ANAIS III CIMDEPE
SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE CIDADES MÉDIAS
RIO DE JANEIRO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO
RIO DE JANEIRO- 27 A 30 DE ABRIL
1
Coordenação
WILLIAM RIBEIRO DA SILVA (UFRJ)
MARIA ENCARNAÇÃO BELTRÃO SPOSITO (UNESP)
MARIA JOSÉ MARTINELLI CALIXTO (UFGD)
PAULO PEREIRA DE GUSMÃO (UFRJ)
Comitê Científico
ARTHUR MAGON WITHACKER (UNESP)
BEATRIZ RIBEIRO SOARES (UFU)
CARLOS BRANDÃO (UFRJ)
CARMEN BELLET SANFELIU (UNIVERSITAT DE LLEIDA)
CLEVERSON REOLON (UNESP)
CRISTIAN HENRÍQUEZ (PUC/CHILE)
DENISE DE SOUZA ELIAS (UECE)
DIANA LAN (UCPBA/ARGENTINA)
DORALICE SÁTYRO MAIA (UFPB)
ELISEU SAVÉRIO SPOSITO (UNESP)
EVERALDO SANTOS MELAZZO (UNESP)
FEDERICO ARENAS VÁSQUEZ (PUC/CHILE)
FLORIANO GODINHO DE OLIVEIRA (UERJ)
FREDERIC MONIÉ (UFRJ)
GLÁUCIO MARAFON (UERJ)
JAN BITOUN (UFPE)
JOSÉ ALDEMIR DE OLIVEIRA (UFAM)
JOSÉ MARIA LLOP TORNE (CATEDRA UNESCO)
JULIA ADÃO BERNARDES (UFRJ)
LIA OSORIO MACHADO (UFRJ)
MARIA LAURA SILVEIRA (CONICET/ARGENTINA)
OSCAR ALFREDO SOBARZO MINO (UFS)
OSWALDO BUENO AMORIM (PUC/MG)
PAULO PEREIRA DE GUSMÃO (UFRJ)
RENATO PEQUENO (UFCE)
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ROBERTO LOBATO CORRÊA (UFRJ)
ROSA MOURA (IPARDES)
SAINT-CLAIR CORDEIRO DA TRINDADE JUNIOR (UFPA)
TATIANA SCHOR (UFAM)
Monitores
ANA CAROLINA ALVES CARVALHO DE OLIVEIRA
BRUNO BARRETO DOS SANTOS
BRUNO PEREIRA DO NASCIMENTO
CAIO VITOR VILLARINO
CHRISTINA BARBARA GIESEBART
CINDY MARTINS RODRIGUES
EURIDSON RIBEIRO DA CRUZ
GABRIELLE DE SOUZA FRADE
HUMBERTO MIRANDA DE CARVALHO
JOSÉ BERNARDO DA SILVA JUNIOR
LÍVIA MARIA DE SOUZA MAGALHÃES
LUANA ALVES LESSA
MONIQUE DEISE GUIMARÃES BASTOS
NATHAN FERREIRA DA SILVA
RAFAELA DETTOGNI DUARTE PAES
RENILDO NASCIMENTO SANTOS
VIVIAN SANTOS DA SILVA
3
FICHA DE CATOLOGRÁFICA
III Simpósio Internacional Cidades Médias, 30 Rio de Janeiro - RJ, 2015
Anais do III Simpósio Internacional Cidades Médias, UFRJ/ReCiMe, 26
à 30 de abril de 2015 / organizado por William Ribeiro da Silva, Maria
Encarnação Beltrão Sposito, Maria José Martinelli Calixto e Paulo Pereira de
Gusmão. Rio de Janeiro.
Tema:
ISBN:
Cidades
Médias,
Reestruturação
Urbana
e
Redes.
1. Geografia; 2. Espaço Urbano; 3. Urbanismo. Org. I. SILVA, W.R.; org.
II. SPOSITO, M.E.B.; org. III. CALIXTO, M.J.M. e org. IV. GUSMÃO, P.P.
Título: Anais do III Simpósio Internacional Cidades Médias.
CDU:
4
Índice
Autor
Pág.
Agnaldo da Silva Nascimento ......................................................................................13
Aline Fernanda Coimbra .............................................................................................27
Aline Carvalho / Italo Stephan / IzabelaVaz / Marina Galatro ....................................47
Ana Laura Vianna Villela / Alexandre Maurício Matiello ...........................................64
Caline Mendes de Araújo ............................................................................................87
Danilo Marcondes de Alcantara .................................................................................111
Elissandro Trindade de Santana .................................................................................127
Gustavo de Brito / Aline da Silveira / Artur Andrade / Thiago Baptista ....................146
Hélio Carlos Miranda de Oliveira ..............................................................................166
Iara de França / Maria Ivete de Almeida / Francielle Silva / Sara Cristiny Meirelles /
Valéria Costa / Rodrigo do Nascimento / Thaís Melo ...............................................194
Janes Socorro da Luz ..................................................................................................216
Lívia Maria de Souza Magalhães .................................................................................235
Marilée Patta ...............................................................................................................257
Marlon Altavini de Abreu ...........................................................................................274
Mayara Mychella Sena Araújo ....................................................................................290
Patrícia Helena Milani ................................................................................................313
Raiza Carolina Diniz Silva / Thamires Lacerda Chaves Bispo ...................................332
Roberto Antero da Silva ..............................................................................................350
Uriana Fernandes Curcino Ribeiro .............................................................................388
Wagner Vinicius Amorim ...........................................................................................403
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Apresentação
A realização do III CIMDEPE busca propiciar a continuidade do debate
acerca da relação entre o desenvolvimento econômico e os novos/velhos
problemas da urbanização mundial. O processo da urbanização tem
demonstrado novas nuances que atribuem novos papéis às cidades médias
em todo o mundo, de tal maneira, que elas passaram a apresentar, por um
lado, novos problemas urbanos e, por outro, novas perspectivas de
desenvolvimento econômico, por meio de investimentos de grandes
empresas (indústrias, redes e franquias comerciais e de serviços) que
ampliam suas escalas de ação via cidades médias, como nós de articulação
da nova economia mundial.
Histórico
O I CIMDEPE teve como tema central – “Cidades Médias: Dinâmica
econômica e produção do espaço urbano”, o que explica a sigla que lhe
nomeia. Ocorreu em Presidente Prudente, na Universidade Estadual
Paulista (UNESP), entre 6 e 9 de junho de 2005. O segundo evento desta
série – II CIMDEPE – teve lugar em Uberlândia, de 6 a 9 de novembro de
2006, na Universidade Federal de Uberlândia.
Desde então a Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias (ReCiMe),
responsável pela organização destes encontros científicos, priorizou a
apresentação de trabalhos sobre este tema em diversos outros congressos,
simpósios e encontros, propondo, somente agora, em 2015, a realização do
III CIMDEPE.
O III CIMDEPE
A realização do III CIMDEPE busca propiciar a continuidade do debate
acerca da relação entre o desenvolvimento econômico e os novos/velhos
problemas da urbanização mundial. O processo da urbanização tem
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demonstrado novas nuances que atribuem novos papéis às cidades médias
em todo o mundo, de tal maneira, que elas passaram a apresentar, por um
lado, novos problemas urbanos e, por outro, novas perspectivas de
desenvolvimento econômico, por meio de investimentos de grandes
empresas (indústrias, redes e franquias comerciais e de serviços) que
ampliam suas escalas de ação via cidades médias, como nós de articulação
da nova economia mundial.
Assim, as novas estratégias do desenvolvimento econômico passaram a
incluir estas cidades como alternativas locacionais às escolhas anteriores que
recaíam de modo quase exclusivo sobre as metrópoles, ampliando os limites
geográficos da expansão capitalista, o que cria oportunidades de acesso ao
consumo e à desconcentração de atividades econômicas, mas também,
produz novos problemas urbanos, o que coloca como premente o debate
sobre uma urbanização não planejada e o rompimento dos mitos da
qualidade de vidas em cidades médias, tidas como “redutos de classe
média”, pois se constatam processos de favelização, segregação espacial,
degradação de áreas centrais, congestionamentos, elevação dos preços
imobiliários e consequente expulsão de populações mais pobres.
Os seis eixos principais
Nesta perspectiva, convidamos a comunidade acadêmica para participar dos
debates que incluirão seis eixos principais, com os seguintes coordenadores:
Rede urbana – história, tendências e perspectivas
Jan Bitoun (UFPE), Doralice Sátiyro Maia (UFPB), Beatriz Ribeiro Soares
(UFU), Marcio Catelan (UNESP), Carmen Bellet (Universitat de
Lleida/Espanha).
A discussão sobre a constituição da rede urbana brasileira encontra-se desde
os estudos clássicos da Geografia Urbana. De rede de cidades à rede urbana,
a interligação entre centralidades (cidades de diversos tamanhos, vilas e
aglomerados rurais) vai se dando desde os caminhos de passagem, caminhos
de gado, ferrovias, percursos fluviais e marítimos, rodovias, e linhas aéreas.
Desta forma, as transformações da rede urbana brasileira são representativas
do aumento da complexidade da divisão técnica e territorial do trabalho no
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campo, nas florestas e nas cidades e das permanências presentes na trama de
relações entre os centros urbanos e outras centralidades. O espaço, cada vez
mais fruto do movimento relacional entre instituições e agentes que atuam
em múltiplas escalas, é melhor compreendido a partir desta relação – a
coexistência entre as permanências e as transformações contemporâneas.
Nesta relação é que se observa a (re) definição dos papéis e das funções das
cidades na rede urbana. Esta (re) definição de papéis e de funções ganha
relevância nos estudos urbanos sob as perspectivas elaboradas a partir dos
centros urbanos, que por um conjunto de variáveis e metodologias
convenciona-se chamá-los como cidades médias. Embora estas cidades não
componham os níveis mais elevados da hierarquia urbana, ganham
importância por exercerem papel cada vez mais importante tanto no que diz
respeito à mediação entre campo e cidade; cidades locais e/ou cidades
pequenas e metrópoles, etc., bem como porque participam da reprodução
do capital e das condições materiais de reprodução da vida conforme são
inseridas no âmbito das lógicas da globalização, reunindo lógicas de
diferentes escalas, e articulando-as no processo de consolidação de sua
centralidade, primeiro regional, e em outros momentos para além desta
escala. Neste jogo de escala entende-se um contexto analítico para o debate
da reconfiguração da rede urbana que adquiriu conteúdos particulares em
sua relação com as cidades médias.
Reestruturação produtiva, indústria e cidades médias
Eliseu Sposito (UNESP), Cleverson Reolon (UNESP), Diana Lan
(UCPBUA/Argentina)
As mudanças nas formas de organização da produção industrial, no
momento de um regime de acumulação chamado flexível, tem importância
não apenas em termos gerais, mas rebatimento importante sobre as cidades
médias e seu papel na rede urbana. A maneira como as empresas se
organizam (em redes, principalmente), como suas atividades se articulam em
diferentes escalas, como tomam decisões e definem padrões de localização e
ações que visam ampliar sua competitividade em nível global, são alguns dos
aspectos que iremos estudar nesta seção do Workshop.
Dinâmicas e lógicas do comércio e dos serviços em cidades médias
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Maria Encarnação Sposito (UNESP), William Ribeiro (UFRJ), Arthur
Withacker (UNESP)
O setor de atividades comerciais e de serviços passou por significativo
processo de crescimento nas três últimas décadas, em decorrência, inclusive,
das dinâmicas relativas à reestruturação produtiva, o que significou maiores
articulações com a produção agropecuária e industrial. Tal crescimento foi
acompanhado de significativa concentração econômica das empresas,
alcançando a escala internacional. Este processo redundou em enorme
expansão espacial das redes comerciais e de serviços, com destaque para
alguns ramos, como: o de super e hipermercados, o bancário e o de
eletrodomésticos.
Paralelamente e como parte do mesmo conjunto de mudanças, capitais de
diferentes escalas, do internacional ao local, passaram a operar no setor
comercial e de serviços, de modo associado, por meio do sistema de
franquias, o que também teve como resultado enorme expansão espacial de
produtos, serviços e, sobretudo, marcas que se difundiram por diferentes
países.
Tais dinâmicas trouxeram rebatimentos diretos sobre a organização das
redes urbanas, em função da redefinição na divisão interurbana e regional
do trabalho e também dos processos e formas de produção das cidades.
Se, no período anterior, os grandes capitais do setor terciário atuavam
predominantemente nas metrópoles e grandes cidades, a concentração
econômica e difusão espacial das redes promoveu uma procura por outros
estratos das redes urbanas, o que ampliou os mercados consumidores.
Todos estes movimentos podem ser analisados por meio de novas relações
entre processos, conteúdos e formas urbanas. O estudo de centralidade em
suas múltiplas escalas impõe-se, então, como um desafio.
Tendo em vista este quadro geral, que particularidades podem ser notadas
nas cidades médias quando analisamos as mudanças do setor comercial e de
serviços? De que modo se estruturam seus espaços e se redefinem suas
centralidades face às transformações recentes? Em que medida as novas
estruturas espaciais refletem velhas e/ou novas formas de segmentação
socioespacial? A situação geográfica das cidades médias é fator importante
nas escolhas espaciais das empresas? O aumento das possibilidades de
transportes e comunicações reforça interações espaciais e isso tem
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consequências para estas cidades? Como se articulam produção, circulação e
consumo nas redes urbanas sob os novos arranjos espaciais?
Agronegócio e urbanização
Denise Elias (UECE), Gláucio Marafon (UERJ), Mirlei Fachini Vicente
Pereira (UFU)
O GT objetiva aprofundar os debates sobre os processos e formas inerentes
à urbanização da sociedade e do território oriundos da difusão da agricultura
capitalista globalizada no Brasil e no mundo, no âmbito das discussões
teóricas e metodológicas. Serão aceitos trabalhos que versem sobre os
seguintes temas: as novas relações entre o agronegócio, as cidades e a
reestruturação regional; a especialização funcional das cidades inerente à
difusão do agronegócio; o crescimento do terciário (comércio e serviços)
alicerçado no consumo produtivo agrícola; incremento da urbanização, das
relações interurbanas e novas regionalizações considerando a organização
das redes agroindustriais; as novas relações campo-cidade resultantes dos
fluxos de capital, mão de obra, mercadorias, informação, tecnologia etc.
inerentes às diferentes atividades industriais, agrícolas, comerciais e de
serviços que integram as redes agroindustriais; urbanização corporativa
associada ao agronegócio e às redes agroindustriais; reestruturação do centro
e formação de novas centralidades nas ‘cidades do agronegócio’;
aprofundamento das desigualdades socioespaciais nas ‘cidades do
agronegócio’.
Desigualdades socioespaciais. Produção de moradia, dinâmica imobiliária e
segregação residencial
Renato Pequeno (UFCE), Everaldo Melazzo (UNESP), Maria José Martineli
Calixto (UFGD)
Esta sessão de trabalho dedica-se a analisar os processos gerais, os
particulares e os singulares das cidades médias considerando os diferentes
agentes da produção da habitação e suas articulações com a política urbana:
Estado, mercado imobiliário, movimentos sociais, dentre outros. A dinâmica
imobiliária e a produção da moradia são dois eixos analíticos que se
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complementam e que devem ser tomados em suas dimensões espaciais e
que remetem a permanente produção e reprodução de desigualdades
socioespaciais.
Políticas públicas, governança e desenvolvimento regional – políticas
públicas / escalas local e regional
Paulo Gusmão (UFRJ), Saint-Clair Trindade (UFPA), Carlos Brandão
(UFRJ)
O eixo temático volta-se para a discussão das cidades médias, relacionando o
atual perfil e dinamismo das mesmas às políticas públicas implementadas
pelos diversos níveis de governo – federal, estadual e municipal. Busca-se,
dessa forma, enfatizar a dimensão política dessas cidades, considerando o
papel das mesmas para o desenvolvimento regional, assim como
problematizar elementos relacionados às diversas formas e experiências de
governança no contexto geográfico imediato no qual se inserem.
OBS: Devido à falta de trabalhos, o EIXO IV - Agronegócio e urbanização,
foi condensado ao EIXO III - Dinâmicas e lógicas do comércio e dos
serviços em cidades médias.
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Eixo 5: Desigualdades socioespaciais. Produção de moradia, dinâmica imobiliária e
segregação residencial.
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A ORIGEM E A CONSTITUIÇÃO DOS VAZIOS URBANOS DE
LONDRINA (PR)1
Agnaldo da Silva Nascimento2
Resumo:
O texto realizou uma discussão com ênfase nos vazios urbanos, problematizando a sua
presença na cidade média de Londrina (PR). Considerou-se primeiramente que a
existência, a manutenção e a multiplicação destes elementos urbanos, inscritos na
paisagem, têm sido um indicativo da produção das cidades em função da reprodução do
capital. Esse processo tem se dado em detrimento de uma cidade menos desigual, que
favoreça a vida do ponto de vista social. Desse modo, a discussão enfocou a expansão
do tecido urbano de Londrina buscando a origem, a constituição e a permanência dos
vazios urbanos. Baseou-se, para tal objetivo, no histórico de expansão da cidade e em
dados quantitativos elaborados a partir de imagem de satélite, por intermédio de
técnicas de geoprocessamento.
Palavras-chave: Vazios urbanos. Expansão territorial urbana. Londrina.
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, a produção do espaço urbano demostra-se subordinada à
lógica de reprodução do capital imobiliário, bem como pela valorização da propriedade
fundiária. Nesse cenário, os vazios urbanos tornam-se mais presentes nas cidades e
adquirem maior relevância no campo de estudos da Geografia Urbana.
Pensar os vazios urbanos para além de áreas construídas e não construídas no
perímetro urbano torna-se um desafio para compreender sua gênese, seu processo, os
agentes produtores envolvidos e sua padronização espacial.
Nesse sentido, optou-se por abordar os vazios urbanos pela perspectiva histórica,
considerando o processo de expansão territorial ao longo do tempo e as formas
padronizadas através das quais os vazios urbanos se inscrevem espacialmente, até a
contemporaneidade, através de imagens de satélite.
A partir da contextualização desses processos, é possível identificar e comparar
as possíveis alterações locacionais e verificar se há maior ou menor presença dos vazios
urbanos no tecido urbano de Londrina.
1
O texto visa a continuidade do debate sobre o objeto de pesquisa vazio urbano, no qual teve início no
trabalho de mestrado realizado por Nascimento (2014) com o título, ‘No vazio, caberiam casas, parques,
fábricas...caberia muita cidade’, sob a orientação do Prof. Dr. Nécio Turra Neto.
2
Doutorando em Geografia pela Unesp, campus de Presidente Prudente. Membro do grupo de Produção
do Espaço e Redefinições Regionais (Gasperr). E-mail: [email protected].
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Dentro dessa conjuntura, adota-se a noção de vazios urbanos debatida por
Nascimento (2014), em que se considera como vazios urbanos as áreas particulares que
não possuem edificações e estão localizadas dentro do perímetro urbano, loteadas ou
não, e que não cumprem a função social da terra, conforme prega o Estatuto das
Cidades, também são consideradas vazios urbanos aquelas áreas públicas não
edificadas, localizadas dentro do perímetro urbano.
Para tal finalidade, a estrutura do texto compreende três partes, sendo a primeira
uma síntese da origem e a expansão territorial urbana de Londrina; a segunda parte, o
panorama dos vazios urbanos em Londrina e, por fim, as considerações finais.
2. Origem e expansão territorial urbana de Londrina (PR)
O processo de origem da cidade de Londrina é marcado pela marcha para oeste
da produção da agricultura cafeeira, processo este que também incentivou o surgimento
de diversas outras cidades e resultou na constituição de uma importante rede urbana no
Norte do Paraná (Mapa 1).
A fundação e os processos ligados à trajetória história e a produção do espaço
urbano de Londrina (PR) possui uma vasta bibliografia, como por exemplo, o trabalho
de Joffily (1984). Nessa obra, o autor reconstrói de maneira crítica a trajetória de
(re)ocupação do Norte do Paraná, pela Companhia de Terras do Norte do Paraná
(CTNP), apontando a espoliação praticada por banqueiros multinacionais nas terras do
norte do Paraná.
Para o autor, é comum a história de colonização ser apresentada de maneia
errônea com relação ao verdadeiro motivo de interesse dos britânicos por esta área
territorial. Ainda que houvesse ocorrido a produção de algodão e de café em larga
escala, essa atividade econômica não era o que havia de central nesse processo. O que
há de verdadeiramente importante seria a utilização disso enquanto justificativa para
apropriação, pois se tratava de “um dos mais vantajosos negócios do mundo: o
gigantesco loteamento das terras do norte do Paraná” (JOFILY, 1984, p. 95).
Mapa 1: Londrina (PR): Situação geográfica.
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Joffily (1984), baseando-se na argumentação apresentada pelo economista Pedro
Cail Padis, reafirma que o processo de apropriação revelava-se, desde 1925, como um
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“projeto imobiliário”, ou seja, um legítimo negócio de terras, sejam elas rurais ou
urbanas.
Segundo Muller (2001, p. 100), a Companhia de Terras do Norte do Paraná
iniciou suas atividades em julho de 1929 e, em uma faixa de grande extensão de terra,
fundou a cidade de Londrina. Esta cidade foi escolhida como sede da Companhia no
qual seus escritórios foram instalados e, apesar de haver forte presença da mata virgem,
iniciaram os trabalhos técnicos, como levantamentos topográficos, instalação de
loteamentos e da malha urbana viária nas proximidades de seus núcleos urbanos.
O tecido urbano da cidade de Londrina teve como seu plano original, implantado
em 1929, o formato retangular. Foi constituído por ruas e praças com traçado ortogonal,
composto inicialmente por 237 quadras e 54 vias públicas, chamado de formato de
tabuleiro de xadrez (RIBEIRO, 2006).
Atualmente, e como diversas cidades brasileiras, sua proporção de crescimento
territorial e populacional teve aumento significativo. Seu município, criado
institucionalmente no ano de 1934, tem uma população de 493.520 habitantes residentes
em área urbana e 13.181 habitantes residentes em área rural, totalizando 506.701
habitantes e sua área territorial possui 1.653,075 km² (IBGE, 2010).
Em pesquisa do IBGE (2008), também pode-se verificar informações referentes
à Identificação de Regiões de Influência das Cidades (REGIC), no qual a cidade de
Londrina comparece com uma centralidade importante na hierarquia das cidades do
Norte do Paraná. Ao analisá-la em uma escala estadual, seu destaque é ainda mais
significativo, pois no estado do Paraná, depois da capital Curitiba, Londrina é uma das
cidades com maior influência regional em diversos setores.
O Plano Diretor Municipal de Londrina afirma que a cidade é destaque na rede
urbana estadual e nacional por diversos fatores inerentes à ação e/ou relação com as
demais regiões do próprio estado, bem como de outros estados do Brasil. Isto é, dispõe
de um significativo papel na tomada de decisões (PDPL, 2013).
Na cidade de Londrina há a forte presença de grandes hipermercados e
franquias, fato confirmado a partir da intensificação da presença do capital a cada ano
em amplas escalas geográficas. Desde a implantação do primeiro shopping center, o
Contour Shopping, em 1973, no setor oeste, houve a implantação de mais de quatro
shopping centers: Catuaí Shopping Center (1990), no setor sul, o Royal Plaza Shopping
(1999), no centro principal (RIBEIRO, 2006), o Londrina Norte Shopping (2012), no
setor norte, e o Boulevard Londrina Shopping (2013), no setor leste da cidade.
Assim como os shopping centers, a presença dos hipermercados também foi
intensificada. Os grupos que se destacam são os grupos Supermercados Viscardi (1955),
Atacadão Distribuição Comércio e Indústria (1962), Irmãos Muffato & Cia (1975),
Correfour (1992) e Condor Super Center (2000) (RIBEIRO, 2006). Há também os mais
recentes, como o Wall Mart, localizado no Boulevard Londrina Shopping, a rede
atacadista Assaí, do grupo Pão de Açúcar (2013), e Tonhão Santa Rita, na Avenida
Jules Verne, em 2014.
A presença de tais empreendimentos tem impactado diretamente sobre a
valorização das terras ao entorno. Um exemplo é o caso do Catuaí Shopping Center, em
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que seu entorno foi seguido de forte presença de condomínios fechados horizontais, de
alto padrão, que ocuparam o tecido urbano na zona sul. Além desse shopping center, há
a presença de condomínios verticais voltados para população de estratos de maior renda
em uma área que permaneceu por um tempo expressivo como vazios urbano, entre o
centro principal e o shopping center: a Gleba Palhano. Deste modo, há necessidade de
aprofundamento do debate sobre a expansão territorial, pois ela se constitui na
materialização da ocupação do solo urbano.
Conforme Ribeiro (2006), baseado em dados apresentados pelo IBGE, pode-se
observar a alteração de áreas de maior concentração urbana no município de Londrina.
A de 1960 marcou uma inversão na situação de moradia da população, que passou de
predominante rural a predominantemente urbana. Em números relativos, a população
urbana possuía 57% em 1960. Na década seguinte (1970) passa a ter 78% da população
urbana e nas décadas subsequentes há um aumento progressivo na população urbana em
detrimento da rural.
Na década de 1930, a expansão territorial urbana de Londrina foi marcada pela
presença de vilas, dentre elas, a Vila Agari, Vila Casoni, Vila Nova, Vila Conceição etc.
(FRESCA, 2002).
Em seguida, na década de 1940, houve um incremento significativo no
crescimento do tecido urbano, que indicava uma nova fase de progresso econômico,
incentivando as pessoas a buscarem a cidade como moradia. Esse processo rebateu no
aumento da população urbana entre as décadas de 1940 e 50, apresentando 73,26% da
população urbana (JANUZZI, 2005).
A expansão urbana de Londrina se deu de forma descontínua, em “saltos”.
Dentre outras razões, deu-se origem à presença de vazios urbanos muito cedo na história
de Londrina, ainda que parte significativa deles tivesse sido preenchida em períodos
posteriores. Na década de 1940, a expansão urbana segue na direção norte e sul da
cidade. Na década seguinte, em 1950, o sentido norte e sul continua a se caracterizar
como importante eixo de expansão, com a ampliação para o sentido noroeste e sudeste.
Januzzi (2005) afirma que a década de 1960 é marcada pelo processo de
verticalização no centro da cidade que, consequentemente, aumentou o adensamento
populacional dessa área. Paralelamente, ocorreu uma expansão urbana intensa nas
periferias da cidade, em função da migração da população rural para a área urbana.
Na década de 1960, grande parte da expansão territorial urbana ocorreu no
sentido sul e sudoeste, com uma porção pequena sentido norte e oeste. Na década de
1970, com o declínio da agricultura cafeeira, surgiu uma maior diversidade de culturas
como a soja, milho e cana de açúcar (JANUZZI, 2005). Nesse mesmo período, Oliveira
(2005) aponta que houve uma crescente instalação de loteamentos, com destaque para o
ano de 1976, tendo em vista que no período de 1975 a 1980 houve aprovação de, em
média, nove loteamentos privados por ano.
O processo de expansão urbana territorial na década de 1980 foi semelhante a da
década anterior. De acordo com Oliveira (2005), houve a implantação de 34
loteamentos, exceto 1985, no qual nenhum loteamento foi aprovado. O mapa de
expansão apresenta uma área expandida de grande dimensão, a partir de 1970,
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sobretudo, ao norte de Londrina onde se localiza os chamados Cinco Conjuntos, um
empreendimento de grande extensão implantando pelo poder público, a partir da
instalação de inúmeros conjuntos habitacionais na zona norte da cidade. Esses
empreendimentos foram implantados em descontinuidade com malha urbana anterior,
produzindo, assim, inúmeros vazios urbanos presentes entre o centro e essa porção da
cidade.
Na década de 1990, o mesmo autor afirma que ocorreu uma diminuição relativa
do crescimento populacional. Porém, a expansão urbana continuou a ocorrer e segue
ocorrendo na atualidade. Como é possível constatar no mapa 2, observa-se que, entre o
ano de 1990 e 2013, o tecido urbano teve um representativo aumento em sua área.
As informações sobre a expansão territorial de Londrina, em conjunto com as
informações sobre a alterações do perímetro urbano apresentadas no mapa 3 se
relacionam. As alterações dos perímetros urbanos, no qual a cidade se estende para além
dela mesma, permite identificar a origem de novos vazios urbanos. Esses novos vazios,
além de impulsionar o aumento da área vazia dentro do perímetro urbano, constituem-se
em áreas que não são imediatamente loteadas e colocadas à disposição no mercado.
Esses vazios de grandes extensões nos extremos dos perímetros podem talvez ser
identificados a partir do que Souza (2003) denomina de periurbano: uma zona em
transição entre o uso da terra urbana e rural. Assim sendo, no periurbano misturam-se
duas lógicas de uso da terra cujo uso do solo comumente continua o mesmo (rural).
Entretanto, a lógica de ação dos empreendedores urbanos é a de reserva de valor.
O perímetro urbano delimita o rural e o urbano, é representado por uma linha de
um recorte institucional. Do ponto de vista da paisagem, muitas vezes não é possível
definir seu limite e visualizar onde começa a cidade e o campo, principalmente tendo
em vista que na maior parte dos casos, entre o fim do tecido urbano e o limite do
perímetro se concentra grandes dimensões vazias, que são consideradas como vazios
urbanos.
O perímetro urbano representa uma linha cheia de sentidos, com conteúdos
sociais, conteúdos políticos e conteúdos econômicos. O conteúdo político é
materializado através da ação política para delimitá-lo e expandi-lo, uma vez que é a
câmara municipal que autoriza as mudanças. A alteração implica, ainda, na modificação
da cobrança de impostos – como as mudanças da cobrança de Imposto Territorial Rural
(ITR) para Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) - este último de valor mais
elevado. Estes fatores contribuem diretamente para as diferenças na arrecadação do
município.
Trata-se de uma linha que representa as transformações de processos urbanos e
que são responsáveis pela existência e/ou permanência dos vazios urbanos.
No caso de Londrina, identificam-se os vazios urbanos com facilidade nas áreas
próximas as extremidades do perímetro, principalmente, ao nordeste, sudeste, sul,
sudoeste e noroeste. Eles são identificados também, embora com menor presença, ao
leste e oeste, por conta da aproximação (e mesmo conurbação) entre os tecidos urbanos
das cidades de Ibiporã e Cambé. É importante salientar que, do ponto de vista do
funcionamento do sistema urbano, as três cidades - Londrina, Cambé e Ibiporã –
18
apresentam-se como uma aglomeração urbana, em alguns pontos com conurbação
(como o que ocorre entre Londrina e Cambé).
Mapa 23: Londrina (PR): expansão do tecido urbano.
3
Na elaboração dos polígonos da mancha urbana do ano de 2013, representada na cor rosa, não foram
eliminadas áreas verdes, a hidrografia, praças etc; por conta do nível de detalhamento exigido e do tempo
de trabalho necessário para sua elaboração. Optamos, assim, por elaborar o polígono com ênfase no limite
da mancha.
19
Mapa 3: Londrina (PR): expansão dos perímetros urbanos.
20
21
Evidencia-se claramente que a área verde representada pela delimitação do
perímetro urbano atual instituída recentemente em 2012, está composta por significativo
número de vazios. Embora o mapa 3 demostre que o perímetro anterior já obtinha alto
indicador da presença de vazios urbanos, este fato consiste em afirmar que, do ponto de
vista da capacidade do perímetro então delimitado de incorporar novas frentes de
expansão, não era necessária a alteração da extensão do perímetro, ou seja, a
racionalidade que rege tal política torna-se questionável.
3. O panorama dos vazios urbanos em Londrina (PR)
A cidade de Londrina é caracterizada pela presença marcante do processo de
especulação imobiliária, que é reflexo da produção capitalista do espaço urbano e está
relacionado diretamente com a produção dos vazios urbanos.
O estudo realizado por Arias (1992) sobre os vazios urbanos na zona sul de
Londrina foi baseado em dados do Departamento de Obras e Viação da Prefeitura
Municipal e considera os lotes em construção e os lotes vazios. A autora afirma que, no
período entre 1970 e 1981, 84,64% da área estava representada por vazios urbanos. Ou
seja, dos 29.970 lotes da zona Sul da cidade, 25.369 eram vazios urbanos. A autora
alega que tal configuração está relacionada a uma possível estagnação na construção
civil ou a fase de verticalização da cidade.
Para Alves e Antonello (2009), no decorrer do processo da revisão e atualização
do Plano Diretor Participativo, pode-se observar que, no ano de 2006, aproximadamente
30% da área urbana de Londrina era constituída de vazios urbanos (Mapa 4). A partir do
detalhamento dos dados, era possível visualizar que do total de 30% dos vazios urbanos,
15% eram vazios de grandes extensões, não loteados; enquanto os outros 15% eram de
vazios urbanos de menor extensão, em torno de 250 m² a 500 m².
É de suma importância salientar que, nos dois exemplos representados nos
mapas que faz-se referência como vazios em Londrina, essa classificação abarca os
lotes não construídos, áreas não loteadas e vazios urbanos. Essas três categorias são, na
perspectiva adotada por essa pesquisa, consideradas vazios urbanos.
Mapa 4: Londrina (PR): vazios urbanos (2006)
22
23
Mapa 5: Londrina (PR): Vazios urbanos (2011)
24
Na metodologia adotada na elaboração do mapa 5, não foram consideradas
algumas áreas públicas não construídas como vazios urbanos, em razão do mapeamento
ser feito através de imagem de satélites e de base de dados pré-existentes, no qual pôdese eliminar as praças e áreas verdes de Londrina. Todavia, não foram eliminados os
vazios urbanos de áreas públicas como, por exemplo, áreas que estão abandonadas,
comumente chamadas de terrenos baldios e que geram ônus ao município.
O mapa 5 apresenta os seguintes itens cartográficos: os vazios urbanos
desenhados com base na imagem do satélite de propriedade da Digital Globe do ano de
2011, o perímetro urbano e os eixos viários.
É possível constatar através dos dados representados no mapa 5 que a presença
de vazios urbanos é significativa, pois a cidade possui 218,13 km² de área total do
perímetro urbano, enquanto a área dos vazios consiste em 93,69 km². Isto é, 42,95% da
área total do perímetro é representada por vazios urbanos. Além disso, visualiza-se a
existência de vazios urbanos de grandes extensões.
Outra característica de localização dos vazios urbanos é a sua ocorrência, mesmo
que em menores extensões, em áreas próximas ao centro principal, demostrando a
incompatibilidade com relação à ocupação uniforme e contínua do urbano. Embora a
maior parte dos vazios e aqueles de maiores dimensões encontrarem-se nas
extremidades norte e sul do perímetro urbano, há uma faixa central no sentido Nordeste
e Oeste, representativa na qual ocorre o processo de conurbação de Londrina e com as
cidades de Cambé e Ibiporã.
As informações sobre os vazios urbanos de Londrina ao longo do tempo permite
realizar comparações. No ano de 2006, havia 30% da área total do perímetro urbano
ocupado por vazios urbanos e, em 2011, este percentual chegou aos 42,95%. Assim
sendo, e ao desconsiderar a alteração da área do perímetro, nesse caso expandida, há um
aumento num período de 5 anos de 12,95% de vazios urbanos na cidade.
4. Considerações finais
O processo de produção e os padrões de distribuição atual dos vazios urbanos
simboliza a tendência, recente em Londrina, da cidade dispersa.
Na cidade de Londrina, os vazios urbanos enquanto elemento da forma urbana, foram
identificados pelo uso do solo através do mapeamento. Pôde-se constatar que a cidade
apresenta 42,95% da área total do perímetro urbano com a presença de vazios urbanos.
Esse fato implica afirmar que quase a metade da área da cidade é constituída por vazios
urbanos.
Em face da significativa quantidade de vazios urbanos, faz-se necessário repensar as
lógicas de produção da cidade, tendo em vista que a ideia de produzir espaço urbano
atrelado a expansão territorial urbana, impulsionados pelas frentes de expansão
imobiliária com foco em interesses ‘especulatórios’, causam ônus econômico, político,
ambiental e social à cidade como um todo.
25
5. Referências bibliográficas
ALVES, Elisabeth A.; ANTONELLO, Ideni T. Produção do espaço urbano em
Londrina: os vazios urbanos. III ENCONTRO NACIONAL DA ANPEGE, 2009,
Curitiba. Espaço e tempo: complexidade e desafio do pensar e do fazer geográfico.
Curitiba: ANPEGE, 2009, v. 1. p. 1-15.
ARIAS, Carmem. Os vazios urbanos da zona sul de Londrina: estratégias e especulação
imobiliária.1992. Monografia (Departamento de Geociências) – Universidade Estadual
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FRESCA, Tânia. M. Mudanças recentes na expansão físico-territorial de Londrina.
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IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica. cidades@. Dísponivel em:
<http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1>. Acesso em: 20 set 2012.
JANUZZI, D. C. R. O Desenvolvimento de Londrina e as transformações nos espaços
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JOFFILY, José. Londres-Londrina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
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Londrina, v.10, n. 1, p. 241-264, 2001.
NASCIMENTO, Agnaldo da Silva. No vazio, caberiam casas, parques, fábricas...
caberia muita cidade. 2014. 142f. Dissertação (Mestrado em Geografia), Programa de
Pós-Graduação em Geografia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente.
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Londrina de 1970 a 2000. In: I SIMPÓSIO INTERNACIONAL CIDADES MÉDIAS:
Dinâmica econômica e produção do espaço urbano, 2005, Presidente Prudente. I
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RIBEIRO, Willian da S. Descentralização e redefinição da centralidade em e de
Londrina. 2006. 190f. Dissertação de Mestrado - Universidade Estadual Paulista "Júlio
de Mesquita Filho" Faculdade de Ciências e Tecnologia. Presidente Prudente.
SOUZA, Marcelo Lopes de. ABC do desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2003.
26
O MERCADO IMOBILIÁRIO: SEMELHANÇAS ENTRE CIDADES MÉDIAS
Aline Fernanda Coimbra4
RESUMO
Este trabalho é resultado de análises comparativas do mercado imobiliário das cidades
médias de Campina Grande – PB, Mossoró – RN e Passo Fundo – RS. A partir da
compilação de anúncios imobiliários entre os anos de 1995-2010 são analisadas ofertas
de apartamentos, casas e com maior enfoque, os terrenos urbanos, a fim de indicar suas
localizações, preços e movimentações ao longo deste período presentes no espaço
urbano. Nesta análise comparativa, portanto, busca-se verificar se existem semelhanças
no que se refere a tendências de concentração/dispersão espacial das ofertas e nos
movimentos ao longo do tempo.
Palavras - chave: Cidades Médias, Mercado Imobiliário, Análise Comparativa.
1. INTRODUÇÃO
O estudo sobre cidades médias e mercado imobiliário se desenvolve a partir da
Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias – ReCiMe, reunindo diversas
universidades e pesquisadores. A pesquisa em rede tem o intuito de estudar as
constantes mudanças das formas, funções e estruturas das Cidades Médias. Aborda
também como tais cidades garantiram novos papéis de intermediação na rede urbana,
papéis estes que antes se concentravam de maneira focalizada nas grandes cidades e
metrópoles.
Neste caso, será apresentada a discussão das localizações, preços, movimentos
referentes às ofertas de apartamentos, casas e terrenos urbanos nas cidades médias de
Mossoró - RN, Campina Grande - PB e Passo Fundo - RS5.
4
FCT UNESP - Presidente Prudente; GAsPERR e ReCiMe; Mestranda, sob orientação do Prof. Dr.
Everaldo Santos Melazzo
5
Tal trabalho advém da pesquisa de Iniciação Científica, a qual resultou também no Trabalho
de Conclusão de Curso e em demais trabalhos científicos.
27
O objetivo recai, inicialmente, na análise do mercado imobiliário a partir de
dados de anúncios de jornais nas respectivas cidades estudadas, de maneira a trazer a
discussão sobre onde, isto é, em quais áreas/bairros estão concentradas as ofertas entre
1995 e 2010 nestas cidades. Além disso, como essas mudanças de localização
decorrentes entre os anos são transferidas para os preços em um curto período de tempo,
buscando entender que preço determinado local possui.
Isso resultará na compreensão de que este mercado imobiliário provoca novas
realocações, concentrações e dispersões, juntamente com os agentes incorporadores que
atuam e organizam o espaço, proporcionando distinções entre áreas e quais faixas de
renda em sua maioria.
Neste caso, proporcionar análises comparativas nos permite articular elementos
comuns e diferenças nas cidades dessa pesquisa ou em outras, como vemos em
trabalhos de Abreu6, Alcântara7, Spinelli8 e demais. Optar pelo estudo de duas ou mais
cidades é importante para a análise comparativa, pois assim nos ajuda a revelar traços
comuns do funcionamento de seus mercados imobiliários e como estão ocorrendo às
transformações atuais, não focando apenas em uma análise local das singularidades e
particularidades de cada cidade.
Os procedimentos metodológicos adotados neste trabalho, assim como na pesquisa,
fundaram-se na construção de um banco de dados contendo informações de anúncios
imobiliários de ofertas de vendas de apartamentos, casas e terrenos urbanos. Tais ofertas
foram retiradas de um determinado jornal local em cada uma das cidades, sendo assim
em Mossoró temos “O Mossoroense”, Campina Grande “Diário da Borborema”, e Passo
Fundo “O Nacional”.
A partir de uma listagem de informações foram organizadas tabelas bases com
as ofertas imobiliárias que contém o dia, mês e ano, transação, o nome da imobiliária
anunciante, o bairro que foi ofertado, tipo do imóvel negociado (casa, apartamento,
terreno) e seu uso (residencial, comercial), área do terreno, área construída, e o preço
ofertado.
Além das informações citadas anteriormente, é importante ressaltar que a série
histórica utilizada na pesquisa que se desenvolveu e também base para outros trabalhos
6
ABREU, 2014.
7
ALCÂNTARA, 2013.
8
SPINELLI, 2013.
28
como o de Abreu (2011; 2014) e Alcântara (2013) etc. partem do ano de 1995 como
ponto inicial, por ser um período após a implantação do Plano Real, facilitando o ajuste
de todos os anúncios a um mesmo padrão, ou seja, todos os anúncios estariam na
mesma taxa de conversão e de valores monetários. Posteriormente, os anos escolhidos
foram 2000, 2005 e 2010.
Tais informações, neste caso, referem-se a dois meses de cada ano delimitado,
outubro e dezembro, por serem meses que continham um maior número de anúncios
durante um ano todo. Posteriormente, teve-se o cuidado de que todos os dados fossem
deflacionados, com o objetivo de se garantir um mesmo índice de referência IGP – DI
da FGV (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna da Fundação Getúlio
Vargas), portanto a data final seria o ano de 2010.
Sendo assim, pretendeu-se garantir a formação de um banco de dados que ajude a
revelar as transformações mais estruturais do mercado imobiliário nas cidades
analisadas, garantindo deste modo à comparação entre elas.
Posteriormente, algumas informações sobre as cidades, localizações sobre os
principais objetos imobiliários, áreas de inclusão e exclusão social serão importantes
para compor o debate e ajudar a entender as mudanças do mercado imobiliário.
Por fim, este trabalho encontra-se dividido em duas grandes partes: a primeira
trará considerações teóricas a respeito do tema denominado "O mercado imobiliário e a
produção do espaço urbano em cidades médias", e a segunda parte abordará resultados e
suas conclusões, denominada “Contribuições para a compreensão do mercado
imobiliário em Mossoró, Campina Grande e Passo Fundo”.
2. O MERCADO IMOBILIÁRIO E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM
CIDADES MÉDIAS
A produção do espaço urbano resulta da ação e posteriormente intensificação de
agentes sociais. Portanto, cada um deles possui interesses, contradições e práticas
diferenciadas, os quais incidem sobre tal produção, como cita Corrêa (2011). Portanto
esse processo se reflete na produção das cidades.
Com a intensificação da circulação do capital há a possibilidade de se construir
diferentes tipos de espaços a partir da lógica e dos valores capitalistas. Sendo assim,
29
questiona-se se as cidades tornam-se mais diferenciadas ou semelhantes conforme o
capitalismo se dissemina através da globalização.
Neste caso, entende-se a importâncias das funções desempenhadas também pelas
cidades médias no conjunto da rede urbana, pois assim como as metrópoles, elas
possuem diferenças, papéis e semelhanças, e nesta diferenciação escalar de relações e
trocas, tais processos ganham novos significados.
Como afirma Lefebvre (1969, p. 53-55), as transformações e permanências que
ocorrem no espaço urbano se relacionam tanto a processos globais, como a
modificações do modo de produção, às relações cidade-campo, às classes e à
propriedade, desse modo, a cidade não pode ser concebida como um sistema
determinado e fechado.
A partir do entendimento dessas conexões do espaço urbano, entende-se que as
particularidades que cada agente proporciona na história, a situação geográfica ou até
mesmo o sítio urbano da cidade, devem ser tomados como importantes no estudo das
cidades médias.
O impacto de tais ações resultam no desencadeamento de rearranjos no padrão
de acessibilidade intra e inter áreas urbanas, nos preços de imóveis, na extensão e oferta
de terrenos e no volume da produção de habitações que acabam por influenciar
diretamente o conjunto da estrutura urbana, assim como as novas formas de acumulação
que o capitalismo vem organizando a partir de análise de políticas habitacionais o
crédito imobiliário ou até mesmo o próprio consumo.
Neste caso pode-se pensar a vinculação de uma produção da habitação e seu
consumo, consumo este que pode ser encontrado em determinadas áreas e locais,
objetos imobiliários, consumo de padrões locacionais para determinado nível de renda
que são repetidos em outras cidades. O que se supõe que esta produção imobiliária em
crescimento no momento atual, não beneficia que tais indivíduos que a consomem ou
utilizam também consumam a cidade, por isso torna-se importante analisar essas
mudanças e rearranjos nestas cidades.
Neste trabalho é possível analisar a semelhança dos movimentos dos preços
imobiliários nas cidades médias em função de objetos imobiliários que valorizam e
desvalorizam áreas em um curto período de tempo, dependendo de qual objeto seja. Nos
casos
de
valorização,
destaco
como
30
exemplos
os
shoppings
centers,
as
universidades/faculdades, os hipermercados, assim como loteamentos, que apareceram
em grande parte das cidades com grande importância onde se localizam.
No entanto, apesar dessa semelhança se repetir em muitas das cidades, vale
lembrar que em cada caso há ritmos, intensidades e maneiras distintas, que propõem
novas análises.
Já de início, é possível perceber que as cidades possuem diferenças em suas
origens com particularidades históricas, geográficas e econômicas (tal como a posição e
situação geográfica, a estrutura da propriedade fundiária, as bases produtivas locais, as
atividades imobiliárias etc.) e aqueles determinantes produzidos na escala nacional
(como a política habitacional, a oferta e disponibilidade de crédito e financiamento,
taxas de juros e, mais recentemente, a expansão de capitais imobiliários).
Por isso, a desigual produção e transformação do espaço interno das cidades não
ocorre aleatoriamente, mas corresponde a padrões de uso do solo específicos a um
momento histórico e como a combinação destes elementos ocorreram. A partir deles e
de decisões e ações de diferentes agentes que vão sendo paulatinamente tomadas e
implementadas, condicionamos os rumos da produção do espaço urbano 9, sua
localização, preço, valorização e desvalorização de áreas em curtos períodos de tempo.
Entender a produção habitacional é de extrema importância, visto que "quanto
mais a urbanização se amplia, mais os custos de equipamentos dos solos tornam-se
elevados" (TOPALOV, 1979, p. 79) e isso também ocorre com os preços imobiliários
conforme suas localidades, como cita Topalov (1979, p. 69) "o preço de produção da
unidade habitacional varia com os equipamentos de viabilização e de serviços coletivos
a serem realizados e que devem financiar o capital de promoção", e além disso, o preço
é reflexo de onde se está localizado e próximo ao quê/quem?
Villaça (1986, p. 98) afirma que,
o Estado, em primeiro lugar, faz nas regiões onde se concentram
as camadas de mais alta renda, enormes investimentos em infraestrutura urbana, especialmente no sistema viário, ao mesmo
tempo em que abre frentes pioneiras para o capital imobiliário
[...]. Assim, o sistema viário naquelas regiões é muito melhor
que no restante da cidade, não só para atender o maior número
9
Neste caso, os mapas de inclusão/exclusão social, renda de chefes de família e entre outros
mapas produzidos pelo Centro de Estudos e Mapeamentos da Exclusão Social para Políticas Públicas
(CEMESPP) auxiliaram na localização de novos locais de valorização/desvalorização e novas
articulações intraurbanas, que modificou a localização das ofertas imobiliárias.
31
de automóveis, mas também para abrir frente de expansão do
capital imobiliário.
Neste sentido, os vínculos construídos entre o Estado, o mercado imobiliário, a
cidade, as ofertas imobiliárias e o preço existem a partir da relação entre os agentes
produtores do espaço urbano e seus interesses, proporcionando formas e estruturas
diferenciadas. Referente a essa produção do espaço urbano há diferentes atuações
sociais e econômicas no decorrer das décadas, mas conforme as necessidades de se
construir e diversificar o espaço habitado pela oferta e demanda provocado pelo
crescimento econômico e trocas comerciais, temos uma variação de ofertas em
determinados locais mais intensificados do que em outros e isto poderá ser melhor
observado nos resultados a seguir.
3. CONTRIBUIÇÕES
PARA
A
COMPREENSÃO
DO
MERCADO
IMOBILIÁRIO EM MOSSORÓ, CAMPINA GRANDE E PASSO FUNDO
Após uma breve consideração teórica, a seguir apresentaremos sinteticamente
informações de estrutura urbana e os dados referentes às três cidades médias sobre
ofertas imobiliárias, a fim de articulá-los às ideias anteriormente apresentadas.
De início, percebe-se que a ocupação da cidade de Mossoró aconteceu a oeste do
rio Mossoró, local de instalação da estrada de ferro, o que contribuiu para o
desenvolvimento e a intensificação da expansão urbana (ELIAS, PEQUENO, 2010).
Atualmente a cidade é cortada pela BR 304 a nordeste da cidade, a qual faz ligações a
importantes cidades (Fortaleza/CE, Natal/RN) e ao distrito industrial.
Percebe-se que para o exemplo de Mossoró, assim como as demais cidades a
serem contextualizadas posteriormente, os eixos viários são importantes tanto para
entender a influência onde se localizam com as cidades ao redor, além de que alguns
eixos como avenidas, rodovias, são importantes para alguns aspectos de valorizações.
Na área central é possível observar um intenso processo de verticalização e
concentra grande parte das atividades terciárias, o comércio e serviços. À leste temos a
instalação de loteamentos e conjuntos habitacionais com pouca infraestrutura, o qual foi
local da instalação da primeira base da Petrobrás. À oeste tem-se a área menos populosa
em Mossoró, onde estão os loteamentos fechados e condomínios, local de formação
recente. Na área norte há muitos conjuntos habitacionais, assim como a presença da
32
antiga estrada de ferro citada como ponto de desenvolvimento (Avenida Rio Branco),
portanto uma área um pouco mais antiga em formação. Já ao sul temos alguns
loteamentos e a instalação da atual base da Petrobrás, atualmente área de grande
concentração de empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida e que
apresenta algumas mudanças.
A partir de tais informações passamos para o Gráfico 1, que apresenta o preço
médio por m² em Mossoró dos anúncios de terrenos, casas e apartamentos entre os anos
de 1995, 2000, 2005 e 2010, assim como o preço médio por m² geral da cidade.
Gráfico 1.
Média por m² em Mossoró entre os anos de 1995 e 2010
Preços
terreno
casa
Preço Médio m²
Geral; 1995;
R$28,35
Preço Médio m²
Geral; 2000;
R$48,41
Anos
apartamento
Preço Médio m²
Geral;
2010;
Preço
Médio
m² Geral
Preço Médio m²
R$392,54
Geral; 2005;
R$77,78
Fonte: Jornal “O Mossoroense”. Anos: 1995, 2000, 2005 e 2010
Organização: Aline Fernanda Coimbra, 2013.
Há uma grande elevação dos preços entre 2005 e 2010, visto que em anos
anteriores temos poucos anúncios ou nenhum, como o caso de apartamentos no ano de
1995, 2000, 2005, e de casas para o ano de 2000, isso indica que a cidade ainda o
padrão de tipologia como sendo a casa. A média da cidade apresentou uma leve
ascensão no preço médio por m² real nas primeiras séries de anos, e no ano de 2010 uma
maior elevação.
Posteriormente nas Figuras 1, 2, 3 e 4 teremos os mapas de ofertas de terrenos
em Mossoró com o preço médio por m² entre 1995, 2000, 2005 e 2010.
33
34
35
É possível ver que na Figura 2 referente ao ano de 2000 temos poucos bairros
ofertados, enquanto que na Figura 4 no ano de 2010 há um maior número de bairros
com ofertas, os quais alguns não apresentaram ofertas em outros anos.
Analisando cada ano, em 1995 temos o bairro Santo Antônio em destaque, com
o preço médio por m² real de R$ 100,37, enquanto que os demais em ordem decrescente
de preço são Nova Betânia (R$ 35,57), Presidente Costa e Silva (R$18,21), Alto Sumaré
(R$ 12,40), Alto de São Manoel (R$ 11,20).
É importante ressaltar que o bairro Santo Antônio fazia parte de uma área de
crescente valorização, o que favorecia a expansão de áreas de verticalização, assim
como a presença da Av. Rio Branco, que interligava com o Centro. Já o menor preço no
bairro Alto Sumaré deve-se a distância da área central e presença de uma favela, além
da desvalorização e características de sua população.
Prosseguindo a análise, no ano de 2000 temos o bairro Nova Betânia com o
preço de R$ 61,10 seguido do bairro Alto de São Manoel (R$ 43,10) e Santa Delmira
(R$ 15,50). É possível, portanto, perceber a elevação do preço no bairro Nova Betânia e
crescentes valorizações através de objetos imobiliários, para o bairro Alto de São
Manoel há sua proximidade com o Supermercado Queiroz e a Instituição de Ensino
Superior (UFERSA – Universidade Federal Rural do Semi-Árido e ESAM – Escola
Superior de Agricultura de Mossoró), que de certa forma também garantem o aumento
dos preços de 1995 a 2000.
Já no ano de 2005, temos o Centro com o preço de R$ 169,71, Nova Betânia
(R$118,66), Presidente Costa e Silva (R$ 45,97), Abolição (R$ 41,48), Aeroporto (R$
27,10), Planalto Treze de Maio (R$ 20,60) e Santo Antônio (R$ 10,35).
No bairro Nova Betânia entende-se como uma nova frente de expansão para o
mercado imobiliário que já apresentava indícios nos dados do ano de 2000, uma vez que
nele se localiza o West Shopping Mossoró, hipermercados de redes de atuação nacional
(Atacadão), restaurantes, a Universidade Potiguar, condomínios (Alphaville e Sunville)
e loteamentos residenciais e horizontais.
Apesar disso, o bairro está situado distante do centro, gerando uma forma de
parcelamento do solo que “se apresentam como grandes alvos da especulação
imobiliária, induzindo a implantação de infra-estruturas” (ELIAS, PEQUENO, 2010, p.
251). No entanto, o Centro como uma área específica, ainda apresenta sua importância,
principalmente relacionada com atividades comerciais.
36
Já no ano de 2010, percebemos uma destacada elevação do preço médio por m²
dos terrenos observado na legenda do mapa. Isso se dá, no nosso entendimento, devido
ao aquecimento do mercado imobiliário e à valorização do solo urbano e da terra, que
nos últimos anos cresceram principalmente nas cidades médias.
Os bairros em 2010, temos o destaque para Alto de São Manoel (R$ 846,02),
Santo Antônio (R$ 294,12), Nova Betânia e Aeroporto (R$ 250,00), Alto Sumaré (R$
204,35), Abolição (172,22), Presidente Costa e Silva (R$ 119,27) e Abolição (R$
105,19).
Novamente vemos a participação do bairro Nova Betânia, uma valorização do
bairro Abolição, assim como o Aeroporto, Alto Sumaré, e o bairro Santo Antônio. No
entanto, o destaque maior é para o Alto de São Manoel que não apresentou nenhuma
nova transformação ou instalação de equipamentos imobiliários que pudesse explicar
esse aumento de preço, apenas concentração de hotéis e supermercados, ou algum
lançamento que elevou o preço do bairro no geral.
A cidade de Campina Grande teve seu desenvolvimento a partir do seu
entroncamento no Planalto da Borborema. Nos anos de 1960/70 ocorreram ações para o
desenvolvimento da cidade através de intervenções militares, o que favoreceu a
transformação da cidade, assim como uma maior concentração populacional de famílias,
principalmente vindas do campo (MAIA, 2014).
Na zona leste temos o Boulevard Shopping que garante áreas de valorizações e
implantação de loteamentos fechados e ligações com a BR 230. Na zona oeste temos
Universidade Federal de Campina Grande e do Campus Bodocongó da Universidade
Estadual da Paraíba, além de um parque tecnológico que implicou deslocamentos de
atividades e valorizações de áreas próximas. Na zona norte e oeste observou-se a
implantação de programas habitacionais em décadas anteriores (COHAB), assim como
os do Programa Minha Casa Minha Vida atualmente e alguns loteamentos irregulares.
Já na zona sul/sudeste temos a presença do Distrito Industrial, concentrando atividades
deste ramo.
Após esta breve contextualização temo o Gráfico 2, com o preço médio por m²
em Campina Grande dos anúncios de terrenos, casas e apartamentos entre os anos de
1995, 2000, 2005 e 2010, assim como o preço médio por m² geral da cidade.
37
Gráfico 2.
Preços
Média por m² em Campina Grande entre os anos de 1995 e
2010
Preço Médio m²
Geral; 1995;
R$523,76
Preço Médio m²
Geral; 2000;
R$511,89
Preço Médio m²
terreno
Geral; 2010;
R$1.265,43
casa
Preço Médio m²
apartamento
Geral; 2005;
R$678,03
Preço Médio m² Geral
Anos
Fonte: Jornal “Diário da Borborema”. Anos: 1995, 2000, 2005 e 2010
Organização: Aline Fernanda Coimbra, 2013.
É possível observar que os preços em Campina Grande são maiores que em
Mossoró, assim como o preço médio por m², isso ocorre tanto por diferenças entre a
estruturação das cidades e seus momentos históricos em que se instalaram, a localização
e condições expansão, assim como proximidades com outras cidades que favorecem sua
influência. A curva que se observou no Gráfico 1, é
semelhante com o mesmo
movimento identificado para a cidade de Mossoró, entre 2005 e 2010.
Posteriormente nas Figuras 5, 6, 7 e 8 são apresentados os mapas de ofertas de
terrenos em Campina Grande com o preço médio por m² entre 1995, 2000, 2005 e 2010.
38
39
Para o ano de 1995, temos o bairro Catolé em destaque com o preço de R$ 254,49,
bairro com grande proximidade com o Centro e com a presença de condomínios
residenciais horizontais, seguido do Centro (R$ 139,10), Mirante (R$ 99,66) bairro
próximo a importante rodovia BR-230, e muitos equipamentos hoteleiros e de eventos,
Bodocongó (R$ 85,14), São José (R$ 49,65).
No ano de 2000, temos novamente o Catolé com o preço de R$ 148,80, Mirante
(R$ 99,71), Santo Antônio (R$ 97,05), Jardim 40 (R$ 68,06). Há uma diminuição dos
preços médios no bairro Catolé e manutenção do preço no Mirante.
No ano de 2005, temos o preço médio por m² superior ao ano anterior, mas ainda
não ultrapassa o ano inicial de 1995. Em ordem decrescente de preços temos Mirante
(R$ 580,82), Bodocongó (R$ 565,70), Prata (R$ 187,49) que possui alguns
condomínios residenciais e unidades de saúde, Santo Antônio (R$ 186,11), Alto Branco
(R$ 150,59), Jardim Tavares (R$ 148,05), Universitário (R$ 122,57), Catolé (R$ 76,12),
Nações (R$ 60,29), Palmeira (R$ 8,65).
Os bairros que mais se destacam nesta elevação dos preços são o Mirante, área
valorizada pela presença do Garden Hotel Campina Grande Resort e Centro de
Convenções, assim como a instalação Boulevard Shopping Campina Grande
o que pode ter alavancado os preços e a fim de concentrar uma população de maior
renda nas proximidades. Temos também o bairro Bodocongó, que teve valorização pela
proximidade com a Universidade Federal de Campina Grande, a Universidade Estadual
da Paraíba, a Escola Técnica Redentorista e o SENAI (Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial).
No ano de 2010 temos o Jardim Tavares (R$ 550,00), Prata (R$ 414,81), Catolé
(R$ 368,33), Nações (R$ 322,02), Liberdade (R$ 317,46). Nos bairros, Alto Branco,
Jardim Tavares e Nações a partir de 2005 inseriram-se novos condomínios e
loteamentos fechados, os quais provocaram valorizações nos preços do m² para os anos
seguintes.
A estruturação da cidade de Passo Fundo é pautada principalmente na parte
central (Av. Brasil) e que atualmente concentra maiores percentagens de verticalização,
assim como a presença do Shopping Center Bella Cità. Na zona oeste temos o Distrito
Industrial, enquanto que a sul/sudeste temos as áreas residenciais de média e alta renda.
Já na parte oeste há uma maior concentração de residências de camadas populares, e na
zona norte a formação de ocupações de alta renda (FERRETO, 2012).
40
No Gráfico 3, temos o preço médio por m² em Passo Fundo dos anúncios de
terrenos, casas e apartamentos entre os anos de 1995, 2000, 2005 e 2010, assim como o
preço médio por m² geral da cidade.
Gráfico 3.
Preços
Média por m² em Passo Fundo entre os anos de 1995 e 2010
Preço Médio m²
Geral; 1995;
R$1.127,45
Preço Médio m²
Geral; 2000;
R$505,94
Preço Médio m²
Geral; 2005;
R$751,66
Preço Médio m²
terreno
Geral; 2010;
casa R$1.042,01
apartamento
Preço Médio m² Geral
Anos
Fonte: Jornal “O Nacional”. Anos: 1995, 2000, 2005 e 2010
Organização: Aline Fernanda Coimbra, 2013.
Passo Fundo, apesar de indicar altos preços no ano de 1995 e superiores em
geral que as outras duas cidades, também confirma o que já vem sendo discutido,
acentuações entre os anos de 2005 e 2010, em destaque para os terrenos nas três
cidades.
Posteriormente nas Figuras 9, 10, 11 e 12 os mapas de ofertas de terrenos em
Passo Fundo com o preço médio por m² entre 1995, 2000, 2005 e 2010.
41
42
Em 1995, temos o bairro Santa Terezinha com o preço de R$ 1739,69, seguido
do Centro (R$ 1527,21), Vila Vergueiro (R$ 1283,04). Bairros bem próximos ao
Centro, e assim localizados na área dos principais serviços da cidade, como no caso da
Vila Vergueiro que tem o Hospital da Cidade de Passo Fundo.
O ano de 2000, a queda é visível pela legenda das médias das ofertas, com o
bairro Santa Terezinha por R$ 1031,00, Centro (R$ 1029,87), Vila Fátima (R$ 993,72).
Temos em 2005 o bairro Vera Cruz em elevação (R$ 1648,20), Vergueiro (R$
1217,82), Centro (R$ 1213,37), Vila Fátima (R$886,55).
Já em 2010, temos os bairros Vila Fátima (R$ 1903,48), Vergueiro (R$
1885,25), Centro (R$1654,00).
Percebe-se que a concetração de ofertas próximas ao centro é grande, assim
como a formação de um eixo Centro-Vila Fátima, que contribui para a ideia de um
centro de alta renda indicado na figura 12.
Por fim, o Gráfico 4 indica a média por m² de terrenos nas três cidades (19952010), a fim de facilitar a visualização dessas diferenças de preços médios por m² dos
terrenos, em alguns momentos uma supera a outra, mas em geral todas seguem o
mesmo movimento. Visto que essas diferenças de patamares se dão pelo o que já foi
dito anteriormente, as características de cada cidade em sua formação, localização,
agentes e etc.
Gráfico 4.
Média por m² de terrenos em Mossoró, Campina Grande e
Passo Fundo entre os anos de 1995 e 2010
Preços
Mossoró
Campina Grande
Passo Fundo
Anos
Fonte: Jornal: O Mossoroense, Diário da Borborema, O Nacional. 1995, 2000, 2005
e 2010
Organização: Aline Fernanda Coimbra, 2013.
43
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise desenvolvida até este momento reúne alguns dos elementos necessários
para aquilo que Brandão (2012, p. 168) chama a atenção: a necessidade de comparar as
“similaridades e diferenças entre os elementos de estudo”. Por isso, é tão importante
comparar cidades distintas, já que há possibilidades de ocorrência de determinadas
semelhanças no processo de formação e construção do espaço urbano e, sobretudo, nos
movimentos do mercado imobiliário.
É possível observar que na maioria dos casos, gráficos ou mapas, as médias
possuem o movimento ascendente, principalmente a partir de 2005 e, em 2010 essa
elevação é mais acentuada. Nos gráficos 2 e 3 percebe-se uma pequena queda entre
1995 e 2000, como no caso de terrenos e apartamentos em Campina Grande onde é
importante realçar que o preço por m² da cidade obteve elevações consideráveis ao
longo dos anos, assim como terrenos, casas e apartamentos em Passo Fundo. No
entanto, isso não acontece em Mossoró, pois o movimento de preços médios por m²
apresenta-se totalmente ascendente.
Essas elevações dos preços destacados nas três cidades indicam que o mercado
imobiliário sofreu ajustes e transformações, o que propõe grandes mudanças no espaço
urbano da cidade em um curto período de tempo.
Sendo assim, o mercado imobiliário de ofertas de terrenos, casas e apartamentos
ganha características que se aproxima no estudo de cidades médias, os quais repercutem
um processo de valorização e desvalorização em algumas áreas das cidades.
A partir dessa espacialização sugere-se que o mercado imobiliário em si também
regula tais ofertas. Mesmo considerando-se as particularidades de cada cidade, oriundas
de diferentes contextos históricos, chama-se a atenção para os semelhantes movimentos
de crescimento dos preços da terra urbana. No mesmo sentido, objetos imobiliários
como shoppings centers, condomínios fechados, hipermercados, são condicionantes
explícitos de modificação na estrutura imobiliária e do espaço urbano, levando a
acomodações/localização de segmentos sociais específicos em suas proximidades,
valorizando o preço por m².
44
REFERÊNCIAS
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Preto: análise comparativa do processo de estruturação intra – urbano. Presidente
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Monografia
de
conclusão
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Faculdade
de
Ciências
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Tecnologia/Presidente Prudente. 2011
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(Mestrado em Geografia) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho,
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45
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VILLAÇA, F. O que todo cidadão precisa saber sobre habitação. São Paulo. Global
1986.
46
O PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA EM CIDADES
MÉDIAS: O CASO DE VIÇOSA, MG
Aline Werneck Barbosa de Carvalho10
Italo Itamar Caixeiro Stephan11
IzabelaVaz12
Marina Galatro13
Resumo
Este artigo tem como objetivo refletir sobre a implantação do Programa Minha Casa,
Minha Vida na cidade de Viçosa - MG, procurando identificar particularidades deste
processo numa cidade média. O artigo apoia-se em pesquisa bibliográfica, levantamento
de dados secundários e pesquisa de campo, mediante o uso de técnicas variadas, como
levantamento de dados arquitetônicos e fotográficos, observação direta e aplicação de
questionários aos moradores dos conjuntos habitacionais. Excetuando-se o fato de
apresentarem um número reduzido de unidades habitacionais, os três empreendimentos
construídos em Viçosa apresentam o mesmo padrão construtivo e de localização que
tem caracterizado a produção do PMCMV nas grandes cidades brasileiras,
configurando-se como expressão da lógica empresarial que
Palavras-chave: Política habitacional; Programa Minha Casa, Minha Vida; Cidade
Média.
10
Professora Associada do Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Universidade
Federal de Viçosa. E-mail: [email protected]
11
Professor Associado do Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Universidade
Federal de Viçosa. E-mail: [email protected]
12
Bolsista de pesquisa FAPEMIG; estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo.
Universidade Federal de Viçosa. E-mail: [email protected]
13
Bolsista de pesquisa FAPEMIG; estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo.
Universidade Federal de Viçosa. E-mail: [email protected]
47
1. Introdução
Este artigo tem como objetivo discutir o processo de implantação do Programa Minha
Casa, Minha Vida numa cidade média, procurando identificar suas características
construtivas e urbanísticas, seus principais agentes e suas articulações com a política
urbana.
No Brasil, o interesse pela investigação das cidades ditas médias desenvolveu-se a partir
das décadas de 1950 e 1960. Os estudos realizados, já naquela época, mostravam que
essas cidades geralmente desempenhavam um papel essencial no equilíbrio e no
funcionamento das redes urbanas regionais e do sistema urbano nacional.
Nas décadas de 1970 e 1980, foram elaborados vários planos, programas e políticas de
âmbito local e regional que visavam à difusão do processo de desenvolvimento com
base na rede urbana e no fortalecimento das cidades médias. Contudo, ao longo do
tempo, o papel estratégico regional foi se enfraquecendo como princípio de
planejamento, o que ocasionou uma relativa queda de foco nessa categoria de cidades.
O interesse pelo estudo das cidades médias voltou ao cenário nacional na década de
1990, motivado pelos resultados do Censo de 1991, que registrou um processo de
reversão da polarização industrial e da concentração populacional nos polos
metropolitanos, no qual as cidades médias cumprem papel decisivo, sejam elas
metropolitanas ou não. Além disso, as cidades médias têm sido consideradas, com
maior ou menor razão, como lugares privilegiados em termos de qualidade de vida, de
preservação do meio ambiente e do patrimônio urbanístico, e como polos de atração dos
crescentes fluxos turísticos
Um dos reflexos do interesse renovado pelas cidades médias tem sido o aumento
considerável de publicações sobre esse grupo de cidades. Entretanto, as pesquisas
relacionadas a esse tema enfrentam obstáculos no que diz respeito à caracterização, ou
mesmo à conceituação do termo cidades médias.
48
O conceito de cidade média, tratado por diversos autores, é impreciso, não havendo um
consenso ou uma definição mais ou menos cristalizada que possa ser utilizada
indistintamente por sociólogos, economistas, arquitetos, geógrafos, demógrafos, entre
outros. Dessa forma, tanto pesquisas e reflexões acadêmicas como políticas públicas
para as cidades médias têm enfrentado dificuldades na caracterização do grupo que
compõe esse nível de cidade (ARAÚJO; MOURA; DIAS, 2010).
Sposito (2014) argumenta que “cidade média” não é um conceito, podendo no máximo
ser entendido como uma noção científica, e faz distinção entre cidades médias e cidades
de médio porte, afirmando que as cidades médias são aquelas que, independente do seu
tamanho demográfico, “desempenham papel de comando regional, realizando funções
de intermediação entre cidades maiores e menores de sua rede urbana” (p. 26).
A partir desta noção, apresentaremos um estudo de caso acerca da produção recente da
habitação de interesse social em Viçosa, cidade de 76.147 habitantes 14 localizada na
Zona da Mata de Minas Gerais, procurando refletir sobre as particularidades deste
processo numa cidade que, pelo seu grau de polarização em relação às pequenas cidades
que gravitam no seu entorno, desempenha a função de cidade média.
O artigo apoia-se em pesquisa bibliográfica, levantamento de dados secundários e
pesquisa de campo, mediante o uso de técnicas variadas, como levantamento de dados
arquitetônicos e fotográficos, observação direta e aplicação de questionários aos
moradores dos conjuntos habitacionais.
O texto está estruturado em três partes, além desta introdução. Inicialmente, aborda-se o
quadro da política habitacional brasileira no qual o PMCMV se insere; em seguida,
apresentam-se os resultados do estudo de caso, discutindo-se a implantação da
modalidade urbana do PMCMV em Viçosa para, finalmente, apresentar as conclusões.
14
SEBRAE, 2013. Disponível em: <http://www.sebraemg.com.br/atendimento/conteudo/dados-e-pesquisas/identidade-dos-municipios>
49
2. O Programa Minha Casa, Minha Vida no contexto da política habitacional
brasileira
As políticas de habitação para a população de baixa renda, no Brasil, seguiram uma
longa trajetória, desde o início do século XX até os dias de hoje. Nesse longo período,
destacam-se como marcos importantes a criação da FCP, nos idos de 1940, e o Banco
Nacional de Habitação – BNH, no período de 1964 a 1986, apesar das críticas à
qualidade construtiva e urbanística dos empreendimentos produzidos.
Com o avanço do processo de descentralização, a partir da década de 1980, começa a
ser gestada uma nova postura de enfrentamento da questão habitacional, mediante a
mobilização da sociedade civil e de setores populares pró-moradia.
A primeira década do século XXI é marcada pela retomada do planejamento estatal no
setor habitacional e urbano, bem como pelo aumento do volume de recursos e subsídios
para a habitação de interesse social (DENALDI, 2012; BUONFIGLIO; BASTOS,
2011).
A partir da criação do Ministério das Cidades, em 2003, da aprovação da Política
Nacional de Habitação, em 2004, e da criação do Sistema Nacional de Habitação de
Interesse Social – SNHIS –, em 2005, o Governo Federal tem empreendido esforços na
ampliação dos recursos destinados à implementação da política habitacional. No final da
primeira década de 2000, foram criados dois grandes programas visando ao acesso da
população de baixa renda à moradia: o Programa de Aceleração do Crescimento
Urbanização de Assentamentos Precários (PAC-UAP) e o Programa Minha Casa,
Minha Vida (PMCMV).
Instituído pela Lei n. 11.977, de 07 de julho de 2009, o PMCMV constitui, atualmente,
o principal programa habitacional do governo federal, cujo objetivo consiste na
construção maciça de moradias visando à melhoria do sistema habitacional para a
população de baixa e média renda. No âmbito do PMCMV estão previstos dois
subprogramas: o PNHU – Programa Nacional de Habitação Urbana e o PNHR –
Programa Nacional de Habitação Rural. O PNHU “tem por objetivo promover a
50
produção ou aquisição de novas unidades habitacionais ou a requalificação de imóveis
urbanos” (Art. 4º, Lei n. 12.124/2011), enquanto cabe ao PNHR “subsidiar a produção
ou reforma de imóveis aos agricultores familiares e trabalhadores rurais (...)” (Art. 11,
Lei n. 12.124/2011), nas propriedades rurais, posses e agrovilas, em terrenos que não
ultrapassem 4 módulos fiscais15.
Motivado em por razões econômicas, no contexto da crise mundial de 2008, o PMCMV
representou uma política social de grande escala, que estimulou a criação de empregos e
de investimentos no setor da construção civil, atendendo à demanda habitacional de
baixa renda que o mercado por si só não alcançava até então (ARANTES; FIX, 2009;
HIRATA, 2011; KLINTOWITZ, 2011).
Amplamente implementado a partir do ano de 2010, a meta do PMCMV era a
construção de 1 milhão de moradias na área urbana. Lançada a segunda versão do
PMCMV, pela Lei n. 12.1214/2011, estabeleceu-se como nova meta a construção de 2
milhões de moradias até 2014. No caso do PNHR a meta é a produção e reforma de
120.000 unidades habitacionais no período 2011-2014, distribuídas segundo o déficit
habitacional do país, mais 70.000 voltadas para os assentados do Programa Nacional de
Reforma Agrária (BRASIL, 2013).
O PMCMV representa um grande aporte de recursos financeiros para o setor
habitacional, composto por 75% de recursos não onerosos advindos do OGU, 22% do
FGTS e 3% do BNDES. Com o intuito de estimular a produção habitacional pelo
mercado, o Programa ainda agrega um conjunto de medidas como reduções de tarifas,
facilidades de acesso ao crédito e aceleração dos processos administrativos)
(KLINTOWITZ, 2011. Além das medidas de caráter financeiro, procura-se
desburocratizar e agilizar o processo de provisão habitacional, por meio da
15
Módulo fiscal é uma unidade de medida agrária usada no Brasil, instituída pela Lei nº 6.746,
de 10 de dezembro 1979. É expressa em hectares e é variável, sendo fixada para cada município
levando-se em conta o tipo de exploração predominante no município, a renda obtida com a
exploração predominante e com outras explorações existentes no município que mesmo não
sendo predominantes sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada, e o conceito de
propriedade familiar. O módulo fiscal de Viçosa é igual a 22 ha.
51
flexibilização da contratação das empresas, com a eliminação da exigência de licitação
para a obra, e da adoção de medidas de desoneração tributária para as construções
destinadas a habitação de interesse social.
Alguns pesquisadores têm apontado a má qualidade da produção habitacional do
PNHU, bem como a localização periférica dos empreendimentos, ditada na maioria das
vezes por interesses especulativos do mercado de terras (MARICATO, 2012; ROLNIK,
KLINK, 2011; PENALVA, DUARTE, 2010; HIRATA, 2009; BONDUKI, 2009). No
caso do PNHR, pouco foi investigado até o momento acerca da eficácia do processo de
provisão de moradias como um todo e da adequação do produto habitacional às
necessidades dos moradores.
Entretanto, não se pode negar que o PMCMV constitui a mais importante estratégia
direcionada para a redução do déficit habitacional no Brasil, desde o BNH, a despeito
das razões que estão subjacentes à sua proposição e da eficácia dos seus resultados em
termos de qualidade arquitetônica e urbanística. Segundo dados oficiais, desde o seu
lançamento até fevereiro de 2013, esse Programa superou a marca de 1 milhão de
moradias entregues nas áreas urbanas. Em 2012, houve um aumento de 41% no número
de moradias entregues, em relação a 2011; além disso, já foram contratadas mais de
1,34 milhão de unidades habitacionais em todo o país. Considerando-se as moradias
entregues e o total contratado, são 2,45 milhões de moradias financiadas pelo Programa
até 2013. A maior parte das unidades contratadas (58,2%) é destinada às famílias com
renda mensal de até R$ 1.600 (Faixa 1). (BRASIL, 2013)
3. O Programa Minha Casa, Minha Vida numa cidade média: o caso de Viçosa
3.1. Contexto social e econômico da cidade de Viçosa
Viçosa é uma cidade localizada na Zona da Mata de Minas Gerais, conhecida por sediar
uma importante universidade pública – a Universidade Federal de Viçosa (UFV). A
expansão da UFV a partir de 1970 e, mais recentemente, o impacto do Plano de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) têm transformado o
52
espaço urbano, acentuando o processo de expansão urbana. Embora o município
disponha de Plano Diretor e de leis urbanísticas de controle do uso e ocupação do solo,
a falta de atuação mais decisiva do poder público municipal sobre o mercado
imobiliário tem resultado num padrão de ocupação que concentra a população mais
abastada nas áreas centrais e bairros servidos por infraestrutura, enquanto os bairros
destinados à população de menor renda crescem em direção às encostas, ocupando áreas
de relevo muito acidentado, ou em direção às porções mais distantes da mancha urbana.
A elevada demanda por moradia estudantil e a oferta limitada de terrenos na zona
central têm estimulado a especulação imobiliária, que eleva os preços dos lotes e produz
um processo acelerado de verticalização no Centro e nos bairros adjacentes, acentuando
o fenômeno da segregação socioespacial.
A segregação social e o padrão econômico dos residentes são visíveis na paisagem
urbana, impressos nas características morfológicas dos bairros e de suas tipologias
habitacionais. A economia local gira em torno das atividades universitárias e,
consequentemente, das demandas, necessidades, padrão financeiro, hábitos e gostos dos
estudantes, professores e funcionários universitários. Impulsionada principalmente pelo
mercado imobiliário e pelo setor de serviços, a cidade enfrenta uma série de problemas,
como a especulação imobiliária, que reorganiza a distribuição da população e
reconfigura a paisagem urbana, o trânsito caótico, agravado pelo aumento do número de
veículos automotores para uma estrutura viária antiga e inadequada, além dos altos
índices de inflação dos preços de produtos e serviços, que vêm caracterizando as
chamadas “cidades universitárias” em Minas Gerais16.
16
De acordo com matéria do Jornal Estado de Minas, de 18/02/2013, sob a pressão dos preços
dos serviços, alimentação e transporte, em 2012 o custo de vida das cidades mineiras do interior
registrou variações maiores que as da capital. Em quatro cidades que têm índices próprios de
preços apurados pelas universidades locais (Lavras, Uberlândia, Montes Claros e Viçosa), os
IPCs foram maiores do que o IPCA e o INPC da Grande BH, indicadores oficiais medidos pelo
IBGE. Em Lavras, custo de vida subiu 11,82% e em Viçosa a alta foi de 10,17%. Ver matéria
em:
<http://www.em.com.br/app/noticia/economia/2013/02/18/internas_economia,351094/custo-devida-no-interior-ja-e-maior-que-em-bh.shtml>
53
A cidade também é marcada por uma significativa desigualdade social e grande parte da
população encontra-se abaixo da linha de pobreza (TEIXEIRA et al., 2004). Dados
referentes ao ano 2000 indicam que a renda per capita média do município era de R$
329,71 e a pobreza17 atingia 22,7% da população. No período 1991-2000, o índice GINI
passou de 0,60 para 0,61, indicando o aumento da desigualdade social (PLHIS, 2012).
Dados da Fundação João Pinheiro, de 2010, indicaram um déficit habitacional básico de
2.023 unidades, correspondendo a 8,9% do total de domicílios do município, dos quais
1.339 conformam o déficit habitacional na faixa de renda até três salários mínimos, ou
seja, 66,18% do déficit total. O maior percentual do déficit (46,05%) corresponde a
domicílios com ônus excessivo de aluguel, 43,51% à situação de coabitação familiar e
apenas 5,54% corresponde a domicílios precários. O quadro se repete no caso das
famílias com rendimento entre zero e três salários mínimos, onde a maior parte do
déficit (918 unidades) refere-se a domicílios com ônus excessivo de aluguel e constitui
68,59% do total do déficit desta faixa de renda. Um montante de 2.339 domicílios
urbanos possui algum tipo de inadequação habitacional: 1347 (57,6%) não possuem
rede de esgotamento sanitário, 817 (34,9%) não possuem rede de abastecimento de água
e 317 (13,5%) não descartam o lixo corretamente (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO,
2013)
3.2. O Programa Minha Casa, Minha Vida em Viçosa
No período compreendido entre 2011 e 2014 foram implantados três conjuntos
habitacionais do PMCMV para atender a população com renda inferior a três salários
mínimos: Benjamim José Cardoso, Sol Nascente e Floresta.
O conjunto Benjamim José Cardoso (conhecido como “Coelha”) foi entregue em
setembro de 2011 e possui 132 unidades habitacionais unifamiliares implantadas em
pequenos lotes de 10m x 13m, localizadas entre o Bairro Santa Clara e a Estrada dos
Araújos. O conjunto Sol Nascente, entregue em abril de 2012, conta com 123 casas,
também localizadas em pequenos lotes de 10m x 15m, nas proximidades do Conjunto
17
Neste caso, a pobreza foi medida pela proporção de pessoas com renda domiciliar
per capita inferior a R$ 75,50, equivalente à metade do salário mínimo vigente em agosto de
2000.
54
Benjamim José Cardoso. O Condomínio Residencial Floresta é constituído por
habitações multifamiliares, reunidas em cinco edifícios de quatro pavimentos com
quatro apartamentos cada, totalizando 80 unidades habitacionais. As chaves foram
entregues às famílias em fevereiro de 2012 e o processo de ocupação iniciou-se a partir
de março As figuras 1, 2 e 3 ilustram estes empreendimentos.
Figura 1. Implantação do loteamento e vista de uma das ruas do Conjunto Habitacional
Benjamin José Cardoso. Viçosa, MG. 2011.
Fonte: NASCIMENTO; CARVALHO, 2013.
55
Figura 2. Vista Planta do loteamento Sol Nascente. Viçosa, MG. 2011.
Fonte:
http://vicosanews.com/2012/06/13/prefeitura-sorteia-unidades-de-mais-um-
conjunto-habitacional/
Figura 3. Implantação e vista do Condomínio Floresta. Viçosa, MG. 2011.
Fonte: Adaptado de CARVALHO, OLIVEIRA, WÜRDIG, 2014.
Como se pode observar, trata-se de empreendimentos de pequenas dimensões, com um
pequeno número de unidades habitacionais. O padrão construtivo e de acabamento
segue rigorosamente o prescrito pela especificações do Programa, sendo construídos em
alvenaria estrutural. Chama atenção a pequena dimensão dos lotes, considerando-se que
os empreendimentos localizam-se em áreas distantes do Centro e pouco servidos por
infraestrutura.
56
Os três empreendimentos foram produzidos por empresas locais, de pequeno porte, que
se encarregaram de todo o processo de provisão habitacional, desde a escolha e compra
do terreno, passando pela elaboração e aprovação dos projetos pelos órgãos municipais
e pelo agente financeiro, até a incorporação e construção das unidades, cabendo ainda às
empresas a correção de eventuais problemas construtivos, pelo prazo de 5 anos.
Ao poder público municipal couberam a realização do cadastro dos interessados e a
organização dos documentos para serem enviados à Caixa Econômica Federal, para a
seleção final dos beneficiários, o que foi feito no âmbito do Departamento de Habitação
da Secretaria de Políticas Sociais. Também ficaram a cargo do município a aprovação
dos projetos e a contrapartida exigida pelo Programa, que se deu sob a forma de
implantação da infraestrutura de serviços urbanos nas vias de acesso aos
empreendimentos, já que o município não possuía possui banco de terras.
O Conselho Gestor de Habitação de Interesse Social teve papel muito secundário no
processo, responsabilizando-se apenas pela elaboração de critérios para seleção dos
beneficiários. Assim sendo, o município deixou de exercer um importante papel na
localização dos conjuntos habitacionais, que foram construídos em áreas mal servidas
por equipamentos urbanos comunitários, sobretudo os conjuntos Benjamin José
Cardoso e Sol Nascente.
Os dois primeiros empreendimentos localizam-se a menos de 1km do Centro da cidade,
porém em área de difícil acesso devido ao relevo acidentado. Nas suas proximidades
não há equipamentos urbanos como escola, creche e posto de saúde, e o comércio
restringe-se a um bar. Passados mais de dois anos da sua ocupação, os moradores ainda
reclamam que não há serviço de Correio nem telefone público, o sinal para telefone
celular é fraco e irregular, os horários de ônibus são insuficientes e a principal via de
acesso aos conjuntos residenciais não foi pavimentada, o que impede o acesso das
crianças à escola nos dias de chuva forte.
Quanto aos beneficiários, várias pesquisas (OLIVEIRA, WÜRDIG e CARVALHO,
2013; NASCIMENTO e CARVALHO, 2013; REIS, 2013) têm indicando a adequada
focalização do Programa no município. Todas as famílias beneficiadas nos três
57
conjuntos habitacionais possuíam renda inferior a três salários mínimos, sendo alto o
índice de famílias que recebiam menos de 1 salário mínimo. Além disso, a maioria
recebe benefício do governo, na forma de bolsa-família. Outra característica é a
predominância maciça de mulheres como chefes de família, conforme recomendado
pelo Programa (ver Tabela 1).
Tabela 1 - Perfil das famílias dos Conjuntos Habitacionais Benjamim José
Cardoso, Sol Nascente e Floresta em Viçosa, MG
CARACTERÍS
TICAS
C. H. Benjamin
José Cardoso
FREQU
FREQU
ÊNÊN-CIA
CIA
RELAT
ABSOL
IVA
UTA
(%)
C. H. Sol Nascente
Condomínio
Floresta
FREQU
ÊN-CIA
ABSOL
UTA
FREQU
ÊN-CIA
ABSOL
UTA
FREQU
ÊN-CIA
RELAT
IVA
(%)
FREQU
ÊN-CIA
RELAT
IVA
(%)
Sexo do chefe da família (%)
Feminino
116
91
97
78,86
65
81,25
Masculino
11
8
26
21,14
15
18,75
Renda Familiar 127
2 a 3 SM
5
3,93
4
3,25
2
2,5
1 a 2 SM
38
29,92
41
33,33
29
36,25
Menos de 1 SM 83
65,35
78
63,42
49
61,25
Não declarou
1
0
0
Recebe benefício do Governo
Sim
79
62,2
73
59,35
51
63,75
Não
46
36,22
50
40,65
29
36,25
Não declarou
2
1,58
0
0
Número de pessoas na família
Até 3 pessoas
56
44,09
32
26,02
38
55,1
De 4 e 5 pessoas 35
27,56
37
30,08
25
36,2
Acima de 5 12
9,45
21
17,07
6
8,7
pessoas
Não informado
24
18.9
33
26,83
11
TOTAL
127
100%
123
100%
80
100%
Fonte: Elaborada pelas autoras a partir de dados do Projeto Técnico Social e das fichas
cadastrais dos beneficiários.
No primeiro conjunto habitacional entregue, há três casas em situação irregular, por não
terem sido ocupadas pelos seus proprietários: uma delas foi invadida, outra está vazia e
a terceira foi depredada. Também existem unidades abandonadas nos demais conjuntos
58
habitacionais, além de problemas sociais ligados ao tráfico de drogas. No Condomínio
Floresta os problemas são menores, ao contrário do que se poderia esperar, por se tratar
de habitação em condomínio vertical. Atribui-se isto provavelmente ao bom trabalho
realizado pelos técnicos sociais e ao fato de se ter adotado a forma de gestão de
condomínio individualizada por edifício.
Apesar das carências apontadas, há uma proposta recente de construção de novo
empreendimento, constituído por blocos de apartamentos, nas imediações do Conjunto
Benjamim José Cardoso. O Conselho Gestor de Habitação de Interesse Social
manifestou-se contrariamente à proposta, uma vez que os problemas dos conjuntos já
implantados ainda não foram solucionados pela Prefeitura, mas há fortes indícios de que
as obras serão iniciadas.
A legislação urbanística existente no município (Plano Diretor, Lei de Uso e Ocupação
do Solo e Lei de Parcelamento do Solo Urbano) não contém instrumentos capazes de
barrar a localização inadequada dos empreendimentos. O discurso político do executivo
municipal procura destacar a relevância social da iniciativa da Prefeitura e a
oportunidade que a contratação das “casas populares do PMCMV” representa para o
município, que até então nunca havia produzido habitação para a população de baixa
renda. Entretanto, aspectos como a qualidade da moradia, a localização e a contrapartida
da Prefeitura na compra de terrenos para implantação dos empreendimentos nem sequer
chegaram a ser cogitados.
4. Conclusões
Uma análise do desempenho quantitativo do PMCMV em Viçosa indica que a produção
de 335 unidades habitacionais (255 casas e 80 apartamentos) foi responsável pela
redução de aproximadamente um terço do déficit habitacional na faixa de renda até três
salários mínimos.
Do ponto de vista institucional, a atuação dos órgãos responsáveis pela condução da
política habitacional no município e do Conselho Gestor de Habitação de Interesse
59
Social é limitada, e a articulação entre a política habitacional e a política urbana fica
subordinada à lógica do mercado e às forças políticas e econômicas que representam o
poder local.
A carência de infraestrutura nos entornos dos conjuntos residenciais e a falta de
equipamentos comunitários nas suas proximidades revelam o caráter incompleto da
iniciativa e sua visão pontual, onde a provisão da casa própria sobressai como única
necessidade a ser suprida, desacompanhada de práticas urbanísticas de produção do
espaço urbano que compõem o conceito mais amplo de habitação.
A construção de moradias do PMCMV nas áreas carentes de infraestrutura urbana,
como tem sido apontado por vários pesquisadores, subverte um dos princípios da
Política Nacional de Habitação, qual seja a adoção dos instrumentos de reforma urbana,
com a finalidade de possibilitar melhor ordenamento e maior controle do uso do solo,
combater a retenção especulativa e garantir acesso à terra urbana.
Poder-se-ia esperar que em municípios pequenos e médios, o poder público tivesse uma
atuação mais forte, até mesmo como agente promotor da política habitacional.
Entretanto, a própria forma como o PMCMV foi “desenhado”, através do circuito em
que o setor privado é o agente promotor, o papel do poder público sobre a produção dos
empreendimentos fica à mercê do mercado. É a lógica empresarial conduzindo a
produção da habitação de interesse social, que se repete nas cidades médias, assim como
acontece nas grandes cidades brasileiras.
5. Referências Bibliográficas
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regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas ... Brasília, DF,
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63
CASAMENTO OU DIVÓRCIO COM A CIDADE? OS CONJUNTOS
HABITACIONAIS FINANCIADOS PELO PROGRAMA MINHA CASA MINHA
VIDA EM CHAPECÓ-SC
Ana Laura Vianna Villela18
Alexandre Maurício Matiello19
Resumo
O presente trabalho constrói, através da cronologia das políticas habitacionais no Brasil,
um olhar crítico sobre as questões que conformam a criação dos programas
habitacionais, tendo como foco aqueles voltados para a população de baixa renda. Como
objeto de reflexão estão os conjuntos habitacionais financiados pelo Programa Minha
Casa Minha Vida em Chapecó-SC desde o início deste. A partir da sistematização dos
dados fornecidos pela Secretaria Nacional de Habitação/Ministério das Cidades e da
investigação sobre a contratação destes empreendimentos, foi possível analisar os
parâmetros de como a cidade vem sendo “produzida” pelas construtoras. Ainda que
pesem no discurso das leis o cumprimento da função social, a ação do Estado revela-se
contraditória quando se percebe a prevalência do capital privado sobre a produção da
cidade com financiamento público.
