PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
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PUC-SP
Ana Cristina Costa Figueiredo
Os lutos da mulher diante da infidelidade conjugal
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
SÃO PAULO
2013
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Ana Cristina Costa Figueiredo
Os lutos da mulher diante da infidelidade conjugal
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora
da
Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em Psicologia
Clínica, sob a orientação da Profa. Dra.
Rosane Mantilla de Souza.
SÃO PAULO
2013
Banca Examinadora
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_______________________________
AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar, a Deus, aquele que é fonte de força para que eu supere os
obstáculos inerentes à vida.
À professora e orientadora Dra. Rosane Mantilla de Souza, a quem admiro muito não
apenas profissionalmente, por sua inspiração, conhecimento, estímulo intelectual, e pelas
palavras tão sábias e úteis para a concretização do trabalho, mas também pela pessoa tão
generosa e carinhosa que é.
Sou grata à professora Dra. Maria Helena Pereira Franco e à Dra. Valéria Maria
Meirelles, pela honrosa participação na banca de defesa.
Agradeço à Dra. Camila Alves Fior, que me ensinou a amar a pesquisa e a vida
acadêmica.
A escrita de uma dissertação é fruto de muita interlocução não apenas com a literatura
levantada, como também com as pessoas com as quais compartilhamos nossas dúvidas, ideias e
descobertas. Por isso, agradeço aos meus colegas, pela amizade e pela rica troca de experiências.
Retribuo minha gratidão especialmente a duas amigas que estiveram sempre ao meu lado nesta
etapa: Michele e Cíntia.
Agradeço à Mariana, pela indicação preciosa de algumas participantes e sua amizade
incondicional.
Estudar as mulheres é adentrar em um universo singular, repleto de significados
enigmáticos, muitas vezes, indecifráveis até mesmo por elas. Sou profundamente grata às
mulheres que participaram da pesquisa e se dispuseram a abrir suas vidas comigo, tratando de
questões íntimas e delicadas.
Ao CNPQ, pelo apoio financeiro.
Sou eternamente agradecida à minha família. Aos meus pais, Pedro e Ana, que com muito
carinho, não mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa de minha vida. E ao meu
irmão, Pedro Júnior, pelo apoio contínuo.
Por fim, agradeço ao meu esposo, Paulo, por seu amor, companheirismo, compreensão e
cumplicidade.
“E de te amar tanto assim muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude”.
(Soneto do Amor Total – Vinícius de Moraes)
RESUMO
A infidelidade refere-se a qualquer forma de envolvimento romântico e/ou sexual, de curto ou
longo período, que ocorre enquanto o indivíduo está em um relacionamento com outra pessoa.
Seus impactos são diversos, especialmente no que se refere às perdas do que se esperava para si,
o parceiro e o relacionamento. Pode-se compreender a infidelidade conjugal como uma perda
ambígua, dado que mesmo com a presença do parceiro infiel, este não é visto da mesma maneira,
ocorrendo mudanças em seu papel na família. Por envolver ambivalência, pode gerar luto não
reconhecido, um fator de risco para o luto complicado. Diante disso, o objetivo do presente foi
compreender a experiência de mulheres que vivenciaram a infidelidade de seus cônjuges e
identificar as perdas envolvidas nesse processo. Foram realizados estudos de caso com quatro
mulheres heterossexuais que tenham descoberto ou tenha sido revelada a infidelidade do cônjuge.
As informações foram coletadas por meio de entrevistas semiestruturadas e analisadas
qualitativamente com base nas teorias que se referem a relacionamento conjugal e luto. Com a
análise dos casos, foi possível perceber que a infidelidade conjugal realmente acarreta perdas
múltiplas. Todavia, pode apresentar aspectos positivos, como criatividade e amadurecimento,
sendo propulsora de mudanças. Foi perceptível que todas as participantes, de alguma forma,
valorizam o amor romântico. Por outro lado, influências históricas no que se refere à
naturalização do comportamento sexual masculino estão presentes em seus discursos. Foram
confirmados os riscos inerentes ao não reconhecimento social ou intrapsíquico das perdas, o que
pode dificultar o processo integrativo de elaboração. A compreensão da infidelidade conjugal
como perda ambígua e luto não reconhecido pode auxiliar na validação social e intrapsíquica
dessa vivência, contribuindo para a construção de uma sociedade que reconhece o luto em suas
diferentes manifestações. Os resultados reafirmam as perdas envolvidas na vivência de mulheres
diante da infidelidade conjugal e sugerem a necessidade de novos estudos empíricos referentes a
esta temática.
Palavras-chave: Infidelidade conjugal. Perda ambígua. Luto não reconhecido.
ABSTRACT
Infidelity refers to any form of romantic and/or sexual involvement, for a short or a long period,
which occurs while the individual is in a relationship with another person. It has several impacts,
especially regarding the losses about what was expected for self, partner and relationship. Marital
infidelity can be understand as an ambiguous loss, since even with the presence of the unfaithful
partner, he is not seen in the same way, and changes occur in his role within the family. Since it
involves ambivalence, it can result in disfranchised grief, a risk factor for complicated grief.
Therefore, the aim of this study was to understand the experience of women who faced the
infidelity of their spouses, and identify the losses involved in this process. Case studies were
conducted with four straight women who discovered the infidelity of spouse or it was revealed.
Data were collected through semi-structured interviews and analyzed qualitatively based on
theories that refer to marital relationships and grief. With the analysis of the cases, it was possible
to realize that marital infidelity actually result in multiple losses. However, it may have positive
aspects such as creativity and maturity, propelling changes. It was noticeable that all participants,
somehow, value romantic love. On the other hand, historical influences regarding the
naturalization of male sexual behavior are present in their speech. The inherent risks of
disfranchised and self-disfranchised grief were confirmed, which may difficult the integration
process of elaboration. The understanding of marital infidelity as ambiguous loss and
disfranchised grief can help to validate this experience socially and intrapsychically, contributing
to build a society that recognizes the mourning in its different manifestations. The results reaffirm
the losses involved in the experience of women in the face of marital infidelity, and suggest the
need for new empirical studies related to this subject.
Keywords: Marital infidelity. Ambiguous loss. Disfranchised grief.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................
5
1 RELACIONAMENTO CONJUGAL................................................................................ 10
Aspectos históricos do casamento, sexualidade e amor....................................................... 10
Relacionamento conjugal na atualidade............................................................................... 16
2 INFIDELIDADE CONJUGAL.........................................................................................
Aspectos históricos da infidelidade conjugal.......................................................................
Definições de infidelidade conjugal e o dever da fidelidade no Brasil................................
Fatores que podem contribuir para a infidelidade conjugal.................................................
Os impactos da infidelidade conjugal masculina na vida da mulher...................................
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28
33
3 RELACIONAMENTO CONJUGAL SOB A ÓTICA DA TEORIA DO APEGO......
Uma breve explanação da Teoria do Apego........................................................................
Apego na vida adulta............................................................................................................
Desenvolvimento de um relacionamento afetivo-sexual.....................................................
37
37
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47
4 LUTOS DA MULHER DIANTE DA INFIDELIDADE CONJUGAL.........................
Teoria do Apego e reações às perdas...................................................................................
Infidelidade conjugal e perda do mundo presumido............................................................
Infidelidade conjugal: uma perda ambígua..........................................................................
Infidelidade conjugal: um luto não reconhecido..................................................................
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61
66
5 MÉTODO............................................................................................................................
Participantes.........................................................................................................................
Instrumentos.........................................................................................................................
Procedimentos......................................................................................................................
Análise dos Resultados.........................................................................................................
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76
76
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO.......................................................................................
Caso 1 - “Roupa suja se lava em casa”................................................................................
Histórico da participante.......................................................................................
Histórico do relacionamento amoroso...................................................................
A infidelidade conjugal..........................................................................................
Pós infidelidade conjugal.......................................................................................
Caso 2 - “Quando você me quiser rever, já vai me encontrar refeita, pode crer”................
Histórico da participante.......................................................................................
Histórico do relacionamento amoroso...................................................................
A infidelidade conjugal..........................................................................................
Pós infidelidade conjugal.......................................................................................
Caso 3 - Que luto?................................................................................................................
Histórico da participante........................................................................................
Histórico do relacionamento amoroso...................................................................
A infidelidade conjugal...........................................................................................
Pós infidelidade conjugal.......................................................................................
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Caso 4 - Processo de luto normal..........................................................................................
Histórico da participante........................................................................................
Histórico do relacionamento amoroso...................................................................
A infidelidade conjugal...........................................................................................
Pós infidelidade conjugal.......................................................................................
Discussão integrada dos casos.............................................................................................
114
114
115
117
119
122
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................
126
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................
129
ANEXO A................................................................................................................................ 140
5
INTRODUÇÃO
A infidelidade conjugal esteve presente desde os primórdios da humanidade e se relaciona
à maneira de se pensar e viver o relacionamento conjugal em cada momento histórico.
Ao longo do tempo, amor, sexo e casamento não caminharam juntos nos relacionamentos
(ARIÉS, 1985; VAINFAS, 1992). Foi apenas nas sociedades contemporâneas ocidentais que se
tornaram uma expectativa conjunta. Atualmente, o amor é considerado a base do relacionamento
conjugal e a satisfação individual é buscada na conjugalidade. As pessoas se unem por razões
próprias e não mais para preservar a linhagem ou proteger o patrimônio da família.
Segundo Féres-Carneiro (1998), a constituição e a manutenção do casamento nas últimas
décadas são influenciadas pelos valores do individualismo, pois a autonomia e a satisfação de
cada cônjuge são mais valorizadas do que os laços de dependência entre eles.
Embora a satisfação individual seja almejada, no ideal contemporâneo de casamento,
deseja-se fusão amorosa, há um aumento de expectativas, uma idealização do outro e de si
mesmo. A ocorrência de divórcios deve-se não à desvalorização do casamento, mas porque não
se aceita que ele não satisfaça às expectativas individuais, o que mostra a relevância dessa
instituição na atualidade. O fato de os divorciados voltarem a casar também indica o grande valor
dado ao casamento na sociedade cristã ocidental contemporânea (FÉRES-CARNEIRO, 1998).
Tal fato tem redundado em grande produção sobre conjugalidade e, no presente trabalho
pretendemos considerar um aspecto desta, relativo à infidelidade, que pode ocorrer tanto no
namoro quanto no casamento, a despeito de os indivíduos casaram-se por razões próprias e terem
a possibilidade de ruptura de seus relacionamentos afetivo-sexuais.
A infidelidade é um conceito mais amplo que o adultério. O Código Civil de 2002, no
artigo 1.573, cita o adultério como um dos motivos que pode caracterizar a impossibilidade da
comunhão de vida. O adultério envolve a “cópula propriamente dita” (DINIZ, 2002, p.259), não
incluindo relacionamentos afetivos nos quais não haja intercurso sexual.
A despeito da normatização, há diferentes aportes para o conceito de infidelidade. Brand,
Markey, Mills e Hodges (2007, p.4) definem-na como “qualquer forma de envolvimento
romântico e/ou sexual, de curto ou longo período, incluindo o beijo, enquanto o indivíduo está
num relacionamento com outra pessoa”.
Goetz e Causey (2009) diferenciam a infidelidade sexual, que inclui o intercurso sexual,
6
da infidelidade emocional, que não envolve a relação sexual propriamente dita. Esta concepção
de infidelidade envolvendo aspectos emocionais e não sexuais tem ganhado destaque na
atualidade (ALLEN et al., 2005), especialmente por causa da possibilidade de infidelidade online ou virtual (WHITTY, 2003), que não envolve contato físico.
Concordamos com Brand et al. (2007) e trataremos neste trabalho da infidelidade como
definida pelos autores, envolvendo tanto a infidelidade sexual como a emocional. A infidelidade
on-line estará incluída no presente estudo e considerada como emocional, visto que não se refere
ao intercurso sexual propriamente dito e abarca envolvimento com um terceiro. A opção pela
inclusão da infidelidade emocional está relacionada ao fato de que a concepção de infidelidade é
subjetiva e depende de expectativas individuais. Por exemplo, um indivíduo pode sofrer caso seu
parceiro ou parceira envolva-se emocionalmente com outra pessoa, mesmo que este não leve ao
intercurso sexual, se sua expectativa de relacionamento implicar tanto em fidelidade sexual como
emocional.
Na sociedade cristã ocidental, por muito tempo houve condenação daqueles que
praticavam a infidelidade conjugal, principalmente a mulher infiel (VAINFAS, 1992). Enquanto
relacionamentos extraconjugais masculinos eram tolerados e naturalizados, o mesmo não ocorria
com os femininos, que eram reprovados ou criminalizados (RICOTTA, 2002). Podemos afirmar
que ainda nos dias atuais, na sociedade cristã ocidental, a infidelidade masculina é mais tolerada,
enquanto a feminina é mais desaprovada.
Diversos fatores podem contribuir para a prática da infidelidade conjugal. Revendo as
pesquisas realizadas no assunto, é possível perceber que não há ainda consenso acerca dos fatores
contribuintes para essa prática. No Brasil, Jablonski (1991) cita: a busca pelo novo; a
incompatibilidade no amor e no sexo; a liberação sexual; o impacto da mídia; e o aumento da
longevidade. Matos (2000) aponta a fragmentação e a multiplicação das experiências, além de a
crescente individualização, como transformações que podem contribuir para a infidelidade
conjugal. O ciúme ainda pode ser uma das causas da infidelidade na atualidade (COSTA, 2000).
Em pesquisas realizadas no exterior, destaca-se a utilização do ‘modelo de investimento’
a fim de apontar os fatores que podem contribuir para a prática da infidelidade. De acordo com
este modelo, o compromisso, a satisfação, os investimentos no relacionamento atual e as
alternativas disponíveis estão interrelacionados e devem ser analisados (RUSBULT, 1980;
DRIGOTAS, SAFSTROM e GENTILLA, 1999).
7
O estilo de apego evitativo também é citado como um dos possíveis preditores da
infidelidade (JOSEPHS E SHIMBERG, 2010; DEWALL et al., 2011). Segundo Josephs e
Shimberg (2010), pessoas com estilo de apego evitativo tendem a ter atitudes mais permissivas
referentes ao sexo de maneira geral, e são mais propensas a ter relações sexuais fora de
relacionamentos, o que está relacionado à pouca capacidade de empatia ou culpa frente à tentação
sexual.
Investigar a respeito da infidelidade conjugal é importante, pois além de ser considerada
um dos assuntos mais desafiadores para ser tratado na terapia de casais (WHISMAN, DIXON e
JOHNSON, 1997), pode trazer consequências diversas, para os parceiros e para o
relacionamento. De acordo com Fitness (2001), a infidelidade é devastadora porque interrompe
um relacionamento significativo no qual os parceiros investiram recursos materiais e emocionais.
A partir da afirmação da autora, é possível pensar que cada casal possui um contrato conjugal ou
de relacionamento explícito ou implícito. Caso a infidelidade conjugal ocorra em um casamento
no qual há promessa e expectativa de fidelidade, implicará na frustração de projetos e sonhos,
causando decepção e dor perante a constatação de impotência pessoal e de que o parceiro e o
relacionamento idealizados não existem.
As consequências da infidelidade conjugal podem ser desiguais para homens e mulheres
devido às diferenças de gênero. A frustração em casamentos nos quais há um contrato implícito
ou explícito de fidelidade pode ocorrer tanto com homens quanto com mulheres (FÉRESCARNEIRO, 1998). Todavia, enquanto a maioria dos homens relaciona a infidelidade conjugal
ao intercurso sexual em si, as mulheres geralmente relacionam-na a um contexto mais afetivo
(JABLONSKI, 1991; BRAND et al., 2007). A idealização feminina a respeito do casamento e
amor pode acarretar em decepção quando suas expectativas são frustradas (FÉRES-CARNEIRO,
1995, 1998; JABLONSKI, 1991; KOLBENSCHLAG, 1991). Devido a estas diferenças de
abordagem entre homens e mulheres, no presente estudo, optou-se por limitar o escopo da
investigação no sentido da compreensão da vivência da mulher diante da infidelidade conjugal,
ou seja, aquela que tenha ocorrido em um momento no qual os indivíduos estavam casados.
Quando revelada ou descoberta, a infidelidade conjugal exige do parceiro o enlutamento
por perdas múltiplas: de si, da relação, e do parceiro idealizado como fiel ao contrato de
exclusividade afetivo-sexual.
Com a infidelidade, a identidade de esposa e a do esposo, anteriormente fiel, precisam ser
8
reconstruídas. Paradigmas são quebrados, sonhos destruídos. A infidelidade conjugal implica em
desilusão com relação ao projeto de casamento, ao parceiro almejado, e a si mesmo pela
incapacidade de concretizar o que se esperava, o que remete ao luto. Um novo plano para o futuro
deve ser construído, o relacionamento deve ser ressignificado.
O luto é um processo que tem especificidades em função do tipo de perda que, no caso da
infidelidade conjugal, pode ser considerada como uma perda ambígua, independentemente da
manutenção ou rompimento do relacionamento conjugal. Consideramos ambígua, dado que
mesmo com a presença do parceiro infiel, este não é visto da mesma maneira, ocorrendo
mudanças em seu papel na família (BOSS, 1999). Além disso, nestes casos, muito
frequentemente, a perda não é oficialmente validada e ritualizada, o que dificulta o processo de
elaboração, trazendo risco de luto complicado (FRANCO, 2002; WALSH, 2005; BOSS, 1999).
Segundo Casellato (2005), a perda que envolve ambivalência gera o luto não reconhecido,
uma vez que passa a ser considerada superável, principalmente quando comparada às perdas por
morte. Kauffman (2002) enfatizou casos em que ocorre não apenas um não reconhecimento
social do luto, mas também por parte do próprio indivíduo, o que ocorre quando este se recusa ou
não consegue legitimar seu próprio luto, o que pode gerar sentimentos de culpa ou vergonha,
impedindo-os de procurar suporte social e causando danos psicológicos.
Em casos de mulheres que vivenciam infidelidade conjugal, a perda geralmente não é
reconhecida e nem vista como significativa dada a naturalização social do comportamento sexual
masculino. Na maioria das vezes, ela é mantida em segredo, e quando revelada, é frequente o
discurso de que “todo homem trai” e “toda mulher passa por isso”, não havendo um
reconhecimento social da perda. É possível que a perda não seja reconhecida nem mesmo pelo
próprio indivíduo, o que Kauffman (2002) define como luto não reconhecido intrapsiquicamente.
O luto não reconhecido pode ser concebido como um perigoso paradoxo. Trata-se de
vivenciar uma perda em completo isolamento, o que pode se tornar um fator de risco para o luto
complicado (CASELLATO, 2005). O não reconhecimento do luto pode levar ao adiamento ou
inibição de seu processo, o que implica em dificuldade de aceitação da realidade,
impossibilitando a busca de outros relacionamentos ou figuras de apego que possam atender às
necessidades afetivas das pessoas que vivenciam a perda.
De fato, em nossa prática clínica percebemos que a infidelidade conjugal manifesta-se
como uma perda ambígua e, muitas vezes, o luto pode não ser reconhecido tanto socialmente
9
quanto de forma intrapsíquica. Ademais, casos de infidelidade conjugal são frequentemente
mantidos em segredo e regidos por sentimentos de culpa, raiva, medo e vergonha. O silêncio da
dor pode provocar um sofrimento adicional ao que já é doloroso e a repressão de sentimentos
pode tornar essa perda ainda mais dolorosa. Buscar novas formas de pensar e agir não apenas a
respeito da infidelidade conjugal, mas também de outros lutos não reconhecidos, são de
fundamental relevância para a saúde em nossa sociedade.
Destaca-se que embora a infidelidade conjugal possa ser compreendida como uma perda
ambígua, gerando um luto não reconhecido, ela não precisa ser devastadora. Ao contrário, pode
acarretar em crescimento, conhecimento, amadurecimento, desenvolvimento pessoal e de novas
competências.
Diante disso, o objetivo do presente foi compreender a experiência de mulheres que
vivenciaram a infidelidade de seus cônjuges e identificar as perdas envolvidas nesse processo.
A compreensão desta temática possibilitará auxiliar mulheres que sofrem perante a
descoberta ou revelação de infidelidade conjugal. Com isso, as práticas clínicas psicológicas
poderão contribuir ainda mais para a promoção, a prevenção e a reabilitação da saúde de
mulheres.
Para a realização do trabalho, no primeiro capítulo são abordadas questões relacionadas
ao relacionamento conjugal. Há uma ênfase na história da sexualidade, do amor e da evolução do
casamento, pois a súbita mudança nos valores e crenças na sociedade ocidental referentes aos
relacionamentos afetivo-sexuais podem gerar conflitos.
A infidelidade conjugal é delineada no segundo capítulo, abordando seus impactos
psicológicos, físicos e psicossociais na vida da mulher. O estudo destaca uma das implicações
psicossociais que se refere à decisão das mulheres sobre a manutenção ou não do relacionamento.
Independentemente da decisão tomada pela mulher, a revelação ou descoberta da infidelidade
conjugal envolve a elaboração do luto por esse tipo de perda.
Posteriormente, a Teoria do Apego, escolhida para a compreensão do processo de
formação e rompimento dos vínculos afetivos, é esboçada, com ênfase no apego adulto.
No quarto capítulo, buscamos a compreensão dos lutos acarretados pela infidelidade
conjugal.
Posteriormente, serão apresentados o objetivo do trabalho, o método que subsidiou sua
realização, os resultados e discussões dos casos e, por fim, as considerações finais.
10
1. RELACIONAMENTO CONJUGAL
A infidelidade conjugal existe desde os primórdios da humanidade e tem profunda relação
com a maneira de pensar e viver o relacionamento conjugal em cada momento histórico. A fim de
compreender a infidelidade conjugal, é importante conhecer a história da sexualidade e do amor,
e sua evolução no casamento, visto que a expectativa presente acerca dos relacionamentos
amorosos mudou subitamente com relação ao passado, gerando descontinuidade e angústia. A
igualdade entre os sexos em relacionamentos afetivo-sexuais é uma demanda muito recente, pois
o casamento por séculos consagrou uma relação hierárquica na qual o homem detinha o poder
(FIGUEIRA, 1987), o que enfatiza a relevância do conhecimento histórico de relacionamentos
em diferentes épocas. Por isso, serão delineadas a seguir as histórias da sexualidade, do prazer
sexual e do amor, que raramente caminharam juntos no casamento.
Aspectos históricos do casamento, sexualidade e amor
Como afirmado anteriormente, amor, prazer sexual e casamento raramente coexistiram
em um relacionamento conjugal. A partir dos escritos bíblicos, Ricotta (2002) afirma que os
hebreus, por exemplo, casavam-se muito jovens, sendo que a escolha dos cônjuges era feita pelos
pais. O casamento era considerado um decreto divino, uma obrigação moral que tinha como
objetivo gerar filhos. A virgindade da mulher era muito valorizada e, também, a fidelidade
feminina após o casamento. Já com relação aos homens, eram aceitas a poligamia, as
concubinagens e o direito de possuir escravas. Eles podiam estabelecer sentimentos de amor e
obter o prazer do sexo com mulheres fora do casamento, sendo que o sexo dentro do casamento
tinha apenas a finalidade de reprodução.
Na Grécia Clássica, o casamento era determinado pelos pais. O amor era considerado um
divertimento, um passatempo. Há também a comprovação da existência de homossexualidade
masculina com alta frequência, na qual estava presente o que era considerado o desenvolvimento
do real sentimento amoroso. A mulher era considerada pouco atraente, ocupando uma posição
decorativa (RICOTTA, 2002). Portanto, enquanto relações extraconjugais masculinas eram
comuns, especialmente as com parceiros do mesmo sexo, a infidelidade feminina não era aceita
pelos gregos.
Na Antiguidade Romana, um dos pilares de nossa cultura contemporânea, de acordo com
11
Vainfas (1992), o casamento estava vinculado à formação da descendência e à transmissão do
patrimônio. No final do Império Romano, a vontade dos noivos começou a ter alguma influência
na união. Todavia, eram comuns relações entre homens casados e concubinas, sendo que a
infidelidade feminina não era tolerada.
Também em Roma Antiga, a intolerância à infidelidade feminina era perceptível na
obrigação que a esposa tinha de não permitir ser violada, sendo que mulheres vítimas de estupro
poderiam ser condenadas à morte. Tratava-se do dever de garantir que os filhos seriam
indubitavelmente descendentes sanguíneos do cônjuge. A fidelidade não se relacionava a um
sentimento conjugal, mas era uma consequência do dever da mulher em garantir que seu cônjuge
iria investir confiavelmente em sua própria descendência (PEREIRA, 2009).
Com a difusão do Cristianismo, o casamento passou a ter significado simbólico e
sacramental, e os noivos o consentiam livremente (RICOTTA, 2002), o que, no entanto, não
significava escolha livre do parceiro. No século IX, a Igreja passou a ser mais atuante e
estabeleceu normas a respeito do casamento, como a de que o ato carnal não deveria visar o
prazer, mas a procriação, e a de que a esposa não poderia ser repudiada, salvo por adultério. Estas
normas mostram a função reprodutora do casamento e reafirmam a importância da fidelidade
feminina ao longo da história (VAINFAS, 1992).
Nos séculos XII e XIII, obrigava-se o ato carnal, mas se condenava o excesso. Os
movimentos do ato deveriam ser controlados e não poderia haver paixão entre os parceiros,
objetivava-se apenas a procriação. O lugar e o tempo do coito eram pré-estabelecidos, sendo o ato
proibido, por exemplo, durante a gravidez e a menstruação, pois durante esses períodos não
atenderia à sua função procriadora (VAINFAS, 1992).
O controle do prazer sexual no casamento instaurado pelo Cristianismo estava associado à
desvalorização simbólica e social da mulher, à qual era atribuída, devido à sua natureza, a
essência da maternidade. Ela era excluída da esfera pública e acreditava-se em sua inferioridade
social e política (ROSADO-NUNES, 2008). Esta crença foi questionada com alguma eficiência,
nas sociedades ocidentais, apenas a partir do século XX.
A história do casamento está diretamente relacionada à história da sexualidade. Foucault
(1977) mostra como a produção da sexualidade está ligada a dispositivos de poder, o que
consideramos como a melhor maneira de compreender a desigualdade entre homens e mulheres,
mesmo na atualidade. Na perspectiva do autor, inicialmente, a sexualidade fez parte de uma
12
técnica de poder centrada na aliança, na qual ficou estabelecido um sistema de casamento,
fixação de parentescos e transmissão de nomes e bens. Posteriormente, o dispositivo da
sexualidade não mais se referia à lei, mas ao próprio corpo e aos prazeres. O sistema de aliança
passou então para a ordem da sexualidade. A função do dispositivo de sexualidade na forma de
família permite compreender porque ela mantém a homeostase do corpo social e se tornou lugar
obrigatório dos afetos, além de ser o principal ponto de eclosão da sexualidade.
Como afirma Foucault (1977), o dispositivo da sexualidade na forma de família leva à
compreensão dos motivos pelos quais ela tornou-se lugar obrigatório do amor. Todavia, o amor
também não se impôs como valor no matrimônio antes do século XIX ou XX. Até esse período,
amar significava entrar na religião, dedicar-se à caridade e ser obediente.
No século XII e nos seguintes, o amor entre os cônjuges não pertencia ao matrimônio,
exceto quando se tratava de uma representação terrena da erótica celeste. Como foi banido do
casamento, o amor buscava seu estímulo em relações ilícitas. Tal fato exemplifica um dos
motivos da infidelidade nesta época (RICOTTA, 2002).
Com o Romantismo, no século XVII, o amor passou a ser considerado como força
poderosa e a finalidade nobre da vida. Todavia, embora os homens falassem de amor, fugiam da
sexualidade e a mulher apreciada era aquela acanhada e virgem. Ela deveria ser frágil, temerosa,
necessitada de ser amparada por um homem robusto, caseiro e devotado à família (RICOTTA,
2002).
Segundo Ricotta (2002), a Era Vitoriana, no século XIX, foi caracterizada por uma
veneração à demonstração do amor romântico. O sexo no casamento não era mais considerado
pecaminoso, mas algo da natureza inferior do homem, de modo que somente as prostitutas
podiam manifestar desejos sexuais. Nos finais do século XIX e início do século XX, houve alto
índice de prostituição e de doenças venéreas. O casamento era incompleto e insatisfatório. Assim,
nesse momento histórico, embora houvesse demonstração do amor romântico, a forma de amor
estava ligada à preservação da família e da sociedade, e não era fonte de satisfação e realização
pessoal.
O século XX foi considerado a Era do Amor, sendo que este sentimento era dado como a
condição para uma vida feliz. Houve combinação de sexo, amizade, afeto e procriação. As
relações passaram a se voltar para o presente, já que com a Primeira Guerra Mundial, não se sabia
se os parceiros estariam vivos no outro dia (RICOTTA, 2002).
13
Como o presente estudo pretende compreender a experiência de mulheres que
vivenciaram a infidelidade de seus cônjuges e identificar as perdas envolvidas nesse processo, é
importante perceber como a igualdade ou aspiração de igualdade entre os sexos no
relacionamento conjugal ocidental é recente. Del Priore e Bassanezi (1997), em estudo a respeito
das revistas femininas dos anos 50, no Brasil, mostram-nos as ideias predominantes na época a
respeito da sexualidade conjugal e, mais especificamente, da infidelidade conjugal masculina. Em
matéria do Jornal das Moças de abril de 1952, foi encontrado o seguinte teste:
Teste de Bom Senso: Suponhamos que você venha, a saber, que seu marido a engana,
mas tudo não passa de uma aventura banal, como há tantas na vida dos homens. Que
faria você?
1. Uma violenta cena de ciúmes?
2. Fingiria ignorar tudo e esmerar-se-ia no cuidado pessoal para atraí-lo?
3. Deixaria a casa imediatamente?
Resposta
*A primeira resposta revela um temperamento incontrolado e com isso se arrisca a
perder o marido, que, após uma dessas pequenas infidelidades, volta mais carinhoso e
com certo remorso.
*A segunda resposta é mais acertada. Com isso atrairia novamente seu marido e tudo se
solucionaria inteligentemente.
*A terceira é mais insensata. Qual mulher inteligente que deixa o marido só porque sabe
de uma infidelidade? O temperamento poligâmico do homem é uma verdade; portanto, é
inútil combatê-lo. Trata-se de um fato biológico que para ele não tem importância. (DEL
PRIORE e BASSANEZI, 1997, p. 607).
Desse modo, enquanto a sexualidade feminina deveria ser restrita ao casamento,
relacionamentos extraconjugais masculinos eram aceitáveis e naturalizados. Destaca-se a crença
de um “temperamento poligâmico do homem” em 1950, o que justificava a infidelidade conjugal
masculina.
Santos (1987) analisou mudanças em uma revista feminina nas décadas de 60 e 70,
período em que conhecimentos psicológicos foram difundidos e mudanças profundas na
mentalidade, nos valores e comportamentos marcaram a sociedade brasileira. A autora examinou
a coluna “A Arte de ser mulher” da revista Cláudia, e percebeu a maneira como D. Letícia, uma
consultora leiga responsável pela coluna, aconselhava as mulheres de modo a contribuir para
consolidar as diferenças entre os sexos, e a mudança radical ocorrida quando em 1963 quando ela
foi substituída por uma psicanalista.
D. Letícia aconselhou uma mulher casada, com filhos e que se queixava da infidelidade
de seu cônjuge da seguinte maneira: “Suporte-o pelos seus filhos. Procure apenas controlá-lo,
exercendo uma discreta e firme defesa de seus direitos, enquanto dura essa fase lamentável na
14
vida de todos os homens” (LETÍCIA, 1962 apud SANTOS, 1987, p.93). A infidelidade
masculina era concebida, assim, como parte da natureza do homem.
