamentos clandestinos, com a diferença de que as condições financeiras dos moradores desse local apresentava-se bem melhores do que as dos primeiros moradores do local. Fotografia 02 – Rua Pastor Raul de Souza Costa. 100 Fonte: Pesquisa de campo (Dezembro de 2013). Hoje, o tipo 2, apesar de diverso em alguns quesitos, encontra-se também consolidado na sua maior parte, a partir das táticas dos moradores representadas, principalmente, pela melhoria dos espaços privados de moradia. Essas transformações do espaço são resultados da maior mobilidade social que os indivíduos passaram a ter com o tempo. É importante ressaltar que a ação do Estado se concentrou em algumas ruas desse tipo espacial, embora persistam, ainda, problemas como a falta de calçamento. Tipo 3) Diz respeito ao “Conjunto Habitacional” inaugurado na década de 1980. Através da construção dessas casas, o Estado relocou algumas famílias das áreas vulneráveis inicialmente ocupadas. Dentre os tipos estudados, esse é o único que possui a situação jurídica regularizada. À época da doação das moradias, o governo entregou a documentação aos proprietários. No que se refere à ação do Estado, esse espaço não passou por muitas transformações, de acordo com o que expõe uma moradora: “Eles entregaram as casas e não fizeram mais nada” (M. S. L, Do Lar de 65 anos, mora no local há 20 anos. Entrevista realizada em: janeiro de 2013). No entanto, já em relação às táticas dos indivíduos, pode-se afirmar que grande parte do espaço foi muito modificada. Poucas são as casas que ainda hoje não passaram por reformas. A mobilidade social, através do acesso ao mercado de trabalho, sobretudo, possibilitou que muitas casas passassem por reformas. A fachada de muitas delas também foi modificada, conforme a fotografia 03. 101 Fotografia 03 ‒ Fachadas atuais das moradias entregues pelo Estado (década de 1980). Fonte: Pesquisa de campo (Janeiro/2013). Com o acesso a emprego e renda, as pessoas passaram a investir nas residências que antes eram padronizadas e não levavam em conta as especificidades das famílias, como o número de pessoas, por exemplo. Hoje, muitas estão bem mais adequadas à situação de cada família. No que concerne à mobilidade social dos moradores desse espaço, pode-se observar a fala de uma moradora: Uma coisa que mudou muito bastante aqui foi a questão financeira de todo mundo. Naquele tempo tudo era mais difícil para você conseguir bens e tudo. Hoje com a questão de financiamento todo mundo tem condição de ter tudo em casa. Ninguém tinha uma televisão em casa, quando tinha, na época era preto e branco. Hoje todo mundo tem uma televisão colorida em casa, todo mundo pode possuir um DVD, todo mundo tem um telefone, grande parte tem um computador. (R. S. R, estudante de 32 anos, mora no local há 32. Entrevista realizada em: janeiro de 2013). Com renda fixa, as famílias passaram a ter condições de reformar suas casas e comprar alguns bens, como eletrodomésticos. Para quem não possuía uma habitação (ou tinha uma moradia precária, sofrendo com alagamentos e outros problemas) essas mudanças significaram algum avanço. Muitas vidas mudaram e as gerações posteriores conseguiram ter uma vida menos difícil. 102 No entanto, mesmo com tais melhorias, existem algumas famílias que ainda passam por dificuldades nesse espaço e que não conseguiram reformar suas casas e melhorar sua qualidade de vida. No que se refere à ação do Estado, que só agiu de forma efetiva antes da entrega das moradias, ainda há muito a ser feito na área como intervenções nas áreas de segurança, lazer e infraestrutura. Tipo 4) Corresponde às ocupações irregulares que datam do final da década de 1980. O tipo 4 teve início a partir da união de um grupo de pessoas que ocupou uma área pertencente ao poder público municipal e recebeu doações de terrenos e materiais de construção do então prefeito, segundo informações da Comissão Parlamentar de Inquérito (1995). A maior parte desse espaço permanece com o status jurídico irregular. Diante do exposto, Maricato (2003b, p. 158) afirma: “A falta de alternativas habitacionais, seja via mercado privado, seja via políticas públicas sociais é, evidentemente, o motor que faz o pano de fundo dessa dinâmica de ocupação ilegal e predatória de terra urbana”. O mercado privado é bastante restrito, tanto devido aos altos custos para o acesso a um imóvel, quanto pela burocracia. Esses fatores dificultam em demasia o acesso dos mais pobres à casa própria. As políticas sociais de habitação tem se mostrado ineficientes ao longo dos anos, pois, além de não darem conta da demanda, beneficiam setores do ramo imobiliário que lucram com as construções dos imóveis. O terreno da tipologia 4 ocupado pelas famílias pertence, ainda hoje, ao poder público e pouco passou por reformas na sua estrutura. Moradias precárias, ruas sem infraestrutura e coleta de lixo deficitária são problemas existentes no local. No entanto, há que se destacar que muito também foi transformado pelos moradores, através das táticas, principalmente no que se refere às suas moradias. Algumas famílias conseguiram melhorar um pouco de vida e reformaram suas casas (fotografia 04). 103 Fotografia 04 ‒ Casas atualmente reformadas no tipo 4. Foto: Pesquisa de campo (Janeiro/2013). A figura acima mostra uma parte dessa ocupação cujas casas, no início, eram construídas de materiais recicláveis, de taipa, entre outros. Hoje, essas habitações já se apresentam transformadas, tendo casos de algumas famílias que construíram mais de um pavimento. Ao ser questionada sobre como foi possível fazer a reforma da sua casa, uma moradora explica: Passando fome, meu marido tava trabalhando [...] e ele falou assim: [...] vamos apertar a barriga da gente e a gente começou, todo dinheirinho que ele pegava ele botava aqui, aí eu me peguei com Cássio [...] ele me ajudou muito [...] ele me dava um cheque, eu trocava e ali eu comprava um saco de cimento, um vaso de segunda mão, entendeu? (M. L. R, desempregada de 46 anos, mora no local há 23 Entrevista realizada em: janeiro de2013). As famílias fizeram muitos esforços para conseguirem tais melhorias. Entretanto, a figura do Estado, representado pelos políticos de então, se fez presente, através clientelismo e barganhas eleitoreiras, fato que explica o porquê de, ainda nos dias atuais, o povo daquele local “reverenciar” o grupo responsável por tais ações. Mesmo se tratando de uma ocupação irregular, esse espaço foi alvo de algumas transformações importantes e em virtude do tempo de existência e dos esforços dos moradores, encontra-se, de certa forma, consolidado, mas necessita ainda de melhorias urbanas e regularização fundiária. Depois da sua ocupação inicial em 1988, essa área 104 cresceu, principalmente na década de 1990, e pode-se constatar que, quanto mais recente é a ocupação em áreas pobres, maiores tendem a ser os problemas enfrentados. Tipo 5) Referente às ocupações irregulares que surgiram na década de 2000, esse é o tipo que vem se formando mais recentemente. Tendo em vista que os problemas habitacionais têm crescido ano a ano e que as políticas públicas de habitação são ineficazes e insuficientes, essa área é, entre os tipos analisados, a que mais representa de forma mais contundente a realidade gritante dos problemas relacionados à moradia no espaço urbano estudado (fotografia 05). Fotografia 05 ‒ Casas localizadas no tipo 5. Fonte: Pesquisa de campo (Janeiro/2013). A precariedade apresentada se dá, entre outros aspectos, pela impossibilidade de acesso por parte dos pobres ao mercado imobiliário. Isso demonstra que esse mercado se caracteriza pelos altos custos referentes à habitação e por privilegiar aqueles que têm capital para sustentá-los. Cabe ressaltar, entretanto, que o mercado imobiliário informal tem crescido e o acesso a ele, por parte de uma parcela da população, também não tem sido fácil. Parte dessa ocupação situa-se às margens do riacho das Piabas (porção não canalizada) e outra parte está localizada em uma Área de Preservação Permanente. Ela é caracterizada pela irregularidade, pois está situada em áreas de domínio público, além de não contar com infraestrutura e serviços básicos, como rede de esgoto, água e energia (ou recorrer-se aos famosos “gatos”), como coloca uma moradora, quando perguntada 105 sobre esses serviços no local: “A gente que puxou, [...] eles vieram botaram, a gente tirou porque vinha muito caro e a gente não tinha condições de pagar” (T. S. A, catadora de materiais recicláveis de 36 anos. Entrevista realizada em: janeiro de 2013). Esse fato é interessante para que se possa refletir acerca das problemáticas que envolvem a habitação. A solução desse problema não diz respeito “apenas” às construções de unidades habitacionais, mas vai além. Discutir e resolver problemas de moradia implica pensar sobre as necessidades dos moradores como um todo, considerando desde o processo de urbanização, regularização fundiária e geração de renda. A falta de opções de moradias é refletida nas ocupações ilegais e, na maioria das vezes, o que “sobra” para os pobres são áreas inóspitas e degradadas. Destaca-se que, muitas vezes, o Estado se apresenta como incentivador de práticas de ocupações ilegais, demonstrando a tolerância quando se trata de questões que não interferem nos lucros privados dos setores imobiliários. Desde o início da sua ocupação essa área (tipo 5), segundo a última moradora citada, “tá a mesma coisa, num mudou nada [...]”. De acordo com ela, o local é esquecido pelos políticos, que só frequentam o espaço em tempo de eleição. A moradora afirma: “Aqui nada é fácil, aqui tudo é difícil. Aqui a situação de cada um é mais difícil do que a outra. [...] Aqui num tem benefício não, aqui não aparece ninguém pra fazer nada”. Por se tratar de uma ocupação bastante recente, os problemas são grandes e visíveis. Sem emprego e sem acesso às políticas governamentais de habitação, os moradores se encontram em constante insegurança, seja em relação aos aspectos físicos, seja nos quesitos jurídico e social. A respeito desse tipo, afirma-se que os problemas são inúmeros e o esquecimento do poder público, com relação ao local, se reflete em moradias precárias, falta de esgotamento sanitário, inexistência de coleta de lixo, pouca ou nenhuma oferta de emprego e problemas com o oferecimento de serviços água e energia elétrica. Finalmente, sobre os tipos analisados, percebe-se que, dos cinco, os que se encontram mais consolidado são os tipos 1 e 2, que passaram por mais transformações, sobretudo por parte dos moradores, embora ainda tenham muitos problemas a serem solucionados, como a situação jurídica. O tipo 5, ao contrário, apesar de ser o mais recente, é também o que possui uma variedade maior de problemas. A análise desses 106 tipos é importante porque mostra como um espaço pode ser múltiplo e como com o tempo de existência, o status jurídico da terra, os tipos de moradia, a mobilidade social, entre outros fatores, influenciam na configuração do espaço. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os problemas relacionados à moradia existem nas mais diversas escalas espaciais e temporais das cidades brasileiras. Pode-se compreender que esse é um problema que atinge milhões de pessoas em todo o país e que, como resultado desse processo mais abrangente, as cidades médias não estão isentas desse problema. Ao contrário, essas vêm ganhando relevo perante o cenário urbano nacional não só no que se refere à sua importância e crescimento, mas também no que se diz respeito aos problemas urbanos, incluindo a habitação. Foi possível constatar ainda que esse não é um problema atual, mas que vem se agravando ao longo do tempo. Diante disso, a pesquisa desenvolvida contribuiu para o entendimento do processo de produção da Rosa Mística, elencando os principais fatos históricos que ocorreram naquele espaço, partindo da interpretação da atuação dos agentes (re)produtores que intervêm diferencialmente, em temporalidades distintas e de acordo com a lógica vigente, acirrando ou não as disparidades e desigualdades socioespaciais. Conceitos e categorias como Estado, espaço, habitação, táticas e estratégias foram fundamentais à obtenção dos resultados pretendidos, ou seja, as literaturas apresentadas auxiliaram a entender o papel do Estado e dos moradores na origem e (re)produção das tipologias espaciais formadas no interior daquela área. Pode-se afirmar que, a partir de intervenções distintas por parte do Estado, dos moradores, entre outros agentes, a Rosa Mística se originou, cresceu e permaneceu em meio ao espaço urbano de Campina Grande, interagindo com ele e particularizando-se frente a outros espaços dessa cidade. Finalmente, entendendo a dinâmica urbana, entre outros aspectos, enquanto um jogo de escala espaço-temporal, cabe ressaltar que o planejamento urbano, marcado pelo ideal de justiça, deve se fazer presente no processo de reflexão e produção da cidade, para que os problemas que vêm acometendo esses espaços há anos, possam ser minimizados ou solucionados, visando, sobretudo, o bem 107 estar e a qualidade de vida da população, além da garantia do real direito à cidade (Lefebvre, 2001). REFERÊNCIAS CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Demanda Habitacional no Brasil. Brasília, 2011. CÂMARA MUNICIPAL DE CAMPINA GRANDE. 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Partindo de um breve histórico da moradia na cidade, discutimos as novas e as velhas práticas dos agentes fomentadas pelos recursos provenientes do pacote habitacional, que, por um lado, visa o acesso à moradia às parcelas de menor rendimento, mas, em contrapartida, destina grande parte desses recursos para o financiamento de moradias produzidas pelo mercado para segmentos de renda média. Dessa forma, apresentamos a localização dos diferentes empreendimentos na cidade, confrontando tal informação com a espacialização dos preços médios de terrenos e também da renda média dos chefes de família. Palavras-chave: política habitacional; Programa Minha Casa Minha Vida; Londrina. 1. Introdução A problemática habitacional no Brasil, no que diz respeito à produção, à oferta e ao acesso à moradia, tornou-se mais complexa conforme se expandia o processo de urbanização, particularmente na segunda metade do século XX. São muitos os fatores que contribuiram para tal contexto, no qual podemos elencar o crescente aumento no número de pessoas habitando nas cidades, as mudanças nas estruturas dessas cidades e na divisão territorial do trabalho, entre tantos outros. Porém, baseando-nos em Rodrigues (2007), partimos do pressuposto que a produção da cidade sob o capitalismo sintetiza a complexidade do acesso à moradia em nossas cidades, por se tratar de uma mercadoria na qual confluem diferentes agentes e interesses, limitando, dessa forma, tal direito à parcela de citadinos que pode arcar com o seu elevado custo. Em que pese a questão da moradia ser um problema em cidades localizadas do norte ao sul do país, sempre cabem particularidades a cada cidade e a cada formação socioespacial, no que concerne ao papel dos agentes e as lógicas empreendidas ao longo da história. Em Londrina, cidade média de grande importância na rede urbana do norte do Estado do Paraná, aspectos vinculados ao seu processo de formação no segundo quartel do século XX reverberam até os dias de hoje, particularmente no que diz respeito à centralidade dos negócios fundiários na produção do espaço da cidade, 29 Doutorando em Geografia pela Unesp, campus de Presidente Prudente. Membro do Gasperr e da Recime. Email: [email protected] 111 conforme discutimos em trabalho anterior (ALCANTARA, 2013), baseando-nos, entre outros, nos estudos de Fresca (2002), Ribeiro (2002 e 2006) e Amorim (2011). A crescente importância do imobiliário, que não se restringe mais a um sistema de produção mercantil local, enaltece o caráter privado da terra na cidade, tornando-a mais disputada e de difícil acesso, e mais complexas as estratégias de oferta de moradia para a população que não dispõe de recursos suficientes para adquiri-la pelo mercado formal. Diante da complexidade da questão da terra na cidade, a oferta de moradias para a população mais vulnerável social e economicamente depende, na maioria das vezes, da intervenção do Estado. Em Londrina, a exemplo de inúmeras cidades de porte semelhante, as primeiras iniciativas de grande impacto no que se refere a produção habitacional decorreram da política do governo militar, nas décadas de 1970 e 1980. O Sistema BNH (Banco Nacional da Habitação) possibilitou a construção de milhares de unidades habitacionais, além da atuação da própria Prefeitura Municipal, por meio da Companhia de Habitação de Londrina (COHAB-LD), e do Governo do Estado do Paraná, conforme discute Martins (2007). Enquanto principal intermediadora dos recursos provenientes da esfera federal, a Cohab-LD foi a maior responsável pela construção de mais de 25 mil moradias entre 1970 e 1992, sendo o ápice de tal período a gestão do Prefeito Antônio Casemiro Belinati (1977-1982), na qual foram entregues mais de 17 mil unidades. Em que pese a apropriação política da iniciativa federal pelo gestor local na época, a quantidade de unidades habitacionais e a dimensão dos conjuntos, que passaram a ser construídos concentrados na porção norte do território londrinense, contribuíram para modificar profundamente a dinâmica da cidade. Intrincado a uma estratégia que, além da postura “populista” do prefeito Antônio Belinati, agregava também interesses fundiários e imobiliários, a partir do final dos anos 1970 deu-se início um processo de concentração de novos conjuntos habitacionais na zona norte da cidade, consideravelmente distantes do Centro Principal. Entre a área dos novos bairros populares e o Centro permaneceu um imenso vazio por vários anos, reforçando os interesses privados no que se refere a manutenção da terra sem uso para valorização. Beidack (2009) discorre acerca da produção do espaço na cidade de Londrina, enfatizando as transformações verificadas na área que ficou conhecida como “Cincão” – referência aos cinco primeiros grandes conjuntos habitacionais construídos – ao longo das últimas décadas do século XX. Certamente, a segregação imposta àqueles que passaram a residir nesses conjuntos habitacionais foi ressignificada ao longo do tempo, melhorando-se expressivamente a infraestrutura em boa parte da área e consolidando-se um subcentro na principal avenida da zona norte. Porém, as formas como os agentes atuaram no distanciamento dos mais pobres, que, além da zona norte, residiam também em boa parte das zonas oeste e leste e no extremo da zona sul, são emblemáticas para pensarmos o processo de produção do espaço urbano em Londrina e a problemática questão da moradia. Atualmente, tal padrão de diferenciação das áreas é relativamente reforçado, inclusive com uma concentração cada vez mais expressiva dos mais ricos entre o Centro Principal e o eixo sudoeste da cidade. Conforme discutimos, grandes mudanças foram observadas em Londrina por meio da política habitacional instituída pelo Governo Militar nas décadas de 1970 e 1980. No 112 presente momento histórico, vivenciamos lógicas ainda mais complexas na produção da cidade, nas quais devemos considerar a mais recente iniciativa voltada ao provimento de habitações pela União: o Programa Minha Casa Minha Vida, do qual trataremos na sequência. 2. O PMCMV: agentes, mudanças e permanências Após um hiato de mais de duas décadas de abandono da causa habitacional a nível federal, salvo por ações pontuais que não chegaram a provocar mudanças estruturais (BONDUKI, 2008), foi lançado, em 2009, um novo pacote habitacional de proporções gigantescas, que, somado à fase lançada posteriormente, já construiu mais de dois milhões de moradias em várias cidades de todo o país: o Programa Minha Casa Minha Vida - idealizado no final do governo Lula e mantido pela atual gestão da presidenta Dilma. De acordo com Fix (2011), o programa foi pensado como uma resposta à crise internacional, iniciada em 2008, tendo como objetivo uma política econômica anticíclica que movimentasse o setor da construção civil, um dos mais importantes do país, produzindo casas e gerando empregos, além do fomento a uma enorme cadeia de produção e consumo de bens duráveis, também incentivado pela União, através do crédito30. Rodrigues (2011), num exercício de pensar a política urbana no decorrer das duas gestões do Presidente Lula, enfatiza a dimensão mercadológica do Programa Minha Casa Minha Vida e as possibilidades e limitações do pacote habitacional, que, apesar de buscar sanar parcialmente o déficit habitacional no país, não possui mecanismos para possibilitar uma maior democratização no acesso à terra urbana nas cidades brasileiras. Tese também defendida por Maricato (2009). O jogo de interesses entre Estado, capital e sociedade foi também foco de análise de Bastos (2011), que debate a luta por direitos, que não se restringem à propriedade da habitação, mas se estendem ao acesso à cidade como um todo. A dimensão financeira e macroestrutural na qual se insere o PMCMV é privilegiada por vários estudos, que buscam compreender as lógicas e o contexto mais amplo no qual foi formulado o programa. No cenário da crise desencadeada a partir de 2008, o mercado financeiro global sofreu um cataclismo sem precedentes, impactando diretamente diversos setores da economia e a sociedade como um todo - obviamente de forma diferencial entre os diversos países, conforme debatido por Harvey (2011). Nesse contexto, o governo brasileiro, para absorver os impactos da crise, investiu maciçamente na ampliação da infraestrutura e na construção de moradias, como forma de manter elevado o estímulo à construção civil, tal como argumentam Shimbo (2010), Fix (2011), Santos (2013) e Sanfelici (2013). A expansão dos negócios imobiliários e fundiários e o exacerbado crescimento das incorporadoras no Brasil, particularmente na última década, foram movimentos percebidos por Fix (2011) e Sanfelici (2013). A primeira autora se lança num esforço de 30 Sobre o assunto, ver Catelan e Bastazini (2014). 113 pensar a gênese das grandes incorporadoras que atuam no território nacional, bem como seu processo de financeirização e crescente expansão no período recente. Estabelece um paralelo entre a dinâmica imobiliária-financeira no Brasil com o cenário de profunda crise nos Estados Unidos, considerando as diferenças em termos de mercado e finanças e as características da urbanização estadunidense e brasileira. O pacote habitacional do PMCMV comparece no debate de Fix (2011), por um lado, associado à expansão das incorporadoras que já mantinham um histórico de atuação voltado ao “segmento econômico” alvo do Programa, como MRV e Rodobens e, por outro, àquelas que se lançaram ao desafio de ampliar sua atuação, motivadas pelos recursos disponibilizados pelo Programa. Merece destaque o caso paradigmático (de globalização do capital imobiliário) da Homex, incorporadora mexicana com tradição no provimento de moradias para os segmentos de médio-baixo poder aquisitivo no México, que passou a atuar no Brasil a partir de 2009, também motivada pelo pacote habitacional. A autora discorre ainda acerca das mudanças e permanências na política habitacional brasileira, reiterando uma crítica realizada outrora (FIX e ARANTES, 2009) sobre as limitações no acesso à moradia digna por parte daqueles que compõe a esmagadora maioria do déficit habitacional no país. De forma semelhante, Sanfelici (2013) se concentra em refletir sobre o crescente processo de financeirização do mercado imobiliário no Brasil e o quanto tal movimento do capital reforça o problema habitacional nas metrópoles brasileiras, ao considerar as péssimas condições de vida de milhões de seus habitantes. O PMCMV, na perspectiva do autor, vem alimentar o boom imobiliário, iniciado na última década, propiciando o aumento das receitas das incorporadoras e, concomitantemente, elevando o preço da terra urbana. O autor ressalta, relembrando o histórico de atuação do Sistema BNH, a retomada do problema do encarecimento dos terrenos nas cidades e o maior direcionamento dos recursos para o financiamento de moradias para as classes médias. Segundo Sanfelici (2013), o anúncio do PMCMV reforçou e acelerou a prática de aquisição de grandes bancos de terras em cidades de todo o território nacional, por parte das grandes incorporadoras cientes de que os preços viriam a subir no decorrer da sua implementação. Shimbo (2010) também elege a associação entre agentes incorporadores e financeiros para pensar as mudanças na produção do espaço urbano das cidades brasileiras. Em sua tese, a autora discorre sobre o processo de aproximação entre Estado e capitais incorporadores na oferta de moradias “populares” (via crédito subsidiado), resultando na concepção de uma “habitação social de mercado”. Para além da complexa lógica de aproximação do imobiliário com o financeiro, a autora destaca ainda a crescente expansão geográfica das incorporadoras sobre cidades médias em todas as grandes regiões brasileiras, com repercussões no processo de urbanização do interior do país, conforme discutido também em outros dois textos (SHIMBO, 2009; 2011) e por Fix (2011). São muitos os fatores apresentados pelas autoras como hipóteses para tal movimento. Todavia, é Melazzo (2013) quem oferece uma série de dados e resultados de pesquisa que subsidiam seus argumentos, que, de um modo geral, estão associados a expansão do 114 consumo nessas cidades e as maiores possibilidades de atuação das incorporadoras, devido aos mais baixos preços de terrenos praticados nas cidades médias, em comparação com as metrópoles. Segundo Melazzo (2013), é justamente nas cidades médias, além da periferia das metrópoles, que se concentra boa parte dos bancos de terras de grandes incorporadoras. O PMCMV, portanto, tende a alimentar esse processo, ao incrementar, sobremaneira, o montante de crédito imobiliário apropriado, principalmente, pelas incorporadoras inseridas no movimento supracitado. No que tange especificamente à realidade das cidades médias, estudos de diferentes abordagens têm revelado o proeminente impacto do PMCMV nos processos de reestruturação urbana e ampliação das desigualdades socioespaciais, que culminam, muitas vezes, num aprofundamento da segregação espacial. Conforme discutido anteriormente, o montante de recursos destinados pelo Programa tem possibilitado a construção maciça de unidades residenciais em diferentes áreas das cidades, mas particularmente concentradas nas extremidades periféricas de seus tecidos urbanos, permitindo, inclusive, um extraordinário aumento do estoque imobiliário. Em trabalho anterior (ALCANTARA, 2013), ao tratarmos dos processos de diferenciação de áreas e de seletividade espacial em Londrina (PR), São José do Rio Preto (SP) e Uberlândia (MG), discutimos também o papel do PMCMV, verificando uma profunda diferença entre a localização dos empreendimentos voltados para os públicos de Faixa 2 e 3 (acima de 3 e até 10 salários mínimos) e aqueles direcionados para a Faixa 1 (até 3 salários mínimos). Abreu (2014), ao trabalhar com a dinâmica dos preços imobiliários e o papel dos agentes nas cidades de Londrina e Ribeirão Preto (SP), também reforça tal constatação. Neste sentido, levamo-nos a pensar que o PMCMV está propiciando um maior acesso a moradia para muitas pessoas (ao menos nas cidades médias), mas, ao mesmo tempo, pode também estar reforçando as desigualdades socioespaciais, pois, se dentre os empreendimentos da Faixa 2 e 3 há uma melhor inserção urbana (acessibilidade às áreas centrais e aos serviços em geral), no que tange aos conjuntos habitacionais da Faixa 1 essa inserção é, em geral, muito comprometida. Pretendemos, dessa forma, apresentar na seção seguinte alguns indícios que nos ajudem a refletir melhor sobre tal constatação. 3. A espacialização do PMCMV em Londrina Desde 2009, quando foi lançado o Programa Minha Casa Minha Vida, vários empreendimentos foram aprovados e construídos na cidade de Londrina. Nas duas primeiras fases do programa, milhares de unidades habitacionais somaram-se ao estoque imobiliário da cidade, aumentando-o consideravelmente em relação ao período anterior. Na Tabela 1, podemos verificar a relação desses empreendimentos, com algumas informações sobre cada um. Tabela 1 – Relação dos empreendimentos aprovados pelo PMCMV entre 2009 e 2012. Empreendimento Faixa UH* Tipologia Construtora Conj. Hab. Cristal 1 1 32 Apto Sial Construções 115 Conj. Hab. Cristal 2 1 48 Apto Jardim Columbia I 1 21 Casa Jardim Nova Esperança 1 1 100 Casa Jardim Nova Esperança 2 1 50 Casa Jardim Nova Esperança 3 1 61 Casa Residencial Ana Terra 1 85 Casa Residencial Elizabeth 1 32 Casa Residencial Maravilha 1 60 Casa Residencial Vista Bela 1 1 305 Casa Residencial Vista Bela 2 1 208 Apto Residencial Vista Bela 3 1 208 Apto Residencial Vista Bela 4 1 431 Casa Residencial Vista Bela 5 1 224 Apto Residencial Vista Bela 6 1 536 Casa Residencial Vista Bela 7 1 144 Apto Residencial Vista Bela 8 1 224 Apto Residencial Vista Bela 9 1 224 Apto Residencial Vista Bela 10 1 208 Apto Cond. Terra Nova Londrina 1 2 298 Casa Moradas Londrina – Módulo 1 2 225 Casa Moradas Londrina – Móculo 2 2 168 Casa Residencial Luci Della Vitta 2 64 Apto Residencial Marajoara 3 2 55 Apto Res. Solar dos Tucanos 2 96 Apto Res. Spazio Le Mont 2 152 Apto Res. Spazio Le Parc 1 2 256 Apto Res. Spazio Le Parc 2 2 224 Apto Res. Spazio Lotus 1 2 288 Apto Res. Spazio Lotus 2 2 256 Apto Res. Vila das Azaleias 2 208 Apto Res. Vila das Cerejeiras 2 176 Apto Res. Vila dos Ipês 2 256 Apto Cond. Res. Spazio La Ville 3 160 Apto Cond. Res. Spazio Las Vegas 3 120 Apto Cond. Res. Spazio Libertá 3 166 Apto Cond. Res. Spazio Lumiére 3 79 Apto Cond. Res. Spazio La Fenice 3 160 Apto Res. Marco dos Pioneiros 3 168 Apto Fonte: Ministério das Cidades. *Unidades Habitacionais. Sial Construções Bonora & Costa Bonora & Costa Bonora & Costa Bonora & Costa Bonora & Costa Bonora & Costa Sial Construções Artenge Artenge Artenge Terra Nova Terra Nova Protenge Protenge Protenge Artenge Terra Nova Rodobens Rodobens Rodobens Laff Terra Nova Almanary MRV MRV MRV MRV MRV Yticon Yticon Yticon MRV MRV MRV MVR MRV Yticon Numa primeira leitura sobre os dados representados na Tabela 1, ressalta-se a quantidade de empreendimentos voltados à Faixa 1, bem como o número de unidades habitacionais construídas nesses empreendimentos, 3201 no total, entre casas e apartamentos. Só o Residencial Vista Bela, que na tabela aparece dividido em dez empreendimentos, totaliza 2712 unidades habitacionais de acordo com a base de dados disponibilizada pelo MCidades. Tal fracionamento diz respeito a uma estratégia encontrada pelas construtoras para burlarem a limitação de UH colocada pela Caixa 116 Econômica Federal para cada empreendimento. No entanto, não há uma divisão visível entre cada um dos empreendimentos aprovados, resultando num imenso conjunto habitacional, conforme verificado em trabalho de campo realizado em dezembro de 2014. Várias construtoras foram responsáveis pela construção dos empreendimentos Faixa 1, inclusive o Vista Bela, que foi empreendido pela Artenge e pela Protenge, de capital local, e pela Terra Nova, do Estado de Minas Gerais. No que diz respeito aos empreendimentos Faixa 2 e Faixa 3, há também uma expressiva quantidade de unidades habitacionais construídas, principalmente do primeiro grupo, que totaliza 2722, enquanto a soma do segundo é de um total de 853. Destacam-se, nessas faixas, os empreendimentos lançados pela MRV Engenharia, empresa de capital aberto considerada líder no “segmento econômico”, seguido pela Yticon, de capital local, e a Rodobens, também de alcance nacional e capital aberto na bolsa, única empresa a lançar empreendimentos horizontais para a Faixa 2. A predominância de apartamentos, que, à exceção dos condomínios construídos pela Rodobens, compreendem a totalidade dos empreendimentos Faixa 2 e Faixa 3, denota a predileção das incorporadoras em consonância com o histórico de expressividade da verticalização na cidade, ou seja, é um tipo de produto aparentemente bem aceito pelo público que adquire esses imóveis. Mas, para além disso, expressa a estratégia das incorporadoras em aproveitar ao máximo seus bancos de terras em localizações vantajosas, sendo que, no caso da Rodobens, os condomínios Terra Nova e Moradas estão localizados nos limites da malha urbana, na zona norte. No Mapa 1, podemos observar a localização dos empreendimentos do PMCMV por faixa. Mapa 1 – Localização dos empreendimentos do PMCMV em Londrina. 117 118 A distribuição dos empreendimentos do PMCMV, ao observarmos o Mapa 1, revela indícios de uma lógica bastante antiga na forma de se produzir cidades no Brasil. A diferença de posição entre os polígonos que representam as Faixas 1, 2 e 3 denota a permanência da histórica prática de orientar políticas habitacionais de acordo com a dinâmica do mercado imobiliário. Em Londrina, tal como tem sido observado em muitas outras cidades, a maior parte dos empreendimentos voltados ao público da Faixa 1 (1 a 3 s.m.) foram construídos em áreas localizadas nos limites da malha urbana consolidada, em muitos casos carentes de boa infraestrutura e serviços públicos básicos. O caso do Residencial Vista Bela é emblemático no que tange à continuidade da prática de construção de conjuntos habitacionais de grandes proporções, que, como já se fazia nos tempos do BNH, permanecem inseridos em localizações consideravelmente distantes das áreas centrais da cidade. Conforme foi possível observar em trabalho de campo realizado no mês de dezembro de 2014, em que pese uma significativa presença de estabelecimentos comerciais no bairro, faltavam ainda escolas dos diferentes níveis de ensino e uma unidade básica de saúde, que, apesar de já estarem em processo de solicitação e/ou construção, virão a atender uma população que depende desses serviços desde 2011. Outros empreendimentos da Faixa 1 estão localizados na zona norte e nos extremos da zona sul, áreas estas já historicamente ocupadas por segmentos de renda mais baixa. No que se refere aos empreendimentos Faixa 2 e Faixa 3, o padrão de localização é consideravelmente diferente, menos distantes das áreas centrais e com melhor acessibilidade, conforme observado em campo. As empresas MRV e Yticon, responsáveis pela maior parte dos empreendimentos dessas faixas, possuem práticas de manutenção de banco de terras na cidade, o que ajuda a explicar a melhor posição de seus condomínios de apartamentos em relação aos demais empreendimentos. Em trabalhos de campo realizados em fevereiro de 2012 e janeiro de 2013, observamos que há empreendimentos das duas empresas localizados, por exemplo, próximos a shopping centers construídos nos últimos anos, que é o caso do “Spazio Le Mont”, da MRV, próximo ao Londrina Norte Shopping, e o “Marco dos Pioneiros”, da Yticon, construído nas imediações do Boulevard Londrina Shopping. A estratégia da Rodobens se mostra diferente, pois a localização dos condomínios Terra Nova e Moradas na Gleba Jacutinga, extremo norte da cidade, é relativamente compensada pelas “amenidades” ofertadas em termos de lazer e segurança, sem contar o fácil acesso via automóvel à Avenida Saul Elkind e demais áreas da cidade por meio da Rodovia Carlos João Strass. Tal estratégia de localização em áreas periféricas, acessíveis por veículo particular, repete-se em outras cidades nas quais a incorporadora atua, como São José do Rio Preto e Uberlândia (ALCANTARA, 2013). Na sequência do texto ilustramos, por meio do Mapa 2, os preços médios de terrenos por bairro para o ano de 2010 em Londrina. Para a confecção do mapa utilizamos um bando de dados de anúncios de classificados publicados no jornal Folha de Londrina, no qual extraímos informações referentes ao preço e ao tamanho de cada imóvel anunciado. Os dados foram representados por meio de um índice: a relação entre o preço médio do m² de cada bairro e o preço médio do m² da cidade. 119 Mapa 2 – Índice de preços médios do m² de terrenos em Londrina – 2010. Na relação entre os preços médios de cada bairro e o preço médio do m² de terrenos na cidade, visualizamos com bastante clareza a proeminência do Centro e de bairros próximos nos sentidos sudeste e sudoeste no que tange às maiores diferenças positivas. Anteriormente (ALCANTARA, 2013), discutimos como a inércia espacial constituída se expressa por meio da permanência da área central enquanto a mais valorizada da cidade, ressalvando-se, todavia, o movimento de valorização no eixo sudoeste, principalmente, onde estão localizadas as áreas mais comercializadas pelo mercado imobiliário nas últimas duas décadas. As “bordas da cidade”, particularmente a norte e oeste, em que pesem todas as transformações recentes quanto sua morfologia e uso, continuam com as piores diferenças em relação a média da cidade, o que não quer dizer, certamente, que estão desvalorizadas ou em processo de desvalorização. Muito pelo contrário, pois a expansão dos investimentos imobiliários na cidade tem provocado profundas mudanças em diferentes áreas, cada vez mais interligadas aos mais diferentes tipos de comércio e serviços, ainda que sua acessibilidade se dê prioritariamente por meio de veículo particular. Nesse exercício de ilustrar as diferenças em relação à média de preços da cidade, queremos explicitar a diferenciação produzida historicamente entre os bairros através dos agentes, que não permite uma percepção imediata no que se refere as mudanças empreendidas. No confronto entre as informações representadas nos Mapas 1 e 2, percebemos que as localizações dos empreendimentos das Faixas 2 e 3 correspondem, em certa medida, às 120 áreas mais valorizadas da cidade, principalmente os imóveis da Faixa 3, todos eles condomínios de apartamentos, incorporados pela MRV e pela Yticon. Os empreendimentos da Faixa 1 estão, todos, circunscritos às localizações representadas pela classe mais baixa do Mapa 2, ou seja, que possuem a menor diferença de preço médio do m² de terrenos em relação a média da cidade. Nos mapas 3 e 4, representamos os rendimentos médios dos chefes de família por setores censitários na cidade de Londrina. Mapa 3 – Chefes de família com rendimento até 2 salários mínimos em Londrina – 2000 e 2010. 121 Mapa 4 – Chefes de família com rendimento superior a 20 salários mínimos em Londrina – 2000 e 2010. Analisando os Mapas 3 e 4, percebemos, por meio dos dados de rendimentos divulgados pelos Censos Demográficos do IBGE, as áreas onde residem as famílias mais “carentes” e as mais “abastadas” financeiramente. Em consonância com os mapas anteriores, os dados revelam uma certa concentração de chefes de família com rendimento médio até 2 salários mínimos nas extremidades da zona sul, enquanto nas zonas norte, leste e oeste estão relativamente “pulverizados”, não havendo grandes diferenças entre as informações divulgadas pelos dois Censos. No que se refere aos chefes com rendimento médio superior a 20 salários mínimos, a concentração é bastante perceptível nas representações de ambos os Censos, havendo, no entanto, um movimento de maior concentração no sentido sudoeste, onde estão localizados muitos dos espaços residenciais fechados destinados à classe média alta na cidade. Os bairros localizados a sudoeste, no Mapa 2, já denotavam em 2010 uma relação positiva em termos de preço do m² de terrenos, inseridos numa tendência de crescente valorização, dada a centralidade que expressam para os agentes imobiliários. No Mapa 1, por sua vez, a grande presença de empreendimentos da Faixa 2 na zona norte dá indícios da busca do mercado por consumidores que possuem rendimentos consideravelmente menores, mas, devido à oferta de crédito subsidiado, podem acessar uma localização que revela crescente centralidade. Os empreendimentos da Faixa 1, no entanto, permanecem localizados em áreas menos valorizadas e onde já se concentram a parcela mais pobre da população. A relação entre os mapas expostos neste texto parece um tanto óbvia, mas, na verdade, dá apenas indícios de uma prática de produção do espaço que perdura por quase um 122 século, desde a fundação da cidade. A conivência e suporte do poder público são evidentes na forma como oferta a infraestrutura e cobra desigualmente os tributos municipais, no caso o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), extremamente defasado ao considerarmos a enorme valorização de áreas que até duas décadas permaneciam praticamente vazias, como a Gleba Palhano31. Na articulação com outras escalas do poder político, especialmente a federal, ressalta-se a permanência dessas práticas nas formas como é conduzida a política habitacional financiada por meio do PMCMV. Nascimento (2014), ao mapear os vazios urbanos em Londrina, revela aspectos para pensarmos os interesses em jogo na produção da cidade, pois a considerável concentração de áreas vazias bem servidas em termos de infraestrutura provoca um desacordo quanto as localizações extremamente periféricas dos conjuntos habitacionais da Faixa 1, mantendo segregada uma parcela da população. Essas pessoas conseguem, através da política habitacional, acessar o direito básico a moradia, melhorando substancialmente suas vidas. Porém, sua situação de marginalidade espacial na cidade permanece, quando não piora, limitando a concessão plena de seu direito à cidade como um todo. 4. Considerações finais Ao longo do processo de urbanização no Brasil, conforme discutido no presente texto, a questão da moradia emergiu com demasiada importância e complexidade, devido, particularmente, ao caráter crescentemente privado da terra na cidade. O aumento da pressão por habitação popular exigiu do Estado estratégias que viessem a contornar tais demandas, promovendo, dessa forma, a proliferação da ideologia da casa própria, ou seja, a necessidade de elevar ao status de proprietário uma parcela maior da população. Foi a partir do governo militar, segundo Maricato (1997), que a questão do financiamento à habitação ganhou maior centralidade, sendo então criado o Sistema BNH, que apesar de ter expandido substancialmente a oferta de moradias, acabou por direcionar muitos dos empreendimentos financiados para os segmentos de renda média, permanecendo a população mais pobre preterida quanto ao acesso a moradia digna nas cidades. Em Londrina, muitas famílias pobres conseguiram adquirir sua casa própria nesse período, apesar dos inúmeros problemas contratuais e conflitos quanto aos financiamentos, mas tantas outras permaneceram em favelas, ocupações em áreas de risco ou mesmo em situação de coabitação. Na atual política habitacional promovida pelo Governo Federal, como vem sendo discutido por diferentes autores (RODRIGUES, 2011; SHIMBO, 2010; BONDUKI, 2009), existem, certamente, tentativas de se mitigar a demanda por moradia que aflige ao menos sete milhões de famílias, mas problemas estruturais, como a questão da terra, continuam intocados. Por outro lado, ao considerarmos as famílias que conseguem acessar o programa e adquirir sua casa, a demanda por serviços públicos e 31 Conforme verificado junto à Prefeitura Municipal em trabalho de campo realizado em Londrina em dezembro de 2014. 123 acessibilidade permanece, muitas vezes, sem atendimento, reiterando a necessidade de uma melhor articulação entre as diferentes esferas da política pública. O atraso no atendimento às necessidades básicas da população, que segundo a própria Constituição Federal e leis complementares, são direitos, tornou-se prática comum em nossa sociedade, que precisa, na maioria das vezes, mobilizar-se em prol da conquista ao elementar direito à cidade. Em Londrina, como vimos, os diferentes momentos da questão habitacional repercutiram sobre a cidade de maneira diferenciada em relação às áreas e aos citadinos. Por meio do PMCMV, novas e velhas práticas modificam a estrutura da cidade e o cotidiano daqueles que vivem nela, em especial dos sujeitos que conquistam pela primeira vez um imóvel. Apesar do volume de investimentos e a quantidade de empreendimentos voltados às Faixas 2 e 3, em Londrina o número de unidades habitacionais voltadas ao público da Faixa 1 é consideravelmente relevante, inclusive com outros empreendimentos aprovados ou em fase de construção, conforme verificado em campo realizado em dezembro de 2014. Todavia, o que nos propomos a refletir no presente texto diz respeito ao histórico distanciamento entre o acesso à moradia e o acesso à cidade como um todo, que, de acordo com os dados levantados e as observações realizadas, nos parece ainda muito presente nas políticas públicas e nas formas de se produzir cidade no país. 5. Referências bibliográficas ABREU, M. A. Diferenciando o espaço e produzindo cidades: lógicas e agentes da produção do espaço urbano em Ribeiro Preto/SP e Londrina/PR. 2014. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia/Unesp, Presidente Prudente. ALCANTARA, D. M. Mudanças na produção do espaço urbano de Londrina (PR), São José do Rio Preto (SP) e Uberlândia (MG): análise comparativa da dinâmica imobiliária recente. 2013. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia/Unesp, Presidente Prudente. AMORIM, W. V. 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Em outros trabalhos já publicados foram levantadas questões sobre a influência que a universidade tem para a região em que está inserida. Neles é acentuado como a UFRB vem se articulando no Recôncavo na perspectiva de um deslocamento de estudantes e funcionários pelas cidades que compõem a região. Para Henrique: Desde os anos de 1960, primeiramente na Europa e nos Estados Unidos e, posteriormente, no Brasil, o Estado passa a compreender a instalação de universidades e/ou campus de instituições novas e/ou já existentes como uma estratégia de desenvolvimento urbano e regional de áreas economicamente deprimidas e/ou degradadas do ponto de vista da morfologia/qualificação do espaço urbano. Assim, constamos uma forte expansão das instituições de educação superior, a maior parte delas públicas, para cidades médias e pequenas de vários países. A compreensão do papel das universidades como agentes da (re) estruturação urbana e das cidades torna-se importante, tanto em razão do volume de recursos financeiros movimentados quanto pela modificação de dinâmicas intraurbanas (moradia, circulação, usos, etc.) e do cotidiano dos moradores (HENRIQUE, 2011, p. 2). 32 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFBA. Membro do Grupo de Pesquisa CiTePlan (Cidade, Território e Planejamento) – UFBA. Orientador: Dr. Wendel Henrique. 127 Baseado nessa perspectiva de Henrique (2011), o nosso propósito é analisar e demonstrar como a UFRB tem provocado uma especulação imobiliária nas cidades em que está presente. A dinâmica imobiliária e a expansão da oferta de moradias tem se configurado como uma dificuldade resultante da falta de organização e planejamento da UFRB em utilizar as verbas também no sentido de contemplar as residências universitárias. Como apresentaremos a seguir, mais de 50% dos estudantes desta universidade são oriundos de Salvador, Feira de Santana e outras cidades que não compõem a região do Recôncavo, necessitando fixar residência nas cidades sede dos campi. 128 Mapa 1 Perry e Wiewel (2005) afirmam, em seu artigo From Campus to City: The University as Developer, que o impacto das universidades no desenvolvimento regional vem sendo cada vez melhor compreendido pelos pesquisadores. Contudo o papel das universidades no desenvolvimento imobiliário da cidade tem sido pouco compreendido e até mesmo estudado. Os autores afirmam, ainda, que, em geral, as universidades estão 129 entre os maiores proprietários de terras e empregadores nas cidades onde se inserem, além de gerar um grande número de consumidores de bens privados e serviços públicos. Nesse sentido, as relações econômicas e também os conflitos políticos que as universidades provocam nas cidades são complexos e tendem a gerar tensões no espaço urbano, pois as demandas de quem utiliza a universidade não são apenas de ordem acadêmica, mas envolvem questões práticas da vida urbana, tais como moradia, alimentação, transporte, lazer, entre outras. Além dessa questão institucional, a prática da especulação imobiliária, muito utilizada nas grandes cidades, aqui é praticada aproveitando a presença de um equipamento público que valoriza a cidade ou, pelo menos, os espaços mais próximos à universidade. 2. A PRESENÇA DOS ESTUDANTES E DOS PROFESSORES As cidades de Santo Antônio de Jesus, pela sua força política no território do Recôncavo, e Cruz das Almas conseguiram atrair investimentos da UFRB através do programa do governo federal, REUNI, com cursos que atraem um perfil de estudantes e professores pesquisadores mais especializados. Com a UFRB, um novo perfil de moradores tem se estabelecido na cidade: em média 300 estudantes com alto poder aquisitivo chegam por ano à cidade. Este fato já tinha sido sinalizado por Henrique (...) com considerável concentração de orçamento e dos cursos em Santo Antônio de Jesus e Cruz das Almas, que no esboço da rede urbana de 1959 eram apenas os municípios posicionados no sétimo e nono lugar, respectivamente, considerados como “centros locais” (HENRIQUE, 2009, p.116). Em Santo Antônio de Jesus a oferta de ensino superior com a instalação da UFRB, ao contrário da UNEB, será incorporada por populações oriundas de outras localidades. A população local, em grande parte, não tem tido acesso aos cursos oferecidos pela UFRB, o que se constitui numa grande contradição ao que foi previsto pelo projeto do REUNI para a UFRB. A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia nasceu da luta da comunidade em prol da democratização do acesso ao ensino superior na Bahia, marcado historicamente por uma oferta restrita em relação às suas demandas. Criá-la por meio de um processo de arregimentação comunitária faz dela uma Instituição comprometida com a produção e difusão da ciência e da cultura, além de ocupar lugar estratégico e redefinidor da matriz de 130 desenvolvimento socioeconômico e cultural do Recôncavo (UFRB, 2005, s/p). Dessa forma, as vagas oferecidas na universidade – bem como a ampliação do mercado de trabalho, que requer formação técnica e intelectual decorrente da universidade – estão sendo correspondidas por populações migrantes, dotadas de maior disponibilidade econômica e que se deslocarão para as cidades apenas por causa da universidade e com caráter temporário. Com a UFRB essas cidades sofrerão um aumento em seu tamanho demográfico, visto que grande parte dos estudantes e professores universitários está vindo de Salvador, de outras cidades baianas e até mesmo de outros estados. Santos já abordava essas novas tendências das cidades médias, as quais o autor denominava de cidades intermediárias: As cidades intermediárias apresentam, cada vez mais, dimensões bem maiores. Essas cidades médias são, cada vez mais, e isso vem crescendo, uma casa do trabalho intelectual, o lugar onde se obtém informações necessárias à atividade econômica. Serão, por conseguinte, cidades que reclamarão cada vez mais por trabalho qualificado (...) (SANTOS, 1994, p. 23). Em outra obra, Santos e Silveira (2001) afirmam que o papel das cidades médias na rede urbana brasileira é o de ser o lugar do trabalho intelectual, o local onde se obtém informação necessária para a atividade econômica ligada à produção material, industrial e agrícola. De acordo com Corrêa O desenvolvimento de novas funções urbanas, criadas por grupos locais ou regionais ou por interesses extra-regionais, suscita o aumento demográfico e a multiplicação de novas atividades não-básicas ou das já existentes (2007, p. 24). Em consequência disso, teremos a geração de problemas de exclusão socioespacial. Os novos moradores, por possuírem maior poder aquisitivo, passarão a aquecer o mercado local gerando um considerável efeito inflacionário nos preços. Esse aquecimento também se dará no mercado imobiliário, fazendo com que haja o crescimento de atividades especulativas que irão “expulsar” as populações locais e com menor poder aquisitivo. Este fato gera, também, uma maior valorização das casas e terrenos no entorno da UFRB, além do surgimento de novos serviços. Por isso, Lefebvre afirma A construção (privada ou pública) proporcionou e ainda proporciona lucros superiores à média. A especulação não entra nesse cálculo, mas superpõe-se a ele, nela e por ela, através de 131 uma mediação – o espaço – o dinheiro produz dinheiro (2008, p. 118). Portanto, é necessário que se levem em consideração as implicações quando da inserção de formas novas ou renovadas em um determinado espaço do qual essas formas não sejam originárias. O caráter da estrutura urbana das cidades em questão não pode ser esquecido, como as características de suas populações, as atividades específicas que aí se desenvolvem. Lembramos que no final do ano de 2011 os alunos da UFRB paralisaram as aulas cobrando ações das autoridades competentes quanto à ampliação das vagas nas residências universitárias, bem como melhoria nos serviços da universidade. Não se busca, nesta reflexão, realizar uma crítica à expansão das Instituições de Ensino Superior na Bahia, sobretudo nas cidades do interior. Porém nosso intuito busca um caminho de pensar as consequências da presença de uma instituição federal desse porte nestas cidades, visto que a estrutura da UFRB, principalmente no quesito residências universitárias, deixa muito a desejar, o que leva os estudantes a procurarem e terem apenas como opção o aluguel de imóveis para sua moradia. Santos destacou o papel que as universidades exercem em cidades pequenas e médias referente à criação de novos serviços e consumo dirigido, além da dinamização no mercado imobiliário da cidade devido ao fluxo de professores, funcionários e estudantes. Para o autor, “todas as obras governamentais relacionadas com os serviços públicos da cidade nela estimulam, indiretamente, novas criações” (SANTOS, 2008, p. 112). O autor cita alguns exemplos em Guadalajara, no México, quando foi instalada uma universidade que provocou um deslocamento de estudantes e das suas famílias para a cidade gerando um aumento de investimentos na construção civil. A instalação desses novos objetos é dotada de conteúdo e finalidade. As formas, na atualidade, são providas de força para criar ou determinar relacionamentos e, como afirma Santos: “As coisas adquiriram um tipo de poder que nunca haviam possuído anteriormente” (2003, p. 188). O que há de novo no processo de especulação imobiliária após a chegada da UFRB e que estamos denominando de reestruturação urbana é a localização desses novos processos na cidade, que agora não se restringem mais ao centro da cidade, mas avançam sobre áreas periféricas, que antes eram consideradas de população de baixa renda, e que, devido à instalação de novas formas-conteúdo, são valorizadas. O aumento do valor da terra e das construções nestas áreas urbanas periféricas é muito marcante nas 132 cidades de Santo Antônio de Jesus e Cruz das Almas. Esta nova relação centro e periferia também é uma vinculação e um indicativo da presença dos novos processos de urbanização contemporânea. Segundo dados da Pró-Reitoria de Assistência Estudantil e da Pró- Reitoria de Graduação da UFRB, no ano de 2010, dos 9.991 matriculados na universidade, 53% eram oriundos de Salvador, Feira de Santana e outras cidades da Bahia, que não compõem o que se denomina, atualmente, como Recôncavo; 5% dos estudantes eram de outros estados do Brasil. Logo, esses dados indicam um crescimento da demanda por moradia que vem atingindo as cidades que possuem um campus da UFRB. Quadro 1. ORIGEM DOS ESTUDANTES DA UFRB ORIGEM PERCENTUAL Salvador e Feira de Santana 30% Cidades Sede da UFRB 26% Outras cidades da Bahia 23% Cidades do Recôncavo 15% Cidades de outros Estados 5% Fonte: Propae, 2010 Fonte: Relatório Anual da UFRB, 2010. Diante do crescimento que se pode observar no número de alunos matriculados, nota-se que a demanda por imóveis no mercado locacional tenderá a aumentar consideravelmente nos próximos anos. Apesar de 15% da população estudantil do UFRB serem provenientes das cidades do Recôncavo, durante as pesquisas se verificou é que boa parte desses estudantes estabeleceu moradia nas cidades sedes da universidade. 133 Além dessa demanda estudantil, não podemos deixar de considerar a presença dos professores, que também fazem parte da demanda que a comunidade universitária exerce no mercado imobiliário, seja através da compra de imóveis, seja pelo aluguel em determinados dias da semana ou mensal. Destacamos que muitos professores não têm residência fixa nas cidades sede dos campi. Quadro 2. PROFESSORES DA UFRB CENTRO Graduação Especialização Mestrado Doutorado Total de Docentes 100 51 49 CAHL – Cachoeira 29 100 131 CCAAB – 02 Cruz das Almas 05 68 26 101 CCS – 02 Santo Antônio de Jesus 40 33 76 CETEC – 03 Cruz das Almas 02 71 28 101 CFP – Amargosa TOTAL 07 07 259 236 509 Fonte: Relatório Anual da UFRB, 2010. Em 2010, segundo dados da Pró-Reitoria de Graduação, a universidade contava com um total de 509 professores distribuídos pelos seus quatro campi, sendo que a maioria deles, cerca de 97%, com mestrado e/ou doutorado, o que nos leva a concordar com a ideia apresentada pela autora acima, segundo o edital do último concurso para o provimento de cargos da UFRB, os salários dos professores variam entre R$ 4.651,58 (professor Assistente) e R$ 7.333,66 (professor Adjunto). De fato, cada vez mais as cidades sede de um campus universitário, além de produzirem conhecimento científico, tornam-se cada vez mais espaços de moradia de um segmento com maior poder aquisitivo (neste caso, os professores). Já os funcionários do quadro técnicoadministrativo, segundo o edital do concurso público, aberto em fevereiro de 2012, possuem salário inicial de R$ 1.821,33 (cargo de nível médio) e os que possuem nível superior têm um salário inicial de R$ 2.989,33. 134 Se considerarmos a realidade da população em geral, segundo dados do IBGE (2010), a renda média da população em Cruz das Almas é de R$ 541,45; em Santo Antônio de Jesus chega a R$ 538,60; e em Cachoeira é de R$ 414,07. A presença desse novo grupo social, sobretudo os professores, destoa da renda média da população destas cidades de uma forma geral. Sposito já havia atentado para a presença de novos segmentos sociais com uma maior remuneração nas cidades médias. O aumento do mercado de trabalho para aqueles que têm melhor formação intelectual e profissional significa, para essas cidades, uma ampliação da capacidade de consumo em seu mercado, nesse caso definido na escala local, tendo em vista que são, agora, lugar de moradia de segmentos socioeconômicos de maior poder aquisitivo (SPOSITO, 2006, p. 630-631). O valor médio gasto em sua manutenção nestas cidades é de R$ 500,00 mensais aproximadamente, o que supera a renda média da população de Cachoeira e se aproxima bastante das outras cidades citadas. Estes dados referentes aos gastos dos estudantes foram levantados em nossas pesquisas de campo entre 2009 e 2011. Outro ponto que merece destaque é o aumento do número das denominadas “lan house” nas cidades, sendo este um dos serviços mais utilizados pelos estudantes da UFRB, juntamente com os mercadinhos. As “lan house” são procuradas com diversas finalidades, entre as quais conversar com familiares e amigos que ficaram na cidade de origem dos estudantes de fora, mas a principal função desses espaços para os estudantes é a realização de trabalhos da própria universidade, impressão, cópias, encadernação e a compra de objetos de pequeno porte, tais como canetas, lápis, cadernos. Na realidade, o que observamos em nossas pesquisas é que os proprietários destes negócios, não grandes empreendedores tampouco esses comércios, em geral, oferecem uma boa infraestrutura. Os proprietários são pequenos comerciantes que têm aproveitado a presença dos estudantes para conseguir algum lucro com esta atividade. 3. NOVAS DINÂMICAS RECÔNCAVO NA ECONOMIA DAS CIDADES DO A implantação dos campi UFRB nestas cidades (Santo Antônio de Jesus, Cachoeira e Cruz das Almas) teve como uma das consequências mais imediatas a construção ou refuncionalização de novos objetos geográficos e o desenvolvimento de novas ações no entorno da universidade. Com a instalação da UFRB tem-se registrado 135 uma grande ação especulativa no solo urbano e nos imóveis localizados próximos aos campi. É importante ressaltar que estas ações especulativas não são praticadas somente pelos incorporadores ou grandes proprietários de terrenos ou imóveis, mas têm sido uma prática também da própria população local. Os preços das casas para venda e aluguel, segundo os próprios moradores das cidades, têm aumentado consideravelmente, se comparados ao passado recente, além da construção de pensionatos para atender aos estudantes que se deslocam para as cidades por causa da UFRB, algumas casas inclusive vêm sendo transformadas em pensionatos e os proprietários das casas têm dividido parte da sua casa junto com os estudantes, conforme a Foto 1. Santos entende que a especulação imobiliária (...) deriva, em última análise, da conjugação de dois movimentos convergentes: a superposição de um sítio social ao sítio natural e a disputa entre as atividades e pessoas por uma dada localização. Criam-se sítios sociais, uma vez que o funcionamento da sociedade urbana transforma seletivamente os lugares, afeiçoando-se às suas exigências funcionais. É assim que certos pontos se tornam mais acessíveis, certas artérias mais atrativas e, também, uns e outros, mais valorizados. Por isso são atividades mais dinâmicas que se instalam nessas áreas privilegiadas; quanto aos lugares de residência, a lógica é a mesma, com as pessoas de maiores recursos buscando alojar-se onde lhes pareça mais conveniente, segundo os cânones de cada época, o que também inclui a moda. É desse modo que as diversas parcelas da cidade ganham ou perdem valor ao longo do tempo (SANTOS, 1993, p. 96). Foto 1. PENSIONATO EM CRUZ DAS ALMAS 136 Casa próxima ao campus da UFRB em Cruz das Almas: o andar superior foi transformado em um pensionato. (Fonte: Elissandro de Santana, maio de 2011. Trabalho de Campo). O valor do aluguel de uma casa gira em torno de R$ 300,00 a R$ 500,00, em média, nas cidades de Santo Antônio de Jesus e Cruz das Almas. Em Cachoeira esse valor chega a dobrar para algumas moradias, já que, além da UFRB, toda a cidade passa por um processo de valorização imobiliária com a ação do projeto Monumenta33. Numa hospedaria que verificamos em um dos trabalhos de campo, como é possível observar nas fotografias 2 e 3, o quarto mais barato chega a custar R$ 650,00 mensais, enquanto que o mais caro custa R$ 1.600,00. Lembrando, também, que a preferência do aluguel do imóvel é sempre para os estudantes da UFRB. Nesses imóveis na cidade de Cachoeira os valores pagos incluem serviços como lavanderia, internet banda larga, computador, televisão a cabo e o café da manhã. 33 Segundo o sítio na internet do Ministério da Cultura, este programa “atua em cidades históricas protegidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Sua proposta é de agir de forma integrada em cada um desses locais, promovendo obras de restauração e recuperação dos bens tombados e edificações localizadas nas áreas de projeto”. Duas pesquisadoras do grupo CiTePlan – UFBA, Celestino (2011) e Bittencourt (2011), estão problematizando o Programa Monumenta em suas pesquisas, por isso não aprofundaremos essas questões neste momento, além de não ser o objetivo dessa pesquisa. 137 Foto 2. Propaganda de pensionato em Cachoeira Cartaz com o valor dos aluguéis em Cachoeira Foto 3. Pensionato em Cachoeira Pensionato em Cachoeira para estudantes. No que diz respeito à morfologia das cidades, notamos uma alteração, em algumas delas, Santo Antônio de Jesus e Cruz das Almas, pois novos prédios são 138 instalados (UFRB, loteamentos fechados) e vão surgindo na paisagem urbana, segundo Capel: “Os aspectos fundamentais do estudo geográfico da morfologia tem sido o plano, os edifícios, os usos do solo e o estudo morfológico integrado das áreas concretas da cidade” (2002, p. 22). Foto 3. Campus de Cachoeira Visão interna do Quarteirão Leite Alves. Trabalho de Campo (2011) Os preços dos aluguéis dos imóveis foi uma reclamação constante nas entrevistas e conversas com os estudantes, que foram considerados exorbitantes – não seria melhor alto – pelos mesmos. Outra constatação foi a falta de infraestrutura das casas e pensionatos alugados para esses estudantes. A foto a seguir ilustra um pouco as condições das casas e que geram essas reclamações por parte da comunidade universitária. Foto 4. Casa que estava sendo alugada para estudantes, próxima à UFRB, pelo valor de R$ 350,00 com 2/4 139 Trabalho de Campo Os preços mensais variam entre R$ 300,00 e R$ 500,00 para as casas com 2 ou 3 quartos na cidade de Santo Antônio de Jesus, conforme a fotografia acima. Muitos estudantes, quando chegaram à cidade, principalmente das primeiras turmas do período de instalação dos cursos, alugavam as casas sozinhos e assumiam individualmente outros custos relacionados à moradia. Entretanto, com a criação de vínculos entre os estudantes decorrentes da sua permanência nos cursos, aumento do número de cursos e alunos, muitos deles vindo das mesmas cidades, bem como pelo próprio interesse financeiro, as moradias passaram a ser coletivas (repúblicas). O que os estudantes destacaram como importante nessa convivência não foi apenas a diminuição nas despesas com habitação e alimentação, mas, também, os vínculos afetivos e as novas amizades estabelecidas, pois estão longe de suas famílias e só retornam para suas cidades de origem nas férias ou em feriados prolongados. Os moradores de Cruz das Almas também constatam o aumento significativo do valor dos imóveis na cidade, conforme nossas pesquisas de campo. Em geral, os estudantes procuram alugar casas ou quartos em pensionatos próximos aos campi. No caso de Santo Antônio de Jesus e Cruz das Almas a universidade está localizada distante das áreas centrais, o que corrobora este fato a discussão que Lefebvre faz na sua obra Espaço e Política. Este autor afirma que o valor de uso no consumo do espaço ainda permanece mesmo no sistema capitalista, mas a tendência é a sua supressão pelo o valor de troca que é valorizado por diversos motivos, entre os quais a distância e o tempo de deslocamento. 140 O comprador também adquire uma distância, a que vincula sua habitação aos lugares: os centros (de comércio, de lazeres, de cultura, de trabalho, de decisão) (…) (LEFEBVRE, 2008, p. 128). O espaço envolve o tempo. Por mais que se ignore, ele não se deixa reduzir. É um tempo social que é produzido e reproduzido através do espaço (LEFEBVRE, 2008, 129). Os estudantes que não conseguem alugar casas ou quartos próximos à UFRB precisam pagar todos os dias pelos serviços de moto-táxi (meio de transporte muito utilizado em Santo Antônio de Jesus, Cruz das Almas e Amargosa), cujos condutores cobram um preço mais elevado pelo trajeto até a universidade. As cidades estudadas não possuem sistema de transporte público coletivo. Aliás, este é um grande problema não só para os estudantes, mas, também, para a população da cidade de Santo Antônio de Jesus, que já possui quase 90.000 habitantes e não possui transporte público coletivo. Sobre o processo de valorização do espaço, é importante destacar a localização do campus da UFRB em Santo Antônio de Jesus. A cidade já possuía um campus universitário da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), que se localiza próximo ao centro. Mapa 2. Planta da cidade de Santo Antônio de Jesus Fonte: Mota, 2009 Através do mapa acima é possível localizar a UFRB numa área próxima à zona rural do município de Santo Antônio de Jesus. A sua localização tem implicado um processo de valorização do espaço urbano com a ampliação de “vazios urbanos”, 141 problema este que a cidade já vem enfrentando independente da universidade. Alguns terrenos próximos à universidade e até mesmo alguns imóveis já chegam a custar cerca de R$ 70.000,00 valor que segundo os moradores não era praticado antes da instalação do campus. Também na cidade de Santo Antônio de Jesus, além desse processo especulativo que temos verificado no bairro do Cajueiro, tivemos conhecimento, durante as nossas pesquisas de campo e documentais, de um fato que contradiz a proposta inicial da criação da UFRB, que seria de uma “arregimentação comunitária”. O espaço que o Centro de Ciências da Saúde ocupa atualmente seria utilizado para a expansão do Campus V da UNEB, destinação de uso que já vinha sendo construída com a comunidade de Santo Antônio de Jesus, justamente a partir das carências que a população verificava quanto à oferta de ensino superior. A expansão da Uneb também visava dotar o Campus V de uma nova e melhor infraestrutura física, pois as instalações atuais não comportam mais a grande demanda. Essa expansão levaria para o local, além da universidade, um Jardim Zoobotânico que seria implantado nos arredores, visto que esta área é uma Unidade de Preservação Permanente. O projeto de concessão do terreno já tinha tramitado na Câmara dos Vereadores e tinha o apoio da sociedade regional da ACISAL (Associação Comercial de Santo Antônio de Jesus) e da Diretoria de Defesa Florestal do Estado (DDF). A implantação da Vila Universitária tinha o início da sua construção prevista para 2005, mas nunca saiu do papel. O diagnóstico realizado pela prefeitura do município de Santo Antônio de Jesus, na elaboração do Plano Diretor Urbano, já identificava uma descontinuidade no uso do solo urbano da cidade, o que estava gerando um forte processo de especulação imobiliária, devido aos vazios urbanos. Mesmo com a existência dos vazios urbanos, a opção pela instalação do campus da UFRB em área descontínua é utilizada como uma estratégia de valorização dos agentes imobiliários, entre eles as construtoras e proprietários de terras urbanas. Quando existe uma descontinuidade na ocupação da cidade, os poderes públicos precisam dotar estas áreas que estão recebendo os novos equipamentos ou casas de infraestrutura mínima. A UFRB foi implantada, como citado, no bairro do Cajueiro, em SAJ, que tem passado pelo processo de especulação, atualmente forte, devido à presença da 142 universidade. Reafirmamos que a novidade nesse processo é a existência de uma forte especulação imobiliária, que denominamos de reestruturação urbana, na periferia de uma cidade média, em áreas já próximas à zona rural. Já na cidade de Cruz das Almas o bairro onde está localizada a universidade é conhecido como Inocoop (conjunto residencial da cidade) e, segundo o Plano Diretor (1999), essa é uma das áreas de expansão urbana. De acordo com Fernandes: Configura-se aí a questão das localizações como agente da produção do espaço, tal como já foi apontado anteriormente, controlando o mecanismo de preços do solo urbano e gerando processos de especulação imobiliária (2009, p. 24). Assim como tem ocorrido em Santo Antônio de Jesus, a presença da universidade no bairro do Inocoop, em Cruz das Almas, provocou o surgimento de serviços voltados ao público universitário, principalmente copiadoras, lanchonetes, “moto táxi” e os pensionatos. Contudo a diferença de Cruz das Almas para Santo Antônio de Jesus é o fato de a UFRB estar localizada mais próxima do centro da cidade e o processo de reestruturação urbana não estar consolidado, já que a própria cidade, apesar de apresentar alguns séricos sofisticados, tais como a Embrapa (Empresa Brasileira de Agropecuária), ainda passa por um processo de estruturação urbana. A expansão do tecido urbano, que está ocorrendo em Santo Antônio de Jesus e em Cruz das Almas, dinamizada pela implantação da UFRB, tem promovido a valorização dessas áreas, antes eram consideradas de população de baixa renda. Devido à instalação de novas formas-conteúdo, estas áreas passam por uma grande valorização. 4. CONCLUSÃO Acompanhar a expansão do mundo urbano para além das metrópoles e das cidades grandes é essencial na compreensão das novas dinâmicas que têm se processado no início da segunda década do século XXI, sobretudo nas cidades médias e pequenas. Talvez os conteúdos urbanos nesses tipos de cidades venham gerando com maior velocidade transformações nesses espaços do que nas próprias metrópoles, sobretudo na ruptura do cotidiano ainda próximo do mundo rural e ampliando as desigualdades sociais nesses espaços não metropolitanos. As transformações que têm ocorrido nas cidades abordadas nesta pesquisa correspondem ao estabelecimento de novas relações nestas cidades, principalmente nos espaços mais próximos aos campi da universidade. No plano do espaço intraurbano 143 notou-se uma maior valorização dos espaços vazios dessas áreas, devido à presença da universidade, além da majoração dos preços dos aluguéis das casas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Propae Informa 2010. Disponível em < www.ufrb.edu.br >. Acesso em 15 de janeiro de 2012. BRASIL. Subsídios para criação e implantação a partir do desmembramento da Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia. Disponível em < www.ufrb.edu.br >. Acesso em 10 de setembro de 2010. 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(Coleção Geografia em Movimento). Santo Antônio de Jesus. Prefeitura: Plano Diretor Municipal (P. D. M.) de Santo Antônio de Jesus. Projeto de Lei nº 016 de 11 de dezembro de 2002. Câmara Municipal de Santo Antônio de Jesus: 2002. 