Palavras-chave: Habitação de interesse social; Programa Minha Casa Minha Vida;
Chapecó
1. Introdução
A questão da moradia sempre instigou um número relevante de pesquisas no
Brasil, sendo um tema de discussão que ilustra e sintetiza as diversas lutas e crises
urbanas, especialmente decorrentes das grandes diferenças socioespaciais urbanas nas
cidades brasileiras. Corrêa (1995) lembra que por falta de dinheiro muitos não podem
adquirir ou alugar um imóvel de boa qualidade, e então são obrigados a morar em
edificações velhas e degradadas, em casas autoconstruídas, loteamentos periféricos,
18
Arquiteta e urbanista, Mestre em Planejamento Urbano. Professora do curso de Arquitetura e
Urbanismo da UNOCHAPECÓ (Universidade Comunitária da Região de Chapecó) e membro do grupo
de pesquisa “Cidade: cultura, urbanização e desenvolvimento”.
19
Arquiteto e urbanista, Mestre em Sociologia Política. Professor do curso de Ciências Sociais
da UFFS (Universidade Federal da Fronteira Sul) – Campus Chapecó e membro do grupo de pesquisa
“Cidade: cultura, urbanização e desenvolvimento”.
64
conjuntos habitacionais produzidos pelo Estado ou até mesmo em favelas. Rolnik
(2006) situa esta problemática no contexto de rápida urbanização brasileira:
Em um dos movimentos socioterritoriais mais rápidos e intensos
de que se tem notícia, a população brasileira passou de
predominantemente rural para majoritariamente urbana em
menos de 40 anos (1940-1980). Este movimento – impulsionado
pela migração de um vasto contingente de pobres – ocorreu sob
a égide de um modelo de desenvolvimento urbano que
basicamente privou as faixas de menor renda da população de
condições básicas de urbanidade, ou de inserção efetiva na
cidade (ROLNIK, 2006, p. 199).
Neste trabalho20, procura-se compreender as políticas habitacionais nas diversas
esferas governamentais e sua aplicação ao nível local. De forma geral, analisou-se o
processo de produção dos conjuntos habitacionais financiados pelo Programa Minha
Casa Minha Vida (PMCMV) na cidade de Chapecó/SC, de julho de 2009 a dezembro de
2012, para então, identificar a relação entre esse tipo de habitação e a formação da
cidade, dando destaque aos valores empregados e papel das empresas de construção
civil para o desenvolvimento deste processo. Mais especificamente, conseguiu-se
mostrar as implicações para o processo de reprodução social do solo urbano na
implantação dos conjuntos habitacionais de interesse social Expoente e Monte Castelo,
dando-se destaque para alguns aspectos a respeito da inadequação das tipologias
habitacionais propostas às necessidades do público a que se direcionam.
2. As políticas habitacionais no Brasil: contexto geral
No Brasil, a história dos assentamentos humanos tem sua origem no processo de
urbanização, sendo o período de 1930-1945 marcado pela concentração progressiva e
acentuada da população nas cidades: com a Segunda Guerra Mundial, a atividade
industrial é acelerada, promovendo a modernização do espaço produtivo e das relações
de trabalho, e de certa forma, isso fez com que fossem criados novos empregos dando
continuidade à migração para as cidades até a década de 1980. Já deste período em
diante, houve uma redução significativa no ritmo de crescimento urbano, apesar do
aumento no número de cidades com população acima de 20 mil habitantes.
20
Financiado pelo Artigo 171 da Constituição Estadual como bolsa de auxílio à pesquisa e pelo
Artigo 170 da Constituição Estadual do Estado de Santa Catarina para os Núcleos de Iniciação Científica.
65
Durante a ditadura de Getúlio Vargas, entre os anos de 1930 a 1945, é que o
problema de moradia da população de baixa renda no Brasil se agravou. Esse fator
colocou em discussão o tema da habitação de uma maneira jamais antes vista.
(CAMPOS, 2011; MEDEIROS, 2007). Assim as problemáticas que dizem respeito às
habitações periféricas na cidade, o déficit habitacional, a população morando em áreas
irregulares e de risco passaram a ser considerados casos de política pública.
(MEDEIROS, 2007).
Entre as décadas de 1930 a 1960 ficou a cargo do Instituto de Aposentadoria e
Pensões (IAP) a organização e provisão de habitações populares:
Neste momento, há um reconhecimento, da atuação do Estado
em intervir para a provisão habitacional e, para tanto, era preciso
investir recursos públicos e fundos sociais, visto que também se
defendia uma imagem do Estado benfeitor, responsável pelo
bem-estar dos cidadãos. Aconteceu, em 1946, a criação da
Fundação da Casa Popular (FCP), e o fortalecimento dos órgãos
encarregados de produzir habitações, como as carteiras prediais
dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) (BORGES,
2013, p. 143).
No final do governo de Eurico Gaspar Dutra (1946 - 1951) este sistema de
financiamento começou a entrar em declínio ocasionado pela crise da previdência.
Segundo Borges (2013) foi a ineficiência da política habitacional da Fundação da Casa
Popular frente aos Institutos de Aposentadoria e Pensão e a reestruturação do sistema
previdenciário ocorrido em torno do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS)
algumas das causas de sua extinção.
No período (1962-64), a FCP passa a ser vista como um órgão
completamente ultrapassado. No orçamento do governo para
1964 não foi previsto nenhum recurso para o órgão, com a
própria Câmara vetando emendas nesse sentido tal o seu
desprestígio (MELO, 2014, p. 57).
Em 21 de agosto de 1964 constituiu-se o Sistema Financeiro de Habitação
(SFH), que perdurou até 1985, tendo como principal agente desta política habitacional
brasileira o Banco Nacional de Habitação (BNH).
Durante a existência do BNH, a provisão habitacional executou
uma política de habitação por meio de um padrão periférico e
precário de localização das moradias populares voltado à
construção apenas da casa, sem integrar a habitação de forma,
articulada a outras políticas sociais, que garantisse à moradia
condições de habitabilidade e ambientais adequadas, apropriada
66
localização em relação ao emprego e equipamentos sociais e
serviços urbanos (BORGES, 2013, p. 141).
As fontes de recursos eram basicamente duas: a arrecadação do Sistema
Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), e a partir de 1967 o Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço (FGTS) (CAMPOS, 2011).
o SFH atingiu seu auge no final da década de 1970 e início da
década de 1980, quando se conseguiu o financiamento de 400
mil novas unidades por ano. No entanto, o sistema enfrentou um
problema crônico: o descompasso entre os reajustes salariais e
os das prestações. A interferência do governo para resolver este
problema não foi eficiente, levando ao declínio o SFH [...]
(VASCONCELOS; JUNIOR, 1996, p. 43).
Os conjuntos habitacionais construídos foram compostos por unidades
unifamilares ou multifamiliares, que utilizavam grandes glebas de terra em áreas muito
periféricas, e que de acordo com Borges (2013), atestava a existência de um modelo
segregador de planejamento urbano, o qual buscava terras de baixo custo e longe da
infraestrutura instalada, modelo que se reproduz até os dias de hoje, onde os
bairros periféricos formados pela repetição de pequenas casas de
duas águas, em quadras que se repetiam, sem qualquer
preocupação com composições urbanas que pudessem favorecer
o aparecimento de espaços públicos dotados de qualquer
qualidade de congregação das populações moradoras (BORGES,
2013, p. 144).
Além disto, pode-se acrescentar que a grande parte dos recursos do SFH foi
destinada a financiamentos habitacionais para as classes mais abonadas, desviando seu
foco, que deveria priorizar as classes com menor renda.
A execução da política de produção habitacional via BNH, nos
22 anos de sua existência, utilizou recursos do FGTS para
estimular o mercado imobiliário por meio de financiamentos
para a produção e comercialização de empreendimentos
habitacionais, dinamizou o mercado imobiliário de médio e alto
padrão nas cidades brasileiras, provocando grande aumento nos
preços de terrenos nas cidades (BORGES, 2013, p. 145).
Na década de 1970, surge o Plano Comunidade Urbana para Renovação
Acelerada (CURA) que utilizava recursos do Governo Federal, tendo como gestor
orçamentário o BNH através da aplicação dos recursos do FGTS. Para que os
municípios pudessem fazer parte do Plano CURA, deveriam se enquadrar num estudo
de viabilidade, o qual exigia:
67
Exequibilidade financeira, econômica, técnica e urbanística;
Existência de mercado na faixa própria de renda, para oferta de
terrenos a ser gerada com a execução do projeto; Integração no
plano de desenvolvimento local integrado da cidade;
Existência de cadastro das propriedades e de sistema para
sua atualização permanente;
Prioridade de sua realização
em comparação com outras áreas da cidade (SERRA, 1991,
p.109).
Uma vez enquadrado dentro dos requisitos básicos para obtenção das verbas, o
município poderia utilizar destes recursos para a execução das seguintes categorias:
Sistema Viário; Educação e Cultura; Recreação e Lazer; Transportes Urbanos;
Abastecimento de Água; Comércio e Abastecimento; Estudos e Projetos; Drenagem;
Serviço Social; Iluminação Pública; Saúde; Coleta de Esgotos; Desapropriação e
Gerenciamento.
Um fator importante, que faz parte deste processo – mas não fica explícito
quando de sua implantação – é que com tais transformações urbanas, houve uma
valorização do preço da terra, influenciada por estes novos equipamentos que passaram
a fazer parte da paisagem, o que resultou na dificuldade de manutenção naqueles
espaços da população de mais baixa renda.
Segundo Santos (1994) "melhorar uma via pública significa aumentar também a
possibilidade de implantação ou melhoria do transporte público e criar uma valorização
que acabará por expulsar daquela vizinhança os mais pobres" (p.113). Esta expulsão se
manifesta por diversos mecanismos, desde o aumento de impostos e do custo de vida,
alavancada por novas populações de melhor renda, o que dificulta que o padrão social
anterior ali sobreviva, seja pela possibilidade de “fazer dinheiro” com a venda dos
imóveis, quase sempre adquiridos das populações originais por preços abaixo do valor
imobiliário.
Com isso fica evidente o processo de exclusão social que decorria dos
investimentos deste programa, pois a população de baixa renda não possuía condições
de arcar com os custos da renovação urbana, e de certa maneira, à medida que esta nova
paisagem ia se construindo, não havia mais espaço para esta camada social.
Essa lógica é a da valorização-desvalorização diferencial dos
diversos setores urbanos. Como, porém, esses projetos C.U.R.A.
são geralmente associados ao programa das cidades médias,
aglomerações destinadas a acolher atividades econômicas
modernas descentralizadas, o resultado comum é o aumento do
valor de todos os terrenos equipados e a reativação, em nível
68
superior, dos processos espaciais que já definem a problemática
urbana (SANTOS, 1994, p. 113).
No ano de 1980, houve um desequilíbrio no Fundo de Compensações de
Variações Salariais (FCVS) em decorrência da desenfreada inflação que chegou a 200%
em 1983, atingindo grandes proporções. No mesmo ano houve o aumento das taxas de
desemprego, a redução do salário real e o aumento inflacionário acarretando grandes
problemas ao SFH, devido ao prejuízo direto nas suas fontes de recursos: as cadernetas
de poupança, o FGTS e o retorno dos financiamentos (MEDEIROS, 2007).
Em 1986 o BNH sofreu mais um impacto com o lançamento do Plano Cruzado,
tendo por consequência um aumento do déficit do FCVS. Diante desta situação, tornouse necessária uma medida de reformulação do SFH e o Governo Sarney opta por
extinguir o BNH. Todas as atividades foram destinadas e incorporadas à Caixa
Econômica Federal (CEF) (CARDOSO e ARAGÃO, 2013; CAMPOS, 2011;
MEDEIROS, 2007).
Com o fim do BNH passa-se por um período de estagnação, onde
a política habitacional ingressa em uma lacuna que é
acompanhada pela afirmação de uma herança que manteve
concentrada a estrutura fundiária urbana, e na qual a moradia
permaneceu como um privilégio. Assim, as formas de provisão
habitacional do período pós-BNH foram as transações de crédito
imobiliário, reguladas pelo Conselho Monetário Nacional
(BORGES, 2013, p. 146).
Contudo, entram em cena os movimentos sociais, que conseguem "avanços no
sentido de universalizar formalmente os direitos de cidadania, e garantir a participação
popular nas políticas públicas" (BORGES, 2013, p. 146), culminando na inserção dos
artigos 182 e 183 na Constituição de 1988. Infelizmente o que se pode observar é que as
experiências organizadas pelos movimentos sociais e governos
municipais inauguram uma nova postura de enfrentamento à
problemática habitacional, marcada pela diversidade de
iniciativas e também pela pouca articulação [...]. Com o modelo
neoliberal adotado pelo Estado, a partir dos anos de 1990, e o
consequente encolhimento da intervenção estatal nas políticas
sociais, configurou-se uma nova forma de intervenção na
política de habitação caracterizada pelos programas focalizados
de financiamento à produção individual e privada de moradias,
revelando um período de total estagnação dos programas de
produção de habitação popular (BORGES, 2013, p. 146).
69
Em 1990, é criado o Plano de Ação Imediata para Habitação (PAIH)
apresentando urgência na criação de milhares de habitações. Objetivavam a construção
de 245 mil moradias em 180 dias, priorizando famílias com até cinco salários mínimos e
utilizando recursos do FGTS. No entanto as metas não foram atingidas, e conseguiu-se
obter o número de 210 mil unidades num período maior do que dezoito meses
(MEDEIROS, 2007).
Com o objetivo de finalizar esse período de poucos resultados, foi posta em
prática, em 1996, a nova Política Nacional de Habitação (PNH) pelo governo Fernando
Henrique Cardoso (1995-2000). Quando se fala em habitação, deve-se pensar num
contexto geral, desde acesso a moradia até as condições de infraestrutura urbana do
local, e é baseado nessa e em outras premissas que a PNH buscou agir quanto à questão
habitacional no Brasil, caracterizando-se pela criação de uma série de programas, entre
eles o Programa de Apoio à Produção (PAP), Programa de Demanda Caracterizada
(PDC), Programa Carta de Credito (PCC), Programa Carta de Credito Associativa
(PCCA), Programa de Arrendamento Residencial (PAR) e ainda a criação de novas
fontes de financiamento (CAMPOS, 2011; MEDEIROS, 2007). Destaca-se em 1999
que o público alvo do PAR são as famílias com rendas de até seis salários mínimos,
sendo o único programa em que o acesso à moradia não se dá por crédito imobiliário.
Os recursos do PAR vieram do programa Fundo de Arrendamento Residencial
(FAR), fundado exclusivamente para o programa, composto de recursos onerosos que
vinham dos empréstimos do FGTS e não onerosos derivados do Fundo de Atendimento
à Saúde (FAS), do Fundo de Investimento Social (FINSOCIA), do Fundo de
Desenvolvimento Social (FDS) e do Programa de Difusão Tecnológica para a
Construção de Habitação de Baixo Custo (PROTECH) (MEDEIROS, 2007).
Com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, houve uma
reavaliação e requalificação das políticas que já estavam implementadas, tal como a
Política Nacional de Habitação, Programa Crédito Solidário e o Programa Especial de
Habitação Popular. Desta reflexão é implantado o Projeto Moradia, que tinha como
objetivo buscar a solução do problema da habitação no Brasil. O projeto envolvia todos
os níveis de governo, setor privado, ONGs, Universidades, movimentos sociais, tendo
como objetivo transformar este tema numa prioridade nacional, garantindo a todo
cidadão brasileiro uma moradia digna. Neste momento também é criado o Ministério
das Cidades com o intuito de ser um órgão coordenador, envolvendo, de forma
70
integrada, as políticas ligadas à cidade, ocupando um vazio institucional e resgatando a
coordenação política e técnica das questões urbanas, além de articular e qualificar os
diferentes entes federativos na montagem de uma estratégia nacional para equacionar os
problemas urbanos das cidades brasileiras, alavancando mudanças com o apoio dos
instrumentos legais estabelecidos. O ministério se constituiu de quatro secretarias:
Habitação, Saneamento, Transporte e Mobilidade e Programas Urbanos, que foi
responsável pelas ações na área de planejamento do território e regularização fundiária
(BONDUKI, 2008; CARDOSO e ARAGÃO, 2013).
Como o momento era positivo, durante o governo Lula em 2007 foram
reforçados os planos destinados à promoção do crescimento econômico. O Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) foi anunciado prevendo investimentos de 503,9
bilhões de reais até o ano de 2010 e se referia a um grande investimento em diferentes
áreas (energia, rodovias, portos, saneamento e habitação) que mudou inicialmente a
política de contenção de despesas. Mesmo com boa parte deste programa voltado para
as questões de infraestrutura, os setores de habitação e saneamento foram privilegiados
em relação à urbanização de assentamentos precários (BONDUKI, 2008).
Para melhor compreensão das transformações do papel do Estado na promoção
de habitação de interesse social, entende-se importante compreender as fontes de
recurso de seus principais financiamentos. Assim se divide a política habitacional em
três tipos de atuação:
I. Em que o poder público é o agente promotor – modelo de execução do
Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS - Lei Federal 11.124,
de 16 de junho de 2005 que também cria o Fundo Nacional de Habitação de
Interesse Social – FNHIS);
II. Em que o setor privado é o agente promotor - modelo de execução do O
Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV);
III. Em que as cooperativas e associações habitacionais se colocam como agente
promotor do empreendimento.
O SNHIS concentra todos os programas e projetos referentes à habitação de
interesse social no Brasil. Ele tem por objetivo garantir que os recursos públicos sejam
verdadeiramente destinados à população de baixa renda, e aos que estão na faixa de
renda de até cinco salários mínimos a qual concentra a grande parte do déficit
habitacional. O mesmo busca integrar as políticas habitacionais federais, estaduais, do
71
Distrito Federal (DF) e municipal, junto como as demais políticas de desenvolvimento
urbano, ambiental e de inclusão social.
O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) foi regulamentado pela Lei
11.977, de 7 de julho de 2009 que o estrutura a partir de dois programas: Programa
Nacional de Habitação Urbana (PNHU) e Programa Nacional de Habitação Rural
(PNHR) e estabelece a construção de 1 milhão de moradias num prazo curto, alocando
34 bilhões divididos em: R$ 25,5 bilhões no orçamento geral da união e R$ 7,5 bilhões
do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Foi previsto ainda um
investimento de R$ 1 bilhão para a infraestrutura urbana, distribuído pelo Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Para as famílias com renda de até três salários mínimos, a meta era construir 400
mil unidades através do Fundo de Arrendamento Residencial do PMCMV com um
pagamento mensal de R$ 50,00 (considerado simbólico); para famílias com renda de 3 a
6 salários mínimos. Também se tinha por objetivo construir 400 mil unidades pelo
programa nacional de habitação urbana; já para as famílias com renda de 6 a 10 salários
mínimos, o objetivo era construir 200 mil unidades com o financiamento do FGTS. Já o
produtor rural solicitaria o financiamento de acordo com a sua renda (CARDOSO &
ARAGÃO, 2013).
De forma geral, entende-se que estes projetos atualmente conseguem facilitar o
acesso aos programas de crédito, não se restringindo a somente um grupo de usuários.
Contudo, há de se arcar com as consequências do modelo escolhido, pois se a iniciativa
privada participava das construções de habitações no BNH, atualmente, no Programa
Minha Casa Minha Vida, é protagonista. Citando Fix e Arantes, Borges (2013) indica
que 97% do subsídio público neste programa são destinados à oferta e produção direta
por construtoras privadas.
3. A produção dos conjuntos habitacionais e sua implicação sobre a produção
da cidade
A realidade de Chapecó-SC não é diferente da maioria das cidades brasileiras,
mesmo com população menos numerosa do que a dos grandes centros não conseguiu
evitar a formação de cinturões de pobreza e a ocupação irregular de áreas de
preservação ambiental. Para enfrentar este quadro é criada em 2009, a Secretaria de
Habitação (SEHAB), para tratar o tema antes relegado aos departamentos e setores da
72
prefeitura sem autonomia. A SEHAB possui a finalidade de gerenciar, monitorar e
tomar as providências necessárias sobre a moradia na cidade, contando com auxílio de
técnicos e cadastros especializados21.
Historicamente a oferta de conjuntos habitacionais foi feita através de políticas
de investimentos governamentais de esfera federal, acessados pela iniciativa privada.
Estes possuíam padrões construtivos compatíveis com a faixa de renda de interesse
social, porém seus valores de mercado sempre foram inacessíveis às condições de
pagamento desta classe. Com a elaboração de novas políticas habitacionais
(especialmente o PMCMV) e a facilidade de financiamento vinculada às possibilidades
salariais de cada família, os valores das unidades tiveram seu valor reajustado e
compatibilizado com faixas de renda, além de ser expressivo o acréscimo no número de
novos empreendimentos.
A partir da compreensão dos dados fornecidos pela Secretaria Nacional de
Habitação/Ministério das Cidades, coletados em 31 de dezembro de 2012 (Tabela 01 e
02), observou-se a aprovação de 19 novos conjuntos habitacionais financiados pelo
PMCMV em Chapecó (Figura 01 - Chapecó - Conjuntos habitacionais PMCMC 20092012). O programa vem predominando nos financiamentos das habitações populares na
cidade desde quando da aprovação do primeiro contrato.
21
Informações obtidas em entrevista com BODIGHEIMER (2012).
73
Figura 01: Mapa dos Conjuntos habitacionais do PMCMC em Chapecó entre 2009-2012
Fonte: Base Cartografia: Prefeitura Municipal de Chapecó, 2010. Editado por Josiane
Urman, 2014.
74
De modo geral se pode observar que grande parte dos conjuntos habitacionais do
PMCMV em Chapecó está localizada nos bairros mais periféricos da malha urbana,
onde o solo é mais barato e a estrutura ainda não está totalmente instalada, tal como,
serviços de saúde, lazer, educação, entre outros, e que:
- 84.21% se situam em terrenos urbanizados nas Unidades Ambientais de
Moradia (UAM), ocupando lotes vazios ou substituindo edificações unifamiliares,
ocasionando um impacto significativo na paisagem e demanda por infraestrutura.
- 10.52% em Macroárea de Expansão Urbana Futura (MEUF), ocupando áreas
que somente deveriam ser urbanizadas quando do esgotamento de glebas nas áreas já
consolidadas, o que de longe é o caso da cidade de Chapecó, que ainda possui muitos
vazios urbanos a serem ocupados;
- 5.26% em Área Especial de Urbanização e Ocupação Prioritária (AEUOP),
ocupando áreas indicadas pelo município como estratégicas e importantes para o
desenvolvimento da cidade.
Estes dados mostram que, infelizmente, a política pública do município sobre a
produção urbana do seu território ainda deixa muito a desejar, pois não houve
direcionamento por parte do poder municipal para a localização e tipologia dos
empreendimentos, os quais se submeteram apenas à lógica do mercado, embora
subsidiado com recurso público.
Dentro do PMCMV os empreendimentos financiados estão subdivididos por
faixas salariais (Figura 02), o que significa um limite de valor máximo que poderá ser
financiado para a construção.
Figura 02: faixas salariais do PMCMV
Fonte: http://www.pac.gov.br/minha-casa-minha-vida, acessado em 25 de junho de
2014.
Aproximadamente 10% dos empreendimentos (02 conjuntos habitacionais Tabela 01) pertencem a Faixa 1. Estes conjuntos habitacionais foram construídos com o
intuito de realocar as famílias que residiam em áreas irregulares ou de risco, sendo o
75
valor médio da unidade habitacional de aproximadamente R$ 41.694,61. Serão mais
bem debatidos ao longo deste texto.
Tabela 01: Empreendimentos pertencentes a Faixa 1
Nome
do U.H.
Valor da operação
Valor por U.H.
Construtora
Empreendimento
Expoente
470
R$ 20.614.000,00
R$ 43.859,57
Construtora 01
Monte Castelo
472
R$ 18.658.000,00
R$ 39.529,66
Construtora 01
Fonte: Base de dados PMCMV - CHAMADA MCTI/CNPq/MCIDADES nº 11/2012 Fonte: SNH/ DHAB/ DUAP/ CAIXA/ IBGE. Dados coletados em: 31 dez 2012.
Editado por Josiane Urman, 2014.
O restante dos conjuntos habitacionais, que totalizam aproximadamente 90% dos
empreendimentos (Tabela 02), foram construídos para a Faixa 2, ou seja, atendendo
basicamente a classe média.
A fim de compreender os dados sobre os empreendimentos, destaca-se que
somente sete construtoras atuaram em Chapecó até este momento, e destas, somente três
possuem sede no município.
Aprofundando um pouco a questão e considerando o valor da operação (somado
ao valor da contrapartida), o número total de unidades habitacionais construídas e valor
médio da habitação tem-se uma compreensão melhor dos dados:
Construtora 01 (Faixa 01): Valor da operação R$ 43.034.000,00 - 938 UH
construídas – aproximadamente R$ 49.000,00 por UH;
Construtora 06 (Faixa 02): Valor da operação R$ 8.018.152,63 + Contrapartida
R$ 3.722.069,87 = R$ 11.740.222,5 - 80 UH construídas - aproximadamente
R$ 147.000,00 por UH;
Construtora 03 (Faixa 02): Valor da operação R$ 42.167.354,25 + Contrapartida
R$
17.546.445,05
=
R$
59.713.799,3
-
666
UH
construídas
-
aproximadamente R$ 90.000,00 por UH;
Construtora 04 (Faixa 02): Valor da operação LTDA R$ 9.600.000,00 +
Contrapartida R$ 2.865.579,07 = R$ 12.465.579,07 - 192 UH construídas aproximadamente R$ 65.000,00 por UH;
76
Construtora 02 (Faixa 02): Valor da operação R$ 26.477.135,23 + Contrapartida
R$
2.384.557,56
=
R$
28.861.692,79
-
483
UH
construídas
-
aproximadamente R$ 60.000,00 por UH;
Construtora 07 (Faixa 02): Valor da operação R$ 18.400.000,00 - 368 UH
construídas - aproximadamente R$ 50.000,00 por UH;
Construtora 05 (Faixa 02): Valor da operação R$ 550.000,00 - 11 UH
construídas - aproximadamente R$ 50.000,00 por UH.
Tabela 02: Empreendimentos pertencentes a Faixa 2 do PMCMV
Nome do Empreendimento UH
Condomínio
Residencial
46
Sitracarnes I
Condomínio
Residencial
62
Terraze
Conjunto Residencial Dona
240
Geni
Condomínio
Residencial
39
Dona Verônica
Condomínio
Residencial
160
Dolce Vitta
Residencial Smart Space
124
Gardênia
Residencial
Spazzio
de
192
Primavera
Residencial Sol Nascente
11
Conjunto Popular Smart
76
Space Azalea
Residencial
Solarium
34
Residence
Residencial Jardim Módulo I 32
Residencial Smart Space
80
Beladona
Condominio
Popular
112
Residencial Real Class Ville
Condomínio
Residencial
128
Dona Lori
Condomínio Residencia Dona
48
Hilda
Residencial Jardim Módulo II 48
Valor
da
Valor
da
Valor por
Contrapartida
operação (R$)
U. H.
(R$)
R$
R$ 2.300.000,00
50.000,00
R$
R$ 3.100.000,00
50.000,00
R$
R$
12.000.000,00
50.000,00
R$
R$ 2.156.147,99
55.285,84
R$
R$ 8.000.000,00
50.000,00
R$ 1.154.267,76 R$
R$ 7.699.384,22
62.091,80
R$ 2.865.579,07 R$
R$ 9.600.000,00
50.000,00
R$
R$ 550.000,00
50.000,00
R$
R$ 4.519.970,03
59.473,28
R$ 134.414,03 R$
R$ 1.700.000,00
50.000,00
R$ 1.307.085,65 R$
R$ 2.258.152,63
70.567,26
R$ 8.487.588,4 R$
R$ 4.000.000,00
50.000,00
R$ 7.770.174,86 R$
R$
12.248.000,00
109.357,14
R$ 2.189.887,44 R$
R$ 6.840.987,24
53.445,21
R$ 194.670,12 R$
R$ 4.080.000,00
85.000,00
R$ 5.760.000,00 R$ 2.414.984,22 R$
77
Construtora
Construtora 02
Construtora 02
Construtora 03
Construtora 02
Construtora 02
Construtora 03
Construtora 04
Construtora 05
Construtora 03
Construtora 03
Construtora 06
Construtora 03
Construtora 03
Construtora 02
Construtora 02
Construtora 06
120.000,00
R$
R$
Construtora 07
18.400.000,00
50.000,00
Fonte: Base de dados PMCMV - CHAMADA MCTI/CNPq/MCIDADES nº 11/2012 Fonte: SNH/ DHAB/ DUAP/ CAIXA/ IBGE. Dados coletados em: 31 dez 2012.
Editado por URMAN e VILLELA, 2014.
Residencial Bem Viver IV
368
Assim pode-se perceber que a Construtora 01 foi a que construiu o maior
número de unidades e com menor preço, e considerando-se o limitador de renda da
Faixa 01, o dado apresenta-se bem coerente. Na Faixa 02, o que se pode observar é a
opção das construtoras em atender o limite mínimo da faixa (Construtora 05 e
Construtora 07), os valores medianos (Construtora 02 e Construtora 04) e os valores
mais altos (Construtora 03 e Construtora 06), de onde se pode concluir que ou se teve
uma considerável variação no padrão construtivo das unidades habitacionais ou que o
lucro de algumas construtoras foi mais significativo. Também se destaca o fato de que
na Faixa 2 a Construtora 02 e a Construtora 03 construíram, individualmente, seis dos
dezenove empreendimentos, o que lhes dá certa expressão no setor.
De qualquer forma, observa-se a concentração das operações de produção dentro
de um rol estreito de empreendedores, o que para CARDOSO & ARAGÃO (2011), é o
modelo predominante no Brasil na produção de habitação de interesse social, com
poucas empresas, o que facilita a financeirização e concentração do capital imobiliário
numa tendência histórica jamais vista no país.
4. Monte Castelo e Expoente: idas e vindas sociais
Dois grandes empreendimentos na cidade de Chapecó: o Expoente e o Monte
Castelo (Tabela 03 e Figura 06) foram gestionados pelo poder público municipal para a
faixa 1 do PMCMV, ambos executados pela Construtora 01. Foram ocupados por uma
população cuja demanda foi cadastrada junto a SEHAB.
Tabela 03: Dados das relocações das famílias das áreas de risco
Monte Castelo
Aproximadamente 120 famílias
34 famílias saíram de trás do Caic (São Pedro)
16 famílias saíram da Rua Gaspar (ao lado da
Rua Caçador - Eldorado)
78
70 famílias saíram da frente do posto de saúde
do Bairro Seminário.
Expoente
42 famílias saíram da baixada do bairro Maria
Aproximadamente 102 famílias
Goretti
60 famílias saíram da área do lado da Cantu
(Passo dos Fortes)
Fonte: Prefeitura Municipal de Chapecó, Secretaria de Habitação, 2013.
O Expoente (Figura 03), localizado no Bairro Seminário, possui um total de 470
unidades, divididas em 134 lotes de casas térreas de 36m2 e 336 apartamentos de
45m2/cada distribuídos em 40 blocos, numa área de 82.000m2. Do total de unidades
habitacionais, 15 estão adaptadas para pessoas com deficiência e 15 para idosos. O
processo de execução iniciou em 2009 e foi até 2011 e contou com um investimento de
R$ 20.614.000,00 do Governo Federal, oriundos do Fundo de Arrendamento
Residencial (FAR), beneficiando famílias com renda de até R$ 1.395 reais (Faixa 01).
Da fase inicial, 102 famílias vieram de áreas irregulares e 368 por sorteio, todas
cadastradas junto a SEHAB, chamadas para assinatura imediata do contrato, e mais 700
famílias sorteadas para suplência (isso de um total de 2.293 famílias com cadastro
aprovado que foram para o sorteio). As famílias contempladas pagam uma parcela de
10% do seu salário por 10 anos, o que corresponde ao valor mínimo de R$ 50,00 e ao
máximo de R$ 139,50 ao mês, e apenas após este período o imóvel é transferido
permitindo negociações de venda e aluguel.
Figura 03: Foto do Expoente, Chapecó-SC
Figura 04: Foto do Monte Castelo, ChapecóSC
Fonte: Luana. S. de Pellegrin, 2013.
Fonte: Luana. S. de Pellegrin, 2013.
79
O Monte Castelo (Figura 04), também localizado no Bairro Seminário, possui
um total de 472 unidades distribuídas em 59 blocos com 8 apartamentos/cada de dois
quartos, sala, cozinha e banheiro. O processo iniciou em 2010 e foi até 2012, contando
com um investimento de R$ 18.658.000,00. Da fase inicial 120 famílias vieram de áreas
irregulares e 352 por sorteio, chamadas para assinatura imediata do contrato, e mais 700
famílias sorteadas para suplência (isso de um total de 4.325 famílias com cadastro
aprovado que foram para o sorteio). A prestação do imóvel é de 5% da renda da família,
menor do que o investido no Expoente, pois as analises mostraram que 10% ainda se
tratava de um valor alto para esta população pagar.
Interessante é que, apesar de serem utilizados os mesmos critérios para o sorteio
das famílias e de atender os mesmos parâmetros de vulnerabilidade social o Expoente
acabou recebendo as famílias com menor renda, que recebem entre R$100,00 /
R$200,00, e com maior vulnerabilidade social. No Monte Castelo as famílias recebem
entre R$800,00 / R$1.000,00, sendo notório seu melhor nível social.
De maneira geral estas famílias moravam em casas precárias, mas com direto
acesso a rua e seu entorno, caracterizando uma relação mais próxima com o território. A
partir do acompanhamento da ocupação destes conjuntos habitacionais pode-se perceber
a dificuldade de adaptação destas famílias à tipologia de edifício, com “novidades” que
incluíam deste o custo condominial até a convivência com a vizinhança numa nova
ordem espacial.
No Monte Castelo foram utilizados aquecedores solares e com eles se obteve um
ganho em relação à economia de energia nos edifícios, outro diferencial foi a instalação
de gás central. Assim se tem no mesmo boleto a taxa de condomínio, gás, luz e água. A
dificuldade em ser perceber a taxa condominial como um somatório destes serviços,
cujo valor é bastante expressivo na economia das famílias, implicou em intensa e
repetida inadimplência.
A ocupação das casas, no caso do Expoente, foi mais fácil de gerenciar devido à
semelhança da tipologia com fogão a gás individual, espaço para o plantio, entre outros
e isso se mostra no fato destes moradores serem adimplentes com o pagamento da luz e
da água. Considerando que todas as famílias possuem renda semelhante, fica clara a
diferença entre as tipologias – uni e multifamiliar – e a necessidade de que as políticas
públicas sejam sensíveis a esta complexidade.
80
Desta forma urge a necessidade dos governos compreenderem as demandas
destes processos de produção habitacional virem acompanhados e antecedidos de outras
ações tal como, de oferta de instrução para hábitos de convivência, para preparar e
acompanhar esta comunidade para bem morar.
Nesse sentido a SEHAB possui ações pontuais, e implantadas posteriormente a
ocupação da unidade habitacional, que possibilitam um melhor acesso a comunidade. O
Expoente foi dividido em quatro partes, onde cada uma destas recebe um tipo de projeto
social. Já o Monte Castelo foi dividido em seis partes, onde cada uma destas recebe um
projeto social. Estes são acompanhados por uma assistente social e um monitor social.
Além disso, as parcerias com a Fundação de Ação Social de Chapecó (FASC) e a
Secretaria de Educação possibilitam que cursos e atividades aconteçam via estas
instituições. Tanto a creche do Expoente, como um campo de futebol e uma praça com
academia ao ar livre são investimentos que chegaram depois da população já instalada.
81
Figura 05: Mapa de identificação dos assentamentos e dos locais de relocação das
famílias que hoje habitam nos loteamentos Expoente e Monte Castelo Chapecó.
Fonte: Base Cartografia: Prefeitura Municipal de Chapecó, 2010. Editado por
PELLEGRIN, 2013.
6. Moradia e cidade: casamento ou divórcio?
82
Refletindo-se acerca dos efeitos das políticas habitacionais sobre a sociedade,
percebe-se que o Estado sempre pautou suas ações neste campo, desde o Governo
Vargas passando pela criação do BNH, “como tentativa [...] de obter apoio das camadas
populares com o discurso da “casa própria”. (BORGES, 2013, p. 141). Ainda que a
gestão destas políticas tenha se reconfigurado ao longo dos anos, passando por
contextos de maior pressão popular, o tema habitação tem ganhado o interesse nos
últimos anos em termos de financiamento público federal, e de um modo muito
particular, tem demonstrado que além da presença do Estado, a produção habitacional
tem encontrado na iniciativa privada uma grande protagonista.
Após uma lacuna na ação efetiva do Estado brasileiro para reduzir o déficit
habitacional registra-se a retomada desta pauta, em 2009, com o Programa Minha Casa,
Minha Vida que foi "criado como mecanismo para estimular a produção de habitação e
manter o crescimento dos setores imobiliários e da construção civil, impulsionando o
crescimento da economia frente aos efeitos da crise capitalista mundial [...]".
(BORGES, 2013, p. 141) Portanto, antes mesmo de responder ao déficit habitacional, a
atual política habitacional, apresenta uma motivação específica diante de demandas
macroeconômicas. Assim, como nos períodos anteriores, a produção habitacional se
vincula a interesses que a transcendem, e ainda que se continue fazendo uso do
populismo assistencialista, no fundo a moradia não alcançou o status de demanda social
complexa.
O que quisemos explicitar neste artigo é que o centralismo da atuação estatal ao
longo do século XX, e que implicou em uma produção habitacional incapaz de
responder ao déficit que só se agravou, não alterou o panorama de qualidade urbana no
seu âmago. As recentes políticas, como o PMCMV, onde a participação da iniciativa
privada se revela como verdadeira formuladora de políticas, com pouquíssima regulação
estatal, seja na esfera federal ou local, atesta que a gestão dos recursos públicos se
deslocou para a esfera do mercado.
Como afirma Shimbo (2011. p. 60), “[...] as empresas construtoras e
incorporadoras têm grande autonomia em relação ao Estado no que diz respeito à
concepção e à execução das unidades habitacionais [...]”, e continuam, a nosso ver, não
oferecendo resposta à altura dos problemas, uma vez que ao atender ao “déficit em
números” de unidades produzidas, ainda é muito aquém do que oferecer moradia bem
localizada, adequada às demandas peculiares da população de baixa renda, com
83
estrutura urbana e políticas de permanência das populações. A lógica do Estado,
primando por números expressivos no curto prazo, só poderia encontrar na iniciativa
privada a “eficiência” que o modelo empresarial de mercado oferece.
Catelan e Bastazini (2014) também corrobora esta perspectiva, em que ações
estatais se combinam aos interesses do mercado, pois enquanto ao governo importa
influir na natureza e quantidade de políticas públicas, é por meio do setor imobiliário e
dos bancos que a política é operada, implicando no controle por parte destes grupos da
direção das políticas. Estes autores reiteram que isto comprova o caráter histórico de
financeirização das políticas habitacionais, já iniciado com o BHN e seu tipo de fonte de
recursos.
A partir das reflexões e experiências realizadas no Monte Castelo e Expoente
ponderações podem ser desenhadas para futuras ações, como por exemplo, de não
realizar mais empreendimentos com elevado número de unidades habitacionais, o que
dificulta a gestão condominial; a importância de se rever a tipologia habitacional para o
público, uma vez que as famílias de baixa renda não se adaptam com facilidade à
habitação multifamiliar; bem como realizar os investimentos em equipamentos junto
com a execução das unidades, para que as populações não penem ainda mais com o
deslocamento para estes conjuntos.
No caso do Expoente, atestam pra nossa pesquisa os depoimentos dos moradores
que em grande parte foram contemplados originalmente com unidades no conjunto já
retornaram para as áreas irregulares ou locais próximos de onde já moravam, denotando
a ineficácia de se combater o déficit com políticas que ignoram a complexidade do
problema. Assim, as políticas habitacionais acabam contando contra, e como destacam
CARDOSO & ARAGÃO (2011), ao processo de acumulação das construtoras se soma
a incapacidade da política de bem responder aos problemas de mobilidade, segregação
urbana, e com diminuição do papel do poder público, a resposta aos problemas de cada
localidade é ignorada, pois, como afirmamos, a lógica da produção está divorciada do
querer do cidadão.
Contudo entende-se que a efetividade de qualquer plano habitacional só se dará
na medida em que a gestão democrática garantir outro rumo para a política habitacional.
O casamento entre os interesses estatais e os da iniciativa pressupõem o divórcio entre
os interesses públicos e os do cidadão. O papel do controle social é fundamental para
que uma “nova relação” se estabeleça. Baseando-se em Lefebvre, Rolnik (2014) nos dá
84
uma perspectiva já tão debatida, mas de tão pouco realizada, ainda inovadora: a
privatização ou a terceirização do direito ao acesso a moradia é comparável à privação
da própria possibilidade de fazer parte, de desfrutar a vida urbana. A política
habitacional brasileira especializada no microcosmo da cidade Chapecó pode partir
deste ponto para que este direito à cidade seja bem mais que a materialidade da casa
própria, e da infraestrutura urbana, mas abarque o sentimento de pertencimento a
cidade, que implica na escolha de seus cidadãos acerca de seus interesses.
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86
HABITAÇÃO E DESIGUALDADES: O PAPEL DO ESTADO E DOS
MORADORES NO PROCESSO DE (RE)PRODUÇÃO DO ESPAÇO
URBANO DE CAMPINA GRANDE/PB.
Caline Mendes de Araújo22
RESUMO
O processo de produção do espaço das cidades brasileiras sempre foi caracterizado por
discrepâncias e desigualdades socioespaciais. Os problemas de moradia e a constituição
de comunidades autoconstruídas existem há muito tempo em cidades médias, como
Campina Grande/PB, a exemplo da Rosa Mística, que constitui o recorte espacial desta
pesquisa. O objetivo do presente estudo foi compreender o papel do Estado e dos
moradores na produção desse espaço. A pesquisa demonstrou que, ao longo do tempo, o
Estado apresentou atuações contínuas, no que se refere às ausências, e descontínuas, no
que diz respeito às intervenções. Com relação aos moradores pode-se verificar que a sua
atuação foi contínua no tempo. Considera-se que esses agentes deram origem a um
espaço heterogêneo e permeado por inúmeras e complexas dinâmicas espaciais a serem
discutidas a partir de tipologias espaciais.
Palavras chave: Campina Grande, habitação, tipologias espaciais.
22
Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco.
[email protected]
87
INTRODUÇÃO
Verifica-se no Brasil uma série de incongruências relacionadas à produção da
cidade. Assim, grupos sociais distintos encontram-se vivendo em realidades altamente
discrepantes, no que se refere o acesso à moradia, infraestrutura, serviços públicos, entre
outros. Em meio ao processo de modernização e urbanização da cidade de Campina
Grande também pode-se perceber a produção de um espaço urbano demasiadamente
desigual, ou seja, “A experiência mostra que a urbanização de Campina Grande é
socialmente seletiva e economicamente concentrada” (SILVA, 1987, p.63). Esse
processo resultou, entre outros fatos, em um crescimento da demanda por moradia e um
consequente aumento do déficit habitacional, além do crescimento de áreas
autoconstruídas da cidade, caracterizadas por habitações e infraestrutura precárias, bem
como serviços escassos.
A Rosa Mística é uma dessas áreas supracitadas, constitui uma comunidade23
urbana que está localizada na Zona Norte de Campina Grande – PB. Surgiu na década
de 1940, através do processo de loteamento clandestino. A Rosa Mística foi sendo
ocupada pelas pessoas que, movidas pelo êxodo rural e em razão dos preços baixos dos
terrenos do local, entre outros motivos, chegavam à pujante cidade de Campina Grande.
Passados quase 40 anos, na década de 1980, o espaço sofreu um processo de
intervenção na sua infraestrutura em uma ação do poder público local. Foi nessa época
que o então Buraco da Jia passa a ser chamado, também, de Rosa Mística. Além disso,
surgiram novas ocupações, que cresceram e se adensaram, posteriormente, no entorno
da comunidade.
Diante desse contexto e, tendo em vista que a dinâmica de uma cidade média
como Campina Grande se apresenta de maneira distinta das grandes cidades, em relação
aos aspectos políticos, sociais e econômicos, surgiu a necessidade de um debate a
23
A respeito da utilização desse termo, aqui, ressalta-se que “Onde quer que os membros de
qualquer grupo, pequeno ou grande, vivam juntos e de modo tal que partilhem não deste ou daquele
interesse, mas das condições básicas de uma vida em comum chamamos a esse grupo de comunidade”
(MACLIVER & PAGE, 1973, p. 122).
88
respeito de uma área pobre dessa cidade, a Rosa Mística. Busca-se, nessa pesquisa24,
não apenas refletir sobre aquele espaço, mas também contribuir, de alguma maneira,
com a reflexão a respeito de espaços com configurações semelhantes em outras cidades
médias, partindo do pressuposto que, uma vez que o espaço urbano é produzido,
produzem-se dois modelos de cidade: um para os pobres e outro para os ricos.
Percebe-se
que
os
agentes
produtores
e
reprodutores
podem
agir
diferencialmente sobre o mesmo espaço, em temporalidades diferentes e de acordo com
a lógica do momento, levando em consideração que a produção desigual do espaço não
ocorre de maneira arbitrária, mas atende às intenções de diferentes agentes presentes na
cidade, como será verificado a seguir na discussão sobre a produção do espaço e
dinâmica habitacional de Campina Grande.
1. CAMPINA GRANDE: O CONTEXTO HABITACIONAL EM UMA CIDADE
MÉDIA.
Campina Grande se localiza no interior da Paraíba, e distancia-se da capital
aproximadamente 120km, possui 385.213 habitantes, e cerca de 594,182 km² (IBGE,
2010). Além disso, configura-se como uma Capital Regional do tipo B (REGIC, 2007).
Afirma-se que, atualmente, a cidade pode ser considerada como uma cidade média.
Nesse sentido, para Maia, as cidades médias25 são “[...] centros urbanos que apresentam
concentração e centralização econômicas expressivas em dada escala... (MAIA, et al,
2013, p. 31). No que diz respeito às reflexões sobre cidades médias no Brasil, Sposito
(2007a, p. 242) expõe:
Observando o Brasil atual, encontramos cidades denominadas
como médias que tiveram seus papéis ampliados e suas redes de
relações se tornaram supra-regionais (entendida aqui a pequena
24
A pesquisa tem um caráter explicativo e constitui-se um estudo de caso, buscando explicitar, analisar e
compreender os fenômenos que permeiam a atuação do Estado na área estudada, além do papel do demais
agentes, partindo de uma abordagem qualitativa, predominantemente. Nesse sentido, contou com
procedimentos tais como: mapeamentos, coleta de dados, observações empíricas, registros fotográficos,
análises documentais, pesquisas em jornais e periódicos, buscas documentais em órgãos e instituições
públicas e/ou privadas, realização de entrevistas com moradores, funcionários públicos, entre outros.
25
Outras contribuições valiosas, não apresentadas aqui, em virtude do espaço e dos objetivos
do artigo, a respeito da discussão sobre cidades médias, podem ser encontradas em SPOSITO (2007b) e
em SPOSITO et al (2006).
89
região composta pelas cidades pequenas que ela polarizava e
ainda polariza).
Nesse contexto, “Campina Grande [...] mantém uma centralidade bastante
significativa na Região Nordeste” (MAIA, 2013, p. 31). Os anos de história dessa
cidade e uma série de acontecimentos importantes contribuíram para que a mesma se
tornasse um dos mais importantes centros urbanos do interior do Nordeste. Ao longo do
século XX a cidade passou por importantes processos, como a chegada do trem, a
reforma urbanística, a pujança industrial e comercial que significaram muito para a sua
inserção e destaque no cenário nordestino e nacional. A respeito do papel de Campina
Grande perante as cidades médias brasileiras, Maia afirma:
No que se refere à sua situação no quadro das cidades médias
brasileiras, desempenha importante papel regional: mantém forte
relação com a área da qual está situada [...], mas também
compõe o conjunto que representa no mercado nacional [...].
(MAIA, 2013, p. 31).
Devido a sua importância regional, Campina Grande foi e ainda é um centro
urbano de forte atração populacional. As migrações do campo para a cidade bem como
a migrações intermunicipais, ou seja, “áreas rurais ou pequenas cidades sobre as quais
ela exerce poder de atração" (MAIA, 2013, p. 31), constituíram fatores fundamentais
para o aumento da população e crescimento da cidade.
Entretanto, na contramão do crescimento econômico, em meio a todo o
processo de modernização e urbanização de Campina Grande, pode-se perceber um
crescimento de sérios problemas urbanos, a exemplo da demanda por moradia, fato que
colaborou com déficit habitacional na cidade (tabela 1) e o crescimento de áreas
caracterizadas por moradias precárias e ausência de infraestrutura, ressaltando as
grandes desigualdades intraurbanas verificadas já há algum tempo.
Tabela 1: Estimativas do Déficit Habitacional Básico (1) e Domicílios Vagos. Campina
Grande - 2000.
90
Fonte: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações (CEI), 2004 –
2005 (Adaptado de Maia, 2013).
Observa-se que, no início da década de 2000, os dados referentes ao déficit
habitacional de Campina Grande eram bastante expressivos. Leva-se em consideração
ainda a existência de um grande número de unidades habitacionais desocupadas. Esses
dados indicam que, na verdade, “o problema da habitação não pode ser resolvido apenas
a partir da construção de novas moradias, mas sim com uma política que fomente a
ocupação dos domicílios fechados ou a sua re-distribuição (MAIA, 2013, p. 10-11).
Nesse sentido, ao longo do tempo o Estado tentou, com pouco êxito, sanar
algumas dessas “dívidas sociais” com o implemento de programas habitacionais que
pouco alteraram a situação de moradia na cidade. Assim, dados mais recentes da Caixa
Econômica Federal apontam que, em 2011, a demanda habitacional de Campina Grande
era de 11.209, fato que mostra que houve uma diminuição irrisória desse montante,
observado na tabela 1.
As políticas públicas de habitação se constituem como “indicadores” de ações
típicas do Estado que prioriza certos grupos em detrimento dos demais26. Dessa
maneira, o presente estudo pretende discutir as dinâmicas habitacionais que permeiam
uma cidade média como Campina Grande, levando em consideração o papel do Estado,
assim como dos demais agentes produtores do espaço (CORRÊA, 2011), a exemplo dos
moradores, trazendo para a discussão o estudo de caso do processo de produção espacial
da Rosa Mística.
26
“Com um déficit habitacional de aproximadamente 13 mil moradias, a cidade de Campina
Grande tem registrado aumento de invasões de terrenos públicos e casas em construção por conta da
demora da entrega das unidades habitacionais. A Prefeitura de Campina Grande diz que tem fiscalizado,
mas que enfrenta dificuldades em conter as invasões porque tem moradores que esperam há anos pelo
benefício” (Fonte: Reportagem G1-PB, 08-10-2014).
91
2. TÁTICAS E ESTRATÉGIAS27: O PAPEL DOS AGENTES PRODUTORES
DO ESPAÇO
Para Certeau (1994, p. 41), o cotidiano é permeado pelas “maneiras de fazer”
que, segundo ele “[...] constituem as mil práticas pelas quais os usuários se reapropriam
do espaço organizado pelas técnicas de produção sociocultural”. Essas “maneiras de
fazer” ou “práticas cotidianas” dizem respeito, sobretudo, aos fazeres daquelas pessoas
que se encontram inseridas nesse cotidiano, vivendo, se relacionando com seus pares,
circulando. Segundo o referido autor, “muitas práticas cotidianas (falar, ler, circular,
fazer compras ou preparar as refeições etc.) são do tipo “tática” (CERTEAU, 1994, p.
47). As táticas são as práticas cotidianas dos sujeitos individuais. De acordo com
Certeau (1994, p. 47), a tática é:
[...] um cálculo que não pode contar com um próprio, nem
portanto com uma fronteira que distingue o outro como
totalidade visível. A tática só tem por lugar o do outro. Ela aí se
insinua, fragmentariamente, sem apreendê-lo por inteiro, sem
poder retê-lo à distância. Ela não dispõe de base onde capitalizar
os seus proveitos, preparar suas expansões e assegurar uma
independência em face das circunstâncias.
A tática é uma ação do cotidiano, se relaciona ao dia a dia, à necessidade, à
criatividade. A “tática só tem por lugar o do outro”, como afirma o autor, porque é uma
ação realizada em um contexto já estabelecido, no qual o poder do “outro” prevalece.
Nesse sentido, a ação que representa esse “outro”, detentor de poder, chama-se
estratégia, que pode ser definida como:
[...] o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se
torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer
e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição
científica) pode ser isolado. A estratégia postula um lugar
suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de
onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos
ou ameaças [...] (CERTEAU, 1994, p. 99, grifos do autor).
27
CERTEAU (1994).
92
A estratégia é a ação planejada do sujeito de poder. Essa ação se dá de forma
hierarquizada uma vez que os “sujeitos do poder” agem de forma a decidir sobre o
cotidiano, sem levar em consideração o contexto desse cotidiano, mas levando em conta
sua vontade particular, isolada, exterior, como defende o referido autor. Nesse sentido,
pode-se afirmar que “[...] a tática é determinada pela ausência de poder assim como a
estratégia é organizada pelo postulado de um poder” (CERTEAU, 1994, p. 101, grifo do
autor).
Partindo da discussão sobre essas táticas, relacionadas aos moradores, e a
respeito das estratégias, que envolvem o Estado, pode-se lançar mão de contribuições de
outros autores que se debruçam sobre pesquisas no espaço urbano, para entender melhor
essas articulações também em cidades médias. A respeito do Estado e sua relação com a
lógica do capital, Santos afirma:
O Estado capitalista é uma relação social, isto é, condensa uma
série de articulações (conflituais, umas; não conflituais, outras)
de forças sociais, sendo que uma dessas articulações é
dominante, porque a sua lógica permeia (em graus diversos) as
demais articulações vigentes na mesma formação social [...].
(SANTOS, 2008, p. 24).
Ao condensar essas articulações, o Estado assume papeis específicos, pois atua
em várias “esferas”. Ele não é uno, mas “múltiplo”, no sentido de atender a várias
demandas: sociais, econômicas, políticas, entre outras. O Estado e o capital não estão
desvinculados, ao contrário, eles atuam conjuntamente, muitas vezes se confundindo. E
é isso que pode ser percebido na (re) produção do espaço urbano que, cada vez mais,
apresenta-se desigual, tanto nas suas formas quanto no seu conteúdo. Portanto, o Estado
é capitalista “[...] na medida em que, ao condensar, como articulação dominante, as
relações sociais de produção capitalista, está dependente da lógica do capital e, portanto,
do processo de acumulação que por ela se rege” (SANTOS, 2008, p. 24-25).
De acordo com Corrêa, a ação do Estado “tende a privilegiar os interesses
daquele segmento ou segmentos da classe dominante que, a cada momento, estão no
poder” (CORRÊA, 1993, p. 26). Além de assumir certos papeis, de acordo com o
momento histórico, o Estado também age segundo escalas espaciais específicas. Corrêa
afirma: “O Estado atua também na organização espacial da cidade. Sua atuação tem sido
93
complexa e variável tanto no tempo como no espaço, refletindo a dinâmica da sociedade
da qual é parte constituinte” (CORRÊA, 1993 p. 24).
Diante disso, cada vez mais se faz necessária uma atuação equilibrada do
Estado nos espaços dos mais pobres28, que não podem mais continuar ocupando um
papel secundário na produção do espaço das cidades. De acordo com Maricato, “[...] a
infra-estrutura, os equipamentos coletivos e os serviços públicos somente podem ser
providos pelo Estado, e nunca pelas famílias individualmente” (MARICATO, 2003, p.
83). O papel do Estado, nesse contexto, é demasiadamente importante no processo de
consolidação de alguns espaços. A esse respeito, Rodrigues esclarece: “Dentre os vários
agentes que produzem o espaço urbano, destaca-se o Estado que tem presença marcante
na produção, distribuição e gestão dos equipamentos de consumo coletivos necessários
à vida nas cidades” (RODRIGUES, 2003, p. 20). Para Corrêa,
[...] é através da implantação de serviços públicos, como
sistemas viários, calçamento, água, esgoto, iluminação, parques,
coleta de lixo etc., interessantes tanto às empresas como à
população em geral, que a atuação do Estado se faz de modo
mais corrente e esperado. (CORRÊA, 1993, p. 24).
Ou seja, o Estado pode atuar de maneiras diversas no espaço urbano, contudo,
a dotação de infraestrutura é uma intervenção “básica”, tanto que é a mais esperada,
como afirma o autor. São ações que cabem exclusivamente ao poder público. Além
dessas atuações, outras cabem ao Estado, por exemplo, garantir o direito à moradia.
Sobre a relação do Estado e a questão da habitação, Santos afirma:
Quando a falta do alojamento das classes trabalhadoras é
generalizada, a habitação transforma-se num problema social. E
porque a habitação urbana depende de meios de consumo ou
suportes materiais que só existem sob a forma coletiva (o
saneamento, água e eletricidade, tipo de construção e sua
localização etc. etc.), ou seja, bens e serviços indivisíveis, meios
de consumo coletivo, pode-se dizer que o problema habitacional
torna-se duplamente social [...] Isto explica o papel cada vez
mais decisivo do Estado no provimento dos bens e serviços
urbanos (SANTOS, 2008, p. 65).
28
Souza (2009, apud MIRANDA, 2011) entende pobreza como “a precariedade histórica de
inserção de pessoas em um ou mais circuitos da vida em sociedade [...]. A pobreza carrega consigo uma
variedade de manifestações, sendo, portanto, um fenômeno heterogêneo e complexo”.
94
A resolução dos problemas de moradia não implica apenas a construção de
casas, mas também o provimento de meios de consumo coletivo, a regularização
fundiária, a geração de renda, entre outros. Por isso e por outros tantos fatores, um dos
maiores problemas do Estado foi sempre a habitação. Em relação à solução dos
problemas habitacionais no Brasil, o Estado tem fracassado quando observadas as
necessidades e as reais intervenções. Tanto no nível do país quanto em escalas outras
escalas, como nas cidades médias, o problema vem se agravando e cada vez o Estado
mostra-se “incapaz” de resolver. Santos explica o porquê desse fracasso do Estado:
[...] a ação do Estado capitalista (produção direta de habitações,
contrato de desenvolvimento da habitação social, financiamento
a juro bonificado da aquisição da casa própria etc.) só é possível
mediante meios tornados disponíveis pelo processo de
acumulação, porque a atividade produtiva do Estado (produção
da habitação, por exemplo) está, em parte pelo menos,
submetida à lei do valor e ainda porque o funcionamento da
renda fundiária urbana, em articulação com os tipos de
propriedade fundiária que resta referir, tem vindo a conduzir a
uma constante e vertiginosa subida nos preços do solo urbano,
por todas essas razões o Estado capitalista tem “fracassado”
sistematicamente na resolução desse problema social (SANTOS,
2008, p. 66).
Nas cidades esse “fracasso” tem como resultado a formação e ampliação cada
vez maior das ocupações ilegais, sem o mínimo de infraestrutura. Essas ocupações se
multiplicam nos espaços urbanos, que compreendem as margens de riachos, encostas,
áreas de preservação, entre outros. São construções precárias, pouco espaçosas,
insalubres. Santos é taxativo ao afirmar que “É reconhecido o fracasso (generalizado,
mas de intensidade variável) dos Estados capitalistas na resolução do problema
habitacional das classes trabalhadoras” (SANTOS, 2008, p. 76).
Essas ocupações se multiplicam também em função dos altos preços de
moradia, tanto no mercado imobiliário formal quanto no informal, como também por
toda negligência histórica do Estado frente aos problemas habitacionais, fato que resulta
na expansão de áreas ocupadas ilegalmente, constituídas na sua maioria por uma gama
de problemas.
95
Assim, “[...] a cidade legal, dentro das normas da legislação, torna-se a exceção
e a cidade ilegal ou irregular torna-se regra porque a maior parte da população mora
fora dos padrões exigidos pela legislação” (MARICATO, 2001, p. 39). Sobre a relação
espaço-aspectos jurídicos, temos a seguinte reflexão de Santos: “[...] a política urbana
(por exemplo, a política habitacional), desgarrada, quer da política fundiária, quer da
política de emprego, não pode deixar de fracassar” (SANTOS, 2008, p. 74).
Atuar no espaço urbano, nos problemas de moradia, entre outros, requer muito
mais que apenas a realização de projetos ou a sua execução incompleta. A política
urbana é muito mais abrangente e não cabe “esquecer” das questões jurídicas fundiárias
que passaram desde muito tempo a ser inerentes ao espaço.
Diante da discussão, apresenta-se aqui uma análise do processo de produção do
espaço da Rosa Mística, a partir da década de 1980, levando em consideração a
heterogeneidade espacial que foi originada das ações dos agentes produtores do espaço
(CORRÊA, 2011), sobretudo Estado e moradores. O resultado de todo esse processo foi
a formação dos tipos espaciais, que serão identificadas, delimitadas e discutidos em
seguida.
Assim, foi possível constatar que a produção da Rosa Mística se deu por meio
da formação de subespaços que constituem os tipos espaciais. Esses tipos formaram-se
em períodos distintos e o fator “tempo” é fundamental à sua compreensão. Para Santos
M.: “Períodos são pedaços de tempo submetidos à mesma lei histórica, com a
manutenção das estruturas. Estas se definem como conjuntos de relações e de
proporções prevalentes ao longo de certo pedaço de tempo e nos permite definir nosso
objeto de análise” (SANTOS M., 2008, p. 67).
3. RESULTADOS: PROCESSO DE PRODUÇÃO DOS TIPOS ESPACIAIS DA
ROSA MÍSTICA E ATUAÇÃO DOS AGENTES.
Atualmente a Rosa Mística constitui uma área aproximada de 70.000m² e conta
com cerca de 250 famílias (mapa 01). A maioria possui baixo poder aquisitivo e
sobrevive de trabalhos informais e/ou auxílios do governo federal.
Mapa 01 ‒ Localização de Campina Grande (e da Rosa Mística).
96
Ao longo da história do processo de produção da Rosa Mística alguns fatos
importantes marcaram sua história e contribuíram para a constituição daquela área tal
como se encontra hoje. A sua origem, através de loteamentos clandestinos na década de
1940, a primeira intervenção do Estado nos anos de 1980 (juntamente com a construção
do conjunto habitacional do local), bem como as ocupações irregulares que ocorreram
nesse período foram alguns dos acontecimentos que marcaram esse espaço.
A partir desses acontecimentos e levando em conta algumas variáveis (status
jurídico, tempo de existência, “grau” de consolidação, mobilidade social, dentre outros),
a pesquisa se debruça sobre os problemas habitacionais da Rosa Mística entendendo que
a mesma não constitui um espaço homogêneo. Ao contrário, sabe-se que esse espaço,
assim como as demais áreas urbanas, possui uma série de especificidades e
complexidades, constituindo um espaço múltiplo e heterogêneo.
Nesse sentido, a pesquisa propõe a discussão desses problemas a partir da
identificação, classificação e discussão de cinco tipos espaciais distintos, formados ao
longo do processo de produção desse espaço, a saber: 1) Ocupação inicial; 2)
Ocupações anexadas à inicial na década de 1980; 3) Conjunto habitacional; 4)
Ocupações ilegais das décadas de 1980 e 1990; e 5) As ocupações ilegais da década de
2000 (mapa 02; figura 01).
97
Mapa 02 ‒ Delimitação dos tipos espaciais da Rosa Mística.
Fonte: Elaborado por Caline Mendes de Araújo e Geislam Lima. Dados de drenagem e
arruamento: Secretaria de Planejamento de Campina Grande – PB.
Figura
01
‒
Delimitação
dos
tipos
espaciais
da
Rosa
Mística.
Fonte: Google Earth (adaptado pela autora, 2014).
O mapa e a figura acima ilustram a atual configuração espacial da Rosa
Mística, a partir dos tipos apresentados. As diversidades espaciais dos tipos se referem
às formas de morar e suas implicações e consequências. Segue uma breve discussão de
cada um desses tipos apresentados:
98
Tipo 1) Diz respeito à área que foi inicialmente ocupada, através do processo
de loteamento iniciado na década de 1940. Essa área da Rosa Mística ainda hoje se
encontra, na sua grande parte, com a situação jurídica não regularizada. As negociações
entre os compradores e os loteadores no passado não se deram de forma oficial e não
foram regularizadas com o tempo, caracterizando-se, assim, um contexto totalmente
baseado em táticas frente à ausência de ações e estratégias do poder público
(CERTEAU, 1994). Nesse espaço, percebe-se que a mobilidade social possibilitou que
os moradores melhorassem um pouco de vida. Quando perguntada sobre o que mudou
naquele espaço desde a ocupação inicial, uma moradora afirma (L. B. S, aposentada de
60 anos, mora no local há 50. Entrevista realizada em: janeiro de 2013): “Mudou muito,
eu era tão pobre, criei esses dez filhos lavando roupa de ganho, trabalhando na feira, na
roça, trabalhando de noite e de dia. Mudou muito porque hoje em dia, eles estão tudo
sobre si, pra sobreviver eu sofri demais...”.
Houve certa melhora nas condições de trabalho dos moradores daquele espaço,
conforme demonstra a fala da moradora, e o acesso ao mercado profissional se tornou
mais fácil com o tempo, o que possibilitou a melhoria na vida de alguns moradores.
Essas melhorias podem ser representadas, por exemplo, pelas reformas realizadas nos
imóveis. A respeito dessas reformas, a moradora comenta:
Na minha casa era eu, meu marido e seis filhos [...] e a minha
casa ela só tinha uma sala, um quarto, uma cozinha dividida,
quarto e cozinha pra seis filhos. Enquanto eles eram pequenos
dava pra todos, quando foi crescendo [...] moça e rapaz aí num
dava mais [...]. Aí meus filhos foram crescendo, comecei a
trabalhar, aí futuramente arranjei um serviço no Estado e
comecei a trabalhar, aí tive a chance de fazer um empréstimo
[...] (M. L. R, desempregada de 46 anos, mora no local há 23
anos Entrevista realizada em: janeiro de2013).
São inúmeros os motivos pelos quais as famílias necessitaram fazer tais
modificações nas suas moradias, dentre os quais se destaca o crescimento do número de
membros das famílias. E o principal fator que tornou possível essas reformas foi a
possibilidade de acesso a emprego. Nesse contexto, “mesmo nas faixas de remuneração
mais baixa, à medida que o tempo avança, as casas podem deixar de ser precárias para
ganhar condição melhor de habitabilidade” (KOWARIK, 2000, p. 87).
99
O espaço externo às casas dessa área também sofreu alterações, a partir de
estratégias do Estado, como exposto anteriormente, pois essa foi a área na qual o Estado
investiu de maneira um pouco mais efetiva, a exemplo da canalização de parte do riacho
que corta a Rosa Mística, dos calçamentos, instalação de rede elétrica, entre outros
(fotografia 01). Entretanto, esses investimentos foram concentrados na década de 1980
e, posteriormente, os espaços quase não passaram por reparos e reformas.
Fotografia
01‒Travessa
Severino
Verônica.
Fonte: Pesquisa de campo (Janeiro/2013).
Tipo 2) Compreende as ocupações anexadas à inicial, na década de 1980
(fotografia 02). Assim como o tipo 1, essas ocupações surgem a partir de loteamentos
clandestinos, com a diferença de que as condições financeiras dos moradores desse local
apresentava-se bem melhores do que as dos primeiros moradores do local.
Fotografia 02 – Rua Pastor Raul de Souza Costa.
100
Fonte: Pesquisa de campo (Dezembro de 2013).
Hoje, o tipo 2, apesar de diverso em alguns quesitos, encontra-se também
consolidado na sua maior parte, a partir das táticas dos moradores representadas,
principalmente, pela melhoria dos espaços privados de moradia. Essas transformações
do espaço são resultados da maior mobilidade social que os indivíduos passaram a ter
com o tempo. É importante ressaltar que a ação do Estado se concentrou em algumas
ruas desse tipo espacial, embora persistam, ainda, problemas como a falta de
calçamento.
Tipo 3) Diz respeito ao “Conjunto Habitacional” inaugurado na década de
1980. Através da construção dessas casas, o Estado relocou algumas famílias das áreas
vulneráveis inicialmente ocupadas. Dentre os tipos estudados, esse é o único que possui
a situação jurídica regularizada. À época da doação das moradias, o governo entregou a
documentação aos proprietários.
No que se refere à ação do Estado, esse espaço não passou por muitas
transformações, de acordo com o que expõe uma moradora: “Eles entregaram as casas e
não fizeram mais nada” (M. S. L, Do Lar de 65 anos, mora no local há 20 anos.
Entrevista realizada em: janeiro de 2013). No entanto, já em relação às táticas dos
indivíduos, pode-se afirmar que grande parte do espaço foi muito modificada. Poucas
são as casas que ainda hoje não passaram por reformas. A mobilidade social, através do
acesso ao mercado de trabalho, sobretudo, possibilitou que muitas casas passassem por
reformas. A fachada de muitas delas também foi modificada, conforme a fotografia 03.
101
Fotografia 03 ‒ Fachadas atuais das moradias entregues pelo Estado (década de 1980).
Fonte: Pesquisa de campo (Janeiro/2013).
Com o acesso a emprego e renda, as pessoas passaram a investir nas
residências que antes eram padronizadas e não levavam em conta as especificidades das
famílias, como o número de pessoas, por exemplo. Hoje, muitas estão bem mais
adequadas à situação de cada família. No que concerne à mobilidade social dos
moradores desse espaço, pode-se observar a fala de uma moradora:
Uma coisa que mudou muito bastante aqui foi a questão
financeira de todo mundo. Naquele tempo tudo era mais difícil
para você conseguir bens e tudo. Hoje com a questão de
financiamento todo mundo tem condição de ter tudo em casa.
Ninguém tinha uma televisão em casa, quando tinha, na época
era preto e branco. Hoje todo mundo tem uma televisão colorida
em casa, todo mundo pode possuir um DVD, todo mundo tem
um telefone, grande parte tem um computador. (R. S. R,
estudante de 32 anos, mora no local há 32. Entrevista realizada
em: janeiro de 2013).
Com renda fixa, as famílias passaram a ter condições de reformar suas casas e
comprar alguns bens, como eletrodomésticos. Para quem não possuía uma habitação (ou
tinha uma moradia precária, sofrendo com alagamentos e outros problemas) essas
mudanças significaram algum avanço. Muitas vidas mudaram e as gerações posteriores
conseguiram ter uma vida menos difícil.
102
No entanto, mesmo com tais melhorias, existem algumas famílias que ainda
passam por dificuldades nesse espaço e que não conseguiram reformar suas casas e
melhorar sua qualidade de vida. No que se refere à ação do Estado, que só agiu de
forma efetiva antes da entrega das moradias, ainda há muito a ser feito na área como
intervenções nas áreas de segurança, lazer e infraestrutura.
Tipo 4) Corresponde às ocupações irregulares que datam do final da década de
1980. O tipo 4 teve início a partir da união de um grupo de pessoas que ocupou uma
área pertencente ao poder público municipal e recebeu doações de terrenos e materiais
de construção do então prefeito, segundo informações da Comissão Parlamentar de
Inquérito (1995). A maior parte desse espaço permanece com o status jurídico irregular.
Diante do exposto, Maricato (2003b, p. 158) afirma: “A falta de alternativas
habitacionais, seja via mercado privado, seja via políticas públicas sociais é,
evidentemente, o motor que faz o pano de fundo dessa dinâmica de ocupação ilegal e
predatória de terra urbana”.
O mercado privado é bastante restrito, tanto devido aos altos custos para o
acesso a um imóvel, quanto pela burocracia. Esses fatores dificultam em demasia o
acesso dos mais pobres à casa própria. As políticas sociais de habitação tem se mostrado
ineficientes ao longo dos anos, pois, além de não darem conta da demanda, beneficiam
setores do ramo imobiliário que lucram com as construções dos imóveis.
O terreno da tipologia 4 ocupado pelas famílias pertence, ainda hoje, ao poder
público e pouco passou por reformas na sua estrutura. Moradias precárias, ruas sem
infraestrutura e coleta de lixo deficitária são problemas existentes no local. No entanto,
há que se destacar que muito também foi transformado pelos moradores, através das
táticas, principalmente no que se refere às suas moradias. Algumas famílias
conseguiram melhorar um pouco de vida e reformaram suas casas (fotografia 04).
103
Fotografia
04
‒
Casas
atualmente
reformadas
no
tipo
4.
Foto: Pesquisa de campo (Janeiro/2013).
A figura acima mostra uma parte dessa ocupação cujas casas, no início, eram
construídas de materiais recicláveis, de taipa, entre outros. Hoje, essas habitações já se
apresentam transformadas, tendo casos de algumas famílias que construíram mais de um
pavimento. Ao ser questionada sobre como foi possível fazer a reforma da sua casa,
uma moradora explica:
Passando fome, meu marido tava trabalhando [...] e ele falou
assim: [...] vamos apertar a barriga da gente e a gente começou,
todo dinheirinho que ele pegava ele botava aqui, aí eu me peguei
com Cássio [...] ele me ajudou muito [...] ele me dava um
cheque, eu trocava e ali eu comprava um saco de cimento, um
vaso de segunda mão, entendeu? (M. L. R, desempregada de 46
anos, mora no local há 23 Entrevista realizada em: janeiro
de2013).
As famílias fizeram muitos esforços para conseguirem tais melhorias.
Entretanto, a figura do Estado, representado pelos políticos de então, se fez presente,
através clientelismo e barganhas eleitoreiras, fato que explica o porquê de, ainda nos
dias atuais, o povo daquele local “reverenciar” o grupo responsável por tais ações.
Mesmo se tratando de uma ocupação irregular, esse espaço foi alvo de algumas
transformações importantes e em virtude do tempo de existência e dos esforços dos
moradores, encontra-se, de certa forma, consolidado, mas necessita ainda de melhorias
urbanas e regularização fundiária. Depois da sua ocupação inicial em 1988, essa área
104
cresceu, principalmente na década de 1990, e pode-se constatar que, quanto mais
recente é a ocupação em áreas pobres, maiores tendem a ser os problemas enfrentados.
Tipo 5) Referente às ocupações irregulares que surgiram na década de 2000,
esse é o tipo que vem se formando mais recentemente. Tendo em vista que os problemas
habitacionais têm crescido ano a ano e que as políticas públicas de habitação são
ineficazes e insuficientes, essa área é, entre os tipos analisados, a que mais representa de
forma mais contundente a realidade gritante dos problemas relacionados à moradia no
espaço urbano estudado (fotografia 05).
Fotografia 05 ‒ Casas localizadas no tipo 5.
Fonte: Pesquisa de campo (Janeiro/2013).
A precariedade apresentada se dá, entre outros aspectos, pela impossibilidade
de acesso por parte dos pobres ao mercado imobiliário. Isso demonstra que esse
mercado se caracteriza pelos altos custos referentes à habitação e por privilegiar aqueles
que têm capital para sustentá-los. Cabe ressaltar, entretanto, que o mercado imobiliário
informal tem crescido e o acesso a ele, por parte de uma parcela da população, também
não tem sido fácil.
Parte dessa ocupação situa-se às margens do riacho das Piabas (porção não
canalizada) e outra parte está localizada em uma Área de Preservação Permanente. Ela é
caracterizada pela irregularidade, pois está situada em áreas de domínio público, além
de não contar com infraestrutura e serviços básicos, como rede de esgoto, água e energia
(ou recorrer-se aos famosos “gatos”), como coloca uma moradora, quando perguntada
105
sobre esses serviços no local: “A gente que puxou, [...] eles vieram botaram, a gente
tirou porque vinha muito caro e a gente não tinha condições de pagar” (T. S. A, catadora
de materiais recicláveis de 36 anos. Entrevista realizada em: janeiro de 2013).
Esse fato é interessante para que se possa refletir acerca das problemáticas que
envolvem a habitação. A solução desse problema não diz respeito “apenas” às
construções de unidades habitacionais, mas vai além. Discutir e resolver problemas de
moradia implica pensar sobre as necessidades dos moradores como um todo,
considerando desde o processo de urbanização, regularização fundiária e geração de
renda.
A falta de opções de moradias é refletida nas ocupações ilegais e, na maioria
das vezes, o que “sobra” para os pobres são áreas inóspitas e degradadas. Destaca-se
que, muitas vezes, o Estado se apresenta como incentivador de práticas de ocupações
ilegais, demonstrando a tolerância quando se trata de questões que não interferem nos
lucros privados dos setores imobiliários.
Desde o início da sua ocupação essa área (tipo 5), segundo a última moradora
citada, “tá a mesma coisa, num mudou nada [...]”. De acordo com ela, o local é
esquecido pelos políticos, que só frequentam o espaço em tempo de eleição. A
moradora afirma: “Aqui nada é fácil, aqui tudo é difícil. Aqui a situação de cada um é
mais difícil do que a outra. [...] Aqui num tem benefício não, aqui não aparece ninguém
pra fazer nada”.
Por se tratar de uma ocupação bastante recente, os problemas são grandes e
visíveis. Sem emprego e sem acesso às políticas governamentais de habitação, os
moradores se encontram em constante insegurança, seja em relação aos aspectos físicos,
seja nos quesitos jurídico e social.
A respeito desse tipo, afirma-se que os problemas são inúmeros e o
esquecimento do poder público, com relação ao local, se reflete em moradias precárias,
falta de esgotamento sanitário, inexistência de coleta de lixo, pouca ou nenhuma oferta
de emprego e problemas com o oferecimento de serviços água e energia elétrica.
Finalmente, sobre os tipos analisados, percebe-se que, dos cinco, os que se
encontram mais consolidado são os tipos 1 e 2, que passaram por mais transformações,
sobretudo por parte dos moradores, embora ainda tenham muitos problemas a serem
solucionados, como a situação jurídica. O tipo 5, ao contrário, apesar de ser o mais
recente, é também o que possui uma variedade maior de problemas. A análise desses
106
tipos é importante porque mostra como um espaço pode ser múltiplo e como com o
tempo de existência, o status jurídico da terra, os tipos de moradia, a mobilidade social,
entre outros fatores, influenciam na configuração do espaço.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os problemas relacionados à moradia existem nas mais diversas escalas
espaciais e temporais das cidades brasileiras. Pode-se compreender que esse é um
problema que atinge milhões de pessoas em todo o país e que, como resultado desse
processo mais abrangente, as cidades médias não estão isentas desse problema. Ao
contrário, essas vêm ganhando relevo perante o cenário urbano nacional não só no que
se refere à sua importância e crescimento, mas também no que se diz respeito aos
problemas urbanos, incluindo a habitação.
Foi possível constatar ainda que esse não é um problema atual, mas que vem se
agravando ao longo do tempo. Diante disso, a pesquisa desenvolvida contribuiu para o
entendimento do processo de produção da Rosa Mística, elencando os principais fatos
históricos que ocorreram naquele espaço, partindo da interpretação da atuação dos
agentes (re)produtores que intervêm diferencialmente, em temporalidades distintas e de
acordo com a lógica vigente, acirrando ou não as disparidades e desigualdades
socioespaciais.
Conceitos e categorias como Estado, espaço, habitação, táticas e estratégias
foram fundamentais à obtenção dos resultados pretendidos, ou seja, as literaturas
apresentadas auxiliaram a entender o papel do Estado e dos moradores na origem e
(re)produção das tipologias espaciais formadas no interior daquela área.
Pode-se afirmar que, a partir de intervenções distintas por parte do Estado, dos
moradores, entre outros agentes, a Rosa Mística se originou, cresceu e permaneceu em
meio ao espaço urbano de Campina Grande, interagindo com ele e particularizando-se
frente a outros espaços dessa cidade. Finalmente, entendendo a dinâmica urbana, entre
outros aspectos, enquanto um jogo de escala espaço-temporal, cabe ressaltar que o
planejamento urbano, marcado pelo ideal de justiça, deve se fazer presente no processo
de reflexão e produção da cidade, para que os problemas que vêm acometendo esses
espaços há anos, possam ser minimizados ou solucionados, visando, sobretudo, o bem
107
estar e a qualidade de vida da população, além da garantia do real direito à cidade
(Lefebvre, 2001).
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110
ENTRE O DIREITO À MORADIA E A HABITAÇÃO ENQUANTO
MERCADORIA: REFLEXÕES SOBRE O PROGRAMA MINHA
CASA, MINHA VIDA EM LONDRINA/PR
Danilo Marcondes de Alcantara29
Resumo
A questão habitacional em Londrina - PR é tratada, no presente texto, a luz das
transformações recentes ocasionadas pela implantação do Programa Minha Casa Minha
Vida, de iniciativa do Governo Federal. Partindo de um breve histórico da moradia na
cidade, discutimos as novas e as velhas práticas dos agentes fomentadas pelos recursos
provenientes do pacote habitacional, que, por um lado, visa o acesso à moradia às
parcelas de menor rendimento, mas, em contrapartida, destina grande parte desses
recursos para o financiamento de moradias produzidas pelo mercado para segmentos de
renda média. Dessa forma, apresentamos a localização dos diferentes empreendimentos
na cidade, confrontando tal informação com a espacialização dos preços médios de
terrenos e também da renda média dos chefes de família.
Palavras-chave: política habitacional; Programa Minha Casa Minha Vida; Londrina.
1. Introdução
A problemática habitacional no Brasil, no que diz respeito à produção, à oferta e ao
acesso à moradia, tornou-se mais complexa conforme se expandia o processo de
urbanização, particularmente na segunda metade do século XX. São muitos os fatores
que contribuiram para tal contexto, no qual podemos elencar o crescente aumento no
número de pessoas habitando nas cidades, as mudanças nas estruturas dessas cidades e
na divisão territorial do trabalho, entre tantos outros. Porém, baseando-nos em
Rodrigues (2007), partimos do pressuposto que a produção da cidade sob o capitalismo
sintetiza a complexidade do acesso à moradia em nossas cidades, por se tratar de uma
mercadoria na qual confluem diferentes agentes e interesses, limitando, dessa forma, tal
direito à parcela de citadinos que pode arcar com o seu elevado custo.
Em que pese a questão da moradia ser um problema em cidades localizadas do norte ao
sul do país, sempre cabem particularidades a cada cidade e a cada formação
socioespacial, no que concerne ao papel dos agentes e as lógicas empreendidas ao longo
da história. Em Londrina, cidade média de grande importância na rede urbana do norte
do Estado do Paraná, aspectos vinculados ao seu processo de formação no segundo
quartel do século XX reverberam até os dias de hoje, particularmente no que diz
respeito à centralidade dos negócios fundiários na produção do espaço da cidade,
29
Doutorando em Geografia pela Unesp, campus de Presidente Prudente. Membro do Gasperr e da
Recime. Email: [email protected]
111
conforme discutimos em trabalho anterior (ALCANTARA, 2013), baseando-nos, entre
outros, nos estudos de Fresca (2002), Ribeiro (2002 e 2006) e Amorim (2011). A
crescente importância do imobiliário, que não se restringe mais a um sistema de
produção mercantil local, enaltece o caráter privado da terra na cidade, tornando-a mais
disputada e de difícil acesso, e mais complexas as estratégias de oferta de moradia para
a população que não dispõe de recursos suficientes para adquiri-la pelo mercado formal.
Diante da complexidade da questão da terra na cidade, a oferta de moradias para a
população mais vulnerável social e economicamente depende, na maioria das vezes, da
intervenção do Estado. Em Londrina, a exemplo de inúmeras cidades de porte
semelhante, as primeiras iniciativas de grande impacto no que se refere a produção
habitacional decorreram da política do governo militar, nas décadas de 1970 e 1980. O
Sistema BNH (Banco Nacional da Habitação) possibilitou a construção de milhares de
unidades habitacionais, além da atuação da própria Prefeitura Municipal, por meio da
Companhia de Habitação de Londrina (COHAB-LD), e do Governo do Estado do
Paraná, conforme discute Martins (2007). Enquanto principal intermediadora dos
recursos provenientes da esfera federal, a Cohab-LD foi a maior responsável pela
construção de mais de 25 mil moradias entre 1970 e 1992, sendo o ápice de tal período
a gestão do Prefeito Antônio Casemiro Belinati (1977-1982), na qual foram entregues
mais de 17 mil unidades. Em que pese a apropriação política da iniciativa federal pelo
gestor local na época, a quantidade de unidades habitacionais e a dimensão dos
conjuntos, que passaram a ser construídos concentrados na porção norte do território
londrinense, contribuíram para modificar profundamente a dinâmica da cidade.
Intrincado a uma estratégia que, além da postura “populista” do prefeito Antônio
Belinati, agregava também interesses fundiários e imobiliários, a partir do final dos anos
1970 deu-se início um processo de concentração de novos conjuntos habitacionais na
zona norte da cidade, consideravelmente distantes do Centro Principal. Entre a área dos
novos bairros populares e o Centro permaneceu um imenso vazio por vários anos,
reforçando os interesses privados no que se refere a manutenção da terra sem uso para
valorização. Beidack (2009) discorre acerca da produção do espaço na cidade de
Londrina, enfatizando as transformações verificadas na área que ficou conhecida como
“Cincão” – referência aos cinco primeiros grandes conjuntos habitacionais construídos –
ao longo das últimas décadas do século XX. Certamente, a segregação imposta àqueles
que passaram a residir nesses conjuntos habitacionais foi ressignificada ao longo do
tempo, melhorando-se expressivamente a infraestrutura em boa parte da área e
consolidando-se um subcentro na principal avenida da zona norte. Porém, as formas
como os agentes atuaram no distanciamento dos mais pobres, que, além da zona norte,
residiam também em boa parte das zonas oeste e leste e no extremo da zona sul, são
emblemáticas para pensarmos o processo de produção do espaço urbano em Londrina e
a problemática questão da moradia. Atualmente, tal padrão de diferenciação das áreas é
relativamente reforçado, inclusive com uma concentração cada vez mais expressiva dos
mais ricos entre o Centro Principal e o eixo sudoeste da cidade.
Conforme discutimos, grandes mudanças foram observadas em Londrina por meio da
política habitacional instituída pelo Governo Militar nas décadas de 1970 e 1980. No
112
presente momento histórico, vivenciamos lógicas ainda mais complexas na produção da
cidade, nas quais devemos considerar a mais recente iniciativa voltada ao provimento de
habitações pela União: o Programa Minha Casa Minha Vida, do qual trataremos na
sequência.
2. O PMCMV: agentes, mudanças e permanências
Após um hiato de mais de duas décadas de abandono da causa habitacional a nível
federal, salvo por ações pontuais que não chegaram a provocar mudanças estruturais
(BONDUKI, 2008), foi lançado, em 2009, um novo pacote habitacional de proporções
gigantescas, que, somado à fase lançada posteriormente, já construiu mais de dois
milhões de moradias em várias cidades de todo o país: o Programa Minha Casa Minha
Vida - idealizado no final do governo Lula e mantido pela atual gestão da presidenta
Dilma. De acordo com Fix (2011), o programa foi pensado como uma resposta à crise
internacional, iniciada em 2008, tendo como objetivo uma política econômica
anticíclica que movimentasse o setor da construção civil, um dos mais importantes do
país, produzindo casas e gerando empregos, além do fomento a uma enorme cadeia de
produção e consumo de bens duráveis, também incentivado pela União, através do
crédito30.
Rodrigues (2011), num exercício de pensar a política urbana no decorrer das duas
gestões do Presidente Lula, enfatiza a dimensão mercadológica do Programa Minha
Casa Minha Vida e as possibilidades e limitações do pacote habitacional, que, apesar de
buscar sanar parcialmente o déficit habitacional no país, não possui mecanismos para
possibilitar uma maior democratização no acesso à terra urbana nas cidades brasileiras.
Tese também defendida por Maricato (2009). O jogo de interesses entre Estado, capital
e sociedade foi também foco de análise de Bastos (2011), que debate a luta por direitos,
que não se restringem à propriedade da habitação, mas se estendem ao acesso à cidade
como um todo.
A dimensão financeira e macroestrutural na qual se insere o PMCMV é privilegiada por
vários estudos, que buscam compreender as lógicas e o contexto mais amplo no qual foi
formulado o programa. No cenário da crise desencadeada a partir de 2008, o mercado
financeiro global sofreu um cataclismo sem precedentes, impactando diretamente
diversos setores da economia e a sociedade como um todo - obviamente de forma
diferencial entre os diversos países, conforme debatido por Harvey (2011). Nesse
contexto, o governo brasileiro, para absorver os impactos da crise, investiu maciçamente
na ampliação da infraestrutura e na construção de moradias, como forma de manter
elevado o estímulo à construção civil, tal como argumentam Shimbo (2010), Fix (2011),
Santos (2013) e Sanfelici (2013).
A expansão dos negócios imobiliários e fundiários e o exacerbado crescimento das
incorporadoras no Brasil, particularmente na última década, foram movimentos
percebidos por Fix (2011) e Sanfelici (2013). A primeira autora se lança num esforço de
30
Sobre o assunto, ver Catelan e Bastazini (2014).
113
pensar a gênese das grandes incorporadoras que atuam no território nacional, bem como
seu processo de financeirização e crescente expansão no período recente. Estabelece um
paralelo entre a dinâmica imobiliária-financeira no Brasil com o cenário de profunda
crise nos Estados Unidos, considerando as diferenças em termos de mercado e finanças
e as características da urbanização estadunidense e brasileira.
O pacote habitacional do PMCMV comparece no debate de Fix (2011), por um lado,
associado à expansão das incorporadoras que já mantinham um histórico de atuação
voltado ao “segmento econômico” alvo do Programa, como MRV e Rodobens e, por
outro, àquelas que se lançaram ao desafio de ampliar sua atuação, motivadas pelos
recursos disponibilizados pelo Programa. Merece destaque o caso paradigmático (de
globalização do capital imobiliário) da Homex, incorporadora mexicana com tradição
no provimento de moradias para os segmentos de médio-baixo poder aquisitivo no
México, que passou a atuar no Brasil a partir de 2009, também motivada pelo pacote
habitacional. A autora discorre ainda acerca das mudanças e permanências na política
habitacional brasileira, reiterando uma crítica realizada outrora (FIX e ARANTES,
2009) sobre as limitações no acesso à moradia digna por parte daqueles que compõe a
esmagadora maioria do déficit habitacional no país.
De forma semelhante, Sanfelici (2013) se concentra em refletir sobre o crescente
processo de financeirização do mercado imobiliário no Brasil e o quanto tal movimento
do capital reforça o problema habitacional nas metrópoles brasileiras, ao considerar as
péssimas condições de vida de milhões de seus habitantes. O PMCMV, na perspectiva
do autor, vem alimentar o boom imobiliário, iniciado na última década, propiciando o
aumento das receitas das incorporadoras e, concomitantemente, elevando o preço da
terra urbana. O autor ressalta, relembrando o histórico de atuação do Sistema BNH, a
retomada do problema do encarecimento dos terrenos nas cidades e o maior
direcionamento dos recursos para o financiamento de moradias para as classes médias.
Segundo Sanfelici (2013), o anúncio do PMCMV reforçou e acelerou a prática de
aquisição de grandes bancos de terras em cidades de todo o território nacional, por parte
das grandes incorporadoras cientes de que os preços viriam a subir no decorrer da sua
implementação.
Shimbo (2010) também elege a associação entre agentes incorporadores e financeiros
para pensar as mudanças na produção do espaço urbano das cidades brasileiras. Em sua
tese, a autora discorre sobre o processo de aproximação entre Estado e capitais
incorporadores na oferta de moradias “populares” (via crédito subsidiado), resultando
na concepção de uma “habitação social de mercado”. Para além da complexa lógica de
aproximação do imobiliário com o financeiro, a autora destaca ainda a crescente
expansão geográfica das incorporadoras sobre cidades médias em todas as grandes
regiões brasileiras, com repercussões no processo de urbanização do interior do país,
conforme discutido também em outros dois textos (SHIMBO, 2009; 2011) e por Fix
(2011).
São muitos os fatores apresentados pelas autoras como hipóteses para tal movimento.
Todavia, é Melazzo (2013) quem oferece uma série de dados e resultados de pesquisa
que subsidiam seus argumentos, que, de um modo geral, estão associados a expansão do
114
consumo nessas cidades e as maiores possibilidades de atuação das incorporadoras,
devido aos mais baixos preços de terrenos praticados nas cidades médias, em
comparação com as metrópoles. Segundo Melazzo (2013), é justamente nas cidades
médias, além da periferia das metrópoles, que se concentra boa parte dos bancos de
terras de grandes incorporadoras. O PMCMV, portanto, tende a alimentar esse processo,
ao incrementar, sobremaneira, o montante de crédito imobiliário apropriado,
principalmente, pelas incorporadoras inseridas no movimento supracitado.