Santos (1987) discute como a infidelidade masculina, nos textos de D. Letícia, parecia
simbolizar traços fomentados nos homens, como independência, tenacidade e autoconfiança. D.
Letícia explicou às mulheres como deveriam proceder para não sufocarem em seus maridos
aquilo que os definem como homens: “Todos os homens têm dentro de si um diabinho
extravagante que os arrasta fora dos trilhos traçados. São pequenas manias, hobbies, viciozinhos
que é sempre perigoso contrariar” (LETÍCIA, 1961 apud SANTOS, 1987, p.94). Desse modo, os
homens eram apresentados como essencialmente infiéis e mulherengos. Reinava a certeza de que
homens e mulheres eram, em sua natureza, essencialmente diferentes (SANTOS, 1987).
Quando a psicanalista Carmen da Silva tornou-se a consultora responsável pela coluna,
novos valores que equipararam homem e mulher passaram a ser difundidos. Para ela, parecia
importante ampliar as possibilidades de escolha, de autonomia e independência da mulher, além
de buscar soluções individuais e únicas para realização de desejos antes considerados ilegítimos.
Ao contrário do casamento tradicional, no qual se esperava que a mulher renunciasse às
aspirações individuais em prol do cônjuge e dos filhos, Carmem da Silva defendia a flexibilidade
de papéis (SANTOS, 1987).
A partir dos parágrafos anteriores, é possível perceber que as mulheres, ao longo da
história, foram destinadas à dependência e à submissão enquanto a infidelidade masculina era
naturalizada. As análises de revistas femininas das décadas de 50, 60 e 70 revelam que o
casamento era uma relação hierárquica e, durante esse período, a hierarquia e a diferença de
privilégios entre os membros da família passaram a ser questionadas sistematicamente e a
ideologia do igualitarismo exerceu grande impacto sobre as famílias.
Figueira (1987) menciona as diferenças entre a família hierárquica e a igualitária. A
família hierárquica era marcada pela crença de que o poder masculino era superior ao feminino, o
que era caracterizado pela relação privilegiada do homem com o trabalho fora de casa e pelo fato
de que a exclusividade sexual poderia ser esperada apenas pelo homem com relação à mulher, e
não vice-versa. O adulto também era visto como superior à criança. Na família hierárquica,
portanto, a identidade era definida a partir da posição ocupada, sexo e idade.
Quando este tipo de relação familiar foi questionado, surgiu a família igualitária
caracterizada pela identidade idiossincrática, ou seja, homem e mulher se percebem como
15
diferentes pessoal e idiossincraticamente, mas como iguais porque indivíduos (FIGUEIRA,
1987). Assim sendo, o processo de transformação da família hierárquica para a igualitária alterou
substancialmente o relacionamento entre homens e mulheres, o que ocorreu simultaneamente a
mudanças políticas, sociais e legais.
Com os primórdios do Movimento Feminista, ainda no século XX, as mulheres obtiveram
diversas conquistas. Elas foram consideradas capazes de estabelecer amizade com seus maridos e
consideradas como seres iguais. Nesse mesmo período, o divórcio passou a dispensar o
consentimento eclesiástico (RICOTTA, 2002).
Em 1942, o Artigo 315 do Código Civil estabeleceu o desquite, uma dissolução da
sociedade conjugal, pela qual se separam os cônjuges e seus bens, sem quebra do vínculo
matrimonial. Neste mesmo ano, houve a regulamentação da anulação do casamento (ABREU,
2005). Em 1977, foi instituído o divórcio (Lei 6.515, de 26/12/1977) lei esta que permitiu que os
divorciados contraíssem um novo matrimônio. Destaca-se que a possibilidade do rompimento do
casamento surgiu a partir da emancipação feminina, liberdade sexual e a valorização do amor no
relacionamento conjugal (COSTA, 2006).
A partir dos anos 60, no exterior, e dos anos 70, no Brasil, tomou impulso as mudanças
sobre a posição de homens e mulheres. O que a princípio era uma luta pela igualdade em termos
de lei e direitos trabalhistas para as mulheres, chegou rapidamente às relações interpessoais,
refletindo no papel da mulher na família e junto ao seu parceiro. A mulher passou a ter mais
liberdade, inclusive sexual. Ela ainda obteve maior autossuficiência, colocando em questão
antigas crenças baseadas na dependência feminina frente ao homem (MORAES, 1999).
Podendo usufruir de seu próprio dinheiro, a mulher ganhou maior autonomia e mais
segurança no relacionamento conjugal. Muitas mulheres passaram a se casar não mais para
garantir seu sustento financeiro, não necessitando permanecer em casamentos insatisfatórios
(COSTA, 2006).
Algumas mulheres passaram a ter voz ativa, com uma reinvindicação de igualdade entre
homens e mulheres. Tornou-se cada vez mais importante para a mulher estudar, ter uma
carreira própria e participar do orçamento doméstico, o que introduziu o questionamento das
relações de poder e hierarquia, tanto no âmbito doméstico quanto no social. Foram
levantadas questões relacionadas à divisão de papéis no casamento, tornando a satisfação
afetiva e sexual mútua um componente fundamental para a continuidade no relacionamento,
16
por parte das mulheres.
Neste contexto, o amor passou a ser mais importante do que o ato de procriar e a mulher
pôde viver o casamento dissociado do sustento por ter alcançado independência financeira. A
maior independência econômica e emocional da mulher modificou significativamente o quadro
do casamento nos últimos anos, visto que este é caracterizado pela busca do sentimento amoroso
e de prazer sexual, ao invés uma relação de dependência econômica e afetiva (COSTA, 2006). As
mudanças do papel da mulher ao longo da história contribuíram para que atualmente, em nossa
sociedade, o casamento esteja relacionado ao amor e ao desejo. Vale destacar que muitas
mulheres ainda não alcançaram independência, de maneira que, na sociedade ocidental atual, é
perceptível a convivência de valores hierárquicos e igualitários (FIGUEIRA, 1987).
Na sociedade contemporânea, além do prazer sexual estar diretamente relacionada ao
casamento, o sexo encontra-se dissociado da procriação. Segundo Rios e Gomes (2009), o
casamento e a maternidade passaram a ser opção ao invés de destino, e a mulher passou a possuir
maiores possibilidades de se sentir independente. Com isso, muitas pessoas têm optado por não
ter filhos e a conjugalidade mostra-se pautada nas questões da afetividade, das escolhas
subjetivas pessoais e do desejo.
Este breve delineamento histórico mostra como prazer sexual, amor e casamento
tornaram-se uma expectativa conjunta apenas nas sociedades contemporâneas ocidentais.
Atualmente, a maioria das pessoas casa-se buscando satisfação pessoal e prazer no casamento. As
pessoas buscam também o amor mútuo, considerado a base do relacionamento conjugal, o que é
muito recente em nossa história.
Tendo sido apresentados aspectos históricos referentes ao casamento, ao amor e à
sexualidade, discutiremos a seguir o relacionamento conjugal na atualidade.
Relacionamento conjugal na atualidade
Como descrito no início deste estudo, nem sempre o casamento foi uma escolha dos
cônjuges e tampouco fonte de satisfação pessoal. Atualmente, busca-se o casamento como
realização e bem-estar pessoal.
O processo de transformação social é tão acelerado que têm surgido novos arranjos
matrimoniais e diferentes possibilidades de viver sua conjugalidade. Além das várias formas de
relacionamentos afetivo-sexuais, a diversidade da família atual é perceptível. Rios e Gomes
17
(2009) citam que a família atual pode ser nuclear, monoparental, homoparental, recomposta,
desconstruída, gerada artificialmente, entre tantas possibilidades. Dessa maneira, as pessoas
buscam ser felizes, elas se unem por razões próprias e pessoais, e não mais para preservar a
linhagem familiar ou proteger o patrimônio da família.
Uma das principais características dos relacionamentos amorosos e conjugais da
atualidade refere-se à demanda de satisfação conjugal, que implica em um processo no qual os
parceiros sentem as próprias necessidades e desejos satisfeitos, assim como correspondem ao
que o outro espera, definindo um dar e receber recíproco e espontâneo (NORGREN, 2002).
Na perspectiva que Bruckner (2002), fazemos de tudo para sermos felizes e buscamos a
felicidade em todos os lugares. A depressão é resultante da imposição de felicidade a qualquer
preço que impera em nossa sociedade atualmente, na qual as pessoas sentem vergonha quando
não estão felizes. Nesse contexto de busca de felicidade e satisfação pessoal, esses valores
também são buscados no casamento.
Calligaris (2001) menciona que a paixão pelo novo tem como consequência o surgimento
da cultura do descartável. As pessoas frequentemente odeiam a mesmice, buscam a novidade, e
por viverem em um sistema de consumo, o cônjuge torna-se culpado pela desistência do novo e
tédio. Com isso, o casal é simplesmente jogado fora quando não funciona mais.
Giddens (1993) identifica dois processos relativos à qualidade das relações conjugais: a
emergência da sexualidade plástica e do amor confluente. A sexualidade plástica é descrita pelo
autor como o rompimento entre a sexualidade e a reprodução, através dos métodos
contraceptivos e das técnicas reprodutivas. O casamento deixou de ser o sustentáculo
indissolúvel da família tornando-se uma aliança definida por escolhas mais autônomas, pelo
igualitarismo, pelo prazer mútuo e pela satisfação emocional. Nesse contexto, a busca de
satisfação no relacionamento amoroso tornou-se o tema central da vida adulta.
Desse modo, ao olharmos para a história dos relacionamentos conjugais nos quais a
mulher submetia-se ao homem em relacionamentos hierárquicos, percebemos que as
transformações ocorridas significam uma maior autonomia, principalmente para a mulher, e a
possibilidade de relações igualitárias.
Para Costa (2006), uma das características de um bom relacionamento é o
compartilhamento de atividades e interesses comuns aos cônjuges, com a manutenção simultânea
de interesses particulares. Em outras palavras, é necessário que marido e mulher compartilhem
18
seu tempo, afeto, interesses, porém, mantendo suas individualidades. Dessa forma, um cônjuge
torna-se complemento do outro, ao invés de uma extensão.
Féres-Carneiro (1998) aponta que constituir um casal exige a criação de uma identidade
conjugal, mas o casal contemporâneo é confrontado, o tempo todo, por duas forças antagônicas,
havendo um difícil convívio da individualidade com a conjugalidade. Para a autora, o fascínio e a
dificuldade de ser casal está no fato de o casal encerrar duas individualidades e uma
conjugalidade, ou seja, de o casal conter dois sujeitos, duas identidades individuais que, na
relação amorosa, convivem com uma conjugalidade, uma identidade conjugal.
Nicolló (1995) mostra a contradição da relação conjugal ao afirmar que o espaço interno
do casal trata-se de um espaço de oscilação contínua, no qual cada cônjuge é uma "extensão do
outro", mas simultaneamente é "diferenciado do outro". A vida psíquica deve permitir a presença
simultânea da capacidade de viver a fusão e da capacidade de se diferenciar do outro. Dessa
forma, é necessário ser “um" sendo "dois".
Berger e Kellner (1970) descrevem o casamento como um ato dramático, no qual dois
estranhos que tiveram um passado individual diferente, se encontram e se redefinem. Para eles, o
casal constrói não apenas a realidade presente, mas reconstrói a realidade passada, fabricando
uma memória comum na qual está integrada dois passados individuais. Ainda na perspectiva dos
autores, o casamento possui relevância institucional e serve como proteção contra a anomia do
indivíduo, como um instrumento de construção nômica. Desta forma, o casamento tem como
função social criar para o indivíduo uma ordem, para que ele possa experimentar a vida com
algum sentido.
Mudanças vêm ocorrendo, mas o casamento é ainda mais valorizado (FÉRESCARNEIRO, 1998; JABLONSKI, 2003). O casamento continua sendo um dos sonhos que o ser
humano mais ambiciona realizar, mesmo após o fracasso de uma ou mais experiências. A relação
conjugal faz parte do processo de desenvolvimento do indivíduo, que necessita de um parceiro
para complementá-lo (JABLONSKI, 2003).
No ideal contemporâneo de casamento, deseja-se o outro por inteiro, o que traz como
consequência um aumento das expectativas, uma idealização do outro e uma exigência elevada
consigo mesmo. As pessoas divorciam-se não porque desvalorizam o casamento, mas porque sua
importância é tão grande que os casais não aceitam que ele não corresponda às suas expectativas.
É exatamente por isso que os divorciados acabam buscando o recasamento, o que mostra o
19
grande valor dado ao relacionamento conjugal na sociedade contemporânea (FÉRESCARNEIRO, 1998).
Ao levarmos em conta que homens e mulheres desfrutam de uma considerável liberdade e
autonomia atualmente, sendo possível manter vínculos separados entre amor e sexo, pode parecer
antiquado discutir sobre a permanência do ideal romântico nos relacionamentos afetivo-sexuais
como condição importante para a felicidade, o que inclui a expectativa de fidelidade nesses
relacionamentos. Todavia, a expectativa de exclusividade nos relacionamentos afetivo-sexuais e a
idealização do parceiro e do relacionamento estão presentes e motivam as uniões conjugais. Por
isso, a seguir, discutiremos a persistência do ideal de amor romântico na sociedade ocidental, a
consequente exigência de fidelidade trazida por esse ideal, e sua difícil convivência com os
desejos de liberdade e individualidade.
A fidelidade está atada ao amor romântico, herdeiro do mito da existência de uma metade,
uma alma gêmea, que pode completar cada indivíduo e possibilitar uma fusão amorosa completa.
O romantismo reinterpretou o mito dos andrógenos, mencionado por Platão, em “O Banquete”.
Foi analisado o aspecto referente aos seres primordiais que ansiavam tomar poder de Zeus. Este
os partiu no meio e os condenou a viver vagando pelo mundo em busca de sua outra metade, com
o objetivo de refazer sua unidade originária, mantendo a crença de que para cada indivíduo existe
um parceiro amoroso ideal que irá satisfazê-lo plenamente (HADDAD, 2009).
Green (1988, p.47) afirma: “O amor não existe sem uma idealização”. O ideal de amor
romântico leva em conta uma união conjugal duradoura e exclusiva, que implica um sentimento
de completude sexual e amorosa (HADDAD, 2009). Segundo Lejarraga (2002), o objeto
escolhido deve ser único, insubstituível e fiel, o único capaz de produzir uma satisfação sexual
plena. A fidelidade, então, além de ser parte integrante dessa idealização amorosa, é causa
recorrente das dores de amor.
Costa (1998) cita que a persistência do caráter idealizado do amor no imaginário popular
é confirmada pelas referências oferecidas pela cultura, como nos filmes e telenovelas, e até
mesmo pelo privilégio que as relações amorosas ocupam nas demandas de análise, o que indica
sua naturalização. Por outro lado, o desejo de ser o objeto insubstituível de amor, sexo, e gratidão
de outro indivíduo não encontra possibilidade de ser concretizado na contemporaneidade. Para
Costa (1998), a insistência da aspiração à junção do amor e sexo convergindo na escolha amorosa
de um único sujeito seria um equívoco.
20
Tanto Goldenberg (2004) quanto Heilborn (2004) realizaram pesquisas no universo social
das camadas médias urbanas cariocas e perceberam a existência de um paradoxo. Em ambas as
pesquisas, a maioria dos participantes afirmou apostar em um relacionamento afetivo-sexual
duradouro e exclusivo, mas reconhece a dificuldade na manutenção da fidelidade ao parceiro. Foi
perceptível que, embora a união permanente entre os casais tenha sofrido grandes
transformações, o ideal romântico permanece de forma majoritária, mas é difícil a convivência do
desejo de exclusividade sexual com uma intenção de liberdade. Há, portanto, um desajuste entre
o ideal almejado e a experiência vivida.
A fidelidade continua sendo um quesito reverenciado nas uniões amorosas modernas. Ela
serviu à manutenção da família tradicional, regulou a obrigação moral da monogamia e ainda
reina como norma nos relacionamentos afetivo-sexuais no mundo ocidental. Todavia, a fidelidade
habita um território complexo e sua teia de significações vai além da moral, das leis e dos bons
costumes (HADDAD, 2009).
O anseio por fidelidade relaciona-se à necessidade de se sentir amado e valorizado de
forma exclusiva, sendo exigida como prova de amor verdadeiro. As promessas de fidelidade
acabam por produzir imaginariamente um amálgama entre amor e sexo. Embora a condição do
amor romântico seja essa ilusão de completude, a infidelidade revela insistentemente o caráter
ilusório dessa construção social. Haddad (2009, p. 174) afirma: “A expectativa de fidelidade
parece tentar encobrir a verdade sobre a necessidade de aceitar a atenuação do prazer absoluto,
assim como as infidelidades desvendam essa ilusão”.
A liberdade sexual atual não impede a busca por uma união mítica, e a realização de
acordos mútuos que forneçam um mínimo de certezas. Conforme Haddad (2009, p. 176):
“Embora a transitoriedade do amor seja mais aceita, ele faz parte mais do que nunca das grandes
ilusões humanas ocidentais, já que seu reiterado fracasso não parece fazer com que se abdique de
buscá-lo assim como de se esperar a fidelidade do amado”. Assim, na perspectiva da autora, não
é fácil renunciar a essa promessa de exclusividade e completude que se mantém através do amor
romântico.
Os relacionamentos afetivo-sexuais atuais são constituídos por indivíduos que apostam no
amor verdadeiro, mas, ao mesmo tempo, acreditam que o amor é ilusório, e no espaço entre uma
crença e outra circulam negociações que podem ou não sustentar a relação amorosa. Talvez o
próprio romantismo, em sua constituição paradoxal, insista em encantar o mundo através da
21
busca de uma unidade total, mesmo consciente de que tal anseio seja impossível.
Quem sabe seja esse adjetivo romântico que guarde o paradoxo do ideal amoroso, ao
comportar a reflexão e a utopia, a consciência da perda e a esperança em resgatá-la, a
experiência do limite e a luta para superá-lo, mantendo-se como um espaço ainda
importante para nossos sonhos e ilusões (HADDAD, 2009, p.180).
Na perspectiva da autora, muitas das aspirações dos indivíduos na contemporaneidade
entram em contradição com seus ideais. Todavia, o ideal romântico ainda produz efeitos de um
real, move a produção de um acervo poético e está no centro das escolhas amorosas, o que
enfatiza a importância de se refletir sobre sua permanência na atualidade.
Ao mesmo tempo em que a fidelidade promete segurança para aqueles que sonham com
uma união duradoura, confronta com a liberdade que cada um deseja para si. Conflitos surgem
quando o desejo de manter um relacionamento afetivo-sexual duradouro nos moldes do amor
romântico é confrontado com a infidelidade (HADDAD, 2009).
A aposta do amor romântico é elevada, ao propor que um laço de amor com um único
parceiro possa sustentar uma ligação conjugal eterna que realize funções diversas, como: a
satisfação erótica, o sentimento de amar e ser amado, cumplicidade, fidelidade, entre outras.
“Tamanhas expectativas depositadas sobre as relações com um parceiro constituem o terreno
propício para a frustração e para a decepção desse projeto de realização erótica e existencial a
dois, tão ardentemente acalentado” (PEREIRA, 2009, p.15).
Desse modo, o ideal romântico e a expectativa de fidelidade estão presentes em nossa
sociedade, mesmo que paradoxais ao anseio por liberdade, que também é recorrente. A
infidelidade conjugal pode ser frustrante por interromper o projeto romântico tão almejado,
sonhado e idealizado.
Portanto, a partir dos parágrafos anteriores, foi possível perceber que mudanças no
relacionamento conjugal ocorreram ao longo do tempo e o casamento é almejado nos dias atuais.
As pessoas casam-se repletas de desejos, expectativas e idealizações referentes a seus parceiros e
ao próprio relacionamento conjugal. A valorização do relacionamento conjugal torna relevante
pesquisar também a respeito da infidelidade, que pode ocorrer tanto no namoro quanto no
casamento, acarretando em frustração e decepção. Com a descoberta ou revelação da infidelidade
conjugal, escolhida como nosso objeto de estudo, há um processo de enlutamento pelas perdas
envolvidas, por isso, estes temas também serão aqui desenvolvidos. A seguir, questões referentes
22
especificamente à infidelidade conjugal serão discutidas.
23
2. INFIDELIDADE CONJUGAL
Infame, dá-me a prova de que minha mulher é prostituta. Fica certo: quero prova
evidente; ou, pelo mérito de minha alma imortal, melhor te fora teres nascido cão que
responderes agora à minha cólera desperta.
William Shakespeare. Otelo, o Mouro de Veneza.
(Martin Claret, 2004, p.58).
O trecho de “Otelo, o Mouro de Veneza”, de Shakespeare, ilustra uma temática bastante
instigante na literatura: a infidelidade conjugal.
Shakespeare tematiza as consequências da simples desconfiança de infidelidade. Na
tragédia “Otelo”, composta no século XVII, o autor mostra a suspeita de Otelo de que sua esposa
Desdêmona o esteja traindo com um de seus soldados. Otelo enlouquece de ciúme e acaba
assassinando sua esposa, inocente.
Machado de Assis também aponta consequências trágicas da desconfiança da infidelidade
feminina em seu romance “Dom Casmurro”. A possibilidade da traição de Capitu com seu
melhor amigo fez com que Bentinho pensasse até mesmo em tomar um veneno - descrito no livro
como “uma substância” - para se matar, o que revela a agonia vivenciada por ele devido à suposta
traição.
Consequências negativas da infidelidade feminina também são mencionadas em “O Primo
Basílio”, no qual Luísa acaba enfraquecida após suportar a tirania de sua empregada, que a
ameaçava por saber de seu romance secreto. Luísa foi acometida por uma violenta febre e
morreu. Basílio, que havia fugido, deixando-a sem apoio, voltou e com seu cinismo, revelou que
Luísa fora apenas usada e jamais amada por ele.
É perceptível que na literatura clássica o tema da infidelidade conjugal relacionou-se à
ideia de punição e tragédia feminina, o que se relaciona ao fato de a infidelidade masculina ter
sido aceita ao longo da história, havendo condenação apenas para a mulher infiel.
A infidelidade conjugal esteve presente não apenas na burguesia ociosa, descrita
frequentemente por autores durante o Realismo, ou na sociedade inglesa do século XVII, mas
ocorre no nosso cotidiano. A despeito de a escolha dos cônjuges pelo casamento e da
possibilidade de sua ruptura, muitas pessoas são infiéis. E assim como Bentinho ou Otelo, muitos
têm sofrido as consequências da infidelidade ou até mesmo da simples desconfiança de tal prática
nos dias atuais. Destaca-se, no entanto, a desigualdade de gênero. Enquanto os sentimentos ou a
24
honra destes homens são feridos, o que ocorre com as mulheres é outro tipo de violência no
passado e no presente. A despeito de leis mais severas e da maior visibilidade da violência contra
a mulher, persiste um número alarmante de crimes justificados como passionais, em nome da
honra masculina. Assim, Westin (2013), no Jornal do Senado de 4 de julho de 2013, indica que a
cada 15 segundos, uma mulher é agredida no Brasil. A cada duas horas, uma é assassinada. Nas
últimas três décadas, 92 mil brasileiras perderam a vida de forma violenta. A própria casa é o
lugar mais perigoso para a mulher e o parceiro, seu maior algoz.
Aspectos históricos da infidelidade conjugal
Conforme apresentado no presente estudo, ao longo do tempo, houve condenação para
aqueles que praticaram infidelidade, principalmente para a mulher. Segundo Vainfas (1992), a
Igreja fez com que a noção de sexo como um mal persistisse e havia condenação para diversas
práticas sexuais, entre elas, o adultério. Antes do século XI, a prática judiciária estabelecia
desigualdade entre os sexos, castigava levemente o adultério do marido e fixava rigorosas
punições para a transgressão da esposa, sendo seu ato considerado uma causa justa para o
divórcio. Puniam-se pecados que ameaçavam a instituição matrimonial. Foi apenas após o século
XI que se passou a punir os homens que praticavam o rapto, principalmente se ele roubasse a
mulher de outrem. O autor afirma:
Os severos castigos aos adúlteros aplicavam-se às situações de raptura, nas quais um
homem raptava a esposa alheia ou repudiava a sua própria. Por detrás da rigorosa
condenação ao adultério encontrava-se, pois, a luta pela indissolubilidade matrimonial.
(VAINFAS, 1992, p.78).
Os livros hebreus não defendiam uma monogamia estrita por admitirem o adultério
masculino ao lado da união legítima e condenarem apenas os homens que repudiassem suas
próprias esposas ou raptassem a esposa alheia. Havia mais permissividade para a prática do
adultério masculino que o feminino. Vainfas (1992) afirma que quando o adultério era praticado
pela mulher, este era reconhecido como motivo suficiente para o divórcio e ela poderia até
mesmo ser punida com a morte pela lei civil. Contudo, quando o adultério era cometido pelo
homem, este só era punido com rigor se implicasse rapto da esposa alheia, sendo maior a
penitência se o raptor fosse casado.
Diaz-Santos (1973) também mostra a condenação inerente à infidelidade feminina na
25
Antiguidade. Segundo a autora, a Lei Mosaica ou de Moisés, descrita na Torá, já tratava o
adultério como um delito extremamente grave, castigado com a morte dos culpados. No Egito, a
mulher adúltera sofria a mutilação de seu nariz e a morte era reservada para o seu amante. Na
Índia, o adultério implicava em dupla ofensa, aos deuses e à indesejada mistura de raças. Por isso,
a mulher deveria ser devorada por cachorros em praça pública. Entre os chineses, caso a adúltera
tivesse planejado a morte do esposo, ela seria mutilada pouco a pouco, numa ordem determinada
por sorteio de papéis nos quais estava escrito a parte do corpo a ser cortada. Já em Roma, a
mulher adúltera era castigada com o desterro e o confisco de metade de seu patrimônio. Durante a
era de Justiniano, a adúltera era açoitada e trancada num mosteiro, e se, durante dois anos o
marido não a reclamasse ou viesse a falecer sem perdoá-la, as religiosas aplicavam-lhe um
castigo e uma surra, diante de toda a comunidade. Ainda na perspectiva da autora, é no Direito
Romano que passa a ser reconhecido o perdão como causa de extinção da responsabilidade pelo
adultério, quando o marido permanecia ao lado da esposa adúltera. Desta forma, é perceptível que
na Antiguidade, a infidelidade masculina era tolerada, ao contrário da infidelidade praticada pela
mulher.
Nos primórdios da Modernidade no Ocidente, com a continuação de uma longa tradição, a
primazia de sexualidade masculina assegurava aos homens o poder social e político. A moral era
pensada por homens e endereçada aos homens. As mulheres, por outro lado, eram desqualificadas
culturalmente enquanto sujeitos (HADDAD, 2009).
O cenário sociocultural burguês foi marcado por uma dupla moral que permitia aos
homens dividir-se entre mulheres santas e prostitutas, e defendia a maior necessidade de
relacionamentos sexuais do homem, quer no que se refere à frequência de relações sexuais, quer
no que se refere à variedade de parceiras. Eles podiam extravasar seus excessos sexuais com
mulheres moralmente depreciadas, mas as mulheres não recatadas, que expunham sua
sensualidade, eram motivo de desconforto geral. Tal fato contribuiu para a naturalização da
infidelidade masculina, ou seja, como uma consequência direta de seu sexo e não uma construção
social, discurso que ainda faz parte do imaginário ocidental atual (HADDAD, 2009). A
masculinidade atravessou a história ocidental moderna como equivalente à virilidade, sendo que
as infidelidades masculinas ajudaram a manter o mito do bom desempenho sexual (FRANÇA,
2005).
As relações de domínio entre os sexos circunscreveram-se no contexto cultural de cada
26
época, sendo a igualdade de direitos inédita na história da civilização. Atualmente, de maneira
lenta, alguns tabus e mitos relacionados à dominação masculina têm sido desconstruídos. A
naturalização da infidelidade masculina, por exemplo, encontra-se hoje entre as negociações de
cada par diante de suas demandas de amor e sexo, tendo sofrido um desgaste referente ao lugar
de conforto no qual permaneceu durante séculos no Ocidente moderno (HADDAD, 2009).
No presente estudo, que tem como objeto a experiência de mulheres que vivenciaram a
infidelidade de seus cônjuges, é interessante notar como as relações extraconjugais masculinas
foram toleradas ao longo da história, visto que as relações conjugais eram hierárquicas e o poder
concentrava-se nas mãos dos homens. Embora nos relacionamentos conjugais atuais, aspire-se
por igualdade e busca por satisfação para ambos os sexos, podemos admitir com Figueira (1987)
que a mudança no ideal social é mais fácil de ser realizada do que aquela da subjetividade e dos
relacionamentos familiares, fazendo com que ideais modernos e arcaicos coexistam na família
brasileira. E, mesmo tendo-se passado décadas de seu estudo, percebe-se que esta igualdade ainda
é mais desejo ou crença do que realidade, pois, como afirmado por Haddad (2000), muitas das
aspirações dos indivíduos na contemporaneidade entram em contradição com seus ideais, o que
também se aplica ao desejo de igualdade entre os sexos.
Tendo sido apresentados os aspectos históricos referentes à infidelidade, a seguir,
apresentaremos as definições de infidelidade conjugal e aquela que optamos por utilizar no
presente trabalho. Será também descrito o dever na fidelidade em nosso país.
Definições de infidelidade conjugal e o dever da fidelidade no Brasil
A infidelidade é um conceito mais amplo que o adultério. O Código Civil de 2002, no
artigo 1.573, cita o adultério como um dos motivos que pode caracterizar a impossibilidade da
comunhão de vida. Segundo Diniz (2002, p.259), “o adultério (CC, art. 1.573, I) é a infração ao
dever recíproco de fidelidade, desde que haja voluntariedade de ação e consumação da cópula
propriamente dita”. Como se pode notar, essa definição não inclui relacionamentos afetivos nos
quais não haja intercurso sexual.
Quanto à infidelidade, há diferentes aportes para seu conceito. Brand et al., (2007, p.4)
definem-na como “qualquer forma de envolvimento romântico e/ou sexual, de curto ou longo
período, incluindo o beijo, enquanto o indivíduo está num relacionamento com outra pessoa”.
27
Drigotas, Safstrom e Gentilla (1999) conceituam a infidelidade como uma combinação do
sentimento de que o parceiro violou uma norma do relacionamento e do fato de que a
violação desta norma geralmente provoca ciúme e rivalidade sexual.
No presente estudo, trabalharemos com a noção de infidelidade proposta por Brand et al.
(2007), considerando-a como envolvendo tanto a infidelidade sexual como a emocional. Nossa
opção deve-se ao fato de que a concepção de infidelidade é subjetiva. Além disso, limitaremos o
estudo à infidelidade conjugal.
Na sociedade ocidental, é comum a exigência de fidelidade ao parceiro conjugal, pois,
segundo Jablonski (1991), sob influência da tradição judaico-cristã, a exclusividade sexual no
casamento é socialmente legitimada. Destaca-se que o estudo de Jablonski citado acima foi
publicado em 1991, e, por isso, é necessário cautela ao citá-lo, visto que transformações com
relação aos valores e crenças da população ocorreram de maneira acelerada nas últimas décadas.
Por outro lado, fazer referência ao mesmo é útil, pois no Brasil, são poucos os artigos científicos
ou livros publicados envolvendo a temática da infidelidade conjugal.
Madaleno (2008, p.3) fala a respeito do dever da fidelidade no Brasil e afirma:
No Direito brasileiro, que segue a cultura ocidental, construída à luz dos costumes judeucristãos e que restringem as relações sexuais à figura dos cônjuges, quebrar o dever de
fidelidade num relacionamento, que deve ser eminentemente monógamo, é romper com
um acordo conjugal que se sustenta no amor, na estima e no mútuo respeito, ofendendo,
ademais, a instituição jurídica do casamento.