145 EXPLORAÇÕES GEOGRÁFICAS EM CIDADES MÉDIAS: O EXEMPLO DO PROGRAMA HABITACIONAL “MORAR FELIZ” EM CAMPOS GOYTACAZES/RJ Gustavo Bezerra de Brito34 Aline da Fonseca Sá e Silveira35 Artur Leonardo Andrade36 Thiago Jeremias Baptista37 RESUMO: O trabalho em tela aborda as transformações socioespaciais do município de Campos dos Goytacazes a partir das políticas habitacionais forjadas pelo poder público local. Tais transformações merecem atenção especial, visto que sua realização contribui para uma estratificação social desmedida e está diretamente ligada às atividades econômicas que apresentam grande influência regional, corroborando para o entendimento de tal município como cidade média. Para tanto, realizou-se uma caracterização da região Norte Fluminense e do território campista, a fim de evidenciar a área de estudo, seguindo-se dos procedimentos metodológicos e dos referenciais teóricos conceituais acerca da temática das cidades médias. Por fim, abordam-se os resultados parciais obtidos a partir da pesquisa empírica. Palavras-chave: Campos dos Goytacazes, Programa Habitacional, Morar Feliz. 1. CARACTERIZAÇÃO DO RECORTE ESPACIAL Banhada pelo Oceano Atlântico ao Leste e ao Sul, a Região Norte Fluminense (Figura 1) abrange a porção setentrional do estado do Rio de Janeiro, cuja extensão corresponde a quase um quarto do território fluminense, sendo constituída por nove municípios: São Fidelis, Cardoso Moreira, São Francisco de Itabapoana, São João da Barra, Quissamã, Carapebus, Conceição de Macabu, Campos dos Goytacazes e Macaé. Figura 1: Estado do Rio de Janeiro: Regiões de governo e municípios 2014 34 Graduando em Geografia/UERJ. [email protected] Mestre em Geografia PPGEO/UERJ. [email protected] 36 Mestrando em Geografia PPGEO/UERJ. [email protected] 37 Mestrando em Geografia PPGEO/UERJ. [email protected] 35 146 Fonte: www.ceperj.com – Acesso em: 14 abr. 2014. Entre as diversas regiões que compõem o interior fluminense, a aludido recorte regional destaca-se não somente pela extensão de sua configuração territorial, mas também pela representatividade na economia do estado do Rio de Janeiro. Com efeito, o Norte Fluminense participa com aproximadamente 25% do Produto Interno Bruto (PIB) estadual, sendo, antecedido somente pela Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). Como consequência da derrocada da economia canavieira e das usinas sulcoalcooleiras as atividades industriais contribuem para a nova estrutura produtiva, onde predominam as atividades extrativas minerais, com destaque para o setor petrolífero. “Devemos registrar que, com a produção de petróleo, a região Norte ostenta um produto interno bruto próximo a R$ 80 bilhões38” (SILVA, 2012, p. 115), o que na escala estadual é superado apenas pelo PIB metropolitano (R$ 188 bilhões). Portanto, em decorrência da reconfiguração econômica regional assistida na porção setentrional do estado, a indústria permanece como carro-chefe da região Norte Fluminense, conduzindo reestruturações territoriais e produtivas àqueles municípios que compõe seu recorte espacial dada implantação de novas atividades produtivas. 38 Segundo Silva (2012) deduzindo o valor da produção da bacia de Campos, o PIB do Norte Fluminense seria tão somente de 9,7 bilhões, isto é, um pouco acima do PIB de toda Região Serrana. 147 A considerável influência econômica do recorte espacial hoje compreendido pelo território fluminense nos períodos colonial e imperial da História do Brasil deve-se a sua inserção primário-exportadora que acompanhou o sistema social movido pelo modo de acumulação agromercantil escravista (MOREIRA, 2014). Seguindo a orientação primário-exportadora fluminense a inserção econômica do que hoje compreendemos como Região Norte Fluminense fundamentou-se nas atividades econômicas primárias, em especial, a produção canavieira. Portella (2010) aponta que a dinâmica econômica local esteve sujeita às crises e às fases de prosperidade do açúcar, ao longo dos últimos 150 anos. Neste contexto, Campos dos Goytacazes ocupou uma centralidade tradicional relacionada ao papel determinante da cana de açúcar na organização do espaço. Entretanto, região na qual o supracitado município está inserido tradicionalmente concentrou a produção agropecuária do estado, fundamentando-se economicamente na produção de cana-de-açúcar, na pecuária leiteira e de corte, assim como na olericultura e produção de algumas frutas assistiu, nos últimos anos, um crescimento econômico significativo devido à extração de petróleo e gás natural na Bacia de Campos. A implantação de novas atividades econômicas na porção setentrional do estado tem promovido o crescimento de atividades dos setores secundário e terciário e conduziu o Norte Fluminense à posição de segunda região na contribuição para o Produto Interno Bruto (PIB) estadual. Com participação de aproximadamente 11% no PIB do estado do Rio de Janeiro, o Norte do Fluminense vivenciou processos de reestruturação produtiva e de reconfiguração econômica regional. Acompanhando estes processos o município de Campos dos Goytacazes assistiu significativas transformações socioeconômicas no seu território concentrando parte expressiva da mão de obra envolvida nas atividades petrolíferas, assim como centros de ensino e de formação de mão de obra qualificada que são absorvidos pelas atividades extrativas. Não somente as suas dimensões territoriais e populacionais contribuem para que o município se projete com representatividade na Região Norte Fluminense, mas também através de sua expressiva contribuição para o PIB regional e estadual, em especial com as atividades atreladas à indústria extrativa (MARAFON et al 2011, OLIVEIRA, 2008; SILVA, 2012). O município que até a década de 1990 teve como 148 base de sua economia a atividade canavieira, assistiu a partir da implantação de atividades extrativas petrolíferas uma reconfiguração econômica e um processo recente de reestruturação territorial. Marafon et al (2011) aponta que concentrando grande parte das atividades econômicas e diferentes tipos de serviços urbanos Campos Goytacazes é o principal centro polarizador das regiões Norte e Noroeste Fluminense. Distante da metrópole fluminense em cerca de 300 km, o principal acesso entre à cidade do Rio de Janeiro e a cidade de Campos é feito pelo nodal rodoviário, sendo a rodovia federal BR 101 (Rodovia Governador Mario Covas) a principal via de acesso (Figura 2). Apresentando distintas variações espaciais entre os municípios do Norte Fluminense em função de sua dimensão territorial, Campos dos Goytacazes tem como outro acesso rodoviário importante a RJ-216, na direção do litoral, que presta serviços fundamentais para as bases de apoio à exploração de petróleo na plataforma continental. Figura 2: Rodovia Federal BR 101 – Rio-Campos Fonte: https://www.google.com.br/maps - Acesso em 02.122014 Importantes eixos ferroviários como as estradas de ferro Rio-Vitória e CamposRecreio (MG), cruzam o território do Município compondo a rede de transportes terrestres do território Goytacazes. A rede de transportes evidencia as transformações pelas quais a região e o município estão passando, assim como a demanda do estado fluminense por novos fixos em suas bases infraestruturais de sistema de transportes a fim de atender a reestruturação pela qual passa o Norte Fluminense. Entre as marcas 149 deste processo impressas na paisagem nota-se a realização das obras de duplicação de trechos da Rodovia Governador Mario Covas e modernização do aeroporto de Campos dos Goytacazes. Marcado por expressivas assimetrias, o território fluminense guarda em seus limites as desigualdades regionais e disparidades socioespaciais, econômicas e produtivas. O recorte espacial compreendido pelo estado do Rio de Janeiro é marcado pela existência de disparidades entre a RMRJ e o interior fluminense (SILVA, 2012). O interior fluminense possui uma dinâmica econômica bem menos diversificada e base produtiva mais estreita que a metropolitana. Correspondendo a aproximadamente 43% do PIB estadual, as maiores participações no produto estadual advêm das atividades primárias e secundárias. Espaço por excelência da agropecuária fluminense, o interior do estado responde por 95% do produto interno deste setor, enquanto que a indústria e o setor terciário correspondem, respectivamente, a 65,4% e 19,2%. Pode-se compreender, portanto, que no interior do estado do Rio de Janeiro a indústria é o carrochefe das economias regionais que o compõe (SILVA, 2102). Inserida no que estamos aqui denominando de interior fluminense, a região Norte Fluminense, assim como as demais regiões que compõem esse recorte espacial interiorano, vem apresentando uma trajetória modernizante dada pela reestruturação de setores e atividades tradicionais em decorrência da implantação de novas atividades produtivas. O Norte Fluminense é uma das regiões mais industrializadas do interior do aludido estado, sendo a sua produção significativamente marcada pelas atividades extrativas, o que não impede reconhecer outras atividades industriais com componentes dessa economia regional. Nas últimas duas décadas, os investimentos realizados no Norte Fluminense concentram-se acentuadamente no município de Campos dos Goytacazes. Entre os setores, os destaques estão nas indústrias de minerais não metálicos, de alimentos e petroquímica, estando presentes também investimentos em atividades do setor automotivo, bebidas, farmacêutico, eletroeletrônico, metalurgia e de produtos alimentares. A implantação de novas atividades produtivas contribuiu para um processo de reorientação das taxas de crescimento populacional no estado do Rio de Janeiro. 150 Com efeito, a média de crescimento da população interiorana (2,53%) tem superado as encontradas na RMRJ (0,76%), acarretando maiores incrementos populacionais nas cidades médias e centros regionais situados no interior do estado do Rio de Janeiro. Assistindo os reflexos dessas transformações espaciais e produtivas em seu território, Campos dos Goytacazes (Figura 3) é dos municípios que integram a malha municipal da Região Norte Fluminense e vem passando por importantes mudanças econômicas, produtivas e demográficas. Assim como à organização políticoadministrativa dos municípios39 do território fluminense, a divisão distrital campista é conformada por um conjunto de distritos, sendo eles: Campos dos Goytacazes-sede, Travessão, Morangaba, Ibitioca, Morro do Coco, Santo Eduardo, Serrinha, Tocos, Santa Maria, Vila Nova, Dores de Macabu, Santo Amaro, São Sebastião e Mussurepe. A dimensão territorial de Campos dos Goytacazes compreende 4.026,7 de km² contribuindo para que seja o maior município em extensão territorial do estado do Rio de Janeiro e ocupe 41,56% da área do Norte Fluminense. Com efeito, o referido município estabelece limites territoriais com um conjunto de municípios da porção setentrional do aludido estado, sendo estes: São João da Barra, São Francisco de Itabapoana, Cardoso Moreira, Bom Jesus de Itabapoana, Conceição de Macabu e Santa Maria Madalena. Tendo seu território divido ao Norte e ao Sul pelo baixo curso do Rio Paraíba do Sul, o supracitado município ocupa uma extensa porção da planície litorânea da baixada campista. Sua geomorfologia é marcada por relevo predominantemente plano com suaves ondulações, onde a sedimentação quaternária flúvio-marinha arremata os aspectos geológicos. Campos dos Goytacazes está submetida à influência do clima Tropical Úmido; as altas temperaturas e elevadas pluviosidades compõem o seu quadro natural. 39 Com exceção do município do Rio de Janeiro. 151 Figura 3: Localização do Município de Campos dos Goytacazes Fonte: http://cidades.ibge.gov.br/painel/ (Acesso em: 24.01. 2014). Diante desse quadro, podemos constatar que a região Norte Fluminense, em especial Campos, vem passando por fortes transformações no que diz respeito aos seus parâmetros socioeconômicos e seu peso na economia do estado. De forma que, os estudos que tem o município como recorte espacial, buscam elucidar exemplos e por em pauta políticas públicas que, por muitas vezes, são segregadoras em sua própria formulação. Assim, políticas de habitação, tais como o Morar Feliz, podem ser trazidas a luz da geografia a fim de abrir espaço para discussões sobre como a forma de governar um determinado município – no caso deste trabalho, Campos – pode interferir no importante aspecto da vida de seus cidadãos: o lugar onde vive. 2. Procedimentos Metodológicos O município de Campos dos Goytacazes apresenta particularidades que impelem o vigor investigativo e a compreensão das transformações espaciais ocorridas por conta 152 da intensa atividade econômica gerada também, e principalmente, pela bacia petrolífera existente que, como mencionado anteriormente, corresponde pela geração de mais de 80% da produção nacional de petróleo. Ademais, a conjuntura política local conduz a uma compreensão singular de determinados acontecimentos neste município. Diante deste cenário, elaborou-se um breve projeto de pesquisa que tem por objetivo compreender as transformações ocorridas no espaço urbano no município em destaque, com especial atenção à política habitacional imposta pelos governantes locais que interferem sobremaneira na dinâmica campista. Secundariamente, porém não menos importante, contemplar-se-á as dimensões econômicas e sociais inseridas nos termos do desenvolvimento regional. Para tanto, debruçou-se sobre as peculiaridades das cidades médias, traçou-se os principais agentes sociais envolvidos e planos de (re)conhecimento dos diferentes espaços foram esboçados e executados numa imersão empírica que totalizou 3 dias. É mister dizer que os agentes sociais foram definidos diante da participação e dedicação no entendimento das transformações espaciais, como proposta do objetivo deste trabalho. Quando no momento das entrevistas in loco, as pessoas entrevistadas foram selecionadas probabilisticamente, o que proporcionou uma visão holística dos acontecimentos locais e rica em perspectivas. Destacam-se, antecipadamente, os principais entrevistados, assim como outros colaboradores, que face sua escolha preferiram não se identificar; quais sejam aqueles identificáveis: - Prof. Dr. Marcos Antonio Pedlowski, professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) desde 1998, dedica-se às transformações do espaço urbano em Campos dos Goytacazes, bem como questões diversas diante dos assentados pela reforma agrária – as condições de permanência e o grande número de desistentes. Possui projetos que analisam os impactos socioambientais em paisagens costeiras do Norte Fluminense associados à construção de megaempreendimentos portuários, dentre outros; - Prof. Dr. Linovaldo Miranda Lemos, professor e coordenador adjunto da Licenciatura em Geografia do Instituto Federal Fluminense (IFF), Campus Campos-Centro desde 1994. Coordena projetos que visam compreender as dinâmicas territoriais no estado do Rio de Janeiro, a partir dos anos 1970, com enfoque à região Norte Fluminense. Produziu densa literatura sobre a logística 153 portuária, destacando-se as transformações territoriais a partir do Porto do Açu e o seu “viés” desenvolvimentista; - Prof. Msc. Wedson Felipe Cabral Pacheco, professor do pré-vestibular da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) desde 2009 e professor do Instituto Federal Fluminense (IFF), Campus Campos-Centro desde 2013, neste mesmo ano ingressou como mestrando na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com o objetivo e intensificar as diversas compreensões sobre as metamorfoses no espaço urbano campista. Wedson também é pesquisador colaborador do Projeto Repensando a Habitação Popular, também na cidade de Campos dos Goytacazes; - Dona Inês, moradora do Conjunto Habitacional Morar Feliz, entrevistada baseada nos métodos probabilísticos, mas muito assertiva quanto ao conteúdo do seu depoimento. Diante do exposto, é importante salientar a importância do Programa Morar Feliz realizado no maior município do Norte Fluminense. Este programa de habitação popular é realizado pela prefeitura de Campos dos Goytacazes e diretamente financiado pelos royalties do petróleo. De acordo com representantes da prefeitura, o projeto contempla famílias que viviam em áreas de risco ou em situação de vulnerabilidade social, como, por exemplo, áreas de alagamento (planícies de inundação) e às margens de rodovias e ferrovias. Atualmente, mais de seis mil famílias foram transplantadas para os conjuntos habitacionais que são compostos por casas de dois quartos, sala cozinha, banheiro e área de serviço, totalizando 34m2. Dados disponibilizados no site da prefeitura afirmam que “O Morar Feliz é um investimento social superior a R$800 milhões que, até 2016, beneficiará mais de 40 mil pessoas. É um dos maiores programas habitacionais do interior do Brasil com a construção de 10 mil casas em duas etapas”. E continua: “Desse total, a Prefeitura de Campos entregou 5.842 moradias, sendo 5.426 na primeira etapa em 14 condomínios e 10 bairros” (Sítio Eletrônico – Prefeitura de Campos dos Goytacazes). Em maio de 2013, o Programa foi premiado com o Selo Mérito 2013 da Associação de Cohabs e agentes públicos de Habitação na categoria 154 Grande Impacto Regional. Porém, as entrevistas realizadas mostram uma realidade distinta da relatada no site da Prefeitura (Figura 4). Figura 4: Segunda etapa do Programa Morar Feliz em construção Fonte: http://expressorj.com.br/wp-content/uploads/2014/02/photos-680x365.jpg 3. Conceito de cidade média: uma breve apresentação a partir das contribuições de Corrêa, Sposito, Santos & Silveira O texto de Roberto Lobato Corrêa, apresentado na conferência de abertura do Simpósio Internacional “Cidades Médias: produção do espaço e dinâmicas econômicas”, em 2006, aponta para uma correlação intrínseca da geografia, em especial a geografia urbana, nos estudos das cidades médias. Sua abordagem clara e frontal resulta numa discussão séria sobre a problemática do arcabouço teórico do conceito em debate. Dessa forma, uma análise preliminar sobre as questões levantadas faz-se necessária quando nos propomos a realizar uma pesquisa que trata do tema. Logo, para dar um panorama geral das cidades médias, é importante salientar, antes, que esses espaços urbanos apresentam um campo rico, porém pouco estudado pela geografia. Portanto, o desenvolvimento de elaborações teóricas mais aprofundadas é o impulso para uma melhor compreensão do conceito de cidade média. Assim, é importante frisar que, para construirmos um bom objeto de pesquisa, primeiro temos que conhecê-lo em quase todas as suas nuances. Podemos dizer, então, que as cidades 155 médias se apresentam como um desafio laborioso e concreto no que diz respeito aos estudos na temática da geografia urbana. Tendo isso em mente, podemos traçar uma ponte inicial entre o que é concebido por cidade média na literatura, partindo da contribuição de Lobato Corrêa: “trata-se de discutir uma expressão vaga, aberta a significados e impregnada do idealismo que a concebe como um ideal a ser alcançado, apresentando as vantagens da pequena cidade sem ter, contudo, as desvantagens das grandes” (2006, p. 23). Até mesmo pelo significado que o termo carrega, a ideia de cidades médias, num contexto de um mundo articulado e fragmentado, denota o que, para a maioria, seria considerado um local ideal onde se viver. Significa dizer que elas funcionariam num equilíbrio entre o que é idealizado quando falamos de cidades pequenas e de cidades grandes. A oferta de diversos tipos de serviços, empregos, entretenimentos e facilidades geradas no convívio de uma cidade grande seriam associados às vantagens romanescas de uma cidade pequena: tranquilidade, menores preços, maior segurança, entre outras amenidades, compondo uma alternativa aos preços exorbitantes e ao estresse das cidades grandes e à falta de opções característica às pequenas cidades. É claro que a busca por um lugar com amenidades para se viver e a pretensão por uma cidade ideal não são os principais aspectos para pesquisa, mas acabam se tornando fatores importantes na equação do desenvolvimento das cidades médias. Ainda nessa perspectiva, há de se levar em conta três características importantes e particulares quando queremos falar de cidades médias: tamanho demográfico, funções urbanas e organização de seu espaço intra-urbano. (CORRÊA. 2006, p. 24). Seguindo essa linha de pensamento, entendemos que a combinação dessas características, trazendo-as à luz da geografia, na construção de um objeto de estudo válido como cidade média, é extremamente relevante. O tamanho demográfico, usualmente utilizado como primeira categoria de análise de uma cidade média, nessa relação evidente entre as características do espaço intra-urbano e as funções urbanas, é o fator que mais se destaca. Ele envolve a cidade e seu espaço de atuação, possibilitando maior ou menor desenvolvimento das funções urbanas ou atividades básicas (direcionadas essencialmente para fora da cidade) e de atividades não-básicas (voltadas para o consumo da própria cidade). Da mesma forma que o contrário se realiza: o desenvolvimento de novas funções urbanas, criadas de diversas formas, suscita o aumento demográfico e a multiplicação de novas atividades. 156 Nesse contexto, faz sentido uma pequena reflexão de Corrêa, a qual discorre sobre a relação combinada do tamanho demográfico e o espaço intra-urbano: Quanto maior o tamanho demográfico, maior será a dimensão do espaço intra-urbano, expressa pela distância entre o centro e a periferia da cidade, assim como mais complexa será a organização desse espaço intra-urbano (CORRÊA, 2006, p. 24). E prossegue: Maior o tamanho demográfico e mais complexas as atividades econômicas, suscitando maior fragmentação do tecido social, mais complexa será a projeção espacial das classes sociais e suas frações, gerando uma mais complexa divisão social do espaço, com áreas sociais mais diferenciadas (CORRÊA, 2006, p. 24). Assim sendo, há uma nítida relação entre o tamanho demográfico e as atividades econômicas, sobretudo no tocante às funções urbanas. De forma que a combinação dessas características tem reflexos diretos e indiretos nas peculiaridades que o conceito de cidade média traz embutido em si. O que nos leva diretamente à concepção proposta por Milton Santos e María Laura Silveira (2001), para quem a peculiaridade das cidades médias – junto às pequenas - reside no fato de constituírem uma “geometria variável”, sendo ressaltada a maneira como essas diferentes cidades entram nas trocas e processos que acontecem entre escalas globais e locais (SANTOS & SILVEIRA, 2001, p. 281). Analisando essa concepção, as cidades médias, tratadas, a partir do século XX, como áreas de crescimento econômico e de recebimento do êxodo urbano – constituído por pessoas que deixaram as grandes cidades em busca de uma diferente realidade –, constituíram-se como espaços onde a densidade técnica e informacional é emergente. Entendemos que, com o desenvolvimento do meio técnico-científicoinformacional, as barreiras para o surgimento de novas realidades espaciais, tais como as cidades médias, foram se esvaindo uma por uma. Dessa forma, é importante destacar que a evolução dos meios de transmissão de informação, o aumento da infraestrutura técnica e dos meios de transporte fazem com que os agentes formadores do espaço urbano vençam distâncias maiores num menor período de tempo. Podemos, então, a partir da concepção de que “as cidades são os pontos de interseção e superposição entre as horizontalidades e as verticalidades” (Santos & Silveira, 2001), iniciar um diálogo com o arcabouço teórico proposto por Maria Sposito (2006, p. 144), que concorda que, no período em que vivemos, “a ampliação das possibilidades de telecomunicação redefinem os papéis das cidades médias e os fluxos 157 que a partir delas e até elas se desenham estabelecidos com cidades próximas e distantes”. Na concepção da autora, as cidades médias são aquelas que desempenham papéis intermediários no campo das redes urbanas. Logo, as mesmas devem ser tratadas numa abordagem interescalar, que leve em consideração escalas de tempo e espaço, sobretudo quando a pesquisa e a utilização do conceito levam em conta as possíveis determinações que o constituem e o redefinem. Entretanto, segundo a autora, no que se refere às cidades médias, estabelecer os recortes para essas escalas é o caminho mais difícil de percorrer, tendo em vista o papel que essas cidades desempenham na divisão socioeconômica do trabalho, que se modifica, cada uma, em diferentes momentos a partir de diferentes decisões em escalas mais amplas. Destarte, é o reconhecimento perspicaz dos recortes – principalmente suas articulações em diferentes áreas – o que assegura a assimilação de relações espaciais, sendo algo mais que somente relações entre diferentes níveis de recorte territorial. Assim, a autora é categórica ao afirmar que “em nenhum outro período da história foram tão amplas essas relações, ampliando a multiplicidade de papéis, que simultaneamente e contraditoriamente, cada lugar desempenha, no sentido da noção de espacialidades múltiplas” (SPOSITO, 206, p. 147). Nesse sentido, as cidades médias que, no passado, desempenhavam um papel hierarquizado em relação às grandes cidades, atualmente se inserem no âmbito de uma rede urbana cada vez mais complexa. Compondo-se basicamente de uma estrutura hierárquica (com seu papel intermediário bem definido), porém com um conjunto de possibilidades de relações com outras cidades em diferentes escalas, acabam tornandose peças importantes em redes de produção, comunicação e infraestrutura. Em outras palavras, mesmo que se mantenha a estrutura ainda forte de relações e fluxos hierárquicos – de uma escala maior para uma menor e vice-versa – é progressiva a presença das cidades médias nas relações e trocas complementares ou competitivas entre cidades pequenas e grandes, superando, por muitas vezes, a estrutura piramidal que comumente é atribuída a essas cidades. Dito isso, alocar o conceito de cidade média num lugar central e ampliar a sua discussão é uma agenda prioritária no campo da geografia urbana. Dessa forma, questões podem ser levantadas e informações a respeito desse tão pouco conhecido 158 objeto de pesquisa podem ser trazidas à tona, enriquecendo o debate e os estudos que tratam da temática. Assim, inserido em uma das regiões mais industrializadas do estado do Rio de Janeiro, o município campista apresenta o maior Produto Interno Bruto (PIB) quando comparado àqueles que integram o Norte Fluminense. Com um PIB de R$ 44,1 milhões (Tabela 1), Campos dos Goytacazes destaca-se tanto pela considerável participação econômica no estado quanto por exercer expressiva centralidade no Norte Fluminense, afirmando-se como um importante centro comercial e de serviços na porção setentrional do estado do Rio de Janeiro (PORTELA, 2010). O município ocupa posição proeminente na referida região por destacar-se com suas bases infraestruturais, serviços, fixos e sistemas de engenharia que viabilizam à Campos a posição de centro regional na hierarquia urbana do Norte Fluminense. Tabela 1: Campos dos Goytacazes: PIB por setores da economia em R$ Setores Economia da Valor em R$ Agropecuária 144.009 Indústria 35.899.588 Serviços 8.097.844 Fonte:http://cidades.ibge.gov.br/painel/economia.php?lang= &codmun=330100&search=rio-de-janeiro|campos-dosgoytacazes|infogr%E1ficos:-despesas-e-receitasor%E7ament%E1rias-e-pib (Acesso em: 24.01.2014) Com seus 480.648 habitantes o município de Campos dos Goytacazes é o mais populoso do Norte Fluminense (Tabela 2) e possui considerável representatividade demográfica na região em que está localizado, pois corresponde a aproximadamente 55% do total da polução do Norte Fluminense, cuja estrutura populacional é representada na Tabela 2. A densidade demográfica é calculada dividindo-se o número da população residente pela área terrestre do município, em Campos dos Goytacazes verifica-se uma população relativa de aproximadamente 115 habitantes por km² (IBGE, 2014). Tabela 2: População do Município de Campos dos Goytacazes 159 Fonte: IBGE – Censo 2010 apud Plano Municipal de Saneamento Básico – Campos dos Goytacazes. – http://www.ceivap.org.br/saneamento/campos/CaracterizacaoMunicipal.pdf - (Acesso em 02.12.2014) Diante do debate brevemente exposto, podemos afirmar que Campos dos Goytacazes se insere no conceito de cidade média, tanto sob a perspectiva de Corrêa, quanto de Santos e Silveira, mas e principalmente sob a ótica contemporânea de Sposito que redefine as funções urbanas e a multiplicidade simultâneas e contraditórias, como no caso da cidade em questão. 4. Resultados Parciais A visita às instituições de ensino superior e ao conjunto habitacional Morar Feliz em Campos dos Goytacazes se mostraram verdadeiras fontes de informações e dados sobre a cidade. De forma que as conversas com os entrevistados traçavam um panorama geral vivido cotidianamente pelo município, ressaltando principalmente aspectos políticos, econômicos, sociais e educacionais. Assim, pôde-se ter certo grau de intimidade com os assuntos pertinentes a pesquisa desenvolvida neste trabalho. Na primeira entrevista, com o Prof. Dr. Marcos Antonio Pedlowski, da UENF, recebemos uma breve explicação sobre a recente política de interiorização do ensino superior, estas geraram claras mudanças em Campos. Foi dito que os jovens campistas devido à baixa renda ingressavam timidamente nos cursos das universidades particulares. A partir daí se deu o subsídio da prefeitura para as universidades particulares, com a renda obtida pelos royalties do petróleo, estimulando o ingresso desses jovens no ensino superior. 160 Em relação a UENF, nos foi dito que muitos alunos vêm de fora, embora seja uma universidade voltada para atender a região. Apesar disso, a visão da comunidade campista é bem distante. Segundo o professor, este fato pode ser atribuído ao ensino básico do município, que é bem fraco. Já no que diz respeito ao corpo discente, a maioria dos professores também vêm de fora da região, dificultando sua permanência e vínculo com a universidade. Sumariamente, há um sentimento de impotência da Universidade em relação ao município, tendo em vista que os problemas socioeconômicos anteriores a criação desta ainda persistem. Reafirmando, dessa forma, a falta de uma boa relação entre a prefeitura e a instituição em questão, que não tem seus projetos de extensão inseridos na dinâmica produtiva e educacional. Ainda nessa perspectiva, a “lógica particular” da família Garotinho no governo de Campos, reitera a tese previamente exposta, de que há uma desconexão entre o governo e a universidade. Além disso, ainda é levado à discussão o fato de nenhuma universidade privada em Campos ter habilitação em licenciatura, em detrimento da especialização de cursos de ensino superior ligados a atividade petrolífera. Contudo, o professor faz ressalvas positivas ao papel “fundamental” que a UENF tem no município, entendendo a sua função de universidade e, ainda com todas as limitações, se mostrando como um marco crucial na “capacitação e formação de capital humano e de investimentos, tanto na cidade como na região”. A partir do exposto, continuamos com as entrevistas dos professores Dr. Linovaldo Miranda Lemos e Msc. Wedson Felipe Cabral Pacheco, ambos do Instituto Federal Fluminense (IFF – Campos). Em primeiro lugar, foram feitos sucintos comentários sobre o contexto político em que Campos se insere, de forma que elucidações foram feitas sobre a permanência da cultura do setor canavieiro e a política oligárquica/paternalista - tão caros ao município. Assim, preparamos o terreno para que pudéssemos discutir o (controverso) projeto de habitação da prefeitura, o Morar Feliz. No tocante ao projeto, de acordo com os professores, fica clara a imperícia da prefeitura em lidar com as populações mais pobres. O Morar Feliz apresenta-se como um projeto de habitação voltado para a população de baixa renda que vive em áreas consideradas de risco e, num primeiro momento, consegue satisfazer os objetivos. Entretanto, segundo os professores, o cadastro é bastante nebuloso, abrindo margem para a tão conhecida “guerra de facções rivais” nas comunidades habitacionais. 161 Ademais, a construção desse tipo de moradia nas áreas mais afastadas do centro da cidade, na visão dos entrevistados, é a mais pura reprodução das favelas (no sentido de se tornarem enclaves sociais), comprovada pela falta de aparelhos lúdicos, culturais e ambientais no projeto. Consequentemente, se reproduz a dificuldade na implementação de uma política que traga consigo a efetivação de uma cidadania plena, modificando a realidade de um segmento tão estigmatizado da sociedade. Já visita ao Conjunto Habitacional Morar Feliz (Figura 4) permitiu o entendimento da política habitacional da cidade de Campos dos Goytacazes a partir da perspectiva de uma moradora – a Dona Inês. Ela nos contou que foi removida de uma área central da cidade para o bairro Novo Eldorado, distante 30 km. Sua antiga casa ficava as margens da ferrovia, mas D. Inês faz questão de reiterar ao longo de toda entrevista que sua casa era de alvenaria, confortável e perto de seu emprego. Atualmente, em Novo Eldorado, a entrevistada relata que precisa caminhar cerca de 30 minutos, até o ponto do ônibus, e mais 40 minutos ou mais no transporte. A casa, conta ela, é “encaixada”, mal dividida, pequena e, em dias de chuva, muitas goteiras aparecem. No entanto, o que mais causa desconforto à D. Inês é a falta de segurança: “a gente não pode ficar na rua depois que anoitece” (entrevista concedida aos autores do trabalho, dia 22.01.15). Esta situação se deu, pois pessoas de lugares distintos foram alocadas num mesmo conjunto habitacional, dentre essas pessoas, facções distintas também foram transplantadas para Novo Eldorado e, agora, têm que conviver num mesmo território – tornando-o extremamente violento. Figura 4: Conjunto Habitacional Morar 162 Foto: Os autores – Janeiro de 2015. Considerações finais A visita ao município de Campos do Goytacazes e, principalmente, o contato com os moradores e pesquisadores locais foi de fundamental importância para nos aproximar da dinâmica socioespacial do lugar, onde se concentra boa parte dos investimentos econômicos da região Norte Fluminense. Percebe-se que o impacto econômico dos investimentos e do crescimento do PIB, ocorridos nas últimas décadas, não foram sentidos pela maior parte da população local. Embora se destaque como um importante polo regional do território fluminense, participando de aproximadamente 9% do PIB do estado do Rio de Janeiro, perdendo apenas para a capital, que concentra mais de 46%, o município apresenta um IDH de 0, 716, estando abaixo de 36 municípios fluminenses. Outro ponto observado, e que deve ser ressaltado, é o papel das instituições de ensino superior (instituto federal, universidades pública e privada) na dinâmica do município, tornando, cada vez mais, Campos do Goytacazes em um centro de ensino e serviços para a região Norte Fluminense. Os cursos inicialmente privilegiavam a linha de pesquisa voltada para produção vegetal e animal, entretanto, nota-se uma crescente preocupação com produção petrolífera. Nas últimas décadas, houve uma restruturação produtiva no município, que passa de destaque na produção nacional de cana-de-açúcar 163 para um dos maiores produtores de petróleo do Brasil. É na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) que se cria o primeiro curso de engenharia de exploração e produção de petróleo do Brasil, em 1993. Os royalties advindos da produção do petróleo alimentam as políticas públicas realizadas pela prefeitura do município campista. O programa de construção de moradias populares Morar Feliz, traz a população provenientes de áreas de risco para áreas distantes (em relação ao centro comercial), com moradias dotadas de pouca infraestrutura. Assim, o que deveria ser uma política transformadora, do ponto de vista sócio-espacial, apresenta-se como uma política populista, sem compromissos sociais, onde somente se percebe, claramente, a reprodução da pobreza. REFERÊNCIAS CORRÊA, R. L. Construindo o conceito de cidade média. In: II Simpósio Internacional “Cidades Médias: Produção do Espaço e Dinâmicas Econômicas”. 2006, Rio de Janeiro. Anais do II Simpósio Internacional “Cidades Médias: Produção do Espaço e Dinâmicas Econômicas”, 2006. MARAFON, G. J. et al. Geografia do estado do Rio de Janeiro: da compreensão do passado aos desafios do presente. Rio de Janeiro, Gramma, 2011. OLIVEIRA, F. J. G. de. Reestruturação Produtiva e Regionalização Econômica do Território Fluminense. São Paulo, Garamond, 2008. Plano Municipal de Saneamento Básico – Campos dos Goytacazes. – http://www.ceivap.org.br/saneamento/campos/Caracterizacao-Municipal.pdf - Acesso em: 02 dez 2014. PORTELLA, E. S. A centralidade de Campos dos Goytacazes: uma análise a partir do Ensino Superior. In. MARAFON, G. J. & RIBEIRO, M. A. (Orgs.) Revisitando o território fluminense III. Rio de Janeiro: Grama, 2010. PREFEITURA DE CAMPOS DOS GOYTACAZES. Portal oficial da prefeitura da cidade de Campos dos Goytacazes. Disponível em: <http://www.campos.rj.gov.br/> (Consulta realizada em 31.01.2015 às 13:08h). RAMIRES, Julio Cesar de Lima; PESSÔA, Vera Lúcia Salazar (Org.). Geografia e Pesquisa Qualitativa: nas Trilhas da Investigação. Uberlândia: Assis, 2009. 164 SANTOS, M. & SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Record, 2008. SILVA, R. D. Indústria e desenvolvimento regional no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FGV, Editora, 2012. SPOSITO, M. E. B. O desafio metodológico da abordagem interescalar no estudo de cidades médias no mundo contemporâneo. Revista CIDADES, v. 3, n. 5, 2006, p. 143157. 165 CIDADE MÉDIA, DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS E EXPANSÃO URBANA: ANÁLISES DA MICRORREGIÃO DE ITUIUTABA (MG) Hélio Carlos Miranda de Oliveira40 Resumo: objetivo geral investigar deste texto é analisar expansão urbana e as desigualdades socioespaciais das seis cidades da Microrregião Geográfica (MRG) de Ituiutaba (MG), a partir da avaliação da atuação do Estado e dos agentes econômicos responsáveis pela restruturação urbana desta região na última década do século XX e primeira do século XXI. A hipótese central é que a expansão espacial das cidades foi acompanhada da intensificação das desigualdades socioespaciais, principalmente nas áreas periféricas, surgindo tanto áreas com significativa valorização imobiliária, quanto com precária infraestrutura urbana. Palavras-chave: expansão urbana, desigualdade socioespacial, Microrregião de Ituiutaba (MG). 1. Introdução: A análise do fato urbano sempre esteve ligada à compreensão do processo de urbanização, que, por sua vez, tem como produto socioespacial a cidade. Para entender a relação cidade-urbanização, deve-se remeter, mesmo que sucintamente, à sua história. Nesse sentido, é necessário enfocar as articulações entre espaço e tempo para depreender o processo de urbanização, principalmente por se tratar de um fenômeno socioespacial fruto da divisão social do trabalho ao modo capitalista de produção. Sposito (2004) afirma que é preciso realizar esforços analíticos na tentativa de positivista que outorga as análises espaciais à Geografia e as temporais à História. Não diferente, Castells (2006) destaca a necessidade da periodização para a compreensão e análise do processo de urbanização, através da associação entre a linearidade do tempo e a sinuosidade dos fatos, considerando, para isso, [...] “a produção das formas espaciais da estrutura social de base” (CASTELLS, 2006, p. 36). 40 Pesquisador do Observatório das Cidades e da ReCiMe – Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias. Professor da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: [email protected]. Apoio financeiro: FAPEMIG - Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais; CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. 166 É imprescindível analisar a urbanização como resultado de um processo histórico, pois, como indica Santos (1988), as ações e os objetos geográficos (fixos, sistemas de engenharias, fluxos de relações e conteúdos sociais) são responsáveis pela configuração territorial e pelas paisagens de uma época, de forma que mudanças espaciais raramente eliminam, de uma única vez, as marcas materiais do passado, formando o que o autor denominou de rugosidades do espaço (SANTOS, 2002). Nesse sentido, ele propõe o exame da urbanização do território a partir da empiricização do espaço e do tempo em conjunto, o que somente é possível com a periodização da análise. Nas palavras do autor, “É através do significado particular, específico, de cada segmento do tempo, que apreendemos o valor de cada coisa num dado momento” (SANTOS, 1988, p. 83). Ele ainda completa afirmando que “a periodização é indispensável para que, no trabalho de empiricização das categorias, não nos escape o problema de mudança de valor de cada variável segundo os momentos” (SANTOS, 1988, p. 114). Cabe pontuar que neste trabalho a urbanização é entendida como um processo complexo capaz de conjugar, harmonicamente ou não, a sucessão e o descompasso, a sincronia e a arritima, gerando o fato concreto da urbanização, o produto material, a cidade. Nesse sentido, Castells (2006) propõe que a urbanização seja entendida como um processo que se refere tanto à criação de formas espaciais, principalmente em função da concentração de atividades e pessoas em um único espaço, quanto à presença e difusão de uma cultura formada por hábitos e costumes característicos da vida urbana. A urbanização torna-se, então, a produção social de formas espaciais, que, segundo Castells (2006, p. 47), [...] refere-se ao processo pelo qual uma proporção significativamente importante da população de uma sociedade concentra-se sobre um certo espaço, onde se constituem aglomerados funcionais e socialmente dependentes do ponto de vista interno, e numa relação de articulação hierarquizada (rede urbana). Diante do exposto, entender o processo de urbanização e as dinâmicas urbanas de uma parte do território brasileiro é foco deste trabalho. Para isso, propõe-se como objetivo geral investigar deste texto é analisar expansão urbana e as desigualdades socioespaciais das seis cidades da Microrregião Geográfica (MRG) de Ituiutaba (MG), a partir da avaliação da atuação do Estado e dos agentes econômicos responsáveis pela restruturação urbana desta região na última década do século XX e primeira do século XXI. A hipótese central é que a expansão espacial das cidades foi acompanhada da intensificação das desigualdades socioespaciais, principalmente nas áreas periféricas, 167 surgindo tanto áreas com significativa valorização imobiliária, quanto com precária infraestrutura urbana. Para alcançar o objetivo proposto este trabalho se alicerçou na interface entre o teórico e o empírico, buscando entender como as discussões apontadas por Soja (1993) e de Sposito (2004, 2007, 2007a) sobre a reestruturação urbana são percebidas na MRG de Ituiutaba (MG), em particular sobre as formas urbanas e as diferentes condições socioeconômicas existentes nas cidades e suas desigualdades socioespaciais. Nesse sentido, os procedimentos metodológicos se organizam em duas etapas, uma referente à expansão das cidades e suas formas urbanas e outra referente aos indicadores de desigualdade socioespacial: i) Sobre a forma urbana e expansão da cidade foram adotados os seguintes procedimentos metodológicos: a) levantamento de documentos oficiais referentes às leis de criação dos bairros das cidades; b) pesquisa de campo para tipificação dos bairros das cidades em loteamentos ou conjuntos habitacionais; c) elaboração do mapa de expansão urbana por décadas de Ituiutaba; d) identificação dos agentes responsáveis pela produção espacial das novas formas das cidades; e) análise da morfologia urbana. ii) Sobre as desigualdades socioespaciais foram adotados os seguintes procedimentos metodológicos: a) eleição dos indicadores disponíveis nos Dados Agregados por Setor Censitário do IBGE (2000-2010) para mensuração das desigualdades socioespaciais: renda, condição de moradia, tipos de moradias, escolaridade; b) levantamento de dados primários em campo sobre as condições socioeconômica-espacial das cidades; c) levantamento de dados do Cadastro Nacional dos Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE) do IBGE (2010); d) tratamento dos dados e cálculo das classes (frequência) para o total das cidades; e) elaboração dos mapas, por indicadores, para as cidades; f) análise das desigualdades socioespaciais e sua relação com a forma urbana. A seguir, as análises dos resultados da pesquisa. 2. Desigualdades socioespaciais e expansão urbana: análises da MRG de Ituiutaba (MG): 168 O espaço geográfico da MRG de Ituiutaba (MG) foi reelaborado ao longo do tempo para atender as demandas sociais de produção e reprodução da vida humana e do capital a partir da evolução da economia e da sociedade. Nesta região, as exigências impostas pela produção agropecuária foram as responsáveis pelas dinâmicas espaciais e pelos processos urbanos recentes, uma vez que possibilitaram mudanças na estrutura técnica produtiva, nas atividades econômicas predominantes e na organização espacial dos centros urbanos. O primeiro indicador desta transformação é o quantitativo populacional da MRG, o qual revela que a partir de meados da década de 1970 a população passou a se concentrar mais nas cidades do que no campo, como ocorreu em todo o restante do território brasileiro. Em Santa Vitória (MG), existiu crescimento populacional no campo no período de 1950 a 1970, impulsionado pelas atividades agropecuárias, especialmente a produção de arroz, milho e criação de gado bovino de corte e leiteiro; contudo, a partir de 1980, a população rural acompanhou a dinâmica do restante da MRG, que era de redução. É preciso destacar que o crescimento no total de população se deu simultaneamente ao acréscimo da população rural, e que a partir de 1980, quando o campo passou a perder habitantes, o total municipal também diminuiu, mesmo com o aumento da população urbana. É possível concluir que a população oriunda do campo não migrava somente para a sede municipal, mas também para outras cidades da MRG, especialmente para Ituiutaba (MG), que possuía melhor estrutura urbana. Capinópolis (MG) apresentou perdas no campo e na cidade: entre 1960 e 1970 a população urbana diminuiu; entre 1960 e 1980 houve redução no número de habitantes rurais; a conjugação destes fatores implicou na diminuição do número total de habitantes no período de 1960 a 1980, com crescimento somente a partir de 1991. Já Cachoeira Dourada (MG), Gurinhatã (MG) e Ipiaçu (MG), tiveram redução da população rural e, exceto Cachoeira Dourada (MG), houve discreto crescimento da população urbana, o que resultou em um saldo negativo, ou seja, todos os municípios reduziram seus tamanhos populacionais no período de 1970 a 2010. Em contraposição, Ituiutaba (MG) foi o único município que obteve taxas de crescimento positivas no período de 1950 a 2010, mesmo com as fragmentações territoriais e a diminuição da população do campo em virtude da modernização agrícola. 169 Somente entre 1940 e 1950 houve crescimento da população rural, impulsionado pelas lavouras de arroz, como já destacado por Silva (1997), Oliveira (2003) e Mateus (2013). A maior taxa de crescimento da população urbana da MRG aconteceu no período de 1950 a 1960, quanto atingiu 765,37%, com a participação de Ituiutaba (MG), cujo crescimento foi de 541,12%, e de Santa Vitória (MG), com 1.361,99%. Estas altas taxas estão relacionadas à migração da população que trabalhava e vivia no campo para as cidades, em virtude da decadência da exploração de arroz. Silva (1997) aponta que esses migrantes eram, em sua maioria, nordestinos que se mudaram para Ituiutaba (MG) buscando melhores condições de vida através do trabalho nas lavouras de arroz. Nas décadas de 1950 e 1960, os trabalhadores nordestinos chegaram em massa, à procura das novas e promissoras oportunidades que haviam sido anunciadas. Espalharam-se por essa vasta região trazendo seu modo de vida sua linguagem, estabelecendo diferenças, que deram origem a interpretações variadas, gerando explicações, conceitos e preconceitos. (SILVA, 1997, p. 08). Silva (1997) ainda completa, afirmando que: O fluxo entre esses dois locais tornou-se cada vez mais intenso. Os nordestinos chegaram e, muitas matas e invernadas foram transformadas em lavoura mediante o seu trabalho. Não importa em que condições vieram; todos, incondicionalmente, apostavam as suas fichas no trabalho que ia levá-los à prosperidade. A paisagem foi aos poucos sendo transformada e a população do campo vertiginosamente aumentada. (SILVA, 1997, p. 36). Entretanto, a partir da decadência dessa atividade agrícola, a maioria absoluta dos migrantes estabeleceu moradia definitiva nas cidades da MRG, com maior concentração em Ituiutaba (MG), o que resultou em transformações no espaço e nas dinâmicas das cidades. Em relação à Ituiutaba (MG), Silva (1997) narra suas memórias de criança e registra o dinamismo da cidade em decorrência do capital oriundo da agricultura: Marcaram também a memória da criança, as imagens da abundância, espetáculo à mostra nas ruas da cidade. Os enormes barracões de armazéns e beneficiadoras de arroz, as filas de caminhões que aguardavam para descarregar, vinham carregados de arroz, milho ou algodão. Às portas das máquinas de beneficiamento, um tapete amarelo se estendia pelo chão formado pelos grãos de arroz em casca que caíam e eram esquecidos, pois perdiam a importância frente às enormes pilhas que se erguiam no interior do armazém. (SILVA, 1997, p. 10). 170 A significativa migração campo-cidade é explicada por Martine (1990) como sendo resultado do processo de territorialização do capital no campo, que expulsou a mão de obra em função da mecanização e provocou forte êxodo rural, além de aumentar o assalariamento da força de trabalho agrícola, com a população residindo nas cidades. A partir da década de 1970 o processo de urbanização mostrou uma face qualitativamente diferente, já que, pela primeira vez na história moderna do país, as áreas rurais tiveram redução absoluta da população e houve crescimento de algumas cidades, seja territorialmente, seja em número de habitantes. Diante disso, é possível afirmar que o processo de urbanização na MRG foi redimensionado pelos investimentos da modernização agrícola, tendo como marco temporal a década de 1970, momento em que ocorreu a inversão do local predominante de residência da população. Este processo foi discutido por Santos (1993, p. 29-30) na escala nacional: Entre 1940 e 1980, dá-se verdadeira inversão quanto ao lugar de residência da população brasileira. Há meio século atrás (1940), a taxa de urbanização era de 26,35%, em 1980 alcança 68,86%. Nesses quarenta anos, triplica a população total do Brasil, ao passo que a população urbana se multiplica por sete vezes e meia. Hoje, a população brasileira passa dos 77%, ficando quase igual à população total de 1980. Entre 1960 e 1980, a população vivendo nas cidades conhece aumento espetacular: cerca de novos cinquenta milhões de habitantes, isto é, um número quase igual à população total do País em 1950. Somente entre 1970 e 1980, incorpora-se ao contingente demográfico urbano uma massa de gente comparável ao que era a população total urbana de 1960. Já entre 1980 e 1990, enquanto a população total terá crescido 26%, a população urbana deve haver aumentado em mais de 40%, isto é, perto de trinta milhões de pessoas. O efeito do fluxo populacional deu-se sobre a organização do espaço urbano das cidades da MRG e Ituiutaba (MG) foi a que mais se transformou. Até o fim da década de 1970, possuía 31 bairros e loteamentos. O período de maior crescimento da população urbana (década de 1950) foi também o de maior expansão do tecido urbano em uma única década, totalizando 18 bairros e loteamentos, conforme representado no Mapa 01. Vale destacar que, no Brasil, o crescimento físico das cidades vem acompanhado do aprofundamento das desigualdades socioespaciais, conforme destacado por Melazzo (2006). Até o ano de 1970 a cidade era composta por 29 bairros e dois conjuntos habitacionais, sendo estes formados, no total, por 370 casas (OLIVEIRA, 2003). Apesar 171 da maior expansão urbana ter acontecido na década de 1950, neste período surgiu somente um conjunto habitacional, o Bairro Natal (1957), com 70 unidades residenciais. Exatos dez anos após a construção do primeiro conjunto habitacional, surgiu o Bairro Ipiranga, com 300 casas. Mapa 01 – Ituiutaba (MG): expansão urbana (1901-2013) Fonte: Oliveira (2013). Estas informações indicam a inexistência de preocupação com a política habitacional no município. Até a década de 1970 o poder público municipal de Ituiutaba (MG) se caracterizava como o principal agente produtor do espaço, muito mais pela sua atuação na organização espacial da cidade – oferecimento de infraestruturas e serviços – , do que por possuir políticas que incentivassem a construção de moradias. Nesse sentido, Rodrigues (2003, p. 20) afirma que o Estado [...] “tem presença marcante na produção, distribuição e gestão dos equipamentos de consumo coletivo necessários à vida nas cidades” [...], destacando, entre eles, a rede de infraestruturas (abastecimento de água, sistema de coleta de esgoto, energia elétrica, iluminação pública, telefonia), o 172 sistema viário, o transporte coletivo, os serviços de saúde e educação, os espaços livres, verdes e de lazer, além da construção de habitações para a população mais pobre da cidade. Este cenário começa a ser alterado a partir da década de 1970, com a construção de 860 casas em seis conjuntos habitacionais, erigidos em nove etapas diferentes41. Entretanto, estavam muito aquém das necessidades habitacionais da época, uma vez que no período de 1970-1980 a população urbana cresceu 38,52%, passando de 47.021 para 65.133 habitantes, o que equivalia a 21,06 habitantes por casa construída em conjunto habitacional. Nos anos anteriores a relação de habitantes por moradia construída era muito maior: 403,62 entre 1950-1960 e 62,55 no período de 1960-1970. Esse desequilíbrio acentuou os problemas sociais da cidade, como indicado por Oliveira (2003, p. 121): “o desemprego rural [migração campo-cidade] também foi causa/consequência do desemprego urbano. [...] a cidade viu crescer suas áreas periféricas, sem poder oferecer, em curto prazo, as infraestruturas necessárias”. Outro período que chama atenção na expansão urbana de Ituiutaba (MG) é o iniciado na década de 2000, quando dez conjuntos habitacionais foram construídos entre 2001 e 2010, totalizando 2.895 habitações, todas financiadas por programas habitacionais públicos (estadual ou federal), entre eles, o Minha Casa Minha Vida 42. Já a partir de 2011, foi iniciada a construção de nove novos bairros, dos quais dois são loteamentos, contendo aproximadamente 1.200 lotes e sete conjuntos habitacionais com cerca de 4.820 unidades residenciais. Assim como Ituiutaba (MG), as outras cidades da MRG também receberam investimentos do Programa Minha Casa Minha Vida, o que dinamizou o mercado imobiliário dessas cidades, tanto pela comercialização de terras urbanas e de materiais para a construção dos imóveis, quanto pela contratação de mão de obra e serviços e pela busca por financiamentos. Os dados do Cadastro Nacional dos Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE) do IBGE (2010) possibilitaram elaborar os mapas 02, 03 e 04, que apresentam o percentual de edificações em construção no total de endereços urbanos para cada cidade da microrregião estudada. 41 O financiamento e a produção de empreendimentos imobiliários nas décadas de 1970 e 1980 realizados pelo Banco Nacional de Habitação (BNH). A respeito da atuação do BNH, confira: Soares (1988). 42 A respeito do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), confira: Cardoso (2013). 173 Em Ituiutaba (MG), as áreas (Mapa 02) com os dois maiores percentuais de edificações (de 0,227% a 2,474% e de 0,815% a 2,475%) correspondiam aos conjuntos habitacionais cujas construções se iniciaram em 2010, na zona sudeste da cidade; e havia ainda três loteamentos (0,071% a 0,226%), dos quais dois foram influenciados diretamente pela instalação do campus da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) na zona sul da cidade e o terceiro, pela construção de condomínio fechado na zona nordeste (Mapa 02). É importante destacar que a comercialização dos lotes no condomínio e no loteamento do entorno é anterior à instalação do campus da UFU; entretanto, em virtude das ações dos agentes produtores do espaço urbano, a zona sul da cidade de Ituiutaba (MG) foi a que teve maior valorização das terras, além de ser o novo eixo de expansão da cidade. As cidades de Capinópolis (MG), Santa Vitória (MG) (Mapa 03), Cachoeira Dourada (MG), Gurinhatã (MG) e Ipiaçu (MG) (Mapa 04) apresentam dinâmicas de produção do espaço urbano semelhantes entre si e diferentes de Ituiutaba (MG). Entre os agentes produtores do espaço urbano descritos por Corrêa (2003), os proprietários de terras e o Estado foram os principais agentes transformadores dessas cidades, uma vez que suas expansões sempre estiveram ligadas às construções de conjuntos habitacionais ou à abertura de loteamentos em terras que eram incorporadas ao perímetro urbano. As empresas imobiliárias possuem atuação restrita nestas cidades, em função do reduzido tamanho da malha urbana e da ausência de estruturas comerciais, industriais e de serviços, fatores que somam aos interesses imobiliários na valorização das terras urbanas. Essa realidade é muito diferente do que acontece em Ituiutaba (MG), cuja expansão é também direcionada por outros agentes imobiliários. Mapa 02 – Ituiutaba (MG): % de edificações em construção no total de endereços urbanos (2010) 174 Fonte: Oliveira (2013). As áreas com concentração de edificações em processo de construção, representadas nos mapas 03 e 04, são oriundas dos investimentos do Programa Minha Casa Minha Vida. Em Capinópolis (MG) e Santa Vitória (MG) percebe-se a mesma lógica de produção do espaço urbano identificada em outras cidades brasileiras, ou seja, a instalação dos conjuntos habitacionais nas periferias, reproduzindo, assim, os problemas ligados à habitação, como dificuldade de acessou ou ausência de transporte público, falta ou baixa disponibilidade de serviços de educação, saúde e segurança pública. Mapa 03 – Capinópolis (MG) e Santa Vitória (MG): % de edificações em construção no total de endereços urbanos (2010) 175 Fonte: Oliveira (2013) Em função do tamanho das cidades de Cachoeira Dourada (MG), Gurinhatã (MG) e Ipiaçu (MG), a construção de moradias nas periferias não gera os problemas presentes nas cidades maiores, mesmo assim consolida um processo de segregação urbana, ainda que em uma escala reduzida, uma vez que as populações mais pobres tendem a residir em área específica da cidade. Mapa 04 – Cachoeira Dourada (MG), Gurinhatã (MG) e Ipiaçu (MG): % de edificações em construção no total de endereços urbanos (2010) 176 Fonte: Oliveira (2013). A análise dos mapas 01 e 02 permite concluir que os papéis desempenhados pelos atores responsáveis pela produção do espaço urbano da cidade de Ituiutaba (MG) reestruturam a cidade, impulsionados pelas transformações na economia regional, ou seja, pela reestruturação urbana, de forma semelhante ao apontado nos estudos de Soja (1993) e de Sposito (2004, 2007, 2007a). A reestruturação urbana na MRG está ligada ao desenvolvimento das atividades agrícolas, sendo a cidade de Ituiutaba (MG) o único espaço que conseguiu congregar estabelecimentos relacionados tanto ao consumo produtivo quanto ao consumo consumptivo, tornando-se, assim, o principal centro urbano da região. O impacto das atividades agrícolas sobre a estrutura das cidades resultou na expansão urbana, tanto por conjuntos habitacionais quanto por loteamentos, de acordo com o indicado nos mapas 01, 02, 03 e 04. A necessidade de construção de moradias nessas cidades sempre esteve ligada à migração de mão de obra de população agrícola, ou seja, de pessoas que residem na cidade e exercem atividade laboral no campo, principalmente para o corte de cana-de-açúcar, a fim de atender a produção das usinas da região. A população residente na MRG de Ituiutaba (MG), representada por lugar de nascimento na Tabela 01, demonstra o peso da migração nordestina para a região, que tem seu déficit habitacional intensificado. Fonseca e Santos (2011) e Oliveira e Oliveira (2012), ao estudarem a relação cidade-campo em Ituiutaba (MG) e Capinópolis (MG), apontaram que a instalação de 177 usinas sucroalcooleiras na MRG veio acompanhada da migração de trabalhadores – a maioria, nordestinos em busca de melhores salários e qualidade de vida – e dos problemas sociais oriundos da atividade, tais como: a expulsão dos pequenos proprietários do campo e a concentração de terras entre latifundiários que se ocupavam do plantio da monocultura da cana-de-açúcar; as sobrecargas nos serviços de saúde e educação das cidades; o aumento dos preços de aluguéis e imóveis, em virtude do crescimento da demanda. Por outro lado, o acréscimo populacional induziu o desenvolvimento da economia urbana, principalmente no setor terciário, em decorrência das necessidades dos “novos” consumidores. O déficit habitacional na MRG de Ituiutaba (MG), destacado na Tabela 02, indica a demanda por habitações no período de 2007 a 2011, o que explica o significativo crescimento no número de conjuntos habitacionais nas cidades a partir da criação do Programa Minha Casa Minha Vida, com especial destaque para Ituiutaba (MG), que concentra 74,53% do déficit habitacional da MRG. Em contrapartida, é também a cidade com maior número de construção de novos bairros a partir de 2011, que somam nove, dos quais sete são conjuntos habitacionais e dois loteamentos, como já indicado no Mapa 01. Enquanto as demandas por moradia não são atendidas, o mercado de aluguéis nas cidades torna-se altamente rentável para os donos dos imóveis, mas extremamente prejudicial para aqueles que são obrigados a viver sob essa condição, uma vez que 3,74% dos domicílios da MRG possuem excedente de aluguel, ou seja, o valor pago pela locação do imóvel é superior a 30% da renda domiciliar total. Vale ressaltar que o total de imóveis alugados corresponde a 39,68% do déficit habitacional total da MRG (IPEA, 2013). Tabela 01 – MRG de Ituiutaba (MG): população residente por lugar de nascimento (2000-2010) Total Lugar de nascimento 2000 2010 165 376 Região Norte 10.213 15.005 Região Nordeste 116.696 121.121 Região Sudeste 369 340 Região Sul 5.429 6.009 Região Centro-Oeste 170 260 Distrito Federal 372 Brasil sem especificação 60 178 Percentual (%) 2000 2010 0,12 0,26 7,67 10,47 87,69 84,49 0,28 0,24 4,08 4,19 0,13 0,18 0,05 0,26 País estrangeiro Total Fonte: Oliveira (2013). 141 133.073 125 143.348 0,11 100 0,09 100 Tabela 02 – MRG de Ituiutaba (MG): estimativas do déficit habitacional (2007-2011) % no total de Número de Município e MRG Déficit habitacional habitações domicílios 4,74 786 Cachoeira Dourada 37 370 7,32 5.057 Capinópolis 189 8,42 2.243 Gurinhatã 63 4,42 1.420 Ipiaçu 3.402 10,40 32.707 Ituiutaba 503 8,09 6.214 Santa Vitória 4.564 9,42 48.427 MRG Fonte: IPEA (2013). Ituiutaba (MG) é a cidade com maior excedente de aluguel da MRG, com taxa de 4,51% do total de domicílios particulares permanentes urbanos; o total de imóveis alugados corresponde a 43,37% do déficit habitacional municipal. Para estas mesmas variantes, as outras cidades apresentaram os seguintes percentuais, respectivamente: Cachoeira Dourada (MG), 0,68% e 14,34%; Capinópolis (MG), 3,30% e 45,01%; Gurinhatã (MG), 1,09% e 12,93%; Ipiaçu (MG), 1,13% e 25,60%; Santa Vitória (MG), 1,98% e 24,48%. A transformação no mercado imobiliário das cidades da MRG foi predominantemente resultado da migração de trabalhadores ligados ao setor agroindustrial canavieiro. No entanto, a instalação do campus da UFU na zona sul da cidade de Ituiutaba (MG) foi outro fator que dinamizou as demandas imobiliárias recentes, uma vez que servidores e estudantes, oriundos de cidades distantes de Ituiutaba (MG), buscaram no aluguel a opção inicial para moradia na cidade. A proporção de domicílios alugados no total de domicílios particulares permanentes de Ituiutaba (MG), nos anos de 2000 e 2010, indica também a concentração de aluguéis no centro da cidade, como tradicionalmente acontece em todas as cidades. No ano de 2010, os domicílios alugados concentraram-se em dois setores próximos aos campi das instituições de ensino superior: na zona sul, próximo à UFU, e 179 na zona leste, próximo à UEMG e à Faculdade Triângulo Mineiro 43. Já a aquisição de moradias nas cidades da microrregião deu-se principalmente nas áreas periféricas, sendo que, em Ituiutaba (MG), esse processo foi impulsionado tanto pela construção de conjuntos habitacionais ou abertura de loteamentos, quanto pela valorização das áreas que sofreram influência direta da instalação da UFU, na zona sul, e do condomínio fechado, na zona leste. Percebe-se diferença nas dinâmicas imobiliárias da área central da cidade, pois há um baixo percentual de aquisição de imóveis contra altos números de aluguéis, o que indica se tratar de uma área valorizada, na qual os imóveis servem como reserva financeira para seus proprietários. Além disso, nota-se que não surgiu concentração comercial em outro ponto do espaço urbano, o que reforça o papel da área central na convergência das atividades ligadas ao setor terciário, exercendo força centrífuga sobre a estrutura comercial da cidade. Apesar do eixo de expansão urbana ter se deslocado para a zona sul, ainda não há tendência de instalação de estabelecimentos de comércio e serviços nessa área, de modo que a expansão se reduz à habitação. A aquisição de moradias nas outras cidades da MRG de Ituiutaba (MG) está relacionada às construções de conjuntos habitacionais financiados pelo Programa Minha Casa Minha Vida. Em Cachoeira Dourada (MG), Capinópolis (MG), Gurinhatã (MG), Ipiaçu (MG) e Santa Vitória (MG), a expansão urbana está ligada diretamente à ação de agentes externos às cidades, que induziram a reestruturação da economia da MRG e, consequentemente, do espaço intra-urbano. Dentre tais agentes, sobressaem-se as modificações nas atividades agropecuárias a partir de 2000 e os incentivos financeiros governamentais em programas habitacionais. A cidade de Ituiutaba (MG) foi influenciada tanto pela ação dos agentes externos como dos internos, com destaque para a atuação das dinâmicas imobiliárias, o desenvolvimento econômico do comércio e a instalação de infraestruturas de serviços públicos e privados. Os novos conjuntos habitacionais surgiram em áreas que já apresentavam problemas ligados à habitação, como aqueles referentes às condições de moradia e infraestrutura. A grande concentração de logradouros sem pavimentação é um dos problemas recorrentes nas cidades da MRG, uma vez que era prática comum dos poderes legislativos municipais aprovarem loteamentos ou conjuntos habitacionais sem 43 A FTM é mantida pela Associação Comercial e Industrial de Ituiutaba (ACII), que é uma mantenedora privada. Para mais detalhes acesse: http://www.ftm.edu.br 180 a infraestrutura básica44. Contraditoriamente, a zona da cidade de Ituiutaba (MG) com maior concentração de logradouros sem pavimentação no ano de 2010 é a mesma que possuía maior valorização e prestígio imobiliário nos últimos anos, a zona sul. Esta era uma área com pequena valorização imobiliária até o anúncio da implantação e construção do campus da UFU na cidade, que aconteceu em 2006. Segundo relatos de moradores dos bairros do entorno da UFU, até o ano de 2006 era possível adquirir terrenos de 360 metros quadrados por um preço médio de R$ 2.500,0045; no ano de 2013, esses valores atingiram média de R$ 60.000,00, com alguns terrenos avaliados em mais de R$ 100.000,00, dependendo da sua localização. Antes da chegada da UFU à Ituiutaba, a área mais prestigiada da cidade quanto ao aspecto imobiliário era a zona leste que, em virtude da instalação do condomínio fechado, direcionava a expansão para aquela parte da cidade. O percentual de domicílios com logradouros sem pavimentação era pequeno, se comparado com a zona sul, o que indicava a presença de infraestruturas urbanas. Nas cidades de Cachoeira Dourada (MG), Capinópolis (MG), Gurinhatã (MG), Ipiaçu (MG) e Santa Vitória (MG), a ausência de pavimentação nos logradouros públicos estava diretamente ligada à construção dos novos conjuntos habitacionais nas periferias das cidades em 2010. Trata-se, então, de uma situação transitória, consequência da coincidência entre o período de recenseamento e da construção dos conjuntos habitacionais. Em pesquisa de campo realizada no ano de 2013, foi identificado que todos os conjuntos habitacionais já entregues aos proprietários possuíam logradouros pavimentados. Analisar a condição de moradia ajuda a compreender o processo de produção do espaço urbano das cidades estudadas, pois a presença de habitações semiadequadas ou inadequadas evidencia as desigualdades espaciais existentes e expressam as condições socioambientais das áreas. Nas cidades de Cachoeira Dourada (MG), Gurinhatã (MG) e Ipiaçu (MG), em função de possuírem pequenos sítios urbanos, não é possível identificar um padrão espacial que explique a existência de moradias com condições semiadequadas ou inadequadas (Mapa 05), somente pode-se afirmar que há relação entre as situações arquitetônicas dos imóveis e as condições ambientais do entorno. Já 44 Essa prática aconteceu no período anterior à aprovação do Estatuto da Cidade (lei federal 10.257, de 10 de julho de 2001) que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Para mais detalhes sobre a lei acesse: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm 45 Valor do dólar em janeiro de 2013: R$ 2,06. 