No que tange especificamente à realidade das cidades médias, estudos de diferentes
abordagens têm revelado o proeminente impacto do PMCMV nos processos de
reestruturação urbana e ampliação das desigualdades socioespaciais, que culminam,
muitas vezes, num aprofundamento da segregação espacial. Conforme discutido
anteriormente, o montante de recursos destinados pelo Programa tem possibilitado a
construção maciça de unidades residenciais em diferentes áreas das cidades, mas
particularmente concentradas nas extremidades periféricas de seus tecidos urbanos,
permitindo, inclusive, um extraordinário aumento do estoque imobiliário.
Em trabalho anterior (ALCANTARA, 2013), ao tratarmos dos processos de
diferenciação de áreas e de seletividade espacial em Londrina (PR), São José do Rio
Preto (SP) e Uberlândia (MG), discutimos também o papel do PMCMV, verificando
uma profunda diferença entre a localização dos empreendimentos voltados para os
públicos de Faixa 2 e 3 (acima de 3 e até 10 salários mínimos) e aqueles direcionados
para a Faixa 1 (até 3 salários mínimos). Abreu (2014), ao trabalhar com a dinâmica dos
preços imobiliários e o papel dos agentes nas cidades de Londrina e Ribeirão Preto (SP),
também reforça tal constatação. Neste sentido, levamo-nos a pensar que o PMCMV está
propiciando um maior acesso a moradia para muitas pessoas (ao menos nas cidades
médias), mas, ao mesmo tempo, pode também estar reforçando as desigualdades
socioespaciais, pois, se dentre os empreendimentos da Faixa 2 e 3 há uma melhor
inserção urbana (acessibilidade às áreas centrais e aos serviços em geral), no que tange
aos conjuntos habitacionais da Faixa 1 essa inserção é, em geral, muito comprometida.
Pretendemos, dessa forma, apresentar na seção seguinte alguns indícios que nos ajudem
a refletir melhor sobre tal constatação.
3. A espacialização do PMCMV em Londrina
Desde 2009, quando foi lançado o Programa Minha Casa Minha Vida, vários
empreendimentos foram aprovados e construídos na cidade de Londrina. Nas duas
primeiras fases do programa, milhares de unidades habitacionais somaram-se ao estoque
imobiliário da cidade, aumentando-o consideravelmente em relação ao período anterior.
Na Tabela 1, podemos verificar a relação desses empreendimentos, com algumas
informações sobre cada um.
Tabela 1 – Relação dos empreendimentos aprovados pelo PMCMV entre 2009 e 2012.
Empreendimento
Faixa UH* Tipologia Construtora
Conj. Hab. Cristal 1
1
32
Apto
Sial Construções
115
Conj. Hab. Cristal 2
1
48
Apto
Jardim Columbia I
1
21
Casa
Jardim Nova Esperança 1
1
100
Casa
Jardim Nova Esperança 2
1
50
Casa
Jardim Nova Esperança 3
1
61
Casa
Residencial Ana Terra
1
85
Casa
Residencial Elizabeth
1
32
Casa
Residencial Maravilha
1
60
Casa
Residencial Vista Bela 1
1
305
Casa
Residencial Vista Bela 2
1
208
Apto
Residencial Vista Bela 3
1
208
Apto
Residencial Vista Bela 4
1
431
Casa
Residencial Vista Bela 5
1
224
Apto
Residencial Vista Bela 6
1
536
Casa
Residencial Vista Bela 7
1
144
Apto
Residencial Vista Bela 8
1
224
Apto
Residencial Vista Bela 9
1
224
Apto
Residencial Vista Bela 10
1
208
Apto
Cond. Terra Nova Londrina 1
2
298
Casa
Moradas Londrina – Módulo 1
2
225
Casa
Moradas Londrina – Móculo 2
2
168
Casa
Residencial Luci Della Vitta
2
64
Apto
Residencial Marajoara 3
2
55
Apto
Res. Solar dos Tucanos
2
96
Apto
Res. Spazio Le Mont
2
152
Apto
Res. Spazio Le Parc 1
2
256
Apto
Res. Spazio Le Parc 2
2
224
Apto
Res. Spazio Lotus 1
2
288
Apto
Res. Spazio Lotus 2
2
256
Apto
Res. Vila das Azaleias
2
208
Apto
Res. Vila das Cerejeiras
2
176
Apto
Res. Vila dos Ipês
2
256
Apto
Cond. Res. Spazio La Ville
3
160
Apto
Cond. Res. Spazio Las Vegas
3
120
Apto
Cond. Res. Spazio Libertá
3
166
Apto
Cond. Res. Spazio Lumiére
3
79
Apto
Cond. Res. Spazio La Fenice
3
160
Apto
Res. Marco dos Pioneiros
3
168
Apto
Fonte: Ministério das Cidades. *Unidades Habitacionais.
Sial Construções
Bonora & Costa
Bonora & Costa
Bonora & Costa
Bonora & Costa
Bonora & Costa
Bonora & Costa
Sial Construções
Artenge
Artenge
Artenge
Terra Nova
Terra Nova
Protenge
Protenge
Protenge
Artenge
Terra Nova
Rodobens
Rodobens
Rodobens
Laff
Terra Nova
Almanary
MRV
MRV
MRV
MRV
MRV
Yticon
Yticon
Yticon
MRV
MRV
MRV
MVR
MRV
Yticon
Numa primeira leitura sobre os dados representados na Tabela 1, ressalta-se a
quantidade de empreendimentos voltados à Faixa 1, bem como o número de unidades
habitacionais construídas nesses empreendimentos, 3201 no total, entre casas e
apartamentos. Só o Residencial Vista Bela, que na tabela aparece dividido em dez
empreendimentos, totaliza 2712 unidades habitacionais de acordo com a base de dados
disponibilizada pelo MCidades. Tal fracionamento diz respeito a uma estratégia
encontrada pelas construtoras para burlarem a limitação de UH colocada pela Caixa
116
Econômica Federal para cada empreendimento. No entanto, não há uma divisão visível
entre cada um dos empreendimentos aprovados, resultando num imenso conjunto
habitacional, conforme verificado em trabalho de campo realizado em dezembro de
2014. Várias construtoras foram responsáveis pela construção dos empreendimentos
Faixa 1, inclusive o Vista Bela, que foi empreendido pela Artenge e pela Protenge, de
capital local, e pela Terra Nova, do Estado de Minas Gerais.
No que diz respeito aos empreendimentos Faixa 2 e Faixa 3, há também uma expressiva
quantidade de unidades habitacionais construídas, principalmente do primeiro grupo,
que totaliza 2722, enquanto a soma do segundo é de um total de 853. Destacam-se,
nessas faixas, os empreendimentos lançados pela MRV Engenharia, empresa de capital
aberto considerada líder no “segmento econômico”, seguido pela Yticon, de capital
local, e a Rodobens, também de alcance nacional e capital aberto na bolsa, única
empresa a lançar empreendimentos horizontais para a Faixa 2. A predominância de
apartamentos, que, à exceção dos condomínios construídos pela Rodobens,
compreendem a totalidade dos empreendimentos Faixa 2 e Faixa 3, denota a predileção
das incorporadoras em consonância com o histórico de expressividade da verticalização
na cidade, ou seja, é um tipo de produto aparentemente bem aceito pelo público que
adquire esses imóveis. Mas, para além disso, expressa a estratégia das incorporadoras
em aproveitar ao máximo seus bancos de terras em localizações vantajosas, sendo que,
no caso da Rodobens, os condomínios Terra Nova e Moradas estão localizados nos
limites da malha urbana, na zona norte.
No Mapa 1, podemos observar a localização dos empreendimentos do PMCMV por
faixa.
Mapa 1 – Localização dos empreendimentos do PMCMV em Londrina.
117
118
A distribuição dos empreendimentos do PMCMV, ao observarmos o Mapa 1, revela
indícios de uma lógica bastante antiga na forma de se produzir cidades no Brasil. A
diferença de posição entre os polígonos que representam as Faixas 1, 2 e 3 denota a
permanência da histórica prática de orientar políticas habitacionais de acordo com a
dinâmica do mercado imobiliário. Em Londrina, tal como tem sido observado em
muitas outras cidades, a maior parte dos empreendimentos voltados ao público da Faixa
1 (1 a 3 s.m.) foram construídos em áreas localizadas nos limites da malha urbana
consolidada, em muitos casos carentes de boa infraestrutura e serviços públicos básicos.
O caso do Residencial Vista Bela é emblemático no que tange à continuidade da prática
de construção de conjuntos habitacionais de grandes proporções, que, como já se fazia
nos tempos do BNH, permanecem inseridos em localizações consideravelmente
distantes das áreas centrais da cidade. Conforme foi possível observar em trabalho de
campo realizado no mês de dezembro de 2014, em que pese uma significativa presença
de estabelecimentos comerciais no bairro, faltavam ainda escolas dos diferentes níveis
de ensino e uma unidade básica de saúde, que, apesar de já estarem em processo de
solicitação e/ou construção, virão a atender uma população que depende desses serviços
desde 2011. Outros empreendimentos da Faixa 1 estão localizados na zona norte e nos
extremos da zona sul, áreas estas já historicamente ocupadas por segmentos de renda
mais baixa.
No que se refere aos empreendimentos Faixa 2 e Faixa 3, o padrão de localização é
consideravelmente diferente, menos distantes das áreas centrais e com melhor
acessibilidade, conforme observado em campo. As empresas MRV e Yticon,
responsáveis pela maior parte dos empreendimentos dessas faixas, possuem práticas de
manutenção de banco de terras na cidade, o que ajuda a explicar a melhor posição de
seus condomínios de apartamentos em relação aos demais empreendimentos. Em
trabalhos de campo realizados em fevereiro de 2012 e janeiro de 2013, observamos que
há empreendimentos das duas empresas localizados, por exemplo, próximos a shopping
centers construídos nos últimos anos, que é o caso do “Spazio Le Mont”, da MRV,
próximo ao Londrina Norte Shopping, e o “Marco dos Pioneiros”, da Yticon, construído
nas imediações do Boulevard Londrina Shopping. A estratégia da Rodobens se mostra
diferente, pois a localização dos condomínios Terra Nova e Moradas na Gleba
Jacutinga, extremo norte da cidade, é relativamente compensada pelas “amenidades”
ofertadas em termos de lazer e segurança, sem contar o fácil acesso via automóvel à
Avenida Saul Elkind e demais áreas da cidade por meio da Rodovia Carlos João Strass.
Tal estratégia de localização em áreas periféricas, acessíveis por veículo particular,
repete-se em outras cidades nas quais a incorporadora atua, como São José do Rio Preto
e Uberlândia (ALCANTARA, 2013).
Na sequência do texto ilustramos, por meio do Mapa 2, os preços médios de terrenos
por bairro para o ano de 2010 em Londrina. Para a confecção do mapa utilizamos um
bando de dados de anúncios de classificados publicados no jornal Folha de Londrina, no
qual extraímos informações referentes ao preço e ao tamanho de cada imóvel
anunciado. Os dados foram representados por meio de um índice: a relação entre o
preço médio do m² de cada bairro e o preço médio do m² da cidade.
119
Mapa 2 – Índice de preços médios do m² de terrenos em Londrina – 2010.
Na relação entre os preços médios de cada bairro e o preço médio do m² de terrenos na
cidade, visualizamos com bastante clareza a proeminência do Centro e de bairros
próximos nos sentidos sudeste e sudoeste no que tange às maiores diferenças positivas.
Anteriormente (ALCANTARA, 2013), discutimos como a inércia espacial constituída
se expressa por meio da permanência da área central enquanto a mais valorizada da
cidade, ressalvando-se, todavia, o movimento de valorização no eixo sudoeste,
principalmente, onde estão localizadas as áreas mais comercializadas pelo mercado
imobiliário nas últimas duas décadas. As “bordas da cidade”, particularmente a norte e
oeste, em que pesem todas as transformações recentes quanto sua morfologia e uso,
continuam com as piores diferenças em relação a média da cidade, o que não quer dizer,
certamente, que estão desvalorizadas ou em processo de desvalorização. Muito pelo
contrário, pois a expansão dos investimentos imobiliários na cidade tem provocado
profundas mudanças em diferentes áreas, cada vez mais interligadas aos mais diferentes
tipos de comércio e serviços, ainda que sua acessibilidade se dê prioritariamente por
meio de veículo particular. Nesse exercício de ilustrar as diferenças em relação à média
de preços da cidade, queremos explicitar a diferenciação produzida historicamente entre
os bairros através dos agentes, que não permite uma percepção imediata no que se refere
as mudanças empreendidas.
No confronto entre as informações representadas nos Mapas 1 e 2, percebemos que as
localizações dos empreendimentos das Faixas 2 e 3 correspondem, em certa medida, às
120
áreas mais valorizadas da cidade, principalmente os imóveis da Faixa 3, todos eles
condomínios de apartamentos, incorporados pela MRV e pela Yticon. Os
empreendimentos da Faixa 1 estão, todos, circunscritos às localizações representadas
pela classe mais baixa do Mapa 2, ou seja, que possuem a menor diferença de preço
médio do m² de terrenos em relação a média da cidade.
Nos mapas 3 e 4, representamos os rendimentos médios dos chefes de família por
setores censitários na cidade de Londrina.
Mapa 3 – Chefes de família com rendimento até 2 salários mínimos em Londrina –
2000 e 2010.
121
Mapa 4 – Chefes de família com rendimento superior a 20 salários mínimos em
Londrina – 2000 e 2010.
Analisando os Mapas 3 e 4, percebemos, por meio dos dados de rendimentos divulgados
pelos Censos Demográficos do IBGE, as áreas onde residem as famílias mais “carentes”
e as mais “abastadas” financeiramente. Em consonância com os mapas anteriores, os
dados revelam uma certa concentração de chefes de família com rendimento médio até
2 salários mínimos nas extremidades da zona sul, enquanto nas zonas norte, leste e oeste
estão relativamente “pulverizados”, não havendo grandes diferenças entre as
informações divulgadas pelos dois Censos. No que se refere aos chefes com rendimento
médio superior a 20 salários mínimos, a concentração é bastante perceptível nas
representações de ambos os Censos, havendo, no entanto, um movimento de maior
concentração no sentido sudoeste, onde estão localizados muitos dos espaços
residenciais fechados destinados à classe média alta na cidade.
Os bairros localizados a sudoeste, no Mapa 2, já denotavam em 2010 uma relação
positiva em termos de preço do m² de terrenos, inseridos numa tendência de crescente
valorização, dada a centralidade que expressam para os agentes imobiliários. No Mapa
1, por sua vez, a grande presença de empreendimentos da Faixa 2 na zona norte dá
indícios da busca do mercado por consumidores que possuem rendimentos
consideravelmente menores, mas, devido à oferta de crédito subsidiado, podem acessar
uma localização que revela crescente centralidade. Os empreendimentos da Faixa 1, no
entanto, permanecem localizados em áreas menos valorizadas e onde já se concentram a
parcela mais pobre da população.
A relação entre os mapas expostos neste texto parece um tanto óbvia, mas, na verdade,
dá apenas indícios de uma prática de produção do espaço que perdura por quase um
122
século, desde a fundação da cidade. A conivência e suporte do poder público são
evidentes na forma como oferta a infraestrutura e cobra desigualmente os tributos
municipais, no caso o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), extremamente
defasado ao considerarmos a enorme valorização de áreas que até duas décadas
permaneciam praticamente vazias, como a Gleba Palhano31. Na articulação com outras
escalas do poder político, especialmente a federal, ressalta-se a permanência dessas
práticas nas formas como é conduzida a política habitacional financiada por meio do
PMCMV. Nascimento (2014), ao mapear os vazios urbanos em Londrina, revela
aspectos para pensarmos os interesses em jogo na produção da cidade, pois a
considerável concentração de áreas vazias bem servidas em termos de infraestrutura
provoca um desacordo quanto as localizações extremamente periféricas dos conjuntos
habitacionais da Faixa 1, mantendo segregada uma parcela da população. Essas pessoas
conseguem, através da política habitacional, acessar o direito básico a moradia,
melhorando substancialmente suas vidas. Porém, sua situação de marginalidade espacial
na cidade permanece, quando não piora, limitando a concessão plena de seu direito à
cidade como um todo.
4. Considerações finais
Ao longo do processo de urbanização no Brasil, conforme discutido no presente texto, a
questão da moradia emergiu com demasiada importância e complexidade, devido,
particularmente, ao caráter crescentemente privado da terra na cidade. O aumento da
pressão por habitação popular exigiu do Estado estratégias que viessem a contornar tais
demandas, promovendo, dessa forma, a proliferação da ideologia da casa própria, ou
seja, a necessidade de elevar ao status de proprietário uma parcela maior da população.
Foi a partir do governo militar, segundo Maricato (1997), que a questão do
financiamento à habitação ganhou maior centralidade, sendo então criado o Sistema
BNH, que apesar de ter expandido substancialmente a oferta de moradias, acabou por
direcionar muitos dos empreendimentos financiados para os segmentos de renda média,
permanecendo a população mais pobre preterida quanto ao acesso a moradia digna nas
cidades. Em Londrina, muitas famílias pobres conseguiram adquirir sua casa própria
nesse período, apesar dos inúmeros problemas contratuais e conflitos quanto aos
financiamentos, mas tantas outras permaneceram em favelas, ocupações em áreas de
risco ou mesmo em situação de coabitação.
Na atual política habitacional promovida pelo Governo Federal, como vem sendo
discutido por diferentes autores (RODRIGUES, 2011; SHIMBO, 2010; BONDUKI,
2009), existem, certamente, tentativas de se mitigar a demanda por moradia que aflige
ao menos sete milhões de famílias, mas problemas estruturais, como a questão da terra,
continuam intocados. Por outro lado, ao considerarmos as famílias que conseguem
acessar o programa e adquirir sua casa, a demanda por serviços públicos e
31
Conforme verificado junto à Prefeitura Municipal em trabalho de campo realizado em Londrina em
dezembro de 2014.
123
acessibilidade permanece, muitas vezes, sem atendimento, reiterando a necessidade de
uma melhor articulação entre as diferentes esferas da política pública. O atraso no
atendimento às necessidades básicas da população, que segundo a própria Constituição
Federal e leis complementares, são direitos, tornou-se prática comum em nossa
sociedade, que precisa, na maioria das vezes, mobilizar-se em prol da conquista ao
elementar direito à cidade.
Em Londrina, como vimos, os diferentes momentos da questão habitacional
repercutiram sobre a cidade de maneira diferenciada em relação às áreas e aos citadinos.
Por meio do PMCMV, novas e velhas práticas modificam a estrutura da cidade e o
cotidiano daqueles que vivem nela, em especial dos sujeitos que conquistam pela
primeira vez um imóvel. Apesar do volume de investimentos e a quantidade de
empreendimentos voltados às Faixas 2 e 3, em Londrina o número de unidades
habitacionais voltadas ao público da Faixa 1 é consideravelmente relevante, inclusive
com outros empreendimentos aprovados ou em fase de construção, conforme verificado
em campo realizado em dezembro de 2014. Todavia, o que nos propomos a refletir no
presente texto diz respeito ao histórico distanciamento entre o acesso à moradia e o
acesso à cidade como um todo, que, de acordo com os dados levantados e as
observações realizadas, nos parece ainda muito presente nas políticas públicas e nas
formas de se produzir cidade no país.
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126
DINÂMICAS IMOBILIÁRIAS NO ESPAÇO URBANO NAS
CIDADES QUE RECEBERAM OS CAMPI DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA (UFRB)
Elissandro Trindade de Santana32
RESUMO
O presente artigo busca compreender o processo de produção do espaço urbano
contemporâneo nas cidades do Recôncavo Baiano através da reestruturação urbana
pelas quais estas cidades têm passado com a expansão das Instituições de Ensino
Superior, especificamente com a instalação da Universidade Federal do Recôncavo
(UFRB). Estas cidades, ao receberem novos objetos geográficos passam por uma
reestruturação urbana e alteração na morfologia.
Palavras-chave: Universidade – Urbano – Cidade.
1. INTRODUÇÃO
Os estudos na Bahia sobre as universidades se concentram sobre as suas
dinâmicas regionais e na perspectiva do desenvolvimento econômico que elas poderiam
vir a proporcionar. Em outros trabalhos já publicados foram levantadas questões sobre a
influência que a universidade tem para a região em que está inserida. Neles é acentuado
como a UFRB vem se articulando no Recôncavo na perspectiva de um deslocamento de
estudantes e funcionários pelas cidades que compõem a região. Para Henrique:
Desde os anos de 1960, primeiramente na Europa e nos Estados
Unidos e, posteriormente, no Brasil, o Estado passa a
compreender a instalação de universidades e/ou campus de
instituições novas e/ou já existentes como uma estratégia de
desenvolvimento urbano e regional de áreas economicamente
deprimidas e/ou degradadas do ponto de vista da
morfologia/qualificação do espaço urbano. Assim, constamos
uma forte expansão das instituições de educação superior, a
maior parte delas públicas, para cidades médias e pequenas de
vários países. A compreensão do papel das universidades como
agentes da (re) estruturação urbana e das cidades torna-se
importante, tanto em razão do volume de recursos financeiros
movimentados quanto pela modificação de dinâmicas
intraurbanas (moradia, circulação, usos, etc.) e do cotidiano dos
moradores (HENRIQUE, 2011, p. 2).
32
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFBA. Membro do Grupo de
Pesquisa CiTePlan (Cidade, Território e Planejamento) – UFBA. Orientador: Dr. Wendel Henrique.
127
Baseado nessa perspectiva de Henrique (2011), o nosso propósito é analisar e
demonstrar como a UFRB tem provocado uma especulação imobiliária nas cidades em
que está presente. A dinâmica imobiliária e a expansão da oferta de moradias tem se
configurado como uma dificuldade resultante da falta de organização e planejamento da
UFRB em utilizar as verbas também no sentido de contemplar as residências
universitárias. Como apresentaremos a seguir, mais de 50% dos estudantes desta
universidade são oriundos de Salvador, Feira de Santana e outras cidades que não
compõem a região do Recôncavo, necessitando fixar residência nas cidades sede dos
campi.
128
Mapa
1
Perry e Wiewel (2005) afirmam, em seu artigo From Campus to City: The
University as Developer, que o impacto das universidades no desenvolvimento regional
vem sendo cada vez melhor compreendido pelos pesquisadores. Contudo o papel das
universidades no desenvolvimento imobiliário da cidade tem sido pouco compreendido
e até mesmo estudado. Os autores afirmam, ainda, que, em geral, as universidades estão
129
entre os maiores proprietários de terras e empregadores nas cidades onde se inserem,
além de gerar um grande número de consumidores de bens privados e serviços públicos.
Nesse sentido, as relações econômicas e também os conflitos políticos que as
universidades provocam nas cidades são complexos e tendem a gerar tensões no espaço
urbano, pois as demandas de quem utiliza a universidade não são apenas de ordem
acadêmica, mas envolvem questões práticas da vida urbana, tais como moradia,
alimentação, transporte, lazer, entre outras.
Além dessa questão institucional, a prática da especulação imobiliária, muito
utilizada nas grandes cidades, aqui é praticada aproveitando a presença de um
equipamento público que valoriza a cidade ou, pelo menos, os espaços mais próximos à
universidade.
2. A PRESENÇA DOS ESTUDANTES E DOS PROFESSORES
As cidades de Santo Antônio de Jesus, pela sua força política no território do
Recôncavo, e Cruz das Almas conseguiram atrair investimentos da UFRB através do
programa do governo federal, REUNI, com cursos que atraem um perfil de estudantes e
professores pesquisadores mais especializados. Com a UFRB, um novo perfil de
moradores tem se estabelecido na cidade: em média 300 estudantes com alto poder
aquisitivo chegam por ano à cidade. Este fato já tinha sido sinalizado por Henrique
(...) com considerável concentração de orçamento e dos cursos
em Santo Antônio de Jesus e Cruz das Almas, que no esboço da
rede urbana de 1959 eram apenas os municípios posicionados no
sétimo e nono lugar, respectivamente, considerados como
“centros locais” (HENRIQUE, 2009, p.116).
Em Santo Antônio de Jesus a oferta de ensino superior com a instalação da
UFRB, ao contrário da UNEB, será incorporada por populações oriundas de outras
localidades. A população local, em grande parte, não tem tido acesso aos cursos
oferecidos pela UFRB, o que se constitui numa grande contradição ao que foi previsto
pelo projeto do REUNI para a UFRB.
A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia nasceu da luta
da comunidade em prol da democratização do acesso ao ensino
superior na Bahia, marcado historicamente por uma oferta
restrita em relação às suas demandas. Criá-la por meio de um
processo de arregimentação comunitária faz dela uma Instituição
comprometida com a produção e difusão da ciência e da cultura,
além de ocupar lugar estratégico e redefinidor da matriz de
130
desenvolvimento socioeconômico e cultural do Recôncavo
(UFRB, 2005, s/p).
Dessa forma, as vagas oferecidas na universidade – bem como a ampliação do
mercado de trabalho, que requer formação técnica e intelectual decorrente da
universidade – estão sendo correspondidas por populações migrantes, dotadas de maior
disponibilidade econômica e que se deslocarão para as cidades apenas por causa da
universidade e com caráter temporário. Com a UFRB essas cidades sofrerão um
aumento em seu tamanho demográfico, visto que grande parte dos estudantes e
professores universitários está vindo de Salvador, de outras cidades baianas e até
mesmo de outros estados. Santos já abordava essas novas tendências das cidades
médias, as quais o autor denominava de cidades intermediárias:
As cidades intermediárias apresentam, cada vez mais, dimensões
bem maiores. Essas cidades médias são, cada vez mais, e isso
vem crescendo, uma casa do trabalho intelectual, o lugar onde se
obtém informações necessárias à atividade econômica. Serão,
por conseguinte, cidades que reclamarão cada vez mais por
trabalho qualificado (...) (SANTOS, 1994, p. 23).
Em outra obra, Santos e Silveira (2001) afirmam que o papel das cidades médias
na rede urbana brasileira é o de ser o lugar do trabalho intelectual, o local onde se obtém
informação necessária para a atividade econômica ligada à produção material, industrial
e agrícola.
De acordo com Corrêa
O desenvolvimento de novas funções urbanas, criadas por
grupos locais ou regionais ou por interesses extra-regionais,
suscita o aumento demográfico e a multiplicação de novas
atividades não-básicas ou das já existentes (2007, p. 24).
Em consequência disso, teremos a geração de problemas de exclusão
socioespacial. Os novos moradores, por possuírem maior poder aquisitivo, passarão a
aquecer o mercado local gerando um considerável efeito inflacionário nos preços. Esse
aquecimento também se dará no mercado imobiliário, fazendo com que haja o
crescimento de atividades especulativas que irão “expulsar” as populações locais e com
menor poder aquisitivo. Este fato gera, também, uma maior valorização das casas e
terrenos no entorno da UFRB, além do surgimento de novos serviços. Por isso,
Lefebvre afirma
A construção (privada ou pública) proporcionou e ainda
proporciona lucros superiores à média. A especulação não entra
nesse cálculo, mas superpõe-se a ele, nela e por ela, através de
131
uma mediação – o espaço – o dinheiro produz dinheiro (2008, p.
118).
Portanto, é necessário que se levem em consideração as implicações quando da
inserção de formas novas ou renovadas em um determinado espaço do qual essas
formas não sejam originárias. O caráter da estrutura urbana das cidades em questão não
pode ser esquecido, como as características de suas populações, as atividades
específicas que aí se desenvolvem.
Lembramos que no final do ano de 2011 os alunos da UFRB paralisaram as
aulas cobrando ações das autoridades competentes quanto à ampliação das vagas nas
residências universitárias, bem como melhoria nos serviços da universidade.
Não se busca, nesta reflexão, realizar uma crítica à expansão das Instituições de
Ensino Superior na Bahia, sobretudo nas cidades do interior. Porém nosso intuito busca
um caminho de pensar as consequências da presença de uma instituição federal desse
porte nestas cidades, visto que a estrutura da UFRB, principalmente no quesito
residências universitárias, deixa muito a desejar, o que leva os estudantes a procurarem
e terem apenas como opção o aluguel de imóveis para sua moradia.
Santos destacou o papel que as universidades exercem em cidades pequenas e
médias referente à criação de novos serviços e consumo dirigido, além da dinamização
no mercado imobiliário da cidade devido ao fluxo de professores, funcionários e
estudantes. Para o autor, “todas as obras governamentais relacionadas com os serviços
públicos da cidade nela estimulam, indiretamente, novas criações” (SANTOS, 2008, p.
112). O autor cita alguns exemplos em Guadalajara, no México, quando foi instalada
uma universidade que provocou um deslocamento de estudantes e das suas famílias para
a cidade gerando um aumento de investimentos na construção civil.
A instalação desses novos objetos é dotada de conteúdo e finalidade. As formas,
na atualidade, são providas de força para criar ou determinar relacionamentos e, como
afirma Santos: “As coisas adquiriram um tipo de poder que nunca haviam possuído
anteriormente” (2003, p. 188).
O que há de novo no processo de especulação imobiliária após a chegada da
UFRB e que estamos denominando de reestruturação urbana é a localização desses
novos processos na cidade, que agora não se restringem mais ao centro da cidade, mas
avançam sobre áreas periféricas, que antes eram consideradas de população de baixa
renda, e que, devido à instalação de novas formas-conteúdo, são valorizadas. O aumento
do valor da terra e das construções nestas áreas urbanas periféricas é muito marcante nas
132
cidades de Santo Antônio de Jesus e Cruz das Almas. Esta nova relação centro e
periferia também é uma vinculação e um indicativo da presença dos novos processos de
urbanização contemporânea.
Segundo dados da Pró-Reitoria de Assistência Estudantil e da Pró- Reitoria de
Graduação da UFRB, no ano de 2010, dos 9.991 matriculados na universidade, 53%
eram oriundos de Salvador, Feira de Santana e outras cidades da Bahia, que não
compõem o que se denomina, atualmente, como Recôncavo; 5% dos estudantes eram de
outros estados do Brasil. Logo, esses dados indicam um crescimento da demanda por
moradia que vem atingindo as cidades que possuem um campus da UFRB.
Quadro 1. ORIGEM DOS ESTUDANTES DA UFRB
ORIGEM
PERCENTUAL
Salvador e Feira de Santana
30%
Cidades Sede da UFRB
26%
Outras cidades da Bahia
23%
Cidades do Recôncavo
15%
Cidades de outros Estados
5%
Fonte: Propae, 2010
Fonte: Relatório Anual da UFRB, 2010.
Diante do crescimento que se pode observar no número de alunos matriculados,
nota-se que a demanda por imóveis no mercado locacional tenderá a aumentar
consideravelmente nos próximos anos. Apesar de 15% da população estudantil do
UFRB serem provenientes das cidades do Recôncavo, durante as pesquisas se verificou
é que boa parte desses estudantes estabeleceu moradia nas cidades sedes da
universidade.
133
Além dessa demanda estudantil, não podemos deixar de considerar a presença
dos professores, que também fazem parte da demanda que a comunidade universitária
exerce no mercado imobiliário, seja através da compra de imóveis, seja pelo aluguel em
determinados dias da semana ou mensal. Destacamos que muitos professores não têm
residência fixa nas cidades sede dos campi.
Quadro 2. PROFESSORES DA UFRB
CENTRO Graduação Especialização
Mestrado
Doutorado
Total de
Docentes
100
51
49
CAHL –
Cachoeira
29
100
131
CCAAB – 02
Cruz das
Almas
05
68
26
101
CCS
– 02
Santo
Antônio
de Jesus
40
33
76
CETEC – 03
Cruz das
Almas
02
71
28
101
CFP
–
Amargosa
TOTAL
07
07
259
236
509
Fonte: Relatório Anual da UFRB, 2010.
Em 2010, segundo dados da Pró-Reitoria de Graduação, a universidade contava
com um total de 509 professores distribuídos pelos seus quatro campi, sendo que a
maioria deles, cerca de 97%, com mestrado e/ou doutorado, o que nos leva a concordar
com a ideia apresentada pela autora acima, segundo o edital do último concurso para o
provimento de cargos da UFRB, os salários dos professores variam entre R$ 4.651,58
(professor Assistente) e R$ 7.333,66 (professor Adjunto). De fato, cada vez mais as
cidades sede de um campus universitário, além de produzirem conhecimento científico,
tornam-se cada vez mais espaços de moradia de um segmento com maior poder
aquisitivo (neste caso, os professores). Já os funcionários do quadro técnicoadministrativo, segundo o edital do concurso público, aberto em fevereiro de 2012,
possuem salário inicial de R$ 1.821,33 (cargo de nível médio) e os que possuem nível
superior têm um salário inicial de R$ 2.989,33.
134
Se considerarmos a realidade da população em geral, segundo dados do IBGE
(2010), a renda média da população em Cruz das Almas é de R$ 541,45; em Santo
Antônio de Jesus chega a R$ 538,60; e em Cachoeira é de R$ 414,07. A presença desse
novo grupo social, sobretudo os professores, destoa da renda média da população destas
cidades de uma forma geral.
Sposito já havia atentado para a presença de novos segmentos sociais com uma
maior remuneração nas cidades médias.
O aumento do mercado de trabalho para aqueles que têm melhor
formação intelectual e profissional significa, para essas cidades,
uma ampliação da capacidade de consumo em seu mercado,
nesse caso definido na escala local, tendo em vista que são,
agora, lugar de moradia de segmentos socioeconômicos de
maior poder aquisitivo (SPOSITO, 2006, p. 630-631).
O valor médio gasto em sua manutenção nestas cidades é de R$ 500,00 mensais
aproximadamente, o que supera a renda média da população de Cachoeira e se aproxima
bastante das outras cidades citadas. Estes dados referentes aos gastos dos estudantes
foram levantados em nossas pesquisas de campo entre 2009 e 2011.
Outro ponto que merece destaque é o aumento do número das denominadas “lan
house” nas cidades, sendo este um dos serviços mais utilizados pelos estudantes da
UFRB, juntamente com os mercadinhos. As “lan house” são procuradas com diversas
finalidades, entre as quais conversar com familiares e amigos que ficaram na cidade de
origem dos estudantes de fora, mas a principal função desses espaços para os estudantes
é a realização de trabalhos da própria universidade, impressão, cópias, encadernação e a
compra de objetos de pequeno porte, tais como canetas, lápis, cadernos. Na realidade, o
que observamos em nossas pesquisas é que os proprietários destes negócios, não
grandes empreendedores tampouco esses comércios, em geral, oferecem uma boa
infraestrutura. Os proprietários são pequenos comerciantes que têm aproveitado a
presença dos estudantes para conseguir algum lucro com esta atividade.
3. NOVAS DINÂMICAS
RECÔNCAVO
NA
ECONOMIA
DAS
CIDADES
DO
A implantação dos campi UFRB nestas cidades (Santo Antônio de Jesus,
Cachoeira e Cruz das Almas) teve como uma das consequências mais imediatas a
construção ou refuncionalização de novos objetos geográficos e o desenvolvimento de
novas ações no entorno da universidade. Com a instalação da UFRB tem-se registrado
135
uma grande ação especulativa no solo urbano e nos imóveis localizados próximos aos
campi. É importante ressaltar que estas ações especulativas não são praticadas somente
pelos incorporadores ou grandes proprietários de terrenos ou imóveis, mas têm sido uma
prática também da própria população local. Os preços das casas para venda e aluguel,
segundo os próprios moradores das cidades, têm aumentado consideravelmente, se
comparados ao passado recente, além da construção de pensionatos para atender aos
estudantes que se deslocam para as cidades por causa da UFRB, algumas casas
inclusive vêm sendo transformadas em pensionatos e os proprietários das casas têm
dividido parte da sua casa junto com os estudantes, conforme a Foto 1. Santos entende
que a especulação imobiliária
(...) deriva, em última análise, da conjugação de dois
movimentos convergentes: a superposição de um sítio social ao
sítio natural e a disputa entre as atividades e pessoas por uma
dada localização. Criam-se sítios sociais, uma vez que o
funcionamento da sociedade urbana transforma seletivamente os
lugares, afeiçoando-se às suas exigências funcionais. É assim
que certos pontos se tornam mais acessíveis, certas artérias mais
atrativas e, também, uns e outros, mais valorizados. Por isso são
atividades mais dinâmicas que se instalam nessas áreas
privilegiadas; quanto aos lugares de residência, a lógica é a
mesma, com as pessoas de maiores recursos buscando alojar-se
onde lhes pareça mais conveniente, segundo os cânones de cada
época, o que também inclui a moda. É desse modo que as
diversas parcelas da cidade ganham ou perdem valor ao longo
do tempo (SANTOS, 1993, p. 96).
Foto 1. PENSIONATO EM CRUZ DAS ALMAS
136
Casa próxima ao campus da UFRB em Cruz das Almas: o andar superior foi
transformado em um pensionato. (Fonte: Elissandro de Santana, maio de 2011.
Trabalho de Campo).
O valor do aluguel de uma casa gira em torno de R$ 300,00 a R$ 500,00, em média,
nas cidades de Santo Antônio de Jesus e Cruz das Almas. Em Cachoeira esse valor
chega a dobrar para algumas moradias, já que, além da UFRB, toda a cidade passa por
um processo de valorização imobiliária com a ação do projeto Monumenta33. Numa
hospedaria que verificamos em um dos trabalhos de campo, como é possível observar
nas fotografias 2 e 3, o quarto mais barato chega a custar R$ 650,00 mensais, enquanto
que o mais caro custa R$ 1.600,00. Lembrando, também, que a preferência do aluguel
do imóvel é sempre para os estudantes da UFRB. Nesses imóveis na cidade de
Cachoeira os valores pagos incluem serviços como lavanderia, internet banda larga,
computador, televisão a cabo e o café da manhã.
33
Segundo o sítio na internet do Ministério da Cultura, este programa “atua em
cidades históricas protegidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Sua proposta é de agir de forma integrada em cada um desses locais, promovendo obras de
restauração e recuperação dos bens tombados e edificações localizadas nas áreas de projeto”.
Duas pesquisadoras do grupo CiTePlan – UFBA, Celestino (2011) e Bittencourt (2011), estão
problematizando o Programa Monumenta em suas pesquisas, por isso não aprofundaremos
essas questões neste momento, além de não ser o objetivo dessa pesquisa.
137
Foto 2. Propaganda de pensionato em Cachoeira
Cartaz com o valor dos aluguéis em Cachoeira
Foto 3. Pensionato em Cachoeira
Pensionato em Cachoeira para estudantes.
No que diz respeito à morfologia das cidades, notamos uma alteração, em
algumas delas, Santo Antônio de Jesus e Cruz das Almas, pois novos prédios são
138
instalados (UFRB, loteamentos fechados) e vão surgindo na paisagem urbana, segundo
Capel: “Os aspectos fundamentais do estudo geográfico da morfologia tem sido o plano,
os edifícios, os usos do solo e o estudo morfológico integrado das áreas concretas da
cidade” (2002, p. 22).
Foto 3. Campus de Cachoeira
Visão interna do Quarteirão Leite Alves. Trabalho de Campo (2011)
Os preços dos aluguéis dos imóveis foi uma reclamação constante nas
entrevistas e conversas com os estudantes, que foram considerados exorbitantes – não
seria melhor alto – pelos mesmos. Outra constatação foi a falta de infraestrutura das
casas e pensionatos alugados para esses estudantes. A foto a seguir ilustra um pouco as
condições das casas e que geram essas reclamações por parte da comunidade
universitária.
Foto 4. Casa que estava sendo alugada para estudantes, próxima à UFRB, pelo
valor de R$ 350,00 com 2/4
139
Trabalho de Campo
Os preços mensais variam entre R$ 300,00 e R$ 500,00 para as casas com 2 ou 3
quartos na cidade de Santo Antônio de Jesus, conforme a fotografia acima. Muitos
estudantes, quando chegaram à cidade, principalmente das primeiras turmas do período
de instalação dos cursos, alugavam as casas sozinhos e assumiam individualmente
outros custos relacionados à moradia. Entretanto, com a criação de vínculos entre os
estudantes decorrentes da sua permanência nos cursos, aumento do número de cursos e
alunos, muitos deles vindo das mesmas cidades, bem como pelo próprio interesse
financeiro, as moradias passaram a ser coletivas (repúblicas). O que os estudantes
destacaram como importante nessa convivência não foi apenas a diminuição nas
despesas com habitação e alimentação, mas, também, os vínculos afetivos e as novas
amizades estabelecidas, pois estão longe de suas famílias e só retornam para suas
cidades de origem nas férias ou em feriados prolongados.
Os moradores de Cruz das Almas também constatam o aumento significativo do
valor dos imóveis na cidade, conforme nossas pesquisas de campo.
Em geral, os estudantes procuram alugar casas ou quartos em pensionatos
próximos aos campi. No caso de Santo Antônio de Jesus e Cruz das Almas a
universidade está localizada distante das áreas centrais, o que corrobora este fato a
discussão que Lefebvre faz na sua obra Espaço e Política. Este autor afirma que o valor
de uso no consumo do espaço ainda permanece mesmo no sistema capitalista, mas a
tendência é a sua supressão pelo o valor de troca que é valorizado por diversos motivos,
entre os quais a distância e o tempo de deslocamento.
140
O comprador também adquire uma distância, a que vincula sua
habitação aos lugares: os centros (de comércio, de lazeres, de
cultura, de trabalho, de decisão) (…) (LEFEBVRE, 2008, p.
128).
O espaço envolve o tempo. Por mais que se ignore, ele não se
deixa reduzir. É um tempo social que é produzido e reproduzido através do espaço (LEFEBVRE, 2008, 129).
Os estudantes que não conseguem alugar casas ou quartos próximos à UFRB
precisam pagar todos os dias pelos serviços de moto-táxi (meio de transporte muito
utilizado em Santo Antônio de Jesus, Cruz das Almas e Amargosa), cujos condutores
cobram um preço mais elevado pelo trajeto até a universidade. As cidades estudadas não
possuem sistema de transporte público coletivo. Aliás, este é um grande problema não
só para os estudantes, mas, também, para a população da cidade de Santo Antônio de
Jesus, que já possui quase 90.000 habitantes e não possui transporte público coletivo.
Sobre o processo de valorização do espaço, é importante destacar a localização
do campus da UFRB em Santo Antônio de Jesus. A cidade já possuía um campus
universitário da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), que se localiza próximo ao
centro.
Mapa 2. Planta da cidade de Santo Antônio de Jesus
Fonte: Mota, 2009
Através do mapa acima é possível localizar a UFRB numa área próxima à zona
rural do município de Santo Antônio de Jesus. A sua localização tem implicado um
processo de valorização do espaço urbano com a ampliação de “vazios urbanos”,
141
problema este que a cidade já vem enfrentando independente da universidade. Alguns
terrenos próximos à universidade e até mesmo alguns imóveis já chegam a custar cerca
de R$ 70.000,00 valor que segundo os moradores não era praticado antes da instalação
do campus.
Também na cidade de Santo Antônio de Jesus, além desse processo especulativo
que temos verificado no bairro do Cajueiro, tivemos conhecimento, durante as nossas
pesquisas de campo e documentais, de um fato que contradiz a proposta inicial da
criação da UFRB, que seria de uma “arregimentação comunitária”. O espaço que o
Centro de Ciências da Saúde ocupa atualmente seria utilizado para a expansão do
Campus V da UNEB, destinação de uso que já vinha sendo construída com a
comunidade de Santo Antônio de Jesus, justamente a partir das carências que a
população verificava quanto à oferta de ensino superior.
A expansão da Uneb também visava dotar o Campus V de uma nova e melhor
infraestrutura física, pois as instalações atuais não comportam mais a grande demanda.
Essa expansão levaria para o local, além da universidade, um Jardim Zoobotânico que
seria implantado nos arredores, visto que esta área é uma Unidade de Preservação
Permanente. O projeto de concessão do terreno já tinha tramitado na Câmara dos
Vereadores e tinha o apoio da sociedade regional da ACISAL (Associação Comercial de
Santo Antônio de Jesus) e da Diretoria de Defesa Florestal do Estado (DDF). A
implantação da Vila Universitária tinha o início da sua construção prevista para 2005,
mas nunca saiu do papel.
O diagnóstico realizado pela prefeitura do município de Santo Antônio de Jesus,
na elaboração do Plano Diretor Urbano, já identificava uma descontinuidade no uso do
solo urbano da cidade, o que estava gerando um forte processo de especulação
imobiliária, devido aos vazios urbanos.
Mesmo com a existência dos vazios urbanos, a opção pela instalação do campus
da UFRB em área descontínua é utilizada como uma estratégia de valorização dos
agentes imobiliários, entre eles as construtoras e proprietários de terras urbanas. Quando
existe uma descontinuidade na ocupação da cidade, os poderes públicos precisam dotar
estas áreas que estão recebendo os novos equipamentos ou casas de infraestrutura
mínima.
A UFRB foi implantada, como citado, no bairro do Cajueiro, em SAJ, que tem
passado pelo processo de especulação, atualmente forte, devido à presença da
142
universidade. Reafirmamos que a novidade nesse processo é a existência de uma forte
especulação imobiliária, que denominamos de reestruturação urbana, na periferia de
uma cidade média, em áreas já próximas à zona rural.
Já na cidade de Cruz das Almas o bairro onde está localizada a universidade é
conhecido como Inocoop (conjunto residencial da cidade) e, segundo o Plano Diretor
(1999), essa é uma das áreas de expansão urbana. De acordo com Fernandes:
Configura-se aí a questão das localizações como agente da
produção do espaço, tal como já foi apontado anteriormente,
controlando o mecanismo de preços do solo urbano e gerando
processos de especulação imobiliária (2009, p. 24).
Assim como tem ocorrido em Santo Antônio de Jesus, a presença da
universidade no bairro do Inocoop, em Cruz das Almas, provocou o surgimento de
serviços voltados ao público universitário, principalmente copiadoras, lanchonetes,
“moto táxi” e os pensionatos. Contudo a diferença de Cruz das Almas para Santo
Antônio de Jesus é o fato de a UFRB estar localizada mais próxima do centro da cidade
e o processo de reestruturação urbana não estar consolidado, já que a própria cidade,
apesar de apresentar alguns séricos sofisticados, tais como a Embrapa (Empresa
Brasileira de Agropecuária), ainda passa por um processo de estruturação urbana.
A expansão do tecido urbano, que está ocorrendo em Santo Antônio de Jesus e
em Cruz das Almas, dinamizada pela implantação da UFRB, tem promovido a
valorização dessas áreas, antes eram consideradas de população de baixa renda. Devido
à instalação de novas formas-conteúdo, estas áreas passam por uma grande valorização.
4. CONCLUSÃO
Acompanhar a expansão do mundo urbano para além das metrópoles e das
cidades grandes é essencial na compreensão das novas dinâmicas que têm se processado
no início da segunda década do século XXI, sobretudo nas cidades médias e pequenas.
Talvez os conteúdos urbanos nesses tipos de cidades venham gerando com maior
velocidade transformações nesses espaços do que nas próprias metrópoles, sobretudo na
ruptura do cotidiano ainda próximo do mundo rural e ampliando as desigualdades
sociais nesses espaços não metropolitanos.
As transformações que têm ocorrido nas cidades abordadas nesta pesquisa
correspondem ao estabelecimento de novas relações nestas cidades, principalmente nos
espaços mais próximos aos campi da universidade. No plano do espaço intraurbano
143
notou-se uma maior valorização dos espaços vazios dessas áreas, devido à presença da
universidade, além da majoração dos preços dos aluguéis das casas.
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145
EXPLORAÇÕES GEOGRÁFICAS EM CIDADES MÉDIAS: O
EXEMPLO DO PROGRAMA HABITACIONAL “MORAR FELIZ”
EM CAMPOS GOYTACAZES/RJ
Gustavo Bezerra de Brito34
Aline da Fonseca Sá e Silveira35
Artur Leonardo Andrade36
Thiago Jeremias Baptista37
RESUMO: O trabalho em tela aborda as transformações socioespaciais do município
de Campos dos Goytacazes a partir das políticas habitacionais forjadas pelo poder
público local. Tais transformações merecem atenção especial, visto que sua realização
contribui para uma estratificação social desmedida e está diretamente ligada às
atividades econômicas que apresentam grande influência regional, corroborando para o
entendimento de tal município como cidade média. Para tanto, realizou-se uma
caracterização da região Norte Fluminense e do território campista, a fim de evidenciar
a área de estudo, seguindo-se dos procedimentos metodológicos e dos referenciais
teóricos conceituais acerca da temática das cidades médias. Por fim, abordam-se os
resultados parciais obtidos a partir da pesquisa empírica.
Palavras-chave: Campos dos Goytacazes, Programa Habitacional, Morar Feliz.
1. CARACTERIZAÇÃO DO RECORTE ESPACIAL
Banhada pelo Oceano Atlântico ao Leste e ao Sul, a Região Norte Fluminense
(Figura 1) abrange a porção setentrional do estado do Rio de Janeiro, cuja extensão
corresponde a quase um quarto do território fluminense, sendo constituída por nove
municípios: São Fidelis, Cardoso Moreira, São Francisco de Itabapoana, São João da
Barra, Quissamã, Carapebus, Conceição de Macabu, Campos dos Goytacazes e Macaé.
Figura 1: Estado do Rio de Janeiro: Regiões de governo e municípios 2014
34
Graduando em Geografia/UERJ. [email protected]
Mestre em Geografia PPGEO/UERJ. [email protected]
36
Mestrando em Geografia PPGEO/UERJ. [email protected]
37
Mestrando em Geografia PPGEO/UERJ. [email protected]
35
146
Fonte: www.ceperj.com – Acesso em: 14 abr. 2014.
Entre as diversas regiões que compõem o interior fluminense, a aludido recorte
regional destaca-se não somente pela extensão de sua configuração territorial, mas
também pela representatividade na economia do estado do Rio de Janeiro. Com efeito, o
Norte Fluminense participa com aproximadamente 25% do Produto Interno Bruto (PIB)
estadual, sendo, antecedido somente pela Região Metropolitana do Rio de Janeiro
(RMRJ). Como consequência da derrocada da economia canavieira e das usinas sulcoalcooleiras as atividades industriais contribuem para a nova estrutura produtiva, onde
predominam as atividades extrativas minerais, com destaque para o setor petrolífero.
“Devemos registrar que, com a produção de petróleo, a região Norte ostenta um
produto interno bruto próximo a R$ 80 bilhões38” (SILVA, 2012, p. 115), o que na
escala estadual é superado apenas pelo PIB metropolitano (R$ 188 bilhões). Portanto,
em decorrência da reconfiguração econômica regional assistida na porção setentrional
do estado, a indústria permanece como carro-chefe da região Norte Fluminense,
conduzindo reestruturações territoriais e produtivas àqueles municípios que compõe seu
recorte espacial dada implantação de novas atividades produtivas.
38
Segundo Silva (2012) deduzindo o valor da produção da bacia de Campos, o PIB do Norte Fluminense
seria tão somente de 9,7 bilhões, isto é, um pouco acima do PIB de toda Região Serrana.
147
A considerável influência econômica do recorte espacial hoje compreendido
pelo território fluminense nos períodos colonial e imperial da História do Brasil deve-se
a sua inserção primário-exportadora que acompanhou o sistema social movido pelo
modo de acumulação agromercantil escravista (MOREIRA, 2014). Seguindo a
orientação primário-exportadora fluminense a inserção econômica do que hoje
compreendemos como Região Norte Fluminense fundamentou-se nas atividades
econômicas primárias, em especial, a produção canavieira. Portella (2010) aponta que a
dinâmica econômica local esteve sujeita às crises e às fases de prosperidade do açúcar,
ao longo dos últimos 150 anos. Neste contexto, Campos dos Goytacazes ocupou uma
centralidade tradicional relacionada ao papel determinante da cana de açúcar na
organização do espaço.
Entretanto,
região
na
qual
o
supracitado
município
está
inserido
tradicionalmente concentrou a produção agropecuária do estado, fundamentando-se
economicamente na produção de cana-de-açúcar, na pecuária leiteira e de corte, assim
como na olericultura e produção de algumas frutas assistiu, nos últimos anos, um
crescimento econômico significativo devido à extração de petróleo e gás natural na
Bacia de Campos. A implantação de novas atividades econômicas na porção
setentrional do estado tem promovido o crescimento de atividades dos setores
secundário e terciário e conduziu o Norte Fluminense à posição de segunda região na
contribuição para o Produto Interno Bruto (PIB) estadual. Com participação de
aproximadamente 11% no PIB do estado do Rio de Janeiro, o Norte do Fluminense
vivenciou processos de reestruturação produtiva e de reconfiguração econômica
regional. Acompanhando estes processos o município de Campos dos Goytacazes
assistiu significativas transformações socioeconômicas no seu território concentrando
parte expressiva da mão de obra envolvida nas atividades petrolíferas, assim como
centros de ensino e de formação de mão de obra qualificada que são absorvidos pelas
atividades extrativas.
Não somente as suas dimensões territoriais e populacionais contribuem para que
o município se projete com representatividade na Região Norte Fluminense, mas
também através de sua expressiva contribuição para o PIB regional e estadual, em
especial com as atividades atreladas à indústria extrativa (MARAFON et al 2011,
OLIVEIRA, 2008; SILVA, 2012). O município que até a década de 1990 teve como
148
base de sua economia a atividade canavieira, assistiu a partir da implantação de
atividades extrativas petrolíferas uma reconfiguração econômica e um processo recente
de reestruturação territorial. Marafon et al (2011) aponta que concentrando grande parte
das atividades econômicas e diferentes tipos de serviços urbanos Campos Goytacazes é
o principal centro polarizador das regiões Norte e Noroeste Fluminense.
Distante da metrópole fluminense em cerca de 300 km, o principal acesso entre à
cidade do Rio de Janeiro e a cidade de Campos é feito pelo nodal rodoviário, sendo a
rodovia federal BR 101 (Rodovia Governador Mario Covas) a principal via de acesso
(Figura 2). Apresentando distintas variações espaciais entre os municípios do Norte
Fluminense em função de sua dimensão territorial, Campos dos Goytacazes tem como
outro acesso rodoviário importante a RJ-216, na direção do litoral, que presta serviços
fundamentais para as bases de apoio à exploração de petróleo na plataforma continental.
Figura 2: Rodovia Federal BR 101 – Rio-Campos
Fonte: https://www.google.com.br/maps - Acesso em 02.122014
Importantes eixos ferroviários como as estradas de ferro Rio-Vitória e CamposRecreio (MG), cruzam o território do Município compondo a rede de transportes
terrestres do território Goytacazes. A rede de transportes evidencia as transformações
pelas quais a região e o município estão passando, assim como a demanda do estado
fluminense por novos fixos em suas bases infraestruturais de sistema de transportes a
fim de atender a reestruturação pela qual passa o Norte Fluminense. Entre as marcas
149
deste processo impressas na paisagem nota-se a realização das obras de duplicação de
trechos da Rodovia Governador Mario Covas e modernização do aeroporto de Campos
dos Goytacazes.
Marcado por expressivas assimetrias, o território fluminense guarda em seus
limites as desigualdades regionais e disparidades socioespaciais, econômicas e
produtivas. O recorte espacial compreendido pelo estado do Rio de Janeiro é marcado
pela existência de disparidades entre a RMRJ e o interior fluminense (SILVA, 2012).
O interior fluminense possui uma dinâmica econômica bem menos diversificada
e base produtiva mais estreita que a metropolitana. Correspondendo a aproximadamente
43% do PIB estadual, as maiores participações no produto estadual advêm das
atividades primárias e secundárias. Espaço por excelência da agropecuária fluminense, o
interior do estado responde por 95% do produto interno deste setor, enquanto que a
indústria e o setor terciário correspondem, respectivamente, a 65,4% e 19,2%. Pode-se
compreender, portanto, que no interior do estado do Rio de Janeiro a indústria é o carrochefe das economias regionais que o compõe (SILVA, 2102).
Inserida no que estamos aqui denominando de interior fluminense, a região
Norte Fluminense, assim como as demais regiões que compõem esse recorte espacial
interiorano, vem apresentando uma trajetória modernizante dada pela reestruturação de
setores e atividades tradicionais em decorrência da implantação de novas atividades
produtivas. O Norte Fluminense é uma das regiões mais industrializadas do interior do
aludido estado, sendo a sua produção significativamente marcada pelas atividades
extrativas, o que não impede reconhecer outras atividades industriais com componentes
dessa economia regional.
Nas últimas duas décadas, os investimentos realizados no Norte Fluminense
concentram-se acentuadamente no município de Campos dos Goytacazes. Entre os
setores, os destaques estão nas indústrias de minerais não metálicos, de alimentos e
petroquímica, estando presentes também investimentos em atividades do setor
automotivo, bebidas, farmacêutico, eletroeletrônico, metalurgia e de produtos
alimentares. A implantação de novas atividades produtivas contribuiu para um processo
de reorientação das taxas de crescimento populacional no estado do Rio de Janeiro.
150
Com efeito, a média de crescimento da população interiorana (2,53%) tem superado as
encontradas na RMRJ (0,76%), acarretando maiores incrementos populacionais nas
cidades médias e centros regionais situados no interior do estado do Rio de Janeiro.
Assistindo os reflexos dessas transformações espaciais e produtivas em seu
território, Campos dos Goytacazes (Figura 3) é dos municípios que integram a malha
municipal da Região Norte Fluminense e vem passando por importantes mudanças
econômicas, produtivas e demográficas. Assim como à organização políticoadministrativa dos municípios39 do território fluminense, a divisão distrital campista é
conformada por um conjunto de distritos, sendo eles: Campos dos Goytacazes-sede,
Travessão, Morangaba, Ibitioca, Morro do Coco, Santo Eduardo, Serrinha, Tocos, Santa
Maria, Vila Nova, Dores de Macabu, Santo Amaro, São Sebastião e Mussurepe. A
dimensão territorial de Campos dos Goytacazes compreende 4.026,7 de km²
contribuindo para que seja o maior município em extensão territorial do estado do Rio
de Janeiro e ocupe 41,56% da área do Norte Fluminense. Com efeito, o referido
município estabelece limites territoriais com um conjunto de municípios da porção
setentrional do aludido estado, sendo estes: São João da Barra, São Francisco de
Itabapoana, Cardoso Moreira, Bom Jesus de Itabapoana, Conceição de Macabu e Santa
Maria Madalena.
Tendo seu território divido ao Norte e ao Sul pelo baixo curso do Rio Paraíba do
Sul, o supracitado município ocupa uma extensa porção da planície litorânea da baixada
campista. Sua geomorfologia é marcada por relevo predominantemente plano com
suaves ondulações, onde a sedimentação quaternária flúvio-marinha arremata os
aspectos geológicos. Campos dos Goytacazes está submetida à influência do clima
Tropical Úmido; as altas temperaturas e elevadas pluviosidades compõem o seu quadro
natural.
39
Com exceção do município do Rio de Janeiro.
151
Figura 3: Localização do Município de Campos dos Goytacazes
Fonte: http://cidades.ibge.gov.br/painel/ (Acesso em: 24.01. 2014).
Diante desse quadro, podemos constatar que a região Norte Fluminense, em
especial Campos, vem passando por fortes transformações no que diz respeito aos seus
parâmetros socioeconômicos e seu peso na economia do estado. De forma que, os
estudos que tem o município como recorte espacial, buscam elucidar exemplos e por em
pauta políticas públicas que, por muitas vezes, são segregadoras em sua própria
formulação. Assim, políticas de habitação, tais como o Morar Feliz, podem ser trazidas
a luz da geografia a fim de abrir espaço para discussões sobre como a forma de governar
um determinado município – no caso deste trabalho, Campos – pode interferir no
importante aspecto da vida de seus cidadãos: o lugar onde vive.
2. Procedimentos Metodológicos
O município de Campos dos Goytacazes apresenta particularidades que impelem
o vigor investigativo e a compreensão das transformações espaciais ocorridas por conta
152
da intensa atividade econômica gerada também, e principalmente, pela bacia petrolífera
existente que, como mencionado anteriormente, corresponde pela geração de mais de
80% da produção nacional de petróleo. Ademais, a conjuntura política local conduz a
uma compreensão singular de determinados acontecimentos neste município. Diante
deste cenário, elaborou-se um breve projeto de pesquisa que tem por objetivo
compreender as transformações ocorridas no espaço urbano no município em destaque,
com especial atenção à política habitacional imposta pelos governantes locais que
interferem sobremaneira na dinâmica campista. Secundariamente, porém não menos
importante, contemplar-se-á as dimensões econômicas e sociais inseridas nos termos do
desenvolvimento regional.
Para tanto, debruçou-se sobre as peculiaridades das cidades médias, traçou-se os
principais agentes sociais envolvidos e planos de (re)conhecimento dos diferentes
espaços foram esboçados e executados numa imersão empírica que totalizou 3 dias. É
mister dizer que os agentes sociais foram definidos diante da participação e dedicação
no entendimento das transformações espaciais, como proposta do objetivo deste
trabalho. Quando no momento das entrevistas in loco, as pessoas entrevistadas foram
selecionadas probabilisticamente, o que proporcionou uma visão holística dos
acontecimentos locais e rica em perspectivas. Destacam-se, antecipadamente, os
principais entrevistados, assim como outros colaboradores, que face sua escolha
preferiram não se identificar; quais sejam aqueles identificáveis:
-
Prof. Dr. Marcos Antonio Pedlowski, professor da Universidade Estadual do
Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) desde 1998, dedica-se às
transformações do espaço urbano em Campos dos Goytacazes, bem como
questões diversas diante dos assentados pela reforma agrária – as condições de
permanência e o grande número de desistentes. Possui projetos que analisam os
impactos socioambientais em paisagens costeiras do Norte Fluminense
associados à construção de megaempreendimentos portuários, dentre outros;
-
Prof. Dr. Linovaldo Miranda Lemos, professor e coordenador adjunto da
Licenciatura em Geografia do Instituto Federal Fluminense (IFF), Campus
Campos-Centro desde 1994. Coordena projetos que visam compreender as
dinâmicas territoriais no estado do Rio de Janeiro, a partir dos anos 1970, com
enfoque à região Norte Fluminense. Produziu densa literatura sobre a logística
153
portuária, destacando-se as transformações territoriais a partir do Porto do Açu e
o seu “viés” desenvolvimentista;
-
Prof. Msc. Wedson Felipe Cabral Pacheco, professor do pré-vestibular da
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) desde 2009
e professor do Instituto Federal Fluminense (IFF), Campus Campos-Centro
desde 2013, neste mesmo ano ingressou como mestrando na Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com o objetivo e intensificar as diversas
compreensões sobre as metamorfoses no espaço urbano campista. Wedson
também é pesquisador colaborador do Projeto Repensando a Habitação Popular,
também na cidade de Campos dos Goytacazes;
-
Dona Inês, moradora do Conjunto Habitacional Morar Feliz, entrevistada
baseada nos métodos probabilísticos, mas muito assertiva quanto ao conteúdo do
seu depoimento.
Diante do exposto, é importante salientar a importância do Programa Morar
Feliz realizado no maior município do Norte Fluminense. Este programa de habitação
popular é realizado pela prefeitura de Campos dos Goytacazes e diretamente financiado
pelos royalties do petróleo. De acordo com representantes da prefeitura, o projeto
contempla famílias que viviam em áreas de risco ou em situação de vulnerabilidade
social, como, por exemplo, áreas de alagamento (planícies de inundação) e às margens
de rodovias e ferrovias.
Atualmente, mais de seis mil famílias foram transplantadas para os conjuntos
habitacionais que são compostos por casas de dois quartos, sala cozinha, banheiro e área
de serviço, totalizando 34m2. Dados disponibilizados no site da prefeitura afirmam que
“O Morar Feliz é um investimento social superior a R$800 milhões que, até 2016,
beneficiará mais de 40 mil pessoas. É um dos maiores programas habitacionais do
interior do Brasil com a construção de 10 mil casas em duas etapas”. E continua:
“Desse total, a Prefeitura de Campos entregou 5.842 moradias, sendo 5.426 na
primeira etapa em 14 condomínios e 10 bairros” (Sítio Eletrônico – Prefeitura de
Campos dos Goytacazes). Em maio de 2013, o Programa foi premiado com o Selo
Mérito 2013 da Associação de Cohabs e agentes públicos de Habitação na categoria
154
Grande Impacto Regional. Porém, as entrevistas realizadas mostram uma realidade
distinta da relatada no site da Prefeitura (Figura 4).
Figura 4: Segunda etapa do Programa Morar Feliz em construção
Fonte: http://expressorj.com.br/wp-content/uploads/2014/02/photos-680x365.jpg
3. Conceito de cidade média: uma breve apresentação a partir das contribuições de
Corrêa, Sposito, Santos & Silveira
O texto de Roberto Lobato Corrêa, apresentado na conferência de abertura do
Simpósio Internacional “Cidades Médias: produção do espaço e dinâmicas
econômicas”, em 2006, aponta para uma correlação intrínseca da geografia, em especial
a geografia urbana, nos estudos das cidades médias. Sua abordagem clara e frontal
resulta numa discussão séria sobre a problemática do arcabouço teórico do conceito em
debate. Dessa forma, uma análise preliminar sobre as questões levantadas faz-se
necessária quando nos propomos a realizar uma pesquisa que trata do tema.
Logo, para dar um panorama geral das cidades médias, é importante salientar,
antes, que esses espaços urbanos apresentam um campo rico, porém pouco estudado
pela geografia. Portanto, o desenvolvimento de elaborações teóricas mais aprofundadas
é o impulso para uma melhor compreensão do conceito de cidade média. Assim, é
importante frisar que, para construirmos um bom objeto de pesquisa, primeiro temos
que conhecê-lo em quase todas as suas nuances. Podemos dizer, então, que as cidades
155
médias se apresentam como um desafio laborioso e concreto no que diz respeito aos
estudos na temática da geografia urbana.
Tendo isso em mente, podemos traçar uma ponte inicial entre o que é concebido
por cidade média na literatura, partindo da contribuição de Lobato Corrêa: “trata-se de
discutir uma expressão vaga, aberta a significados e impregnada do idealismo que a
concebe como um ideal a ser alcançado, apresentando as vantagens da pequena cidade
sem ter, contudo, as desvantagens das grandes” (2006, p. 23). Até mesmo pelo
significado que o termo carrega, a ideia de cidades médias, num contexto de um mundo
articulado e fragmentado, denota o que, para a maioria, seria considerado um local ideal
onde se viver. Significa dizer que elas funcionariam num equilíbrio entre o que é
idealizado quando falamos de cidades pequenas e de cidades grandes. A oferta de
diversos tipos de serviços, empregos, entretenimentos e facilidades geradas no convívio
de uma cidade grande seriam associados às vantagens romanescas de uma cidade
pequena: tranquilidade, menores preços, maior segurança, entre outras amenidades,
compondo uma alternativa aos preços exorbitantes e ao estresse das cidades grandes e à
falta de opções característica às pequenas cidades. É claro que a busca por um lugar
com amenidades para se viver e a pretensão por uma cidade ideal não são os principais
aspectos para pesquisa, mas acabam se tornando fatores importantes na equação do
desenvolvimento das cidades médias.
Ainda nessa perspectiva, há de se levar em conta três características importantes
e particulares quando queremos falar de cidades médias: tamanho demográfico, funções
urbanas e organização de seu espaço intra-urbano. (CORRÊA. 2006, p. 24). Seguindo
essa linha de pensamento, entendemos que a combinação dessas características,
trazendo-as à luz da geografia, na construção de um objeto de estudo válido como
cidade média, é extremamente relevante.
O tamanho demográfico, usualmente utilizado como primeira categoria de
análise de uma cidade média, nessa relação evidente entre as características do espaço
intra-urbano e as funções urbanas, é o fator que mais se destaca. Ele envolve a cidade e
seu espaço de atuação, possibilitando maior ou menor desenvolvimento das funções
urbanas ou atividades básicas (direcionadas essencialmente para fora da cidade) e de
atividades não-básicas (voltadas para o consumo da própria cidade). Da mesma forma
que o contrário se realiza: o desenvolvimento de novas funções urbanas, criadas de
diversas formas, suscita o aumento demográfico e a multiplicação de novas atividades.
156
Nesse contexto, faz sentido uma pequena reflexão de Corrêa, a qual discorre
sobre a relação combinada do tamanho demográfico e o espaço intra-urbano:
Quanto maior o tamanho demográfico, maior será a dimensão
do espaço intra-urbano, expressa pela distância entre o centro e a
periferia da cidade, assim como mais complexa será a
organização desse espaço intra-urbano (CORRÊA, 2006, p. 24).
E prossegue:
Maior o tamanho demográfico e mais complexas as atividades
econômicas, suscitando maior fragmentação do tecido social,
mais complexa será a projeção espacial das classes sociais e suas
frações, gerando uma mais complexa divisão social do espaço,
com áreas sociais mais diferenciadas (CORRÊA, 2006, p. 24).
Assim sendo, há uma nítida relação entre o tamanho demográfico e as atividades
econômicas, sobretudo no tocante às funções urbanas. De forma que a combinação
dessas características tem reflexos diretos e indiretos nas peculiaridades que o conceito
de cidade média traz embutido em si.
O que nos leva diretamente à concepção proposta por Milton Santos e María
Laura Silveira (2001), para quem a peculiaridade das cidades médias – junto às
pequenas - reside no fato de constituírem uma “geometria variável”, sendo ressaltada a
maneira como essas diferentes cidades entram nas trocas e processos que acontecem
entre escalas globais e locais (SANTOS & SILVEIRA, 2001, p. 281).
Analisando essa concepção, as cidades médias, tratadas, a partir do século XX,
como áreas de crescimento econômico e de recebimento do êxodo urbano – constituído
por pessoas que deixaram as grandes cidades em busca de uma diferente realidade –,
constituíram-se como espaços onde a densidade técnica e informacional é emergente.
Entendemos que, com o desenvolvimento do meio técnico-científicoinformacional, as barreiras para o surgimento de novas realidades espaciais, tais como
as cidades médias, foram se esvaindo uma por uma. Dessa forma, é importante destacar
que a evolução dos meios de transmissão de informação, o aumento da infraestrutura
técnica e dos meios de transporte fazem com que os agentes formadores do espaço
urbano vençam distâncias maiores num menor período de tempo.
Podemos, então, a partir da concepção de que “as cidades são os pontos de
interseção e superposição entre as horizontalidades e as verticalidades” (Santos &
Silveira, 2001), iniciar um diálogo com o arcabouço teórico proposto por Maria Sposito
(2006, p. 144), que concorda que, no período em que vivemos, “a ampliação das
possibilidades de telecomunicação redefinem os papéis das cidades médias e os fluxos
157
que a partir delas e até elas se desenham estabelecidos com cidades próximas e
distantes”.
Na concepção da autora, as cidades médias são aquelas que desempenham
papéis intermediários no campo das redes urbanas. Logo, as mesmas devem ser tratadas
numa abordagem interescalar, que leve em consideração escalas de tempo e espaço,
sobretudo quando a pesquisa e a utilização do conceito levam em conta as possíveis
determinações que o constituem e o redefinem.
Entretanto, segundo a autora, no que se refere às cidades médias, estabelecer os
recortes para essas escalas é o caminho mais difícil de percorrer, tendo em vista o papel
que essas cidades desempenham na divisão socioeconômica do trabalho, que se
modifica, cada uma, em diferentes momentos a partir de diferentes decisões em escalas
mais amplas.
Destarte, é o reconhecimento perspicaz dos recortes – principalmente suas
articulações em diferentes áreas – o que assegura a assimilação de relações espaciais,
sendo algo mais que somente relações entre diferentes níveis de recorte territorial.
Assim, a autora é categórica ao afirmar que “em nenhum outro período da história
foram tão amplas essas relações, ampliando a multiplicidade de papéis, que
simultaneamente e contraditoriamente, cada lugar desempenha, no sentido da noção de
espacialidades múltiplas” (SPOSITO, 206, p. 147).
Nesse sentido, as cidades médias que, no passado, desempenhavam um papel
hierarquizado em relação às grandes cidades, atualmente se inserem no âmbito de uma
rede urbana cada vez mais complexa. Compondo-se basicamente de uma estrutura
hierárquica (com seu papel intermediário bem definido), porém com um conjunto de
possibilidades de relações com outras cidades em diferentes escalas, acabam tornandose peças importantes em redes de produção, comunicação e infraestrutura.
Em outras palavras, mesmo que se mantenha a estrutura ainda forte de relações e
fluxos hierárquicos – de uma escala maior para uma menor e vice-versa – é progressiva
a presença das cidades médias nas relações e trocas complementares ou competitivas
entre cidades pequenas e grandes, superando, por muitas vezes, a estrutura piramidal
que comumente é atribuída a essas cidades.
Dito isso, alocar o conceito de cidade média num lugar central e ampliar a sua
discussão é uma agenda prioritária no campo da geografia urbana. Dessa forma,
questões podem ser levantadas e informações a respeito desse tão pouco conhecido
158
objeto de pesquisa podem ser trazidas à tona, enriquecendo o debate e os estudos que
tratam da temática.
Assim, inserido em uma das regiões mais industrializadas do estado do Rio de
Janeiro, o município campista apresenta o maior Produto Interno Bruto (PIB) quando
comparado àqueles que integram o Norte Fluminense. Com um PIB de R$ 44,1 milhões
(Tabela 1), Campos dos Goytacazes destaca-se tanto pela considerável participação
econômica no estado quanto por exercer expressiva centralidade no Norte Fluminense,
afirmando-se como um importante centro comercial e de serviços na porção setentrional
do estado do Rio de Janeiro (PORTELA, 2010). O município ocupa posição
proeminente na referida região por destacar-se com suas bases infraestruturais, serviços,
fixos e sistemas de engenharia que viabilizam à Campos a posição de centro regional na
hierarquia urbana do Norte Fluminense.
Tabela 1: Campos dos Goytacazes: PIB por setores da economia em R$
Setores
Economia
da
Valor em R$
Agropecuária
144.009
Indústria
35.899.588
Serviços
8.097.844
Fonte:http://cidades.ibge.gov.br/painel/economia.php?lang=
&codmun=330100&search=rio-de-janeiro|campos-dosgoytacazes|infogr%E1ficos:-despesas-e-receitasor%E7ament%E1rias-e-pib (Acesso em: 24.01.2014)
Com seus 480.648 habitantes o município de Campos dos Goytacazes é o mais
populoso do Norte Fluminense (Tabela 2) e possui considerável representatividade
demográfica na região em que está localizado, pois corresponde a aproximadamente
55% do total da polução do Norte Fluminense, cuja estrutura populacional é
representada na Tabela 2. A densidade demográfica é calculada dividindo-se o número
da população residente pela área terrestre do município, em Campos dos Goytacazes
verifica-se uma população relativa de aproximadamente 115 habitantes por km² (IBGE,
2014).
Tabela 2: População do Município de Campos dos Goytacazes
159
Fonte: IBGE – Censo 2010 apud Plano Municipal de Saneamento Básico – Campos dos
Goytacazes.
–
http://www.ceivap.org.br/saneamento/campos/CaracterizacaoMunicipal.pdf - (Acesso em 02.12.2014)
Diante do debate brevemente exposto, podemos afirmar que Campos dos
Goytacazes se insere no conceito de cidade média, tanto sob a perspectiva de Corrêa,
quanto de Santos e Silveira, mas e principalmente sob a ótica contemporânea de Sposito
que redefine as funções urbanas e a multiplicidade simultâneas e contraditórias, como
no caso da cidade em questão.
4. Resultados Parciais
A visita às instituições de ensino superior e ao conjunto habitacional Morar Feliz
em Campos dos Goytacazes se mostraram verdadeiras fontes de informações e dados
sobre a cidade. De forma que as conversas com os entrevistados traçavam um panorama
geral vivido cotidianamente pelo município, ressaltando principalmente aspectos
políticos, econômicos, sociais e educacionais. Assim, pôde-se ter certo grau de
intimidade com os assuntos pertinentes a pesquisa desenvolvida neste trabalho.
Na primeira entrevista, com o Prof. Dr. Marcos Antonio Pedlowski, da UENF,
recebemos uma breve explicação sobre a recente política de interiorização do ensino
superior, estas geraram claras mudanças em Campos. Foi dito que os jovens campistas
devido à baixa renda ingressavam timidamente nos cursos das universidades
particulares. A partir daí se deu o subsídio da prefeitura para as universidades
particulares, com a renda obtida pelos royalties do petróleo, estimulando o ingresso
desses jovens no ensino superior.
160
Em relação a UENF, nos foi dito que muitos alunos vêm de fora, embora seja
uma universidade voltada para atender a região. Apesar disso, a visão da comunidade
campista é bem distante. Segundo o professor, este fato pode ser atribuído ao ensino
básico do município, que é bem fraco. Já no que diz respeito ao corpo discente, a
maioria dos professores também vêm de fora da região, dificultando sua permanência e
vínculo com a universidade.
Sumariamente, há um sentimento de impotência da Universidade em relação ao
município, tendo em vista que os problemas socioeconômicos anteriores a criação desta
ainda persistem. Reafirmando, dessa forma, a falta de uma boa relação entre a prefeitura
e a instituição em questão, que não tem seus projetos de extensão inseridos na dinâmica
produtiva e educacional.
Ainda nessa perspectiva, a “lógica particular” da família Garotinho no governo
de Campos, reitera a tese previamente exposta, de que há uma desconexão entre o
governo e a universidade. Além disso, ainda é levado à discussão o fato de nenhuma
universidade privada em Campos ter habilitação em licenciatura, em detrimento da
especialização de cursos de ensino superior ligados a atividade petrolífera.
Contudo, o professor faz ressalvas positivas ao papel “fundamental” que a
UENF tem no município, entendendo a sua função de universidade e, ainda com todas
as limitações, se mostrando como um marco crucial na “capacitação e formação de
capital humano e de investimentos, tanto na cidade como na região”.
A partir do exposto, continuamos com as entrevistas dos professores Dr.
Linovaldo Miranda Lemos e Msc. Wedson Felipe Cabral Pacheco, ambos do Instituto
Federal Fluminense (IFF – Campos). Em primeiro lugar, foram feitos sucintos
comentários sobre o contexto político em que Campos se insere, de forma que
elucidações foram feitas sobre a permanência da cultura do setor canavieiro e a política
oligárquica/paternalista - tão caros ao município. Assim, preparamos o terreno para que
pudéssemos discutir o (controverso) projeto de habitação da prefeitura, o Morar Feliz.
No tocante ao projeto, de acordo com os professores, fica clara a imperícia da
prefeitura em lidar com as populações mais pobres. O Morar Feliz apresenta-se como
um projeto de habitação voltado para a população de baixa renda que vive em áreas
consideradas de risco e, num primeiro momento, consegue satisfazer os objetivos.
Entretanto, segundo os professores, o cadastro é bastante nebuloso, abrindo margem
para a tão conhecida “guerra de facções rivais” nas comunidades habitacionais.
161
Ademais, a construção desse tipo de moradia nas áreas mais afastadas do centro
da cidade, na visão dos entrevistados, é a mais pura reprodução das favelas (no sentido
de se tornarem enclaves sociais), comprovada pela falta de aparelhos lúdicos, culturais e
ambientais no projeto. Consequentemente, se reproduz a dificuldade na implementação
de uma política que traga consigo a efetivação de uma cidadania plena, modificando a
realidade de um segmento tão estigmatizado da sociedade.
Já visita ao Conjunto Habitacional Morar Feliz (Figura 4) permitiu o
entendimento da política habitacional da cidade de Campos dos Goytacazes a partir da
perspectiva de uma moradora – a Dona Inês. Ela nos contou que foi removida de uma
área central da cidade para o bairro Novo Eldorado, distante 30 km. Sua antiga casa
ficava as margens da ferrovia, mas D. Inês faz questão de reiterar ao longo de toda
entrevista que sua casa era de alvenaria, confortável e perto de seu emprego.
Atualmente, em Novo Eldorado, a entrevistada relata que precisa caminhar cerca
de 30 minutos, até o ponto do ônibus, e mais 40 minutos ou mais no transporte. A casa,
conta ela, é “encaixada”, mal dividida, pequena e, em dias de chuva, muitas goteiras
aparecem. No entanto, o que mais causa desconforto à D. Inês é a falta de segurança: “a
gente não pode ficar na rua depois que anoitece” (entrevista concedida aos autores do
trabalho, dia 22.01.15). Esta situação se deu, pois pessoas de lugares distintos foram
alocadas num mesmo conjunto habitacional, dentre essas pessoas, facções distintas
também foram transplantadas para Novo Eldorado e, agora, têm que conviver num
mesmo território – tornando-o extremamente violento.
Figura 4: Conjunto Habitacional Morar
162
Foto: Os autores – Janeiro de 2015.
Considerações finais
A visita ao município de Campos do Goytacazes e, principalmente, o contato
com os moradores e pesquisadores locais foi de fundamental importância para nos
aproximar da dinâmica socioespacial do lugar, onde se concentra boa parte dos
investimentos econômicos da região Norte Fluminense.
Percebe-se que o impacto econômico dos investimentos e do crescimento do
PIB, ocorridos nas últimas décadas, não foram sentidos pela maior parte da população
local. Embora se destaque como um importante polo regional do território fluminense,
participando de aproximadamente 9% do PIB do estado do Rio de Janeiro, perdendo
apenas para a capital, que concentra mais de 46%, o município apresenta um IDH de 0,
716, estando abaixo de 36 municípios fluminenses.
Outro ponto observado, e que deve ser ressaltado, é o papel das instituições de
ensino superior (instituto federal, universidades pública e privada) na dinâmica do
município, tornando, cada vez mais, Campos do Goytacazes em um centro de ensino e
serviços para a região Norte Fluminense. Os cursos inicialmente privilegiavam a linha
de pesquisa voltada para produção vegetal e animal, entretanto, nota-se uma crescente
preocupação com produção petrolífera. Nas últimas décadas, houve uma restruturação
produtiva no município, que passa de destaque na produção nacional de cana-de-açúcar
163
para um dos maiores produtores de petróleo do Brasil. É na Universidade Estadual do
Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) que se cria o primeiro curso de engenharia de
exploração e produção de petróleo do Brasil, em 1993.
Os royalties advindos da produção do petróleo alimentam as políticas públicas
realizadas pela prefeitura do município campista. O programa de construção de
moradias populares Morar Feliz, traz a população provenientes de áreas de risco para
áreas distantes (em relação ao centro comercial), com moradias dotadas de pouca
infraestrutura. Assim, o que deveria ser uma política transformadora, do ponto de vista
sócio-espacial, apresenta-se como uma política populista, sem compromissos sociais,
onde somente se percebe, claramente, a reprodução da pobreza.
REFERÊNCIAS
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“Cidades Médias: Produção do Espaço e Dinâmicas Econômicas”. 2006, Rio de Janeiro.
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Econômicas”, 2006.
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passado aos desafios do presente. Rio de Janeiro, Gramma, 2011.
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Território Fluminense. São Paulo, Garamond, 2008.
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http://www.ceivap.org.br/saneamento/campos/Caracterizacao-Municipal.pdf - Acesso
em: 02 dez 2014.
PORTELLA, E. S. A centralidade de Campos dos Goytacazes: uma análise a partir do
Ensino Superior. In. MARAFON, G. J. & RIBEIRO, M. A. (Orgs.) Revisitando o
território fluminense III. Rio de Janeiro: Grama, 2010.
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cidade de Campos dos Goytacazes. Disponível em: <http://www.campos.rj.gov.br/> (Consulta
realizada em 31.01.2015 às 13:08h).
RAMIRES, Julio Cesar de Lima; PESSÔA, Vera Lúcia Salazar (Org.).
Geografia e Pesquisa Qualitativa: nas Trilhas da Investigação.
Uberlândia: Assis, 2009.
164
SANTOS, M. & SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século
XXI. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Record, 2008.
SILVA, R. D. Indústria e desenvolvimento regional no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
FGV, Editora, 2012.
SPOSITO, M. E. B. O desafio metodológico da abordagem interescalar no estudo de
cidades médias no mundo contemporâneo. Revista CIDADES, v. 3, n. 5, 2006, p. 143157.
165
CIDADE MÉDIA, DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS E
EXPANSÃO URBANA: ANÁLISES DA MICRORREGIÃO DE
ITUIUTABA (MG)
Hélio Carlos Miranda de Oliveira40
Resumo: objetivo geral investigar deste texto é analisar expansão urbana e as
desigualdades socioespaciais das seis cidades da Microrregião Geográfica (MRG) de
Ituiutaba (MG), a partir da avaliação da atuação do Estado e dos agentes econômicos
responsáveis pela restruturação urbana desta região na última década do século XX e
primeira do século XXI. A hipótese central é que a expansão espacial das cidades foi
acompanhada da intensificação das desigualdades socioespaciais, principalmente nas
áreas periféricas, surgindo tanto áreas com significativa valorização imobiliária, quanto
com precária infraestrutura urbana.
Palavras-chave: expansão urbana, desigualdade socioespacial, Microrregião de
Ituiutaba (MG).
1. Introdução:
A análise do fato urbano sempre esteve ligada à compreensão do processo de
urbanização, que, por sua vez, tem como produto socioespacial a cidade. Para entender
a relação cidade-urbanização, deve-se remeter, mesmo que sucintamente, à sua história.
Nesse sentido, é necessário enfocar as articulações entre espaço e tempo para
depreender o processo de urbanização, principalmente por se tratar de um fenômeno
socioespacial fruto da divisão social do trabalho ao modo capitalista de produção.
Sposito (2004) afirma que é preciso realizar esforços analíticos na tentativa de
positivista que outorga as análises espaciais à Geografia e as temporais à História. Não
diferente, Castells (2006) destaca a necessidade da periodização para a compreensão e
análise do processo de urbanização, através da associação entre a linearidade do tempo e
a sinuosidade dos fatos, considerando, para isso, [...] “a produção das formas espaciais
da estrutura social de base” (CASTELLS, 2006, p. 36).
40
Pesquisador do Observatório das Cidades e da ReCiMe – Rede de Pesquisadores sobre
Cidades Médias. Professor da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal da Universidade Federal de
Uberlândia. E-mail: [email protected]. Apoio financeiro: FAPEMIG - Fundação de Amparo a
Pesquisa do Estado de Minas Gerais; CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico.
166
É imprescindível analisar a urbanização como resultado de um processo histórico,
pois, como indica Santos (1988), as ações e os objetos geográficos (fixos, sistemas de
engenharias, fluxos de relações e conteúdos sociais) são responsáveis pela configuração
territorial e pelas paisagens de uma época, de forma que mudanças espaciais raramente
eliminam, de uma única vez, as marcas materiais do passado, formando o que o autor
denominou de rugosidades do espaço (SANTOS, 2002). Nesse sentido, ele propõe o
exame da urbanização do território a partir da empiricização do espaço e do tempo em
conjunto, o que somente é possível com a periodização da análise. Nas palavras do
autor, “É através do significado particular, específico, de cada segmento do tempo, que
apreendemos o valor de cada coisa num dado momento” (SANTOS, 1988, p. 83). Ele
ainda completa afirmando que “a periodização é indispensável para que, no trabalho de
empiricização das categorias, não nos escape o problema de mudança de valor de cada
variável segundo os momentos” (SANTOS, 1988, p. 114).
Cabe pontuar que neste trabalho a urbanização é entendida como um processo
complexo capaz de conjugar, harmonicamente ou não, a sucessão e o descompasso, a
sincronia e a arritima, gerando o fato concreto da urbanização, o produto material, a
cidade. Nesse sentido, Castells (2006) propõe que a urbanização seja entendida como
um processo que se refere tanto à criação de formas espaciais, principalmente em
função da concentração de atividades e pessoas em um único espaço, quanto à presença
e difusão de uma cultura formada por hábitos e costumes característicos da vida urbana.
A urbanização torna-se, então, a produção social de formas espaciais, que, segundo
Castells (2006, p. 47), [...] refere-se ao processo pelo qual uma proporção
significativamente importante da população de uma sociedade concentra-se sobre um
certo espaço, onde se constituem aglomerados funcionais e socialmente dependentes do
ponto de vista interno, e numa relação de articulação hierarquizada (rede urbana).
Diante do exposto, entender o processo de urbanização e as dinâmicas urbanas de
uma parte do território brasileiro é foco deste trabalho. Para isso, propõe-se como
objetivo geral investigar deste texto é analisar expansão urbana e as desigualdades
socioespaciais das seis cidades da Microrregião Geográfica (MRG) de Ituiutaba (MG), a
partir da avaliação da atuação do Estado e dos agentes econômicos responsáveis pela
restruturação urbana desta região na última década do século XX e primeira do século
XXI. A hipótese central é que a expansão espacial das cidades foi acompanhada da
intensificação das desigualdades socioespaciais, principalmente nas áreas periféricas,
167
surgindo tanto áreas com significativa valorização imobiliária, quanto com precária
infraestrutura urbana.
Para alcançar o objetivo proposto este trabalho se alicerçou na interface entre o
teórico e o empírico, buscando entender como as discussões apontadas por Soja (1993)
e de Sposito (2004, 2007, 2007a) sobre a reestruturação urbana são percebidas na MRG
de Ituiutaba (MG), em particular sobre as formas urbanas e as diferentes condições
socioeconômicas existentes nas cidades e suas desigualdades socioespaciais. Nesse
sentido, os procedimentos metodológicos se organizam em duas etapas, uma referente à
expansão das cidades e suas formas urbanas e outra referente aos indicadores de
desigualdade socioespacial:
i) Sobre a forma urbana e expansão da cidade foram adotados os seguintes
procedimentos metodológicos: a) levantamento de documentos oficiais referentes às
leis de criação dos bairros das cidades; b) pesquisa de campo para tipificação dos
bairros das cidades em loteamentos ou conjuntos habitacionais; c) elaboração do
mapa de expansão urbana por décadas de Ituiutaba; d) identificação dos agentes
responsáveis pela produção espacial das novas formas das cidades; e) análise da
morfologia urbana.
ii) Sobre as desigualdades socioespaciais foram adotados os seguintes
procedimentos metodológicos: a) eleição dos indicadores disponíveis nos Dados
Agregados por Setor Censitário do IBGE (2000-2010) para mensuração das
desigualdades socioespaciais: renda, condição de moradia, tipos de moradias,
escolaridade; b) levantamento de dados primários em campo sobre as condições
socioeconômica-espacial das cidades; c) levantamento de dados do Cadastro
Nacional dos Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE) do IBGE (2010); d)
tratamento dos dados e cálculo das classes (frequência) para o total das cidades; e)
elaboração dos mapas, por indicadores, para as cidades; f) análise das desigualdades
socioespaciais e sua relação com a forma urbana.
A seguir, as análises dos resultados da pesquisa.
2. Desigualdades socioespaciais e expansão urbana: análises da MRG de Ituiutaba
(MG):
168
O espaço geográfico da MRG de Ituiutaba (MG) foi reelaborado ao longo do
tempo para atender as demandas sociais de produção e reprodução da vida humana e do
capital a partir da evolução da economia e da sociedade. Nesta região, as exigências
impostas pela produção agropecuária foram as responsáveis pelas dinâmicas espaciais e
pelos processos urbanos recentes, uma vez que possibilitaram mudanças na estrutura
técnica produtiva, nas atividades econômicas predominantes e na organização espacial
dos centros urbanos.
O primeiro indicador desta transformação é o quantitativo populacional da MRG,
o qual revela que a partir de meados da década de 1970 a população passou a se
concentrar mais nas cidades do que no campo, como ocorreu em todo o restante do
território brasileiro. Em Santa Vitória (MG), existiu crescimento populacional no campo
no período de 1950 a 1970, impulsionado pelas atividades agropecuárias, especialmente
a produção de arroz, milho e criação de gado bovino de corte e leiteiro; contudo, a partir
de 1980, a população rural acompanhou a dinâmica do restante da MRG, que era de
redução.
É preciso destacar que o crescimento no total de população se deu
simultaneamente ao acréscimo da população rural, e que a partir de 1980, quando o
campo passou a perder habitantes, o total municipal também diminuiu, mesmo com o
aumento da população urbana. É possível concluir que a população oriunda do campo
não migrava somente para a sede municipal, mas também para outras cidades da MRG,
especialmente para Ituiutaba (MG), que possuía melhor estrutura urbana.
Capinópolis (MG) apresentou perdas no campo e na cidade: entre 1960 e 1970 a
população urbana diminuiu; entre 1960 e 1980 houve redução no número de habitantes
rurais; a conjugação destes fatores implicou na diminuição do número total de
habitantes no período de 1960 a 1980, com crescimento somente a partir de 1991. Já
Cachoeira Dourada (MG), Gurinhatã (MG) e Ipiaçu (MG), tiveram redução da
população rural e, exceto Cachoeira Dourada (MG), houve discreto crescimento da
população urbana, o que resultou em um saldo negativo, ou seja, todos os municípios
reduziram seus tamanhos populacionais no período de 1970 a 2010.
Em contraposição, Ituiutaba (MG) foi o único município que obteve taxas de
crescimento positivas no período de 1950 a 2010, mesmo com as fragmentações
territoriais e a diminuição da população do campo em virtude da modernização agrícola.
169
Somente entre 1940 e 1950 houve crescimento da população rural, impulsionado pelas
lavouras de arroz, como já destacado por Silva (1997), Oliveira (2003) e Mateus (2013).