É importante destacar que, embora, para o novo Código Civil (2002), a fidelidade seja
dever matrimonial e justificativa para separação ou divórcio, o adultério não se constitui mais
crime, já que, com o advento da Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005, em seu art. 5, foi
revogado o art. 240 do Código Penal, onde o adultério encontrava-se tipificado, portanto tal
conduta deixou de ser crime. Desta forma, o adúltero não perde mais seus direitos e nem há mais
a possibilidade de que ele seja preso. Embora a infidelidade conjugal não seja mais considerada
crime, o dever da fidelidade é destacado pelo Código Civil.
Sabendo-se de aspectos históricos da infidelidade conjugal, da definição escolhida para
ser abordada no presente trabalho e de seu dever em nosso país, a seguir serão citados fatores que
podem contribuir para a sua prática. Destaca-se que esses são múltiplos e não devem ser
analisados isoladamente, mas sim dentro do contexto conjugal.
28
Fatores que podem contribuir para a infidelidade conjugal
Internacionalmente, o modelo de investimento é utilizado frequentemente a fim de
apontar os preditores para a infidelidade. O modelo do investimento é baseado em princípios da
teoria da interdependência (KELLEY e THIBAUT, 1978 apud RUSBUT, 1980) e afirma que, de
maneira geral, as pessoas são motivadas a maximizarem as recompensas e minimizarem os custos
das ações em uma relação (RUSBUT, 1980). De acordo com esse modelo, a força central dos
relacionamentos amorosos é o compromisso, que envolve vínculo psicológico e motivação para
continuar na relação (RUSBUT, 1980; DRIGOTAS, SAFSTROM e GENTILLA, 1999).
Drigotas, Safstrom e Gentilla (1999) afirmam que indivíduos comprometidos, ao tomarem
decisões no que se refere à infidelidade, tendem a avaliar melhor as consequências que podem
surgir em longo prazo do que os benefícios imediatos de suas ações. Por também estarem
interessados no bem-estar de seus parceiros, eles costumam considerar as consequências da
infidelidade para eles próprios, para o relacionamento e para o parceiro. Três elementos estão
interrelacionados e trabalham juntos para manter um indivíduo mais ou menos comprometido em
um relacionamento: satisfação, investimento e alternativa. Satisfação representa os efeitos
positivos do relacionamento e está positivamente relacionada ao compromisso. Investimento
representa tudo aquilo que pode ser perdido com o fim do relacionamento, o que pode ser
tangível (como posses ou propriedades) ou intangível (como tradições compartilhadas), e se
relaciona positivamente ao compromisso. O último elemento representa os resultados esperados
de uma alternativa considerada melhor que o relacionamento atual (como namorar outra pessoa
ou namorar mais de uma pessoa, por exemplo) e está negativamente relacionada ao
comprometimento.
Rusbut (1980) realizou dois estudos a fim de comprovar a eficácia do modelo de
investimento na predição de satisfação e compromisso no desenvolvimento de relacionamentos.
O primeiro contou com 82 homens e 89 mulheres de uma universidade norte-americana como
participantes. A cada participante, foi solicitado que se colocasse no lugar da personagem
principal de uma história, imaginando seus sentimentos, atitudes, crenças e comportamentos. As
histórias dos homens e mulheres eram idênticas, exceto pelas mudanças no sexo da personagem
principal, do parceiro e da pessoa alternativa. Na história feminina, por exemplo, a protagonista
Sarah tinha como parceiro romantico Robert, que havia recentemente se mudado para um lugar
29
distante, o que acarretou em menos possibilidade para os encontros do casal. John, a alternativa
interessada em namorar Sarah, entrava em cena. Sarah precisava decidir-se entre se manter no
relacionamento com Robert ou começar a namorar John – a alternativa disponível. Os resultados
mostraram que o compromisso aumenta os investimentos intrínsicos e extrínsicos no
relacionamento e diminui a valorização de alternativas disponíveis.
O segundo estudo contou com a participação de 58 homens e 53 mulheres da mesma
universidade. Foi utilizado como instrumento um questionário com questões referentes a
relacionamentos românticos nos quais os participantes já haviam se envolvido, e foram avaliados
os custos e benefícios desses relacionamentos, alternativas, investimentos, satisfação e
comprometimento. Os resultados indicaram que a satisfação poderia ser prevista pela análise dos
custos e benefícios do relacionamento. O compromisso estava positivamente associado à
valorização das recompensas e aos investimentos no relacionamento, e negativamente associado
à valorização das alternativas disponíveis e dos custos no relacionamento.
A partir de ambos os estudos, o modelo de investimento foi considerado como adequado
para prever compromisso e satisfação em relacionamentos interpessoais.
De modo semelhante a Rusbut (1980), mas analisando a infidelidade propriamente dita,
Drigotas, Safstrom e Gentilla (1999), no artigo intitulado “An investment model prediction of
dating infidelity”, realizaram dois estudos para testar a eficácia do modelo de investimento na
predição da infidelidade no namoro. No primeiro estudo, a força do modelo de investimento na
predição da infidelidade foi confirmada. Os fatores compromisso, satisfação, qualidade da
alternativa e investimentos previram significativamente subsequentes infidelidades.
O segundo estudo utilizou medidas prévias do modelo de investimento para predizer
intimidade física e emocional em interações com pessoas do sexo oposto durante uma semana de
intervalo de um semestre (“spring break”), tendo sido utilizados diários como instrumento. Os
resultados mostraram que aqueles indivíduos que relataram mais compromisso em seus
relacionamentos antes do “spring break” apresentaram menos intimidade nas interações com
amigos ou estranhos. O compromisso, constructo central do modelo de investimento, foi uma
variável que predisse a infidelidade.
Os resultados dos dois estudos, que utilizaram diferentes métodos, deram um forte suporte
para o uso do modelo de investimento na predição da infidelidade em namoros de casais
heterossexuais. Na perspectiva de Drigotas, Safstrom e Gentilla (1999), o compromisso
30
representa uma ligação psicológica no relacionamento e se relaciona à resistência às tentações e à
decisão da manutenção da fidelidade.
Sendo assim, os estudos mencionados acima confirmaram a eficácia do modelo de
investimento na predição da infidelidade. Foi perceptível que a força central dos relacionamentos
amorosos é o compromisso, e que este se relaciona à satisfação, ao investimento e às alternativas.
Estes fatores estão, assim, interrelacionados e devem ser considerados ao se prever a infidelidade.
Também estão positivamente relacionados a uma potencial infidelidade: estilo de apego
evitativo (DEWALL et al., 2011), baixo controle cognitivo (PRONK, KARREMANS e
WIGBOLDUS, 2011), abertura à experiência, impulsividade, narcisismo, consumo de álcool e
insatisfação sexual (ATKINS et al., 2005). Vale destacar que todas estas pesquisas, embora
analisando aspectos específicos, corroboram a teoria do modelo de investimento.
No Brasil, são apontados como fatores que podem contribuir para a infidelidade conjugal:
incompatibilidade no amor e no sexo (BRAZ et al., 2005; JABLONSKI, 1991), busca pelo novo,
liberação sexual, impacto da mídia, aumento da longevidade, envelhecimento (e a necessidade de
provar que “ainda” está bem), imaturidade, alcoolismo, surgimento de oportunidades,
retaliação/vingança (JABLONSKI, 1991), fragmentação e multiplicação das experiências,
crescente individualização (MATOS, 2000), e ciúme (COSTA, 2000).
Na perspectiva de Costa (2006), as motivações da infidelidade sexual podem ser geradas
pelo próprio relacionamento conjugal, muitas vezes, ocasionando diferentes tipos de triângulos
amorosos: 1- Consentido: um dos cônjuges mantém com o outro uma relação materna e tolera
que se ligue a um terceiro, desobrigando-o de uma vida sexual; 2- Piedoso: existe uma limitação
física ou psíquica que é reconhecida pelo que se deixa enganar; 3- Perverso: o outro é induzido a
desempenhar um papel que satisfaça suas fantasias; 4- Maturativo: a infidelidade é induzida com
o objetivo de buscar o modelo desejado; 5- Tampão: através dos relacionamentos extraconjugais
o indivíduo atenua o medo de ser abandonado pelo cônjuge; 6- Oculto: característico de
indivíduos que apresentam divisão de personalidade, o que os leva a ter relacionamentos
simultâneos; 7- Triângulo amoroso por competição: o cônjuge se sente excluído, quando a esposa
está grávida ou se dedicando exclusivamente ao filho recém-nascido, por exemplo; 8- Incestuoso:
quando os cônjuges possuem aproximadamente a mesma idade e um deles busca alguém que
represente pai/mãe ou quando se casa com alguém que represente pai/mãe e busca um parceiro
para satisfação sexual; 9- Vingativo: ocorre quando a pessoa sente-se frustrada ou maltratada pelo
31
cônjuge e esforça-se para que ele saiba de sua infidelidade; 10- Reconstrutivo: o indivíduo
reencontra-se com alguém ligado ao passado e através de relacionamento extraconjugal tenta
preencher uma lacuna em sua vida afetiva.
Jablonski (1991) realizou uma pesquisa acerca das atitudes e comportamentos
relacionados ao casamento. Esta foi feita no Rio de Janeiro, com uma amostra de 400 sujeitos de
classe média, sendo metade do sexo feminino e metade do sexo masculino, distribuídos
igualmente nas condições de solteiros, casados, separados e idosos casados. A partir desta, o
autor percebeu que existe em nossa sociedade uma ambivalência, pois a promessa de amor e
sexualidade plena confronta-se com a constatação de que a paixão é solúvel no tempo. A questão
atual é a impossibilidade de conviver com as demandas antagônicas impostas pela sociedade:
monogamia versus permissividade, tradição versus novidade, entre outros. Com tantas
contradições, muitas vezes a infidelidade acaba ocorrendo.
Segundo a argumentação de Bauman (2004), a infidelidade conjugal da atualidade
encontra-se no “líquido mundo moderno”, que detesta o que é durável, preferindo o uso
instantâneo de pessoas e objetos. Todavia, como já citado anteriormente no presente estudo,
consideramos importante ressaltar que embora as relações afetivo-sexuais atuais possam ser
vistas como manifestação de individualismo, por outro lado, são mais igualitárias, especialmente
porque a mulher contemporânea não precisa se submeter à dominação masculina.
De acordo com Rougemont (2003), surge um problema a partir da promessa de fidelidade,
tida como absoluta. O autor afirma que os moralistas e sociólogos tentaram provar que a
monogamia é natural, mas que isso pode ser discutido infinitamente. Para as pessoas do século
XX, a fidelidade pode ser vista como a menos natural das virtudes e como algo desfavorável à
felicidade. Para o autor, a fidelidade conjugal pode ser considerada como um esforço desumano e
uma disciplina imposta por um preconceito absurdo e cruel. Em sua perspectiva, não é ao homem
infiel que devemos acusar, mas à ordem social estabelecida na qual os obstáculos têm sido
destruídos.
Segundo Rougemont (2003), a poligamia seria o modo de vida natural. O autor cita que a
fidelidade pode ser considerada como uma barreira para a felicidade nos dias atuais. Ele
apresenta algumas desculpas que o marido infiel pode dar à esposa, e afirma:
Ele tanto pode dizer: “Isso não tem importância, não muda em nada nossa relação, foi
uma aventura, um erro sem consequência”, como: “Isso é vital para mim, muito mais
importante do que sua moral tacanha e sua garantia de felicidade burguesa!”
32
(ROUGEMONT, 2003, p.384).
Na perspectiva do autor, nos dois casos, trata-se de fugir de um compromisso tido como
uma limitação odiosa. Em outras palavras, a fidelidade serve com uma limitação, o que contradiz
os valores atuais de buscar compromisso, satisfação pessoal e liberdade. Destaca-se que, nesse
caso, Rougemont (2003) retrata apenas a infidelidade masculina, sem descrever se o mesmo
poderia valer para mulheres infiéis. Em outras palavras, o autor não parece considerar a igualdade
de gênero, o que se difere de nossa compreensão a respeito dessa temática.
No que se refere ao sexo fora do casamento, de acordo com Goldenberg (2006), os
homens costumam explicar a infidelidade como fruto de uma mistura de diversos elementos, tais
como atração física, vontade, oportunidade ou instinto. Com relação especificamente à
infidelidade feminina, as mulheres podem trair por vingança (ARENT, 2009).
Jablonski (1991) menciona que tanto homens quanto mulheres praticam a infidelidade
atualmente, mas os homens ainda têm um maior número de relacionamentos sexuais
extraconjugais, já que vigora em nossa cultura monogâmica o padrão de dupla moral, que
concede ao homem muita liberdade e, à mulher, falta de liberdade. Ainda na perspectiva de
Jablonski (1991, p. 127), “a emancipação feminina aliada à liberação está fazendo com que as
relações extramaritais deixem de ser uma prerrogativa eminentemente masculina”. Assim,
atualmente a infidelidade feminina também tem sido frequente em nossa sociedade. Ressalta-se
que homens e mulheres concebem a infidelidade de diferentes maneiras. De acordo com o
próprio autor, a maioria dos homens procura a relação sexual mais pela relação em si, enquanto
as mulheres a procuram por um contexto mais afetivo.
Desse modo, a infidelidade funciona de maneira diferente para homens e mulheres.
Trabalhar com a infidelidade em relacionamentos heterossexuais envolvendo os dois sexos, num
estudo qualitativo, seria difícil em um mestrado. Dessa forma, a fim de delimitar o tema da
pesquisa, apenas os impactos da infidelidade conjugal masculina para a mulher serão abordados
no presente trabalho.
A partir dos parágrafos anteriores, é possível perceber que são muitos os fatores que
contribuem para infidelidade conjugal, não havendo um consenso entre os autores com relação
aos mesmos. Consideramos que a infidelidade conjugal é um fenômeno amplo e complexo,
podendo haver diferentes motivações para a sua prática. Estas estão interrelacionadas, não
havendo um único motivo que explique esse fenômeno. Concordamos, então, com o modelo de
33
investimento citado por Rusbult (1980) e Drigotas, Safstrom e Gentilla (1999).
Tendo sido apresentados os fatores que podem contribuir para a infidelidade conjugal, a
seguir, serão apresentados seus possíveis impactos na vida da mulher.
Os impactos da infidelidade conjugal masculina na vida da mulher
A infidelidade pode trazer impactos para os parceiros e para o relacionamento, e pode
implicar em frustração perante a constatação de que o parceiro e o relacionamento idealizados
não existem.
Conforme Mathes, Adams e Davies (1989), perder um parceiro romântico devido a
alguma fatalidade, como a morte, não é tão doloroso quanto perdê-lo para um rival. Sendo assim,
podemos concluir que em casos extraconjugais nos quais se troca o cônjuge por um/uma amante,
a perda pode ser extremamente dolorosa.
De maneira geral, são consequências da infidelidade conjugal: violência ao parceiro,
ideação suicida, sintomas muito semelhantes aos do transtorno de estresse pós-traumático,
ansiedade (CANO e LEARY, 2000), depressão (BUUNK e VAN DRIEL, 1989; CANO e
LEARY, 2000) e possíveis dissoluções de relacionamentos (GOETZ e CAUSEY, 2009). Ter sido
traído (a) pode trazer um amargado sentimento de rejeição, angústia e humilhação (BUUNK e
VAN DRIEL, 1989).
No que se refere aos impactos da infidelidade especificamente na vida do homem, Goetz e
Causey (2009) mencionam danos na reputação. Quanto às conseqüências para a mulher, o
aumento no risco de contrair Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) é citado pelo autor.
O divórcio pode ser uma consequência da descoberta ou da revelação da infidelidade
conjugal e pode ser visto simultaneamente como um problema e uma solução (JABLONSKI,
1991). A decisão de a mulher pela permanência matrimonial ou pelo divórcio pode ser
conflituosa por haver diversos obstáculos para o divórcio e por este ser vivenciado como uma
situação extremamente dolorosa e estressante, que traz sentimentos de fracasso, impotência e
perda. Por outro lado, a separação conjugal pode ser construtiva para os membros de uma família.
Independentemente da atitude tomada pela mulher após a descoberta da infidelidade de seu
parceiro, esta exerce um impacto na sua vida. Devido à multiplicidade de fatores envolvidos
quando se considera a possibilidade de divórcio, estes serão descritos a seguir.
34
Há diversos empecilhos para o divórcio, como: filhos (JABLONSKI, 1991; BERNSTEIN,
2002; KOLBENSCHLAG, 1991), medo do sofrimento e da solidão, sentimento de culpa,
motivos religiosos (JABLONSKI, 1991), sentimento de fracasso (KOLBENSCHLAG, 1991),
pressões familiares e sociais (JABLONSKI, 1991; PITTMAN, 1994), questões financeiras
(JABLONSKI, 1991; PITTMAN, 1994; MORAES, 1999; KOLBENSCHLAG, 1991),
dificuldades de lidar com a quebra da identidade conjugal construída durante o casamento e
iniciar uma nova etapa que envolve redefinir sua identidade individual (BARBOZA, 2009;
FÉRES-CARNEIRO, 2003).
Na perspectiva de Souza (2008), mesmo que o relacionamento estivesse ruim, ambos os
parceiros sofrem com término da relação e com as perdas. O divórcio apresenta-se como o maior
rompimento do ciclo de vida da família, aumentando as tarefas desenvolvimentais vivenciadas no
momento da crise. O ciclo de vida familiar é interrompido nesse processo, implicando
necessidade de reformulação de regras de funcionamento familiar, além do desenvolvimento de
novas capacidades adaptativas nos papéis que cada membro desenvolve no contexto de novos
subsistemas familiares que se formam (CARTER e MCGOLDRICK, 1989/1995).
Embora o divórcio seja uma experiência dolorosa para todos, algumas mulheres são mais
vulneráveis ao sofrimento durante esse processo por terem se casado em tempos do “para
sempre” e mantido relações hierárquicas e de dependência com relação ao cônjuge, ao contrário
daquelas que tinham um projeto de vida mais amplo que o conjugal (SOUZA, 2008).
Ainda que muitos fatores possam contribuir para a manutenção do casamento perante a
infidelidade, nos dias atuais, muitas mulheres não toleram mais permanecer em relacionamentos
conjugais insatisfatórios. São fatores que podem contribuir para a decisão pela separação
matrimonial: a cultura do divórcio, que o vê como uma solução para os conflitos inerentes ao
casamento (HACKSTAFF, 1999); o fato de a sociedade acenar para as mulheres uma enorme
gama de coisas novas e boas, tais como: “mais liberdade de escolha, facilidades tecnológicas,
promessas de uma vida sexual fantástica e maravilhosa, dinheiro, autonomia, independência”.
(JABLONSKI, 1991, p. 123); a emancipação da mulher, a autonomia feminina e a busca pela
satisfação individual no casamento (GIDDENS, 1993. JABLONSKI, 1991); impactos dos meios
de comunicação; adultério (JABLONSKI, 1991); a idealização feminina a respeito do casamento
e amor, que pode levá-la a requisitar o divórcio quando acredita que este sentimento está escasso
em seu relacionamento ou quando suas expectativas são frustradas (FÉRES-CARNEIRO, 1995,
35
1998; JABLONSKI, 1991; KOLBENSCHLAG, 1991),
Desse modo, a infidelidade conjugal é apenas um dos fatores que pode contribuir para o
divórcio. Trata-se de um fenômeno complexo e pluridimensional, que ocorre de forma individual
entre cada casal.
Os relacionamentos extraconjugais podem servir para estabilizar o casamento ou como
uma tentativa de manter o casamento. Madaleno (2008, p.4) afirma: "tanto a fidelidade, quanto a
infidelidade, por caminhos inversos, operam no sentido de buscar segurança e estabilidade
emocional, buscando o cônjuge, com isso, preencher o seu inquietante estado de insatisfação”.
Em função dos apontamentos dos parágrafos anteriores, pode-se concluir que a
infidelidade conjugal apresenta impactos físicos, psicológicos e psicossociais. Dentre os impactos
físicos, destacam-se as Doenças Sexualmente Transmissíveis (GOETZ e CAUSEY, 2009); em
meio aos impactos psicológicos estão a angústia (BUUNK e VAN DRIEL, 1989), depressão
(BUUNK e VAN DRIEL, 1989; CANO e LEARY, 2000) e ansiedade (CANO e LEARY, 2000);
com relação aos impactos psicossociais, o fato de a infidelidade relacionar-se o divórcio é de
grande relevância (JABLONSKI, 1991), já que estudos apontam implicações da infidelidade na
decisão de mulheres sobre a manutenção ou não do relacionamento.
Pesquisar a respeito da infidelidade masculina e suas consequências na vida da mulher
pode ser importante, pois na prática profissional, psicólogos podem lidar tanto com mulheres que
têm sofrido por não terem sido correspondidas em suas expectativas, quanto com homens que
foram ou são infiéis. Através de pesquisas referentes a este assunto, é possível ter maiores
subsídios para compreender a dinâmica da infidelidade e suas conseqüências. A compreensão
desta temática possivelmente acrescentará conhecimentos importantes que possibilitarão auxiliar
pacientes em conflitos que poderão surgir em suas vidas. Outro fato que torna relevante pesquisar
os impactos da infidelidade masculina na vida da mulher é o de que, ao se abordar a
consequência da infidelidade, muitos estudos centralizam-se no divórcio. Uma vez que a
infidelidade tem um conjunto de implicações ao indivíduo, justifica-se um estudo para melhor
compreender esses impactos.
Independentemente da decisão da mulher pela manutenção matrimonial ou pelo divórcio,
há lutos que devem ser elaborados referentes às perdas do que se esperava do parceiro, do
relacionamento e de si próprio. Para a compreensão desse processo, optamos pelo emprego da
Teoria do Apego no presente estudo, que descreve muito bem tanto o processo de formação
36
quanto o de rompimento de vínculos, conforme delinearemos a seguir.
37
3. RELACIONAMENTO CONJUGAL SOB A ÓTICA DA TEORIA DO APEGO
A Teoria do Apego possibilita um enquadramento organizacional e integrativo para a
pesquisa de relacionamentos íntimos (HAZAN e SHAVER, 1987). Consideramos que a teoria
proposta por Bowlby (1969/1990, 1973/1998b, 1979/1997, 1988/1989) descreve de modo
consistente o processo de formação e rompimento dos laços afetivos, e por isso, optamos por
utilizá-la no presente estudo. Alguns de seus constructos serão apresentados a seguir.
Uma breve explanação da Teoria do Apego
Bowlby (1969/1990) alicerça sua teoria no pressuposto de que existe nos bebês uma
propensão inata para o contato físico com um ser humano. Na perspectiva do autor, existe nos
bebês uma necessidade de objeto tão primária quanto a necessidade de alimento. Assim como a
alimentação, o comportamento de apego é necessário para a sobrevivência e sua função biológica
é proteger o ser humano, quando pequeno, dos perigos que podem ameaçá-lo. Existe uma
propensão nos seres humanos para estabelecer fortes vínculos afetivos com outras pessoas e o
comportamento de apego resulta na manutenção de proximidade com a figura de apego.
Para Bowlby (1969/1990), o primeiro relacionamento estabelecido entre a criança e seus
cuidadores, especialmente a mãe ou a pessoa que desempenha a função materna, caracteriza o
apego. Bowlby (1979/1997) afirma que, em geral, é a mãe que se torna a principal figura de
apego do bebê, mas outra pessoa pode tratar a criança de forma maternal, tornando-se, assim, esta
figura. A criança procura-a quando está cansada, faminta, ou quando se sente insegura pelo fato
de não tê-la por perto. Quando próxima a ela, a criança sente-se confiante e segura.
Bowlby (1979/1997) menciona que o relacionamento da mãe com o filho é uma
necessidade, e a qualidade da relação estabelecida entre eles é de extrema importância. A
qualidade do vínculo estabelecido primeiramente num indivíduo determinará em grande medida
seus vínculos futuros e os recursos disponíveis para seu enfrentamento de perdas e rompimentos,
embora possam ocorrer mudanças ao longo da vida, como será explicitado adiante.
O apego, além de prover segurança e proteção para a criança, tem outras funções
importantes durante a infância, tais como: desenvolver confiança básica e reciprocidade que
servem como base para futuros relacionamentos emocionais; explorar o espaço com sentimentos
de segurança e despreocupação, o que possibilita um desenvolvimento cognitivo e emocional
38
saudável; desenvolver habilidade para o autocontrole; criar uma fundação para a formação da
identidade que envolve autovalorização, senso de competência e equilíbrio entre dependência e
autonomia; estabelecer uma estrutura moral pró-social que inclui empatia, consciência e
compaixão; prover defesas contra estresse e trauma, fornecendo recursos internos e externos
(BOWLBY, 1969/1990).
Na perspectiva de Bowlby (1969/1990), as crianças internalizam experiências com seus
cuidadores de modo que as relações primitivas de apego formam um protótipo para futuros
relacionamentos extrafamiliares. O autor cita que na relação com a figura de apego, a criança
descobre se, quando ameaçada por um perigo, pode ou não contar com respostas favoráveis. Tais
experiências geram impactos positivos ou negativos e formam uma representação mental de si, do
outro e do contexto ao seu redor, o que é denominado modelo operativo interno. Os modelos
operativos internos guiam os relacionamentos das crianças com seus pais e outros indivíduos.
Eles baseiam-se na história anterior de relacionamentos de apego do indivíduo e nas interações
atuais entre o self e a figura de apego, quando o sistema comportamental é ativado. Para Bowlby
(1973/1998a), no modelo operativo interno construído pelo indivíduo está a noção de quão
aceitável ou inaceitável ele é, aos olhos de suas figuras de apego.
Outro aspecto importante da teoria proposta por Bowlby é a compreensão dos padrões de
apego que vão sendo desenvolvidos a partir da relação com a figura de apego. Ainsworth et al.
(1978) detalhou os seguintes padrões de apego: seguro, evitador (inseguro) e ambivalente
(inseguro). O desenvolvimento de um vínculo seguro é de grande importância para nosso
desenvolvimento emocional, pois permite uma boa formação da autoconfiança. A mãe que
caracteriza esse tipo de vínculo é aquela mais sensível aos sinais da criança e mais dedicada. Com
isso, ela explora o ambiente, utilizando a mãe como base segura e porto seguro para o qual pode
voltar-se em situações de ameaça. Já nos casos de apego inseguro/evitador, a mãe geralmente
apresenta dificuldades em responder às necessidades de apego da criança, o que
consequentemente, faz com que ela fique pouco autoconfiante e com inabilidade para procurar
ajuda. Com relação ao apego inseguro/ambivalente, as mães de indivíduos que apresentam esse
tipo de sistema de apego frequentemente são imprevisíveis e caóticas, ocasionado em seus filhos
variações em suas formas de se comportar perante as diferentes situações da vida, além de medo
do abandono e culpa.
Os autores Hazan e Shaver (1987) e Feeney e Noller (1996) enfatizam que a Teoria do
39
Apego oferece uma perspectiva de desenvolvimento, mostrando que diferentes orientações para o
amor romântico originam-se nas primeiras experiências sociais, mediadas por processos que
envolvem os modelos operativos e possibilitam sua continuidade ou mudanças. Desse modo, o
amor romântico não é concebido isoladamente, mas como parte integrante do processo de
vinculação afetiva.
Tendo sido delineados aspectos importantes da Teoria do Apego, especialmente na
infância, a seguir será descrito o apego na vida adulta.
Apego na vida adulta
Embora a Teoria do Apego enfatize as crianças e os relacionamentos com as figuras de
apego, esta não é apenas uma teoria de desenvolvimento infantil, já que se trata de um fenômeno
que ocorre durante todo o ciclo vital (SANTOS, 2000). No presente estudo, que objetiva
compreender a experiência de mulheres que vivenciaram a infidelidade de seus cônjuges e
identificar as perdas envolvidas nesse processo, é importante abranger o apego na vida adulta,
mais especificamente, no amor romântico conjugal.
Para Bowlby (1969/1990), o primeiro e mais estável vínculo começa entre mãe e filho e
perdura menos ativo, até a adolescência. Neste período, o apego de uma criança aos seus pais sofre
mudanças e outro adulto pode assumir uma importância igual ou maior que eles. Nesta idade, as
ligações românticas são a tônica da fase, e o desejo de companhia, de aconchego, de se sentir
pertencente a alguém e de proximidade é dirigido, geralmente, para alguém externo ao círculo
familiar manifestando-se a atração física, o desejo sexual, e o sentimento de amor pelo parceiro.
Na perspectiva de Bowlby (1969/1990), o comportamento de apego na vida adulta pode ser uma
continuação direta do comportamento na infância. É importante destacar que embora estes
padrões de apego tendam a persistir, eles não são imutáveis.
Hazan e Shaver (1987) apresentam uma análise teórica do amor e do apego, com o
argumento básico de que o amor conjugal pode ser conceituado como um processo de apego. Os
relacionamentos entre parceiros românticos são, assim, concebidos como relacionamentos de
apego.
Os autores descrevem o amor como emoção, sendo a emoção conceituada como um
padrão complexo de avaliações e tendências de ação. Para cada emoção, há um conjunto de
40
ativadores e reações. No caso do amor conjugal, são citados como possíveis ativadores:
familiaridade com o outro, ter o outro satisfazendo as necessidades do indivíduo, e ter o outro
como alguém que inspire confiança. São mencionadas como possíveis reações: sentimento de
segurança e autoconfiança, desejar responder ao outro e querer proximidade física com o outro.
Hazan e Shaver (1987) também propõem relações existentes ente o amor e o apego.
Dentre elas, podemos citar: as similaridades comportamentais e emocionais do contato frequente
de olhar; o toque; o desejo de compartilhar descobertas e reações com o outro; empatia.
Assim como Hazan e Shaver (1987), Feeney e Noller (1996) discutiram o amor romântico
como um processo de apego, pois os relacionamentos baseados no amor romântico constituem
frequentemente vínculos afetivos duradouros. Os autores afirmam que o amor romântico como
emoção e também como vínculo de apego é estimulado pela familiaridade do outro, pela
satisfação de necessidades que o outro possibilita, assim como pela segurança e confiança
proporcionada por ele. Esses estímulos conduzem ao desejo e busca de proximidade física e
emocional com o outro.
Hazan e Shaver (1987) conceituaram o amor romântico como um processo de apego, e
ainda, conceberam-no em termos de três sistemas comportamentais: apego, cuidado e sexo. Eles
acrescentaram que os comportamentos sexuais são regidos por um sistema sexual inato, sendo as
preferências e as respostas sexuais reflexos da ativação e funcionamento deste sistema. Desse
modo, no apego adulto, a figura de apego tem simultaneamente a função de parceiro sexual,
provedor primário e é recipiente de conforto e de apoio emocional (HAZAN e ZEIFMAN, 1994).
A sexualidade é, portanto, uma das diferenças entre relacionamentos pais-filhos e
românticos. Na escolha do parceiro romântico, a atração sexual desempenha um papel
importante. Após a escolha do parceiro, o comportamento sexual torna-se um aspecto central do
relacionamento, podendo gerar um vínculo de apego (FURMAN e SIMON, 1999). Enquanto na
infância a necessidade de segurança do bebê é um estimulador de proximidade, nos
relacionamentos românticos é a atração sexual que figura como fator de aproximação (HAZAN e
SHAVER, 1987).
Segundo West e Keller (1994), a definição de relacionamento de apego para adultos deve
preencher três requisitos: deve ser teoricamente congruente com a definição de apego para
crianças, delinear como o apego para adultos difere do apego para crianças, e diferenciar o apego
de qualquer outro relacionamento social. Os autores definem o apego adulto como
41
relacionamentos nos quais se procura a proximidade com uma pessoa especial com o objetivo de
se alcançar uma sensação de segurança. Assim como as crianças, os adultos procuram uma
proximidade relacional com um indivíduo em particular que promove segurança ao ser
encontrada.