181 em Capinópolis (MG) e Santa Vitória (MG), foi constatado que essas moradias estão em áreas ambientalmente desfavoráveis à ocupação humana, como as margens de córregos que cortam as cidades, e com concentração de população cujo poder de compra é reduzido, além da localização nos limites das cidades (Mapa 06). Mapa 05 – Cachoeira Dourada (MG), Gurinhatã (MG) e Ipiaçu (MG): % de domicílios em condições de moradia semiadequadas ou inadequadas no total do setor censitário (2010) Fonte: Oliveira (2013). Mapa 06 – Capinópolis (MG) e Santa Vitória (MG): % de domicílios em condições de moradia semiadequadas ou inadequadas no total do setor censitário (2010) 182 Fonte: Oliveira (2013). A concentração de moradias em condição semiadequada ou inadequada nas periferias dessas cidades revela que até mesmo nas pequenas cidades há uma tendência do processo de urbanização agrupar populações mais pobres em áreas pouco privilegiadas por infraestruturas, ambientalmente frágeis e socialmente excluídas. Na cidade de Ituiutaba (MG) a lógica espacial da existência dessas moradias está relacionada à presença de infraestruturas urbanas nos bairros e às condições socioeconômicas da população (Mapa 07), ou seja, nos bairros com as condições urbanas e econômicas mais precárias é que se concentram as moradias semiadequadas ou inadequadas à habitação humana. Mapa 07 – Ituiutaba (MG): % de domicílios em condições de moradia semiadequadas ou inadequadas no total do setor censitário (2010) 183 Fonte: Oliveira (2013). Nas zonas norte e nordeste, os bairros que se destacam nesse aspecto foram os criados na década de 1960, com infraestrutura urbana mínima (água encanada, rede de esgoto e iluminação pública), sem pavimentação de vias e calçadas, distantes do centro e segregados do restante do tecido urbano pela rodovia BR-365, que se localiza na parte norte da cidade. Esses bairros foram ocupados por populações que migraram do campo para a cidade à procura de empregos, em decorrência da decadência do arroz e do início da utilização de máquinas na produção agrícola. Os bairros com maior percentual de moradias semiadequadas ou inadequadas nas zonas sul e sudeste foram criados, respectivamente, nas décadas de 1950 e 1980, visando atender as demandas por habitação dos migrantes que chegavam à cidade para trabalhar nas lavouras da região (na década de 1950) ou oriundos do campo após a expulsão da população em decorrência da modernização agrícola (na década de 1980). A presença de moradias precárias na área central da cidade de Ituiutaba (MG) se dá em virtude de ainda existirem alguns domicílios particulares desocupados ou ocupados por pessoas de idade elevada, que se instalaram nesses locais em período anterior a 1940, 184 quando essa parte da cidade ainda era periférica. Além disso, a presença de moradores nas margens do córrego Pirapitinga também contribui para elevação desse percentual na área central. Os bairros com moradias em condições semiadequadas ou inadequadas para a vida humana em todas as cidades da MRG foram criados sob o único argumento da necessidade de prover espaços para construção de domicílios àqueles que não tinham acesso, entretanto, sem se preocupar com o efetivo bem-estar populacional, uma vez que foram edificados em áreas que atualmente ainda apresentam problemas urbanos, como logradouros sem pavimentação, ausência de serviços de educação e saúde (escolas, creches, postos de saúde), transporte público ineficiente e problemas sociais, como a baixa condição econômica da população. Todos estes fatores demonstram que, em determinados períodos das histórias das cidades, não houve preocupação dos poderes públicos municipais em prover áreas qualificadas para moradia. A condição econômica da população é um aspecto que contribui para o entendimento da produção, estruturação e dinamismo do espaço urbano das cidades. Para as três menores cidades analisadas, Cachoeira Dourada (MG), Gurinhatã (MG) e Ipiaçu (MG), não foi encontrado um padrão espacial na distribuição de renda, uma vez que não há relação da renda do chefe de família e das condições de moradia com a infraestrutura dos bairros, o local de residência ou a concentração de atividades comerciais. Apesar de existir concentração de população com condições de renda diferentes em determinadas partes das cidades, não houve formação de áreas segregadas, mas sim uma tendência de concentração em determinados pontos das cidades, não chegando a transformar a paisagem urbana. Fica nítido que não existe uma relação direta entre a informação representada em cada um dos mapas e as condições econômicas das populações das cidades. Por exemplo, as áreas onde existem mais moradias semiadequadas ou inadequadas não coincidem com as áreas onde se dá a maior concentração de chefes de família recebendo até um salário mínimo, o que reforça a ideia de que não há padrões espaciais e dinâmicas urbanas específicas para a organização dessas cidades. Na comparação entre o percentual de chefes de família cujo rendimento é de até um salário mínimo e aqueles que recebem quinze ou mais salários mínimos, contatou-se que a cidade de Gurinhatã (MG) tem a maior desigualdade de renda entre seus habitantes. Já as cidades de Cachoeira Dourada (MG) e Ipiaçu (MG), na média, são 185 semelhantes, apesar da diferença no tamanho populacional. Um aspecto que chamou a atenção foi a ausência de chefes de família com renda mensal igual ou superior a quinze salários mínimos em determinados setores das cidades, reforçando a ideia de que, apesar de não existir segregação espacial, há uma tendência de concentração de renda em algumas partes das cidades. Por outro lado, a concentração de chefes de família com renda mensal de até um salário mínimo acontece principalmente nas áreas ocupadas por conjuntos habitacionais, construídos pelo Programa Minha Casa Mina Vida ou por outros programas governamentais, como o Lares Geraes46, do governo estadual. Apesar das desigualdades não gerarem diferenciações espaciais nas cidades, com contrastes significativos na paisagem urbana, o percentual de chefes de família sem rendimento mensal era bastante significativo, principalmente em se tratando de cidades muito pequenas. Em Cachoeira Dourada (MG) e Gurinhatã (MG), a maior quantidade de chefes de família sem rendimento mensal se concentrava nas mesmas áreas em que estavam estabelecidos os chefes de família com rendimento mensal de até um salário mínimo. Já em Ipiaçu (MG), a concentração aconteceu em outro setor censitário. Cabe salientar que a existência de chefes de família sem rendimento mensal não redunda em ausência de rendimentos no domicílio, uma vez que, em virtude das dinâmicas econômicas dessas pequenas cidades, parte significativa da população trabalha no campo, podendo estar, na data do recenseamento, desempregada, mas tendo como fonte de renda as remunerações de outros integrantes da família. Ipiaçu (MG) sofre influência direta da expansão do setor agroindustrial canavieiro na MRG, especialmente devido à presença da usina Vale do Paranaíba, no município de Capinópolis (MG), às margens da rodovia MG-226, que liga as duas cidades. Parte dos trabalhadores migrantes ligados ao corte da cana-de-açúcar reside em Ipiaçu (MG), gera demanda por habitação, aumenta a densidade habitacional e é responsável por dinamizar a pequena estrutura comercial da cidade. A oferta de emprego restringe-se ao serviço público e ao setor terciário, que é bastante reduzido, como será apresentado mais adiante. Em Cachoeira Dourada (MG) e Gurinhatã (MG), as dinâmicas não são diferentes: ambas as cidades possuem poucos estabelecimentos comerciais, com reduzido número de vagas de emprego; parte da população trabalha no campo e nos serviços públicos. Alguns habitantes de Cachoeira Dourada (MG) trabalham na Usina Hidroelétrica da cidade , que tem sede no município vizinho, Cachoeira Dourada (GO). 46 A respeito do Programa Lares Geraes, acesse: http://www.cohab.mg.gov.br/ 186 Em Capinópolis (MG) e Santa Vitória (MG) foi possível constatar um padrão espacial na distribuição de renda. Há concentração de população de baixa renda nas áreas periféricas das cidades, notadamente nas mesmas áreas com maiores carências de infraestruturas e com piores condições de moradia. Por outro lado, as áreas centrais das cidades, onde há a maior concentração de comércio, aglutinam as populações de maior poder aquisitivo. A desigualdade na distribuição de renda implicou em uma diferenciação na paisagem urbana. Em Capinópolis (MG), por exemplo, há concentração de chefes de domicílio com rendimento de até um salário mínimo nas áreas ambientalmente mais frágeis, próximas ao córrego Bauzinho (de oeste a nordeste da cidade) e à rodovia MG154 (sudeste da cidade), que liga a Capinópolis à Cachoeira Dourada (MG); são áreas ocupadas por loteamentos e conjuntos habitacionais construídos para atender as demandas por moradia de população de menor poder aquisitivo47. Em Santa Vitória (MG) essa concentração está na zona noroeste, em uma das vertentes do córrego Santa Vitória; distante do centro, com contiguidade espacial em somente um ponto. Trata-se de uma área que foi ocupada, em sua maioria, por lotes e algumas casas de conjunto habitacional, sem estrutura comercial e espaços de lazer e com serviços públicos precários. A zona leste, mais próxima ao centro, é outra área com significativa presença de chefes de família com rendimento mensal de até um salário mínimo, e foi ocupada principalmente por conjuntos habitacionais. Em ambas as cidades há uma convergência entre concentração de população de baixa renda e condições de moradia semiadequadas ou inadequadas, principalmente nas áreas próximas aos córregos urbanos e nas extremidades das cidades. Por outro lado, os maiores percentuais de chefes de família com rendimento nominal mensal de quinze salários mínimos estão nas áreas centrais, demonstrando que essas cidades se inserem na lógica residencial da maioria das cidades brasileiras de pequeno e médio porte, que é da fixação de famílias com maiores rendimentos nas áreas centrais das cidades. Vários bairros periféricos não possuem chefes de família com rendimento mensal igual ou superior a quinze salários mínimos, reforçando a desigualdade socioespacial em Capinópolis (MG) e Santa Vitória (MG). Nesse mesmo sentido, as famílias com chefes sem rendimento nominal mensal se agrupam nas extremidades das cidades, nas áreas próximas aos córregos, rodovias ou de 47 A respeito das condições de moradia em Capinópolis, confira: Oliveira (2013a). 187 ocupação recente. Em Santa Vitória (MG), esses chefes residem nas áreas de ocupação recente (sudoeste e sudeste), onde há conjuntos habitacionais e loteamentos destinados à população de baixa renda (noroeste e nordeste) da cidade. Em Capinópolis (MG), as áreas com maior percentual são aquelas próximas ao córrego Buritizinho, ocupadas tanto por conjuntos habitacionais quanto por loteamentos para populações de baixa renda. As duas cidades receberam população que migraram para trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar, especialmente naquelas ligadas às usinas situadas em seus municípios. Se, por um lado, essa migração foi responsável por criar demandas de habitação, dinamizar o comércio e o mercado imobiliário, por outro, sobrecarregou os serviços de saúde e educação, uma vez que as cidades não possuíam estruturas para atender as demandas dos “novos” habitantes48. Com relação à possibilidade de emprego, as pessoas estão empregadas nas pequenas indústrias (de laticínios e cerâmicas), no setor terciário (comércios e serviços), nas usinas sucroalcooleiras, nas atividades agropecuárias e nos serviços públicos. Tanto Santa Vitória (MG) quanto Capinópolis (MG) dispõem de estruturas comerciais e de serviços mais desenvolvidas do que Cachoeira Dourada (MG), Gurinhatã (MG) e Ipiaçu (MG); entretanto, muito aquém das de Ituiutaba (MG). Por esse motivo, Capinópolis (MG) exerce influência direta, porém limitada, sobre Cachoeira Dourada (MG) e Ipiaçu (MG), enquanto Santa Vitória (MG) exerce, de forma muito reduzida, influência sobre São Simão (GO) e Gurinhatã (MG). A estrutura comercial e de serviços das cidades da MRG, bem como sua rede de influência serão apresentadas mais a frente neste mesmo capítulo. Em Ituiutaba (MG), a concentração de chefes de família com rendimento nominal mensal de até um salário mínimo acontece na periferia. No ano de 2000, essa população ocupava os bairros das zonas oeste, sudoeste, sul e sudeste da cidade, historicamente as áreas mais pobres, formadas por conjuntos habitacionais e loteamentos para populações de baixa renda, a maioria construída sem infraestrutura de pavimentação de ruas e calçadas. No ano de 2010 essa realidade se transforma, pois, apesar de aumentar o percentual de chefes de família com renda mensal de até um salário mínimo em alguns setores censitários, houve uma redução significativa do número de setores nos percentuais mais altos e aumento daqueles com percentuais mais baixos. Isso indica que 48 A respeito das condições socioeconômicas dos trabalhadores migrantes residentes em Capinópolis, confira: Oliveira e Oliveira (2012). 188 a renda da população da cidade aumentou, o que pode ser atribuído a vários fatores, como os programas sociais do governo federal, por exemplo, o Bolsa Família; a oferta de emprego vinculado ao setor agroindustrial canavieiro, principalmente a partir de 2003; a oferta de emprego na construção civil, em virtude dos conjuntos habitacionais, ou no setor terciário da econômica urbana, em decorrência do tímido crescimento a partir de 2003. Apesar da redução entre os anos de 2000 e 2010, a concentração dos chefes de família com renda de até um salário mínimo se manteve, em 2010, em bairros da parte sul da cidade e em dois bairros da zona norte. Em oposição, os chefes de família com rendimento nominal mensal de quinze salários mínimos ou mais ocupam uma faixa de território que tem origem no centro e se estende até a zona sul da cidade, formada pelos bairros Centro, Setor Sul e Independência, além de um bairro a leste, próximo ao campus da UEMG, chamado Setor Universitário. O número de setores sem a presença desses chefes de família aumentou no período entre 2000 e 2010, demonstrando que houve concentração de renda na cidade, principalmente naquelas áreas que historicamente foram ocupadas por pessoas de mais alta renda. Além disso, os dados demonstram que existiu redução no percentual de chefes por setor, uma vez que no ano de 2000 o máximo era de 0,53%, passando para 0,12% em 2010. Provavelmente os dados do próximo censo, que será realizado em 2020, indicarão concentração de população de alta renda na zona sul da cidade, em detrimento do centro, uma vez que é a área com maior valorização imobiliária nos últimos sete anos, onde há previsão de instalação de equipamentos e infraestrutura que agregarão valores à terra urbana, como um condomínio fechado, loteamentos voltados para a classe média, um pequeno centro comercial e um shopping center, que está em fase de elaboração de projetos49. Esses investimentos serão financiados, em parte, por grupos econômicos locais e por grupos imobiliários de Uberlândia (MG) e da região de Ribeirão Preto (SP). A distribuição espacial dos chefes de família sem rendimento nominal mensal é outra informação que chama atenção em Ituiutaba (MG), pois no ano 2000, esses habitantes estavam concentrados nos bairros que formam o anel periférico da cidade e, em 2010, passaram a se concentrar nos bairros das zonas sudoeste e sul. Ao comparar os 49 Informações repassadas pela Secretária de Planejamento e Secretária de Assuntos Especiais da Prefeitura Municipal de Ituiutaba (MG). 189 dados de 2000 com os de 2010, percebe-se que neste último ano houve aumento percentual do número de chefes de família sem rendimento, acompanhado da concentração dessas pessoas na metade sul da cidade. É possível inferir que, apesar da tendência de valorização imobiliária do setor sul nos últimos sete anos, a cidade ainda não apresenta uma diferenciação espacial (segregação) por zonas, mas sim por bairros. Exemplo desta dinâmica são os bairros da zona sul, onde, em função da instalação do campus da UFU, o preço da terra e dos imóveis aumentou significativamente, atraindo populações de média e alta renda. Ao mesmo tempo, é uma zona da cidade com significativo percentual de moradias semiadequadas ou inadequadas e com logradouros sem pavimentação, indicando que a cidade está passando por uma mudança em sua lógica imobiliária, ou seja, está sofrendo uma reestruturação. A reestruturação urbana da MRG de Ituiutaba (MG) não resultou somente em transformações nas dinâmicas imobiliárias das cidades, mas também na reestruturação do setor terciário da economia, principalmente em Ituiutaba (MG), que se consolidou como principal centro urbano da região analisada, tanto no atendimento do consumo produtivo ligado à agropecuária quanto do consumo consumptivo da população. Diante do exposto, pode-se afirmar que a modernização agrícola nos municípios da MRG desde a década de 1970, a implantação das agroindústrias canavieiras para produção de açúcar e etanol, a migração de mão de obra para trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar, o crescimento das atividades comerciais e as transformações imobiliárias recentes, incentivadas principalmente pela instalação das instituições públicas de ensino, foram responsáveis por dinamizar a economia urbana e modificar as cidades. A cidade de Ituiutaba (MG) consolida-se como polo regional da MRG, com interações espaciais em diferentes níveis escalares, entre as quais, as nacionais e internacionais estão vinculadas à existência de agroindústrias dos setores de beneficiamento de grãos, laticínio, frigorífico e sucroalcooleiro, com sua produção voltada, principalmente, para as demandas do mercado externo (exportação), no entanto, sem deixar de atender o mercado interno brasileiro. Já na escala regional, os serviços de saúde e educação superior são os responsáveis pela intensificação das interações, acompanhados da comercialização de alguns produtos produzidos nas unidades industriais menores da cidade, como: beneficiadoras de café (torração e moagem), frigoríficos, laticínios e 190 olarias. Da mesma forma, o setor terciário de Ituiutaba (MG) se estabelece como centralizador das relações regionais, atendendo tanto as necessidades de sua população, quanto das cidades vizinhas, o que resulta no aumentado do dinamismo deste setor. A interiorização do ensino superior, somada a existências de usinas agroindustriais canavieiras, inauguraram novas dinâmicas espaciais na MRG, visto que a reestruturação urbana, estimulada pelo desenvolvimento econômico, influência a reestruturação das cidades. Da mesma forma que as transformações no espaço intra-urbano fomentam as dinâmicas regionais, instituindo um ciclo de desenvolvimento inseparável entre o urbano e o regional. Pelo fato desses processos serem recentes na MRG, uma vez que surgiram no início do século XXI, é impossível identificar um conjunto de dinâmicas socioespaciais que alterem significativamente as cidades, no entanto, são indícios de que as cidades, especialmente Ituiutaba (MG), passarão por transformações expressivas, tanto no aspecto da forma urbana, quanto nas relações regionais, o que implicará na necessidade de um novo entendimento sobre o processo de urbanização do Pontal do Triângulo Mineiro. 3. Referências: CARDOSO, Adauto Lucio (org.). O programa minha casa minha vida e seus efeitos territoriais. Rio de Janeiro: Letra Capital. 2013. CASTELLS, Manuel. A questão urbana. 3ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. FONSECA, Rogério Gerolineto; SANTOS, Joelma Cristina dos. A relação cidadecampo no município de Ituiutaba (MG). Horizonte Científico, Uberlândia, v. 5, p. 129, 2011. IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. 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Ituiutaba (MG) na rede urbana tijucana: (re)configurações sócio-espaciais no período de 1950 a 2000. 2003. 204f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geografia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2003. OLIVEIRA, Hélio Carlos Miranda de. Urbanização e cidades: análises da microrregião de Ituiutaba (MG). 2013. 431f. Tese (Doutorado em Geografia) – Instituto de Geografia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2013. OLIVEIRA, Letícia Parreira. Evolução urbana e condições de moradia em Capinópolis (MG). 2013. 79f. Monografia (Bacharelado em Geografia) – Faculdade de Ciências Integradas do Pontal, Universidade Federal de Uberlândia, Ituiutaba, 2013a. OLIVEIRA, Letícia Parreira; OLIVEIRA, Hélio Carlos Miranda de. Entre a lavoura de cana e a vida na cidade: diagnostico socioeconômico dos migrantes trabalhadores do setor agroindustrial canavieiro no município de Capinópolis (MG). In: ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 21., 2012, Uberlândia. Anais... 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Tese (Livre Docência em Geografia) Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2004. 193 EXPANSÃO URBANA E VALORIZAÇÃO DO SOLO NA CIDADE MÉDIA DE MONTES CLAROS – MG Iara Soares de França50 Maria Ivete Soares de Almeida51 Francielle Gonçalves Silva52 Sara Cristiny Ramos Meirelles 53 Valéria Moreira Costa54 Rodrigo Marques do Nascimento55 Thaís Muniz Melo56 RESUMO Montes Claros/MG, cidade média, tem se dinamizado em vários setores tais como urbano, econômico, social e estrutural nos últimos anos. Um dos setores em evidência nessa cidade é o segmento da construção civil que afeta diretamente a expansão urbana vertical e horizontal, alterando a sua dinâmica socioespacial. Nesse contexto, este artigo analisa o processo de expansão urbana de Montes Claros no período de 1970 até a atualidade relacionado à dinâmica econômica exercida pelo setor da construção civil na cidade, destacando-se a valorização do solo urbano. Isso demonstra um novo padrão de urbanização resultante de profundas transformações Este artigo resulta da pesquisa “Produção do espaço urbano: o processo de verticalização e os condomínios horizontais na cidade média de Montes Claros/MG, após a década de 1990”, em desenvolvimento (2014-2016), financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG (Processo N. CSA – APQ – 01375 – 13), desenvolvida pelos autores no Laboratório de Estudos Urbanos e Rurais - LAEUR, vinculado ao Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES. Apoio Financeiro: CNPq e FAPEMIG. 50 Doutora em Geografia pelo Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Profa do Programa de Pós Graduação em Geografia/PPGEO e do Dept o Geociências da Unimontes. [email protected]. 51 Mestre em Geografia PELA UFG. Doutoranda pelo Programa de Pós Graduação em Geografia Tratamento da Informação Espacial – Pontifícia Universidade Católica - PUC Minas. Professora do Departamento de Geociências da Unimontes. [email protected]. 52 Graduada em Geografia pela Unimontes, Bolsista de Apoio técnico – BAT – FAPEMIG, Unimontes. [email protected]. 53 Graduanda em Geografia pela Unimontes, Bolsista de Iniciação Científica PROINIC/FAPEMIG, Unimontes. [email protected]. 54 Graduanda em Geografia pela Unimontes, Bolsista de Iniciação Científica PROINIC/FAPEMIG, Unimontes. [email protected]. 55 Graduando em Engenharia Civil pela Unimontes, Bolsista de Iniciação Científica FAPEMIG, Unimontes. [email protected]. 56 Graduanda em Engenharia Civil pela Unimontes, Bolsista de Iniciação Científica CNPq, Unimontes. [email protected]. 194 socioespaciais e econômicas ocasionando novos usos do solo urbano, com isso, novas formas urbanas, além de novos conteúdos sociais e culturais nessa cidade média. Palavras-chave: cidade média; expansão urbana vertical e horizontal; valorização do solo urbano. Introdução A partir da Revolução Industrial e advento da maquino fatura no século XVIII, houve mudanças na produção, consumo, transporte, comunicação, entre outros. Em função disso, mudanças nas relações sociais e na dinâmica de ocupação do espaço geográfico. Por conseguinte, constata-se o crescimento e a modernização das cidades, fator que também contribuiu para o acelerado processo de urbanização nos países industrializados. Conforme Soares (2006), a urbanização brasileira é um fenômeno recente. Notase um crescimento nas taxas de urbanização no país a partir da década de 1940. Nesse período, a população ainda era considerada em sua maioria como rural. Conforme o Censo Demográfico realizado pelo IBGE na década de 1970, a população brasileira tornou-se predominantemente urbana e, desde então, não houve regresso nas taxas de urbanização. Em 2000 a taxa de urbanização brasileira chegou a 81%, como apresentado pelo censo do mesmo ano. Atualmente a taxa de urbanização ocupa o percentual de 84% apresentado pelo Censo Demográfico (IBGE, 2010) sendo representado por 160.925.792 habitantes. Conforme Andrade & Serra (2013) no período 1970/91 as cidades com população entre 100 mil e 500 mil habitantes detinham cerca de 35% de todo crescimento demográfico urbano nacional. O dinamismo existente nessas cidades fez com que este conjunto de centros, que em 1970 representava 12,6% da população urbana nacional, passasse em 1991 a agrupar 24,4% desta mesma população. Os municípios que apresentaram, em conjunto, os mais expressivos crescimentos no período 2000-2012 foram também aqueles com população entre 100 mil e 500 mil habitantes, revelando que o dinamismo populacional do Brasil continua seguindo novas rotas, particularmente rumo ao interior (FRANÇA, ALMEIDA, OLIVEIRA, 2014). 195 O dinamismo demográfico desses centros urbanos também se associa ao sua complexidade urbana, econômica, política e estrutural. Sobre isso, Soares (2006) aponta que na contemporaneidade verifica-se um amplo processo de reestruturação caracterizado pela “explosão” das tradicionais formas de concentração urbana e pela emergência de novas formas espaciais, resultantes de novas territorialidades dos grupos sociais na urbanização brasileira. O fenômeno da “dispersão urbana” no âmbito da escala intraurbana vem alterando a morfologia urbana tradicional, gerando novas centralidades e novas periferias. Sendo assim, novos processos de desconcentração e reconcentração espacial da população, das atividades econômicas e da informação sobre o território são produzidos nas escalas interurbana e regional. Dentre essas transformações, as cidades médias desempenham papel importante na hierarquia e na rede urbana brasileiras, como locais privilegiados para a oferta e prestação de serviços e comércio (FRANÇA, 2007). Neste contexto, a macrorregião Norte de Minas tem como núcleo urbano principal a cidade média de Montes Claros. Esta possuía, em 2010, 361.971 habitantes, conforme Censo Demográfico (IBGE, 2010). Destaca-se pela importância econômica, principalmente nas atividades relacionadas ao setor terciário, notadamente, comércio atacadista e varejista e prestação de serviços. Além disso, grande relevo a indústria e a construção civil. É importante salientar os incentivos públicos e privados decorrentes das políticas desenvolvimentista implantadas na cidade pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE (atual Agência de Desenvolvimento do Nordeste – ADENE), entre outros, e suas contribuições para alavancar formação socioespacial e na sua expansão urbana. Soma-se a isso, as melhorias nos setores de infraestruturas (transportes, comunicação, consumo, entre outros), para o desenvolvimento da indústria da construção civil e do mercado imobiliário local. Neste contexto, para França, Almeida, Oliveira (2014) abordam que o aquecimento do setor imobiliário em Montes Claros está vinculado à dinâmica do setor de serviços por meio de investimentos e negócios, ao aumento do poder aquisitivo da população e à expansão do acesso ao crédito imobiliário visando à diminuição do déficit de moradias para as populações. Com isso, o setor imobiliário de Montes Claros vive uma nova valorização e dinâmica resultantes de fortes transformações socioespaciais e econômicas. A distribuição espacial dos empreendimentos horizontais e verticais em Montes Claros imprime uma nova morfologia urbana nessa cidade média. Contudo, o 196 espraiamento desses empreendimentos em Montes Claros contribui para a prática da especulação imobiliária e o Estado legitima a ação dos agentes capitalistas, por meio do aparato legislativo. Nesta perspectiva, esse artigo analisa o processo de expansão urbana de Montes Claros a partir da dinâmica econômica exercida pelo setor da construção civil na cidade, destacando a valorização do solo urbano. O setor da construção civil é um dos responsáveis pelo aumento da quantidade de empregos, que consequentemente proporciona melhorias na economia da cidade. O crescimento do setor também afeta diretamente a expansão urbana, alterando, assim, a sua dinâmica espacial. Neste contexto, o setor da construção civil tem influenciado a expansão urbana, apresentando seus aspectos espaciais, econômicos, políticos e estruturais. A metodologia utilizada neste estudo consistiu-se em análise bibliográfica de autores que discorrem sobre as temáticas: (1) Cidade média: (FRANÇA, 2007; SPOSITO, 2007; CASTELLO BRANCO, 2007); (2) Expansão urbana: (MELAZZO, 2001). (3) Construção civil e dinâmica imobiliária: FRANÇA, SOARES, OLIVEIRA, 2014; ROCHA, ALMEIDA, 2013. Apresenta-se a análise do setor da construção civil e a sua relação com a expansão urbana a partir de dados secundários do PIB municipal nos últimos doze anos apresentados em três períodos de seis anos (2000, 2006, 2012), coletados junto ao IBGE. Além disso, examinou-se os dados da variação do emprego e do número de trabalhadores na construção civil no período de 2000-2014 nas escalas federal e municipal, adquiridos junto a Confederação Nacional das Indústrias e Ministério do Trabalho e Emprego. Para análise do valor do solo foram levantados dados acerca da média do valor venal (1995-2014) e valor de mercado do m² construído em terrenos em Montes Claros, junto à Prefeitura Municipal de Montes Claros e nos classificados do Jornal Gazeta Norte Mineira. Os resultados obtidos foram sistematizados na forma de mapas, tabelas e gráficos. A construção civil e o processo de expansão urbana: dinâmica empregatícia e econômica em Montes Claros/MG A cidade média de Montes Claros está localizada no Norte de MG, possui cerca de 3.568, 941 km ² de unidade territorial e população estimada, em 2014, de 390.212 197 habitantes. (IBGE, 2014). No que se refere à economia, Montes Claros se destaca apresentando um PIB a preços correntes no valor de 5, 34 bilhões. (IBGE, 2013). No contexto de cidade média57, Montes Claros/MG vem experimentando um crescimento vertiginoso e transformações em seu tecido espacial, social e econômico ao longo do tempo. A partir da década de 1970 o processo de industrialização influenciou de forma decisiva na consolidação desta cidade como centro regional norte mineiro. É importante frisar que a industrialização, por meio dos incentivos políticos da SUDENE, não atingiu a todos os municípios da região. A maior parte das indústrias se concentra em Montes Claros, Pirapora, Bocaiúva e Várzea da Palma. Por meio do incremento industrial, em outros municípios norte-mineiros, associado a projetos nos diferentes setores da economia, foram gerados empregos diretos e indiretos. (Gomes, 2007). De acordo com dados do IBGE (2014), o município de Montes Claros/MG possui sua base econômica estruturada, principalmente, nas atividades do setor terciário (comércio e prestação de serviços) e, em seguida, no setor secundário (indústria), sendo que, no setor primário (agropecuária) há menor expressividade. (Gráfico 01). Gráfico 01: Produto Interno Bruto do Município de Montes Claros-MG por setores, 2000, 2006 e 2012. 4.000.000 3.492.133 3.500.000 3.000.000 2.500.000 2.000.000 1.775.440 1.500.000 1.085.535 1.000.000 500.000 799.553 387.843 593.097 146.124 71.066 48.157 0 2000 2006 2012 Valor adicionado bruto da agropecuária a preços correntes Valor adicionado bruto da indústria a preços correntes Valor adicionado bruto dos serviços a preços correntes Fontes: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Coordenação de Contas Nacionais (Conac). Org.: SILVA, Francielle Gonçalves, 2015. 57 Para a discussão de Montes Claros como cidade média, consultar França (2007). 198 Conforme os dados apresentados acima houve um acréscimo considerável da participação do PIB valor adicionado bruto em cada um dos setores em Montes Claros/MG nos últimos doze anos58. Destaca-se no período de 2000 a 2012 o PIB de serviços com um aumento de 337%, a indústria com 180% e a agropecuária com 203%. A expansão urbana, de acordo com Nascimento & Matias (2011, p. 23), é definida como “uma das expressões mais concretas do processo de produção do espaço na sociedade contemporânea”. A produção do espaço urbano é um fenômeno que reconfigura a materialidade de um determinado espaço, dando-o novas funções. Ela é guiada principalmente pelos interesses do Estado, dos agentes imobiliários e das empresas. (FRANÇA, 2014). A indústria da Construção Civil é composta por três segmentos: construção de edifícios, formado pelas obras de edificações ou residenciais e, por obras de incorporação de empreendimentos imobiliários; da construção pesada ou obras de infraestrutura; e de serviços especializados, representaram, em 2013, um faturamento de R$ 180 bilhões. (DIEESE, 2013). A construção civil está diretamente ligada à expansão urbana, uma vez que esta proporciona o aumento na demanda de construções, alterando assim a dinâmica deste setor. Na cidade média de Montes Claros – MG, a inserção de novos condomínios, conjuntos habitacionais, os programas do governo de incentivo à habitação, proporcionaram a expansão do setor da construção civil nos últimos anos. Fato este que contraria a realidade do Brasil como um todo, no período de novembro de 2013 a novembro de 2014, onde o segmento tem diminuído a oferta de empregos, conforme apresentado no Gráfico 02: Gráfico 02: Indicador de evolução do número de empregos da construção civil no Brasil. 58 A escolha do período apresentado levou em consideração os últimos doze anos apresentados em três períodos. Considerou-se ainda a disponibilidade dos dados junto ao IBGE e o significativo processo evolutivo, sobretudo no setor de serviços. 199 Fonte: Confederação Nacional das Indústrias, 2014. O gráfico 02 expõe a queda do número de empregados na construção civil no Brasil em 2014. Os valores acima da linha representam aumento e abaixo da linha representam queda na oferta de empregos. A diminuição da quantidade de emprego no setor se intensifica crescentemente a partir de abril de 2014, atingindo ao seu valor máximo em novembro de 2014, chegando a 41,5 pontos. Gráfico 03: Evolução do número de empregos da construção civil no Brasil. 200 Fonte: Confederação Nacional das Indústrias, 2013. Observa-se, através da análise do índice da quantidade de emprego nos anos de 2012 e 2013 (Gráfico 03), que durante esses anos o índice também foi predominantemente negativo. Entre os meses de fevereiro a maio de 2012 há um aumento na quantidade de emprego, contudo a partir desse mês ele prossegue decaindo, apresentando algumas oscilações como, por exemplo, em outubro de 2012 e março de 2013. A desaceleração nesses períodos pode estar associada, em parte, pelo conjunto de medidas adotadas pelo governo no início de 2011 e o desaquecimento da economia mundial, que contribuíram para o menor crescimento da economia brasileira, repercutindo no setor da construção civil. Fator diferente ocorre na construção civil em Montes Claros quando se analisa a quantidade de trabalhadores no referido setor, no período de 2000/03. (Gráfico 4). 201 Gráfico 04: Quantidade de trabalhadores na construção civil por ano em Montes Claros-MG- 2000-2013. 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Fonte: Ministério do trabalho e do emprego. Org.: MELO, T. M. 2015 A partir da análise do gráfico vê-se que na cidade de Montes Claros a quantidade de emprego teve uma queda entre os anos de 2000 e 2003. Contudo, a partir desse ano ela esteve em ascensão, gerando um total de 6095 empregos no ano de 2013. Ao comparar a quantidade de emprego de Montes Claros com o Brasil, nos anos de 2012 e 2013, é notável a divergência entre eles, onde Montes Claros apresenta ascensão na quantidade de empregos, e o Brasil, embora com variações, exibe um declínio. Isso afirma o crescimento do setor na cidade, por meio da intensificação da dinâmica imobiliária que resulta no processo atual de expansão urbana dessa Cidade Média. Valorização do solo urbano e dinâmica imobiliária A distribuição espacial dos empreendimentos horizontais e verticais em Montes Claros mostra o dinamismo dos setores de comércios e serviços, e, portanto, da construção civil e imobiliária que reflete na expansão urbana dessa cidade média que atualmente vivencia transformações socioespaciais do ponto de vista da estruturação do espaço urbano e seus impactos na produção habitacional e econômica. Verifica-se um novo padrão de urbanização que ocasiona novos usos e ocupação do solo urbano, com 202 isso, novas formas urbanas, por exemplo, os empreendimentos horizontais e verticais (Mapa 01). Mapa 01: Empreendimentos horizontais e verticais na cidade média de Montes Claros/MG Fonte: Secretária Municipal de Planejamento e Coordenação – SEPLAN, 2005; IBGE, 2010; e LAEUR, 2014. Org.: SILVA, F. G.2014 e FRANÇA, 2014. 203 Conforme apresentado no mapa159, Montes Claros possui aproximadamente 516 empreendimentos verticais, sendo que a maior parte está localizada na área core da cidade (32%); 26% na área Sul; 23% no Norte. Tem-se 18% dos empreendimentos na área Oeste e apenas 1% no Leste da cidade. Em relação aos empreendimentos horizontais, diagnosticou-se um total de 39 localizados predominantemente nas áreas Oeste e Sul da cidade, espaços que possuem maiores amenidades ambientais, infraestruturas urbanas e população com maior poder aquisitivo. Mapa 02: Número de pavimentos dos empreendimentos verticais em Montes Claros/MG. 59 A metodologia do mapa consistiu na combinação de técnicas que envolvem mapeamento direto, através de pesquisa de campo realizada em Maio de 2014 pelos pesquisadores do Laeur para coleta de dados da localização dos empreendimentos verticais e horizontais (tipos de empreendimentos, padrões de ocupação, número de pavimentos), onde foram obtidas as coordenadas geográficas. E ainda, análise e representação via imagem de satélite Quick Bird (2005), sobposta pelo shapefile logradouros do perímetro urbano da cidade de Montes Claros (Seplan, 2005). Cada ponto é uma localização específica, onde o amarelo representa os empreendimentos horizontais e os vermelhos os empreendimentos verticais. Os dados foram espacializados e trabalhados no SIG - Sistema de Informações Geográficas, no software ArcGiz e o modelo selecionado para a espacialização foi o mapa temático. 204 Fonte: Secretária Municipal de Planejamento e Coordenação – SEPLAN, 2005; IBGE, 2010; e LAEUR, 2014. Org.: SILVA, F. G.2014 e FRANÇA, 2014. Sobre a verticalização por número de pavimentos, a área central concentra a maior parte dos empreendimentos, destacando-se aqueles com até 18 pavimentos. A verticalização se destaca também em alguns eixos articulados à área central de Montes Claros como a Avenida Mestra Fininha que se estende até o bairro Morada do Sol. Outros eixos verticalizados importantes são as avenidas Deputado Esteves Rodrigues, Cula Mangabeira, com empreendimentos de grande estatura, até 20 pavimentos. Também na área central há o predomínio dos empreendimentos verticais de 4 a 6 205 pavimentos com diversos padrões de uso: residencial, comercial, misto, institucional, além de prestação de serviços. Esses empreendimentos concentram-se na área central. (Mapa 03). Mapa 03: Padrões de uso dos empreendimentos verticais em Montes Claros/MG. Fonte: Secretária Municipal de Planejamento e Coordenação – SEPLAN, 2005; IBGE, 2010; e LAEUR, 2014. Org.: SILVA, F. G.2014 e FRANÇA, 2014. Em Montes Claros as mudanças nas esferas econômicas, políticas, culturais e sociais são determinantes no processo de expansão urbana vertical e horizontal aqui apresentado. Soma-se a isso, a ação combinada de agentes dos segmentos imobiliários, indústria da construção civil e Estado via investimentos incidindo na especulação imobiliária. 206 A expansão territorial, no contexto das transformações do espaço interno da cidade, refere-se à anexação de novas áreas e à diferenciação intraurbana dos preços imobiliários. De forma geral, as áreas que passam mais intensamente pelo processo de negociação de terreno direcionam a expansão urbana, apontando a presença dos agentes imobiliários e sua influência sobre os preços fundiários na urbe. Estes agentes combinados ao mercado fundiário, ao se distribuírem por todas as áreas e direções da malha urbana, promovem o reordenamento na configuração territorial da cidade. As empresas ligadas aos negócios imobiliários atuam sobre os tipos de imóveis estrategicamente por meio da apropriação de ganhos imobiliários. (MELAZZO, 2001). O processo de produção do espaço urbano se consolida a partir da lógica capitalista, em que se agrega valor a terra e ao que nela se produz. Tal valorização está associada à mão de obra e ao capital. Diante disso, o capital reproduzido visando o lucro é refletido através da mais valia e do monopólio exercido por parte dos grandes latifundiários, ambos assim contribuem com as dinâmicas do mercado imobiliário. O mercado imobiliário para Vargas (2011) dispõe de mecanismos que atuam como reguladores do uso do solo, o principal é a especulação imobiliária que determina a valorização dos espaços urbanos sem que os mesmos disponibilizem uma boa infraestrutura, levando em consideração o fato de que infraestrutura é um dos elementos básicos determinantes no preço do solo urbano. Quanto ao processo de valorização do solo urbano Nas cidades, o capital investido na compra de terrenos, sejam eles para loteamento ou mesmo os pequenos lotes para habitação, deve ser convertido em lucro com base do processo de valorização. Portanto, o investimento no produto imobiliário ou na produção imobiliária urbana está relativo à conjuntura socioeconômica: envolvem agentes e interesses diversos, contextos socioespaciais e históricos e estruturas de sustentação da valorização econômica. (ROCHA, ALMEIDA, 2013, p.28). Nesse contexto, analisa-se o processo de valorização do solo sob duas perspectivas, o valor venal calculado pela prefeitura para fins de cálculo de imposto e o valor de mercado. Normalmente determina- se o valor do solo em função das dimensões do terreno, seguindo a lógica de que quanto maior o lote, maior o preço. Porém, esta proposição perde sua validade quando são atribuídas outras variáveis ao solo parcelado da cidade. 207 Diante disto, a cidade média de Montes Claros em constante processo de expansão, contribui com a dinâmica imobiliária e a valorização do m² do solo urbano. Para compreender os processos que levaram às atuais configurações espaciais da cidade, considerou-se o valor venal do metro quadrado do terreno, que é determinado conforme o logradouro, a localização do terreno na quadra, o tipo de terreno, assim como sua forma geométrica. (GUIA DO CONTRIBUINTE, 2013). Conforme os dados apresentados na tabela 01, explorando a classificação quanto à média de valor venal do m², nota-se que os bairros Vilage do Lago, Santo Amaro, Jardim Primavera possuem médias baixas, entre R$ 3,87 e R$ 5,64. Estes bairros estão distantes do núcleo central, se localizam nas bordas do perímetro urbano e não dispõem de boa infraestrutura urbana. Tabela 1. Valor venal e valor de mercado do m² construído em alguns terrenos em Montes Claros/MG. Bairros Media Venal Valor do Mercado Vilage do Lago II Santo Amaro Jardim Primavera Das acácias Ibituruna II Morada do Sol Jardim Panorama I Santo Expedito Melo São Luiz Centro Comercial R$ 3,87 R$ 5,14 R$ 5,64 R$ 58,25 R$ 59,19 R$ 62,77 R$ 65,93 R$ 69,30 R$ 117,52 R$ 118,98 R$ 1.251,11 R$ R$ R$ R$ R$ R$ R$ R$ R$ R$ R$ 1.166,00 2.090,00 2.300,00 2.375,00 2.631,00 1.718,00 2.658,00 1.644,00 2.850,00 2.850,00 3,076,00 Fonte: Prefeitura Municipal de Montes Claros e Classificados do Jornal Gazeta Norte Mineira. Org: Costa. V. A. M; 2014. Os bairros Das acácias, Ibituruna II, Morada do Sol, Jardim Panorama I e Santo Expedito possuem valorização média entre R$58,25 e R$69,30. Estes são bairros voltados principalmente para habitação de classe média com poucas atividades comerciais, se localizam próximos ao centro e são ligados por importantes avenidas da cidade, como por exemplo, a av. Mestra Fininha no bairro Morada do Sol e a av. Cula Mangabeira no Santo Expedito. Já os bairros Centro, Melo e São Luiz possuem os valores de terrenos mais altos da cidade que estão entre R$117,52 e R$1.251,11 (Centro). Isso se justifica pela 208 localização central que oferece serviços comerciais e também prestação de serviços, como bancos e hospitais. Mapa 04: Média do valor venal do m² em Montes Claros a partir de 1995. Fonte: Prefeitura Municipal de Montes Claros-MG. Com os dados expostos, constatou-se que no período analisado o solo se manteve em constante valorização. Verificou-se também a valorização da área central que dispõe de melhor estrutura. Quanto aos valores de mercado concedidos ao solo parcelado da cidade em geral são definidos pelo mercado imobiliário, que além das dimensões do terreno passa a considerar outros elementos urbanos como centralidade/segregação, oportunidades locacionais, uso e ocupação do solo e condições de mercado, influenciadas pela "lei da oferta e da procura". 209 Com o crescimento econômico da cidade média de Montes Claros aumenta a demanda de terrenos centrais para edificações, em sua maioria voltada para os setores comerciais e de serviços. Para analisar o valor do solo sob a perspectiva do valor de mercado (a partir dos por m² construído) foram levantados imóveis em bairros das cinco grandes áreas da cidade sendo elas, Norte, Sul, Leste, Oeste e Central. Tabela 2: Preços de Mercado de terrenos em Montes Claros/MG Valor de Área Construída Áreas Terreno Valor de Media do Valor Valor do m² Mercado Venal do m² no Construído do Terreno Bairro Norte São José Sul São Luiz Leste Independência Área total de 312 m² e área 470.000,00 construída 127de m² R$ 96,55 R$ 3.700,00 Área total de 360m², área 800.000,00 construída de 290m² R$ 118,98 R$ 2.758,00 Área Total de 100m² área 125.000,00 Construída de 50m² R$ 6,98 R$ 2.500,00 R$ 57,71 R$ 2.714,00 Oeste Prolongamento Área total de Área 380.000,00 Todos os Santos 276m² Construída de 140m² Central Núcleo Central Área total 290 m² área construída 800.000,00 R$ 1.251,11 R$ 3.076,00 260m² Fonte: Classificados do Jornal Gazeta Norte Mineira. Org: Costa. V. A. M; 2014. Na área central estão localizados os terrenos onde o m² construído possui o maior valor. Considerando um terreno no bairro Centro, onde a média do valor venal do m² é de R$ 1.251,11, quando atribuído o valor de mercado, a partir de características, 210 quer seja localização ou qualidade do imóvel, o valor do m² construído chega a R$ 3.076,00. Um terreno no Bairro São José, (área Norte) possui como média do valor venal R$96,55, já o m² construído a preço de mercado está no valor de R$ 3.700,00. A valorização no preço da área Norte está atrelada tanto pela localização, no caso do bairro São José próximo à área central. Na área Sul, no bairro São Luiz, a média do valor venal do m² é de R$118,98, e o valor de mercado do m² construído é de R$ 2.758,00. A alta no preço comercial do m² neste bairro está vinculada a localização e infraestrutura que dispõe. Um terreno localizado na área Leste da cidade, no bairro Independência, que tem a média venal do m² de R$6,98, quando atribuído valor de mercado atinge R$ 2.500,00. O preço comercial do m² nesta área se justifica pelos empreendimentos que a área dispõe ligados aos setores de comércios e prestação serviços. A área Oeste de Montes Claros é caracterizada, principalmente, pela boa estrutura urbana, com bairros que abriga uma população de alto poder aquisitivo, sede de algumas faculdades, shopping e grandes edifícios comerciais e/ou residenciais, também possui alto valor do m². Um terreno no bairro Prolongamento Todos os Santos tem a média venal do m² de R$57,71 e possui valor comercial de R$2.714,00. Assim, as áreas com maior valor do m2 do solo urbano apresentam melhor infraestrutura, a saber: 1) área central: predominância de principais prestações de serviços e atividades comerciais diversificadas e especializadas. Presença de equipamentos urbanos: praças, correios, bancos, hospitais, escolas, igrejas, órgãos públicos, etc.; 2) área sul e oeste: apresentam amenidades climáticas, proximidade à Serra do Mel, sede da principal universidade, faculdades particulares, shoppings centers, dentre outros. Já as áreas com menor valor do m2 do solo urbano, apresentam as seguintes características infraestruturais: 1) Norte e Leste: distantes da área central, baixa oferta de serviços e comércios e baixa qualidade da infraestrutura de mobilidade urbana, pavimentação, etc. Analisando a cidade na perspectiva do valor comercial do m², nota-se uma grande valorização no preço do mesmo, consequência da ação dos agentes promotores do espaço, seja pelo Estado, pelas incorporadoras, construtoras, agentes imobiliários, entre outros. Estes precificam o imóvel e o terreno, considerando o trabalho empregado, localização, uso do solo e estrutura, daí a especulação imobiliária. 211 Considerações finais O processo de urbanização no Brasil se intensificou ao longo do século XX acarretando um conjunto de mudanças estruturais na economia, na sociedade brasileira, nas cidades e nas redes urbanas em que se inserem. A cidade precisa ser examinada pelas suas especificidades, forma espacial, funções urbanas e conexões com a estrutura social. Nesse sentido, as cidades médias se individualizam dos demais espaços urbanos pelo seu dinamismo demográfico, econômico, infraestrutural, atração de investimentos diversos a partir da capacidade de reunir e centralizar atividades industriais, comércios e prestação de serviços de uma dada região em que se inserem. No Norte de Minas Gerais Montes Claros se consolidou após a década de 1970 como uma cidade média regional concentrando indústrias, instituições de ensino superior e técnico, estabelecimentos especializados em saúde, redes de supermercados atacadistas e varejistas, entre outras infraestruturas. As cidades médias carregam em seu processo histórico diversas marcas dos interesses capitalistas, com destaque para o setor imobiliário que, geralmente atrelado ao Estado, é um dos principais reprodutores do capital. Tal setor vem-se dinamizando nas cidades médias, como é o caso de Montes Claros. Nesta cidade média norte-mineira a indústria da construção civil se expande. Identificou-se 555 empreendimentos, desse total, 39 são horizontais e 516 verticais. A expansão urbana vertical possui o marco e a concentração na área central. Todavia, se espalha para outros bairros da cidade, sendo que a maior parte desses empreendimentos possui quatro pavimentos com uso predominantemente residencial. Mas verificaram-se edifícios com mais de 10 pavimentos na área central, Avenida Mestra Fininha e bairro Ibituruna comportando usos diversos como residencial, comercial, misto e prestação de serviços. Os empreendimentos horizontais foram construídos em Montes Claros a partir dos anos 2000. A distribuição espacial desses empreendimentos no espaço urbano de Montes Claros configura-se a partir das seguintes características: segurança, amenidades ambientais, infraestrutura, exclusividade social. Neste aspecto, a zona oeste de Montes Claros é a área de maior concentração desses empreendimentos, notadamente no Bairro 212 Ibituruna. Esta área de Montes Claros apresenta características bastante peculiares que a difere de outras, tais como boa infraestrutura, relativa proximidade com a área central, a presença da Serra da Sapucaia que lhe confere amenidades ambientais e paisagismo. Ademais, esta área da cidade é ocupada por uma população de alta renda. O processo de expansão urbana vertical e horizontal em Montes Claros transformou a cidade produzindo impactos significativos na economia e na sociedade urbana, gerando mudanças principalmente nas classes sociais. Tais transformações são percebidas através da morfologia da cidade. Nesse cenário é importante mencionar que o mercado imobiliário é responsável pela valorização do solo urbano, tendo as famílias tradicionais como os principais proprietários de terrenos na área urbana. Juntamente com o aparato público, os empreendedores imobiliários aumentam sua lucratividade, transformam a dinâmica urbana e econômica, promovendo novos modos de morar, consumir e reproduzir o espaço urbano como a segregação socioespacial e o controle no mercado de terras. Essa expansão urbana imobiliária relaciona-se, ainda, à produção de empreendimentos para demandas de moradias, negócios e, com isso, a reprodução capitalista. O incremento da construção civil em Montes Claros, associado ao processo de expansão urbana assistido nessa cidade média, demonstra que o setor vem crescendo e estruturalmente, principalmente no que se refere ao oferta de empregos que vem evoluindo nas últimas décadas. Os dados apresentados ressaltam o aquecimento do setor imobiliário que proporciona novas possibilidades para uso e ocupação do solo urbano, corroborando para a valorização do mesmo. Analisado sob duas perspectivas, o solo urbano na cidade de Montes Claros se mantém em constante valorização em todas as áreas, quer seja no valor venal, para cálculo de Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) da prefeitura considerando localização, estrutura e, também na perspectiva do m² construído no valor do mercado. O valor do terreno neste caso é calculado considerando a mão de obra empregada, localização, estrutura do imóvel e infraestrutura do bairro. Em ambos os casos, os valores mostraram-se mais elevados na área central em função de sua estrutura urbana e disponibilidade de comércios e serviços. A produção do espaço urbano é uma questão central para os estudiosos interessados nas cidades médias brasileiras. No caso de Montes Claros, ao lado de um grande número de lotes vagos e de enormes glebas ainda não urbanizadas, há áreas 213 densamente construídas, por vezes verticalizadas, bem como áreas com potencial de expansão de loteamento e condomínios horizontais (espacialmente distribuídos nas áreas periféricas), conferindo assim “novas urbanizações” e/ou “urbanidades” a esta cidade média. Trata-se de um processo intenso que demonstra a força dos capitais econômicos e imobiliários em ocupação de terrenos de alto valor mercadológico. Com essas estratégias políticas e econômicas muitas modificações marcam o espaço urbano montesclarense, redefinindo o preço e o uso do solo e alterando a paisagem e o meio ambiente urbanizado. AGRADECIMENTO: CNPq e FAPEMIG. Referências Bibliográficas ANDRADE, Thompson Almeida; SERRA, Rodrigo Valente. As Cidades Médias e o Processo de Desconcentração Espacial das Atividades Econômicas no Brasil: 1990/95. Revista RBEUR. 2013. Acesso: fev. 2015. Disponível em: file:///C:/Documents and Settings/pedropaulo/Meusdocumentos/Downloads/ena8(1)/ena8/ena8/VIII_EN_ANPU R/HTML/thompson_andrade_1_a4.htm. CASTELLO BRANCO, M. L. G. Algumas considerações sobre a identificação de cidades médias. In: SPOSITO, M. E. B. (Org.). Cidades Médias: espaços em transição. São Paulo: Expressão Popular, 2007.p.89-111. CNI – Confederação Nacional das Indústrias. Sondagem Indústria da Construção. Indicadores CNI - ISSN 2317-7322, Ano 4, nº 12, Dezembro de 2013. Disponível em: http://www.fiemt.com.br/arquivos/1404_sondagem_industria_construcao_dez_2013.pdf . Acesso em 08/01/2015. CNI – Confederação Nacional das Indústrias. Sondagem Indústria da Construção. 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Considerações iniciais sobre a urbanização brasileira: recortes locais A urbanização enquanto fenômeno social se destaca como um processo típico da sociedade moderna que encontra na cidade as melhores condições para se desenvolver. De acordo com Santos e Silveira (2001, p. 21), “a urbanização significa ao mesmo tempo uma maior divisão do trabalho e uma imobilização relativa e é, também, um resultado da fluidez aumentada do território”. No Brasil, a partir da década de 1960, a urbanização passou a se caracterizar como um processo dinâmico que surgiu da interação indústria-modernização do campo, promovendo transformações econômicas e políticas que, continuamente, têm desenhando novas formas de organização do espaço urbano. De início as metrópoles representavam o principal destino dos fluxos oriundos do campo, depois, as demandas impostas pelo cenário econômico e político do país, redirecionaram os fluxos para outros locais, com destaque para as aglomerações urbanas não metropolitanas, especialmente as cidades médias. Fato que contribuiu, segundo Baeninger (2003, p. 60 Professora de Programa de Pós Graduação Território e Expressões Culturais no Cerrado da Universidade Estadual de Goiás; Pós Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, sob orientação da Profa. Dra. Beatriz Ribeiro Soares. 216 285) “para amenizar o crescimento das metrópoles e, de outro, para o adensamento da rede urbana brasileira.”. Por sua vez, os antecedentes da urbanização nas áreas de Cerrado da região Centro-Oeste, especialmente em Goiás, remetem para as políticas nacionais de colonização, década de 1930, quando o discurso estatal direcionava para a interiorização do povoamento e da economia simbolizado pela construção de Goiânia. Porém, apenas a partir da década de 1960, quando foram construídas as bases para a introdução das frentes modernas de ocupação e, a partir da década de 1970, com o desenvolvimento da produção agrícola moderna, a urbanização se destacou no território goiano. A tecnificação da produção e sua consequente mecanização contribuíram para a agroindustrialização e a formação dos sistemas produtivos locais que influenciaram no desenvolvimento dos principais centros urbanos de Goiás, exemplificados na parte central por Goiânia e Anápolis e no sul por Rio Verde. Ainda na década de 1960, a construção de Brasília contribuiu para o incremento demográfico regional e criação de redes de infraestrutura importantes para a articulação do estado de Goiás com os demais estados do país. Nas décadas posteriores, a concentração nas áreas urbanas continuou a ocorrer e as atividades econômicas se diversificam com as atividades terciárias, comércio e serviços, além da indústria. Inclusive, na década de 1970, foi implantado o primeiro distrito industrial de Goiás na cidade de Anápolis, um marco para o desenvolvimento regional. O desenvolvimento econômico propiciado pela modernização das estruturas locais influenciou na concentração da população nas cidades, cada vez mais atrativas para os fluxos migratórios em busca de melhores condições de vida que nem sempre são satisfeitas, (ver Tabela 1). Tabela 1- População nos Censos Demográficos por situação do domicílio, 1960 e 2010 1960 2010 Brasil, Grande Urban Região e Unidade da a (%) Rural Total Urban Rural (%) a (%) (%) 84,36 15,64 Total Federação Brasil 45,08 54,92 70.992.3 43 217 190.755.7 99 Centro-Oeste 37,16 62,84 2.678.38 88,80 11,20 0 14.058.09 4 Mato Grosso do Sul 41,76 58,24 579.652 85,64 14,36 2.449.024 Mato Grosso 36,88 63,12 330.610 81,80 18,20 3.035.122 Goiás 33,29 66,71 1.626.37 90,29 9,71 6.003.788 96,58 3,42 2.570.160 6 Distrito Federal 63,28 36,72 141.742 Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1960 e 2010. Disponível em /protabl.asp?c=1286&z=t&o=25&i=P Acesso em out./2014. http://sidra.ibge.gov.br/bda/tabela Assim em Goiás e demais unidades federativas do Centro-Oeste, se por um lado há esse processo de intensificação da urbanização, por outro, as cidades passaram a apresentar inúmeros problemas como, por exemplo, a demanda por moradia para comportar esses novos contingentes populacionais. Pois, as cidades se estruturam em função da dinâmica e dos interesses da sociedade e nos “oferece condições para que esse interesse e ações se realizem, contribuindo para determinar o próprio movimento oriundo desse conjunto de ações”, (SPOSITO, 2008, p. 14). Com isso, os problemas urbanos oriundos do descompasso entre o rápido crescimento demográfico e as deficiências de infraestrutura se destacam no cenário goiano nos dias atuais. Dessa forma, o uso do solo urbano assume importância com a socialização das condições gerais da produção e a capacidade de aglomerar, além de combinar meios de produção e de reprodução. Implica, portanto, na questão da segregação, quer como oposição entre centro e periferia ou separações crescentes entre as zonas de moradias reservadas para as camadas sociais mais privilegiadas e as zonas de moradia popular. E, também, no exercício do poder, considerando que “o poder não é apenas estar em condições de realizar por si mesmo as coisas, é também ser capaz de fazer com que sejam realizadas por outros” (CLAVAL, 1979, p. 11). Pois, o uso do solo urbano, não se refere apenas ao crescimento da população, mas, inclusive, como vivem esses moradores na cidade, em especial, fixados em Áreas de Interesse Social (AEIs). Trata-se de um fenômeno que envolve, portanto, a dimensão espacial, pois, o uso do solo agrega a noção de um espaço possível de ser diferenciado pela forma como é apropriado, assim, transformado em território. A organização ou ordenamento territorial passa a ser uma característica inerente ao processo de uso e ocupação do solo e, com isso, está articulado às estratégias políticas de intervenção no espaço urbano. 218 2. Política urbana, planejamento urbano e a construção da Habitação de Interesse Social na escala local no viés das comunidades sustentáveis No Brasil, a questão da política urbana recebeu pouca atenção antes da década de 1970. Até então, as iniciativas eram pontuais e, na maioria dos casos, fracassaram em função de problemas econômicos e políticos existentes no país. Em uma rápida análise do desenvolvimento da política urbana no Brasil na década anterior, no início do período militar (1964-1986), é possível identificar ações alicerçadas na questão habitacional, a exemplo da criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) e do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), por meio da Lei no. 4.380, de 21 de agosto de 1964. Depois, o SFH foi reformulado com a criação do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), Decreto no. 59.917 de dezembro de 1966. Ainda na década de 1970, com a criação do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), em suas várias versões, viabilizou-se a Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana (CNPU), limitada em sua atuação pela falta de recursos, mesmo com a criação em 1975 do Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano (FNDU) e da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU), que direcionariam uma parte de sua arrecadação para a CNPU. Em 1979, a CNPU, é substituída pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU), atuando no âmbito do Ministério do Interior, na alçada da Subsecretária de Desenvolvimento Urbano, todavia, as competências da CNDU foram mais claramente explicitadas, apesar de não possuir nenhum poder decisório, (BERNARDES, 1985). A partir de 1970, a modernização da agricultura acentuou o processo de urbanização, principalmente, das grandes cidades, esse fato marcou a criação das áreas metropolitanas, que passaram a receber uma atenção diferenciada. Surgiram políticas específicas para as áreas metropolitanas, para cidades médias e pequenas. Trata-se de uma política marcada pela centralização da tomada de decisões e recursos, fato que provocou diversos problemas nas cidades, com o corte no repasse das verbas para os municípios em decorrência do agravamento da situação econômica do país com as crises do petróleo de 1973 e 1979. No início dos anos 1980, passou a tramitar no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Desenvolvimento Urbano. Uma fase que foi marcada pelo discurso da 219 redemocratização do país, gerando o ressurgimento dos movimentos sociais e da implantação da Assembleia Nacional Constituinte, que priorizou a descentralização do poder, com bases estabelecidas por meio da Constituição Federal de 1988. Inclusive, os artigos 182 e 183 que compõem o capítulo sobre política urbana expressam a importância da participação popular e a atuação do poder público municipal, além de reafirmar a obrigatoriedade do Plano Diretor para municípios, entre outros, com mais de 20.000 habitantes, bem como define os campos de atuação dos governos estaduais e municipais. Todavia, a regulamentação da política urbana no país preconizada nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988 só ocorreu em 10 de julho de 2001, por meio da Lei no 10.257 – O Estatuto da Cidade. Na qual são estabelecidas as diretrizes gerais da política urbana no país, uma reivindicação oriunda dos movimentos sociais pela reforma urbana ao longo da fase de redemocratização. Nesse contexto, o Plano Diretor se consolidou um dos principais instrumentos da política urbana no âmbito municipal, todavia, percebe-se a necessidade de desenvolvimento de políticas setoriais para atender às necessidades geradas pela rápida expansão das áreas urbanas, acompanhada do crescimento demográfico e ampliação dos problemas urbanos. Tal realidade é reconhecida, inclusive na escala nacional pelo Ministério das Cidades (2010, p. 6): Esta realidade é fruto de políticas de planejamento e gestão urbana excludentes, que não consideram as diferentes demandas sociais e econômicas da população brasileira e são baseadas em padrões de regulação urbanística voltados para setores restritos das cidades. Este modelo de planejamento tem implicações profundas na forma e no funcionamento das nossas cidades: concentração de empregos em poucas áreas; distantes do local de moradia; excessiva necessidade de deslocamentos e ocupação de áreas de proteção ambiental por falta de alternativas; entre outras. Nas cidades brasileiras existe um descompasso entre o reconhecimento dos pressupostos da política urbana nacional e a aplicação dos instrumentos de intervenção na elaboração do planejamento urbano. Além disso, a adoção de um ou outro instrumento não significa que o mesmo será implementado. Uma vez que cabe ao governo local no processo de planejamento, adotar ou não, os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade. Por isso, é importante estabelecer mecanismos de acompanhamento e avaliação por parte da sociedade, garantindo um envolvimento maior da mesma no 220 processo de discussão e planejamento urbano, pois é a comunidade local que conhece sua realidade e problemas. Inclusive, Villaça (2003, p.29) ressalta que: Nossas cidades são hoje o lócus da injustiça social e da exclusão brasileiras. Nelas estão a marginalidade, a violência, a baixa escolaridade, o precário atendimento à saúde, as más condições de habitação e transporte e o meio ambiente degradado. Essa é a nova face da urbanização brasileira, (grifo do autor). É nesse cenário conflituoso que a questão da qualidade de vida e da produção de comunidades sustentáveis se apresenta como uma dimensão que exige atenção. Uma leitura que deve avançar para além do discurso pós Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio-92, quando as premissas da Agenda 21 Local foram estabelecidas, (FUMEGA, 2011). Pois, no Brasil as bases do debate sobre sustentabilidade foram apropriadas de forma aleatória na produção dos planos diretores elaborados nos últimos anos. De acordo com Acselrad (1999, p.81): A associação da noção de sustentabilidade ao debate sobre desenvolvimento das cidades tem origem nas rearticulações políticas pelas quais um certo número de atores envolvidos na produção do espaço urbano procuram dar legitimidade a suas perspectivas, evidenciando a compatibilidade delas com os propósitos de dar durabilidade ao desenvolvimento, de acordo com os princípios da Agenda 21, resultante da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, (ACSERALD, 1999, p. 81). Porém, só o discurso não altera a realidade, assim é comum a produção paralela de um planejamento no qual se ressalta a uma imagem ilusória da cidade, objetivando a projeção de um cenário positivo que atraia os interesses externos, conforme ressalta Rodrigues (2013, p. 6): Para vender a imagem de uma cidade moderna se escondem a miséria, a pobreza, a falta de moradia adequada, de saneamento básico e de transportes coletivos de qualidade. A imagem da cidade esconde a realidade contraditória, já que a cidade capitalista é, em sua essência, excludente para a maioria. 