A maior taxa de crescimento da população urbana da MRG aconteceu no período
de 1950 a 1960, quanto atingiu 765,37%, com a participação de Ituiutaba (MG), cujo
crescimento foi de 541,12%, e de Santa Vitória (MG), com 1.361,99%. Estas altas taxas
estão relacionadas à migração da população que trabalhava e vivia no campo para as
cidades, em virtude da decadência da exploração de arroz. Silva (1997) aponta que esses
migrantes eram, em sua maioria, nordestinos que se mudaram para Ituiutaba (MG)
buscando melhores condições de vida através do trabalho nas lavouras de arroz. Nas
décadas de 1950 e 1960, os trabalhadores nordestinos chegaram em massa, à procura
das novas e promissoras oportunidades que haviam sido anunciadas. Espalharam-se por
essa vasta região trazendo seu modo de vida sua linguagem, estabelecendo diferenças,
que deram origem a interpretações variadas, gerando explicações, conceitos e
preconceitos. (SILVA, 1997, p. 08). Silva (1997) ainda completa, afirmando que:
O fluxo entre esses dois locais tornou-se cada vez mais intenso.
Os nordestinos chegaram e, muitas matas e invernadas foram
transformadas em lavoura mediante o seu trabalho. Não importa
em que condições vieram; todos, incondicionalmente,
apostavam as suas fichas no trabalho que ia levá-los à
prosperidade. A paisagem foi aos poucos sendo transformada e a
população do campo vertiginosamente aumentada. (SILVA,
1997, p. 36).
Entretanto, a partir da decadência dessa atividade agrícola, a maioria absoluta dos
migrantes estabeleceu moradia definitiva nas cidades da MRG, com maior concentração
em Ituiutaba (MG), o que resultou em transformações no espaço e nas dinâmicas das
cidades. Em relação à Ituiutaba (MG), Silva (1997) narra suas memórias de criança e
registra o dinamismo da cidade em decorrência do capital oriundo da agricultura:
Marcaram também a memória da criança, as imagens da
abundância, espetáculo à mostra nas ruas da cidade. Os enormes
barracões de armazéns e beneficiadoras de arroz, as filas de
caminhões que aguardavam para descarregar, vinham
carregados de arroz, milho ou algodão. Às portas das máquinas
de beneficiamento, um tapete amarelo se estendia pelo chão
formado pelos grãos de arroz em casca que caíam e eram
esquecidos, pois perdiam a importância frente às enormes pilhas
que se erguiam no interior do armazém. (SILVA, 1997, p. 10).
170
A significativa migração campo-cidade é explicada por Martine (1990) como
sendo resultado do processo de territorialização do capital no campo, que expulsou a
mão de obra em função da mecanização e provocou forte êxodo rural, além de aumentar
o assalariamento da força de trabalho agrícola, com a população residindo nas cidades.
A partir da década de 1970 o processo de urbanização mostrou uma face
qualitativamente diferente, já que, pela primeira vez na história moderna do país, as
áreas rurais tiveram redução absoluta da população e houve crescimento de algumas
cidades, seja territorialmente, seja em número de habitantes. Diante disso, é possível
afirmar que o processo de urbanização na MRG foi redimensionado pelos investimentos
da modernização agrícola, tendo como marco temporal a década de 1970, momento em
que ocorreu a inversão do local predominante de residência da população. Este processo
foi discutido por Santos (1993, p. 29-30) na escala nacional:
Entre 1940 e 1980, dá-se verdadeira inversão quanto ao lugar de
residência da população brasileira. Há meio século atrás (1940),
a taxa de urbanização era de 26,35%, em 1980 alcança 68,86%.
Nesses quarenta anos, triplica a população total do Brasil, ao
passo que a população urbana se multiplica por sete vezes e
meia. Hoje, a população brasileira passa dos 77%, ficando quase
igual à população total de 1980. Entre 1960 e 1980, a população
vivendo nas cidades conhece aumento espetacular: cerca de
novos cinquenta milhões de habitantes, isto é, um número quase
igual à população total do País em 1950. Somente entre 1970 e
1980, incorpora-se ao contingente demográfico urbano uma
massa de gente comparável ao que era a população total urbana
de 1960. Já entre 1980 e 1990, enquanto a população total terá
crescido 26%, a população urbana deve haver aumentado em
mais de 40%, isto é, perto de trinta milhões de pessoas.
O efeito do fluxo populacional deu-se sobre a organização do espaço urbano das
cidades da MRG e Ituiutaba (MG) foi a que mais se transformou. Até o fim da década
de 1970, possuía 31 bairros e loteamentos. O período de maior crescimento da
população urbana (década de 1950) foi também o de maior expansão do tecido urbano
em uma única década, totalizando 18 bairros e loteamentos, conforme representado no
Mapa 01. Vale destacar que, no Brasil, o crescimento físico das cidades vem
acompanhado do aprofundamento das desigualdades socioespaciais, conforme
destacado por Melazzo (2006).
Até o ano de 1970 a cidade era composta por 29 bairros e dois conjuntos
habitacionais, sendo estes formados, no total, por 370 casas (OLIVEIRA, 2003). Apesar
171
da maior expansão urbana ter acontecido na década de 1950, neste período surgiu
somente um conjunto habitacional, o Bairro Natal (1957), com 70 unidades residenciais.
Exatos dez anos após a construção do primeiro conjunto habitacional, surgiu o Bairro
Ipiranga, com 300 casas.
Mapa 01 – Ituiutaba (MG): expansão urbana (1901-2013)
Fonte: Oliveira (2013).
Estas informações indicam a inexistência de preocupação com a política
habitacional no município. Até a década de 1970 o poder público municipal de Ituiutaba
(MG) se caracterizava como o principal agente produtor do espaço, muito mais pela sua
atuação na organização espacial da cidade – oferecimento de infraestruturas e serviços –
, do que por possuir políticas que incentivassem a construção de moradias. Nesse
sentido, Rodrigues (2003, p. 20) afirma que o Estado [...] “tem presença marcante na
produção, distribuição e gestão dos equipamentos de consumo coletivo necessários à
vida nas cidades” [...], destacando, entre eles, a rede de infraestruturas (abastecimento
de água, sistema de coleta de esgoto, energia elétrica, iluminação pública, telefonia), o
172
sistema viário, o transporte coletivo, os serviços de saúde e educação, os espaços livres,
verdes e de lazer, além da construção de habitações para a população mais pobre da
cidade. Este cenário começa a ser alterado a partir da década de 1970, com a construção
de 860 casas em seis conjuntos habitacionais, erigidos em nove etapas diferentes41.
Entretanto, estavam muito aquém das necessidades habitacionais da época, uma vez que
no período de 1970-1980 a população urbana cresceu 38,52%, passando de 47.021 para
65.133 habitantes, o que equivalia a 21,06 habitantes por casa construída em conjunto
habitacional. Nos anos anteriores a relação de habitantes por moradia construída era
muito maior: 403,62 entre 1950-1960 e 62,55 no período de 1960-1970. Esse
desequilíbrio acentuou os problemas sociais da cidade, como indicado por Oliveira
(2003, p. 121): “o desemprego rural [migração campo-cidade] também foi
causa/consequência do desemprego urbano. [...] a cidade viu crescer suas áreas
periféricas, sem poder oferecer, em curto prazo, as infraestruturas necessárias”.
Outro período que chama atenção na expansão urbana de Ituiutaba (MG) é o
iniciado na década de 2000, quando dez conjuntos habitacionais foram construídos entre
2001 e 2010, totalizando 2.895 habitações, todas financiadas por programas
habitacionais públicos (estadual ou federal), entre eles, o Minha Casa Minha Vida 42. Já
a partir de 2011, foi iniciada a construção de nove novos bairros, dos quais dois são
loteamentos, contendo aproximadamente 1.200 lotes e sete conjuntos habitacionais com
cerca de 4.820 unidades residenciais.
Assim como Ituiutaba (MG), as outras cidades da MRG também receberam
investimentos do Programa Minha Casa Minha Vida, o que dinamizou o mercado
imobiliário dessas cidades, tanto pela comercialização de terras urbanas e de materiais
para a construção dos imóveis, quanto pela contratação de mão de obra e serviços e pela
busca por financiamentos.
Os dados do Cadastro Nacional dos Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE) do
IBGE (2010) possibilitaram elaborar os mapas 02, 03 e 04, que apresentam o percentual
de edificações em construção no total de endereços urbanos para cada cidade da
microrregião estudada.
41
O financiamento e a produção de empreendimentos imobiliários nas décadas de 1970 e 1980
realizados pelo Banco Nacional de Habitação (BNH). A respeito da atuação do BNH, confira: Soares
(1988).
42
A respeito do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), confira: Cardoso (2013).
173
Em Ituiutaba (MG), as áreas (Mapa 02) com os dois maiores percentuais de
edificações (de 0,227% a 2,474% e de 0,815% a 2,475%) correspondiam aos conjuntos
habitacionais cujas construções se iniciaram em 2010, na zona sudeste da cidade; e
havia ainda três loteamentos (0,071% a 0,226%), dos quais dois foram influenciados
diretamente pela instalação do campus da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
na zona sul da cidade e o terceiro, pela construção de condomínio fechado na zona
nordeste (Mapa 02). É importante destacar que a comercialização dos lotes no
condomínio e no loteamento do entorno é anterior à instalação do campus da UFU;
entretanto, em virtude das ações dos agentes produtores do espaço urbano, a zona sul da
cidade de Ituiutaba (MG) foi a que teve maior valorização das terras, além de ser o novo
eixo de expansão da cidade.
As cidades de Capinópolis (MG), Santa Vitória (MG) (Mapa 03), Cachoeira
Dourada (MG), Gurinhatã (MG) e Ipiaçu (MG) (Mapa 04) apresentam dinâmicas de
produção do espaço urbano semelhantes entre si e diferentes de Ituiutaba (MG). Entre
os agentes produtores do espaço urbano descritos por Corrêa (2003), os proprietários de
terras e o Estado foram os principais agentes transformadores dessas cidades, uma vez
que suas expansões sempre estiveram ligadas às construções de conjuntos habitacionais
ou à abertura de loteamentos em terras que eram incorporadas ao perímetro urbano. As
empresas imobiliárias possuem atuação restrita nestas cidades, em função do reduzido
tamanho da malha urbana e da ausência de estruturas comerciais, industriais e de
serviços, fatores que somam aos interesses imobiliários na valorização das terras
urbanas. Essa realidade é muito diferente do que acontece em Ituiutaba (MG), cuja
expansão é também direcionada por outros agentes imobiliários.
Mapa 02 – Ituiutaba (MG): % de edificações em construção no total de endereços
urbanos (2010)
174
Fonte: Oliveira (2013).
As áreas com concentração de edificações em processo de construção,
representadas nos mapas 03 e 04, são oriundas dos investimentos do Programa Minha
Casa Minha Vida. Em Capinópolis (MG) e Santa Vitória (MG) percebe-se a mesma
lógica de produção do espaço urbano identificada em outras cidades brasileiras, ou seja,
a instalação dos conjuntos habitacionais nas periferias, reproduzindo, assim, os
problemas ligados à habitação, como dificuldade de acessou ou ausência de transporte
público, falta ou baixa disponibilidade de serviços de educação, saúde e segurança
pública.
Mapa 03 – Capinópolis (MG) e Santa Vitória (MG):
% de edificações em construção no total de endereços urbanos (2010)
175
Fonte: Oliveira (2013)
Em função do tamanho das cidades de Cachoeira Dourada (MG), Gurinhatã (MG)
e Ipiaçu (MG), a construção de moradias nas periferias não gera os problemas presentes
nas cidades maiores, mesmo assim consolida um processo de segregação urbana, ainda
que em uma escala reduzida, uma vez que as populações mais pobres tendem a residir
em área específica da cidade.
Mapa 04 – Cachoeira Dourada (MG), Gurinhatã (MG) e Ipiaçu (MG):
% de edificações em construção no total de endereços urbanos (2010)
176
Fonte: Oliveira (2013).
A análise dos mapas 01 e 02 permite concluir que os papéis desempenhados pelos
atores responsáveis pela produção do espaço urbano da cidade de Ituiutaba (MG)
reestruturam a cidade, impulsionados pelas transformações na economia regional, ou
seja, pela reestruturação urbana, de forma semelhante ao apontado nos estudos de Soja
(1993) e de Sposito (2004, 2007, 2007a). A reestruturação urbana na MRG está ligada
ao desenvolvimento das atividades agrícolas, sendo a cidade de Ituiutaba (MG) o único
espaço que conseguiu congregar estabelecimentos relacionados tanto ao consumo
produtivo quanto ao consumo consumptivo, tornando-se, assim, o principal centro
urbano da região.
O impacto das atividades agrícolas sobre a estrutura das cidades resultou na
expansão urbana, tanto por conjuntos habitacionais quanto por loteamentos, de acordo
com o indicado nos mapas 01, 02, 03 e 04. A necessidade de construção de moradias
nessas cidades sempre esteve ligada à migração de mão de obra de população agrícola,
ou seja, de pessoas que residem na cidade e exercem atividade laboral no campo,
principalmente para o corte de cana-de-açúcar, a fim de atender a produção das usinas
da região. A população residente na MRG de Ituiutaba (MG), representada por lugar de
nascimento na Tabela 01, demonstra o peso da migração nordestina para a região, que
tem seu déficit habitacional intensificado.
Fonseca e Santos (2011) e Oliveira e Oliveira (2012), ao estudarem a relação
cidade-campo em Ituiutaba (MG) e Capinópolis (MG), apontaram que a instalação de
177
usinas sucroalcooleiras na MRG veio acompanhada da migração de trabalhadores – a
maioria, nordestinos em busca de melhores salários e qualidade de vida – e dos
problemas sociais oriundos da atividade, tais como: a expulsão dos pequenos
proprietários do campo e a concentração de terras entre latifundiários que se ocupavam
do plantio da monocultura da cana-de-açúcar; as sobrecargas nos serviços de saúde e
educação das cidades; o aumento dos preços de aluguéis e imóveis, em virtude do
crescimento da demanda. Por outro lado, o acréscimo populacional induziu o
desenvolvimento da economia urbana, principalmente no setor terciário, em decorrência
das necessidades dos “novos” consumidores.
O déficit habitacional na MRG de Ituiutaba (MG), destacado na Tabela 02, indica
a demanda por habitações no período de 2007 a 2011, o que explica o significativo
crescimento no número de conjuntos habitacionais nas cidades a partir da criação do
Programa Minha Casa Minha Vida, com especial destaque para Ituiutaba (MG), que
concentra 74,53% do déficit habitacional da MRG. Em contrapartida, é também a
cidade com maior número de construção de novos bairros a partir de 2011, que somam
nove, dos quais sete são conjuntos habitacionais e dois loteamentos, como já indicado
no Mapa 01.
Enquanto as demandas por moradia não são atendidas, o mercado de aluguéis nas
cidades torna-se altamente rentável para os donos dos imóveis, mas extremamente
prejudicial para aqueles que são obrigados a viver sob essa condição, uma vez que
3,74% dos domicílios da MRG possuem excedente de aluguel, ou seja, o valor pago
pela locação do imóvel é superior a 30% da renda domiciliar total. Vale ressaltar que o
total de imóveis alugados corresponde a 39,68% do déficit habitacional total da MRG
(IPEA, 2013).
Tabela 01 – MRG de Ituiutaba (MG):
população residente por lugar de nascimento (2000-2010)
Total
Lugar de nascimento
2000
2010
165
376
Região Norte
10.213
15.005
Região Nordeste
116.696
121.121
Região Sudeste
369
340
Região Sul
5.429
6.009
Região Centro-Oeste
170
260
Distrito Federal
372
Brasil sem especificação 60
178
Percentual (%)
2000
2010
0,12
0,26
7,67
10,47
87,69
84,49
0,28
0,24
4,08
4,19
0,13
0,18
0,05
0,26
País estrangeiro
Total
Fonte: Oliveira (2013).
141
133.073
125
143.348
0,11
100
0,09
100
Tabela 02 – MRG de Ituiutaba (MG): estimativas do déficit habitacional (2007-2011)
% no total de Número
de
Município e MRG Déficit habitacional
habitações
domicílios
4,74
786
Cachoeira Dourada 37
370
7,32
5.057
Capinópolis
189
8,42
2.243
Gurinhatã
63
4,42
1.420
Ipiaçu
3.402
10,40
32.707
Ituiutaba
503
8,09
6.214
Santa Vitória
4.564
9,42
48.427
MRG
Fonte: IPEA (2013).
Ituiutaba (MG) é a cidade com maior excedente de aluguel da MRG, com taxa de
4,51% do total de domicílios particulares permanentes urbanos; o total de imóveis
alugados corresponde a 43,37% do déficit habitacional municipal. Para estas mesmas
variantes, as outras cidades apresentaram os seguintes percentuais, respectivamente:
Cachoeira Dourada (MG), 0,68% e 14,34%; Capinópolis (MG), 3,30% e 45,01%;
Gurinhatã (MG), 1,09% e 12,93%; Ipiaçu (MG), 1,13% e 25,60%; Santa Vitória (MG),
1,98% e 24,48%.
A
transformação
no
mercado
imobiliário
das
cidades
da
MRG
foi
predominantemente resultado da migração de trabalhadores ligados ao setor
agroindustrial canavieiro. No entanto, a instalação do campus da UFU na zona sul da
cidade de Ituiutaba (MG) foi outro fator que dinamizou as demandas imobiliárias
recentes, uma vez que servidores e estudantes, oriundos de cidades distantes de
Ituiutaba (MG), buscaram no aluguel a opção inicial para moradia na cidade.
A proporção de domicílios alugados no total de domicílios particulares
permanentes de Ituiutaba (MG), nos anos de 2000 e 2010, indica também a
concentração de aluguéis no centro da cidade, como tradicionalmente acontece em todas
as cidades. No ano de 2010, os domicílios alugados concentraram-se em dois setores
próximos aos campi das instituições de ensino superior: na zona sul, próximo à UFU, e
179
na zona leste, próximo à UEMG e à Faculdade Triângulo Mineiro 43. Já a aquisição de
moradias nas cidades da microrregião deu-se principalmente nas áreas periféricas, sendo
que, em Ituiutaba (MG), esse processo foi impulsionado tanto pela construção de
conjuntos habitacionais ou abertura de loteamentos, quanto pela valorização das áreas
que sofreram influência direta da instalação da UFU, na zona sul, e do condomínio
fechado, na zona leste.
Percebe-se diferença nas dinâmicas imobiliárias da área central da cidade, pois há
um baixo percentual de aquisição de imóveis contra altos números de aluguéis, o que
indica se tratar de uma área valorizada, na qual os imóveis servem como reserva
financeira para seus proprietários. Além disso, nota-se que não surgiu concentração
comercial em outro ponto do espaço urbano, o que reforça o papel da área central na
convergência das atividades ligadas ao setor terciário, exercendo força centrífuga sobre
a estrutura comercial da cidade. Apesar do eixo de expansão urbana ter se deslocado
para a zona sul, ainda não há tendência de instalação de estabelecimentos de comércio e
serviços nessa área, de modo que a expansão se reduz à habitação. A aquisição de
moradias nas outras cidades da MRG de Ituiutaba (MG) está relacionada às construções
de conjuntos habitacionais financiados pelo Programa Minha Casa Minha Vida.
Em Cachoeira Dourada (MG), Capinópolis (MG), Gurinhatã (MG), Ipiaçu (MG) e
Santa Vitória (MG), a expansão urbana está ligada diretamente à ação de agentes
externos às cidades, que induziram a reestruturação da economia da MRG e,
consequentemente, do espaço intra-urbano. Dentre tais agentes, sobressaem-se as
modificações nas atividades agropecuárias a partir de 2000 e os incentivos financeiros
governamentais em programas habitacionais. A cidade de Ituiutaba (MG) foi
influenciada tanto pela ação dos agentes externos como dos internos, com destaque para
a atuação das dinâmicas imobiliárias, o desenvolvimento econômico do comércio e a
instalação de infraestruturas de serviços públicos e privados.
Os novos conjuntos habitacionais surgiram em áreas que já apresentavam
problemas ligados à habitação, como aqueles referentes às condições de moradia e
infraestrutura. A grande concentração de logradouros sem pavimentação é um dos
problemas recorrentes nas cidades da MRG, uma vez que era prática comum dos
poderes legislativos municipais aprovarem loteamentos ou conjuntos habitacionais sem
43
A FTM é mantida pela Associação Comercial e Industrial de Ituiutaba (ACII), que é uma
mantenedora privada. Para mais detalhes acesse: http://www.ftm.edu.br
180
a infraestrutura básica44. Contraditoriamente, a zona da cidade de Ituiutaba (MG) com
maior concentração de logradouros sem pavimentação no ano de 2010 é a mesma que
possuía maior valorização e prestígio imobiliário nos últimos anos, a zona sul. Esta era
uma área com pequena valorização imobiliária até o anúncio da implantação e
construção do campus da UFU na cidade, que aconteceu em 2006. Segundo relatos de
moradores dos bairros do entorno da UFU, até o ano de 2006 era possível adquirir
terrenos de 360 metros quadrados por um preço médio de R$ 2.500,0045; no ano de
2013, esses valores atingiram média de R$ 60.000,00, com alguns terrenos avaliados em
mais de R$ 100.000,00, dependendo da sua localização.
Antes da chegada da UFU à Ituiutaba, a área mais prestigiada da cidade quanto ao
aspecto imobiliário era a zona leste que, em virtude da instalação do condomínio
fechado, direcionava a expansão para aquela parte da cidade. O percentual de domicílios
com logradouros sem pavimentação era pequeno, se comparado com a zona sul, o que
indicava a presença de infraestruturas urbanas.
Nas cidades de Cachoeira Dourada (MG), Capinópolis (MG), Gurinhatã (MG),
Ipiaçu (MG) e Santa Vitória (MG), a ausência de pavimentação nos logradouros
públicos estava diretamente ligada à construção dos novos conjuntos habitacionais nas
periferias das cidades em 2010. Trata-se, então, de uma situação transitória,
consequência da coincidência entre o período de recenseamento e da construção dos
conjuntos habitacionais. Em pesquisa de campo realizada no ano de 2013, foi
identificado que todos os conjuntos habitacionais já entregues aos proprietários
possuíam logradouros pavimentados.
Analisar a condição de moradia ajuda a compreender o processo de produção do
espaço urbano das cidades estudadas, pois a presença de habitações semiadequadas ou
inadequadas evidencia as desigualdades espaciais existentes e expressam as condições
socioambientais das áreas. Nas cidades de Cachoeira Dourada (MG), Gurinhatã (MG) e
Ipiaçu (MG), em função de possuírem pequenos sítios urbanos, não é possível
identificar um padrão espacial que explique a existência de moradias com condições
semiadequadas ou inadequadas (Mapa 05), somente pode-se afirmar que há relação
entre as situações arquitetônicas dos imóveis e as condições ambientais do entorno. Já
44
Essa prática aconteceu no período anterior à aprovação do Estatuto da Cidade (lei federal
10.257, de 10 de julho de 2001) que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece
diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Para mais detalhes sobre a lei acesse:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm
45
Valor do dólar em janeiro de 2013: R$ 2,06.
181
em Capinópolis (MG) e Santa Vitória (MG), foi constatado que essas moradias estão
em áreas ambientalmente desfavoráveis à ocupação humana, como as margens de
córregos que cortam as cidades, e com concentração de população cujo poder de compra
é reduzido, além da localização nos limites das cidades (Mapa 06).
Mapa 05 – Cachoeira Dourada (MG), Gurinhatã (MG) e Ipiaçu (MG): % de domicílios
em condições de moradia semiadequadas ou inadequadas no total do setor censitário
(2010)
Fonte: Oliveira (2013).
Mapa 06 – Capinópolis (MG) e Santa Vitória (MG): % de domicílios em condições de
moradia semiadequadas ou inadequadas no total do setor censitário (2010)
182
Fonte: Oliveira (2013).
A concentração de moradias em condição semiadequada ou inadequada nas
periferias dessas cidades revela que até mesmo nas pequenas cidades há uma tendência
do processo de urbanização agrupar populações mais pobres em áreas pouco
privilegiadas por infraestruturas, ambientalmente frágeis e socialmente excluídas. Na
cidade de Ituiutaba (MG) a lógica espacial da existência dessas moradias está
relacionada à presença de infraestruturas urbanas nos bairros e às condições
socioeconômicas da população (Mapa 07), ou seja, nos bairros com as condições
urbanas e econômicas mais precárias é que se concentram as moradias semiadequadas
ou inadequadas à habitação humana.
Mapa 07 – Ituiutaba (MG): % de domicílios em condições de moradia semiadequadas
ou inadequadas no total do setor censitário (2010)
183
Fonte: Oliveira (2013).
Nas zonas norte e nordeste, os bairros que se destacam nesse aspecto foram os
criados na década de 1960, com infraestrutura urbana mínima (água encanada, rede de
esgoto e iluminação pública), sem pavimentação de vias e calçadas, distantes do centro
e segregados do restante do tecido urbano pela rodovia BR-365, que se localiza na parte
norte da cidade. Esses bairros foram ocupados por populações que migraram do campo
para a cidade à procura de empregos, em decorrência da decadência do arroz e do início
da utilização de máquinas na produção agrícola.
Os bairros com maior percentual de moradias semiadequadas ou inadequadas nas
zonas sul e sudeste foram criados, respectivamente, nas décadas de 1950 e 1980,
visando atender as demandas por habitação dos migrantes que chegavam à cidade para
trabalhar nas lavouras da região (na década de 1950) ou oriundos do campo após a
expulsão da população em decorrência da modernização agrícola (na década de 1980).
A presença de moradias precárias na área central da cidade de Ituiutaba (MG) se dá em
virtude de ainda existirem alguns domicílios particulares desocupados ou ocupados por
pessoas de idade elevada, que se instalaram nesses locais em período anterior a 1940,
184
quando essa parte da cidade ainda era periférica. Além disso, a presença de moradores
nas margens do córrego Pirapitinga também contribui para elevação desse percentual na
área central.
Os bairros com moradias em condições semiadequadas ou inadequadas para a
vida humana em todas as cidades da MRG foram criados sob o único argumento da
necessidade de prover espaços para construção de domicílios àqueles que não tinham
acesso, entretanto, sem se preocupar com o efetivo bem-estar populacional, uma vez
que foram edificados em áreas que atualmente ainda apresentam problemas urbanos,
como logradouros sem pavimentação, ausência de serviços de educação e saúde
(escolas, creches, postos de saúde), transporte público ineficiente e problemas sociais,
como a baixa condição econômica da população. Todos estes fatores demonstram que,
em determinados períodos das histórias das cidades, não houve preocupação dos
poderes públicos municipais em prover áreas qualificadas para moradia.
A condição econômica da população é um aspecto que contribui para o
entendimento da produção, estruturação e dinamismo do espaço urbano das cidades.
Para as três menores cidades analisadas, Cachoeira Dourada (MG), Gurinhatã (MG) e
Ipiaçu (MG), não foi encontrado um padrão espacial na distribuição de renda, uma vez
que não há relação da renda do chefe de família e das condições de moradia com a
infraestrutura dos bairros, o local de residência ou a concentração de atividades
comerciais. Apesar de existir concentração de população com condições de renda
diferentes em determinadas partes das cidades, não houve formação de áreas
segregadas, mas sim uma tendência de concentração em determinados pontos das
cidades, não chegando a transformar a paisagem urbana.
Fica nítido que não existe uma relação direta entre a informação representada em
cada um dos mapas e as condições econômicas das populações das cidades. Por
exemplo, as áreas onde existem mais moradias semiadequadas ou inadequadas não
coincidem com as áreas onde se dá a maior concentração de chefes de família recebendo
até um salário mínimo, o que reforça a ideia de que não há padrões espaciais e
dinâmicas urbanas específicas para a organização dessas cidades.
Na comparação entre o percentual de chefes de família cujo rendimento é de até
um salário mínimo e aqueles que recebem quinze ou mais salários mínimos, contatou-se
que a cidade de Gurinhatã (MG) tem a maior desigualdade de renda entre seus
habitantes. Já as cidades de Cachoeira Dourada (MG) e Ipiaçu (MG), na média, são
185
semelhantes, apesar da diferença no tamanho populacional. Um aspecto que chamou a
atenção foi a ausência de chefes de família com renda mensal igual ou superior a quinze
salários mínimos em determinados setores das cidades, reforçando a ideia de que,
apesar de não existir segregação espacial, há uma tendência de concentração de renda
em algumas partes das cidades. Por outro lado, a concentração de chefes de família com
renda mensal de até um salário mínimo acontece principalmente nas áreas ocupadas por
conjuntos habitacionais, construídos pelo Programa Minha Casa Mina Vida ou por
outros programas governamentais, como o Lares Geraes46, do governo estadual.
Apesar das desigualdades não gerarem diferenciações espaciais nas cidades, com
contrastes significativos na paisagem urbana, o percentual de chefes de família sem
rendimento mensal era bastante significativo, principalmente em se tratando de cidades
muito pequenas. Em Cachoeira Dourada (MG) e Gurinhatã (MG), a maior quantidade
de chefes de família sem rendimento mensal se concentrava nas mesmas áreas em que
estavam estabelecidos os chefes de família com rendimento mensal de até um salário
mínimo. Já em Ipiaçu (MG), a concentração aconteceu em outro setor censitário. Cabe
salientar que a existência de chefes de família sem rendimento mensal não redunda em
ausência de rendimentos no domicílio, uma vez que, em virtude das dinâmicas
econômicas dessas pequenas cidades, parte significativa da população trabalha no
campo, podendo estar, na data do recenseamento, desempregada, mas tendo como fonte
de renda as remunerações de outros integrantes da família.
Ipiaçu (MG) sofre influência direta da expansão do setor agroindustrial canavieiro
na MRG, especialmente devido à presença da usina Vale do Paranaíba, no município de
Capinópolis (MG), às margens da rodovia MG-226, que liga as duas cidades. Parte dos
trabalhadores migrantes ligados ao corte da cana-de-açúcar reside em Ipiaçu (MG), gera
demanda por habitação, aumenta a densidade habitacional e é responsável por dinamizar
a pequena estrutura comercial da cidade. A oferta de emprego restringe-se ao serviço
público e ao setor terciário, que é bastante reduzido, como será apresentado mais
adiante. Em Cachoeira Dourada (MG) e Gurinhatã (MG), as dinâmicas não são
diferentes: ambas as cidades possuem poucos estabelecimentos comerciais, com
reduzido número de vagas de emprego; parte da população trabalha no campo e nos
serviços públicos. Alguns habitantes de Cachoeira Dourada (MG) trabalham na Usina
Hidroelétrica da cidade , que tem sede no município vizinho, Cachoeira Dourada (GO).
46
A respeito do Programa Lares Geraes, acesse: http://www.cohab.mg.gov.br/
186
Em Capinópolis (MG) e Santa Vitória (MG) foi possível constatar um padrão
espacial na distribuição de renda. Há concentração de população de baixa renda nas
áreas periféricas das cidades, notadamente nas mesmas áreas com maiores carências de
infraestruturas e com piores condições de moradia. Por outro lado, as áreas centrais das
cidades, onde há a maior concentração de comércio, aglutinam as populações de maior
poder aquisitivo.
A desigualdade na distribuição de renda implicou em uma diferenciação na
paisagem urbana. Em Capinópolis (MG), por exemplo, há concentração de chefes de
domicílio com rendimento de até um salário mínimo nas áreas ambientalmente mais
frágeis, próximas ao córrego Bauzinho (de oeste a nordeste da cidade) e à rodovia MG154 (sudeste da cidade), que liga a Capinópolis à Cachoeira Dourada (MG); são áreas
ocupadas por loteamentos e conjuntos habitacionais construídos para atender as
demandas por moradia de população de menor poder aquisitivo47.
Em Santa Vitória (MG) essa concentração está na zona noroeste, em uma das
vertentes do córrego Santa Vitória; distante do centro, com contiguidade espacial em
somente um ponto. Trata-se de uma área que foi ocupada, em sua maioria, por lotes e
algumas casas de conjunto habitacional, sem estrutura comercial e espaços de lazer e
com serviços públicos precários. A zona leste, mais próxima ao centro, é outra área com
significativa presença de chefes de família com rendimento mensal de até um salário
mínimo, e foi ocupada principalmente por conjuntos habitacionais.
Em ambas as cidades há uma convergência entre concentração de população de
baixa renda e condições de moradia semiadequadas ou inadequadas, principalmente nas
áreas próximas aos córregos urbanos e nas extremidades das cidades. Por outro lado, os
maiores percentuais de chefes de família com rendimento nominal mensal de quinze
salários mínimos estão nas áreas centrais, demonstrando que essas cidades se inserem
na lógica residencial da maioria das cidades brasileiras de pequeno e médio porte, que é
da fixação de famílias com maiores rendimentos nas áreas centrais das cidades. Vários
bairros periféricos não possuem chefes de família com rendimento mensal igual ou
superior a quinze salários mínimos, reforçando a desigualdade socioespacial em
Capinópolis (MG) e Santa Vitória (MG).
Nesse mesmo sentido, as famílias com chefes sem rendimento nominal mensal se
agrupam nas extremidades das cidades, nas áreas próximas aos córregos, rodovias ou de
47
A respeito das condições de moradia em Capinópolis, confira: Oliveira (2013a).
187
ocupação recente. Em Santa Vitória (MG), esses chefes residem nas áreas de ocupação
recente (sudoeste e sudeste), onde há conjuntos habitacionais e loteamentos destinados à
população de baixa renda (noroeste e nordeste) da cidade. Em Capinópolis (MG), as
áreas com maior percentual são aquelas próximas ao córrego Buritizinho, ocupadas
tanto por conjuntos habitacionais quanto por loteamentos para populações de baixa
renda. As duas cidades receberam população que migraram para trabalhar nas lavouras
de cana-de-açúcar, especialmente naquelas ligadas às usinas situadas em seus
municípios. Se, por um lado, essa migração foi responsável por criar demandas de
habitação, dinamizar o comércio e o mercado imobiliário, por outro, sobrecarregou os
serviços de saúde e educação, uma vez que as cidades não possuíam estruturas para
atender as demandas dos “novos” habitantes48.
Com relação à possibilidade de emprego, as pessoas estão empregadas nas
pequenas indústrias (de laticínios e cerâmicas), no setor terciário (comércios e serviços),
nas usinas sucroalcooleiras, nas atividades agropecuárias e nos serviços públicos.
Tanto Santa Vitória (MG) quanto Capinópolis (MG) dispõem de estruturas
comerciais e de serviços mais desenvolvidas do que Cachoeira Dourada (MG),
Gurinhatã (MG) e Ipiaçu (MG); entretanto, muito aquém das de Ituiutaba (MG). Por
esse motivo, Capinópolis (MG) exerce influência direta, porém limitada, sobre
Cachoeira Dourada (MG) e Ipiaçu (MG), enquanto Santa Vitória (MG) exerce, de forma
muito reduzida, influência sobre São Simão (GO) e Gurinhatã (MG). A estrutura
comercial e de serviços das cidades da MRG, bem como sua rede de influência serão
apresentadas mais a frente neste mesmo capítulo.
Em Ituiutaba (MG), a concentração de chefes de família com rendimento nominal
mensal de até um salário mínimo acontece na periferia. No ano de 2000, essa população
ocupava os bairros das zonas oeste, sudoeste, sul e sudeste da cidade, historicamente as
áreas mais pobres, formadas por conjuntos habitacionais e loteamentos para populações
de baixa renda, a maioria construída sem infraestrutura de pavimentação de ruas e
calçadas. No ano de 2010 essa realidade se transforma, pois, apesar de aumentar o
percentual de chefes de família com renda mensal de até um salário mínimo em alguns
setores censitários, houve uma redução significativa do número de setores nos
percentuais mais altos e aumento daqueles com percentuais mais baixos. Isso indica que
48
A respeito das condições socioeconômicas dos trabalhadores migrantes residentes em
Capinópolis, confira: Oliveira e Oliveira (2012).
188
a renda da população da cidade aumentou, o que pode ser atribuído a vários fatores,
como os programas sociais do governo federal, por exemplo, o Bolsa Família; a oferta
de emprego vinculado ao setor agroindustrial canavieiro, principalmente a partir de
2003; a oferta de emprego na construção civil, em virtude dos conjuntos habitacionais,
ou no setor terciário da econômica urbana, em decorrência do tímido crescimento a
partir de 2003.
Apesar da redução entre os anos de 2000 e 2010, a concentração dos chefes de
família com renda de até um salário mínimo se manteve, em 2010, em bairros da parte
sul da cidade e em dois bairros da zona norte. Em oposição, os chefes de família com
rendimento nominal mensal de quinze salários mínimos ou mais ocupam uma faixa de
território que tem origem no centro e se estende até a zona sul da cidade, formada pelos
bairros Centro, Setor Sul e Independência, além de um bairro a leste, próximo ao
campus da UEMG, chamado Setor Universitário.
O número de setores sem a presença desses chefes de família aumentou no
período entre 2000 e 2010, demonstrando que houve concentração de renda na cidade,
principalmente naquelas áreas que historicamente foram ocupadas por pessoas de mais
alta renda. Além disso, os dados demonstram que existiu redução no percentual de
chefes por setor, uma vez que no ano de 2000 o máximo era de 0,53%, passando para
0,12% em 2010. Provavelmente os dados do próximo censo, que será realizado em
2020, indicarão concentração de população de alta renda na zona sul da cidade, em
detrimento do centro, uma vez que é a área com maior valorização imobiliária nos
últimos sete anos, onde há previsão de instalação de equipamentos e infraestrutura que
agregarão valores à terra urbana, como um condomínio fechado, loteamentos voltados
para a classe média, um pequeno centro comercial e um shopping center, que está em
fase de elaboração de projetos49. Esses investimentos serão financiados, em parte, por
grupos econômicos locais e por grupos imobiliários de Uberlândia (MG) e da região de
Ribeirão Preto (SP).
A distribuição espacial dos chefes de família sem rendimento nominal mensal é
outra informação que chama atenção em Ituiutaba (MG), pois no ano 2000, esses
habitantes estavam concentrados nos bairros que formam o anel periférico da cidade e,
em 2010, passaram a se concentrar nos bairros das zonas sudoeste e sul. Ao comparar os
49
Informações repassadas pela Secretária de Planejamento e Secretária de Assuntos Especiais
da Prefeitura Municipal de Ituiutaba (MG).
189
dados de 2000 com os de 2010, percebe-se que neste último ano houve aumento
percentual do número de chefes de família sem rendimento, acompanhado da
concentração dessas pessoas na metade sul da cidade.
É possível inferir que, apesar da tendência de valorização imobiliária do setor sul
nos últimos sete anos, a cidade ainda não apresenta uma diferenciação espacial
(segregação) por zonas, mas sim por bairros. Exemplo desta dinâmica são os bairros da
zona sul, onde, em função da instalação do campus da UFU, o preço da terra e dos
imóveis aumentou significativamente, atraindo populações de média e alta renda. Ao
mesmo tempo, é uma zona da cidade com significativo percentual de moradias
semiadequadas ou inadequadas e com logradouros sem pavimentação, indicando que a
cidade está passando por uma mudança em sua lógica imobiliária, ou seja, está sofrendo
uma reestruturação.
A reestruturação urbana da MRG de Ituiutaba (MG) não resultou somente em
transformações nas dinâmicas imobiliárias das cidades, mas também na reestruturação
do setor terciário da economia, principalmente em Ituiutaba (MG), que se consolidou
como principal centro urbano da região analisada, tanto no atendimento do consumo
produtivo ligado à agropecuária quanto do consumo consumptivo da população.
Diante do exposto, pode-se afirmar que a modernização agrícola nos municípios da
MRG desde a década de 1970, a implantação das agroindústrias canavieiras para
produção de açúcar e etanol, a migração de mão de obra para trabalhar nas lavouras de
cana-de-açúcar, o crescimento das atividades comerciais e as transformações
imobiliárias recentes, incentivadas principalmente pela instalação das instituições
públicas de ensino, foram responsáveis por dinamizar a economia urbana e modificar as
cidades.
A cidade de Ituiutaba (MG) consolida-se como polo regional da MRG, com interações
espaciais em diferentes níveis escalares, entre as quais, as nacionais e internacionais
estão vinculadas à existência de agroindústrias dos setores de beneficiamento de grãos,
laticínio, frigorífico e sucroalcooleiro, com sua produção voltada, principalmente, para
as demandas do mercado externo (exportação), no entanto, sem deixar de atender o
mercado interno brasileiro. Já na escala regional, os serviços de saúde e educação
superior são os responsáveis pela intensificação das interações, acompanhados da
comercialização de alguns produtos produzidos nas unidades industriais menores da
cidade, como: beneficiadoras de café (torração e moagem), frigoríficos, laticínios e
190
olarias. Da mesma forma, o setor terciário de Ituiutaba (MG) se estabelece como
centralizador das relações regionais, atendendo tanto as necessidades de sua população,
quanto das cidades vizinhas, o que resulta no aumentado do dinamismo deste setor.
A interiorização do ensino superior, somada a existências de usinas agroindustriais
canavieiras, inauguraram novas dinâmicas espaciais na MRG, visto que a reestruturação
urbana, estimulada pelo desenvolvimento econômico, influência a reestruturação das
cidades. Da mesma forma que as transformações no espaço intra-urbano fomentam as
dinâmicas regionais, instituindo um ciclo de desenvolvimento inseparável entre o
urbano e o regional.
Pelo fato desses processos serem recentes na MRG, uma vez que surgiram no início do
século XXI, é impossível identificar um conjunto de dinâmicas socioespaciais que
alterem significativamente as cidades, no entanto, são indícios de que as cidades,
especialmente Ituiutaba (MG), passarão por transformações expressivas, tanto no
aspecto da forma urbana, quanto nas relações regionais, o que implicará na necessidade
de um novo entendimento sobre o processo de urbanização do Pontal do Triângulo
Mineiro.
3. Referências:
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cana e a vida na cidade: diagnostico socioeconômico dos migrantes trabalhadores do
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cidades do estado de São Paulo. 2004. 508f. Tese (Livre Docência em Geografia) Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente
Prudente, 2004.
193
EXPANSÃO URBANA E VALORIZAÇÃO DO SOLO NA CIDADE
MÉDIA DE MONTES CLAROS – MG
Iara Soares de França50
Maria Ivete Soares de Almeida51
Francielle Gonçalves Silva52
Sara Cristiny Ramos Meirelles 53
Valéria Moreira Costa54
Rodrigo Marques do Nascimento55
Thaís Muniz Melo56
RESUMO
Montes Claros/MG, cidade média, tem se dinamizado em vários setores tais
como urbano, econômico, social e estrutural nos últimos anos. Um dos setores em
evidência nessa cidade é o segmento da construção civil que afeta diretamente a
expansão urbana vertical e horizontal, alterando a sua dinâmica socioespacial. Nesse
contexto, este artigo analisa o processo de expansão urbana de Montes Claros no
período de 1970 até a atualidade relacionado à dinâmica econômica exercida pelo setor
da construção civil na cidade, destacando-se a valorização do solo urbano. Isso
demonstra um novo padrão de urbanização resultante de profundas transformações

Este artigo resulta da pesquisa “Produção do espaço urbano: o processo de verticalização e os
condomínios horizontais na cidade média de Montes Claros/MG, após a década de 1990”, em
desenvolvimento (2014-2016), financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas
Gerais – FAPEMIG (Processo N. CSA – APQ – 01375 – 13), desenvolvida pelos autores no Laboratório
de Estudos Urbanos e Rurais - LAEUR, vinculado ao Departamento de Geociências da Universidade
Estadual de Montes Claros-UNIMONTES. Apoio Financeiro: CNPq e FAPEMIG.
50
Doutora em Geografia pelo Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU). Profa do Programa de Pós Graduação em Geografia/PPGEO e do Dept o Geociências
da Unimontes. [email protected].
51
Mestre em Geografia PELA UFG. Doutoranda pelo Programa de Pós Graduação em Geografia Tratamento da Informação Espacial – Pontifícia Universidade Católica - PUC Minas. Professora do
Departamento de Geociências da Unimontes. [email protected].
52
Graduada em Geografia pela Unimontes, Bolsista de Apoio técnico – BAT – FAPEMIG,
Unimontes. [email protected].
53
Graduanda em Geografia pela Unimontes, Bolsista de Iniciação Científica
PROINIC/FAPEMIG, Unimontes. [email protected].
54
Graduanda em Geografia pela Unimontes, Bolsista de Iniciação Científica
PROINIC/FAPEMIG, Unimontes. [email protected].
55
Graduando em Engenharia Civil pela Unimontes, Bolsista de Iniciação Científica
FAPEMIG, Unimontes. [email protected].
56
Graduanda em Engenharia Civil pela Unimontes, Bolsista de Iniciação Científica CNPq,
Unimontes. [email protected].
194
socioespaciais e econômicas ocasionando novos usos do solo urbano, com isso, novas
formas urbanas, além de novos conteúdos sociais e culturais nessa cidade média.
Palavras-chave: cidade média; expansão urbana vertical e horizontal; valorização do
solo urbano.
Introdução
A partir da Revolução Industrial e advento da maquino fatura no século XVIII,
houve mudanças na produção, consumo, transporte, comunicação, entre outros. Em
função disso, mudanças nas relações sociais e na dinâmica de ocupação do espaço
geográfico. Por conseguinte, constata-se o crescimento e a modernização das cidades,
fator que também contribuiu para o acelerado processo de urbanização nos países
industrializados.
Conforme Soares (2006), a urbanização brasileira é um fenômeno recente. Notase um crescimento nas taxas de urbanização no país a partir da década de 1940. Nesse
período, a população ainda era considerada em sua maioria como rural. Conforme o
Censo Demográfico realizado pelo IBGE na década de 1970, a população brasileira
tornou-se predominantemente urbana e, desde então, não houve regresso nas taxas de
urbanização. Em 2000 a taxa de urbanização brasileira chegou a 81%, como
apresentado pelo censo do mesmo ano. Atualmente a taxa de urbanização ocupa o
percentual de 84% apresentado pelo Censo Demográfico (IBGE, 2010) sendo
representado por 160.925.792 habitantes.
Conforme Andrade & Serra (2013) no período 1970/91 as cidades com
população entre 100 mil e 500 mil habitantes detinham cerca de 35% de todo
crescimento demográfico urbano nacional. O dinamismo existente nessas cidades fez
com que este conjunto de centros, que em 1970 representava 12,6% da população
urbana nacional, passasse em 1991 a agrupar 24,4% desta mesma população.
Os municípios que apresentaram, em conjunto, os mais expressivos crescimentos
no período 2000-2012 foram também aqueles com população entre 100 mil e 500 mil
habitantes, revelando que o dinamismo populacional do Brasil continua seguindo novas
rotas, particularmente rumo ao interior (FRANÇA, ALMEIDA, OLIVEIRA, 2014).
195
O dinamismo demográfico desses centros urbanos também se associa ao sua
complexidade urbana, econômica, política e estrutural.
Sobre isso, Soares (2006)
aponta que na contemporaneidade verifica-se um amplo processo de reestruturação
caracterizado pela “explosão” das tradicionais formas de concentração urbana e pela
emergência de novas formas espaciais, resultantes de novas territorialidades dos grupos
sociais na urbanização brasileira. O fenômeno da “dispersão urbana” no âmbito da
escala intraurbana vem alterando a morfologia urbana tradicional, gerando novas
centralidades e novas periferias. Sendo assim, novos processos de desconcentração e
reconcentração espacial da população, das atividades econômicas e da informação sobre
o território são produzidos nas escalas interurbana e regional.
Dentre essas transformações, as cidades médias desempenham papel importante
na hierarquia e na rede urbana brasileiras, como locais privilegiados para a oferta e
prestação de serviços e comércio (FRANÇA, 2007). Neste contexto, a macrorregião
Norte de Minas tem como núcleo urbano principal a cidade média de Montes Claros.
Esta possuía, em 2010, 361.971 habitantes, conforme Censo Demográfico (IBGE,
2010). Destaca-se pela importância econômica, principalmente nas atividades
relacionadas ao setor terciário, notadamente, comércio atacadista e varejista e prestação
de serviços. Além disso, grande relevo a indústria e a construção civil.
É importante salientar os incentivos públicos e privados decorrentes das políticas
desenvolvimentista implantadas na cidade pela Superintendência do Desenvolvimento
do Nordeste – SUDENE (atual Agência de Desenvolvimento do Nordeste – ADENE),
entre outros, e suas contribuições para alavancar formação socioespacial e na sua
expansão urbana. Soma-se a isso, as melhorias nos setores de infraestruturas
(transportes, comunicação, consumo, entre outros), para o desenvolvimento da indústria
da construção civil e do mercado imobiliário local.
Neste contexto, para França, Almeida, Oliveira (2014) abordam que o
aquecimento do setor imobiliário em Montes Claros está vinculado à dinâmica do setor
de serviços por meio de investimentos e negócios, ao aumento do poder aquisitivo da
população e à expansão do acesso ao crédito imobiliário visando à diminuição do déficit
de moradias para as populações. Com isso, o setor imobiliário de Montes Claros vive
uma nova valorização e dinâmica resultantes de fortes transformações socioespaciais e
econômicas. A distribuição espacial dos empreendimentos horizontais e verticais em
Montes Claros imprime uma nova morfologia urbana nessa cidade média. Contudo, o
196
espraiamento desses empreendimentos em Montes Claros contribui para a prática da
especulação imobiliária e o Estado legitima a ação dos agentes capitalistas, por meio do
aparato legislativo.
Nesta perspectiva, esse artigo analisa o processo de expansão urbana de Montes
Claros a partir da dinâmica econômica exercida pelo setor da construção civil na cidade,
destacando a valorização do solo urbano. O setor da construção civil é um dos
responsáveis pelo aumento da quantidade de empregos, que consequentemente
proporciona melhorias na economia da cidade. O crescimento do setor também afeta
diretamente a expansão urbana, alterando, assim, a sua dinâmica espacial. Neste
contexto, o setor da construção civil tem influenciado a expansão urbana, apresentando
seus aspectos espaciais, econômicos, políticos e estruturais.
A metodologia utilizada neste estudo
consistiu-se em
análise
bibliográfica de autores que discorrem sobre as temáticas: (1) Cidade média:
(FRANÇA, 2007; SPOSITO, 2007; CASTELLO BRANCO, 2007);
(2) Expansão
urbana: (MELAZZO, 2001). (3) Construção civil e dinâmica imobiliária: FRANÇA,
SOARES, OLIVEIRA, 2014; ROCHA, ALMEIDA, 2013. Apresenta-se a análise do
setor da construção civil e a sua relação com a expansão urbana a partir de dados
secundários do PIB municipal nos últimos doze anos apresentados em três períodos de
seis anos (2000, 2006, 2012), coletados junto ao IBGE. Além disso, examinou-se os
dados da variação do emprego e do número de trabalhadores na construção civil no
período de 2000-2014 nas escalas federal e municipal, adquiridos junto a Confederação
Nacional das Indústrias e Ministério do Trabalho e Emprego. Para análise do valor do
solo foram levantados dados acerca da média do valor venal (1995-2014) e valor de
mercado do m² construído em terrenos em Montes Claros, junto à Prefeitura Municipal
de Montes Claros e nos classificados do Jornal Gazeta Norte Mineira. Os resultados
obtidos foram sistematizados na forma de mapas, tabelas e gráficos.
A construção civil e o processo de expansão urbana: dinâmica empregatícia e
econômica em Montes Claros/MG
A cidade média de Montes Claros está localizada no Norte de MG, possui cerca
de 3.568, 941 km ² de unidade territorial e população estimada, em 2014, de 390.212
197
habitantes. (IBGE, 2014). No que se refere à economia, Montes Claros se destaca
apresentando um PIB a preços correntes no valor de 5, 34 bilhões. (IBGE, 2013).
No contexto de cidade média57, Montes Claros/MG vem experimentando um
crescimento vertiginoso e transformações em seu tecido espacial, social e econômico ao
longo do tempo. A partir da década de 1970 o processo de industrialização influenciou
de forma decisiva na consolidação desta cidade como centro regional norte mineiro.
É importante frisar que a industrialização, por meio dos incentivos políticos da
SUDENE, não atingiu a todos os municípios da região. A maior parte das indústrias se
concentra em Montes Claros, Pirapora, Bocaiúva e Várzea da Palma. Por meio do
incremento industrial, em outros municípios norte-mineiros, associado a projetos nos
diferentes setores da economia, foram gerados empregos diretos e indiretos. (Gomes,
2007).
De acordo com dados do IBGE (2014), o município de Montes Claros/MG
possui sua base econômica estruturada, principalmente, nas atividades do setor terciário
(comércio e prestação de serviços) e, em seguida, no setor secundário (indústria), sendo
que, no setor primário (agropecuária) há menor expressividade. (Gráfico 01).
Gráfico 01: Produto Interno Bruto do Município de Montes Claros-MG por setores,
2000, 2006 e 2012.
4.000.000
3.492.133
3.500.000
3.000.000
2.500.000
2.000.000
1.775.440
1.500.000
1.085.535
1.000.000
500.000
799.553
387.843
593.097
146.124
71.066
48.157
0
2000
2006
2012
Valor adicionado bruto da agropecuária a preços correntes
Valor adicionado bruto da indústria a preços correntes
Valor adicionado bruto dos serviços a preços correntes
Fontes: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
Coordenação de Contas Nacionais (Conac). Org.: SILVA, Francielle Gonçalves, 2015.
57
Para a discussão de Montes Claros como cidade média, consultar França (2007).
198
Conforme os dados apresentados acima houve um acréscimo considerável da
participação do PIB valor adicionado bruto em cada um dos setores em Montes
Claros/MG nos últimos doze anos58. Destaca-se no período de 2000 a 2012 o PIB de
serviços com um aumento de 337%, a indústria com 180% e a agropecuária com 203%.
A expansão urbana, de acordo com Nascimento & Matias (2011, p. 23), é
definida como “uma das expressões mais concretas do processo de produção do espaço
na sociedade contemporânea”. A produção do espaço urbano é um fenômeno que
reconfigura a materialidade de um determinado espaço, dando-o novas funções. Ela é
guiada principalmente pelos interesses do Estado, dos agentes imobiliários e das
empresas. (FRANÇA, 2014).
A indústria da Construção Civil é composta por três segmentos: construção de
edifícios, formado pelas obras de edificações ou residenciais e, por obras de
incorporação de empreendimentos imobiliários; da construção pesada ou obras de
infraestrutura; e de serviços especializados, representaram, em 2013, um faturamento de
R$ 180 bilhões. (DIEESE, 2013).
A construção civil está diretamente ligada à expansão urbana, uma vez que esta
proporciona o aumento na demanda de construções, alterando assim a dinâmica deste
setor. Na cidade média de Montes Claros – MG, a inserção de novos condomínios,
conjuntos habitacionais, os programas do governo de incentivo à habitação,
proporcionaram a expansão do setor da construção civil nos últimos anos.
Fato este que contraria a realidade do Brasil como um todo, no período de
novembro de 2013 a novembro de 2014, onde o segmento tem diminuído a oferta de
empregos, conforme apresentado no Gráfico 02:
Gráfico 02: Indicador de evolução do número de empregos da construção civil no
Brasil.
58
A escolha do período apresentado levou em consideração os últimos doze anos apresentados
em três períodos. Considerou-se ainda a disponibilidade dos dados junto ao IBGE e o significativo
processo evolutivo, sobretudo no setor de serviços.
199
Fonte: Confederação Nacional das Indústrias, 2014.
O gráfico 02 expõe a queda do número de empregados na construção civil no
Brasil em 2014. Os valores acima da linha representam aumento e abaixo da linha
representam queda na oferta de empregos. A diminuição da quantidade de emprego no
setor se intensifica crescentemente a partir de abril de 2014, atingindo ao seu valor
máximo em novembro de 2014, chegando a 41,5 pontos.
Gráfico 03: Evolução do número de empregos da construção civil no Brasil.
200
Fonte: Confederação Nacional das Indústrias, 2013.
Observa-se, através da análise do índice da quantidade de emprego nos anos de
2012 e 2013 (Gráfico 03), que durante esses anos o índice também foi
predominantemente negativo. Entre os meses de fevereiro a maio de 2012 há um
aumento na quantidade de emprego, contudo a partir desse mês ele prossegue decaindo,
apresentando algumas oscilações como, por exemplo, em outubro de 2012 e março de
2013.
A desaceleração nesses períodos pode estar associada, em parte, pelo conjunto
de medidas adotadas pelo governo no início de 2011 e o desaquecimento da economia
mundial, que contribuíram para o menor crescimento da economia brasileira,
repercutindo no setor da construção civil.
Fator diferente ocorre na construção civil em Montes Claros quando se analisa a
quantidade de trabalhadores no referido setor, no período de 2000/03. (Gráfico 4).
201
Gráfico 04: Quantidade de trabalhadores na construção civil por ano em Montes
Claros-MG- 2000-2013.
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
Fonte: Ministério do trabalho e do emprego. Org.: MELO, T. M. 2015
A partir da análise do gráfico vê-se que na cidade de Montes Claros a quantidade
de emprego teve uma queda entre os anos de 2000 e 2003. Contudo, a partir desse ano
ela esteve em ascensão, gerando um total de 6095 empregos no ano de 2013.
Ao comparar a quantidade de emprego de Montes Claros com o Brasil, nos anos
de 2012 e 2013, é notável a divergência entre eles, onde Montes Claros apresenta
ascensão na quantidade de empregos, e o Brasil, embora com variações, exibe um
declínio. Isso afirma o crescimento do setor na cidade, por meio da intensificação da
dinâmica imobiliária que resulta no processo atual de expansão urbana dessa Cidade
Média.
Valorização do solo urbano e dinâmica imobiliária
A distribuição espacial dos empreendimentos horizontais e verticais em Montes
Claros mostra o dinamismo dos setores de comércios e serviços, e, portanto, da
construção civil e imobiliária que reflete na expansão urbana dessa cidade média que
atualmente vivencia transformações socioespaciais do ponto de vista da estruturação do
espaço urbano e seus impactos na produção habitacional e econômica. Verifica-se um
novo padrão de urbanização que ocasiona novos usos e ocupação do solo urbano, com
202
isso, novas formas urbanas, por exemplo, os empreendimentos horizontais e verticais
(Mapa 01).
Mapa 01: Empreendimentos horizontais e verticais na cidade média de Montes
Claros/MG
Fonte: Secretária Municipal de Planejamento e Coordenação – SEPLAN,
2005; IBGE, 2010; e LAEUR, 2014. Org.: SILVA, F. G.2014 e FRANÇA,
2014.
203
Conforme apresentado no mapa159, Montes Claros possui aproximadamente 516
empreendimentos verticais, sendo que a maior parte está localizada na área core da
cidade (32%); 26% na área Sul; 23% no Norte. Tem-se 18% dos empreendimentos na
área Oeste e apenas 1% no Leste da cidade.
Em relação aos empreendimentos horizontais, diagnosticou-se um total de 39
localizados predominantemente nas áreas Oeste e Sul da cidade, espaços que possuem
maiores amenidades ambientais, infraestruturas urbanas e população com maior poder
aquisitivo.
Mapa 02: Número de pavimentos dos empreendimentos verticais em Montes
Claros/MG.
59
A metodologia do mapa consistiu na combinação de técnicas que envolvem mapeamento
direto, através de pesquisa de campo realizada em Maio de 2014 pelos pesquisadores do Laeur para coleta
de dados da localização dos empreendimentos verticais e horizontais (tipos de empreendimentos, padrões
de ocupação, número de pavimentos), onde foram obtidas as coordenadas geográficas. E ainda, análise e
representação via imagem de satélite Quick Bird (2005), sobposta pelo shapefile logradouros do
perímetro urbano da cidade de Montes Claros (Seplan, 2005). Cada ponto é uma localização específica,
onde o amarelo representa os empreendimentos horizontais e os vermelhos os empreendimentos verticais.
Os dados foram espacializados e trabalhados no SIG - Sistema de Informações Geográficas, no software
ArcGiz e o modelo selecionado para a espacialização foi o mapa temático.
204
Fonte: Secretária Municipal de Planejamento e Coordenação – SEPLAN,
2005; IBGE, 2010; e LAEUR, 2014. Org.: SILVA, F. G.2014 e FRANÇA,
2014.
Sobre a verticalização por número de pavimentos, a área central concentra a
maior parte dos empreendimentos, destacando-se aqueles com até 18 pavimentos. A
verticalização se destaca também em alguns eixos articulados à área central de Montes
Claros como a Avenida Mestra Fininha que se estende até o bairro Morada do Sol.
Outros eixos verticalizados importantes são as avenidas Deputado Esteves Rodrigues,
Cula Mangabeira, com empreendimentos de grande estatura, até 20 pavimentos.
Também na área central há o predomínio dos empreendimentos verticais de 4 a 6
205
pavimentos com diversos padrões de uso: residencial, comercial, misto, institucional,
além de prestação de serviços. Esses empreendimentos concentram-se na área central.
(Mapa 03).
Mapa 03: Padrões de uso dos empreendimentos verticais em Montes Claros/MG.
Fonte: Secretária Municipal de Planejamento e Coordenação – SEPLAN,
2005; IBGE, 2010; e LAEUR, 2014. Org.: SILVA, F. G.2014 e FRANÇA,
2014.
Em Montes Claros as mudanças nas esferas econômicas, políticas, culturais e
sociais são determinantes no processo de expansão urbana vertical e horizontal aqui
apresentado. Soma-se a isso, a ação combinada de agentes dos segmentos imobiliários,
indústria da construção civil e Estado via investimentos incidindo na especulação
imobiliária.
206
A expansão territorial, no contexto das transformações do espaço interno da
cidade, refere-se à anexação de novas áreas e à diferenciação intraurbana dos preços
imobiliários. De forma geral, as áreas que passam mais intensamente pelo processo de
negociação de terreno direcionam a expansão urbana, apontando a presença dos agentes
imobiliários e sua influência sobre os preços fundiários na urbe. Estes agentes
combinados ao mercado fundiário, ao se distribuírem por todas as áreas e direções da
malha urbana, promovem o reordenamento na configuração territorial da cidade. As
empresas ligadas aos negócios imobiliários atuam sobre os tipos de imóveis
estrategicamente por meio da apropriação de ganhos imobiliários. (MELAZZO, 2001).
O processo de produção do espaço urbano se consolida a partir da lógica
capitalista, em que se agrega valor a terra e ao que nela se produz. Tal valorização está
associada à mão de obra e ao capital. Diante disso, o capital reproduzido visando o lucro
é refletido através da mais valia e do monopólio exercido por parte dos grandes
latifundiários, ambos assim contribuem com as dinâmicas do mercado imobiliário. O
mercado imobiliário para Vargas (2011) dispõe de mecanismos que atuam como
reguladores do uso do solo, o principal é a especulação imobiliária que determina a
valorização dos espaços urbanos sem que os mesmos disponibilizem uma boa
infraestrutura, levando em consideração o fato de que infraestrutura é um dos elementos
básicos determinantes no preço do solo urbano.
Quanto ao processo de valorização do solo urbano
Nas cidades, o capital investido na compra de terrenos, sejam
eles para loteamento ou mesmo os pequenos lotes para
habitação, deve ser convertido em lucro com base do processo
de valorização. Portanto, o investimento no produto imobiliário
ou na produção imobiliária urbana está relativo à conjuntura
socioeconômica: envolvem agentes e interesses diversos,
contextos socioespaciais e históricos e estruturas de sustentação
da valorização econômica. (ROCHA, ALMEIDA, 2013, p.28).
Nesse contexto, analisa-se o processo de valorização do solo sob duas
perspectivas, o valor venal calculado pela prefeitura para fins de cálculo de imposto e o
valor de mercado. Normalmente determina- se o valor do solo em função das dimensões
do terreno, seguindo a lógica de que quanto maior o lote, maior o preço. Porém, esta
proposição perde sua validade quando são atribuídas outras variáveis ao solo parcelado
da cidade.
207
Diante disto, a cidade média de Montes Claros em constante processo de
expansão, contribui com a dinâmica imobiliária e a valorização do m² do solo urbano.
Para compreender os processos que levaram às atuais configurações espaciais da cidade,
considerou-se o valor venal do metro quadrado do terreno, que é determinado conforme
o logradouro, a localização do terreno na quadra, o tipo de terreno, assim como sua
forma geométrica. (GUIA DO CONTRIBUINTE, 2013).
Conforme os dados apresentados na tabela 01, explorando a classificação quanto
à média de valor venal do m², nota-se que os bairros Vilage do Lago, Santo Amaro,
Jardim Primavera possuem médias baixas, entre R$ 3,87 e R$ 5,64. Estes bairros estão
distantes do núcleo central, se localizam nas bordas do perímetro urbano e não dispõem
de boa infraestrutura urbana.
Tabela 1. Valor venal e valor de mercado do m² construído em alguns terrenos em
Montes Claros/MG.
Bairros
Media Venal Valor do Mercado
Vilage do Lago II
Santo Amaro
Jardim Primavera
Das acácias
Ibituruna II
Morada do Sol
Jardim Panorama I
Santo Expedito
Melo
São Luiz
Centro Comercial
R$ 3,87
R$ 5,14
R$ 5,64
R$ 58,25
R$ 59,19
R$ 62,77
R$ 65,93
R$ 69,30
R$ 117,52
R$ 118,98
R$ 1.251,11
R$
R$
R$
R$
R$
R$
R$
R$
R$
R$
R$
1.166,00
2.090,00
2.300,00
2.375,00
2.631,00
1.718,00
2.658,00
1.644,00
2.850,00
2.850,00
3,076,00
Fonte: Prefeitura Municipal de Montes Claros e
Classificados do Jornal Gazeta Norte Mineira. Org: Costa.
V. A. M; 2014.
Os bairros Das acácias, Ibituruna II, Morada do Sol, Jardim Panorama I e Santo
Expedito possuem valorização média entre R$58,25 e R$69,30. Estes são bairros
voltados principalmente para habitação de classe média com poucas atividades
comerciais, se localizam próximos ao centro e são ligados por importantes avenidas da
cidade, como por exemplo, a av. Mestra Fininha no bairro Morada do Sol e a av. Cula
Mangabeira no Santo Expedito.
Já os bairros Centro, Melo e São Luiz possuem os valores de terrenos mais altos
da cidade que estão entre R$117,52 e R$1.251,11 (Centro). Isso se justifica pela
208
localização central que oferece serviços comerciais e também prestação de serviços,
como bancos e hospitais.
Mapa 04: Média do valor venal do m² em Montes Claros a partir de 1995.
Fonte: Prefeitura Municipal de Montes Claros-MG.
Com os dados expostos, constatou-se que no período analisado o solo se
manteve em constante valorização. Verificou-se também a valorização da área central
que dispõe de melhor estrutura.
Quanto aos valores de mercado concedidos ao solo parcelado da cidade em geral
são definidos pelo mercado imobiliário, que além das dimensões do terreno passa a
considerar outros elementos urbanos como centralidade/segregação, oportunidades
locacionais, uso e ocupação do solo e condições de mercado, influenciadas pela "lei da
oferta e da procura".
209
Com o crescimento econômico da cidade média de Montes Claros aumenta a
demanda de terrenos centrais para edificações, em sua maioria voltada para os setores
comerciais e de serviços.
Para analisar o valor do solo sob a perspectiva do valor de mercado (a partir dos
por m² construído) foram levantados imóveis em bairros das cinco grandes áreas da
cidade sendo elas, Norte, Sul, Leste, Oeste e Central.
Tabela 2: Preços de Mercado de terrenos em Montes Claros/MG
Valor de Área Construída
Áreas
Terreno
Valor
de Media do Valor Valor do m²
Mercado
Venal do m² no Construído do
Terreno
Bairro
Norte
São José
Sul
São Luiz
Leste
Independência
Área total de 312
m²
e
área
470.000,00
construída 127de
m²
R$ 96,55
R$ 3.700,00
Área total de
360m²,
área
800.000,00
construída
de
290m²
R$ 118,98
R$ 2.758,00
Área Total de
100m²
área
125.000,00
Construída
de
50m²
R$ 6,98
R$ 2.500,00
R$ 57,71
R$ 2.714,00
Oeste
Prolongamento Área total de
Área 380.000,00
Todos os Santos 276m²
Construída
de
140m²
Central
Núcleo Central
Área total 290 m²
área
construída 800.000,00
R$ 1.251,11
R$ 3.076,00
260m²
Fonte: Classificados do Jornal Gazeta Norte Mineira. Org: Costa. V. A.
M; 2014.
Na área central estão localizados os terrenos onde o m² construído possui o
maior valor. Considerando um terreno no bairro Centro, onde a média do valor venal do
m² é de R$ 1.251,11, quando atribuído o valor de mercado, a partir de características,
210
quer seja localização ou qualidade do imóvel, o valor do m² construído chega a R$
3.076,00.
Um terreno no Bairro São José, (área Norte) possui como média do valor venal
R$96,55, já o m² construído a preço de mercado está no valor de R$ 3.700,00. A
valorização no preço da área Norte está atrelada tanto pela localização, no caso do
bairro São José próximo à área central.
Na área Sul, no bairro São Luiz, a média do valor venal do m² é de R$118,98, e
o valor de mercado do m² construído é de R$ 2.758,00. A alta no preço comercial do m²
neste bairro está vinculada a localização e infraestrutura que dispõe.
Um terreno localizado na área Leste da cidade, no bairro Independência, que
tem a média venal do m² de R$6,98, quando atribuído valor de mercado atinge R$
2.500,00. O preço comercial do m² nesta área se justifica pelos empreendimentos que a
área dispõe ligados aos setores de comércios e prestação serviços.
A área Oeste de Montes Claros é caracterizada, principalmente, pela boa
estrutura urbana, com bairros que abriga uma população de alto poder aquisitivo, sede
de algumas faculdades, shopping e grandes edifícios comerciais e/ou residenciais,
também possui alto valor do m². Um terreno no bairro Prolongamento Todos os Santos
tem a média venal do m² de R$57,71 e possui valor comercial de R$2.714,00.
Assim, as áreas com maior valor do m2 do solo urbano apresentam melhor
infraestrutura, a saber: 1) área central: predominância de principais prestações de
serviços e atividades comerciais diversificadas e especializadas. Presença de
equipamentos urbanos: praças, correios, bancos, hospitais, escolas, igrejas, órgãos
públicos, etc.; 2) área sul e oeste: apresentam amenidades climáticas, proximidade à
Serra do Mel, sede da principal universidade, faculdades particulares, shoppings centers,
dentre outros. Já as áreas com menor valor do m2 do solo urbano, apresentam as
seguintes características infraestruturais: 1) Norte e Leste: distantes da área central,
baixa oferta de serviços e comércios e baixa qualidade da infraestrutura de mobilidade
urbana, pavimentação, etc.
Analisando a cidade na perspectiva do valor comercial do m², nota-se uma
grande valorização no preço do mesmo, consequência da ação dos agentes promotores
do espaço, seja pelo Estado, pelas incorporadoras, construtoras, agentes imobiliários,
entre outros. Estes precificam o imóvel e o terreno, considerando o trabalho empregado,
localização, uso do solo e estrutura, daí a especulação imobiliária.
211
Considerações finais
O processo de urbanização no Brasil se intensificou ao longo do século XX
acarretando um conjunto de mudanças estruturais na economia, na sociedade brasileira,
nas cidades e nas redes urbanas em que se inserem. A cidade precisa ser examinada
pelas suas especificidades, forma espacial, funções urbanas e conexões com a estrutura
social.
Nesse sentido, as cidades médias se individualizam dos demais espaços urbanos
pelo seu dinamismo demográfico, econômico, infraestrutural, atração de investimentos
diversos a partir da capacidade de reunir e centralizar atividades industriais, comércios e
prestação de serviços de uma dada região em que se inserem.
No Norte de Minas Gerais Montes Claros se consolidou após a década de 1970
como uma cidade média regional concentrando indústrias, instituições de ensino
superior e técnico, estabelecimentos especializados em saúde, redes de supermercados
atacadistas e varejistas, entre outras infraestruturas.
As cidades médias carregam em seu processo histórico diversas marcas dos
interesses capitalistas, com destaque para o setor imobiliário que, geralmente atrelado
ao Estado, é um dos principais reprodutores do capital. Tal setor vem-se dinamizando
nas cidades médias, como é o caso de Montes Claros.
Nesta cidade média norte-mineira a indústria da construção civil se expande.
Identificou-se 555 empreendimentos, desse total, 39 são horizontais e 516 verticais. A
expansão urbana vertical possui o marco e a concentração na área central. Todavia, se
espalha para outros bairros da cidade, sendo que a maior parte desses empreendimentos
possui quatro pavimentos com uso predominantemente residencial. Mas verificaram-se
edifícios com mais de 10 pavimentos na área central, Avenida Mestra Fininha e bairro
Ibituruna comportando usos diversos como residencial, comercial, misto e prestação de
serviços.
Os empreendimentos horizontais foram construídos em Montes Claros a partir
dos anos 2000. A distribuição espacial desses empreendimentos no espaço urbano de
Montes Claros configura-se a partir das seguintes características: segurança, amenidades
ambientais, infraestrutura, exclusividade social. Neste aspecto, a zona oeste de Montes
Claros é a área de maior concentração desses empreendimentos, notadamente no Bairro
212
Ibituruna. Esta área de Montes Claros apresenta características bastante peculiares que a
difere de outras, tais como boa infraestrutura, relativa proximidade com a área central, a
presença da Serra da Sapucaia que lhe confere amenidades ambientais e paisagismo.
Ademais, esta área da cidade é ocupada por uma população de alta renda.
O processo de expansão urbana vertical e horizontal em Montes Claros
transformou a cidade produzindo impactos significativos na economia e na sociedade
urbana, gerando mudanças principalmente nas classes sociais. Tais transformações são
percebidas através da morfologia da cidade.
Nesse cenário é importante mencionar que o mercado imobiliário é responsável
pela valorização do solo urbano, tendo as famílias tradicionais como os principais
proprietários de terrenos na área urbana. Juntamente com o aparato público, os
empreendedores imobiliários aumentam sua lucratividade, transformam a dinâmica
urbana e econômica, promovendo novos modos de morar, consumir e reproduzir o
espaço urbano como a segregação socioespacial e o controle no mercado de terras. Essa
expansão urbana imobiliária relaciona-se, ainda, à produção de empreendimentos para
demandas de moradias, negócios e, com isso, a reprodução capitalista.
O incremento da construção civil em Montes Claros, associado ao processo de
expansão urbana assistido nessa cidade média, demonstra que o setor vem crescendo e
estruturalmente, principalmente no que se refere ao oferta de empregos que vem
evoluindo nas últimas décadas.
Os dados apresentados ressaltam o aquecimento do setor imobiliário que
proporciona novas possibilidades para uso e ocupação do solo urbano, corroborando
para a valorização do mesmo. Analisado sob duas perspectivas, o solo urbano na cidade
de Montes Claros se mantém em constante valorização em todas as áreas, quer seja no
valor venal, para cálculo de Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) da prefeitura
considerando localização, estrutura e, também na perspectiva do m² construído no valor
do mercado. O valor do terreno neste caso é calculado considerando a mão de obra
empregada, localização, estrutura do imóvel e infraestrutura do bairro. Em ambos os
casos, os valores mostraram-se mais elevados na área central em função de sua estrutura
urbana e disponibilidade de comércios e serviços.
A produção do espaço urbano é uma questão central para os estudiosos
interessados nas cidades médias brasileiras. No caso de Montes Claros, ao lado de um
grande número de lotes vagos e de enormes glebas ainda não urbanizadas, há áreas
213
densamente construídas, por vezes verticalizadas, bem como áreas com potencial de
expansão de loteamento e condomínios horizontais (espacialmente distribuídos nas
áreas periféricas), conferindo assim “novas urbanizações” e/ou “urbanidades” a esta
cidade média. Trata-se de um processo intenso que demonstra a força dos capitais
econômicos e imobiliários em ocupação de terrenos de alto valor mercadológico. Com
essas estratégias políticas e econômicas muitas modificações marcam o espaço urbano
montesclarense, redefinindo o preço e o uso do solo e alterando a paisagem e o meio
ambiente urbanizado.
AGRADECIMENTO: CNPq e FAPEMIG.
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214
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http://xiisimpurb2011.com.br/app/web/arq/trabalhos/b3e41efe901a741ddbf94c91fb5d8
dad.pdf.
215
PERIFERIAS MÓVEIS: A MOBILIDADE DIRIGIDA NO USO DO
SOLO URBANO
Janes Socorro da Luz60
Resumo: A discussão sobre as “Periferias Móveis: a mobilidade dirigida no uso do solo
urbano”, (grifo nosso), representa uma proposta de análise da questão do uso do solo e
da forma como sua apropriação ocorre em vista do crescimento rápido e desordenado da
cidade. Ao mesmo tempo em que procura analisar como a ação do Estado influencia na
mobilidade urbana, direcionando a ocupação do solo e expansão da área urbana. Discute
a questão da política urbana direcionada para a Habitação de Interesse Social, a
dimensão das comunidades sustentáveis e a relevância da qualidade de vida no processo
de produção de moradia.
Palavras chave: Periferia. Uso do solo urbano. Áreas de Interesse Social. Qualidade de
vida.
1. Considerações iniciais sobre a urbanização brasileira: recortes locais
A urbanização enquanto fenômeno social se destaca como um processo típico
da sociedade moderna que encontra na cidade as melhores condições para se
desenvolver. De acordo com Santos e Silveira (2001, p. 21), “a urbanização significa ao
mesmo tempo uma maior divisão do trabalho e uma imobilização relativa e é, também,
um resultado da fluidez aumentada do território”.
No Brasil, a partir da década de 1960, a urbanização passou a se caracterizar
como um processo dinâmico que surgiu da interação indústria-modernização do campo,
promovendo transformações econômicas e políticas que, continuamente, têm
desenhando novas formas de organização do espaço urbano. De início as metrópoles
representavam o principal destino dos fluxos oriundos do campo, depois, as demandas
impostas pelo cenário econômico e político do país, redirecionaram os fluxos para
outros locais, com destaque para as aglomerações urbanas não metropolitanas,
especialmente as cidades médias. Fato que contribuiu, segundo Baeninger (2003, p.
60
Professora de Programa de Pós Graduação Território e Expressões Culturais no Cerrado da
Universidade Estadual de Goiás; Pós Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Geografia da
Universidade Federal de Uberlândia, sob orientação da Profa. Dra. Beatriz Ribeiro Soares.
216
285) “para amenizar o crescimento das metrópoles e, de outro, para o adensamento da
rede urbana brasileira.”.
Por sua vez, os antecedentes da urbanização nas áreas de Cerrado da região
Centro-Oeste, especialmente em Goiás, remetem para as políticas nacionais de
colonização, década de 1930, quando o discurso estatal direcionava para a interiorização
do povoamento e da economia simbolizado pela construção de Goiânia. Porém, apenas
a partir da década de 1960, quando foram construídas as bases para a introdução das
frentes modernas de ocupação e, a partir da década de 1970, com o desenvolvimento da
produção agrícola moderna, a urbanização se destacou no território goiano.
A
tecnificação da produção e sua consequente mecanização contribuíram para a
agroindustrialização e a formação dos sistemas produtivos locais que influenciaram no
desenvolvimento dos principais centros urbanos de Goiás, exemplificados na parte
central por Goiânia e Anápolis e no sul por Rio Verde.
Ainda na década de 1960, a construção de Brasília contribuiu para o
incremento demográfico regional e criação de redes de infraestrutura importantes para a
articulação do estado de Goiás com os demais estados do país. Nas décadas posteriores,
a concentração nas áreas urbanas continuou a ocorrer e as atividades econômicas se
diversificam com as atividades terciárias, comércio e serviços, além da indústria.
Inclusive, na década de 1970, foi implantado o primeiro distrito industrial de Goiás na
cidade de Anápolis, um marco para o desenvolvimento regional.
O desenvolvimento econômico propiciado pela modernização das estruturas
locais influenciou na concentração da população nas cidades, cada vez mais atrativas
para os fluxos migratórios em busca de melhores condições de vida que nem sempre são
satisfeitas, (ver Tabela 1).
Tabela 1- População nos Censos Demográficos por situação do domicílio, 1960 e
2010
1960
2010
Brasil,
Grande Urban
Região e Unidade da a (%)
Rural Total
Urban
Rural
(%)
a (%)
(%)
84,36
15,64
Total
Federação
Brasil
45,08
54,92
70.992.3
43
217
190.755.7
99
Centro-Oeste
37,16
62,84
2.678.38
88,80
11,20
0
14.058.09
4
Mato Grosso do Sul
41,76
58,24
579.652
85,64
14,36
2.449.024
Mato Grosso
36,88
63,12
330.610
81,80
18,20
3.035.122
Goiás
33,29
66,71
1.626.37
90,29
9,71
6.003.788
96,58
3,42
2.570.160
6
Distrito Federal
63,28
36,72
141.742
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1960 e 2010. Disponível em
/protabl.asp?c=1286&z=t&o=25&i=P Acesso em out./2014.
http://sidra.ibge.gov.br/bda/tabela
Assim em Goiás e demais unidades federativas do Centro-Oeste, se por um
lado há esse processo de intensificação da urbanização, por outro, as cidades passaram a
apresentar inúmeros problemas como, por exemplo, a demanda por moradia para
comportar esses novos contingentes populacionais. Pois, as cidades se estruturam em
função da dinâmica e dos interesses da sociedade e nos “oferece condições para que
esse interesse e ações se realizem, contribuindo para determinar o próprio movimento
oriundo desse conjunto de ações”, (SPOSITO, 2008, p. 14). Com isso, os problemas
urbanos oriundos do descompasso entre o rápido crescimento demográfico e as
deficiências de infraestrutura se destacam no cenário goiano nos dias atuais.
Dessa forma, o uso do solo urbano assume importância com a socialização das
condições gerais da produção e a capacidade de aglomerar, além de combinar meios de
produção e de reprodução. Implica, portanto, na questão da segregação, quer como
oposição entre centro e periferia ou separações crescentes entre as zonas de moradias
reservadas para as camadas sociais mais privilegiadas e as zonas de moradia popular.
E, também, no exercício do poder, considerando que “o poder não é apenas estar em
condições de realizar por si mesmo as coisas, é também ser capaz de fazer com que
sejam realizadas por outros” (CLAVAL, 1979, p. 11). Pois, o uso do solo urbano, não
se refere apenas ao crescimento da população, mas, inclusive, como vivem esses
moradores na cidade, em especial, fixados em Áreas de Interesse Social (AEIs).
Trata-se de um fenômeno que envolve, portanto, a dimensão espacial, pois, o uso
do solo agrega a noção de um espaço possível de ser diferenciado pela forma como é
apropriado, assim, transformado em território.
A organização ou ordenamento
territorial passa a ser uma característica inerente ao processo de uso e ocupação do solo
e, com isso, está articulado às estratégias políticas de intervenção no espaço urbano.
218
2. Política urbana, planejamento urbano e a construção da Habitação de Interesse
Social na escala local no viés das comunidades sustentáveis
No Brasil, a questão da política urbana recebeu pouca atenção antes da década
de 1970. Até então, as iniciativas eram pontuais e, na maioria dos casos, fracassaram
em função de problemas econômicos e políticos existentes no país. Em uma rápida
análise do desenvolvimento da política urbana no Brasil na década anterior, no início
do período militar (1964-1986), é possível identificar ações alicerçadas na questão
habitacional, a exemplo da criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) e do
Sistema Financeiro de Habitação (SFH), por meio da Lei no. 4.380, de 21 de agosto de
1964. Depois, o SFH foi reformulado com a criação do Serviço Federal de Habitação e
Urbanismo (SERFHAU), Decreto no. 59.917 de dezembro de 1966.
Ainda na década de 1970, com a criação do Plano Nacional de Desenvolvimento
(PND), em suas várias versões, viabilizou-se a Comissão Nacional de Regiões
Metropolitanas e Política Urbana (CNPU), limitada em sua atuação pela falta de
recursos, mesmo com a criação em 1975 do Fundo Nacional de Desenvolvimento
Urbano (FNDU)
e da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU), que
direcionariam uma parte de sua arrecadação para a CNPU. Em 1979, a CNPU, é
substituída pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU), atuando no
âmbito do Ministério do Interior, na alçada da Subsecretária de Desenvolvimento
Urbano, todavia, as competências da CNDU foram mais claramente explicitadas, apesar
de não possuir nenhum poder decisório, (BERNARDES, 1985).
A partir de 1970, a modernização da agricultura acentuou o processo de
urbanização, principalmente, das grandes cidades, esse fato marcou a criação das áreas
metropolitanas, que passaram a receber uma atenção diferenciada. Surgiram políticas
específicas para as áreas metropolitanas, para cidades médias e pequenas. Trata-se de
uma política marcada pela centralização da tomada de decisões e recursos, fato que
provocou diversos problemas nas cidades, com o corte no repasse das verbas para os
municípios em decorrência do agravamento da situação econômica do país com as
crises do petróleo de 1973 e 1979.
No início dos anos 1980, passou a tramitar no Congresso Nacional o Projeto de
Lei do Desenvolvimento Urbano.
Uma fase que foi marcada pelo discurso da
219
redemocratização do país, gerando o ressurgimento dos movimentos sociais e da
implantação da Assembleia Nacional Constituinte, que priorizou a descentralização do
poder, com bases estabelecidas por meio da Constituição Federal de 1988. Inclusive, os
artigos 182 e 183 que compõem o capítulo sobre política urbana expressam a
importância da participação popular e a atuação do poder público municipal, além de
reafirmar a obrigatoriedade do Plano Diretor para municípios, entre outros, com mais de
20.000 habitantes, bem como define os campos de atuação dos governos estaduais e
municipais.
Todavia, a regulamentação da política urbana no país preconizada nos artigos
182 e 183 da Constituição Federal de 1988 só ocorreu em 10 de julho de 2001, por meio
da Lei no 10.257 – O Estatuto da Cidade. Na qual são estabelecidas as diretrizes gerais
da política urbana no país, uma reivindicação oriunda dos movimentos sociais pela
reforma urbana ao longo da fase de redemocratização. Nesse contexto, o Plano Diretor
se consolidou um dos principais instrumentos da política urbana no âmbito municipal,
todavia, percebe-se a necessidade de desenvolvimento de políticas setoriais para atender
às necessidades geradas pela rápida expansão das áreas urbanas, acompanhada do
crescimento demográfico e ampliação dos problemas urbanos. Tal realidade é
reconhecida, inclusive na escala nacional pelo Ministério das Cidades (2010, p. 6):
Esta realidade é fruto de políticas de planejamento e gestão
urbana excludentes, que não consideram as diferentes demandas
sociais e econômicas da população brasileira e são baseadas em
padrões de regulação urbanística voltados para setores restritos
das cidades. Este modelo de planejamento tem implicações
profundas na forma e no funcionamento das nossas cidades:
concentração de empregos em poucas áreas; distantes do local
de moradia; excessiva necessidade de deslocamentos e ocupação
de áreas de proteção ambiental por falta de alternativas; entre
outras.
Nas cidades brasileiras existe um descompasso entre o reconhecimento dos
pressupostos da política urbana nacional e a aplicação dos instrumentos de intervenção
na elaboração do planejamento urbano. Além disso, a adoção de um ou outro
instrumento não significa que o mesmo será implementado. Uma vez que cabe ao
governo local no processo de planejamento, adotar ou não, os instrumentos previstos no
Estatuto da Cidade. Por isso, é importante estabelecer mecanismos de acompanhamento
e avaliação por parte da sociedade, garantindo um envolvimento maior da mesma no
220
processo de discussão e planejamento urbano, pois é a comunidade local que conhece
sua realidade e problemas. Inclusive, Villaça (2003, p.29) ressalta que:
Nossas cidades são hoje o lócus da injustiça social e da exclusão
brasileiras. Nelas estão a marginalidade, a violência, a baixa
escolaridade, o precário atendimento à saúde, as más condições
de habitação e transporte e o meio ambiente degradado. Essa é a
nova face da urbanização brasileira, (grifo do autor).
É nesse cenário conflituoso que a questão da qualidade de vida e da produção de
comunidades sustentáveis se apresenta como uma dimensão que exige atenção. Uma
leitura que deve avançar para além do discurso pós Conferência das Nações Unidas para
o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio-92, quando as premissas da Agenda 21
Local foram estabelecidas, (FUMEGA, 2011). Pois, no Brasil as bases do debate sobre
sustentabilidade foram apropriadas de forma aleatória na produção dos planos diretores
elaborados nos últimos anos. De acordo com Acselrad (1999, p.81):
A associação da noção de sustentabilidade ao debate sobre
desenvolvimento das cidades tem origem nas rearticulações
políticas pelas quais um certo número de atores envolvidos na
produção do espaço urbano procuram dar legitimidade a suas
perspectivas, evidenciando a compatibilidade delas com os
propósitos de dar durabilidade ao desenvolvimento, de acordo
com os princípios da Agenda 21, resultante da Conferência da
ONU sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, (ACSERALD,
1999, p. 81).
Porém, só o discurso não altera a realidade, assim é comum a produção paralela
de um planejamento no qual se ressalta a uma imagem ilusória da cidade, objetivando a
projeção de um cenário positivo que atraia os interesses externos, conforme ressalta
Rodrigues (2013, p. 6):
Para vender a imagem de uma cidade moderna se escondem a
miséria, a pobreza, a falta de moradia adequada, de saneamento
básico e de transportes coletivos de qualidade. A imagem da
cidade esconde a realidade contraditória, já que a cidade
capitalista é, em sua essência, excludente para a maioria.
221
Com isso, a problemática urbana se torna complexa e as questões emergentes
que influem na vida cotidiana de seus moradores passam para um segundo patamar na
agenda decisiva dos gestores locais. Pois, uma comunidade sustentável deve, segundo o
estudo The Egan Review: Skills for Sustainable Communities, deve:
[...] atender às diversas necessidades dos moradores atuais e
futuros, de suas crianças e outros usuários, contribuir para uma
elevada qualidade de vida e proporcionar oportunidade e
escolha. Isto é conseguido de forma a fazer uso eficiente dos
recursos naturais, melhorar o meio ambiente, promover a
coesão social e inclusão e fortalecer a prosperidade econômica.
(EGAN, 2004, p. 18).
Entretanto, na realidade brasileira atual, existe um longo caminho a percorrer.
É evidente que a sociedade possui sua parcela de responsabilidade na realidade posta,
entretanto, vislumbram-se perspectivas de mudança com a ampliação da participação
popular, via movimentos sociais e organizações de moradores nos fóruns e conselhos
populares. Para Egan (2004) a formação de comunidades sustentáveis envolvem os
seguintes elementos ou componentes: governança eficaz com participação inclusiva,
representação e liderança; transporte e conectividade de qualidade que proporcionem a
ligação das pessoas ao emprego, escola, saúde e outros serviços; uma dimensão social e
cultural que seja vibrante, harmoniosa e inclusiva; habitações e construções que
respeitem a características naturais do ambiente; oferta de uma gama completa
e
apropriada de serviços públicos, privados, comunitários e voluntários; base econômica
local diversificada e florescente; e, por fim, lugares para vivência ambientalmente
amigável.
Portanto, os elementos ou componentes destacados por Egan (2004) são
importantes na compreensão do significado de cidades sustentáveis, bem como
orientam no sentido de que a informação seja uma ferramenta disponível na
comunidade, tanto para auxiliar na capacitação de seus membros como no fornecimento
de informações. Esses aspectos coincidem com as diretrizes gerais
do Estatuto das
Cidades e coadunam com as demandas existentes no espaço urbano brasileiro. Em
especial na perspectiva de desenvolver comunidades sustentáveis que garantam a
qualidade de vida tão necessária em nossas cidades. Pois, a qualidade de vida
representa, conforme Herculano (2000, p. 22):
222
A soma das condições econômicas, ambientais, científicoculturais e políticas coletivamente construídas e postas à
disposição dos indivíduos para que estes possam realizar suas
potencialidades: inclui a acessibilidade à produção e ao
consumo, aos meios para produzir cultura, ciência e arte, bem
como pressupõe a existência de mecanismos de comunicação, de
informação, de participação e de influência nos destinos
coletivos, através da gestão territorial que assegure água e ar
limpos, higidez ambiental, equipamentos coletivos urbanos,
alimentos saudáveis e a disponibilidade de espaços naturais
amenos urbanos, bem como da preservação de ecossistemas
naturais.
É evidente que o processo de urbanização, após a década de 1970, não se fez
acompanhar de ações voltadas para dotar a cidade de infraestruturas e recursos capazes
de atender à nova configuração espacial que se desenhava, contribuindo para a
qualidade de vida de seus moradores. Com isso, passou a predominar o crescimento
desordenado das cidades com a falta ou deficiência dos serviços básicos de
atendimento, os problemas ambientais, a segregação/exclusão com a consequente
periferização das camadas de menor renda, a ampliação das desigualdades sociais,
especialmente, no que tange à demanda por moradia, entre outras questões.