Hazan e Zeifman (1994) mostra que a fase de atração e do período de formação de apego
entre parceiros amorosos acaba por volta de dois anos após o início do relacionamento, sendo que
depois deste período o relacionamento começa a se deteriorar ou a se transformar em um laço de
apego duradouro. O relacionamento conjugal passa pelas fases de atração (um período de
formação do apego que vai de zero a dois anos) e do apego (mais de dois anos). Enquanto a
função evolutiva da fase de atração é de manter o casal tempo suficiente para garantir a
continuação da espécie, a da fase do apego é de manter o casal junto para criar os filhos. Com
relação aos componentes do apego envolvidos, a fase de atração é marcada apenas pela busca de
proximidade. Já a fase do apego, além de abranger a busca de proximidade, inclui o protesto de
separação e ter o parceiro como porto seguro e base segura.
Carter e McGoldrick (1989/1995) mencionam que a formação do casal é uma das fases
mais complexas dentro do ciclo familiar. Na fase inicial do casamento, é necessário o casal
renegociar algumas questões definidas previamente de forma individual ou até mesmo pelas
respectivas famílias de origem. Procura-se, assim, colocar em prática as expectativas de cada
parceiro conjugal, e integrar o projeto de vida pessoal e a dois. Muitas decisões e escolhas
precisam ser tomadas, como dividir tarefas e responsabilidades, distribuir o tempo de trabalho e
de lazer, chegar a um consenso sobre o emprego do dinheiro, definir quando e como realizar
simples tarefas cotidianas, entre outras. A partir das experiências na família de origem, é preciso
ocorrer diferenciação, sendo estabelecido um nós conjugal.
Ainda no que se refere à formação do casal, na perspectiva de Simões e Souza (2010), o
processo de construção do nós conjugal envolve dois níveis de adaptação: o interpessoal
(conjugal) e a elaboração interna. A construção do nós conjugal envolve em um percurso de
elaboração de diferenciação. Segundo Kernberg (1995), o “amar” implica em um processo de
luto relacionado a crescer, tornar-se independente e ter maturidade como adulto.
Furman e Simon (1999) comparam os relacionamentos pais-filhos e os relacionamentos
românticos, indicando que o sistema de apego é significativo em ambos. Assim como uma
criança busca proximidade no relacionamento com seus pais, um adulto regularmente busca
42
proximidade do seu parceiro. De mesma maneira como um pai ou mãe, um parceiro ou parceira
romântica podem funcionar como porto seguro, e proporcionar conforto e proteção. Separações
ou ameaças ao relacionamento geram, em ambos os casos, demonstrações de protestos, e a perda
de um pai ou um parceiro, ocasiona tristeza e dor.
Não obstante, enquanto nos relacionamentos pais-filhos os papéis são assimétricos, nos
relacionamentos românticos os papéis são recíprocos, visto que cada parceiro torna-se apegado ao
mesmo tempo em que serve como figura de apego para o outro (FURMAN e SIMON, 1999).
Enquanto o relacionamento de apego existente entre uma criança e seu cuidador primário objetiva
preencher apenas as necessidades da criança, os relacionamentos adultos existem a fim de
preencher as necessidades de ambos os membros do casal, podendo ser caracterizados como
recíprocos por envolverem mais dar e receber de ambas as partes (HAZAN e SHAVER, 1987).
Assim, na vida adulta, os relacionamentos modificam-se, visto que os relacionamentos conjugais
possuem laços de apego recíprocos. Ocorre também uma mudança hierárquica da importância do
apego das figuras parentais para os parceiros.
Na perspectiva de Furman e Simon (1999), as concepções dos relacionamentos pais-filhos
relacionam-se ao apego, e as concepções dos relacionamentos com os pares relacionam-se à
afiliação. Já as concepções dos relacionamentos românticos, que nos interessam mais no presente
estudo, estão relacionadas à afiliação, sexualidade, apego e cuidado. As autoras consideram que
essas concepções são organizadas hierarquicamente. As primeiras experiências com os pais
influenciam as noções de intimidade e proximidade e também as concepções de intimidade e
proximidade nos relacionamentos em geral.
Ao se falar sobre o apego na vida adulta e no amor romântico, é também importante
retomar o conceito de modelos operativos internos, que exercem influência nos relacionamentos
afetivo-sexuais. Desse modo, a seguir este conceito será definido e seus efeitos em
relacionamentos serão citados.
Bowlby (1969/1990) descreveu as representações dos modelos de apego como dinâmicos,
construídas através das experiências nos relacionamentos de apego ao longo da vida. Ele
afirmava que os padrões de apego refletem a interação existente entre a personalidade do
indivíduo, sua família e ambiente social (BOWLBY, 1969/1990, 1973/1998a, 1973/1998b).
Conforme Bowlby (1969/1990), os modelos operativos internos são componentes
necessários do sistema comportamental de apego e servem para a ação em situações novas, com a
43
utilização simultânea da experiência e do inconsciente. Segundo a definição de Main (1991),
modelo operativo interno é a representação individual em relação ao mundo, às suas figuras de
apego e à sua relação com eles.
Na perspectiva de Feeney e Noller (1996), os modelos operativos internos são mais
passíveis de revisão dentro do contexto de outros relacionamentos que não os familiares. Assim,
a formação de novos relacionamentos oferece a oportunidade de modificar os modelos operativos
internos baseados em experiências negativas prévias e a revisão dos modelos também pode ser
facilitada pelos aspectos de desenvolvimento interno do indivíduo.
Em sua dissertação intitulada “O amor em movimento: casamento e mudança no apego”,
Santos (2000) mostra como os modelos operativos internos são passíveis de mudança. A autora
ainda aponta que os relacionamentos íntimos adquirem uma importância particular no final da
adolescência e na idade adulta, pois podem ajudar a moldar o modo como um indivíduo
relaciona-se com as pessoas em geral, e a visão que ele tem de si e dos outros.
Berman, Marcus e Berman (1994) citam que os modelos operativos internos mediam o
relacionamento conjugal de cada um dos parceiros de um casal, o que promove um interjogo
entre comportamentos e significados que cada um deles constrói acerca desses comportamentos.
O estilo de apego de cada um, embora guardando um sentido de um elemento da
personalidade individual, é afetado pela relação e pelo estilo de apego do parceiro. As
representações mentais de si e dos outros parecem ser estruturas flexíveis, visto que fontes de
estresse podem ativar estratégias de regulação de afeto relativas ao apego, podendo transformar
as representações de si e dos outros (MIKULINCER, ORBACH e IAVNIELI, 1998).
Furman e Simon (1999) concordam que os conceitos básicos dos modelos operativos
internos e estilos de apego podem ser aplicados a outros relacionamentos, não somente ao
relacionamento pais-filhos. Tanto os relacionamentos pais-filhos quanto os românticos poderiam
ser classificados a partir das três categorias primárias de apego: seguro, inseguro/evitativo e
inseguro/ambivalente. Todavia, enquanto no apego das crianças em relação aos cuidadores esses
padrões são manifestados pelo comportamento, nos relacionamentos românticos adultos os
padrões se refletem não apenas no comportamento, como também nas expectativas ou
representações cognitivas que se referem ao comportamento de apego. A partir disso, é possível
compreender como as crenças, ou concepções, segundo as autoras, acerca de como pode ser um
relacionamento amoroso ou acerca do amor (conjugal) modificam-se historicamente (no
44
indivíduo e na sociedade), conforme indicamos no primeiro capítulo.
As diferenças individuais nas representações cognitivas desempenham um importante
papel nos relacionamentos românticos. Furman e Simon (1999) encontraram diferenças referentes
aos três estilos de apego, assim como aos sistemas de cuidado, sexualidade e afiliação. Pode-se
citar, no que se refere ao comportamento de cuidado, que homens com estilo de apego seguro
mostram mais suporte emocional e preocupações com o bem-estar de suas parceiras que homens
evitativos. Com relação ao sistema de afiliação, as pessoas seguramente apegadas têm
relacionamentos românticos marcados por confiança, amizade, satisfação, mutualidade,
intimidade, compromisso, e colaboração para a resolução de problemas, ao contrário das pessoas
com outros estilos de apego.
Como essas diferenças são encontradas não somente em relação ao comportamento de
apego, mas também aos sistemas de sexualidade, cuidado e afiliação, as autoras denominam-nas
concepções relacionais, que são expectativas com relação à intimidade e à proximidade. Assim,
uma pessoa com concepção segura no relacionamento romântico acredita que pode contar com o
parceiro quando angustiada, além de valorizar o cuidado e a atenção do outro, desejar investir
energia no processo de construção de um relacionamento mútuo, e valorizar os elementos de
afeto e carinho da sexualidade. Já uma pessoa com concepção evitativa pode apresentar pouco
interesse no cuidado, investir pouco na relação e conceber o sexo apenas como oportunidade para
autogratificação.
Hazan e Shaver (1987) não utilizam o termo concepções relacionais, mas também
descreveram diferenças entre pessoas com estilos de apego distintos. A partir do estudo realizado
pelos autores, eles afirmam que as pessoas com estilo de apego seguro desenvolvem
relacionamentos caracterizados pela confiança, amizade e emoções positivas. Elas acreditam em
amor duradouro e têm propensão a desenvolver uma relação conjugal satisfatória. Montoro (2004)
acrescenta que pessoas com esse estilo de apego têm equilíbrio entre proximidade e autonomia nas
relações, facilidade e desejo de intimidade, pouca preocupação com o abandono, manejo de afetos
negativos de maneira construtiva e orientados para a ação, boa autoestima e impressão do outro.
Conforme Feeney, Noller e Callan (1994), indivíduos com apego seguro tendem a apresentar
poucas dúvidas com relação a si mesmas e um alto senso de valor pessoal. São caracterizadas
também pelas tendências a ver os outros como pessoas bem intencionadas e a confiar nas
mesmas. Karen (1994) menciona que adultos seguros apresentam fácil acesso a uma variedade e
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intensidade de sentimentos e memórias, positivas e negativas; visão equilibrada dos pais; caso
tenham sido inseguros na infância, conseguiram superar a raiva e a mágoa, mas usualmente
tiveram estilo de apego seguro na infância.
Com relação aos relacionamentos dos adultos com estilo de apego evitativo, Hazan e
Shaver (1987) afirmam que estes são marcados pelo medo da proximidade, altos e baixos
emocionais, e ciúme. Ao contrário dos indivíduos com apego seguro, os evitadores tendem a ver
o outro com desconfiança e suspeita. Por isso, acabam distanciando-se das pessoas com
frequência (HAZAN e SHAVER, 1994). As pessoas com esse estilo de apego não desenvolvem
uma relação com uma dimensão positiva de experiência do amor, e acreditam não precisar de um
parceiro romântico para alcançar felicidade. Montoro (2004) afirma que em pessoas com esse
estilo de apego a autonomia prevalece sobre a intimidade, elas apresentam necessidade de manter
distância, desconfiança, dificuldade em confiar, dúvidas quanto à honestidade e integridade dos
próprios pais e das pessoas em geral, valorização da realização e do sucesso profissional, manejo
do sofrimento psíquico suprimindo a raiva da consciência, pouca expressão emocional do
sofrimento, pouca disposição para discutir problemas, tendência a evitar manifestações e
expressões de sofrimento, baixa autoconfiança em situações sociais, percepção de que os parceiros
reclamam de falta de intimidade e de apoio em momentos de sofrimento, menor investimento e
pouco compromisso nos relacionamentos amorosos, visão pouco positiva do amor, descrença da
paixão e do amor duradouro, baixo envolvimento e pouca satisfação nas interações diárias com o
parceiro. Karen (1994) aponta que pessoas que tiveram estilo de apego evitativo na infância
usualmente tornam-se adultos rejeitados e apresentam as seguintes particularidades: desinteresse
da importância do amor e da ligação; idealização frequente dos pais, mas memórias atuais não
colaboram; autorreflexão superficial, se houver.
No que se refere às pessoas com estilo de apego ansioso-ambivalente, segundo Hazan e
Shaver (1987), estas enxergam o amor como uma preocupação, além de serem propensas a se
fundirem ao outro. Envolvem-se com frequência e facilidade em relacionamentos amorosos, mas
enfrentam dificuldades para mantê-lo. Montoro (2004) adiciona que essas pessoas apresentam
medo da rejeição, desejo constante de união, reciprocidade e fusão com o outro, percepção de que
os parceiros se assustam com o desejo excessivo de intimidade ou reclamam dele, intimidade
prevalece sobre a autonomia, sofrimentos psíquicos constantes e amplificação de problemas,
percepção de que o outro é complexo e difícil de entender, manifestação exagerada de sofrimento
46
e raiva, servilismo e submissão para ganhar aceitação, facilidade de se apaixonar, sensação de
serem mal compreendidos/injustiçados. Karen (1994) descreve os adultos preocupados, que
usualmente tiveram estilo de apego ambivalente/ansioso durante a infância, e são caracterizados
por: manutenção de sentimentos de raiva e mágoa com os pais; incapacidade de ver sua própria
responsabilidade nos relacionamentos; temor do abandono.
Baseando-se nos conceito de modelos operativos internos de Bowlby, que reúnem
expectativas de si próprio e dos outros, Kim Bartholomew desenvolveu o modelo bidimensional
de avaliação da vinculação no adulto. Segundo Bartholomew e Horowitz (1991), os modelos
internos do self podem ser positivos (o self como merecedor de amor e de apoio) ou negativos (o
self como não merecedor de amor e de apoio), bem como os modelos internos dos outros podem
ser positivos (os outros são responsivos e confiáveis) ou negativos (os outros são rejeitadores e
indisponíveis). Os autores dicotomizaram estas duas dimensões do self e do outro em positivo e
negativo, formulando um modelo de quatro protótipos de vinculação: o seguro, o preocupado, o
amedrontado e o desinvestido.
Os sujeitos seguros apresentam autoconfiança, abordagem positiva dos outros, e graus
elevados de intimidade nos seus relacionamentos. As representações que têm de si e dos outros
são claramente positivas. Eles tendem a utilizar estratégias de coping ativas que incluem o
recurso aos outros como fonte de apoio em situações propiciadoras de ansiedade. Suas relações
são caracterizadas pelas qualidades da mutualidade, intimidade e pelo envolvimento.
Com um modelo negativo de si e um modelo dos outros no extremo da positividade, os
indivíduos preocupados costumam ser consumidos pelos relacionamentos, já que tendem a
idolatrar as suas relações. Frequentemente, são dependentes dos outros na busca de autoestima.
Suas estratégias de resolução de problemas implicam o recurso aos outros. A autoconfiança
desses indivíduos é baixa e quando sujeitos a situações de separação, exibem graus elevados de
ansiedade. Eles procuram ativamente companhia e atenção. Todavia, experimentam sentimentos
de falta de valorização pessoal por parte dos outros. Tentam um envolvimento total, o que pode
ser percebido pelo parceiro como sufocante. Ciúme e possessividade caracterizam os
relacionamentos destes sujeitos.
Já os sujeitos desinvestidos são aqueles que apresentam uma representação de si próprios
positiva e um modelo negativo dos outros. Acreditam nas suas capacidades, desvalorizam
ativamente o papel dos relacionamentos nas suas vidas. Apresentam-se emocionalmente frios,
47
racionais e distantes, dando uma imagem de arrogância. As suas estratégias de resolução de
problemas são, na maioria das vezes, a defesa e o evitamento relacional. A desvalorização ou a
supressão dos sentimentos pessoais são visíveis no seu comportamento. O protesto de separação e
a procura de proximidade são baixos nesses sujeitos. Os relacionamentos pessoais tendem a ser
muito pobres em termos de proximidade emocional, intimidade e expressividade.
Finalmente, com representações negativas tanto de si quanto do outro, os sujeitos
amedrontados são caracterizados pelo medo da rejeição, o que parece ser a razão para o
evitamento da intimidade. Vulnerabilidade, falta de confiança e insegurança definem estes
sujeitos. Suas estratégias de enfrentamento são frequentemente recorrentes e repetitivas, não
procurando a proximidade e o conforto dos outros. Imaginam que a representação que deles
fazem, é a de alguém ausente de qualidades, com especificidades negativas e de desvalorização.
Caracteristicamente dependentes nas suas relações de intimidade, dificilmente as iniciam e só o
fazem quando têm a certeza de que não serão rejeitados, o que raramente acontece
(BARTHOLOMEW e HOROWITZ, 1991).
Desse modo, é perceptível que os estilos de apego individuais influenciam os
relacionamentos amorosos. A seguir, serão apresentados seus efeitos nos estágios de
desenvolvimento de um relacionamento afetivo-sexual: flerte e namoro, consolidação e
manutenção.
Desenvolvimento de um relacionamento afetivo-sexual
A Teoria do Apego é utilizada para a compreensão da escolha do parceiro romântico. Na
escolha de um parceiro na vida adulta, a pessoa é atraída por indivíduos que apresentem
características similares à figura de apego na infância com base na receptividade e intimidade. A
atração se dá pela semelhança, sejam nos valores, atitudes, opiniões ou até mesmo nas
características físicas (HAZAN e SHAVER, 1987).
Mikulincer e Shaver (2007) examinam os efeitos dos estilos de apego de cada indivíduo
em três estágios do desenvolvimento de um relacionamento afetivo-sexual: no flerte e namoro, na
consolidação e na manutenção do mesmo.
Segundo os autores, estratégias de apego são evidentes até mesmo no início de um
relacionamento romântico, influenciam o flerte e o namoro, além de afetar a probabilidade de
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uma pessoa formar ou não um vínculo romântico duradouro. O sistema de apego pode gerar
esperança de cuidado e apoio, assim como medo de desaprovação e rejeição.
Segundo Mikulincer e Shaver (2007), o estilo de apego seguro pode servir como uma
atratividade psicológica, visto que a maioria das pessoas sente-se atraída por pessoas seguras na
fase inicial de um relacionamento afetivo-sexual.
Além da posição de desvantagem das pessoas com estilo de apego inseguro na fase de
flerte e namoro, elas são prejudicadas por preferências problemáticas na escolha do parceiro. De
acordo com Klohnen e Luo (2003), pessoas com estilo de apego inseguro, ao serem comparadas
com pessoas de estilo de apego seguro, sentem-se mais atraídas por um parceiro potencialmente
inseguro. Mikulincer e Shaver (2007) afirmam que, de maneira geral, as pessoas com estilo de
apego seguro são favorecidas, mas as pessoas inseguras, ao serem comparadas com as seguras,
apresentam maiores chances de se sentirem atraídas por aquelas inseguras. As pessoas com estilo
de apego ansioso tendem a sentir atração por pessoas que também tenham estilo de apego
ansioso, com quem dividirão ansiedade. Já pessoas com estilo de apego evitativo tendem a ser
atraídas por pessoas com o mesmo estilo de apego, de modo que elas possam dividir a evitação.
Os autores acrescentam que relacionamentos afetivo-sexuais compostos por duas pessoas
inseguras tendem a ter um futuro pior que aqueles que incluem pelo menos uma pessoa com
estilo de apego seguro.
Quanto à consolidação de um relacionamento afetivo-sexual duradouro, esta pode ser
facilitada ou prejudicada pelos diferentes estilos de apego (MORGAN e SHAVER, 1999).
Crenças positivas de indivíduos com estilo de apego seguro sobre o apoio e confiabilidade
favorecem um prospecto otimista para relacionamentos duradouros. Essas crenças motivam
pessoas com estilo de apego seguro a se comprometerem com um relacionamento duradouro, a
tratarem o parceiro como figura de apego (fonte de apoio e conforto), e a servirem de figura de
apego para o parceiro. Já pessoas com estilo de apego inseguro (evitativo ou ansioso) tendem a
distorcer crenças e expectativas sobre o relacionamento, o que interfere na formação de um
relacionamento afetivo-sexual duradouro, mutuamente íntimo, caracterizado por apoio e
compromisso (MIKULINCER e SHAVER, 2007).
Pessoas com estilo de apego seguro, comparadas às com estilo de apego ansioso ou
evitativo, têm crenças mais otimistas sobre o amor romântico, a possibilidade de manter um amor
intenso por um longo período, e a de encontrar um parceiro que possa realmente amar (HAZAN e
49
SHAVER, 1987).
Pessoas com estilo de apego ansioso apresentam maiores possibilidades de possuírem
expectativas pessimistas a respeito de relacionamentos românticos (GRAU e DOLL, 2003), o que
sugere o aumento de crenças negativas sobre relacionamentos em pessoas com esse estilo de
apego. Já o estilo de apego evitativo está associado a menos atitudes construtivas referentes ao
amor romântico (MIKULINCER e SHAVER, 2007).
Com relação aos efeitos dos estilos de apego em comportamentos sexuais, Hazan e
Shaver (1987) levantaram a hipótese de que diferenças individuais no estilo de apego que
aparecem durante a infância podem influenciar os parâmetros do sistema sexual quando este se
manifesta mais tarde com as transformações hormonais e a capacidade de sexualidade genital.
Shaver, Hazan e Bradshaw (1988) supõem que pessoas com estilo de apego seguro sejam
atentas a sinais de excitação sexual e atração, percebam os interesses do parceiro precisamente e
sejam aptas a engajar em relações sexuais genitais mutuamente satisfatórias. As pessoas com esse
estilo de apego desfrutam de sexo com intimidade e por possuírem modelos positivos de si
próprias, sentem-se desejadas e estimadas durante a atividade sexual, o que as ajudam a manter
confiança na habilidade de gratificar as necessidades sexuais do parceiro e as próprias
necessidades. Segundo Mikulincer e Shaver (2007), por serem autoconfiantes, essas pessoas não
precisam utilizar o sexo como uma maneira de se sentirem amadas, aceitas ou admiradas. Elas
são também propensas a ter consciência de suas motivações para o sexo a das conseqüências do
mesmo, além de serem capazes de direcionar o sexo para a satisfação mútua, relacionamentos
românticos duradouros ou casamento.
Já pessoas com estilo de apego inseguro são propensas a enfrentar mais problemas
sexuais. O estilo de apego evitativo é marcado pelo desconforto com a intimidade e imagem
negativa dos outros, o que pode interferir na intimidade psicológica e na sensibilidade
interpessoal em situações sexuais e torná-las propensas à prática de sexo sem compromisso. A
evitação pode estar associada à erotofobia (medo ou recuo do sexo), abstinência sexual ou
preferência por sexo impessoal e sem compromisso. O foco nas próprias necessidades pode
tornar as pessoas com esse estilo de apego cegas aos desejos sexuais dos outros. Paradoxalmente,
elas podem ser promíscuas sexualmente devido à insegurança, narcisismo ou desejo de elevar a
autoestima (MIKULINCER e SHAVER, 2007).
Quanto ao estilo de apego ansioso e sua relação com a sexualidade, esta é marcada por
50
ambivalência. Como o sexo é um caminho para a intimidade e proximidade, as pessoas com este
estilo de apego tendem a utilizá-lo como uma maneira de preencher suas necessidades de
segurança e amor. Todavia, por focarem em suas próprias necessidades, essas pessoas podem
apresentar dificuldade em atender precisamente aos desejos sexuais de seus parceiros. Ademais,
pessoas com esse estilo de apego podem apresentar modelos negativos de si e preocupações
excessivas com a rejeição, o que pode fazer com que seja difícil para elas relaxar durante a
relação sexual.
Estilos de apego inseguros estão associados a atitudes em direção ao sexo casual e sem
compromisso. Pessoas com estilo de apego evitativo parecem direcionar as atividades sexuais de
modo a tornar difícil a possibilidade de intimidade e interdependência, podendo apresentar
preferências pelo sexo casual (ALLEN e BAUCOM, 2004). Desse modo, pode-se supor que
exista uma associação entre o estilo de apego evitativo e a prática de infidelidade. Elas ainda
apresentam menor tendência a se envolver em relacionamentos afetivo-sexuais com
exclusividade e são mais propensas a terem relações sexuais com estranhos ou a se relacionarem
sexualmente com alguém apenas por uma noite (BOGAERT e SADAVA, 2002). Já as pessoas
com estilo de apego ansioso apresentam preferência por relacionamentos afetivo-sexuais
duradouros, provavelmente devido ao anseio por amor, aceitação e proteção (GILLATH e
SCHACHNER, 2006).
No que se refere a associações entre estilos de apego e motivações para o sexo, segundo
o estudo de Schachner e Shaver (2004), pessoas com estilo de apego evitativo apresentam o
desejo de autoafirmação como motivação para o sexo, e menos tendência a ter relações sexuais a
fim de aumentar a intimidade ou expressar afeição pelo parceiro. Já pessoas com estilo de apego
ansioso tendem a ter relações sexuais com o objetivo de se sentirem amadas, evitar a rejeição dos
parceiros e induzi-los a amá-los ainda mais.
Os estilos de apego relacionam-se à infidelidade conjugal. Allen e Baucom (2004)
encontraram em seu estudo que o estilo de apego ansioso está associado a motivações ligadas à
intimidade para ter relações sexuais extraconjugais, como quando se sentem sozinhas ou
negligenciadas em seus relacionamentos conjugais e procuram cuidado e atenção fora dos
mesmos. Pessoas com esse estilo de apego são mais propensas a relatar uma prática de
infidelidade com características obsessivas, ou seja, mencionam que estavam obcecadas por outra
pessoa. Já as relações extraconjugais de pessoas com estilo de apego evitativo têm motivos
51
relacionados à autonomia, como o desejo de liberdade ou de ter um espaço do parceiro primário.
Estilos de apego também podem interferir no compromisso, sendo que o estilo de apego
inseguro está associado a baixo compromisso. Todavia, ao se comparar pessoas com estilo de
apego ansioso às com estilo de apego evitativo, aquelas com estilo de apego ansioso desejam
mais um relacionamento com alto nível de comprometimento (MIKULINCER e EREV, 1991).
Com relação ao investimento no relacionamento, em estudo realizado por Pistole, Clark e
Tubbs (1995), pessoas com estilo de apego evitativo foram as que relataram menos investimento
em relacionamentos românticos.
Vale destacar que, conforme apresentado no presente estudo, o modelo de investimento,
utilizado frequentemente a fim de apontar preditores para a infidelidade, aponta que indivíduos
menos comprometidos, menos satisfeitos, com menos investimentos no relacionamento atual e
com mais alternativas apresentaram maiores possibilidades de serem infiéis aos seus parceiros
(RUSBULT, 1980; DRIGOTAS, SAFSTROM e GENTILLA, 1999). De acordo com os
parágrafos anteriores, indivíduos com estilo de apego evitativo podem apresentar menores níveis
de comprometimento e investimento no relacionamento, portanto, as chances de serem infiéis
podem ser maiores.
A resposta a reais ou potenciais transgressões do parceiro romântico também se
relaciona aos estilos de apego. Mikulincer (1998) realizou um estudo sobre reações à traição da
confiança do parceiro que demonstrou que pessoas inseguras, ao serem comparadas com as
seguras, apresentam menos tendência a falar abertamente com seus parceiros a respeito da
decepção sofrida. Pessoas com estilo de apego ansioso tendem a ruminar a traição do parceiro e
reagir com fortes emoções negativas, o que superativa o sistema de apego. Em um estudo sobre
sentimentos de mágoa em relacionamentos afetivo-sexuais realizado por Feeney (2004), as
pessoas com estilo de apego ansioso reportaram que a situação trouxe efeitos negativos
duradouros em suas autoestimas. Por outro lado, pessoas com estilo de apego evitativo aumentam
a distância do parceiro transgressor e negam a importância do episódio ameaçador, o que
exemplifica o esforço dessas pessoas para manter o sistema de apego desativado.
Com relação ao perdão de transgressões do parceiro romântico, no estudo de
Kachadourian, Fincham e Davila (2004) foi encontrado que pessoas com estilo de apego inseguro
(ansioso ou evitativo) são menos propensas a perdoarem seus parceiros. As pessoas seguras
reportam baixos níveis de ciúme e estratégias construtivas diante de transgressões, como um
52
diálogo aberto com o parceiro (HAZAN e SHAVER, 1987). Pessoas com estilo de apego ansioso
tendem a reagir de maneira disfuncional a transgressões do parceiro ou ao interesse dos mesmos
por outras pessoas atraentes. Altos níveis de ciúme, suspeita, preocupações sobre a exclusividade
no relacionamento, medo, culpa, vergonha, tristeza e sentimento de inferioridade intensificam o
estresse e a desarmonia do casal. Ao contrário, pessoas com estilo de apego evitativo preferem
evitar falar sobre o problema, outro sinal de estratégia de desativação do sistema de apego
(MIKULINCER e SHAVER, 2007).
Com relação à administração de conflitos em relacionamentos românticos, segundo
Mikulincer e Shaver (2007), pessoas inseguras geralmente apresentam dificuldade em administrar
os conflitos interpessoais. As pessoas com estilo de apego inseguro, ao serem comparadas com as
seguras, são menos propensas a expressar afeição e empatia durante conflitos, além de serem
menos comprometidas e utilizarem mais estratégias coercitivas, destrutivas ou evitativas perante
conflitos. Pessoas com estilo de apego evitativo tendem a apresentar insatisfação nos
relacionamentos afetivo-sexuais e a demonstrar a insatisfação deixando o relacionamento. Já as
com estilo de apego ansioso também tendem a apresentar insatisfação nos relacionamentos, mas
são mais propensas a permanecer em relacionamentos insatisfatórios, a menos que seus parceiros
os deixem. A relutância em romper com seus parceiros podem deixá-los vulneráveis a abusos
psicológicos e físicos. Pessoas com estilo de apego seguro podem permanecer em um
relacionamento afetivo-sexual quando há possibilidade de se solucionar os problemas, mas eles
também têm autoconfiança e provavelmente uma rede social de apoio que podem ajudá-las a
deixar relacionamentos perigosos ou insatisfatórios.
Desse modo, a resolução efetiva de conflitos parece ser rara em relacionamentos nos
quais as pessoas tenham estilo de apego ansioso, pois a tensão, a ambivalência e a suspeita
acabam interferindo nos mesmos. Ademais, pessoas com estilo de apego inseguro podem
apresentar dificuldade em lidar com o estresse ou prover suporte e conforto ao parceiro em
situações estressantes. O estilo de apego inseguro interfere na satisfação sexual, coloca as pessoas
em risco de desenvolverem problemas emocionais ou transtornos psicológicos, podendo
prejudicar os relacionamentos afetivo-sexuais.
A Teoria do Apego auxilia na compreensão dos motivos pelos quais indivíduos
envolvidos com parceiros e relacionamentos prejudiciais também podem apresentar
relacionamentos estáveis. Furman e Simon (1999) afirmam que expectativas e concepções sobre
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os relacionamentos românticos também são formados pela observação do casamento dos pais.
Collins e Read (1994) identificaram similaridades entre o estilo de apego descrito pelo parceiro e
o que o indivíduo descreveu como vivenciado por ele com a figura parental do sexo oposto.
Comportamentos associados a um padrão de apego possivelmente negativo podem ser familiares
ao indivíduo, pois refletem aqueles exibidos pelo cuidador durante a infância. Desse modo, é
possível que um indivíduo selecione um parceiro que cumpra suas expectativas sobre uma figura
de apego, mesmo que estas não levem a um relacionamento satisfatório. Ademais, indivíduos
com padrão preocupado de apego tendem a se preocupar com a possibilidade de serem
abandonados e podem trabalhar muito para manter um relacionamento, mesmo quando este não
seja satisfatório. Os relacionamentos que envolvem indivíduos com padrão preocupado de apego
apresentam tendência de serem tão estáveis quanto os de relacionamentos seguros, mesmo não
sendo tão satisfatórios (KIRKPATRICK e DAVIS, 1994).
Portanto, a Teoria do Apego pode ser útil para se compreender os relacionamentos
afetivo-sexuais a também pode auxiliar na compreensão da infidelidade a das respostas à mesma.