221 Com isso, a problemática urbana se torna complexa e as questões emergentes que influem na vida cotidiana de seus moradores passam para um segundo patamar na agenda decisiva dos gestores locais. Pois, uma comunidade sustentável deve, segundo o estudo The Egan Review: Skills for Sustainable Communities, deve: [...] atender às diversas necessidades dos moradores atuais e futuros, de suas crianças e outros usuários, contribuir para uma elevada qualidade de vida e proporcionar oportunidade e escolha. Isto é conseguido de forma a fazer uso eficiente dos recursos naturais, melhorar o meio ambiente, promover a coesão social e inclusão e fortalecer a prosperidade econômica. (EGAN, 2004, p. 18). Entretanto, na realidade brasileira atual, existe um longo caminho a percorrer. É evidente que a sociedade possui sua parcela de responsabilidade na realidade posta, entretanto, vislumbram-se perspectivas de mudança com a ampliação da participação popular, via movimentos sociais e organizações de moradores nos fóruns e conselhos populares. Para Egan (2004) a formação de comunidades sustentáveis envolvem os seguintes elementos ou componentes: governança eficaz com participação inclusiva, representação e liderança; transporte e conectividade de qualidade que proporcionem a ligação das pessoas ao emprego, escola, saúde e outros serviços; uma dimensão social e cultural que seja vibrante, harmoniosa e inclusiva; habitações e construções que respeitem a características naturais do ambiente; oferta de uma gama completa e apropriada de serviços públicos, privados, comunitários e voluntários; base econômica local diversificada e florescente; e, por fim, lugares para vivência ambientalmente amigável. Portanto, os elementos ou componentes destacados por Egan (2004) são importantes na compreensão do significado de cidades sustentáveis, bem como orientam no sentido de que a informação seja uma ferramenta disponível na comunidade, tanto para auxiliar na capacitação de seus membros como no fornecimento de informações. Esses aspectos coincidem com as diretrizes gerais do Estatuto das Cidades e coadunam com as demandas existentes no espaço urbano brasileiro. Em especial na perspectiva de desenvolver comunidades sustentáveis que garantam a qualidade de vida tão necessária em nossas cidades. Pois, a qualidade de vida representa, conforme Herculano (2000, p. 22): 222 A soma das condições econômicas, ambientais, científicoculturais e políticas coletivamente construídas e postas à disposição dos indivíduos para que estes possam realizar suas potencialidades: inclui a acessibilidade à produção e ao consumo, aos meios para produzir cultura, ciência e arte, bem como pressupõe a existência de mecanismos de comunicação, de informação, de participação e de influência nos destinos coletivos, através da gestão territorial que assegure água e ar limpos, higidez ambiental, equipamentos coletivos urbanos, alimentos saudáveis e a disponibilidade de espaços naturais amenos urbanos, bem como da preservação de ecossistemas naturais. É evidente que o processo de urbanização, após a década de 1970, não se fez acompanhar de ações voltadas para dotar a cidade de infraestruturas e recursos capazes de atender à nova configuração espacial que se desenhava, contribuindo para a qualidade de vida de seus moradores. Com isso, passou a predominar o crescimento desordenado das cidades com a falta ou deficiência dos serviços básicos de atendimento, os problemas ambientais, a segregação/exclusão com a consequente periferização das camadas de menor renda, a ampliação das desigualdades sociais, especialmente, no que tange à demanda por moradia, entre outras questões. É nesse cenário que se desenvolve a justificativa básica para a edificação de conjuntos Habitacionais de Interesse Social (HIS) no país, especialmente a partir de 2000. Ela parte do reconhecimento da existência do déficit de moradias, ou seja, uma oferta inferior à demanda, especialmente, na faixa que abrange a população com rendimento de até três salários mínimos, a camada mais pobre da população. Sem a oferta suficiente de moradias a um custo acessível, resta a essa faixa de população a ocupação dos denominados assentamentos precários que, segundo Cardoso, Araújo e Ghilardi (2010, p. 78), correspondem “ [...] às situações das áreas ocupadas irregularmente, seja do ponto de vista jurídico, seja do ponto de vista urbanístico, e que apresentem deficiências de infraestrutura e acessibilidade”. A questão da Habitação de Interesse Social se articula com os pressupostos da Política Nacional de Habitação (PNH), no qual um dos instrumentos é o Plano Nacional de Habitação (PlanHab), além do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), compondo o Sistema Nacional de Habitação Social (SNHIS), (Lei 11.124, de 16 de junho de 2005). Enquanto o PlanHab prevê ações e metas que visam período mais 223 longos, por meio do FNHIS são viabilizados recursos para a adoção de ações mais imediatas, entretanto tais mecanismos exigem a o desdobramento do planejamento direcionado para a HIS na escala local. No país existem vários programas na esfera federal que tratam da Habitação de Interesse Social, entre eles se destacam: Habitação de Interesse Social (HIS); Ação Provisão Habitacional de Interesse Social; Ação Provisão Habitacional de Interesse Social – Modalidade; Apoio à elaboração de Planos Habitacionais de Interesse Social (PLHIS); e, Urbanização de Assentamentos Precários (UAP). De modo geral estes programas atendem a faixa de até 1.050,00 reais, ou de mais baixa renda, com projetos de visam a produção ou aquisição de unidades habitacionais, lotes urbanizados e de requalificação de imóveis. O financiamento dos projetos exige, entre outras deliberações, que a administração local mantenha o registro atualizado dos beneficiados Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). No caso participam dos programas diferentes agentes: o Ministério das Cidades como gestor; a Caixa Econômica Federal como agente operador; as administrações públicas locais como proponentes e executores; e, as famílias atendidas como beneficiários. Outro programa que tem repercutido na produção de moradia para a população com renda de até 5.000,00 reais é o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), lançado pelo Decreto da Presidência da República Nº 6.819, de 13 de abril de 2009. O programa compreende, basicamente, o Programa Nacional de Habitação Urbana (PNHU) e o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR); além, de forma geral, autorizar a União a transferir recursos para operacionalizar o programa. É, principalmente, no âmbito do PNHU que estão sendo criados os conjuntos de HIS na maioria das cidades brasileiras. Muitos projetos fazem parte das estratégias e ações previstas no PLHIS, cuja a elaboração segue as orientações do Ministério das Cidades (MinCidades) que destaca os seguintes princípios (Cadernos Cidade e Habitação, 2008, p. 31, grifos nossos): - Direito à moradia, enquanto um direito humano, individual e coletivo, previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição Brasileira de 1988. O direito à moradia deve ter destaque na elaboração dos planos, programas e ações, colocando os direitos humanos mais próximos do centro das preocupações de nossas cidades; 224 - - - - - Moradia digna como direito e vetor de inclusão social garantindo padrão mínimo de habitabilidade, infraestrutura, saneamento ambiental, mobilidade, transporte coletivo, equipamentos, serviços urbanos e sociais; Função social da propriedade urbana buscando implementar instrumentos de reforma urbana a fim de possibilitar melhor ordenamento e maior controle do uso do solo, de forma a combater a retenção especulativa e garantir acesso a terra urbanizada; Questão habitacional como uma política de Estado uma vez que o poder público é agente indispensável na regulação urbana e do mercado imobiliário, na provisão da moradia e na regularização de assentamentos precários, devendo ser, ainda, uma política pactuada com a sociedade e que extrapole um só governo; Gestão democrática com participação dos diferentes segmentos da sociedade, possibilitando controle social e transparência nas decisões e procedimentos; Articulação das ações de habitação à política urbana de modo integrado com as demais políticas sociais e ambientais. Os princípios expostos antes destacam a importância do Estado no processo de ordenamento territorial e sua atuação no campo da moradia popular ou das HIS, sendo um aspecto relevante que destaca a necessidade de ações descentralizadas, reforçando o papel e a função do planejamento na escala local, pois, “trata-se da escala por excelência do planejamento e da gestão das cidades”, (SOUZA, 2003, p. 106). O ordenamento territorial está relacionado com o planejamento e gestão do espaço, com as ações e estratégias destinadas a regular e organizar o uso do solo e, na prática, o zoneamento da cidade com estabelecimentos de áreas com usos específicos. Ou seja, no processo de ordenamento e planejamento a existência do PLHIS não possui significado sem estar conectado com as normas que regulam o zoneamento e uso do solo no município. Assim, as ações voltadas para atender às demandas da HIS articulam, tanto com as metas contidas nos planos nacionais e locais, como com o Plano Diretor e as leis que o regulamentam. Para Corrêa (1995), nessa perspectiva, a atuação do Estado como agente na produção do espaço urbano no processo de ordenamento, planejamento, intervenção/regulação e gestão do espaço, entre outras funções, oportuniza o desenvolvimento de ações e estratégias capazes de, pelo menos, reduzir as disparidades existentes e propiciar uma qualidade de vida adequada para seus moradores. Além de 225 ações que articulem, necessariamente, as diferentes dimensões ou escalas espaciais, conforme destaca Souza (2003, p. 73): Se a finalidade última do planejamento e da gestão é a superação de problemas, especialmente fatores de injustiça social, ambos deveriam ser vistos como pertencendo ao amplo domínio das estratégias de desenvolvimento, ao lado de estratégias de desenvolvimento regional, nacional, etc.. E, acrescenta sobre o desenvolvimento urbano: Para sistematizar, pode-se assumir que o desenvolvimento urbano, o qual é o objetivo fundamental do planejamento e da gestão urbanos, deixa-se definir com a ajuda de dois objetivos derivados: a melhoria da qualidade de vida e o aumento da justiça social, (SOUZA, 2003, p. 75, grifos do autor). Pensar o desenvolvimento de comunidades sustentáveis nessa perspectiva representa uma ruptura necessária com o modelo estabelecido pelo Estado nas diferentes esferas de poder, alicerçado na construção de conjuntos habitacionais para ampliar o acesso à moradia para as camadas mais pobres. Conjuntos que constituem um aglomerado de famílias que têm dificuldades de estabelecer redes que as articulem e, assim, desenvolver a vida em comunidade. Famílias que se isolam em suas unidades e não usufruem da vida em comunidade que poderiam obter por meio da interação que a proximidade lhes proporciona, conforme Fumega (2011, p. 61): As grandes vantagens que se obtém de bairros bem definidos nos seus limites são várias sendo importante sublinhar a rede social finita. Num local de dimensões não muito grandes as probabilidades das pessoas se conhecerem e interagirem é bastante maior do que num espaço sem limites definidos e sem um espaço próprio. A partir do momento que a ênfase deixa de ser exclusiva na construção de unidades habitacionais para o estabelecimento de condições gerais que propiciem a integração do morador com a sua comunidade é possível desenvolver comunidades sustentáveis. Onde se valoriza a dimensão local e o bairro, mais que um conjunto, torna-se unidade de referência espacial, onde a interação, o contato e a troca se realizam cotidianamente, integrando diferentes camadas da sociedade 3. A produção dirigida da Habitação de Interesse Social na escala local Na discussão sobre HIS é necessário contextualizar a questão na escala local, onde o lugar tem significado. Pois, conforme Carlos (1996, p. 15) “o lugar abre a 226 perspectiva para pensar o viver e o habitar, o uso e o consumo [...] ao mesmo tempo em que expõe as pressões que se exercem em todos os níveis”. Também destaca: Nas estratégias dos planos o uso é pensado na perspectiva de uma simplificação das necessidades e, desse modo aparece separadamente, na cidade, a partir do estabelecimento de funções bem delimitadas, coma aquela da moradia, do trabalho e do lazer. A partir daí se busca uma solução técnica aos problemas que emergem de cada uma dessas funções separadamente. (CARLOS, 2011, p.12, grifo da autora). Nesse contexto, a cidade de Anápolis (GO), localizada entre os dois principais centros urbanos da região Centro-Oeste do Brasil, Goiânia (capital estadual) e Brasília (capital federal), centraliza nosso interesse de estudo e caracteriza-se por ser uma cidade média que exerce a função de centro regional. A localização da cidade de Anápolis (GO) representa uma peculiaridade, ao mesmo tempo, um elemento estratégico para o seu desenvolvimento, apresentando atividades econômicas diversificadas que a projetam, tanto na dimensão regional como na nacional. A abertura de conjuntos habitacionais destinados à população de baixa renda, denominados de Habitação de Interesse Social (HIS), tornou-se expressiva nos últimos anos na cidade de Anápolis, em uma ação que promove deslocamentos de um número significativo de pessoas. Pois, ao considerarmos o número de quatro habitantes por domicílio, conforme emprega o IBGE para Goiás, os 17 novos conjuntos construídos entre o ano de 2000 e 2013, englobando 5.565 unidades, contariam com cerca de 22.260 habitantes, oriundos de diferentes partes da cidade. Esses moradores irão impactar a rede de serviços, infraestrutura e atividades no novo local de moradia. O que nos faz questionar se os locais onde são sendo implantadas as HIS estão preparados para atender às novas demandas. Ademais, a abertura de novos conjuntos habitacionais nas franjas do perímetro urbano contribui para o espraiamento da mancha urbana e periferiza, cada vez mais, a população de baixa renda. Os problemas de infraestrutura atingem tanto as áreas localizadas nas franjas da mancha urbana, ou seja, nas áreas de expansão, como as situadas em áreas de críticas ou de risco estabelecidas ao longo das últimas cinco décadas, por exemplo, destacando as áreas: do Bairro Paraíso (Morro do Cachimbo), uma ocupação iniciada na década de 1960 em terreno com declividade acentuada, encosta de morro; a área às margens do 227 córrego Água Fria no Bairro Anápolis City, ocupando áreas sujeitas à enchentes e de preservação desde 1969; e, a região do Vivian Park II, saída sul, um local com deficiência de infraestrutura e sujeita à erosão com uma ocupação crescente desde 1990. Além dessas, outras áreas foram identificadas durante as discussões para a elaboração do PLHIS em Anápolis, Mapa 1: Mapa 1 – Áreas de assentamentos precários em Anápolis (GO), 2010 Fonte: Luz (2010) Essa dinâmica implica na adoção de mecanismos capazes de organizar, planejar e gerir de forma eficiente o seu desenvolvimento, reduzindo as disparidades existentes e os desequilíbrios gerados pelo crescimento e apropriação desordenados do território no qual a cidade se estrutura. De forma geral, o município de Anápolis tem uma área de 918,37 km² e densidade demográfica de 364,81 hab./km², sendo que a área urbana concentra 98,3% de seus habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010). Em específico, entre as décadas de 1950 e 2010 a população total do município cresceu 565,56%, com uma concentração predominante na área urbana. E, segundo dados da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano Sustentável para 2010, a cidade passou a contar com aproximadamente 305 bairros e loteamentos. A 228 ocupação desses espaços com o crescimento populacional repercute no processo recente de urbanização de Anápolis que apresenta taxas significativas, conforme os dados do Censo Demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), (ver Tabela 2): Tabela 2 – Distribuição da população urbana e rural de Anápolis (GO), 1980 a 2010 População 1980 1991 2000 2010 Tot./hab. % Tot./hab. % Tot./hab. % Tot./hab. Urbana 163.096 90,6 226.925 94,8 280.164 97,3 329.170 98,3 Rural 16.916 9,4 12.453 5,2 7.921 5.862 1,7 Total 180.012 100,0 239.378 100,0 335.032 100,0 2,7 288.085 100,0 % Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1980/1991/2000 e 2010. Organização: Luz (2014) No caso do município de Anápolis (GO), o crescimento populacional se caracterizado pelo elevado percentual de população na área urbana, agrava os problemas habitacionais, principalmente, na faixa de renda mais baixa até três salários mínimos, que engloba 56,9% dos residentes em domicílio na cidade, conforme dados do IBGE (2010). De modo geral, do universo de 104.258 domicílios existentes na cidade, apenas 69.637 são próprios, o que corresponde a 66,8 % dos domicílios, os demais são cedidos ou alugados. E, estima-se que exista no contexto local, conforme dados preliminares do Plano Local de Habitação Social de 2011 (PLHIS), um déficit habitacional de 18.900 domicílios. O que destaca a necessidade da administração municipal de promover o desenvolvimento de projetos de Habitação de Interesse Social (HIS) no município. Na esfera local, o Plano Diretor representa o principal instrumento de política urbana, tendo sido regulamentado por meio da Lei Complementar Nº 128, de 10 de outubro de 2006, que preconiza: Art. 2o - O Plano Diretor Participativo é o instrumento básico da política de desenvolvimento urbano da cidade e incorpora a sustentabilidade sócio-espacial no modelo de desenvolvimento do Município quando da definição de estratégias e diretrizes para a execução dos planos setoriais, programas e projetos. Entretanto, no âmbito local, a execução de projetos para a construção de conjuntos de HIS, depende da disponibilidade de Áreas Especiais de Interesse (AEI) 229 que atendem a diferentes finalidades: econômica; urbanística; estratégica; ambiental; e, social. No Município de Anápolis, segundo o Plano Diretor Participativo (PDP) no Artigo 34, são “consideradas áreas de interesse social – AEIS aquelas destinadas primordialmente à produção e à manutenção de habitação de interesse social [...]”. Sua delimitação ocorre por meio de lei específica que norteia o zoneamento urbano. Neste caso em específico, salienta-se a importância de atentar para a inclusão de áreas vazias no interior das zonas de interesse social, sobre as quais poderão incidir os demais instrumentos regulamentados pelo Estatuto da Cidade para garantir função social do solo urbano, seu uso, posse e, consequentemente, possibilitar a realização de projetos futuros. Nesse sentido, entre 1980 e 2000 foram construídos três conjuntos residenciais de interesse social na cidade: a Vila Esperança I e II; o Conjunto Filóstro Carneiro Machado I e II etapas; e, o Conjunto Morada Nova I e II. Entre 2000 e 2009, quando foi criado o PMCMV, foram contratados os seguintes empreendimentos, (Quadro 1): Quadro 1 – Empreendimentos contratados junto a Caixa Econômica Federal na cidade de Anápolis (GO) de 2003 a 2007 Empreendimento Data de Contratação Residencial Serra Dourada 18/09/2003 Residencial Maria Augusta 25/08/2006 Residencial Jibran 22/12/2006 Residencial Itororó 30/03/2007 Residencial Reny Cury 25/06/2007 Residencial Calixtópolis 27/06/2007 Residencial Gabriela 31/12/2008 Fonte: Caixa Econômica Federal (2014). Nº de Unidades 176 101 100 101 296 98 118 A partir da de 2009, o PMCMV passou a financiar projetos na cidade para atender a demanda da faixa de renda até 1.600 reais, que se enquadram nas modalidades de financiamentos da Construção de Empreendimentos com Recursos do FAR e com Recursos FDS. Nesse sentido, foram contratados os seguintes empreendimentos: Quadro 2 – Empreendimentos contratados junto a Caixa Econômica Federal no PMCMV na cidade de Anápolis (GO) a partir de 2009 Empreendimento Data de Nº de Modalidade Contratação Unidades Residencial Santo 24/07/2009 122 PMCMV Recursos FAR Antônio 230 Residencial 31/08/2009 Copacabana Residencial 11/12/2009 Summerville Residencial Jardim 20/08/2010 Itália II Residencial Leblon 24/12/2010 Residencial do Servidor 27/12/2010 Residencial Santo 29/12/2010 Expedito Residencial Nova 30/11/2011 Aliança Residencial Girassol 26/10/2012 Residencial Colorado 29/05/2013 Fonte: Caixa Econômica Federal (2014). 1.125 PMCMV Recursos FAR 256 PMCMV Recursos FAR 200 PMCMV Recursos FDS 825 352 287 PMCMV Recursos FAR PMCMV Recursos FAR PMCMV Recursos FAR 196 PMCMV Recursos FAR 200 512 PMCMV Recursos FDS PMCMV Recursos FAR Os conjuntos de HIS estão distribuídos principalmente na parte sul e leste da cidade, exceto o Residencial Colorado na parte norte, (ver Mapa 2): Mapa 2 – Distribuição dos Conjuntos HIS na cidade de Anápolis de 2000 a 2014 Fonte: Pesquisa de campo (2014) No processo de construção a opção mais utilizada foi a edificação de unidades unifamiliares, casas, sendo que apenas os conjuntos Serra Dourada, Servidor Público e 231 Residencial Colorado foram verticalizados. Em comum todas as unidades, tanto horizontais quanto verticais, possuem a área que varia entre 36 m2 e 42 m2, (ver Fotografias 1a 4): Fotografia 1 a 4 – Conjuntos HIS, horizontais e verticais em Anápolis (GO), 2013 Residencial Santo Antonio Residencial Copacabana Residencial do Servidor Público Residencial Serra Dourada Fontes: Fotografias 1e 2 (LUZ, 2013), Fotografia 3 Prefeitura Municipal de Anápolis (2013) e Fotografia 4 Disponível em www.enkontre.com.br . Acesso em set./2014. Outra característica que se destaca na localização dos conjuntos de HIS é a ausência de equipamentos públicos comunitários (escolas, creches, segurança, entre outros), com exceção do Residencial Copacabana que recebeu um centro de educação infantil, enquanto os demais moradores dos outros conjuntos necessitam se deslocar para bairros vizinhos para utilizar os equipamentos públicos e serviços. Também não foram criados espaços comerciais que viabilizassem o contato cotidiano local. Com isso, a produção de espaços comuns e que proporcionem a produção de comunidades sustentáveis nesses conjuntos é complicado. 4. Considerações finais É nesse sentido que destacamos a necessidade de ruptura com os modelos adotados para edificar os referidos conjuntos, bem como a sua localização em áreas 232 cada vez mais distantes do centro, estabelecendo uma dependência em relação ao sistema de transporte público, realizado por uma empresa particular, que não atende aos moradores que residem na periferia com regularidade de horários e veículos. Um caminho possível seria a produção de imóveis de forma fragmentada e que proporcionassem o adensamento das ocupações, especialmente nas áreas mais centrais. Porém essa possibilidade esbarra na questão do preço solo nos bairros já consolidados, bem como no uso especulativo da propriedade do solo presente na cidade. E a adoção dos instrumentos do Estatuto da Cidade que poderiam amenizar este conflito está distante de serem empregados na realidade atual. Referências ACSELRAD, Henri. Discursos da Sustentabilidade Urbana. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. n°1, 1999, p.79-90. BAENINGER, R. Redistribuição espacial da população e urbanização: mudanças e tendências recentes In GONÇALVES, M.F.; BRANDÃO, C.A.; GALVÃO, A.C. Regiões e cidades, cidades nas regiões: o desafio urbano-regional. São Paulo UNESP/Anpur, 2003, p 272-288. BERNARDES, J. A. As estratégias do capital no complexo da soja. In: CASTRO, I. E., GOMES, P. C. C. e CORRÊA, R. L (orgs.) Brasil: questões atuais da reorganização do território. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, p. 325-366, 1996. BRASIL, Constituição, 1988. Constituição; República Federativa do Brasil. Brasília, Senado Federal, 1988. _______. Lei no. 11.124, de 16 de junho de 2005. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS. Diário Oficial da União. Brasília, 17 de junho de 2002, p. 0001 a 0003. BRASIL/Ministério das Cidades. Cadernos de Habitação. Brasília: MinCidades, 2008. BRASIL/Ministério das Cidades. Estatuto da Cidade: Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. – 3. ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2010. CARDOSO, A.L.; ARAÚJO, R. L.; GHILARDI, F.H. Necessidades Habitacionais no Brasil. Disponível em http://wwwcidades.gov.br/secretarias-nacionais/secretaria-dehabitação/biblioteca. Acesso em fev./2013. CARLOS, A.F.A. O lugar no/do Mundo. São Paulo: Hucitec, 1996, p15. __________. Da Organização à Produção do espaço no movimento do pensamento geográfico In CARLOS, A. F.A; SOUZA, M.L.; SPOSITO, M.E.B. 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Além da localização geográfica, outros fatores de atração para essas indústrias foram incentivos fiscais, infra-estrutura apropriada, facilidades logísticas e disponibilidade de força de trabalho barata. A chegada dessas indústrias foi, desse modo, vinculada à possibilidade de progresso, modernização e visibilidade num caráter diferencial ao que essas cidades do Médio Vale Paraíba, principalmente Resende, já haviam vivenciado. Com o crescimento da cidade, novas lógicas espaciais foram sendo estabelecidas, como por exemplo, a valorização imobiliária e a lógica da auto-segregação residencial e a da produção de loteamentos fechados. Palavras-chave: auto-segregação sócio-espacial, cidade média, reestruturação produtiva. 1. Introdução A cidade de Resende assistiu à chegada de novas cadeias produtivas. A passagem do fordismo para o toyotismo (ou acumulação flexível) fez com que as cidades médias aumentassem demograficamente. (Sposito, 2007) Isso pode estar relacionado ao que Soja (1993) disse sobre o alcance espacial dos sistemas de produção que se globalizou, o que teve um grande efeito na urbanização através da aglomeração de novos complexos industriais territoriais fora dos antigos centros. Segundo Souto e Dulci (2008), nos anos 90, houve as reformas liberalizantes que pretenderam abrir o país para o novo. O processo de reestruturação produtiva que o país passa atualmente tem início, então, no começo dos anos 90. A abertura comercial abrupta fez com que as montadoras brasileiras se vissem dentro de uma repentina exposição aos novos padrões de competição internacional, até porque tinham vindo de 235 um mercado protegido por um longo período. O país sofreu os efeitos desastrosos econômica e socialmente da crise mundial. Desse modo, a partir da década de 1990, a descentralização da atividade industrial produtiva aumentou a importância de muitas cidades grandes e médias, o que gerou novas formas espaciais e sociais de organização do trabalho, além de novos padrões de localização. Segundo Ribeiro (1997), há tendência de concentração espacial dos elementos que formam o valor de uso complexo gerando como consequência as decisões e estratégias das empresas, que procuram se localizar nos locais melhor dotados do ponto de vista quantitativo, qualitativo e espacial do espaço urbano, beneficiando-se dos sobrelucros de localização e dentro de condições de produção monopolizáveis. 2. A reestruturação produtiva e suas vinculações em Resende As novas cadeias produtivas que chegaram à cidade se vinculam à diversificação do mercado consumidor, como por exemplo, a incorporação imobiliária que vem gerando novos produtos de mercado como os condomínios e loteamentos fechados direcionados à fatia de classe média/alta e alta. Vem havendo também investimentos em redes de comércio atacadista e do shopping center que se instalaram a partir de 2011 Hoje, se observa em Resende pelo menos três vetores de expansão mais expressivos. Um deles diz respeito ao processo de verticalização observado nas áreas centrais, infraestruturadas. Um outro vetor de expansão, na direção sudoeste, diz respeito aos condomínios de classe média e alta e loteamentos fechados, no alto e ao redor das colinas e ao longo das vias estruturais. O terceiro vetor, também na direção oeste, é expresso pela expansão de moradias populares na Grande Alegria, sendo esse reforçado pela instalação da siderúrgica da Votorantin (inaugurada em 2009, a unidade tem capacidade para produzir 1.020 milhões de toneladas de aços longos e 550 mil toneladas de produtos acabados por ano) e pelo acesso oeste. (Prefeitura Municipal de Resende, abril de 2008: pp:10-11 apud Cardoso 2013). Ainda segundo a autora, os vetores de expansão na direção oeste contribuem para a valorização imobiliária e são pressionados por dois fatores: a instalação da planta industrial da siderúrgica da Votorantin e a construção de um novo eixo de integração viária chamado Acesso Oeste. Esses dois fatores impactaram o espaço urbano através da dinamização do mercado imobiliário, da valorização dos terrenos que se localizam na 236 área diretamente influenciada pelo anel rodoviário de contorno que interliga o Acesso Oeste ao trevo de Bulhões (Regiões Oeste-Sul-Leste) e da pressão econômica da especulação e incorporação imobiliárias para um espraiamento da ocupação na direção dessas áreas ao contrário da ocupação dos vazios urbanos que já existem na área consolidada de Resende. A consolidação como pólo industrial e o crescimento da cidade acarretaram novas dinâmicas no mercado imobiliário de Resende, aumentando os preços e a procura de imóveis para sua utilização comercial ou habitacional. Tendo em vista a preocupação em analisar os desdobramentos existentes no processo de auto-segregação mediante à reestruturação produtiva ocorrida na cidade, pretendeu-se obter dados a respeito de condomínios e loteamentos fechados utilizados para fins habitacionais. Durante um trabalho de campo realizado na cidade de Resende em 2013, em visita à Secretaria de Planejamento na Prefeitura Municipal de Resende, foi possível a coleta de dados sobre os condomínios e loteamentos fechados de Resende segundo os distritos 1 e 2 na seção de divisão de licenciamentos da prefeitura. A partir disso, foi elaborado seguinte quadro: Quadro 2: Dados referentes ao mercado imobiliário de Resende Empreendimento Tipo Localização Condomínio Residencial Condomínio Morada das Agulhas horizontal fechado Morro do Cruzeiro Condomínio interesse social de 237 Data de Aprovação Agulhas Negras; Av. Prof. Darcy 34.596,76 Ribeiro 10/07/1990 Bairro do Paraíso 29.785,00 03/05/1995 OBS: Transformado em condomínio residencial em 14/07/1998 - 03/05/1995 4968 24/10/1996 Condomínio de chalés Serrinha particulares Alambari Condomínio Chácara do Condomínio de casas Jardim Brasília Recanto da Serra Área (m²) do Bosque luxuosas Condomínio Residencial Loteamento fechado Limeira Tênis Clube Condomínio Haras Pirapitinga Residencial Condomínio Club Condomínio Santo André Condomínio Condomínio Residencial Horizontal Limeira Town Loteamento fechado House Condomínio Residencial Condomínio Cabanas da Serra Agulhas Negras; Av. Prof. Darcy 225.000 Ribeiro 24/05/2001 Serrinha Alambari 63.000 12/07/2002 Vila Julieta 10.875 Agulhas Negras; Av. Prof. Darcy 20.000 Ribeiro 30/05/2003 Serrinha Alambari Residencial Alambari Condomínio Campos Elíseos Villa Corsino Condomínio Serrinha Alambari do do 5.034,51 do 14/10/2004 25/02/2005 176,15 decreto de aprovação em 28/10/2005 30.049 04/10/2006 Condomínio misto Condomínio Village das composto de hotel, Serrinha do 2007 Pedras casas, guarita e casa Alambari do caseiro Av. Augusto de Terras Alpha Resende (fase Carvalho, a menos Loteamento fechado 411.976,05 20/05/2011 1 concluída) de 5 minutos do centro Gardênia Condomínio residencial de interesse Condomínio Vila Minas Gerais 91.662,70 31/08/2012 social para o Minha Casa Minha Vida decreto de Tulipa Condomínio Condomínio Minas Gerais 45.841,88 aprovação em Residencial 01/06/2012 Vale Verde Serrinha Alambari Condomínio Terras Alphaville Resende Loteamento fechado (fase 2 em andamento) 238 do 193.600 decreto de aprovação em 16/02/2012 Av. Augusto de Carvalho, a menos Ainda será 252.680,70 de 5 minutos do lançado centro Condomínio Residencial Condomínio Ecovillage Serrinha horizontal Bella Vista Residencial Morada da Colina III Condomínio fechado Loteamento fechado Serrinha Alambari Avenida Ferreira Beira Rio do 2.500 (de Ainda será frações) lançado Rita Mais de Rocha, 2011 12.000 Agulhas Negras; Av. Prof. Darcy Ribeiro Parte do projeto ainda em fase de construção Fonte: Secretaria de Planejamento na Prefeitura Municipal de Resende, 2013 Organização: Lívia Maria Magalhães (2014) De acordo com os dados apresentados, pode-se dizer que todos os condomínios e loteamentos têm data de aprovação a partir da década de 1990, ou seja, pós processo de reestruturação produtiva e que a grande maioria possui área considerável, além de que a maior parte dos condomínios fechados (7 ao todo) está localizada na Serrinha do Alambari, na encosta leste do Parque Nacional de Itatiaia, Serra da Mantiqueira, a oeste da estrada para Visconde de Mauá (Resende) (RJ-163). A Serrinha do Alambari está localizada na Região das Agulhas Negras, sendo composta por uma paisagem montanhosa e por belas cachoeiras, além de ser considerada uma importante Estância Climática do estado do Rio de Janeiro, ou seja, é uma região que possui amenidades naturais. Segue abaixo alguns elementos de marketing de alguns desses condomínios fechados que apontam para vantagens de localização, infraestrutura, dentre outros: Ilustração do Condomínio Bella Vista http://pt.slideshare.net/Lancamentosrj/bella-vista-sende 239 Residencial. Fonte: Informações sobre a estrutura do Condomínio fechado Bella Vista Residencial. Fonte: ttp://www.arrobacasa.com.br/bella-vista Informações sobre a redondeza do Bella Vista Residencial. Fonte: http://imoveismelhorinvestimento.com/169093/empreendimento/852073 Em relação à dinâmica do mercado imobiliário atual da cidade, ele está muito mais ligado à produção voltada para a demanda solvável do que para a não solvável devido ao interesse e à articulação entre poder público e privado por motivos de aquecimento da economia. A procura por condomínios e imóveis comerciais é maior. Segundo entrevista realizada, em 2013, com o proprietário de terras e corretor Paulo Sampaio, da imobiliária Paulo Sampaio Imóveis, a "demanda esgotou, não tem nada pra oferecer. Então assim, a lei da oferta e procura tá desproporcional: a procura existe e não tem oferta." Paulo Sampaio disse que os preços estavam subindo devido à alta procura e à baixa oferta: "Não tem casa em oferta, hoje por exemplo, casa à venda em condomínio fechado não tem. Se tiver uma é muito." e também "Tem casa no Limeira o pessoal fala em 2 milhões". Paulo Sampaio abordou que é preciso as construtoras "acordarem" e a prefeitura cooperar mais porque tem muita terra disponível. Os problemas do mercado imobiliário na cidade, segundo ele, seriam: a) as construtoras têm como foco a classe C, vendem a ideia antes de estar com a obra do imóvel pronta e constroem com o dinheiro do cliente devido à falta de capitalização. Além disso, não querem pagar pelo terreno e promovem 240 preços de lançamento altíssimos; b) o funcionalismo público é pouco eficiente e há muita burocracia que acaba embarrando ou procrastinando empreendimentos. Outro aspecto relevante foi constatado pelo ex-bolsista Lenon Santiago Mendes Suhett em seu relatório referente ao período de 03/2009 a 03/2010, cuja metodologia foi analisar anúncios dos principais jornais de Resende entre 1995 e 2006. Ao analisar a variação do valor médio dos imóveis por bairros , ele diz: "constatamos que houve uma valorização em torno de 16,97% de todos os imóveis anunciados nos classificados consultados nos principais jornais locais. Essa valorização, a priori, mostra o reflexo da reestruturação produtiva no mercado imobiliário local." Após obtenção de dados no cadastro de avaliação imobiliária da Caixa Econômica Federal do Brasil, foi possível montar o seguinte quadro com um panorama de preços praticados na cidade: Quadro 3: Preços em Resende - 2012 Bairro Preço total do Data do evento imóvel (R$) Área do (unidade) Preço por lote m² (R$) Morada da Colina Morada da Colina 120.000,00 190.000,00 25/08/2012 Não edificada: 348,00 344,00 25/08/2012 Não edificada: 547,00 347,00 Não edificada: 140,00 300,00 Morada do Contorno 42.000,00 30/11/2012 Morada do Contorno 42.000,00 30/11/2012 Morada do Contorno 42.000,00 30/11/12 241 Não edificada: 300,00 140,00 Não edificada: 140,00 300,00 Jardim Jalisco 250.000,00 28/09/2012 Edificada: 68,00 3676,47 Jardim Jalisco 300.000,00 28/09/2012 Edificada: 75,00 4000 Jardim Jalisco 250.000,00 28/09/2012 Edificada: 60,60 4166,66 edificada: 45.000,00 28/08/2012 Não 450 100 45.000,00 12/12/2012 Não 450 edificada: 50.000,00 2/01/2013 Não edificada: 220,45 226,80 Campo Belo Campo Belo Monet 100 Panorama de preços do mercado imobiliário de Resende. Fonte: Caixa Econômica Federal (2013) Organização: Lívia Maria Magalhães (2014) Quadro 4: Preços em Resende - 2013 Bairro Preço total do Data do evento imóvel Preço por Área do lote m² (unidade) (R$) Morada da Colina 350.000,00 16/05/2013 Não edificada: 712,77 491,04 Morada da Colina 158.000,00 12/06/2013 Não edificada: 310,70 508,52 Morada do Contorno 60.000,00 23/05/2013 Não edificada: 428,57 140,00 Comercial 330.000,00 31/01/2013 Edificada: 120,28 Centro 650.000,00 03/06/2013 Não edificada: 1460,70 445,00 Parque Ipiranga 500.000,00 03/06/2013 Não edificada: 1111 450,00 Parque Ipiranga II 280.000,00 22/05/2013 Não edificada: 1866,66 150,00 242 2743,60 Parque Ipiranga II 160.000,00 11/06/2013 Não edificada: 355,5 450,00 Parque Ipiranga II 130.000,00 25/07/2013 Não edificada: 288,88 450,00 Parque Ipiranga II 110.000,00 09/07/2013 Não edificada: 244,44 450,00 Parque Ipiranga II 110.000,00 20/08/2013 Não edificada: 280,61 392,00 Vila Adelaide 90.000,00 28/02/2013 Não edificada: 162,80 552,80 Vila Adelaide 90.000,00 02/05/2013 Não edificada: 162,80 552,80 Vila Julieta 320.000,00 22/03/2013 Edificada: 114,10 Mirante das Agulhas 345.000,00 17/05/2013 Não edificada: 920 375,00 Vila Alegria 115.000,00 23/05/2013 Não edificada: 744,62 154,44 Mirante da Serra 480.000,00 03/06/2013 Não edificada: 1280 375,00 Vila Hulda Rocha 350.000,00 03/06/2013 Não edificada: 1400 250,00 Morada da Montanha 125.000,00 04/04/2013 Não edificada: 1000 125,00 Jardim Aliança II 45.000,00 01/07/2013 Não edificada: 330,88 136,00 2804,55 Não edificada: 111,11 630,00 Panorama de preços do mercado imobiliário de Resende. Fonte: Caixa Econômica Federal (2013) Organização: Lívia Maria Magalhães (2014) Em relação ao bairro Morada da Colina, que é considerada área nobre da cidade Morada da Barra 70.000,00 01/07/2013 (colinas), a diferença de área do lote de 2012 para 2013 não foi tão expressiva e, nos dois anos, o preço dos imóveis manteve-se alto. O Morada do Contorno está localizado no contorno, limite da cidade mais a oeste. Lotes com a mesma área não edificada apresentaram uma alta de R$18.000,00 no preço. Em relação aos demais bairros, não foi possível conseguir dados para os dois anos a fins de uma comparação, mas é possível 243 afirmar que os preços praticados na cidade, em 2012 e 2013 estavam altos, sendo isso mais notável nos bairros Comercial (área central da cidade com acesso direto à Rodovia Presidente Dutra) e Centro, além de ser também bem visível na área das colinas, a sudoeste, nos bairros do Parque Ipiranga, Parque Ipiranga II (área ao lado do terreno do Alphaville) e Mirante das Agulhas. Pode-se dizer que os valores foram bastante altos também no Mirante da Serra (bairro vizinho ao Morada do Contorno) e Vila Hulda Rocha. Num recorte temporal ainda mais atual, ou seja, o ano de 2014, pode-se dizer que houve pequenas mudanças na dinâmica do mercado imobiliário da cidade. As montadoras de veículos anunciaram investimentos, processo que teve início na década de 1990, o que acarretou um boom na valorização imobiliária com índices recordes. O aluguel de apartamento de um quarto era entre 1200 reais a 1800 reais, e as empresas pagavam para que seus funcionários morassem em Resende, porém, o preço era alto para os próprios moradores da cidade. Em 2014, houve aumento da oferta e diminuição da procura com tendência de estabilização dos preços para uma adequação ao valor de mercado, havendo muitos imóveis em oferta. Após a Copa do Mundo ocorrida nesse ano, os proprietários pediram para os corretores baixarem os preços e a estimativa era que o mercado estivesse estabilizado até Dezembro de 2014 com reaquecimento em 2015. (Reportagem exibida no noticiário RJ TV, primeira edição, Sul do Rio e Costa Verde no dia 18 de junho de 2014) Dessa forma, de acordo com os dados recolhidos e com a entrevista realizada com um importante agente produtor do espaço na cidade, pode-se afirmar que a teoria de que a reestruturação produtiva provocou mudanças intraurbanas ligadas ao mercado imobiliário da cidade se comprova. 3. A segregação sócio-espacial na cidade: os loteamentos fechados O processo de auto-segregação sócio-espacial toma, literalmente, espaço em cidades médias brasileiras mediante a todo um conjunto de mudanças econômicas vividas de acordo com a reestruturação produtiva, onde se acentuam as disparidades entre as classes sociais na construção do espaço urbano e onde formas resultantes são geradas, como, por exemplo, os loteamentos fechados. O conceito de auto-segregação vem desde os anos 30 do século XX da Escola de Ecologia Humana de Chicago, nos Estados Unidos. Os estudiosos dessa escola 244 baseavam seus métodos e teorias para estudos urbanos no Darwinismo Social, tendo uma perspectiva positivista da realidade. Sendo assim, a cidade funcionava como um organismo vivo, onde aqueles que melhor se adaptavam ao estilo urbano conseguiam habitar as melhores áreas desse espaço. Nesse caso, os dois modelos de segregação eram o "voluntário" e o "involuntário", onde no voluntário, o indivíduo habitava determinada área segundo sua própria iniciativa e, no involuntário, o indivíduo era obrigado por forças externas a habitar ou deslocar-se de determinados espaços. Para alguns autores, ficava evidenciado que a segregação era, pois, um processo "natural" que se assemelha em muito ao processo de “seleção natural das espécies”, teoria Charles Darwin a qual Durkheim adaptou para a sociedade humana. Ainda em analogia ao "mundo natural", a Escola de Chicago criou os conceitos de competição e dominância para analisar as várias atividades urbanas (comercial, industrial e residencial), explicando que o alto valor da terra em determinadas áreas se devia à grande competição entre os gêneros de atividades por vantagens locacionais, ou seja, o valor da terra seria dado exclusivamente pelo valor de mercado. Com isso, pode-se perceber que tomar para a sociedade uma teoria natural foi um grande erro, já que não se pode naturalizar os diferentes parcelamentos e o modo de vida urbano, além das diferenças em relação a melhores infraestruturas e oportunidades de trabalho e renda. No contexto desse trabalho, são fatores econômicos e estruturais que se ligam intimamente com a auto-segregação. Segundo Marcuse, 2004 (apud Negri 2008), um dos três tipos de padrão de segregação, o qual é abordado nesse trabalho é o de "Divisão por Diferença no Status Hierárquico", que reflete e reproduz as relações de poder na cidade e pode ser representado, por exemplo, por um enclave na forma de loteamento fechado. Segundo Cardoso (2013), a aceleração na transformação dos modos de uso e ocupação do solo urbano pressionam o Estado em relação às infraestruturas necessárias de acordo com a concentração populacional, as demandas cotidianas da reprodução social e as necessidades sócio-espaciais do processo de acumulação capitalista em Resende. Uma dessas necessidades é a da auto-segregação das classes com maior poder aquisitivo. Segundo Corrêa (1989) "A segregação residencial é uma expressão espacial das classes sociais." Há dois tipos de segregação: a imposta aos grupos sociais com opções reduzidas de como e onde morar e a auto-segregação, onde as classes 245 dominantes escolhem onde morar e mais: são privilegiadas por poderem pagar por uma localização com amenidades naturais. Primeiramente, é necessário mostrar o que é um loteamento fechado, que segundo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (2013), é "o parcelamento do solo urbano cuja delimitação de perímetro, no todo ou em parte, seja marcada por muro, cerca, grade ou similares e que mantenha controle de acesso de seus moradores e visitantes." Além disso, 35% do terreno é destinado para áreas públicas, sendo áreas verdes, área institucional e arruamentos. Os limites demarcados por muros e os sistemas de controle e vigilância com câmeras de segurança e guarita de acesso agregam o caráter de segregação sócio-espacial desse tipo de loteamento. Os condomínios fechados não são obrigados por lei a terem parte do seu terreno dedicado a áreas públicas. O que dá o caráter diferencial em termos de qualidade de vida nos loteamentos fechados é a venda de ideias que constituem uma soma poderosa entre os seguintes fatores: contato com a natureza (amenidades físicas) + boa infra-estrutura + garantia maior de segurança + boa localização. A boa localização engloba proximidade do local de trabalho, do centro da cidade e de serviços de qualidade necessários ao cotidiano. Segundo Negri (2008), a distribuição espacial das classes sociais é desigual, o que leva à ocorrência da segregação sócio-espacial pela estruturação do espaço urbano. Uma vez que os espaços são humanizados, eles refletem na sua arquitetura e organização o padrão de desenvolvimento da complexidade das relações sociais. Nesse sentido, a segregação sócio-espacial se dá, principalmente, por meio da diferenciação econômica, onde a classe média/alta controla e produz o espaço urbano de acordo com seus interesses, ou seja, a segregação é, além de uma divisão física das classes no espaço urbano, um instrumento de controle desse espaço. Castells (1983) analisa o processo de segregação sócio-espacial como reflexo da distribuição espacial das diversas classes sociais, sendo que esta tem determinações políticas, econômicas e ideológicas. Assim, o autor visualiza a diferenciação social refletida no espaço como uma a tendência à organização em zonas de forte homogeneidade social interna e com intensa disparidade social, hierárquica entre elas. Tendo em vista que Resende é uma cidade média, pode-se dizer que a autosegregação é social devido ao elevado preço dos imóveis nesses espaços fechados (ou seja, nem todos podem pagar por isso) e é também espacial porque a auto-separação 246 viabilizada pelos muros não implica em um real afastamento espacial ou um aumento do tempo necessário nos deslocamentos cotidianos, já que há facilidades de locomoção. Corrêa (1995) fala que "o papel da organização espacial como condição para a reprodução social é mais evidente quando se consideram as classes sociais e suas frações em um meio urbano", sendo através da segregação residencial que elas se reproduzem. Ele continua dizendo que a segregação residencial existe desde que surgiram as classes sociais, contudo, é no capitalismo que ela se complexifica mais devido à maior estruturação das classes sociais. As áreas residenciais viabilizam a reprodução das classes sociais por configurarem "meios distintos para a interação social, da qual os indivíduos derivam seus valores, expectativas, hábitos de consumo e estado de consciência." Complementando, segundo Soja (1993), a reindustrialização seletiva decorrente da reestruturação produtiva provocou mudanças na estruturação dos mercados urbanos de trabalho com uma segmentação mais profunda: uma polarização mais pronunciada das ocupações de trabalhadores de elevada ou baixa remuneração/especialização, assim como uma segregação residencial mais especializada pautada na ocupação, raça, afiliação étnica, condição de imigrante, renda, estilo de vida e outras variáveis que se relacionam com o emprego. Desse modo, pode-se dizer que as cidades médias vêm passando por processos que as aproximam de cidades grandes e metrópoles no sentido de vivências cotidianas espacializadas da cidade. Caldeira (2000) menciona os três padrões de segregação na cidade de São Paulo, sendo o último, compreendido após a década de 1980, caracterizado por uma maior proximidade espacial das classes sociais, já que há dispersão da classe alta pela periferia e da classe mais baixa pelas áreas mais nobres da cidade, principalmente pela criação de favelas, sendo que isso não significa proximidade social entre as classes. Nesse contexto, se intensifica a auto-segregação da classe de alta renda nos "enclaves fortificados". O Limeira Tênis Clube, o Limeira Town House, o Morada da Colina III e o Alphaville são os loteamentos fechados que se localizam na cidade de Resende, ou seja, formas que refletem um processo de valorização imobiliária e espacialização das diferenças entre as classes sociais. Segue abaixo a localização desses loteamentos fechados a partir do croqui de arruamentos de Resende: 247 Loteamentos fechados de Resende. Fonte:http://www.resende.rj.gov.br/conteudo/downloads/arruamento_resende.pdf Para melhor visualização dos dados, foi elaborado o quadro síntese dos loteamentos fechados de Resende com base no quadro 1 do capítulo anterior: Quadro 5: Loteamentos fechados em Resende 248 Empreendimento Localização Área (m²) Data Aprovação Condomínio Agulhas Negras; Residencial Limeira Av. Prof. Darcy 225.000 Tênis Clube Ribeiro 24/05/2001 Condomínio Residencial Agulhas Negras; 20.000 Horizontal Limeira Av. Prof. Darcy Town House Ribeiro 14/10/2004 Av. Augusto de Terras Alpha Carvalho, a menos 411.976,05 Resende (fase 1) de 5 minutos do centro Av. Augusto de Terras Alphaville Carvalho, a menos 252.680,70 Resende (fase 2) de 5 minutos do centro Av. Antenor O'reilly de Souza Morada da Colina Junior - Morada da III Colina Resende RJ de 20/05/2011 - - Fonte: Secretaria de Planejamento na Prefeitura Municipal de Resende, 2013 Organização: Lívia Maria Magalhães (2014) O Morada da Colina III será um loteamento fechado com usos mistos e ainda está sendo desenvolvido em fase de construção pela Master Plan (urbanismo) através da inserção de usos mistos do solo, de acordo com a demanda: residências, comércio, oficinas, hotéis, parque natural, entre outros. Segundo o site oficial do empreendimento, nos últimos anos, a cidade de Resende tem apresentado um acelerado crescimento econômico, o que gerou uma grande demanda por habitação. É afirmado também que a cidade possui um patrimônio natural que deve ser protegido, mais especificamente a 249 área da Morada da Colina III, que está rodeada de importantes zonas de reserva e proteção ambiental, ressaltando-se a Reserva de Itatiaia. Desse modo, o projeto vende a ideia de proteção e interação com o retorno, sendo "sustentável em sintonia com a natureza". Um fator que chama a atenção é a localização: o acesso ao loteamento faz parte do principal eixo viário de Resende, que é o Acesso Oeste ao trevo de Bulhões, o que reforça a ideia de enclave, mas sem perda de acesso a outras áreas da cidade (principalmente o centro), ou seja, um enclave que não perde a capacidade de trocas por fluxos. Os empreendimentos Limeira Tênis Clube e Limeira Town House tiveram suas datas de aprovação no início dos anos 2000, sendo o Condomínio Residencial Horizontal Limeira Town House posterior e complementar ao Condomínio Residencial Limeira Tênis Clube. Mário Periquito atuou como proprietário de terras e também como incorporador imobiliário através da Limeira Empreendimentos Imobiliários. O Alphaville está em construção com todos terrenos vendidos (fase 2 - Terras Alphaville Resende) e com terrenos já vendidos e entregues (fase 1 - Terras Alpha Resende), sendo o único loteamento fechado com bandeira de abrangência em escala nacional na cidade. Os compradores adquirem os lotes e, posteriormente, pagam a construtora para construir mediante certos padrões aprovados pela mesma. Na descrição do site oficial, o grupo é "o Líder nacional em empreendimentos horizontais, bairros planejados e núcleos urbanos, a Alphaville é a principal urbanizadora do país e está presente em 21 estados brasileiros com projetos que reúnem infraestrutura e urbanismo de qualidade superior e consciência ambiental." Ou seja, é um grupo empreendedor que age como promotor imobiliário em escala nacional voltado para a classe média alta e a alta. Nesse loteamento, há um total de 384 lotes residenciais (áreas de 330 m² a 1.000 m² e lote médio de 385 m²) além de 35 lotes comerciais na fase 1 e mais 411 lotes residenciais e 3 comerciais na fase 2, ou seja, o uso do solo é misto, mais ligado à concepção de um bairro cercado. Outro aspecto interessante do loteamento Alphaville é a gestão: a fase 1 tem administração de um Associação eleita e formada pelos proprietários dos lotes e que é responsável por, dentre outras delegações, aspectos operacionais, manutenção, contratação de funcionários e administração do clube. A autogestão mostra claramente a cooperação entre o capital privado e o capital público em empreendimentos como esse, ou seja, os loteamentos fechados. 250 Ainda em relação ao Alphaville, Paulo Sampaio, mencionado acima, atua como proprietário de terras bem localizadas devido a amenidades físicas (relevo, rio, lagoa, verde, sol, etc), que pensa no valor de troca e não no valor de uso da terra; Paulo também age como corretor, ou seja, promotor imobiliário, aquele que gere o capitaldinheiro na fase de transformação do imóvel em mercadoria, o que realiza financiamentos, estudos técnicos e preocupa-se com a localização e qualidade do imóvel relacionada à acessibilidade, eficiência e segurança; o grupo Alphaville Urbanismo também age como promotor imobiliário, agindo como construtora e incorporadora de imóveis. É importante frisar que a ação dos promotores imobiliários responsabiliza-se por grande parte da infraestrutura e interessa-se pelo preço elevado dos imóveis devido ao alto status de localização. Desse modo, sua ação é desigual para/com a sociedade, reforçando a segregação sócio-espacial. Abaixo, seguem algumas propagadas chamando a atenção para determinadas ideias vendidas, cujos aspectos são procurados pelos moradores interessados nesses loteamentos: Condomínio Residencial Limeira Tênis Clube. Fonte: http://e-limeira.com.br/local.htm Condomínio Residencial Limeira limeira.com.br/infraestrutura.htm Town 251 House. Fonte: http://e- Condomínio Residencial Limeira Town House. Fonte: http://e-limeira.com.br/index.html Ilustração do Morada da Colina III. Fonte: http://atelieroreilly.com/wp-content/uploads/2010/12/Master-Plan Morada-da-Colina-3.jpg Ilustração do Morada da Colina III. 252 Fonte: http://atelieroreilly.com/?p=745 253 Marketing do Terras Alpha Resende (fase 1 do empreendimento) Fonte: http://www.psimoveis.com.br/terrasalpharesende/ A presença de um loteamento de um grupo tão renomado, o Terras Alpha Resende, e o fato do empreendimento na fase 2 estar com as obras em andamento (o Alphaville Resende), além de outros loteamentos fechados e empreendimentos voltados para a classe média/alta e alta no eixo mais valorizado da cidade denotam que há grande demanda da população e há também a possibilidade dos agentes produtores do espaço de empreenderem devido a uma maior capitalização. 4. Considerações Finais Resende conheceu uma maior visibilidade e valorização a partir da década de 90 com a chegada das multinacionais, o que acarretou um crescimento, além de uma série de mudanças na maneira de consumir e produzir o espaço, até porque, com a reestruturação produtiva, houve também reestruturação econômica. Levando em consideração que a economia influencia diretamente na urbanização e nas formas capitalistas de produzir e consumir as cidades, o novo padrão produtivo acarretou um novo padrão de consumo, incluindo um maior consumo de imóveis comerciais e para habitação. Na medida em que o trabalho pretendeu se ocupar das diferenciações sócioespaciais materializadas no espaço dessa nova cidade média que passou por um processo de reestruturação, pode-se dizer que a cidade pós reestruturação produtiva passou a abrigar formas urbanas que representam enclaves: os loteamentos fechados. O aumento do capital possibilitou os seus detentores de realizar novos empreendimentos, produzindo uma nova cidade a partir de uma lógica produtiva que 254 "contagiou" a cidade, a lógica da indústria. Já os consumidores, pessoas atraídas pelo crescimento da cidade e/ou ligadas às indústrias, viram a oportunidade de ter uma moradia de alto padrão num conceito de estilo de vida diferenciado devido a, dentre outros aspectos já comentados, amenidades de localização geográfica e maior segurança, elementos vendidos pelo marketing desses empreendimentos. Assim, Resende tem crescido, tornando-se uma cidade média cada vez mais capitalizada, complexa e adquirindo características de cidades maiores, até mesmo metrópoles em aspectos como habitação e gestão, dentre outros, devido à reestruturação produtiva. 5. Referências Bibliográficas CALDEIRA, T. P. Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Edusp, 2000. CARDOSO, I. C. da C. DESENVOLVIMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE RESENDE E A PRODUÇÃO DE DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS: aceleração dos ritmos de transformação dos modos de uso e ocupação do solo urbano. VI Jornada Internacional de Políticas Públicas, Cidade Universitária da Universidade Federal do Maranhão, São Luís, Maranhão, 2013 CASTELLS, M. A Questão Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. CORRÊA, R. L. Região e Organização Espacial. São Paulo: Ática, 1995 CORRÊA, R. L. O espaço Urbano. São Paulo: Ática, 1989. MARCUSE, P. Enclaves, sim; guetos, não: a segregação e o estado. In: Espaço e Debates. São Paulo: NERU. v. 24, n. 45, p. 24 – 33, 2004 NEGRI, S. M. Segregação Sócio-Espacial: Alguns Conceitos e Análises. Coletâneas do nosso tempo. Rondonópolis, MT, v. VII, nº 8, p. 129 a 153, 2008 RIBEIRO, L. C . de Q. Dos Cortiços aos condomínios fechados. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. SOJA, E.W. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social. Tradução da 2º edição inglesa, Vera Ribeiro; revisão técnica, Berta Becker, Lia Machado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993 SPOSITO, M. E. B. REESTRUTURAÇÃO URBANA E SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL NO INTERIOR PAULISTA. 255 REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES. Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana Universidad de Barcelona. Vol. XI, núm. 245, 2007 SOUTO, B. F. e DULCI, J. A. Reestruturação Produtiva e seu reflexo na sóciodinâmica do Sul Fluminense. Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú-MG, 2008 256 O CONFORTO DOS DOMICÍLIOS EM MONTES CLAROS-MG EM 2010 Marilée Patta61 Resumo: Apurou-se o conforto dos domicílios nas áreas de ponderação, Cidade e Município com dados do censo 2010 verificando existência de rádio, televisão, geladeira, máquina de lavar, computador, internet, motocicleta e automóvel. Cada indicador recebeu pesos para geração de índices exibidos em mapas. Predominam os domicílios que tem rádio, geladeira, televisão e telefone celular e que há carência de máquina de lavar, telefone fixo, computador, internet, motocicleta e automóvel. Além disso, quase metade da população está em situação precária quanto à existência dos itens de conforto nos domicílios, sendo o índice da Cidade de 0,468325284 e do Município, 0,473314786. Rural/Distritos (0,539) e Santos Reis (0,499) se destacam com os maiores índices (pior conforto), e Ibituruna (0,39), o menor (melhor conforto). Palavras-Chave: Desigualdade socioespacial, Conforto de domicílio, Montes ClarosMG. INTRODUÇÃO Montes Claros-MG, situado no Norte de Minas Gerais (Mapa 1), se encontra em processo dinâmico de alteração do espaço em função da intervenção das ações das pessoas, fortemente influenciadas pela cultura e condições existentes. Apesar dos avanços e progressos, a região do Norte de Minas é constatada com desigualdades no âmbito social. ESDRAS (2012) entende que o Norte de Minas se 61 Doutoranda em Geografia - Tratamento da Informação Espacial – PUC Minas, MG, Brasil Professora do Departamento de Ciências da Computação - UNIMONTES, Montes Claros - MG, Brasil Orientador: Leônidas Conceição Barroso. Doutor em Informática – PUC Rio, Brasil. Professor do Programa de Pós-Graduação em Sistemas de Informação e Gestão do Conhecimento da Universidade FUMEC, Belo Horizonte, MG, Brasil, e do Programa de Pós Graduação em Geografia – Tratamento da Informação Espacial da PUC Minas em Belo Horizonte, MG, Brasil. Co-orientador: João Francisco de Abreu. Doutor em Geografia – Universidade de Michigan, EUA. Professor Programa de Pós Graduação em Geografia – Tratamento da Informação Espacial da PUC Minas em Belo Horizonte, MG, Brasil. 257 caracteriza pelo baixo dinamismo econômico e agravamento de indicadores sociais. Destacam-se desigualdades na distribuição de renda, despesas com bens de consumo, serviços, acesso à saúde e à educação, tipos de domicílios, estrutura de domicílio e conforto, e demais outros indicadores. Conforme IBGE (2010), o Município de Montes Claros-MG, contava com população de 361.915 habitantes e a sede com 338.381 pessoas, havendo crescimento de 17,9%. A Quantidade de Domicílios em 2000 no Município era de 76.603 e em 2010, de 105.295, registrando aumento de 27,24%. Figura 1 - Localização de |Montes Claros - MG Fonte: PATTA, 2014 Segundo IBGE (2010), os domicílios se encontram distribuídos em 22 áreas de ponderação (Sede: 21, Rural/Distritos:01). A Cidade detém 93% dos domicílios, os distritos, 2% e a área rural, 5%. A estrutura urbana contém apartamentos, casas e 258 cômodos, água tratada, energia elétrica, esgoto, limpeza urbana, telefonia fixa e celular, internet, dentre outras. O crescimento populacional que acarretou também aumento dos domicílios carrega questões de estrutura, infraestrutura e indicadores, cujo conjunto, nomeou-se de conforto do domicílio. Os indicadores de conforto retratam facetas de educação, cultura, economia e tecnologia da sociedade localizada nos espaços geográficos de Montes Claros-MG. Dessa forma, mapearam-se variáveis consideradas indicadoras do conforto do domicílio e calcularam-se os índices de conforto para as áreas de ponderação, Cidade e Município. O índice foi calculado utilizando-se a atribuição de pesos, sendo que as situações de não existência nos domicílios sofreram maiores pontuações em relação às de existência. Além disso, foi desenvolvido site que contém o Mapeamento da Exclusão social de Montes Claros que contém informações sobre o conforto do domicílio e pode ser acessado no endereço eletrônico http://pattamarilee.wix.com/geovisualizacao. 2 MARCO TEÓRICO O indicador social é uma medida, em geral quantitativa dotada de significado social substantivo, usada para substituir, quantificar ou operacionalizar um conceito social abstrato, de interesse teórico (para pesquisa acadêmica) ou programático (para formulação de políticas). É um recurso metodológico, empiricamente referido, que informa algo sobre um aspecto da realidade social ou sobre mudanças que se estão processando na mesma. JANNUZZI (2012, p.21). Os indicadores sociais servem para subsidiar as atividades de planejamento público, formulação e avaliação de políticas sociais nas diferentes esferas de governo. Possibilitam que poder público e sociedade civil monitorem as condições de vida e bem-estar da população e permitem aprofundamento da investigação acadêmica sobre a mudança social e sobre os determinantes dos diferentes fenômenos sociais. Para a pesquisa acadêmica, o indicador social é o elo entre os modelos explicativos da Teoria Social e a evidência empírica dos fenômenos sociais observados. É um instrumento 259 operacional para monitoramento da realidade social, para fins de formulação e reformulação de políticas públicas. JANNUZZI (2012) apresenta quatro etapas para montagem de indicadores: a) definição operacional do conceito ou temática; b) especificação das dimensões, das formas de interpretação, ou abordagem; c) aplicação das estatísticas públicas pertinentes provenientes de censos demográficos, pesquisas amostrais, cadastros públicos; e d) cálculo dos indicadores para elaboração de um sistema de indicadores sociais que traduz a temática em questão. Em se tratando de índices, POCHMMAN e AMORIM (2003) publicaram um atlas contendo índices da exclusão social de 5507 municípios brasileiros. Para obtenção do índice da exclusão social, usaram esquema a partir do Human Development Report (2000). Os componentes do índice foram padrão de vida digno, conhecimento e risco juvenil que foram ponderados para obtenção do Índice da Exclusão social. 3 MÉTODO Nos domicílios, a existência de radio, televisão, geladeira, máquina de lavar, telefone fixo, telefone celular, computador, internet, motocicleta e automóvel foi apurada, utilizando-se os dados do Censo do IBGE (2010), obedecendo-se a divisão do Município em áreas de ponderação. De posse dos valores absolutos, calcularam-se os percentuais considerando as alternativas “Sim” e “Não” de respostas. A quantidade de “Sim” ou “Não” foi dividida pelo número total de respostas. Seguindo a orientação de POCHMAN e AMORIM (2003), as variáveis que compõe o conforto do domicílio receberam pesos, cuja soma é igual a 1. As opções “Não”, retratando a inexistência do bem no domicílio, receberam maiores pesos, conforme Tabela 1. Tabela 1 – Conforto de Domicílio Dimensão de Análise: Conforto de Domicílio Variáveis Peso Opções de Peso respostas Rádio 0,1 sim 0,03 Não 0,07 260 Televisão Máquina Lavar roupas Geladeira 0,1 de 0,1 0,1 Telefone celular 0,1 Telefone fixo 0,1 Microcomputador 0,1 Microcomputador 0,1 com internet Motocicleta 0,1 Automóvel Total Fonte: Patta, M., 2014 0,1 sim Não sim Não sim Não sim Não sim Não sim Não sim Não sim Não sim Não 1 0,03 0,07 0,03 0,07 0,03 0,07 0,03 0,07 0,03 0,07 0,03 0,07 0,03 0,07 0,03 0,07 0,03 0,07 1 Calcularam-se as médias ponderadas obtendo-se os índices do conforto do domicílio. Ressalta-se que há agravamento quando aumenta o valor do índice. Após esse processo, foi desenvolvido um site que disponibiliza o conjunto de mapas que exibe o retrato dos indicadores do conforto do domicílio e os índices das áreas de ponderação, Cidade e Município. 4 CONFORTO DOS DOMICÍLIOS EM MONTES CLAROS-MG A pesquisa de domicílio do IBGE (2010) apresenta variáveis que levam à caracterização da condição em que as pessoas vivem em um espaço geográfico. Para apurar o conforto existente nos domicílios foram estudadas as existências de rádio, televisão, geladeira, máquina de lavar, telefone fixo e celular, computador e internet, motocicleta e automóvel. 4.1 Rádio 261 Existem rádios em 87.767 (oitenta e sete mil setecentos e sessenta e sete) domicílios no Município, 83,35%, e em 81.356 (oitenta e um mil trezentos e cinqüenta e seis), 83,06%, na Cidade. Não há em 16.244 (dezesseis mil duzentos e quarenta e quatro) domicílios no Município, 15,42% e em 15.411 (quinze mil quatrocentos e onze), 15,73%, na Cidade. Predominam os domicílios que tem rádio. Já, os domicílios que não tem, aparecem, em maior número, na Rural/Distritos, Santos Reis, Cidade Industrial, Jardim Primavera e Jardim Alvorada. No Carmelo, Cintra e Ibituruna registram-se menores números de domicílios que não tem rádio (Mapa 2). Mapa 2 – Rádio Fonte: IBGE, 2010. Org.: PATTA, M., 2014 4.2 Televisão Há televisão em 99.746 (noventa e nove setecentos e quarenta e seis), 94,7%, domicílios no Município e 93.548 (noventa e tres mil quinhentos e quarenta e oito), 95,5%, na Cidade. Não há em 4.368 (quatro mil, trezentos e sessenta e oito) domicílios no Município, 4,05%, e em 3.222 (tres mil duzentos e vinte e dois), 3,28%, na Cidade. Predominam os domicílios que tem televisão. Os domicílios sem televisão se localizam, em maiores números, na Rural/Distritos, Santos Reis, Cidade Industrial, Jardim 262 Primavera e Jardim Alvorada. No Ibituruna, Jardim São Luiz e Centro registram-se os menores números de domicílios que não tem televisão (Mapa3). Mapa 3 – Televisão Fonte: IBGE, 2010. Org.: PATTA, M., 2014 4.3 Máquina de Lavar roupas As máquinas de lavar roupas aparecem em 29.467 (vinte e nove mil quatrocentos e sessenta e sete) domicílios no Município, 27,87%, e em 28.246 (vinte e oito mil duzentos e quarenta e seis), 28,83%, na Cidade. Não há em 76.547 (setenta e seis mil quinhentos e quarenta e sete) domicílios no Município, 70,79%, e em 68.254 (sessenta e oitos mil duzentos e cinquenta e quatro), 69,96%, na Cidade. Predominam, os domicílios que não tem máquina de lavar roupas, somando-se, maiores números na Rural / Distrito, Jardim Primavera, Jardim Alvorada e São Judas Tadeu, precedidos do Jardim Eldorado, Santos Reis, Cidade Industrial, Cidade Nova e Maracanã. Os que mais tem se localizam no Ibituruna, Todos os Santos, Jardim São Luiz e Centro (Mapa4). 263 Mapa 4 – Existência de Máquina de Lavar Fonte: IBGE, 2010. Org.: PATTA, M., 2014 4.4 Geladeira Existem Geladeiras em 99.618 (noventa e nove mil seiscentos e dezoito) domicílios no Município, 94,6%, e em 93.311 (noventa e tres mil trezentos e onze), 95,26%, na Cidade. Não existem geladeiras em 4.394 (quatro mil e trezentos e noventa e quatro) domicílios no Município, 4,17% e em 3.457 (tres mil quatrocentos e cinquenta e sete), 3,52% na Cidade. Predominam os domicílios que tem geladeira. Os domicílios sem geladeira mais aparecem na Rural/Distritos, Santos Reis, Cidade Industrial, Jardim Primavera e Jardim Alvorada. No Ibituruna, Jardim São Luiz e Todos os Santos, Santa Rita, São José e São João registram-se os menores números de domicílios que não tem geladeira (Mapa5). 4.5 Telefone celular 264 Há telefones celulares em 91.461 (noventa e um mil quatrocentos e sessenta e um) domicílios no Município, 87,81%, e em 87.785 (oitenta e sete mil setecentos e oitenta e cinco), 89,62%, na Cidade. Sem telefones celulares aparecem 11.549 (onze mil quinhentos e quarenta e nove) domicílios no Município, 10,96% e, na Cidade, 8.981 (oito mil novecentos e oitenta e um), 9,16%. Mapa 5 – Existência de Geladeira Fonte: IBGE, 2010. Org.: PATTA, M., 2014 Importante destacar que há mais telefones celulares que telefones fixos, predominando os domicílios que tem telefone celular. Os que não tem mais se localizam na Rural/Distritos, Santos Reis, Cidade Industrial, Vera Cruz e São Judas Tadeu. No Ibituruna, e Todos os Santos registram-se os menores números de domicílios que não tem telefone celular (Mapa6). 265 Mapa 6 – Telefone Celular Fonte: IBGE, 2010. Org.: PATTA, M., 2014 4.6 Telefone fixo Existem telefones fixos em 37.317 (trinta e sete mil trezentos e dezessete) domicílios do Município, 35,44%, e em 36.799 (trinta e seis mil setecentos e noventa e nove), 35,57%, da Cidade. Não existem em 66.697 (sessenta e seis mil seiscentos e noventa e sete) domicílios no Município, 63,34%, e em 59.971 (cinqüenta e nove mil novecentos e setenta e um), 61,22%, na Cidade. Os domicílios que não tem telefone fixo predominam em todas as áreas. No Ibituruna, Jardim São Luiz, Todos os Santos e Centro há maior número de telefones fixos nos domicílios e no Jardim Primavera e Jardim Alvorada, Rural/Distritos, maiores números dos que não tem (Mapa 7). 266 Mapa 7 – Telefone Fixo Fonte: IBGE, 2010. Org.: PATTA, M., 2014 4.7 Microcomputador e Internet Os Microcomputadores foram encontrados em 41.246 (quarenta e um mil duzentos e quarenta e seis), 39,17%, e internet em 31.582 (trinta e um mil quinhentos e oitenta e dois), 29,99%, domicílios no Município. Na Cidade, os computadores estão presentes em 40.856 (quarenta mil oitocentos e cinqüenta e seis), 41,71%, e a internet, em 31.410 (trinta e um mil quatrocentos e dez), 32,06%. Não existem computadores em 66.697 (sessenta e seis mil seiscentos e noventa e sete), 59,61%, domicílios no Município, 59,61%, e em 55.914 (cinquenta e cinco mil novecentos e quatorze), 57,08%, domicílios na Cidade. Há, portanto, diferença de 9.661 (nove mil seiscentos e sessenta e um), 9,17% domicílios sem internet, em relação aos que tem computadores no Município e 9.443 (nove mil quatrocentos e quarenta e tres), 9,64%, na Cidade. Detectou-se que predominam os domicílios sem microcomputadores. Os domicílios que não tem microcomputador aparecem em maiores números na Rural/Distritos, Jardim Primavera, Santos Reis, Cidade Industrial, Carmelo, Delfino Magalhães, Jardim Alvorada, São Judas Tadeu. Já, os domicílios sem internet 267 aparecem, em maiores números, em Lourdes, Cidade Industrial, Santa Rita, Jardim Alvorada, São Judas Tadeu, Major Prates, Jardim São Luiz (Mapa 8). Mapa 8 – Computador e computador com Internet Fonte: IBGE, 2010. Org.: PATTA, M., 2014 4.8 Motocicleta Existem Motocicletas para uso pessoal em 31.810 (trinta e um mil oitocentos dez) domicílios no Município, 30,21%, e em 29.989 (vinte e nove mil novecentos e oitenta e nove), 30,61%, na Cidade. Não existem em 72.212 (setenta e dois mil duzentos e doze), 68,57%, no Município, e em 66.779 (sessenta e seis mil setecentos e setenta e nove), 68,17%, domicílios na Cidade. Predominam os domicílios sem motocicleta, sendo que, os locais onde mais não tem são Rural/Distritos, Jardim São Luiz, Centro e Jardim Primavera, seguidos do Jardim Alvorada e Ibituruna. Na Rural/Distritos e Jardim Alvorada aparecem os maiores números de domicílios que tem motocicleta (Mapa 9). 268 Mapa 9 – Motocicleta Fonte: IBGE, 2010. Org.: PATTA, M., 2014 4.9 Automóvel Existem automóveis de uso particular em 38.437 (trinta e oito mil quatrocentos e trinta e sete) domicílios no Município 36,5% e em 37.169 (trinta e sete mil cento e sessenta e nove), 39,94%, na Cidade. Não existem em 65.576 (setenta e cinco mil quinhentos e setenta e seis), 37,94%, no Município, e 59.600 (cinqüenta e nove mil seiscentos), 60,84%, domicílios na Cidade. Predominam os domicílios sem automóveis, sendo que as áreas onde mais não tem são Rural/Distritos, Jardim Alvorada e Jardim Primavera, seguidos do Jardim Eldorado, Santos Reis, Cidade Industrial, Vera Cruz, Carmelo, Delfino Magalhães, Cidade Nova e São Judas Tadeu. Há mais automóveis no Ibituruna e Jardim São Luiz (Mapa 10). 269 Mapa 10 – Automóvel Fonte: IBGE, 2010. Org.: PATTA, M., 2014 5 ÍNDICES DE CONFORTO DE DOMICÍLIO Na análise do conforto do domicílio totalizaram-se as variáveis, rádio, televisão, máquina de lavar, telefone fixo e celular, microcomputador e internet, motocicleta e automóvel. Após ponderar o valor dos indicadores, o índice encontrado na Cidade é 0,468325284 e no Município, de 0,473314786. Exibindo-se dos maiores para os menores índices, isto é, dos piores para os melhores confortos, aparecem a Rural/Distritos, Santos Reis, Jardim Eldorado, Carmelo, Maracanã, Jardim Primavera, Delfino Magalhães, Cidade Industrial, São Judas Tadeu, Vera Cruz, Major Prates, Jardim Alvorada, Cidade Nova, Lourdes, São João, Cintra, Santa Rita, São José, Centro, Jardim São Luiz, Todos os Santos, Ibituruna. A Rural/Distritos e os Santos Reis se destacam com os maiores índices (piores confortos) e Ibituruna, o menor (melhor conforto) (Gráfico 1 e Mapa 11). 270 Rural/distritos; Conforto; Santos 0,539966869 Reis; Conforto; Jardim 0,499028735 Eldorado; Conforto; 0,496086752 Carmelo; Conforto; 0,495009309 Maracanã; Conforto; Jardim 0,493993207 Primavera; Conforto; Delfino 0,491616848 Magalhães; Conforto; Cidade 0,490125445 Industrial; Conforto; São 0,489562624 Judas Tadeu; 0,488571933 Vera Conforto; 0,48676357 Cruz; Major Conforto; Prates; Conforto; Jardim 0,484672447 Alvorada; Conforto; Cidade 0,476668046 Nova; Conforto; 0,474730826 Lourdes; Conforto; São 0,466533302 João; 0,464641296 Cintra; Conforto; 0,464321224 Santa Conforto; Rita; Conforto; São 0,447387433 José; 0,446595448 Centro ; Conforto; 0,437762966 Jardim Conforto; São Luiz; Conforto; Todos 0,423808884 os Santos; Conforto; 0,42196152 Ibituruna; 0,393001044 1 Valores de 0 aConforto; Gráfico 1 – Conforto no Domicílio na Cidade e Município Fonte: PATTA, M., 2014 Mapa 11 – Índice de Conforto nas Áreas de Ponderação, Cidade e Município Fonte: PATTA, M., 2014 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A quantidade de domicílios aumentou em 27,24% de 2000 à 2010, sendo localizados, 95%, na área urbana e os maiores números se Rural/Distritos, Jardim Alvorada e Jardim Primavera. 271 encontram na Rádio, televisão, geladeira e telefone celular são os itens de conforto que mais aparecem nos domicílios (de 83% a 95%). Na Rural/Distritos, Jardim Primavera, Cidade Industrial, Santos Reis, Jardim Primavera, Vera Cruz, São Judas Tadeu e Jardim Alvorada há mais domicílios que não tem rádio, televisão geladeira e telefone celular. Máquina de lavar, telefone fixo, computador, internet, motocicleta e automóvel são itens de conforto que aparecem de 28% a 40% dos domicílios. A máquina de lavar (28%) e telefone fixo (30%) menos aparecem na Rural/Distritos, Jardim Primavera, Jardim Alvorada e São Judas Tadeu. Não há computadores em ~40% e internet em 30% dos domicílios. Há mais domicílios sem computadores na Rural/Distritos, Jardim Primavera e, em Lourdes, sem internet. A motocicleta aparece em ~30% e os automóveis, em 37% dos domicílios. Na Rural/Distritos, Jardim São Luiz, Centro e Jardim Primavera registram-se os maiores números de domicílios sem motocicleta. Na Rural/Distritos, Jardim Primavera e Jardim Alvorada há mais domicílios sem automóveis. O índice de conforto de domicílio do Município (0,473314786) é maior que o da Cidade (0,468325284), porém, aproximados. Reforça-se a idéia de que o conforto retrata facetas, cultural, educacional, social, econômica e tecnológica das pessoas lotadas em um espaço geográfico. A Rural/Distritos (0,539) e os Santos Reis (0,499) se destacam com os maiores índices no que tange ao conforto do domicílio, e Ibituruna (0,393), o menor. As ausências de máquina de lavar, de internet, de motocicletas, e de automóveis, agravaram os índices em todas as áreas de ponderação. Assim, pode-se entender que quase metade da população da cidade e Município, vive precariamente no que tange ao conforto de seus domicílios. Este fato confirma o baixo dinamismo econômico e as desigualdades na distribuição de renda, despesas com bens de consumo, que afetam, dentre outros aspectos, o conforto dos domicílios em Montes Claros-MG. REFERÊNCIAS ESDRAS, Marcos. Geotecnologias Aplicadas ao estudo de formação e de risco ambiental das favelas de Montes Claros/MG. 2012. P. 176-198. Disponível em www.geografia.ufpr.br/raega. Acessado em 15 jun. 2012. 272 IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Divisão regional do Brasil em mesorregiões e microrregiões geográficas. Volume 1. Rio de Janeiro: IBGE, 1990. ______.Censo Demográfico 2010: Características Gerais da População, Religião e Pessoas com Deficiência. Disponível em: .ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Rel igiao_Deficiencia/caracteristicas_religiao_deficiencia.pdf. Acessado em Set. 2013. ______. Censo Demográfico de 2010. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/. Acessado em Set. 2013. ______. Censo Demográfico de 2010 de Minas Gerais. Rio de Janeiro, 2010. Índice de Desenvolvimento Humano Municipal 2013. Disponível <<http://www.pnud.org.br/IDH/DH.aspx>>. Acesso em 18 Mar. De 2014. em: JANNUZZI, P. M. Indicadores sociais no Brasil: conceitos, medidas e aplicações. 5.ed. Campinas: Alínea; São Paulo: Editora Alínea, 2012. 156 p. POCHMANN, M.; AMORIM, R.; SILVA, R.(Org.). Atlas da exclusão social no Brasil: dinâmica e manifestação territorial. São Paulo: Cortez, 2003. v. 2. POCHMAN, Márcio, AMORIM, Ricardo. Atlas de Exclusão social no Brasil. São Paulo: Ed Cortez. 2003. 223 p. 273 NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS E TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA PRODUÇÃO HABITACIONAL NA CIDADE DE RIBEIRÃO PRETO/SP. Marlon Altavini de Abreu62/63 Resumo O presente trabalho tem como objetivo analisar e discutir as recentes transformações na dinâmica do mercado imobiliário em cidades médias considerando os novos conteúdos associados às formas de organização e estruturação dos negócios e das empresas (construtoras e incorporadoras) do ramo imobiliário, assim como, a intensidade e diversidade da produção imobiliária direcionada a diferentes segmentos de renda. Tomando como referência as empresas do setor imobiliário e a produção habitacional na cidade de Ribeirão Preto/SP debate o modo como os agentes imobiliários, em sua diversidade e diferenças, projetam expectativas, direcionam o perfil de seus negócios e participam/influenciam na produção do espaço urbano. Palavras-Chave: Produção Habitacional, Dinâmica Imobiliária, Programa Minha Casa Minha Vida. 1. A trajetória dos agentes e da produção imobiliária na cidade de Ribeirão Preto. A mediação entre a dimensão local e os processos gerais que passam a articular a dinâmica imobiliária recente constitui um desafio analítico vigoroso que exige reconhecer, com o avanço das lógicas financeiras, a redefinição das expectativas e estratégias desempenhadas por diferentes agentes imobiliários. Além disso, expõe ao debate a necessidade de se qualificar estas transformações em conjunto à discussão dos significados e sentidos associados às noções de financiamento imobiliário e financeirização do setor imobiliário, integrando seus sentidos às mudanças postas pelo modo como o capital imobiliário integra-se às formas de reprodução do capital, entremeados por meio de novos agentes e novos produtos 62 Este trabalho consiste em parte dos resultados obtidos com a pesquisa desenvolvida em nível de mestrado em Geografia pela FCT/UNESP de Presidente Prudente/SP, sob orientação do Prof. Dr. Everaldo Santos Melazzo. O autor é integrante dos grupos de pesquisa GAsPERR (Grupo de Pesquisa Produção do Espaço Urbano e Redefinições Regionais ) e CEMESPP (Centro de Estudos e de Mapeamento da Exclusão Social para Políticas Públicas). Correio eletrônico: [email protected] 63 Eixo 5 - Desigualdades socioespaciais. Produção de moradia, dinâmica imobiliária e segregação residencial. 