É nesse cenário que se desenvolve a justificativa básica para a edificação de
conjuntos Habitacionais de Interesse Social (HIS) no país, especialmente a partir de
2000. Ela parte do reconhecimento da existência do déficit de moradias, ou seja, uma
oferta inferior à demanda, especialmente, na faixa que abrange a população com
rendimento de até três salários mínimos, a camada mais pobre da população. Sem a
oferta suficiente de moradias a um custo acessível, resta a essa faixa de população a
ocupação dos denominados assentamentos precários que, segundo Cardoso, Araújo e
Ghilardi (2010, p. 78), correspondem “ [...] às situações das áreas ocupadas
irregularmente, seja do ponto de vista jurídico, seja do ponto de vista urbanístico, e que
apresentem deficiências de infraestrutura e acessibilidade”.
A questão da Habitação de Interesse Social se articula com os pressupostos da
Política Nacional de Habitação (PNH), no qual um dos instrumentos é o Plano Nacional
de Habitação (PlanHab), além do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
(FNHIS), compondo o Sistema Nacional de Habitação Social (SNHIS), (Lei 11.124, de
16 de junho de 2005). Enquanto o PlanHab prevê ações e metas que visam período mais
223
longos, por meio do FNHIS são viabilizados recursos para a adoção de ações mais
imediatas, entretanto tais mecanismos exigem a o desdobramento do planejamento
direcionado para a HIS na escala local.
No país existem vários programas na esfera federal que tratam da Habitação de
Interesse Social, entre eles se destacam: Habitação de Interesse Social (HIS); Ação
Provisão Habitacional de Interesse Social; Ação Provisão Habitacional de Interesse
Social – Modalidade; Apoio à elaboração de Planos Habitacionais de Interesse Social
(PLHIS); e, Urbanização de Assentamentos Precários (UAP). De modo geral estes
programas atendem a faixa de até 1.050,00 reais, ou de mais baixa renda, com projetos
de visam a produção ou aquisição de unidades habitacionais, lotes urbanizados e de
requalificação de imóveis.
O financiamento dos projetos exige, entre outras deliberações, que a
administração local mantenha o registro atualizado dos beneficiados Cadastro Único dos
Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). No caso participam dos programas
diferentes agentes: o Ministério das Cidades como gestor; a Caixa Econômica Federal
como agente operador; as administrações públicas locais como proponentes e
executores; e, as famílias atendidas como beneficiários.
Outro programa que tem repercutido na produção de moradia para a população
com renda de até 5.000,00 reais é o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV),
lançado pelo Decreto da Presidência da República Nº 6.819, de 13 de abril de 2009. O
programa compreende, basicamente, o Programa Nacional de Habitação Urbana
(PNHU) e o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR); além, de forma geral,
autorizar a União a transferir recursos para operacionalizar o programa.
É, principalmente, no âmbito do PNHU que estão sendo criados os conjuntos de
HIS na maioria das cidades brasileiras. Muitos projetos fazem parte das estratégias e
ações previstas no PLHIS, cuja a elaboração segue as orientações do Ministério das
Cidades (MinCidades) que destaca os seguintes princípios (Cadernos Cidade e
Habitação, 2008, p. 31, grifos nossos):
-
Direito à moradia, enquanto um direito humano, individual e
coletivo, previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos
e na Constituição Brasileira de 1988. O direito à moradia deve ter
destaque na elaboração dos planos, programas e ações, colocando
os direitos humanos mais próximos do centro das preocupações
de nossas cidades;
224
-
-
-
-
-
Moradia digna como direito e vetor de inclusão social
garantindo padrão mínimo de habitabilidade, infraestrutura,
saneamento ambiental, mobilidade, transporte coletivo,
equipamentos, serviços urbanos e sociais;
Função social da propriedade urbana buscando implementar
instrumentos de reforma urbana a fim de possibilitar melhor
ordenamento e maior controle do uso do solo, de forma a
combater a retenção especulativa e garantir acesso a terra
urbanizada;
Questão habitacional como uma política de Estado uma vez que
o poder público é agente indispensável na regulação urbana e do
mercado imobiliário, na provisão da moradia e na regularização
de assentamentos precários, devendo ser, ainda, uma política
pactuada com a sociedade e que extrapole um só governo;
Gestão democrática com participação dos diferentes segmentos
da sociedade, possibilitando controle social e transparência nas
decisões e procedimentos;
Articulação das ações de habitação à política urbana de modo
integrado com as demais políticas sociais e ambientais.
Os princípios expostos antes destacam a importância do Estado no processo de
ordenamento territorial e sua atuação no campo da moradia popular ou das HIS, sendo
um aspecto relevante que destaca a necessidade de ações descentralizadas, reforçando o
papel e a função do planejamento na escala local, pois, “trata-se da escala por
excelência do planejamento e da gestão das cidades”, (SOUZA, 2003, p. 106).
O ordenamento territorial está relacionado com o planejamento e gestão do
espaço, com as ações e estratégias destinadas a regular e organizar o uso do solo e, na
prática, o zoneamento da cidade com estabelecimentos de áreas com usos específicos.
Ou seja, no processo de ordenamento e planejamento a existência do PLHIS não possui
significado sem estar conectado com as normas que regulam o zoneamento e uso do
solo no município.
Assim, as ações voltadas para atender às demandas da HIS
articulam, tanto com as metas contidas nos planos nacionais e locais, como com o Plano
Diretor e as leis que o regulamentam.
Para Corrêa (1995), nessa perspectiva, a atuação do Estado como agente na
produção
do
espaço
urbano
no
processo
de
ordenamento,
planejamento,
intervenção/regulação e gestão do espaço, entre outras funções, oportuniza o
desenvolvimento de ações e estratégias capazes de, pelo menos, reduzir as disparidades
existentes e propiciar uma qualidade de vida adequada para seus moradores. Além de
225
ações que articulem, necessariamente, as diferentes dimensões ou escalas espaciais,
conforme destaca Souza (2003, p. 73):
Se a finalidade última do planejamento e da gestão é a superação
de problemas, especialmente fatores de injustiça social, ambos
deveriam ser vistos como pertencendo ao amplo domínio das
estratégias de desenvolvimento, ao lado de estratégias de
desenvolvimento regional, nacional, etc..
E, acrescenta sobre o desenvolvimento urbano:
Para sistematizar, pode-se assumir que o desenvolvimento urbano,
o qual é o objetivo fundamental do planejamento e da gestão
urbanos, deixa-se definir com a ajuda de dois objetivos derivados:
a melhoria da qualidade de vida e o aumento da justiça social,
(SOUZA, 2003, p. 75, grifos do autor).
Pensar o desenvolvimento de comunidades sustentáveis nessa perspectiva
representa uma ruptura necessária com o modelo estabelecido pelo Estado nas
diferentes esferas de poder, alicerçado na construção de conjuntos habitacionais para
ampliar o acesso à moradia para as camadas mais pobres. Conjuntos que constituem um
aglomerado de famílias que têm dificuldades de estabelecer redes que as articulem e,
assim, desenvolver a vida em comunidade. Famílias que se isolam em suas unidades e
não usufruem da vida em comunidade que poderiam obter por meio da interação que a
proximidade lhes proporciona, conforme Fumega (2011, p. 61):
As grandes vantagens que se obtém de bairros bem definidos
nos seus limites são várias sendo importante sublinhar a rede
social finita. Num local de dimensões não muito grandes as
probabilidades das pessoas se conhecerem e interagirem é
bastante maior do que num espaço sem limites definidos e sem
um espaço próprio.
A partir do momento que a ênfase deixa de ser exclusiva na construção de
unidades habitacionais para o estabelecimento de condições gerais que propiciem a
integração do morador com a sua comunidade é possível desenvolver comunidades
sustentáveis. Onde se valoriza a dimensão local e o bairro, mais que um conjunto,
torna-se unidade de referência espacial, onde a interação, o contato e a troca se realizam
cotidianamente, integrando diferentes camadas da sociedade
3. A produção dirigida da Habitação de Interesse Social na escala local
Na discussão sobre HIS é necessário contextualizar a questão na escala local,
onde o lugar tem significado. Pois, conforme Carlos (1996, p. 15) “o lugar abre a
226
perspectiva para pensar o viver e o habitar, o uso e o consumo [...] ao mesmo tempo em
que expõe as pressões que se exercem em todos os níveis”. Também destaca:
Nas estratégias dos planos o uso é pensado na perspectiva de
uma simplificação das necessidades e, desse modo aparece
separadamente, na cidade, a partir do estabelecimento de
funções bem delimitadas, coma aquela da moradia, do trabalho e
do lazer. A partir daí se busca uma solução técnica aos
problemas que emergem de cada uma dessas funções
separadamente. (CARLOS, 2011, p.12, grifo da autora).
Nesse contexto, a cidade de Anápolis (GO), localizada entre os dois principais
centros urbanos da região Centro-Oeste do Brasil, Goiânia (capital estadual) e Brasília
(capital federal), centraliza nosso interesse de estudo e caracteriza-se por ser uma cidade
média que exerce a função de centro regional. A localização da cidade de Anápolis
(GO) representa uma peculiaridade, ao mesmo tempo, um elemento estratégico para o
seu desenvolvimento, apresentando atividades econômicas diversificadas que a
projetam, tanto na dimensão regional como na nacional.
A abertura de conjuntos habitacionais destinados à população de baixa renda,
denominados de Habitação de Interesse Social (HIS), tornou-se expressiva nos últimos
anos na cidade de Anápolis, em uma ação que promove deslocamentos de um número
significativo de pessoas. Pois, ao considerarmos o número de quatro habitantes por
domicílio, conforme emprega o IBGE para Goiás, os 17 novos conjuntos construídos
entre o ano de 2000 e 2013, englobando 5.565 unidades, contariam com cerca de 22.260
habitantes, oriundos de diferentes partes da cidade.
Esses moradores irão impactar a rede de serviços, infraestrutura e atividades no
novo local de moradia.
O que nos faz questionar se os locais onde são sendo
implantadas as HIS estão preparados para atender às novas demandas. Ademais, a
abertura de novos conjuntos habitacionais nas franjas do perímetro urbano contribui
para o espraiamento da mancha urbana e periferiza, cada vez mais, a população de baixa
renda.
Os problemas de infraestrutura atingem tanto as áreas localizadas nas franjas da
mancha urbana, ou seja, nas áreas de expansão, como as situadas em áreas de críticas ou
de risco estabelecidas ao longo das últimas cinco décadas, por exemplo, destacando as
áreas: do Bairro Paraíso (Morro do Cachimbo), uma ocupação iniciada na década de
1960 em terreno com declividade acentuada, encosta de morro; a área às margens do
227
córrego Água Fria no Bairro Anápolis City, ocupando áreas sujeitas à enchentes e de
preservação desde 1969; e, a região do Vivian Park II, saída sul,
um local com
deficiência de infraestrutura e sujeita à erosão com uma ocupação crescente desde 1990.
Além dessas, outras áreas foram identificadas durante as discussões para a elaboração
do PLHIS em Anápolis, Mapa 1:
Mapa 1 – Áreas de assentamentos precários em Anápolis (GO), 2010
Fonte: Luz (2010)
Essa dinâmica implica na adoção de mecanismos capazes de organizar, planejar e
gerir de forma eficiente o seu desenvolvimento, reduzindo as disparidades existentes e
os desequilíbrios gerados pelo crescimento e apropriação desordenados do território no
qual a cidade se estrutura.
De forma geral, o município de Anápolis tem uma área de 918,37 km² e
densidade demográfica de 364,81 hab./km², sendo que a área urbana concentra 98,3%
de seus habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE, 2010). Em específico, entre as décadas de 1950 e 2010 a população total do
município cresceu 565,56%, com uma concentração predominante na área urbana. E,
segundo dados da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano Sustentável para
2010, a cidade passou a contar com aproximadamente 305 bairros e loteamentos. A
228
ocupação desses espaços com o crescimento populacional repercute no processo recente
de urbanização de Anápolis que apresenta taxas significativas, conforme os dados do
Censo Demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
(ver Tabela 2):
Tabela 2 – Distribuição da população urbana e rural de Anápolis (GO), 1980 a 2010
População
1980
1991
2000
2010
Tot./hab. %
Tot./hab. %
Tot./hab. %
Tot./hab.
Urbana
163.096 90,6
226.925 94,8
280.164 97,3
329.170
98,3
Rural
16.916 9,4
12.453 5,2
7.921
5.862
1,7
Total
180.012 100,0 239.378 100,0
335.032
100,0
2,7
288.085 100,0
%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1980/1991/2000 e 2010.
Organização: Luz (2014)
No caso do município de Anápolis (GO), o crescimento populacional se
caracterizado pelo elevado percentual de população na área urbana, agrava os problemas
habitacionais, principalmente, na faixa de renda mais baixa até três salários mínimos,
que engloba 56,9% dos residentes em domicílio na cidade, conforme dados do IBGE
(2010). De modo geral, do universo de 104.258 domicílios existentes na cidade, apenas
69.637 são próprios, o que corresponde a 66,8 % dos domicílios, os demais são cedidos
ou alugados. E, estima-se que exista no contexto local, conforme dados preliminares do
Plano Local de Habitação Social de 2011 (PLHIS), um déficit habitacional de 18.900
domicílios.
O que destaca a necessidade da administração municipal de promover o
desenvolvimento de projetos de Habitação de Interesse Social (HIS) no município.
Na esfera local, o Plano Diretor representa o principal instrumento de política
urbana, tendo sido regulamentado por meio da Lei Complementar Nº 128, de 10 de
outubro de 2006, que preconiza:
Art. 2o - O Plano Diretor Participativo é o instrumento básico da
política de desenvolvimento urbano da cidade e incorpora a
sustentabilidade sócio-espacial no modelo de desenvolvimento
do Município quando da definição de estratégias e diretrizes
para a execução dos planos setoriais, programas e projetos.
Entretanto, no âmbito local, a execução de projetos para a construção de
conjuntos de HIS, depende da disponibilidade de Áreas Especiais de Interesse (AEI)
229
que atendem a diferentes finalidades: econômica; urbanística; estratégica; ambiental; e,
social. No Município de Anápolis, segundo o Plano Diretor Participativo (PDP) no
Artigo 34, são “consideradas áreas de interesse social – AEIS aquelas destinadas
primordialmente à produção e à manutenção de habitação de interesse social [...]”. Sua
delimitação ocorre por meio de lei específica que norteia o zoneamento urbano. Neste
caso em específico, salienta-se a importância de atentar para a inclusão de áreas vazias
no interior das zonas de interesse social, sobre as quais poderão incidir os demais
instrumentos regulamentados pelo Estatuto da Cidade para garantir função social do
solo urbano, seu uso, posse e, consequentemente, possibilitar a realização de projetos
futuros.
Nesse sentido, entre 1980 e 2000 foram construídos três conjuntos residenciais
de interesse social na cidade: a Vila Esperança I e II; o Conjunto Filóstro Carneiro
Machado I e II etapas; e, o Conjunto Morada Nova I e II. Entre 2000 e 2009, quando
foi criado o PMCMV, foram contratados os seguintes empreendimentos, (Quadro 1):
Quadro 1 – Empreendimentos contratados junto a Caixa Econômica Federal na cidade
de Anápolis (GO) de 2003 a 2007
Empreendimento
Data de Contratação
Residencial Serra Dourada
18/09/2003
Residencial Maria Augusta
25/08/2006
Residencial Jibran
22/12/2006
Residencial Itororó
30/03/2007
Residencial Reny Cury
25/06/2007
Residencial Calixtópolis
27/06/2007
Residencial Gabriela
31/12/2008
Fonte: Caixa Econômica Federal (2014).
Nº de Unidades
176
101
100
101
296
98
118
A partir da de 2009, o PMCMV passou a financiar projetos na cidade para
atender a demanda da faixa de renda até 1.600 reais, que se enquadram nas modalidades
de financiamentos da Construção de Empreendimentos com Recursos do FAR e com
Recursos FDS. Nesse sentido, foram contratados os seguintes empreendimentos:
Quadro 2 – Empreendimentos contratados junto a Caixa Econômica Federal no
PMCMV na cidade de Anápolis (GO) a partir de 2009
Empreendimento
Data
de Nº
de Modalidade
Contratação
Unidades
Residencial
Santo 24/07/2009
122
PMCMV Recursos FAR
Antônio
230
Residencial
31/08/2009
Copacabana
Residencial
11/12/2009
Summerville
Residencial
Jardim 20/08/2010
Itália II
Residencial Leblon
24/12/2010
Residencial do Servidor 27/12/2010
Residencial
Santo 29/12/2010
Expedito
Residencial
Nova 30/11/2011
Aliança
Residencial Girassol
26/10/2012
Residencial Colorado
29/05/2013
Fonte: Caixa Econômica Federal (2014).
1.125
PMCMV Recursos FAR
256
PMCMV Recursos FAR
200
PMCMV Recursos FDS
825
352
287
PMCMV Recursos FAR
PMCMV Recursos FAR
PMCMV Recursos FAR
196
PMCMV Recursos FAR
200
512
PMCMV Recursos FDS
PMCMV Recursos FAR
Os conjuntos de HIS estão distribuídos principalmente na parte sul e leste da
cidade, exceto o Residencial Colorado na parte norte, (ver Mapa 2):
Mapa 2 – Distribuição dos Conjuntos HIS na cidade de Anápolis de 2000 a 2014
Fonte: Pesquisa de campo (2014)
No processo de construção a opção mais utilizada foi a edificação de unidades
unifamiliares, casas, sendo que apenas os conjuntos Serra Dourada, Servidor Público e
231
Residencial Colorado foram verticalizados. Em comum todas as unidades, tanto
horizontais quanto verticais, possuem a área que varia entre 36 m2 e 42 m2, (ver
Fotografias 1a 4):
Fotografia 1 a 4 – Conjuntos HIS, horizontais e verticais em Anápolis (GO), 2013
Residencial Santo Antonio
Residencial Copacabana
Residencial do Servidor Público
Residencial Serra Dourada
Fontes: Fotografias 1e 2 (LUZ, 2013), Fotografia 3 Prefeitura Municipal de Anápolis
(2013) e Fotografia 4 Disponível em www.enkontre.com.br . Acesso em set./2014.
Outra característica que se destaca na localização dos conjuntos de HIS é a
ausência de equipamentos públicos comunitários (escolas, creches, segurança, entre
outros), com exceção do Residencial Copacabana que recebeu um centro de educação
infantil, enquanto os demais moradores dos outros conjuntos necessitam se deslocar
para bairros vizinhos para utilizar os equipamentos públicos e serviços. Também não
foram criados espaços comerciais que viabilizassem o contato cotidiano local. Com
isso, a produção de espaços comuns e que proporcionem a produção de comunidades
sustentáveis nesses conjuntos é complicado.
4. Considerações finais
É nesse sentido que destacamos a necessidade de ruptura com os modelos
adotados para edificar os referidos conjuntos, bem como a sua localização em áreas
232
cada vez mais distantes do centro, estabelecendo uma dependência em relação ao
sistema de transporte público, realizado por uma empresa particular, que não atende aos
moradores que residem na periferia com regularidade de horários e veículos.
Um caminho possível seria a produção de imóveis de forma fragmentada e que
proporcionassem o adensamento das ocupações, especialmente nas áreas mais centrais.
Porém essa possibilidade esbarra na questão do preço solo nos bairros já consolidados,
bem como no uso especulativo da propriedade do solo presente na cidade. E a adoção
dos instrumentos do Estatuto da Cidade que poderiam amenizar este conflito está
distante de serem empregados na realidade atual.
Referências
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234
A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E SEUS EFEITOS NO
MERCADO IMOBILIÁRIO DA CIDADE DE RESENDE
Lívia Maria de Souza Magalhães
Resumo: O Médio Vale Paraíba é uma área de localização privilegiada: entre as duas
principais metrópoles brasileiras: Rio de Janeiro e São Paulo. Isso atraiu,
estrategicamente, unidades industriais com lógica pós fordista na década de 90, como
por exemplo a Volkswagen (caminhões e ônibus) e a PSA Peugeot-Citröen em 2003.
Além da localização geográfica, outros fatores de atração para essas indústrias foram
incentivos fiscais, infra-estrutura apropriada, facilidades logísticas e disponibilidade de
força de trabalho barata. A chegada dessas indústrias foi, desse modo, vinculada à
possibilidade de progresso, modernização e visibilidade num caráter diferencial ao que
essas cidades do Médio Vale Paraíba, principalmente Resende, já haviam vivenciado.
Com o crescimento da cidade, novas lógicas espaciais foram sendo estabelecidas, como
por exemplo, a valorização imobiliária e a lógica da auto-segregação residencial e a da
produção de loteamentos fechados.
Palavras-chave: auto-segregação sócio-espacial, cidade média, reestruturação
produtiva.
1. Introdução
A cidade de Resende assistiu à chegada de novas cadeias produtivas. A
passagem do fordismo para o toyotismo (ou acumulação flexível) fez com que as
cidades médias aumentassem demograficamente. (Sposito, 2007) Isso pode estar
relacionado ao que Soja (1993) disse sobre o alcance espacial dos sistemas de produção
que se globalizou, o que teve um grande efeito na urbanização através da aglomeração
de novos complexos industriais territoriais fora dos antigos centros.
Segundo Souto e Dulci (2008), nos anos 90, houve as reformas liberalizantes
que pretenderam abrir o país para o novo. O processo de reestruturação produtiva que o
país passa atualmente tem início, então, no começo dos anos 90. A abertura comercial
abrupta fez com que as montadoras brasileiras se vissem dentro de uma repentina
exposição aos novos padrões de competição internacional, até porque tinham vindo de
235
um mercado protegido por um longo período. O país sofreu os efeitos desastrosos
econômica e socialmente da crise mundial.
Desse modo, a partir da década de 1990, a descentralização da atividade
industrial produtiva aumentou a importância de muitas cidades grandes e médias, o que
gerou novas formas espaciais e sociais de organização do trabalho, além de novos
padrões de localização. Segundo Ribeiro (1997), há tendência de concentração espacial
dos elementos que formam o valor de uso complexo gerando como consequência as
decisões e estratégias das empresas, que procuram se localizar nos locais melhor
dotados do ponto de vista quantitativo, qualitativo e espacial do espaço urbano,
beneficiando-se dos sobrelucros de localização e dentro de condições de produção
monopolizáveis.
2. A reestruturação produtiva e suas vinculações em Resende
As novas cadeias produtivas que chegaram à cidade se vinculam à diversificação
do mercado consumidor, como por exemplo, a incorporação imobiliária que vem
gerando novos produtos de mercado como os condomínios e loteamentos fechados
direcionados à fatia de classe média/alta e alta. Vem havendo também investimentos em
redes de comércio atacadista e do shopping center que se instalaram a partir de 2011
Hoje, se observa em Resende pelo menos três vetores de expansão mais
expressivos. Um deles diz respeito ao processo de verticalização observado nas áreas
centrais, infraestruturadas. Um outro vetor de expansão, na direção sudoeste, diz
respeito aos condomínios de classe média e alta e loteamentos fechados, no alto e ao
redor das colinas e ao longo das vias estruturais. O terceiro vetor, também na direção
oeste, é expresso pela expansão de moradias populares na Grande Alegria, sendo esse
reforçado pela instalação da siderúrgica da Votorantin (inaugurada em 2009, a unidade
tem capacidade para produzir 1.020 milhões de toneladas de aços longos e 550 mil
toneladas de produtos acabados por ano) e pelo acesso oeste. (Prefeitura Municipal de
Resende, abril de 2008: pp:10-11 apud Cardoso 2013).
Ainda segundo a autora, os vetores de expansão na direção oeste contribuem
para a valorização imobiliária e são pressionados por dois fatores: a instalação da planta
industrial da siderúrgica da Votorantin e a construção de um novo eixo de integração
viária chamado Acesso Oeste. Esses dois fatores impactaram o espaço urbano através da
dinamização do mercado imobiliário, da valorização dos terrenos que se localizam na
236
área diretamente influenciada pelo anel rodoviário de contorno que interliga o Acesso
Oeste ao trevo de Bulhões (Regiões Oeste-Sul-Leste) e da pressão econômica da
especulação e incorporação imobiliárias para um espraiamento da ocupação na direção
dessas áreas ao contrário da ocupação dos vazios urbanos que já existem na área
consolidada de Resende.
A consolidação como pólo industrial e o crescimento da cidade acarretaram
novas dinâmicas no mercado imobiliário de Resende, aumentando os preços e a procura
de imóveis para sua utilização comercial ou habitacional.
Tendo em vista a preocupação em analisar os desdobramentos existentes no
processo de auto-segregação mediante à reestruturação produtiva ocorrida na cidade,
pretendeu-se obter dados a respeito de condomínios e loteamentos fechados utilizados
para fins habitacionais.
Durante um trabalho de campo realizado na cidade de Resende em 2013, em
visita à Secretaria de Planejamento na Prefeitura Municipal de Resende, foi possível a
coleta de dados sobre os condomínios e loteamentos fechados de Resende segundo os
distritos 1 e 2 na seção de divisão de licenciamentos da prefeitura. A partir disso, foi
elaborado seguinte quadro:
Quadro 2: Dados referentes ao mercado imobiliário de Resende
Empreendimento
Tipo
Localização
Condomínio
Residencial Condomínio
Morada das Agulhas
horizontal fechado
Morro do Cruzeiro
Condomínio
interesse social
de
237
Data
de
Aprovação
Agulhas
Negras;
Av. Prof. Darcy 34.596,76
Ribeiro
10/07/1990
Bairro do Paraíso
29.785,00
03/05/1995
OBS:
Transformado
em
condomínio
residencial
em
14/07/1998
-
03/05/1995
4968
24/10/1996
Condomínio de chalés Serrinha
particulares
Alambari
Condomínio Chácara do Condomínio de casas Jardim Brasília
Recanto da Serra
Área (m²)
do
Bosque
luxuosas
Condomínio
Residencial
Loteamento fechado
Limeira Tênis Clube
Condomínio
Haras
Pirapitinga
Residencial Condomínio
Club
Condomínio Santo André
Condomínio
Condomínio
Residencial
Horizontal Limeira Town Loteamento fechado
House
Condomínio
Residencial
Condomínio
Cabanas da Serra
Agulhas
Negras;
Av. Prof. Darcy 225.000
Ribeiro
24/05/2001
Serrinha
Alambari
63.000
12/07/2002
Vila Julieta
10.875
Agulhas
Negras;
Av. Prof. Darcy 20.000
Ribeiro
30/05/2003
Serrinha
Alambari
Residencial Alambari
Condomínio
Campos Elíseos
Villa Corsino
Condomínio
Serrinha
Alambari
do
do 5.034,51
do
14/10/2004
25/02/2005
176,15
decreto
de
aprovação em
28/10/2005
30.049
04/10/2006
Condomínio
misto
Condomínio Village das composto de hotel, Serrinha
do
2007
Pedras
casas, guarita e casa Alambari
do caseiro
Av. Augusto de
Terras Alpha Resende (fase
Carvalho, a menos
Loteamento fechado
411.976,05 20/05/2011
1 concluída)
de 5 minutos do
centro
Gardênia
Condomínio
residencial de interesse
Condomínio
Vila Minas Gerais 91.662,70 31/08/2012
social para o Minha Casa
Minha Vida
decreto
de
Tulipa
Condomínio
Condomínio
Minas Gerais
45.841,88 aprovação em
Residencial
01/06/2012
Vale Verde
Serrinha
Alambari
Condomínio
Terras Alphaville Resende
Loteamento fechado
(fase 2 em andamento)
238
do
193.600
decreto
de
aprovação em
16/02/2012
Av. Augusto de
Carvalho, a menos
Ainda
será
252.680,70
de 5 minutos do
lançado
centro
Condomínio
Residencial Condomínio
Ecovillage Serrinha
horizontal
Bella Vista Residencial
Morada da Colina III
Condomínio fechado
Loteamento fechado
Serrinha
Alambari
Avenida
Ferreira
Beira Rio
do 2.500 (de Ainda
será
frações)
lançado
Rita
Mais
de
Rocha,
2011
12.000
Agulhas
Negras;
Av. Prof. Darcy Ribeiro
Parte
do
projeto ainda
em fase de
construção
Fonte: Secretaria de Planejamento na Prefeitura Municipal de Resende, 2013
Organização: Lívia Maria Magalhães (2014)
De acordo com os dados apresentados, pode-se dizer que todos os condomínios e
loteamentos têm data de aprovação a partir da década de 1990, ou seja, pós processo de
reestruturação produtiva e que a grande maioria possui área considerável, além de que a
maior parte dos condomínios fechados (7 ao todo) está localizada na Serrinha do
Alambari, na encosta leste do Parque Nacional de Itatiaia, Serra da Mantiqueira, a oeste
da estrada para Visconde de Mauá (Resende) (RJ-163). A Serrinha do Alambari está
localizada na Região das Agulhas Negras, sendo composta por uma paisagem
montanhosa e por belas cachoeiras, além de ser considerada uma importante Estância
Climática do estado do Rio de Janeiro, ou seja, é uma região que possui amenidades
naturais.
Segue abaixo alguns elementos de marketing de alguns desses condomínios
fechados que apontam para vantagens de localização, infraestrutura, dentre outros:
Ilustração
do
Condomínio
Bella
Vista
http://pt.slideshare.net/Lancamentosrj/bella-vista-sende
239
Residencial.
Fonte:
Informações sobre a estrutura do Condomínio fechado Bella Vista Residencial. Fonte:
ttp://www.arrobacasa.com.br/bella-vista
Informações sobre a redondeza do Bella Vista Residencial. Fonte:
http://imoveismelhorinvestimento.com/169093/empreendimento/852073
Em relação à dinâmica do mercado imobiliário atual da cidade, ele está muito
mais ligado à produção voltada para a demanda solvável do que para a não solvável
devido ao interesse e à articulação entre poder público e privado por motivos de
aquecimento da economia. A procura por condomínios e imóveis comerciais é maior.
Segundo entrevista realizada, em 2013, com o proprietário de terras e corretor Paulo
Sampaio, da imobiliária Paulo Sampaio Imóveis, a "demanda esgotou, não tem nada pra
oferecer. Então assim, a lei da oferta e procura tá desproporcional: a procura existe e
não tem oferta."
Paulo Sampaio disse que os preços estavam subindo devido à alta procura e à
baixa oferta: "Não tem casa em oferta, hoje por exemplo, casa à venda em condomínio
fechado não tem. Se tiver uma é muito." e também "Tem casa no Limeira o pessoal fala
em 2 milhões".
Paulo Sampaio abordou que é preciso as construtoras "acordarem" e a prefeitura
cooperar mais porque tem muita terra disponível. Os problemas do mercado imobiliário
na cidade, segundo ele, seriam: a) as construtoras têm como foco a classe C, vendem a
ideia antes de estar com a obra do imóvel pronta e constroem com o dinheiro do cliente
devido à falta de capitalização. Além disso, não querem pagar pelo terreno e promovem
240
preços de lançamento altíssimos; b) o funcionalismo público é pouco eficiente e há
muita burocracia que acaba embarrando ou procrastinando empreendimentos.
Outro aspecto relevante foi constatado pelo ex-bolsista Lenon Santiago Mendes
Suhett em seu relatório referente ao período de 03/2009 a 03/2010, cuja metodologia foi
analisar anúncios dos principais jornais de Resende entre 1995 e 2006. Ao analisar a
variação do valor médio dos imóveis por bairros , ele diz: "constatamos que houve uma
valorização em torno de 16,97% de todos os imóveis anunciados nos classificados
consultados nos principais jornais locais. Essa valorização, a priori, mostra o reflexo da
reestruturação produtiva no mercado imobiliário local."
Após obtenção de dados no cadastro de avaliação imobiliária da Caixa
Econômica Federal do Brasil, foi possível montar o seguinte quadro com um panorama
de preços praticados na cidade:
Quadro 3: Preços em Resende - 2012
Bairro
Preço total do
Data do evento
imóvel (R$)
Área do
(unidade)
Preço por
lote m²
(R$)
Morada da Colina
Morada da Colina
120.000,00
190.000,00
25/08/2012
Não edificada:
348,00
344,00
25/08/2012
Não edificada:
547,00
347,00
Não edificada:
140,00
300,00
Morada do Contorno
42.000,00
30/11/2012
Morada do Contorno
42.000,00
30/11/2012
Morada do Contorno
42.000,00
30/11/12
241
Não edificada:
300,00
140,00
Não edificada:
140,00
300,00
Jardim Jalisco
250.000,00
28/09/2012
Edificada: 68,00
3676,47
Jardim Jalisco
300.000,00
28/09/2012
Edificada: 75,00
4000
Jardim Jalisco
250.000,00
28/09/2012
Edificada: 60,60
4166,66
edificada:
45.000,00
28/08/2012
Não
450
100
45.000,00
12/12/2012
Não
450
edificada:
50.000,00
2/01/2013
Não edificada:
220,45
226,80
Campo Belo
Campo Belo
Monet
100
Panorama de preços do mercado imobiliário de Resende. Fonte: Caixa Econômica
Federal
(2013)
Organização: Lívia Maria Magalhães (2014)
Quadro 4: Preços em Resende - 2013
Bairro
Preço total do
Data do evento
imóvel
Preço por
Área do lote m²
(unidade)
(R$)
Morada da Colina
350.000,00
16/05/2013
Não edificada:
712,77
491,04
Morada da Colina
158.000,00
12/06/2013
Não edificada:
310,70
508,52
Morada do Contorno
60.000,00
23/05/2013
Não edificada:
428,57
140,00
Comercial
330.000,00
31/01/2013
Edificada:
120,28
Centro
650.000,00
03/06/2013
Não edificada:
1460,70
445,00
Parque Ipiranga
500.000,00
03/06/2013
Não edificada:
1111
450,00
Parque Ipiranga II
280.000,00
22/05/2013
Não edificada:
1866,66
150,00
242
2743,60
Parque Ipiranga II
160.000,00
11/06/2013
Não edificada:
355,5
450,00
Parque Ipiranga II
130.000,00
25/07/2013
Não edificada:
288,88
450,00
Parque Ipiranga II
110.000,00
09/07/2013
Não edificada:
244,44
450,00
Parque Ipiranga II
110.000,00
20/08/2013
Não edificada:
280,61
392,00
Vila Adelaide
90.000,00
28/02/2013
Não edificada:
162,80
552,80
Vila Adelaide
90.000,00
02/05/2013
Não edificada:
162,80
552,80
Vila Julieta
320.000,00
22/03/2013
Edificada:
114,10
Mirante das Agulhas
345.000,00
17/05/2013
Não edificada:
920
375,00
Vila Alegria
115.000,00
23/05/2013
Não edificada:
744,62
154,44
Mirante da Serra
480.000,00
03/06/2013
Não edificada:
1280
375,00
Vila Hulda Rocha
350.000,00
03/06/2013
Não edificada:
1400
250,00
Morada da Montanha
125.000,00
04/04/2013
Não edificada:
1000
125,00
Jardim Aliança II
45.000,00
01/07/2013
Não edificada:
330,88
136,00
2804,55
Não edificada:
111,11
630,00
Panorama de preços do mercado imobiliário de Resende. Fonte: Caixa Econômica
Federal
(2013)
Organização: Lívia Maria Magalhães (2014)
Em relação ao bairro Morada da Colina, que é considerada área nobre da cidade
Morada da Barra
70.000,00
01/07/2013
(colinas), a diferença de área do lote de 2012 para 2013 não foi tão expressiva e, nos
dois anos, o preço dos imóveis manteve-se alto. O Morada do Contorno está localizado
no contorno, limite da cidade mais a oeste. Lotes com a mesma área não edificada
apresentaram uma alta de R$18.000,00 no preço. Em relação aos demais bairros, não foi
possível conseguir dados para os dois anos a fins de uma comparação, mas é possível
243
afirmar que os preços praticados na cidade, em 2012 e 2013 estavam altos, sendo isso
mais notável nos bairros Comercial (área central da cidade com acesso direto à Rodovia
Presidente Dutra) e Centro, além de ser também bem visível na área das colinas, a
sudoeste, nos bairros do Parque Ipiranga, Parque Ipiranga II (área ao lado do terreno do
Alphaville) e Mirante das Agulhas. Pode-se dizer que os valores foram bastante altos
também no Mirante da Serra (bairro vizinho ao Morada do Contorno) e Vila Hulda
Rocha.
Num recorte temporal ainda mais atual, ou seja, o ano de 2014, pode-se dizer
que houve pequenas mudanças na dinâmica do mercado imobiliário da cidade. As
montadoras de veículos anunciaram investimentos, processo que teve início na década
de 1990, o que acarretou um boom na valorização imobiliária com índices recordes. O
aluguel de apartamento de um quarto era entre 1200 reais a 1800 reais, e as empresas
pagavam para que seus funcionários morassem em Resende, porém, o preço era alto
para os próprios moradores da cidade. Em 2014, houve aumento da oferta e diminuição
da procura com tendência de estabilização dos preços para uma adequação ao valor de
mercado, havendo muitos imóveis em oferta. Após a Copa do Mundo ocorrida nesse
ano, os proprietários pediram para os corretores baixarem os preços e a estimativa era
que o mercado estivesse estabilizado até Dezembro de 2014 com reaquecimento em
2015. (Reportagem exibida no noticiário RJ TV, primeira edição, Sul do Rio e Costa
Verde no dia 18 de junho de 2014)
Dessa forma, de acordo com os dados recolhidos e com a entrevista realizada
com um importante agente produtor do espaço na cidade, pode-se afirmar que a teoria
de que a reestruturação produtiva provocou mudanças intraurbanas ligadas ao mercado
imobiliário da cidade se comprova.
3. A segregação sócio-espacial na cidade: os loteamentos fechados
O processo de auto-segregação sócio-espacial toma, literalmente, espaço em
cidades médias brasileiras mediante a todo um conjunto de mudanças econômicas
vividas de acordo com a reestruturação produtiva, onde se acentuam as disparidades
entre as classes sociais na construção do espaço urbano e onde formas resultantes são
geradas, como, por exemplo, os loteamentos fechados.
O conceito de auto-segregação vem desde os anos 30 do século XX da Escola de
Ecologia Humana de Chicago, nos Estados Unidos. Os estudiosos dessa escola
244
baseavam seus métodos e teorias para estudos urbanos no Darwinismo Social, tendo
uma perspectiva positivista da realidade. Sendo assim, a cidade funcionava como um
organismo vivo, onde aqueles que melhor se adaptavam ao estilo urbano conseguiam
habitar as melhores áreas desse espaço. Nesse caso, os dois modelos de segregação
eram o "voluntário" e o "involuntário", onde no voluntário, o indivíduo habitava
determinada área segundo sua própria iniciativa e, no involuntário, o indivíduo era
obrigado por forças externas a habitar ou deslocar-se de determinados espaços. Para
alguns autores, ficava evidenciado que a segregação era, pois, um processo "natural"
que se assemelha em muito ao processo de “seleção natural das espécies”, teoria Charles
Darwin a qual Durkheim adaptou para a sociedade humana. Ainda em analogia ao
"mundo natural", a Escola de Chicago criou os conceitos de competição e dominância
para analisar as várias atividades urbanas (comercial, industrial e residencial),
explicando que o alto valor da terra em determinadas áreas se devia à grande
competição entre os gêneros de atividades por vantagens locacionais, ou seja, o valor da
terra seria dado exclusivamente pelo valor de mercado. Com isso, pode-se perceber que
tomar para a sociedade uma teoria natural foi um grande erro, já que não se pode
naturalizar os diferentes parcelamentos e o modo de vida urbano, além das diferenças
em relação a melhores infraestruturas e oportunidades de trabalho e renda.
No contexto desse trabalho, são fatores econômicos e estruturais que se ligam
intimamente com a auto-segregação. Segundo Marcuse, 2004 (apud Negri 2008), um
dos três tipos de padrão de segregação, o qual é abordado nesse trabalho é o de "Divisão
por Diferença no Status Hierárquico", que reflete e reproduz as relações de poder na
cidade e pode ser representado, por exemplo, por um enclave na forma de loteamento
fechado. Segundo Cardoso (2013), a aceleração na transformação dos modos de uso e
ocupação do solo urbano pressionam o Estado em relação às infraestruturas necessárias
de acordo com a concentração populacional, as demandas cotidianas da reprodução
social e as necessidades sócio-espaciais do processo de acumulação capitalista em
Resende.
Uma dessas necessidades é a da auto-segregação das classes com maior poder
aquisitivo. Segundo Corrêa (1989) "A segregação residencial é uma expressão espacial
das classes sociais." Há dois tipos de segregação: a imposta aos grupos sociais com
opções reduzidas de como e onde morar e a auto-segregação, onde as classes
245
dominantes escolhem onde morar e mais: são privilegiadas por poderem pagar por uma
localização com amenidades naturais.
Primeiramente, é necessário mostrar o que é um loteamento fechado, que
segundo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (2013), é "o
parcelamento do solo urbano cuja delimitação de perímetro, no todo ou em parte, seja
marcada por muro, cerca, grade ou similares e que mantenha controle de acesso de seus
moradores e visitantes." Além disso, 35% do terreno é destinado para áreas públicas,
sendo áreas verdes, área institucional e arruamentos. Os limites demarcados por muros e
os sistemas de controle e vigilância com câmeras de segurança e guarita de acesso
agregam o caráter de segregação sócio-espacial desse tipo de loteamento. Os
condomínios fechados não são obrigados por lei a terem parte do seu terreno dedicado a
áreas públicas.
O que dá o caráter diferencial em termos de qualidade de vida nos loteamentos
fechados é a venda de ideias que constituem uma soma poderosa entre os seguintes
fatores: contato com a natureza (amenidades físicas) + boa infra-estrutura + garantia
maior de segurança + boa localização. A boa localização engloba proximidade do local
de trabalho, do centro da cidade e de serviços de qualidade necessários ao cotidiano.
Segundo Negri (2008), a distribuição espacial das classes sociais é desigual, o
que leva à ocorrência da segregação sócio-espacial pela estruturação do espaço urbano.
Uma vez que os espaços são humanizados, eles refletem na sua arquitetura e
organização o padrão de desenvolvimento da complexidade das relações sociais. Nesse
sentido, a segregação sócio-espacial se dá, principalmente, por meio da diferenciação
econômica, onde a classe média/alta controla e produz o espaço urbano de acordo com
seus interesses, ou seja, a segregação é, além de uma divisão física das classes no
espaço urbano, um instrumento de controle desse espaço.
Castells (1983) analisa o processo de segregação sócio-espacial como reflexo da
distribuição espacial das diversas classes sociais, sendo que esta tem determinações
políticas, econômicas e ideológicas. Assim, o autor visualiza a diferenciação social
refletida no espaço como uma a tendência à organização em zonas de forte
homogeneidade social interna e com intensa disparidade social, hierárquica entre elas.
Tendo em vista que Resende é uma cidade média, pode-se dizer que a autosegregação é social devido ao elevado preço dos imóveis nesses espaços fechados (ou
seja, nem todos podem pagar por isso) e é também espacial porque a auto-separação
246
viabilizada pelos muros não implica em um real afastamento espacial ou um aumento
do tempo necessário nos deslocamentos cotidianos, já que há facilidades de locomoção.
Corrêa (1995) fala que "o papel da organização espacial como condição para a
reprodução social é mais evidente quando se consideram as classes sociais e suas
frações em um meio urbano", sendo através da segregação residencial que elas se
reproduzem. Ele continua dizendo que a segregação residencial existe desde que
surgiram as classes sociais, contudo, é no capitalismo que ela se complexifica mais
devido à maior estruturação das classes sociais. As áreas residenciais viabilizam a
reprodução das classes sociais por configurarem "meios distintos para a interação social,
da qual os indivíduos derivam seus valores, expectativas, hábitos de consumo e estado
de consciência."
Complementando, segundo Soja (1993), a reindustrialização seletiva decorrente
da reestruturação produtiva provocou mudanças na estruturação dos mercados urbanos
de trabalho com uma segmentação mais profunda: uma polarização mais pronunciada
das ocupações de trabalhadores de elevada ou baixa remuneração/especialização, assim
como uma segregação residencial mais especializada pautada na ocupação, raça,
afiliação étnica, condição de imigrante, renda, estilo de vida e outras variáveis que se
relacionam com o emprego.
Desse modo, pode-se dizer que as cidades médias vêm passando por processos
que as aproximam de cidades grandes e metrópoles no sentido de vivências cotidianas
espacializadas da cidade. Caldeira (2000) menciona os três padrões de segregação na
cidade de São Paulo, sendo o último, compreendido após a década de 1980,
caracterizado por uma maior proximidade espacial das classes sociais, já que há
dispersão da classe alta pela periferia e da classe mais baixa pelas áreas mais nobres da
cidade, principalmente pela criação de favelas, sendo que isso não significa
proximidade social entre as classes. Nesse contexto, se intensifica a auto-segregação da
classe de alta renda nos "enclaves fortificados".
O Limeira Tênis Clube, o Limeira Town House, o Morada da Colina III e o
Alphaville são os loteamentos fechados que se localizam na cidade de Resende, ou seja,
formas que refletem um processo de valorização imobiliária e espacialização das
diferenças entre as classes sociais. Segue abaixo a localização desses loteamentos
fechados a partir do croqui de arruamentos de Resende:
247
Loteamentos
fechados
de
Resende.
Fonte:http://www.resende.rj.gov.br/conteudo/downloads/arruamento_resende.pdf
Para melhor visualização dos dados, foi elaborado o quadro síntese dos
loteamentos fechados de Resende com base no quadro 1 do capítulo anterior:
Quadro 5: Loteamentos fechados em Resende
248
Empreendimento
Localização
Área (m²)
Data
Aprovação
Condomínio
Agulhas
Negras;
Residencial Limeira Av. Prof. Darcy
225.000
Tênis Clube
Ribeiro
24/05/2001
Condomínio
Residencial
Agulhas
Negras; 20.000
Horizontal Limeira Av. Prof. Darcy
Town House
Ribeiro
14/10/2004
Av. Augusto de
Terras
Alpha Carvalho, a menos
411.976,05
Resende (fase 1)
de 5 minutos do
centro
Av. Augusto de
Terras
Alphaville Carvalho, a menos
252.680,70
Resende (fase 2)
de 5 minutos do
centro
Av.
Antenor
O'reilly de Souza
Morada da Colina
Junior - Morada da III
Colina Resende RJ
de
20/05/2011
-
-
Fonte: Secretaria de Planejamento na Prefeitura Municipal de Resende, 2013
Organização: Lívia Maria Magalhães (2014)
O Morada da Colina III será um loteamento fechado com usos mistos e ainda
está sendo desenvolvido em fase de construção pela Master Plan (urbanismo) através da
inserção de usos mistos do solo, de acordo com a demanda: residências, comércio,
oficinas, hotéis, parque natural, entre outros. Segundo o site oficial do empreendimento,
nos últimos anos, a cidade de Resende tem apresentado um acelerado crescimento
econômico, o que gerou uma grande demanda por habitação. É afirmado também que a
cidade possui um patrimônio natural que deve ser protegido, mais especificamente a
249
área da Morada da Colina III, que está rodeada de importantes zonas de reserva e
proteção ambiental, ressaltando-se a Reserva de Itatiaia. Desse modo, o projeto vende a
ideia de proteção e interação com o retorno, sendo "sustentável em sintonia com a
natureza". Um fator que chama a atenção é a localização: o acesso ao loteamento faz
parte do principal eixo viário de Resende, que é o Acesso Oeste ao trevo de Bulhões, o
que reforça a ideia de enclave, mas sem perda de acesso a outras áreas da cidade
(principalmente o centro), ou seja, um enclave que não perde a capacidade de trocas por
fluxos.
Os empreendimentos Limeira Tênis Clube e Limeira Town House tiveram suas
datas de aprovação no início dos anos 2000, sendo o Condomínio Residencial
Horizontal Limeira Town House posterior e complementar ao Condomínio Residencial
Limeira Tênis Clube. Mário Periquito atuou como proprietário de terras e também como
incorporador imobiliário através da Limeira Empreendimentos Imobiliários.
O Alphaville está em construção com todos terrenos vendidos (fase 2 - Terras
Alphaville Resende) e com terrenos já vendidos e entregues (fase 1 - Terras Alpha
Resende), sendo o único loteamento fechado com bandeira de abrangência em escala
nacional na cidade. Os compradores adquirem os lotes e, posteriormente, pagam a
construtora para construir mediante certos padrões aprovados pela mesma.
Na descrição do site oficial, o grupo é "o Líder nacional em empreendimentos
horizontais, bairros planejados e núcleos urbanos, a Alphaville é a principal
urbanizadora do país e está presente em 21 estados brasileiros com projetos que reúnem
infraestrutura e urbanismo de qualidade superior e consciência ambiental." Ou seja, é
um grupo empreendedor que age como promotor imobiliário em escala nacional voltado
para a classe média alta e a alta. Nesse loteamento, há um total de 384 lotes residenciais
(áreas de 330 m² a 1.000 m² e lote médio de 385 m²) além de 35 lotes comerciais na fase
1 e mais 411 lotes residenciais e 3 comerciais na fase 2, ou seja, o uso do solo é misto,
mais ligado à concepção de um bairro cercado. Outro aspecto interessante do
loteamento Alphaville é a gestão: a fase 1 tem administração de um Associação eleita e
formada pelos proprietários dos lotes e que é responsável por, dentre outras delegações,
aspectos operacionais, manutenção, contratação de funcionários e administração do
clube. A autogestão mostra claramente a cooperação entre o capital privado e o capital
público em empreendimentos como esse, ou seja, os loteamentos fechados.
250
Ainda em relação ao Alphaville, Paulo Sampaio, mencionado acima, atua como
proprietário de terras bem localizadas devido a amenidades físicas (relevo, rio, lagoa,
verde, sol, etc), que pensa no valor de troca e não no valor de uso da terra; Paulo
também age como corretor, ou seja, promotor imobiliário, aquele que gere o capitaldinheiro na fase de transformação do imóvel em mercadoria, o que realiza
financiamentos, estudos técnicos e preocupa-se com a localização e qualidade do imóvel
relacionada à acessibilidade, eficiência e segurança; o grupo Alphaville Urbanismo
também age como promotor imobiliário, agindo como construtora e incorporadora de
imóveis. É importante frisar que a ação dos promotores imobiliários responsabiliza-se
por grande parte da infraestrutura e interessa-se pelo preço elevado dos imóveis devido
ao alto status de localização. Desse modo, sua ação é desigual para/com a sociedade,
reforçando a segregação sócio-espacial.
Abaixo, seguem algumas propagadas chamando a atenção para determinadas
ideias vendidas, cujos aspectos são procurados pelos moradores interessados nesses
loteamentos:
Condomínio Residencial Limeira Tênis Clube. Fonte: http://e-limeira.com.br/local.htm
Condomínio
Residencial
Limeira
limeira.com.br/infraestrutura.htm
Town
251
House.
Fonte:
http://e-
Condomínio Residencial Limeira Town House. Fonte: http://e-limeira.com.br/index.html
Ilustração do Morada da Colina III. Fonte: http://atelieroreilly.com/wp-content/uploads/2010/12/Master-Plan Morada-da-Colina-3.jpg
Ilustração
do
Morada
da
Colina
III.
252
Fonte:
http://atelieroreilly.com/?p=745
253
Marketing do Terras Alpha Resende (fase 1 do empreendimento) Fonte:
http://www.psimoveis.com.br/terrasalpharesende/
A presença de um loteamento de um grupo tão renomado, o Terras Alpha
Resende, e o fato do empreendimento na fase 2 estar com as obras em andamento (o
Alphaville Resende), além de outros loteamentos fechados e empreendimentos voltados
para a classe média/alta e alta no eixo mais valorizado da cidade denotam que há grande
demanda da população e há também a possibilidade dos agentes produtores do espaço
de empreenderem devido a uma maior capitalização.
4. Considerações Finais
Resende conheceu uma maior visibilidade e valorização a partir da década de 90
com a chegada das multinacionais, o que acarretou um crescimento, além de uma série
de mudanças na maneira de consumir e produzir o espaço, até porque, com a
reestruturação produtiva, houve também reestruturação econômica. Levando em
consideração que a economia influencia diretamente na urbanização e nas formas
capitalistas de produzir e consumir as cidades, o novo padrão produtivo acarretou um
novo padrão de consumo, incluindo um maior consumo de imóveis comerciais e para
habitação.
Na medida em que o trabalho pretendeu se ocupar das diferenciações sócioespaciais materializadas no espaço dessa nova cidade média que passou por um
processo de reestruturação, pode-se dizer que a cidade pós reestruturação produtiva
passou a abrigar formas urbanas que representam enclaves: os loteamentos fechados.
O aumento do capital possibilitou os seus detentores de realizar novos
empreendimentos, produzindo uma nova cidade a partir de uma lógica produtiva que
254
"contagiou" a cidade, a lógica da indústria. Já os consumidores, pessoas atraídas pelo
crescimento da cidade e/ou ligadas às indústrias, viram a oportunidade de ter uma
moradia de alto padrão num conceito de estilo de vida diferenciado devido a, dentre
outros aspectos já comentados, amenidades de localização geográfica e maior
segurança, elementos vendidos pelo marketing desses empreendimentos.
Assim, Resende tem crescido, tornando-se uma cidade média cada vez mais
capitalizada, complexa e adquirindo características de cidades maiores, até mesmo
metrópoles em aspectos como habitação e gestão, dentre outros, devido à reestruturação
produtiva.
5. Referências Bibliográficas
CALDEIRA, T. P. Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo.
São Paulo: Edusp, 2000.
CARDOSO, I. C. da C. DESENVOLVIMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE
RESENDE E A PRODUÇÃO DE DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS:
aceleração dos ritmos de transformação dos modos de uso e ocupação do solo
urbano. VI Jornada Internacional de Políticas Públicas, Cidade Universitária da
Universidade Federal do Maranhão, São Luís, Maranhão, 2013
CASTELLS, M. A Questão Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
CORRÊA, R. L. Região e Organização Espacial. São Paulo: Ática, 1995
CORRÊA, R. L. O espaço Urbano. São Paulo: Ática, 1989.
MARCUSE, P. Enclaves, sim; guetos, não: a segregação e o estado. In: Espaço e
Debates. São Paulo: NERU. v. 24, n. 45, p. 24 – 33, 2004
NEGRI, S. M. Segregação Sócio-Espacial: Alguns Conceitos e Análises. Coletâneas
do nosso tempo. Rondonópolis, MT, v. VII, nº 8, p. 129 a 153, 2008
RIBEIRO, L. C . de Q. Dos Cortiços aos condomínios fechados. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1997.
SOJA, E.W. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social.
Tradução da 2º edição inglesa, Vera Ribeiro; revisão técnica, Berta Becker, Lia
Machado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993
SPOSITO, M. E. B. REESTRUTURAÇÃO URBANA E SEGREGAÇÃO
SOCIOESPACIAL NO INTERIOR PAULISTA.
255
REVISTA
ELECTRÓNICA
DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES. Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos
Críticos de Geografía Humana Universidad de Barcelona. Vol. XI, núm. 245, 2007
SOUTO, B. F. e DULCI, J. A. Reestruturação Produtiva e seu reflexo na sóciodinâmica do Sul Fluminense. Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de
Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú-MG, 2008
256
O CONFORTO DOS DOMICÍLIOS EM MONTES CLAROS-MG
EM 2010
Marilée Patta61
Resumo: Apurou-se o conforto dos domicílios nas áreas de ponderação, Cidade e
Município com dados do censo 2010 verificando existência de rádio, televisão,
geladeira, máquina de lavar, computador, internet, motocicleta e automóvel. Cada
indicador recebeu pesos para geração de índices exibidos em mapas. Predominam os
domicílios que tem rádio, geladeira, televisão e telefone celular e que há carência de
máquina de lavar, telefone fixo, computador, internet, motocicleta e automóvel. Além
disso, quase metade da população está em situação precária quanto à existência dos
itens de conforto nos domicílios, sendo o índice da Cidade de 0,468325284 e do
Município, 0,473314786. Rural/Distritos (0,539) e Santos Reis (0,499) se destacam com
os maiores índices (pior conforto), e Ibituruna (0,39), o menor (melhor conforto).
Palavras-Chave: Desigualdade socioespacial, Conforto de domicílio, Montes ClarosMG.
INTRODUÇÃO
Montes Claros-MG, situado no Norte de Minas Gerais (Mapa 1), se encontra em
processo dinâmico de alteração do espaço em função da intervenção das ações das
pessoas, fortemente influenciadas pela cultura e condições existentes.
Apesar dos avanços e progressos, a região do Norte de Minas é constatada com
desigualdades no âmbito social. ESDRAS (2012) entende que o Norte de Minas se
61
Doutoranda em Geografia - Tratamento da Informação Espacial – PUC Minas, MG, Brasil
Professora do Departamento de Ciências da Computação - UNIMONTES, Montes Claros - MG, Brasil
Orientador: Leônidas Conceição Barroso. Doutor em Informática – PUC Rio, Brasil. Professor do
Programa de Pós-Graduação em Sistemas de Informação e Gestão do Conhecimento da Universidade
FUMEC, Belo Horizonte, MG, Brasil, e do Programa de Pós Graduação em Geografia – Tratamento da
Informação Espacial da PUC Minas em Belo Horizonte, MG, Brasil.
Co-orientador: João Francisco de Abreu. Doutor em Geografia – Universidade de Michigan, EUA.
Professor Programa de Pós Graduação em Geografia – Tratamento da Informação Espacial da PUC
Minas em Belo Horizonte, MG, Brasil.
257
caracteriza pelo baixo dinamismo econômico e agravamento de indicadores sociais.
Destacam-se desigualdades na distribuição de renda, despesas com bens de consumo,
serviços, acesso à saúde e à educação, tipos de domicílios, estrutura de domicílio e
conforto, e demais outros indicadores.
Conforme IBGE (2010), o Município de Montes Claros-MG, contava com
população de 361.915 habitantes e a sede com 338.381 pessoas, havendo crescimento
de 17,9%. A Quantidade de Domicílios em 2000 no Município era de 76.603 e em
2010, de 105.295, registrando aumento de 27,24%.
Figura 1 - Localização de |Montes Claros - MG
Fonte: PATTA, 2014
Segundo IBGE (2010), os domicílios se encontram distribuídos em 22 áreas de
ponderação (Sede: 21, Rural/Distritos:01). A Cidade detém 93% dos domicílios, os
distritos, 2% e a área rural, 5%. A estrutura urbana contém apartamentos, casas e
258
cômodos, água tratada, energia elétrica, esgoto, limpeza urbana, telefonia fixa e celular,
internet, dentre outras.
O crescimento populacional que acarretou também aumento dos domicílios
carrega questões de estrutura, infraestrutura e indicadores, cujo conjunto, nomeou-se de
conforto do domicílio. Os indicadores de conforto retratam facetas de educação, cultura,
economia e tecnologia da sociedade localizada nos espaços geográficos de Montes
Claros-MG.
Dessa forma, mapearam-se variáveis consideradas indicadoras do conforto do
domicílio e calcularam-se os índices de conforto para as áreas de ponderação, Cidade e
Município. O índice foi calculado utilizando-se a atribuição de pesos, sendo que as
situações de não existência nos domicílios sofreram maiores pontuações em relação às
de existência. Além disso, foi desenvolvido site que contém o Mapeamento da Exclusão
social de Montes Claros que contém informações sobre o conforto do domicílio e pode
ser acessado no endereço eletrônico http://pattamarilee.wix.com/geovisualizacao.
2 MARCO TEÓRICO
O indicador social
é uma medida, em geral quantitativa dotada de significado social
substantivo, usada para substituir, quantificar ou operacionalizar
um conceito social abstrato, de interesse teórico (para pesquisa
acadêmica) ou programático (para formulação de políticas). É um
recurso metodológico, empiricamente referido, que informa algo
sobre um aspecto da realidade social ou sobre mudanças que se
estão processando na mesma. JANNUZZI (2012, p.21).
Os indicadores sociais servem para subsidiar as atividades de planejamento
público, formulação e avaliação de políticas sociais nas diferentes esferas de governo.
Possibilitam que poder público e sociedade civil monitorem as condições de vida e
bem-estar da população e permitem aprofundamento da investigação acadêmica sobre a
mudança social e sobre os determinantes dos diferentes fenômenos sociais. Para a
pesquisa acadêmica, o indicador social é o elo entre os modelos explicativos da Teoria
Social e a evidência empírica dos fenômenos sociais observados. É um instrumento
259
operacional para monitoramento da realidade social, para fins de formulação e
reformulação de políticas públicas.
JANNUZZI (2012) apresenta quatro etapas para montagem de indicadores: a)
definição operacional do conceito ou temática; b) especificação das dimensões, das
formas de interpretação, ou abordagem; c) aplicação das estatísticas públicas pertinentes
provenientes de censos demográficos, pesquisas amostrais, cadastros públicos; e d)
cálculo dos indicadores para elaboração de um sistema de indicadores sociais que traduz
a temática em questão.
Em se tratando de índices, POCHMMAN e AMORIM (2003) publicaram um
atlas contendo índices da exclusão social de 5507 municípios brasileiros. Para obtenção
do índice da exclusão social, usaram esquema a partir do Human Development Report
(2000). Os componentes do índice foram padrão de vida digno, conhecimento e risco
juvenil que foram ponderados para obtenção do Índice da Exclusão social.
3 MÉTODO
Nos domicílios, a existência de radio, televisão, geladeira, máquina de lavar,
telefone fixo, telefone celular, computador, internet, motocicleta e automóvel foi
apurada, utilizando-se os dados do Censo do IBGE (2010), obedecendo-se a divisão do
Município em áreas de ponderação. De posse dos valores absolutos, calcularam-se os
percentuais considerando as alternativas “Sim” e “Não” de respostas. A quantidade de
“Sim” ou “Não” foi dividida pelo número total de respostas. Seguindo a orientação de
POCHMAN e AMORIM (2003), as variáveis que compõe o conforto do domicílio
receberam pesos, cuja soma é igual a 1. As opções “Não”, retratando a inexistência do
bem no domicílio, receberam maiores pesos, conforme Tabela 1.
Tabela 1 – Conforto de Domicílio
Dimensão de Análise: Conforto de Domicílio
Variáveis
Peso Opções
de Peso
respostas
Rádio
0,1
sim
0,03
Não
0,07
260
Televisão
Máquina
Lavar roupas
Geladeira
0,1
de 0,1
0,1
Telefone celular
0,1
Telefone fixo
0,1
Microcomputador 0,1
Microcomputador 0,1
com internet
Motocicleta
0,1
Automóvel
Total
Fonte: Patta, M., 2014
0,1
sim
Não
sim
Não
sim
Não
sim
Não
sim
Não
sim
Não
sim
Não
sim
Não
sim
Não
1
0,03
0,07
0,03
0,07
0,03
0,07
0,03
0,07
0,03
0,07
0,03
0,07
0,03
0,07
0,03
0,07
0,03
0,07
1
Calcularam-se as médias ponderadas obtendo-se os índices do conforto do
domicílio. Ressalta-se que há agravamento quando aumenta o valor do índice.
Após esse processo, foi desenvolvido um site que disponibiliza o conjunto de
mapas que exibe o retrato dos indicadores do conforto do domicílio e os índices das
áreas de ponderação, Cidade e Município.
4 CONFORTO DOS DOMICÍLIOS EM MONTES CLAROS-MG
A pesquisa de domicílio do IBGE (2010) apresenta variáveis que levam à
caracterização da condição em que as pessoas vivem em um espaço geográfico. Para
apurar o conforto existente nos domicílios foram estudadas as existências de rádio,
televisão, geladeira, máquina de lavar, telefone fixo e celular, computador e internet,
motocicleta e automóvel.
4.1 Rádio
261
Existem rádios em 87.767 (oitenta e sete mil setecentos e sessenta e sete)
domicílios no Município, 83,35%, e em 81.356 (oitenta e um mil trezentos e cinqüenta e
seis), 83,06%, na Cidade. Não há em 16.244 (dezesseis mil duzentos e quarenta e
quatro) domicílios no Município, 15,42% e em 15.411 (quinze mil quatrocentos e onze),
15,73%, na Cidade. Predominam os domicílios que tem rádio. Já, os domicílios que não
tem, aparecem, em maior número, na Rural/Distritos, Santos Reis, Cidade Industrial,
Jardim Primavera e Jardim Alvorada. No Carmelo, Cintra e Ibituruna registram-se
menores números de domicílios que não tem rádio (Mapa 2).
Mapa 2 – Rádio
Fonte: IBGE, 2010. Org.: PATTA, M., 2014
4.2 Televisão
Há televisão em 99.746 (noventa e nove setecentos e quarenta e seis), 94,7%,
domicílios no Município e 93.548 (noventa e tres mil quinhentos e quarenta e oito),
95,5%, na Cidade. Não há em 4.368 (quatro mil, trezentos e sessenta e oito) domicílios
no Município, 4,05%, e em 3.222 (tres mil duzentos e vinte e dois), 3,28%, na Cidade.
Predominam os domicílios que tem televisão. Os domicílios sem televisão se localizam,
em maiores números, na Rural/Distritos, Santos Reis, Cidade Industrial, Jardim
262
Primavera e Jardim Alvorada. No Ibituruna, Jardim São Luiz e Centro registram-se os
menores números de domicílios que não tem televisão (Mapa3).
Mapa 3 – Televisão
Fonte: IBGE, 2010. Org.: PATTA, M., 2014
4.3 Máquina de Lavar roupas
As máquinas de lavar roupas aparecem em 29.467 (vinte e nove mil
quatrocentos e sessenta e sete) domicílios no Município, 27,87%, e em 28.246 (vinte e
oito mil duzentos e quarenta e seis), 28,83%, na Cidade. Não há em 76.547 (setenta e
seis mil quinhentos e quarenta e sete) domicílios no Município, 70,79%, e em 68.254
(sessenta e oitos mil duzentos e cinquenta e quatro), 69,96%, na Cidade. Predominam,
os domicílios que não tem máquina de lavar roupas, somando-se, maiores números na
Rural / Distrito, Jardim Primavera, Jardim Alvorada e São Judas Tadeu, precedidos do
Jardim Eldorado, Santos Reis, Cidade Industrial, Cidade Nova e Maracanã. Os que mais
tem se localizam no Ibituruna, Todos os Santos, Jardim São Luiz e Centro (Mapa4).
263
Mapa 4 – Existência de Máquina de Lavar
Fonte: IBGE, 2010. Org.: PATTA, M., 2014
4.4 Geladeira
Existem Geladeiras em 99.618 (noventa e nove mil seiscentos e dezoito)
domicílios no Município, 94,6%, e em 93.311 (noventa e tres mil trezentos e onze),
95,26%, na Cidade. Não existem geladeiras em 4.394 (quatro mil e trezentos e noventa
e quatro) domicílios no Município, 4,17% e em 3.457 (tres mil quatrocentos e cinquenta
e sete), 3,52% na Cidade. Predominam os domicílios que tem geladeira. Os domicílios
sem geladeira mais aparecem na Rural/Distritos, Santos Reis, Cidade Industrial, Jardim
Primavera e Jardim Alvorada. No Ibituruna, Jardim São Luiz e Todos os Santos, Santa
Rita, São José e São João registram-se os menores números de domicílios que não tem
geladeira (Mapa5).
4.5 Telefone celular
264
Há telefones celulares em 91.461 (noventa e um mil quatrocentos e sessenta e
um) domicílios no Município, 87,81%, e em 87.785 (oitenta e sete mil setecentos e
oitenta e cinco), 89,62%, na Cidade. Sem telefones celulares aparecem 11.549 (onze mil
quinhentos e quarenta e nove) domicílios no Município, 10,96% e, na Cidade, 8.981
(oito mil novecentos e oitenta e um), 9,16%.
Mapa 5 – Existência de Geladeira
Fonte: IBGE, 2010. Org.: PATTA, M., 2014
Importante destacar que há mais telefones celulares que telefones fixos,
predominando os domicílios que tem telefone celular. Os que não tem mais se localizam
na Rural/Distritos, Santos Reis, Cidade Industrial, Vera Cruz e São Judas Tadeu. No
Ibituruna, e Todos os Santos registram-se os menores números de domicílios que não
tem telefone celular (Mapa6).
265
Mapa 6 – Telefone Celular
Fonte: IBGE, 2010. Org.: PATTA, M., 2014
4.6 Telefone fixo
Existem telefones fixos em 37.317 (trinta e sete mil trezentos e dezessete)
domicílios do Município, 35,44%, e em 36.799 (trinta e seis mil setecentos e noventa e
nove), 35,57%, da Cidade. Não existem em 66.697 (sessenta e seis mil seiscentos e
noventa e sete) domicílios no Município, 63,34%, e em 59.971 (cinqüenta e nove mil
novecentos e setenta e um), 61,22%, na Cidade. Os domicílios que não tem telefone
fixo predominam em todas as áreas. No Ibituruna, Jardim São Luiz, Todos os Santos e
Centro há maior número de telefones fixos nos domicílios e no Jardim Primavera e
Jardim Alvorada, Rural/Distritos, maiores números dos que não tem (Mapa 7).
266
Mapa 7 – Telefone Fixo
Fonte: IBGE, 2010. Org.: PATTA, M., 2014
4.7 Microcomputador e Internet
Os Microcomputadores foram encontrados em 41.246 (quarenta e um mil
duzentos e quarenta e seis), 39,17%, e internet em 31.582 (trinta e um mil quinhentos e
oitenta e dois), 29,99%, domicílios no Município. Na Cidade, os computadores estão
presentes em 40.856 (quarenta mil oitocentos e cinqüenta e seis), 41,71%, e a internet,
em 31.410 (trinta e um mil quatrocentos e dez), 32,06%.
Não existem computadores em 66.697 (sessenta e seis mil seiscentos e noventa e
sete), 59,61%, domicílios no Município, 59,61%, e em 55.914 (cinquenta e cinco mil
novecentos e quatorze), 57,08%, domicílios na Cidade. Há, portanto, diferença de 9.661
(nove mil seiscentos e sessenta e um), 9,17% domicílios sem internet, em relação aos
que tem computadores no Município e 9.443 (nove mil quatrocentos e quarenta e tres),
9,64%, na Cidade.
Detectou-se que predominam os domicílios sem microcomputadores. Os
domicílios que não tem microcomputador aparecem em maiores números na
Rural/Distritos, Jardim Primavera, Santos Reis, Cidade Industrial, Carmelo, Delfino
Magalhães, Jardim Alvorada, São Judas Tadeu. Já, os domicílios sem internet
267
aparecem, em maiores números, em Lourdes, Cidade Industrial, Santa Rita, Jardim
Alvorada, São Judas Tadeu, Major Prates, Jardim São Luiz (Mapa 8).
Mapa 8 – Computador e computador com Internet
Fonte: IBGE, 2010. Org.: PATTA, M., 2014
4.8 Motocicleta
Existem Motocicletas para uso pessoal em 31.810 (trinta e um mil oitocentos
dez) domicílios no Município, 30,21%, e em 29.989 (vinte e nove mil novecentos e
oitenta e nove), 30,61%, na Cidade. Não existem em 72.212 (setenta e dois mil duzentos
e doze), 68,57%, no Município, e em 66.779 (sessenta e seis mil setecentos e setenta e
nove), 68,17%, domicílios na Cidade. Predominam os domicílios sem motocicleta,
sendo que, os locais onde mais não tem são Rural/Distritos, Jardim São Luiz, Centro e
Jardim Primavera, seguidos do Jardim Alvorada e Ibituruna. Na Rural/Distritos e Jardim
Alvorada aparecem os maiores números de domicílios que tem motocicleta (Mapa 9).
268
Mapa 9 – Motocicleta
Fonte: IBGE, 2010. Org.: PATTA, M., 2014
4.9 Automóvel
Existem automóveis de uso particular em 38.437 (trinta e oito mil quatrocentos e
trinta e sete) domicílios no Município 36,5% e em 37.169 (trinta e sete mil cento e
sessenta e nove), 39,94%, na Cidade. Não existem em 65.576 (setenta e cinco mil
quinhentos e setenta e seis), 37,94%, no Município, e 59.600 (cinqüenta e nove mil
seiscentos), 60,84%, domicílios na Cidade. Predominam os domicílios sem automóveis,
sendo que as áreas onde mais não tem são Rural/Distritos, Jardim Alvorada e Jardim
Primavera, seguidos do Jardim Eldorado, Santos Reis, Cidade Industrial, Vera Cruz,
Carmelo, Delfino Magalhães, Cidade Nova e São Judas Tadeu. Há mais automóveis no
Ibituruna e Jardim São Luiz (Mapa 10).
269
Mapa 10 – Automóvel
Fonte: IBGE, 2010. Org.: PATTA, M., 2014
5 ÍNDICES DE CONFORTO DE DOMICÍLIO
Na análise do conforto do domicílio totalizaram-se as variáveis, rádio, televisão,
máquina de lavar, telefone fixo e celular, microcomputador e internet, motocicleta e
automóvel. Após ponderar o valor dos indicadores, o índice encontrado na Cidade é
0,468325284 e no Município, de 0,473314786. Exibindo-se dos maiores para os
menores índices, isto é, dos piores para os melhores confortos, aparecem a
Rural/Distritos, Santos Reis, Jardim Eldorado, Carmelo, Maracanã, Jardim Primavera,
Delfino Magalhães, Cidade Industrial, São Judas Tadeu, Vera Cruz, Major Prates,
Jardim Alvorada, Cidade Nova, Lourdes, São João, Cintra, Santa Rita, São José, Centro,
Jardim São Luiz, Todos os Santos, Ibituruna. A Rural/Distritos e os Santos Reis se
destacam com os maiores índices (piores confortos) e Ibituruna, o menor (melhor
conforto) (Gráfico 1 e Mapa 11).
270
Rural/distritos;
Conforto; Santos
0,539966869
Reis;
Conforto; Jardim
0,499028735
Eldorado;
Conforto;
0,496086752
Carmelo;
Conforto;
0,495009309
Maracanã;
Conforto; Jardim
0,493993207
Primavera;
Conforto; Delfino
0,491616848
Magalhães;
Conforto; Cidade
0,490125445
Industrial;
Conforto; São
0,489562624
Judas Tadeu;
0,488571933
Vera
Conforto;
0,48676357
Cruz;
Major
Conforto;
Prates;
Conforto; Jardim
0,484672447
Alvorada;
Conforto; Cidade
0,476668046
Nova;
Conforto;
0,474730826
Lourdes;
Conforto; São
0,466533302
João;
0,464641296
Cintra;
Conforto;
0,464321224
Santa
Conforto;
Rita;
Conforto; São
0,447387433
José;
0,446595448
Centro ;
Conforto;
0,437762966
Jardim
Conforto;
São Luiz;
Conforto; Todos
0,423808884
os Santos;
Conforto;
0,42196152
Ibituruna;
0,393001044
1
Valores de 0 aConforto;
Gráfico 1 – Conforto no Domicílio na Cidade e Município
Fonte: PATTA, M., 2014
Mapa 11 – Índice de Conforto nas Áreas de Ponderação, Cidade e Município
Fonte: PATTA, M., 2014
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A quantidade de domicílios aumentou em 27,24% de 2000 à 2010, sendo
localizados, 95%, na área urbana e os maiores números se
Rural/Distritos, Jardim Alvorada e Jardim Primavera.
271
encontram na
Rádio, televisão, geladeira e telefone celular são os itens de conforto que mais
aparecem nos domicílios (de 83% a 95%). Na Rural/Distritos, Jardim Primavera,
Cidade Industrial, Santos Reis, Jardim Primavera, Vera Cruz, São Judas Tadeu e Jardim
Alvorada há mais domicílios que não tem rádio, televisão geladeira e telefone celular.
Máquina de lavar, telefone fixo, computador, internet, motocicleta e automóvel
são itens de conforto que aparecem de 28% a 40% dos domicílios. A máquina de lavar
(28%) e telefone fixo (30%) menos aparecem na Rural/Distritos, Jardim Primavera,
Jardim Alvorada e São Judas Tadeu.
Não há computadores em ~40% e internet em 30% dos domicílios. Há mais
domicílios sem computadores na Rural/Distritos, Jardim Primavera e, em Lourdes, sem
internet.
A motocicleta aparece em ~30% e os automóveis, em 37% dos domicílios. Na
Rural/Distritos, Jardim São Luiz, Centro e Jardim Primavera registram-se os maiores
números de domicílios sem motocicleta. Na Rural/Distritos, Jardim Primavera e Jardim
Alvorada há mais domicílios sem automóveis.
O índice de conforto de domicílio do Município (0,473314786) é maior que o da
Cidade (0,468325284), porém, aproximados. Reforça-se a idéia de que o conforto
retrata facetas, cultural, educacional, social, econômica e tecnológica das pessoas
lotadas em um espaço geográfico. A Rural/Distritos (0,539) e os Santos Reis (0,499) se
destacam com os maiores índices no que tange ao conforto do domicílio, e Ibituruna
(0,393), o menor. As ausências de máquina de lavar, de internet, de motocicletas, e de
automóveis, agravaram os índices em todas as áreas de ponderação.
Assim, pode-se entender que quase metade da população da cidade e Município,
vive precariamente no que tange ao conforto de seus domicílios. Este fato confirma o
baixo dinamismo econômico e as desigualdades na distribuição de renda, despesas com
bens de consumo, que afetam, dentre outros aspectos, o conforto dos domicílios em
Montes Claros-MG.
REFERÊNCIAS
ESDRAS, Marcos. Geotecnologias Aplicadas ao estudo de formação e de risco
ambiental das favelas de Montes Claros/MG. 2012. P. 176-198. Disponível em
www.geografia.ufpr.br/raega. Acessado em 15 jun. 2012.
272
IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Divisão
regional do Brasil em mesorregiões e microrregiões geográficas. Volume 1. Rio de
Janeiro: IBGE, 1990.
______.Censo Demográfico 2010: Características Gerais da População, Religião e
Pessoas com Deficiência. Disponível em:
.ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Rel
igiao_Deficiencia/caracteristicas_religiao_deficiencia.pdf. Acessado em Set. 2013.
______. Censo Demográfico de 2010. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/. Acessado em Set.
2013.
______. Censo Demográfico de 2010 de Minas Gerais. Rio de Janeiro, 2010.
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal 2013. Disponível
<<http://www.pnud.org.br/IDH/DH.aspx>>. Acesso em 18 Mar. De 2014.
em:
JANNUZZI, P. M. Indicadores sociais no Brasil: conceitos, medidas e aplicações. 5.ed.
Campinas: Alínea; São Paulo: Editora Alínea, 2012. 156 p.
POCHMANN, M.; AMORIM, R.; SILVA, R.(Org.). Atlas da exclusão social no Brasil:
dinâmica e manifestação territorial. São Paulo: Cortez, 2003. v. 2.
POCHMAN, Márcio, AMORIM, Ricardo. Atlas de Exclusão social no Brasil. São
Paulo: Ed Cortez. 2003. 223 p.
273
NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS E TRANSFORMAÇÕES RECENTES
NA PRODUÇÃO HABITACIONAL NA CIDADE DE RIBEIRÃO
PRETO/SP.
Marlon Altavini de Abreu62/63
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo analisar e discutir as recentes transformações na
dinâmica do mercado imobiliário em cidades médias considerando os novos conteúdos
associados às formas de organização e estruturação dos negócios e das empresas
(construtoras e incorporadoras) do ramo imobiliário, assim como, a intensidade e
diversidade da produção imobiliária direcionada a diferentes segmentos de renda.
Tomando como referência as empresas do setor imobiliário e a produção habitacional na
cidade de Ribeirão Preto/SP debate o modo como os agentes imobiliários, em sua
diversidade e diferenças, projetam expectativas, direcionam o perfil de seus negócios e
participam/influenciam na produção do espaço urbano.
Palavras-Chave: Produção Habitacional, Dinâmica Imobiliária, Programa Minha Casa
Minha Vida.
1. A trajetória dos agentes e da produção imobiliária na cidade de Ribeirão Preto.
A mediação entre a dimensão local e os processos gerais que passam a articular
a dinâmica imobiliária recente constitui um desafio analítico vigoroso que exige
reconhecer, com o avanço das lógicas financeiras, a redefinição das expectativas e
estratégias desempenhadas por diferentes agentes imobiliários.
Além disso, expõe ao debate a necessidade de se qualificar estas transformações
em conjunto à discussão dos significados e sentidos associados às noções de
financiamento imobiliário e financeirização do setor imobiliário, integrando seus
sentidos às mudanças postas pelo modo como o capital imobiliário integra-se às formas
de reprodução do capital, entremeados por meio de novos agentes e novos produtos
62
Este trabalho consiste em parte dos resultados obtidos com a pesquisa desenvolvida em nível
de mestrado em Geografia pela FCT/UNESP de Presidente Prudente/SP, sob orientação do Prof. Dr.
Everaldo Santos Melazzo. O autor é integrante dos grupos de pesquisa GAsPERR (Grupo de Pesquisa
Produção do Espaço Urbano e Redefinições Regionais ) e CEMESPP (Centro de Estudos e de
Mapeamento da Exclusão Social para Políticas Públicas).
Correio eletrônico: [email protected]
63
Eixo 5 - Desigualdades socioespaciais. Produção de moradia, dinâmica imobiliária e
segregação residencial.
274
imobiliários, em disputa e concorrência com velhas formas mercantis de organização e
reprodução da cidade.
Esta ampliação das relações entre setor financeiro e imobiliário denota em sua
extensão mecanismos que passam a articular-se por diferentes escalas geográficas, em
um movimento orientado pela busca incessante de capitais por maiores taxas de lucro,
dadas as novas possibilidades abertas pelas inovações na engenharia financeira e
instrumentos institucionais dela oriundos.
Toda la expansión del inmobiliario en las últimas décadas se ha
basado en las nuevas posibilidades de financiacíon, que son
superiores a las que existieron en el pasado, y que tienen que
ver, además, con la abundancia de capitales y la búsqueda de
sectores rentables en los que intervir. (CAPEL, 2013, p. 208)
O capital imobiliário, normalmente associado às formas mercantis de produção
do espaço urbano, baseado pela coordenação de ciclos autônomos de diferentes capitais
(parcelamento, construção, incorporação, financiamento etc.), redefine-se através das
condições constituídas que permitem maior liquidez sob as bases das quais serão
apropriadas as rendas imobiliárias, sejam elas por meio da inserção e acesso de novos
instrumentos financeiros ou por grandes investimentos institucionais. (PAIVA, 2007)
O setor imobiliário e a construção civil são, no Brasil, historicamente marcados
por feições conservadoras em seus processos de gestão e modernização do capital
(Paiva, 2007), suas raízes ancoradas na força e centralização do capital mercantil,
alinhado à herança patrimonialista e a formação socioespacial de cada cidade designam
traços constitutivos que permanecem até os dias de hoje.
Na cidade de Ribeirão Preto o perfil e importância das empresas de capital
local com maior atuação no setor da construção civil e incorporação residencial
expressam, à primeira vista, estas feições. São empresas arquitetadas por forte estrutura
familiar e com arco de atuação ancorado em sua cidade de origem, com expressiva
presença na produção de obras públicas e produção de empreendimentos residenciais
voltados aos segmentos de maior renda64.
Deste modo, o entendimento deste processo atribui aos seus desdobramentos
locais – circunscritos ao avanço dos negócios em direção à produção habitacional particularidades intrinsecamente associadas ao modo e a intensidades que cada uma
destas empresas insere-se nas lógicas cada vez mais competitivas, que a partir da
segunda metade do século XXI vêm se aprofundando no setor imobiliário brasileiro.
As sinergias entre as heranças de capitais tradicionalmente mercantis-rentistas e
o papel das práticas financeiras integram-se a estas questões mais gerais, próprias à
escala de atuação destes agentes (MELAZZO, 2013), e acentuam, ou tornam mais
evidentes, sobreposições e articulações com dinâmicas e vínculos já consolidados
64
A caracterização destas empresas resulta das observações de campo e das entrevistas
realizadas durante a elaboração da dissertação de mestrado (ver Abreu 2014)
275
localmente – e que continuam a se reproduzir – sem que deixem de integrar-se ao
circuito imobiliário que passa a se estruturar no país (FIX, 2011).
Esta dinâmica é alvo de nossa atenção. Para tanto, tomaremos como exemplo as
construtoras e incorporadoras de capital local que atuam nas cidades de Ribeirão Preto,
buscando destacar estes processos65 em cidades médias. Neste sentido, delineia-se um
conjunto de preocupações para a identificação das escalas de sua realização, que fora
das regiões metropolitanas incorporam estratégias específicas e ocorrem em
intensidades diferentes.
Na cidade de Ribeirão Preto, as empresas de capital local de maior importância
atuam predominantemente na produção de empreendimentos habitacionais66, assumindo
a incorporação e produção residencial a centralidade dos negócios de cada uma delas67.
As grandes empresas do setor (Habiarte, Copema e Pereira Alvim) tem seu arco
de atuação na cidade de Ribeirão Preto, sendo a atuação regional pouco explorada, com
destaque à construtora de médio porte Perplan, com atuação nas cidades de Franca,
Bebedouro, Mococa e Pirassununga e a construtora Habiarte com um empreendimento
na cidade de Sertãozinho.
Além disso, chama atenção em Ribeirão Preto as recentes parcerias entre
empresas locais e empresas de capital aberto na bolsa de valores BM&F BOVESPA.
Estas parcerias normalmente estão articuladas estrategicamente à expansão dos
negócios em direção da produção de produtos imobiliários voltados a diferentes
segmentos de renda, tal como, a Perplan que se integra às empresas Vitta Residencial e
a Bild Desenvolvimento Imobiliário, para produção de empreendimentos voltados a
baixa e média renda.
Esta ampliação sugere um ganho de importância dos grandes grupos com
atuação nacional frente àqueles que atuam em escala local. Ademais, a incursão destes
capitais engaja-se, sobretudo, pela participação destes grupos na produção de
empreendimentos voltados aos segmentos de média renda, incluindo aqueles que estão
enquadrados na faixa salarial de 3 a 10 salários mínimos do programa Minha Casa
Minha Vida.
Considerando apenas as empresas listadas na BM&F BOVESPA 68 é possível
mensurar os grupos e construtoras em atuação ou que atuaram na produção habitacional
65
As ideias subsequentes têm como principal referência as informações obtidas através
de entrevistas realizadas na cidade estudadas. Neste sentido, retoma parte das
considerações efetuadas por empresários, agentes da construção civil e incorporação
residencial e com representantes dos sindicatos (SINDUSCON e SECOVI), sobretudo,
ao modo como percebem a conjuntura atual do mercado, assim como as estratégias,
possibilidades e limites do período recente.
66
Na cidade de Ribeirão Preto foram realizadas um total de 4 entrevistas com consultores
imobiliários e diretores de marketing das empresas Copema, Habiarte, WTB e Perplan e a imobiliária
Forte Guimarães.
67
Assume uma posição secundária nas empresas WTB e Habiarte a produção de edifícios
empresariais.
276
para os segmentos econômicos de baixa é média renda pelo programa Minha Casa
Minha Vida, o qual fazem parte MRV Engenharia e Participações S.A., Rodobens
Negócios Imobiliários S.A., PDG Realty S.A.. Para os segmentos de alto padrão atuam
as empresas Rossi Residencial S.A. e Trisul S.A.
A ampliação do número de empresas operando nos mercados imobiliários
caracteriza a complexificação dos negócios imobiliários por meio da ampliação da
concorrência entre empresas, entre setores e também entre produtos imobiliários
específicos, responsáveis por uma maior segmentação do mercado e da oferta
habitacional.
Os sentidos associados à criação destas frações de mercado são desdobramento
do modo como a ampliação do circuito imobiliário se configura, via maior proximidade
entre política pública, particularmente aquela relacionada ao crédito imobiliário de um
lado e a produção habitacional de outro, e os tipos de mercadorias produzidas que
refletem de modo incisivo para transformações em curso dos capitais locais.
Neste sentido, para as empresas de capital aberto a formatação de um mercado
segmentado consiste num meio de cumprir com promessas feitas aos acionistas, em
contrapartida, para as empresas de capital fechado e com os negócios profundamente
arraigados à base local, esta nova constituição conforma novos patamares em que o
ambiente construído reafirma-se como polarizador da riqueza e rearticulação de elites
econômicas rentistas (MELAZZO, 2013).
Em Ribeirão Preto, a inserção de novos grupos disputando e diversificando
frações do mercado em direção a produção imobiliária mais segmentada, consubstancia
transformações importantes no modo como os agentes locais definem suas ações
estratégicas, sejam aquelas orientadas com a finalidade de troca de informação entre
grupos locais e grupos nacionais, seja àquela que exige maior organização entre grupos
locais, fomentando fusões e parcerias que permitam a permanência competitiva destas
empresas no mercado. Para tanto, destacamos três exemplos, o primeiro da em empresa
Habiarte que se associa à PDG Realty S.A. e um segundo da empresa Perplam e sua
associação com empresas locais.
Tomando como exemplo a empresa Habiarte, é destacável sua parceria com a
empresa PDG Realty S.A. Empreendimentos e Participações69.
A parceria foi constituída para o desenvolvimento em conjunto
de projetos imobiliários residenciais de média renda e
comerciais, já iniciando com 4 projetos contratados cujo VGV
pro rata PDG Realty alcança R$ 140 milhões. Desse total,
aproximadamente R$ 100 milhões serão lançados ainda em
200870.
68
http://bmfbovespa.com.br/cias-listadas/Empresas-istadas/BuscaEmpresaListada.aspx?segmento=Constru%C3%A7%C3%A3o+Civil&idioma=pt-br
.(Acesso 06/02/2015)
69
A Habiarte também associa-se em outros empreendimento a empresa Rossi S.A., outra
empresa com atuação nacional para a construção de empreendimentos residenciais.
70
Comunicado ao Mercado, publicado em 31 de março de 2008. Disponível em
<http://ri.pdg.com.br/conteudo_pt.asp?idioma=0&conta=28&tipo=32637&id=104513>. Acesso 07. dez. 2013.
277
Esta parceria, formada no ano de 2008, alia interesses e demonstra práticas que
se combinam em função da dificuldade das empresas de capital aberto em integrar-se a
mercados locais, dos quais têm pouca informação, ao passo que para as empresas locais,
resulta em um meio de maior integração a padrões construtivos diversos e ao controle
do mercado. Para o exemplo da empresa Habiarte, chama atenção o caráter estratégico
associado às parcerias com as grandes empresas de atuação nacional, sobretudo,
relacionada ao conhecimento de mercado que estas dispõem.
Foi uma parceria vamos dizer assim, para nós no sentido que a
PDG agregou muito, foi o que a gente esperava, nossa
expectativa era que eles agregassem no conhecimento sobre a
incorporação de fato, na incorporação e na estratégia de
marketing, venda, acabou que agregou alguma coisa.
(Funcionária responsável pelo setor de engenharia da empresa
Habiarte71).
Os sentidos associados por estas estratégias podem, entretanto, assumir formatos
diferentes quando pensados nos exemplos do Grupo WTB. O Grupo WTB atua
predominantemente no segmento de incorporação e consultoria imobiliária. A partir do
ano de 2008 promove uma reestruturação empresarial, subdividindo seu campo de
atuação em quatro unidades operacionais com objetivos direcionados à participação em
grandes empreendimentos a comercialização de novos produtos imobiliários72.
Esta reconfiguração da estrutura da empresa desdobra-se da necessidade de
atuação em segmentos de mercado específicos, aliados a ações que visam estabelecer
parcerias com as empresas de atuação nacional, como uma combinação adequada para o
Grupo WTB, permaneça competitivo no mercado.
O conhecimento estratégico do mercado imobiliário da cidade, aliado à
constituição do landbank destas empresas com atuação nacional, além da escala de
produção por elas alçada, ofereceram as condições para a WTB consolidar-se no
mercado imobiliário de Ribeirão Preto. Até o ano de 2013 a empresa participa da
produção de quatro grandes empreendimentos; Iguatemi Business e Iguatemi
Empresarial (Incorporação: Brookfield), Neo Ribeirão e Trio Ribeirão (Incorporação:
Lindencorp e Rossi).
Paralelamente, reside em Ribeirão Preto o exemplo da construtora Perplan, que
define novas estratégias de atuação, em direção a outros segmentos de renda. Para tanto
a empresas inicia parcerias com outras, tal como as empresas Bild Desenvolvimento
Imobiliário e Construplam.
71
Entrevista realizada por Everaldo Santos Melazzo no âmbito do projeto: Lógicas econômicas
e práticas espaciais contemporâneas: cidades médias e consumo. Cedida ao autor. Janeiro de 2015.
72
Informações obtidas em entrevista realizada com diretora de marketing da empresa WTB
concedida ao autor deste trabalho em novembro de 2013.
278
(...) a Perplan tem muito conhecimento e recebe muitas ofertas
de investidores, por que o que acontece: a gente estuda a área e
vê o que realmente da pra encaixar na área, porque não adianta
você olhar pra uma área e não perceber um projeto pra inserir
nela. Então a Perplan, passou a ter muitas propostas para áreas e
como a Bild já era conhecida e veio pra Ribeirão a pouco tempo,
foi formada em Ribeirão a pouco tempo, então o que aconteceu,
a gente se uniu, porque a Perplan entra com a parte da área, a
Bild entra com toda a estrutura e a Construplan constrói.