Embora suas contribuições sejam ainda mais vastas e ricas, optamos por nos ater ao nosso tema de
estudo. Tendo sido apresentados alguns aspectos da teoria escolhida para compreender o processo
de formação e rompimento de vínculos amorosos no presente estudo, a seguir discorremos sobre
os lutos da mulher diante da infidelidade conjugal.
54
4. LUTOS DA MULHER DIANTE DA INFIDELIDADE CONJUGAL
Durante a pesquisa bibliográfica a respeito da infidelidade conjugal, nos deparamos
frequentemente com estudos a respeito de motivos e justificativas para a infidelidade, e da
decisão da mulher pela permanência conjugal ou divórcio após a descoberta de casos
extraconjugais, além das possíveis consequências dessa escolha. Poucos autores debruçam-se
sobre essa vivência abrangendo todas as perdas envolvidas, concebendo-a como uma perda
ambígua e, menos ainda, como um luto não reconhecido. No presente estudo, defendemos a ideia
de que a infidelidade conjugal pode ser compreendida sob esta perspectiva, e consideramos que
esta pode contribuir expressivamente para a prática profissional de psicólogos e outros
profissionais que trabalham com aqueles que vivenciam não apenas infidelidade, mas também
outros lutos não reconhecidos. A seguir, será realizada uma breve explanação das contribuições
da Teoria do Apego para o entendimento das reações às perdas. Além disso, a infidelidade
conjugal será descrita como uma experiência que abarca a perda de um mundo presumido, e que
pode ser compreendida como uma perda ambígua e um luto não reconhecido.
Teoria do Apego e reações às perdas
Apresentaremos a seguir alguns aspectos da Teoria do Apego que podem contribuir para o
entendimento de reações às perdas. Tal fato se deve à nossa concepção da infidelidade como perda
ambígua, conforme exposto anteriormente. Com a vivência da mulher perante a infidelidade
conjugal, ela passa por um processo de enlutamento, sendo este, muitas vezes, um luto não
reconhecido. A Teoria do Apego auxilia na compreensão desse processo, visto que as perdas
foram abordadas por Bowlby (1969/1990, 1973/1998b, 1979/1997, 1988/1989) ao longo de sua
obra como elemento de grande importância.
Separação e perdas fizeram parte do tema principal com o qual Bowlby (1969/1990)
começou suas investigações sobre o apego. Portanto, sua teoria tem muito a contribuir para o
entendimento de como as pessoas reagem a diversas situações, como a rompimentos de
relacionamentos afetivo-sexuais ou até mesmo, a vivências de infidelidade conjugal.
Na perspectiva de Bowlby (1969/1990), mesmo com variações culturais, as respostas
humanas a quebra de vínculos não são diferentes. Todavia, a maneira como uma criança e um
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adulto enfrentam uma separação na perda da figura de apego é essencialmente diferente.
O rompimento de uma relação de apego, seja ela por morte ou separação voluntária, leva
os indivíduos a terem as seguintes reações emocionais: protesto, desespero e desapego. O
momento do protesto apresenta-se, geralmente, como choro e resistência aos esforços das pessoas
que tentam acalmá-la. Posteriormente, vem a fase do desespero na qual são manifestas ansiedade,
preocupação e impulso de procurar pela figura de apego, como se estivesse tentando desfazer a
perda. Após o desespero, vem um período de profunda tristeza. Aos poucos, a pessoa vai se
adaptando, fechando o ciclo com o desapego emocional do parceiro perdido (BOWLBY,
1969/1990). Essas fases auxiliam-nos a compreender as reações das pessoas perante diferentes
tipos de perda.
O sistema de apego adulto, do mesmo modo como ocorre com as crianças, pode ser
ativado a partir de várias situações ou emergir a partir de uma grande ameaça. É provável que os
modelos operativos internos sejam automaticamente ativados em situações de estresse (FEENEY
e NOLLER, 1996).
O estilo de apego de cada indivíduo influencia a maneira como ele reagirá à perda. Como
já afirmado no presente trabalho, o estilo de apego está associado a um modelo operativo interno
para a criança de como são os relacionamentos íntimos entre as pessoas, o que futuramente
influenciará na forma como ela se relacionará com os outros. A forma como os vínculos
primários foram estabelecidos e os sistemas de apego de cada indivíduo (seguro,
inseguros/evitadores e inseguros/ambivalente) estão relacionados às diferentes formas de reação
às perdas. A constituição e manutenção desses modelos não são consideradas um processo linear,
visto que as experiências da criança e do adolescente contribuem para sua plasticidade (SOUZA e
RAMIRES, 2006).
Todavia, Mary Main, por meio de suas pesquisas (MAIN e GOLDWYN, 1984; MAIN e
HESSE, 1990; MAIN e SOLOMON, 1990) tem mostrado que algumas pessoas alcançam a vida
adulta com seus modelos relativamente fechados e consequentemente, suas capacidades de
autorreflexão e mudança ficam comprometidas. Essas pessoas procuram o mesmo tipo de padrão
repetidamente, exibindo comportamentos que mantêm transtornos ao longo dos relacionamentos.
Para a autora, a chave para ser um adulto seguro e autônomo não é apenas a experiência de apego
seguro com os pais, mas a capacidade de distinguir um modo coerente e aberto de refletir sobre
seus apegos, a forma como lida com seus relacionamentos e sentimentos. Assim, a pessoa poderá
56
deixar o passado para trás e seguir com sua vida, o que está relacionado ao processo de
elaboração perante perdas ambíguas (como a infidelidade conjugal) e pode explicar porque
algumas pessoas conseguem reconciliação com a dor, enquanto outras apresentam dificuldade de
elaboração por não se permitirem mudar a figura de apego.
Desse modo, a partir da Teoria do Apego, é possível compreender que rompimentos de
vínculos, separações e perdas geram reações, sendo que estas estão relacionadas aos estilos de
apego dos indivíduos. A seguir, descreveremos como, não apenas em relacionamentos afetivosexuais, mas também em todos os aspectos da vida, construímos expectativas para o futuro, além
de interpretarmos o passado, o que se relaciona ao conceito de mundo presumido. Delinearemos
ainda como a infidelidade conjugal implica na perda daquilo que temos como verdadeiro, de
nosso mundo presumido.
Infidelidade conjugal e perda do mundo presumido
Conforme já apontado na introdução do presente estudo, a infidelidade conjugal implica
em perdas múltiplas: do parceiro e relacionamento idealizados e do que se esperava de si próprio
no relacionamento conjugal. Estas podem ser relacionadas à perda do mundo presumido.
A expressão mundo presumido foi cunhada por Parkes (1971), e é definida como aquele
aspecto do mundo interno que é tido como verdadeiro. Segundo o autor, ele é o único mundo que
conhecemos e inclui tudo o que conhecemos ou supomos conhecer, nossa interpretação sobre o
passado e expectativas para o futuro, além de nossos planos. O mundo presumido inclui modelos
do mundo como ele deveria ser, situações prováveis, ideais ou temidas. Trata-se de um esquema
organizado que contém tudo o que supomos ser verdadeiro com base em nossas experiências
prévias.
Mundo presumido é definido como constructos pessoais que os indivíduos utilizam para
significar o mundo (RANDO, 1993), concepções arraigadas sobre o mundo e sobre si mesmo que
são mantidas e utilizadas a fim de reconhecer, planejar e agir (PARKES, 1975). Tais concepções
são confirmadas através da experiência de anos e criam expectativas sobre o mundo e sobre nós
mesmos.
Mundo presumido é, portanto, um esquema organizado que contém tudo o que assumimos
ser verdadeiro (sobre o mundo, si próprio e os outros) com base em nossa experiência prévia.
57
Esse modelo interno de mundo orienta-nos, faz-nos reconhecer o que está acontecendo e planejar
nosso futuro comportamento. O mundo presumido torna-se automaticamente hábitos de cognição
e comportamento, sendo fundamental para a antecipação, organização e processamento da
experiência (PARKES, 1988).
O ser humano vive histórias de vida únicas e estabelece suas identidades baseadas nas
mesmas. Aprendemos a contar com a estabilidade do mundo e com a regularidade do
comportamento e resposta dos outros. Também aprendemos como antecipar o que acontecerá e o
que resultará de nossas ações. Contamos com nossas expectativas e assumimos lugares no
mundo. Procuramos estabilidade, ordem e constância em nosso ambiente. Desejamos nos sentir
confortáveis e seguros. Sentimo-nos em casa e que pertencemos a experiências que nos são
familiares. Adotamos crenças e teorias que nos orientam em nossa compreensão e interpretações
do mundo (ATTIG, 2002).
Na perspectiva de Parkes (2009), tudo o que consideramos garantido faz parte do nosso
mundo presumido. A crença de que uma visão particular do mundo é verdadeira e real, capacitanos a abordar o mundo a nossa volta, sentindo-nos seguros. Sem nosso mundo presumido,
ficamos perdidos, já que ele é o único recurso para nos orientarmos e alcançarmos nossos
objetivos.
Janoff-Bulman (1985) cita três grandes suposições que podem ser ameaçadas em casos de
perda: a suposição da invulnerabilidade; a suposição do mundo como dotado de sentido, o que
inclui a crença de que as pessoas merecem o que recebem e recebem o que merecem; suposições
positivas sobre si próprio, como a de que se é bom e decente. Perdas ameaçam essas suposições,
fazendo com que as pessoas sintam-se fracas, dependentes, desamparadas e sem controle sobre a
situação.
Com a perda do mundo presumido, ficamos confusos e frustrados, nossas vidas perdem o
ritmo ao qual estávamos acostumados e sentimos a necessidade de mudar de direção. A perda do
mundo presumido requer ajustamento em crenças ou interpretações sobre a realidade e uma
reestruturação na maneira de ver o mundo (ATTIG, 2002).
As perdas frequentemente desafiam nossos constructos, levando à tentativa de
reconstrução do mundo presumido (DOKA, 2002a). Em alguns casos de perda, o sistema de
crenças e suposições prévio não se adequa aos novos acontecimentos, por isso, deve ser
modificado e redefinido.
58
Todos os acontecimentos que provocam mudanças significativas na vida, especialmente
os inesperados, desafiam nosso mundo presumido e provocam uma crise até que mudanças
necessárias sejam realizadas. Nosso mundo presumido é uma fonte de segurança muito
importante, sendo que qualquer coisa que o mine também minará nossa segurança (PARKES,
2009). O autor cita como exemplo a perda de uma pessoa amada, que trará a necessidade de nos
enlutarmos por essa pessoa, e de rever nosso mundo presumido simultaneamente. Podemos
afirmar que o mesmo ocorre quando uma mulher vivencia a infidelidade conjugal, visto que esta
implica no enlutamento pela perda daquilo que era esperado do parceiro, do relacionamento e de
si próprio, sendo necessária uma revisão do mundo presumido.
Segundo Attig (2002), quando amamos uma pessoa, assumimos um lugar em seu mundo
e ela assume um lugar no nosso mundo. Tal pessoa torna-se presente em nossa vida diária. Cada
pessoa e cada relacionamento são únicos e insubstituíveis. Nós adotamos crenças sobre as
pessoas que amamos e nossos relacionamentos. Sentimo-nos seguros e em casa com o mundo que
experimentamos ao lado das pessoas que amamos.
Em um relacionamento conjugal, podemos supor que serão adotadas crenças sobre o
relacionamento e as pessoas envolvidas no mesmo. Por exemplo, uma mulher pode contar para si
mesma que tem um parceiro fiel, um relacionamento baseado em confiança e o que ela é uma
ótima pessoa por estar com um parceiro fiel. Da mesma forma, seu parceiro terá suas crenças
sobre o relacionamento, sua esposa e ele próprio. Portanto, na conjugalidade, há uma
conjugalidade de mundos presumidos.
Ao se referir à perda do mundo presumido que ocorre a partir da morte de uma pessoa
amada, Attig (2002) menciona que quando perdemos sua presença contínua, a vida não pode
continuar da mesma forma, seu ritmo é interrompido e sua rotina não pode mais continuar.
Somos desafiados a reaprender nosso modo de ser no mundo. Emocionalmente, somos desafiados
a aprender a carregar a dor da perda pela pessoa amada. Psicologicamente, tem-se que retomar o
senso de identidade própria, a autoconfiança e autoestima. Comportamentalmente, é necessário
aprender novas maneiras de se fazer as coisas, mudando hábitos e motivações. Fisicamente,
precisam-se utilizar velhas e novas maneiras de satisfazer as necessidades de comida, abrigo e
especialmente, proximidade. Socialmente, tem-se que mudar padrões de dar e receber dos outros.
Intelectualmente, procuram-se respostas para perguntas, compreensão, interpretação e significado
para os acontecimentos. O enfrentamento intelectual inclui a reconsideração de crenças sobre si
59
mesmo, relacionamentos, a maneira de funcionamento do mundo, e nosso lugar no mesmo.
Espiritualmente, é preciso aprender maneiras para superação do sofrimento e novos padrões,
modificando nossas esperanças e redirecionando nossas histórias de vida.
A perda do mundo presumido leva, então, à construção do significado da perda e à
reconstrução do significado da vida e de suposições sobre o mundo e sobre si mesmo
(NEIMEYER et al., 2002).
O conceito de mundo presumido ajusta-se à teoria construtivista, segundo a qual a visão
de realidade de cada pessoa é única, não existindo uma única verdade ou realidade a ser
conhecida (PARKES, 2009). Os construtivistas mostram que as pessoas validam teorias sobre
experiências de vida que as permitem organizar o passado, direcionar suas escolhas no presente e
antecipar o futuro (KELLY, 1991). O processo de construção de significado, incluindo o
desenvolvimento de um senso de identidade pessoal, supõem uma narrativa e uma estrutura de
antecipação. A narrativa é uma maneira de organizar episódios e ações, permitindo a inclusão de
razões para as ações e causas para os acontecimentos (NEIMEYER et al., 2002).
A identidade pessoal é organizada através da construção da narrativa. Ao contar uma
história, significados são dados aos acontecimentos. Quando uma perda invade uma narrativa
pessoal construída previamente, o senso de continuidade do tempo é quebrado e, com isso, a
aparente compreensão de si. A tensão resultante desafia o indivíduo a acomodar novas
perspectivas a si, sendo esta uma tensão entre continuidade e descontinuidade. O primeiro
impulso é o de se tornar a velha pessoa, com a antiga identidade novamente. Todavia, nem
sempre isso pode ocorrer plenamente. Após a perda, deve-se reaprender o mundo e reconstruir a
própria identidade, procurando novos significados e reorganizando construções prévias sobre si
(NEIMEYER et al., 2002). Desse modo, perdas envolvem um rompimento do mundo presumido
e estão associadas à reconstrução de significado. Luta-se para atribuir algum sentido e encontrar
algum valor na perda, reconstruindo a própria identidade.
Neimeyer et al. (2002) cita o exemplo de um pai que perdeu o filho, que se suicidou. O
pai havia investido altamente na antecipação do sucesso futuro do filho, o que foi rompido. Seu
próprio senso de identidade como pai foi quebrado. Situação similar ocorre em casos de
infidelidade conjugal, especialmente quando uma mulher investe na relação porque idealiza e
antecipa a realização de suas expectativas. Com a infidelidade, sua identidade de esposa e a
identidade do esposo, anteriormente fiel, precisam ser reconstruídas. Paradigmas são quebrados,
60
sonhos destruídos. Um novo plano para o futuro deve ser construído, o relacionamento deve ser
ressignificado.
A partir dos parágrafos anteriores é possível perceber o ajustamento do conceito de
mundo presumido à teoria construtivista, e também que, em casos de infidelidade conjugal, o
mundo presumido pode ser abalado. A seguir, a relação entre a vivência da mulher perante a
infidelidade conjugal e a perda do mundo presumido será abordada.
A infidelidade conjugal, especialmente quando esta ocorre em um casamento no qual há
promessa e expectativa de fidelidade, implicará na frustração de projetos e sonhos, causando
decepção e dor perante a constatação de impotência pessoal e de que o parceiro e o
relacionamento idealizado não existem.
Em casos de infidelidade conjugal, há um luto referente a perdas múltiplas: do
relacionamento e do parceiro idealizados, do que se espera de si próprio, de sonhos, desejos e
expectativas. Parkes (1971) menciona que o luto é uma emoção que surge da consciência da
discrepância entre o mundo como é e o mundo como deveria ser. Ao vivenciar infidelidade, as
expectativas referentes ao casamento e ao parceiro podem ser frustradas. A promessa realizada
pelos cônjuges na cerimônia matrimonial de fidelidade até que a morte os separe é quebrada. A
infidelidade conjugal implica em desilusão com relação ao projeto de casamento, ao parceiro
almejado, e a si mesmo pela incapacidade de concretizar o que se esperava, o que remete ao luto.
Desse modo, em casamentos no qual o contrato do casal implique em fidelidade, e esta
seja esperada, almejada e idealizada, a infidelidade conjugal acarreta em uma perda do mundo
presumido. O mundo cai! Uma mulher que se casa com a certeza de que terá a fidelidade de seu
cônjuge, sentindo-se segura com sua presença, terá que rever seu mundo presumido após a
descoberta ou revelação do relacionamento extraconjugal.
É importante enfatizar que ter o mundo presumido abalado não precisa ser devastador.
Um desafio a nossas premissas básicas sobre o mundo pode fazer com que ocorra uma
eliminação das premissas habituais, levando a uma nova visão de mundo, mais apropriada e
realista que aquela precedente (PARKES, 2009). A perda pode ser um processo de transformação
e crescimento (TEDESCHI et al., 1998).
Assim sendo, a infidelidade conjugal implica na perda do mundo presumido. As
premissas sobre o relacionamento, o parceiro e si próprio são perdidas. Todavia, esta perda pode
também levar ao crescimento e desenvolvimento pessoal. A seguir, descreveremos a infidelidade
61
conjugal como perda ambígua.
Infidelidade conjugal: uma perda ambígua
Ao vivenciar infidelidade, as expectativas referentes ao casamento e ao parceiro podem
ser frustradas. A promessa realizada pelos cônjuges na cerimônia matrimonial de fidelidade até
que a morte os separe é quebrada com a infidelidade conjugal, o que implica em diversas perdas,
como já mencionado no presente. Assim como o divórcio implica em desilusão com relação ao
projeto social de casamento, ao parceiro que não satisfez seus desejos e ainda, a uma desilusão
consigo mesmo pela incapacidade de enganar a finitude, o que remete ao luto (SOUZA, 2008), a
infidelidade conjugal também alude ao luto, ao choro e ao lamento pela perda.
Na perspectiva de Freud (1917), o luto normal é um processo longo e doloroso, que acaba
por resolver-se por si só, quando o enlutado encontra objetos de substituição para o que foi
perdido. O trabalho de luto consiste, portanto, num desinvestimento libidinal do objeto perdido e
no restabelecimento de outros interesses e propósitos no mundo externo.
Para Freud (1917, p. 275), "O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido,
à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou
o ideal de alguém, e assim por diante”. Martin e Doka (2000) definem o luto como uma energia
psíquica que resulta da tensão criada pelo forte desejo de um indivíduo de manter seu mundo
presumido da mesma maneira como ele era antes da perda, adaptar-se à nova realidade resultante
da perda e incorporar essa realidade ao novo e emergente mundo presumido. Desse modo, um
indivíduo que perde um ideal, expectativas ou sonhos também passa por um processo de luto.
Como vimos anteriormente, a infidelidade conjugal pode acarretar na perda de um mundo
presumido, o que implica em reação a essa perda, ou seja, em luto.
Assim como Freud (1917), muitos autores definem luto como uma reação à perda. Parkes
(2009, p.41) menciona que “o luto é um processo de mudança pelo qual as pessoas passam”. Para
o autor, uma definição satisfatória de luto deve distingui-lo de outros eventos psicológicos. Os
componentes do luto são a experiência da perda e a ansiedade de separação.
O luto tem especificidades em função do tipo de perda que, no caso da infidelidade
conjugal, pode ser considerada como uma perda ambígua. De acordo com Boss (1998), há dois
tipos básicos de perda ambígua. No primeiro, a pessoa está ausente e as circunstâncias de sua
62
ausência apontam para a possibilidade de morte, como no caso de um membro da família que
desaparece. Já o segundo tipo não se relaciona à morte propriamente dita e ocorre quando a
pessoa está fisicamente presente, mas psicologicamente ou emocionalmente ausente. A autora
exemplifica esse tipo de perda com casos de demência, coma, extrema drogadição, enfermidades
mentais crônicas, workholism, além de divórcios e rompimentos de relacionamentos
significativos. Nesses casos, a pessoa está viva e presente como membro da família, mas já não
apresenta as características que a fizeram reconhecer-se como a pessoa que sempre foi, o mesmo
ocorrendo com seu papel e função na família.
Segundo Boss (2006), nem a presença física, nem a ausência psicológica demonstram
exatamente quem está dentro e quem está fora da vida de alguém. Nós não nos desligamos de
uma pessoa simplesmente porque ela se foi fisicamente, e nem sempre nos conectamos com
alguém apenas por estar fisicamente presente em nossa vida diária.
A perda de um relacionamento idealizado, que ocorre independentemente de a mulher
permanecer casada ou optar pelo divórcio após a descoberta da infidelidade, pode ser considerada
como perda ambígua, pois apesar de sonhos e expectativas morrerem, o parceiro permanece
presente. A cada vez que a mulher vê seu parceiro, pode reviver os sintomas de ansiedade e a dor
que vivenciou com a infidelidade. Mesmo com a permanência matrimonial, o infiel não é visto da
mesma maneira, ocorrendo mudanças em seu papel na família.
Boss (1999) cita casos extraconjugais como exemplo de perda ambígua resultante de
ausência psicológica. De acordo com a autora, o relacionamento conjugal torna-se ameaçado pela
presença parcial de um dos cônjuges. Com a infidelidade conjugal, o parceiro idealizado é
perdido, mas partes dele continuam presentes. A identidade de esposo fiel é perdida, mas nem
tudo é perdido, visto que a infidelidade conjugal não apaga o que foi vivenciado pelos cônjuges,
nem as boas e nem as más experiências.
Uma esposa, ao manter o cônjuge psicologicamente presente na família quando ele se
encontra fisicamente ausente, pode afetar negativamente tanto a si própria quanto a sua família. É
o que pode acontecer nos casos em que a infidelidade conjugal acarreta em divórcio. Mesmo com
a separação física dos cônjuges, caso a mulher continue ligada psicologicamente ao cônjuge, o
sofrimento pode ser inevitável. Da mesma forma, a manutenção física do cônjuge quando ele se
encontra psicologicamente ausente, pode afetar negativamente tanto a esposa quanto sua família.
Tal fato pode ocorrer quando a esposa opta pela manutenção do relacionamento conjugal nos
63
casos em que o cônjuge infiel está apaixonado pela amante. Fisicamente, ele permanece presente
no relacionamento conjugal, mas psicologicamente, está ausente, visto que seus pensamentos e
sentimentos são direcionados a outra pessoa.
Espera-se que as pessoas fisicamente presentes, mas psicologicamente ausentes ajam
como sempre agiram, ou ainda, elas são prematuramente excluídas como se estivessem mortas.
Algumas pessoas desconectam-se psicologicamente da pessoa ambiguamente presente/ausente
como meio de se protegerem (BOSS, 2006). Desse modo, a mulher que vivencia infidelidade
conjugal pode permanecer esperando o cônjuge agir como sempre agiu quando demonstrava
fidelidade. Por outro lado, ela pode excluí-lo de sua vida, como se ele estivesse morto. Ressaltase que ambas as resoluções não estão necessariamente ligadas ao status de casados ou
divorciados, visto que se pode matar psicologicamente o cônjuge, mesmo convivendo com o
mesmo diariamente. O cônjuge também pode permanecer psicologicamente presente, mesmo
após o divórcio.
Ausência psicológica com presença física, assim como ausência física com presença
psicológica, pode acarretar ansiedade, depressão e sintomas psicossomáticos. A persistência da
ambiguidade bloqueia a cognição, congelando o processo de luto (BOSS, 1999). Em casos de
perda ambígua, a perda não é oficialmente validade e ritualizada, o que dificulta o processo de
elaboração do luto, trazendo risco de luto complicado (FRANCO, 2002; WALSH, 2005; BOSS,
1998). Amigos e parentes geralmente desconhecem a existência de perdas ambíguas, o que pode
complicar seu processo de elaboração (BOSS, 2006). A infidelidade conjugal ainda apresenta
outro complicador: ela é mantida em segredo na maioria das vezes, o que pode dificultar o apoio
da rede social da mulher que sofre ao descobrir ou ser revelada a existência do caso
extraconjugal.
Para Boss (1999), a perda ambígua é a perda mais difícil enfrentada pelas pessoas e pode
causar problemas individuais e familiares, dificultando seu processo de elaboração. Ela é a mais
estressante das perdas, desorganiza a família, altera papéis e gera nova estrutura de
funcionamento. Nela, o ausente permanece presente, atuando, de forma velada, no grupo familiar.
Em casos de perda ambígua não há um processo linear de enfrentamento e não há encerramento.
O que pode ocorrer é uma aceitação do paradoxo da ausência e presença da pessoa querida
(BOSS, 2006).
Na perspectiva de Boss (2006), pessoas vinculadas que são separadas por perda ambígua
64
sofrem um trauma ainda maior que pela morte. Novas vinculações são bloqueadas porque o
vínculo anterior ainda apresenta possibilidades nesses casos.
Boss (1999) afirma que perdas graduais são mais difíceis de serem reconhecidas. A autora
cita como exemplo casais que se separam gradualmente, com um dos cônjuges chegando tarde à
casa a cada noite e depois, nem sequer indo a sua casa.
Maridos e esposas podem parar de se falar, de celebrarem feriados e aniversários juntos,
parar de se tocarem e serem íntimos, desenvolver vidas separadas, e finalmente, deixam
de interagir. O relacionamento está morto (BOSS, 1999, p.88).
Perdas ambíguas geram emoções ambíguas. Por exemplo, é possível sentir ódio e, ao
mesmo tempo, amor; aceitação e, simultaneamente, rejeição (BOSS, 1999). Ao sofrer uma perda
ambígua, as pessoas não sabem se devem ter esperança ou desistir, odiar ou amar a pessoa
perdida, permanecer ou sair de onde se encontram (BOSS, 2006).
Boss (2006) cita o exemplo de um casal que tinha uma boa comunicação, bom
relacionamento sexual, e participava de eventos esportivos e sociais juntos frequentemente. De
repente, tudo isso foi interrompido, quando a esposa foi acometida pelo mal de Alzheimer. O
marido amava-a, mas também a odiava por tê-lo deixado. Embora sejam contextos diferentes,
algo muito semelhante pode acontecer quando ocorre infidelidade conjugal. A esposa que
participava de eventos sociais com o marido e tinha uma vida sexual saudável ao seu lado pode
ficar tão desapontada e frustrada de modo a não conseguir manter o mesmo estilo de vida. Ao
mesmo tempo em que continua a amar seu marido, odeia-o por ter sido infiel.
Repleta de ambiguidade, uma perda que não pode ser verificada ou clarificada pode se
tornar traumática, porque a inabilidade de resolver a situação causa dor, confusão, choque,
estresse e, frequentemente, imobilização (BOSS, 2006). A ambivalência pode causar danos no
relacionamento conjugal ou na família, mesmo quando não há divórcio (BOSS, 1999).
A ambiguidade e a incerteza confundem a dinâmica familiar, forçando as pessoas a
questionarem o papel que cada um desempenha na família. A perda ambígua traz incerteza sobre
identidades, papéis e relacionamentos (BOSS, 1999). Identidade é definida por Boss (2006) como
saber quem se é e qual papel desempenhar na relação com outras pessoas. Na perspectiva da
autora, em casos de perda ambígua, a identidade é um conceito relacional. A identidade do casal
é definida como “a compreensão subjetiva que duas pessoas em um relacionamento íntimo têm
sobre eles como unidade e sobre o lugar que ocupam juntos no mundo” (BOSS, 2006, p.118).
65
A identidade transforma-se com as perdas e mudanças ao longo da vida. Quando ocorrem
alterações no relacionamento, consequentemente as identidades modificam-se. A perda ambígua
gera confusão de identidade. A ausência ou presença parcial de algum membro da família requer
uma reconstrução emocional e cognitiva de papéis, status, fronteiras e rituais familiares (BOSS,
2006).
Após uma perda ambígua, o processo de reconstrução de identidade requer a abrangência
da mudança com a manutenção de continuidade histórica. A reconstrução da identidade requer
uma discussão sobre ex-identidades, como por exemplo, de ex-esposa, e os papéis e status
deixados para trás. Integrar a identidade passada com a presente é essencial (BOSS, 2006).
A perda ambígua é estressante e frequentemente traumática devido ao mistério sobre a
presença ou ausência da pessoa amada (BOSS, 2006). Estresse é definido pela autora como uma
pressão no status quo do sistema, enquanto trauma é descrito como um estresse tão grande que
não pode ser enfrentado. Na perspectiva da autora, a perda ambígua é usualmente traumática,
entretanto, é possível concebê-la como um estresse crônico, mas manejável.
Embora a perda ambígua seja frequentemente fundamentada como uma tragédia pessoal,
ela não tem que ser necessariamente devastadora, e pode apresentar aspectos positivos, como
criatividade, amadurecimento, conhecimento e aceitação de limitações e fragilidades. Aprender a
viver situações de incerteza possibilita um desenvolvimento pessoal e familiar que leva as
pessoas a assumirem riscos. Tais situações podem fazer com que as pessoas consigam depender
menos da estabilidade e passem a contar mais com a espontaneidade e com as trocas de
experiências (BOSS, 2006).
Apesar da possibilidade de diversas consequências negativas acarretadas pela perda
ambígua, muitas pessoas conseguem aceitá-la (BOSS, 1999). A maioria dos indivíduos consegue
lidar com o estresse e se recuperar da crise se é dada informação suficiente sobre a situação, para
que possam prosseguir com o processo de enfrentamento (BOSS, 2006). Boss (1999) ainda
afirma que viver com uma combinação de ambiguidade e ambivalência pode causar problemas,
mas não tem necessariamente que causá-los. A dor pela perda ambígua pode imobilizar, mas
pode também impulsionar a mudança (BOSS, 2006). Com a correta intervenção, as pessoas
podem aprender a viver bem, mesmo sofrendo perda ambígua (BOSS, 1999).
Ainda na perspectiva de Boss (1999), algumas pessoas podem utilizar a experiência da
perda ambígua para aprender a viver em circunstâncias difíceis que passam pela vida, procurando
66
assim equilibrar o que se perdeu com o reconhecimento da dor e a fé nas possibilidades
oferecidas pela vida. É possível pensar que o mesmo pode ocorrer com mulheres que vivenciam
infidelidade conjugal. Tais mulheres podem apresentar capacidade de desenvolver novos aspectos
e competências que talvez não se fizessem presentes na ausência da crise.
A partir dos parágrafos anteriores, pôde-se notar que embora perdas ambíguas possam
proporcionar adaptação às mudanças e crescimento, elas não são socialmente reconhecidas, o que
pode dificultar o processo de luto em casos que as envolvam. Desse modo, perdas que envolvem
ambivalência geram frequentemente lutos não reconhecidos, conforme delinearemos a seguir.