274 imobiliários, em disputa e concorrência com velhas formas mercantis de organização e reprodução da cidade. Esta ampliação das relações entre setor financeiro e imobiliário denota em sua extensão mecanismos que passam a articular-se por diferentes escalas geográficas, em um movimento orientado pela busca incessante de capitais por maiores taxas de lucro, dadas as novas possibilidades abertas pelas inovações na engenharia financeira e instrumentos institucionais dela oriundos. Toda la expansión del inmobiliario en las últimas décadas se ha basado en las nuevas posibilidades de financiacíon, que son superiores a las que existieron en el pasado, y que tienen que ver, además, con la abundancia de capitales y la búsqueda de sectores rentables en los que intervir. (CAPEL, 2013, p. 208) O capital imobiliário, normalmente associado às formas mercantis de produção do espaço urbano, baseado pela coordenação de ciclos autônomos de diferentes capitais (parcelamento, construção, incorporação, financiamento etc.), redefine-se através das condições constituídas que permitem maior liquidez sob as bases das quais serão apropriadas as rendas imobiliárias, sejam elas por meio da inserção e acesso de novos instrumentos financeiros ou por grandes investimentos institucionais. (PAIVA, 2007) O setor imobiliário e a construção civil são, no Brasil, historicamente marcados por feições conservadoras em seus processos de gestão e modernização do capital (Paiva, 2007), suas raízes ancoradas na força e centralização do capital mercantil, alinhado à herança patrimonialista e a formação socioespacial de cada cidade designam traços constitutivos que permanecem até os dias de hoje. Na cidade de Ribeirão Preto o perfil e importância das empresas de capital local com maior atuação no setor da construção civil e incorporação residencial expressam, à primeira vista, estas feições. São empresas arquitetadas por forte estrutura familiar e com arco de atuação ancorado em sua cidade de origem, com expressiva presença na produção de obras públicas e produção de empreendimentos residenciais voltados aos segmentos de maior renda64. Deste modo, o entendimento deste processo atribui aos seus desdobramentos locais – circunscritos ao avanço dos negócios em direção à produção habitacional particularidades intrinsecamente associadas ao modo e a intensidades que cada uma destas empresas insere-se nas lógicas cada vez mais competitivas, que a partir da segunda metade do século XXI vêm se aprofundando no setor imobiliário brasileiro. As sinergias entre as heranças de capitais tradicionalmente mercantis-rentistas e o papel das práticas financeiras integram-se a estas questões mais gerais, próprias à escala de atuação destes agentes (MELAZZO, 2013), e acentuam, ou tornam mais evidentes, sobreposições e articulações com dinâmicas e vínculos já consolidados 64 A caracterização destas empresas resulta das observações de campo e das entrevistas realizadas durante a elaboração da dissertação de mestrado (ver Abreu 2014) 275 localmente – e que continuam a se reproduzir – sem que deixem de integrar-se ao circuito imobiliário que passa a se estruturar no país (FIX, 2011). Esta dinâmica é alvo de nossa atenção. Para tanto, tomaremos como exemplo as construtoras e incorporadoras de capital local que atuam nas cidades de Ribeirão Preto, buscando destacar estes processos65 em cidades médias. Neste sentido, delineia-se um conjunto de preocupações para a identificação das escalas de sua realização, que fora das regiões metropolitanas incorporam estratégias específicas e ocorrem em intensidades diferentes. Na cidade de Ribeirão Preto, as empresas de capital local de maior importância atuam predominantemente na produção de empreendimentos habitacionais66, assumindo a incorporação e produção residencial a centralidade dos negócios de cada uma delas67. As grandes empresas do setor (Habiarte, Copema e Pereira Alvim) tem seu arco de atuação na cidade de Ribeirão Preto, sendo a atuação regional pouco explorada, com destaque à construtora de médio porte Perplan, com atuação nas cidades de Franca, Bebedouro, Mococa e Pirassununga e a construtora Habiarte com um empreendimento na cidade de Sertãozinho. Além disso, chama atenção em Ribeirão Preto as recentes parcerias entre empresas locais e empresas de capital aberto na bolsa de valores BM&F BOVESPA. Estas parcerias normalmente estão articuladas estrategicamente à expansão dos negócios em direção da produção de produtos imobiliários voltados a diferentes segmentos de renda, tal como, a Perplan que se integra às empresas Vitta Residencial e a Bild Desenvolvimento Imobiliário, para produção de empreendimentos voltados a baixa e média renda. Esta ampliação sugere um ganho de importância dos grandes grupos com atuação nacional frente àqueles que atuam em escala local. Ademais, a incursão destes capitais engaja-se, sobretudo, pela participação destes grupos na produção de empreendimentos voltados aos segmentos de média renda, incluindo aqueles que estão enquadrados na faixa salarial de 3 a 10 salários mínimos do programa Minha Casa Minha Vida. Considerando apenas as empresas listadas na BM&F BOVESPA 68 é possível mensurar os grupos e construtoras em atuação ou que atuaram na produção habitacional 65 As ideias subsequentes têm como principal referência as informações obtidas através de entrevistas realizadas na cidade estudadas. Neste sentido, retoma parte das considerações efetuadas por empresários, agentes da construção civil e incorporação residencial e com representantes dos sindicatos (SINDUSCON e SECOVI), sobretudo, ao modo como percebem a conjuntura atual do mercado, assim como as estratégias, possibilidades e limites do período recente. 66 Na cidade de Ribeirão Preto foram realizadas um total de 4 entrevistas com consultores imobiliários e diretores de marketing das empresas Copema, Habiarte, WTB e Perplan e a imobiliária Forte Guimarães. 67 Assume uma posição secundária nas empresas WTB e Habiarte a produção de edifícios empresariais. 276 para os segmentos econômicos de baixa é média renda pelo programa Minha Casa Minha Vida, o qual fazem parte MRV Engenharia e Participações S.A., Rodobens Negócios Imobiliários S.A., PDG Realty S.A.. Para os segmentos de alto padrão atuam as empresas Rossi Residencial S.A. e Trisul S.A. A ampliação do número de empresas operando nos mercados imobiliários caracteriza a complexificação dos negócios imobiliários por meio da ampliação da concorrência entre empresas, entre setores e também entre produtos imobiliários específicos, responsáveis por uma maior segmentação do mercado e da oferta habitacional. Os sentidos associados à criação destas frações de mercado são desdobramento do modo como a ampliação do circuito imobiliário se configura, via maior proximidade entre política pública, particularmente aquela relacionada ao crédito imobiliário de um lado e a produção habitacional de outro, e os tipos de mercadorias produzidas que refletem de modo incisivo para transformações em curso dos capitais locais. Neste sentido, para as empresas de capital aberto a formatação de um mercado segmentado consiste num meio de cumprir com promessas feitas aos acionistas, em contrapartida, para as empresas de capital fechado e com os negócios profundamente arraigados à base local, esta nova constituição conforma novos patamares em que o ambiente construído reafirma-se como polarizador da riqueza e rearticulação de elites econômicas rentistas (MELAZZO, 2013). Em Ribeirão Preto, a inserção de novos grupos disputando e diversificando frações do mercado em direção a produção imobiliária mais segmentada, consubstancia transformações importantes no modo como os agentes locais definem suas ações estratégicas, sejam aquelas orientadas com a finalidade de troca de informação entre grupos locais e grupos nacionais, seja àquela que exige maior organização entre grupos locais, fomentando fusões e parcerias que permitam a permanência competitiva destas empresas no mercado. Para tanto, destacamos três exemplos, o primeiro da em empresa Habiarte que se associa à PDG Realty S.A. e um segundo da empresa Perplam e sua associação com empresas locais. Tomando como exemplo a empresa Habiarte, é destacável sua parceria com a empresa PDG Realty S.A. Empreendimentos e Participações69. A parceria foi constituída para o desenvolvimento em conjunto de projetos imobiliários residenciais de média renda e comerciais, já iniciando com 4 projetos contratados cujo VGV pro rata PDG Realty alcança R$ 140 milhões. Desse total, aproximadamente R$ 100 milhões serão lançados ainda em 200870. 68 http://bmfbovespa.com.br/cias-listadas/Empresas-istadas/BuscaEmpresaListada.aspx?segmento=Constru%C3%A7%C3%A3o+Civil&idioma=pt-br .(Acesso 06/02/2015) 69 A Habiarte também associa-se em outros empreendimento a empresa Rossi S.A., outra empresa com atuação nacional para a construção de empreendimentos residenciais. 70 Comunicado ao Mercado, publicado em 31 de março de 2008. Disponível em <http://ri.pdg.com.br/conteudo_pt.asp?idioma=0&conta=28&tipo=32637&id=104513>. Acesso 07. dez. 2013. 277 Esta parceria, formada no ano de 2008, alia interesses e demonstra práticas que se combinam em função da dificuldade das empresas de capital aberto em integrar-se a mercados locais, dos quais têm pouca informação, ao passo que para as empresas locais, resulta em um meio de maior integração a padrões construtivos diversos e ao controle do mercado. Para o exemplo da empresa Habiarte, chama atenção o caráter estratégico associado às parcerias com as grandes empresas de atuação nacional, sobretudo, relacionada ao conhecimento de mercado que estas dispõem. Foi uma parceria vamos dizer assim, para nós no sentido que a PDG agregou muito, foi o que a gente esperava, nossa expectativa era que eles agregassem no conhecimento sobre a incorporação de fato, na incorporação e na estratégia de marketing, venda, acabou que agregou alguma coisa. (Funcionária responsável pelo setor de engenharia da empresa Habiarte71). Os sentidos associados por estas estratégias podem, entretanto, assumir formatos diferentes quando pensados nos exemplos do Grupo WTB. O Grupo WTB atua predominantemente no segmento de incorporação e consultoria imobiliária. A partir do ano de 2008 promove uma reestruturação empresarial, subdividindo seu campo de atuação em quatro unidades operacionais com objetivos direcionados à participação em grandes empreendimentos a comercialização de novos produtos imobiliários72. Esta reconfiguração da estrutura da empresa desdobra-se da necessidade de atuação em segmentos de mercado específicos, aliados a ações que visam estabelecer parcerias com as empresas de atuação nacional, como uma combinação adequada para o Grupo WTB, permaneça competitivo no mercado. O conhecimento estratégico do mercado imobiliário da cidade, aliado à constituição do landbank destas empresas com atuação nacional, além da escala de produção por elas alçada, ofereceram as condições para a WTB consolidar-se no mercado imobiliário de Ribeirão Preto. Até o ano de 2013 a empresa participa da produção de quatro grandes empreendimentos; Iguatemi Business e Iguatemi Empresarial (Incorporação: Brookfield), Neo Ribeirão e Trio Ribeirão (Incorporação: Lindencorp e Rossi). Paralelamente, reside em Ribeirão Preto o exemplo da construtora Perplan, que define novas estratégias de atuação, em direção a outros segmentos de renda. Para tanto a empresas inicia parcerias com outras, tal como as empresas Bild Desenvolvimento Imobiliário e Construplam. 71 Entrevista realizada por Everaldo Santos Melazzo no âmbito do projeto: Lógicas econômicas e práticas espaciais contemporâneas: cidades médias e consumo. Cedida ao autor. Janeiro de 2015. 72 Informações obtidas em entrevista realizada com diretora de marketing da empresa WTB concedida ao autor deste trabalho em novembro de 2013. 278 (...) a Perplan tem muito conhecimento e recebe muitas ofertas de investidores, por que o que acontece: a gente estuda a área e vê o que realmente da pra encaixar na área, porque não adianta você olhar pra uma área e não perceber um projeto pra inserir nela. Então a Perplan, passou a ter muitas propostas para áreas e como a Bild já era conhecida e veio pra Ribeirão a pouco tempo, foi formada em Ribeirão a pouco tempo, então o que aconteceu, a gente se uniu, porque a Perplan entra com a parte da área, a Bild entra com toda a estrutura e a Construplan constrói. (Funcionária responsável pelo setor de marketing da empresa Perplan73). A união destas empresas locais amplia seus horizontes de atuação, permitindo o avanço da produção habitacional destinada a outros segmentos de renda, tal como apresentado no exemplo da empresa Perplan, que passa a integrar em seu portfólio empreendimentos nesse caso específico, voltados aos segmentos sociais de rendimentos médios ou baixos. As diferenças percebidas são acentuadas, tal como destacado nos exemplos, porém, recobrem ações que visam um processo de expansão dos negócios, por intermédio do maior conhecimento do mercado e da ampliação da produção imobiliária, seja aquela que consolida frações de mercado específicas, tal como o caso da empresa Habiarte, ou àquela que segue em direção da constituição de diferentes segmentos de renda. Os rebatimentos e imbricações destes processos são diversos, compondo uma ampla gama de questões relativas às políticas de financiamento da produção, a extensão e influência das empresas de capital aberto - em sua condição hegemônica caracterizada por estratégias de diferenciação de gestão e da propriedade da empresa, sua expansão espacial, seus métodos construtivos, de venda e comercialização diferenciadas - frente às empresas locais, de capital fechado com negócios fortemente ancorados em suas cidades sedes e, não raro, em estruturas familiares de gestão. A relação que resulta do avanço das condições postas à produção imobiliária tomada aqui pela ampliação do financiamento imobiliário, as possibilidades de capitação de recursos por intermédio do mercado de capitais etc. – e a ampliação do número de empresas e do mercado aberto para diferentes produtos imobiliários revelam a composição de um cenário constituído por práticas específicas que exigem tanto um conhecimento do funcionamento do mercado imobiliário (o que lançar? para quem lançar?), mas, sobretudo, um conhecimento espacial (aonde lançar). Todavia, gostaríamos de chamar atenção ao impacto dirigido às lógicas de reprodução do espaço urbano, em específico para a diversificação da produção habitacional que apresenta novos patamares alçadas pelo mercado e que expressam o avanço da produção de novos empreendimentos, associando-se e fortalecendo as dinâmicas de produção de novas centralidades, ao mesmo tempo, que se inscrevem em lógicas, cada vez mais intensas, de expansão dos tecidos urbanos. O item subsequente 73 Entrevista concedida ao autor deste trabalho, nov.2013. 279 apresentará o volume desta produção, considerando os edifícios de alto padrão produzidos e os empreendimentos contratados durante os anos de 2009 e 2012 pelo programa Minha Casa Minha Vida. 2. A dinâmica da produção habitacional. O conjunto de ideias apresentadas até o momento, em torno da correlação pensada entre a inserção de novos agentes, a expansão e a transformação dos negócios imobiliários coloca sobre um mesmo plano analítico a necessidade de considerar as mudanças no volume, na intensidade e na seletividade de lançamentos e produtos imobiliários dirigidos a diferentes segmentos de renda. A dinâmica da produção habitacional recebe aqui um recorte temporal bem definido, conjunturalmente potencializado pela disponibilidade de financiamento à produção e crédito ao consumo e delimitado pelos investimentos direcionados a obras de infraestrutura social e urbana construídas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) aprovado pelo governo federal no ano de 2007 e pelo programa habitacional Minha Casa Minha Vida, aprovado em 2009. Por um lado, a partir do PAC observa-se um conjunto de investimentos básicos voltados à recuperação de áreas urbanas degradadas e favelas. O programa habitacional Minha Casa Minha Vida, por sua vez, integra o conjunto de modificações institucionais atreladas à produção habitacional, que impacta de modo decisivo o setor imobiliário e reverbera de maneira intensa sobre a produção habitacional para os segmentos de rendas médias e baixas. O rebatimento destas transformações, no conjunto de empresas com atuação nos setores da construção civil e incorporação residencial na cidade de Ribeirão Preto, amplia a disputa entre empresas, consolida frações de mercado, ou mesmo, estabelecem novas relações comerciais e o fracionamento do mercado através de produtos imobiliários específicos. Aos segmentos de alta renda associa-se a manutenção de um mercado voltado à produção de empreendimentos verticais, concentrados territorialmente e com participação hegemônica das empresas de capital local74. O avanço da produção habitacional para esta fração de mercado será aqui abordada dentro destas tipologias. Para tanto, utilizamos as informações referentes a evolução dos lançamentos imobiliários de apartamentos das maiores empresas em atuação no setor. O período considerado diz respeito aos lançamentos efetuados do ano de 2000 até 2013. As construtoras escolhidas para análise e mensuração dos empreendimentos na cidade de Ribeirão Preto foram as empresas Habiarte, Copema e Pereira Alvin. 74 Esses edifícios localizam-se principalmente na Avenida Professor João Fiúsa e no bairro Jardim Botânico, ambos no setor Sul da cidade de Ribeirão Preto, localizados no quadrando sudeste. 280 Quadro 1. Ribeirão Preto. Evolução dos empreendimentos voltados aos segmentos de alta renda. 2000 até 201075. Ribeirão Preto Habiarte Copema 2000 – 2010 11 12 2011 4 8 2012 2 3 2013 1 6 Fonte: Informações extraídas dos sites destas empresas Org: Marlon Altavini de Abreu Ano Pereira Alvin76 6 * * 1 Em Ribeirão Preto o volume de empreendimentos entregues indica o contraste entre os últimos três anos e os períodos anteriores, a exemplo, da construtora Habiarte que incorpora e comercializa nos três últimos anos um total de 7 edifícios, número idêntico ao total entregue nos anos de 2000 e 2005 e superior aos 4 edifícios entregues entre os anos de 2006 e 201077. A construtora Copema apresenta os números mais elevados, com 17 empreendimentos aprovados no período, número superior à última década. A construtora Pereira Alvim, por sua vez, apresenta os menores números de lançamentos no período, entretanto, apresenta em sua trajetória um volume elevado, até o ano de 2009, de empreendimentos horizontais, em sua maioria condomínios fechados e edifícios comerciais. Outros elementos que chamam a atenção, além do volume de empreendimentos entregues, é a tipologia das unidades habitacionais nestes empreendimentos, com predomínio de edifícios, e, também, pela localização destes imóveis, normalmente associados a eixos já consolidados, tal como a área central da cidade e nos vetores de valorização imobiliária, tal como a Avenida Professor João Fiúsa ou o bairro Jardim Botânico, ambos localizados no eixo sul da cidade, no quadrante sudeste. A produção habitacional para os segmentos de média e baixa renda concentra os volumes de produção mais notáveis em número de unidades. Para sua mensuração utilizaremos a relação de unidades habitacionais produzidas por empresas que produzem e comercializam seus imóveis no interior do programa Minha Casa Minha Vida. Este recorte nos conduz a três faixas de renda bem definidas. Sendo a Faixa 1 imóveis construídos para atender às famílias sem rendimento até com renda média mensal bruta de até R$ 1600,00; a Faixa 2 para atender famílias com rendimento mensal 75 Informações extraídas dos sites das empresas e a partir de entrevistas realizadas com representantes destas empresas. 76 Durante os anos de 2011 e 2012 a empresa concentra seus lançamentos em edifícios empresariais e em um centro de eventos. 77 Informações extraídas das entrevistas com corretores imobiliários desta empresa. 281 bruto de até R$ 3275,00 Faixa 3 para atende famílias com rendimento mensal bruto que varie valores acima R$ 3275,00 até R$ 5000,0078. Para melhor circunscrever esta produção utilizaremos de informações em torno do volume e localização destes empreendimentos. Para tanto, estas informações referem-se às obras iniciadas entre 2009 e dezembro de 201279. De modo geral o período destacado compreende um volume significado de unidades habitacionais com construção iniciada. Em Ribeirão Preto neste período iniciase a construção de 8849 habitações. Trata-se de um volume considerável, seja pelo curto espaço de tempo, seja por sua representatividade no estoque de imóveis desta cidade. Comparado com o total de domicílios permanente registrados pelo último censo demográfico do IBGE em 2010, que alcançou 194.853 domicílios, o total de habitações produzidas corresponde percentualmente a quase 5% do estoque. O avanço do número de unidades habitacionais produzidas por intermédio dos incentivos financeiros do programa habitacional Minha Casa Minha Vida revelam uma complexa dinâmica atrelada às ações de combate ao déficit habitacional, mas, sobretudo, associada aos interesses econômicos de empresas construtoras e incorporadoras. Shimbo (2010) chama atenção para esta relação entre política habitacional e dinâmica imobiliária, pensando-as através das relações cada vez mais estreitas entre capital financeiro e setor imobiliário, consubstanciadas em um conjunto de transformações relativas às necessidades das empresas que passam a abrir capital na bolsa de valores, em constituir um ambiente de investimento seguro, calcado na extensa produção da habitacional e na ampliação das escalas de atuação destas empresas, tratando-se da constituição de uma política que favorece e privilegia a produção de uma habitação social de mercado (SHIMBO, 2010, 194.) Em Ribeirão Preto estas dinâmicas podem ser mensuradas quando pensadas na relação entre estas novas unidades habitacionais e as empresas que passam a atuar em sua produção, sendo em grande parte construtoras com atuação nacional ou regional. Estas informações estão ordenadas em diferentes tabelas, cada qual referente a uma faixa específica. Neste sentido, a análise que se propõem, contempla um olhar integrado sobre o volume de unidades produzidas e suas localizações. Além disso, foi elaborado um mapa com a localização de cada um dos empreendimentos. Neste sentido, a análise que se propõem, contempla paralelamente um olhar integrado entre o volume de produção e a localização de cada um destes empreendimentos. Complementarmente, nossas análises se pautam nas informações obtidas e sistematizadas nos trabalhos de campo realizados nestas cidades. As localizações destes diferentes empreendimentos estão representadas para a cidade de Ribeirão Preto através do Mapa 1. Neste mapa fora posicionados o conjunto 78 Disponível em: <http://www.caixa.gov.br/habitacao/mcmv/ >. Acesso em 13. Jan. de 2014. 79 Informações extraídas do projeto Trajetórias do mercado imobiliário nas cidades de Marília e Presidente Prudente SP, 1995 2012. A produção imobiliária do PMCMV, seus agentes e a diferenciação e desigualdades socioespaciais intra-urbanas, coordenado pelo professor Dr. Everaldo Santos Melazzo, cujo autor é colaborador. 282 de empreendimentos, diferenciando-os pelas cores vermelha para os empreendimentos da Faixa 1, azul para os empreendimentos da Faixa 2 e Verde para os empreendimentos da Faixa 3. 283 Mapa 1. Ribeirão Preto. Localização dos empreendimentos construídos pelo programa Minha Casa Minha Vida segundo a faixa de renda 2012. Considerando a posição de cada um destes empreendimentos é nítida a posição de separação ocupada no conjunto da malha urbana pelos empreendimentos da Faixa 1, ou seja, àqueles destinados ao público de 0 a 3 salários mínimos. Estes 284 empreendimentos localizam-se em sua totalidade no extremo noroeste da cidade em uma condição bastante diferente daqueles destinados às demais faixas de renda, que ocupam, em sua maioria, uma melhor inserção no interior da cidade. O Quadro 2 inicia esta análise destacando os imóveis destinados às famílias de 0 a 3 salários mínimos, assim como as empresas envolvidas em sua construção. Quadro 2. Ribeirão Preto. 2012. Imóveis destinados às famílias com rendimento mensal até R$ 1600,00. Faixa 1. 2012 Empresa Unidades Habitacionais Construtora Leg 192 Construtora Croma ltda. 448 Protenco - Projetos Técnicos e Construções ltda. 1016 Total 1656 Fonte: Banco de dados do Programa Minha Casa Minha Vida Elaboração: Marlon Altavini de Abreu Os imóveis da Faixa 1 são os que apresentam menor volume de unidades habitacionais produzidas em Ribeirão Preto, tal como poderemos perceber em comparação aos quadros seguintes. Totaliza 1656 unidades habitacionais distribuídas por 12 empreendimentos, construídos por 3 empresas. Estas empresas construtoras são empresas locais, tradicionalmente associadas a produção de obras públicas e conjuntos habitacionais. Na sequência, tomando o mesmo ordenamento do quadro anterior, está o Quadro 3, referindo-se aos empreendimentos destinados às famílias de 3 a 5 salários mínimos. Quadro 3. Ribeirão Preto. Imóveis destinados às famílias com rendimento mensal bruto até R$ 3275,00. Faixa 2. 2012. Empresa Unidades Habitacionais Habite-se Empreendimentos e Construções Ltda 12 Hm OI Empreendimentos Imobiliários SpeLtda 144 SpeVitta Jardim ZaraLtda 144 Quebec Empreendimentos Imobiliários e Construções 186 Ltda 189 Costallat Ferreira Eng e ConstLtda Sarapo Empreendimentos Imobiliários Ltda 285 256 Companhia habitacional regional de Ribeirão Preto 857 COHAB RP 1064 Vitta Residencial Speltda MRV Engenharia e Participacoes S.A 1679 Total 4531 Fonte: Banco de dados do Programa Minha Casa Minha Vida Elaboração: Marlon Altavini de Abreu Em Ribeirão Preto os imóveis da Faixa 2 correspondem a 4531 unidades habitacionais. Esta é a faixa do programa que mais produziu empreendimentos e também aquela que mais articulou empresas para produção. A participação destas empresas é bastante desigual, sendo daquelas que mais se destacam a MRV Engenharia e Participações S.A, com a produção de 1679 unidades habitacionais, a Vitta Residencial Spe Ltda. com 1064 e a Companhia Habitacional Regional de Ribeirão Preto (COAHAB – RP), com 857 unidades habitacionais. Ademais, são as empresas MRV Engenharia e Participações S.A e Vitta Residencial Spe Ltda as únicas empresas com participação em empreendimentos nas Faixas 2 e 3. Além disso, o maior número de empreendimentos construídos e/ou em construção são de responsabilidade da MRV Engenharia e Participações S.A correspondendo a mais da metade dos imóveis produzidos, evidenciando a importância e extensão de seus negócios, tal como indicado no Quadro 4 referindo-se aos empreendimentos voltados às famílias com rendimento até 10 salários mínimos. Quadro 4. Imóveis destinados às famíliascom rendimento mensal bruto até R$ 5000,00. Ribeirão Preto. Faixa 3. 2012. Empresa Unidades Habitacionais Mb7 Construtora 103 H.S.F. INC 120 Const. Itajaí 192 CyteMagik Empreendimentos Imobiliarios. Ltda 198 Vitta Res 256 Hm OI Empreendimentos Imobiliários SpeLtda 304 MRV Engenharia e Participações S.A 1489 Total 2662 286 Fonte: Banco de dados do Programa Minha Casa Minha Vida Elaboração: Marlon Altavini de Abreu. Com os dados do Quadro 4, é possível destacar a presença de um grande número de empresas atuando na produção de empreendimentos da Faixa 3 em Ribeirão Preto, totalizando 2662 unidades habitacionais. São empresas que em sua maioria um arco de atuação nacional ou mesmo regional. Deste modo a cidade de Ribeirão Preto reúne no conjunto de unidades habitacionais produzidas entre as três Faixas um volume superior de imóveis para as famílias com rendimento de até R$ 5000,00, além disso, envolve desta produção um conjunto extenso de construtoras que em sua maioria atua em mais de uma cidade ou mesmo em escala nacional tal como a MRV Engenharia e Participações S.A que é a construtora com maior número de empreendimentos tanto na Faixa 2 quanto na Faixa 3. Considerações finais. O conjunto de ideias aqui delineadas permite estabelecer alguns limiares analíticos capazes de constituir uma compreensão mais nítida das recentes transformações que passam a residir na dinâmica do mercado imobiliário em cidades médias, em que pesam os novos conteúdos associados às formas de organização e estruturação dos negócios e das empresas (construtoras e incorporadoras) do ramo imobiliário, assim como, da intensidade e diversidade da produção imobiliária. Deste modo, em um primeiro conjunto de conclusões, é possível destacar que a posição assumida pelas empresas de capital local em meio à inserção de novos agentes, que passam a compor o mercado imobiliário da cidade de Ribeirão Preto, assume um caráter de transição, seja ele, resultante da estrutura organizacional destas empresas por meio de fusões, aquisições parcerias etc. que colaboram com a troca de conhecimento entre as empresas de atuação nacional que possuem um maior domínio das estratégias de mercado em troca do conhecimento espacial das empresas de capital local. Ademais, reside neste conjunto de transformações o relevante deslocamento das estratégias de atuação, dos tipos de empreendimentos e frações de mercado que passam a constituir a centralidade de suas ações. Paralelamente, em um segundo conjunto de conclusões, estas transformações ocorrem em um momento de intensa elevação do volume da produção residencial, sendo esta não exclusivamente voltada aos segmentos de mais alta renda, mas também atingindo os segmentos de baixa e média renda, impulsionadas pelo programa habitacional Minha Casa Minha Vida, constituindo um momento de grande abrangência dos segmentos diferenciados de demanda, mas que se opõem espacialmente na cidade. Bibliografia 287 ABREU, Marlon A. Diferenciando o espaço e produzindo cidades: lógicas e agentes da produção do espaço urbano em Ribeirão Preto/SP e Londrina/PR. Dissertação de mestrado. FCT-UNESP. Presidente Prudente. 2014. _____. O mercado imobiliário em Londrina, Marília e São José do Rio Preto: análise comparativa do processo de estruturação intraurbano. (2011). Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Geografia), Departamento de Geografia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2011. 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Tese (Livre Docência). Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2004. 289 O questionário como ferramenta de coleta de dados na pesquisa sobre o programa MCMV em áreas periféricas de Feira de Santana-bahia: resultados parciais Mayara Mychella Sena Araújo80 RESUMO O ponto de partida desse artigo é analisar como o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) está inserido no processo de produção do espaço nas áreas periféricas de Feira de Santana, uma cidade média localizada no estado da Bahia. O recorte empírico é o bairro da Mangabeira, um dos escolhidos para receber alguns empreendimentos do MCMV, a partir de 2009. A teoria da produção do espaço de Henri Lefebvre é empregada buscando a correlação da dimensão triádica (espaço percebido, concebido e vivido) ou, simplesmente, momentos da produção do espaço. Optamos por apresentar uma parte da pesquisa e os resultados parciais produzidos por apenas um dos instrumentos metodológicos empregados, o questionário. O texto é composto pela introdução que visa situar o leitor quanto ao por que da escolha do tema e do objeto de estudo. Em seguida, um item que trata brevemente da abordagem metodológica. Finalizamos detalhando a utilização do questionário e discorremos alguns de seus primeiros resultados. Palavras-chave: Produção do espaço. MCMV. Cidades médias. INTRODUÇÃO Quando pensamos em fazer o doutorado em meados do ano de 2011, muitas mudanças vinham sendo verificadas no mercado financeiro nacional e global, entretanto, para este artigo nos basta uma démarche dos acontecimentos notados a partir 2008. Por isso há que se mencionar a maior e mais debatida crise financeira global deste início de século, cujo ápice foi verificado em meados de setembro daquele ano. Esse artigo está fundamentado em apenas um elemento constante no referencial teórico-metodológico da tese de doutorado sob orientação de Wendel Henrique Baumgartner. Professor Associado do Departamento de Geografia e Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). [email protected] 80 Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Bolsista Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFBA. [email protected] 290 É bem verdade que essa ‘crise’ teve seu epicentro intrinsecamente relacionado ao sistema de crédito habitacional e imobiliário estadunidense81, mas seus reflexos estenderam-se por todo o mundo, como num efeito dominó. Em alguns países, como os da Europa, suas implicações foram observadas com maior intensidade e, em outros como o Brasil, sua magnitude não foi tão alarmante. Mesmo assim, foi para enfrentar suas implicações na economia nacional que, em março de 2009, o Poder Executivo Federal publicou a Medida Provisória n° 459/2009 (depois convertida na Lei Federal n° 11.977/2009) e criou o programa habitacional Minha Casa Minha Vida (MCMV), destinado à construção de moradias e divulgado como uma medida para reagir à crise internacional e, também, como uma política social de grande escala. Ao mobilizar um conjunto de medidas de estímulo à produção habitacional, mantendo o desenvolvimento dos setores imobiliário e da construção civil, o programa pautou-se na justificativa de atender, ao mesmo tempo, os imperativos do setor econômico e do setor social. Afinal, tinha-se por um lado, a criação de empregos na construção civil e, por outro a provisão de moradias. Como afirma Maricato (2011, p. 58): “Além de se constituir uma proposta virtuosa anticíclica82, o PMCMV significou a retomada de conceitos antigos, vigentes durante o Regime Militar sobre a promoção de moradias [...]”. Assim, podemos dizer que com a aprovação e implementação da lei que regulamentou o programa MCMV verificou-se um forte viés de produção massiva e capilarizada de unidades habitacionais, em um curto espaço de tempo. Isso porque em seu bojo, além de tratar dessa produção de novas habitações, ela apresentou também uma série de alterações legais e normatizações visando dar efetividade em sua implementação. Frente a esse contexto mais geral e atentos às estratégias adotadas pelo governo brasileiro para respondê-lo, nos fizemos as seguintes indagações: como o programa MCMV interfere no processo de produção do espaço onde foram/estão/serão 81 Ou, “Crise dos subprimes, bolha imobiliária, crise das hipotecas - diversas expressões para designar uma mesma crise, que levou bancos tradicionais a encerrarem suas atividades e fez a bolsa norteamericana protagonizar quedas espetaculares, comparáveis à crise de 1929” (ROYER, 2009, p. 16-17). 82 Para autora o termo anticíclica remete-se por um lado a uma visão para trás, na indústria que a alimenta (ferro, cerâmica, cimento, areia) e, por outro, a uma visão para frente, após sua conclusão (eletrodomésticos, mobiliários para as novas moradias). Acrescenta, ainda, os altos custos de investimento no financiamento tanto na produção (imobilização de capital), como no consumo (habitação é uma mercadoria especial, de alto preço, que exige crédito para sua compra). 291 construídos os residenciais em Feira de Santana, desde 2009? Por que escolher Feira de Santana como objeto e o recorte empírico o bairro da Mangabeira? a) Por que escolher Feira de Santana? Certamente, a escolha por Feira de Santana (Figura 1), não se deu ao acaso. Segunda maior cidade do estado da Bahia, posição assegurada desde a década de 1970 quando já registrava predominância de população urbana em relação à rural. É também, desde aquela época, a única cidade após Salvador — a capital do estado — a contar com mais de 100 mil residentes. De acordo com os dados do último Censo Demográfico, 2010, sua população total ultrapassou os 556 mil habitantes, a urbana foi de mais 510 mil habitantes e a da sede municipal 495.965 habitantes. Além do que, figurou como uma das cinco mais proeminentes economias do estado cujo Produto Interno Bruto (PIB), em 2011, foi de mais de oito milhões de reais, tendo sido superada apenas por Salvador e Camaçari — Região Metropolitana de Salvador (RMS) (SUPERINTENDÊNCIA, 2010; 2011). Figura 1 Localização e limites políticos de Feira de Santana Bahia, 2014 Outras características complementares que nos levaram a voltar à atenção para essa cidade como objeto de estudo. Notamos que ela possui particularidades que permitem identificá-la como uma cidade média nos moldes das discussões propostas por Sposito et alii (2007), Corrêa (2007a), Motta e Mata (2008), Santos, M. (2005), Amorim Filho (2007), Santos, J. (2009), Dias e Araújo (2013). Efetivamente, possui centralidade, papéis e estrutura que possibilitam sua classificação nessa categoria, 292 apesar de a Lei Complementar n° 35, ter instituído a Região Metropolitana de Feira de Santana (RMFS), em 6 de julho de 2011 e a partir daí, oficialmente, ela ter se tornado sede da RMFS. FONTE: Adaptado por Aline Rocha (2014) de OLIVEIRA (2012, p. 99). Certamente, na práxis, esta categoria não é mais que atendimento a fins políticoadministrativos, uma vez que como vários estudos sobre o estado já apontaram, Feira de Santana apresenta-se com características de um centro urbano não metropolitano. Assim sendo, é legalmente a sede de uma região metropolitana, mas não uma metrópole, talvez por isso, atenda as características de cidade média, já que a lei cria a região, mas não muda a hierarquia do sistema urbano. Podemos mencionar ainda, a partir das contribuições de Santo et alii (2011), que Feira de Santana não possui atualmente Plano Diretor instituído, haja vista que, segundo uma sequência cronológica elaborada pelos autores, a cidade contou com os Planos Diretores de 1968 – Plano de Desenvolvimento Local Integrado – PDLI (Instituído); o de 1990 – Revisão do PDLI (Instituído); o de 2000 – Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Feira de Santana – PDDU (Não Instituído); e o de 2006 – Plano Diretor de Desenvolvimento Municipal de Feira de Santana – Projeto de Lei – Revisão do PDDU 293 (Em fase de Instituição, baseado no anterior). Nesse sentido, temos outra contradição teórica que nos estimulou a estudar o programa MCMV na cidade. Além de tudo isso, de acordo as informações constantes na Tabela 1, Feira de Santana foi a única cidade que recebeu recursos para o programa, entre 2009-2010, tendo sido inclusive a segunda depois de Salvador a ter tido os mais vultosos investimentos e o maior número de unidades habitacionais contratadas no mesmo período. Tabela 1 Cidades pelo quantitativo de unidades habitacionais e valor investido Bahia, 2009-2010 Cidades Unidades Habitacionais Investimento (R$) absoluto 10.740 % 16,5 absoluto 492.356.264,17 % 17,9 RMS1 Feira de Santana 15.335 7.338 23,6 11,3 693.164.679,90 307.108.491,49 25,2 11,1 Demais ciadades2 Bahia 31.702 65.115 48,7 100,0 1.262.953.761,64 2.755.583.197,20 45,8 100,0 Salvador Fonte: Elaborado por Mayara Araújo (2013) a partir dos dados constates em Mascia (2012, p. 176-177). Notas: 1 - As cidades da RMS são: Camaçari, Candeias, Dias d'Ávila, Lauro de Freitas, Mata de São João, Pojuca, São Sebastião do Passé e Simões Filho. 2 - As demais cidades são: Alagoinhas, Araci, Barreiras, Bom Jesus da Lapa, Brumado, Campo Formoso, Casa Nova, Conceição do Coité, Cruz das Almas, Euclides da Cunha, Eunapolis, Guanambi, Ilhéus, Ipirá, Irecê, Itaberaba, Itabuna, Itamaraju, Itapetinga, Ipirá, Jacobina, Jequié, Juazeiro, Paulo Afonso, Porto Seguro, Serrinha, Santo Amaro, Santo Antonio de Jesus, São Francisco do Conde, Senhor do Bonfim, Serrinha, Teixeira de Freitas, Valença e Vitória da Conquista. Um adendo salutar, o começo do programa MCMV em Feira de Santana foi no mesmo ano de sua implementação em âmbito nacional, em 2009, além de ter sido marcada pelo grande número de empreendimentos, 20 residenciais, entre 2009-2010 (Tabela 2), localizados, principalmente, em sua periferia urbana (Figura 2). Tabela 2 Relação dos residenciais contratados no MCMV 1, com recursos do FAR Feira de Santana, 2009-2010 294 Nome do Empreendimento 1. RES. RIO SÃO FRANCISCO 2. RES. SANTA BARBARA 3. RES. CONCEIÇÃO VILLE 4. RES. NOVA CONCEIÇÃO 5. RES. VIDA NOVA FEIRA VII 6. RES. VIDA NOVA AVIARIO 1 - MODULO 1 7. RES. VIDA NOVA AVIARIO 1 - MODULO 2 8. RES. RIO SANTO ANTONIO 9. RES. VIDEIRAS 10. RES. FIGUEIRAS 11. RES. ALTO DO PAPAGAIO 12. RES. VIDA NOVA AEROPORTO I 13. RES. VIDA NOVA AEROPORTO II 14. VIDA NOVA AVIÁRIO III 15. RES. JARDINS DAS OLIVEIRAS 16. RES. VIVER IGUATEMI I 17. RES. VIVER IGUATEMI II 18. RES. VIVER IGUATEMI III 19. RES. LARANJEIRAS 20. RES. AQUARIUS TOTAL Unidades Habitacionais 240 380 440 440 240 500 220 224 440 420 320 500 500 520 520 320 320 360 220 214 7.338 Investimento Status da Obra (R$) 9.603.030,00 ENTREGUE 15.175.281,72 ENTREGUE 18.034.700,00 ENTREGUE 18.034.700,00 ENTREGUE 9.832.882,06 ENTREGUE 20.357.416,24 ENTREGUE 8.983.260,23 ENTREGUE 9.103.225,10 ENTREGUE 18.039.996,14 ENTREGUE 17.220.000,00 ENTREGUE 13.120.000,00 ENTREGUE 20.500.000,00 ENTREGUE 20.500.000,00 ENTREGUE 21.320.000,00 ENTREGUE 21.320.000,00 ENTREGUE 14.720.000,00 ENTREGUE 14.720.000,00 ENTREGUE 16.560.000,00 ENTREGUE 10.120.000,00 ENTREGUE 9.844.000,00 ENTREGUE 307.108.491,49 FONTE: Elaborado por Mayara Araújo (2013) a partir da sistematização dos dados da Caixa Econômica Federal (2011) contidos em Mascia (2012, p. 176-180). Figura 2 Bairros onde estão localizados os residenciais do programa MCMV Feira de Santana, 2009-2010 FONTE: Adaptado por Aline Rocha (2014) de OLIVEIRA (2012, p. 126). Atualmente, são aproximadamente 40 residenciais somando os entregues e aqueles que estão em construção (Tabelas 2 e 3). 295 Tabela 3 Relação dos residenciais contratados no MCMV 2 e transição Feira de Santana, 2012-2014 Nome do Empreendimento Unidades Habitacionais Investimento (R$) Status da Obra 1. RESIDENCIAL ASA BRANCA - SETOR 1 2. RESIDENCIAL ASA BRANCA 2 3. RESIDENCIAL ASA BRANCA 4 4. CONDOMINIO SOLAR DA PRINCESA 4 5. CONDOMINIO SOLAR DA PRINCESA 3 6. RESIDENCIAL ASA BRANCA 3 7. VIDA NOVA AVIARIO 2 8. RESIDENCIAL SOLAR LARANJEIRAS 9. RESIDENCIAL ALTO DO ROSARIO - TRANSIÇÃO 10. RESIDENCIAL VIVER PARQUE DA CIDADE - TRANSIÇÃO 11. RESIDENCIAL VERDE AGUA 12. RESIDENCIAL ECOPARQUE 2 13. RESIDENCIAL ASA BRANCA 5 14. RESIDENCIAL PARQUE DA CIDADE 15. RESIDENCIAL VIDA NOVA ASA BRANCA 16. RESIDENCIAL VIVER ALTO DO ROSARIO 17. RESIDENCIAL VIDA NOVA AVIARIO 4 18. RESIDENCIAL CAMPO BELO 1 19. RESIDENCIAL RESERVA DO PARQUE 20. RESIDENCIAL BELA VISTA I 21. RESIDENCIAL SOLAR DA PRINCESA AEROPORTO TOTAL 248 248 248 464 456 248 340 320 92 79 240 224 504 732 996 1520 300 888 632 360 1000 10.139 14.136.000,00 14.136.000,00 14.136.000,00 26.448.000,00 25.992.000,00 14.136.000,00 19.380.000,00 17.280.000,00 4.876.000,00 4.186.842,32 13.680.000,00 14.336.000,00 32.163.874,28 45.719.320,29 17.760.000,00 33.360.000,00 63.701.837,14 56.832.000,00 40.448.000,00 23.040.000,00 64.000.000,00 559.747.874,03 ENTREGUE ENTREGUE ENTREGUE EM EXECUÇÃO EM EXECUÇÃO ENTREGUE ENTREGUE EM EXECUÇÃO EM EXECUÇÃO EM EXECUÇÃO ENTREGUE ENTREGUE ENTREGUE EM EXECUÇÃO EM EXECUÇÃO EM EXECUÇÃO EM EXECUÇÃO EM EXECUÇÃO EM EXECUÇÃO EM EXECUÇÃO EM EXECUÇÃO FONTE: Elaborado por Mayara Araújo (2014) a partir da sistematização dos dados fornecidos pela da Caixa Econômica Federal (2014). Um total de 17.477 unidades habitacionais e mais R$ 860.000.000,00 investidos. Segundo informações disponíveis no site83 da Prefeitura Municipal de Feira de Santana, o número de famílias inscritas no programa ultrapassou as 58 mil (58.123), sendo que desse quantitativo mais de oito mil já foram beneficiadas. b) Por que o bairro da Mangabeira? Pela amplitude do programa na cidade, nosso recorte espaço-temporal foi imprescindível. Para realizá-lo, tivemos que considerar o grande número de empreendimentos construídos já na primeira etapa do programa, 20 residenciais, bem como suas localizações, muitos distantes uns do outros. A impossibilidade em estudar todos se deveu não apenas as dimensões já mencionadas, numérica e espacial, mas também a dimensão temporal. Levando em consideração que a delimitação temporal é fundamental para entendermos os processos de cada época, foi imperioso dimensionar um recorte possível e que privilegiasse uma análise minuciosa e aprofundada. Optamos, assim, por analisar o recorte que compreendeu alguns dos primeiros residenciais, aqueles que foram contratados em 2009 e entregues aos moradores entre 2011 e 2012. Por isso, entre os residenciais visitados, quando da delimitação da área de estudo, em 2011, aqueles situados no bairro da Mangabeira nos chamaram atenção. Em princípio 83 Disponível:<http://www.feiradesantana.ba.gov.br/servicos.asp?id=17&link=sehab/minhacasa minhavida.asp>. Acesso em: 03 nov. 2014. 296 porque a Avenida Iguatemi onde estes haviam sido construídos não tinha pavimentação, depois, porque logo ao chegarmos saltou aos nossos olhos uma espécie de diferenciação espacial84 entre aqueles que já moravam no bairro, todo pavimentado, e os novos residentes que estavam situados em uma área do bairro que poderíamos considerar como inóspita e carente de todo o tipo de infraestrutura, inclusive, a pavimentação. Até agora, é no Mangabeira onde está o maior número de empreendimentos construídos. No total estão localizados nesse bairro 11 dos 20 empreendimentos do programa MCMV implantados na cidade, entre 2009-2010 (Tabela 4). Sendo que um, o Residencial Mangabeiras (com 300 unidades habitacionais) organizado pela União por Moradia (UMP) não está listado nessa tabela. Afinal, esse foi financiado pelo Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) ou MCMV Entidades, uma fonte de financiamento diferente da dos demais, cujo recurso foi oriundo do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Tabela 4 Relação dos residenciais construídos no bairro da Mangabeira Feira de Santana, 2009-2014 Nome do Empreendimento 1. RES. RIO SÃO FRANCISCO 2. RES. SANTA BARBARA 3. RES. RIO SANTO ANTONIO 4. RES. VIDEIRAS 5. RES. FIGUEIRAS 6. RES. VIVER IGUATEMI I 7. RES. VIVER IGUATEMI II 8. RES. VIVER IGUATEMI III 9. RES. LARANJEIRAS 10. RES. SOLAR LARANJEIRAS TOTAL Unidades Habitacionais 240 380 224 440 420 320 320 360 220 320 3.244 Investimento (R$) Status da Obra 9.603.030,00 ENTREGUE 15.175.281,72 ENTREGUE 9.103.225,10 ENTREGUE 18.039.996,14 ENTREGUE 17.220.000,00 ENTREGUE 14.720.000,00 ENTREGUE 14.720.000,00 ENTREGUE 16.560.000,00 ENTREGUE 10.120.000,00 ENTREGUE 17.280.000,00 EM EXECUÇÃO 142.541.532,96 FONTE: Elaborado por M ayara Araújo (2013) a partir da sistematização dos dados da Caixa Econômica Federal (2011) contidos em M ascia (2012). Nesse sentindo, a ideia é que o recorte empírico estabeleça a que parcela do espaço diz respeito as análise, os dados e a representação cartográfica da pesquisa. Assim, ainda 84 Aqui tomamos como referência para compreensão de diferenciação espacial as características estruturais. Muito embora, possamos ter em conta também, não em toda sua profundidade, a diferenciação socioespacial. De acordo Alves (2011), que pauta suas ideias em outros autores (Corrêa, 2007b; Carlos, 2007 e Serpa, 2011), a diferenciação socioespacial é inerente ao processo de produção do espaço capitalista, fundamentada na contradição entre produção social do espaço e na apropriação privada. Realiza-se em dessemelhantes escalas tais como a rede urbana, o espaço intraurbano, ou mesmo, tendo em conta, apenas, os conteúdos da centralidade. Sposito (2011) acrescenta, retomando as contribuições de Carlos (2007), que dita diferenciação socioespacial tem atinente a ela a introdução da análise social ao processo de compreensão espacial, essência e orientação do tema na Geografia. 297 que nossas análises tenham se pautado em Feira de Santana, este recorte restringiu-se ao bairro de Mangabeira. Dos 11 empreendimentos ai localizados, cinco foram estudados: Res. Rio Santo Antonio, Res. Santa Barbara, Res. Rio São Francisco (entregues em 2011), Res. Videiras e Res. Figueiras (entregues em 2012). 1 ALÍNEAS SOBRA A ABORDAGEM METODOLÓGICA Ao pensarmos numa pesquisa, no primeiro momento, nosso olhar é o de fora da realidade em questão, em seguida, realizamos uma revisão na literatura voltada para o tema que nos proporciona uma noção prévia do ambiente e dos sujeitos a serem pesquisados, contudo, nele ainda prevalece uma visão parcial, resultado dessas leituras. Quando partimos para o trabalho de campo, no terceiro momento, temos a oportunidade de concretizar nosso olhar inicial, no qual comumente conjugamos o pensar e o observar na busca de um todo, que pode ou não ser desconstruído. Daí vem o quarto momento, de imersão numa realidade que para nós é inteiramente nova e imprescindível de ser desvendada, independentemente de quais instrumentos de pesquisa sejam usados para isso. A elaboração desse artigo foi fruto dos mencionados momentos, sendo que, por já contar também com as experiências vivenciadas em lócus, é igualmente um resultado da pesquisa, ainda que preliminar e sem conclusões definitivas. Por certo, posteriormente, se tornarão contribuições e reflexões, quando da preparação do texto final de nossa tese de doutoramento, em etapa final de desenvolvimento. Certamente que ditas contribuições e reflexões serão fruto de um saber limitado, como bem afirma Lefebvre (1991b, p. 209, grifos do autor) “[...] o que cada homem ou cada geração sabe é sempre algo limitado. Para conhecer, devemos começar a conhecer, penetrar nas coisas a partir do exterior, quebrá-las [...]”. Por isso, concordamos com ele quando compreendemos que nossas inquietações e, também, contradições nos obrigam a superar os limites que nos foram impostos, afinal temos a intenção de ultrapassá-los “na esperança ou na expectativa de um futuro outro que não o presente” (LEFEBVRE, 1991b, p. 210). Sem esquecer que quando nossos limites se perdem em meio a um ideal abstrato, “é preciso recordar-lhe que a idéia e o ideal saem do real e devem a ele retornar através da realização prática” (LEFEBVRE, 1991b, p. 210). 298 Para evitar possíveis descaminhos, coube a nós (pesquisadores) estabelecermos e adotarmos uma metodologia que nos fosse adequada a atingir os momentos acima mencionados ou, se preferirmos, os nossos objetivos. Se há várias alternativas de caminhos que poderíamos percorrer, elegemos uma que foi mais apropriada. Por isso, consideramos o que Lefebvre (1991b) entende como as regras da lógica dialética, ou seja, a necessidade de “[...] apreender cada coisa, cada ser, cada situação, não apenas em suas conexões e em suas contradições internas, mas no movimento total que delas resulta” (LEFEBVRE, 1991b, p. 209). Ademais, nos interessou ainda destacar o fato de que em todo processo de investigação a relação teoria e empiria não deve ocorrer dissociada, o que nesse artigo não é diverso. Desse modo, é válido e oportuno mencionar que em um trabalho na magnitude que é uma tese de doutoramento, não raro o nosso longo caminhar é solitário e, muitas vezes, de imersão no trabalho de campo. Por certo, esse aprisionamento em nossas reflexões e vivências da e para a pesquisa podem aumentar a possibilidade de inferências ou interpretações equivocadas. Por isso, momentos como esses servem, ao mesmo tempo, como uma validação externa de nosso olhar e de críticas a ele, aliás, de debate entre aqueles que não estão diretamente envolvidos com o estudo, contudo são especialistas na temática. No artigo, optamos por mostrar o uso do questionário, por esse se constituir em um instrumento de coleta de dados cujos resultados matemáticos aproximam-se muito mais da pesquisa quantitativa, na qual os números compõem uma das formas explicativas da realidade. Apesar de não nos refutarmos a abordagem qualitativa, já que não temos a pretensão de que os resultados do questionário sozinhos possam responder às questões que nos foram postas. Para isso, por certo consideramos que “qualidade e quantidade revelam-se inseparáveis, como dois aspectos da existência concretamente determinada [...]” (LEFEBVRE, 1991b, p. 212). O autor entende que “as transformações qualitativas, os novos fenômenos que aparecem e desaparecem, produzem-se sempre no mesmo ponto dos processos quantitativos e determinam constâncias (relativas) no seio da própria transformação” (LEFEBVRE, 1991b, p. 213, grifos do autor). 299 Desse modo, ainda que não se misturem, ou mesmo não se confundam, numa unidade abstrata, o qualitativo e o quantitativo processam-se numa “[...] espécie de luta surda, de conflitos [...], entre esses dois lados do ser que se afirmam e se negam, solidariamente, um ao outro” (LEFEBVRE, 1991b, p. 213). Nesse sentido, sem dúvidas, o nosso exercício em coaduná-los tem sido um desafio, já que do ponto de vista da coleta de dados, nada impende a associação quantitativo/qualitativo, todavia, tendo em conta o teórico-conceitual essa não seria uma relação pertinente. Certamente, devido ao fato de que “a quantificação dos fenômenos sociais apoiou-se na corrente positivista e no empiricismo, enquanto as abordagens qualitativas basearam-se, especialmente, na fenomenologia e no marxismo” (PÊSSOA; RAMIRES, 2013, p. 118). Muito frequentemente se diz que ao conjugá-los estamos a cometer uma “esquizofrenia metodológica” (BAPTISTA, 1999), isso porque se institui uma oposição ilusória entre objetividade e subjetividade. Entretanto, para Pêssoa e Ramires (2013, p. 120) “esse debate é importante na medida em que suscita questões epistemológicas, consequentemente, o avanço do conhecimento científico, sem se ater aos paradigmas de cientificidade numa perspectiva tradicional”. Mesmo tendo isso em conta, consideramos que pode ser possível a coexistência pacífica das duas abordagens e a combinação das técnicas. Tal como se depreende da leitura de Pêssoa e Ramires (2013) ao afirmarem, pautando-se em Minayo e Minayo-Gómez (2003, p. 137)85, que o par quantitativo-qualitativo não se iguala e, mesmo, não devem ser usados indistintamente, entretanto, da forma adequada podem “se tornar ‘uno’ na explicação e compreensão de temas que ao mesmo tempo devem ser analisados em sua magnitude e em sua plenitude”. Por isso, ao apontarmos o quantitativo como oposto ao qualitativo nos pareceu estranho, na medida em que a escolha entre um deles, ou dos dois, deveria possibilitar explicitar nosso objeto de estudo. A intenção foi “mostramos que a intervenção da quantidade na qualidade faz do ser qualitativo um ‘um’ concreto, a unidade de uma multiplicidade: de ‘vários’ momentos, de vários seres semelhantes a ele” (LEFEBVRE, 1991b, p. 213). 85 MINAYO, Maria Cecília de S.; MINAYO-GÓMEZ, Carlos. Difíceis e possíveis relações entre métodos quantitativos e qualitativos nos estudos de problema de saúde. In: GOLDEMBER, P. P.; MARSIGLIA, R.M.G.; GOMES, M.H.de A. (orgs.). O clássico e o novo: tendências, objetos e abordagens em ciências sociais. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2003, p. 117-142. 300 2 A ESCOLHA DO QUESTIONÁRIO COMO INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS Tendo em conta que o nosso intento foi o de buscar a compreensão de como os residenciais do MCMV interferem na produção do espaço onde foram construídos em Feira de Santana, tivemos que eleger um caminho para torná-la possível. No artigo, o nosso trilhar pautou-se na teoria lefebvriana, isso porque, verificou-se que ela pode ser dividida em três dimensões ou processos dialeticamente interconectados ou, ainda, “momentos da produção do espaço”. Esses momentos são duplamente determinados e designados, já que se referem, por um lado, à tríade da “prática espacial”, “representações do espaço” e “espaços de representação” e, por outro, ao espaço “percebido”, “concebido” e “vivido”. A ideia foi alcançar a interconexão dessas três dimensões a partir da compreensão do percebido no concebido e do percebido no vivido (Gráfico 1). Gráfico 1 Esboço para interpretar a compreensão da dimensão triádica CONCEBIDO PERCEBIDO VIVIDO É preciso alcançar tanto o percebido no concebido, como no vivido. FONTE: Elaborado por Mayara Araújo (2014) a partir da sistematização do conteúdo de Lefebvre (1991a), Sposito (2004) e Schmid (2012) amparada pelas considerações de HENRIQUE (2009). Em outros termos, como a população residente se vê (espaço percebido) na representação do espaço proposta pela gestão federal, em parceria com a municipal e a empresarial (espaço concebido), sem esquecer que estas práticas espaciais implicam no espaço sensorial como campo de representação (espaço vivido). Ao buscar a apreensão dessas três dimensões que são imbricadas, tivemos que fazer escolhas que possibilitassem captá-las. Com fins didáticos, aliás, metodológicos (operacionalidade e praticidade) ora podem ser explicitadas separadamente, ora conjugadas (Quadro 1). Quadro 1 Opção metodológica e escolha de instrumentos de coleta de dados ESPAÇO CONCEBIDO ESPAÇO PERCEBIDO ESPAÇO VIVIDO 301 Projetos executivos dos cinco residenciais escolhidos para estudo e as leis (federais e municipais) que regem sua construção. Questionários e entrevistas Observação e anotação da com moradores dos cinco vivência dos moradores. residenciais, além das com representantes da gestão pública local e do capital imobiliário. Análise de conteúdo Questionário / Entrevista Diário de Campo FONTE: Elaborado por Mayara Araújo (2014) a partir da sistematização das informações contidas no capítulo metodológico da tese, em construção. O fato é que no âmbito de uma pesquisa desta natureza, corriqueiramente verificamos o uso de diversos instrumentos de coleta de dados. Ao fazer isso não temos a intenção de priorizar um em detrimento do outro, ao contrário, como afirmam Ramires e Pessôa (2013, p. 25), ao citarem Demo (1998)86, “pode-se, no máximo, priorizar uma ou outra, por qualquer motivo, mas nunca insinuar que uma se faria às expensas da outra, ou contra a outra [...]”. Portanto, os nossos instrumentos de coleta pautaram-se na pesquisa quantitativa e na qualitativa, afinal na ciência nenhuma é melhor do que a outra e na prática, elas se complementam em busca de profundidade e plenitude. Nossa consciência e compromisso nos fizeram optar pelo uso da: pesquisa teórica cujas referências pautaram-se na revisão e reconstrução teórica e análise de conteúdo dos projetos executivos e das leis municipais e federais sobre o programa MCMV. E, o trabalho de campo caracterizado pela observação (diário de campo) e entrevistas; além da realização de questionários e fotografias. Pela proposta do artigo, há a necessidade de detalhar como se deu o uso de apenas um desses instrumentos de pesquisa, o questionário. 2.1 O questionário: detalhando seu uso Em quaisquer pesquisas cujo alvo é o ser humano, é impraticável abordar todos os envolvidos em nosso grupo de interesse, especialmente, quando ele compreende um grande número de indivíduos e nós não temos condições temporais, ou mesmo, intelectuais de conhecer a todos e apreender suas particularidades. Desse modo, sempre que não temos como estudar todos os casos que nos interessa, o certo é selecionar uma parte da população (universo) para que os resultados possam ser alcançados com mais precisão (TURANTO, 2003; PESSÔA, RAMIRES, 2013). 86 DEMO, Pedro. Pesquisa qualitativa: em busca de equilíbrio entre forma e conteúdo. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, abr. 1998, v. 6, n. 2, p. 89-104. 302 Levando isso em consideração, convêm mencionar que no nosso caso devido a inexistência de outras pesquisas que considerassem a população participante do programa MCMV em Feira de Santana, ou mesmo, na área de pesquisa o bairro da Mangabeira, optamos por realizar o cálculo amostral que determinasse um quantitativo de questionários a serem feitos. Para realizar esse cálculo contamos com o auxílio de um consultor em estatística87 a fim de que ele pudesse ver os critérios da amostragem, classificação e codificação dos dados e as operações tabulares. No caso do critério de amostragem, nos fundamentamos na escolha probabilística por conglomerado, indicada em situações que é difícil identificar todos os elementos. Pessôa e Ramires (2013, p.122) citam como exemplo “pesquisas em que a população seja constituída por todos os habitantes de uma cidade, a seleção da amostra será a partir de conglomerados (quarteirões, famílias, organizações, edifícios, fazendas)”. Assim sendo, a fim de que pudéssemos garantir a representativa, a significância da amostra e seus limites de exatidão (margem de erro), tal como assegura a amostragem probabilística por conglomerado, realizamos uma pesquisa teste com o uso do questionário piloto. Nessa etapa, fizemos 27 questionários com a população dos cinco residenciais selecionados para estudo. Consideramos a resposta positiva para o quesito sobre receber o auxílio do programa Bolsa Família como a característica marcante. Deste modo, temos a seguinte fórmula: Onde: Tamanho da Amostra = Valor crítico, isto é o grau de confiança = Proporção de indivíduos que recebem o Bolsa Família = Proporção de indivíduos que não recebem o Bolsa Família = Margem de erro = Assumindo à priori que um grau de confiança de 90% é aceitável, temos que “ ” e “ ” são, respectivamente, 1,645 e 0,10. Com base nos resultados do questionário 87 Carlos Marlon Lopes Costa graduando em Engenharia Mecânica na Universidade Federal da Bahia (UFBA); fez parte do quadro funcional da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), como técnico. Tem experiência na área de Estatística, com ênfase em Análise Descritiva e Exploratória de Dados. Desempenha atividades voltadas à consultoria de indicadores sociais, demográficos e econômicos. 303 piloto, chegamos aos demais parâmetros estatísticos p e q, 0,593 e 0,407, nesta ordem. Assim, o cálculo para definição do tamanho da amostra, foi: Com nossa amostra calculada, realizamos 70 questionários no mês de maio de 2014 e totalizamos 287 moradores investigados. Cabe salientar que o questionário foi elaborado tendo como modelo o questionário do Censo Demográfico, por isso esteve composto por dois blocos, o de domicílio e o de morador (Quadro 2). Quadro 2 Informações constantes em cada bloco do questionário BLOCO 1 – DOMÍCILIO BLOCO 2 – MORADOR 1) Identificação – As informações 4) Migração – Traz informações quanto a identificam a unidade habitacional e origem do morador (Feira de Santana, quando foi realizado o questionário. outro município ou outra unidade da Federação), tempo de moradia no residencial, bairro de origem, motivação para morar no MCMV. 2) Caracterização do domicilio – Traz 5) Educação – Apresenta informações que informações quanto a propriedade, identificam se o morador estuda, a série estrutura e a existência de bens duráveis e que frequenta, o bairro onde fica a escola. não duráveis na unidade habitacional. 3) Lista e caracterização dos moradores 6) Mercado de trabalho – As informações em Abril de 2014 – Traz informações identificam se o morador trabalha, quanto (sexo, idade, responsável pelo domicílio) ganham, se recebem algum auxílio de de todos os moradores da unidade. algum programa do governo federal. 7) MCMV – Trata da opinião quanto a (in)satisfação com o programa. FONTE: Elaborado por Mayara Araújo (2014) a partir da sistematização das informações contidas no capítulo metodológico da tese, em construção. Tanto o bloco de domicílio como o de morador esteve composto por questões fechadas, todavia, no de morador há um campo, quanto à compreensão dos pesquisados sobre o programa MCMV e sobre o conceito de periferia (cernes da pesquisa), que foi constituído por questões abertas. A aplicação dos questionários foi aleatória, tentando alcançar pelo menos um morador por rua que compõe cada residencial. Acrescentamos que no ato da realização dos questionários, um morador de cada unidade habitacional poderia responder por todos os outros, salvo as questões de opinião. Estas últimas só podiam ser respondidas pelo morador de 15 anos ou mais de idade que estivesse na casa no momento da aplicação do questionário. 304 O fato é que se por um lado o uso do questionário apresenta a vantagem de descrever quantitativamente um fenômeno, por outro, tem igualmente a desvantagem de o investigado fornecer respostas falsas, consciente ou inconscientemente, motivado pela falta de paciência em responder às perguntas ou até pela incompreensão da indagação. Com as informações provenientes do questionário, construímos um banco de dados e com ele temos realizado operações tabulares que nos tem permitido conhecer os valores percentuais tratados no próximo item do artigo. É imprescindível acrescentar que comumente, quando tratamos de dados amostrais, a estratégia utilizada para ampliar sua representatividade é a expansão dos dados, [...] um subsídio utilizado no processo de estimação das informações de uma amostra, de forma que os pesos ou fatores de expansão para obtenção das estimativas satisfaçam à condição de igualar estimativas amostrais aos valores conhecidos do Conjunto do Universo, para um grupo de variáveis auxiliares comuns, de cada área de interesse de estimação (SUPERINTENDÊNCIA, 2007, p. 11). Contudo, por conta de não termos adotado essa estratégia, os resultados encontrados nos permite caracterizar, quantificar e verificar a intensidade dos fenômenos. 3.2 O questionário: primeiros resultados O bairro da Mangabeira, escolhido como o recorte empírico da pesquisa, caracteriza-se pelos fortes contrastes sociais e pelos problemas de , além de está a uma infraestrutura distância de aproximadamente seis quilômetros do centro da cidade de Feira de Santana. Os cinco residenciais do programa MCMV selecionados para estudo estão localizados na Avenida Iguatemi deste bairro e todos foram contratados entre 2009 e 2010 (Quadro 3) e entregues entre 2011 e 2012. Quadro 3 Relação dos empreendimentos pela data de contratação, construtora e padrão construtivo 305 Nome do Empreendimento Data da assinatura do contrato Construtora 1. RES. RIO SÃO FRANCISCO 27/07/2009 CEPRENG ENGENHARIA E PREMOLDADOS LTDA 2. RES. SANTA BARBARA 12/08/2009 FM CONSTRUTORA LTDA 3. RES. SANTO ANTONIO 30/11/2009 CEPRENG ENGENHARIA E PREMOLDADOS LTDA 4. RES. VIDEIRAS 5. RES. FIGUEIRAS 6. RES. VIVER IGUATEMI I 7. RES. VIVER IGUATEMI II 8. RES. VIVER IGUATEMI III 9. RES. LARANJEIRAS 10. RES. SOLAR LARANJEIRAS 11/12/2009 11/12/2009 29/12/2010 29/12/2010 29/12/2010 29/12/2010 09/07/2012 R CARVALHO CONSTRUÇÕES EMPREENDIMENTOS LTDA R CARVALHO CONSTRUÇÕES EMPREENDIMENTOS LTDA ATRIUM CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA ATRIUM CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA ATRIUM CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA ATRIUM CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA R CARVALHO CONSTRUÇÕES EMPREENDIMENTOS LTDA Tipologia Horizontal - Village: casa com 2 quartos no pav. superior e sala, banheiro, cozinha e área descoberta no inferior. São 4 casas por bloco. Vertical - Prédio: apart com 2 quartos, sala, cozinha, área de serviço e banheiro. São 4 apart. por andar, 4 andares FONTE: Elaborado por Mayara Araújo (2014) a partir da sistematização dos dados da Caixa Econômica Federal (2011) contidos em Mascia (2012, p. 176-180). Acrescentamos que os residenciais Rio Santo Antonio, Santa Barbara e Rio São Francisco foram entregues em 2011 e são do tipo village (Figura 3), constituídos por dois quartos no pavimento superior e por sala, banheiro, cozinha e área de serviço descoberta no térreo, geminadas dos dois lados e área total de 46,39m². Enquanto os entregues em 2012 foram os residenciais Videiras e Figueiras, do tipo apartamento - na tipologia dois - (Figura 4) compostos por sala, um dormitório para casal e outro para duas pessoas, cozinha, área de serviço e banheiro, a área interna útil é de 39,00 m² (BRASIL; CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2012). Figura 3 Res. Rio Santo Antonio Figura 4 Res. Videiras Feira de Santana, 2012 Feira de Santana, 2012 FONTE: Mayara Araújo, visita de campo / 2012. FONTE: Mayara Araújo, visita de campo / 2012. 306 Não podemos deixar de dizer que no concernente aos serviços públicos, os cinco residenciais são pavimentados internamente e, até o início de 2014, o acesso a eles, pela Avenida Iguatemi, ainda não era pavimentado. Em nenhum deles a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) realiza a entrega de encomendas ou correspondências, essas devem ser retiradas na sede da empresa no centro da cidade ou são todas entregues ao presidente da associação (quando existe) e ele fica responsável por fazer a distribuição aos destinatários. Já o abastecimento de água e o esgotamento sanitário são por rede geral e fossa, respectivamente. Enquanto a coleta de lixo ocorre três vezes por semana, apesar de ser notória a sujeira e o descarte aleatório do lixo (Figura 5). Do mesmo modo, a iluminação pública que apesar de existir é bastante precária (Figura 6). Figura 5 Lixo descartado aleatoriamente Figura 6 Visão da entrada do Res. Santa Barbara e da Av. Iguatemi Feira de Santana, 2014 Feira de Santana, 2014 FONTE: Mayara Araújo, visita de campo / 2014. FONTE: Mayara Araújo, visita de campo / 2014. Acrescentamos que só há uma unidade de saúde da família (o posto Dr. Adolfo Luna Neto), localizada no Res. Videiras e que atende as mais de mil e setecentas famílias desses residenciais, sem contar as cerca de mil e quinhentas dos outros seis (Viver Iguatemi I, II e III, Solar Laranjeiras e Mangabeiras) também localizados ao longo a Avenida Iguatemi / Mangabeira e que não fazem parte de nosso recorte empírico. No que se refere as escolas, existe uma a João Macário Ataíde, localizada no Alto do Rosário – Lagoa das Pedras, que é da rede municipal de ensino e atende as famílias com crianças na educação infantil até o fundamental, 5° ano. Salienta-se que ela conta com infraestrutura física muito deficitária e bem distante dos residenciais. 307 Agora, considerando as primeiras informações resultantes do bloco sobre domicílios do questionário, destacamos no tangente a propriedade do imóvel que, dos 70 aplicados, 88,6% são próprios e 11,4% alugados, cedidos para algum familiar ou outros. Ainda com relação a esse bloco, se sobressai outros 11% das unidades habitacionais que já passaram por algum tipo de reforma ou ampliação (construção de garagem, quarto ou fundos), apesar de ser expressa a proibição quanto a quaisquer tipos de reforma no imóvel no prazo de dez anos, a contar da data do recebimento da unidade. Quanto ao perfil dos moradores dos cinco residenciais. Os 70 questionários aplicados totalizaram 287 pessoas investigadas. Há que se mencionar, ainda, que a média de moradores por domicílio é de, aproximadamente, cinco pessoas. E na composição por sexo, observa-se que a razão de sexo – proporção de homens para cada 100 mulheres – é de 85,2%, ou seja, há predominância de mulheres (54% dos residentes são do sexo feminino). Ademais, interessa-nos ressaltar que a maior parte (58,5%) está na faixa etária de 15 a 59 anos, 9,1% se concentra na faixa até 4 anos de idade, 27,5% estão entre os de 5 a 14 anos e 4,9% têm 60 anos ou mais de idade. Podemos fazer referência ainda sobre os moradores dos residenciais, que 68,6% dos residentes são naturais de Feira de Santana e os demais são naturais de Salvador (6,6%), outros municípios da Bahia (18,8%) e outras unidades da Federação (5,2%). Um adendo salutar é de que esses percentuais representam moradores oriundos de outros municípios da Bahia ou de outra unidade da Federação que mudaram para Feira de Santana em algum momento e não especificamente devido ao programa MCMV. Ainda sim, adicionamos que entre aqueles advindos de outros municípios, 6,3% vieram morar nos residenciais do programa motivados pela busca da facilidade de pagamento (aluguel), pela proximidade ou para acompanhar a família. Ainda no que tange a motivação, salientamos que 24% dos investigados mencionaram a busca da casa própria (deixar o aluguel) como o principal ensejo para ir morar no MCMV. Outros 62,4% disseram acompanhar a família, 1,4% citaram a facilidade de pagamento, 2,8% a proximidade da família e 8,7% responderam outros motivos (como, por exemplo, deixar área de risco). É importante ressaltar que apesar de o percentual com maior representatividade ser acompanhar a família, esse distribuído por faixas etárias aponta que 5,2% dos indivíduos pertencem ao grupo etário até 4 anos, 27,2% 308 está entre os de 5 a 14 anos de idade, 27,9% corresponde aqueles na faixa entre 15 e 59 anos e 2,1% àqueles com 60 anos ou mais. Portanto, isso significa que as crianças, adolescentes e idosos representam 34,5% dos investigados que citaram acompanhar a família, como motivo para residir no MCMV. Quanto aos responsáveis pelo domicílio, temos que do total dos pesquisados do sexo masculino ou feminino 29,3% assumem essa condição, sendo que deste porcentual 88,1% está na faixa etária de 15 a 59 anos de idade. Em outros temos, é neste grupo etário onde está a maior parte das pessoas que responderam ser chefe da unidade habitacional pesquisada. É imprescindível apontar que nesta faixa de idade 56,8% são mulheres responsáveis pelo domicílio e os outros 43,2% homens. Destas mulheres, 66,7% recebem bolsa família e 23,8% trabalham e não recebem o benefício. Já quanto aos homens na mesma situação, 3,1% recebe bolsa família e 96,9% trabalham e não são beneficiários do programa bolsa família. Aqui é tanto pertinente, quanto plausível lembrar que as supracitadas informações são alguns dos primeiros resultados de apenas um dos elementos de parte de um estudo maior e em andamento, por isso os visíveis sinais de incompletude. Todavia, ainda que pareçam inacabados, não há como negar a qualidade das informações, especialmente, porque as possíveis fragilidades devem ser consideradas como o olhar seminal que por assim ser agora, apenas descrevem quantitativamente uma realidade específica. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS No artigo foram apresentadas as impressões iniciais sobre uma pesquisa em pleno andamento. Aqui, nos coube a oportunidade de apontar apenas uma de nossas escolhas quanto aos instrumentos de coleta de dados aplicados à pesquisa em sua totalidade. Por isso, os resultados constantes no texto correspondem a uma perspectiva de análise, ou seja, realizamos a caracterização e a quantificação do perfil dos moradores da área de estudo, não tendo sido possível pensar de modo mais aprofundado. Contudo, os resultados do questionário somados aos outros elementos (entrevistas e diário de campo) da pesquisa, nos permitirão fazer análises mais criteriosas, quando da elaboração do texto final da tese. Por enquanto, nossa verdade se constitui em reflexões parciais que norteiam nosso pensamento e a nossa ação numa pesquisa que ainda não acabou. Certamente, por isso, 309 estas ponderações não serão as únicas, tampouco aquelas que prevaleceram como absolutas, já que ao (re)avaliar nossos limites e capacidades, podemos inclusive renovar as verdades atendendo à totalidade do estudo. Ademais, tendo em conta as ideias de Ribeiro (2013, p. 89) de que “a verdade não passa de uma sucessão de versões do que se julga que a verdade seja”, essa nossa versão analítica é o alicerce que permitirá a construção ou desconstrução de um pensamento maior. REFERÊNCIAS ALVES, Glória da Anunciação. A mobilidade/imobilidade na produção do espaço metropolitano. In: CARLOS, Ana Fani; SOUZA, Marcelo Lopes de; SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão (Orgs.). A produção do espaço urbano: agentes e processos, escalas e desafios. São Paulo: Contexto, 2011. p. 109-122. AMORIM FILHO, Oswaldo Bueno. Origens, evolução e perspectivas dos estudos sobre cidades médias. In: SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão (Org.). Cidades médias: espaços em transição. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 69-87. BAPTISTA, Dulce Maria T. O debate sobre o uso de técnicas qualitativas e quantitativas de pesquisa. In: MARTINELLI, Maria Lúcia (org.). Pesquisa qualitativa: um instigante desafio. 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Palavras Chave: 1) Segregação socioespacial; 2) Práticas espaciais; 3) Produção do espaço urbano. 1. Introdução Nesse texto, que integra nossa pesquisa de doutorado acerca dos “novos padrões da segregação socioespaciais nas cidades de São José do Rio Preto e Catanduva: residenciais fechados e shopping centers”, temos como objetivo analisar o processo de segregação no âmbito conceitual e da prática cotidiana, partindo da proposta de Sposito (2013, p. 67) de que, para entender o processo, é necessário perguntar quem segrega para realizar seus interesses, quem a possibilita ou a favorece; quem a reconhece, porque a confirma ou a nega ou mesmo é indiferente a ela, porque cotidianamente vive essa condição. Seguindo a proposta da autora, entendemos que a segregação é composta por múltiplas dimensões, sendo as dimensões que se vinculam aos sujeitos sociais e uma mescla de condicionantes objetivos e subjetivos, que norteiam nossa discussão. 88 Doutoranda pelo Programa de Pós Graduação em Geografia, Universidade Estadual Paulista, UNESP, campus de Presidente Prudente. Integrante do Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais, Gasperr. 313 Para elaboração do texto, partimos da inquietação, sobretudo da necessidade de compreender o processo de segregação socioespacial tanto no âmbito teórico, como a partir daqueles que vivenciam essa condição, por meio da apreensão das práticas espaciais, no âmbito da moradia, especialmente os moradores de residenciais fechados89 das cidades de São José do Rio Preto90 e Catanduva91, voltados para classe média92. Quanto à metodologia, recorremos à linguagem do cotidiano que apreendemos a partir de roteiros (semi-estruturados) de entrevistas (gravadas) organizados por assuntos (perfil, motivação, cotidiano e cidade, lazer e cidade, vizinhança, visitas, serviços, regras e avaliação final), estratégia que favorece o tratamento do material produzido. Porém, durante as entrevistas, procuramos dar coesão à conversa, sem evidenciar a delimitação dos assuntos. As respostas que mais subsidiaram nossa problemática foram àquelas referentes à avaliação final, quando os moradores evidenciaram as vantagens de morar nesses espaços fechados, manifestando nas narrativas uma desvalorização aos espaços públicos, distintos pela imprevisibilidade, simultaneidade, entre outras características que fundamentam o urbano e a vida nas cidades. Também realizamos observações, quando visitamos os espaços residenciais fechados para realizar as entrevistas. 2. Entre o conceito e a prática da segregação socioespacial Partimos da crítica feita por Vasconcelos (2013) em relação à “transferência” de conceitos sem questionamentos, principalmente quando “deslocados” do contexto norteamericano para realidades distintas, como a latino-americana, para nos posicionar em relação ao conceito de segregação e sua utilização no âmbito de nossa pesquisa. 89 Em nossa pesquisa de doutorado diferenciamos, a partir das legislações, condomínios fechados e loteamentos fechados, porém no presente trabalho, denominamos de residenciais fechados os espaços de moradias murados, com equipamentos de seguranças, portaria etc., independente do vínculo legal desses espaços. 90 No âmbito da rede urbana, São José do Rio Preto é considerada uma cidade média, não somente pelo tamanho da sua população, compreendida para além de uma cidade de porte médio, mas devido ao papel de centralidade que exerce na rede urbana. De acordo com o último censo do IBGE, São José do Rio Preto possui 438.354 mil habitantes. 91 De acordo com o último censo do IBGE, Catanduva possui 118.853 mil habitantes. 92 Consideramos que classes sociais devem ser definidas para além da renda e padrões de consumo, mas, sobretudo, pelo estilo de vida e visão de mundo prática (Souza, 2010, p. 26), por isso falamos em classe média, pois voltamos nossa atenção ao capital imaterial e as subjetividades que essa parcela da sociedade conforma. 314 Para o autor a palavra é originada do latim segrego e traz uma ideia de cercamento; sua utilização na academia começou com os textos pioneiros dos sociólogos da Escola de Chicago, que pesquisaram cidades americanas, em um momento histórico de crescimento populacional, com presença majoritária de imigrantes, o que consistia num fenômeno completamente novo na escala mundial. Os diferentes graus de integração e de assimilação dos imigrantes àquela sociedade, a segregação compulsória imposta às minorias negras, assim como a reunião preferencial de outros grupos étnicos nas mesmas localidades, levaram a formação de diferentes “áreas sociais” (Vasconcelos, 2013, p. 24). A segregação residencial na ótica da Ecologia Humana, perspectiva vinculada à Escola de Chicago, foi associada primeiramente à etnia. As classes sociais, qualquer que fosse sua definição, não faziam parte das proposições teóricas dessa corrente, a segregação, considerada como um fenômeno, manifestava-se por meio das áreas naturais, áreas geográficas concretas, análogas às comunidades de plantas e dotadas de poder preditivo (Corrêa, 2013, p.52). As áreas naturais, na concepção de Corrêa (2013), eram resultantes desta competição que refletiam a desigualdade social, ambas vistas como impossíveis de serem abolidas por resultarem da própria natureza humana. Consideradas como um estado de equilíbrio desfeito e refeito a cada momento da evolução, as áreas naturais constituem importante base teórica para os membros da Escola de Ecologia Humana. Isso mostra que era delegado à natureza um processo puramente social, derivado, sobretudo, das desigualdades sociais. As áreas naturais, propostas por essa perspectiva de análise, são vistas como resultantes das diferentes localizações no espaço urbano dos diversos grupos sociais, cada um com uma capacidade de pagar por uma localização em um espaço já diferenciado pela natureza, por vias de circulação, atividades econômicas e pela estrutura socioespacial prévia, como se a natureza tivesse o poder de realizar diferenciações tão singularmente sociais. A diferenciação dos locais de moradias nada tem de natural, o processo de segregação é uma forma assumida pelas desigualdades sociais, conformadas historicamente, sendo parte integrante do processo de produção do espaço urbano. Villaça (2001) trata da segregação como um processo em que diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais 315 ou conjunto de bairros da metrópole. A partir dessa primeira concepção, vimos que há dois pontos para nos atentarmos em relação à proposta do autor, tanto do ponto de vista que tende a simplificar o processo, quanto ao recorte espacial de análise. Quando tratamos do processo e buscamos compreende-lo a partir de nossa realidade de pesquisa, o espaço do qual tratamos assume grande relevância, uma vez que no âmbito das cidades não metropolitanas, esse processo pode adquirir características particulares em relação à metrópole, espaço analisado por Villaça (2001). Apesar dos cuidados ao assumir essa posição, pensamos, com base em Sposito (2013, p. 62), que os conceitos, seguindo a perspectiva que elegemos, podem e devem ser atualizados, desde que não haja uma negação ou descontinuidade profunda em relação à apreensão de processos e dinâmicas que o fundamentaram, no plano teórico. Por outro lado, retomando a proposta inicial de Villaça (2001), o processo de segregação não pode ser entendido apenas como uma tendência de concentração em diversas áreas da cidade pelas diferentes classes sociais. Pensá-lo a partir dessa perspectiva, corremos o risco de vincular o processo à matriz na qual ele foi formulado, resultando em uma concentração, dentro de uma mesma área residencial, de sujeitos que reúnem características semelhantes entre si. Por suposto, restringir o processo nesse âmbito seria simplificá-lo e negar os diversos conflitos existentes entre os sujeitos que compõem as classes sociais. Porém, mais adiante Villaça (2001), passa a considerar elementos que integram o processo e avança em uma análise mais crítica, segundo a qual, a segregação é entendida como inerente a dominação social, econômica e política por meio do espaço, este último desempenhando papel fundamental no processo. Para o autor a maioria das pesquisas envolvendo o processo de segregação parte de um espaço urbano dado, que é melhor, seja qual for o motivo, e por isso atrai os mais ricos, os que possuem mais prestígio, poder e status (Villaça, 2001, p. 151). As pesquisas que consideram que não havia atributo natural especial naquele espaço, não cogitam como ele foi mais bem produzido, no máximo, se limitam a relacionar a classe social que ocupa determinada área e os equipamentos públicos de que ela é dotada. O autor conclui considerando que alguns pesquisadores afirmam ser a segregação um produto do mecanismo de formação de preços do solo, mas permanecem na incômoda posição de ter que demonstrar essa tese, já que é mais provável que a verdade esteja do lado oposto: os preços do solo é que são frutos da segregação. A partir dessas colocações, vemos que Villaça (2001) 316 reconhece a dimensão espacial na análise do processo em questão, o que consiste em um aspecto que diferencia sua caracterização das Ciências Sociais. Retomando a crítica de Vasconcelos (2013), com a qual iniciamos o texto, levamos em conta a vinculação dos conceitos e das noções à dimensão principal de análise. Para ele, exclusão/inclusão são mais voltadas aos indivíduos; diferenciação socioespacial, desigualdade socioespacial, justaposição, separação, dispersão, divisão em partes e fragmentação estariam mais voltadas ao exame de áreas, enquanto a segregação e seus derivados podem ser utilizados para indivíduos e áreas. Apesar de algumas divergências em relação à dimensão relacionada à fragmentação, que estamos discutindo no âmbito da tese de doutorado, concordamos com o autor sobre a vinculação do processo de segregação aos sujeitos sociais (para ele indivíduos) e ao espaço. A partir dessa vinculação é que adjetivamos o processo de segregação como socioespacial, considerando que as duas dimensões mais relevantes ficam assim evidentes, por conseguinte, abordamos a segregação socioespacial no âmbito da moradia. Ao pensar o processo para além da moradia, incorporando o consumo como dimensão analítica, tratamos de uma processo mais complexo, de fragmentação socioespacial, que não discutiremos nesse texto. Outra critica feita por Vasconcelos (2013) volta-se à utilização de forma banalizada desses conceitos pela imprensa e pelo senso comum. Nesse contexto achamos oportuna a contra-crítica feita por Souza (2013) para quem as Ciências Sociais ao contrário das Ciências Naturais93, possuem inúmeros conceitos e noções, cujos termos que os nomeiam são utilizados no cotidiano, como território, cultura, poder, entre outros. Em convergência com a perspectiva de Sposito94 (2013), Souza também defende que um dos papeis dos cientistas sociais é construir conceituações, nos marcos de esforços teóricos, que alimentam e sejam retroalimentados por esforços de pesquisa empírica. O autor ainda trata do empírico não como algo restrito a uma experiência 93 Seus termos técnicos dificilmente são utilizados fora do contexto científico, exemplo disso seria nos perguntarmos quantas vezes ouvimos o termo tripanossoma cruzi. 94 Em contraposição a Vasconcelos (2004), acerca da impossibilidade da aplicação do conceito de segregação na realidade brasileira, a autora afirma que os conceitos, tomando a perspectiva que escolhemos, podem e devem ser atualizados, atingindo mesmo uma situação de reconceitualização, desde que tais mudanças não resultem em negação ou descontinuidade profunda em relação à apreensão de processos e dinâmicas que o fundamentaram, no plano teórico. (SPOSITO, 2013, p. 63). Ainda no âmbito da impossibilidade de utilizarmos o conceito de segregação para a realidade brasileira, Souza (2013, p.130) observa que o fato de negar a realidade da segregação residencial implica procurar suavizar ou escamotear os “afastamentos” e as “separações”, que fazem parte, nitidamente, das cidades brasileiras. 317 prático-sensível descompromissada, mas, sobretudo como algo que diz respeito à práxis, da qual a mediação teórico-conceitual não deve ser descolada. Souza (2013, p. 128) se apoia na crítica acerca do uso dos termos pela imprensa e pelo senso comum, para colocar a questão: até que ponto os próprios sujeitos se utilizam, em diferentes contextos histórico-geográfico-culturais cotidianos, da palavra segregação? O autor problematiza a situação, uma vez que há o uso do termo “segregação” pela mídia e pelo senso comum, porém, enxergamos uma possibilidade de encontrar nesses usos, na linha oposta à científica, algo significativo para nossa pesquisa. Nesse sentido, a ideia de que a “segregação” seria exclusivamente um termo técnico95, não se sustenta. Realizamos uma busca no “Google Imagens” (acesso em 26 jan. 2015), de charges e grafites a partir da inserção a palavra segregação. Apesar de não termos encontrado nenhuma expressão artística que contivesse de fato a palavra “segregação”, foram exibidas várias imagens e escritos sobre contextos que se utilizam de sentidos, de críticas a algum fato da realidade, ou da própria realidade, conforme se observa nas duas charges, um grafite e uma imagem veiculada num blog96. 95 Para nossa pesquisa acadêmica, estamos trabalhando com a segregação enquanto um conceito, com formação histórica, levando em conta as correntes teóricas das quais se originou e que o discutem, bem como as dimensões do processo, porém, não podemos descartar o que se produz “fora” (ainda que brevemente) do campo acadêmico acerca da segregação, principalmente em sua dimensão subjetiva. Adotando o cotidiano como dimensão de análise, defendemos a importância de se levar em conta o que se produz nesse âmbito. 96 www.blodojj.com.br. com conteúdos relacionados a críticas ao preconceito e ao racismo. 318 As figuras e textos nos mostram dimensões, realidades e situações que relacionam a segregação no senso comum, ou ainda, no cotidiano da cidade. A primeira charge faz referência à segregação residencial, em que a grande distância não somente espacial, mas, sobretudo socioeconômica, que a família pobre ao visualizar o outdoor com o anúncio de um condomínio fechado de luxo o associa com outro mundo, completamente distante da realidade em que vivem e se reproduzem. A segunda charge faz referência ao preconceito a determinados grupos sociais, principalmente de segmentos de baixa renda, nos shopping centers, aparentemente um espaço democrático, mas que deixa transparecer sua lógica em situações como a representada na charge, em que um segurança diz ao outro: “Lembre-se: nesse shopping é proibido deixar entrar aqueles tipos de pessoas”, fazendo referência a um grupo de pessoas pobres. A resposta do outro segurança denuncia a hipocrisia e as contradições que compartilham ao responder: “Quais tipos? Aqueles parecidos com a gente?”. A charge foi produzida no período que se iniciaram movimentos denominados “rolêzinhos”97, nos quais, majoritariamente jovens da periferia (primeiramente das grandes cidades) circulavam por shopping centers da cidade, iniciaram em dezembro de 2013, no Shopping Metrô Itaquera, posteriormente no Shopping Internacional de Guarulhos, na periferia da metrópole paulista, e em pouco tempo a circulação que depois se tornou um movimento, tomou maiores dimensões em muitas cidades brasileiras. Primeiramente, os participantes dos “rolêzinhos” não planejavam de forma intencional um movimento social ou político, com seus passeios ao shopping center, a 97 O termo “rolezinho” designa o encontro de jovens em shopping centers, em geral, em bairros pobres das periferias, combinados através de redes sociais, com o intuito de ocupar o espaço e realizar atividades típicas da faixa etária (“zoar, dar uns beijos, paquerar, se divertir”, conforme consta em chamada do evento em rede social), segundo Hermoso, 2014. 319 politização só ocorreu posteriormente, quando certos movimentos usaram a oportunidade para fazer denúncias, etc. Como deixa explícito na frase de um líder do movimento em Fortaleza: “Vamos chegar lá na boa, na paz e passear no shopping. Afinal de contas, a cidade também é nossa, correto?” Segundo a mesmo matéria jornalística, o movimento consiste em passar a mensagem de que a periferia existe, tem voz, e, sobretudo imbricado em uma “luta contra a segregação racial e social” 98. O grafite da terceira figura, uma das primeiras imagens que apareceu na pesquisa no Google Imagens com a palavra segregação, se refere à ausência de espaço das classes pobres, bem como em seguida instiga a luta: “O fraco não tem espaço e o covarde morre sem tentar”. Identificamos dois sentidos de espaço no grafite, um relacionado ao espaço na e da cidade, seja no âmbito da moradia, ou do acesso aos equipamentos urbanos, o outro pertinente ao sentido abstrato, aquele relacionado à “voz”, uma vez que se utilizam dessa prática (do grafite) para denunciar as diversas contradições da sociedade, conforme outras imagens e textos que também apareceram como resultado de nossa busca. Por fim, a última imagem relaciona a segregação com questões raciais, uma vez que o sujeito negro bebe água em um equipamento de qualidade inferior ao do lado, destinado, segundo o anúncio, aos “brancos”. As imagens são apenas uma amostra dos inúmeros resultados da pesquisa, o resultado final é que, seja no âmbito midiático, ou no senso comum, a segregação se vincula com diversas dimensões, embora, como esperado, o conceito, o processo de constituição histórica e todo o aporte teórico-metodológico que o sustenta no âmbito acadêmico não estejam presentes. Com base nessas considerações, concordamos com Souza (2013, p. 129), quando afirma que a ciência está longe de ser a única a promover ou protagonizar intercâmbios terminológicos, seja por meio de charges, grafites, música, enfim, existem outras manifestações populares que também reconhecem e denunciam situações de preconceito, desigualdade socioeconômica, etc. Assim como Souza, trouxemos um trecho da letra da música “Segregação”, do grupo de reggae Ponto de Equilíbrio, para demonstrar mais uma forma de expressão: Segregação social, discriminação racial. 98 Charge e matéria retirada da revista local “Camocim”, em www.camocim.com.br, acesso em 26 jan. 2015. 320 Mesmo não querendo, nós temos um inimigo, em dias de tempestades nos negam abrigo esse é o sistema, nós armaremos nosso esquema lutando com nossas próprias armas pra anular o poder do inimigo e ajudar o povo a esquecer que um dia ficou sem abrigo. Debaixo da ponte com a cabeça na pedra cobertos por papelão famílias inteiras em depressão, depressão. Aphartaide, colonização, escravidão, globalização, ainda me lembro da inquisição, e da catequização dos índios, grupos de extermino, kun klux klan, fascistas nazistas não mais não mais, não mais! De maneira explicita a letra da música faz uma associação entre segregação, discriminação, exploração, enfim, situações de opressão e injustiça social, objetivando denunciar e propondo solidariedade e novos horizontes para a luta. Assim reiteramos que o termo “segregação” não está confinado aos textos e debates acadêmicos, cientes disso, acreditamos que não cabe a nós, enquanto pesquisadores, censurar o uso de termos (seja de segregação, seja de outros termos que são utilizados das ciências sociais, todos densos de historicidade) que, por possuírem uma vinculação científica e acadêmica, teriam que se restringir a esse âmbito. Se há a utilização desses termos fora dos “muros” científicos, é porque há motivos e contextos reais para serem utilizados, ainda que no âmbito do senso comum. De maneira divertida é possível imaginar uma situação proposta por Souza (2013, p. 129), ao chegarmos para um morador da favela que grita contra a segregação, afirmando senti-la todos os dias, e lhe dizer: “Veja bem, meu caro, você está utilizando de maneira imprópria a palavra ‘segregação’, que tem sido indevidamente importada pelo discurso acadêmico brasileiro; a rigor, você não é segregado, isso é um mal entendido!”. O também não quer dizer que estamos tentando compreender o processo no âmbito do senso comum, levando em conta todas as vertentes e dimensões que abarcam, de forma acrítica e sem reflexão. Aquilo que para o senso comum, muitas vezes não suscita desconfiança99, reproduzindo-se na ausência de debate, não pode ser aceito sem questionamento pelo pesquisador (Souza, 2013, p. 129). O que propomos é exercer um 99 Segundo o autor a naturalização desses termos no interior do senso comum constitui a vitória de um discurso ideológico de justificação de determinadas práticas, que têm por trás de si interesses específicos, e que colaboram para gerar ou reforçar a segregação, que o autor adjetiva de residencial (Souza, 2013, p. 131). 321 papel crítico, enquanto pesquisadores, problematizando aquilo que simplesmente está posto pelo senso comum, porém sem desconsiderar que nas Ciências Sociais as percepções e o vivido dos sujeitos também integram a realidade pesquisada. Quando se constata que, no cotidiano, pessoas se veem e se afirmam segregadas, isso, por si só, exige investigação e comprova que não estamos diante somente de termos técnicos, seja importados ou empregados de forma equivocada, mas sim de uma representação, constituída por meio da prática espacial cotidiana na cidade (Souza, 2013). Diferentemente do exemplo posto por Souza (2013), no âmbito de nossa pesquisa, sujeitos da classe média, moradores espaços residenciais fechados das cidades de São José do Rio Preto e Catanduva, não se avaliam como segregados, mas descrevem práticas que tendem a separá-los social e espacialmente dos “outros”, que não consistem naqueles que não moram nos residenciais fechados (como amigos e familiares que entram e saem dos residenciais sem maiores problemas 100), mas naqueles que representam algum perigo, os outros violentos (Bauman, 2007), personificados principalmente nos funcionários (pedreiros, empregadas domésticas, prestadores de serviços...) desses espaços. Tanto que familiares e amigos dos moradores que adentram aos espaços internos não são personificados como “outros”, nas narrativas dos moradores. Outra particularidade de nossa realidade de pesquisa, em relação à maior parte dos autores que nos apoiamos, é que tratamos de uma realidade não metropolitana. Disso deriva algumas particularidades, seja no âmbito espacial, seja no temporal, principalmente devido às distâncias e aos tempos de percursos que são menores. A consolidação dos residenciais fechados conforma na cidade um novo padrão de segregação socioespacial (Caldeira, 2000), uma vez que insere como um valor adicional a segurança, embutida em um “novo estilo de vida”, composto por alguns elementos que prometem garanti-la. Quando colocamos a questão sobre a satisfação em morar no residencial e em seguida solicitamos ao morador destacar pontos positivos e negativos desses espaços, eles relataram práticas cotidianas que tendem a segregar, separar-se socioespacialmente, dos demais moradores da cidade, mas, acima de tudo, valorizar o novo estilo de vida. 100 Não estamos desconsiderando que haja controle na entrada e saída dos residenciais. Nossa pesquisa empírica nos mostra que mesmo os autorizados a isso, passam por alguns obstáculos, como filas, excesso de controle pela portaria, tempo para fazer os cadastros exigidos, entre outros, mas tem a entrada permitida. 322 [Você está satisfeito por morar aqui? Destacar pontos positivos e negativos] Estou sim, positivo é que ninguém se intromete na minha vida, não é igual, às vezes apartamento que o vizinho da frente conhece, sabe o que você fez ou deixou de fazer, e lá não tem isso, a localização é muito positiva, os moradores são todos calmos, nunca tive problemas com barulho, nenhum, nunca. O lado negativo, eu acho que falta uma academia, um centro de lazer pra interagir mais as pessoas, lá dentro, que não tem, tem a piscina, mas é mais as crianças que usam, que eu vejo, e a área de churrasqueira é muito difícil a gente ver churrasco lá, não é uma área que é sempre usada. (Ariane101, 28 anos, dentista, São José do Rio Preto) Muito satisfeita, eu falo que se um dia tivesse que mudar eu iria procurar um condomínio de novo, é muita qualidade de vida. Tem dia eu saio de casa, sento um pouco ali na frente, vou dar uma volta com o cachorro, ás vezes é meia noite, quando que você faz isso se você tiver na rua? Então às vezes eu vou meia noite dar uma volta tranquila, é uma tranquilidade que não tem tamanho. O negativo é que como você mora ali, você tem que respeitar regra, então as vezes esta de madrugada você tem que manerar no som, porque é convivência ali, todo mundo tem respeitar um limite. Mas eu acho que tem muito mais coisas a favor do que contra. A favor, é a segurança, é gostoso morar ali, a tranquilidade, sossegado, você não escuta muito barulho, porque é mais afastado, então você tem uma tranquilidade de é difícil encontrar nos lugares. (Natália, 30 anos, advogada, São José do Rio Preto) Estou, bom de negativo é que as casas são muito próximas. Positivos são vários, muitos, a segurança, o fato de eu ter a facilidade de qualquer tipo de comida tem aqui dentro, tem muitos parquinhos, tem muito lazer, eu não uso tudo, mas tem muito lazer, e não sei dizer, mas é um condomínio que as pessoas são... não tem esse negócio de um ir na casa do outro, mas todo mundo se cumprimenta, você tá andando aí, tá cumprimentando todo mundo, então da um ar assim de você estar num lugar mais humano, além de ser mais seguro. Tem muitas vantagens e poucas desvantagens. (Carlos, 49 anos, aposentado, São José do Rio Preto) Os entrevistados, por meio das falas, tentaram comprovar-nos a satisfação que sentem residindo nesses espaços fechados através de relatos que valorizam a partir dos seus pontos de vista, os pontos positivos, práticas e representações que naturalizam a 101 Os nomes dos entrevistados são fictícios. 323 (re)produção do processo de segregação socioespacial, no âmbito do vivido, a partir do local de moradia. Apesar das narrativas se aterem em uma realidade sem conflitos, reforçado um domínio e uma lógica vigente, identificamos contradições. Ariane, que afirmou não gostar de relações de vizinhança no inicio da entrevista citou como ponto negativo, a falta de espaços entre os muros para usos coletivos. Além de caracterizar um cotidiano contraditório, nem sempre linear, a fala de Ariane nos aponta uma valorização dos espaços internos, o que poderia resultar em um aumento de relações entre os moradores, porém, de acordo com Ariane e outras narrativas, principalmente a partir de nossas observações de campo, percebemos que, mesmo que exista uma infraestrutura de equipamentos e espaços coletivos disponíveis, são pouco usados pelos moradores e, consequentemente, há poucas relações entre os mesmos. Mesmo assim, como afirma Carlos, todos se cumprimentam, conferindo um “ar mais humano” aos espaços fechados. Identificamos um processo de interiorização no interior dos muros, demonstrando que, apesar do mercado vender um estilo de vida que inclui o estreitamento das relações entre os moradores, principalmente com a conformação de espaços de lazer coletivos (privados, intra-muros), a vida prática nos revela resignificações dessa lógica do mercado, que tende a acirrar uma tendência existente tanto dentro, quanto fora dos muros, um “declínio da vida pública” (Sennett, 1998). No mesmo sentido, Carlos e Natália valorizam e destacam elementos em comum, mas tendo a segurança como componente principal desse novo estilo de vida. A segurança foi mencionada em vários momentos da fala, por exemplo, quando descrevem a tranquilidade de passear com o cachorro à meia noite, coisa que na rua – na cidade aberta – não seria possível, pela possibilidade de ser incomodada por algum “estranho”, e agora ela pode realizar essa prática, por estar dentro dos muros, vigiada pelos seguranças que fazem a ronda durante toda a noite. Também valorizaram o silêncio, que as regras internas tentam garantir aos moradores, vantagem atribuída também ao fato de ser “mais afastado”, se referindo à distância do residencial em relação à cidade. Por mais que Natália não tenha dito isso explicitamente, a caracterização da cidade enquanto barulhenta e imprevisível, onde nem tudo é controlado, está subjacente. 324 Carlos mencionou vantagens que vão além da moradia102, referindo-se a sua preferência em frequentar o restaurante do próprio residencial, afirmando que “aqui dentro tenho qualquer tipo de comida”, e valorizando o fato de que a entrada é permitida somente aos moradores e convidados (amigos e familiares), inclusive com números limitados. O mesmo ocorre com a academia, instalada dentro do residencial, exclusiva para os moradores, onde a entrada e a frequência de empregados não é permitida, nem mesmo com a autorização do morador, segundo o relato de Carlos, feito em resposta a outra questão do roteiro. As falas apontam como os sujeitos pesquisados vivem no cotidiano a segregação socioespacial, tendo os muros e os controles internos como integrantes de suas práticas espaciais, indicando uma negação à cidade e aos riscos e situações de imprevisibilidade que fazem parte integrante da vida urbana. Tratando de um conceito complexo, repleto de historicidade, não podemos desconsiderar o caráter multidimensional da segregação. Entendemos as dimensões do processo a partir da proposta de Sposito (2013), para quem a segregação é em sua essência um processo de natureza espacial, mas nem todas as formas de diferenciação e desigualdades resultam em segregação, apesar da segregação ser a materialidade das diferenças, mesclando condicionantes e expressões objetivas e subjetivas, uma vez que consiste em um processo vinculado aos sujeitos sociais, dessa forma: Só cabe a aplicação do conceito de segregação quando as formas de diferenciação levam a separação espacial radical e implicam rompimento, sempre relativo, entre a parte segregada e o conjunto do espaço urbano, dificultando as relações e articulações que movem a vida urbana. Portanto, levar em conta a dimensão espacial é primordial para o entendimento do processo de segregação. (SPOSITO, 2013, p. 65) O espaço consiste então em um elemento chave para compreender a segregação, conforme já havíamos demonstrado (Villaça, 2001), uma vez que o consideramos como parte da reprodução da sociedade, sendo o espaço um produto histórico e social, de modo que o sentido do espaço urbano ultrapassa o de concentração de pessoas, infraestruturas, equipamentos, atividades produtivas, enfim, o entendemos, sobretudo, 102 O que outros moradores também relatam, mas em outras questões do roteiro, apontando para um processo de fragmentação socioespacial. 325 enquanto produto e condição para a efetivação das práticas e relações sociais e espaciais. O sentido da cidade é a união de todos os elementos definidores da vida humana e simultaneidade dos atos e atividades de sua realização, como possibilidade do uso dos espaços-tempos que compõem a vida (Lefebvre, 2004). Dessa perspectiva, a segregação contém aquilo que nega a cidade – diversidade, encontro, conflito – a separação, o apartamento, conforme demonstram as falas de Ariane, Natália e Carlos, que valorizam os controles internos, garantindo o que denominam de “tranquilidade” e “qualidade de vida”, na (re) produção de práticas espaciais que reafirmam essa nova condição que vivem. Sem perder de vista que a segregação, em sua dimensão objetiva 103, consiste na separação espacial e na radicalização dessa separação entre sujeitos de classes sociais diferentes, no âmbito da moradia, buscamos identificar seu conteúdo que valoriza os condicionantes e expressões subjetivas do processo de segregação. O caráter relacional do processo é assim evidenciado, porém não se trata de uma condição relacional qualquer, e mais especificamente não se trata de uma relação entre iguais, mas sim de uma relação entre "nós" e os "outros": outros diferentes, outros com mais ou menos oportunidades, outros integrados ou excluídos, ou outros que superpõem mais de uma dessas condições (Saraví, 2008, p. 96). Tendo as concepções desenvolvidas no campo da Sociologia Urbana, para Saraví (2008, p. 95) a “divisão social do espaço urbano é uma representação espacial que reflete a estrutura social”, ou seja, na ótica do autor a dimensão espacial não é devidamente valorizada. Ao concebê-la como uma representação da estrutura social, Saraví não considera o processo de produção do espaço e sua condição de produtor das estruturas e representações e subjetividades sociais, além das relações dialéticas entre o espaço- produto e o espaço- produtor, que reflete e retroalimenta a estrutura social em uma simultaneidade. A despeito dessas limitações em relação à nossa pesquisa, devido ao campo cientifico que foram formuladas, o autor faz uma crítica em relação à quantidade cada 103 Apesar de nosso direcionamento na dimensão subjetiva da segregação ao longo da pesquisa, entendemos que a segregação é o conteúdo intrínseco à constituição do espaço urbano capitalista, fundamentado na propriedade privada da terra e na valorização do capital como último sentido da reprodução social (Alvarez, 2013, p. 113), assim o processo tem como base objetiva estratégias do capital, colocadas em prática pelos agentes econômicos, com o objetivo final de uma reprodução ampliada de capital. 326 vez maior de estudos sobre segregação que levam em conta apenas a dimensão objetiva do processo, o que também limita as análises e gera inúmeros problemas para interpretar a relação entre estrutura espacial e estrutura social. Partindo dessa crítica, Saraví (2008, p. 97) propõe a incorporação da dimensão simbólica da segregação, bem como assumir uma relação complexa entre a objetividade e a subjetividade do processo, evitando pensar em ambas as dimensões ligadas a uma relação unicausal e/ou unidirecional. A segregação não se esgota em sua dimensão objetiva, mas é resultante da complexa relação entre as duas dimensões do processo. Ainda que uma retroalimenta a outra, suas fronteiras nem sempre coincidem, podendo haver a superposição ou não, bem como, não podemos considerar uma como determinante da outra. Estamos acostumados a pensar que um espaço com altos indicadores objetivos da segregação, deve coincidir com formas duras de segregação simbólica, ou espaços de baixa segregação objetiva são acompanhados de uma baixa segregação simbólica, isso não é verdadeiro (Saraví, 2013). Portanto, entendemos a segregação simbólica em nossa pesquisa como: (…) un proceso de construcción social por médio del cual de construyen, atribuyen y aceptan intersubjetivamente ciertos sentidos al y sobre el espacio. Este proceso de contrucción social de sentidos es sin duda condicionado por las dimensiones objetivas de la segregación urbana... (SARAVÍ, 2008, p. 98) As áreas da cidade com alta concentração de segmentos de baixa renda podem ser associadas a uma série de estigmas, como áreas violentas e sujas. Dessa maneira, a segregação em seu sentido amplo, ou seja, levando em conta as duas dimensões, é resultante da interação entre as distâncias espaciais que unem104 e separam os diferentes, desiguais, ou excluídos, por um lado, e a construção imaginada do “outro” e seu habitat, e por outro lado, contribui para des-socializar ou naturalizar a estrutura social fornecendo ferramentas para resolver, de distintas formas, a coexistência com os sujeitos socioecomicamente diferentes no mesmo espaço urbano (Saraví, 2008, p. 98). Reafirma-se assim a relação dialética entre as dimensões objetiva e simbólica da segregação, a construção estigmatizada do "outro", que conforma tentativas de 104 Residir em áreas que tendem a uma homogeneidade de segmentos baixos, não necessariamente descarta a possibilidade de encontros com membros de segmentos altos, conforme aponta nossa pesquisa, principalmente pela mão-de-obra dentro dos residenciais. Porém, o termo “unir” não seja o mais apropriado para esse contexto, já que em muitas circunstancias o encontro é inevitável. 327 minimizar a possibilidade do encontro com o “indesejável”, como se evidencia na fala de Karen, que morava em um apartamento na área central de Catanduva e mesmo em questões que não vinculam diretamente ao assunto, relatou fatos que reafirmam o incômodo de ser abordada por “estranhos” e a tendência de conformar mecanismos para evitar esses encontros. [Sua rotina e de sua família sofreu mudanças de quando você morava no apartamento no centro?] Teve. Teve porque quando eu morava no apartamento, tinha uma praça bem perto, a Praça da Matriz, mas eu não gostava de ir, porque meu filho corria demais e também porque aqui no centro da cidade, já esta assim: você para o carro e em cinco minutos já vai alguém te pedir para olhar o carro, sabe? Ou então você esta passando, alguém vem te pedir alguma coisa, e com criança é complicado isso, então eu evitava sair com ele. Eu saia mais de carro, ia na minha mãe, no meu sogro, na casa da minha irmã. Eu evitava ir em praça, e aqui a gente mudou, meu filho, nossa, aproveita muito aqui, as crianças gostam demais... (Karen, professora, 40 anos, Catanduva) [E seus deslocamentos pela cidade, você faz de carro, moto, bicicleta...?] Eu faço de carro, e isso não mudou, porque quando eu morava no centro, com criança, eu só saia de carro. E aqui esta complicado, sabe aquela padaria Santa Gula, no Centro, na rua Pará? Eu estava um dia com meu filho, eu estava parando, você vê um lugar tranquilo lá, ai um moço veio me pedindo um dinheiro, eu com o menino no carro, com a bolsa do lado, eu estava estacionando e pensei, não vou descer aqui. Aí falei “não tenho”, fechei o vidro o fui embora. (Karen, professora, 40 anos, Catanduva) Se antes o filho de Karen, ainda que esporadicamente frequentava a praça, próxima ao seu edifício, com a mudança para o residencial fechado, essa prática tende a ser praticamente nula. Conforme ressaltou a moradora, seu filho utiliza as instalações internas aos muros, assim, evidencia-se uma separação espacial e social, um rompimento em relação à cidade e ao que dela deriva, visto como perigoso. Karen descreveu os lugares (públicos) e as situações em que foi “incomodada”, de forma negativa, mesmo quando se refere a estabelecimentos comerciais voltados (ainda que não exclusivamente) para segmentos médios, porém no momento do encontro ela estava na rua, onde a imprevisibilidade é uma permanência. Para ela, aquilo seria “impensável” em períodos anteriores, como ser abordada por alguém de forma indesejada, no presente, causa um medo difuso (Sposito & Góes, 2013) em que o inimigo pode estar 328 em qualquer esquina, e naquele momento personificou-se no homem que se aproximou para pedir dinheiro. Por outro lado as falas também revelam que os muros, o “novo estilo de vida” e a segurança que os sustentam não definem por si só o grau de segregação, o que varia entre os moradores e seus diferentes perfis, considerando principalmente a idade, situação civil, com ou sem filhos, devido principalmente ao caráter relacional do processo em questão e suas práticas espaciais cotidianas, esta última sendo condição e resultado, em grande medida, das experiências vividas da e na cidade. 3. Algumas considerações... Retomando o debate iniciado com Vasconcelos (2013) nesse texto, acerca dos cuidados necessários com o uso do conceito de segregação no âmbito acadêmico, por um lado não podemos desconsiderar a historicidade do conceito, suas dimensões de análise e sua complexidade, e por outro, não é válido desconsiderar o que se produz sobre a segregação no âmbito do senso comum, uma vez que focamos em nossa pesquisa a dimensão dos sujeitos sociais e suas práticas cotidianas, enquanto protagonistas do processo, sem desconsiderar as estruturas espaciais. Isso não quer dizer que nossa análise se vincula ao senso comum, de maneira a simplificar o debate e a reflexão, mas por tratarmos de um conceito que se materializa no âmbito socioespacial, não descartamos as expressões que o processo assume entre os diversos sujeitos sociais, na cidade, seja desenhando, grafitando, elaborando charges, ou praticando espacialmente, no cotidiano, enquanto unidade de espaço e tempo. Nossa posição se deve principalmente ao reconhecimento das relações intrínsecas entre as dimensões objetiva e subjetiva da segregação socioespacial, levando em conta as infraestruturas que conformam espaços segregados, movidas pela lógica do mercado, mas acima de tudo, as práticas espaciais que confirmam (ou não) o processo, de forma a (re) produzi-lo na vida cotidiana, e ainda podendo ir além do âmbito da moradia, mas procurando espaços “diferenciados” para estudos, consumo e lazer (este último, para além do praticado intramuros), sinalizando assim uma consolidação de pilares que podem sustentar um debate acerca da fragmentação socioespacial, processo mais complexo, que discutimos no âmbito da pesquisa de doutorado, a qual esse texto se vincula. 329 Conforme evidenciado na metodologia, consideramos, sobretudo, os discursos dos moradores de residenciais fechados – sujeitos da pesquisa, que apesar de não se afirmarem segregados, ou autossegregados, relatam práticas espaciais que segregam, discurso esse que é, ele próprio, parte do processo que (re) produz a segregação (Souza, 2013) e nos possibilita apreender suas especificidades em cidades não metropolitanas. 4. Referências Bibliográficas BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Edusp, 2000. CORRÊA, Roberto Lobato. Segregação residencial: classes sociais e espaço urbano. In: VASCONCELOS, Pedro de Almeida; ______; PINTAUDI, Silvana Maria (Orgs.). A cidade contemporânea: segregação socioespacial. São Paulo: Contexto, 2013. p. 39-59 LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Trad. Sérgio Martins. Belo Horizonte: UFMG, 2004 SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; GÓES, Eda Maria. Espaços fechados e cidades: insegurança urbana e fragmentação socioespacial. São Paulo: Editora Unesp, 2013 ______. Segregação socioespacial e centralidade urbana. In: VASCONCELOS, Pedro de Almeida; CORRÊA, Roberto Lobato; PINTAUDI, Silvana Maria (Orgs.). A cidade contemporânea: segregação socioespacial. São Paulo: Contexto, 2013. p. 61-93 RODRIGUES, Arlete Moysés. Loteamentos murados e condomínios fechados: propriedade fundiária urbana e segregação socioespacial. In: VASCONCELOS, Pedro de Almeida; CORRÊA, Roberto Lobato; PINTAUDI, Silvana Maria (Orgs.). A cidade contemporânea: segregação socioespacial. São Paulo: Contexto, 2013. p. 147-168 SARAVÍ, Gonzalo. Mundos aislados: segregación urbana y desigualdad em la ciudad de México. In: EURE – Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos e Regionales. Chile. v. XXXIV, n. 103, dez 2008. p. 93-110. SENNETT, Richard. O declínio do homem público. Rio de Janeiro: Cia das Letras, 1998. SOUZA, Marcelo Lopes de. Semântica urbana e segregação: disputa simbólica e embates políticos na cidade “empresarialista”. In: VASCONCELOS, Pedro de Almeida; CORRÊA, Roberto Lobato; PINTAUDI, Silvana Maria (Orgs.). A cidade contemporânea: segregação socioespacial. São Paulo: Contexto, 2013. p. 127-146 VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Contribuição para o debate sobre processos e formas socioespaciais nas cidades. In: ______; CORRÊA, Roberto Lobato; PINTAUDI, Silvana Maria (Orgs.). A cidade contemporânea: segregação socioespacial. São Paulo: Contexto, 2013. p. 17-37. 330 VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, 2001. 331 NOVAS FORMAS DE PRODRUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: SEGREGAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL DO MUNICÍPIO DE RESENDE – RJ Raiza Carolina Diniz Silva¹ Thamires Lacerda Chaves Bispo² Resumo: O trabalho objetivou-se em analisar as novas formas de produção e ocupação do solo urbano da cidade de Resende, no Estado do Rio de Janeiro. Em uma primeira parte apresenta-se Resende como uma cidade média de extrema importância para sua microrregião do Vale do Paraíba. Em um segundo momento, o trabalho trata de novas centralidades, com o crescimento e espraiamento da cidade. Com o surgimento de um novo sub-centro, a Grande Alegria, novas dinâmicas espaciais são responsáveis por produzir esse espaço. O trabalho apresenta essa região da Grande Alegria, desde o início de sua formação, que surgiu com intuito de se criar um bairro popular com conjuntos habitacionais até a contemporânea forma de produção do espaço, à partir de condomínios fechados, que segregam e criam as descontinuidades espaciais. Palavras-Chave: Cidade Média, Espraiamento Urbano, Segregação Sócio-Espacial Abstract: The objective of this study is to examine the new forms of production and occupation of urban land in the city of Resende, in the State of Rio de Janeiro. In the first part it presents Resende as a middle city of extreme importance to it’s microregion Vale do Paraíba. In the second step, the work comes to new centers, with growth and urban sprawl of the city.With the development of a new sub-center, Grande Alegria, new spatial dynamics are responsible for producing this space. The paper presents the region of Grande Alegria, from the beginning of it’s formation, which emerged with the aim of creating a popular neighborhood with housing to contemporary form of production space from gated communities, which secrete and create the discontinuities. Keywords: Middle City, Urban Sprawl, Socio-Spatial Segregation 332 1. Introdução O trabalho faz um recorte sobre a região da Grande Alegria que se situa na porção oeste do município de Resende, no Estado do Rio de Janeiro. Resende é uma cidade média, pois justamente ocupa um posicionamento intermédio entre duas grandes cidades, Rio de Janeiro e São Paulo. Está às margens da Rodovia Presidente Dutra, na microrregião do Vale do Paraíba, no Sul do Estado. Vale ressaltar a raiz do conceito de cidade média, no qual Resende está inserida. Uma cidade com uma condição intermediária, uma polarização urbana que desempenha um papel de equilíbrio do sistema urbano, face à tendência hegemônica do crescimento das grandes metrópoles (SPOSITO, 2013), diferente do que o termo nos evoca a pensar sobre cidade média, como uma cidade de porte médio. E é a partir desse conceito que o trabalho parte analisando as produções espaciais urbanas em uma cidade média. Figura 1. Localização geográfica do município de Resende. Cidade entre o limite Rio-São Paulo. Fonte:Elaborado pelas autoras Porém apesar de considerarmos que uma cidade média possui suas especificidades, pela contribuição de alguns pesquisadores, Sposito (2001), Soares (2007), França (2007), com o trabalho, Vimos que Resende possui similaridades com o 333 desenvolvimento urbano de grandes metrópoles, nos levando a acreditar que as cidades médias podem acompanhar o movimento geral das dinâmicas de grandes cidades do país. O município de Resende começa a crescer relativamente há pouco tempo, no começo da década de 90, com a chegada de indústrias, resultado da desconcentração industrial. A sua localização favoreceu a concentração industrial por estar tão próximo de um eixo viário entre Rio-São Paulo. A chegada das indústrias começaram à dinamizar a cidade e criar uma rede de fluxos econômicos que parte dessas cidades médias, como é o caso de Resende, para serem processados, sintetizados e respondidos pela metrópole. (MELAZZO, 2012). Todo esse processo de desconcentração industrial teve seu auge nos anos 90 e proporcionaram mudanças no espaço ao redor das indústrias, porém hoje o que se observa em Resende é uma cidade que se encaixou no modelo contemporâneo de cidade, independente dos resultados da indústria, e sofreu uma reestruturação econômica baseada em serviços e mercado imobiliário e desempenha papel fundamental dentro da sua microrregião. 2. O Surgimento de um sub-centro - Cidade Alegria Buscamos entender, nesta parte, o processo de transformação territorial de Resende a partir de sua expansão urbana, e principalmente compreender como as políticas de desenvolvimento econômica industrial intensificaram vetores de expansão e evidenciaram com isso práticas sócio espaciais de segregação. Essas políticas são impulsionadas a partir da década de 1950 e intensificadas a partir da década de 1990, com a instalação das cadeias produtivas metalmecânica e siderúrgica, e ao processo de urbanização de Resende. O processo recente de desenvolvimento urbano capitalista de Resende, foi responsável pela ocupação urbana desigual principalmente para região oeste da cidade, na área conhecida como Grande Alegria. Essas práticas urbanas nos revelam a fase perversa no seio do desenvolvimento capitalista, a profunda desigualdade social nas cidades. Com as políticas de desenvolvimento a partir da década de 1950 e posteriormente o processo de urbanização de Resende a parte oeste da cidade passou a ter uma alta concentração demográfica. Esta alta concentração requer infraestrutura, onde o poder público está inteiramente ligado a este jogo. Primeiro criando incentivos para a chegada das indústrias, e com isso criando infraestruturas para a produção e 334 reprodução capitalista. Alguns grandes empreendimentos se destacam nesta dinâmica urbano-industrial: a instalação da Indústria Química de Resende (IQR), no ano de 1957, hoje Indústria Clariant S.A, e a construção do Conjunto Habitacional Cidade Alegria (CHCA), no início dos anos 1980, produzido pela Companhia Habitacional de Volta Redonda (COHAB-VR em convênio com a Prefeitura de Resende e com recursos do antigo Sistema Financeiro de Habitação. (CARDOSO, 2013). Com a instalação da indústria automotiva através das fábricas da Volkswagen Ônibus e Caminhões, em 1996, e da PSA Peugeot Citroën, em 2001, Resende passa por uma lógica de reestruturação urbana, onde há a partir dessa lógica a construção de um possível subcentro no município, no bairro popular da cidade alegria.(SOUZA, 2010). A Grande Alegria foi loteada principalmente a partir de 1980, onde todos os empreendimentos eram próximos de áreas industriais. A construção do conjunto habitacional Cidade Alegria, o primeiro conjunto a ser criado, foi um marco no desenvolvimento da cidade e da expansão da ocupação das terras na direção oeste a fins de moradias populares. Essa expansão revela políticas de desenvolvimento urbano industrial marcadas por um processo clássico de construções de periferias. Logo após a construção desse conjunto sucederam outros, se estendendo a construção de diversos bairros com temporalidade diferentes: o Jardim Primavera I, II e III e Toyota I e II, Jardim Beira Rio, Jardim Alegria, entre outros. Esses conjuntos habitacionais seguem um padrão de construção e expandiram a região oeste da cidade, em uma paisagem marcada socialmente por segmentos de classe média e classe média baixa. A Grande Alegria é a área que permeia todos esses bairros, sendo a Cidade Alegria o bairro mais antigo e populoso da área. Sua ocupação origina-se da construção do primeiro conjunto habitacional da parte Oeste, o conjunto habitacional Cidade Alegria, que foi um grande atrativo para o local. Figura 2. Área da Grande Alegria Fonte:Wikimapia 335 Na época a construção do bairro era considerada remota, principalmente pela falta de infraestrutura e a distância do centro. Hoje o bairro já é assistido com infraesturura, serviços, comércio, setores de saúde e transporte, o que constituí um atrativo para a população de outros bairros da Grande Alegria. Com o crescimento demográfico e devido ao distanciamento desses bairros com a área central, se faz necessário meio que possibilitem a reprodução social, surge assim um sub-centro na área da Grande Alegria, localizado na Cidade Alegria que foi o primeiro eixo de expansão na parte Oeste do município. Assim se materializam subcentros a partir de uma nova lógica de reestruturação urbana, que está diretamente ligado à expansão urbana, onde há cada vez mais o distanciamento entre centro e periferia, gerando diferentes espacializações dos equipamentos urbanos, agravando as desigualdades sociais. Foto 1. Supermercado na Cidade Alegria. A desconcentração dos serviços ratificam o surgimento de um sub-centro. Fonte: Elaborada pelas autoras 336 Foto 2. Comércio na Cidade Alegria. Rua comercial do Bairro Cidade Alegria. Fonte: Elaborada pelas autoras. 3. Segregação Sócio-Espacial na Região da Grande Alegria O trabalho centrou-se no estudo da atual morfologia urbana expressa na região da Grande Alegria, e para entender todo esse contemporâneo cenário é preciso discutir o processo de segregação que age na cidade. Sposito (SPOSITO,2013) destaca que a palavra segregar é de sempre natureza espacial, ou seja, é um processo expressado no espaço resultado de relações sociais de diferentes grupos que vem a necessidade de separar a partir de seu modo de vida, rompendo o conceito de cidade e a possibilidade de participação e convívio dos indivíduos que movem a vida urbana. No caso de Resende, vamos tratar da segregação e a autossegregação, trabalhado por Corrêa (CORRÊA, 1989), como par que funciona dialeticamente e constitui uma região fragmentada, que não compartilha e não convive, apesar de coexistirem em um mesmo espaço. A questão segregação é muito mais complexa, e não é somente explicada por distanciamentos sociais, e podem ser contextualizadas de acordo com a escala temporal a ser estudada. No caso de Resende o que se observou foi a revelação dessas distâncias no plano espacial desde a instalação de conjuntos habitacionais na porção oeste da cidade, até a dinâmicas mais atuais com os condomínios fechados. 337 Resende inicialmente configurou uma forma de segregação típica de afastamento espacial, onde o crescimento do tecido urbano originou áreas mais afastadas do centro, na qual a população se constituiu a partir de políticas habitacionais a classes mais baixas, em um processo de periferização. Tratamos aqui a segregação não pela distância da área com o centro, mais sim pela dificuldade de acesso dos meios de produção e reprodução desse centro. O processo de periferização aqui citado está relacionado ao modo de produção capitalista do espaço, no qual a terra passa ser um produto a ser comercializado, onde áreas centrais são bem mais valorizadas devido a sua vantagem locacional (GOTTDIENER,2010,176), assim a população economicamente menos favorecida é "expulsa" para áreas mais afastadas. O poder público com a criação de conjuntos habitacionais tem um papel fundamental nesta dinâmica, pois facilita o acesso a moradia nessas áreas rarefeitas criando certa infraestrutura para a população com menor poder aquisitivo. Recentemente, a forma urbana passou por alterações e a relação de centro e periferia foi rompida com a instalação de condomínios fechados na região da Grande Alegria, o que mostra e reafirma o que já discutido anteriormente, que não é somente a distância que vai expressar as segregações. Agora os condomínios co-habitam em um mesmo espaço com conjuntos habitacionais e sua separação vai ser baseada em barreiras físicas como muros e portões. A distância social existe e essa não será superada, porém a distância espacial já não é mais suficiente para explicar os processos de segregação, que de acordo com a evolução urbana tendem a se complexar ainda mais. Segundo Carlos, a segregação é o resultado da contradição que produz o espaço urbano, que é dialeticamente o valor de uso e valor de troca. (CARLOS, 2013). Segregar aos moldes contemporâneos está ligado ao valor de troca do espaço, no qual a cidade funciona como mercadoria e o mercado imobiliário encontra no espaço uma maneira de acumular capital. Esse espaço como mercadoria também implica aos acessos, que agora vão ser restritos a iniciativa privada e aqueles que podem pagar. A construção de uma cidade fragmentada em porções distintas uma das outras, revela a segregação em seu grau mais elevado, tornando privado o solo urbano, que cabe discutir sua legitimidade. Vale ressaltar a contradição homogeneidade-fragmentação, pois é necessário se pensar o espaço para dentro dos muros, um espaço homogêneo que não há intercambialidade. E para fora dos muros a realidade distinta, baseada na reprodução do espaço fragmentado. 338 Outro ponto muito discutido por Carlos (2013) e Sposito (2013) é quanto à crise do espaço público nesse modelo de cidade, no qual o cercamento de áreas que permitiriam as relações sociais para a produção do espaço urbano estão cada vez mais privatizadas, em seu sentido literal da palavra, em privar o acesso e o uso. O valor de uso, como condição necessária a realização da vida (CARLOS, 2013) está sendo superado pelo valor de troca propiciando o encolhimento da esfera pública o que nos volta a debater o que já foi iniciado por Lefebvre, acerca do direito à cidade. Essas questões de segregação, fragmentação e crise do espaço público colocam em pauta o esgotamento da cidade como forma de reprodução de relações sociais a partir do momento que a demanda do capital e do valor nos espaços cercam áreas que possibilitariam trocas entre os indivíduos, e na autossegregação e enclausuramento de uma parte da população “presa” atrás dos muros. 3.1 Os conjuntos habitacionais Como dito anteriormente a Grande Alegria é a área que inclui os bairros da parte oeste do município de Resende. Vamos tratar aqui a Grande Alegria como uma região, onde suas características se permeiam na paisagem construída por conjuntos habitacionais. Esta paisagem que recentemente ganha um novo perfil, a de moradores de classe média alta, com alta renda, em condomínios de luxo. Onde ao envolta dos bairros pobres se constitui os bairros ricos. Com a expansão urbana de Resende e com o crescimento demográfico, pela atração dos investimentos, a ocupação urbana se fez cada vez mais distante do centro, este crescimento trouxe consigo a necessidade de habitação. O poder público começa a criar soluções em larga escala, criando os conjuntos habitacionais. Pimeiramente foi construído o conjunto habitacional cidade alegria e posteriormente vários outros conjuntoshabitacionais, desbravando esta parte do município, transformando cada vez mais a área rural em urbana. Em paralelo começa a crescer as autoconstruções, produzindo em conjunto com os loteamentos, uma paisagem marcada por segmentos de classe média e classe média baixa. Esses conjuntos habitacionais tiveram grandes dimensões, em função de seus tamanhos eles constituíram centralidades próprias, produzindo bairros. Porém esses conjuntos desde sua gênese possuíam um conteúdo de baixa renda, além de serem produzidos em áreas distantes do centro, sem assistência de infraestrutura e com 339 precário sistema viário. Portanto a partir desses loteamentos se criou uma grande região periférica na cidade de Resende, Grande Alegria, onde nesta se constituí diversos bairros populares. Os conjuntos habitacionais seguem um padrão, não possuindo variedade nem diversidade de construções, por onde se anda na Grande Alegria pode se ver esses loteamentos. Assim como na maioria dos conjuntos habitacionais, estes são constituídos na franja da cidade, construídos em espaços rarefeitos, revelando uma precariedade tanto em suas construções como social. Foto 3. Conjunto habitacional Cidade Alegria. Fonte: Elaborada pelas autoras 340 Foto 4. Conjunto habitacional Cidade Alegria. Fonte: Elaborada pelas autoras. 3.2 Enclaves Fortificados A partir do surgimento dessa nova centralidade no Município de Resende, com o espraiamento da própria cidade, uma produção sócio-espacial foi observada caracterizada especialmente pela construção de um cinturão de condomínios fechados na franja do município, na região da Grande Alegria. A Grande Alegria que desde seus primórdios teve origem popular, com unidades habitacionais destinadas à classe baixa e operária da região, atualmente começa experimentar novas formas de produção desse espaço com a chegada de empreendimentos voltados para uma outra parcela da população, uma parcela que tem condições e pode usufruir dos benefícios oferecidos nos limites dos portões. Enclaves fortificados geram cidades fragmentadas em que é difícil manter os princípios básicos de livre circulação e abertura dos espaços públicos que serviram de fundamento para a estruturação das cidades modernas. Consequentemente, nessas cidades o caráter do espaço público e da participação dos cidadãos na vida pública vem sendo drasticamente modificado (CALDEIRA, 1997). 341 Figura 3. Avenida que separa a Grande Alegria dos condomínios fechados dos conjuntos habitacionais. Fonte:Wikimapia A avenida carrega consigo essa denotação de demarcar e segregar essas duas realidades tão diferentes na região e que são expressas na paisagem, principalmente pela estética e arquitetura das moradias. Na parte baixa da região, à noroeste, estão os conjuntos habitacionais, que concentram uma população de baixa renda e a maioria do comércio dessa centralidade da Grande Alegria e a parte alta, à sudoeste, estão os condomínios fechados, caracterizados pelos seus muros, portões e cancelas que só reafirmam o caráter segregador desses empreendimentos. Vale ressaltar que as diferenças estão para além da paisagem, na verdade, ela só é o reflexo de uma diferença social abrupta na Grande Alegria, que produz uma descontinuidade no espaço. Esses condomínios são compostos por famílias de alto padrão, empresários e funcionários de altos cargos nas indústrias locais, ou seja, são moradores que podem pagar para usufruir das regalias oferecidas pelos condomínios. A localização desses empreendimentos, na franja do município de Resende é explicada pelas ofertas de espaço, já saturada no centro e a fuga do caos decorrente das grandes e médias cidades. O que justifica o discurso de mercado desses condomínios que oferecem espaço e tranqüilidade. A segurança é outro atrativo para o mercado imobiliário. Já é conhecido que com o crescimento das cidades, no caso de Resende, essa cidade média, a violência concomitantemente também cresce e a política do medo cria força nesse contexto e aterroriza a população. Morar em um local fechado por muros e portões, significa ter segurança e estar imune da violência que aflige a cidade. A Grande Alegria é muito conhecida pela violência, o que fortifica o mercado imobiliário usar o pretexto da segurança para segregar ainda mais. 342 Apesar da Grande Alegria desempenhar um papel de centralidade no município com ofertas de serviços e mercado de trabalho para população local, os moradores dos condomínios não utilizam desses serviços e sempre optam pelo centro de Resende para atender suas demandas, poupando ao máximo a mistura com os moradores das áreas mais críticas da região. O que justifica a localização dos enclaves às margens da Avenida Professor Coronel Antônio Esteves, que leva até o centro sem precisar passar pela Cidade Alegria (principal bairro da região da Grande Alegria). Com a chegada desses novos empreendimentos, que são teoricamente recentes, a oferta de mercado de trabalho foi ainda mais ampliada. Atualmente, além do próprio centro empregar a população local nos serviços oferecidos, há também oferta de empregos para dentro dos muros. A maioria, ou se não, todos funcionários dos condomínios são da Grande Alegria, sendo de bairros mais críticos, como Toyota e Jardim Primavera. Ocupam-se de pedreiros, porteiros, empregadas domésticas, jardineiros, vigias, profissões estas, que não requer alta grau de escolaridade. Todo este contexto veio proporcionar a diminuição nas distâncias percorridas e tempo gastos para chegar ao trabalho, porque os próprios moradores da Grande Alegria ocupam as vagas de emprego oferecidas na própria região, sem precisar ir ao centro para procurar trabalho. Esse novo cenário funcional observado na Grande Alegria só ratifica o papel de nova centralidade assumida pela região no município. Foto 5. Entrada do condomínio Casa da Lua . Segurança oferecida com uso de cancelas. Fonte: Elaborada pelas autoras. 343 Foto 6. Entrada do condomínio Morada das Agulhas. Portões que protegem e segregam. Fonte: Elaborada pelas autoras. Os loteamentos e os condomínios fechados, voltados para segmentos de classe média, como Boa Vista I e II, a Casa da Lua, o Morada das Agulhas, Mirante das Agulhas, Morada do Bosque, Morada da Colina I, II e III, Bela Vista e os mais recentes e produzidos nas terras da antiga Fazenda Limeira, o Limeira Town House, Residencial Limeira Tênis Clube e o Terras Alpha Resende ocupam as terras mais bem localizadas da região e formam uma espécie de cinturão de bairros de classe média alta e de alta renda que circunda os bairros populares da Grande Alegria a partir do eixo viário. Cinturão este que expressa a segregação social no território (CARDOSO, 2013). Resende nos últimos dez anos vem protagonizando diferentes investimentos econômico-industriais, destacando-se na chegada de novas cadeias produtivas. Na atividade industrial com o setor siderúrgico, o Grupo Votorantim, que se instalou na própria região da Grande Alegria, em 2009. E na construção e incorporação imobiliária, que atualmente representa o principal motor da economia gerando novos produtos de mercado e é o setor que mais tem empregado na região, como os condomínios fechados e, mais recentemente, o “bairro fechado” do loteamento AlphaVille, voltados para os segmentos sociais de classe média-alta e de alta renda. Na mesma direção dos investimentos mais recentes do capital imobiliário, grandes redes de comércio atacadista e de shopping centers, se instalaram a partir de 2011. (CARDOSO, 2013). Todo esse 344 cenário vem dinamizando e diversificando o mercado consumidor do município com diversas formas de produzir capital. 4. Natureza para poucos: Terras Alpha Resende O mais recente investimento imobiliário em Resende, que também percorre o eixo viário dos enclaves fortificados, é o Terras Alpha Resende, que pertence ao grupo, muito conhecido no setor imobiliário pelos seus grandes empreendimentos horizontais, bairros planejados e núcleos urbanos, o AlphaVille. A empresa vende mais que lotes, vende uma marca de morar sustentavelmente, o que à leva agregar mais valor do que os outros condomínios. As Terras Alpha Ville, estão para além da segurança e tranquilidade, elas oferecem um modo de vida sustentável e de proximidade do que é dito como natural, privando uma boa parte da população de usufruir desse espaço. Figura 4. Terras Alpha Ville – Seguindo a mesma linha dos enclaves fortificados. Fonte: Wikimapia A filosofia do grupo Alphaville trata-se de criar um produto para o mercado imobiliário que possua algumas características de valor agregadas, entre estas um estilo de vida bucólico e produtor de uma sociabilidade de auto-segregação que se manifesta em uma dinâmica de vida que busca a auto-suficiência para dentro dos muros do próprio loteamento (CALDEIRA,2000). A ação segregadora desses empreendimentos se constitui com base nos atributos oferecidos para quem vive pós-muros. A lógica está no ideal de harmonia do morador com a natureza e privacidade, perdidos com o crescimento das cidades. Então o Alphaville surge como solução de resgate desses costumes primitivos de relação homem e natureza. 345 Oferecer um bairro, com lotes grandes e com ideário da proximidade da natureza em uma cidade que vem sofrendo intensas modificações nos últimos anos e conseqüentemente sendo atingida pelas mazelas das cidades médias, torna-se objeto de desejo de qualquer morador. Com isso, o capital imobiliário se apropria da natureza de forma a conferir ao ambiente uma espécie de “marca” distintiva dos negócios que agrega valor aos novos produtos imobiliários e permite, assim, a extração da renda fundiária decorrente dos preços de monopólio (MARX,1988). Porém, vale ressaltar, quem são esses moradores que podem usufruir deste espaço fechado? Os novos anseios e ideais urbanos de moradia não se limitam mais à casa como propriedade particular, mas se estendem à privatização de seu entorno. Esses empreendimentos além de enalteceram a propriedade privada a sua privatização está atravessando as próprias moradias, e estão privatizando o espaço, criando mais do que um bairro planejado, mas uma cidade dentro de outra, uma cidade seletiva, que veicula ser melhor do que a que está fora dos muros, com mais opções de lazer, e principalmente segura. O AlphaVille é só mais um exemplo dessa cidade paralela e individualista, uma das marcas do atual período neoliberal, que não se restringe apenas às falas e às ações, mas se materializa em formas espaciais voltadas à exclusividade. Cria-se, assim, uma privatização do espaço público, no sentido mais amplo do termo. Troca-se a noção de cidade aberta ao que é coletivo e comum por outra que privilegia um ideal de exclusividade. Segurança, lazer, educação, saúde, transportes e moradia se tornam mercadorias acessíveis somente aos que podem pagar por elas. (MELGAÇO,2012). Em Resende, ou qualquer outra cidade média ou grande, essa tendência contemporânea de descontinuidades no território à partir dos enclaves fortificados tem sido cada vez mais evidente, e ao contrário do que se pensa ou veicula, os condomínios fechados não estão produzindo a segurança garantida pelo mercado imobiliário, mas estão fortificando as instabilidades sociais, fazendo da cidade um local de disputas e confrontos, potencializando as diferenças, reforçando os preconceitos e reproduzindo a segregação sócio-espacial. Ao invés de promoverem a existência de uma cidade para todos, os condomínios fechados têm servido como instrumento urbanístico para a construção de uma cidade de poucos (MELGAÇO,2012). 5. Considerações Finais 346 A cidade de Resende considerada uma cidade média está perpetuando alguns problemas típicos de cidades grandes como por exemplo a segregação sócio-espacial, esta nos mostra a fase perversa do desenvolvimento. A Grande Alegria é uma consequência da expansão urbana associada à políticas públicas e interesses privados, esta região nos mostra uma paisagem repleta de desigualdades, em seu interior espaços mais pobres, com segmentos de classe média e baixa, sendo os conjuntos habitacionais uma marca dessa paisagem, e ao entorno surge espaços mais elitizados, com segmentos de classe média alta, os condomínios fechados definem uma área onde os muros são verdadeiras fronteiras que separam espaços e conteúdos sociais distintos. Portanto cabe analisar como políticas de desenvolvimento que são ligadas a exigências capitalistas, podem produzir novas formas de produção e ocupação urbana, Estruturando problemas que estão enraizados neste sistema, como a segregação sócioespacial urbana. 347 Referências Bibliográficas BIZERRA, Maria Salete da Silva, Desenvolvimento de subcentros em bairros residenciais: políticas públicas ou ações articuladas dos moradores. 