(Funcionária responsável pelo setor de marketing da empresa
Perplan73).
A união destas empresas locais amplia seus horizontes de atuação, permitindo o
avanço da produção habitacional destinada a outros segmentos de renda, tal como
apresentado no exemplo da empresa Perplan, que passa a integrar em seu portfólio
empreendimentos nesse caso específico, voltados aos segmentos sociais de rendimentos
médios ou baixos.
As diferenças percebidas são acentuadas, tal como destacado nos exemplos,
porém, recobrem ações que visam um processo de expansão dos negócios, por
intermédio do maior conhecimento do mercado e da ampliação da produção imobiliária,
seja aquela que consolida frações de mercado específicas, tal como o caso da empresa
Habiarte, ou àquela que segue em direção da constituição de diferentes segmentos de
renda.
Os rebatimentos e imbricações destes processos são diversos, compondo uma
ampla gama de questões relativas às políticas de financiamento da produção, a extensão
e influência das empresas de capital aberto - em sua condição hegemônica caracterizada
por estratégias de diferenciação de gestão e da propriedade da empresa, sua expansão
espacial, seus métodos construtivos, de venda e comercialização diferenciadas - frente
às empresas locais, de capital fechado com negócios fortemente ancorados em suas
cidades sedes e, não raro, em estruturas familiares de gestão.
A relação que resulta do avanço das condições postas à produção imobiliária tomada aqui pela ampliação do financiamento imobiliário, as possibilidades de
capitação de recursos por intermédio do mercado de capitais etc. – e a ampliação do
número de empresas e do mercado aberto para diferentes produtos imobiliários revelam
a composição de um cenário constituído por práticas específicas que exigem tanto um
conhecimento do funcionamento do mercado imobiliário (o que lançar? para quem
lançar?), mas, sobretudo, um conhecimento espacial (aonde lançar).
Todavia, gostaríamos de chamar atenção ao impacto dirigido às lógicas de
reprodução do espaço urbano, em específico para a diversificação da produção
habitacional que apresenta novos patamares alçadas pelo mercado e que expressam o
avanço da produção de novos empreendimentos, associando-se e fortalecendo as
dinâmicas de produção de novas centralidades, ao mesmo tempo, que se inscrevem em
lógicas, cada vez mais intensas, de expansão dos tecidos urbanos. O item subsequente
73
Entrevista concedida ao autor deste trabalho, nov.2013.
279
apresentará o volume desta produção, considerando os edifícios de alto padrão
produzidos e os empreendimentos contratados durante os anos de 2009 e 2012 pelo
programa Minha Casa Minha Vida.
2. A dinâmica da produção habitacional.
O conjunto de ideias apresentadas até o momento, em torno da correlação
pensada entre a inserção de novos agentes, a expansão e a transformação dos negócios
imobiliários coloca sobre um mesmo plano analítico a necessidade de considerar as
mudanças no volume, na intensidade e na seletividade de lançamentos e produtos
imobiliários dirigidos a diferentes segmentos de renda.
A dinâmica da produção habitacional recebe aqui um recorte temporal bem
definido, conjunturalmente potencializado pela disponibilidade de financiamento à
produção e crédito ao consumo e delimitado pelos investimentos direcionados a obras
de infraestrutura social e urbana construídas pelo Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) aprovado pelo governo federal no ano de 2007 e pelo programa
habitacional Minha Casa Minha Vida, aprovado em 2009.
Por um lado, a partir do PAC observa-se um conjunto de investimentos básicos
voltados à recuperação de áreas urbanas degradadas e favelas. O programa habitacional
Minha Casa Minha Vida, por sua vez, integra o conjunto de modificações institucionais
atreladas à produção habitacional, que impacta de modo decisivo o setor imobiliário e
reverbera de maneira intensa sobre a produção habitacional para os segmentos de rendas
médias e baixas.
O rebatimento destas transformações, no conjunto de empresas com atuação nos
setores da construção civil e incorporação residencial na cidade de Ribeirão Preto,
amplia a disputa entre empresas, consolida frações de mercado, ou mesmo, estabelecem
novas relações comerciais e o fracionamento do mercado através de produtos
imobiliários específicos.
Aos segmentos de alta renda associa-se a manutenção de um mercado voltado
à produção de empreendimentos verticais, concentrados territorialmente e com
participação hegemônica das empresas de capital local74.
O avanço da produção habitacional para esta fração de mercado será aqui
abordada dentro destas tipologias. Para tanto, utilizamos as informações referentes a
evolução dos lançamentos imobiliários de apartamentos das maiores empresas em
atuação no setor. O período considerado diz respeito aos lançamentos efetuados do ano
de 2000 até 2013.
As construtoras escolhidas para análise e mensuração dos empreendimentos na
cidade de Ribeirão Preto foram as empresas Habiarte, Copema e Pereira Alvin.
74
Esses edifícios localizam-se principalmente na Avenida Professor João Fiúsa e no bairro
Jardim Botânico, ambos no setor Sul da cidade de Ribeirão Preto, localizados no quadrando sudeste.
280
Quadro 1. Ribeirão Preto. Evolução dos empreendimentos voltados aos segmentos
de alta renda. 2000 até 201075.
Ribeirão Preto
Habiarte
Copema
2000 – 2010
11
12
2011
4
8
2012
2
3
2013
1
6
Fonte: Informações extraídas dos sites destas empresas
Org: Marlon Altavini de Abreu
Ano
Pereira Alvin76
6
*
*
1
Em Ribeirão Preto o volume de empreendimentos entregues indica o contraste
entre os últimos três anos e os períodos anteriores, a exemplo, da construtora Habiarte
que incorpora e comercializa nos três últimos anos um total de 7 edifícios, número
idêntico ao total entregue nos anos de 2000 e 2005 e superior aos 4 edifícios entregues
entre os anos de 2006 e 201077. A construtora Copema apresenta os números mais
elevados, com 17 empreendimentos aprovados no período, número superior à última
década. A construtora Pereira Alvim, por sua vez, apresenta os menores números de
lançamentos no período, entretanto, apresenta em sua trajetória um volume elevado, até
o ano de 2009, de empreendimentos horizontais, em sua maioria condomínios fechados
e edifícios comerciais.
Outros elementos que chamam a atenção, além do volume de empreendimentos
entregues, é a tipologia das unidades habitacionais nestes empreendimentos, com
predomínio de edifícios, e, também, pela localização destes imóveis, normalmente
associados a eixos já consolidados, tal como a área central da cidade e nos vetores de
valorização imobiliária, tal como a Avenida Professor João Fiúsa ou o bairro Jardim
Botânico, ambos localizados no eixo sul da cidade, no quadrante sudeste.
A produção habitacional para os segmentos de média e baixa renda concentra
os volumes de produção mais notáveis em número de unidades. Para sua mensuração
utilizaremos a relação de unidades habitacionais produzidas por empresas que produzem
e comercializam seus imóveis no interior do programa Minha Casa Minha Vida.
Este recorte nos conduz a três faixas de renda bem definidas. Sendo a Faixa 1
imóveis construídos para atender às famílias sem rendimento até com renda média
mensal bruta de até R$ 1600,00; a Faixa 2 para atender famílias com rendimento mensal
75
Informações extraídas dos sites das empresas e a partir de entrevistas realizadas com
representantes destas empresas.
76
Durante os anos de 2011 e 2012 a empresa concentra seus lançamentos em edifícios
empresariais e em um centro de eventos.
77
Informações extraídas das entrevistas com corretores imobiliários desta empresa.
281
bruto de até R$ 3275,00 Faixa 3 para atende famílias com rendimento mensal bruto que
varie valores acima R$ 3275,00 até R$ 5000,0078.
Para melhor circunscrever esta produção utilizaremos de informações em torno
do volume e localização destes empreendimentos. Para tanto, estas informações
referem-se às obras iniciadas entre 2009 e dezembro de 201279.
De modo geral o período destacado compreende um volume significado de
unidades habitacionais com construção iniciada. Em Ribeirão Preto neste período iniciase a construção de 8849 habitações. Trata-se de um volume considerável, seja pelo curto
espaço de tempo, seja por sua representatividade no estoque de imóveis desta cidade.
Comparado com o total de domicílios permanente registrados pelo último censo
demográfico do IBGE em 2010, que alcançou 194.853 domicílios, o total de habitações
produzidas corresponde percentualmente a quase 5% do estoque.
O avanço do número de unidades habitacionais produzidas por intermédio dos
incentivos financeiros do programa habitacional Minha Casa Minha Vida revelam uma
complexa dinâmica atrelada às ações de combate ao déficit habitacional, mas,
sobretudo, associada aos interesses econômicos de empresas construtoras e
incorporadoras.
Shimbo (2010) chama atenção para esta relação entre política habitacional e
dinâmica imobiliária, pensando-as através das relações cada vez mais estreitas entre
capital financeiro e setor imobiliário, consubstanciadas em um conjunto de
transformações relativas às necessidades das empresas que passam a abrir capital na
bolsa de valores, em constituir um ambiente de investimento seguro, calcado na extensa
produção da habitacional e na ampliação das escalas de atuação destas empresas,
tratando-se da constituição de uma política que favorece e privilegia a produção de uma
habitação social de mercado (SHIMBO, 2010, 194.)
Em Ribeirão Preto estas dinâmicas podem ser mensuradas quando pensadas na
relação entre estas novas unidades habitacionais e as empresas que passam a atuar em
sua produção, sendo em grande parte construtoras com atuação nacional ou regional.
Estas informações estão ordenadas em diferentes tabelas, cada qual referente a uma
faixa específica. Neste sentido, a análise que se propõem, contempla um olhar integrado
sobre o volume de unidades produzidas e suas localizações.
Além disso, foi elaborado um mapa com a localização de cada um dos
empreendimentos. Neste sentido, a análise que se propõem, contempla paralelamente
um olhar integrado entre o volume de produção e a localização de cada um destes
empreendimentos. Complementarmente, nossas análises se pautam nas informações
obtidas e sistematizadas nos trabalhos de campo realizados nestas cidades.
As localizações destes diferentes empreendimentos estão representadas para a
cidade de Ribeirão Preto através do Mapa 1. Neste mapa fora posicionados o conjunto
78
Disponível em: <http://www.caixa.gov.br/habitacao/mcmv/ >. Acesso em 13. Jan. de 2014.
79
Informações extraídas do projeto Trajetórias do mercado imobiliário nas cidades de Marília e
Presidente Prudente SP, 1995 2012. A produção imobiliária do PMCMV, seus agentes e a diferenciação e
desigualdades socioespaciais intra-urbanas, coordenado pelo professor Dr. Everaldo Santos Melazzo, cujo
autor é colaborador.
282
de empreendimentos, diferenciando-os pelas cores vermelha para os empreendimentos
da Faixa 1, azul para os empreendimentos da Faixa 2 e Verde para os empreendimentos
da Faixa 3.
283
Mapa 1. Ribeirão Preto. Localização dos empreendimentos construídos pelo
programa Minha Casa Minha Vida segundo a faixa de renda 2012.
Considerando a posição de cada um destes empreendimentos é nítida a posição
de separação ocupada no conjunto da malha urbana pelos empreendimentos da Faixa 1,
ou seja, àqueles destinados ao público de 0 a 3 salários mínimos. Estes
284
empreendimentos localizam-se em sua totalidade no extremo noroeste da cidade em
uma condição bastante diferente daqueles destinados às demais faixas de renda, que
ocupam, em sua maioria, uma melhor inserção no interior da cidade.
O Quadro 2 inicia esta análise destacando os imóveis destinados às famílias de 0
a 3 salários mínimos, assim como as empresas envolvidas em sua construção.
Quadro 2. Ribeirão Preto. 2012. Imóveis destinados às famílias com rendimento
mensal até R$ 1600,00. Faixa 1. 2012
Empresa
Unidades Habitacionais
Construtora Leg
192
Construtora Croma ltda.
448
Protenco - Projetos Técnicos e Construções ltda.
1016
Total
1656
Fonte: Banco de dados do Programa Minha Casa Minha Vida
Elaboração: Marlon Altavini de Abreu
Os imóveis da Faixa 1 são os que apresentam menor volume de unidades
habitacionais produzidas em Ribeirão Preto, tal como poderemos perceber em
comparação aos quadros seguintes. Totaliza 1656 unidades habitacionais distribuídas
por 12 empreendimentos, construídos por 3 empresas. Estas empresas construtoras são
empresas locais, tradicionalmente associadas a produção de obras públicas e conjuntos
habitacionais.
Na sequência, tomando o mesmo ordenamento do quadro anterior, está o Quadro
3, referindo-se aos empreendimentos destinados às famílias de 3 a 5 salários mínimos.
Quadro 3. Ribeirão Preto. Imóveis destinados às famílias com rendimento mensal
bruto até R$ 3275,00. Faixa 2. 2012.
Empresa
Unidades Habitacionais
Habite-se Empreendimentos e Construções Ltda
12
Hm OI Empreendimentos Imobiliários SpeLtda
144
SpeVitta Jardim ZaraLtda
144
Quebec Empreendimentos Imobiliários e Construções 186
Ltda
189
Costallat Ferreira Eng e ConstLtda
Sarapo Empreendimentos Imobiliários Ltda
285
256
Companhia habitacional regional de Ribeirão Preto 857
COHAB RP
1064
Vitta Residencial Speltda
MRV Engenharia e Participacoes S.A
1679
Total
4531
Fonte: Banco de dados do Programa Minha Casa Minha Vida
Elaboração: Marlon Altavini de Abreu
Em Ribeirão Preto os imóveis da Faixa 2 correspondem a 4531 unidades
habitacionais. Esta é a faixa do programa que mais produziu empreendimentos e
também aquela que mais articulou empresas para produção. A participação destas
empresas é bastante desigual, sendo daquelas que mais se destacam a MRV
Engenharia e Participações S.A, com a produção de 1679 unidades habitacionais, a
Vitta Residencial Spe Ltda. com 1064 e a Companhia Habitacional Regional de
Ribeirão Preto (COAHAB – RP), com 857 unidades habitacionais.
Ademais, são as empresas MRV Engenharia e Participações S.A e Vitta
Residencial Spe Ltda as únicas empresas com participação em empreendimentos nas
Faixas 2 e 3. Além disso, o maior número de empreendimentos construídos e/ou em
construção são de responsabilidade da MRV Engenharia e Participações S.A
correspondendo a mais da metade dos imóveis produzidos, evidenciando a importância
e extensão de seus negócios, tal como indicado no Quadro 4 referindo-se aos
empreendimentos voltados às famílias com rendimento até 10 salários mínimos.
Quadro 4. Imóveis destinados às famíliascom rendimento mensal bruto até R$
5000,00. Ribeirão Preto. Faixa 3. 2012.
Empresa
Unidades Habitacionais
Mb7 Construtora
103
H.S.F. INC
120
Const. Itajaí
192
CyteMagik Empreendimentos Imobiliarios. Ltda
198
Vitta Res
256
Hm OI Empreendimentos Imobiliários SpeLtda
304
MRV Engenharia e Participações S.A
1489
Total
2662
286
Fonte: Banco de dados do Programa Minha Casa Minha Vida
Elaboração: Marlon Altavini de Abreu.
Com os dados do Quadro 4, é possível destacar a presença de um grande número
de empresas atuando na produção de empreendimentos da Faixa 3 em Ribeirão Preto,
totalizando 2662 unidades habitacionais. São empresas que em sua maioria um arco de
atuação nacional ou mesmo regional.
Deste modo a cidade de Ribeirão Preto reúne no conjunto de unidades
habitacionais produzidas entre as três Faixas um volume superior de imóveis para as
famílias com rendimento de até R$ 5000,00, além disso, envolve desta produção um
conjunto extenso de construtoras que em sua maioria atua em mais de uma cidade ou
mesmo em escala nacional tal como a MRV Engenharia e Participações S.A que é a
construtora com maior número de empreendimentos tanto na Faixa 2 quanto na Faixa 3.
Considerações finais.
O conjunto de ideias aqui delineadas permite estabelecer alguns limiares
analíticos capazes de constituir uma compreensão mais nítida das recentes
transformações que passam a residir na dinâmica do mercado imobiliário em cidades
médias, em que pesam os novos conteúdos associados às formas de organização e
estruturação dos negócios e das empresas (construtoras e incorporadoras) do ramo
imobiliário, assim como, da intensidade e diversidade da produção imobiliária.
Deste modo, em um primeiro conjunto de conclusões, é possível destacar que a
posição assumida pelas empresas de capital local em meio à inserção de novos agentes,
que passam a compor o mercado imobiliário da cidade de Ribeirão Preto, assume um
caráter de transição, seja ele, resultante da estrutura organizacional destas empresas por
meio de fusões, aquisições parcerias etc. que colaboram com a troca de conhecimento
entre as empresas de atuação nacional que possuem um maior domínio das estratégias
de mercado em troca do conhecimento espacial das empresas de capital local.
Ademais, reside neste conjunto de transformações o relevante deslocamento das
estratégias de atuação, dos tipos de empreendimentos e frações de mercado que passam
a constituir a centralidade de suas ações.
Paralelamente, em um segundo conjunto de conclusões, estas transformações
ocorrem em um momento de intensa elevação do volume da produção residencial,
sendo esta não exclusivamente voltada aos segmentos de mais alta renda, mas também
atingindo os segmentos de baixa e média renda, impulsionadas pelo programa
habitacional Minha Casa Minha Vida, constituindo um momento de grande abrangência
dos segmentos diferenciados de demanda, mas que se opõem espacialmente na cidade.
Bibliografia
287
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SPOSITO, Maria E. B. O chão em pedaços: urbanização, economia e cidades no
Estado de São Paulo. (2004). Tese (Livre Docência). Universidade Estadual Paulista,
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289
O questionário como ferramenta de coleta de dados na pesquisa sobre
o programa MCMV em áreas periféricas de Feira de Santana-bahia:
resultados parciais
Mayara Mychella Sena Araújo80
RESUMO
O ponto de partida desse artigo é analisar como o programa Minha Casa Minha Vida
(MCMV) está inserido no processo de produção do espaço nas áreas periféricas de Feira
de Santana, uma cidade média localizada no estado da Bahia. O recorte empírico é o
bairro da Mangabeira, um dos escolhidos para receber alguns empreendimentos do
MCMV, a partir de 2009. A teoria da produção do espaço de Henri Lefebvre é
empregada buscando a correlação da dimensão triádica (espaço percebido, concebido e
vivido) ou, simplesmente, momentos da produção do espaço. Optamos por apresentar
uma parte da pesquisa e os resultados parciais produzidos por apenas um dos
instrumentos metodológicos empregados, o questionário. O texto é composto pela
introdução que visa situar o leitor quanto ao por que da escolha do tema e do objeto de
estudo. Em seguida, um item que trata brevemente da abordagem metodológica.
Finalizamos detalhando a utilização do questionário e discorremos alguns de seus
primeiros resultados.
Palavras-chave: Produção do espaço. MCMV. Cidades médias.
INTRODUÇÃO
Quando pensamos em fazer o doutorado em meados do ano de 2011, muitas mudanças
vinham sendo verificadas no mercado financeiro nacional e global, entretanto, para este
artigo nos basta uma démarche dos acontecimentos notados a partir 2008. Por isso há
que se mencionar a maior e mais debatida crise financeira global deste início de século,
cujo ápice foi verificado em meados de setembro daquele ano.

Esse artigo está fundamentado em apenas um elemento constante no referencial teórico-metodológico
da tese de doutorado sob orientação de Wendel Henrique Baumgartner. Professor Associado do
Departamento de Geografia e Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
[email protected]
80
Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Bolsista Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFBA.
[email protected]
290
É bem verdade que essa ‘crise’ teve seu epicentro intrinsecamente relacionado ao
sistema de crédito habitacional e imobiliário estadunidense81, mas seus reflexos
estenderam-se por todo o mundo, como num efeito dominó. Em alguns países, como os
da Europa, suas implicações foram observadas com maior intensidade e, em outros
como o Brasil, sua magnitude não foi tão alarmante.
Mesmo assim, foi para enfrentar suas implicações na economia nacional que, em março
de 2009, o Poder Executivo Federal publicou a Medida Provisória n° 459/2009 (depois
convertida na Lei Federal n° 11.977/2009) e criou o programa habitacional Minha Casa
Minha Vida (MCMV), destinado à construção de moradias e divulgado como uma
medida para reagir à crise internacional e, também, como uma política social de grande
escala.
Ao mobilizar um conjunto de medidas de estímulo à produção habitacional, mantendo o
desenvolvimento dos setores imobiliário e da construção civil, o programa pautou-se na
justificativa de atender, ao mesmo tempo, os imperativos do setor econômico e do setor
social. Afinal, tinha-se por um lado, a criação de empregos na construção civil e, por
outro a provisão de moradias. Como afirma Maricato (2011, p. 58): “Além de se
constituir uma proposta virtuosa anticíclica82, o PMCMV significou a retomada de
conceitos antigos, vigentes durante o Regime Militar sobre a promoção de moradias
[...]”.
Assim, podemos dizer que com a aprovação e implementação da lei que regulamentou o
programa MCMV verificou-se um forte viés de produção massiva e capilarizada de
unidades habitacionais, em um curto espaço de tempo. Isso porque em seu bojo, além de
tratar dessa produção de novas habitações, ela apresentou também uma série de
alterações legais e normatizações visando dar efetividade em sua implementação.
Frente a esse contexto mais geral e atentos às estratégias adotadas pelo governo
brasileiro para respondê-lo, nos fizemos as seguintes indagações: como o programa
MCMV interfere no processo de produção do espaço onde foram/estão/serão
81
Ou, “Crise dos subprimes, bolha imobiliária, crise das hipotecas - diversas expressões para
designar uma mesma crise, que levou bancos tradicionais a encerrarem suas atividades e fez a bolsa norteamericana protagonizar quedas espetaculares, comparáveis à crise de 1929” (ROYER, 2009, p. 16-17).
82
Para autora o termo anticíclica remete-se por um lado a uma visão para trás, na indústria que a alimenta
(ferro, cerâmica, cimento, areia) e, por outro, a uma visão para frente, após sua conclusão
(eletrodomésticos, mobiliários para as novas moradias). Acrescenta, ainda, os altos custos de
investimento no financiamento tanto na produção (imobilização de capital), como no consumo (habitação
é uma mercadoria especial, de alto preço, que exige crédito para sua compra).
291
construídos os residenciais em Feira de Santana, desde 2009? Por que escolher Feira de
Santana como objeto e o recorte empírico o bairro da Mangabeira?
a) Por que escolher Feira de Santana?
Certamente, a escolha por Feira de Santana (Figura 1), não se deu ao acaso. Segunda
maior cidade do estado da Bahia, posição assegurada desde a década de 1970 quando já
registrava predominância de população urbana em relação à rural. É também, desde
aquela época, a única cidade após Salvador — a capital do estado — a contar com mais
de 100 mil residentes. De acordo com os dados do último Censo Demográfico, 2010,
sua população total ultrapassou os 556 mil habitantes, a urbana foi de mais 510 mil
habitantes e a da sede municipal 495.965 habitantes. Além do que, figurou como uma
das cinco mais proeminentes economias do estado cujo Produto Interno Bruto (PIB), em
2011, foi de mais de oito milhões de reais, tendo sido superada apenas por Salvador e
Camaçari — Região Metropolitana de Salvador (RMS) (SUPERINTENDÊNCIA, 2010;
2011).
Figura 1
Localização e limites políticos de Feira de
Santana
Bahia, 2014
Outras
características
complementares que nos levaram
a voltar à atenção para essa cidade
como objeto de estudo. Notamos
que ela possui particularidades que
permitem identificá-la como uma
cidade média nos moldes das
discussões propostas por Sposito et
alii (2007), Corrêa (2007a), Motta e
Mata (2008),
Santos, M. (2005),
Amorim Filho (2007),
Santos, J.
(2009), Dias e Araújo (2013).
Efetivamente, possui centralidade,
papéis e estrutura que possibilitam
sua classificação nessa categoria,
292
apesar de a Lei Complementar n°
35,
ter
instituído
a
Região
Metropolitana de Feira de Santana
(RMFS), em 6 de julho de 2011 e a
partir daí, oficialmente, ela ter se
tornado sede da RMFS.
FONTE: Adaptado por Aline Rocha (2014) de
OLIVEIRA (2012, p. 99).
Certamente, na práxis, esta categoria não é mais que atendimento a fins políticoadministrativos, uma vez que como vários estudos sobre o estado já apontaram, Feira de
Santana apresenta-se com características de um centro urbano não metropolitano. Assim
sendo, é legalmente a sede de uma região metropolitana, mas não uma metrópole, talvez
por isso, atenda as características de cidade média, já que a lei cria a região, mas não
muda a hierarquia do sistema urbano.
Podemos mencionar ainda, a partir das contribuições de Santo et alii (2011), que Feira
de Santana não possui atualmente Plano Diretor instituído, haja vista que, segundo uma
sequência cronológica elaborada pelos autores, a cidade contou com os Planos Diretores
de 1968 – Plano de Desenvolvimento Local Integrado – PDLI (Instituído); o de 1990 –
Revisão do PDLI (Instituído); o de 2000 – Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
de Feira de Santana – PDDU (Não Instituído); e o de 2006 – Plano Diretor de
Desenvolvimento Municipal de Feira de Santana – Projeto de Lei – Revisão do PDDU
293
(Em fase de Instituição, baseado no anterior). Nesse sentido, temos outra contradição
teórica que nos estimulou a estudar o programa MCMV na cidade.
Além de tudo isso, de acordo as informações constantes na Tabela 1, Feira de Santana
foi a única cidade que recebeu recursos para o programa, entre 2009-2010, tendo sido
inclusive a segunda depois de Salvador a ter tido os mais vultosos investimentos e o
maior número de unidades habitacionais contratadas no mesmo período.
Tabela 1
Cidades pelo quantitativo de unidades habitacionais e valor investido
Bahia, 2009-2010
Cidades
Unidades Habitacionais
Investimento (R$)
absoluto
10.740
%
16,5
absoluto
492.356.264,17
%
17,9
RMS1
Feira de Santana
15.335
7.338
23,6
11,3
693.164.679,90
307.108.491,49
25,2
11,1
Demais ciadades2
Bahia
31.702
65.115
48,7
100,0
1.262.953.761,64
2.755.583.197,20
45,8
100,0
Salvador
Fonte: Elaborado por Mayara Araújo (2013) a partir dos dados constates em Mascia (2012, p. 176-177).
Notas: 1 - As cidades da RMS são: Camaçari, Candeias, Dias d'Ávila, Lauro de Freitas, Mata de São João,
Pojuca, São Sebastião do Passé e Simões Filho.
2 - As demais cidades são: Alagoinhas, Araci, Barreiras, Bom Jesus da Lapa, Brumado, Campo Formoso, Casa
Nova, Conceição do Coité, Cruz das Almas, Euclides da Cunha, Eunapolis, Guanambi, Ilhéus, Ipirá, Irecê,
Itaberaba, Itabuna, Itamaraju, Itapetinga, Ipirá, Jacobina, Jequié, Juazeiro, Paulo Afonso, Porto Seguro,
Serrinha, Santo Amaro, Santo Antonio de Jesus, São Francisco do Conde, Senhor do Bonfim, Serrinha, Teixeira
de Freitas, Valença e Vitória da Conquista.
Um adendo salutar, o começo do programa MCMV em Feira de Santana foi no mesmo
ano de sua implementação em âmbito nacional, em 2009, além de ter sido marcada pelo
grande número de empreendimentos, 20 residenciais, entre 2009-2010 (Tabela 2),
localizados, principalmente, em sua periferia urbana (Figura 2).
Tabela 2
Relação dos residenciais contratados no MCMV 1, com recursos do FAR
Feira de Santana, 2009-2010
294
Nome do Empreendimento
1. RES. RIO SÃO FRANCISCO
2. RES. SANTA BARBARA
3. RES. CONCEIÇÃO VILLE
4. RES. NOVA CONCEIÇÃO
5. RES. VIDA NOVA FEIRA VII
6. RES. VIDA NOVA AVIARIO 1 - MODULO 1
7. RES. VIDA NOVA AVIARIO 1 - MODULO 2
8. RES. RIO SANTO ANTONIO
9. RES. VIDEIRAS
10. RES. FIGUEIRAS
11. RES. ALTO DO PAPAGAIO
12. RES. VIDA NOVA AEROPORTO I
13. RES. VIDA NOVA AEROPORTO II
14. VIDA NOVA AVIÁRIO III
15. RES. JARDINS DAS OLIVEIRAS
16. RES. VIVER IGUATEMI I
17. RES. VIVER IGUATEMI II
18. RES. VIVER IGUATEMI III
19. RES. LARANJEIRAS
20. RES. AQUARIUS
TOTAL
Unidades
Habitacionais
240
380
440
440
240
500
220
224
440
420
320
500
500
520
520
320
320
360
220
214
7.338
Investimento
Status da Obra
(R$)
9.603.030,00
ENTREGUE
15.175.281,72
ENTREGUE
18.034.700,00
ENTREGUE
18.034.700,00
ENTREGUE
9.832.882,06
ENTREGUE
20.357.416,24
ENTREGUE
8.983.260,23
ENTREGUE
9.103.225,10
ENTREGUE
18.039.996,14
ENTREGUE
17.220.000,00
ENTREGUE
13.120.000,00
ENTREGUE
20.500.000,00
ENTREGUE
20.500.000,00
ENTREGUE
21.320.000,00
ENTREGUE
21.320.000,00
ENTREGUE
14.720.000,00
ENTREGUE
14.720.000,00
ENTREGUE
16.560.000,00
ENTREGUE
10.120.000,00
ENTREGUE
9.844.000,00
ENTREGUE
307.108.491,49
FONTE: Elaborado por Mayara Araújo (2013) a partir da sistematização dos dados da Caixa Econômica Federal (2011)
contidos em Mascia (2012, p. 176-180).
Figura 2
Bairros onde estão localizados os residenciais do programa MCMV
Feira de Santana, 2009-2010
FONTE: Adaptado por Aline Rocha (2014) de OLIVEIRA (2012, p. 126).
Atualmente, são aproximadamente 40 residenciais somando os entregues e aqueles que
estão em construção (Tabelas 2 e 3).
295
Tabela 3
Relação dos residenciais contratados no MCMV 2 e transição
Feira de Santana, 2012-2014
Nome do Empreendimento
Unidades
Habitacionais
Investimento (R$)
Status da Obra
1. RESIDENCIAL ASA BRANCA - SETOR 1
2. RESIDENCIAL ASA BRANCA 2
3. RESIDENCIAL ASA BRANCA 4
4. CONDOMINIO SOLAR DA PRINCESA 4
5. CONDOMINIO SOLAR DA PRINCESA 3
6. RESIDENCIAL ASA BRANCA 3
7. VIDA NOVA AVIARIO 2
8. RESIDENCIAL SOLAR LARANJEIRAS
9. RESIDENCIAL ALTO DO ROSARIO - TRANSIÇÃO
10. RESIDENCIAL VIVER PARQUE DA CIDADE - TRANSIÇÃO
11. RESIDENCIAL VERDE AGUA
12. RESIDENCIAL ECOPARQUE 2
13. RESIDENCIAL ASA BRANCA 5
14. RESIDENCIAL PARQUE DA CIDADE
15. RESIDENCIAL VIDA NOVA ASA BRANCA
16. RESIDENCIAL VIVER ALTO DO ROSARIO
17. RESIDENCIAL VIDA NOVA AVIARIO 4
18. RESIDENCIAL CAMPO BELO 1
19. RESIDENCIAL RESERVA DO PARQUE
20. RESIDENCIAL BELA VISTA I
21. RESIDENCIAL SOLAR DA PRINCESA AEROPORTO
TOTAL
248
248
248
464
456
248
340
320
92
79
240
224
504
732
996
1520
300
888
632
360
1000
10.139
14.136.000,00
14.136.000,00
14.136.000,00
26.448.000,00
25.992.000,00
14.136.000,00
19.380.000,00
17.280.000,00
4.876.000,00
4.186.842,32
13.680.000,00
14.336.000,00
32.163.874,28
45.719.320,29
17.760.000,00
33.360.000,00
63.701.837,14
56.832.000,00
40.448.000,00
23.040.000,00
64.000.000,00
559.747.874,03
ENTREGUE
ENTREGUE
ENTREGUE
EM EXECUÇÃO
EM EXECUÇÃO
ENTREGUE
ENTREGUE
EM EXECUÇÃO
EM EXECUÇÃO
EM EXECUÇÃO
ENTREGUE
ENTREGUE
ENTREGUE
EM EXECUÇÃO
EM EXECUÇÃO
EM EXECUÇÃO
EM EXECUÇÃO
EM EXECUÇÃO
EM EXECUÇÃO
EM EXECUÇÃO
EM EXECUÇÃO
FONTE: Elaborado por Mayara Araújo (2014) a partir da sistematização dos dados fornecidos pela da Caixa Econômica Federal (2014).
Um total de 17.477 unidades habitacionais e mais R$ 860.000.000,00 investidos.
Segundo informações disponíveis no site83 da Prefeitura Municipal de Feira de Santana,
o número de famílias inscritas no programa ultrapassou as 58 mil (58.123), sendo que
desse quantitativo mais de oito mil já foram beneficiadas.
b) Por que o bairro da Mangabeira?
Pela amplitude do programa na cidade, nosso recorte espaço-temporal foi
imprescindível. Para realizá-lo, tivemos que considerar o grande número de
empreendimentos construídos já na primeira etapa do programa, 20 residenciais, bem
como suas localizações, muitos distantes uns do outros. A impossibilidade em estudar
todos se deveu não apenas as dimensões já mencionadas, numérica e espacial, mas
também a dimensão temporal. Levando em consideração que a delimitação temporal é
fundamental para entendermos os processos de cada época, foi imperioso dimensionar
um recorte possível e que privilegiasse uma análise minuciosa e aprofundada. Optamos,
assim, por analisar o recorte que compreendeu alguns dos primeiros residenciais,
aqueles que foram contratados em 2009 e entregues aos moradores entre 2011 e 2012.
Por isso, entre os residenciais visitados, quando da delimitação da área de estudo, em
2011, aqueles situados no bairro da Mangabeira nos chamaram atenção. Em princípio
83
Disponível:<http://www.feiradesantana.ba.gov.br/servicos.asp?id=17&link=sehab/minhacasa
minhavida.asp>. Acesso em: 03 nov. 2014.
296
porque a Avenida Iguatemi onde estes haviam sido construídos não tinha pavimentação,
depois, porque logo ao chegarmos saltou aos nossos olhos uma espécie de diferenciação
espacial84 entre aqueles que já moravam no bairro, todo pavimentado, e os novos
residentes que estavam situados em uma área do bairro que poderíamos considerar
como inóspita e carente de todo o tipo de infraestrutura, inclusive, a pavimentação.
Até agora, é no Mangabeira onde está o maior número de empreendimentos construídos.
No total estão localizados nesse bairro 11 dos 20 empreendimentos do programa
MCMV implantados na cidade, entre 2009-2010 (Tabela 4). Sendo que um, o
Residencial Mangabeiras (com 300 unidades habitacionais) organizado pela União por
Moradia (UMP) não está listado nessa tabela. Afinal, esse foi financiado pelo Fundo de
Desenvolvimento Social (FDS) ou MCMV Entidades, uma fonte de financiamento
diferente da dos demais, cujo recurso foi oriundo do Fundo de Arrendamento
Residencial (FAR).
Tabela 4
Relação dos residenciais construídos no bairro da Mangabeira
Feira de Santana, 2009-2014
Nome do Empreendimento
1. RES. RIO SÃO FRANCISCO
2. RES. SANTA BARBARA
3. RES. RIO SANTO ANTONIO
4. RES. VIDEIRAS
5. RES. FIGUEIRAS
6. RES. VIVER IGUATEMI I
7. RES. VIVER IGUATEMI II
8. RES. VIVER IGUATEMI III
9. RES. LARANJEIRAS
10. RES. SOLAR LARANJEIRAS
TOTAL
Unidades
Habitacionais
240
380
224
440
420
320
320
360
220
320
3.244
Investimento
(R$)
Status da Obra
9.603.030,00
ENTREGUE
15.175.281,72
ENTREGUE
9.103.225,10
ENTREGUE
18.039.996,14
ENTREGUE
17.220.000,00
ENTREGUE
14.720.000,00
ENTREGUE
14.720.000,00
ENTREGUE
16.560.000,00
ENTREGUE
10.120.000,00
ENTREGUE
17.280.000,00 EM EXECUÇÃO
142.541.532,96
FONTE: Elaborado por M ayara Araújo (2013) a partir da sistematização dos dados da Caixa Econômica Federal (2011)
contidos em M ascia (2012).
Nesse sentindo, a ideia é que o recorte empírico estabeleça a que parcela do espaço diz
respeito as análise, os dados e a representação cartográfica da pesquisa. Assim, ainda
84
Aqui tomamos como referência para compreensão de diferenciação espacial as
características estruturais. Muito embora, possamos ter em conta também, não em toda sua profundidade,
a diferenciação socioespacial. De acordo Alves (2011), que pauta suas ideias em outros autores (Corrêa,
2007b; Carlos, 2007 e Serpa, 2011), a diferenciação socioespacial é inerente ao processo de produção do
espaço capitalista, fundamentada na contradição entre produção social do espaço e na apropriação
privada. Realiza-se em dessemelhantes escalas tais como a rede urbana, o espaço intraurbano, ou mesmo,
tendo em conta, apenas, os conteúdos da centralidade. Sposito (2011) acrescenta, retomando as
contribuições de Carlos (2007), que dita diferenciação socioespacial tem atinente a ela a introdução da
análise social ao processo de compreensão espacial, essência e orientação do tema na Geografia.
297
que nossas análises tenham se pautado em Feira de Santana, este recorte restringiu-se ao
bairro de Mangabeira. Dos 11 empreendimentos ai localizados, cinco foram estudados:
Res. Rio Santo Antonio, Res. Santa Barbara, Res. Rio São Francisco (entregues em
2011), Res. Videiras e Res. Figueiras (entregues em 2012).
1 ALÍNEAS SOBRA A ABORDAGEM METODOLÓGICA
Ao pensarmos numa pesquisa, no primeiro momento, nosso olhar é o de fora da
realidade em questão, em seguida, realizamos uma revisão na literatura voltada para o
tema que nos proporciona uma noção prévia do ambiente e dos sujeitos a serem
pesquisados, contudo, nele ainda prevalece uma visão parcial, resultado dessas leituras.
Quando partimos para o trabalho de campo, no terceiro momento, temos a oportunidade
de concretizar nosso olhar inicial, no qual comumente conjugamos o pensar e o observar
na busca de um todo, que pode ou não ser desconstruído. Daí vem o quarto momento,
de imersão numa realidade que para nós é inteiramente nova e imprescindível de ser
desvendada, independentemente de quais instrumentos de pesquisa sejam usados para
isso.
A elaboração desse artigo foi fruto dos mencionados momentos, sendo que, por já
contar também com as experiências vivenciadas em lócus, é igualmente um resultado da
pesquisa, ainda que preliminar e sem conclusões definitivas. Por certo, posteriormente,
se tornarão contribuições e reflexões, quando da preparação do texto final de nossa tese
de doutoramento, em etapa final de desenvolvimento.
Certamente que ditas contribuições e reflexões serão fruto de um saber limitado, como
bem afirma Lefebvre (1991b, p. 209, grifos do autor) “[...] o que cada homem ou cada
geração sabe é sempre algo limitado. Para conhecer, devemos começar a conhecer,
penetrar nas coisas a partir do exterior, quebrá-las [...]”. Por isso, concordamos com ele
quando compreendemos que nossas inquietações e, também, contradições nos obrigam
a superar os limites que nos foram impostos, afinal temos a intenção de ultrapassá-los
“na esperança ou na expectativa de um futuro outro que não o presente” (LEFEBVRE,
1991b, p. 210). Sem esquecer que quando nossos limites se perdem em meio a um ideal
abstrato, “é preciso recordar-lhe que a idéia e o ideal saem do real e devem a ele
retornar através da realização prática” (LEFEBVRE, 1991b, p. 210).
298
Para evitar possíveis descaminhos, coube a nós (pesquisadores) estabelecermos e
adotarmos uma metodologia que nos fosse adequada a atingir os momentos acima
mencionados ou, se preferirmos, os nossos objetivos. Se há várias alternativas de
caminhos que poderíamos percorrer, elegemos uma que foi mais apropriada. Por isso,
consideramos o que Lefebvre (1991b) entende como as regras da lógica dialética, ou
seja, a necessidade de “[...] apreender cada coisa, cada ser, cada situação, não apenas em
suas conexões e em suas contradições internas, mas no movimento total que delas
resulta” (LEFEBVRE, 1991b, p. 209).
Ademais, nos interessou ainda destacar o fato de que em todo processo de investigação
a relação teoria e empiria não deve ocorrer dissociada, o que nesse artigo não é diverso.
Desse modo, é válido e oportuno mencionar que em um trabalho na magnitude que é
uma tese de doutoramento, não raro o nosso longo caminhar é solitário e, muitas vezes,
de imersão no trabalho de campo. Por certo, esse aprisionamento em nossas reflexões e
vivências da e para a pesquisa podem aumentar a possibilidade de inferências ou
interpretações equivocadas. Por isso, momentos como esses servem, ao mesmo tempo,
como uma validação externa de nosso olhar e de críticas a ele, aliás, de debate entre
aqueles que não estão diretamente envolvidos com o estudo, contudo são especialistas
na temática.
No artigo, optamos por mostrar o uso do questionário, por esse se constituir em um
instrumento de coleta de dados cujos resultados matemáticos aproximam-se muito mais
da pesquisa quantitativa, na qual os números compõem uma das formas explicativas da
realidade. Apesar de não nos refutarmos a abordagem qualitativa, já que não temos a
pretensão de que os resultados do questionário sozinhos possam responder às questões
que nos foram postas.
Para isso, por certo consideramos que “qualidade e quantidade revelam-se inseparáveis,
como dois aspectos da existência concretamente determinada [...]” (LEFEBVRE,
1991b, p. 212). O autor entende que “as transformações qualitativas, os novos
fenômenos que aparecem e desaparecem, produzem-se sempre no mesmo ponto dos
processos quantitativos e determinam constâncias (relativas) no seio da própria
transformação” (LEFEBVRE, 1991b, p. 213, grifos do autor).
299
Desse modo, ainda que não se misturem, ou mesmo não se confundam, numa unidade
abstrata, o qualitativo e o quantitativo processam-se numa “[...] espécie de luta surda, de
conflitos [...], entre esses dois lados do ser que se afirmam e se negam, solidariamente,
um ao outro” (LEFEBVRE, 1991b, p. 213).
Nesse sentido, sem dúvidas, o nosso exercício em coaduná-los tem sido um desafio, já
que do ponto de vista da coleta de dados, nada impende a associação
quantitativo/qualitativo, todavia, tendo em conta o teórico-conceitual essa não seria uma
relação pertinente. Certamente, devido ao fato de que “a quantificação dos fenômenos
sociais apoiou-se na corrente positivista e no empiricismo, enquanto as abordagens
qualitativas basearam-se, especialmente, na fenomenologia e no marxismo” (PÊSSOA;
RAMIRES, 2013, p. 118).
Muito frequentemente se diz que ao conjugá-los estamos a cometer uma “esquizofrenia
metodológica” (BAPTISTA, 1999), isso porque se institui uma oposição ilusória entre
objetividade e subjetividade. Entretanto, para Pêssoa e Ramires (2013, p. 120) “esse
debate é importante na medida em que suscita questões epistemológicas,
consequentemente, o avanço do conhecimento científico, sem se ater aos paradigmas de
cientificidade numa perspectiva tradicional”.
Mesmo tendo isso em conta, consideramos que pode ser possível a coexistência pacífica
das duas abordagens e a combinação das técnicas. Tal como se depreende da leitura de
Pêssoa e Ramires (2013) ao afirmarem, pautando-se em Minayo e Minayo-Gómez
(2003, p. 137)85, que o par quantitativo-qualitativo não se iguala e, mesmo, não devem
ser usados indistintamente, entretanto, da forma adequada podem “se tornar ‘uno’ na
explicação e compreensão de temas que ao mesmo tempo devem ser analisados em sua
magnitude e em sua plenitude”. Por isso, ao apontarmos o quantitativo como oposto ao
qualitativo nos pareceu estranho, na medida em que a escolha entre um deles, ou dos
dois, deveria possibilitar explicitar nosso objeto de estudo.
A intenção foi “mostramos que a intervenção da quantidade na qualidade faz do ser
qualitativo um ‘um’ concreto, a unidade de uma multiplicidade: de ‘vários’ momentos,
de vários seres semelhantes a ele” (LEFEBVRE, 1991b, p. 213).
85
MINAYO, Maria Cecília de S.; MINAYO-GÓMEZ, Carlos. Difíceis e possíveis relações
entre métodos quantitativos e qualitativos nos estudos de problema de saúde. In: GOLDEMBER, P. P.;
MARSIGLIA, R.M.G.; GOMES, M.H.de A. (orgs.). O clássico e o novo: tendências, objetos e
abordagens em ciências sociais. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2003, p. 117-142.
300
2 A ESCOLHA DO QUESTIONÁRIO COMO INSTRUMENTO DE COLETA
DE DADOS
Tendo em conta que o nosso intento foi o de buscar a compreensão de como os
residenciais do MCMV interferem na produção do espaço onde foram construídos em
Feira de Santana, tivemos que eleger um caminho para torná-la possível. No artigo, o
nosso trilhar pautou-se na teoria lefebvriana, isso porque, verificou-se que ela pode ser
dividida em três dimensões ou processos dialeticamente interconectados ou, ainda,
“momentos da produção do espaço”. Esses momentos são duplamente determinados e
designados, já que se referem, por um lado, à tríade da “prática espacial”,
“representações do espaço” e “espaços de representação” e, por outro, ao espaço
“percebido”, “concebido” e “vivido”.
A ideia foi alcançar a interconexão dessas três dimensões a partir da compreensão do
percebido no concebido e do percebido no vivido (Gráfico 1).
Gráfico 1
Esboço para interpretar a compreensão da dimensão triádica
CONCEBIDO
PERCEBIDO
VIVIDO
É preciso alcançar tanto o percebido
no concebido, como no vivido.
FONTE: Elaborado por Mayara Araújo (2014) a partir da sistematização do conteúdo de
Lefebvre (1991a), Sposito (2004) e Schmid (2012) amparada pelas considerações de
HENRIQUE (2009).
Em outros termos, como a população residente se vê (espaço percebido) na
representação do espaço proposta pela gestão federal, em parceria com a municipal e a
empresarial (espaço concebido), sem esquecer que estas práticas espaciais implicam no
espaço sensorial como campo de representação (espaço vivido).
Ao buscar a apreensão dessas três dimensões que são imbricadas, tivemos que fazer
escolhas que possibilitassem captá-las. Com fins didáticos, aliás, metodológicos
(operacionalidade e praticidade) ora podem ser explicitadas separadamente, ora
conjugadas (Quadro 1).
Quadro 1
Opção metodológica e escolha de instrumentos de coleta de dados
ESPAÇO CONCEBIDO
ESPAÇO PERCEBIDO
ESPAÇO VIVIDO
301
Projetos executivos dos
cinco
residenciais
escolhidos para estudo e as
leis (federais e municipais)
que regem sua construção.
Questionários e entrevistas Observação e anotação da
com moradores dos cinco vivência dos moradores.
residenciais, além das com
representantes da gestão
pública local e do capital
imobiliário.
Análise de conteúdo
Questionário / Entrevista
Diário de Campo
FONTE: Elaborado por Mayara Araújo (2014) a partir da sistematização das
informações contidas no capítulo metodológico da tese, em construção.
O fato é que no âmbito de uma pesquisa desta natureza, corriqueiramente verificamos o
uso de diversos instrumentos de coleta de dados. Ao fazer isso não temos a intenção de
priorizar um em detrimento do outro, ao contrário, como afirmam Ramires e Pessôa
(2013, p. 25), ao citarem Demo (1998)86, “pode-se, no máximo, priorizar uma ou outra,
por qualquer motivo, mas nunca insinuar que uma se faria às expensas da outra, ou
contra a outra [...]”. Portanto, os nossos instrumentos de coleta pautaram-se na pesquisa
quantitativa e na qualitativa, afinal na ciência nenhuma é melhor do que a outra e na
prática, elas se complementam em busca de profundidade e plenitude.
Nossa consciência e compromisso nos fizeram optar pelo uso da: pesquisa teórica cujas
referências pautaram-se na revisão e reconstrução teórica e análise de conteúdo dos
projetos executivos e das leis municipais e federais sobre o programa MCMV. E, o
trabalho de campo caracterizado pela observação (diário de campo) e entrevistas; além
da realização de questionários e fotografias. Pela proposta do artigo, há a necessidade de
detalhar como se deu o uso de apenas um desses instrumentos de pesquisa, o
questionário.
2.1 O questionário: detalhando seu uso
Em quaisquer pesquisas cujo alvo é o ser humano, é impraticável abordar todos os
envolvidos em nosso grupo de interesse, especialmente, quando ele compreende um
grande número de indivíduos e nós não temos condições temporais, ou mesmo,
intelectuais de conhecer a todos e apreender suas particularidades. Desse modo, sempre
que não temos como estudar todos os casos que nos interessa, o certo é selecionar uma
parte da população (universo) para que os resultados possam ser alcançados com mais
precisão (TURANTO, 2003; PESSÔA, RAMIRES, 2013).
86
DEMO, Pedro. Pesquisa qualitativa: em busca de equilíbrio entre forma e conteúdo. Revista
Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, abr. 1998, v. 6, n. 2, p. 89-104.
302
Levando isso em consideração, convêm mencionar que no nosso caso devido a
inexistência de outras pesquisas que considerassem a população participante do
programa MCMV em Feira de Santana, ou mesmo, na área de pesquisa o bairro da
Mangabeira, optamos por realizar o cálculo amostral que determinasse um quantitativo
de questionários a serem feitos. Para realizar esse cálculo contamos com o auxílio de
um consultor em estatística87 a fim de que ele pudesse ver os critérios da amostragem,
classificação e codificação dos dados e as operações tabulares.
No caso do critério de amostragem, nos fundamentamos na escolha probabilística por
conglomerado, indicada em situações que é difícil identificar todos os elementos.
Pessôa e Ramires (2013, p.122) citam como exemplo “pesquisas em que a população
seja constituída por todos os habitantes de uma cidade, a seleção da amostra será a partir
de conglomerados (quarteirões, famílias, organizações, edifícios, fazendas)”.
Assim sendo, a fim de que pudéssemos garantir a representativa, a significância da
amostra e seus limites de exatidão (margem de erro), tal como assegura a amostragem
probabilística por conglomerado, realizamos uma pesquisa teste com o uso do
questionário piloto. Nessa etapa, fizemos 27 questionários com a população dos cinco
residenciais selecionados para estudo. Consideramos a resposta positiva para o quesito
sobre receber o auxílio do programa Bolsa Família como a característica marcante.
Deste modo, temos a seguinte fórmula:
Onde:
Tamanho da Amostra
=
Valor crítico, isto é o grau de confiança
=
Proporção de indivíduos que recebem o Bolsa Família
=
Proporção de indivíduos que não recebem o Bolsa Família
=
Margem de erro
=
Assumindo à priori que um grau de confiança de 90% é aceitável, temos que “
”
e “ ” são, respectivamente, 1,645 e 0,10. Com base nos resultados do questionário
87
Carlos Marlon Lopes Costa graduando em Engenharia Mecânica na Universidade Federal da
Bahia (UFBA); fez parte do quadro funcional da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da
Bahia (SEI), como técnico. Tem experiência na área de Estatística, com ênfase em Análise Descritiva e
Exploratória de Dados. Desempenha atividades voltadas à consultoria de indicadores sociais,
demográficos e econômicos.
303
piloto, chegamos aos demais parâmetros estatísticos p e q, 0,593 e 0,407, nesta ordem.
Assim, o cálculo para definição do tamanho da amostra, foi:
Com nossa amostra calculada, realizamos 70 questionários no mês de maio de 2014 e
totalizamos 287 moradores investigados. Cabe salientar que o questionário foi
elaborado tendo como modelo o questionário do Censo Demográfico, por isso esteve
composto por dois blocos, o de domicílio e o de morador (Quadro 2).
Quadro 2
Informações constantes em cada bloco do questionário
BLOCO 1 – DOMÍCILIO
BLOCO 2 – MORADOR
1) Identificação – As informações 4) Migração – Traz informações quanto a
identificam a unidade habitacional e origem do morador (Feira de Santana,
quando foi realizado o questionário.
outro município ou outra unidade da
Federação), tempo de moradia no
residencial, bairro de origem, motivação
para morar no MCMV.
2) Caracterização do domicilio – Traz 5) Educação – Apresenta informações que
informações quanto a propriedade, identificam se o morador estuda, a série
estrutura e a existência de bens duráveis e que frequenta, o bairro onde fica a escola.
não duráveis na unidade habitacional.
3) Lista e caracterização dos moradores 6) Mercado de trabalho – As informações
em Abril de 2014 – Traz informações identificam se o morador trabalha, quanto
(sexo, idade, responsável pelo domicílio) ganham, se recebem algum auxílio de
de todos os moradores da unidade.
algum programa do governo federal.
7) MCMV – Trata da opinião quanto a
(in)satisfação com o programa.
FONTE: Elaborado por Mayara Araújo (2014) a partir da sistematização das
informações contidas no capítulo metodológico da tese, em construção.
Tanto o bloco de domicílio como o de morador esteve composto por questões fechadas,
todavia, no de morador há um campo, quanto à compreensão dos pesquisados sobre o
programa MCMV e sobre o conceito de periferia (cernes da pesquisa), que foi
constituído por questões abertas.
A aplicação dos questionários foi aleatória, tentando alcançar pelo menos um morador
por rua que compõe cada residencial. Acrescentamos que no ato da realização dos
questionários, um morador de cada unidade habitacional poderia responder por todos os
outros, salvo as questões de opinião. Estas últimas só podiam ser respondidas pelo
morador de 15 anos ou mais de idade que estivesse na casa no momento da aplicação do
questionário.
304
O fato é que se por um lado o uso do questionário apresenta a vantagem de descrever
quantitativamente um fenômeno, por outro, tem igualmente a desvantagem de o
investigado fornecer respostas falsas, consciente ou inconscientemente, motivado pela
falta de paciência em responder às perguntas ou até pela incompreensão da indagação.
Com as informações provenientes do questionário, construímos um banco de dados e
com ele temos realizado operações tabulares que nos tem permitido conhecer os valores
percentuais tratados no próximo item do artigo. É imprescindível acrescentar que
comumente, quando tratamos de dados amostrais, a estratégia utilizada para ampliar sua
representatividade é a expansão dos dados,
[...] um subsídio utilizado no processo de estimação das
informações de uma amostra, de forma que os pesos ou fatores
de expansão para obtenção das estimativas satisfaçam à
condição de igualar estimativas amostrais aos valores
conhecidos do Conjunto do Universo, para um grupo de
variáveis auxiliares comuns, de cada área de interesse de
estimação (SUPERINTENDÊNCIA, 2007, p. 11).
Contudo, por conta de não termos adotado essa estratégia, os resultados encontrados nos
permite caracterizar, quantificar e verificar a intensidade dos fenômenos.
3.2 O questionário: primeiros resultados
O bairro da Mangabeira, escolhido como o recorte empírico da pesquisa, caracteriza-se
pelos fortes contrastes sociais e pelos problemas de
, além de está a uma
infraestrutura
distância de aproximadamente seis quilômetros do centro da cidade de Feira de Santana.
Os cinco residenciais do programa MCMV selecionados para estudo estão localizados
na Avenida Iguatemi deste bairro e todos foram contratados entre 2009 e 2010 (Quadro
3) e entregues entre 2011 e 2012.
Quadro 3
Relação dos empreendimentos pela data de contratação, construtora e padrão
construtivo
305
Nome do Empreendimento
Data da assinatura
do contrato
Construtora
1. RES. RIO SÃO FRANCISCO
27/07/2009
CEPRENG ENGENHARIA E PREMOLDADOS LTDA
2. RES. SANTA BARBARA
12/08/2009
FM CONSTRUTORA LTDA
3. RES. SANTO ANTONIO
30/11/2009
CEPRENG ENGENHARIA E PREMOLDADOS LTDA
4. RES. VIDEIRAS
5. RES. FIGUEIRAS
6. RES. VIVER IGUATEMI I
7. RES. VIVER IGUATEMI II
8. RES. VIVER IGUATEMI III
9. RES. LARANJEIRAS
10. RES. SOLAR LARANJEIRAS
11/12/2009
11/12/2009
29/12/2010
29/12/2010
29/12/2010
29/12/2010
09/07/2012
R CARVALHO CONSTRUÇÕES EMPREENDIMENTOS LTDA
R CARVALHO CONSTRUÇÕES EMPREENDIMENTOS LTDA
ATRIUM CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA
ATRIUM CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA
ATRIUM CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA
ATRIUM CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA
R CARVALHO CONSTRUÇÕES EMPREENDIMENTOS LTDA
Tipologia
Horizontal - Village:
casa com 2 quartos no
pav. superior e sala,
banheiro, cozinha e
área descoberta no
inferior. São 4 casas por
bloco.
Vertical - Prédio: apart
com 2 quartos, sala,
cozinha, área de serviço
e banheiro. São 4 apart.
por andar, 4 andares
FONTE: Elaborado por Mayara Araújo (2014) a partir da sistematização dos dados da Caixa Econômica Federal (2011) contidos em Mascia (2012, p. 176-180).
Acrescentamos que os residenciais Rio Santo Antonio, Santa Barbara e Rio São
Francisco foram entregues em 2011 e são do tipo village (Figura 3), constituídos por
dois quartos no pavimento superior e por sala, banheiro, cozinha e área de serviço
descoberta no térreo, geminadas dos dois lados e área total de 46,39m². Enquanto os
entregues em 2012 foram os residenciais Videiras e Figueiras, do tipo apartamento - na
tipologia dois - (Figura 4) compostos por sala, um dormitório para casal e outro para
duas pessoas, cozinha, área de serviço e banheiro, a área interna útil é de 39,00 m²
(BRASIL; CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2012).
Figura 3
Res. Rio Santo Antonio
Figura 4
Res. Videiras
Feira de Santana, 2012
Feira de Santana, 2012
FONTE: Mayara Araújo, visita de campo /
2012.
FONTE: Mayara Araújo, visita de campo /
2012.
306
Não podemos deixar de dizer que no concernente aos serviços públicos, os cinco
residenciais são pavimentados internamente e, até o início de 2014, o acesso a eles, pela
Avenida Iguatemi, ainda não era pavimentado. Em nenhum deles a Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos (ECT) realiza a entrega de encomendas ou correspondências,
essas devem ser retiradas na sede da empresa no centro da cidade ou são todas entregues
ao presidente da associação (quando existe) e ele fica responsável por fazer a
distribuição aos destinatários. Já o abastecimento de água e o esgotamento sanitário são
por rede geral e fossa, respectivamente. Enquanto a coleta de lixo ocorre três vezes por
semana, apesar de ser notória a sujeira e o descarte aleatório do lixo (Figura 5). Do
mesmo modo, a iluminação pública que apesar de existir é bastante precária (Figura 6).
Figura 5
Lixo descartado aleatoriamente
Figura 6
Visão da entrada do Res. Santa
Barbara e da Av. Iguatemi
Feira de Santana, 2014
Feira de Santana, 2014
FONTE: Mayara Araújo, visita de campo / 2014.
FONTE: Mayara Araújo, visita de campo
/ 2014.
Acrescentamos que só há uma unidade de saúde da família (o posto Dr. Adolfo Luna
Neto), localizada no Res. Videiras e que atende as mais de mil e setecentas famílias
desses residenciais, sem contar as cerca de mil e quinhentas dos outros seis (Viver
Iguatemi I, II e III, Solar Laranjeiras e Mangabeiras) também localizados ao longo a
Avenida Iguatemi / Mangabeira e que não fazem parte de nosso recorte empírico.
No que se refere as escolas, existe uma a João Macário Ataíde, localizada no Alto do
Rosário – Lagoa das Pedras, que é da rede municipal de ensino e atende as famílias com
crianças na educação infantil até o fundamental, 5° ano. Salienta-se que ela conta com
infraestrutura física muito deficitária e bem distante dos residenciais.
307
Agora, considerando as primeiras informações resultantes do bloco sobre domicílios do
questionário, destacamos no tangente a propriedade do imóvel que, dos 70 aplicados,
88,6% são próprios e 11,4% alugados, cedidos para algum familiar ou outros. Ainda
com relação a esse bloco, se sobressai outros 11% das unidades habitacionais que já
passaram por algum tipo de reforma ou ampliação (construção de garagem, quarto ou
fundos), apesar de ser expressa a proibição quanto a quaisquer tipos de reforma no
imóvel no prazo de dez anos, a contar da data do recebimento da unidade.
Quanto ao perfil dos moradores dos cinco residenciais. Os 70 questionários aplicados
totalizaram 287 pessoas investigadas. Há que se mencionar, ainda, que a média de
moradores por domicílio é de, aproximadamente, cinco pessoas. E na composição por
sexo, observa-se que a razão de sexo – proporção de homens para cada 100 mulheres –
é de 85,2%, ou seja, há predominância de mulheres (54% dos residentes são do sexo
feminino).
Ademais, interessa-nos ressaltar que a maior parte (58,5%) está na faixa etária de 15 a
59 anos, 9,1% se concentra na faixa até 4 anos de idade, 27,5% estão entre os de 5 a 14
anos e 4,9% têm 60 anos ou mais de idade.
Podemos fazer referência ainda sobre os moradores dos residenciais, que 68,6% dos
residentes são naturais de Feira de Santana e os demais são naturais de Salvador (6,6%),
outros municípios da Bahia (18,8%) e outras unidades da Federação (5,2%). Um adendo
salutar é de que esses percentuais representam moradores oriundos de outros municípios
da Bahia ou de outra unidade da Federação que mudaram para Feira de Santana em
algum momento e não especificamente devido ao programa MCMV. Ainda sim,
adicionamos que entre aqueles advindos de outros municípios, 6,3% vieram morar nos
residenciais do programa motivados pela busca da facilidade de pagamento (aluguel),
pela proximidade ou para acompanhar a família.
Ainda no que tange a motivação, salientamos que 24% dos investigados mencionaram a
busca da casa própria (deixar o aluguel) como o principal ensejo para ir morar no
MCMV. Outros 62,4% disseram acompanhar a família, 1,4% citaram a facilidade de
pagamento, 2,8% a proximidade da família e 8,7% responderam outros motivos (como,
por exemplo, deixar área de risco). É importante ressaltar que apesar de o percentual
com maior representatividade ser acompanhar a família, esse distribuído por faixas
etárias aponta que 5,2% dos indivíduos pertencem ao grupo etário até 4 anos, 27,2%
308
está entre os de 5 a 14 anos de idade, 27,9% corresponde aqueles na faixa entre 15 e 59
anos e 2,1% àqueles com 60 anos ou mais. Portanto, isso significa que as crianças,
adolescentes e idosos representam 34,5% dos investigados que citaram acompanhar a
família, como motivo para residir no MCMV.
Quanto aos responsáveis pelo domicílio, temos que do total dos pesquisados do sexo
masculino ou feminino 29,3% assumem essa condição, sendo que deste porcentual
88,1% está na faixa etária de 15 a 59 anos de idade. Em outros temos, é neste grupo
etário onde está a maior parte das pessoas que responderam ser chefe da unidade
habitacional pesquisada. É imprescindível apontar que nesta faixa de idade 56,8% são
mulheres responsáveis pelo domicílio e os outros 43,2% homens. Destas mulheres,
66,7% recebem bolsa família e 23,8% trabalham e não recebem o benefício. Já quanto
aos homens na mesma situação, 3,1% recebe bolsa família e 96,9% trabalham e não são
beneficiários do programa bolsa família.
Aqui é tanto pertinente, quanto plausível lembrar que as supracitadas informações são
alguns dos primeiros resultados de apenas um dos elementos de parte de um estudo
maior e em andamento, por isso os visíveis sinais de incompletude. Todavia, ainda que
pareçam inacabados, não há como negar a qualidade das informações, especialmente,
porque as possíveis fragilidades devem ser consideradas como o olhar seminal que por
assim ser agora, apenas descrevem quantitativamente uma realidade específica.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No artigo foram apresentadas as impressões iniciais sobre uma pesquisa em pleno
andamento. Aqui, nos coube a oportunidade de apontar apenas uma de nossas escolhas
quanto aos instrumentos de coleta de dados aplicados à pesquisa em sua totalidade. Por
isso, os resultados constantes no texto correspondem a uma perspectiva de análise, ou
seja, realizamos a caracterização e a quantificação do perfil dos moradores da área de
estudo, não tendo sido possível pensar de modo mais aprofundado. Contudo, os
resultados do questionário somados aos outros elementos (entrevistas e diário de
campo) da pesquisa, nos permitirão fazer análises mais criteriosas, quando da
elaboração do texto final da tese.
Por enquanto, nossa verdade se constitui em reflexões parciais que norteiam nosso
pensamento e a nossa ação numa pesquisa que ainda não acabou. Certamente, por isso,
309
estas ponderações não serão as únicas, tampouco aquelas que prevaleceram como
absolutas, já que ao (re)avaliar nossos limites e capacidades, podemos inclusive renovar
as verdades atendendo à totalidade do estudo. Ademais, tendo em conta as ideias de
Ribeiro (2013, p. 89) de que “a verdade não passa de uma sucessão de versões do que se
julga que a verdade seja”, essa nossa versão analítica é o alicerce que permitirá a
construção ou desconstrução de um pensamento maior.
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312
SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL: OBJETIVIDADES E
SUBJETIVIDADES DO PROCESSO EM CIDADES NÃO
METROPOLITANAS
Patrícia Helena Milani88
Resumo
Partindo dos desafios de compreender o processo de segregação socioespacial, a partir
de suas dimensões objetiva e subjetiva, realizamos uma discussão teórica acerca desse
processo com base em propostas de autores que tratam do conceito e de sua
aplicabilidade, sem desconsiderar que a segregação é também um termo apropriado e
utilizado no âmbito do senso comum. Consideramos esse último domínio, sobretudo,
por termos o cotidiano, enquanto unidade de espaço e tempo, como escala de análise,
onde o espaço vivido e representado por meio das práticas espaciais está em uma
constante e dialética relação, na qual, ao mesmo tempo em que as infraestruturas
conformam espaços de segregação, os sujeitos sociais tanto os (re) produzem, quanto
configuram resignificações ao processo a partir das práticas cotidianas.
Palavras Chave: 1) Segregação socioespacial; 2) Práticas espaciais; 3) Produção do
espaço urbano.
1. Introdução
Nesse texto, que integra nossa pesquisa de doutorado acerca dos “novos padrões
da segregação socioespaciais nas cidades de São José do Rio Preto e Catanduva:
residenciais fechados e shopping centers”, temos como objetivo analisar o processo de
segregação no âmbito conceitual e da prática cotidiana, partindo da proposta de Sposito
(2013, p. 67) de que, para entender o processo, é necessário perguntar quem segrega
para realizar seus interesses, quem a possibilita ou a favorece; quem a reconhece,
porque a confirma ou a nega ou mesmo é indiferente a ela, porque cotidianamente vive
essa condição. Seguindo a proposta da autora, entendemos que a segregação é composta
por múltiplas dimensões, sendo as dimensões que se vinculam aos sujeitos sociais e
uma mescla de condicionantes objetivos e subjetivos, que norteiam nossa discussão.
88
Doutoranda pelo Programa de Pós Graduação em Geografia, Universidade Estadual Paulista,
UNESP, campus de Presidente Prudente. Integrante do Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e
Redefinições Regionais, Gasperr.
313
Para elaboração do texto, partimos da inquietação, sobretudo da necessidade de
compreender o processo de segregação socioespacial tanto no âmbito teórico, como a
partir daqueles que vivenciam essa condição, por meio da apreensão das práticas
espaciais, no âmbito da moradia, especialmente os moradores de residenciais fechados89
das cidades de São José do Rio Preto90 e Catanduva91, voltados para classe média92.
Quanto à metodologia, recorremos à linguagem do cotidiano que apreendemos a
partir de roteiros (semi-estruturados) de entrevistas (gravadas) organizados por assuntos
(perfil, motivação, cotidiano e cidade, lazer e cidade, vizinhança, visitas, serviços,
regras e avaliação final), estratégia que favorece o tratamento do material produzido.
Porém, durante as entrevistas, procuramos dar coesão à conversa, sem evidenciar a
delimitação dos assuntos. As respostas que mais subsidiaram nossa problemática foram
àquelas referentes à avaliação final, quando os moradores evidenciaram as vantagens de
morar nesses espaços fechados, manifestando nas narrativas uma desvalorização aos
espaços públicos, distintos pela imprevisibilidade, simultaneidade, entre outras
características que fundamentam o urbano e a vida nas cidades. Também realizamos
observações, quando visitamos os espaços residenciais fechados para realizar as
entrevistas.
2. Entre o conceito e a prática da segregação socioespacial
Partimos da crítica feita por Vasconcelos (2013) em relação à “transferência” de
conceitos sem questionamentos, principalmente quando “deslocados” do contexto norteamericano para realidades distintas, como a latino-americana, para nos posicionar em
relação ao conceito de segregação e sua utilização no âmbito de nossa pesquisa.
89
Em nossa pesquisa de doutorado diferenciamos, a partir das legislações, condomínios
fechados e loteamentos fechados, porém no presente trabalho, denominamos de residenciais fechados os
espaços de moradias murados, com equipamentos de seguranças, portaria etc., independente do vínculo
legal desses espaços.
90
No âmbito da rede urbana, São José do Rio Preto é considerada uma cidade média, não
somente pelo tamanho da sua população, compreendida para além de uma cidade de porte médio, mas
devido ao papel de centralidade que exerce na rede urbana. De acordo com o último censo do IBGE, São
José do Rio Preto possui 438.354 mil habitantes.
91
De acordo com o último censo do IBGE, Catanduva possui 118.853 mil habitantes.
92
Consideramos que classes sociais devem ser definidas para além da renda e padrões de
consumo, mas, sobretudo, pelo estilo de vida e visão de mundo prática (Souza, 2010, p. 26), por isso
falamos em classe média, pois voltamos nossa atenção ao capital imaterial e as subjetividades que essa
parcela da sociedade conforma.
314
Para o autor a palavra é originada do latim segrego e traz uma ideia de
cercamento; sua utilização na academia começou com os textos pioneiros dos
sociólogos da Escola de Chicago, que pesquisaram cidades americanas, em um
momento histórico de crescimento populacional, com presença majoritária de
imigrantes, o que consistia num fenômeno completamente novo na escala mundial. Os
diferentes graus de integração e de assimilação dos imigrantes àquela sociedade, a
segregação compulsória imposta às minorias negras, assim como a reunião preferencial
de outros grupos étnicos nas mesmas localidades, levaram a formação de diferentes
“áreas sociais” (Vasconcelos, 2013, p. 24).
A segregação residencial na ótica da Ecologia Humana, perspectiva vinculada à
Escola de Chicago, foi associada primeiramente à etnia. As classes sociais, qualquer que
fosse sua definição, não faziam parte das proposições teóricas dessa corrente, a
segregação, considerada como um fenômeno, manifestava-se por meio das áreas
naturais, áreas geográficas concretas, análogas às comunidades de plantas e dotadas de
poder preditivo (Corrêa, 2013, p.52).
As áreas naturais, na concepção de Corrêa (2013), eram resultantes desta
competição que refletiam a desigualdade social, ambas vistas como impossíveis de
serem abolidas por resultarem da própria natureza humana. Consideradas como um
estado de equilíbrio desfeito e refeito a cada momento da evolução, as áreas naturais
constituem importante base teórica para os membros da Escola de Ecologia Humana.
Isso mostra que era delegado à natureza um processo puramente social, derivado,
sobretudo, das desigualdades sociais.
As áreas naturais, propostas por essa perspectiva de análise, são vistas como
resultantes das diferentes localizações no espaço urbano dos diversos grupos sociais,
cada um com uma capacidade de pagar por uma localização em um espaço já
diferenciado pela natureza, por vias de circulação, atividades econômicas e pela
estrutura socioespacial prévia, como se a natureza tivesse o poder de realizar
diferenciações tão singularmente sociais. A diferenciação dos locais de moradias nada
tem de natural, o processo de segregação é uma forma assumida pelas desigualdades
sociais, conformadas historicamente, sendo parte integrante do processo de produção do
espaço urbano.
Villaça (2001) trata da segregação como um processo em que diferentes classes
ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais
315
ou conjunto de bairros da metrópole. A partir dessa primeira concepção, vimos que há
dois pontos para nos atentarmos em relação à proposta do autor, tanto do ponto de vista
que tende a simplificar o processo, quanto ao recorte espacial de análise. Quando
tratamos do processo e buscamos compreende-lo a partir de nossa realidade de pesquisa,
o espaço do qual tratamos assume grande relevância, uma vez que no âmbito das
cidades não metropolitanas, esse processo pode adquirir características particulares em
relação à metrópole, espaço analisado por Villaça (2001).
Apesar dos cuidados ao assumir essa posição, pensamos, com base em Sposito
(2013, p. 62), que os conceitos, seguindo a perspectiva que elegemos, podem e devem
ser atualizados, desde que não haja uma negação ou descontinuidade profunda em
relação à apreensão de processos e dinâmicas que o fundamentaram, no plano teórico.
Por outro lado, retomando a proposta inicial de Villaça (2001), o processo de
segregação não pode ser entendido apenas como uma tendência de concentração em
diversas áreas da cidade pelas diferentes classes sociais. Pensá-lo a partir dessa
perspectiva, corremos o risco de vincular o processo à matriz na qual ele foi formulado,
resultando em uma concentração, dentro de uma mesma área residencial, de sujeitos que
reúnem características semelhantes entre si. Por suposto, restringir o processo nesse
âmbito seria simplificá-lo e negar os diversos conflitos existentes entre os sujeitos que
compõem as classes sociais.
Porém, mais adiante Villaça (2001), passa a considerar elementos que integram
o processo e avança em uma análise mais crítica, segundo a qual, a segregação é
entendida como inerente a dominação social, econômica e política por meio do espaço,
este último desempenhando papel fundamental no processo. Para o autor a maioria das
pesquisas envolvendo o processo de segregação parte de um espaço urbano dado, que é
melhor, seja qual for o motivo, e por isso atrai os mais ricos, os que possuem mais
prestígio, poder e status (Villaça, 2001, p. 151). As pesquisas que consideram que não
havia atributo natural especial naquele espaço, não cogitam como ele foi mais bem
produzido, no máximo, se limitam a relacionar a classe social que ocupa determinada
área e os equipamentos públicos de que ela é dotada. O autor conclui considerando que
alguns pesquisadores afirmam ser a segregação um produto do mecanismo de formação
de preços do solo, mas permanecem na incômoda posição de ter que demonstrar essa
tese, já que é mais provável que a verdade esteja do lado oposto: os preços do solo é que
são frutos da segregação. A partir dessas colocações, vemos que Villaça (2001)
316
reconhece a dimensão espacial na análise do processo em questão, o que consiste em
um aspecto que diferencia sua caracterização das Ciências Sociais.
Retomando a crítica de Vasconcelos (2013), com a qual iniciamos o texto,
levamos em conta a vinculação dos conceitos e das noções à dimensão principal de
análise. Para ele, exclusão/inclusão são mais voltadas aos indivíduos; diferenciação
socioespacial, desigualdade socioespacial, justaposição, separação, dispersão, divisão
em partes e fragmentação estariam mais voltadas ao exame de áreas, enquanto a
segregação e seus derivados podem ser utilizados para indivíduos e áreas. Apesar de
algumas divergências em relação à dimensão relacionada à fragmentação, que estamos
discutindo no âmbito da tese de doutorado, concordamos com o autor sobre a
vinculação do processo de segregação aos sujeitos sociais (para ele indivíduos) e ao
espaço. A partir dessa vinculação é que adjetivamos o processo de segregação como
socioespacial, considerando que as duas dimensões mais relevantes ficam assim
evidentes, por conseguinte, abordamos a segregação socioespacial no âmbito da
moradia. Ao pensar o processo para além da moradia, incorporando o consumo como
dimensão analítica, tratamos de uma processo mais complexo, de fragmentação
socioespacial, que não discutiremos nesse texto.
Outra critica feita por Vasconcelos (2013) volta-se à utilização de forma
banalizada desses conceitos pela imprensa e pelo senso comum. Nesse contexto
achamos oportuna a contra-crítica feita por Souza (2013) para quem as Ciências Sociais
ao contrário das Ciências Naturais93, possuem inúmeros conceitos e noções, cujos
termos que os nomeiam são utilizados no cotidiano, como território, cultura, poder,
entre outros. Em convergência com a perspectiva de Sposito94 (2013), Souza também
defende que um dos papeis dos cientistas sociais é construir conceituações, nos marcos
de esforços teóricos, que alimentam e sejam retroalimentados por esforços de pesquisa
empírica. O autor ainda trata do empírico não como algo restrito a uma experiência
93
Seus termos técnicos dificilmente são utilizados fora do contexto científico, exemplo disso
seria nos perguntarmos quantas vezes ouvimos o termo tripanossoma cruzi.
94
Em contraposição a Vasconcelos (2004), acerca da impossibilidade da aplicação do conceito
de segregação na realidade brasileira, a autora afirma que os conceitos, tomando a perspectiva que
escolhemos, podem e devem ser atualizados, atingindo mesmo uma situação de reconceitualização, desde
que tais mudanças não resultem em negação ou descontinuidade profunda em relação à apreensão de
processos e dinâmicas que o fundamentaram, no plano teórico. (SPOSITO, 2013, p. 63). Ainda no âmbito
da impossibilidade de utilizarmos o conceito de segregação para a realidade brasileira, Souza (2013,
p.130) observa que o fato de negar a realidade da segregação residencial implica procurar suavizar ou
escamotear os “afastamentos” e as “separações”, que fazem parte, nitidamente, das cidades brasileiras.
317
prático-sensível descompromissada, mas, sobretudo como algo que diz respeito à
práxis, da qual a mediação teórico-conceitual não deve ser descolada.
Souza (2013, p. 128) se apoia na crítica acerca do uso dos termos pela imprensa
e pelo senso comum, para colocar a questão: até que ponto os próprios sujeitos se
utilizam, em diferentes contextos histórico-geográfico-culturais cotidianos, da palavra
segregação? O autor problematiza a situação, uma vez que há o uso do termo
“segregação” pela mídia e pelo senso comum, porém, enxergamos uma possibilidade de
encontrar nesses usos, na linha oposta à científica, algo significativo para nossa
pesquisa. Nesse sentido, a ideia de que a “segregação” seria exclusivamente um termo
técnico95, não se sustenta. Realizamos uma busca no “Google Imagens” (acesso em 26
jan. 2015), de charges e grafites a partir da inserção a palavra segregação. Apesar de não
termos encontrado nenhuma expressão artística que contivesse de fato a palavra
“segregação”, foram exibidas várias imagens e escritos sobre contextos que se utilizam
de sentidos, de críticas a algum fato da realidade, ou da própria realidade, conforme se
observa nas duas charges, um grafite e uma imagem veiculada num blog96.
95
Para nossa pesquisa acadêmica, estamos trabalhando com a segregação enquanto um
conceito, com formação histórica, levando em conta as correntes teóricas das quais se originou e que o
discutem, bem como as dimensões do processo, porém, não podemos descartar o que se produz “fora”
(ainda que brevemente) do campo acadêmico acerca da segregação, principalmente em sua dimensão
subjetiva. Adotando o cotidiano como dimensão de análise, defendemos a importância de se levar em
conta o que se produz nesse âmbito.
96
www.blodojj.com.br. com conteúdos relacionados a críticas ao preconceito e ao racismo.
318
As figuras e textos nos mostram dimensões, realidades e situações que
relacionam a segregação no senso comum, ou ainda, no cotidiano da cidade. A primeira
charge faz referência à segregação residencial, em que a grande distância não somente
espacial, mas, sobretudo socioeconômica, que a família pobre ao visualizar o outdoor
com o anúncio de um condomínio fechado de luxo o associa com outro mundo,
completamente distante da realidade em que vivem e se reproduzem. A segunda charge
faz referência ao preconceito a determinados grupos sociais, principalmente de
segmentos de baixa renda, nos shopping centers, aparentemente um espaço
democrático, mas que deixa transparecer sua lógica em situações como a representada
na charge, em que um segurança diz ao outro: “Lembre-se: nesse shopping é proibido
deixar entrar aqueles tipos de pessoas”, fazendo referência a um grupo de pessoas
pobres. A resposta do outro segurança denuncia a hipocrisia e as contradições que
compartilham ao responder: “Quais tipos? Aqueles parecidos com a gente?”.
A charge foi produzida no período que se iniciaram movimentos denominados
“rolêzinhos”97, nos quais, majoritariamente jovens da periferia (primeiramente das
grandes cidades) circulavam por shopping centers da cidade, iniciaram em dezembro de
2013,
no Shopping Metrô Itaquera, posteriormente no Shopping Internacional de
Guarulhos, na periferia da metrópole paulista, e em pouco tempo a circulação que
depois se tornou um movimento, tomou maiores dimensões em muitas cidades
brasileiras. Primeiramente, os participantes dos “rolêzinhos” não planejavam de forma
intencional um movimento social ou político, com seus passeios ao shopping center, a
97
O termo “rolezinho” designa o encontro de jovens em shopping centers, em geral, em bairros
pobres das periferias, combinados através de redes sociais, com o intuito de ocupar o espaço e realizar
atividades típicas da faixa etária (“zoar, dar uns beijos, paquerar, se divertir”, conforme consta em
chamada do evento em rede social), segundo Hermoso, 2014.
319
politização só ocorreu posteriormente, quando certos movimentos usaram a
oportunidade para fazer denúncias, etc. Como deixa explícito na frase de um líder do
movimento em Fortaleza: “Vamos chegar lá na boa, na paz e passear no shopping.
Afinal de contas, a cidade também é nossa, correto?” Segundo a mesmo matéria
jornalística, o movimento consiste em passar a mensagem de que a periferia existe, tem
voz, e, sobretudo imbricado em uma “luta contra a segregação racial e social” 98.
O grafite da terceira figura, uma das primeiras imagens que apareceu na pesquisa
no Google Imagens com a palavra segregação, se refere à ausência de espaço das
classes pobres, bem como em seguida instiga a luta: “O fraco não tem espaço e o
covarde morre sem tentar”. Identificamos dois sentidos de espaço no grafite, um
relacionado ao espaço na e da cidade, seja no âmbito da moradia, ou do acesso aos
equipamentos urbanos, o outro pertinente ao sentido abstrato, aquele relacionado à
“voz”, uma vez que se utilizam dessa prática (do grafite) para denunciar as diversas
contradições da sociedade, conforme outras imagens e textos que também apareceram
como resultado de nossa busca. Por fim, a última imagem relaciona a segregação com
questões raciais, uma vez que o sujeito negro bebe água em um equipamento de
qualidade inferior ao do lado, destinado, segundo o anúncio, aos “brancos”.
As imagens são apenas uma amostra dos inúmeros resultados da pesquisa, o
resultado final é que, seja no âmbito midiático, ou no senso comum, a segregação se
vincula com diversas dimensões, embora, como esperado, o conceito, o processo de
constituição histórica e todo o aporte teórico-metodológico que o sustenta no âmbito
acadêmico não estejam presentes.
Com base nessas considerações, concordamos com Souza (2013, p. 129),
quando afirma que a ciência está longe de ser a única a promover ou protagonizar
intercâmbios terminológicos, seja por meio de charges, grafites, música, enfim, existem
outras manifestações populares que também reconhecem e denunciam situações de
preconceito, desigualdade socioeconômica, etc. Assim como Souza, trouxemos um
trecho da letra da música “Segregação”, do grupo de reggae Ponto de Equilíbrio, para
demonstrar mais uma forma de expressão:
Segregação social, discriminação racial.
98
Charge e matéria retirada da revista local “Camocim”, em www.camocim.com.br, acesso em
26 jan. 2015.
320
Mesmo não querendo, nós temos um inimigo, em dias de tempestades nos
negam abrigo esse é o sistema, nós armaremos nosso esquema lutando com
nossas próprias armas pra anular o poder do inimigo e ajudar o povo a
esquecer que um dia ficou sem abrigo.
Debaixo da ponte com a cabeça na pedra cobertos por papelão famílias
inteiras em depressão, depressão.
Aphartaide, colonização, escravidão, globalização, ainda me lembro da
inquisição, e da catequização dos índios, grupos de extermino, kun klux
klan, fascistas nazistas não mais não mais, não mais!
De maneira explicita a letra da música faz uma associação entre segregação,
discriminação, exploração, enfim, situações de opressão e injustiça social, objetivando
denunciar e propondo solidariedade e novos horizontes para a luta. Assim reiteramos
que o termo “segregação” não está confinado aos textos e debates acadêmicos, cientes
disso, acreditamos que não cabe a nós, enquanto pesquisadores, censurar o uso de
termos (seja de segregação, seja de outros termos que são utilizados das ciências sociais,
todos densos de historicidade) que, por possuírem uma vinculação científica e
acadêmica, teriam que se restringir a esse âmbito. Se há a utilização desses termos fora
dos “muros” científicos, é porque há motivos e contextos reais para serem utilizados,
ainda que no âmbito do senso comum.
De maneira divertida é possível imaginar uma situação proposta por Souza
(2013, p. 129), ao chegarmos para um morador da favela que grita contra a segregação,
afirmando senti-la todos os dias, e lhe dizer: “Veja bem, meu caro, você está utilizando
de maneira imprópria a palavra ‘segregação’, que tem sido indevidamente importada
pelo discurso acadêmico brasileiro; a rigor, você não é segregado, isso é um mal
entendido!”.
O também não quer dizer que estamos tentando compreender o processo no
âmbito do senso comum, levando em conta todas as vertentes e dimensões que abarcam,
de forma acrítica e sem reflexão. Aquilo que para o senso comum, muitas vezes não
suscita desconfiança99, reproduzindo-se na ausência de debate, não pode ser aceito sem
questionamento pelo pesquisador (Souza, 2013, p. 129). O que propomos é exercer um
99
Segundo o autor a naturalização desses termos no interior do senso comum constitui a vitória
de um discurso ideológico de justificação de determinadas práticas, que têm por trás de si interesses
específicos, e que colaboram para gerar ou reforçar a segregação, que o autor adjetiva de residencial
(Souza, 2013, p. 131).
321
papel crítico, enquanto pesquisadores, problematizando aquilo que simplesmente está
posto pelo senso comum, porém sem desconsiderar que nas Ciências Sociais as
percepções e o vivido dos sujeitos também integram a realidade pesquisada.
Quando se constata que, no cotidiano, pessoas se veem e se afirmam segregadas,
isso, por si só, exige investigação e comprova que não estamos diante somente de
termos técnicos, seja importados ou empregados de forma equivocada, mas sim de uma
representação, constituída por meio da prática espacial cotidiana na cidade (Souza,
2013).
Diferentemente do exemplo posto por Souza (2013), no âmbito de nossa
pesquisa, sujeitos da classe média, moradores espaços residenciais fechados das cidades
de São José do Rio Preto e Catanduva, não se avaliam como segregados, mas
descrevem práticas que tendem a separá-los social e espacialmente dos “outros”, que
não consistem naqueles que não moram nos residenciais fechados (como amigos e
familiares que entram e saem dos residenciais sem maiores problemas 100), mas naqueles
que representam algum perigo, os outros violentos (Bauman, 2007), personificados
principalmente nos funcionários (pedreiros, empregadas domésticas, prestadores de
serviços...) desses espaços. Tanto que familiares e amigos dos moradores que adentram
aos espaços internos não são personificados como “outros”, nas narrativas dos
moradores. Outra particularidade de nossa realidade de pesquisa, em relação à maior
parte dos autores que nos apoiamos, é que tratamos de uma realidade não metropolitana.
Disso deriva algumas particularidades, seja no âmbito espacial, seja no temporal,
principalmente devido às distâncias e aos tempos de percursos que são menores.
A consolidação dos residenciais fechados conforma na cidade um novo padrão
de segregação socioespacial (Caldeira, 2000), uma vez que insere como um valor
adicional a segurança, embutida em um “novo estilo de vida”, composto por alguns
elementos que prometem garanti-la. Quando colocamos a questão sobre a satisfação em
morar no residencial e em seguida solicitamos ao morador destacar pontos positivos e
negativos desses espaços, eles relataram práticas cotidianas que tendem a segregar,
separar-se socioespacialmente, dos demais moradores da cidade, mas, acima de tudo,
valorizar o novo estilo de vida.
100
Não estamos desconsiderando que haja controle na entrada e saída dos residenciais. Nossa
pesquisa empírica nos mostra que mesmo os autorizados a isso, passam por alguns obstáculos, como filas,
excesso de controle pela portaria, tempo para fazer os cadastros exigidos, entre outros, mas tem a entrada
permitida.
322
[Você está satisfeito por morar aqui? Destacar pontos positivos e
negativos]
Estou sim, positivo é que ninguém se intromete na minha vida, não é igual,
às vezes apartamento que o vizinho da frente conhece, sabe o que você fez
ou deixou de fazer, e lá não tem isso, a localização é muito positiva, os
moradores são todos calmos, nunca tive problemas com barulho, nenhum,
nunca. O lado negativo, eu acho que falta uma academia, um centro de lazer
pra interagir mais as pessoas, lá dentro, que não tem, tem a piscina, mas é
mais as crianças que usam, que eu vejo, e a área de churrasqueira é muito
difícil a gente ver churrasco lá, não é uma área que é sempre usada.
(Ariane101, 28 anos, dentista, São José do Rio Preto)
Muito satisfeita, eu falo que se um dia tivesse que mudar eu iria procurar um
condomínio de novo, é muita qualidade de vida. Tem dia eu saio de casa,
sento um pouco ali na frente, vou dar uma volta com o cachorro, ás vezes é
meia noite, quando que você faz isso se você tiver na rua? Então às vezes eu
vou meia noite dar uma volta tranquila, é uma tranquilidade que não tem
tamanho. O negativo é que como você mora ali, você tem que respeitar
regra, então as vezes esta de madrugada você tem que manerar no som,
porque é convivência ali, todo mundo tem respeitar um limite. Mas eu acho
que tem muito mais coisas a favor do que contra. A favor, é a segurança, é
gostoso morar ali, a tranquilidade, sossegado, você não escuta muito
barulho, porque é mais afastado, então você tem uma tranquilidade de é
difícil encontrar nos lugares. (Natália, 30 anos, advogada, São José do Rio
Preto)
Estou, bom de negativo é que as casas são muito próximas. Positivos são
vários, muitos, a segurança, o fato de eu ter a facilidade de qualquer tipo de
comida tem aqui dentro, tem muitos parquinhos, tem muito lazer, eu não uso
tudo, mas tem muito lazer, e não sei dizer, mas é um condomínio que as
pessoas são... não tem esse negócio de um ir na casa do outro, mas todo
mundo se cumprimenta, você tá andando aí, tá cumprimentando todo
mundo, então da um ar assim de você estar num lugar mais humano, além
de ser mais seguro. Tem muitas vantagens e poucas desvantagens. (Carlos,
49 anos, aposentado, São José do Rio Preto)
Os entrevistados, por meio das falas, tentaram comprovar-nos a satisfação que
sentem residindo nesses espaços fechados através de relatos que valorizam a partir dos
seus pontos de vista, os pontos positivos, práticas e representações que naturalizam a
101
Os nomes dos entrevistados são fictícios.
323
(re)produção do processo de segregação socioespacial, no âmbito do vivido, a partir do
local de moradia.
Apesar das narrativas se aterem em uma realidade sem conflitos, reforçado um
domínio e uma lógica vigente, identificamos contradições. Ariane, que afirmou não
gostar de relações de vizinhança no inicio da entrevista citou como ponto negativo, a
falta de espaços entre os muros para usos coletivos. Além de caracterizar um cotidiano
contraditório, nem sempre linear, a fala de Ariane nos aponta uma valorização dos
espaços internos, o que poderia resultar em um aumento de relações entre os moradores,
porém, de acordo com Ariane e outras narrativas, principalmente a partir de nossas
observações de campo, percebemos que, mesmo que exista uma infraestrutura de
equipamentos e espaços coletivos disponíveis, são pouco usados pelos moradores e,
consequentemente, há poucas relações entre os mesmos. Mesmo assim, como afirma
Carlos, todos se cumprimentam, conferindo um “ar mais humano” aos espaços
fechados. Identificamos um processo de interiorização no interior dos muros,
demonstrando que, apesar do mercado vender um estilo de vida que inclui o
estreitamento das relações entre os moradores, principalmente com a conformação de
espaços de lazer coletivos (privados, intra-muros), a vida prática nos revela
resignificações dessa lógica do mercado, que tende a acirrar uma tendência existente
tanto dentro, quanto fora dos muros, um “declínio da vida pública” (Sennett, 1998).