Infidelidade conjugal: um luto não reconhecido
Conforme apresentado no presente, a infidelidade conjugal pode ser compreendida como
uma perda ambígua e na perspectiva de Boss (1998), este tipo de perda não é oficialmente
validada e ritualizada. Podemos ainda conceber a infidelidade conjugal implicando em um luto
não reconhecido pela própria pessoa ou pela sociedade. Casellato (2005, p.24) mostra como uma
perda ambígua pode gerar um luto não reconhecido:
A vivência do luto pode se tornar ainda mais difícil quando se trata de uma perda que
envolve ambivalência. Perdas ambíguas são aquelas que se caracterizam pela falta de
clareza com relação ao que foi perdido, sobre quem perdeu, ou ainda, se houve a perda
ou não. Com a incerteza sobre como reagir nestas situações, as pessoas frequentemente
não fazem nada, ou melhor, não expressam nenhum tipo de reação. Neste sentido, a
perda que envolve ambivalência gera o luto não reconhecido, uma vez que passa a ser
considerada “pequena e superável”, principalmente quando comparada às perdas por
morte, após determinada convivência e vinculação com a pessoa amada.
Foi citado anteriormente que a infidelidade conjugal implica na perda de um mundo
presumido e segundo Reynolds (2002), o luto resultante dessas ameaças ao mundo presumido são
concebidos como lutos não reconhecidos. Assim sendo, a infidelidade conjugal gera um luto, e
este frequentemente não é reconhecido socialmente e/ou intrapsiquicamente.
A fim de compreendermos melhor o fenômeno do luto não reconhecido, é necessário
esclarecer que o luto é uma reação esperada não apenas em casos de perda por morte concreta
(FREUD, 1917; CASELLATO, 2004). É possível afirmar que em casos de perda ambígua
também é necessário uma reorganização de ordem emocional e cognitiva para que ocorra
adaptação à nova realidade. Desse modo, assim como em situações de perda concreta, implica um
67
processo de luto. Bowlby (1969/1990) cita que o processo de luto implica em reconhecer e
aceitar a realidade, e em experimentar e lidar com as emoções consequentes à perda.
Enfatizamos, portanto, que o reconhecimento da realidade é necessário no processo de luto.
Segundo Casellato (2004), luto é um processo esperado de elaboração das perdas, e pode
proporcionar reconstrução de recursos e adaptação às mudanças. O processo de luto é necessário,
pois o ser humano necessita dar sentido ao que acontece em sua vida, além de retomar o controle
sobre as relações afetivas.
O trabalho de luto implica na revelação de que o objeto não existe mais ou está
inacessível. É a aceitação dessa realidade que possibilita a desistência dessa relação e o
redirecionamento da meta fixada para outras relações afetivas. Consequentemente, o indivíduo
pode se reorganizar diante do vínculo rompido e prosseguir com a sua vida (CASELLATO,
2004). Caselllato (2005) lembra que esse processo é individual e, ao mesmo tempo, social, sendo
afetados todos os membros da família.
Portanto, é necessário conhecer e aceitar a realidade da perda no processo de luto, mas
nem sempre essa perda é reconhecida, tratando-se de um luto não reconhecido. Lutos não
reconhecidos são frequentemente ignorados. São dadas poucas oportunidades para que o
indivíduo expresse suas emoções, ocorrendo pouco ou nenhum suporte social, pouca empatia dos
outros, além de ausência de rituais. Desse modo, o processo de luto pode ser complicado, visto
que o processo de elaboração pode ser inibido.
O termo luto não reconhecido ou “disenfranchised grief” foi descrito por Doka (1989),
pioneiro no estudo sobre essa temática, como situações de perda não reconhecidas socialmente,
sendo o “direito de se enlutar” publicamente negado a esses indivíduos. Na perspectiva de Doka
(2002b), a sociedade apresenta normas para o luto, dita as perdas que merecem ser lamentadas,
como e quem legitimamente pode se enlutar, e como e para quem se deve responder com suporte
e apoio. Em casos de lutos não reconhecidos, a validação social e a expressão de empatia não são
permitidas, o que pode trazer sérias implicações ao processo de luto, podendo complicá-lo ou
bloqueá-lo.
Segundo Doka (2002b), lutos não reconhecidos foram ignorados pela literatura, todavia,
eles precisam ser investigados e compreendidos, de modo a auxiliar a sociedade a conhecê-los e
reconhecê-los. Na perspectiva do autor, todos os tipos de perda devem ser reconhecidos e
validados, não apenas as perdas relacionadas à morte, pois, ao longo da vida, muitas outras
68
podem ser significativas para um indivíduo, como em casos de divórcios, adoções, abortos,
perdas de empregos e animais de estimação, entre outras. Todavia, enquanto em casos de morte,
os rituais estão presentes, testificando o direito de se enlutar, quando o luto não é reconhecido,
este direito é negado ao enlutado. Casellato (2005, p.18) afirma: “A dor só deixará de ser
silenciosa quando não for mais silenciada”.
Doka (1989), em seu livro “Disenfranchiesed Grief: recognizing, hidden, sorrow”, cita
três categorias de luto não reconhecido. Mais tarde, no livro: “Disenfranchiesed Grief: new
directions, challenges, and stratagies for practice”, o autor acrescentou mais duas categorias,
totalizando cinco. Ressalta-se que, em muitas situações, ocorre uma sobreposição das mesmas,
comprometendo ainda mais a elaboração da perda. São elas:
1-
O relacionamento não é reconhecido: alguns tipos de relacionamento podem não
ser reconhecidos, como aqueles não tradicionais ou não sancionados pela sociedade. O autor cita
os exemplos de relacionamentos homossexuais e casos extraconjugais. Relacionamentos não
percebidos como dotados de intimidade ou proximidade o suficiente para serem lamentadas suas
perdas também podem não ser reconhecidos, como aqueles com amigos ou colegas de trabalho.
Ademais, relacionamentos que aconteceram no passado podem não ser franqueados pela
sociedade, como o com ex-cônjuges, amantes ou amigos do passado.
2-
A perda não é reconhecida: a perda não é considerada como significativa. Os
exemplos incluem abortos, adoções, perda de animal de estimação, abandono e rompimento de
vínculos amorosos.
3-
O enlutado não é reconhecido: isto ocorre quando a pessoa é socialmente
definida como incapaz de compreender a morte ou vivenciar o luto, o que inclui os idosos, as
crianças e os doentes mentais. O parceiro amoroso que toma a iniciativa separatória também pode
não ter permissão social para se enlutar.
4-
A morte não é reconhecida: a morte é estigmatizada ou produz ansiedade, o que
pode inibir o recebimento de suporte social. Por exemplo, mortes resultantes de AIDS, suicídio
ou execuções.
5-
Modo de se enlutar e o estilo de expressão do pesar não são validados
socialmente: a forma de se expressar do enlutado não é condizente com o que se espera na
situação. Por exemplo, uma mãe que expressa seu luto de forma contida, sem chorar
intensamente, pode ter o apoio social inibido, pois sua expressão pode ser julgada como de frieza.
69
Da mesma forma, pode ser inesperado o choro compulsivo de um homem tido como forte e
racional, podendo ocorrer um consequente desconforto da sociedade e inibição de apoio.
Corr (2002) acrescentou outras situações nas quais ocorre luto não reconhecido, além
daquelas propostas por Doka (1989, 2002b). Ele cita que alguns aspectos do luto podem não ser
legitimados ou tidos como inapropriados. Por exemplo, podem-se aceitar sentimentos e emoções
no processo de luto, enquanto outras reações, como sensações físicas, distúrbios comportamentais
e mudanças no funcionamento cognitivo, podem não ser reconhecidas. O autor ainda menciona
que o enlutamento pode não ser reconhecido, sendo desconsiderado o trabalho intrapsíquico do
enlutado ou depositadas expectativas irrealistas sobre ele, como dizer que para que não fique
preso à perda. Por último, Corr (2002) faz referência ao fato de que se pode assumir que há um
ponto final para o luto, negando a legitimidade do luto que vá além desse tempo estabelecido
previamente.
Kauffman (2002) enfatizou casos em que ocorre não apenas um não reconhecimento
social do luto, mas também do próprio indivíduo, o que ele chama de “self-disenfranchisement”.
A dimensão intrapsíquica de lutos não reconhecidos é citada tanto por Corr (2002) quanto por
Kauffman (2002). Segundo o primeiro, o processo de luto implica em um diálogo ou reflexão
interna sobre as perdas vivenciadas, suas implicações e significados, o que faz parte do trabalho
consciente e inconsciente que ocorre na psique do enlutado. Todavia, o luto não reconhecido pelo
indivíduo que o vivencia envolve o fracasso na legitimação desse trabalho intrapsíquico do luto.
Kauffman (2002) vai na mesma direção de Corr (2002) ao afirmar que tal fato ocorre quando o
indivíduo recusa-se ou não consegue legitimar seu próprio luto, o que pode gerar sentimentos de
culpa ou vergonha, impedindo-os de procurar suporte social e causando danos psicológicos. O
autor mostra que nesses casos, o não reconhecimento parte do próprio indivíduo que transmite
para a sociedade e recebe em troca mensagens como “Isto não é uma perda, não é um luto”,
impedindo que o processo de luto inicie-se e que ocorra seu trabalho integrativo.
Kauffman (2002) cita a relação entre o conceito de luto não reconhecido e o conceito de
melancolia de Freud. Este considera o narcisismo na melancolia, já que ao invés de ser realizado
o trabalho de luto, o ego preocupa-se com sua própria culpa. A autoculpabilização acaba sendo
uma defesa conta a culpabilização de outros, uma arma virada contra si próprio e não contra
outros. Marcado por vergonha e culpa, o superego não sanciona ou permite o reconhecimento do
luto. A vergonha e o consequente não reconhecimento do luto mantêm a idealização e a ilusão, de
70
modo a esconder de si próprio o que se perdeu. Para o autor, a injúria narcísica de não
reconhecimento do luto merece atenção clínica no tratamento de lutos não reconhecidos e
complicados, pois o ato de não reconhecer o próprio luto impõe uma desvalorização de si próprio,
não apenas impedindo o processo de luto, como também negando a vivência dessa realidade e
bloqueando a percepção e elaboração da perda.
Em casos de mulheres que vivenciam infidelidade conjugal, pode ocorrer sobreposição de
categorias. Primeiramente, a perda não é reconhecida e nem vista como significativa. Na maioria
das vezes, ela é mantida em segredo, e quando revelada, é frequente o discurso de que “todo
homem trai” e “toda mulher passa por isso”, não havendo um reconhecimento social da perda. É
possível que a perda não seja reconhecida nem mesmo pela própria mulher que a vivencia, não
ocorrendo um reconhecimento intrapsíquico, assim como afirmado por Kauffman (2002).
Também podemos considerar que o modo de se enlutar e o estilo de expressão do pesar não são
validados socialmente. Como afirmado anteriormente, na maioria das vezes, uma mulher que
vivencia infidelidade conjugal mantém a situação em segredo. Entretanto, quando desvelado, é
possível que não ocorra empatia ou compreensão de seu sofrimento devido à naturalização da
infidelidade masculina. É comum escutarmos “ele não merece suas lágrimas”, o que pode inibir a
expressão dos sentimentos da mulher, não havendo reconhecimento para seu pesar. Ademais,
podem ocorrer situações como as citadas por Corr (2002), como a não legitimação de reações
físicas acarretadas pela infidelidade conjugal, ou ainda, a crença de que o luto durará um período
de tempo específico com o consequente não reconhecimento quando tal tempo é ultrapassado.
O luto não reconhecido implica na vivência da perda em completo isolamento, não só por
não ser validado socialmente, mas também porque, em algumas situações, não pode ser revelado
para que não resulte em uma resposta social ainda mais negativa, o que pode se tornar um fator
de risco para o luto complicado (CASELLATO, 2005). Na perspectiva de Neimeyer e Jordan
(2002), lutos não reconhecidos são caracterizados por um fracasso na empatia, um não
entendimento do significado na experiência, o que leva à inibição de sentimentos, e por isso,
merece preocupação clínica.
Doka (2002b) cita que um luto não reconhecido pode complicar o luto de duas formas.
Primeiramente, pode intensificar as reações emocionais, como raiva, culpa, ou tristeza. Como os
indivíduos não reconhecem que têm o direito de se enlutar, evitam expressar tais emoções. Como
não são expressadas, estas acabam sendo intensificadas. Em segundo lugar, o suporte social é
71
diminuído em casos de lutos não reconhecidos. Como o apoio social facilita o processo de
elaboração, sua ausência pode bloquear o processo de luto.
Gilbert (1996) cita algumas características e consequências desse luto não sancionado: o
estigma social; o segredo e o consequente isolamento social; a falta de rituais que permitiriam a
construção de significados e o compartilhamento de sentimentos; a repressão de emoções; a
negação do luto; e problemas emocionais resultantes do sufocamento das emoções relacionadas
às perdas (como tristeza, culpa, ou raiva), o que pode intensificar ou prolongar essas reações,
caracterizando luto complicado.
Desse modo, o não reconhecimento social do luto pode levar ao adiamento ou inibição de
seu processo, o que também pode ocorrer em nível intrapsíquico. Lutos não reconhecidos
intrapsiquicamente podem levar anos e serem acionados por perdas posteriores. Eles podem ainda
se tornar lutos crônicos, estagnando a vida do indivíduo. As reações do luto podem ser
mascaradas e manifestadas por outros sintomas, como físicos, comportamentais e/ou psicológicos
(CASELLATO, 2005).
Portanto, a infidelidade conjugal trata-se de uma perda ambígua e, muitas vezes, o luto
pode não ser reconhecido tanto socialmente quanto de forma intrapsíquica. Ademais, casos de
infidelidade conjugal são frequentemente mantidos em segredo e regidos por sentimentos de
culpa, raiva, medo e vergonha. A não expressão da dor pode provocar um sofrimento adicional ao
que já é doloroso. A repressão desses sentimentos pode tornar essa perda ainda mais dolorosa.
Buscar novas formas de pensar e agir não apenas a respeito da infidelidade conjugal, mas
também de outros lutos não reconhecidos, são de fundamental relevância para a saúde em nossa
sociedade.
72
5. MÉTODO
A fim de contemplar o objetivo de compreender a experiência de mulheres que
vivenciaram a infidelidade de seus cônjuges e identificar as perdas envolvidas nesse processo, foi
utilizada como método a pesquisa qualitativa, que favorece as descrições das realidades
vivenciadas pelas participantes.
A abordagem qualitativa tem sido frequentemente utilizada em estudos voltados para a
compreensão da vida humana em grupos, em campos como sociologia, antropologia, psicologia,
dentre outros das ciências sociais. Esta abordagem abrange estudos nos quais se localiza o
observador no mundo, constituindo-se num enfoque naturalístico e interpretativo da realidade
(DENZIN e LINCOLN, 2000).
De acordo com Guba e Lincoln (1994), nesse tipo de pesquisa, podemos refletir melhor
sobre os comportamentos humanos, considerando seus significados e intenções. A objetividade
científica é substituída pela ideia de uma realidade construída, por meio de negociações de
significados, sendo as “verdades” produzidas a partir da intersubjetividade. Compreende-se que a
construção da realidade é um processo individualmente cunhado e socialmente legitimado, de
maneira recursiva entre indivíduo e cultura.
Devido a essas características da pesquisa qualitativa, esta foi escolhida para ser utilizada
no presente estudo, tornando possível um maior entendimento de particularidades no
comportamento dos sujeitos da pesquisa.
Foram realizados estudos de caso, que permitem vislumbrar o fenômeno através do
quadro de referências do próprio sujeito e alcançar o que cada indivíduo tem de único e como
lidou com os acontecimentos de sua vida.
Gil (1987) caracteriza o estudo de caso como um profundo e exaustivo estudo de um ou
de poucos objetos, de maneira a permitir conhecimento amplo do mesmo, tarefa esta
praticamente impossível perante os outros delineamentos considerados. O estudo de caso se
fundamenta na ideia de que a análise de uma unidade de determinado universo possibilita a
compreensão da generalidade do mesmo.
A pesquisa que envolve o estudo de caso envolve: a escolha do referencial teórico sobre o
qual se pretende trabalhar (YIN, 1984); a seleção dos casos e o desenvolvimento de protocolos
para a coleta de dados; a condução do estudo de caso, com a coleta e análise de dados,
73
culminando com o relatório do caso; a análise dos dados obtidos à luz da teoria selecionada,
interpretando os resultados (YIN, 2001).
Segundo Yin (1984), o estudo de caso visa oferecer uma visão holística do fenômeno
estudado. O autor descreve três situações nas quais o estudo de caso é indicado. A primeira
ocorre quando o caso em pauta é crucial para testar uma hipótese ou teoria previamente
explicitada. A segunda razão que justifica a opção por um estudo de caso é o fato de ele ser
extremo ou único. A terceira situação descrita por Yin (1984) é o caso revelador, até então
inacessível à investigação científica. O autor acrescenta que estudos de caso são também usados
como etapas exploratórias na pesquisa de fenômenos pouco investigados ou como estudos-piloto
para orientar o design de estudos de casos múltiplos, levando à identificação de categorias de
observação ou à geração de hipóteses para estudos posteriores.
Na perspectiva de Stake (2000), o estudo de caso como estratégia de pesquisa caracterizase pelo interesse em casos individuais e não pelos métodos de investigação. O autor distingue três
tipos de estudos de caso a partir de suas finalidades: instrumental, coletivo e intrínseco. O estudo
de caso instrumental visa à compreensão de algo amplo. O estudo de caso coletivo pode ser
entendido como um estudo instrumental estendido a vários casos, já que o pesquisador estuda
conjuntamente alguns casos para investigar um dado fenômeno. Ambos pretendem favorecer ou
contestar uma generalização aceita. Já o estudo intrínseco, em princípio, não se preocupa com
isso. Seu objetivo é buscar melhor compreensão de um caso apenas pelo interesse despertado por
aquele caso em particular. Stake (2000) destaca que em estudos de caso, os pesquisadores
buscam o que é comum ou particular em cada caso e, para isso, é preciso estar a par da discussão
corrente.
Segundo Stake (2000), não se pode compreender um caso em toda a sua complexidade e
cabe ao pesquisador decidir até onde é necessário ir, lembrando-se de que o fenômeno nunca está
isolado, mas inserido em um contexto, e o ser humano é influenciado pelos acontecimentos que o
cercam. O autor também aponta que a pesquisa que utiliza o estudo de caso não tem como
finalidade fazer generalizações, mas dar um pequeno passo a fim de se compreender um
fenômeno.
Conforme Stake (1978), o estudo de caso deve ser utilizado quando a pesquisa busca
compreensão, ampliação da experiência e aumento de uma convicção já conhecida. Ele é útil para
a exploração e explicação de fenômenos, e para a compreensão profunda de um fenômeno em
74
particular e seu reconhecimento em novos contextos, o que mostra sua relevância. De acordo com
o autor, devido à importância da compreensão experiencial, pode-se esperar que estudos de caso
continuem apresentando vantagens epistemológicas sobre outros métodos de investigação
baseados na generalização naturalística.
Alves-Mazzotti (2006) compara os dois autores e afirma que tanto Yin (1984) quanto
Stake (2000) concordam que nem todo estudo de uma única unidade pode ser considerado um
estudo de caso, e que estudos de caso implicam em grande complexidade. Ademais, a autora
afirma que ambos os autores defendem a impossibilidade de se fazer generalizações de tipo
estatístico a partir de estudos de caso. Por outro lado, ambos reconhecem a importância de se ir
além do caso, permitindo a acumulação do conhecimento.
Assim, para a realização do presente trabalho, o estudo de caso foi adequado. Podemos
compreender que os estudos de caso realizados foram estudos instrumentais coletivos, assim
como mencionados por Stake (2000), que em princípio, não se preocuparam com a generalização
dos dados, mas com a compreensão dos casos devido ao interesse por um fenômeno, em
particular. Foram realizados profundos e exaustivos estudos, de maneira a permitir conhecimento
amplo dos mesmos, como propõe Gil (1987). Reconhecemos a complexidade dos estudos de caso
e tivemos como objetivo ir além de cada um deles, a fim de colaborar para a acumulação do
conhecimento (YIN, 1984; STAKE, 2000). Procuramos relatar os casos assim como descreve Yin
(1984), escritos de maneira atraente, clara e instigante, para que o leitor permaneça interessado na
narrativa até o final.
Participantes
Foram realizados estudos de caso com mulheres heterossexuais que tenham descoberto ou
tenha sido revelada a infidelidade do cônjuge independentemente de terem ou não filhos, e de
terem ou não se mantido no relacionamento. É importante destacar que o processo de luto pelas
múltiplas perdas decorrentes da infidelidade conjugal não implicam em ter optado pelo divórcio.
Sendo assim, ter optado pelo divórcio ou pela permanência matrimonial não foi critério de
exclusão.
Foi critério de inclusão ter estado casada por no mínimo dois anos antes da ocorrência da
infidelidade conjugal, visto que esse é o período de adaptação à vida conjugal, no qual o casal
75
está descobrindo as regras do casamento (GIUSTI, 1987; CARTER e MACGOLDRICK,
1989/1995; HETHERINGTON, 1991). O tempo total de relacionamento não foi considerado
importante por nós, e por isso, não foi critério de inclusão ou exclusão.
As participantes foram indicadas por método de “bola de neve” a partir da rede da autora.
Instrumentos
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, que foram gravadas e transcritas
posteriormente.
De acordo com Richardson (1999), esta técnica de entrevista permite certo grau de
liberdade ao entrevistado e um aprofundamento do tema em questão, com perguntas préestabelecidas e ordenadas pelo pesquisador. Segundo o autor, este instrumento visa capturar do
participante o que se acredita ser mais importante de determinado problema, através das
descrições da situação em estudo. Assim, a entrevista não estruturada atendeu às necessidades do
presente trabalho e apresentou vantagem com relação a outros instrumentos de coleta de dados.
Na entrevista, os seguintes temas foram explorados, que foram definidos de acordo com
os objetivos do trabalho:
I-
Dados demográficos;
II-
Histórico da família de origem;
III-
Informações sobre o projeto de vida da participante (construção de identidade profissional
e satisfação com a vida atual) e rede de relacionamentos;
IV-
Histórico das experiências afetivo-sexuais da participante (formação e rompimento);
V-
Informações sobre a concepção e as expectativas acerca do casamento e a vivência da
conjugalidade;
VI-
Questões ligadas à infidelidade (como descobriu ou foi revelada a infidelidade conjugal,
as possíveis razões para a infidelidade e contexto da vida do casal na época);
VII-
Implicações imediatas da infidelidade na vida da participante (como reagiu à perda, grau
de revelação à rede imediata, implicações nas atividades diárias, busca e apoios
recebidos);
VIII- Implicações na percepção e na relação com o cônjuge;
IX-
Consequências e decisões;
76
X-
Implicações na vida atual;
XI-
Perdas enfrentadas durante a vida e reações às perdas.
A entrevista trata-se de um processo interativo complexo de caráter reflexivo, num
intercâmbio contínuo entre significados e o sistema de crenças e valores, atravessados pelas
emoções e sentimentos do entrevistador e do entrevistado. Assim, o linguajar poderá modificar-se
no decorrer do processo relacional, em face das mudanças emocionais que ocorrem
frequentemente. “A entrevista face a face é fundamentalmente uma situação de interação
humana, em que estão em jogo as percepções do outro e de si, expectativas, sentimentos,
preconceitos
e
interpretações
para
os
protagonistas:
entrevistador
e
entrevistado”.
(SZYMANSKI, 2002, p.12). Por isso, ressalta-se que, apesar de a intenção de seguir o roteiro, a
entrevista foi conduzida obedecendo ao fluxo do discurso das participantes.
Procedimentos
As participantes foram contatadas por telefone. Foi explicado o objetivo da pesquisa, o
tempo médio de duração estimado da entrevista (cerca de duas horas) e, nos casos de anuência,
foram marcados o horário e local convenientes, garantidas as condições de privacidade.
A entrevista foi realizada de acordo com a disponibilidade das participantes, que foram
informadas dos objetivos, das implicações éticas e assinaram um termo de consentimento
demonstrando estar de acordo com o fim do projeto (ANEXO A). As entrevistas foram gravadas
e transcritas posteriormente.
O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo e aprovado com o protocolo de número CAAE: 10699012.0.0000.5482.
Análise dos resultados
As entrevistas foram transcritas na íntegra e transformadas em texto, a fim de que se
chegasse a uma compreensão geral de seus sentidos. Por motivos éticos, as transcrições
completas das entrevistas não estão presentes neste texto.
Após a transcrição, foi realizada a leitura exaustiva do material, criando-se um resumo do
77
relato de cada mulher. As entrevistas passaram por um processo de interpretação fundamentado
nas teorias que se referem a relacionamento conjugal e luto, no qual foram destacadas as
narrativas que evidenciavam a vivência de cada participante diante da infidelidade conjugal e as
perdas envolvidas nesse processo. Foram utilizados quatro organizadores do relato: 1- Histórico
da participante; 2- Histórico do relacionamento amoroso; 3- Infidelidade conjugal; 4- Pós
infidelidade conjugal.
78
6. RESULTADOS E DISCUSSÃO
No presente estudo, buscamos explorar como as mulheres vivenciaram a infidelidade de
seus cônjuges e identificar as perdas envolvidas nesse processo. Para isso, foram analisados os
históricos das participantes e dos relacionamentos amorosos vividos por elas, a infidelidade
conjugal propriamente dita, e as mudanças percebidas por essas mulheres após o caso
extraconjugal. Desse modo, buscamos identificar o antes e o depois da infidelidade conjugal, os
comportamentos atuais e as expectativas futuras no que se refere a relacionamentos amorosos.
Embora apresentem semelhanças, cada caso ilustra diferentes processos de luto diante da
infidelidade conjugal e, por isso, optamos por apresentar cada um individualmente, expressando a
singularidade dos mesmos. Cada caso comporta uma riqueza psicodinâmica que, se explorada,
favoreceria outras possíveis interpretações. Buscamos responder ao problema que nos propomos
a investigar, sem cair na tentação de fugirmos do foco do estudo. É importante destacar que todos
os nomes utilizados são fictícios e que a forma de apresentação de cada caso leva em conta o
compromisso ético de não expor as participantes que se propuseram a contribuir com o trabalho.
Caso 1 – “Roupa suja se lava em casa”
Histórico da participante
Mariana, 46 anos, católica, é casada há 24 anos com Luciano, e tem um filho. Ela é donade-casa e trabalha com vendas esporadicamente. Relata pouco de sua infância e refere que o
casamento de seus pais foi marcado por muitas brigas. Atualmente, Mariana atribui o
relacionamento sexual como motivo para as mesmas, já que estas só aconteciam à noite. Ela
imagina que enquanto seu pai desejava ter relações sexuais com a mãe, esta não concordava,
provavelmente porque seu irmão dormia no mesmo quarto do casal. Mariana relatou:
Era uma “brigaiada”... Nossa Senhora! Eles brigavam e na época a gente não entendia
por que... Porque eles acordavam, eles começavam a brigar de noite... Eles tinham
mania de brigar de noite. Até, assim... Hoje eu acho que era por conta de sexo, né?
Além disso, Mariana acredita que sua mãe era ciumenta por se lembrar de ir atrás de seu
pai com a mãe a fim de descobrir onde ele estava indo. Todavia, as verdadeiras dificuldades
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enfrentadas pelo casal jamais foram ditas, ficaram implícitas. Foi Mariana quem hipoteticamente
atribuiu ao relacionamento sexual do casal o motivo para as desavenças conjugais.
As crianças internalizam experiências com seus cuidadores de modo que as relações
primitivas de apego formam um protótipo para futuros relacionamentos extrafamiliares
(BOWLBY, 1969/1990). Conforme Furman e Simon (1999), as primeiras experiências com os
pais influenciam não apenas as noções de intimidade e proximidade naqueles relacionamentos,
mas também as concepções de intimidade e proximidade nos relacionamentos em geral. Nos
relacionamentos românticos, estas concepções estão relacionadas à afiliação, sexualidade, apego
e cuidado, e são organizadas hierarquicamente. Podemos pensar que a partir de sua experiência
com os seus pais e também da observação do relacionamento conjugal não apenas deles, bem
como de outras pessoas com as quais conviveu, Mariana construiu concepções sobre
relacionamentos românticos e, como exemplo, pode-se inferir a concepção de que o desejo sexual
do homem e da mulher é diferente. Tais concepções exerceram influência em seus
relacionamentos futuros, como veremos adiante.
Durante a adolescência, Mariana saía com alguns rapazes, mas só passava a namorar sério
quando realmente ficava interessada pelos mesmos. Em outras palavras, no que se referia a
relacionamentos românticos, ela era seletiva. Ela teve três namoros sérios, e o último, que
ocorreu antes de conhecer Luciano, marcou-a muito. Mariana gostava muito daquele namorado,
mas ele provavelmente a traía, pois o sobrinho dele contava para ela o que acontecia, além de ter
havido outros indícios de infidelidade. Por isso, ela acabou rompendo o relacionamento, embora
fosse apaixonada pelo rapaz, conforme sua fala: “Ah, eu achava que ele estava me traindo e eu
achava sacanagem, né? Porque final de semana, me deixa aqui sozinha, vai pra outra cidade e
está com outra pessoa, né? E mesmo se não estivesse! Só o fato do outro falar, e ela era jovem”.
Mariana também relatou como foi o período após o rompimento do namoro: “Foi sofrido... Foi
sofrido. Eu demorei pra me refazer. Mas, assim, também, eu era jovem, né? E a gente não
esquenta muito a cabeça, mas no começo foi bem traumático, não foi fácil não”.
Histórico do relacionamento amoroso
Foi após o rompimento desse namoro, marcado pela infidelidade, que Mariana e Luciano
começaram a namorar. Luciano veio em um momento de recuperação, já que Mariana havia
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perdido um grande amor recentemente. Ela conhecia Luciano já há muito tempo, pois ele
trabalhava com sua prima. Contudo, ela o considerava chato e se incomodava com o fato de ele
beber excessivamente, por isso, nem sequer pensava em ter um relacionamento com o mesmo.
Nesta época, ele estava noivo, mas acabou rompendo o noivado e se interessando por Mariana.
Ela contou que não pretendia assumir um relacionamento sério por também ter rompido seu
namoro há pouco tempo, mas acabou sendo conquistada por Luciano, conforme ilustra a seguinte
fala:
Aí eu falei: “Não... Nem quero me relacionar com alguém, que faz muito pouco tempo”.
Porque fazia meses só que eu tinha largado dele. Mas aí agrada, manda bilhetinho,
manda essas coisas que você não estava acostumada, porque você estava carente... Aí é
onde você se apaixona, né?
Mariana ainda relatou a maneira como Luciano a conquistou com seu romantismo. Como
ela não estava habituada com manifestações do amor romântico, ficou encantada e foi seduzida:
Mas aí ele começou a pegar no meu pé... Ele ia atrás aonde a gente ia, e ele me agradava,
mandava flores, ia me buscar no serviço... E aí ele me conquistou, porque era coisa que
eu não estava acostumada, porque os meus namorados não faziam isso... Não mandavam
flor, bilhetinho... Ele mandava bilhetinho todo dia (risos).
Assim, logo após o rompimento de um namoro no qual havia ocorrido infidelidade e
Mariana provavelmente havia vivenciado um amargado sentimento de rejeição, angústia e
humilhação (BUUNK e VAN DRIEL, 1989), ela foi conquistada por um homem romântico. Este
a seduziu e a conquistou, além de provavelmente tê-la feito sonhar e idealizar um relacionamento
caracterizado pelo romantismo ao mandar flores e bilhetes, demonstrando seu carinho todos os
dias. Este novo modelo de relacionamento pode ter sido comparado ao modelo do relacionamento
conjugal de seus pais e também de seus próprios relacionamentos anteriores, o que pode ter
levado Mariana a pensar que com Luciano seria diferente.
No que se refere à cerimônia de casamento, Mariana não sonhava em se casar na igreja,
vestida de branco. Isto não aconteceu porque ela casou-se grávida e ficou menos dispendioso
casar-se apenas no civil, mas como este nunca foi seu desejo, não houve decepção. Eles
planejavam casar-se em janeiro do outro ano quando Mariana engravidou. Por isso, o casamento
foi antecipado para julho. Em outubro, nasceu Lorenzo.