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São Paulo: Contexto, 2013 349 AGLOMERADOS SUBNORMAIS COMO EXPRESSÃO DE DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS EM ARAGUAÍNA-TO105 Roberto Antero da Silva106 Resumo Este artigo discute particularidades do processo de favelização em Araguaína - TO, focando nos aglomerados subnormais, considerados como expressão de desigualdades socioespaciais na cidade. Para estudo de caso foi selecionado parte do setor censitário Santa Rita, classificado como subnormal. O recurso metodológico utilizado consta de revisão bibliográfica, dos dados e informações oficiais do Censo Demográfico 2010 (IBGE) e pesquisa de campo. A pesquisa sobre o aglomerado subnormal Santa Rita demostrou carências e/ou ausência de infraestruturas e serviços básicos, condição de população em desvantagem socioeconômica e no acesso à terra urbana e moradia, o que fornece confirmação que as desigualdades sociais e espaciais são marcantes. Palavras-chave: Araguaína-TO. Aglomerados subnormais. Desigualdades socioespaciais. Introdução Na urbanização apreendida em Lefebvre (2001, 2004) as contradições socioterritoriais da sociedade capitalista tendem a agravar e ampliar as desigualdades socioespaciais e é intrínseca aos conflitos no espaço, em que a classe trabalhadora luta pela acesso e uso da cidade, com a conquista dos direitos básicos a trabalho, moradia e aos serviços públicos. Araguaína, localizada ao norte do estado do Tocantins é vista como uma cidade média da Amazônia Legal brasileira, funcional ao capitalismo (Figura 1). Esta cidade é o centro regional distribuidor de bens e serviços com dinamismo no comércio varejista e oferta dos serviços de saúde e educação superior; é fornecedora de carne bovina ao mercado mundial. Recebe ainda denominações que reforçam a função econômica como, “capital do boi gordo”, “capital econômica estadual” e “metrópole do futuro” (SILVA, 2012). Nas periferias da principal cidade, da rede urbana tocantinense, bolsões de miséria e pobreza ficam camuflados, encobertos, por revigorantes discursos e práticas que exacerbam a prosperidade econômica. 105 Este artigo contempla reflexões da tese doutorado em andamento intitulada “Desigualdades socioespaciais em Cidades Média: um estudo de Araguaina-TO”, que vem sendo desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará (UECE) com orientação da profª Dra Adelita Neto Carleial 106 Professor Assistente II da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), vinculado ao Laboratório de Estudo de População (LEPOP), orientado pela profª Dra Adelita Neto Carleial 350 Seguindo a concepção de Carleial e Araújo (2010, p. 11) o estudo sobre a cidade só é suficiente quando analisa “suas contradições, relações desiguais, tensões entre os que têm acesso aos serviços e bens produzidos no espaço urbano, e aqueles que estão na categoria de não consumidores e sem direitos”. Figura 1 – Localização de Araguaína - 2010 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. Elaboração: SILVA, R.A. Laboratório de Estudos de População (LEPOP). Diagramação: Victor Régio Bento. Se as cidades médias vêm adquirindo importância na rede urbana brasileira, principalmente pelo dinamismo econômico e demográfico que apresentam, também torna-se relevante instigar sobre o reconhecimento dos problemas urbanos e desigualdades socioespaciais nestas cidades. A crescente disseminação da favelização nas cidades é compreendida como resultante e expressão destas desigualdades. Abordar a temática, é refletir sobre a urbanização regida pelo modo de produção capitalista e suas relações desiguais no acesso moradia, infraestrutura social e econômica. Este artigo discute particularidades deste processo de favelização em Araguaína - TO, focando nos aglomerados subnormais, considerados como expressão de desigualdades socioespaciais na cidade. Para estudo de caso foi selecionado o setor censitário Santa Rita, classificado como subnormal. O recurso metodológico utilizado consta de revisão bibliográfica, dos dados e informações oficiais do Censo Demográfico 2010 (IBGE) e pesquisa de campo. Ao utilizar a designação censitária, de setores e aglomerados subnormais, reconhece-se as controvérsias e limitações metodológicas que não permitem seu uso como indicadores comparativos de desigualdades socioespaciais entre cidades e regiões. 351 Considerar os aglomerados subnormais, como uma expressão de desigualdades socioespaciais de Araguaína, não significa afirmar que a pobreza urbana é exclusiva destes espaços, mas ao contrário, que é muito numeroso por toda a cidade. O artigo está estruturado da seguinte forma: no início, apresenta-se a formulação do conceito e a metodologia utilizada para identificação de aglomerados subnormais pelo IBGE, contextualizando brevemente o fenômeno no panorama nacional e na cidade de Araguaína. Na sequência, para subsidiar discussão de que os aglomerados subnormais são espaços de agrupamentos de desigualdades socioespaciais, foram considerados dados estatísticos disponibilizados pelo IBGE e pesquisa de campo no setor censitário Santa Rita, com ênfase no setor Presidente Lula uma de suas subdivisões. 2 Aglomerados subnormais como indicadores de desigualdades socioespaciais Aglomerado subnormal é um termo genérico para designar áreas de moradia popular mais conhecidos por favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, entre outros. A denominação, conceituação e identificação é realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que utiliza como base os seguintes critérios: Um conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais (barracos, casas etc.) carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e densa. A identificação dos aglomerados subnormais deve ser feita com base nos seguintes critérios: a) Ocupação ilegal da terra, ou seja, construção em terrenos de propriedade alheia (pública ou particular) no momento atual ou em período recente (obtenção do título de propriedade do terreno há 10 anos ou menos); e b) Possuírem pelo menos uma das seguintes características: urbanização fora dos padrões vigentes - refletido por vias de circulação estreitas e de alinhamento irregular, lotes de tamanhos e formas desiguais e construções não regularizadas por órgãos públicos; ou precariedade de serviços públicos essenciais (IBGE, 2011, p. 19). Para Silva (2014, p. 29) na classificação são consideradas características como precariedade dos domicílios, dos serviços urbanos e dos padrões urbanísticos, a densidade de ocupação, a situação fundiária e o número de domicílios, que aparece em destaque, pela exigência de um quantitativo superior a cinquenta domicílios constituídos de maneira contígua. Outros critérios relevantes para identificação dos aglomerados subnormais e a irregularidade fundiária dos assentamentos combinada com precariedade de urbanização 352 e/ou de serviços públicos de abastecimento de água, de esgotamento sanitário, de coleta de lixo e fornecimento de energia elétrica. O recorte territorial designado como Aglomerado subnormal é formado por um ou diversos setores censitários, que são assim classificados de modo prévio ao censo demográfico. Por sua vez, setor censitário é a desagregação mínima para coleta de informações durante o censo, correspondente a área a ser percorrida por um só recenseador. Comparando com os bairros de uma cidade, um setor censitário pode abranger apenas uma parte de um bairro; assim como pode ser formado por mais de um bairro (IBGE, 2011; MARQUES et al.,2009). No Brasil foram identificados 6.329 aglomerados subnormais distribuídos em 323 municípios, concentrando 6% da população brasileira distribuídos em todas nos vinte e sete estados e distrito Federal, com maior prevalência nas metrópoles e regiões metropolitanas, mas também com presença em cidades médias e pequenas (IBGE, 2011). A maior taxa de população residente em aglomerados subnormais é do estado do Pará, com 16,7%, seguido pelo Amapá, com 16,2% e Rio de Janeiro, com 12,7% (IBGE, 2011). Estes indicadores minimizam a situação de Tocantins com apenas 0,53% da população residindo em áreas subnormais. Pesquisadores e estudiosos sobre favelas direcionam críticas107 ao conceito trabalhado pelo IBGE, principalmente em relação a subestimação de dados que ocorre principalmente pela exigência de um quantitativo miminho de 51 domicílios em área contigua e sobre a questão fundiária, especialmente pela incapacidade de verificação da situação da posse do terreno (Silva,2014) Maricato (2002), por exemplo reconhece as dificuldades em obter números confiáveis sobre favelas no Brasil, pois apenas o IBGE apresenta dados a nível nacional mas que são subdimensionados. MARQUES et.al, (2009) endossa este posicionamento pois entende que pela ocorrência do processo de favelização nas cidades brasileiras, o aglomerado subnormal estaria mais para uma situação de normalidade da moradia brasileira. Apesar das críticas, o conceito adotado pelo IBGE tem uso recorrente e especialistas expressam sua importância como afirma Taschner (2001, p.16): “mesmo sabendo do possível erro embutido na quantificação de favelas e favelados nos Censos Demográficos, sua utilização para caracterização de aspectos da moradia e da população é preciosa”. Deste modo a observação dos aglomerados subnormais evidenciam significativa parcela da população brasileira em condições precárias de moradia sem direito a infraestrutura e serviços urbanos públicos. 3. Os aglomerados subnormais de Araguaína 107 Para mais detalhes sobre aglomerados subnormais consultar o artigo SILVA, R.A. Aglomerados subnormais: definição, limitações e críticas. Revista GeoUECE Número Especial, p. 26-41, dezembro de 2014. Disponível em http://seer.uece.br/geouece 353 Em Araguaína, é possível abordar as desigualdades socioespaciais como singularidade do aglomerado subnormal examinado na pesquisa, Santa Rita, confirmando a possibilidade de evidenciar particularidades locais do fenômeno. Mas segundo o IBGE (2011) somente em Araguaína haveria aglomerados subnormais, isentando desse fenômeno as demais cidades de Tocantins. Este agrupamento de assentamentos irregulares nesta única cidade da rede urbana estadual é controverso. Palmas e Gurupi são outras principais cidades de Tocantins que destacam-se pelas funções econômicas e política que desempenham, e conforme o critério do IBGE não haveria problemas urbanos relacionados à moradia precária, a carência econômica, social. Palmas, planejada e estrategicamente construída na região central do estado para desempenhar a função de capital, tem população de 228.332. Para Brito (2009) além da incumbência político administrativo, tem papel concentrador das atividades comerciais e de serviços no Tocantins que se estendem ao Sudeste da Amazônia Oriental. Gurupi é terceira cidade em importância econômica e quantitativo de população do Tocantins, atrás de Palmas e Araguaína que respondem pela primeira e segunda posição nestes quesitos. Está localizado ao sul do estado e possui população de 76.755 habitantes. A pesquisa realizada por Marques et. al (2007), contesta os resultados sobre aglomerados subnormais do Censo Demográfico de 2000. Ele utiliza o termo setores precários e outra metodologia para comparar assentamentos com características socioeconômicas, demográficas e habitacionais similares às dos setores subnormais, mas que não tenham sido classificados como tal. No Tocantins não havia nenhum município com setor censitário classificado como subnormal. Ao incluir Palmas no estudo, Marques et. al (2007) identificou que 7,41% da população da capital residia em setores precários. O problema pode então, está relacionado a falhas metodológicas na identificação destes aglomerados pelo IBGE, que subdimensionam os dados. Para Araguaína, um reconhecimento dessas áreas colabora na compressão das desigualdades socioespaciais, e na discussão de problemas metodológicos da classificação censitária. São identificados, pelo IBGE, como setores subnormais nesta cidade: Ana Maria, Jardim das Mangueiras, Monte Sinai, Parque Bom Viver I, Santa Rita e Vitória (Mapa 2). Esses setores são periféricos, distantes da área central e dos principais equipamentos urbanos. Acompanham a maior intensidade da expansão urbana de Araguaína, nas direções leste e norte, com concentração ao leste da rodovia Belém-Brasília, com exceção do aglomerado Monte Sinal disposto a oeste da rodovia federal e próximo ao aeroporto da cidade. São assentamentos de moradia ocupados recentemente, a exemplo do Santa Rita e Monte Sinai com processo iniciado em 2009. O mais antigo é Jardim das Mangueiras, que teve ocupação entre o final da década de 1980 e início de 1990. Ocupam as bordas extremas da cidade, avançando para Área de Proteção Ambiental (APA) das nascentes de Araguaína. Os setores Ana Maria, Santa Rita e Vitória são 354 exemplos dessa expansão urbana para áreas de preservação ambiental ocasionando problemas relacionados a saúde pública e ao meio ambiente. A condição jurídica de ocupação é uma caraterística comum, com irregularidade fundiária em todos, seja por invasão ou loteamento clandestino. Essa é uma característica que se estende de modo significativo para a cidade. A precariedade dos serviços públicos urbanos como coleta de lixo, abastecimento de água, coleta de esgoto e fornecimento de energia elétrica, observada pela metodologia censitária avalia como critério determinante apenas a existência ou não, desconsiderando a frequência da oferta e a observância da qualidade. Figura 2 – Localização dos aglomerados subnormais de Araguaína -2010 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. Elaboração: SILVA, R.A. Laboratório de Estudos de População (LEPOP). Diagramação: Victor Régio Bento Em quantitativo de domicílios (Tabela 1), predominavam os pequenos aglomerados subnormais, que se apresentavam de maneira fragmentada no conjunto urbano, com exceção do Vitoria e Ana Maria separados apenas pela Avenida Filadélfia. A densidade média de moradores é mais alta que nas outras áreas urbanas. A média de Araguaína é de 3,4 moradores por domicilio enquanto que nos aglomerados subnormais é de 3,5. Tabela 1 – Aglomerados subnormais por domicilio e população residente - Araguaína\ 2010 Aglomerados subnormais Domicílios 355 População total residente em aglomerados subnormais Ana Maria 336 1 146 Jardim Mangueiras das 229 835 Monte Sinai 623 2 242 Parque Bom Viver l 259 886 Santa Rita 170 602 Vitória 480 1 653 Total 2 097 7 364 Fonte: IBGE (2011) Araguaína tem uma proporção de quase 5% da população residindo nestas áreas, bem próximo do índice nacional. O Monte Sinai é o que possui maior quantitativo de população, mas é o setor censitário Santa Rita que vem experimentando maior dinâmica socioespacial, como será abordado em seguida. 4 Aglomerado subnormal Santa Rita: espaço marcado por desigualdades socioespaciais A discussão sobre os aglomerados subnormais como espaços de agrupamentos de desigualdades socioespaciais em Araguaína, é apoiada pelo estudo de caso do Santa Rita, um deste setores subnormais, com maior nível de detalhamento no Setor Presidente Lula, uma de suas subdivisões. O aglomerado Subnormal Santa Rita e formado por subdivisões internas, correspondentes a bairros108: o Setor Presidente Lula, a Vila Maranhão, o Setor Sul e parte do Loteamento Araguaína Sul109. Os critérios utilizados aqui para identificação da condição de desigualdade socioespacial é a deficiência e/ou ausência de Infraestruturas e serviços públicos essenciais para a população e a apreciação de indicadores socioeconômicos coletados em pesquisa de campo. Foram, também, considerados como pertinentes a observações de aspectos da paisagem e a evidência da presença de migrantes empobrecidos. Rodrigues (2008, p. 78) menciona que a “desigualdade expressa pelas áreas de pobreza representam, na lógica dominante, problemas relacionados com o aumento da população, em especial da população migrante”. 108 Bairro, Setor, Vila, Loteamento são nomenclaturas de uso frequente para os recortes intra-urbano de Araguaína em geral cognominados pela própria população local, já que legalmente não uma divisão por bairros na cidade. 109 O Setor Sul e o loteamento Araguaína Sul, apesar desta denominação, estão localizados na porção leste da cidade. 356 Pretende-se aferir como este assentamento de moradia precária, Santa Rita, pode ser caracterizado na urbanização de Araguaína como um dos espaços de marcantes desigualdades sociais, com repercussões no espaço geográfico da cidade. Na qualificação de aglomerado subnormal pelo IBGE (2011) são considerados características como tamanho, localização, acessibilidade, questão fundiária, densidade de ocupação e características dos domicílios, incluindo os serviços públicos disponíveis. A limitação da metodologia do IBGE, apontada por Marques et. al (2007), é a de que cidades com dinamismo econômico tendem a possuir crescimento de população mais acentuado e os dados rapidamente ficam desatualizados. A delimitação dos setores que serão considerados como subnormais é prévio à pesquisa e realizada a partir das informações do último recenseamento complementada por dados fornecidos pelo governo municipal (MARQUES et. al, 2007). Este é o caso do Setor Presidente Lula que teve formação no início do ano de 2010 quando a delimitação dos setores censitários pelo IBGE já havia sido realizada, então, oficialmente, não existia. Os dados censitários disponíveis referentes ao aglomerado subnormal Santa Rita são subestimados, pois as informações do Setor Presidente Lula não foram contabilizadas no último Censo Demográfico. O Setor Presidente Lula ajuda explicar a dinâmica e expansão urbana de Araguaína que na última década teve aumento populacional superior a 33%, e a pesquisa pormenorizada neste setor, contribui para atualização de informações territoriais e socioeconômicas da cidade. Entretanto, a crítica referente a desatualização de informações estatísticas sobre os aglomerados subnormais pode ser suavizada, já que nenhum dado ou pesquisa tem capacidade de captar de forma perfeita a realidade. O Santa Rita é uma área com escasso ou nenhum interesse do mercado legal de terras, e deste modo, os terrenos ali existentes, literalmente, “sobram” e passam a ser alternativa de acesso à moradia para populações com menos recursos financeiros. Ele possui uma baixa densidade de ocupação, caraterizada por seguidos terrenos sem uso; as vias de circulação apesar de largas, não são alinhadas, os lotes possuem tamanhos e formas semelhados, mesmo nas áreas de invasão. São características que diferenciam este tipo de setor censitário (Fotografia 1). Fotografia 1 – Aspectos do aglomerado subnormal Santa Rita Fonte: SILVA, R.A. Pesquisa de campo. Fev.2014. 357 Este Setor corresponde a definição censitária com observância dos critérios de precariedade e/ou ausência de equipamentos e serviços públicos essenciais; de construções não regularizadas por órgãos públicos; e o de que significativa parte da área é constituída por invasão. Está localizado na porção leste da cidade, limítrofe ao município de Babaçulândia. A área é de difícil acesso pela precariedade das ruas que apenas recentemente foram abertas, mas rapidamente danificadas pela ação de processo erosivo pluvial que atua de modo contínuo e facilitado nos terrenos arenosos do cerrado. De acordo com Tocantins (2005), o tipo de solo é areias quartzosas, profundas e ocorrem em relevo suave ondulado (predomínio de declives entre 3 a 8%), possuindo ligeiro potencial para erosão. A presença de vegetação típica do cerrado e a ausência de infraestrutura urbana denotam na paisagem daquele Setor uma peculiar monotonia como de uma bucólica área rural quase inabitada (Fotografia 1). Constata-se fragilidade ambiental com avanço para Área de Proteção Ambiental (APA) das nascentes de Araguaína como a Vila Maranhão e Setor Presidente Lula localização próxima ao córrego Santa Rita110. As consequências deste avanço urbano envolvem o meio ambiente e a população com a poluição dos recursos hídricos e dos mananciais com risco de epidemias. Os equipamentos urbanos no aglomerado subnormal Santa Rita são inexistentes, mesmo aqueles destinados a serviços públicos básicos essenciais para saúde, educação e lazer, restando à população buscar alternativas em setores próximos ou aguardar esporádicas campanhas itinerantes. Nenhuma via de circulação é pavimentada, e em quase todas, o processo erosivo pluvial dificulta a circulação. Redes de esgoto sanitário e rede coletora para escoamento das águas pluviais são inexistentes. A energia elétrica pública e domiciliar e o abastecimento de água potável não atende todas as moradias. A coleta de lixo também é precária, em geral a caçamba do serviço de limpeza pública passa uma ou duas vezes por semana, percorrendo apenas as ruas principais ou as de melhores condições de tráfego. A deficiência do serviço implica na prática de jogar os resíduos a céu aberto ou promover a queima. Tais fatos corroboram no entendimento de que os benefícios da urbanização são negados pelo poder público e a população não é atendida em suas necessidades de acesso aos equipamentos urbanos e aos serviços públicos essenciais. 4.1 Quem tem coragem de derrubar o Lula? Desigualdades e resistências no Setor Presidente Lula em Araguaína –TO 110 Em Araguaína uma opção de lazer são as chácaras/sítios com usos dos riachos/córregos para “banhos” explorados pelos proprietários com represamento das águas e construção de infraestrutura para bar e restaurante. A chácara Santa Rita, localizada as margens do córrego de mesmo nome, entre a Vila Maranhão e Setor Presidente Lula também cognomina o setor censitário. 358 Para melhor caracterização e análise procede-se com pesquisa de campo realizada no Setor Presidente Lula pertencente ao aglomerado subnormal Santa Rita, realizando entrevista com liderança comunitária, observações da paisagem das infraestruturas e registro fotográfico. A coleta de dados foi ampliada incluindo a participação dos moradores, com aplicação de 40 questionários com informações socioeconômicas e 10 entrevistas semiestruturada sobre o processo de ocupação111. O Setor Presidente Lula é representativo de controvérsias relacionadas ao uso da definição de aglomerado subnormal, pois não foi contabilizado no Censo Demográfico 2010. Esta foi a motivação para particularizar a pesquisa de campo neste Setor, contribuindo no debate acerca dos problemas urbanos, e para atualização de informações territoriais e socioeconômicas da cidade de Araguaína112. O Setor Presidente Lula, passou a ser povoado em meados de 2010 com a estratégia de ocupação. O processo foi bem articulado por líderes, que juntamente com os primeiros ocupantes realizaram o desenho urbanístico da área projetando ruas e avenidas e o recorte dos terrenos (em geral 12m de frente/fundo e 30m nas laterais) totalizando 500, dos quais 350 estão ocupados por moradias. No início da ocupação os terrenos eram doados para os que tivessem interesse em estabelecer moradia. Atualmente há aproximadamente 150 terrenos sem moradia que tem utilidade para a prática de valorização visando rentabilidade pela terra. Os dados coletados em questionários da pesquisa de campo sugerem a recente ocupação. 27,5% moram há apenas um ano na área, outro quantitativo exatamente igual possui dois anos de residência, somados a mais 25% que residem há três anos. Já os primeiros ocupantes da invasão que já completaram quatro anos são 20% do total. A alvenaria é o material utilizado na construção de 90% das casas, com raras exceções das que possuem paredes rebocadas com cimento. A maior parte das residências possui dois ou três compartimentos, incluindo o banheiro. Não há mutirão para construção de casas, recorrendo-se a autoconstrução em etapas. O restante são as moradias rústicas, improvisadas com madeira, que mesclada com moradias inacabadas são proeminentes na paisagem, como se tivessem sido construídas e abandonadas. O processo de ocupação da área não ocorreu sem conflitos, que se mantém, envolvendo suposto proprietário, poder público e a Celtins, empresa de energia. A população local tem histórico de resistência e luta utilizando instrumentos como ação judicial, enfretamento com a polícia e modificação da nomenclatura da área. A condição fundiária é de ilegalidade, mas há ação na justiça para regularização da área em nome de moradores ocupantes. O terreno foi adquirido por um japonês no ano 1988 com finalidade de especulação, pois foi período de criação do estado do Tocantins e 111 Os acadêmicos do 7º período 2013.2 do curso de Geografia da Universidade Federal do Tocantins, disciplina Geografia da Amazônia participaram da aplicação dos questionários. 112 A dinâmica e os conflitos socioespaciais do Aglomerado Subnormal Santa Rita mantém-se intensificados, com ocupação de nova área para moradia, localizada a cerca de 800 metros do Setor Presidente Lula. A ocupação teve início no mês de abril/2014, três meses após a pesquisa de campo que realizamos no Setor. Um morador da área recém ocupada nos informou que cerca de 50 famílias fixaram residência e a nomenclatura que vem sendo utilizada é “Invasão da Santa Rita”. 359 Araguaína como capital estadual era possibilidade quase certa, devido sua importância econômica e pelas promessas políticas que não se concretizaram. O antigo dono já é falecido e parentes reivindicam o direito a propriedade. No início da ocupação, a área hoje correspondente ao Setor Presidente Lula também recebeu a cognominação de Santa Rita, a mesma do setor censitário. Uma estratégia, durante período de ameaças pela reintegração de posse, foi modificar a nomenclatura, passando então para a denominação de Presidente Lula. Um morador revela como a estratégia utilizada tem sido eficaz: Quando ameaçaram de derrubar as casas, aí então nós resolvemos mudar o nome daqui para Presidente Lula. Eu quero é saber quem tem coragem de derrubar o Lula! Se derrubar, logo chega aos ouvidos dele, aí vão dizer: lá em Araguaína derrubaram o Lula! Quem vai querer isto? (Morador 1). A resistência e luta pelo acesso à moradia e à cidade pelos moradores daquele Setor tem como objetivo o direito a infraestrutura, serviços públicos e conquistar a regularização dos terrenos, garantindo assim sua permanência. A ocupação pelo modo de “invasão” de terras para moradia é alternativa recorrente no país. Esse foi o caso, em Araguaína, do aglomerado subnormal Santa Rita, e suas subdivisões, a Vila Maranhão e do Setor Presidente Lula onde a estratégia foi utilizada como possibilidade de acesso à casa própria pela população de trabalhadores. Maricato ajuda a entender esses tipos de ocorrências: A invasão de terras urbanas no Brasil é parte intrínseca do processo de urbanização. Ela é gigantesca, [...] e não é, fundamentalmente, fruto da ação da esquerda e nem de movimentos sociais que pretendem confrontar a lei. Ela é estrutural e institucionalizada pelo mercado imobiliário excludente e pela ausência de políticas sociais (MARICATO, 2002, p. 152) O insustentável valor do aluguel para determinadas famílias de trabalhadores e a ineficiência das políticas públicas de habitação, coloca a invasão como alternativa viável de moradia, segundo os moradores: “o preço do aluguel que é muito alto, não dá para comer e pagar aluguel então viemos para invasão”; “não tinha casa para morar, vivia de aluguel na Vila Goiás”; “sair do aluguel que é muito caro, você fica pagando e nunca vai conseguir casa própria”. Este modo de ocupação para moradia é instituída pelo contraditório processo de produção do espaço e de acesso ao solo urbano. Como assevera Martins (2009, p. 14 15) são “processos sociais, políticos e econômicos excludentes” [...]. “Aos trabalhadores resta, na urgência dos problemas de sobrevivência moverem-se na direção do possível estabelecido por estas limitações excludentes”. 360 Ela é estrutural, institucionalizada e interessa ao mercado imobiliário, confirma Araújo (2010, p, 90) observando que “a invasão e a ocupação de espaços periféricos, de reservas ambientais, e de formação de vazios urbanos, que podem parecer problemas, fazem parte do mercado imobiliário.” No acesso à moradia, este modo de ocupação torna-se a direção possível. Afinal, 69% dos moradores precisam suprir as necessidades básicas de sobrevivência com apenas um salário mínimo (Gráfico 1). Mesmo assim o processo de ocupação de terra para moradia é visto como crime, conforme o depoimento de morador: O trabalhador que tem emprego fixo com carteira assinada em uma firma não vai sair por aí invadindo terreno para morar. Ele espera a invasão entrar, depois compra um lote ou uma casa enquanto o preço está baixo. É invasão, mas não foi ele que invadiu! (Morador 2). O trabalhador formal reluta em participar diretamente da ocupação de terrenos, pelo temor de que seja associado a um desordeiro que confronta a lei, pela sociedade e pelo patrão. Ao adquirir terreno ou casa nesse tipo de área, por preço mais acessível, há consciência de que é invasão, no entanto, o fato de não ter participado diretamente do processo inicial, suaviza a interpretação. Este é método recorrente, pois metade dos moradores entrevistados declarou que a forma de aquisição do imóvel foi por compra. Confirmaram participação na invasão apenas 20%, mas outros 17,5% afirmam ter recebido o terreno por doação, forma utilizada pelos líderes da ocupação para atrair mais moradores, admitindo-se assim que 37,5% foram partícipes do processo inicial. Além destes mais 10% declararam-se não proprietários do imóvel e 2,5% adquiriram por troca. A compra de casa ou do terreno na área revela esta possibilidade de acesso à moradia para os não se sentem encorajados ou estão constrangidos em participar da invasão; como também traz à tona que a prática pode ser lucrativa. Conforme depoimento de moradores nenhum dos líderes iniciais reside no Setor Presidente Lula, e já participaram de outra invasão, após esta. Este mercado de terras em áreas de invasão é comparável aos resultados de Araújo (2010, p. 90) ao estudar Fortaleza, capital cearense onde “a produção não capitalista da cidade tem sentido de propriedade, pelo acesso ilegal da terra, embora não se restrinja ao uso, pois também tem interesse de troca”. O uso para moradia é o principal interesse, pois conforme informações coletadas na pesquisa, 82,5% dos moradores do Setor Presidente Lula confirmam que são proprietários de único imóvel, utilizado para atender sua função básica. Os demais que possuem mais de um imóvel são em bairros precários ou em cidades circunvizinhas. Portanto, mesmo que a troca se imponha como interesse, indiscutivelmente ela favorece o acesso à moradia pela população mais carente. A condição precária de infraestrutura urbana e serviços, e o risco de ter sua casa demolida, também funcionam como indicador de que o valor de uso se impõem, pois só mora ali quem não possui melhor opção. 361 A distribuição de água da rede geral da Companhia de Saneamento do Tocantins (Saneatins), que ocorre desde 2012 é única exceção de presença de infraestrutura. Ainda que a informação mais relevante considere a ligação do domicilio à rede geral de abastecimento, não significa um acesso efetivo ao serviço prestado, pois os moradores reclamam de constantes interrupções no fornecimento, portanto, este pode ser considerado serviço caracterizado como irregular. O serviço de coleta lixo só passou a ser realizado pela Prefeitura no ano de 2014, em um único dia da semana, em dois pontos de recolhimento. Mas a informação ainda não chegou a 10% dos moradores que desconhecem a existência do serviço, sendo muito comum encontrar lixo jogado a céu aberto em terrenos sem uso. A energia elétrica, que é “gambiarra” e somente em raríssimos domicílios, tem os fios enterrados pelo chão, ligados ilegalmente a chácaras vizinhas. A falta de energia elétrica tem sido motivo de conflitos no Setor, envolvendo de um lado os moradores, e do outro a empresa Celtins e seu principal aliado, o poder público. Por meio de liminares a Justiça tem deferido a favor da retirada dos fios utilizados para conduzir energia. A Polícia Militar acompanha a execução da ação é já houve situação de resistência dos moradores realizando ataque com pedras, rechaçado com violência (ALMEIDA, 2013). A queixa da população é de que a Polícia não atende as ocorrências solicitadas por moradores, mas acompanha os interesses da empresa privada. O poder público defende interesses da classe empresarial dominante em desfavor da classe de trabalhadores, no sentido literal de Marx e Engels (2009, p. 56) de que “o governo nada mais é que um comitê que administra os negócios comuns de toda a classe burguesa”. Neste caso em discussão, o Estado assume o papel de um comitê executivo da burguesia, um instrumento à serviço da ordem socialmente instituída. As injustiças sociais tornam-se ainda mais evidentes com uma breve descrição socioeconômica da população do Setor Presidente Lula, com base em informações sobre escolaridade trabalho e rendimento mensal do responsável pelo domicilio; e em características que identificam a migração. Os dados coletados expressam um baixo nível de escolaridade entre os responsáveis pelos domicílios. Entre os entrevistados, o nível máximo de instrução para 52,5% é o ensino fundamental completo, enquanto apenas 2,5% está cursando o ensino superior, 12,5% nunca estudou, outros 15% com o ensino fundamental incompleto, e ensino médio é etapa incompleta para 12,5%, que foi finalizado por apenas 5%. Verifica-se pelos indicadores de renda (Gráfico 1) que quase um terço dos entrevistados tem rendimento mensal inferior a um salário mínimo. A maioria dos residentes tem remuneração que chega ao máximo de um salário mínimo (69%). Enquanto a parcela que ganha o limite superior de rendimento que é de até três salários mínimos corresponde à minoria, equivalente apenas a 15% dos entrevistados. Gráfico 1 - Rendimento médio mensal em salário mínimo, do responsável pelo domicílio - Setor Presidente Lula – 2014 362 Mais de 2 a3 Mais de 15% 1,5 a menos de 2 8% Até 0,5 12% Mais de 0,5 a menos de 1 17% Mais de 1 a 1,5 8% Até 1 40% Fonte: SILVA, R.A. Pesquisa de campo, março de 2014. A realidade do Setor Presidente Lula é análoga aos dados sobre rendimento mediano mensal de pessoas residente em aglomerados subnormais no Brasil que é de R$ 800,00, mas está acima do que ocorre em Tocantins e Araguaína que é de R$ 510,00 (IBGE, 2010). Em relação ao trabalho, a ocupação formal destaca-se com percentual de 32,5%. Mas há uma alta incidência de residentes com emprego informal, que quando somados aos que se declararam desempregados e, portanto, sujeitos ao trabalho informal totalizam 57% dos entrevistados (Tabela 2). Tabela 2 - Situação de trabalho, por responsável pelo domicilio - Setor Presidente Lula 2014 % Situação/trabalho do responsável Nº Absolutos pelo domicílio Trabalho formal 13 32,5 Trabalho informal 11 27,5 Aposentado 4 10 Desempregado, emprego Desempregado, emprego procurando 9 sem procurar 3 Total 40 22,5 7,5 100 Fonte: pesquisa de campo em março de 2014 O Programa Bolsa Família ou algum parente garante o sustento da família, nos casos em que o responsável está desempregado. 10% dos responsáveis pelos domicílios são aposentados. Um deles afirmou que residia em São Geraldo do Araguaia no estado do Pará, e depois que se aposentou decidiu mudar-se para Araguaína, pesando na decisão a possibilidade de tratamento de saúde ofertado nesta cidade. Entre os 24 trabalhadores formais ou informais, o destaque para o ramo da construção civil, observado pelo número de pedreiros, serventes e armador de vigas que juntos 363 somam 41% das ocupações. Os serviços relacionados à pecuária regional aparecem em atividades como serviço de juquira113, operador de trator, desossador de carnes em frigorífico. Este grupo é complementado por outros prestadores de serviços não especializados, como guardas, vigias, garis. Os trabalhadores informais exercem atividades como ambulante, encanador e eletricista. Ao observar o nível de escolaridade, renda e situação de trabalho, torna-se inevitável a associação entre essas variáveis. A escolaridade reflete diretamente sobre a situação de trabalho e a renda, pois as pessoas com menor nível de escolaridade, em geral, estão inseridas de maneira precária ou informalmente no mercado de trabalho e com menor remuneração. Na observação de Rodrigues (2008, p. 78) esta condição de “precariedade para a reprodução da vida são produtos do modo de produção e, ao mesmo tempo, são condição de permanência”, isto é, com o baixo nível de escolaridade, os moradores recebem menores salários e sua expectativa seria de permanecer na mesma condição de vida e de moradia. A mobilidade de trabalho e capital em Araguaína, que se mantém constante desde a década de 1960, é alusiva desta condição. Entre os migrantes estão trabalhadores sem ou com baixa qualificação, em busca de reprodução da força de trabalho, precariamente inseridos no mercado formal, ou informal. Nesta cidade a urbanização possui elações com a migração: Compreender a urbanização de Araguaína passa pelo entendimento como causa e consequência de intensa mobilidade espacial da classe trabalhadora com a finalidade de reprodução da força de trabalho também ao mesmo tempo condição de acumulação capitalista (SILVA, 2012, p. 82). O tempo de residência em Araguaína inferior a cinco anos será considerado como indicativo da migração114. Com base nesta avaliação, constata-se que 40% dos entrevistados são migrantes. A principal região de origem é o Nordeste, de onde vieram 57,5% dos residentes não naturais do município. O Setor Presidente Lula possui presença de migrantes recentes, mas também de antigos migrantes piauienses e maranhenses da década de 1980 e 1990 que continuavam em outros setores, pagando aluguel, ou em casa de parentes, e a conquista do direito à moradia só veio pela via de ocupação de terras urbanas ociosas. Os dados sobre a origem de nascimento do responsável expressam a presença de nativos do Maranhão (14%), Piauí (10%), Ceará (5%), Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte (2,5%). A antiga rota de migração entre Nordeste e Amazônia aberta desde a 113 Refere-se a roçagem de vegetação de porte baixo ou mato que nascem em áreas de pastagens utilizadas para alimentação do gado. 114 Para o IBGE, um indivíduo que, cinco anos antes da data de referência do censo, possuía um local de residência diferente do atual é considerado migrante. No censo demográfico esta informação é combinada ao local de nascimento e ao de residência anterior. 364 década de 1950 mantém-se ininterrupta, registrando também a presença dos antigos migrantes. Esta é a realidade em Araguaína, conforme averiguou Silva (2012, p.87) em pesquisa anterior “quase metade dos residentes são naturais dos estados do Maranhão, Piauí, Minas Gerais, Ceará e Bahia, reiterando a condição do Nordeste brasileiro como fornecedor de mão-de-obra para Amazônia”. De acordo com Silva (2012) a migração foi fundamental “no plano estatal de tornar a Amazônia espaço de acumulação capitalista”. Continua como estratégia fundamental da população trabalhadora e é funcional para acumulação do capital. Considerações finais A formação de espaços periféricos decorrentes de um crescimento planejado desigualmente é inerente ao processo de urbanização das cidades brasileiras, em Araguaína também é destacado. A ocupação de lugares preteridos pela urbanização formal é uma estratégia de sobrevivência da população, que neste caso, fica quase que totalmente sem assistência do poder público. A questão examinada nesta pesquisa indagou se em Araguaína os aglomerados subnormais podem ser classificados como espaços proeminentes de desigualdades socioespaciais. Os resultados obtidos produziram evidencias que colaboram para este entendimento, A apreciação do aglomerado subnormal Santa Rita demostrou carências e/ou ausência de infraestruturas e serviços básicos, condição da população em desvantagem socioeconômica e no acesso à terra urbana e moradia, o que fornece confirmação que as desigualdades sociais e espaciais são marcantes e perversas. No entanto, o uso do conceito aglomerado subnormal, como padrão para identificação de desigualdades socioespaciais, entre cidades mostra-se inviável, pois não foi verificado a ocorrência do fenômeno em outras cidades da rede urbana estadual. Referências ALMEIDA, F. Oito pessoas são conduzidas a delegacia de Araguaína após apedrejamento de viatura da PM e carro da Celtins. Araguaína Notícias: o portal cidade de Araguaína e Região. Araguaína-TO, 1/out/2013. 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Após breve resgate histórico, em que são apresentadas a origem e alguns aspectos ligados aos processos de expansão urbana em ambas as cidades, trazemos ao debate os impactos territoriais do PMCMV, destacando alguns de seus desafios frente a processos históricos que nortearam a produção do espaço urbano e suas limitações, buscando destacar a importância da atuação do poder público na produção de habitação popular. Palavras chave: Produção do Espaço Urbano, Programa Minha Casa Minha Vida, Marília/SP e Araçatuba/SP. 1. AS CIDADES DE MARÍLIA E ARAÇATUBA E O PROGRAMA HABITACIONAL MINHA CASA MINHA VIDA (MCMV) 115 Mestrando do programa de pós graduação em Geografia vinculado a FCT Unesp campus de Presidente Prudente, membro do Gasperr (Grupo de pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais) e bolsista FAPESP. Orientador: Prof. Dr. Everaldo Santos Melazzo. 367 Antes de iniciarmos a discussão a cerca da inserção do programa habitacional MCMV em Marília/SP e Araçatuba/SP consideramos de grande relevância apresentar o contexto no qual ela ocorre. Para isso, faremos um breve resgate da história das cidades, destacado algumas características de sua gênese e desenvolvimento. Segundo Melazzo (2012) a apropriação do interior paulista pelo sistema capitalista de produção se da em função da construção de um mercado de terras no campo e no surgimento de novos centros urbanos somados a expansão da cultura do café no final do século XIX e início do século XX. É nesse contexto que surge a cidade de Marília (MAPA 1). Em 1928, a cidade antes formada por três núcleos/povoados oriundos do fracionamento de terras rurais: Alto Cafezal (1922), Vila Barbosa (1927) e Marília (1927) recebe o título de município, no mesmo ano em que o sistema de transporte ferroviário passa a funcionar no local (MOURÃO, 1994)116. MAPA 1- MARÍLIA. ÁREA URBANA. Seu primeiro processo de expansão urbana esteve diretamente ligado à ferrovia, sendo controlado majoritariamente pelos interesses especulativos dos grandes proprietários de terras, que viam ali a possibilidade de aumentar suas rendas, que provinham em grande volume da venda de terras rurais. 116 Sobre o assunto consultar os trabalhos de MOURÃO (1994) e ZANDONADI (2008). 368 Essa expansão fora também condicionada pelas características do relevo que no caso de Marília assume feição bastante particular Seu sítio urbano conjuga uma peculiar morfologia, caracterizada por um grande topo plano, associado a profundas escarpas que alcançam mais de 100 metros de profundidade. Conhecidas como Itambés (SANTOS e NUNES, 2008), recortam a cidade e condicionam sua ocupação e expansão. (MELAZZO, 2012, p. 165). Durante a década de 1930, devido à articulação entre o espaço rural e urbano, segundo MOURÃO (2002), observou-se a instalação de empresas de capitais de origem local e externos (como exemplo, as Indústrias Reunidas Matarazzo, instalada na cidade em 1937 e que tinha como principal atividade o beneficiamento de grãos e produção de óleo vegetal). Devido à atração de grandes capitais externos e uma acumulação prévia, várias outras atividades passaram a surgir, como aquelas ligadas ao setor bancário e financeiro117, o que contribuiu para que a cidade aumentasse sua centralidade regional, atraísse um novo contingente populacional e expandisse a sua malha urbana. Aos poucos, não só a paisagem como também os papéis desempenhados por Marília na rede de cidades na qual ela esta inserida foram se alterando. Durante cada um dos ciclos produtivos ligados a agricultura (café, algodão e amendoim), pôde ser observada dinâmicas próprias que deixaram impactos no tecido econômico local/regional, na concentração da mão de obra empregada e consequentemente na expansão da área urbana. Em Marília, empresas foram instaladas nas décadas de 1940 e 1950, sendo o maior número na década de 1970 (GOMES, 2007). Na medida em que essas dinâmicas econômicas permitiam um aumento na acumulação de capital, fazendo com que as empresas que atuavam na cidade fossem inseridas no plano da concorrência em múltiplas escalas, no que diz respeito à produção do espaço urbano pode-se observar a intensificação na produção das desigualdades. Temos como exemplo a expansão da malha urbana, que entre as décadas de 1970 e 1980, passa a apresentar um crescimento em descontínuo, apoiado em estratégias 117 Um exemplo é o surgimento da Casa Bancária Almeida, em 1934, que mais tarde se transformou em Bradesco (Banco Brasileiro de Descontos). 369 de diferenciação do espaço para a captura de rendas fundiárias. Esse processo está diretamente relacionado ao aparecimento de loteamentos habitacionais residenciais destinados a população de mais baixa renda em áreas afastadas da malha urbana original, o que acarretou inúmeros outros problemas, como aqueles ligados a mobilidade urbana e infraestrutura. Essa apropriação diferenciada do espaço de acordo com a faixa de renda teve como consequência a formação de uma cidade cada vez mais desigual, em que determinados bens e serviços passaram a ser “exclusividade” de uma única classe social. O processo de diferenciação entre áreas e pessoas que conforma a cidade passa a ser materializado na maneira como o espaço urbano é produzido e consequentemente na maneira como a cidade é apropriada e consumida por seus moradores. Diante desse cenário, há uma distribuição socioeconômica seletiva e desigual na cidade, configurando áreas de maior concentração de segmentos sociais de mais baixa renda como pode ser observado no Mapa 2. 370 MAPA 2- EXCLUSÃO/INCLUSÃO SOCIAL EM MARÍLIA118 Ao analisarmos o Mapa 2 119 podemos observar a concentração dos segmentos de mais baixo poder aquisitivo e classificados como em situação de exclusão social no eixo norte-sul, principalmente nos extremos da malha urbana, mas também em áreas específicas do centro-oeste e centro-leste. Os setores classificados como de inclusão social se localizam nas áreas mais centrais e em direção ao leste. Essa diferença, ligada à faixa de renda e demais indicadores demográficos determina, por exemplo, os investimentos do setor público e privado no que diz respeito à oferta de produtos imobiliários, bens e serviços e impactam diretamente na vida da população e na maneira como essa se relaciona se apropria e consome a cidade. 118 O mapa em questão foi retirado de um relatório de um Projeto temático, ainda não publicado, pelo grupo de pesquisa CEMESPP (Centro de Estudos e de Mapeamento da Exclusão Social para Políticas Públicas) com o título: Trajetórias do mercado imobiliário nas cidades de Marília e Presidente Prudente-SP, 1995-2012. A produção imobiliária do PMCMV, seus agentes e a diferenciação e desigualdades sócioespaciais intra-urbanas. 119 O mapa foi confeccionado a partir de uma síntese de indicadores demográficos, ambientais, econômicos e de educação, de chefe de famílias e domicílios disponibilizados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no censo demográfico de 2010. Para saber sobre os indicadores e metodologia de organização consultar MELAZZO (2006 e 2007). 371 Sendo a propriedade da terra um dos principais meios de acumulação, a atuação dos agentes do mercado imobiliário e fundiário se volta para a produção de habitação para o médio e alto padrão econômico. Em Marília, principalmente a partir da década de 1990 um novo tipo de empreendimento começou a ser difundido e contribuiu para o aumento da desigualdade intraurbana: os loteamentos fechados. Resultado de uma associação de interesses que envolvem o setor imobiliário, a sociedade civil e poder público, muito se tem discutido sobre a legalidade desses empreendimentos120 que contribuem para o aumento das desigualdades ao ponto que impõe barreiras a circulação de pessoas e ao mesmo tempo as segregam. Ao analisarmos a localização dos conjuntos habitacionais e loteamentos populares construídos entre as décadas de 1970 e 1990 a partir de programas e instituições estatais tais como COHABs, INCOOP-SP e CECAPCDHU, percebemos que a segmentação desses empreendimentos segundo a faixa de renda reforça o processo de segregação socioespacial em curso121. No caso de Marília, a maior parte dos loteamentos habitacionais populares encontram-se nas áreas sul, oeste e norte de sua malha urbana. Por outro lado os condomínios e loteamentos fechados encontram-se nas áreas centro-leste. Araçatuba-SP (Mapa 3) surge no mesmo contexto histórico. A partir do ano de 1905, a companhia estrada de ferro noroeste do Brasil começa a construir a ferrovia de mesmo nome a partir da cidade de Bauru, em direção ao oeste do Estado de São Paulo. Em 1908 é inaugurada a estação ferroviária de Araçatuba, elemento esse que serve de impulso ao crescimento da cidade. 120 Sobre o assunto vários trabalhos foram produzidos como o de ZANDONADI (2009). Para consultar os mapas com a localização dos empreendimentos e ter acesso a mais informações sobre o ação dos agentes estatais na produção do espaço urbano em ambas as cidades aqui trabalhadas consultar BOSCARIOL (2011). 121 372 Mapa 3- Araçatuba-SP. Área Urbana No ano de 1921, Araçatuba foi desmembrada da cidade de Penápolis com a promulgação da lei 1812 de 08/12/1921. Seu primeiro processo de expansão, assim como o que ocorreu em Marília/SP, esteve diretamente ligado à ferrovia. Isso se deve principalmente ao fato de que o povoado junto à linha férrea garantia a segurança do patrimônio edificado da ferrovia ao mesmo tempo em que ao ser equipado com serviços, como armazéns, possibilitava a valorização das áreas próximas (PEDON, 2005). Esse processo de expansão fora controlado majoritariamente pelos interesses especulativos dos grandes proprietários de terras, que viam ali a possibilidade de aumentar sua renda. Portanto, assim como Marília, o processo de expansão urbana observado em Araçatuba seguiu a lógica capitalista da produção e apropriação do espaço urbano em que o mercado condiciona a comercialização e ocupação das terras urbanas. 373 No ano de 1912 foi fundada pelo coronel Manuel Bento da Cruz (prefeito de Bauru na década de 1910) a The San Paulo Land, Lumber & Colonization Company com o objetivo de parcelar e comercializar terras na zona noroeste do estado de forma empresarial (o que antes se dava de forma improvisada). No ano de 1944, Elísio Gomes de Carvalho funda a Construtora Paulista, que atua na compra e no loteamento de glebas. A atuação da empresa foi responsável por aproximadamente 40% do crescimento urbano da cidade. Ao todo, foram mais de 12 milhões de m2, 15 loteamentos e 5.400 terrenos comercializados pela empresa (PEDON, 2005). A construtora em questão concentrava quase que a totalidade das etapas da produção imobiliária: a propriedade do solo, a comercialização e produção de infraestrutura. Na década de 1950, pôde ser observado maior dinamismo dos agentes de produção do espaço urbano na cidade, em que empresários dos setores agrícola, industrial e comercial organizam-se para dominar distintas etapas da realização dos empreendimentos imobiliários, com o intuito principal de obter lucros. Na década de 1960, após obras de infraestrutura promovidas pelo poder público municipal, Araçatuba teve o córrego Machado de Melo canalizado. Nesse momento a cidade começou a se expandir para além da colina central, formando novos bairros (PEDON, 2005). A partir da década de 1970, observamos a intensificação do crescimento de sua malha urbana. Isso foi motivado, sobretudo, pela implantação de conjuntos habitacionais, que serviram como indutores da ocupação urbana. É importante salientar que esse crescimento urbano, por vezes em descontínuo, esteve apoiado em estratégias de diferenciação do espaço para a captura de rendas fundiárias, em processo semelhante ao observado em muitas cidades brasileiras. A expansão da malha urbana pode ser entendida também a partir de algumas alterações na economia regional, promovidas pela implantação de destilarias de álcool, motivadas, principalmente, pelo programa Pro-Álcool. Ao passo em que as dinâmicas econômicas possibilitavam um aumento na acumulação de capital, do ponto de vista da Produção do Espaço Urbano observamos a acentuação das desigualdades. Podemos observar a distribuição populacional, segundo a situação de inclusão/exclusão social no Mapa 4. 374 Mapa 4- Exclusão/Inclusão Social em Araçatuba122 Ao observarmos o Mapa, podemos perceber alguns setores classificados como de exclusão social média e alta, sobretudo nas áreas periféricas da cidade, especialmente na porção oeste e sudeste do território. Ao analisarmos a localização dos conjuntos habitacionais e loteamentos populares construídos entre as décadas de 1970 e 1990 a partir de programas e instituições estatais tais como mencionados para Marília (COHABs, INCOOP-SP e CECAP-CDHU), percebemos que a inserção desses empreendimentos segundo a faixa de renda reforça o processo de segregação socioespacial em curso. A maior parte dos loteamentos habitacionais populares encontram-se nas áreas sudeste, centro-leste, e sudoeste da malha urbana, áreas caracterizadas pela alta exclusão social. Do mesmo modo que a área na qual estão inseridos os condomínios fechados voltados ao alto padrão se localizam em um ponto marcado pela inclusão social. Ao remontarmos a gênese das cidades que propomos analisar, percebemos que a propriedade da terra, seu uso e os equipamentos nela inseridos passam a influenciar 122 Aplica-se a esse mapa as mesma informações contidas na nota 4. 375 diretamente no acesso ás melhores porções do território, visto que essa disposição é condicionada á lógica do mercado. O alto custo dos terrenos mais bem localizados encarece as obras, o que faz com que os loteamentos destinados à população de renda mais baixa sejam alocados nas áreas periféricas, com carência de infraestrutura e, portanto, menos valorizadas. Ao submetermos as políticas habitacionais nesse tipo de lógica tendemos a (re) produzir cidades cada vez mais desiguais. 2. O Programa Minha Casa Minha Vida em Marília e Araçatuba. É nesse cenário que, no início dos anos 2010 o programa habitacional Minha Casa Minha Vida (PMCMV) é inserido nas cidades de Marília e Araçatuba. O programa, lançado em abril de 2009, tem como propósito principal oferecer subsídio à produção, aquisição ou requalificação de imóveis urbanos àquelas famílias que não possuem imóvel próprio. O volume de subsídios que o pacote ofereceu na sua primeira edição, 34 bilhões de reais, era de fato inédito na história do país: nem mesmo o BNH dirigiu tantos recursos à baixa renda numa única operação. O objetivo declarado do governo era dirigir o setor imobiliário para atender à demanda habitacional de baixa renda, que o mercado imobiliário, restrito ao topo da pirâmide de rendimentos, não alcançava por conta própria. Essa ampliação poderia incorporar as chamadas classes C e D, já descobertas por outros ramos da economia nos últimos anos, dos alimentos aos eletrodomésticos e automóveis. (FIX, 2011, p.140) Destinada a atender a uma população com renda de até R$ 5.000,00, a oferta de subsídio e crédito se divide em três faixas sendo elas: Faixa 1: Família com renda mensal bruta de até R$1.600,00. Faixa 2: Famílias com renda mensal bruta de até R$ 3.275,00. Faixa 3: Famílias com renda mensal bruta de até R$ 5.000,00. A principal novidade trazida pelo PMCMV foi possibilitar a uma parcela significativa da população de baixa renda ser inserida no mercado de habitação e consumir os serviços/produtos oferecidos 376 pelo mercado imobiliário (antes, majoritariamente concentrado em atender as classes sociais de renda mais alta). Ao mesmo tempo, confere a parte significativa dos usuários, especialmente aqueles da Faixa 1 um ganho de renda importante, tendo em vista que muitos trocam o valor pago em aluguel por prestações de baixo valor (segundo a portaria 237 de 27 de Agosto de 2012, o valor, pago nas prestações para essa faixa de renda não podem ultrapassar 5% da renda familiar). De acordo com os critérios do programa, as famílias que se enquadrarem na chamada Faixa 1 recebem também um alto subsídio para a aquisição do imóvel (entre 60% e 90% do valor total) e o risco de despejo em caso de inadimplência é zero 123. Os subsídios oferecidos diminuem na medida em que as Faixas de financiamento e renda se alterem. Segundo Valença (2003, p.170), “sem a mediação ou intervenção do Estado, a maioria dos indivíduos não pode se tornar ‘consumidora’ de habitação, processo que se dá através do mercado de compra e venda de imóveis residenciais e de aluguéis”. Em sua primeira fase, entre os anos de 2010 e 2012, a meta estipulada pelo governo fora a construção de um milhão de novas moradias, espalhadas por todo o país. Ao término da primeira fase do PMCMV e devido aos impactos sociais e econômicos124 foi lançada a segunda etapa do PMCMV, cuja meta de construção foi estabelecida em mais dois milhões de novas moradias até o final de 2014125. Em Marília, o programa passou a financiar novos empreendimentos já no ano de 2010, somando até 2013, 4677126 unidades habitacionais (concluídas ou em fase de conclusão). Desse total, aproximadamente 23% pertencem à Faixa 1 e somando as Faixas 1 e 2 esse número chega a 97% do total. Os empreendimentos concluídos ou em fase de conclusão podem ser observados na Tabela 1 e Mapa 5. 123 Para mais informações consultar: Arantes, P.F & Fix, M. (2009) O PMCMV funcionou como uma importante ferramenata para aquecer a economia do país, principalmente a indústria e os serviços ligados a produção imobiliária, amenizando os impactos imediatos da crise econômica mundial, iniciada no ano de 2008. Para mais informações consultar: Fix, Mariana de Azevedo Barreto, 1970- Financeirização e transformações recentes no circuito imobiliário no Brasil (2011). 125 Objetivo parcialmente concluído até o fechamento do presente texto. 126 Segundo dados disponibilizados pela Caixa Econômica Federal. 124 377 TABELA 1- EMPREENDIMENTOS DO PMCMV EM MARÍLIA SEGUNDO A FAIXA DE RENDA. FAIXA 1 EMPREENDIENTO UNIDADES PORCENTAGEM Res. Jardim Trieste Calvichioli 358 7,6% Conj. Res. Altos da Nova Marília 246 5,2% Conj. Res. Prof. Maria Moretti 496 10,6% Ferreira TOTAL 1098 23,5% FAIXA 2 EMPREENDIMENTO Condomínio Praça das Oliveiras Bairro Campina verde Bairro Campina Verde Condomínio Moradas Marília Cond. Praça das Figueiras Cond. Praça das Sapucaias Cond. Praça dos Eucaliptos Cond. Praça dos Girassois Cond. Praça dos Ipes Cond. Praça dos Jacarandas Cond. Praça dos Jatobás Cond. Res. Moradas do Bosque Cond. Res. Reserva do Palmital I Cond. Res. Reserva do Palmital II Cond. Terra Nova Marília Mód I Fazenda Santa Madalena I Fazenda Santa Madalena II Fazenda Santa Madalena III Loteamento Fazenda Santa Madalena Loteamento Jardim Verona Parque Mirabilis Parque Nova Almeida Res. Jardim Damasco III Res. Parque Meridien Res. Primeiro de Maio II TOTAL FAIXA 3 EMPREENDIMENTO Residencial Primeiro de Maio I Cond. Res. Dos Girassois Cond. Res. Terra Nova Marília I mod II UNIDADES 68 101 108 586 88 64 56 104 68 76 76 288 194 194 184 290 31 72 20 PORCENTAGEM 1,4% 2,1% 2,3% 12,5% 1,9% 1,4% 1,2% 2,2% 1,4% 1,6% 1,6% 6,1% 4,1% 4,1% 3,9% 6,2% 0,7% 1,5% 0,4% 130 288 74 83 160 35 3438 2,8% 6,1% 1,6% 1,8% 3,4% 0,75% 73,5% UNIDADES 45 36 60 PORCENTAGEM 1,0% 0,7% 1,3% 378 141 3% TOTAL Fonte: Ministerio das cidades e Caixa econômic Federal. Org.:Sidney Querino Junior MAPA 5- EMPREENDIMENTOS DO PMCMV EM MARÍLIA SEGUNDO A FAIXA DE RENDA Ao analisarmos a espacialização dos empreendimentos subsidiados pelo PMCMV, percebemos que aqueles destinados a Faixa 1 se encontram situados no eixo norte-sul, o mesmo que fora anteriormente caracterizado como de exclusão social. Além disso, esses empreendimentos apresentam significativa distância em relação à área central e as áreas em que há maior oferta de serviços como aqueles ligados à saúde (hospitais e clínicas), educação (ensino superior e técnico principalmente), agências 379 bancárias, principais lojas de rede e shopping centers e membros da Associação Comercial e Industrial de Marília127. Por outro lado, observamos que o empreendimento financiado pelo programa e destinado à população de renda mais alta, Faixa 3, se instala na área leste reforçando o padrão ocupacional anterior. Nesse sentido, o programa parece contribuir para o aprofundamento das desigualdades socioespaciais, uma vez que reforça e intensifica o cenário de segregação observado previamente, de modo a atender a demanda do mercado em detrimento das necessidades da população. O fato da maior parte da produção habitacional não estar concentrada na faixa 1 (aquela que concentra a maior parte do déficit habitacional brasileiro) é outro importante indicador dessa tendência. Se somarmos todos os empreendimentos concluídos ou em fase de conclusão, teremos mais de 75% da produção habitacional sendo construída “fora” do déficit habitacional, portanto, atendendo ao mercado. O conjunto Residencial Prof. Maria Moretti Ferreira, localizado no extremo norte da cidade; o Conjunto Residencial Altos da Nova Marília, localizado no extremo sul da cidade e o empreendimento Residencial Jardim Trieste Cavichiolli, localizado no noroeste da cidade, todos classificados como Faixa de renda 1, juntos correspondem a aproximadamente 23 % de toda a produção do PMCMV na cidade e estão localizados em áreas de média e alta exclusão social, segundo a classificação feita em 2010. O Condomínio Moradas Marília, localizado também no extremo norte da cidade, no limite da malha urbana, e os quatro empreendimentos fazenda Santa Madalena, todos classificados como Faixa 2, correspondem sozinhos a aproximadamente 20% de toda a produção do PMCMV. O primeiro se encontra em uma área que ainda não foi classificada em 2010, portanto em uma nova área de expansão urbana e os outros em áreas classificadas como de média e baixa exclusão social, contudo, em áreas de inserção urbana precária. Em Araçatuba, o programa também passa a financiar novos empreendimentos no ano de 2010, somando até 2013, 7522128 unidades habitacionais (concluídas ou em fase de conclusão). Desse total, aproximadamente 43% pertencem a Faixa 1 e, somandas, as Faixas 1 e 2, alcança aproximadamente 93% do total. 127 Para mais informações consultar Melazzo (2012). Em um dos itens dessa obra o autor faz um levantamento de todas as áreas contempladas pelos serviços citados. 128 Segundo dados disponibilizados pela Caixa Econômica Federal. 380 Os empreendimentos concluídos ou em fase de conclusão podem ser observados na Tabela 2 e no Mapa 6. TABELA 2- EMPREENDIMENTOS SEGUNDO A FAIXA DE RENDA. FAIXA 1 NOME DO EMPREENDIMENTO RES. Atlântico Etapa 1 RES. Atlântico Etapa 2 RES. Águas Claras Etapa 1 Res. Águas Claras Etapa 2 Conjunto Habitacional Beatriz Loteamento Porto Real 1 Loteamento Porto Real 2 TOTAL DO PMCMV UNIDADES 481 479 499 701 472 481 143 3256 FAIXA 2 NOME DO EMPREENDIMENTOS UNIDADES Residencial Portal dos Nobres 16 Residencial Portal dos Nobres 2 32 Condomínio Residencial Portal dos 32 Nobres 3 Condominio residencial Maria Rossini 192 Condomínio Residencial Paris 32 Condomínio Residencial Lisboa 32 Condomínio Residencial Madrid 16 Residencial Danielle 24 Terra Nova Araçatuba mod 1 202 Terra Nova Araçatuba mod 2 78 Residencial Antares 80 Parque Atlantic 216 Residencial Viena 64 Residencial Aline 64 Moradas Araçatuba mod 1 426 Residencial Parque Alecrim 184 Residencial Munich 192 Residencial Parque Angelus 120 Alta vista cond. Club Mod 2 221 Residencial Parque Arizona mód. 1 192 Residencial Parque Arizona mód 2 209 Residencial Parque Almare 328 Alta vista cond. Club mod.3 224 381 EM ARAÇATUBA PORCENTAGEM 6,4% 6,3% 6,6% 9,3% 6,3% 6,4% 1,9% 43,2% PORCENTAGEM 0,2% 0,4% 0,4% 2,5% 0,4% 0,4% 0,2% 0,3% 2,7% 1,0% 1,0% 2,9% 0,8% 0,8% 5,6% 2,4% 2,5% 1,6% 2,9% 2,5% 2,8% 4,3% 3,0% Alta vista cond. Club mod. 4 Residencial Mercedes Residencial Jardim Atlantico mod. 4 Residencial Alvorada mód. 3 Residencial Tokio Residencial Bremen TOTAL 192 32 54 64 128 96 3742 2,5% 0,4% 0,7% 0,8% 1,7% 1,2% 49,7% FAIXA 3 NOME DO EMPREENDIMENTO UNIDADES PROCENTAGEM Residencial Parque Adorate 1 332 4,4% Residencial Parque Adorate 2 192 2,5% TOTAL 524 6,9% Fonte: Ministério das cidades e Caixa Econômica Federal. Organização: Sidney Querino Junior MAPA 6- EMPREENDIMENTOS DO PMCMV EM ARAÇATUBA SEGUNDO A FAIXA DE RENDA. Ao verificarmos a localização dos empreendimentos que foram ou estão sendo construídos na cidade pelo PMCMV, percebemos que aqueles destinados as Faixas 1 e 2, majoritariamente se encontram nas áreas mais periféricas das cidades, sendo aqueles os da Faixa 1 os de pior localização. Por outro lado, aqueles ligados a Faixa 3 se 382 encontram em uma área já consolidada, com a presença de outros condomínios residenciais fechados e de significativa valorização imobiliária129. Ao compararmos os mapas de exclusão/inclusão social com a localização dos empreendimentos, perceberemos que aqueles destinados a Faixa 1 estão presentes no eixo oeste e noroeste da cidade, áreas caracterizadas como de exclusão social em 2010. Quando observamos os empreendimentos com maior número de unidades habitacionais de cada faixa de renda (Tabela 2), percebemos que a inserção urbana dos empreendimentos destinados às famílias mais pobres, via de regra se dá em áreas que podem ser caracterizadas como de exclusão social. Como exemplo, podemos observar os empreendimentos: Residencial Águas Claras e Jardim Atlântico, ambos do Faixa 1 e que estão localizados nas regiões oeste e noroeste da cidade respectivamente e que correspondem a aproximadamente 29% da produção imobiliária do PMCMV na cidade. Os empreendimentos do Faixa 2, Terra Nova Araçatuba e Moradas Araçatuba, ambos localizados na área norte da cidade e Parque Atlantic, localizado na região centro oeste da cidade, todos entre os com o maior número de unidades habitacionais produzidas, também seguem o mesmo padrão, sendo localizados em áreas classificadas como de média e alta exclusão social em 2010. Os empreendimentos citados, juntos, chegam a quase 40% das unidades habitacionais produzidas, totalizando 3004 novas moradias. É essa precária inserção urbana por parte da população de renda mais baixa que tem levado o programa a receber muitas críticas, tendo em vista que é responsabilidade do poder público, em especial da administração municipal, cuidar para que os interesses e as necessidades da população como um todo sejam atendidas. [...] desde a Constituição de 1988, que estabeleceu o conceito da função social da propriedade e deu aos municípios a prerrogativa e responsabilidade da política territorial, até a aprovação, em 2001, do Estatuto da Cidade, que regulamentou importantes instrumentos para que os poderes públicos municipais enfrentassem o mau uso da terra urbana, a retenção especulativa, a informalidade da posse, ou ainda facilitassem o seu acesso pelas camadas de mais baixa renda [...] (FERREIRA, 2012, p. 53) 129 Para Marília, a informação foi obtida junto a base de coletados e organizados pelo CEMESPP, e que será publicada junto aos resultados da pesquisa realizada pelo projeto temático descrito na nota 4 e em Araçatuba a partir da realização de trabalho de campo em 18/12/2014. 383 Contudo, mesmo com esses mecanismos legais, não podemos dizer que o quadro da habitação de baixa renda no Brasil tenha sofrido grandes alterações. No caso de Marília e Araçatuba, observamos que os novos empreendimentos imobiliários destinados a essa faixa de renda ao invés de retratar uma possível mudança na maneira de se produzir a cidade, acabaram por reforçar algumas tendências observadas anteriormente através de um consumo dirigido, que é condicionado pela oferta do crédito e a seletividade socioespacial. Se levarmos em conta os inúmeros problemas que as cidades brasileiras apresentam ligados à mobilidade urbana e acesso da população a diversos serviços considerados básicos, temos a manutenção do cenário de desigualdade que, em algumas situações, pode estar se agravando caso consideremos que alguns desses usuários tenham saído de áreas melhor localizadas em busca da habitação própria. Nesse sentido, os desafios enfrentados pelo programa e pelo poder público de uma forma geral são grandes. O acesso à terra pode ser apontado como o principal entrave para a execução de uma política habitacional mais eficaz (mas não o único), que além de propiciar o acesso à moradia, também possibilite uma melhor inserção socioespacial na cidade. Hoje, assim como observado na gênese das cidades aqui estudadas, a propriedade da terra continua sendo o fio condutor do processo de expansão urbana e um dos principais instrumentos para a acumulação de capital, que ao colocar o valor de troca acima do valor de uso acaba por contribuir para que uma parte da população urbana seja/continue segregada. Outra característica que reforça a necessidade de ampliarmos os estudos relacionados à produção imobiliária é o aumento significativo de imóveis populares produzidos pelo PMCMV em um curto espaço de tempo, como podemos observar a partir da seguinte comparação: Se levarmos em consideração, a título de exemplo, a produção imobiliária sob a responsabilidade do Estado e sua correspondência com o estoque de domicílios existentes, entre os anos de 1970 e 1990, observaremos números expressivos apresentados pelo MCMV. Para isso, observemos a tabela 3 TABELA 1- Número de unidades habitacionais produzidas pelo Estado e sua comparação com o estoque de domicílios existentes, entre os anos de 1970 e 1990. COHABs INOCOOP- CACAP/ 384 Total % do estoque % do crescimento SP CDHU total em 1990 entre 1970-90 Marília 5.242 93 672 6.077 14,8% 26,9% Araçatuba 2.188 420 715 3.323 7,7% 15,2% Fonte: COHAB-Bauru, 2010; COHAB-CHRIS,2010; COHAB-Ribeirão Preto; CDHU, 2010, INCOOP-SP, 2010. Retirado de BOSCARIOL (2011). Ao compararmos, quantitativamente, a produção habitacional realizada pelo Estado nas duas cidades aqui estudadas durante as décadas de 1970 e 1990 e a produção atual do MCMV (aqui trabalhadas entre os anos de 2010 e 2013), observamos a relevância dos estudos ligados a temática. Em números absolutos, foram construídas 6.077 unidades habitacionais em Marília durante as décadas pretéritas, enquanto atualmente estão sendo construídas 4.677, ou 76% do total anteriormente produzido. Isso corresponde a aproximadamente 7% do total de domicílios particulares urbanos, segundo dados disponibilizados pela fundação Seade.130 Se levarmos em consideração que o MCMV esta em efetivo exercício há apenas 3 anos (levando em consideração os dados aqui trabalhados), temos observado um significativo crescimento urbano em um curto espaço de tempo. No caso de Araçatuba os números são ainda mais expressivos: Foram construídas pelo Estado entre 1970 e 1990 3.323 unidades habitacionais e no MCMV estão sendo construídas 7522 ou 226% a mais. As unidades habitacionais construídas ou em fase de conclusão correspondem a pouco mais de 12% do total de domicílios particulares urbanos a partir do mesmo referencial utilizado para Marília. Analisar, criticamente, a construção dessas “novas cidades” e mais precisamente a produção do espaço urbano se mostra um importante desafio contemporâneo. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir das reflexões apresentadas no presente trabalho, observamos que o acesso à terra a partir da sua incorporação ao mundo da mercadoria foi elemento central no processo de expansão urbana em Marília e Araçatuba, especialmente porque esse se deu de maneira restrita a uma parcela da população, responsável por direcionar os rumos da urbanização em ambos os municípios. Passadas algumas décadas percebemos 130 Dados referentes ao ano de 2010. 385 que ainda hoje, esse acesso continua a condicionar a uma parte dos habitantes à posição de excluídos socioespacialmente. É nesse contexto que o PMCMV é inserido. Mesmo possibilitando a uma parcela significativa da população o acesso à propriedade de imóveis, a condição espacial em que isso se dá não acarreta necessariamente a inclusão sugerida . Pelo contrário, ao observarmos a localização dos empreendimentos segundo a faixa de renda, percebemos que estes reforçam ainda mais os padrões socioeconômicos excludentes de distribuição da população pela malha urbana, que garantem a população o acesso a casa, mas não necessariamente a cidade. As áreas já caracterizadas como de exclusão têm recebido empreendimentos destinados à população de mais baixa renda e aquelas caracterizadas como de inclusão, acabam por receber os empreendimentos voltados ao público com maior poder aquisitivo. Ao observarmos esse cenário, somando a essa realidade os novos produtos imobiliários, tais quais os loteamentos/condomínios fechados, temos a produção de uma cidade cuja desigualdade e seletividade parece estar se acentuando. REFERÊNCIAS ARANTES, Pedro Fiori; FIX, Mariana. Como o governo Lula pretende resolver o problema da habitação. Caros amigos, 2009. BOSCARIOL, Renan Amabile. Os agentes estatais na produção do espaço urbano em cidades do interior paulista: Marília, Presidente, Araçatuba e São José do Rio Preto. 2011. CASTELLS, M. A questão urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983. CARDOSO, Adauto. L.; ARAGÃO, Themis. Do fim do BNH ao Programa Minha Casa Minha Vida: 25 anos da política habitacional no Brasil. In: CARDOSO, A. L.. (Org.). O Programa Minha Casa Minha Vida e seus Efeitos Territoriais. 