No mesmo sentido, Carlos e Natália valorizam e destacam elementos em
comum, mas tendo a segurança como componente principal desse novo estilo de vida. A
segurança foi mencionada em vários momentos da fala, por exemplo, quando
descrevem a tranquilidade de passear com o cachorro à meia noite, coisa que na rua – na
cidade aberta – não seria possível, pela possibilidade de ser incomodada por algum
“estranho”, e agora ela pode realizar essa prática, por estar dentro dos muros, vigiada
pelos seguranças que fazem a ronda durante toda a noite. Também valorizaram o
silêncio, que as regras internas tentam garantir aos moradores, vantagem atribuída
também ao fato de ser “mais afastado”, se referindo à distância do residencial em
relação à cidade. Por mais que Natália não tenha dito isso explicitamente, a
caracterização da cidade enquanto barulhenta e imprevisível, onde nem tudo é
controlado, está subjacente.
324
Carlos mencionou vantagens que vão além da moradia102, referindo-se a sua
preferência em frequentar o restaurante do próprio residencial, afirmando que “aqui
dentro tenho qualquer tipo de comida”, e valorizando o fato de que a entrada é permitida
somente aos moradores e convidados (amigos e familiares), inclusive com números
limitados. O mesmo ocorre com a academia, instalada dentro do residencial, exclusiva
para os moradores, onde a entrada e a frequência de empregados não é permitida, nem
mesmo com a autorização do morador, segundo o relato de Carlos, feito em resposta a
outra questão do roteiro.
As falas apontam como os sujeitos pesquisados vivem no cotidiano a segregação
socioespacial, tendo os muros e os controles internos como integrantes de suas práticas
espaciais, indicando uma negação à cidade e aos riscos e situações de imprevisibilidade
que fazem parte integrante da vida urbana.
Tratando de um conceito complexo, repleto de historicidade, não podemos
desconsiderar o caráter multidimensional da segregação. Entendemos as dimensões do
processo a partir da proposta de Sposito (2013), para quem a segregação é em sua
essência um processo de natureza espacial, mas nem todas as formas de diferenciação e
desigualdades resultam em segregação, apesar da segregação ser a materialidade das
diferenças, mesclando condicionantes e expressões objetivas e subjetivas, uma vez que
consiste em um processo vinculado aos sujeitos sociais, dessa forma:
Só cabe a aplicação do conceito de segregação quando as formas de
diferenciação levam a separação espacial radical e implicam rompimento,
sempre relativo, entre a parte segregada e o conjunto do espaço urbano,
dificultando as relações e articulações que movem a vida urbana. Portanto,
levar em conta a dimensão espacial é primordial para o entendimento do
processo de segregação. (SPOSITO, 2013, p. 65)
O espaço consiste então em um elemento chave para compreender a segregação,
conforme já havíamos demonstrado (Villaça, 2001), uma vez que o consideramos como
parte da reprodução da sociedade, sendo o espaço um produto histórico e social, de
modo que o sentido do espaço urbano ultrapassa o de concentração de pessoas,
infraestruturas, equipamentos, atividades produtivas, enfim, o entendemos, sobretudo,
102
O que outros moradores também relatam, mas em outras questões do roteiro, apontando
para um processo de fragmentação socioespacial.
325
enquanto produto e condição para a efetivação das práticas e relações sociais e
espaciais.
O sentido da cidade é a união de todos os elementos definidores da vida humana
e simultaneidade dos atos e atividades de sua realização, como possibilidade do uso dos
espaços-tempos que compõem a vida (Lefebvre, 2004). Dessa perspectiva, a segregação
contém aquilo que nega a cidade – diversidade, encontro, conflito – a separação, o
apartamento, conforme demonstram as falas de Ariane, Natália e Carlos, que valorizam
os controles internos, garantindo o que denominam de “tranquilidade” e “qualidade de
vida”, na (re) produção de práticas espaciais que reafirmam essa nova condição que
vivem.
Sem perder de vista que a segregação, em sua dimensão objetiva 103, consiste na
separação espacial e na radicalização dessa separação entre sujeitos de classes sociais
diferentes, no âmbito da moradia, buscamos identificar seu conteúdo que valoriza os
condicionantes e expressões subjetivas do processo de segregação. O caráter relacional
do processo é assim evidenciado, porém não se trata de uma condição relacional
qualquer, e mais especificamente não se trata de uma relação entre iguais, mas sim de
uma relação entre "nós" e os "outros": outros diferentes, outros com mais ou menos
oportunidades, outros integrados ou excluídos, ou outros que superpõem mais de uma
dessas condições (Saraví, 2008, p. 96).
Tendo as concepções desenvolvidas no campo da Sociologia Urbana, para
Saraví (2008, p. 95) a “divisão social do espaço urbano é uma representação espacial
que reflete a estrutura social”, ou seja, na ótica do autor a dimensão espacial não é
devidamente valorizada. Ao concebê-la como uma representação da estrutura social,
Saraví não considera o processo de produção do espaço e sua condição de produtor das
estruturas e representações e subjetividades sociais, além das relações dialéticas entre o
espaço- produto e o espaço- produtor, que reflete e retroalimenta a estrutura social em
uma simultaneidade.
A despeito dessas limitações em relação à nossa pesquisa, devido ao campo
cientifico que foram formuladas, o autor faz uma crítica em relação à quantidade cada
103
Apesar de nosso direcionamento na dimensão subjetiva da segregação ao longo da pesquisa,
entendemos que a segregação é o conteúdo intrínseco à constituição do espaço urbano capitalista,
fundamentado na propriedade privada da terra e na valorização do capital como último sentido da
reprodução social (Alvarez, 2013, p. 113), assim o processo tem como base objetiva estratégias do
capital, colocadas em prática pelos agentes econômicos, com o objetivo final de uma reprodução
ampliada de capital.
326
vez maior de estudos sobre segregação que levam em conta apenas a dimensão objetiva
do processo, o que também limita as análises e gera inúmeros problemas para interpretar
a relação entre estrutura espacial e estrutura social.
Partindo dessa crítica, Saraví (2008, p. 97) propõe a incorporação da dimensão
simbólica da segregação, bem como assumir uma relação complexa entre a objetividade
e a subjetividade do processo, evitando pensar em ambas as dimensões ligadas a uma
relação unicausal e/ou unidirecional. A segregação não se esgota em sua dimensão
objetiva, mas é resultante da complexa relação entre as duas dimensões do processo.
Ainda que uma retroalimenta a outra, suas fronteiras nem sempre coincidem, podendo
haver a superposição ou não, bem como, não podemos considerar uma como
determinante da outra. Estamos acostumados a pensar que um espaço com altos
indicadores objetivos da segregação, deve coincidir com formas duras de segregação
simbólica, ou espaços de baixa segregação objetiva são acompanhados de uma baixa
segregação simbólica, isso não é verdadeiro (Saraví, 2013). Portanto, entendemos a
segregação simbólica em nossa pesquisa como:
(…) un proceso de construcción social por médio del cual de construyen,
atribuyen y aceptan intersubjetivamente ciertos sentidos al y sobre el
espacio. Este proceso de contrucción social de sentidos es sin duda
condicionado por las dimensiones objetivas de la segregación urbana...
(SARAVÍ, 2008, p. 98)
As áreas da cidade com alta concentração de segmentos de baixa renda podem
ser associadas a uma série de estigmas, como áreas violentas e sujas. Dessa maneira, a
segregação em seu sentido amplo, ou seja, levando em conta as duas dimensões, é
resultante da interação entre as distâncias espaciais que unem104 e separam os diferentes,
desiguais, ou excluídos, por um lado, e a construção imaginada do “outro” e seu habitat,
e por outro lado, contribui para des-socializar ou naturalizar a estrutura social
fornecendo ferramentas para resolver, de distintas formas, a coexistência com os
sujeitos socioecomicamente diferentes no mesmo espaço urbano (Saraví, 2008, p. 98).
Reafirma-se assim a relação dialética entre as dimensões objetiva e simbólica da
segregação, a construção estigmatizada do "outro", que conforma tentativas de
104
Residir em áreas que tendem a uma homogeneidade de segmentos baixos, não
necessariamente descarta a possibilidade de encontros com membros de segmentos altos, conforme
aponta nossa pesquisa, principalmente pela mão-de-obra dentro dos residenciais. Porém, o termo “unir”
não seja o mais apropriado para esse contexto, já que em muitas circunstancias o encontro é inevitável.
327
minimizar a possibilidade do encontro com o “indesejável”, como se evidencia na fala
de Karen, que morava em um apartamento na área central de Catanduva e mesmo em
questões que não vinculam diretamente ao assunto, relatou fatos que reafirmam o
incômodo de ser abordada por “estranhos” e a tendência de conformar mecanismos para
evitar esses encontros.
[Sua rotina e de sua família sofreu mudanças de quando você morava no
apartamento no centro?]
Teve. Teve porque quando eu morava no apartamento, tinha uma praça bem
perto, a Praça da Matriz, mas eu não gostava de ir, porque meu filho corria
demais e também porque aqui no centro da cidade, já esta assim: você para
o carro e em cinco minutos já vai alguém te pedir para olhar o carro, sabe?
Ou então você esta passando, alguém vem te pedir alguma coisa, e com
criança é complicado isso, então eu evitava sair com ele. Eu saia mais de
carro, ia na minha mãe, no meu sogro, na casa da minha irmã. Eu evitava ir
em praça, e aqui a gente mudou, meu filho, nossa, aproveita muito aqui, as
crianças gostam demais... (Karen, professora, 40 anos, Catanduva)
[E seus deslocamentos pela cidade, você faz de carro, moto, bicicleta...?]
Eu faço de carro, e isso não mudou, porque quando eu morava no centro,
com criança, eu só saia de carro. E aqui esta complicado, sabe aquela
padaria Santa Gula, no Centro, na rua Pará? Eu estava um dia com meu
filho, eu estava parando, você vê um lugar tranquilo lá, ai um moço veio me
pedindo um dinheiro, eu com o menino no carro, com a bolsa do lado, eu
estava estacionando e pensei, não vou descer aqui. Aí falei “não tenho”,
fechei o vidro o fui embora. (Karen, professora, 40 anos, Catanduva)
Se antes o filho de Karen, ainda que esporadicamente frequentava a praça,
próxima ao seu edifício, com a mudança para o residencial fechado, essa prática tende a
ser praticamente nula. Conforme ressaltou a moradora, seu filho utiliza as instalações
internas aos muros, assim, evidencia-se uma separação espacial e social, um
rompimento em relação à cidade e ao que dela deriva, visto como perigoso. Karen
descreveu os lugares (públicos) e as situações em que foi “incomodada”, de forma
negativa, mesmo quando se refere a estabelecimentos comerciais voltados (ainda que
não exclusivamente) para segmentos médios, porém no momento do encontro ela estava
na rua, onde a imprevisibilidade é uma permanência. Para ela, aquilo seria “impensável”
em períodos anteriores, como ser abordada por alguém de forma indesejada, no
presente, causa um medo difuso (Sposito & Góes, 2013) em que o inimigo pode estar
328
em qualquer esquina, e naquele momento personificou-se no homem que se aproximou
para pedir dinheiro.
Por outro lado as falas também revelam que os muros, o “novo estilo de vida” e
a segurança que os sustentam não definem por si só o grau de segregação, o que varia
entre os moradores e seus diferentes perfis, considerando principalmente a idade,
situação civil, com ou sem filhos, devido principalmente ao caráter relacional do
processo em questão e suas práticas espaciais cotidianas, esta última sendo condição e
resultado, em grande medida, das experiências vividas da e na cidade.
3. Algumas considerações...
Retomando o debate iniciado com Vasconcelos (2013) nesse texto, acerca dos
cuidados necessários com o uso do conceito de segregação no âmbito acadêmico, por
um lado não podemos desconsiderar a historicidade do conceito, suas dimensões de
análise e sua complexidade, e por outro, não é válido desconsiderar o que se produz
sobre a segregação no âmbito do senso comum, uma vez que focamos em nossa
pesquisa a dimensão dos sujeitos sociais e suas práticas cotidianas, enquanto
protagonistas do processo, sem desconsiderar as estruturas espaciais. Isso não quer dizer
que nossa análise se vincula ao senso comum, de maneira a simplificar o debate e a
reflexão, mas por tratarmos de um conceito que se materializa no âmbito socioespacial,
não descartamos as expressões que o processo assume entre os diversos sujeitos sociais,
na cidade, seja desenhando, grafitando, elaborando charges, ou praticando
espacialmente, no cotidiano, enquanto unidade de espaço e tempo.
Nossa posição se deve principalmente ao reconhecimento das relações
intrínsecas entre as dimensões objetiva e subjetiva da segregação socioespacial, levando
em conta as infraestruturas que conformam espaços segregados, movidas pela lógica do
mercado, mas acima de tudo, as práticas espaciais que confirmam (ou não) o processo,
de forma a (re) produzi-lo na vida cotidiana, e ainda podendo ir além do âmbito da
moradia, mas procurando espaços “diferenciados” para estudos, consumo e lazer (este
último, para além do praticado intramuros), sinalizando assim uma consolidação de
pilares que podem sustentar um debate acerca da fragmentação socioespacial, processo
mais complexo, que discutimos no âmbito da pesquisa de doutorado, a qual esse texto
se vincula.
329
Conforme evidenciado na metodologia, consideramos, sobretudo, os discursos
dos moradores de residenciais fechados – sujeitos da pesquisa, que apesar de não se
afirmarem segregados, ou autossegregados, relatam práticas espaciais que segregam,
discurso esse que é, ele próprio, parte do processo que (re) produz a segregação (Souza,
2013) e nos possibilita apreender suas especificidades em cidades não metropolitanas.
4. Referências Bibliográficas
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330
VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, 2001.
331
NOVAS FORMAS DE PRODRUÇÃO DO ESPAÇO URBANO:
SEGREGAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL DO MUNICÍPIO DE RESENDE
– RJ
Raiza Carolina Diniz Silva¹
Thamires Lacerda Chaves Bispo²
Resumo:
O trabalho objetivou-se em analisar as novas formas de produção e ocupação do
solo urbano da cidade de Resende, no Estado do Rio de Janeiro. Em uma primeira parte
apresenta-se Resende como uma cidade média de extrema importância para sua
microrregião do Vale do Paraíba. Em um segundo momento, o trabalho trata de novas
centralidades, com o crescimento e espraiamento da cidade. Com o surgimento de um
novo sub-centro, a Grande Alegria, novas dinâmicas espaciais são responsáveis por
produzir esse espaço. O trabalho apresenta essa região da Grande Alegria, desde o início
de sua formação, que surgiu com intuito de se criar um bairro popular com conjuntos
habitacionais até a contemporânea forma de produção do espaço, à partir de
condomínios fechados, que segregam e criam as descontinuidades espaciais.
Palavras-Chave: Cidade Média, Espraiamento Urbano, Segregação Sócio-Espacial
Abstract:
The objective of this study is to examine the new forms of production and
occupation of urban land in the city of Resende, in the State of Rio de Janeiro. In the
first part it presents Resende as a middle city of extreme importance to it’s microregion
Vale do Paraíba. In the second step, the work comes to new centers, with growth and
urban sprawl of the city.With the development of a new sub-center, Grande Alegria,
new spatial dynamics are responsible for producing this space. The paper presents the
region of Grande Alegria, from the beginning of it’s formation, which emerged with the
aim of creating a popular neighborhood with housing to contemporary form of
production space from gated communities, which secrete and create the discontinuities.
Keywords: Middle City, Urban Sprawl, Socio-Spatial Segregation
332
1. Introdução
O trabalho faz um recorte sobre a região da Grande Alegria que se situa na porção
oeste do município de Resende, no Estado do Rio de Janeiro. Resende é uma cidade
média, pois justamente ocupa um posicionamento intermédio entre duas grandes
cidades, Rio de Janeiro e São Paulo. Está às margens da Rodovia Presidente Dutra, na
microrregião do Vale do Paraíba, no Sul do Estado. Vale ressaltar a raiz do conceito de
cidade média, no qual Resende está inserida. Uma cidade com uma condição
intermediária, uma polarização urbana que desempenha um papel de equilíbrio do
sistema urbano, face à tendência hegemônica do crescimento das grandes metrópoles
(SPOSITO, 2013), diferente do que o termo nos evoca a pensar sobre cidade média,
como uma cidade de porte médio. E é a partir desse conceito que o trabalho parte
analisando as produções espaciais urbanas em uma cidade média.
Figura 1. Localização geográfica do município de Resende. Cidade entre o limite
Rio-São Paulo. Fonte:Elaborado pelas autoras
Porém apesar de considerarmos que uma cidade média possui suas especificidades,
pela contribuição de alguns pesquisadores, Sposito (2001), Soares (2007), França
(2007), com o trabalho, Vimos que Resende possui similaridades com o
333
desenvolvimento urbano de grandes metrópoles, nos levando a acreditar que as cidades
médias podem acompanhar o movimento geral das dinâmicas de grandes cidades do
país.
O município de Resende começa a crescer relativamente há pouco tempo, no
começo da década de 90, com a chegada de indústrias, resultado da desconcentração
industrial. A sua localização favoreceu a concentração industrial por estar tão próximo
de um eixo viário entre Rio-São Paulo. A chegada das indústrias começaram à
dinamizar a cidade e criar uma rede de fluxos econômicos que parte dessas cidades
médias, como é o caso de Resende, para serem processados, sintetizados e respondidos
pela metrópole. (MELAZZO, 2012). Todo esse processo de desconcentração industrial
teve seu auge nos anos 90 e proporcionaram mudanças no espaço ao redor das
indústrias, porém hoje o que se observa em Resende é uma cidade que se encaixou no
modelo contemporâneo de cidade, independente dos resultados da indústria, e sofreu
uma reestruturação econômica baseada em serviços e mercado imobiliário e
desempenha papel fundamental dentro da sua microrregião.
2. O Surgimento de um sub-centro - Cidade Alegria
Buscamos entender, nesta parte, o processo de transformação territorial de Resende
a partir de sua expansão urbana, e principalmente compreender como as políticas de
desenvolvimento econômica industrial intensificaram vetores de expansão e
evidenciaram com isso práticas sócio espaciais de segregação. Essas políticas são
impulsionadas a partir da década de 1950 e intensificadas a partir da década de 1990,
com a instalação das cadeias produtivas metalmecânica e siderúrgica, e ao processo de
urbanização de Resende. O processo recente de desenvolvimento urbano capitalista de
Resende, foi responsável pela ocupação urbana desigual principalmente para região
oeste da cidade, na área conhecida como Grande Alegria. Essas práticas urbanas nos
revelam a fase perversa no seio do desenvolvimento capitalista, a profunda desigualdade
social nas cidades. Com as políticas de desenvolvimento a partir da década de 1950 e
posteriormente o processo de urbanização de Resende a parte oeste da cidade passou a
ter uma alta concentração demográfica. Esta alta concentração requer infraestrutura,
onde o poder público está inteiramente ligado a este jogo. Primeiro criando incentivos
para a chegada das indústrias, e com isso criando infraestruturas para a produção e
334
reprodução capitalista. Alguns grandes empreendimentos se destacam nesta dinâmica
urbano-industrial: a instalação da Indústria Química de Resende (IQR), no ano de 1957,
hoje Indústria Clariant S.A, e a construção do Conjunto Habitacional Cidade Alegria
(CHCA), no início dos anos 1980, produzido pela Companhia Habitacional de Volta
Redonda (COHAB-VR em convênio com a Prefeitura de Resende e com recursos do
antigo Sistema Financeiro de Habitação. (CARDOSO, 2013). Com a instalação da
indústria automotiva através das fábricas da Volkswagen Ônibus e Caminhões, em
1996, e da PSA Peugeot Citroën, em 2001, Resende passa por uma lógica de
reestruturação urbana, onde há a partir dessa lógica a construção de um possível
subcentro no município, no bairro popular da cidade alegria.(SOUZA, 2010). A Grande
Alegria foi loteada principalmente a partir de 1980, onde todos os empreendimentos
eram próximos de áreas industriais. A construção do conjunto habitacional Cidade
Alegria, o primeiro conjunto a ser criado, foi um marco no desenvolvimento da cidade e
da expansão da ocupação das terras na direção oeste a fins de moradias populares. Essa
expansão revela políticas de desenvolvimento urbano industrial marcadas por um
processo clássico de construções de periferias. Logo após a construção desse conjunto
sucederam outros, se estendendo a construção de diversos bairros com temporalidade
diferentes: o Jardim Primavera I, II e III e Toyota I e II, Jardim Beira Rio, Jardim
Alegria, entre outros. Esses conjuntos habitacionais seguem um padrão de construção e
expandiram a região oeste da cidade, em uma paisagem marcada socialmente por
segmentos de classe média e classe média baixa. A Grande Alegria é a área que permeia
todos esses bairros, sendo a Cidade Alegria o bairro mais antigo e populoso da área. Sua
ocupação origina-se da construção do primeiro conjunto habitacional da parte Oeste, o
conjunto habitacional Cidade Alegria, que foi um grande atrativo para o local.
Figura 2. Área da Grande Alegria Fonte:Wikimapia
335
Na época a construção do bairro era considerada remota, principalmente pela
falta de infraestrutura e a distância do centro. Hoje o bairro já é assistido com
infraesturura, serviços, comércio, setores de saúde e transporte, o que constituí um
atrativo para a população de outros bairros da Grande Alegria.
Com o crescimento demográfico e devido ao distanciamento desses bairros com
a área central, se faz necessário meio que possibilitem a reprodução social, surge assim
um sub-centro na área da Grande Alegria, localizado na Cidade Alegria que foi o
primeiro eixo de expansão na parte Oeste do município. Assim se materializam subcentros a partir de uma nova lógica de reestruturação urbana, que está diretamente
ligado à expansão urbana, onde há cada vez mais o distanciamento entre centro e
periferia, gerando diferentes espacializações dos equipamentos urbanos, agravando as
desigualdades sociais.
Foto 1. Supermercado na Cidade Alegria. A desconcentração dos serviços ratificam o
surgimento de um sub-centro. Fonte: Elaborada pelas autoras
336
Foto 2. Comércio na Cidade Alegria. Rua comercial do Bairro Cidade Alegria.
Fonte:
Elaborada
pelas
autoras.
3. Segregação Sócio-Espacial na Região da Grande Alegria
O trabalho centrou-se no estudo da atual morfologia urbana expressa na região
da Grande Alegria, e para entender todo esse contemporâneo cenário é preciso discutir o
processo de segregação que age na cidade. Sposito (SPOSITO,2013) destaca que a
palavra segregar é de sempre natureza espacial, ou seja, é um processo expressado no
espaço resultado de relações sociais de diferentes grupos que vem a necessidade de
separar a partir de seu modo de vida, rompendo o conceito de cidade e a possibilidade
de participação e convívio dos indivíduos que movem a vida urbana. No caso de
Resende, vamos tratar da segregação e a autossegregação, trabalhado por Corrêa
(CORRÊA, 1989), como par que funciona dialeticamente e constitui uma região
fragmentada, que não compartilha e não convive, apesar de coexistirem em um mesmo
espaço. A questão segregação é muito mais complexa, e não é somente explicada por
distanciamentos sociais, e podem ser contextualizadas de acordo com a escala temporal
a ser estudada. No caso de Resende o que se observou foi a revelação dessas distâncias
no plano espacial desde a instalação de conjuntos habitacionais na porção oeste da
cidade, até a dinâmicas mais atuais com os condomínios fechados.
337
Resende inicialmente configurou uma forma de segregação típica de afastamento
espacial, onde o crescimento do tecido urbano originou áreas mais afastadas do centro,
na qual a população se constituiu a partir de políticas habitacionais a classes mais
baixas, em um processo de periferização. Tratamos aqui a segregação não pela distância
da área com o centro, mais sim pela dificuldade de acesso dos meios de produção e
reprodução desse centro. O processo de periferização aqui citado está relacionado ao
modo de produção capitalista do espaço, no qual a terra passa ser um produto a ser
comercializado, onde áreas centrais são bem mais valorizadas devido a sua vantagem
locacional (GOTTDIENER,2010,176), assim a população economicamente menos
favorecida é "expulsa" para áreas mais afastadas. O poder público com a criação de
conjuntos habitacionais tem um papel fundamental nesta dinâmica, pois facilita o acesso
a moradia nessas áreas rarefeitas criando certa infraestrutura para a população com
menor poder aquisitivo.
Recentemente, a forma urbana passou por alterações e a relação de centro e
periferia foi rompida com a instalação de condomínios fechados na região da Grande
Alegria, o que mostra e reafirma o que já discutido anteriormente, que não é somente a
distância que vai expressar as segregações. Agora os condomínios co-habitam em um
mesmo espaço com conjuntos habitacionais e sua separação vai ser baseada em
barreiras físicas como muros e portões. A distância social existe e essa não será
superada, porém a distância espacial já não é mais suficiente para explicar os processos
de segregação, que de acordo com a evolução urbana tendem a se complexar ainda
mais. Segundo Carlos, a segregação é o resultado da contradição que produz o espaço
urbano, que é dialeticamente o valor de uso e valor de troca. (CARLOS, 2013).
Segregar aos moldes contemporâneos está ligado ao valor de troca do espaço, no qual a
cidade funciona como mercadoria e o mercado imobiliário encontra no espaço uma
maneira de acumular capital. Esse espaço como mercadoria também implica aos
acessos, que agora vão ser restritos a iniciativa privada e aqueles que podem pagar. A
construção de uma cidade fragmentada em porções distintas uma das outras, revela a
segregação em seu grau mais elevado, tornando privado o solo urbano, que cabe discutir
sua legitimidade. Vale ressaltar a contradição homogeneidade-fragmentação, pois é
necessário se pensar o espaço para dentro dos muros, um espaço homogêneo que não há
intercambialidade. E para fora dos muros a realidade distinta, baseada na reprodução do
espaço fragmentado.
338
Outro ponto muito discutido por Carlos (2013) e Sposito (2013) é quanto à crise
do espaço público nesse modelo de cidade, no qual o cercamento de áreas que
permitiriam as relações sociais para a produção do espaço urbano estão cada vez mais
privatizadas, em seu sentido literal da palavra, em privar o acesso e o uso. O valor de
uso, como condição necessária a realização da vida (CARLOS, 2013) está sendo
superado pelo valor de troca propiciando o encolhimento da esfera pública o que nos
volta a debater o que já foi iniciado por Lefebvre, acerca do direito à cidade. Essas
questões de segregação, fragmentação e crise do espaço público colocam em pauta o
esgotamento da cidade como forma de reprodução de relações sociais a partir do
momento que a demanda do capital e do valor nos espaços cercam áreas que
possibilitariam trocas entre os indivíduos, e na autossegregação e enclausuramento de
uma parte da população “presa” atrás dos muros.
3.1 Os conjuntos habitacionais
Como dito anteriormente a Grande Alegria é a área que inclui os bairros da parte
oeste do município de Resende. Vamos tratar aqui a Grande Alegria como uma região,
onde suas características se permeiam na paisagem construída por conjuntos
habitacionais. Esta paisagem que recentemente ganha um novo perfil, a de moradores de
classe média alta, com alta renda, em condomínios de luxo. Onde ao envolta dos bairros
pobres se constitui os bairros ricos.
Com a expansão urbana de Resende e com o crescimento demográfico, pela
atração dos investimentos, a ocupação urbana se fez cada vez mais distante do centro,
este crescimento trouxe consigo a necessidade de habitação. O poder público começa a
criar soluções em larga escala, criando os conjuntos habitacionais. Pimeiramente foi
construído o conjunto habitacional cidade alegria e posteriormente vários outros
conjuntoshabitacionais, desbravando esta parte do município, transformando cada vez
mais a área rural em urbana. Em paralelo começa a crescer as autoconstruções,
produzindo em conjunto com os loteamentos, uma paisagem marcada por segmentos de
classe média e classe média baixa.
Esses conjuntos habitacionais tiveram grandes dimensões, em função de seus
tamanhos eles constituíram centralidades próprias, produzindo bairros. Porém esses
conjuntos desde sua gênese possuíam um conteúdo de baixa renda, além de serem
produzidos em áreas distantes do centro, sem assistência de infraestrutura e com
339
precário sistema viário. Portanto a partir desses loteamentos se criou uma grande região
periférica na cidade de Resende, Grande Alegria, onde nesta se constituí diversos
bairros populares.
Os conjuntos habitacionais seguem um padrão, não possuindo variedade nem
diversidade de construções, por onde se anda na Grande Alegria pode se ver esses
loteamentos. Assim como na maioria dos conjuntos habitacionais, estes são constituídos
na franja da cidade, construídos em espaços rarefeitos, revelando uma precariedade
tanto em suas construções como social.
Foto 3. Conjunto habitacional Cidade Alegria. Fonte: Elaborada pelas autoras
340
Foto 4. Conjunto habitacional Cidade Alegria. Fonte: Elaborada pelas autoras.
3.2 Enclaves Fortificados
A partir do surgimento dessa nova centralidade no Município de Resende, com o
espraiamento da própria cidade, uma produção sócio-espacial foi observada
caracterizada especialmente pela construção de um cinturão de condomínios fechados
na franja do município, na região da Grande Alegria. A Grande Alegria que desde seus
primórdios teve origem popular, com unidades habitacionais destinadas à classe baixa e
operária da região, atualmente começa experimentar novas formas de produção desse
espaço com a chegada de empreendimentos voltados para uma outra parcela da
população, uma parcela que tem condições e pode usufruir dos benefícios oferecidos
nos limites dos portões. Enclaves fortificados geram cidades fragmentadas em que é
difícil manter os princípios básicos de livre circulação e abertura dos espaços públicos
que
serviram
de
fundamento
para
a
estruturação
das
cidades
modernas.
Consequentemente, nessas cidades o caráter do espaço público e da participação dos
cidadãos na vida pública vem sendo drasticamente modificado (CALDEIRA, 1997).
341
Figura 3. Avenida que separa a Grande Alegria dos condomínios fechados dos
conjuntos habitacionais. Fonte:Wikimapia
A avenida carrega consigo essa denotação de demarcar e segregar essas duas
realidades tão diferentes na região e que são expressas na paisagem, principalmente pela
estética e arquitetura das moradias. Na parte baixa da região, à noroeste, estão os
conjuntos habitacionais, que concentram uma população de baixa renda e a maioria do
comércio dessa centralidade da Grande Alegria e a parte alta, à sudoeste, estão os
condomínios fechados, caracterizados pelos seus muros, portões e cancelas que só
reafirmam o caráter segregador desses empreendimentos.
Vale ressaltar que as diferenças estão para além da paisagem, na verdade, ela só
é o reflexo de uma diferença social abrupta na Grande Alegria, que produz uma
descontinuidade no espaço. Esses condomínios são compostos por famílias de alto
padrão, empresários e funcionários de altos cargos nas indústrias locais, ou seja, são
moradores que podem pagar para usufruir das regalias oferecidas pelos condomínios.
A localização desses empreendimentos, na franja do município de Resende é
explicada pelas ofertas de espaço, já saturada no centro e a fuga do caos decorrente das
grandes e médias cidades. O que justifica o discurso de mercado desses condomínios
que oferecem espaço e tranqüilidade. A segurança é outro atrativo para o mercado
imobiliário. Já é conhecido que com o crescimento das cidades, no caso de Resende,
essa cidade média, a violência concomitantemente também cresce e a política do medo
cria força nesse contexto e aterroriza a população. Morar em um local fechado por
muros e portões, significa ter segurança e estar imune da violência que aflige a cidade.
A Grande Alegria é muito conhecida pela violência, o que fortifica o mercado
imobiliário usar o pretexto da segurança para segregar ainda mais.
342
Apesar da Grande Alegria desempenhar um papel de centralidade no município
com ofertas de serviços e mercado de trabalho para população local, os moradores dos
condomínios não utilizam desses serviços e sempre optam pelo centro de Resende para
atender suas demandas, poupando ao máximo a mistura com os moradores das áreas
mais críticas da região. O que justifica a localização dos enclaves às margens da
Avenida Professor Coronel Antônio Esteves, que leva até o centro sem precisar passar
pela Cidade Alegria (principal bairro da região da Grande Alegria).
Com a chegada desses novos empreendimentos, que são teoricamente recentes, a
oferta de mercado de trabalho foi ainda mais ampliada. Atualmente, além do próprio
centro empregar a população local nos serviços oferecidos, há também oferta de
empregos para dentro dos muros. A maioria, ou se não, todos funcionários dos
condomínios são da Grande Alegria, sendo de bairros mais críticos, como Toyota e
Jardim Primavera. Ocupam-se de pedreiros, porteiros, empregadas domésticas,
jardineiros, vigias, profissões estas, que não requer alta grau de escolaridade. Todo este
contexto veio proporcionar a diminuição nas distâncias percorridas e tempo gastos para
chegar ao trabalho, porque os próprios moradores da Grande Alegria ocupam as vagas
de emprego oferecidas na própria região, sem precisar ir ao centro para procurar
trabalho. Esse novo cenário funcional observado na Grande Alegria só ratifica o papel
de nova centralidade assumida pela região no município.
Foto 5. Entrada do condomínio Casa da Lua . Segurança oferecida com uso de
cancelas. Fonte: Elaborada pelas autoras.
343
Foto 6. Entrada do condomínio Morada das Agulhas. Portões que protegem e
segregam. Fonte: Elaborada pelas autoras.
Os loteamentos e os condomínios fechados, voltados para segmentos de classe
média, como Boa Vista I e II, a Casa da Lua, o Morada das Agulhas, Mirante das
Agulhas, Morada do Bosque, Morada da Colina I, II e III, Bela Vista e os mais recentes
e produzidos nas terras da antiga Fazenda Limeira, o Limeira Town House, Residencial
Limeira Tênis Clube e o Terras Alpha Resende ocupam as terras mais bem localizadas
da região e formam uma espécie de cinturão de bairros de classe média alta e de alta
renda que circunda os bairros populares da Grande Alegria a partir do eixo viário.
Cinturão este que expressa a segregação social no território (CARDOSO, 2013).
Resende nos últimos dez anos vem protagonizando diferentes investimentos
econômico-industriais, destacando-se na chegada de novas cadeias produtivas. Na
atividade industrial com o setor siderúrgico, o Grupo Votorantim, que se instalou na
própria região da Grande Alegria, em 2009. E na construção e incorporação imobiliária,
que atualmente representa o principal motor da economia gerando novos produtos de
mercado e é o setor que mais tem empregado na região, como os condomínios fechados
e, mais recentemente, o “bairro fechado” do loteamento AlphaVille, voltados para os
segmentos sociais de classe média-alta e de alta renda. Na mesma direção dos
investimentos mais recentes do capital imobiliário, grandes redes de comércio atacadista
e de shopping centers, se instalaram a partir de 2011. (CARDOSO, 2013). Todo esse
344
cenário vem dinamizando e diversificando o mercado consumidor do município com
diversas formas de produzir capital.
4. Natureza para poucos: Terras Alpha Resende
O mais recente investimento imobiliário em Resende, que também percorre o eixo
viário dos enclaves fortificados, é o Terras Alpha Resende, que pertence ao grupo,
muito conhecido no setor imobiliário pelos seus grandes empreendimentos horizontais,
bairros planejados e núcleos urbanos, o AlphaVille. A empresa vende mais que lotes,
vende uma marca de morar sustentavelmente, o que à leva agregar mais valor do que os
outros condomínios. As Terras Alpha Ville, estão para além da segurança e
tranquilidade, elas oferecem um modo de vida sustentável e de proximidade do que é
dito como natural, privando uma boa parte da população de usufruir desse espaço.
Figura 4. Terras Alpha Ville – Seguindo a mesma linha dos enclaves fortificados.
Fonte: Wikimapia
A filosofia do grupo Alphaville trata-se de criar um produto para o mercado
imobiliário que possua algumas características de valor agregadas, entre estas um estilo
de vida bucólico e produtor de uma sociabilidade de auto-segregação que se manifesta
em uma dinâmica de vida que busca a auto-suficiência para dentro dos muros do próprio
loteamento (CALDEIRA,2000).
A ação segregadora desses empreendimentos se constitui com base nos atributos
oferecidos para quem vive pós-muros. A lógica está no ideal de harmonia do morador
com a natureza e privacidade, perdidos com o crescimento das cidades. Então o
Alphaville surge como solução de resgate desses costumes primitivos de relação homem
e natureza.
345
Oferecer um bairro, com lotes grandes e com ideário da proximidade da natureza
em uma cidade que vem sofrendo intensas modificações nos últimos anos e
conseqüentemente sendo atingida pelas mazelas das cidades médias, torna-se objeto de
desejo de qualquer morador. Com isso, o capital imobiliário se apropria da natureza de
forma a conferir ao ambiente uma espécie de “marca” distintiva dos negócios que
agrega valor aos novos produtos imobiliários e permite, assim, a extração da renda
fundiária decorrente dos preços de monopólio (MARX,1988). Porém, vale ressaltar,
quem são esses moradores que podem usufruir deste espaço fechado?
Os novos anseios e ideais urbanos de moradia não se limitam mais à casa como
propriedade particular, mas se estendem à privatização de seu entorno. Esses
empreendimentos além de enalteceram a propriedade privada a sua privatização está
atravessando as próprias moradias, e estão privatizando o espaço, criando mais do que
um bairro planejado, mas uma cidade dentro de outra, uma cidade seletiva, que veicula
ser melhor do que a que está fora dos muros, com mais opções de lazer, e
principalmente segura. O AlphaVille é só mais um exemplo dessa cidade paralela e
individualista, uma das marcas do atual período neoliberal, que não se restringe apenas
às falas e às ações, mas se materializa em formas espaciais voltadas à exclusividade.
Cria-se, assim, uma privatização do espaço público, no sentido mais amplo do termo.
Troca-se a noção de cidade aberta ao que é coletivo e comum por outra que privilegia
um ideal de exclusividade. Segurança, lazer, educação, saúde, transportes e moradia se
tornam
mercadorias
acessíveis
somente
aos
que
podem
pagar
por
elas.
(MELGAÇO,2012).
Em Resende, ou qualquer outra cidade média ou grande, essa tendência
contemporânea de descontinuidades no território à partir dos enclaves fortificados tem
sido cada vez mais evidente, e ao contrário do que se pensa ou veicula, os condomínios
fechados não estão produzindo a segurança garantida pelo mercado imobiliário, mas
estão fortificando as instabilidades sociais, fazendo da cidade um local de disputas e
confrontos, potencializando as diferenças, reforçando os preconceitos e reproduzindo a
segregação sócio-espacial. Ao invés de promoverem a existência de uma cidade para
todos, os condomínios fechados têm servido como instrumento urbanístico para a
construção de uma cidade de poucos (MELGAÇO,2012).
5. Considerações Finais
346
A cidade de Resende considerada uma cidade média está perpetuando alguns
problemas típicos de cidades grandes como por exemplo a segregação sócio-espacial,
esta nos mostra a fase perversa do desenvolvimento. A Grande Alegria é uma
consequência da expansão urbana associada à políticas públicas e interesses privados,
esta região nos mostra uma paisagem repleta de desigualdades, em seu interior espaços
mais pobres, com segmentos de classe média e baixa, sendo os conjuntos habitacionais
uma marca dessa paisagem, e ao entorno surge espaços mais elitizados, com segmentos
de classe média alta, os condomínios fechados definem uma área onde os muros são
verdadeiras fronteiras que separam espaços e conteúdos sociais distintos.
Portanto cabe analisar como políticas de desenvolvimento que são ligadas a
exigências capitalistas, podem produzir novas formas de produção e ocupação urbana,
Estruturando problemas que estão enraizados neste sistema, como a segregação sócioespacial urbana.
347
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349
AGLOMERADOS SUBNORMAIS COMO EXPRESSÃO DE
DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS EM ARAGUAÍNA-TO105
Roberto Antero da Silva106
Resumo
Este artigo discute particularidades do processo de favelização em Araguaína - TO,
focando nos aglomerados subnormais, considerados como expressão de desigualdades
socioespaciais na cidade. Para estudo de caso foi selecionado parte do setor censitário
Santa Rita, classificado como subnormal. O recurso metodológico utilizado consta de
revisão bibliográfica, dos dados e informações oficiais do Censo Demográfico 2010
(IBGE) e pesquisa de campo. A pesquisa sobre o aglomerado subnormal Santa Rita
demostrou carências e/ou ausência de infraestruturas e serviços básicos, condição de
população em desvantagem socioeconômica e no acesso à terra urbana e moradia, o que
fornece confirmação que as desigualdades sociais e espaciais são marcantes.
Palavras-chave:
Araguaína-TO.
Aglomerados
subnormais.
Desigualdades
socioespaciais.
Introdução
Na urbanização apreendida em Lefebvre (2001, 2004) as contradições socioterritoriais
da sociedade capitalista tendem a agravar e ampliar as desigualdades socioespaciais e é
intrínseca aos conflitos no espaço, em que a classe trabalhadora luta pela acesso e uso
da cidade, com a conquista dos direitos básicos a trabalho, moradia e aos serviços
públicos.
Araguaína, localizada ao norte do estado do Tocantins é vista como uma cidade média
da Amazônia Legal brasileira, funcional ao capitalismo (Figura 1). Esta cidade é o
centro regional distribuidor de bens e serviços com dinamismo no comércio varejista e
oferta dos serviços de saúde e educação superior; é fornecedora de carne bovina ao
mercado mundial. Recebe ainda denominações que reforçam a função econômica como,
“capital do boi gordo”, “capital econômica estadual” e “metrópole do futuro” (SILVA,
2012).
Nas periferias da principal cidade, da rede urbana tocantinense, bolsões de miséria e
pobreza ficam camuflados, encobertos, por revigorantes discursos e práticas que
exacerbam a prosperidade econômica.
105
Este artigo contempla reflexões da tese doutorado em andamento intitulada “Desigualdades
socioespaciais em Cidades Média: um estudo de Araguaina-TO”, que vem sendo desenvolvida junto ao
Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará (UECE) com orientação
da profª Dra Adelita Neto Carleial
106
Professor Assistente II da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Doutorando em Geografia pela
Universidade Estadual do Ceará (UECE), vinculado ao Laboratório de Estudo de População (LEPOP),
orientado pela profª Dra Adelita Neto Carleial
350
Seguindo a concepção de Carleial e Araújo (2010, p. 11) o estudo sobre a cidade só é
suficiente quando analisa “suas contradições, relações desiguais, tensões entre os que
têm acesso aos serviços e bens produzidos no espaço urbano, e aqueles que estão na
categoria de não consumidores e sem direitos”.
Figura 1 – Localização de Araguaína - 2010
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. Elaboração: SILVA, R.A. Laboratório de
Estudos de População (LEPOP). Diagramação: Victor Régio Bento.
Se as cidades médias vêm adquirindo importância na rede urbana brasileira,
principalmente pelo dinamismo econômico e demográfico que apresentam, também
torna-se relevante instigar sobre o reconhecimento dos problemas urbanos e
desigualdades socioespaciais nestas cidades.
A crescente disseminação da favelização nas cidades é compreendida como resultante e
expressão destas desigualdades. Abordar a temática, é refletir sobre a urbanização
regida pelo modo de produção capitalista e suas relações desiguais no acesso moradia,
infraestrutura social e econômica.
Este artigo discute particularidades deste processo de favelização em Araguaína
- TO, focando nos aglomerados subnormais, considerados como expressão de
desigualdades socioespaciais na cidade. Para estudo de caso foi selecionado o setor
censitário Santa Rita, classificado como subnormal. O recurso metodológico utilizado
consta de revisão bibliográfica, dos dados e informações oficiais do Censo Demográfico
2010 (IBGE) e pesquisa de campo.
Ao utilizar a designação censitária, de setores e aglomerados subnormais,
reconhece-se as controvérsias e limitações metodológicas que não permitem seu uso
como indicadores comparativos de desigualdades socioespaciais entre cidades e regiões.
351
Considerar os aglomerados subnormais, como uma expressão de desigualdades
socioespaciais de Araguaína, não significa afirmar que a pobreza urbana é exclusiva
destes espaços, mas ao contrário, que é muito numeroso por toda a cidade.
O artigo está estruturado da seguinte forma: no início, apresenta-se a formulação
do conceito e a metodologia utilizada para identificação de aglomerados subnormais
pelo IBGE, contextualizando brevemente o fenômeno no panorama nacional e na cidade
de Araguaína. Na sequência, para subsidiar discussão de que os aglomerados
subnormais são espaços de agrupamentos de desigualdades socioespaciais, foram
considerados dados estatísticos disponibilizados pelo IBGE e pesquisa de campo no
setor censitário Santa Rita, com ênfase no setor Presidente Lula uma de suas
subdivisões.
2 Aglomerados subnormais como indicadores de desigualdades socioespaciais
Aglomerado subnormal é um termo genérico para designar áreas de moradia popular
mais conhecidos por favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas,
mocambos, palafitas, entre outros. A denominação, conceituação e identificação é
realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que utiliza como
base os seguintes critérios:
Um conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades
habitacionais (barracos, casas etc.) carentes, em sua maioria de
serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até
período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou
particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada
e densa. A identificação dos aglomerados subnormais deve ser
feita com base nos seguintes critérios: a) Ocupação ilegal da
terra, ou seja, construção em terrenos de propriedade alheia
(pública ou particular) no momento atual ou em período recente
(obtenção do título de propriedade do terreno há 10 anos ou
menos); e b) Possuírem pelo menos uma das seguintes
características: urbanização fora dos padrões vigentes - refletido
por vias de circulação estreitas e de alinhamento irregular, lotes
de tamanhos e formas desiguais e construções não regularizadas
por órgãos públicos; ou precariedade de serviços públicos
essenciais (IBGE, 2011, p. 19).
Para Silva (2014, p. 29) na classificação são consideradas características como
precariedade dos domicílios, dos serviços urbanos e dos padrões urbanísticos, a
densidade de ocupação, a situação fundiária e o número de domicílios, que aparece em
destaque, pela exigência de um quantitativo superior a cinquenta domicílios constituídos
de maneira contígua.
Outros critérios relevantes para identificação dos aglomerados subnormais e a
irregularidade fundiária dos assentamentos combinada com precariedade de urbanização
352
e/ou de serviços públicos de abastecimento de água, de esgotamento sanitário, de coleta
de lixo e fornecimento de energia elétrica.
O recorte territorial designado como Aglomerado subnormal é formado por um ou
diversos setores censitários, que são assim classificados de modo prévio ao censo
demográfico. Por sua vez, setor censitário é a desagregação mínima para coleta de
informações durante o censo, correspondente a área a ser percorrida por um só
recenseador. Comparando com os bairros de uma cidade, um setor censitário pode
abranger apenas uma parte de um bairro; assim como pode ser formado por mais de um
bairro (IBGE, 2011; MARQUES et al.,2009).
No Brasil foram identificados 6.329 aglomerados subnormais distribuídos em 323
municípios, concentrando 6% da população brasileira distribuídos em todas nos vinte e
sete estados e distrito Federal, com maior prevalência nas metrópoles e regiões
metropolitanas, mas também com presença em cidades médias e pequenas (IBGE,
2011).
A maior taxa de população residente em aglomerados subnormais é do estado do Pará,
com 16,7%, seguido pelo Amapá, com 16,2% e Rio de Janeiro, com 12,7% (IBGE,
2011). Estes indicadores minimizam a situação de Tocantins com apenas 0,53% da
população residindo em áreas subnormais.
Pesquisadores e estudiosos sobre favelas direcionam críticas107 ao conceito trabalhado
pelo IBGE, principalmente em relação a subestimação de dados que ocorre
principalmente pela exigência de um quantitativo miminho de 51 domicílios em área
contigua e sobre a questão fundiária, especialmente pela incapacidade de verificação da
situação da posse do terreno (Silva,2014)
Maricato (2002), por exemplo reconhece as dificuldades em obter números confiáveis
sobre favelas no Brasil, pois apenas o IBGE apresenta dados a nível nacional mas que
são subdimensionados. MARQUES et.al, (2009) endossa este posicionamento pois
entende que pela ocorrência do processo de favelização nas cidades brasileiras, o
aglomerado subnormal estaria mais para uma situação de normalidade da moradia
brasileira.
Apesar das críticas, o conceito adotado pelo IBGE tem uso recorrente e especialistas
expressam sua importância como afirma Taschner (2001, p.16): “mesmo sabendo do
possível erro embutido na quantificação de favelas e favelados nos Censos
Demográficos, sua utilização para caracterização de aspectos da moradia e da população
é preciosa”.
Deste modo a observação dos aglomerados subnormais evidenciam significativa parcela
da população brasileira em condições precárias de moradia sem direito a infraestrutura e
serviços urbanos públicos.
3. Os aglomerados subnormais de Araguaína
107
Para mais detalhes sobre aglomerados subnormais consultar o artigo SILVA, R.A. Aglomerados
subnormais: definição, limitações e críticas. Revista GeoUECE Número Especial, p. 26-41, dezembro de
2014. Disponível em http://seer.uece.br/geouece
353
Em Araguaína, é possível abordar as desigualdades socioespaciais como
singularidade do aglomerado subnormal examinado na pesquisa, Santa Rita,
confirmando a possibilidade de evidenciar particularidades locais do fenômeno. Mas
segundo o IBGE (2011) somente em Araguaína haveria aglomerados subnormais,
isentando desse fenômeno as demais cidades de Tocantins.
Este agrupamento de assentamentos irregulares nesta única cidade da rede urbana
estadual é controverso. Palmas e Gurupi são outras principais cidades de Tocantins que
destacam-se pelas funções econômicas e política que desempenham, e conforme o
critério do IBGE não haveria problemas urbanos relacionados à moradia precária, a
carência econômica, social.
Palmas, planejada e estrategicamente construída na região central do estado para
desempenhar a função de capital, tem população de 228.332. Para Brito (2009) além da
incumbência político administrativo, tem papel concentrador das atividades comerciais
e de serviços no Tocantins que se estendem ao Sudeste da Amazônia Oriental.
Gurupi é terceira cidade em importância econômica e quantitativo de população do
Tocantins, atrás de Palmas e Araguaína que respondem pela primeira e segunda posição
nestes quesitos. Está localizado ao sul do estado e possui população de 76.755
habitantes.
A pesquisa realizada por Marques et. al (2007), contesta os resultados sobre
aglomerados subnormais do Censo Demográfico de 2000. Ele utiliza o termo setores
precários e outra metodologia para comparar assentamentos com características
socioeconômicas, demográficas e habitacionais similares às dos setores subnormais,
mas que não tenham sido classificados como tal.
No Tocantins não havia nenhum município com setor censitário classificado como
subnormal. Ao incluir Palmas no estudo, Marques et. al (2007) identificou que 7,41%
da população da capital residia em setores precários. O problema pode então, está
relacionado a falhas metodológicas na identificação destes aglomerados pelo IBGE, que
subdimensionam os dados.
Para Araguaína, um reconhecimento dessas áreas colabora na compressão das
desigualdades socioespaciais, e na discussão de problemas metodológicos da
classificação censitária. São identificados, pelo IBGE, como setores subnormais nesta
cidade: Ana Maria, Jardim das Mangueiras, Monte Sinai, Parque Bom Viver I, Santa
Rita e Vitória (Mapa 2).
Esses setores são periféricos, distantes da área central e dos principais equipamentos
urbanos. Acompanham a maior intensidade da expansão urbana de Araguaína, nas
direções leste e norte, com concentração ao leste da rodovia Belém-Brasília, com
exceção do aglomerado Monte Sinal disposto a oeste da rodovia federal e próximo ao
aeroporto da cidade.
São assentamentos de moradia ocupados recentemente, a exemplo do Santa Rita e
Monte Sinai com processo iniciado em 2009. O mais antigo é Jardim das Mangueiras,
que teve ocupação entre o final da década de 1980 e início de 1990.
Ocupam as bordas extremas da cidade, avançando para Área de Proteção Ambiental
(APA) das nascentes de Araguaína. Os setores Ana Maria, Santa Rita e Vitória são
354
exemplos dessa expansão urbana para áreas de preservação ambiental ocasionando
problemas relacionados a saúde pública e ao meio ambiente.
A condição jurídica de ocupação é uma caraterística comum, com irregularidade
fundiária em todos, seja por invasão ou loteamento clandestino. Essa é uma
característica que se estende de modo significativo para a cidade.
A precariedade dos serviços públicos urbanos como coleta de lixo,
abastecimento de água, coleta de esgoto e fornecimento de energia elétrica, observada
pela metodologia censitária avalia como critério determinante apenas a existência ou
não, desconsiderando a frequência da oferta e a observância da qualidade.
Figura 2 – Localização dos aglomerados subnormais de Araguaína -2010
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. Elaboração: SILVA, R.A. Laboratório de
Estudos de População (LEPOP). Diagramação: Victor Régio Bento
Em quantitativo de domicílios (Tabela 1), predominavam os pequenos aglomerados
subnormais, que se apresentavam de maneira fragmentada no conjunto urbano, com
exceção do Vitoria e Ana Maria separados apenas pela Avenida Filadélfia. A densidade
média de moradores é mais alta que nas outras áreas urbanas. A média de Araguaína é
de 3,4 moradores por domicilio enquanto que nos aglomerados subnormais é de 3,5.
Tabela 1 – Aglomerados subnormais por domicilio e população residente - Araguaína\
2010
Aglomerados
subnormais
Domicílios
355
População total residente
em aglomerados
subnormais
Ana Maria
336
1 146
Jardim
Mangueiras
das 229
835
Monte Sinai
623
2 242
Parque Bom Viver l
259
886
Santa Rita
170
602
Vitória
480
1 653
Total
2 097
7 364
Fonte: IBGE (2011)
Araguaína tem uma proporção de quase 5% da população residindo nestas áreas, bem
próximo do índice nacional. O Monte Sinai é o que possui maior quantitativo de
população, mas é o setor censitário Santa Rita que vem experimentando maior dinâmica
socioespacial, como será abordado em seguida.
4 Aglomerado subnormal Santa Rita: espaço marcado por desigualdades
socioespaciais
A discussão sobre os aglomerados subnormais como espaços de agrupamentos de
desigualdades socioespaciais em Araguaína, é apoiada pelo estudo de caso do Santa
Rita, um deste setores subnormais, com maior nível de detalhamento no Setor
Presidente Lula, uma de suas subdivisões.
O aglomerado Subnormal Santa Rita e formado por subdivisões internas,
correspondentes a bairros108: o Setor Presidente Lula, a Vila Maranhão, o Setor Sul e
parte do Loteamento Araguaína Sul109.
Os critérios utilizados aqui para identificação da condição de desigualdade socioespacial
é a deficiência e/ou ausência de Infraestruturas e serviços públicos essenciais para a
população e a apreciação de indicadores socioeconômicos coletados em pesquisa de
campo. Foram, também, considerados como pertinentes a observações de aspectos da
paisagem e a evidência da presença de migrantes empobrecidos.
Rodrigues (2008, p. 78) menciona que a “desigualdade expressa pelas áreas de pobreza
representam, na lógica dominante, problemas relacionados com o aumento da
população, em especial da população migrante”.
108
Bairro, Setor, Vila, Loteamento são nomenclaturas de uso frequente para os recortes intra-urbano de
Araguaína em geral cognominados pela própria população local, já que legalmente não uma divisão por
bairros na cidade.
109
O Setor Sul e o loteamento Araguaína Sul, apesar desta denominação, estão localizados na porção leste
da cidade.
356
Pretende-se aferir como este assentamento de moradia precária, Santa Rita, pode ser
caracterizado na urbanização de Araguaína como um dos espaços de marcantes
desigualdades sociais, com repercussões no espaço geográfico da cidade.
Na qualificação de aglomerado subnormal pelo IBGE (2011) são considerados
características como tamanho, localização, acessibilidade, questão fundiária, densidade
de ocupação e características dos domicílios, incluindo os serviços públicos disponíveis.
A limitação da metodologia do IBGE, apontada por Marques et. al (2007), é a de que
cidades com dinamismo econômico tendem a possuir crescimento de população mais
acentuado e os dados rapidamente ficam desatualizados. A delimitação dos setores que
serão considerados como subnormais é prévio à pesquisa e realizada a partir das
informações do último recenseamento complementada por dados fornecidos pelo
governo municipal (MARQUES et. al, 2007).
Este é o caso do Setor Presidente Lula que teve formação no início do ano de 2010
quando a delimitação dos setores censitários pelo IBGE já havia sido realizada, então,
oficialmente, não existia. Os dados censitários disponíveis referentes ao aglomerado
subnormal Santa Rita são subestimados, pois as informações do Setor Presidente Lula
não foram contabilizadas no último Censo Demográfico.
O Setor Presidente Lula ajuda explicar a dinâmica e expansão urbana de Araguaína que
na última década teve aumento populacional superior a 33%, e a pesquisa
pormenorizada neste setor, contribui para atualização de informações territoriais e
socioeconômicas da cidade. Entretanto, a crítica referente a desatualização de
informações estatísticas sobre os aglomerados subnormais pode ser suavizada, já que
nenhum dado ou pesquisa tem capacidade de captar de forma perfeita a realidade.
O Santa Rita é uma área com escasso ou nenhum interesse do mercado legal de terras, e
deste modo, os terrenos ali existentes, literalmente, “sobram” e passam a ser alternativa
de acesso à moradia para populações com menos recursos financeiros.
Ele possui uma baixa densidade de ocupação, caraterizada por seguidos terrenos sem
uso; as vias de circulação apesar de largas, não são alinhadas, os lotes possuem
tamanhos e formas semelhados, mesmo nas áreas de invasão. São características que
diferenciam este tipo de setor censitário (Fotografia 1).
Fotografia 1 – Aspectos do aglomerado subnormal Santa Rita
Fonte: SILVA, R.A. Pesquisa de campo. Fev.2014.
357
Este Setor corresponde a definição censitária com observância dos critérios de
precariedade e/ou ausência de equipamentos e serviços públicos essenciais; de
construções não regularizadas por órgãos públicos; e o de que significativa parte da área
é constituída por invasão.
Está localizado na porção leste da cidade, limítrofe ao município de Babaçulândia. A
área é de difícil acesso pela precariedade das ruas que apenas recentemente foram
abertas, mas rapidamente danificadas pela ação de processo erosivo pluvial que atua de
modo contínuo e facilitado nos terrenos arenosos do cerrado. De acordo com Tocantins
(2005), o tipo de solo é areias quartzosas, profundas e ocorrem em relevo suave
ondulado (predomínio de declives entre 3 a 8%), possuindo ligeiro potencial para
erosão.
A presença de vegetação típica do cerrado e a ausência de infraestrutura urbana
denotam na paisagem daquele Setor uma peculiar monotonia como de uma bucólica
área rural quase inabitada (Fotografia 1). Constata-se fragilidade ambiental com avanço
para Área de Proteção Ambiental (APA) das nascentes de Araguaína como a Vila
Maranhão e Setor Presidente Lula localização próxima ao córrego Santa Rita110. As
consequências deste avanço urbano envolvem o meio ambiente e a população com a
poluição dos recursos hídricos e dos mananciais com risco de epidemias.
Os equipamentos urbanos no aglomerado subnormal Santa Rita são inexistentes, mesmo
aqueles destinados a serviços públicos básicos essenciais para saúde, educação e lazer,
restando à população buscar alternativas em setores próximos ou aguardar esporádicas
campanhas itinerantes.
Nenhuma via de circulação é pavimentada, e em quase todas, o processo erosivo pluvial
dificulta a circulação. Redes de esgoto sanitário e rede coletora para escoamento das
águas pluviais são inexistentes. A energia elétrica pública e domiciliar e o
abastecimento de água potável não atende todas as moradias.
A coleta de lixo também é precária, em geral a caçamba do serviço de limpeza pública
passa uma ou duas vezes por semana, percorrendo apenas as ruas principais ou as de
melhores condições de tráfego. A deficiência do serviço implica na prática de jogar os
resíduos a céu aberto ou promover a queima.
Tais fatos corroboram no entendimento de que os benefícios da urbanização são
negados pelo poder público e a população não é atendida em suas necessidades de
acesso aos equipamentos urbanos e aos serviços públicos essenciais.
4.1 Quem tem coragem de derrubar o Lula? Desigualdades e resistências no Setor
Presidente Lula em Araguaína –TO
110
Em Araguaína uma opção de lazer são as chácaras/sítios com usos dos riachos/córregos para “banhos”
explorados pelos proprietários com represamento das águas e construção de infraestrutura para bar e
restaurante. A chácara Santa Rita, localizada as margens do córrego de mesmo nome, entre a Vila
Maranhão e Setor Presidente Lula também cognomina o setor censitário.
358
Para melhor caracterização e análise procede-se com pesquisa de campo realizada no
Setor Presidente Lula pertencente ao aglomerado subnormal Santa Rita, realizando
entrevista com liderança comunitária, observações da paisagem das infraestruturas e
registro fotográfico. A coleta de dados foi ampliada incluindo a participação dos
moradores, com aplicação de 40 questionários com informações socioeconômicas e 10
entrevistas semiestruturada sobre o processo de ocupação111.
O Setor Presidente Lula é representativo de controvérsias relacionadas ao uso da
definição de aglomerado subnormal, pois não foi contabilizado no Censo Demográfico
2010. Esta foi a motivação para particularizar a pesquisa de campo neste Setor,
contribuindo no debate acerca dos problemas urbanos, e para atualização de
informações territoriais e socioeconômicas da cidade de Araguaína112.
O Setor Presidente Lula, passou a ser povoado em meados de 2010 com a estratégia de
ocupação. O processo foi bem articulado por líderes, que juntamente com os primeiros
ocupantes realizaram o desenho urbanístico da área projetando ruas e avenidas e o
recorte dos terrenos (em geral 12m de frente/fundo e 30m nas laterais) totalizando 500,
dos quais 350 estão ocupados por moradias.
No início da ocupação os terrenos eram doados para os que tivessem interesse em
estabelecer moradia. Atualmente há aproximadamente 150 terrenos sem moradia que
tem utilidade para a prática de valorização visando rentabilidade pela terra.
Os dados coletados em questionários da pesquisa de campo sugerem a recente
ocupação. 27,5% moram há apenas um ano na área, outro quantitativo exatamente igual
possui dois anos de residência, somados a mais 25% que residem há três anos. Já os
primeiros ocupantes da invasão que já completaram quatro anos são 20% do total.
A alvenaria é o material utilizado na construção de 90% das casas, com raras exceções
das que possuem paredes rebocadas com cimento. A maior parte das residências possui
dois ou três compartimentos, incluindo o banheiro. Não há mutirão para construção de
casas, recorrendo-se a autoconstrução em etapas. O restante são as moradias rústicas,
improvisadas com madeira, que mesclada com moradias inacabadas são proeminentes
na paisagem, como se tivessem sido construídas e abandonadas.
O processo de ocupação da área não ocorreu sem conflitos, que se mantém, envolvendo
suposto proprietário, poder público e a Celtins, empresa de energia. A população local
tem histórico de resistência e luta utilizando instrumentos como ação judicial,
enfretamento com a polícia e modificação da nomenclatura da área.
A condição fundiária é de ilegalidade, mas há ação na justiça para regularização da área
em nome de moradores ocupantes. O terreno foi adquirido por um japonês no ano 1988
com finalidade de especulação, pois foi período de criação do estado do Tocantins e
111
Os acadêmicos do 7º período 2013.2 do curso de Geografia da Universidade Federal do Tocantins,
disciplina Geografia da Amazônia participaram da aplicação dos questionários.
112
A dinâmica e os conflitos socioespaciais do Aglomerado Subnormal Santa Rita mantém-se
intensificados, com ocupação de nova área para moradia, localizada a cerca de 800 metros do Setor
Presidente Lula. A ocupação teve início no mês de abril/2014, três meses após a pesquisa de campo que
realizamos no Setor. Um morador da área recém ocupada nos informou que cerca de 50 famílias fixaram
residência e a nomenclatura que vem sendo utilizada é “Invasão da Santa Rita”.
359
Araguaína como capital estadual era possibilidade quase certa, devido sua importância
econômica e pelas promessas políticas que não se concretizaram. O antigo dono já é
falecido e parentes reivindicam o direito a propriedade.
No início da ocupação, a área hoje correspondente ao Setor Presidente Lula também
recebeu a cognominação de Santa Rita, a mesma do setor censitário. Uma estratégia,
durante período de ameaças pela reintegração de posse, foi modificar a nomenclatura,
passando então para a denominação de Presidente Lula.
Um morador revela como a estratégia utilizada tem sido eficaz:
Quando ameaçaram de derrubar as casas, aí então nós
resolvemos mudar o nome daqui para Presidente Lula. Eu quero
é saber quem tem coragem de derrubar o Lula! Se derrubar, logo
chega aos ouvidos dele, aí vão dizer: lá em Araguaína
derrubaram o Lula! Quem vai querer isto? (Morador 1).
A resistência e luta pelo acesso à moradia e à cidade pelos moradores daquele Setor tem
como objetivo o direito a infraestrutura, serviços públicos e conquistar a regularização
dos terrenos, garantindo assim sua permanência.
A ocupação pelo modo de “invasão” de terras para moradia é alternativa recorrente no
país. Esse foi o caso, em Araguaína, do aglomerado subnormal Santa Rita, e suas
subdivisões, a Vila Maranhão e do Setor Presidente Lula onde a estratégia foi utilizada
como possibilidade de acesso à casa própria pela população de trabalhadores. Maricato
ajuda a entender esses tipos de ocorrências:
A invasão de terras urbanas no Brasil é parte intrínseca do
processo de urbanização. Ela é gigantesca, [...] e não é,
fundamentalmente, fruto da ação da esquerda e nem de
movimentos sociais que pretendem confrontar a lei. Ela é
estrutural e institucionalizada pelo mercado imobiliário
excludente e pela ausência de políticas sociais (MARICATO,
2002, p. 152)
O insustentável valor do aluguel para determinadas famílias de trabalhadores e a
ineficiência das políticas públicas de habitação, coloca a invasão como alternativa
viável de moradia, segundo os moradores: “o preço do aluguel que é muito alto, não dá
para comer e pagar aluguel então viemos para invasão”; “não tinha casa para morar,
vivia de aluguel na Vila Goiás”; “sair do aluguel que é muito caro, você fica pagando e
nunca vai conseguir casa própria”.
Este modo de ocupação para moradia é instituída pelo contraditório processo de
produção do espaço e de acesso ao solo urbano. Como assevera Martins (2009, p. 14 15) são “processos sociais, políticos e econômicos excludentes” [...]. “Aos trabalhadores
resta, na urgência dos problemas de sobrevivência moverem-se na direção do possível
estabelecido por estas limitações excludentes”.
360
Ela é estrutural, institucionalizada e interessa ao mercado imobiliário, confirma Araújo
(2010, p, 90) observando que “a invasão e a ocupação de espaços periféricos, de
reservas ambientais, e de formação de vazios urbanos, que podem parecer problemas,
fazem parte do mercado imobiliário.”
No acesso à moradia, este modo de ocupação torna-se a direção possível. Afinal, 69%
dos moradores precisam suprir as necessidades básicas de sobrevivência com apenas um
salário mínimo (Gráfico 1). Mesmo assim o processo de ocupação de terra para moradia
é visto como crime, conforme o depoimento de morador:
O trabalhador que tem emprego fixo com carteira assinada em
uma firma não vai sair por aí invadindo terreno para morar. Ele
espera a invasão entrar, depois compra um lote ou uma casa
enquanto o preço está baixo. É invasão, mas não foi ele que
invadiu! (Morador 2).
O trabalhador formal reluta em participar diretamente da ocupação de terrenos, pelo
temor de que seja associado a um desordeiro que confronta a lei, pela sociedade e pelo
patrão. Ao adquirir terreno ou casa nesse tipo de área, por preço mais acessível, há
consciência de que é invasão, no entanto, o fato de não ter participado diretamente do
processo inicial, suaviza a interpretação.
Este é método recorrente, pois metade dos moradores entrevistados declarou que a
forma de aquisição do imóvel foi por compra. Confirmaram participação na invasão
apenas 20%, mas outros 17,5% afirmam ter recebido o terreno por doação, forma
utilizada pelos líderes da ocupação para atrair mais moradores, admitindo-se assim que
37,5% foram partícipes do processo inicial. Além destes mais 10% declararam-se não
proprietários do imóvel e 2,5% adquiriram por troca.
A compra de casa ou do terreno na área revela esta possibilidade de acesso à moradia
para os não se sentem encorajados ou estão constrangidos em participar da invasão;
como também traz à tona que a prática pode ser lucrativa. Conforme depoimento de
moradores nenhum dos líderes iniciais reside no Setor Presidente Lula, e já participaram
de outra invasão, após esta.
Este mercado de terras em áreas de invasão é comparável aos resultados de Araújo
(2010, p. 90) ao estudar Fortaleza, capital cearense onde “a produção não capitalista da
cidade tem sentido de propriedade, pelo acesso ilegal da terra, embora não se restrinja
ao uso, pois também tem interesse de troca”.
O uso para moradia é o principal interesse, pois conforme informações coletadas na
pesquisa, 82,5% dos moradores do Setor Presidente Lula confirmam que são
proprietários de único imóvel, utilizado para atender sua função básica. Os demais que
possuem mais de um imóvel são em bairros precários ou em cidades circunvizinhas.
Portanto, mesmo que a troca se imponha como interesse, indiscutivelmente ela favorece
o acesso à moradia pela população mais carente. A condição precária de infraestrutura
urbana e serviços, e o risco de ter sua casa demolida, também funcionam como
indicador de que o valor de uso se impõem, pois só mora ali quem não possui melhor
opção.
361
A distribuição de água da rede geral da Companhia de Saneamento do Tocantins
(Saneatins), que ocorre desde 2012 é única exceção de presença de infraestrutura. Ainda
que a informação mais relevante considere a ligação do domicilio à rede geral de
abastecimento, não significa um acesso efetivo ao serviço prestado, pois os moradores
reclamam de constantes interrupções no fornecimento, portanto, este pode ser
considerado serviço caracterizado como irregular.
O serviço de coleta lixo só passou a ser realizado pela Prefeitura no ano de 2014, em um
único dia da semana, em dois pontos de recolhimento. Mas a informação ainda não
chegou a 10% dos moradores que desconhecem a existência do serviço, sendo muito
comum encontrar lixo jogado a céu aberto em terrenos sem uso.
A energia elétrica, que é “gambiarra” e somente em raríssimos domicílios, tem os fios
enterrados pelo chão, ligados ilegalmente a chácaras vizinhas. A falta de energia elétrica
tem sido motivo de conflitos no Setor, envolvendo de um lado os moradores, e do outro
a empresa Celtins e seu principal aliado, o poder público. Por meio de liminares a
Justiça tem deferido a favor da retirada dos fios utilizados para conduzir energia.
A Polícia Militar acompanha a execução da ação é já houve situação de resistência dos
moradores realizando ataque com pedras, rechaçado com violência (ALMEIDA, 2013).
A queixa da população é de que a Polícia não atende as ocorrências solicitadas por
moradores, mas acompanha os interesses da empresa privada.
O poder público defende interesses da classe empresarial dominante em desfavor da
classe de trabalhadores, no sentido literal de Marx e Engels (2009, p. 56) de que “o
governo nada mais é que um comitê que administra os negócios comuns de toda a classe
burguesa”. Neste caso em discussão, o Estado assume o papel de um comitê executivo
da burguesia, um instrumento à serviço da ordem socialmente instituída.
As injustiças sociais tornam-se ainda mais evidentes com uma breve descrição
socioeconômica da população do Setor Presidente Lula, com base em informações sobre
escolaridade trabalho e rendimento mensal do responsável pelo domicilio; e em
características que identificam a migração.
Os dados coletados expressam um baixo nível de escolaridade entre os responsáveis
pelos domicílios. Entre os entrevistados, o nível máximo de instrução para 52,5% é o
ensino fundamental completo, enquanto apenas 2,5% está cursando o ensino superior,
12,5% nunca estudou, outros 15% com o ensino fundamental incompleto, e ensino
médio é etapa incompleta para 12,5%, que foi finalizado por apenas 5%.
Verifica-se pelos indicadores de renda (Gráfico 1) que quase um terço dos entrevistados
tem rendimento mensal inferior a um salário mínimo. A maioria dos residentes tem
remuneração que chega ao máximo de um salário mínimo (69%). Enquanto a parcela
que ganha o limite superior de rendimento que é de até três salários mínimos
corresponde à minoria, equivalente apenas a 15% dos entrevistados.
Gráfico 1 - Rendimento médio mensal em salário mínimo, do responsável pelo
domicílio - Setor Presidente Lula – 2014
362
Mais de 2
a3
Mais de
15%
1,5 a
menos de
2
8%
Até 0,5
12%
Mais de
0,5 a
menos de
1
17%
Mais de 1
a 1,5
8%
Até 1
40%
Fonte: SILVA, R.A. Pesquisa de campo, março de 2014.
A realidade do Setor Presidente Lula é análoga aos dados sobre rendimento mediano
mensal de pessoas residente em aglomerados subnormais no Brasil que é de R$ 800,00,
mas está acima do que ocorre em Tocantins e Araguaína que é de R$ 510,00 (IBGE,
2010).
Em relação ao trabalho, a ocupação formal destaca-se com percentual de 32,5%. Mas há
uma alta incidência de residentes com emprego informal, que quando somados aos que
se declararam desempregados e, portanto, sujeitos ao trabalho informal totalizam 57%
dos entrevistados (Tabela 2).
Tabela 2 - Situação de trabalho, por responsável pelo domicilio - Setor Presidente Lula 2014
%
Situação/trabalho do responsável Nº
Absolutos
pelo domicílio
Trabalho formal
13
32,5
Trabalho informal
11
27,5
Aposentado
4
10
Desempregado,
emprego
Desempregado,
emprego
procurando 9
sem
procurar 3
Total
40
22,5
7,5
100
Fonte: pesquisa de campo em março de 2014
O Programa Bolsa Família ou algum parente garante o sustento da família, nos casos em
que o responsável está desempregado. 10% dos responsáveis pelos domicílios são
aposentados. Um deles afirmou que residia em São Geraldo do Araguaia no estado do
Pará, e depois que se aposentou decidiu mudar-se para Araguaína, pesando na decisão a
possibilidade de tratamento de saúde ofertado nesta cidade.
Entre os 24 trabalhadores formais ou informais, o destaque para o ramo da construção
civil, observado pelo número de pedreiros, serventes e armador de vigas que juntos
363
somam 41% das ocupações. Os serviços relacionados à pecuária regional aparecem em
atividades como serviço de juquira113, operador de trator, desossador de carnes em
frigorífico. Este grupo é complementado por outros prestadores de serviços não
especializados, como guardas, vigias, garis. Os trabalhadores informais exercem
atividades como ambulante, encanador e eletricista.
Ao observar o nível de escolaridade, renda e situação de trabalho, torna-se inevitável a
associação entre essas variáveis. A escolaridade reflete diretamente sobre a situação de
trabalho e a renda, pois as pessoas com menor nível de escolaridade, em geral, estão
inseridas de maneira precária ou informalmente no mercado de trabalho e com menor
remuneração.
Na observação de Rodrigues (2008, p. 78) esta condição de “precariedade para a
reprodução da vida são produtos do modo de produção e, ao mesmo tempo, são
condição de permanência”, isto é, com o baixo nível de escolaridade, os moradores
recebem menores salários e sua expectativa seria de permanecer na mesma condição de
vida e de moradia.
A mobilidade de trabalho e capital em Araguaína, que se mantém constante desde a
década de 1960, é alusiva desta condição. Entre os migrantes estão trabalhadores sem
ou com baixa qualificação, em busca de reprodução da força de trabalho, precariamente
inseridos no mercado formal, ou informal. Nesta cidade a urbanização possui elações
com a migração:
Compreender a urbanização de Araguaína passa pelo
entendimento como causa e consequência de intensa mobilidade
espacial da classe trabalhadora com a finalidade de reprodução
da força de trabalho também ao mesmo tempo condição de
acumulação capitalista (SILVA, 2012, p. 82).
O tempo de residência em Araguaína inferior a cinco anos será considerado como
indicativo da migração114. Com base nesta avaliação, constata-se que 40% dos
entrevistados são migrantes. A principal região de origem é o Nordeste, de onde vieram
57,5% dos residentes não naturais do município.
O Setor Presidente Lula possui presença de migrantes recentes, mas também de antigos
migrantes piauienses e maranhenses da década de 1980 e 1990 que continuavam em
outros setores, pagando aluguel, ou em casa de parentes, e a conquista do direito à
moradia só veio pela via de ocupação de terras urbanas ociosas.
Os dados sobre a origem de nascimento do responsável expressam a presença de nativos
do Maranhão (14%), Piauí (10%), Ceará (5%), Bahia, Pernambuco e Rio Grande do
Norte (2,5%). A antiga rota de migração entre Nordeste e Amazônia aberta desde a
113
Refere-se a roçagem de vegetação de porte baixo ou mato que nascem em áreas de pastagens utilizadas
para alimentação do gado.
114
Para o IBGE, um indivíduo que, cinco anos antes da data de referência do censo, possuía um local de
residência diferente do atual é considerado migrante. No censo demográfico esta informação é combinada
ao local de nascimento e ao de residência anterior.
364
década de 1950 mantém-se ininterrupta, registrando também a presença dos antigos
migrantes.
Esta é a realidade em Araguaína, conforme averiguou Silva (2012, p.87) em pesquisa
anterior “quase metade dos residentes são naturais dos estados do Maranhão, Piauí,
Minas Gerais, Ceará e Bahia, reiterando a condição do Nordeste brasileiro como
fornecedor de mão-de-obra para Amazônia”.
De acordo com Silva (2012) a migração foi fundamental “no plano estatal de tornar a
Amazônia espaço de acumulação capitalista”. Continua como estratégia fundamental da
população trabalhadora e é funcional para acumulação do capital.
Considerações finais
A formação de espaços periféricos decorrentes de um crescimento planejado
desigualmente é inerente ao processo de urbanização das cidades brasileiras, em
Araguaína também é destacado. A ocupação de lugares preteridos pela urbanização
formal é uma estratégia de sobrevivência da população, que neste caso, fica quase que
totalmente sem assistência do poder público.
A questão examinada nesta pesquisa indagou se em Araguaína os aglomerados
subnormais podem ser classificados como espaços proeminentes de desigualdades
socioespaciais. Os resultados obtidos produziram evidencias que colaboram para este
entendimento,
A apreciação do aglomerado subnormal Santa Rita demostrou carências e/ou ausência
de infraestruturas e serviços básicos, condição da população em desvantagem
socioeconômica e no acesso à terra urbana e moradia, o que fornece confirmação que as
desigualdades sociais e espaciais são marcantes e perversas.
No entanto, o uso do conceito aglomerado subnormal, como padrão para identificação
de desigualdades socioespaciais, entre cidades mostra-se inviável, pois não foi
verificado a ocorrência do fenômeno em outras cidades da rede urbana estadual.
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366
Produção do espaço urbano e Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) em
Marília/SP e Araçatuba/SP115
Sidney Querino Junior
Resumo
O presente texto aborda a produção habitacional, sobretudo aquela ligada aos
empreendimentos imobiliários do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), nas
cidades de Marília e Araçatuba, ambas localizadas no estado de São Paulo. Após breve
resgate histórico, em que são apresentadas a origem e alguns aspectos ligados aos
processos de expansão urbana em ambas as cidades, trazemos ao debate os impactos
territoriais do PMCMV, destacando alguns de seus desafios frente a processos
históricos que nortearam a produção do espaço urbano e suas limitações, buscando
destacar a importância da atuação do poder público na produção de habitação popular.
Palavras chave: Produção do Espaço Urbano, Programa Minha Casa Minha Vida,
Marília/SP e Araçatuba/SP.
1. AS
CIDADES DE
MARÍLIA
E
ARAÇATUBA
E O
PROGRAMA HABITACIONAL
MINHA CASA MINHA VIDA (MCMV)
115
Mestrando do programa de pós graduação em Geografia vinculado a FCT Unesp campus de
Presidente Prudente, membro do Gasperr (Grupo de pesquisa Produção do Espaço e Redefinições
Regionais) e bolsista FAPESP. Orientador: Prof. Dr. Everaldo Santos Melazzo.
367
Antes de iniciarmos a discussão a cerca da inserção do programa habitacional
MCMV em Marília/SP e Araçatuba/SP consideramos de grande relevância apresentar o
contexto no qual ela ocorre. Para isso, faremos um breve resgate da história das cidades,
destacado algumas características de sua gênese e desenvolvimento.
Segundo Melazzo (2012) a apropriação do interior paulista pelo sistema capitalista
de produção se da em função da construção de um mercado de terras no campo e no
surgimento de novos centros urbanos somados a expansão da cultura do café no final do
século XIX e início do século XX. É nesse contexto que surge a cidade de Marília
(MAPA 1). Em 1928, a cidade antes formada por três núcleos/povoados oriundos do
fracionamento de terras rurais: Alto Cafezal (1922), Vila Barbosa (1927) e Marília
(1927) recebe o título de município, no mesmo ano em que o sistema de transporte
ferroviário passa a funcionar no local (MOURÃO, 1994)116.
MAPA 1- MARÍLIA. ÁREA URBANA.
Seu primeiro processo de expansão urbana esteve diretamente ligado à ferrovia,
sendo controlado majoritariamente pelos interesses especulativos dos grandes
proprietários de terras, que viam ali a possibilidade de aumentar suas rendas, que
provinham em grande volume da venda de terras rurais.
116
Sobre o assunto consultar os trabalhos de MOURÃO (1994) e ZANDONADI (2008).
368
Essa expansão fora também condicionada pelas características do relevo que no
caso de Marília assume feição bastante particular
Seu sítio urbano conjuga uma peculiar morfologia, caracterizada
por um grande topo plano, associado a profundas escarpas que
alcançam mais de 100 metros de profundidade. Conhecidas
como Itambés (SANTOS e NUNES, 2008), recortam a cidade e
condicionam sua ocupação e expansão. (MELAZZO, 2012, p.
165).
Durante a década de 1930, devido à articulação entre o espaço rural e urbano,
segundo MOURÃO (2002), observou-se a instalação de empresas de capitais de origem
local e externos (como exemplo, as Indústrias Reunidas Matarazzo, instalada na cidade
em 1937 e que tinha como principal atividade o beneficiamento de grãos e produção de
óleo vegetal).
Devido à atração de grandes capitais externos e uma acumulação prévia, várias
outras atividades passaram a surgir, como aquelas ligadas ao setor bancário e
financeiro117, o que contribuiu para que a cidade aumentasse sua centralidade regional,
atraísse um novo contingente populacional e expandisse a sua malha urbana.
Aos poucos, não só a paisagem como também os papéis desempenhados por
Marília na rede de cidades na qual ela esta inserida foram se alterando.
Durante cada um dos ciclos produtivos ligados a agricultura (café, algodão e
amendoim), pôde ser observada dinâmicas próprias que deixaram impactos no tecido
econômico local/regional, na concentração da mão de obra empregada e
consequentemente na expansão da área urbana.
Em Marília, empresas foram instaladas nas décadas de 1940 e 1950, sendo o
maior número na década de 1970 (GOMES, 2007).
Na medida em que essas dinâmicas econômicas permitiam um aumento na
acumulação de capital, fazendo com que as empresas que atuavam na cidade fossem
inseridas no plano da concorrência em múltiplas escalas, no que diz respeito à produção
do espaço urbano pode-se observar a intensificação na produção das desigualdades.
Temos como exemplo a expansão da malha urbana, que entre as décadas de
1970 e 1980, passa a apresentar um crescimento em descontínuo, apoiado em estratégias
117
Um exemplo é o surgimento da Casa Bancária Almeida, em 1934, que mais tarde se
transformou em Bradesco (Banco Brasileiro de Descontos).
369
de diferenciação do espaço para a captura de rendas fundiárias. Esse processo está
diretamente relacionado ao aparecimento de loteamentos habitacionais residenciais
destinados a população de mais baixa renda em áreas afastadas da malha urbana
original, o que acarretou inúmeros outros problemas, como aqueles ligados a
mobilidade urbana e infraestrutura.
Essa apropriação diferenciada do espaço de acordo com a faixa de renda teve
como consequência a formação de uma cidade cada vez mais desigual, em que
determinados bens e serviços passaram a ser “exclusividade” de uma única classe
social.
O processo de diferenciação entre áreas e pessoas que conforma a cidade passa a
ser materializado na maneira como o espaço urbano é produzido e consequentemente na
maneira como a cidade é apropriada e consumida por seus moradores.
Diante desse cenário, há uma distribuição socioeconômica seletiva e desigual na
cidade, configurando áreas de maior concentração de segmentos sociais de mais baixa
renda como pode ser observado no Mapa 2.
370
MAPA 2- EXCLUSÃO/INCLUSÃO SOCIAL EM MARÍLIA118
Ao analisarmos o Mapa 2
119
podemos observar a concentração dos segmentos
de mais baixo poder aquisitivo e classificados como em situação de exclusão social no
eixo norte-sul, principalmente nos extremos da malha urbana, mas também em áreas
específicas do centro-oeste e centro-leste. Os setores classificados como de inclusão
social se localizam nas áreas mais centrais e em direção ao leste. Essa diferença, ligada
à faixa de renda e demais indicadores demográficos determina, por exemplo, os
investimentos do setor público e privado no que diz respeito à oferta de produtos
imobiliários, bens e serviços e impactam diretamente na vida da população e na maneira
como essa se relaciona se apropria e consome a cidade.
118
O mapa em questão foi retirado de um relatório de um Projeto temático, ainda não
publicado, pelo grupo de pesquisa CEMESPP (Centro de Estudos e de Mapeamento da Exclusão Social
para Políticas Públicas) com o título: Trajetórias do mercado imobiliário nas cidades de Marília e
Presidente Prudente-SP, 1995-2012. A produção imobiliária do PMCMV, seus agentes e a diferenciação e
desigualdades sócioespaciais intra-urbanas.
119
O mapa foi confeccionado a partir de uma síntese de indicadores demográficos, ambientais,
econômicos e de educação, de chefe de famílias e domicílios disponibilizados pelo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) no censo demográfico de 2010. Para saber sobre os indicadores e
metodologia de organização consultar MELAZZO (2006 e 2007).
371
Sendo a propriedade da terra um dos principais meios de acumulação, a atuação
dos agentes do mercado imobiliário e fundiário se volta para a produção de habitação
para o médio e alto padrão econômico. Em Marília, principalmente a partir da década de
1990 um novo tipo de empreendimento começou a ser difundido e contribuiu para o
aumento da desigualdade intraurbana: os loteamentos fechados. Resultado de uma
associação de interesses que envolvem o setor imobiliário, a sociedade civil e poder
público, muito se tem discutido sobre a legalidade desses empreendimentos120 que
contribuem para o aumento das desigualdades ao ponto que impõe barreiras a circulação
de pessoas e ao mesmo tempo as segregam. Ao analisarmos a localização dos conjuntos
habitacionais e loteamentos populares construídos entre as décadas de 1970 e 1990 a
partir de programas e instituições estatais tais como COHABs, INCOOP-SP e CECAPCDHU, percebemos que a segmentação desses empreendimentos segundo a faixa de
renda reforça o processo de segregação socioespacial em curso121. No caso de Marília, a
maior parte dos loteamentos habitacionais populares encontram-se nas áreas sul, oeste e
norte de sua malha urbana. Por outro lado os condomínios e loteamentos fechados
encontram-se nas áreas centro-leste.
Araçatuba-SP (Mapa 3) surge no mesmo contexto histórico. A partir do ano de
1905, a companhia estrada de ferro noroeste do Brasil começa a construir a ferrovia de
mesmo nome a partir da cidade de Bauru, em direção ao oeste do Estado de São Paulo.
Em 1908 é inaugurada a estação ferroviária de Araçatuba, elemento esse que serve de
impulso ao crescimento da cidade.
120
Sobre o assunto vários trabalhos foram produzidos como o de ZANDONADI (2009).
Para consultar os mapas com a localização dos empreendimentos e ter acesso a mais
informações sobre o ação dos agentes estatais na produção do espaço urbano em ambas as cidades aqui
trabalhadas consultar BOSCARIOL (2011).
121
372
Mapa 3- Araçatuba-SP. Área Urbana
No ano de 1921, Araçatuba foi desmembrada da cidade de Penápolis com a
promulgação da lei 1812 de 08/12/1921.
Seu primeiro processo de expansão, assim como o que ocorreu em Marília/SP,
esteve diretamente ligado à ferrovia. Isso se deve principalmente ao fato de que o
povoado junto à linha férrea garantia a segurança do patrimônio edificado da ferrovia ao
mesmo tempo em que ao ser equipado com serviços, como armazéns, possibilitava a
valorização das áreas próximas (PEDON, 2005). Esse processo de expansão fora
controlado majoritariamente pelos interesses especulativos dos grandes proprietários de
terras, que viam ali a possibilidade de aumentar sua renda. Portanto, assim como
Marília, o processo de expansão urbana observado em Araçatuba seguiu a lógica
capitalista da produção e apropriação do espaço urbano em que o mercado condiciona a
comercialização e ocupação das terras urbanas.
373
No ano de 1912 foi fundada pelo coronel Manuel Bento da Cruz (prefeito de
Bauru na década de 1910) a The San Paulo Land, Lumber & Colonization Company
com o objetivo de parcelar e comercializar terras na zona noroeste do estado de forma
empresarial (o que antes se dava de forma improvisada).
No ano de 1944, Elísio Gomes de Carvalho funda a Construtora Paulista, que
atua na compra e no loteamento de glebas. A atuação da empresa foi responsável por
aproximadamente 40% do crescimento urbano da cidade. Ao todo, foram mais de 12
milhões de m2, 15 loteamentos e 5.400 terrenos comercializados pela empresa (PEDON,
2005). A construtora em questão concentrava quase que a totalidade das etapas da
produção imobiliária: a propriedade do solo, a comercialização e produção de
infraestrutura.
Na década de 1950, pôde ser observado maior dinamismo dos agentes de
produção do espaço urbano na cidade, em que empresários dos setores agrícola,
industrial e comercial organizam-se para dominar distintas etapas da realização dos
empreendimentos imobiliários, com o intuito principal de obter lucros.
Na década de 1960, após obras de infraestrutura promovidas pelo poder público
municipal, Araçatuba teve o córrego Machado de Melo canalizado. Nesse momento a
cidade começou a se expandir para além da colina central, formando novos bairros
(PEDON, 2005).
A partir da década de 1970, observamos a intensificação do crescimento de sua
malha urbana. Isso foi motivado, sobretudo, pela implantação de conjuntos
habitacionais, que serviram como indutores da ocupação urbana. É importante salientar
que esse crescimento urbano, por vezes em descontínuo, esteve apoiado em estratégias
de diferenciação do espaço para a captura de rendas fundiárias, em processo semelhante
ao observado em muitas cidades brasileiras.
A expansão da malha urbana pode ser entendida também a partir de algumas
alterações na economia regional, promovidas pela implantação de destilarias de álcool,
motivadas, principalmente, pelo programa Pro-Álcool.
Ao passo em que as dinâmicas econômicas possibilitavam um aumento na
acumulação de capital, do ponto de vista da Produção do Espaço Urbano observamos a
acentuação das desigualdades. Podemos observar a distribuição populacional, segundo a
situação de inclusão/exclusão social no Mapa 4.
374
Mapa 4- Exclusão/Inclusão Social em Araçatuba122
Ao observarmos o Mapa, podemos perceber alguns setores classificados como
de exclusão social média e alta, sobretudo nas áreas periféricas da cidade, especialmente
na porção oeste e sudeste do território. Ao analisarmos a localização dos conjuntos
habitacionais e loteamentos populares construídos entre as décadas de 1970 e 1990 a
partir de programas e instituições estatais tais como mencionados para Marília
(COHABs, INCOOP-SP e CECAP-CDHU), percebemos que a inserção desses
empreendimentos segundo a faixa de renda reforça o processo de segregação
socioespacial em curso. A maior parte dos loteamentos habitacionais populares
encontram-se nas áreas sudeste, centro-leste, e sudoeste da malha urbana, áreas
caracterizadas pela alta exclusão social. Do mesmo modo que a área na qual estão
inseridos os condomínios fechados voltados ao alto padrão se localizam em um ponto
marcado pela inclusão social.
Ao remontarmos a gênese das cidades que propomos analisar, percebemos que a
propriedade da terra, seu uso e os equipamentos nela inseridos passam a influenciar
122
Aplica-se a esse mapa as mesma informações contidas na nota 4.
375
diretamente no acesso ás melhores porções do território, visto que essa disposição é
condicionada á lógica do mercado.
O alto custo dos terrenos mais bem localizados encarece as obras, o que faz com
que os loteamentos destinados à população de renda mais baixa sejam alocados nas
áreas periféricas, com carência de infraestrutura e, portanto, menos valorizadas. Ao
submetermos as políticas habitacionais nesse tipo de lógica tendemos a (re) produzir
cidades cada vez mais desiguais.
2. O Programa Minha Casa Minha Vida em Marília e Araçatuba.
É nesse cenário que, no início dos anos 2010 o programa habitacional Minha
Casa Minha Vida (PMCMV) é inserido nas cidades de Marília e Araçatuba.