A partir da decisão de anteciparem o casamento, podemos perceber que, provavelmente,
para eles, seria inaceitável ter um filho antes de se casarem. Possivelmente, eles introjetaram
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valores tradicionais impostos pela sociedade a respeito do casamento e do relacionamento
conjugal.
Mariana casou-se grávida e com uma possível idealização do relacionamento. Como
vimos no presente estudo, o ideal de amor romântico tem como consequência a exigência de
fidelidade, que é herdeira do mito da existência de uma metade, uma alma gêmea, que pode
completar cada indivíduo e possibilitar uma fusão amorosa completa (HADDAD, 2009).
Como vimos no presente, historicamente, o romantismo relaciona-se a uma dupla moral
que permitia aos homens extravasar seus excessos sexuais com mulheres moralmente
depreciadas, mas as mulheres deveriam ser recatadas, o que contribuiu para a naturalização da
infidelidade masculina, e ainda faz parte do imaginário ocidental atual (HADDAD, 2009).
Podemos pensar que, por um lado, Mariana poderia naturalizar a infidelidade masculina. Por
outro lado, o romantismo de Luciano provavelmente remetia à possibilidade de uma fusão
amorosa e de fidelidade. Podemos ainda supor que, naquele momento, fazia parte de suas crenças
e expectativas a respeito do parceiro conjugal, um homem romântico, carinhoso, atencioso e fiel.
Foi nesse contexto que o casamento ocorreu, após menos de um ano de namoro, na fase
inicial de relacionamento, que conforme Hazan e Zeifman (1994), trata-se da fase de atração e do
período de formação de apego entre os parceiros amorosos. Na perspectiva dos autores, a fase de
atração tem como função manter o casal tempo suficiente para garantir a continuação da espécie e
é marcada apenas pela busca de proximidade. Já a fase do apego, inicia-se após dois anos de
relacionamento. O casamento aconteceu, assim, em uma fase de atração e paixão, em um
contexto no qual provavelmente grandes expectativas referentes ao relacionamento conjugal
estavam presentes.
Embora na juventude Mariana desejasse ser professora, com o casamento, não quis mais
seguir seus planos profissionais. O casamento da participante pode ser compreendido como
tradicional e hierárquico. Conforme Figueira (1987), este é marcado pela crença da superioridade
do poder masculino sobre o feminino, caracterizado pela relação privilegiada do homem com o
trabalho fora de casa e pelo fato de que a exclusividade sexual pode ser esperada apenas pelo
homem com relação à mulher, e não vice-versa. Influências históricas referentes à dependência e
à submissão feminina parecem ser exercidas sobre a participante.
No que se refere à adaptação conjugal, Carter e McGoldrick (1989/1995) descrevem
muito bem o processo que envolve a formação do casal e a fase inicial do casamento. Na
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perspectiva das autoras, a família é mais do que a soma das partes. Ela é um sistema que se move
através do tempo e enfrenta várias dificuldades em seu percurso, sendo o estresse familiar
geralmente maior nos pontos de transição de um estágio para outro no processo de
desenvolvimento da família. A formação do casal é uma das fases mais complexas dentro do
ciclo familiar. Na fase inicial do casamento, é necessário o casal renegociar algumas questões
definidas previamente de forma individual ou até mesmo pelas respectivas famílias de origem.
Procura-se, assim, colocar em prática as expectativas de cada parceiro conjugal, e integrar o
projeto de vida pessoal e a dois. Muitas decisões e escolhas precisam ser tomadas, como dividir
tarefas e responsabilidades, distribuir o tempo de trabalho e de lazer, chegar a um consenso sobre
o emprego do dinheiro, definir quando e como ter relações sexuais, brigar, comer e dormir, entre
outras. A partir das experiências na família de origem, é preciso ocorrer diferenciação, sendo
estabelecido um nós conjugal.
No caso de Mariana, essas primeiras adaptações foram sobrepostas a outras transições,
como a parentalidade, o que pode ter tornado esse processo ainda mais difícil. O início do
casamento foi marcado por muitas dificuldades: para Mariana, foi muito complicado ter que se
adaptar ao jeito de Luciano. A participante comentou que em pequenas situações do dia-a-dia,
manifestavam-se grandes diferenças entre eles. Como exemplo, ela citou um episódio no qual
cortou o queijo de uma maneira diferente de seu cônjuge, que insatisfeito, ficou muito bravo.
Com isso, foi preciso elaborar o luto pelo parceiro idealizado. Aquele homem tão romântico e
carinhoso também ficava bravo e a irritava. Provavelmente, ela precisou construir novos
significados sobre o relacionamento e o parceiro conjugal. A seguinte fala ilustra o início do
relacionamento e as dificuldades presentes naquele momento:
Então, até você encaixar os seus gostos e os gostos da outra pessoa, é complicado!
Então, assim, os dois primeiros anos foram complicados, foram muito difíceis. Eu
lembro uma vez, eu não esqueço disso, que eu fui cortar um queijo... E eu cortei o queijo
do jeito que eu estava acostumada a cortar na minha casa. Aí o Luciano: “Nossa
Senhora, mas que que é isso? Olhe o jeito de cortar o queijo!”. Aquilo me irritou! E
assim, uma bobagem, né? Mas assim, cada um tem sua maneira de ser e você vai se
adaptando.
O processo de formação do casal e construção do nós conjugal envolve dois níveis de
adaptação: o interpessoal (conjugal) e a elaboração interna. O nós conjugal, que estava ali sendo
constituído, envolve em um percurso de elaboração de diferenciação (SIMÕES e SOUZA, 2010).
O “amar” implica em um processo de luto relacionado a crescer, tornar-se independente e ter
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maturidade como adulto (KERNBERG, 1995). Podemos, assim, compreender que esse processo
de luto na fase inicial de um relacionamento conjugal é necessário.
O cônjuge trabalhava durante o dia e também à noite, tendo pouquíssimo tempo para a
família. Ele assumiu o papel de provedor dos casamentos tradicionais e com isso, não tinha
tempo para a esposa, afastando-se das expectativas desenvolvidas a partir da conquista, e
estabelecendo um sistema ambivalente (BOSS, 1999), conforme ilustra a fala de Mariana:
No começo foi difícil, porque além dele trabalhar durante o dia, ele trabalhava à noite...
Ele trabalhava até de madrugada, a única folga dele era na segunda-feira à noite, só à
noite. Então, assim, eu que realmente cuidava do Lorenzo... E o Lorenzo daquele
tamanhinho, “petitinho”, e ele o dia inteiro trabalhando, à noite trabalhando.
Ainda no que se refere às adaptações iniciais de Mariana à vida conjugal, podemos pensar
que não apenas o parceiro, como também o relacionamento idealizado foram perdidos,
implicando em um processo de luto. Por outro lado, Luciano desempenhou muito bem o papel de
provedor, já que trabalhava incessantemente. Desse modo, logo no início da vida conjugal,
Mariana vivenciou uma perda ambígua (BOSS, 1999), já que o parceiro perdeu a característica
do romantismo, que o fazia se reconhecer como quem era, mas permanecia presente e ainda
cumpria o papel de provedor esperado em casamentos tradicionais. Como Mariana poderia se
permitir reclamar, sofrer, lamentar ou se enlutar pela perda de um parceiro sonhado, se este
desempenhava tão bem o papel de provedor? Sua dor deveria ser silenciada (CASELLATO,
2005).
Podemos interpretar que esse trabalho de luto e conscientização da nova realidade, que
são demandas necessárias no início de relacionamentos conjugais (SIMÕES e SOUZA, 2010;
KERNBERG, 1995; CARTER e MCGOLDRICK, 1989/1995), também pode ter sido
complicadas para Mariana por não ter havido tempo para a sua preparação. Ela pareceu ter
ingressado na vida conjugal sem muita reflexão a respeito do que vivenciaria. Embora seja
possível inferir que fazia parte de suas expectativas ter um cônjuge provedor, a sobreposição de
transições pode ter tornado essa fase de adaptação complicada para a participante (SOUZA,
2008).
No que se refere às adaptações do casal à fase inicial de casamento, pôde-se observar que
esse período foi marcado por uma mulher que só soube ser mãe, e por um homem que se tornou
apenas um provedor. Foi ainda complicado por dificuldades externas como a falta de privacidade
e a limitação financeira, já que eles moraram em uma casa de aluguel que ficava entre a de duas
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vizinhas, conforme ilustra sua fala:
Casa de aluguel, no fundo, tinha duas vizinhas que brigavam pra caramba... Elas eram
irmãs, e eram três casas: a casa da frente, a minha era a do meio, e a do fundo... E as
duas eram irmãs, a da casa do fundo e a da casa da frente. Nossa! O dia que elas
acordavam com a macaca! Mas elas brigavam! E aí você acordava com elas gritando! E,
assim, eu não tinha privacidade nenhuma... Porque a janela era onde elas passavam, no
corredor... A porta da cozinha também era onde elas passavam. Então, era a passagem de
todo mundo que passava pra lá. Então, eu tinha que manter as portas praticamente
fechadas. E a janela, eu fechava e puxava a cortina. De vez em quando, ela abria a
cortina: “Oi, Mariana, tudo bem?”. Então, assim, você não podia ficar à vontade na tua
casa. E lá eu morei cinco anos.
Este período de adaptação que ainda foi complicado pela ausência de privacidade pode ser
compreendido a partir da perspectiva de Berger e Kellner (1970) sobre o casamento. Os autores
descrevem-no como um ato dramático, no qual dois estranhos que tiveram um passado individual
diferente, se encontram e se redefinem. O casal constrói a realidade presente, reconstrói a
realidade passada, e fabrica uma memória comum na qual está integrada dois passados
individuais. Para Mariana e Luciano, que tiveram pouco tempo para se conhecerem efetivamente
antes do casamento, foi difícil ter que integrar dois mundos diferentes e compartilhar crenças
distintas. Tratavam-se de dois estranhos que precisavam construir uma identidade conjugal, mas
nem sequer conviviam tempo suficiente para isso.
Ademais, conforme vimos no presente, segundo Attig (2002), quando amamos uma
pessoa, assumimos um lugar em seu mundo e ela assume um lugar no nosso mundo. Tal pessoa
torna-se presente em nossa vida diária, sendo adotadas crenças sobre ela e o relacionamento.
Sentimo-nos seguros com o mundo que experimentamos ao lado das pessoas que amamos. Há, na
conjugalidade, uma conjugalidade de mundos presumidos. No caso de Mariana, foi possível
perceber que não houve tempo ou condições de intimidade para que isso acontecesse.
A Infidelidade Conjugal
Quando tinham por volta de quatro anos de casados, embora a fase de adaptação ao
relacionamento conjugal já houvesse passado, este ainda estava difícil devido aos trabalhos de
Luciano, sua falta de tempo para a família, e a continuação de dedicação exclusiva ao filho da
parte de Mariana, pois mesmo não sendo mais um recém-nascido, segundo Mariana, tratava-se de
uma criança frágil que demandava cuidado. Foi nesse período que Luciano foi infiel. Destaca-se
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que, na perspectiva de Costa (2006), a infidelidade pode ocorrer se o cônjuge se sente excluído,
quando a esposa está grávida ou se dedicando exclusivamente ao filho, o que o autor chama de
triângulo amoroso por competição, o que pudemos observar no presente caso.
Mariana soube do relacionamento extraconjugal pela sogra de sua tia, que viu a foto de
Luciano na carteira de outra mulher. Esta, por sua vez, contou que Luciano havia afirmado estar
separando-se da esposa e que, por isso, ela estava tendo um relacionamento amoroso com o
mesmo. Além disso, Mariana passou a receber ligações anônimas de pessoas que queriam avisála sobre a infidelidade.
A mulher com quem Luciano estava tendo um relacionamento extraconjugal trabalhava
no mesmo local que ele, durante o turno da noite. Mariana acredita que a iniciativa do
relacionamento extraconjugal tenha partido de Luciano, devido à natureza masculina. Ela relatou:
“Aí ele começou a jogar uma conversa nela”. Na concepção de Mariana, a outra mulher estava
sendo enganada e convencida pela conversa sedutora de Luciano.
Um dia, Mariana foi durante a madrugada, no fim do expediente até lá, quando viu
Luciano saindo e se direcionando ao seu carro com duas mulheres: uma funcionária do
estabelecimento comercial e a amante. Segundo Mariana, ele assustou-se muito por tê-la visto.
Ela mandou que o cônjuge pagasse seu táxi e se sentou no banco da frente do carro de Luciano.
Para Mariana, a amante também estava sendo enganada, pois ela acreditava que eles estavam se
separando, mas percebeu que isso não era verdade. A participante acredita que o caso
extraconjugal tenha terminado ali, tanto pela percepção da amante de que estava sendo enganada,
quanto por Luciano ter se assustado muito quando notou que ela sabia do que estava
acontecendo. A seguinte fala ilustra como tudo aconteceu e como Mariana compreendeu essa
vivência:
Ele estava enganando as duas pessoas. Porque a pessoa também que ele estava saindo,
ele estava falando que o casamento estava acabado, que não sei o quê... E quando eu
cheguei... A hora que eu cheguei, ele assustou tanto, que ele me beijou... E ele estava
falando pra pessoa que o casamento estava acabando, que não sei o quê, que não sei o
quê... E era tudo mentira, né? A pessoa se pôs no seu lugar e viu também que estava
sendo passada pra trás, porque não era também só eu, era ela também... E nunca mais.
Acabou.
Podemos compreender a atitude de Mariana como uma repetição do comportamento
materno. A participante construiu um conjunto de crenças e expectativas sobre o casamento
baseadas no relacionamento conjugal de seus pais, bem como no de outras pessoas com as quais
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conviveu. As atitudes tomadas pela participante e seus pensamentos relatados, leva-nos a pensar
que a participante pode ter desenvolvido as seguintes crenças: relacionamentos conjugais são
tumultuados; o desejo sexual de homens e mulheres é diferente; homens não são confiáveis;
mulheres precisam conferir e checar os passos masculinos. Esse conjunto de crenças e
expectativas influenciou sua vida conjugal. Infere-se ainda que a crença de que homens não são
confiáveis, mas mulheres são, influenciou sua maneira de conceber o acontecido. Mariana
atribuiu toda a culpa ao instinto masculino e percebeu a amante como uma pobre moça enganada,
assim como quando ela foi enganada pelo namorado na juventude.
A dor de ter sido enganada e não correspondida mesmo sendo uma esposa fiel e uma
excelente mãe provavelmente acarretou em um trabalho de revisão de seu mundo presumido. Na
perspectiva de Janoff-Bulman (1985), três grandes suposições que podem ser ameaçadas em
casos de perda: a suposição da invulnerabilidade; a suposição do mundo como dotado de sentido,
o que inclui a crença de que as pessoas merecem o que recebem e recebem o que merecem;
suposições positivas sobre si próprio, como a de que se é bom e decente. Perdas ameaçam essas
suposições, fazendo com que as pessoas sintam-se fracas, dependentes, desamparadas e sem
controle sobre a situação. No caso de Mariana, provavelmente tais suposições foram ameaçadas e
seu mundo presumido precisou ser revisto.
Mariana não falou nada para a amante ou na presença da mesma. Conversou com Luciano
apenas quando ficaram sozinhos, que negou o relacionamento extraconjugal, embora ela tenha
certeza de sua ocorrência. Ele ainda fez promessas de amor e de mudanças na vida do casal.
Ela atribui como um dos motivos para a infidelidade sua dedicação integral ao filho e a
pouca atenção direcionada ao cônjuge. Ademais, o tempo dos dois juntos era escasso, já que ele
trabalhava muito. Por isso, provavelmente, o cônjuge estaria insatisfeito. Pode-se corroborar que
tais fatores podem contribuir para a prática da infidelidade conjugal, pois de acordo com o
modelo do investimento, indivíduos menos comprometidos, menos satisfeitos, com menos
investimentos no relacionamento atual e com mais alternativas apresentam maiores
possibilidades de serem infiéis aos seus parceiros (RUSBULT, 1980; DRIGOTAS, SAFSTROM
e GENTILLA, 1999). Luciano provavelmente estava insatisfeito, investindo pouco no
relacionamento conjugal devido à dedicação excessiva ao trabalho, e teve como alternativa
disponível uma mulher que trabalhava com ele e passava ao seu lado mais tempo que a própria
esposa.
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O par complementar da boa mãe com o bom provedor foi rompido. Mariana ficou
profundamente magoada e entristecida, o que demorou muito para passar. Conforme vimos no
presente estudo, mundo presumido é um esquema organizado que contém tudo o que assumimos
ser verdadeiro (sobre o mundo, si próprio e os outros) com base em nossa experiência prévia.
Esse modelo interno de mundo orienta-nos, faz-nos reconhecer o que está acontecendo e planejar
nosso futuro comportamento (PARKES, 1988). Com sua perda, ficamos confusos e frustrados, o
que requer ajustamento em crenças ou interpretações sobre a realidade e uma reestruturação na
maneira de ver o mundo (ATTIG, 2002). Com a vivência da infidelidade conjugal, Mariana
passou por um processo de enlutamento pela perda daquilo que esperava do parceiro, do
relacionamento e de si própria, sendo necessária uma revisão do mundo presumido.
A falta de confiança no cônjuge foi uma das implicações da infidelidade conjugal em sua
vida, e só depois de muito tempo ela conseguiu recuperar a confiança no mesmo, conforme
ilustra sua fala:
Mas é uma coisa que me entristeceu muito na época. Demorou a passar... Muito! Pra
mim voltar a confiar, foi mais de um ano. Assim, que se atrasava, você pensava assim:
“Ah, está com alguém, né? Arrumou alguém”.
Podemos interpretar que tal fato confirmou algumas crenças constituídas a partir do
relacionamento conjugal de seus pais, como a de que homens não são confiáveis. Por outro lado,
levou ao questionamento de novas crenças que surgiram a partir do romantismo de Luciano,
especialmente a de que com ele, o relacionamento amoroso poderia ser diferente dos modelos
observados e vivenciados por ela anteriormente. Foi, então, necessário um trabalho de
reconstrução do significado da vida e de suposições sobre o mundo e sobre si mesma
(NEIMEYER et al., 2002).
Quando ocorreu o caso extraconjugal, ela não conseguia perceber que era corresponsável,
apenas pensava que não merecia passar por aquela experiência, já que era uma mulher tão boa.
Fazia, então, parte de suas crenças que pessoas de boa índole não passam e não merecem
vivenciar situações tão ruins, o que precisou ser revisto, levando a um conflito interno, a uma
crise (JANOFF-BULMAN, 1985).
Com a infidelidade conjugal, Mariana passou por uma perda ambígua (BOSS, 1999), e
um processo de luto não reconhecido pela sociedade (DOKA, 1989), vivenciado em silêncio e
isolamento. Mariana manteve o caso extraconjugal em segredo, possivelmente devido aos seus
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valores tradicionais e ao medo de perder seu par complementar: o bom provedor. O segredo pode
ser compreendido como uma tentativa de minimizar as perdas, e de manter o mundo presumido o
mais estável possível. Talvez seja por isso que escutemos frequentemente: “Roupa suja se lava
em casa”.
Pós Infidelidade Conjugal
Depois da infidelidade conjugal, Mariana acredita ter melhorado muito como esposa e ter
deixado de dar atenção apenas ao filho. Foi possível perceber que a perda foi uma oportunidade
para crescimento e mudança, conforme as afirmações de Boss (1999). Segundo a autora, algumas
pessoas podem utilizar a experiência da perda ambígua para aprender a viver em circunstâncias
difíceis que passam pela vida. A dor pode, assim, impulsionar a mudança (BOSS, 2006).
Embora a intenção inicial de Mariana fosse a de conseguir vingança ao fazer o mesmo que
o cônjuge, Luciano melhorou muito, ficou mais carinhoso e conseguiu reconquistá-la. Com isso,
ela abandonou seu plano inicial. Mais uma vez, foi reconquistada por um homem que
correspondia às expectativas de amor romântico, o que ainda ocorre até os dias atuais. Um nós
conjugal foi construído.
Devido à infidelidade conjugal, Mariana considerou a possibilidade de divórcio e propôs a
separação diversas vezes, mas Luciano não aceitou. Ela afirmou acreditar que, na realidade, ela
não tinha coragem. Na época, questões financeiras foram ponderadas, pois o cônjuge ainda não
ganhava bem, e mesmo com metade do que ele ganhava, provavelmente ela teria que voltar para
a casa dos pais.
A infidelidade conjugal acarretou na perda do ideal de eu, em uma revisão da concepção
de si mesma. As concepções arraigadas sobre si mesma que são utilizadas a fim de reconhecer,
planejar e agir (PARKES, 1975) precisaram ser revistas. Embora crenças sobre os homens
tenham sido confirmadas, Mariana não se comportou como no namoro anterior à medida que
considerou um complexo de implicações, tendo sido necessário lidar com a realidade, conforme
ilustra a seguinte fala:
Por conta do filho! Uma criança pequena. Como é que você vai... A gente morava de
aluguel. Repartir... E dois aluguéis... Como é que ia fazer, né? Você para pra pensar,
você fala assim: “Vichi! Será que vale a pena? Será que compensa?”. E assim, que ele
também prometia... Mundos e fundos, né? Prometia que não ia fazer mais nada! Que não
tinha feito nada e que não ia fazer nada, que gostava de mim e que não sei o quê...
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Aquela conversa mole de homem, né? Que a nossa vida ia melhorar, e que não sei o quê,
e que não sei o quê... E foi melhorando mesmo! Então, tudo o que ele prometeu, ele
cumpriu.
Podemos compreender sua decisão pela permanência matrimonial a partir da ideia de
hierarquia de valores pessoais. Valores tradicionais como estabilidade e segurança parecem ter
sido considerados mais importantes para Mariana que outros valores considerados modernos,
como a experimentação, autonomia ou independência (ARENT, 2009). Provavelmente, para ela,
manter o relacionamento conjugal era um meio de manter seus valores tradicionais arraigados e
minimizar as perdas.
Posteriormente, a vida do casal melhorou um pouco, pois se mudaram para uma casa na
qual poderiam ter mais privacidade. Lorenzo cresceu, passou a frequentar a escola e não
precisava mais de tantos cuidados. Luciano também passou a trabalhar um pouco menos aos
finais de semana, embora ainda trabalhasse à noite. Foi apenas quando eles tinham dez anos de
casados que o cônjuge parou de trabalhar à noite, o que melhorou ainda mais a vida do casal.
Quando isso ocorreu, eles passaram a sair mais e se tornaram companheiros, além de
terem ampliado a rede de amigos, o que permanece até os dias atuais, conforme o relato de
Mariana:
Ah, essa etapa foi a melhor! Graças a Deus! Aí a gente começou a sair mais... Fizemos
novos amigos... Aí a gente sai direto e reto... Se a gente não está na casa dos amigos, a
gente vai pra um barzinho mesmo eu e ele... E a gente, assim, nem precisa de
companhia. Um é companhia do outro.
Mariana ainda relatou que tanto ela quanto Luciano são pessoas flexíveis, maleáveis e
pacientes. Ele também é muito carinhoso, o que ajuda a fazer com que o casamento seja bem
sucedido. Além de ser um ótimo esposo, Mariana considera-o um excelente pai, embora ele tenha
sido exigente com relação aos estudos do filho. Ela afirmou: “Se precisasse casar, ele casava de
novo comigo, e eu casaria de novo com ele também porque é muito bom, apesar do que a gente
passou”. Podemos interpretar que houve recuperação ou desenvolvimento de confiança no
parceiro e relacionamento conjugal, o que caracteriza a concepção segura. Segundo Furman e
Simon (1999), as pessoas com concepção segura têm relacionamentos românticos marcados por
confiança, amizade, satisfação, mutualidade, intimidade, compromisso, e colaboração para a
resolução de problemas.
Atualmente, segundo Mariana, a infidelidade conjugal foi superada, embora ela ainda se
90
emocione ao falar sobre o ocorrido. Mariana contou:
Tem coisa que entristece... (choro). Deixa eu chorar um pouquinho... (choro
prolongado). Ah, isso ainda me entristece muito! Porque no fundo, no fundo, é uma
coisa que passou, melhorou... Mas você volta a pensar e fala: “Poxa vida! Eu não
merecia isso!”. (choro). Mas é uma coisa superada, eu já superei.
A fala de Mariana revela novamente seu possível pensamento mágico de que mães boas e
esposas fiéis e dedicadas, não merecerem sofrer infidelidade conjugal e não sofrerão (JANOFFBULMAN, 1985). Seu discurso mostra ainda a perda da ilusão adolescente. Provavelmente,
ainda é difícil falar sobre o ocorrido por tê-lo mantido em segredo durante muito tempo. A
participante ainda comentou que procura não pensar no que aconteceu. Além disso, Mariana
ainda naturaliza a infidelidade masculina, conforme a seguinte fala:
“Eu penso que sim, porque você acha? Homem! Mas também não fico pensando se teve
(relação sexual), se foi realmente consumado... Não sofro mais com isso não. Não penso
nisso! Foi há muitos anos e já passou, né?”.
Sua fala remete ao fato de que a infidelidade é concebida subjetivamente. Enquanto para
alguns esta apenas ocorre quando há, de fato, intercurso sexual, para outros, a infidelidade
emocional pode ser tão dolorosa quanto a sexual.
O que observamos permitiu-nos compreender que a infidelidade conjugal deve ser
entendida dentro de um contexto no qual há uma conjugalidade de valores, crenças e expectativas
sobre o relacionamento. O caso de Mariana mostra que relacionamentos extraconjugais levam a
uma crise, e podem ocasionar revisão interna de crenças e do mundo presumido. Atualmente, o
carinho e companheirismo estão presentes no relacionamento conjugal da participante e uma
ampla rede social foi conquistada pelo casal. Foi possível ilustrar que a infidelidade pode ser
propulsora de reflexão e mudanças.
Caso 2: “Quando você me quiser rever, já vai me encontrar refeita, pode crer” (Chico
Buarque)
Histórico da participante:
Ema, 35 anos, criada no catolicismo, atualmente é evangélica, embora não siga a doutrina
91
de sua igreja. Divorciada há cinco anos, tem um filho do ex-marido. Trabalha fora desde quatorze
anos.
Ema contou que suas lembranças com relação ao casamento dos pais são de brigas e
desentendimento conjugal, como ilustra a seguinte fala: “Eu tenho de lembrança da minha
família é de muita briga, muita briga... Do meu pai com minha mãe. E não era briguinha, não.
Brigas feias, assim, de acordar no meio da noite e ver eles brigando”. Ela nem sequer concebe o
que viu seus pais vivenciarem como casamento. Ema afirmou:
Ah, nunca foi um casamento! Minha mãe... Eu tinha cinco anos e minha mãe já dormia
na minha cama. Eu lembro que eu tinha muita vontade de dormir sozinha, porque a cama
era de solteiro. O meu pai sempre brigando com ela por conta disso. Os dois sempre
foram assim, mesmo quando eles eram mais velhos.
Por outro lado, Ema relatou que quando seu pai ficou doente, foi sua mãe quem cuidou do
mesmo, embora eles estivessem separados. Para ela, esse é o amor verdadeiro: sacrificar-se pelo
outro até o final da vida, conforme sua fala: “Porque eu acho que é amor verdadeiro, entendeu?
Porque um foi pelo outro até o final da vida dos dois”. Conforme vimos no presente, as
primeiras experiências com os pais influenciam as concepções de intimidade e proximidade nos
relacionamentos em geral (FURMAN e SIMON, 1999). A partir da afirmação de Ema, podemos
inferir que sua concepção de amor conjugal inclui sacrifício mútuo e lealdade absoluta à crença
do amor “até que a morte nos separe”, mesmo que o relacionamento seja marcado por conflitos e
insatisfação.
Ela é filha caçula e afirmou ter sido mimada durante toda a sua infância: “Ah, todo mundo
fazia o que eu queria na hora que eu queria... Por eu ser mais nova! E eu era aquela que
ninguém podia brigar também!”. Provavelmente, a entrevistada esperava um futuro parceiro
conjugal que também realizasse todos os seus desejos.
Ema idealizava muito seu futuro casamento, conforme ilustra sua fala: “Eu acho que
casamento é isso: você se apaixonar pela mesma pessoa todos os dias”. Ela sonhava que teria
“tipo família de margarina, de pote de margarina”, que viriam os filhos, e o casal trabalharia
junto para adquirir estabilidade para criá-los. Também acreditava que mesmo que viessem os
problemas, o casamento deveria ser mantido, pois considera importante lembrar-se da promessa
realizada na cerimônia matrimonial. Como apresentado no presente estudo, o ideal de amor
romântico leva em conta uma união conjugal duradoura e exclusiva. A fidelidade, além de ser
parte integrante dessa idealização amorosa, é causa recorrente das dores de amor (HADDAD,
92
2009), visto que a idealização a respeito do casamento e amor pode acarretar em decepção
quando as expectativas são frustradas (FÉRES-CARNEIRO, 1995, 1998; JABLONSKI, 1991;
KOLBENSCHLAG, 1991). Além da idealização do casamento, a participante lembra que
também sonhava em ter uma menina para colocar “um monte de lacinho na cabeça e aquelas
roupinha de perua”, mas que desistiu desse desejo atualmente.
Aos quatorze anos, teve seu primeiro namoro sério, que foi rompido devido a um caso de
infidelidade do ex-namorado. Todavia, ela jamais decidiu pelo rompimento, este ocorreu apenas
após muito tempo de traição quando foi trocada por outra mulher, pois ela acreditava que não
seria capaz de viver sem ele. Ema contou: “Aí, como se diz, eu estava pedindo pra ser chifruda,
né? Porque o cara não prestava, todo mundo sabia, eu sabia, só que mesmo assim eu não larguei
dele”. Na época, ela chegava a discutir com o namorado quando ficava sabendo dos casos de
infidelidade, mas ele negava e ela acabava permanecendo no relacionamento. Posteriormente,
Ema acabou virando a “amante” do rapaz, conforme a seguinte fala: “Mesmo assim, eu virei de
namorada pra amante, digamos assim... Porque aí ele virou namorado dela e eu saía com ele. Só
que ao mesmo tempo que eu saía com ele, eu saía com todos”. O fim do relacionamento se deu
porque o rapaz mudou de religião, tornou-se evangélico, encontrou uma esposa e se casou. Outra
razão para o rompimento, segundo Ema, foi o fim do amor, o que mostra sua valorização do
projeto amoroso.
Histórico do relacionamento amoroso
Ema considera ter se apaixonado à primeira vista pelo ex-cônjuge:
E eu bati o olho nele e pensei: “É aí que eu vou me enroscar a vida inteira”. Eu tive essa
sensação, sabe? Eu lembro... Eu fecho meu olho e lembro até hoje, assim, que ele estava
parado no carro, com o braço e a perna cruzada, com uma camisa xadrez. E do jeito que
eu entrei, ele deu um sorriso, assim, que foi a coisa mais linda pra mim. Foi lá que eu me
apaixonei, eu acho.
Na época, eles começaram a namorar, mas Ema morava em uma cidade interiorana,
enquanto Augusto (nome fictício do ex-cônjuge) morava na cidade de São Paulo. Por isso, eles
namoravam de quinze em quinze dias, o que perdurou por mais ou menos um ano.
Ema mencionou que gostou muito dele: “Eu não sei gostar pouco, é ao extremo! E eu
gostei dele, sabe?”. Durante o namoro, Augusto foi infiel ao sair com uma moça de sua cidade, o
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que todos ficaram sabendo. Ela foi a última que soube, e quando descobriu, sofreu muito: “Na
época, eu sofri horrores, horrores! Eu lembro que eu larguei, a gente largou, e eu emagreci acho
que cinco quilos”. Conforme aqui apresentado, a infidelidade pode trazer impactos para os
parceiros e para o relacionamento, e pode implicar em frustração perante a constatação de que o
parceiro e o relacionamento idealizados não existem. Ela pode trazer um amargado sentimento de
rejeição, angústia e humilhação (BUUNK e VAN DRIEL, 1989), o que parece ter sido
vivenciado pela participante.