1ed. RIO DE JANEIRO: Letra Capital, (2012). CARLOS, Ana Fani A. Diferenciação sócio-espacial. Cidades (Presidente Prudente), v. 4, p. 45-60, (2007). CORREA, Roberto Lobato. 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As cidades médias constituem elementos importantes na urbanização brasileira, essas cidades tem ganhado importância tanto economicamente quanto no cenário político, nas últimas décadas vem assumindo um papel relevante na questão urbana no país, com um crescimento acelerado. Vitória da Conquista sendo considerada uma cidade média tem experimentado esse crescimento urbano, isso denota que conforme o capital avança com a produção de mercadorias e serviços, os fluxos se multiplicam e se diversificam, essa rede de relações da cidade surge através dos movimentos de homens, produtos, técnicas e ideias que se deslocam formando um todo. Entretanto as benesses trazidas pelo crescimento não beneficia a todos que moram na cidade, a partir disso se tem uma gama de problemas que vem atrelado ao crescimento, como a falta de moradia para uma parcela da população. Palavras chaves: Assentamentos precários. Habitação. Cidades medias. Abstract The text focuses on the process of urbanization in the city of Vitória da Conquista from the production of non-adequate housing, in order to identify a controversial side of the city with regard to housing, the methodological procedures used began with the reading of the references in housing and use of the concepts of the Ministry of Cities of Brazil on slums. We also sought to examine these areas using data from the IBGE (Brazilian Institute of Geography and Statistics) and previous work of researchers such as Adams (2005) and Ferraz (2001). Medium cities are important elements in Brazilian urbanization, these cities has gained importance both economically and in the political landscape in recent decades has had an important role in urban issue in the country, with accelerated growth. Vitória da Conquista is considered a medium-sized city that has experienced urban growth, This shows that as capital moves forward with the production of goods and services, flows multiply and diversify, this network of relations of the city emerges through the movements of men, products, techniques and ideas moving forming a whole. However the blessings brought by the growth does not benefit 388 all who live in the city, as it has a range of problems that comes tied to growth, such as lack of housing for a portion of the population. Key words: Precarious Settlements. Housing. Medias cities. Introdução A terra no Brasil até meados do século XIX era dada pela coroa ou ocupada, porém, mesmo não tendo ainda valor comercial já era utilizada pela classe dominante, representava status. Durante os primeiros anos do Brasil colônia poucas ruas eram calçadas, somente as das cidades principais, o saneamento básico não existia, os escravos recolhiam as fezes e jogava nos rios ou mares. A partir de 1850 a Lei de Terras é implantada e desse momento em diante o solo brasileiro passa a ser privado, ou seja, é necessário pagar pela terra. A Lei de Terras tem uma forte ligação com o fim da escravidão, ela serviu para a transferência de poder das elites, ou seja, antes do fim da escravidão o poder e a riqueza eram medidos pelo número de escravos, com a lei a terra passa a ser sinônimo de poder e riqueza, pois havia sido convertida em mercadoria. A sociedade já se dividia em duas parcelas uma formada pelas elites que podiam comprar terras e a outra formada pelos escravos já livres que não tinham como adquirir a terra, ou seja, o objetivo maior da lei era negar o acesso à terra aos trabalhadores, exescravos e imigrantes para que se tornassem força de trabalho. Segundo Ermínia Maricato (1997) a lei de terras serve, pela primeira vez no Brasil, para separar o que é solo privado e solo público, dessa forma, a partir dessa lei, é possível a regulamentação do acesso à terra urbana, que vai garantir, ao longo do tempo, também, o privilégio das classes dominantes. No final do século XIX já se percebe um desenvolvimento, das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo que vai se consolidar no século XX, e todo esse desenvolvimento vem atrelado com a ideia de que as cidades não deveriam expressar um atraso e sim o modernismo das grandes cidades europeias, por esse motivo as elites buscavam afastar os miseráveis de suas vistas, havendo assim uma grande segregação social, reportando a mesma diferenciação social pelas elites dos latifúndios, se a urbanização na colônia já havia lançado uma grande segregação, a industrialização gerou um caos urbano. A partir de então surge no cenário urbano o que se passou a ser designado de periferia: aglomerados distantes dos centros, clandestinos ou não, carentes de infraestrutura, onde passa a 389 residir crescente quantidade de mão de obra necessária para fazer girar a maquinaria econômica. (Kowarick, 1993, p. 35) A partir disso é que se tem o surgimento dos primeiros cortiços, ocupações em morros e moradias precárias, a cidade já possuía uma grande diferenciação sócio – espacial, segundo Maricato (1997), a cidade do Rio de Janeiro, em 1888, ano da abolição tinha mais de 45 mil pessoas morando nos cortiços, sendo a maioria escravos libertos, a insalubridade, as doenças, vindo da falta de infra-estrutura, a violência e a alta densidade urbana, já mostravam o que viria a ser a cidade brasileira do século XX e XXI, Maricato afirma. O processo de urbanização brasileiro deu-se, praticamente, no século XX. No entanto, ao contrário da expectativa de muitos, o universo urbano não superou algumas características dos períodos colonial e imperial, marcados pela concentração de terra, renda e poder, pelo exercício do coronelismo ou política do favor e pela aplicação arbitrária da lei. (MARICATO,2003, p. 151) Aglomerados subnormais que segundo o IBGE é um conjunto constituído de no mínimo 51 unidades habitacionais carentes em sua maioria de serviços públicos, o mais degradante é a perpetuação dessa carência sem qualquer ação que modifique essa precariedade, onde normalmente são distinguidos como parte normal do desenvolvimento da cidade, e mesmo que essas moradias tenham propiciado um teto aqueles que não tinham é uma moradia inadequada que gera outros enormes problemas urbanísticos. A concretização desses assentamentos ocorre em função do caos urbano, sendo uma alternativa encontrada pela população para a questão da habitação, posto que o espaço urbano seja um produto social e seus problemas estão interligados à dinâmica das relações de produção e estrutura de poder na sociedade capitalista. A habitação é um elemento essencial para a sobrevivência dos indivíduos, sendo local de repouso e intimidade familiar, a partir disso a habitação se apresenta como uma necessidade social, entretanto mesmo sendo uma necessidade do individuo e reconhecida como direito constitucional, a moradia dentro dos parâmetros que a definem como adequada permanece como algo escasso. Os assentamentos precários no Brasil hoje não fazem parte apenas da realidade nas metrópoles, as chamadas cidades médias mesmo com suas particularidades têm 390 enfrentado muitos problemas no que diz respeito às moradias precárias construídas informalmente advindas de ocupações, são habitações construídas pelo próprio morador ou por pessoas próximas, estas localidades em sua maioria não possuem infraestruturas como rede de esgoto, pavimentação, o que ocasiona muitos córregos pelas vias de acesso acompanhado de mau cheiro, pelo fato de escoar a água de serviços domésticos, outra questão bastante comum é a falta de aparatos sociais como igrejas e associações, na grande maioria destes espaços não se tem escolas, creches, praças e postos de saúde, o transporte é precário e a iluminação deficiente, a partir disso surgem outros problemas como a falta de escolarização, pois a grande maioria precisa trabalhar e não consegue conciliar trabalho e estudo. A atual cidade capitalista vive um processo dinâmico, se materializa de diversas formas, alterando seu desenho e seu conteúdo social. Tem-se o estado como agente regulador que ao interferir na produção do espaço com seus instrumentos urbanísticos aprofunda ainda mais a segregação espacial existente, por atingir de forma diferenciada as camadas da sociedade, ou seja, não dá conta de forma satisfatória a determinadas necessidades básicas da população, como, por exemplo, moradia digna a todos, gerando o surgimento de favelas, cortiços e assentamentos precários. [...] uma sociedade não pode existir sem crise de habitação quando a grande massa dos trabalhadores dispõe exclusivamente apenas do seu salário, quer dizer, da soma de meios indispensáveis à sua reprodução; quando novos melhoramentos mecânicos tiram incessantemente trabalho a grandes massas de operários; quando crises industriais violentas e cíclicas determinam, por um lado, a existência de um importante contingente de reserva de desempregados e, por outro, lançam momentaneamente para a rua a grande massa dos trabalhadores; quando estes são amontoados nas grandes cidades e isto a um ritmo mais rápido que o da construção de habitações nas circunstâncias actuais e quando aparecem sempre inquilinos, mesmo para os pardieiros mais ignóbeis; quando, enfim, o proprietário de uma casa, na sua qualidade de capitalista, tem não só o direito, mas também, em certa medida, graças à concorrência, o dever de retirar da sua casa, sem escrúpulos, as rendas mais elevadas possível. Numa tal sociedade, a crise da habitação não é um acaso, é uma instituição necessária; ela só pode ser eliminada, tal como as suas repercussões para a saúde, etc, se toda a ordem social de que ela decorre for completamente transformada. (ENGELS, 1887, p. 48-49) 391 As formas de consumo do espaço interferem diretamente nas transformações que afetam as cidades, novas formas de produção espacial são inseridas no processo de construção, levando-nos a pensar como as relações do homem com o meio definem as formas de como a população vive e se apropria do espaço nas cidades. As dinâmicas da urbanização refletem à valorização fundiária que propicia à exclusão dos indivíduos, e principalmente ao direito de morar, o acesso à urbanização só era e é possível aos que possuíam poder de compra, as relações que se estabelecem no espaço giram em torno do privilégio para a classe dominante desencadeando a exclusão da população mais pobre, tem-se a moradia como um item inalcançável pela população miserável. Em 1940 a população urbana no Brasil era de apenas 26,34% do total, em 1980 ela já era de 68,86% o que se percebe é um grande crescimento urbano e com isso as desigualdades espaciais aumentam, e em 2000 era 81,20%, segundo Maricato até mesmo os trabalhadores não conseguem obter uma moradia digna, devido os baixos salários e na maioria das vezes o não atendimento pelas politicas desenvolvidas pelo estado para a habitação. Até o trabalhador da indústria fordista (automobilística) é levado freqüentemente a morar em favelas, já que nem os salários pagos pela indústria e nem as políticas públicas de habitação são suficientes para atender as necessidades de moradia regulares, legais (MARICATO, 1996a, 43). A explosão urbana na década de 60 devido a mão de obra disponível no campo era condição econômica para a manutenção do baixo valor de mão obra, desenhado um crescimento concentrador de renda, em 1963 o seminário nacional de habitação e reforma urbana tenta levantar algumas questões sobre o crescimento das cidades e a falta de moradia, mas é sufocado pela ditadura que desmonta as mobilizações em torno das questões sociais, principalmente a respeito de moradias, resultando em políticas de habitação centralizadoras e tecnocrático devido a necessidade de em meio ao golpe militar haver uma coesão espacial Em 1979 houve a aprovação da lei 6766 regulando o parcelamento do solo e criminalizando o loteador irregular, em 1988 a Constituição dos artigos 182 e 183, que fundavam instrumentos para o controle da produção do espaço urbano e adentravam o princípio da chamada “função social da propriedade urbana”, porém esses artigos só 392 foram regulamentados 11 anos depois, culminando na a aprovação da Lei 10.257 que é o Estatuto da Cidade, em julho de 2001. No ano de 2003 tem - se mais avanços na questão habitacional no país com a criação do Ministério das Cidades, órgão de instância federal, responsável pela elaboração da Política Nacional de Habitação (PNH), que em 2005 instituiu o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), e criou o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), esses instrumentos enfrentam um grande problema, com os prazos, em alguns casos não cumpridos por estados e municípios, dificultando ainda mais sua execução. Certamente a falta de habitação experimentada pelas cidades vem acompanhada do surgimento dos assentamentos precários, que em sua maioria são oriundos das ocupações, esses locais em sua maioria não possuem estrutura para se habitar, são carentes dos equipamentos sociais, como se pode verificar na figura 1. Figura 1 – Assentamento José Machado Costa. Vitória da Conquista – BA, 2013. Fotografia do autor 1- A perpetuação dos assentamentos 393 O município de Vitória da Conquista tem experimentado um processo de crescimento que traz a tona questões referente à falta de moradia para a classe trabalhadora, que em sua maioria não tem condições salariais para aquisição da habitação. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na década de 60 o município tinha 48.712 habitantes na zona urbana, em 1980 já era 127.652 e em 2000 a população era de 262.585 habitantes, em 2010 a população foi de 306.374 habitantes sendo que 274.805, na área urbana e 31.569 na área rural, o que se percebe são um aumento muito maior da população urbana nas últimas décadas e a falta da execução de políticas que viabilizem a construção do urbano para todos. Toda a reflexão acerca da urbanização precária tem reflexos na falta de qualidade de vida urbana em suas condições sociais e materiais, precisa-se de coerência nos projetos urbanos e ampliação da justiça social na cidade para se evitar novas e mais amplas desigualdades espaciais. O município de Vitória da Conquista Ba estar localizado na Bahia, como pode ser visto no mapa, figura 2, sendo uma cidade media em pleno desenvolvimento atraído a população de cidades vizinhas e zona rural do próprio município. LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA/BA 22°10' S 23°44' S LOCALIZAÇÃO DA BAHIA NO BRASIL 25°17' S 26°50' S 28°23' S Vitória da Conquista 29°57' S 28°00' W 29°18' W 30°48' W 32°18' W 33°48' W 35°18' W Fonte: IBGE/ CEI Base cartográfica: CEI (1994) Elaboração: PASSOS, Ana Claudia Oliveira Ano de Elaboração: 2013 Apoio: 36°48' W 31°30' S Escala em Km 0 100 200 300 Figura 02 – Malha Urbana de Vitória da Conquista- BA, 2013. Fonte: PASSOS, Ana Oliveira. 2013 394 A questão habitacional no município se materializa a partir da década de 80 em função do crescimento acentuado e dos insucessos das medidas habitacionais do governo federal, como exemplo o BNH, que em 1986 foi extinto em função de vários problemas, desde a inadimplência e até mesmo a inviabilidade devido o custo de produção, dessa forma a falta de moradia só aumentou, ficando clara a ineficiência do estado em prover moradias, no município de Vitória da Conquista, toda essa crise é refletida através das ocupações. Em Vitória da Conquista, também se manifestará o problema da moradia. Mesmo com as ações do BNH que criou conjuntos habitacionais como o BNH, os INOCOOP´s e as URBIS e, mesmo antes da liquidação da URBIS em 1998, observa-se desde meados da década de 1980, ocupações no espaço urbano e as insatisfações com o Sistema Financeiro de Habitação.( Almeida, 2005, p. 65 ) Entretanto a maior parte instrumentos urbanísticos têm servido apenas como maquiagem para a segregação espacial existente, onde o problema reside na insuficiente de renda da população em acessar uma solução habitacional além da divida enorme que o país possui na questão da habitação por ter postergado durante muito tempo ações para a resolução da dinâmica habitacional, deixando livre a especulação imobiliária, dificultando a terra para habitação de interesse social que faz com que a população que não tem poder de compra seja empurrada para os locais de grande precariedade como afirma Kowarick. Com a explosão do preço dos terrenos, a tendência é acentuar a expulsão da população para as periferias, onde, distante dos locais de trabalho, se avolumam barracos e casas precárias. ( Kowarick, 1993,p 42.) Segundo Almeida (2005) na cidade de Vitória da Conquista na década de 80 já começa a haver ocupações, tem-se a união dessa população excluída que começa a reivindicar o acesso à terra urbana e consequentemente a cidade. Até mesmo os programas que se destinam á assim chamada demanda de “interesse social”, não só quantitativamente pouco expressivos, como também, frequentemente, as camadas que deveriam ser beneficiadas não tem condições de amortizar as prestações previstas pelas fantasiosas soluções oficiais. (Kowarick, 1993, p. 63) 395 O número de ocupações que surgem na cidade entre a década de 80 e 90 pressiona o município a buscar maneiras de coibir, o olhar do município se volta para esses terrenos. Segundo Almeida (2005) os assentamentos oriundos do programa PMHP são Henriqueta Prates - 1988, Recanto das Águas - 1998, Cidade Modelo - 1995, Nova Cidade - 3 etapas - 1991, Nova CAP - 1991, Vila América - 1999 e Alto do Bruno Bacelar – 1992.Já os assentamentos advindos de antigas ocupações são Alto da Conquista –1991, Renato Magalhães - 1992, Parque da Colina - 1996, Ubaldino Gusmão -1996, Conjunto da Vitória - 1991 e Santa Helena – 1989/93 e de ocupações Alto da Boa Vista - 1988, Alto da Conquista – 1997, Pedrinha - Nova Esperança - 2001, Nossa Senhora de Lourdes - 1999, Santa Cruz - 1988, Encosta do Conveima I - 1991, Encosta do Conveima II – Copacabana II - 1994, Santa Terezinha - 1984, Rua Paulo Rocha - 1992, Rua José Machado Costa - 1992, CGC – canteiro central - 1999, Kadija– ao lado do cemitério - 1989, Ipanema -1980, Lagoa do Jurema -1995, Rua Anelita Nunes - Tanque Seco -1996 e Vila União – 1987. Não houve muitos avanços para a população sem moradia, a população apenas obteve o direito a habitar o local, o programa municipal foi uma das formas utilizadas pelo município para pressionar a diminuição das mobilizações dos sem teto na cidade, o grito dos miseráveis pela sobrevivência avançava, era preciso calar os movimentos. Segundo Almeida (2005) o município se limitou à disponibilização de alguns lotes e o reconhecimento, com a cessão do direito especial de uso, para os lotes ocupados pelos sem-teto, mesmo assim o número de pessoas sem moradia era maior do que o número de lotes disponibilizados, ocasionando ainda mais ocupações. Em 2000 o município conseguiu recursos do banco mundial, foram construídas algumas casas no assentamento Vila América para a população de baixa renda, segundo o PLHIS (2013), existe na cidade cerca de 10.000 lotes irregulares, levando em consideração as críticas levantadas em torno desse número, a situação fica pior quanto ao numero de moradias irregulares, ou seja, pessoas que não possuem a posse definitiva da terra. O crescimento das ocupações nas décadas de 80 e 90 foi acompanhando pela falta de soluções e, até mesmo, de iniciativas em resolver a questão da habitação e hoje, mesmo com todos os instrumentos urbanísticos, e atitudes político administrativo como a criação do ministério das cidades, a cidade sofre com a falta de moradias e a 396 perpetuação da precariedade nas ocupações, algumas áreas da cidade são privilegiadas com infraestrutura e outras não, causando enormes diferenciações no espaço, segundo Almeida. Vê-se, então, que a atuação heterogênea do Estado no espaço urbano conquistense produziu e produz uma “valorização” diferenciada deste espaço em que áreas serão contempladas por equipamentos coletivos e outras não, como confirmaremos no capítulo seguinte. Assim, a cidade se reproduz de forma heterogênea e segregada, fruto das ações desiguais no processo de produção social do espaço urbano, mediadas pela divisão social e territorial do trabalho que constroem áreas considerada mais “valorizadas” e menos “valorizadas”. (Almeida, 2005, p 76) Os assentamentos em sua maioria receberam ao longo dos anos algum tipo de urbanização como em algumas ruas o asfalto, o inicio do esgotamento e a criação de escolas e postos de saúde, mas em sua totalidade existe muita precariedade, as melhorias são pontuais e em pequena escala, o que não consegue elevar o nível dos assentamentos a lugares urbanizados, outro ponto fundamental é a falta de representatividade de cada local junto ao município, a maioria dos moradores não participam de associações. Durante a pesquisa de campo foi constatado que em alguns assentamentos não existia presidente, como foi visto nos assentamentos Renato Magalhães, Paulo Rocha e José Machado Costa, isto dificulta a reivindicação de melhorias. Certamente o problema da moradia parte do fato de trata- lá como mercadoria a ser produzida e comercializada no modelo capitalista, dessa forma o estado exclui a maior parte da população brasileira de usufrui- lá, o item moradia possui valor e quase sempre valor inalcançável por um grande número da população, os custos em torno da construção de habitação para o trabalhador não permite que ele possa adquirir uma habitação adequada. As construções nos assentamentos são comercializadas abaixo do preço de uma casa formal, ao serem questionados sobre a escritura das casas fica claro o medo dos moradores em falar no assunto, o cenário é de total insegurança dos moradores quanto à posse, o que os leva sempre a se esquivar quando perguntados. Isto demonstra toda a fragilidade desses indivíduos, com todos os problemas de falta de infraestrutura, e o medo permanente de terem suas casas tomadas. A relação entre habitat e violência é dada pela segregação territorial. Regiões inteiras são ocupadas ilegalmente. Ilegalidade urbanística convive com a ilegalidade na resolução 397 de conflitos: não há lei, não há julgamentos formais, não há Estado. A dificuldade de acesso aos serviços de infra-estrutura urbana (transporte precário, saneamento deficiente, drenagem inexistente, difícil acesso aos serviços de saúde, educação, cultura e creches, maior exposição à ocorrência de enchentes e desabamentos) somam-se menores oportunidades de emprego, maior exposição à violência (marginal ou policial), difícil acesso à justiça oficial, difícil acesso ao lazer, discriminação racial. A exclusão é um todo: social, econômica, ambiental, jurídica e cultural. (MARICATO, 2003, p. 2) A produção do espaço é regida pelas contradições que produzem localidades de extrema pobreza ao mesmo tempo em que outros locais urbanizados, disso percebe-se a condição da cidade de reprodução, cidade obra, em constante construção, mas que traz consigo a dualidade. Existe uma nítida distribuição desigual dos equipamentos de serviços urbanos na cidade que é percebido nas contradições dos espaços, o consumo desigual gera diferenciações, que são produzidas pelos proprietários de terras, a indústria da construção e o capital imobiliário, produzindo assim u m campo de luta de classe. Disto decorre toda a problemática habitacional na cidade que nas últimas décadas tem feito surgir os assentamentos, que é uma forma dessa população excluída sobreviver, mesmo que seja em lugares inapropriados pela falta de infraestrutura, são seres empurrados para a cidade informal A vida desses cidadãos é de extrema carência, os trabalhos que os moradores em sua maioria, exercem são em serviços gerais ligados ao setor informal e na construção civil, muito das mulheres trabalham como empregadas domésticas em condomínios fechados da classe média e alta, o nível de escolaridade é muito baixo, na pesquisa foi constatado um percentual considerável de pessoas que tem apenas o ensino fundamental básico como pode ser visto na tabela abaixo, o que deriva outros problemas como os subempregos, portanto, isso nos remete a refletir sobre as dinâmicas do espaço com suas disparidades, o individuo ao mesmo tempo em que produz esse espaço do qual pertence é vitima de suas segregações. TABELA 1 – Percentual do nível de escolaridade da população residente no Assentamento Renato Magalhães – 2013 Analfa Funda Médio 398 Médio Superi Total betos mental completo 20% 50% incompleto completo 10% or 19% 1% 100% Elaboração: Uriana Fernandes Fonte: Aplicação de questionários em agosto de 2014. ao analisar os dados do IBGE do censo de 2010 se percebe a grande dívida do país na questão da habitação, segundo o censo são 11,42 milhões de pessoas vivendo em favelas, assentamentos irregulares e outros, os dados de 1991 era de 4,48 milhões e em 2000 6,53 milhões, fica claro o crescimento desses lugares sem infraestrutura, dos 57 milhões de domicílios brasileiros só 30 milhões são considerados adequados ou seja 52,5%. Em uma pesquisa recente da ONU, mostra que na América Latina o déficit habitacional subiu de 38 milhões de residências em 1990 para 51 milhões em 2011, em relação às condições precárias os índices caíram de 33% para 24%, no Brasil, no entanto o índice de precariedade é de 30%, , mesmo com a queda do índice de precariedade na América latina, no Brasil não houve uma redução significativa. A população brasileira sofre com a precariedade habitacional que afeta as camadas menos favorecidas. Esse item chamado moradia é um dos indicadores básicos para se medir as condições de vida de um determinado povo, à medida que esse fenômeno de desenvolvimento das cidades vai aumentando ocorre uma segregação urbana, gerando uma fragmentação devido ao crescimento populacional e a valorização do solo. Considerações finais A precariedade habitacional no município tem como exemplo a proliferação e permanência dos assentamentos precários na cidade, com a eclosão dos mesmos entre a década de 80 e 90, o poder municipal começa a tomar algumas medidas como 399 implantação de leis e adesão aos programas federais de habitação no intuito de barrar as invasões, que em sua maioria resultam nos assentamentos, entretanto não há muita evolução na questão habitacional do município, O plano diretor urbano do município que foi instituído em 22 de dezembro de 1976, doze anos antes da constituição de 1988, não conseguiu exercer a função de regular o solo, a população pauperizada moradora dos lugares precários não foi atendida. A crise habitacional se tornou algo normal no cotidiano da cidade, o número de habitações sem saneamento ainda é muito grande, e o transporte público exige dos trabalhadores horas e horas de paciência, além da terra urbana não cumprir sua função social, embora seja uma exigência constitucional, a irregularidade fundiária tornar-se parte da cidade. Segundo Bonduki os miseráveis diante da situação de precariedade habitacional que vivem, acaba perdendo a referência do significado de morar na cidade, já não possuem uma referência do que é uma moradia digna. Segundo o PLHIS (2013) entre 2010 a 2013 a cidade teve um crescimento de 21,81%, se destacando com um comércio forte, o aumento do número de escolas, faculdades e clínicas, em contrapartida o número de miseráveis aumentou, cerca de 43,8% da população é de baixa renda, o aumento da população é atrelado ao aumento da pobreza e essa pobreza é refletida de várias formas e uma delas é a precariedade habitacional. Ao longo dos anos esse crescimento populacional urbano esteve atrelado a uma política de habitação voltada para pessoas de baixa renda ou sem nenhuma, entretanto não contribuiu para diminuir a crise da habitação que sempre vem acompanhando o crescimento da cidade, a partir daí se percebe no município é inúmeros projetos, na maioria das vezes, homologados somente em função das verbas recebidas via implantação desses projetos para a habitação Os assentamentos precários é o reflexo de toda a problemática habitacional, pensar sobre o processo que se dá a formação dos assentamentos, requer a análise do processo histórico, bem como dos motivos que levaram à formação e a apropriação, segregação e periferização, e todo esse entendimento possibilita melhores encaminhamentos das ferramentas as quais o município possui para a gestão 400 habitacional. A analise dos assentamentos materializa a negação do direito à cidade, ao urbano e a tudo que abarca à população que o habitam. Portanto, isso nos remete a refletir sobre as dinâmicas do espaço com suas disparidades, o individuo ao mesmo tempo em que produz esse espaço do qual pertence é vitima de suas segregações. 401 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS RAMOS, Maria Helena R. e SÀ, Maria Elvira Rocha. Avaliação da política de habitação popular segundo critérios de eficácia social. In: RAMOS, Maria Helena R. (org) Metamorfoses sociais e políticas urbanas. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. ALMEIDA, Miriam C. Produção Sócio Espacial e Habitação Popular nas Áreas de Assentamentos e Ocupações na cidade de Vitória da Conquista – BA. Salvador: dissertação de mestrado, 2005. BRASIL. Estatuto das Cidades n.10257 de Julho de 2001- estabelece diretrizes gerais da Política Urbana. BRASIL. Ministério das Cidades. Curso a Distância: Planos Locais de Habitação de Interesse Social. Brasília, DF, 2009. ENGELS, Friedrich. O Problema da Habitação. Tradução Antônio Pescada. São Paulo: Estampa, (sd). Original de 1887. FERRAZ, Ana Emília de Q. 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Os agentes e suas escalas de atuação: política habitacional, poder público local e o PMCMV em Londrina e em Maringá Neste trabalho abordaremos as relações existentes entre os agentes da produção do espaço urbano, poder público local e produtores imobiliários, a partir da questão da promoção da habitação e da política habitacional local nas cidades de Londrina e Maringá (Mapa 1). O atual momento do setor imobiliário no Brasil, fortemente resignificado a partir da atuação do Estado, por meio do PMCMV, enseja um quadro de mudanças nas práticas históricas dos produtores e promotores imobiliários, dos maiores aos menores, daqueles cuja atuação é mais local àqueles mais presentes no território nacional. Estas mudanças não suplantam determinadas rotinas, esquemas, ações ou estratégias locais evidenciadas em espaços não metropolitanos, mas as rearticulam ao contexto geral, e reatualizam os 131 Este artigo compreende parte dos resultados obtidos com a pesquisa desenvolvida em nível de doutorado em Geografia pela FCT/UNESP de Presidente Prudente/SP, sob orientação da Prof a. Dra. Maria Encarnação Beltrão Sposito, e co-orientação do Prof. Dr. Everaldo Santos Melazzo. A pesquisa contou com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Email: [email protected]. 403 expedientes de reprodução local que, em alguns casos, mutuamente influenciam outros expedientes pertinentes a outras escalas espaciais. No contexto atual e na esfera local reproduz-se o clientelismo, a influência do empresariado sobre as decisões públicas e a subserviência das normas urbanísticas aos ritmos e sentidos da valorização imobiliária que, mesmo em face das importantes mudanças carreadas pós Estatuto da Cidade, em 2001 – inclinadas ao cumprimento da função social da cidade e da propriedade, à participação da sociedade civil nos ambientes de tomadas de decisões correlatas a coletividade, dentre outras –, resultam em pouca resistência aos interesses imobiliários, que permanecem quase intocados e fortemente organizados nas cidades. Mapa 1 - Situação geográfica das cidades médias de Londrina e Maringá. Em Maringá, onde se construiu fortemente um discurso em torno da cultura do planejamento técnico e dos parâmetros urbanísticos, constata-se sua constante reordenação de acordo com as conveniências, ritmos e sentidos apontados pelo mercado 404 (BELOTO, 2004). Töws (2010, p. 224), em pesquisa concernente à verticalização em Londrina e Maringá, confirma que há: [...] uma relação intrínseca dos agentes do capital imobiliário com o Estado. Existem muitos agentes que estão diretamente vinculados ao poder público por meio de cargos políticos ou por parentesco. Esse fator é decisivo na formulação e na reprodução das leis que visam atender a interesses específicos nas cidades, gerando a segregação e os problemas urbanos. Essa parcela é responsável pela expansão da verticalização na Gleba Palhano em Londrina [...]. Em Maringá a maior expressividade ocorreu na localização dos condomínios fechados. Agentes políticos que são ao mesmo tempo proprietários utilizam diversas estratégias a fim de valorizar suas propriedades. Semelhantemente, Schmidt (2002, p. 18), em pesquisa sobre a produção imobiliária à luz das ações do poder público local em Maringá, afirma que o relacionamento da incorporação imobiliária com a estrutura político-administrativa não se apresenta sistematicamente sempre conflitante, pois se rege pelos contatos sociais e decisões sobre o que e onde. Aqui, entra a questão da elite local, que garante certa vantagem aos agentes privados, já que, em defronte às lutas na esfera pública, as disputas são acirradas, especialmente no caso das disputas pelo acesso aos benefícios políticos locais e às políticas de investimento etc., levando a relação entre determinados grupos à deterioração, sendo comuns as disputas travadas nos âmbitos legislativo, técnico e em outras instâncias interpessoais, a fim de atenuar e dirimir as tensões entre o mercado e o poder público local, e conciliar forças consentâneas entre si na produção do espaço urbano. Porém, esta “conciliação” de interesses é intermediada pela força dos agentes que condicionam as disputas e a concorrência ao poder econômico, atenuando-a em função destes arranjos economicamente estabelecidos e politicamente favorecidos. A composição do poder público local por agentes que atuam também na produção imobiliária, afirma Töws (2010, p. 201 e 202), possibilita a influência dos grupos locais, associados e organizados, na definição das normas do planejamento urbano. Töws (2010, p. 201-202) observa que a influência desses grupos mais se destacou na cidade de Londrina, pressionando ocasionalmente o poder público local no tocante à legislação e às normas urbanísticas, já que em Maringá, haja vista a articulação histórica dos governos locais com os grupos econômicos locais, salvo poucas administrações, o conflito de forças era menos aparente, pois elas sempre estiveram conciliadas e contempladas na gestão da cidade para o mercado imobiliário, parecendo, assim, o conflito, menos ‘agressivo’, seja pela competência do poder público local em não deixá405 los transparecer ou, o que é mais provável, pela conciliação de interesses favorecidos e reforçados na produção do espaço urbano pelo agente público local em sua histórica consonância com os interesses do mercado imobiliário local. O objetivo aqui não é reescrever a “trajetória” da política habitacional a partir do exemplo das duas cidades, porque outras pesquisas já se empenharam nesta tarefa. Dentre elas, para o caso londrinense, vale mencionar as contribuições de Razente (1984), Alves (1991), Martins (2007), Postali (2008), Beidack (2009), Oliveira (2012) e, inclusive, em nossa dissertação de mestrado (AMORIM, 2011), dedicamos um capítulo ao assunto; e, para o caso maringaense, as investigações de Silva (2002), Rodrigues (2004) e Silva e Silva (2013), dentre outras, dedicaram-se ou contribuíram indiretamente com a temática, cujos recortes analíticos corresponderam a períodos e enfoques distintos da política habitacional e da moradia nas cidades brasileiras nos últimos quarenta anos. O que pretendemos é compreender o arranjo de forças locais constituído em função da promoção pública da habitação, sobretudo no que concerne ao período atual, em que a atuação do PMCMV influencia o rearranjo territorial do setor imobiliário no país. Assim, indagamo-nos a respeito das influências desse programa junto às construtoras, incorporadoras e imobiliárias das cidades por nós estudadas, e de como estão articulados poder público local, agentes privados e política habitacional, e como resignificam a produção imobiliária. O primeiro período desta “trajetória” teve sua gênese na década de 1960, com a estruturação da política habitacional brasileira, com a criação do atualmente extinto Banco Nacional da Habitação (BNH) e do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que, sintetizado na escala local, a partir da pesquisa de Razente (1984, p. 275), compreendeu um processo de edificação de um novo padrão de reprodução do capital investido no setor imobiliário a partir de novas bases de acumulação e de mudanças significativas nas estruturas produtivas regionais, além de mudanças estruturais e institucionais correlatas ao setor imobiliário. Estas foram as características intrínsecas da década de 1970, comuns tanto à Londrina como à Maringá, quando se imprimiu uma nova configuração econômica e socioespacial às cidades. Marcadas pelo aprofundamento da intervenção estatal nas questões fundamentais à reprodução da força de trabalho e às exigências do padrão de acumulação capitalista, as décadas de 1970 e 1980 resultaram, segundo Razente (1984, 406 p. 277): 1) na produção do espaço pela promoção estatal da habitação, voltado à reprodução da força de trabalho; 2) na produção do espaço urbano pela fração dos promotores imobiliários nas áreas periféricas da cidade; 3) na organização do espaço produtivo para a reprodução do capital industrial; e 4) na articulação de todas estas instâncias, permeadas pela gestão do espaço urbano como um todo, através de sua normatização/utilização/ocupação. Desta maneira, o padrão de acumulação orientou a ação do poder público local a promover mudanças estruturais na cidade, dentre elas, uma para o capital industrial emergente na cidade. Estas mudanças resultaram em programas de realocação espacial das zonas industriais, que deixaram as antigas áreas próximas ao centro, seja pelo fato da reestruturação espacial que acometeu este setor, por políticas setoriais, ou pelo preço da terra que, então, tornou desinteressante a presença de áreas industriais próximas das residenciais, seja pela própria proximidade em relação ao centro comercial da cidade. No entanto, sob os auspícios da política hegemônica e centralizadora do período, tal projeto viu-se limitado, sobretudo na cidade de Londrina, quando a política habitacional do período em questão centralizou e definiu os rumos da expansão da cidade. Inversamente às prioridades locais de acumulação de capital, os mecanismos operacionais do BNH relegaram ao segundo plano o projeto industrializante para Londrina (RAZENTE, 1984, p. 299), enquanto em Maringá esses efeitos foram menos ressentidos, haja vista a forma de inserção das industriais e agroindústrias na cidade e a destinação de espaços apropriados e planejados para estas instalações. Contudo, a ação governamental foi dirigida à organização do espaço urbano, gerando um aprofundamento das questões urbanas, havendo investimentos públicos, financiados pela força de trabalho, que, no entanto, valorizaram seletivamente as cidades e engendraram as possibilidades de crescimento das empresas associadas à construção civil e ao mercado imobiliário, atribuindo-lhes um forte papel na economia local. Em Londrina, a efetiva implementação da política habitacional se deu por meio da homologação da Companhia de Habitação de Londrina (COHAB-LD)132 junto ao BNH, em 1965, embora sua real atuação teve início somente a partir de 1970. Neste intervalo de seis anos, a Companhia de Habitação do Paraná (COHAPAR) atuou na construção de moradias populares na cidade, juntamente aos Institutos de Orientação às 132 A COHAB-LD constitui-se numa sociedade composta por ações de economia mista, cujo sócio majoritário é a Prefeitura Municipal de Londrina (PML), estando a ela vinculada como entidade de administração indireta. 407 Cooperativas (INOCOOPs133), em suma, voltados à população de baixo poder aquisitivo (BEIDACK, 2009, p. 51 e 52). Isto se deve ao fato de que, de acordo com Martins (2007, p. 88), uma das exigências para homologação das COHABs junto ao BNH, era a de, todas elas, no caso do estado do Paraná, estarem ligadas à atuação da COHAPAR (AMORIM, 2011, p. 101). Durante a década de 1970 foram implantados em Londrina 32 conjuntos habitacionais, isto é, 34,7% do total implantado nas três últimas décadas do século XX, totalizando 11.600 unidades, o que correspondeu a 443.811,77 m2 de área edificada. A maior parte destes conjuntos foi construída na Zona Norte da cidade, em razão do menor preço dos terrenos, embora noutras zonas também houve número expressivo de unidades habitacionais. Na década de 1980, foram implantados 40 conjuntos, representando 43,7% do total do período, compreendendo 11.326 unidades. Embora o número de conjuntos habitacionais tenha sido maior que na década anterior, a área total construída foi menor, correspondendo 417.210 m2. Na década de 1990, foram construídos apenas 20 conjuntos, 21,7% do total, com 4.122 unidades, somando uma área edificada de 173.809 m2 (FRESCA e OLIVEIRA, 2005, p. 107). Com efeito, foi somente na década de 1970 que se efetivou a construção de conjuntos habitacionais em Londrina, concentrando-se a entrega do maior número de unidades no fim da década de 1970 e na primeira metade da de 1980 (Tabela 1). Posteriormente caminhou-se rumo a uma fase de declínio, endividamento da COHAB-LD, aumento das ocupações irregulares, assim, demandando diferentes formas de provisão habitacional pelo município que, todavia, não fizeram frente à problemática habitacional (AMORIM, 2011, p. 105-106). Tabela 1 - Londrina. Conjuntos habitacionais construídos até 2013. ÓRGÃOS ANO COHABAN134/INO COHAB-LD COHAPAR IPE-PR COOP 133 TOTAL “[...] Os INOCOOPs foram criados em 1966 com objetivo de orientar as cooperativas operárias em todas as operações necessárias para a construção de conjuntos habitacionais. Foram criados também para poupar despesas, acumular e reproduzir o capital e legitimar o sistema. Poderia se candidatar a uma casa própria financiada pelo INOCOOP o trabalhador sindicalizado e que pertencente a alguma associação” (BEIDACK, 2009, p. 79, n.r. 32). Em, Londrina, o INOCOOP foi responsável pela implantação de 14 conjuntos habitacionais, totalizando 3168 unidades, sendo o BNH seu agente financiador. Sua atuação teve efetivo início em 1972 e durou até 1996. Além dos INOCOOPs, também o Instituto de Previdência do Estado do Paraná (IPE - PR) financiou e construiu mais quatro conjuntos habitacionais, totalizando 702 unidades entre 1978 e 1989 (FRESCA e OLIVEIRA, 2005, p. 103). 134 Cooperativa Habitacional Bandeirantes (COHABAN). 408 CHs Até 1969 1969 1972 1973 1976 1977 1980 1981 1984 1985 1988 1989 1992 1993 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 136 2011 2012 2013 Tota l 135 Unida des CHs Unidades C Hs Unida des C Hs Unida des C Hs Unida des - - - - 1 228 - - 1 228 6 576 - - 2 67 - - 8 643 8 773 2 291 - - - - 10 1.064 18 10.301 2 928 - - - - 20 11.229 14 7.364 2 349 - - - - 16 7.713 21 2.096 2 367 - - 4 702 27 3.165 36 1 4 666 - - - - 40 7.154 5 202 1 486 3 573 - - 9 1.261 1 1 1 2 4 3 3 3 2 - 10 185 360 548 711 392 212 167 308 - - - 1 1 6 2 1 - 94 441 160 99 80 - - - 1 1 2 7 4 1 4 3 5 3 2 - 10 94 656 520 647 80 711 392 215 167 308 - 2 185 2 185 9 6 5 2.217 938 940 2.217 938 940 150 34.973 9 6 5 18 6 135 136 6.488 13 3.087 19 1.745 4 702 Conjuntos Habitacionais. Convém observar que a partir de 2009 o PMCMV começou a atuar nessa cidade. 409 40.507 Fonte: Londrina (2014, p. 52). De acordo com análise da Tabela 1, observa-se a concentração da construção de um maior volume de conjuntos habitacionais e de unidades residenciais durante as décadas de 1970 e 1980, sendo que, durante a década de 1990 reduziu-se o número de conjuntos habitacionais e, principalmente, o de unidades residenciais. Também é possível constatar que a partir de 2003 a administração da contratação e construção dos conjuntos habitacionais permaneceu a cargo apenas da COHAB-LD. Já no caso maringaense, a construção habitacional passou a ter impacto mais significativo a partir da década de 1980, pois, durante as décadas de 1960 e 1970 foram implantados 24 conjuntos residenciais populares na cidade (MARINGÁ, 2010; SILVA, 2002, p. 105), enquanto que nas décadas de 1980 e 1990 foram implantados quarenta e trinta empreendimentos (Tabela 2), respectivamente, concentrando-se entre os anos de 1985 e 1995. Silva (2002, p. 108) destaca que houve uma intensa produção de conjuntos habitacionais multifamiliares, isto é, “conjuntos de apartamentos constituídos por no mínimo quatro blocos com no mínimo quatro andares por bloco”, compreendendo a maior parte dos empreendimentos residenciais entregues na cidade, por todos os quadrantes do perímetro urbano. Tabela 2 – Maringá. Conjuntos residenciais construídos até 2006. ORGÃO: COHAPAR/COHESMA/COHAMAR Conjuntos Conjuntos Ano Unidades Ano Residenciais Residenciais 1962 1 41 1985 4 1963 1986 8 1964 1987 4 1965 1988 7 1966 1989 1 1967 1 50 1990 5 1968 1 55 1991 8 1969 8 370 1992 2 1970 1993 5 1971 1994 1 1972 1995 2 1973 2 316 1996 5 1974 1 480 1997 1975 2 508 1998 1 410 Unidades 918 1.148 461 915 160 808 1.966 219 1.367 584 1.181 215 150 1976 1 128 1977 2 612 1978 2 1.524 1979 3 1.566 1980 2 391 1981 3 458 1982 2 232 1983 3 348 1984 5 436 Fonte: Maringá (2010, p. 147-149). 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Total 1 1 1 1 1 97 150 133 9 10 71 17.980 Segundo Silva (2002, p. 3), os conjuntos habitacionais multifamiliares, como estratégia de solução ao problema da habitação, “passam a adquirir maior importância que a própria expansão habitacional unifamiliar (casas térreas), inclusive marcando de forma substancial a paisagem urbana da cidade”. Este autor (SILVA, 2002), atenta para o fato de que os conjuntos habitacionais multifamiliares, por representarem um custo menor de produção, puderam também usufruir de melhor localização na cidade, diferente dos conjuntos habitacionais unifamiliares que, geralmente, localizavam-se nas áreas periféricas da cidade, à aproximadamente oito ou dez quilômetros da área central, nem sempre servidos de equipamentos e infraestrutura. A produção sob essa forma veio ao encontro dos interesses das construtoras e dos promotores imobiliários em geral, que atuavam nesse mercado e que, de algum modo, se beneficiavam do processo. No caso da produção dos conjuntos habitacionais multifamiliares, os quais se destacaram na provisão pública da habitação em Maringá, Silva (2002, p. 114) chama atenção ao papel da Cooperativa Habitacional dos Empregados Sindicalizados de Maringá (COHESMA), fundada na década de 1960, que foi destinada a atender segmentos econômicos de renda média, os quais nos primeiros anos da atuação do BNH não foram privilegiados. As cooperativas habitacionais formaram-se [...] basicamente por categorias de profissionais liberais, funcionários públicos, trabalhadores sindicalizados, entre outros, caracterizando-se por não possuírem fins lucrativos, formandose uma espécie de condomínio, dissolvendo-se logo após a concretização das obras (SILVA, 2002, p. 115). Elas atenderam a um público específico, situado fora da faixa atendida pelas COHABs, e foram as interlocutoras deste público junto ao SFH e BNH, articulando construtoras e mutuários ao financiamento habitacional disponível na esfera federal. 411 O que queremos destacar é o papel das cooperativas nesse período no tocante a elaboração dos projetos, reunião de mutuários, localização de terrenos aptos à construção, contratação das empresas construtoras locais e, por fim, montagem de todo o aparato técnico, legal e burocrático para pleitear os recursos federais junto ao agente financeiro, neste caso o BNH, que, quando aprovados, iniciava-se a obra e, a partir do momento da entrega das unidades, finalizava-se o processo com o repasse dos financiamentos aos mutuários finais (SILVA, 2002, p. 116). O papel das construtoras locais foi central nesta forma de incorporação residencial, pois, como afirma Silva (2002, p. 118), em entrevista obtida junto a um ex-diretor da COHESMA: [...] todo o processo de construção era repassado para as construtoras da região, com a finalidade de além de construir mais facilmente, prestigiar as empresas do ramo de construção civil da cidade, ação que era também prevista pelo próprio BNH, na geração de emprego e renda, como meta social. Notase que a COHESMA pautou suas ações sempre priorizando as empresas construtoras da região; por isso, trabalhou-se muitas vezes com construtoras menores, mas que cresceram junto com a cooperativa [...]. A influência das construtoras fazia-se presente até mesmo na definição da localização e do tamanho dos empreendimentos, conforme Silva (2002, p. 119), pois a cooperativa empregava expedientes do mercado imobiliário local para estudar os aspectos da demanda, a localização apropriada e o padrão construtivo, desempenhando, assim, importante papel no desenvolvimento da produção imobiliária, da composição de muitas empresas locais e na estruturação do espaço residencial maringaense. Em pesquisa de doutorado, concernente à verticalização na cidade de Maringá, Mendes (1992, p. 157-158) constata esta proximidade e influência entre a política habitacional e as empresas locais – construtoras, incorporadoras, imobiliárias etc. –, demonstrando como muitas empresas se constituíram em função da construção de obras públicas e conjuntos habitacionais populares, e de como muitos coordenadores, consultores, diretores e presidentes da municipalidade tornaram-se empresários e influentes incorporadores na cidade de Maringá, sendo, ao mesmo tempo, agentes públicos e privados, além de ocuparem cargos importantes nas associações de classe e nos sindicatos patronais. Em suma, estes apontamentos genéricos objetivam situar o fortalecimento dos agentes locais na produção imobiliária, perpassando a política habitacional e a atuação dos agentes privados favorecidos pelo poder público local em casos específicos, além de 412 demonstrar como esse processo favoreceu o crescimento de importantes empresas nas duas cidades. Descrever a influência histórica da política habitacional na estruturação da produção imobiliária, e da política local, trazendo a análise para o centro da questão na atualidade, em que o PMCMV cria novas estruturas, ao mesmo tempo em que mantém e reforça outras, sem eliminar a escala local, é aqui nosso objetivo central, não para ficar somente nele, mas para compreender como se estruturaram importantes empresas locais em função das políticas habitacionais mais importantes, que vão do BNH ao PMCMV. Somente assim poder-se-á constatar como e porque atua o PMCMV em Londrina e Maringá, observando suas distinções, seu impacto no estoque habitacional das cidades, e como participam e se posicionam as empresas locais frente às grandes do setor imobiliário, hoje bastante privilegiadas pelo programa. 2. A produção habitacional no contexto do PMCMV em Londrina e em Maringá Antes de adentrarmos na análise dos dados referente à atuação do PMCMV em Londrina e Maringá, apresentaremos um breve quadro explicativo desse programa. Trata-se de um programa habitacional do Governo Federal, criado no ano de 2009, que visa incentivar a produção e a aquisição de novas unidades habitacionais urbanas e rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00. Estimula a produção de Habitação de Interesse Social (HIS) pelo mercado privado formal, e por isso vai ao encontro dos interesses privados do setor imobiliário no país. De acordo com Maricato e Leitão (2010, p. 118): O Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) parece ter sido uma aposta do governo no mercado, depois da dificuldade do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) em decolar nos municípios, por conta de toda a burocracia lenta de aprovação. O MCMV foi desenhado com 11 grandes empresas e o governo federal, então o programa se traduziu no “plano de sonhos” do mercado. A implementação efetiva do PMCMV, malgrado a estrutura da Política Nacional de Habitação (PNH) (Figura 1), da aprovação do Estatuto da Cidade em 2001, da criação do Ministério das Cidades em 2003, conjuntamente a alteração da Lei 11.124 referente ao Sistema Nacional de Habitação (SNH) em 2005 – por recomendação do Conselho das Cidades, subdividido em Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), voltado à faixa de renda entre zero e cinco salários mínimos, e em Sistema 413 Nacional de Habitação de Mercado (SHM)137, direcionado às classes de renda de cinco a dez salários –, vem demonstrando na prática o descolamento da política habitacional em relação aos avanços institucionais e legais de longa data relativos à função social da cidade e da propriedade urbana, presente em instrumentos tais como as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) dentre outros, próprios da gestão social da valorização da terra. A seguir, a Figura 1 demonstra a organização institucional da Política Nacional de Habitação e do Sistema Nacional de Habitação. Este último está subdividido em Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e Sistema Nacional de Habitação de Mercado, os quais operam com fundos e recursos diferentes no tocante às fontes de captação e repasses orçamentários. Figura 1: Organização da Política Nacional de Habitação, de 2004. Política Nacional de Habitação Sistema Nacional de Habitação Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social Sistema Nacional de Habitação de Mercado Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social Sistema Financeiro de Habitação Fundo de Garantia por Tempo de Serviço Caderneta de Poupança Outros fundos Mercado de Capitais Fonte: Ministério das Cidades (2013, p. 15). 137 Para uma leitura a respeito da estruturação do PNH, SNH e SNHIS, em suas perspectivas, avanços, limitações, impasses e estudos de caso, sugerimos Denaldi (2012), Denaldi, Leitão, Akaishi (2011) e Denaldi (2013). 414 O PMCMV está subdividido em subprogramas e modalidades de acordo com as faixas de renda dos beneficiários, dos grupos prioritários, do agente operador, e do porte do município. Opera com importantes fundos e recursos públicos nacionais, tais como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), recursos do Orçamento Geral da União (OGU), recursos do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), apesar de concentrar-se na utilização do FGTS e do FAR, já que as principais modalidades implementadas são carreadas por estas fontes (BRASIL, 2009)138. Dentre as modalidades, as subdivisões inerentes à proveniência dos fundos e recursos, agentes operantes, os tetos máximos dos financiamentos diferenciados pelo porte dos municípios e outras especificidades, o PMCV também está, inicialmente, subdivido por faixas de renda, sendo três as faixas salariais, que vão de zero a três salários mínimos, na faixa um; de mais de três a cinco salários, na faixa dois; e de seis até dez salários mínimos, na faixa três. Na “faixa um” concentra-se a maior porcentagem do déficit habitacional no país. Analisando-se os dados referentes aos empreendimentos construídos e em fase de construção do PMCMV na cidade de Londrina e de Maringá em 2012, observamos que, para Londrina, de um número total de 7.348 unidades habitacionais, 3.773 (51,34%) encontram-se na faixa um, 2.842 (38,67%) na faixa dois, e 733 (9,97%) na faixa três. Já em Maringá, de um número total de 2.963 unidades habitacionais, 847 (28,58%) encontram-se na faixa um139, 1.619 (54,64%) na faixa dois, e 497 (16,77%) na faixa três. Percebe-se uma diferença entre Londrina e Maringá, enquanto na primeira concentra-se a atuação do programa na faixa um, e na segunda na faixa dois. Com relação às empresas proponentes, observa-se que, em Maringá, de um número total de 27 empreendimentos, em 13 (48,14%) deles são proponentes as empresas locais, os outros 14 estão sendo construídos por empresas de fora, sendo elas majoritariamente a MRV, da cidade de Belo Horizonte/MG, e a Sial Construções, sediada em Curitiba/PR. Já em Londrina, as empresas locais são as responsáveis pelo maior número dos empreendimentos. De um número total de 42 empreendimentos, 25 (59,52%) deles foram ou estão sendo construídos por empresas da cidade, enquanto os outros 17 138 Instituído pela Lei Federal Nº 11.977, de julho de 2009 (BRASIL, 2009). É importante destacar que desse número total, 416 unidades estão localizadas nos distritos Iguatemi e Floriano. 139 415 subdividem-se entre a MRV, a Sial, e a Terra Nova – Rodobens, que é de São José do Rio Preto/SP. O valor total das operações contratadas até dezembro de 2012 foi de R$ 185.611.491,14, no caso da cidade de Maringá. Já em Londrina, esse montante atingiu R$ 358.340.247,00, portanto 48,20% a mais que o valor total contratado em Maringá. Nas Tabelas 3 e 4 discriminamos esses montantes por empresas, identificando o valor total das operações contratadas, a quantidade de obras sob a responsabilidade de cada uma e seu local de origem. Tabela 3 – Maringá. Obras contratadas por cada empresa no âmbito do PMCMV. 2012 Valor das Local de Obras sobEmpresas operações origem da responsabilidade contratadas (R$) empresa Hiten Ltda – EPP 1 2.241.176,13 Maringá João Granado Const. e 1 2.400.000,00 Maringá Imob. Ltda Const. Errerias Ltda 1 3.700.000,00 Paiçandu MB7 Engenharia e 1 4.774.500,00 Maringá Const. Civil Ltda Brassul Construções 1 5.129.285,95 Maringá Civis Washi Emp 1 9.551.700,00 Maringá Provectum Eng. e 2 12.676.632,95 Maringá Empreendimentos Ldta CCII Colombo Const. e 2 16.301.864,09 Maringá Incorp. de Imóveis CCP Engenharia de 3 23.159.042,28 Maringá Obras Ltda Sial Construções Civis 4 29.772.400,00 Curitiba Ltda MRV Engenharia e Belo 10 75.904.889,74 Participações S.A. Horizonte Fonte: organização própria. Base de dados: Everaldo S. Melazzo MCTI/CNPq/MCidades, Nº 11/2012. Tabela 4 – Londrina. Obras contratadas por cada empresa no âmbito do PMCMV. 2012 Valor das Obras sobLocal de origem Empresas operações responsabilidade da empresa contratadas (R$) FETAEP* 1 249.600,00 Londrina 416 Laff Construtora Ltda 1 Const. Almanary 1 Bonora&Costa Const. e 7 Incorp. Ltda Sial Construções Civis 3 Ltda Terra Nova Rodobens/Marajó 3 Incorporadora e Imob. Londrinense Protenge Engenharia 3 Yticon Construção e 5 Incorporação Artenge Construções 4 Civis Ltda Terra Nova Eng. Ltda 4 MRV Engenharia e 10 Participações S.A. *Federação dos Trabalhadores na Agricultura Distrito de Lerroville. Fonte: organização própria. Base de MCTI/CNPq/MCidades, Nº 11/2012. 3.200.000,00 4.800.000,00 Curitiba Londrina 21.361.529,88 Londrina 24.058.879,05 Curitiba 35.971.686,91 São José do Rio Preto/Londrina 40.059.656,57 Londrina 40.400.000,00 Londrina 42.412.128,68 Londrina 43.196.330,25 Londrina 102.630.435,66 Belo Horizonte do Estado Paraná. Obra realizada no dados: Everaldo S. Melazzo - No que concerne à tipologia dos empreendimentos, em Londrina, 26 deles são empreendimentos verticais, e 16 horizontais. Atinente à sua localização, realizamos o mapeamento, diferenciando-os pelas três faixas citadas anteriormente, e neste aspecto residem especificidades centrais à nossa pesquisa, que dizem respeito ao papel que a terra urbana ocupa no processo, e a análise dos Mapas 2 e 3 possibilita essa interpretação. Apesar de na cidade de Londrina existir um maior número de empreendimentos na faixa um do programa, a localização deles é extremamente periférica, do que decorrem agravos de problemas correlatos à segregação socioespacial, além da dispersão territorial que reforçam. Outro aspecto que merece destaque é o fato da maior parte dessas unidades habitacionais encontrarem-se num único empreendimento, o Residencial Vista Bela (Figura 2), situado a noroeste no Mapa 2, que sozinho concentra 2.712 (36,90%) unidades habitacionais, entre casas térreas e apartamentos. As construtoras responsáveis por este empreendimento são todas da cidade de Londrina, sendo elas: a Artenge, a Terra Nova Engenharia e a Protenge Engenharia. A atuação do PMCMV na cidade de Londrina demonstra uma continuidade espacial com relação às inserções periféricas dos conjuntos habitacionais propostos no período 417 do BNH, sobretudo daqueles da faixa um e da faixa dois, o que decorre da inobservância da problemática socioespacial resultante, e da limitada implementação dos instrumentos da política urbana na escala local. Mapa 2 - Londrina. Localização dos empreendimentos do PMCMV. 2012. Fonte: Base cartográfica: Töws (2010); dados do PMCMV: Everaldo S. Melazzo. 418 Figura 2 - Londrina. Residencial Vista Bela (vista parcial). 2013. Fonte: Wagner Vinicius Amorim. Arquivo pessoal. Em Maringá (Mapa 3), constata-se uma inserção periférica na malha urbana, seja para os empreendimentos da faixa um ou da faixa dois, o que diretamente reflete o alto preço da terra urbana, já que a cidade teve o maior índice de valorização imobiliária registrado em 2010 entre as cidades paranaenses com mais de 300 mil habitantes (SILVA, SILVA, 2013, p. 286). Silva e Silva (2013, p. 286) afirmam que: [...] até abril de 2011, segundo a secretaria de habitação do município, as moradias aprovadas do PMCMV iriam atender 13% do déficit. O restante tem atendido a faixa de renda mais interessante para o capital imobiliário. Silva e Silva (2013, p. 286) ainda observam que, em Maringá, 419 [...] assiste-se, como em outras regiões do país onde o PMCMV tem atuado, ao enfraquecimento do setor público como promotor e o fortalecimento da provisão privada, tanto no direcionamento dos produtos ofertados como na definição de tipologias, custo, localização e público alvo, os quais tem pouca ou nenhuma correlação com os planos diretores e de habitação elaborados nos últimos anos (SILVA, SILVA, 2013, p. 285). O Mapa 3 coloca em evidência a localização relativamente periférica dos empreendimentos não apenas da faixa um, mas também das demais faixas no contexto da cidade de Maringá, dos quais três empreendimentos da faixa um foram inseridos fora da cidade, nos distritos de Iguatemi e Floriano. Há uma descontinuidade com relação à localização dos conjuntos habitacionais das décadas de 1970 e 1980, muitos dos quais se encontram no quadrante nordeste da cidade. Mapa 3 - Maringá. Localização dos empreendimentos do PMCMV. 2012. 420 Fonte: Base cartográfica: Töws (2010); dados do PMCMV: Everaldo S. Melazzo. Dos 27 empreendimentos construídos e/ou aprovados na cidade até 2012, 21 são empreendimentos verticais e apenas seis são loteamentos140. A preferência por empreendimentos verticais (apartamentos) demonstra o encarecimento dos custos com a terra urbana, a ampliação da produção em escala e, quando localizados em áreas 140 Sendo que três deles localizam-se nos distritos. 421 periféricas, incorrem nos problemas de inserção territorial, tal como a mobilidade urbana reduzida, o aumento dos custos com disponibilização de infraestrutura, serviços e equipamentos públicos em geral. A seguir, a Figura 3 apresenta uma vista parcial de um dos empreendimentos residenciais periféricos da cidade de Maringá, o Residencial Dolores Duran I e II, loteamento situado na faixa dois do programa, localizado no extremo sudeste da cidade. Possui um número total de 148 unidades habitacionais, cada qual com tamanho de 43,75 m2, construídas pela Sial Construções Civis, de Curitiba/PR. Figura 3 - Maringá. Residencial Dolores Duran (em fase de construção). 2011. Fonte: http://www.panoramio.com/photo/67100738. Acessado em 13 de setembro de 2013. A Tabela 5, a seguir, apresenta uma sinopse comparativa dos números do PMCMV nas duas cidades. A partir da análise dessa tabela constatamos que em Londrina foi construído mais que o dobro da quantidade de unidades habitacionais construídas na cidade de Maringá. Enquanto em Londrina mais da metade das unidades estão situadas dentro da faixa um do PMCMV, em Maringá é na faixa dois em que está situada mais da metade das unidades, embora nessa cidade, 69,68% do déficit esteja concentrado na faixa um, de zero a três salários mínimos (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010). Há 422 uma predominância dos empreendimentos verticais nas duas cidades, o que demonstra uma tendência no setor, em função de vários fatores, sendo eles: minorar o custo representado pela terra, aumentar os ganhos em produtividade, minimizar custos com equipamentos públicos – uma vez que os mesmos já existem no entorno dos empreendimentos etc. Em Londrina o maior percentual de empreendimentos está localizado na Zona Norte da cidade. Já Maringá, por sua vez, apresenta uma melhor distribuição entre suas zonas, embora a Zona Leste apareça com o maior percentual. Enquanto em Londrina a maior parte das operações foi contratada ainda na Fase 1 do programa, em Maringá houve maior contratação já na Fase 2. Tabela 5 - Sinopse comparativa dos números do PMCMV nas cidades de Londrina e Maringá. 2012. Londrina Maringá Valor Em Valor Em absoluto % absoluto % 100,0 42 100 27 Nº de empreendimentos 0 100,0 7.348 100 2.963 Nº de unidades habitacionais 0 3.773 51,34 847 28,58 Faixa um 2.842 38,67 1.619 54,64 Faixa dois 733 9,97 497 16,77 Faixa três 26 61,9 21 77,70 Empreendimentos verticais 16 38,09 6 22,30 Empreendimentos horizontais 2,38 3 11,11 Zona Centro (empreendimentos) 1 6 14,28 7 25,92 Zona Leste (empreendimentos) 19 45,23 5 18,51 Zona Norte (empreendimentos) 5 11,9 4 14,81 Zona Oeste (empreendimentos) 9 19,04 5 18,51 Zona Sul (empreendimentos) 2 4,76 3 11,11 Distritos (empreendimentos) 27 64,28 13 48,14 Fase 1 (empreendimentos) 15 35,71 14 51,85 Fase 2 (empreendimentos) 4.742 64,53 1.412 47,65 Fase 1 (unidades habitacionais) 2.606 35,46 1.551 52,34 Fase 2 (unidades habitacionais) Déficit Habitacional Total em 14.028 10.587 2010 Fonte: organização própria. Base de dados: Everaldo S. Melazzo MCTI/CNPq/MCidades, Nº 11/2012. À guisa de conclusão desse trabalho, destacamos que o planejamento urbano, a legislação municipal e a propriedade da terra, são centrais na definição da localização dos empreendimentos e da gravação das áreas de Habitação de Interesse Social nas 423 cidades, da qual emana toda a sorte de divergências ou convergências com relação à construção de políticas de conteúdo social e includente. Ainda, alguns casos específicos e notórios, tal como o caso do Residencial Vista Bela em Londrina, dentre outros, concernentes à Habitação de Interesse Social (faixa um), merecem análises mais detalhadas, que problematizem a questão da habitação/moradia em seus múltiplos contextos, que vão do político, ao social, ao econômico, à escala do cotidiano e à morfologia urbana. 3. Considerações finais Nestas considerações procuraremos explorar de modo sintético os impactos resultantes da forma como têm sido implantados alguns empreendimentos e dos expedientes do PMCMV nas duas cidades, voltando nossa atenção à Habitação de Interesse Social. Apesar de na cidade de Londrina existir um maior número de empreendimentos na faixa um, a localização deles é extremamente periférica, do que decorrem agravos de problemas correlatos à segregação socioespacial e dispersão territorial acentuada, e um deles chama atenção, o Residencial Vista Bela, construído no extremo noroeste da cidade. O Residencial Vista Bela, concluído em 2011, foi, na época, o maior canteiro de obras do PMCMV no país, possuindo 2.712 unidades habitacionais, entre casas e apartamentos. Agora ele enseja uma série de velhas e novas problemáticas relativas à segregação socioespacial, tais como: precário acesso aos equipamentos e serviços públicos e meios de consumo coletivos, cujo planejamento inadequado já resulta na necessidade de medidas curativas e de intervenção pública a fim de que os moradores tenham seus direitos mais básicos e constitucionais atendidos. Em Maringá, de acordo com a socióloga Ana Lúcia Rodrigues, os pressupostos de uma cidade cuja “vocação histórica” está na segregação141 (LINJARDI, 2010), reforça a necessidade de se compreender a força com que a produção e a valorização imobiliária condicionam o planejamento da política habitacional de interesse social, obrigando-a a inserir-se de modo “cativo” aos ditames do mercado imobiliário local e, apesar da aprovação das inúmeras emendas municipais relativas às ZEIS, os empreendimentos são implantados em áreas totalmente dispersas, como consequência do alto preço da terra. Além disso, as tipologias habitacionais verticais produzidas em escala, segundo a 141 Ver: “Valor dos terrenos inibe Minha Casa Minha Vida”. Disponível em O Diário do Norte do Paraná, de 26 de janeiro de 2010: http://maringa.odiario.com/imoveis/noticia/234743/valor-dos-terrenos-inibe-039minha-casa-minha-vida039/. Acessado em 15 de jan. de 2015. 424 ingerência e o fortalecimento da provisão privada na localização e definição dos produtos ofertados, incorrem nos conhecidos problemas de inserção territorial dispersa, tal como a mobilidade urbana reduzida, aumento dos custos com disponibilização de infraestrutura, serviços e equipamentos públicos em geral, enfim, problemas tributários e fomentadores da condição socioespacial. Outro problema que revive o desencontro da política habitacional com a realidade local decorre de que muitos empreendimentos da faixa um, que compreende a Habitação de Interesse Social, começaram a ser construídos, em Maringá e em Londrina, tão logo da aprovação e contratação junto ao PMCMV, no entanto, sem a existência de um Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS), resultando em decisões não pactuadas participativa e coletivamente à luz do diagnóstico e das recomendações dos PLHIS, que somente ficaram prontos entre 2010 e 2011. Em Maringá, entre os anos de 2009 e 2012, dentre as seis contratações dentro da faixa um, quatro foram assinadas em 2010, e somente duas em 2012, ou seja, após o efetivo diagnóstico do PLHIS, que ficou pronto em dezembro de 2010. Já em Londrina, das 21 contratações na faixa um, 13 foram assinadas em 2009, seis em 2010, e apenas duas em 2012, após a elaboração e aprovação do PLHIS, concluído em 2011. Aqui vale mencionar que a conjuntura da elaboração dos PLHIS no país todo foi marcada pela proeminência do PMCMV, cuja adesão pelos municípios se deu antes da elaboração e dos diagnósticos dos PLHIS. Se por um lado, a atuação massiva do PMCMV tão logo nos seus primeiros anos de existência evidencia a preocupação da agenda governamental com os números do programa, por outro, a morosidade na elaboração dos PLHIS chama atenção aos interesses econômicos e políticos locais, e menos com o planejamento participativo para a tomada de decisões referente ao desenho e implementação local do SNHIS. Apenas o PLHIS por si só não significa necessariamente a garantia da alocação equânime, pactuada, eficiente, transparente e democrática dos recursos destinados à HIS, porém ele diagnostica a situação habitacional local e recomenda os instrumentos e recursos destinados a tal fim. Por exemplo, indicando ao plano diretor local a gravação, na zona urbana, de áreas aptas ao interesse social (como é o caso das ZEIS), dentre outros instrumentos redistributivos e de gestão social da valorização da terra. Mas este fulcro só é possível pelas vias de sua construção processual, participativa, monitorada e contínua. 425 Malgrado as experiências históricas acumuladas nas duas cidades e no país, o PMCMV, em seu formato atual, consiste ainda num desafio à própria construção escalar de uma eficiente e genuína política habitacional de interesse social. A emergência e urgência com que se coloca a política habitacional, sobretudo em sua face voltada à Habitação de Interesse Social, denuncia sua apropriação pelo mercado, cujos agentes, cenários, estruturas e instituições substantivam a mercantilização da habitação ao construir o discurso do planejamento em defesa da cidade pelas vias do mercado, silenciando e omitindo as contradições e a dissonância das vozes excluídas do direito à cidade e do exercício da cidadania e da participação. Assim, reiterou-se, mais uma vez na história da habitação social no Brasil, a pouca importância atribuída ao planejamento das ações com base em diagnósticos rigorosos da situação local, cujas recomendações ensejariam o desenvolvimento de ações planejadas e socialmente pactuadas, evitando prejuízos e problemas não dimensionados adequadamente, como, por exemplo, já se pode constatar em alguns conjuntos habitacionais construídos recentemente em Maringá e em Londrina, a começar pelos de grandes dimensões. A política habitacional, em seu atual “padrão” hegemônico, organização institucional e em seu processo de implementação local, engendra e exprime ao mesmo tempo em que degenera as possibilidades escalares de uma participação cidadã e efetiva. A análise abrangente e aprofundada do papel do poder público e dos agentes locais, no tocante à elaboração dos planos locais nas duas cidades, bem como da implementação efetiva do PMCMV, suscitam e revivem velhos e conhecidos processos, dinâmicas e problemáticas, já muito comuns à realidade urbana brasileira das últimas décadas e, em nosso ver, reinsere o rol das cidades médias como pauta analítica e política que reclama mais atenção. Referências ALVES, Claudia L. E. Dinâmica espacial de produção e reprodução da força de trabalho em Londrina: os conjuntos habitacionais. (1991). 196f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade de São Paulo. 426 AMORIM, Wagner V. 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