O programa, lançado em abril de 2009, tem como propósito principal oferecer
subsídio à produção, aquisição ou requalificação de imóveis urbanos àquelas famílias
que não possuem imóvel próprio.
O volume de subsídios que o pacote ofereceu na sua primeira
edição, 34 bilhões de reais, era de fato inédito na história do
país: nem mesmo o BNH dirigiu tantos recursos à baixa renda
numa única operação. O objetivo declarado do governo era
dirigir o setor imobiliário para atender à demanda habitacional
de baixa renda, que o mercado imobiliário, restrito ao topo da
pirâmide de rendimentos, não alcançava por conta própria. Essa
ampliação poderia incorporar as chamadas classes C e D, já
descobertas por outros ramos da economia nos últimos anos, dos
alimentos aos eletrodomésticos e automóveis. (FIX, 2011,
p.140)
Destinada a atender a uma população com renda de até R$ 5.000,00, a oferta de
subsídio e crédito se divide em três faixas sendo elas:

Faixa 1: Família com renda mensal bruta de até R$1.600,00.

Faixa 2: Famílias com renda mensal bruta de até R$ 3.275,00.

Faixa 3: Famílias com renda mensal bruta de até R$ 5.000,00.
A principal novidade trazida pelo PMCMV foi possibilitar a uma parcela
significativa da população de baixa renda ser inserida no mercado de habitação e
consumir
os
serviços/produtos
oferecidos
376
pelo
mercado
imobiliário
(antes,
majoritariamente concentrado em atender as classes sociais de renda mais alta). Ao
mesmo tempo, confere a parte significativa dos usuários, especialmente aqueles da
Faixa 1 um ganho de renda importante, tendo em vista que muitos trocam o valor pago
em aluguel por prestações de baixo valor (segundo a portaria 237 de 27 de Agosto de
2012, o valor, pago nas prestações para essa faixa de renda não podem ultrapassar 5%
da renda familiar).
De acordo com os critérios do programa, as famílias que se enquadrarem na
chamada Faixa 1 recebem também um alto subsídio para a aquisição do imóvel (entre
60% e 90% do valor total) e o risco de despejo em caso de inadimplência é zero 123. Os
subsídios oferecidos diminuem na medida em que as Faixas de financiamento e renda se
alterem.
Segundo Valença (2003, p.170), “sem a mediação ou intervenção do Estado, a
maioria dos indivíduos não pode se tornar ‘consumidora’ de habitação, processo que se
dá através do mercado de compra e venda de imóveis residenciais e de aluguéis”.
Em sua primeira fase, entre os anos de 2010 e 2012, a meta estipulada pelo
governo fora a construção de um milhão de novas moradias, espalhadas por todo o país.
Ao término da primeira fase do PMCMV e devido aos impactos sociais e
econômicos124 foi lançada a segunda etapa do PMCMV, cuja meta de construção foi
estabelecida em mais dois milhões de novas moradias até o final de 2014125.
Em Marília, o programa passou a financiar novos empreendimentos já no ano
de 2010, somando até 2013, 4677126 unidades habitacionais (concluídas ou em fase de
conclusão). Desse total, aproximadamente 23% pertencem à Faixa 1 e somando as
Faixas 1 e 2 esse número chega a 97% do total.
Os empreendimentos concluídos ou em fase de conclusão podem ser observados
na Tabela 1 e Mapa 5.
123
Para mais informações consultar: Arantes, P.F & Fix, M. (2009)
O PMCMV funcionou como uma importante ferramenata para aquecer a economia do país,
principalmente a indústria e os serviços ligados a produção imobiliária, amenizando os impactos
imediatos da crise econômica mundial, iniciada no ano de 2008. Para mais informações consultar: Fix,
Mariana de Azevedo Barreto, 1970- Financeirização e transformações recentes no circuito imobiliário no
Brasil (2011).
125
Objetivo parcialmente concluído até o fechamento do presente texto.
126
Segundo dados disponibilizados pela Caixa Econômica Federal.
124
377
TABELA 1- EMPREENDIMENTOS DO PMCMV EM MARÍLIA SEGUNDO A
FAIXA DE RENDA.
FAIXA 1
EMPREENDIENTO
UNIDADES
PORCENTAGEM
Res. Jardim Trieste Calvichioli
358
7,6%
Conj. Res. Altos da Nova Marília
246
5,2%
Conj. Res. Prof. Maria Moretti 496
10,6%
Ferreira
TOTAL
1098
23,5%
FAIXA 2
EMPREENDIMENTO
Condomínio Praça das Oliveiras
Bairro Campina verde
Bairro Campina Verde
Condomínio Moradas Marília
Cond. Praça das Figueiras
Cond. Praça das Sapucaias
Cond. Praça dos Eucaliptos
Cond. Praça dos Girassois
Cond. Praça dos Ipes
Cond. Praça dos Jacarandas
Cond. Praça dos Jatobás
Cond. Res. Moradas do Bosque
Cond. Res. Reserva do Palmital I
Cond. Res. Reserva do Palmital II
Cond. Terra Nova Marília Mód I
Fazenda Santa Madalena I
Fazenda Santa Madalena II
Fazenda Santa Madalena III
Loteamento
Fazenda
Santa
Madalena
Loteamento Jardim Verona
Parque Mirabilis
Parque Nova Almeida
Res. Jardim Damasco III
Res. Parque Meridien
Res. Primeiro de Maio II
TOTAL
FAIXA 3
EMPREENDIMENTO
Residencial Primeiro de Maio I
Cond. Res. Dos Girassois
Cond. Res. Terra Nova Marília I
mod II
UNIDADES
68
101
108
586
88
64
56
104
68
76
76
288
194
194
184
290
31
72
20
PORCENTAGEM
1,4%
2,1%
2,3%
12,5%
1,9%
1,4%
1,2%
2,2%
1,4%
1,6%
1,6%
6,1%
4,1%
4,1%
3,9%
6,2%
0,7%
1,5%
0,4%
130
288
74
83
160
35
3438
2,8%
6,1%
1,6%
1,8%
3,4%
0,75%
73,5%
UNIDADES
45
36
60
PORCENTAGEM
1,0%
0,7%
1,3%
378
141
3%
TOTAL
Fonte: Ministerio das cidades e Caixa econômic Federal.
Org.:Sidney Querino Junior
MAPA 5- EMPREENDIMENTOS DO PMCMV EM MARÍLIA SEGUNDO A FAIXA DE RENDA
Ao analisarmos a espacialização dos empreendimentos subsidiados pelo
PMCMV, percebemos que aqueles destinados a Faixa 1 se encontram situados no eixo
norte-sul, o mesmo que fora anteriormente caracterizado como de exclusão social.
Além disso, esses empreendimentos apresentam significativa distância em relação à
área central e as áreas em que há maior oferta de serviços como aqueles ligados à saúde
(hospitais e clínicas), educação (ensino superior e técnico principalmente), agências
379
bancárias, principais lojas de rede e shopping centers e membros da Associação
Comercial e Industrial de Marília127.
Por outro lado, observamos que o empreendimento financiado pelo programa e
destinado à população de renda mais alta, Faixa 3, se instala na área leste reforçando o
padrão ocupacional anterior. Nesse sentido, o programa parece contribuir para o
aprofundamento das desigualdades socioespaciais, uma vez que reforça e intensifica o
cenário de segregação observado previamente, de modo a atender a demanda do
mercado em detrimento das necessidades da população. O fato da maior parte da
produção habitacional não estar concentrada na faixa 1 (aquela que concentra a maior
parte do déficit habitacional brasileiro) é outro importante indicador dessa tendência. Se
somarmos todos os empreendimentos concluídos ou em fase de conclusão, teremos
mais de 75% da produção habitacional sendo construída “fora” do déficit habitacional,
portanto, atendendo ao mercado.
O conjunto Residencial Prof. Maria Moretti Ferreira, localizado no extremo
norte da cidade; o Conjunto Residencial Altos da Nova Marília, localizado no extremo
sul da cidade e o empreendimento Residencial Jardim Trieste Cavichiolli, localizado no
noroeste da cidade, todos classificados como Faixa de renda 1, juntos correspondem a
aproximadamente 23 % de toda a produção do PMCMV na cidade e estão localizados
em áreas de média e alta exclusão social, segundo a classificação feita em 2010. O
Condomínio Moradas Marília, localizado também no extremo norte da cidade, no limite
da malha urbana, e os quatro empreendimentos fazenda Santa Madalena, todos
classificados como Faixa 2, correspondem sozinhos a aproximadamente 20% de toda a
produção do PMCMV. O primeiro se encontra em uma área que ainda não foi
classificada em 2010, portanto em uma nova área de expansão urbana e os outros em
áreas classificadas como de média e baixa exclusão social, contudo, em áreas de
inserção urbana precária.
Em Araçatuba, o programa também passa a financiar novos empreendimentos no
ano de 2010, somando até 2013, 7522128 unidades habitacionais (concluídas ou em fase
de conclusão). Desse total, aproximadamente 43% pertencem a Faixa 1 e, somandas, as
Faixas 1 e 2, alcança aproximadamente 93% do total.
127
Para mais informações consultar Melazzo (2012). Em um dos itens dessa obra o autor faz
um levantamento de todas as áreas contempladas pelos serviços citados.
128
Segundo dados disponibilizados pela Caixa Econômica Federal.
380
Os empreendimentos concluídos ou em fase de conclusão podem ser observados
na Tabela 2 e no Mapa 6.
TABELA 2- EMPREENDIMENTOS
SEGUNDO A FAIXA DE RENDA.
FAIXA 1
NOME DO EMPREENDIMENTO
RES. Atlântico Etapa 1
RES. Atlântico Etapa 2
RES. Águas Claras Etapa 1
Res. Águas Claras Etapa 2
Conjunto Habitacional Beatriz
Loteamento Porto Real 1
Loteamento Porto Real 2
TOTAL
DO
PMCMV
UNIDADES
481
479
499
701
472
481
143
3256
FAIXA 2
NOME DO EMPREENDIMENTOS
UNIDADES
Residencial Portal dos Nobres
16
Residencial Portal dos Nobres 2
32
Condomínio Residencial Portal dos 32
Nobres 3
Condominio residencial Maria Rossini
192
Condomínio Residencial Paris
32
Condomínio Residencial Lisboa
32
Condomínio Residencial Madrid
16
Residencial Danielle
24
Terra Nova Araçatuba mod 1
202
Terra Nova Araçatuba mod 2
78
Residencial Antares
80
Parque Atlantic
216
Residencial Viena
64
Residencial Aline
64
Moradas Araçatuba mod 1
426
Residencial Parque Alecrim
184
Residencial Munich
192
Residencial Parque Angelus
120
Alta vista cond. Club Mod 2
221
Residencial Parque Arizona mód. 1
192
Residencial Parque Arizona mód 2
209
Residencial Parque Almare
328
Alta vista cond. Club mod.3
224
381
EM
ARAÇATUBA
PORCENTAGEM
6,4%
6,3%
6,6%
9,3%
6,3%
6,4%
1,9%
43,2%
PORCENTAGEM
0,2%
0,4%
0,4%
2,5%
0,4%
0,4%
0,2%
0,3%
2,7%
1,0%
1,0%
2,9%
0,8%
0,8%
5,6%
2,4%
2,5%
1,6%
2,9%
2,5%
2,8%
4,3%
3,0%
Alta vista cond. Club mod. 4
Residencial Mercedes
Residencial Jardim Atlantico mod. 4
Residencial Alvorada mód. 3
Residencial Tokio
Residencial Bremen
TOTAL
192
32
54
64
128
96
3742
2,5%
0,4%
0,7%
0,8%
1,7%
1,2%
49,7%
FAIXA 3
NOME DO EMPREENDIMENTO
UNIDADES PROCENTAGEM
Residencial Parque Adorate 1
332
4,4%
Residencial Parque Adorate 2
192
2,5%
TOTAL
524
6,9%
Fonte: Ministério das cidades e Caixa Econômica Federal. Organização: Sidney
Querino Junior
MAPA 6- EMPREENDIMENTOS DO PMCMV EM ARAÇATUBA SEGUNDO A FAIXA DE
RENDA.
Ao verificarmos a localização dos empreendimentos que foram ou estão sendo
construídos na cidade pelo PMCMV, percebemos que aqueles destinados as Faixas 1 e
2, majoritariamente se encontram nas áreas mais periféricas das cidades, sendo aqueles
os da Faixa 1 os de pior localização. Por outro lado, aqueles ligados a Faixa 3 se
382
encontram em uma área já consolidada, com a presença de outros condomínios
residenciais fechados e de significativa valorização imobiliária129.
Ao compararmos os mapas de exclusão/inclusão social com a localização dos
empreendimentos, perceberemos que aqueles destinados a Faixa 1 estão presentes no
eixo oeste e noroeste da cidade, áreas caracterizadas como de exclusão social em 2010.
Quando observamos os empreendimentos com maior número de unidades
habitacionais de cada faixa de renda (Tabela 2), percebemos que a inserção urbana dos
empreendimentos destinados às famílias mais pobres, via de regra se dá em áreas que
podem ser caracterizadas como de exclusão social. Como exemplo, podemos observar
os empreendimentos: Residencial Águas Claras e Jardim Atlântico, ambos do Faixa 1 e
que estão localizados nas regiões oeste e noroeste da cidade respectivamente e que
correspondem a aproximadamente 29% da produção imobiliária do PMCMV na cidade.
Os empreendimentos do Faixa 2, Terra Nova Araçatuba e Moradas Araçatuba, ambos
localizados na área norte da cidade e Parque Atlantic, localizado na região centro oeste
da cidade, todos entre os com o maior número de unidades habitacionais produzidas,
também seguem o mesmo padrão, sendo localizados em áreas classificadas como de
média e alta exclusão social em 2010. Os empreendimentos citados, juntos, chegam a
quase 40% das unidades habitacionais produzidas, totalizando 3004 novas moradias.
É essa precária inserção urbana por parte da população de renda mais baixa que
tem levado o programa a receber muitas críticas, tendo em vista que é responsabilidade
do poder público, em especial da administração municipal, cuidar para que os interesses
e as necessidades da população como um todo sejam atendidas.
[...] desde a Constituição de 1988, que estabeleceu o conceito da
função social da propriedade e deu aos municípios a
prerrogativa e responsabilidade da política territorial, até a
aprovação, em 2001, do Estatuto da Cidade, que regulamentou
importantes instrumentos para que os poderes públicos
municipais enfrentassem o mau uso da terra urbana, a retenção
especulativa, a informalidade da posse, ou ainda facilitassem o
seu acesso pelas camadas de mais baixa renda [...]
(FERREIRA, 2012, p. 53)
129
Para Marília, a informação foi obtida junto a base de coletados e organizados pelo
CEMESPP, e que será publicada junto aos resultados da pesquisa realizada pelo projeto temático descrito
na nota 4 e em Araçatuba a partir da realização de trabalho de campo em 18/12/2014.
383
Contudo, mesmo com esses mecanismos legais, não podemos dizer que o quadro
da habitação de baixa renda no Brasil tenha sofrido grandes alterações. No caso de
Marília e Araçatuba, observamos que os novos empreendimentos imobiliários
destinados a essa faixa de renda ao invés de retratar uma possível mudança na maneira
de se produzir a cidade, acabaram por reforçar algumas tendências observadas
anteriormente através de um consumo dirigido, que é condicionado pela oferta do
crédito e a seletividade socioespacial.
Se levarmos em conta os inúmeros problemas que as cidades brasileiras
apresentam ligados à mobilidade urbana e acesso da população a diversos serviços
considerados básicos, temos a manutenção do cenário de desigualdade que, em algumas
situações, pode estar se agravando caso consideremos que alguns desses usuários
tenham saído de áreas melhor localizadas em busca da habitação própria.
Nesse sentido, os desafios enfrentados pelo programa e pelo poder público de
uma forma geral são grandes. O acesso à terra pode ser apontado como o principal
entrave para a execução de uma política habitacional mais eficaz (mas não o único), que
além de propiciar o acesso à moradia, também possibilite uma melhor inserção
socioespacial na cidade. Hoje, assim como observado na gênese das cidades aqui
estudadas, a propriedade da terra continua sendo o fio condutor do processo de
expansão urbana e um dos principais instrumentos para a acumulação de capital, que ao
colocar o valor de troca acima do valor de uso acaba por contribuir para que uma parte
da população urbana seja/continue segregada.
Outra característica que reforça a necessidade de ampliarmos os estudos
relacionados à produção imobiliária é o aumento significativo de imóveis populares
produzidos pelo PMCMV em um curto espaço de tempo, como podemos observar a
partir da seguinte comparação:
Se levarmos em consideração, a título de exemplo, a produção imobiliária sob a
responsabilidade do Estado e sua correspondência com o estoque de domicílios
existentes, entre os anos de 1970 e 1990, observaremos números expressivos
apresentados pelo MCMV. Para isso, observemos a tabela 3
TABELA 1- Número de unidades habitacionais produzidas pelo Estado e sua
comparação com o estoque de domicílios existentes, entre os anos de 1970 e 1990.
COHABs
INOCOOP-
CACAP/
384
Total
% do estoque % do crescimento
SP
CDHU
total em 1990
entre 1970-90
Marília
5.242
93
672
6.077
14,8%
26,9%
Araçatuba
2.188
420
715
3.323
7,7%
15,2%
Fonte: COHAB-Bauru, 2010; COHAB-CHRIS,2010; COHAB-Ribeirão Preto; CDHU,
2010, INCOOP-SP, 2010. Retirado de BOSCARIOL (2011).
Ao compararmos, quantitativamente, a produção habitacional realizada pelo
Estado nas duas cidades aqui estudadas durante as décadas de 1970 e 1990 e a produção
atual do MCMV (aqui trabalhadas entre os anos de 2010 e 2013), observamos a
relevância dos estudos ligados a temática. Em números absolutos, foram construídas
6.077 unidades habitacionais em Marília durante as décadas pretéritas, enquanto
atualmente estão sendo construídas 4.677, ou 76% do total anteriormente produzido.
Isso corresponde a aproximadamente 7% do total de domicílios particulares urbanos,
segundo dados disponibilizados pela fundação Seade.130 Se levarmos em consideração
que o MCMV esta em efetivo exercício há apenas 3 anos (levando em consideração os
dados aqui trabalhados), temos observado um significativo crescimento urbano em um
curto espaço de tempo.
No caso de Araçatuba os números são ainda mais expressivos: Foram
construídas pelo Estado entre 1970 e 1990 3.323 unidades habitacionais e no MCMV
estão sendo construídas 7522 ou 226% a mais. As unidades habitacionais construídas ou
em fase de conclusão correspondem a pouco mais de 12% do total de domicílios
particulares urbanos a partir do mesmo referencial utilizado para Marília.
Analisar, criticamente, a construção dessas “novas cidades” e mais precisamente
a produção do espaço urbano se mostra um importante desafio contemporâneo.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das reflexões apresentadas no presente trabalho, observamos que o
acesso à terra a partir da sua incorporação ao mundo da mercadoria foi elemento central
no processo de expansão urbana em Marília e Araçatuba, especialmente porque esse se
deu de maneira restrita a uma parcela da população, responsável por direcionar os
rumos da urbanização em ambos os municípios. Passadas algumas décadas percebemos
130
Dados referentes ao ano de 2010.
385
que ainda hoje, esse acesso continua a condicionar a uma parte dos habitantes à posição
de excluídos socioespacialmente. É nesse contexto que o PMCMV é inserido. Mesmo
possibilitando a uma parcela significativa da população o acesso à propriedade de
imóveis, a condição espacial em que isso se dá não acarreta necessariamente a inclusão
sugerida . Pelo contrário, ao observarmos a localização dos empreendimentos segundo a
faixa de renda, percebemos que estes reforçam ainda mais os padrões socioeconômicos
excludentes de distribuição da população pela malha urbana, que garantem a população
o acesso a casa, mas não necessariamente a cidade. As áreas já caracterizadas como de
exclusão têm recebido empreendimentos destinados à população de mais baixa renda e
aquelas caracterizadas como de inclusão, acabam por receber os empreendimentos
voltados ao público com maior poder aquisitivo. Ao observarmos esse cenário, somando
a essa realidade os novos produtos imobiliários, tais quais os loteamentos/condomínios
fechados, temos a produção de uma cidade cuja desigualdade e seletividade parece estar
se acentuando.
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387
PRECARIEDADE HABITACIONAL: O CASO DE VITÓRIA DA
CONQUISTA BAHIA - BRASIL
Uriana Fernandes Curcino Ribeiro
Resumo
O texto enfoca o processo de urbanização na cidade de Vitória da Conquista a
partir da produção de moradias não adequadas, de modo a evidenciar um lado
controverso da cidade no que diz respeito à habitação, os procedimentos metodológicos
utilizados iniciaram com a leitura das referências bibliográficas em habitação e
utilização dos conceitos do Ministério das Cidades do Brasil sobre assentamentos
precários.
Também procurou analisar essas áreas utilizando os dados do IBGE
(instituto brasileiro de geografia e estatísticas) e trabalhos anteriores de pesquisadores
como Almeida (2005) e Ferraz (2001). As cidades médias constituem elementos
importantes na urbanização brasileira, essas cidades tem ganhado importância tanto
economicamente quanto no cenário político, nas últimas décadas vem assumindo um
papel relevante na questão urbana no país, com um crescimento acelerado. Vitória da
Conquista sendo considerada uma cidade média tem experimentado esse crescimento
urbano, isso denota que conforme o capital avança com a produção de mercadorias e
serviços, os fluxos se multiplicam e se diversificam, essa rede de relações da cidade
surge através dos movimentos de homens, produtos, técnicas e ideias que se deslocam
formando um todo. Entretanto as benesses trazidas pelo crescimento não beneficia a
todos que moram na cidade, a partir disso se tem uma gama de problemas que vem
atrelado ao crescimento, como a falta de moradia para uma parcela da população.
Palavras chaves: Assentamentos precários. Habitação. Cidades medias.
Abstract
The text focuses on the process of urbanization in the city of Vitória da Conquista from
the production of non-adequate housing, in order to identify a controversial side of the
city with regard to housing, the methodological procedures used began with the reading
of the references in housing and use of the concepts of the Ministry of Cities of Brazil
on slums. We also sought to examine these areas using data from the IBGE (Brazilian
Institute of Geography and Statistics) and previous work of researchers such as Adams
(2005) and Ferraz (2001). Medium cities are important elements in Brazilian
urbanization, these cities has gained importance both economically and in the political
landscape in recent decades has had an important role in urban issue in the country, with
accelerated growth. Vitória da Conquista is considered a medium-sized city that has
experienced urban growth, This shows that as capital moves forward with the
production of goods and services, flows multiply and diversify, this network of relations
of the city emerges through the movements of men, products, techniques and ideas
moving forming a whole. However the blessings brought by the growth does not benefit
388
all who live in the city, as it has a range of problems that comes tied to growth, such as
lack of housing for a portion of the population.
Key words: Precarious Settlements. Housing. Medias cities.
Introdução
A terra no Brasil até meados do século XIX era dada pela coroa ou ocupada, porém,
mesmo não tendo ainda valor comercial já era utilizada pela classe dominante,
representava status. Durante os primeiros anos do Brasil colônia poucas ruas eram
calçadas, somente as das cidades principais, o saneamento básico não existia, os
escravos recolhiam as fezes e jogava nos rios ou mares. A partir de 1850 a Lei de Terras
é implantada e desse momento em diante o solo brasileiro passa a ser privado, ou seja, é
necessário pagar pela terra. A Lei de Terras tem uma forte ligação com o fim da
escravidão, ela serviu para a transferência de poder das elites, ou seja, antes do fim da
escravidão o poder e a riqueza eram medidos pelo número de escravos, com a lei a terra
passa a ser sinônimo de poder e riqueza, pois havia sido convertida em mercadoria.
A sociedade já se dividia em duas parcelas uma formada pelas elites que podiam
comprar terras e a outra formada pelos escravos já livres que não tinham como adquirir
a terra, ou seja, o objetivo maior da lei era negar o acesso à terra aos trabalhadores, exescravos e imigrantes para que se tornassem força de trabalho.
Segundo Ermínia Maricato (1997) a lei de terras serve, pela primeira vez no
Brasil, para separar o que é solo privado e solo público, dessa forma, a partir dessa lei, é
possível a regulamentação do acesso à terra urbana, que vai garantir, ao longo do tempo,
também, o privilégio das classes dominantes.
No final do século XIX já se percebe um desenvolvimento, das cidades do Rio de
Janeiro e São Paulo que vai se consolidar no século XX, e todo esse desenvolvimento
vem atrelado com a ideia de que as cidades não deveriam expressar um atraso e sim o
modernismo das grandes cidades europeias, por esse motivo as elites buscavam afastar
os miseráveis de suas vistas, havendo assim uma grande segregação social, reportando a
mesma diferenciação social pelas elites dos latifúndios, se a urbanização na colônia já
havia lançado uma grande segregação, a industrialização gerou um caos urbano.
A partir de então surge no cenário urbano o que se passou
a ser designado de periferia: aglomerados distantes dos centros,
clandestinos ou não, carentes de infraestrutura, onde passa a
389
residir crescente quantidade de mão de obra necessária para
fazer girar a maquinaria econômica. (Kowarick, 1993, p. 35)
A partir disso é que se tem o surgimento dos primeiros cortiços, ocupações em
morros e moradias precárias, a cidade já possuía uma grande diferenciação sócio –
espacial, segundo Maricato (1997), a cidade do Rio de Janeiro, em 1888, ano da
abolição tinha mais de 45 mil pessoas morando nos cortiços, sendo a maioria escravos
libertos, a insalubridade, as doenças, vindo da falta de infra-estrutura, a violência e a
alta densidade urbana, já mostravam o que viria a ser a cidade brasileira do século XX e
XXI, Maricato afirma.
O processo de urbanização brasileiro deu-se, praticamente,
no século XX. No entanto, ao contrário da expectativa de
muitos, o universo urbano não superou algumas características
dos períodos colonial e imperial, marcados pela concentração de
terra, renda e poder, pelo exercício do coronelismo ou política
do favor e pela aplicação arbitrária da lei. (MARICATO,2003,
p. 151)
Aglomerados subnormais que segundo o IBGE é um conjunto constituído de no mínimo
51 unidades habitacionais carentes em sua maioria de serviços públicos, o mais
degradante é a perpetuação dessa carência sem qualquer ação que modifique essa
precariedade,
onde
normalmente
são
distinguidos
como
parte
normal
do
desenvolvimento da cidade, e mesmo que essas moradias tenham propiciado um teto
aqueles que não tinham é uma moradia inadequada que gera outros enormes problemas
urbanísticos.
A concretização desses assentamentos ocorre em função do caos urbano, sendo uma
alternativa encontrada pela população para a questão da habitação, posto que o espaço
urbano seja um produto social e seus problemas estão interligados à dinâmica das
relações de produção e estrutura de poder na sociedade capitalista.
A habitação é um elemento essencial para a sobrevivência dos indivíduos, sendo local
de repouso e intimidade familiar, a partir disso a habitação se apresenta como uma
necessidade social, entretanto mesmo sendo uma necessidade do individuo e
reconhecida como direito constitucional, a moradia dentro dos parâmetros que a
definem como adequada permanece como algo escasso.
Os assentamentos precários no Brasil hoje não fazem parte apenas da realidade nas
metrópoles, as chamadas cidades médias mesmo com suas particularidades têm
390
enfrentado muitos problemas no que diz respeito às moradias precárias construídas
informalmente advindas de ocupações, são habitações construídas pelo próprio morador
ou por pessoas próximas, estas localidades em sua maioria não possuem infraestruturas
como rede de esgoto, pavimentação, o que ocasiona muitos córregos pelas vias de
acesso acompanhado de mau cheiro, pelo fato de escoar a água de serviços domésticos,
outra questão bastante comum é a falta de aparatos sociais como igrejas e associações,
na grande maioria destes espaços não se tem escolas, creches, praças e postos de saúde,
o transporte é precário e a iluminação deficiente, a partir disso surgem outros problemas
como a falta de escolarização, pois a grande maioria precisa trabalhar e não consegue
conciliar trabalho e estudo.
A atual cidade capitalista vive um processo dinâmico, se materializa de diversas formas,
alterando seu desenho e seu conteúdo social. Tem-se o estado como agente regulador
que ao interferir na produção do espaço com seus instrumentos urbanísticos aprofunda
ainda mais a segregação espacial existente, por atingir de forma diferenciada as
camadas da sociedade, ou seja, não dá conta de forma satisfatória a determinadas
necessidades básicas da população, como, por exemplo, moradia digna a todos,
gerando o surgimento de favelas, cortiços e assentamentos precários.
[...] uma sociedade não pode existir sem crise de habitação
quando a grande massa dos trabalhadores dispõe exclusivamente
apenas do seu salário, quer dizer, da soma de meios
indispensáveis à sua reprodução; quando novos melhoramentos
mecânicos tiram incessantemente trabalho a grandes massas de
operários; quando crises industriais violentas e cíclicas
determinam, por um lado, a existência de um importante
contingente de reserva de desempregados e, por outro, lançam
momentaneamente para a rua a grande massa dos trabalhadores;
quando estes são amontoados nas grandes cidades e isto a um
ritmo mais rápido que o da construção de habitações nas
circunstâncias actuais e quando aparecem sempre inquilinos,
mesmo para os pardieiros mais ignóbeis; quando, enfim, o
proprietário de uma casa, na sua qualidade de capitalista, tem
não só o direito, mas também, em certa medida, graças à
concorrência, o dever de retirar da sua casa, sem escrúpulos, as
rendas mais elevadas possível. Numa tal sociedade, a crise da
habitação não é um acaso, é uma instituição necessária; ela só
pode ser eliminada, tal como as suas repercussões para a saúde,
etc, se toda a ordem social de que ela decorre for completamente
transformada. (ENGELS, 1887, p. 48-49)
391
As formas de consumo do espaço interferem diretamente nas transformações que afetam
as cidades, novas formas de produção espacial são inseridas no processo de construção,
levando-nos a pensar como as relações do homem com o meio definem as formas de
como a população vive e se apropria do espaço nas cidades. As dinâmicas da
urbanização refletem à valorização fundiária que propicia à exclusão dos indivíduos, e
principalmente ao direito de morar, o acesso à urbanização só era e é possível aos que
possuíam poder de compra, as relações que se estabelecem no espaço giram em torno
do privilégio para a classe dominante desencadeando a exclusão da população
mais pobre, tem-se a moradia como um item inalcançável pela população
miserável.
Em 1940 a população urbana no Brasil era de apenas 26,34% do total, em 1980 ela já
era de 68,86% o que se percebe é um grande crescimento urbano e com isso as
desigualdades espaciais aumentam, e em 2000 era 81,20%, segundo Maricato até
mesmo os trabalhadores não conseguem obter uma moradia digna, devido os baixos
salários e na maioria das vezes o não atendimento pelas politicas desenvolvidas pelo
estado para a habitação.
Até o trabalhador da indústria fordista (automobilística) é levado
freqüentemente a morar em favelas, já que nem os salários
pagos pela indústria e nem as políticas públicas de habitação são
suficientes para atender as necessidades de moradia regulares,
legais (MARICATO, 1996a, 43).
A explosão urbana na década de 60 devido a mão de obra disponível no campo era
condição econômica para a manutenção do baixo valor de mão obra, desenhado um
crescimento concentrador de renda, em 1963 o seminário nacional de habitação e
reforma urbana tenta levantar algumas questões sobre o crescimento das cidades e a
falta de moradia, mas é sufocado pela ditadura que desmonta as mobilizações em torno
das questões sociais, principalmente a respeito de moradias, resultando em políticas de
habitação centralizadoras e tecnocrático devido a necessidade de em meio ao golpe
militar haver uma coesão espacial
Em 1979 houve a aprovação da lei 6766 regulando o parcelamento do solo e
criminalizando o loteador irregular, em 1988 a Constituição dos artigos 182 e 183, que
fundavam instrumentos para o controle da produção do espaço urbano e adentravam o
princípio da chamada “função social da propriedade urbana”, porém esses artigos só
392
foram regulamentados 11 anos depois, culminando na a aprovação da Lei 10.257 que é
o Estatuto da Cidade, em julho de 2001.
No ano de 2003 tem - se mais avanços na questão habitacional no país com a
criação do Ministério das Cidades, órgão de instância federal, responsável pela
elaboração da Política Nacional de Habitação (PNH), que em 2005 instituiu o Sistema
Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), e criou o Fundo Nacional de
Habitação de Interesse Social (FNHIS), esses instrumentos enfrentam um grande
problema, com os prazos, em alguns casos não cumpridos por estados e municípios,
dificultando ainda mais sua execução.
Certamente a falta de habitação experimentada pelas cidades vem acompanhada do
surgimento dos assentamentos precários, que em sua maioria são oriundos das
ocupações, esses locais em sua maioria não possuem estrutura para se habitar,
são carentes dos equipamentos sociais, como se pode verificar na figura 1.
Figura 1 – Assentamento José Machado Costa. Vitória da Conquista – BA, 2013.
Fotografia do autor
1- A perpetuação dos assentamentos
393
O município de Vitória da Conquista tem experimentado um processo de crescimento
que traz a tona questões referente à falta de moradia para a classe trabalhadora,
que em sua maioria não tem condições salariais para aquisição da habitação.
Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na
década de 60 o município tinha 48.712 habitantes na zona urbana, em 1980 já era
127.652 e em 2000 a população era de 262.585 habitantes, em 2010 a população foi de
306.374 habitantes sendo que 274.805, na área urbana e 31.569 na área rural, o que se
percebe são um aumento muito maior da população urbana nas últimas décadas e a falta
da execução de políticas que viabilizem a construção do urbano para todos.
Toda a reflexão acerca da urbanização precária tem reflexos na falta de qualidade de
vida urbana em suas condições sociais e materiais, precisa-se de coerência nos projetos
urbanos e ampliação da justiça social na cidade para se evitar novas e mais amplas
desigualdades espaciais. O município de Vitória da Conquista Ba estar localizado na
Bahia, como pode ser visto no mapa, figura 2, sendo uma cidade media em pleno
desenvolvimento atraído a população de cidades vizinhas e zona rural do próprio
município.
LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA/BA
22°10' S
23°44' S
LOCALIZAÇÃO DA BAHIA
NO BRASIL
25°17' S
26°50' S
28°23' S
Vitória da
Conquista
29°57' S
28°00' W
29°18' W
30°48' W
32°18' W
33°48' W
35°18' W
Fonte: IBGE/ CEI
Base cartográfica: CEI (1994)
Elaboração: PASSOS, Ana Claudia Oliveira
Ano de Elaboração: 2013
Apoio:
36°48' W
31°30' S
Escala em Km
0
100
200
300
Figura 02 – Malha Urbana de Vitória da Conquista- BA, 2013. Fonte: PASSOS, Ana
Oliveira. 2013
394
A questão habitacional no município se materializa a partir da década de 80 em função
do crescimento acentuado e dos insucessos das medidas habitacionais do governo
federal, como exemplo o BNH, que em 1986 foi extinto em função de vários
problemas, desde a inadimplência e até mesmo a inviabilidade devido o custo de
produção, dessa forma a falta de moradia só aumentou, ficando clara a ineficiência do
estado em prover moradias, no município de Vitória da Conquista, toda essa crise
é refletida através das ocupações.
Em Vitória da Conquista, também se manifestará o problema
da moradia. Mesmo com as ações do BNH que criou conjuntos
habitacionais como o BNH, os INOCOOP´s e as URBIS e,
mesmo antes da liquidação da URBIS em 1998, observa-se
desde meados da década de 1980, ocupações no espaço
urbano e as insatisfações com o Sistema Financeiro de
Habitação.( Almeida, 2005, p. 65 )
Entretanto a maior parte instrumentos urbanísticos têm servido apenas como
maquiagem para a segregação espacial existente, onde o problema reside na insuficiente
de renda da população em acessar uma solução habitacional além da divida enorme que
o país possui na questão da habitação por ter postergado durante muito tempo ações
para a resolução da dinâmica habitacional, deixando livre a especulação imobiliária,
dificultando a terra para habitação de interesse social que faz com que a população que
não tem poder de compra seja empurrada para os locais de grande precariedade como
afirma Kowarick.
Com a explosão do preço dos terrenos, a tendência é
acentuar a expulsão da população para as periferias, onde,
distante dos locais de trabalho, se avolumam barracos e casas
precárias. ( Kowarick, 1993,p 42.)
Segundo Almeida (2005) na cidade de Vitória da Conquista na década de 80 já começa
a haver ocupações, tem-se a união dessa população excluída que começa a reivindicar o
acesso à terra urbana e consequentemente a cidade.
Até mesmo os programas que se destinam á assim chamada
demanda de “interesse social”, não só quantitativamente pouco
expressivos, como também, frequentemente, as camadas que
deveriam ser beneficiadas não tem condições de amortizar as
prestações previstas pelas fantasiosas soluções oficiais.
(Kowarick, 1993, p. 63)
395
O número de ocupações que surgem na cidade entre a década de 80 e 90
pressiona o município a buscar maneiras de coibir, o olhar do município se volta
para esses terrenos.
Segundo Almeida (2005) os assentamentos oriundos do programa PMHP são
Henriqueta Prates - 1988, Recanto das Águas - 1998, Cidade Modelo - 1995, Nova
Cidade - 3 etapas - 1991, Nova CAP - 1991, Vila América - 1999 e Alto do Bruno
Bacelar – 1992.Já os assentamentos advindos de antigas ocupações são Alto da
Conquista –1991, Renato Magalhães - 1992, Parque da Colina - 1996, Ubaldino
Gusmão -1996, Conjunto da Vitória - 1991 e Santa Helena – 1989/93 e de
ocupações Alto da Boa Vista - 1988, Alto da Conquista – 1997, Pedrinha - Nova
Esperança - 2001, Nossa Senhora de Lourdes - 1999, Santa Cruz - 1988, Encosta
do Conveima I - 1991, Encosta do Conveima II – Copacabana II - 1994, Santa
Terezinha - 1984, Rua Paulo Rocha - 1992, Rua José Machado Costa - 1992, CGC –
canteiro central - 1999, Kadija– ao lado do cemitério - 1989, Ipanema -1980, Lagoa
do Jurema -1995, Rua Anelita Nunes - Tanque Seco -1996 e Vila União – 1987.
Não houve muitos avanços para a população sem moradia, a população apenas obteve
o direito a habitar o local, o programa municipal foi uma das formas utilizadas
pelo município para pressionar a diminuição das mobilizações dos sem teto na cidade, o
grito dos miseráveis pela sobrevivência avançava, era preciso calar os movimentos.
Segundo Almeida (2005) o município se limitou à disponibilização de alguns lotes e o
reconhecimento, com a cessão do direito especial de uso, para os lotes ocupados
pelos sem-teto, mesmo assim o número de pessoas sem moradia era maior do
que o número de lotes disponibilizados, ocasionando ainda mais ocupações.
Em 2000 o município conseguiu recursos do banco mundial, foram construídas algumas
casas no assentamento Vila América para a população de baixa renda, segundo o
PLHIS (2013), existe na cidade cerca de 10.000 lotes irregulares, levando em
consideração as críticas levantadas em torno desse número, a situação fica pior
quanto ao numero de moradias irregulares, ou seja, pessoas que não possuem a
posse definitiva da terra.
O crescimento das ocupações nas décadas de 80 e 90 foi acompanhando pela falta de
soluções e, até mesmo, de iniciativas em resolver a questão da habitação e hoje,
mesmo com todos os instrumentos urbanísticos, e atitudes político administrativo
como a criação do ministério das cidades, a cidade sofre com a falta de moradias e a
396
perpetuação da precariedade
nas ocupações, algumas
áreas
da
cidade
são
privilegiadas com infraestrutura e outras não, causando enormes diferenciações no
espaço, segundo Almeida.
Vê-se, então, que a atuação heterogênea do Estado no espaço
urbano conquistense produziu e produz uma “valorização”
diferenciada deste espaço em que áreas serão contempladas por
equipamentos coletivos e outras não, como confirmaremos no
capítulo seguinte. Assim, a cidade se reproduz de forma
heterogênea e segregada, fruto das ações desiguais no
processo de produção social do espaço urbano, mediadas pela
divisão social e territorial do trabalho que constroem áreas
considerada mais “valorizadas” e menos “valorizadas”.
(Almeida, 2005, p 76)
Os assentamentos em sua maioria receberam ao longo dos anos algum tipo de
urbanização como em algumas ruas o asfalto, o inicio do esgotamento e a criação de
escolas e postos de saúde, mas em sua totalidade existe muita precariedade, as
melhorias são pontuais e em pequena escala, o que não consegue elevar o nível
dos assentamentos a lugares urbanizados, outro ponto fundamental é a falta de
representatividade de cada local junto ao município, a maioria dos moradores não
participam de associações.
Durante a pesquisa de campo foi constatado que em alguns assentamentos não existia
presidente, como foi visto nos assentamentos Renato Magalhães, Paulo Rocha e José
Machado Costa, isto dificulta a reivindicação de melhorias.
Certamente o problema da moradia parte do fato de trata- lá como mercadoria a ser
produzida e comercializada no modelo capitalista, dessa forma o estado exclui a maior
parte da população brasileira de usufrui- lá, o item moradia possui valor e quase
sempre valor inalcançável por um grande número da população, os custos em torno
da construção de habitação para o trabalhador não permite que ele possa adquirir uma
habitação adequada. As construções nos assentamentos são comercializadas abaixo do
preço de uma casa formal, ao serem questionados sobre a escritura das casas fica claro o
medo dos moradores em falar no assunto, o cenário é de total insegurança dos
moradores quanto à posse, o que os leva sempre a se esquivar quando perguntados. Isto
demonstra toda a fragilidade desses indivíduos, com todos os problemas de falta de
infraestrutura, e o medo permanente de terem suas casas tomadas.
A relação entre habitat e violência é dada pela segregação
territorial. Regiões inteiras são ocupadas ilegalmente.
Ilegalidade urbanística convive com a ilegalidade na resolução
397
de conflitos: não há lei, não há julgamentos formais, não há
Estado. A dificuldade de acesso aos serviços de infra-estrutura
urbana (transporte precário, saneamento deficiente, drenagem
inexistente, difícil acesso aos serviços de saúde, educação,
cultura e creches, maior exposição à ocorrência de enchentes e
desabamentos) somam-se menores oportunidades de emprego,
maior exposição à violência (marginal ou policial), difícil acesso
à justiça oficial, difícil acesso ao lazer, discriminação racial. A
exclusão é um todo: social, econômica, ambiental, jurídica e
cultural. (MARICATO, 2003, p. 2)
A produção do espaço é regida pelas contradições que produzem localidades de extrema
pobreza ao mesmo tempo em que outros locais urbanizados, disso percebe-se a
condição da cidade de reprodução, cidade obra, em constante construção, mas que
traz consigo a dualidade.
Existe uma nítida distribuição desigual dos equipamentos de serviços urbanos na cidade
que é percebido nas contradições dos espaços, o consumo desigual gera diferenciações,
que são produzidas pelos proprietários de terras, a indústria da construção e o
capital imobiliário, produzindo assim u m campo de luta de classe.
Disto decorre toda a problemática habitacional na cidade que nas últimas décadas
tem feito surgir os assentamentos, que é uma forma dessa população excluída
sobreviver, mesmo que seja em lugares inapropriados pela falta de infraestrutura,
são seres empurrados para a cidade informal
A vida desses cidadãos é de extrema carência, os trabalhos que os moradores em sua
maioria, exercem são em serviços gerais ligados ao setor informal e na construção civil,
muito das mulheres trabalham como empregadas domésticas em condomínios fechados
da classe média e alta, o nível de escolaridade é muito baixo, na pesquisa foi
constatado um percentual considerável de pessoas que tem apenas o ensino
fundamental básico como pode ser visto na tabela abaixo, o que deriva outros
problemas como os subempregos, portanto, isso nos remete a refletir sobre as dinâmicas
do espaço com suas disparidades, o individuo ao mesmo tempo em que produz esse
espaço do qual pertence é vitima de suas segregações.
TABELA 1 – Percentual do nível de escolaridade da população residente no
Assentamento Renato Magalhães – 2013
Analfa
Funda
Médio
398
Médio
Superi
Total
betos
mental
completo
20%
50%
incompleto
completo
10%
or
19%
1%
100%
Elaboração: Uriana Fernandes
Fonte: Aplicação de questionários em agosto de 2014.
ao analisar os dados do IBGE do censo de 2010 se percebe a grande dívida do
país na questão da habitação, segundo o censo são 11,42 milhões de pessoas vivendo
em favelas, assentamentos irregulares e outros, os dados de 1991 era de 4,48 milhões e
em 2000 6,53 milhões, fica claro o crescimento desses lugares sem infraestrutura, dos
57 milhões de domicílios brasileiros só 30 milhões são considerados adequados ou seja
52,5%.
Em uma pesquisa recente da ONU, mostra que na América Latina o déficit
habitacional subiu de 38 milhões de residências em 1990 para 51 milhões em 2011, em
relação às condições precárias os índices caíram de 33% para 24%, no Brasil, no
entanto o índice de precariedade é de 30%, , mesmo com a queda do índice de
precariedade na América latina, no Brasil não houve uma redução significativa. A
população brasileira sofre com a precariedade habitacional que afeta as camadas menos
favorecidas.
Esse item chamado moradia é um dos indicadores básicos para se medir as
condições de vida de um determinado povo, à medida que esse fenômeno de
desenvolvimento das cidades vai aumentando ocorre uma segregação urbana, gerando
uma fragmentação devido ao crescimento populacional e a valorização do solo.
Considerações finais
A precariedade habitacional no município tem como exemplo a proliferação e
permanência dos assentamentos precários na cidade, com a eclosão dos mesmos entre a
década de 80 e 90, o poder municipal começa a tomar algumas medidas como
399
implantação de leis e adesão aos programas federais de habitação no intuito de barrar as
invasões, que em sua maioria resultam nos assentamentos, entretanto não há muita
evolução na questão habitacional do município, O plano diretor urbano do município
que foi instituído em 22 de dezembro de 1976, doze anos antes da constituição de 1988,
não conseguiu exercer a função de regular o solo, a população pauperizada moradora
dos lugares precários não foi atendida.
A crise habitacional se tornou algo normal no cotidiano da cidade, o número de
habitações sem saneamento ainda é muito grande, e o transporte público exige dos
trabalhadores horas e horas de paciência, além da terra urbana não cumprir sua função
social, embora seja uma exigência constitucional, a irregularidade fundiária tornar-se
parte da cidade. Segundo Bonduki os miseráveis diante da situação de precariedade
habitacional que vivem, acaba perdendo a referência do significado de morar na cidade,
já não possuem uma referência do que é uma moradia digna.
Segundo o PLHIS (2013) entre 2010 a 2013 a cidade teve um crescimento de
21,81%, se destacando com um comércio forte, o aumento do número de escolas,
faculdades e clínicas, em contrapartida o número de miseráveis aumentou, cerca de
43,8% da população é de baixa renda, o aumento da população é atrelado ao aumento da
pobreza e essa pobreza é refletida de várias formas e uma delas é a precariedade
habitacional.
Ao longo dos anos esse crescimento populacional urbano esteve atrelado a uma
política de habitação voltada para pessoas de baixa renda ou sem nenhuma, entretanto
não contribuiu para diminuir a crise da habitação que sempre vem acompanhando o
crescimento da cidade, a partir daí se percebe no município é inúmeros projetos, na
maioria das vezes, homologados somente em função das verbas recebidas via
implantação desses projetos para a habitação
Os assentamentos precários é o reflexo de toda a problemática habitacional,
pensar sobre o processo que se dá a formação dos assentamentos, requer a análise do
processo histórico, bem como dos motivos que levaram à formação e a apropriação,
segregação e periferização, e todo
esse entendimento possibilita melhores
encaminhamentos das ferramentas as quais o município possui para a gestão
400
habitacional. A analise dos assentamentos materializa a negação do direito à cidade, ao
urbano e a tudo que abarca à população que o habitam.
Portanto, isso nos remete a refletir sobre as dinâmicas do espaço com suas
disparidades, o individuo ao mesmo tempo em que produz esse espaço do qual pertence
é vitima de suas segregações.
401
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Salvador: EDUFBA, 2000.
402
A produção da habitação social de mercado nas cidades médias de
Londrina/PR e Maringá/PR
Wagner Vinicius Amorim131
Resumo
O artigo aborda a produção habitacional nas cidades médias de Londrina e Maringá no
contexto atual do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Desenvolve uma
síntese histórica da produção habitacional nessas cidades, culminando na discussão e
problematização dos impactos territoriais desse programa, destacando seus principais
desafios, limitações e enfrentamentos para o caso particular das cidades médias e da
Habitação de Interesse Social.
Palavras-chave: Política habitacional. Produção imobiliária. Habitação de Interesse
Social. Cidades médias. Londrina/PR e Maringá/PR.
1. Os agentes e suas escalas de atuação: política habitacional, poder público local e
o PMCMV em Londrina e em Maringá
Neste trabalho abordaremos as relações existentes entre os agentes da produção do
espaço urbano, poder público local e produtores imobiliários, a partir da questão da
promoção da habitação e da política habitacional local nas cidades de Londrina e
Maringá (Mapa 1).
O atual momento do setor imobiliário no Brasil, fortemente resignificado a partir da
atuação do Estado, por meio do PMCMV, enseja um quadro de mudanças nas práticas
históricas dos produtores e promotores imobiliários, dos maiores aos menores, daqueles
cuja atuação é mais local àqueles mais presentes no território nacional. Estas mudanças
não suplantam determinadas rotinas, esquemas, ações ou estratégias locais evidenciadas
em espaços não metropolitanos, mas as rearticulam ao contexto geral, e reatualizam os
131
Este artigo compreende parte dos resultados obtidos com a pesquisa desenvolvida em nível
de doutorado em Geografia pela FCT/UNESP de Presidente Prudente/SP, sob orientação da Prof a. Dra.
Maria Encarnação Beltrão Sposito, e co-orientação do Prof. Dr. Everaldo Santos Melazzo. A pesquisa
contou com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Email: [email protected].
403
expedientes de reprodução local que, em alguns casos, mutuamente influenciam outros
expedientes pertinentes a outras escalas espaciais.
No contexto atual e na esfera local reproduz-se o clientelismo, a influência do
empresariado sobre as decisões públicas e a subserviência das normas urbanísticas aos
ritmos e sentidos da valorização imobiliária que, mesmo em face das importantes
mudanças carreadas pós Estatuto da Cidade, em 2001 – inclinadas ao cumprimento da
função social da cidade e da propriedade, à participação da sociedade civil nos
ambientes de tomadas de decisões correlatas a coletividade, dentre outras –, resultam
em pouca resistência aos interesses imobiliários, que permanecem quase intocados e
fortemente organizados nas cidades.
Mapa 1 - Situação geográfica das cidades médias de Londrina e Maringá.
Em Maringá, onde se construiu fortemente um discurso em torno da cultura do
planejamento técnico e dos parâmetros urbanísticos, constata-se sua constante
reordenação de acordo com as conveniências, ritmos e sentidos apontados pelo mercado
404
(BELOTO, 2004). Töws (2010, p. 224), em pesquisa concernente à verticalização em
Londrina e Maringá, confirma que há:
[...] uma relação intrínseca dos agentes do capital imobiliário
com o Estado. Existem muitos agentes que estão diretamente
vinculados ao poder público por meio de cargos políticos ou por
parentesco. Esse fator é decisivo na formulação e na reprodução
das leis que visam atender a interesses específicos nas cidades,
gerando a segregação e os problemas urbanos. Essa parcela é
responsável pela expansão da verticalização na Gleba Palhano
em Londrina [...]. Em Maringá a maior expressividade ocorreu
na localização dos condomínios fechados. Agentes políticos que
são ao mesmo tempo proprietários utilizam diversas estratégias
a fim de valorizar suas propriedades.
Semelhantemente, Schmidt (2002, p. 18), em pesquisa sobre a produção imobiliária à
luz das ações do poder público local em Maringá, afirma que o relacionamento da
incorporação imobiliária com a estrutura político-administrativa não se apresenta
sistematicamente sempre conflitante, pois se rege pelos contatos sociais e decisões sobre
o que e onde. Aqui, entra a questão da elite local, que garante certa vantagem aos
agentes privados, já que, em defronte às lutas na esfera pública, as disputas são
acirradas, especialmente no caso das disputas pelo acesso aos benefícios políticos locais
e às políticas de investimento etc., levando a relação entre determinados grupos à
deterioração, sendo comuns as disputas travadas nos âmbitos legislativo, técnico e em
outras instâncias interpessoais, a fim de atenuar e dirimir as tensões entre o mercado e o
poder público local, e conciliar forças consentâneas entre si na produção do espaço
urbano. Porém, esta “conciliação” de interesses é intermediada pela força dos agentes
que condicionam as disputas e a concorrência ao poder econômico, atenuando-a em
função destes arranjos economicamente estabelecidos e politicamente favorecidos.
A composição do poder público local por agentes que atuam também na produção
imobiliária, afirma Töws (2010, p. 201 e 202), possibilita a influência dos grupos locais,
associados e organizados, na definição das normas do planejamento urbano. Töws
(2010, p. 201-202) observa que a influência desses grupos mais se destacou na cidade
de Londrina, pressionando ocasionalmente o poder público local no tocante à legislação
e às normas urbanísticas, já que em Maringá, haja vista a articulação histórica dos
governos locais com os grupos econômicos locais, salvo poucas administrações, o
conflito de forças era menos aparente, pois elas sempre estiveram conciliadas e
contempladas na gestão da cidade para o mercado imobiliário, parecendo, assim, o
conflito, menos ‘agressivo’, seja pela competência do poder público local em não deixá405
los transparecer ou, o que é mais provável, pela conciliação de interesses favorecidos e
reforçados na produção do espaço urbano pelo agente público local em sua histórica
consonância com os interesses do mercado imobiliário local.
O objetivo aqui não é reescrever a “trajetória” da política habitacional a partir do
exemplo das duas cidades, porque outras pesquisas já se empenharam nesta tarefa.
Dentre elas, para o caso londrinense, vale mencionar as contribuições de Razente
(1984), Alves (1991), Martins (2007), Postali (2008), Beidack (2009), Oliveira (2012) e,
inclusive, em nossa dissertação de mestrado (AMORIM, 2011), dedicamos um capítulo
ao assunto; e, para o caso maringaense, as investigações de Silva (2002), Rodrigues
(2004) e Silva e Silva (2013), dentre outras, dedicaram-se ou contribuíram
indiretamente com a temática, cujos recortes analíticos corresponderam a períodos e
enfoques distintos da política habitacional e da moradia nas cidades brasileiras nos
últimos quarenta anos.
O que pretendemos é compreender o arranjo de forças locais constituído em função da
promoção pública da habitação, sobretudo no que concerne ao período atual, em que a
atuação do PMCMV influencia o rearranjo territorial do setor imobiliário no país.
Assim, indagamo-nos a respeito das influências desse programa junto às construtoras,
incorporadoras e imobiliárias das cidades por nós estudadas, e de como estão
articulados poder público local, agentes privados e política habitacional, e como
resignificam a produção imobiliária.
O primeiro período desta “trajetória” teve sua gênese na década de 1960, com a
estruturação da política habitacional brasileira, com a criação do atualmente extinto
Banco Nacional da Habitação (BNH) e do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que,
sintetizado na escala local, a partir da pesquisa de Razente (1984, p. 275), compreendeu
um processo de edificação de um novo padrão de reprodução do capital investido no
setor imobiliário a partir de novas bases de acumulação e de mudanças significativas
nas estruturas produtivas regionais, além de mudanças estruturais e institucionais
correlatas ao setor imobiliário.
Estas foram as características intrínsecas da década de 1970, comuns tanto à Londrina
como à Maringá, quando se imprimiu uma nova configuração econômica e
socioespacial às cidades. Marcadas pelo aprofundamento da intervenção estatal nas
questões fundamentais à reprodução da força de trabalho e às exigências do padrão de
acumulação capitalista, as décadas de 1970 e 1980 resultaram, segundo Razente (1984,
406
p. 277): 1) na produção do espaço pela promoção estatal da habitação, voltado à
reprodução da força de trabalho; 2) na produção do espaço urbano pela fração dos
promotores imobiliários nas áreas periféricas da cidade; 3) na organização do espaço
produtivo para a reprodução do capital industrial; e 4) na articulação de todas estas
instâncias, permeadas pela gestão do espaço urbano como um todo, através de sua
normatização/utilização/ocupação.
Desta maneira, o padrão de acumulação orientou a ação do poder público local a
promover mudanças estruturais na cidade, dentre elas, uma para o capital industrial
emergente na cidade. Estas mudanças resultaram em programas de realocação espacial
das zonas industriais, que deixaram as antigas áreas próximas ao centro, seja pelo fato
da reestruturação espacial que acometeu este setor, por políticas setoriais, ou pelo preço
da terra que, então, tornou desinteressante a presença de áreas industriais próximas das
residenciais, seja pela própria proximidade em relação ao centro comercial da cidade.
No entanto, sob os auspícios da política hegemônica e centralizadora do período, tal
projeto viu-se limitado, sobretudo na cidade de Londrina, quando a política habitacional
do período em questão centralizou e definiu os rumos da expansão da cidade.
Inversamente às prioridades locais de acumulação de capital, os mecanismos
operacionais do BNH relegaram ao segundo plano o projeto industrializante para
Londrina (RAZENTE, 1984, p. 299), enquanto em Maringá esses efeitos foram menos
ressentidos, haja vista a forma de inserção das industriais e agroindústrias na cidade e a
destinação de espaços apropriados e planejados para estas instalações. Contudo, a ação
governamental foi dirigida à organização do espaço urbano, gerando um
aprofundamento das questões urbanas, havendo investimentos públicos, financiados
pela força de trabalho, que, no entanto, valorizaram seletivamente as cidades e
engendraram as possibilidades de crescimento das empresas associadas à construção
civil e ao mercado imobiliário, atribuindo-lhes um forte papel na economia local.
Em Londrina, a efetiva implementação da política habitacional se deu por meio da
homologação da Companhia de Habitação de Londrina (COHAB-LD)132 junto ao BNH,
em 1965, embora sua real atuação teve início somente a partir de 1970. Neste intervalo
de seis anos, a Companhia de Habitação do Paraná (COHAPAR) atuou na construção
de moradias populares na cidade, juntamente aos Institutos de Orientação às
132
A COHAB-LD constitui-se numa sociedade composta por ações de economia mista, cujo
sócio majoritário é a Prefeitura Municipal de Londrina (PML), estando a ela vinculada como entidade de
administração indireta.
407
Cooperativas (INOCOOPs133), em suma, voltados à população de baixo poder
aquisitivo (BEIDACK, 2009, p. 51 e 52). Isto se deve ao fato de que, de acordo com
Martins (2007, p. 88), uma das exigências para homologação das COHABs junto ao
BNH, era a de, todas elas, no caso do estado do Paraná, estarem ligadas à atuação da
COHAPAR (AMORIM, 2011, p. 101).
Durante a década de 1970 foram implantados em Londrina 32 conjuntos habitacionais,
isto é, 34,7% do total implantado nas três últimas décadas do século XX, totalizando
11.600 unidades, o que correspondeu a 443.811,77 m2 de área edificada. A maior parte
destes conjuntos foi construída na Zona Norte da cidade, em razão do menor preço dos
terrenos, embora noutras zonas também houve número expressivo de unidades
habitacionais. Na década de 1980, foram implantados 40 conjuntos, representando
43,7% do total do período, compreendendo 11.326 unidades. Embora o número de
conjuntos habitacionais tenha sido maior que na década anterior, a área total construída
foi menor, correspondendo 417.210 m2. Na década de 1990, foram construídos apenas
20 conjuntos, 21,7% do total, com 4.122 unidades, somando uma área edificada de
173.809 m2 (FRESCA e OLIVEIRA, 2005, p. 107).
Com efeito, foi somente na década de 1970 que se efetivou a construção de conjuntos
habitacionais em Londrina, concentrando-se a entrega do maior número de unidades no
fim da década de 1970 e na primeira metade da de 1980 (Tabela 1). Posteriormente
caminhou-se rumo a uma fase de declínio, endividamento da COHAB-LD, aumento das
ocupações irregulares, assim, demandando diferentes formas de provisão habitacional
pelo município que, todavia, não fizeram frente à problemática habitacional (AMORIM,
2011, p. 105-106).
Tabela 1 - Londrina. Conjuntos habitacionais construídos até 2013.
ÓRGÃOS
ANO
COHABAN134/INO
COHAB-LD
COHAPAR IPE-PR
COOP
133
TOTAL
“[...] Os INOCOOPs foram criados em 1966 com objetivo de orientar as cooperativas
operárias em todas as operações necessárias para a construção de conjuntos habitacionais. Foram criados
também para poupar despesas, acumular e reproduzir o capital e legitimar o sistema. Poderia se
candidatar a uma casa própria financiada pelo INOCOOP o trabalhador sindicalizado e que pertencente a
alguma associação” (BEIDACK, 2009, p. 79, n.r. 32). Em, Londrina, o INOCOOP foi responsável pela
implantação de 14 conjuntos habitacionais, totalizando 3168 unidades, sendo o BNH seu agente
financiador. Sua atuação teve efetivo início em 1972 e durou até 1996. Além dos INOCOOPs, também o
Instituto de Previdência do Estado do Paraná (IPE - PR) financiou e construiu mais quatro conjuntos
habitacionais, totalizando 702 unidades entre 1978 e 1989 (FRESCA e OLIVEIRA, 2005, p. 103).
134
Cooperativa Habitacional Bandeirantes (COHABAN).
408
CHs
Até
1969
1969
1972
1973
1976
1977
1980
1981
1984
1985
1988
1989
1992
1993
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
136
2011
2012
2013
Tota
l
135
Unida
des
CHs
Unidades
C
Hs
Unida
des
C
Hs
Unida
des
C
Hs
Unida
des
-
-
-
-
1
228
-
-
1
228
6
576
-
-
2
67
-
-
8
643
8
773
2
291
-
-
-
-
10
1.064
18
10.301
2
928
-
-
-
-
20
11.229
14
7.364
2
349
-
-
-
-
16
7.713
21
2.096
2
367
-
-
4
702
27
3.165
36
1
4
666
-
-
-
-
40
7.154
5
202
1
486
3
573
-
-
9
1.261
1
1
1
2
4
3
3
3
2
-
10
185
360
548
711
392
212
167
308
-
-
-
1
1
6
2
1
-
94
441
160
99
80
-
-
-
1
1
2
7
4
1
4
3
5
3
2
-
10
94
656
520
647
80
711
392
215
167
308
-
2
185
2
185
9
6
5
2.217
938
940
2.217
938
940
150
34.973
9
6
5
18
6
135
136
6.488
13
3.087
19
1.745
4
702
Conjuntos Habitacionais.
Convém observar que a partir de 2009 o PMCMV começou a atuar nessa cidade.
409
40.507
Fonte: Londrina (2014, p. 52).
De acordo com análise da Tabela 1, observa-se a concentração da construção de um
maior volume de conjuntos habitacionais e de unidades residenciais durante as décadas
de 1970 e 1980, sendo que, durante a década de 1990 reduziu-se o número de conjuntos
habitacionais e, principalmente, o de unidades residenciais. Também é possível
constatar que a partir de 2003 a administração da contratação e construção dos
conjuntos habitacionais permaneceu a cargo apenas da COHAB-LD.
Já no caso maringaense, a construção habitacional passou a ter impacto mais
significativo a partir da década de 1980, pois, durante as décadas de 1960 e 1970 foram
implantados 24 conjuntos residenciais populares na cidade (MARINGÁ, 2010; SILVA,
2002, p. 105), enquanto que nas décadas de 1980 e 1990 foram implantados quarenta e
trinta empreendimentos (Tabela 2), respectivamente, concentrando-se entre os anos de
1985 e 1995. Silva (2002, p. 108) destaca que houve uma intensa produção de conjuntos
habitacionais multifamiliares, isto é, “conjuntos de apartamentos constituídos por no
mínimo quatro blocos com no mínimo quatro andares por bloco”, compreendendo a
maior parte dos empreendimentos residenciais entregues na cidade, por todos os
quadrantes do perímetro urbano.
Tabela 2 – Maringá. Conjuntos residenciais construídos até 2006.
ORGÃO: COHAPAR/COHESMA/COHAMAR
Conjuntos
Conjuntos
Ano
Unidades Ano
Residenciais
Residenciais
1962 1
41
1985 4
1963 1986 8
1964 1987 4
1965 1988 7
1966 1989 1
1967 1
50
1990 5
1968 1
55
1991 8
1969 8
370
1992 2
1970 1993 5
1971 1994 1
1972 1995 2
1973 2
316
1996 5
1974 1
480
1997 1975 2
508
1998 1
410
Unidades
918
1.148
461
915
160
808
1.966
219
1.367
584
1.181
215
150
1976 1
128
1977 2
612
1978 2
1.524
1979 3
1.566
1980 2
391
1981 3
458
1982 2
232
1983 3
348
1984 5
436
Fonte: Maringá (2010, p. 147-149).
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Total
1
1
1
1
1
97
150
133
9
10
71
17.980
Segundo Silva (2002, p. 3), os conjuntos habitacionais multifamiliares, como estratégia
de solução ao problema da habitação, “passam a adquirir maior importância que a
própria expansão habitacional unifamiliar (casas térreas), inclusive marcando de forma
substancial a paisagem urbana da cidade”. Este autor (SILVA, 2002), atenta para o fato
de que os conjuntos habitacionais multifamiliares, por representarem um custo menor
de produção, puderam também usufruir de melhor localização na cidade, diferente dos
conjuntos habitacionais unifamiliares que, geralmente, localizavam-se nas áreas
periféricas da cidade, à aproximadamente oito ou dez quilômetros da área central, nem
sempre servidos de equipamentos e infraestrutura. A produção sob essa forma veio ao
encontro dos interesses das construtoras e dos promotores imobiliários em geral, que
atuavam nesse mercado e que, de algum modo, se beneficiavam do processo.
No caso da produção dos conjuntos habitacionais multifamiliares, os quais se
destacaram na provisão pública da habitação em Maringá, Silva (2002, p. 114) chama
atenção ao papel da Cooperativa Habitacional dos Empregados Sindicalizados de
Maringá (COHESMA), fundada na década de 1960, que foi destinada a atender
segmentos econômicos de renda média, os quais nos primeiros anos da atuação do BNH
não foram privilegiados. As cooperativas habitacionais formaram-se
[...] basicamente por categorias de profissionais liberais,
funcionários públicos, trabalhadores sindicalizados, entre outros,
caracterizando-se por não possuírem fins lucrativos, formandose uma espécie de condomínio, dissolvendo-se logo após a
concretização das obras (SILVA, 2002, p. 115).
Elas atenderam a um público específico, situado fora da faixa atendida pelas COHABs,
e foram as interlocutoras deste público junto ao SFH e BNH, articulando construtoras e
mutuários ao financiamento habitacional disponível na esfera federal.
411
O que queremos destacar é o papel das cooperativas nesse período no tocante a
elaboração dos projetos, reunião de mutuários, localização de terrenos aptos à
construção, contratação das empresas construtoras locais e, por fim, montagem de todo
o aparato técnico, legal e burocrático para pleitear os recursos federais junto ao agente
financeiro, neste caso o BNH, que, quando aprovados, iniciava-se a obra e, a partir do
momento da entrega das unidades, finalizava-se o processo com o repasse dos
financiamentos aos mutuários finais (SILVA, 2002, p. 116). O papel das construtoras
locais foi central nesta forma de incorporação residencial, pois, como afirma Silva
(2002, p. 118), em entrevista obtida junto a um ex-diretor da COHESMA:
[...] todo o processo de construção era repassado para as
construtoras da região, com a finalidade de além de construir
mais facilmente, prestigiar as empresas do ramo de construção
civil da cidade, ação que era também prevista pelo próprio
BNH, na geração de emprego e renda, como meta social. Notase que a COHESMA pautou suas ações sempre priorizando as
empresas construtoras da região; por isso, trabalhou-se muitas
vezes com construtoras menores, mas que cresceram junto com
a cooperativa [...].
A influência das construtoras fazia-se presente até mesmo na definição da localização e
do tamanho dos empreendimentos, conforme Silva (2002, p. 119), pois a cooperativa
empregava expedientes do mercado imobiliário local para estudar os aspectos da
demanda, a localização apropriada e o padrão construtivo, desempenhando, assim,
importante papel no desenvolvimento da produção imobiliária, da composição de
muitas empresas locais e na estruturação do espaço residencial maringaense.
Em pesquisa de doutorado, concernente à verticalização na cidade de Maringá, Mendes
(1992, p. 157-158) constata esta proximidade e influência entre a política habitacional e
as empresas locais – construtoras, incorporadoras, imobiliárias etc. –, demonstrando
como muitas empresas se constituíram em função da construção de obras públicas e
conjuntos habitacionais populares, e de como muitos coordenadores, consultores,
diretores e presidentes da municipalidade tornaram-se empresários e influentes
incorporadores na cidade de Maringá, sendo, ao mesmo tempo, agentes públicos e
privados, além de ocuparem cargos importantes nas associações de classe e nos
sindicatos patronais.
Em suma, estes apontamentos genéricos objetivam situar o fortalecimento dos agentes
locais na produção imobiliária, perpassando a política habitacional e a atuação dos
agentes privados favorecidos pelo poder público local em casos específicos, além de
412
demonstrar como esse processo favoreceu o crescimento de importantes empresas nas
duas cidades. Descrever a influência histórica da política habitacional na estruturação da
produção imobiliária, e da política local, trazendo a análise para o centro da questão na
atualidade, em que o PMCMV cria novas estruturas, ao mesmo tempo em que mantém e
reforça outras, sem eliminar a escala local, é aqui nosso objetivo central, não para ficar
somente nele, mas para compreender como se estruturaram importantes empresas locais
em função das políticas habitacionais mais importantes, que vão do BNH ao PMCMV.
Somente assim poder-se-á constatar como e porque atua o PMCMV em Londrina e
Maringá, observando suas distinções, seu impacto no estoque habitacional das cidades,
e como participam e se posicionam as empresas locais frente às grandes do setor
imobiliário, hoje bastante privilegiadas pelo programa.
2. A produção habitacional no contexto do PMCMV em Londrina e em Maringá
Antes de adentrarmos na análise dos dados referente à atuação do PMCMV em
Londrina e Maringá, apresentaremos um breve quadro explicativo desse programa.
Trata-se de um programa habitacional do Governo Federal, criado no ano de 2009, que
visa incentivar a produção e a aquisição de novas unidades habitacionais urbanas e
rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00. Estimula a produção de
Habitação de Interesse Social (HIS) pelo mercado privado formal, e por isso vai ao
encontro dos interesses privados do setor imobiliário no país. De acordo com Maricato e
Leitão (2010, p. 118):
O Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) parece ter sido
uma aposta do governo no mercado, depois da dificuldade do
PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) em decolar nos
municípios, por conta de toda a burocracia lenta de aprovação.
O MCMV foi desenhado com 11 grandes empresas e o governo
federal, então o programa se traduziu no “plano de sonhos” do
mercado.
A implementação efetiva do PMCMV, malgrado a estrutura da Política Nacional de
Habitação (PNH) (Figura 1), da aprovação do Estatuto da Cidade em 2001, da criação
do Ministério das Cidades em 2003, conjuntamente a alteração da Lei 11.124 referente
ao Sistema Nacional de Habitação (SNH) em 2005 – por recomendação do Conselho
das Cidades, subdividido em Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social
(SNHIS), voltado à faixa de renda entre zero e cinco salários mínimos, e em Sistema
413
Nacional de Habitação de Mercado (SHM)137, direcionado às classes de renda de cinco
a dez salários –, vem demonstrando na prática o descolamento da política habitacional
em relação aos avanços institucionais e legais de longa data relativos à função social da
cidade e da propriedade urbana, presente em instrumentos tais como as Zonas Especiais
de Interesse Social (ZEIS) dentre outros, próprios da gestão social da valorização da
terra.
A seguir, a Figura 1 demonstra a organização institucional da Política Nacional de
Habitação e do Sistema Nacional de Habitação. Este último está subdividido em
Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e Sistema Nacional de Habitação de
Mercado, os quais operam com fundos e recursos diferentes no tocante às fontes de
captação e repasses orçamentários.
Figura 1: Organização da Política Nacional de Habitação, de 2004.
Política Nacional de Habitação
Sistema Nacional de Habitação
Sistema Nacional de Habitação de
Interesse Social
Sistema Nacional de Habitação de
Mercado
Fundo Nacional de Habitação de
Interesse Social
Sistema Financeiro de Habitação
Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço
Caderneta de Poupança
Outros fundos
Mercado de Capitais
Fonte: Ministério das Cidades (2013, p. 15).
137
Para uma leitura a respeito da estruturação do PNH, SNH e SNHIS, em suas perspectivas,
avanços, limitações, impasses e estudos de caso, sugerimos Denaldi (2012), Denaldi, Leitão, Akaishi
(2011) e Denaldi (2013).
414
O PMCMV está subdividido em subprogramas e modalidades de acordo com as faixas
de renda dos beneficiários, dos grupos prioritários, do agente operador, e do porte do
município. Opera com importantes fundos e recursos públicos nacionais, tais como o
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), Fundo de Arrendamento Residencial
(FAR), recursos do Orçamento Geral da União (OGU), recursos do Fundo de
Desenvolvimento Social (FDS), apesar de concentrar-se na utilização do FGTS e do
FAR, já que as principais modalidades implementadas são carreadas por estas fontes
(BRASIL, 2009)138.
Dentre as modalidades, as subdivisões inerentes à proveniência dos fundos e recursos,
agentes operantes, os tetos máximos dos financiamentos diferenciados pelo porte dos
municípios e outras especificidades, o PMCV também está, inicialmente, subdivido por
faixas de renda, sendo três as faixas salariais, que vão de zero a três salários mínimos,
na faixa um; de mais de três a cinco salários, na faixa dois; e de seis até dez salários
mínimos, na faixa três. Na “faixa um” concentra-se a maior porcentagem do déficit
habitacional no país.
Analisando-se os dados referentes aos empreendimentos construídos e em fase de
construção do PMCMV na cidade de Londrina e de Maringá em 2012, observamos que,
para Londrina, de um número total de 7.348 unidades habitacionais, 3.773 (51,34%)
encontram-se na faixa um, 2.842 (38,67%) na faixa dois, e 733 (9,97%) na faixa três. Já
em Maringá, de um número total de 2.963 unidades habitacionais, 847 (28,58%)
encontram-se na faixa um139, 1.619 (54,64%) na faixa dois, e 497 (16,77%) na faixa
três. Percebe-se uma diferença entre Londrina e Maringá, enquanto na primeira
concentra-se a atuação do programa na faixa um, e na segunda na faixa dois.
Com relação às empresas proponentes, observa-se que, em Maringá, de um número total
de 27 empreendimentos, em 13 (48,14%) deles são proponentes as empresas locais, os
outros 14 estão sendo construídos por empresas de fora, sendo elas majoritariamente a
MRV, da cidade de Belo Horizonte/MG, e a Sial Construções, sediada em Curitiba/PR.
Já em Londrina, as empresas locais são as responsáveis pelo maior número dos
empreendimentos. De um número total de 42 empreendimentos, 25 (59,52%) deles
foram ou estão sendo construídos por empresas da cidade, enquanto os outros 17
138
Instituído pela Lei Federal Nº 11.977, de julho de 2009 (BRASIL, 2009).
É importante destacar que desse número total, 416 unidades estão localizadas nos distritos
Iguatemi e Floriano.
139
415
subdividem-se entre a MRV, a Sial, e a Terra Nova – Rodobens, que é de São José do
Rio Preto/SP.
O valor total das operações contratadas até dezembro de 2012 foi de R$
185.611.491,14, no caso da cidade de Maringá. Já em Londrina, esse montante atingiu
R$ 358.340.247,00, portanto 48,20% a mais que o valor total contratado em Maringá.
Nas Tabelas 3 e 4 discriminamos esses montantes por empresas, identificando o valor
total das operações contratadas, a quantidade de obras sob a responsabilidade de cada
uma e seu local de origem.
Tabela 3 – Maringá. Obras contratadas por cada empresa no âmbito do PMCMV.
2012
Valor
das Local
de
Obras
sobEmpresas
operações
origem
da
responsabilidade
contratadas (R$)
empresa
Hiten Ltda – EPP
1
2.241.176,13
Maringá
João Granado Const. e
1
2.400.000,00
Maringá
Imob. Ltda
Const. Errerias Ltda
1
3.700.000,00
Paiçandu
MB7 Engenharia e
1
4.774.500,00
Maringá
Const. Civil Ltda
Brassul
Construções
1
5.129.285,95
Maringá
Civis
Washi Emp
1
9.551.700,00
Maringá
Provectum
Eng.
e
2
12.676.632,95
Maringá
Empreendimentos Ldta
CCII Colombo Const. e
2
16.301.864,09
Maringá
Incorp. de Imóveis
CCP Engenharia de
3
23.159.042,28
Maringá
Obras Ltda
Sial Construções Civis
4
29.772.400,00
Curitiba
Ltda
MRV Engenharia e
Belo
10
75.904.889,74
Participações S.A.
Horizonte
Fonte: organização própria. Base de dados: Everaldo S. Melazzo MCTI/CNPq/MCidades, Nº 11/2012.
Tabela 4 – Londrina. Obras contratadas por cada empresa no âmbito do PMCMV.
2012
Valor
das
Obras
sobLocal de origem
Empresas
operações
responsabilidade
da empresa
contratadas (R$)
FETAEP*
1
249.600,00
Londrina
416
Laff Construtora Ltda
1
Const. Almanary
1
Bonora&Costa Const. e
7
Incorp. Ltda
Sial Construções Civis
3
Ltda
Terra
Nova
Rodobens/Marajó
3
Incorporadora e Imob.
Londrinense
Protenge Engenharia
3
Yticon Construção e
5
Incorporação
Artenge
Construções
4
Civis Ltda
Terra Nova Eng. Ltda
4
MRV Engenharia e
10
Participações S.A.
*Federação dos Trabalhadores na Agricultura
Distrito de Lerroville.
Fonte: organização própria. Base de
MCTI/CNPq/MCidades, Nº 11/2012.
3.200.000,00
4.800.000,00
Curitiba
Londrina
21.361.529,88
Londrina
24.058.879,05
Curitiba
35.971.686,91
São José do Rio
Preto/Londrina
40.059.656,57
Londrina
40.400.000,00
Londrina
42.412.128,68
Londrina
43.196.330,25
Londrina
102.630.435,66
Belo Horizonte
do Estado Paraná. Obra realizada no
dados:
Everaldo
S.
Melazzo
-
No que concerne à tipologia dos empreendimentos, em Londrina, 26 deles são
empreendimentos verticais, e 16 horizontais. Atinente à sua localização, realizamos o
mapeamento, diferenciando-os pelas três faixas citadas anteriormente, e neste aspecto
residem especificidades centrais à nossa pesquisa, que dizem respeito ao papel que a
terra urbana ocupa no processo, e a análise dos Mapas 2 e 3 possibilita essa
interpretação.
Apesar de na cidade de Londrina existir um maior número de empreendimentos na faixa
um do programa, a localização deles é extremamente periférica, do que decorrem
agravos de problemas correlatos à segregação socioespacial, além da dispersão
territorial que reforçam. Outro aspecto que merece destaque é o fato da maior parte
dessas unidades habitacionais encontrarem-se num único empreendimento, o
Residencial Vista Bela (Figura 2), situado a noroeste no Mapa 2, que sozinho concentra
2.712 (36,90%) unidades habitacionais, entre casas térreas e apartamentos. As
construtoras responsáveis por este empreendimento são todas da cidade de Londrina,
sendo elas: a Artenge, a Terra Nova Engenharia e a Protenge Engenharia.
A atuação do PMCMV na cidade de Londrina demonstra uma continuidade espacial
com relação às inserções periféricas dos conjuntos habitacionais propostos no período
417
do BNH, sobretudo daqueles da faixa um e da faixa dois, o que decorre da
inobservância da problemática socioespacial resultante, e da limitada implementação
dos instrumentos da política urbana na escala local.
Mapa 2 - Londrina. Localização dos empreendimentos do PMCMV. 2012.
Fonte: Base cartográfica: Töws (2010); dados do PMCMV: Everaldo S. Melazzo.
418
Figura 2 - Londrina. Residencial Vista Bela (vista parcial). 2013.
Fonte: Wagner Vinicius Amorim. Arquivo pessoal.
Em Maringá (Mapa 3), constata-se uma inserção periférica na malha urbana, seja para
os empreendimentos da faixa um ou da faixa dois, o que diretamente reflete o alto preço
da terra urbana, já que a cidade teve o maior índice de valorização imobiliária registrado
em 2010 entre as cidades paranaenses com mais de 300 mil habitantes (SILVA, SILVA,
2013, p. 286). Silva e Silva (2013, p. 286) afirmam que:
[...] até abril de 2011, segundo a secretaria de habitação do
município, as moradias aprovadas do PMCMV iriam atender
13% do déficit. O restante tem atendido a faixa de renda mais
interessante para o capital imobiliário.
Silva e Silva (2013, p. 286) ainda observam que, em Maringá,
419
[...] assiste-se, como em outras regiões do país onde o PMCMV
tem atuado, ao enfraquecimento do setor público como promotor
e o fortalecimento da provisão privada, tanto no direcionamento
dos produtos ofertados como na definição de tipologias, custo,
localização e público alvo, os quais tem pouca ou nenhuma
correlação com os planos diretores e de habitação elaborados
nos últimos anos (SILVA, SILVA, 2013, p. 285).
O Mapa 3 coloca em evidência a localização relativamente periférica dos
empreendimentos não apenas da faixa um, mas também das demais faixas no contexto
da cidade de Maringá, dos quais três empreendimentos da faixa um foram inseridos fora
da cidade, nos distritos de Iguatemi e Floriano. Há uma descontinuidade com relação à
localização dos conjuntos habitacionais das décadas de 1970 e 1980, muitos dos quais
se encontram no quadrante nordeste da cidade.
Mapa 3 - Maringá. Localização dos empreendimentos do PMCMV. 2012.
420
Fonte: Base cartográfica: Töws (2010); dados do PMCMV: Everaldo S. Melazzo.
Dos 27 empreendimentos construídos e/ou aprovados na cidade até 2012, 21 são
empreendimentos verticais e apenas seis são loteamentos140. A preferência por
empreendimentos verticais (apartamentos) demonstra o encarecimento dos custos com a
terra urbana, a ampliação da produção em escala e, quando localizados em áreas
140
Sendo que três deles localizam-se nos distritos.
421
periféricas, incorrem nos problemas de inserção territorial, tal como a mobilidade
urbana reduzida, o aumento dos custos com disponibilização de infraestrutura, serviços
e equipamentos públicos em geral.
A seguir, a Figura 3 apresenta uma vista parcial de um dos empreendimentos
residenciais periféricos da cidade de Maringá, o Residencial Dolores Duran I e II,
loteamento situado na faixa dois do programa, localizado no extremo sudeste da cidade.
Possui um número total de 148 unidades habitacionais, cada qual com tamanho de 43,75
m2, construídas pela Sial Construções Civis, de Curitiba/PR.
Figura 3 - Maringá. Residencial Dolores Duran (em fase de construção). 2011.
Fonte: http://www.panoramio.com/photo/67100738. Acessado em 13 de setembro de 2013.
A Tabela 5, a seguir, apresenta uma sinopse comparativa dos números do PMCMV nas
duas cidades. A partir da análise dessa tabela constatamos que em Londrina foi
construído mais que o dobro da quantidade de unidades habitacionais construídas na
cidade de Maringá. Enquanto em Londrina mais da metade das unidades estão situadas
dentro da faixa um do PMCMV, em Maringá é na faixa dois em que está situada mais
da metade das unidades, embora nessa cidade, 69,68% do déficit esteja concentrado na
faixa um, de zero a três salários mínimos (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010). Há
422
uma predominância dos empreendimentos verticais nas duas cidades, o que demonstra
uma tendência no setor, em função de vários fatores, sendo eles: minorar o custo
representado pela terra, aumentar os ganhos em produtividade, minimizar custos com
equipamentos públicos – uma vez que os mesmos já existem no entorno dos
empreendimentos etc. Em Londrina o maior percentual de empreendimentos está
localizado na Zona Norte da cidade. Já Maringá, por sua vez, apresenta uma melhor
distribuição entre suas zonas, embora a Zona Leste apareça com o maior percentual.
Enquanto em Londrina a maior parte das operações foi contratada ainda na Fase 1 do
programa, em Maringá houve maior contratação já na Fase 2.
Tabela 5 - Sinopse comparativa dos números do PMCMV nas cidades de Londrina
e Maringá. 2012.
Londrina
Maringá
Valor
Em
Valor
Em
absoluto
%
absoluto
%
100,0
42
100
27
Nº de empreendimentos
0
100,0
7.348
100
2.963
Nº de unidades habitacionais
0
3.773
51,34 847
28,58
Faixa um
2.842
38,67 1.619
54,64
Faixa dois
733
9,97
497
16,77
Faixa três
26
61,9
21
77,70
Empreendimentos verticais
16
38,09 6
22,30
Empreendimentos horizontais
2,38
3
11,11
Zona Centro (empreendimentos) 1
6
14,28 7
25,92
Zona Leste (empreendimentos)
19
45,23 5
18,51
Zona Norte (empreendimentos)
5
11,9
4
14,81
Zona Oeste (empreendimentos)
9
19,04 5
18,51
Zona Sul (empreendimentos)
2
4,76
3
11,11
Distritos (empreendimentos)
27
64,28 13
48,14
Fase 1 (empreendimentos)
15
35,71 14
51,85
Fase 2 (empreendimentos)
4.742
64,53 1.412
47,65
Fase 1 (unidades habitacionais)
2.606
35,46 1.551
52,34
Fase 2 (unidades habitacionais)
Déficit Habitacional Total em
14.028
10.587
2010
Fonte: organização própria. Base de dados: Everaldo S. Melazzo MCTI/CNPq/MCidades, Nº 11/2012.
À guisa de conclusão desse trabalho, destacamos que o planejamento urbano, a
legislação municipal e a propriedade da terra, são centrais na definição da localização
dos empreendimentos e da gravação das áreas de Habitação de Interesse Social nas
423
cidades, da qual emana toda a sorte de divergências ou convergências com relação à
construção de políticas de conteúdo social e includente. Ainda, alguns casos específicos
e notórios, tal como o caso do Residencial Vista Bela em Londrina, dentre outros,
concernentes à Habitação de Interesse Social (faixa um), merecem análises mais
detalhadas, que problematizem a questão da habitação/moradia em seus múltiplos
contextos, que vão do político, ao social, ao econômico, à escala do cotidiano e à
morfologia urbana.
3. Considerações finais
Nestas considerações procuraremos explorar de modo sintético os impactos resultantes
da forma como têm sido implantados alguns empreendimentos e dos expedientes do
PMCMV nas duas cidades, voltando nossa atenção à Habitação de Interesse Social.
Apesar de na cidade de Londrina existir um maior número de empreendimentos na faixa
um, a localização deles é extremamente periférica, do que decorrem agravos de
problemas correlatos à segregação socioespacial e dispersão territorial acentuada, e um
deles chama atenção, o Residencial Vista Bela, construído no extremo noroeste da
cidade. O Residencial Vista Bela, concluído em 2011, foi, na época, o maior canteiro de
obras do PMCMV no país, possuindo 2.712 unidades habitacionais, entre casas e
apartamentos. Agora ele enseja uma série de velhas e novas problemáticas relativas à
segregação socioespacial, tais como: precário acesso aos equipamentos e serviços
públicos e meios de consumo coletivos, cujo planejamento inadequado já resulta na
necessidade de medidas curativas e de intervenção pública a fim de que os moradores
tenham seus direitos mais básicos e constitucionais atendidos.
Em Maringá, de acordo com a socióloga Ana Lúcia Rodrigues, os pressupostos de uma
cidade cuja “vocação histórica” está na segregação141 (LINJARDI, 2010), reforça a
necessidade de se compreender a força com que a produção e a valorização imobiliária
condicionam o planejamento da política habitacional de interesse social, obrigando-a a
inserir-se de modo “cativo” aos ditames do mercado imobiliário local e, apesar da
aprovação das inúmeras emendas municipais relativas às ZEIS, os empreendimentos são
implantados em áreas totalmente dispersas, como consequência do alto preço da terra.
Além disso, as tipologias habitacionais verticais produzidas em escala, segundo a
141
Ver: “Valor dos terrenos inibe Minha Casa Minha Vida”. Disponível em O Diário do Norte
do Paraná, de 26 de janeiro de 2010: http://maringa.odiario.com/imoveis/noticia/234743/valor-dos-terrenos-inibe-039minha-casa-minha-vida039/.
Acessado em 15 de jan. de 2015.
424
ingerência e o fortalecimento da provisão privada na localização e definição dos
produtos ofertados, incorrem nos conhecidos problemas de inserção territorial dispersa,
tal como a mobilidade urbana reduzida, aumento dos custos com disponibilização de
infraestrutura, serviços e equipamentos públicos em geral, enfim, problemas tributários
e fomentadores da condição socioespacial.
Outro problema que revive o desencontro da política habitacional com a realidade local
decorre de que muitos empreendimentos da faixa um, que compreende a Habitação de
Interesse Social, começaram a ser construídos, em Maringá e em Londrina, tão logo da
aprovação e contratação junto ao PMCMV, no entanto, sem a existência de um Plano
Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS), resultando em decisões não pactuadas
participativa e coletivamente à luz do diagnóstico e das recomendações dos PLHIS, que
somente ficaram prontos entre 2010 e 2011. Em Maringá, entre os anos de 2009 e 2012,
dentre as seis contratações dentro da faixa um, quatro foram assinadas em 2010, e
somente duas em 2012, ou seja, após o efetivo diagnóstico do PLHIS, que ficou pronto
em dezembro de 2010. Já em Londrina, das 21 contratações na faixa um, 13 foram
assinadas em 2009, seis em 2010, e apenas duas em 2012, após a elaboração e
aprovação do PLHIS, concluído em 2011.
Aqui vale mencionar que a conjuntura da elaboração dos PLHIS no país todo foi
marcada pela proeminência do PMCMV, cuja adesão pelos municípios se deu antes da
elaboração e dos diagnósticos dos PLHIS. Se por um lado, a atuação massiva do
PMCMV tão logo nos seus primeiros anos de existência evidencia a preocupação da
agenda governamental com os números do programa, por outro, a morosidade na
elaboração dos PLHIS chama atenção aos interesses econômicos e políticos locais, e
menos com o planejamento participativo para a tomada de decisões referente ao
desenho e implementação local do SNHIS.
Apenas o PLHIS por si só não significa necessariamente a garantia da alocação
equânime, pactuada, eficiente, transparente e democrática dos recursos destinados à
HIS, porém ele diagnostica a situação habitacional local e recomenda os instrumentos e
recursos destinados a tal fim. Por exemplo, indicando ao plano diretor local a gravação,
na zona urbana, de áreas aptas ao interesse social (como é o caso das ZEIS), dentre
outros instrumentos redistributivos e de gestão social da valorização da terra. Mas este
fulcro só é possível pelas vias de sua construção processual, participativa, monitorada e
contínua.
425
Malgrado as experiências históricas acumuladas nas duas cidades e no país, o PMCMV,
em seu formato atual, consiste ainda num desafio à própria construção escalar de uma
eficiente e genuína política habitacional de interesse social. A emergência e urgência
com que se coloca a política habitacional, sobretudo em sua face voltada à Habitação de
Interesse Social, denuncia sua apropriação pelo mercado, cujos agentes, cenários,
estruturas e instituições substantivam a mercantilização da habitação ao construir o
discurso do planejamento em defesa da cidade pelas vias do mercado, silenciando e
omitindo as contradições e a dissonância das vozes excluídas do direito à cidade e do
exercício da cidadania e da participação.
Assim, reiterou-se, mais uma vez na história da habitação social no Brasil, a pouca
importância atribuída ao planejamento das ações com base em diagnósticos rigorosos da
situação local, cujas recomendações ensejariam o desenvolvimento de ações planejadas
e socialmente pactuadas, evitando prejuízos e problemas não dimensionados
adequadamente, como, por exemplo, já se pode constatar em alguns conjuntos
habitacionais construídos recentemente em Maringá e em Londrina, a começar pelos de
grandes dimensões.
A política habitacional, em seu atual “padrão” hegemônico, organização institucional e
em seu processo de implementação local, engendra e exprime ao mesmo tempo em que
degenera as possibilidades escalares de uma participação cidadã e efetiva. A análise
abrangente e aprofundada do papel do poder público e dos agentes locais, no tocante à
elaboração dos planos locais nas duas cidades, bem como da implementação efetiva do
PMCMV, suscitam e revivem velhos e conhecidos processos, dinâmicas e
problemáticas, já muito comuns à realidade urbana brasileira das últimas décadas e, em
nosso ver, reinsere o rol das cidades médias como pauta analítica e política que reclama
mais atenção.
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(Mestrado em Geografia) – Universidade de São Paulo.
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