Augusto passou a mandar mensagens com frequência para Ema, nas quais demonstrava
seu interesse em reconciliar. Ela resolveu perdoá-lo devido ao amor que sentia por ele, o que
mostra novamente a valorização de Ema ao amor romântico. Eles decidiram casar-se logo, já que
o relacionamento estava difícil devido à distância. Desse modo, o namoro durou menos de um
ano, além de uns poucos encontros quinzenais.
O casamento ocorreu, portanto, na fase inicial de relacionamento, no período de atração e
formação de apego entre os parceiros amorosos, marcado apenas pela busca de proximidade
(HAZAN e ZEIFMAN, 1994). O contexto era de grandes expectativas referentes ao
relacionamento conjugal, especialmente no que se referia ao amor romântico.
Conforme apontado no presente, o estresse familiar é geralmente maior durante transições
de estágios e no processo de desenvolvimento da família, sendo a formação do casal uma das
fases mais complexas dentro do ciclo família, na qual são necessárias negociações, a integração
do projeto de vida pessoal e a dois, e o estabelecimento do nós conjugal (CARTER e
MCGOLDRICK, 1989/1995; KERNBERG, 1995; SIMÕES e SOUZA, 2010). Essa adaptação
que é normativa na fase de formação do casal, no caso de Ema, foi sobreposta à migração e
adaptação a uma nova cidade, já que, aos vinte e quatro anos, ela casou-se, largou sua família que
a enchia de mimos e foi morar em São Paulo. Ela sentia muita falta da família, especialmente da
mãe.
De acordo com Ema, ela casou-se com a solidão, pois depois de um ano, o cônjuge não
ficava em casa devido à infidelidade conjugal, conforme ilustra sua fala: “Então, eu vim a saber
que durante o nosso casamento, o nosso relacionamento, ele me traiu uma vida inteira, ele me
traiu os quatro anos. A única diferença é que antes ele era discreto, e no final, não foi tanto”.
Além de o marido deixá-la sozinha frequentemente, Ema não tinha amigos na nova cidade,
apenas uma amiga, com quem não podia contar sempre, pois seu tempo era escasso. Estes fatores
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dificultaram sua adaptação à nova cidade e à nova vida.
Ema considera ter repetido a história de seus pais: “Eu acho que eu não tive um
casamento. Eu acho que eu acabei arrastando por um caminho, um mesmo caminho (dos
pais)...”.
Ela afirmou que o relacionamento conjugal foi complicado por ela não ser independente,
não conseguir fazer as tarefas domésticas, ser uma péssima dona-de-casa e demandar o cuidado
de seu esposo. Ademais, devido à depressão e outros problemas de saúde da mãe, Ema deixava o
cônjuge sozinho com frequência para visitá-la. Desse modo, ela vê sua responsabilidade pelo
fracasso conjugal. Tal fato relaciona-se ao modelo bidimensional de avaliação da vinculação no
adulto de Kim Bartholomew. Na perspectiva de Bartholomew e Horowitz (1991), os modelos
internos do self podem ser positivos (o self como merecedor de amor e de apoio) ou negativos (o
self como não merecedor de amor e de apoio), bem como os modelos internos dos outros podem
ser positivos ou negativos. A participante demonstrou apresentar uma visão negativa de si, uma
imagem de si com especificidades desvalorizantes. No que se refere à visão do ex-cônjuge,
embora esta tenha se modificado posteriormente, no início do relacionamento, era positiva. Ema
pode, então, ser caracterizada como um indivíduo preocupado. Conforme a descrição de
Bartholomew e Horowitz (1991), estes indivíduos costumam ser consumidos pelos
relacionamentos, tendem a idolatrar as suas relações, são dependentes dos outros na busca de
autoestima. Suas estratégias de resolução de problemas implicam o recurso aos outros. A
autoconfiança desses indivíduos é baixa e quando sujeitos a situações de separação, exibem graus
elevados de ansiedade. Tais características foram percebidas na participante.
Por outro lado, ela não se sente culpada por tudo o que aconteceu com o casal. Em sua
perspectiva, no início do relacionamento, eles não fizeram uma escolha consciente: “Porque na
verdade, na verdade, a coisa já começou toda errada... Eu nem conhecia ele e ele nem me
conhecia, e a gente casou”. Em sua perspectiva, não houve reflexão antes da decisão pela união
matrimonial.
O marido foi caracterizado como cuidadoso e carinhoso, como ilustra a seguinte fala:
“Extremamente carinhoso! Sempre foi, sabe? De deixar bilhetinho na hora que eu acordasse, de
deixar café pronto pra mim, as coisas que eu gosto... De comprar tudo as coisas que eu gostava
de comer, de levar café na cama... Eu não posso reclamar não!”. Por outro lado, ele era
acomodado e não lutava pelos propósitos dela, já que havia divergência de interesses.
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Ema citou que eles moravam na casa do pai do ex-cônjuge e que ela desejava ter uma casa
deles, o que para ele não era um objetivo. Seu comodismo também era percebido em outras áreas
de sua vida, como vemos na afirmação de Ema: “Foi meio que uma decepção pra mim também
quando eu descobri esse lado dele, que ele era muito acomodado e, nossa, só sabia ficar no sofá
chocando e dormindo! Coisa que ele não mudou até hoje!”. Já Ema descreveu-se como uma
mulher submissa durante o casamento. Ela deixou de trabalhar por certo período, e só depois
voltou a trabalhar, mas sua remuneração era muito baixa. Para a entrevistada, era difícil depender
financeiramente do cônjuge. Ademais, ela sentia-se inferior às mulheres que trabalhavam em
escritórios ou que tinham outros empregos que pareciam mais importantes que o dela.
Com quatro anos de casados, devido a divergências de interesses e ao fato de o excônjuge não ficar muito tempo em casa, o casamento estava caminhando para a separação. Foi
quando Ema engravidou inesperadamente e descobriu tardiamente, o que fez com que ela se
assustasse muito, pois não imaginava como cuidaria de uma criança, já que era muito dependente.
A gravidez ocorreu, assim, em um momento de insatisfação conjugal da parte de Ema. Foi uma
gravidez de risco que demandou muito cuidado. Com o nascimento, a entrevistada dedicou-se
intensamente ao bebê, o que aumento ainda mais a distância do casal.
A infidelidade conjugal
Foi nesse contexto no qual Ema estava dedicando-se inteiramente ao bebê e no qual a
distância entre os cônjuges estava ficando cada vez maior que Ema descobriu o caso
extraconjugal, como demonstra a seguinte fala:
Aí desabou de vez. Porque eu sempre atrás do menino e ele saindo, saindo, saindo...
Antes, ele voltava pra casa mais cedo. Aí começou... Sabe quando volta pra casa meianoite, uma hora, duas horas... Até que depois de três meses, ele nem voltava. Só voltava
no outro dia. Eu comecei a sentir cheiro de perfume horrível nele, que a mulher usava
um perfume horrível.
Mais uma vez, temos um caso que corrobora a afirmação de Costa (2006) de que a
infidelidade pode ocorrer se o cônjuge se sente excluído, quando a esposa está grávida ou se
dedicando exclusivamente ao filho, o que é chamado pelo autor de triângulo amoroso por
competição.
Ema tentava conversar, dialogar a fim de descobrir o que estava realmente acontecendo e
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o que Augusto pretendia, porém, sem êxito. Ele dizia: “Ah, você está louca! Você está viajando!
Imagina!”. Todavia, ela tinha certeza devido às inúmeras evidências como: cabelos da amante,
sapatinhos dos filhos dela em seu carro, sinais de bilhetinhos escritos por ele, a reação dos
vizinhos, e um número de telefone nas chamadas realizadas do celular para o qual Augusto ligava
com frequência. Ema ligou para esse número, que era de um orelhão, o qual foi atendido por um
desconhecido. Ela contou sua história e falou que desconfiava que seu marido estivesse tendo um
caso extraconjugal com alguém que morava perto dali. Ao descrever as características de seu excônjuge, o interlocutor disse que o vira algumas vezes na casa de outra mulher e se propôs a
ajudá-la. Com sua ajuda, Ema foi à casa da mulher e encontrou o ex-cônjuge lá, além de ter visto
as roupas do mesmo no varal. Embora sua intenção fosse apenas de mostrar que sabia o que
estava acontecendo para Augusto, sua reação imediata foi muito diferente. Seu ex-cônjuge foi
mal educado com ela, o que a fez reagir agressivamente, conforme sua fala:
Eu arrebentei ele! Peguei ele e bati. Acho que tudo o que estava guardado dentro de mim
eu joguei nele. Até hoje eu não acredito na força que eu tive porque eu arrebentei. Só
que eu só tive noção disso no outro dia. Porque ele estava todo esfolado, machucado.
Augusto também enganava a amante, pois dizia que não tinha mais uma vida conjugal
com Ema, mas quando ela percebeu que também estava sendo enganada, acabou sendo agressiva
e violenta com ele. Após a briga, Augusto levou Ema para casa. No outro dia, ela ainda escutou o
ex-cônjuge conversando com a amante e dizendo que a amava, como ilustra a seguinte frase:
Eu ainda tive que acordar e escutar ele ligando pra outra dizendo que amava ela. Eu vou
falar pra você, nossa, queria morrer! Ali meu mundo abriu assim, fiquei perdida! Porque
ele faltou com respeito de todas as maneiras possíveis comigo, de todas as maneiras
imagináveis... Levou uma mulher pra minha casa, pra minha cama, com as minhas
coisas... E ainda ligar? Eu era a esposa! Como que ele liga e fala, e pede desculpa pra
ela, pra ela perdoar ele?
O mundo presumido de Ema precisou, então, ser revisto. Aquele aspecto do mundo
interno tido como verdadeiro, sua interpretação sobre o passado e expectativas para o futuro,
além de seus planos (PARKES, 1971) foram abalados. Também precisaram ser revistas as três
grandes suposições que segundo Janoff-Bulman (1985) podem ser ameaçadas em casos de perda:
a suposição da invulnerabilidade; a suposição do mundo como dotado de sentido, o que inclui a
crença de que as pessoas merecem o que recebem e recebem o que merecem; suposições
positivas sobre si próprio. A ameaça a essas suposições possivelmente trouxe como conseqüência
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os sentimentos de fraqueza, dependência, desamparo e falta de controle sobre a situação.
Ema resolveu voltar para a casa de sua mãe, todavia, ainda tinha a intenção de reconstruir
o casamento. A entrevistada contou:
Porque quando eu gostava muito dele ainda, eu ainda tinha esperança da gente voltar e
dele acordar. Então, ele mesmo vinha pra cá de quinze em quinze dias pra ver o menino,
ele dormia na casa da minha mãe... E eu tentava sim reconstruir o meu casamento com
ele.
Podemos interpretar esse desejo de Ema como uma tentativa de minimizar as perdas,
mantendo tudo como estava, especialmente sua crença de que o amor deve ser para a vida toda.
Foi Augusto quem decidiu que não queria mais manter o relacionamento conjugal com Ema, pois
iria ficar com a amante. Podemos perceber que assim como em seu namoro da juventude, foi seu
cônjuge quem optou pelo término do relacionamento. Após a decisão do ex-cônjuge, ela sofreu
muito: “E sofri, nossa, como eu sofri! Eu morri por dentro!”.
Mais uma vez, seu mundo presumido foi abalado e, conforme vimos no presente, o
mundo presumido é uma fonte de segurança muito importante, sendo que qualquer coisa que o
mine também minará a segurança (PARKES, 2009). Assim como ao vivenciar infidelidade, Ema
enfrentou uma perda ambígua ao ser abandonada e trocada por outra mulher. Na perspectiva de
Boss (1999), a perda ambígua é a perda mais difícil enfrentada pelas pessoas, desorganiza a
família, altera papéis e gera nova estrutura de funcionamento. Nela, o ausente permanece
presente, não havendo um processo linear de enfrentamento. Assim, Ema sofreu muito durante
esse processo. Todavia, com o passar do tempo, conseguiu aceitar esse paradoxo.
Ema resolveu procurar um advogado para legalizar a separação, o que Augusto não queria
para não ter que pagar a pensão alimentícia ao seu filho. Ela passou a lutar pelos seus direitos e
desejava que Augusto pagasse por tudo de ruim que havia feito com ela. Portanto, ela decidiu
esquecê-lo, como ilustra a seguinte afirmação da participante: “Porque eu sou do tipo assim: eu
gosto, gosto até o fim; quando eu esqueço, eu esqueço de vez”. A ambiguidade que anteriormente
estava tão presente foi, assim, sendo substituída por pensamentos claros e concretos.
Pós infidelidade conjugal
Segundo Attig (2002), quando perdemos a presença contínua da pessoa amada, a vida não
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pode continuar da mesma forma. Emocionalmente, somos desafiados a aprender a carregar a dor
da perda pela pessoa amada. Psicologicamente, tem-se que retomar o senso de identidade própria,
a autoconfiança e autoestima. Comportamentalmente, é necessário aprender novas maneiras de se
fazer as coisas, mudando hábitos. Fisicamente, precisam-se utilizar velhas e novas maneiras de
satisfazer as necessidades de comida, abrigo e proximidade. Socialmente, tem-se que mudar
padrões de dar e receber dos outros. Intelectualmente, procuram-se respostas para perguntas e
significado para os acontecimentos. O enfrentamento intelectual inclui a reconsideração de
crenças sobre si mesmo, relacionamentos e a maneira de funcionamento do mundo.
Espiritualmente, é preciso redirecionar nossas histórias de vida, aprender novos padrões e
maneiras para superação do sofrimento, modificando nossas esperanças.
Ema precisou rever todos esses aspectos de sua vida: aprendeu a conviver com a dor pela
perda do ex-cônjuge; conseguiu um novo emprego a fim de satisfazer suas necessidades de
comida e abrigo e também as de seu filho; novas amizades foram conquistadas; as crenças sobre
si mesma, os relacionamentos e o funcionamento do mundo foram revisadas; ela buscou apoio
espiritual. Finalmente, aprendeu a ver o lado positivo da vida e a ter novas esperanças.
Segundo Ema, ela não sente nenhuma mágoa pelo ex-cônjuge nos dias atuais, mas sim
pena: “Pra falar a verdade, tenho até pena. Porque eu construí tanta coisa na minha vida... Eu
tenho uma casa confortável, eu tenho uma casa minha, eu tenho uma família... Sou feliz com meu
filho... Tenho amigos maravilhosos, minha casa vive cheia!”. Desse modo, a participante valoriza
o que conquistou, como a aquisição de sua casa, e a companhia do filho e dos amigos, e acredita
que o mesmo não aconteceu com o ex-marido, que parece não ter construído nada durante a vida.
Após a separação, Ema teve um namoro durante dois anos, todavia, o relacionamento foi
rompido devido a problemas do ex-namorado relacionados ao uso do dinheiro. Atualmente, ela
afirmou não estar procurando um parceiro romântico. Apesar de sair frequentemente com
homens, não busca um relacionamento sério, pois acredita viver bem da maneira como está. Por
outro lado, está aberta para um relacionamento sério, se este for com um homem que tenha os
mesmos objetivos que ela.
Recentemente, no aniversário de seu filho, Augusto foi à sua casa, pediu perdão à Ema e
afirmou que ela é a mulher de sua vida. Contudo, ela disse que não quer mais nenhum tipo de
relacionamento com o ex-cônjuge. Segundo Ema, por um lado, foi bom o que escutou porque
torcia para que um dia Augusto se arrependesse de tudo o que fez. Por outro lado, atualmente, é
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indiferente a ele por saber que não é o tipo de homem que deseja para sua vida.
Com relação à sua adaptação quando voltou para a cidade de sua mãe, esta foi difícil, já
que enfrentou dificuldades financeiras, pois Augusto casou-se com a mulher com quem tinha o
relacionamento extraconjugal anteriormente, o que acarretou em diminuição do dinheiro recebido
do ex-cônjuge. Além de dificuldade financeira, foi um período difícil em termos emocionais,
visto que tinha se separado de Augusto e perdido o pai recentemente, e ainda estava enfrentando
problemas no relacionamento com a mãe, que estava muito doente e depressiva, com oscilações
de humor. Logo depois, sua mãe também faleceu, fazendo com que Ema vivenciasse muitas
perdas em um curto período de tempo, conforme sua fala:
O sofrimento que eu estava era de ter perdido ele. Mas se for ver, eu perdi tudo na minha
vida numa socada só... Eu perdi meu pai, eu perdi a família que eu achei que eu tinha
construído, e perdi minha mãe. Porque minha mãe morreu, o Pedro estava com um
aninho.
Ao longo da sua vida, portanto, Ema enfrentou diversas perdas, como a morte de seus
pais, a perda de seu casamento, do que havia idealizado para o mesmo, além de ter perdido seu
parceiro amoroso. Ela enfrentou perdas múltiplas, passando por um processo de luto. Segundo
Parkes (2009), a perda é um resultado comum ao amor, é o preço que pagamos ao amar. O luto é
uma reação à perda, é um processo de mudança pelo qual as pessoas passam. Cada pessoa fica
enlutada de uma maneira, já que o luto é uma experiência única. “Cada um é único, não há dois
iguais e isso se reflete nos vínculos que estabelecemos, bem como nas condições da perda
daqueles que amamos” (FRANCO, 2002, p.28). No caso de Ema, em meio a tanto sofrimento, ela
conseguiu uma reconciliação com a dor, decidiu ver o lado positivo do que estava vivenciando,
especialmente por ter um filho carinhoso e amável que precisava dela. Optou por se dedicar ao
mesmo e trabalhar muito a fim de proporcionar um bom futuro a Pedro.
O relacionamento com sua mãe era intenso, o que a faz sentir falta da mesma até os dias
atuais: “Era aquela, aquele tipo que eu deitava no colo dela, mesmo grandona, cavalona assim,
eu sentava no colo, ela fazia carinho... Ela era uma pessoa, ah, excelente! Até hoje eu sinto
saudade dela”. Todavia, a mãe era depressiva e suas atitudes eram marcadas por ambivalência.
Ao mesmo tempo em que fazia tudo pela filha e era carinhosa, não falava com frequência que a
amava. Ela também era uma pessoa muito solitária. A perda de sua mãe ocorreu há cerca de seis
anos. Ema contou: “É difícil falar dela pra mim porque eu acho que até hoje eu não aceito a
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morte dela... Porque minha vida ia ser diferente se ela estivesse aqui, seria menos complicado”.
Já no que se refere à perda de seu pai, o processo de luto pela morte do pai foi
relativamente tranquilo: “Quando meu pai faleceu, eu estava grávida de cinco meses. Só que é
lógico, a gente sente, eu senti do meu pai, mas é complicado, né? Era só eu e ela, eu e ela”. Na
perspectiva de Franco (2002), diversos fatores contribuem para a compreensão da experiência
única do luto, destacando-se a natureza da relação com a pessoa que morreu, ou seja, o seu papel
junto aos enlutados. No caso da participante, foi perceptível que o papel da mãe em sua vida era
extremamente relevante, o que, dentre outros fatores, pode explicar a diferença entre as reações
às perdas materna e paterna.
Para superar as perdas, Ema contou que no que se refere à morte concreta, utiliza a
estratégia cognitiva de pensar que não tem mais jeito, que deve seguir em frente. Ademais, a fé
ajuda-a muito. Já no que se refere às perdas enfrentadas devido à infidelidade conjugal e a
consequente separação matrimonial, Ema afirmou que, além da fé, pensa que não perdeu nada,
mas que ocorreram apenas mudanças positivas em sua vida, o que a auxilia a seguir em frente.
Ela afirmou: “Não é que a gente perde, é que a vida da gente vai mudando e Deus acaba tirando
o que não é mais bom pra gente”. Ema ainda vê que sua história serve de ajuda para muitas
mulheres, o que ela afirma ser gratificante e acaba fortalecendo-a também.
O presente caso mostrou como a infidelidade conjugal pode ser compreendida a partir do
conceito de perda ambígua de Boss (1998). Com o caso extraconjugal, o cônjuge estava
fisicamente presente, mas emocionalmente ausente, já não apresentando as características que o
faziam reconhecer-se como o homem cuidadoso que sempre foi, o mesmo ocorrendo com seu
papel no relacionamento conjugal. Na perspectiva de Boss (2002), perdas ambíguas não têm que
ser necessariamente devastadoras, e podem apresentar aspectos positivos, como criatividade,
amadurecimento, conhecimento e aceitação de limitações. Tais aspectos positivos puderam ser
observados na participante.
O caso de Ema também mostrou como a infidelidade conjugal implica em perdas
múltiplas, como a perda do relacionamento esperado, do parceiro idealizado, de sonhos, desejos e
expectativas. Seu sofrimento deu-se especialmente pelo fato de ter sido trocada pela amante, o
que acarretou em um intenso sentimento de rejeição (BUUNK e VAN DRIEL, 1989). Por outro
lado, o caso extraconjugal propulsionou reflexão. Ema, que anteriormente sobrepunha o projeto
amoroso a outros planos de vida, passou a ter outras motivações para viver, especialmente a
101
educação de seu filho e o desejo de mostrar ao ex-cônjuge e às pessoas ao seu redor que é capaz
de se refazer, o que é tão bem descrito no seguinte verso da música de Chico Buarque: “Quando
você me quiser rever, já vai me encontrar refeita, pode crer”.
Caso 3: Que luto?
Histórico da participante
Karen é católica, tem 47 anos e seu marido, 48. São casados há 27 anos. Têm dois filhos.
No que se refere à sua história na família de origem, ela tem duas irmãs e dois irmãos. O
casamento de seus pais era caracterizado por brigas constantes, às quais ela atribui como motivos
a diferença de idade (o pai era dez anos mais velho que a mãe), o ciúme e alcoolismo do pai, e a
depressão da mãe, que chegou até mesmo a tentar suicídio.
Durante a infância, Karen foi uma criança brava, chorona e medrosa. Devido ao medo de
levantar durante a noite, ela urinava frequentemente na cama. Ademais, ela contou que era gorda
e comia excessivamente. Desde a sua infância, foi a filha que se envolvia com os problemas da
família, enquanto suas irmãs eram poupadas dos mesmos, o que perdurou por toda a vida, como
ilustra a seguinte fala da participante:
A Ema (nome fictício da irmã mais nova) não pode aborrecer, porque não está nem aí
com a vida... A Kamila (nome fictício da irmã mais velha) porque é sensível, porque é
delicada, porque depois pode ficar doente. E eu posso tudo! Eu aguento as pancadas da
vida tudo!
Na adolescência, Karen teve alguns namoros, mas nenhum deles sério. Ela chegou a ficar
noiva, todavia, contra sua vontade. Tal fato ocorreu em um carnaval, quando a participante tinha
15 anos. Ela estava em uma chácara apenas com mulheres e um garoto que estava interessado por
ela apareceu no local, o que, segundo Karen, era um absurdo para a época, pois somente as
mulheres poderiam ter ido à chácara referida. No dia seguinte, ele foi à sua casa e disse para sua
mãe que eles estavam namorando, o que teve início na chácara. Com medo de contar para a mãe
que não se tratava de um relacionamento sério, mas que o garoto havia realmente ido à chácara,
ela acabou se silenciando. Posteriormente, eles ficaram noivos, mesmo sem que este fosse o
desejo da participante. O noivado perdurou por certo tempo, ainda que contra sua vontade. O
rapaz chegou a comprar uma casa e o pai de Karen até mesmo auxiliou-o na escolha dos móveis.
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Foi quando, finalmente, ela manifestou sua opinião, rompendo o noivado. Destaca-se o fato de
ela ter compactuado com algo que não desejava por tanto tempo, sua falta de iniciativa e coragem
para assumir a responsabilidade pelas próprias escolhas.
Foi perceptível que a participante apresenta uma imagem idealizada de si, considera-se
poderosa, uma heroína. Dado que a entrevista trata-se de uma construção conjunta, foi notado que
Karen também buscava passar essa impressão sobre si mesma para a pesquisadora. No exemplo
citado anteriormente, mesmo tendo se silenciado, ela afirmava ser forte, independente, autônoma,
poderosa.
Segundo Karen, seu principal projeto era profissional, conforme a seguinte afirmação:
“Eu sonhava em arrumar um emprego, ter meu carro, ser independente, ter uma profissão”.
Todavia, após ter se casado, seu cônjuge não aceitava o envolvimento da participante na área
profissional, e ela acabou abrindo mão do que almejava. A participante ainda mencionou que
jamais havia se apaixonado, até que conheceu Silas (nome fictício do cônjuge) e se apaixonou
por ele.
Histórico do relacionamento amoroso
Aos 17 anos, Karen conheceu Silas, que foi descrito como a grande paixão de sua vida.
Eles conheceram-se na empresa onde trabalhavam. O cônjuge trabalhou nessa empresa até ter se
envolvido com os negócios de sua família, quando passou a depender financeiramente do pai, que
o pagava quando desejava. Eles namoraram por quatro anos, quando ela engravidou.
Karen comentou que Silas foi o primeiro e único homem com quem teve relações sexuais.
Durante o namoro, eles costumavam “brincar muito”, ou seja, beijavam-se, abraçavam-se,
agarravam-se, mas não ocorria penetração. Na primeira vez em que isso aconteceu, seu filho foi
gerado. Devido à gravidez, morou durante um mês e dezesseis dias na casa dos sogros. Ela não
suportou conviver com eles, e acabou rompendo com o namorado, voltando para a casa de seus
pais, e assumindo o filho sozinha. Eles reconciliaram e acabaram se casando quando a criança
tinha quatro meses de idade.
Karen, assim, apaixonou-se e se casou com Silas, o que revela que embora sua fala seja
marcada pela negação de idealização ou valorização do amor e da paixão, tais sentimentos eram
valorizados e almejados por ela. O ideal de amor romântico estava presente e ainda está em sua
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vida, o tem como consequência a exigência de fidelidade e o desejo por fusão amorosa completa
(HADDAD, 2009). Paradoxalmente, foi perceptível em sua fala uma naturalização da
infidelidade masculina e uma crença de que os homens necessitam de mais relações sexuais que
as mulheres devido ao “instinto masculino”. Conforme aqui apresentado, historicamente, o
romantismo relaciona-se a uma dupla moral, o que contribuiu para a naturalização da infidelidade
masculina, e ainda faz parte do imaginário ocidental atual (HADDAD, 2009). Foi notável que
esse discurso e essa crença estão presentes na vida de Karen.
Quanto aos motivos que a levaram a decidir casar-se, Karen mencionou que sempre
gostou muito do atual cônjuge. Todavia, em sua perspectiva, o principal fator que contribuiu para
que ela aceitasse o casamento foi vingar-se da família de Silas. Segundo Karen, eles
comandavam a vida de seu cônjuge e eram pessoas sem valores. Por isso, sua intenção era de
dizer não no altar, de modo que conseguiria a vingança da referida família. Ela afirmou: “Porque
a minha intenção na hora que o padre perguntasse, era falar não! Descer, pegar o menino no
colo e ir embora! E eu ia vingar a família dele!”. Entretanto, Karen contou que muita coisa
aconteceu na semana anterior ao casamento. Seu filho teve uma doença respiratória, e Silas
passou a dormir em sua casa para ajudar a cuidar da criança. Mesmo assim, ela ainda pretendia
dizer não, e foi apenas no altar que acabou optando por aceitar o casamento. Karen relatou:
Na igreja, eu demorei pra chegar, foi uma choradeira... Quando eu entrei, o padre
perguntou três vezes se eu queria casar... Três vezes ele falou... E eu olhava no colo da
minha mãe... Estava todo mundo tenso... Porque eu sabia o que eu queria. Eu não tive
coragem! Pensei bem... Falei alto: “Seja o que Deus quiser, eu vou aceitar, vou casar”!
Juro que eu pensei isso: mesmo se não der certo, foi porque realmente não era pra ser.
Ao menos eu tentei, não vou perder essa oportunidade.
Quando se casou, Karen parou de trabalhar durante oito anos porque o marido não
aceitava que ela trabalhasse. Dedicou-se aos filhos e se tornou uma excelente dona-de-casa.
Todavia, afirmou ter se anulado e se arrependido de ter deixado sua vida profissional durante esse
tempo:
Não permitia que eu trabalhasse. Eu parei com toda a minha vida quando eu casei. E eu
não sei por que... Porque ele me conheceu de saia curta, trabalhando pra arrebentar, e
independente... É isso que eu falo pra você que eu não entendo... Eu me traí quando eu
fingi que eu aceitei viver a vida dos outros. Porque não era essa mulher que ele casou.
Para Karen, essa foi a maior traição de toda a sua vida: ela ter se traído quando se anulou,
deixou de trabalhar e ainda permitiu que os sogros comandassem a vida do casal. Durante muitos
104
anos, seu marido participou de alguns negócios com seu pai e permitia que sua família tomasse
conta da vida do casal, até mesmo financeiramente. Karen relatou que para realizar compras no
supermercado, ela tinha que ir com sua sogra e comprar aquilo que era imposto por ela, o que a
revoltava muito.
Karen chegou a levantar hipóteses para explicar esse período de sua vida no qual ela
afirmou ter se anulado. Ela perguntou: “Será que era curiosidade de conhecer o outro lado?
Necessidade de ser taxada de boazinha?”. Compreender seus motivos para ter permitido a
continuidade dessa situação é um desejo intenso de Karen, que foi mencionado várias vezes ao
longo da entrevista. Mais uma vez, foi perceptível que a participante possui uma imagem
idealizada de si e buscou passar essa impressão para a entrevistadora. Mesmo tendo sido passiva
e desempenhado ações que não desejava, ela afirmava ser uma mulher forte e independente,
como se seu comportamento naquele período não condissesse com quem de fato é.
Embora o projeto profissional fosse valorizado pela participante, ela abriu mão do mesmo
quando se casou com um homem pelo qual se apaixonou. Ou seja, sua fala apresenta contradições
e ambiguidades. Embora tenha sido dito que seu plano era ter uma profissão, ficou implícito que
o projeto amoroso sobrepôs-se ao profissional, mas que isto não é reconhecido pela participante.
Karen renunciou às aspirações individuais em prol do cônjuge e dos filhos. Embora ela
tenha voltado a trabalhar posteriormente, o casamento da participante foi tradicional e hierárquico
por muito tempo, marcado pela crença da superioridade do poder masculino sobre o feminino,
caracterizado pela relação privilegiada do homem com o trabalho fora de casa e pelo fato de que
a exclusividade sexual podia ser esperada apenas pelo homem com relação à mulher, e não viceversa (FIGUEIRA, 1987). Mesmo com sua volta ao trabalho, tais crenças ainda permaneceram
presentes em sua vida. Todavia, embora tal fato tenha sido perceptível, jamais foi mencionado
por Karen, que se coloca como superior, independente e inabalável.
Karen comentou as grandes diferenças existentes entre seu marido e ela:
Porque a gente sempre se gostou, podia ser de maneiras erradas, mas a gente sempre se
gostou de verdade, com todas as diferenças gritantes que somos... E somos até hoje...
Até hoje! Eu amo tecnologia, meu marido abomina computador, essas coisas... Eu sou
muito sociável, ele já é mais quieto no canto dele. Ele gosta de mato, de bicho... Eu
gosto de gente, de grandes centros. É gritante a nossa diferença!
Ela ainda acrescentou: “Era visível a nossa diferença de cultura, de gosto... Mas, ele foi a
pessoa que me encantou”. É interessante notar o quanto Karen salientou as diferenças existentes
105
entre ela e o marido, especialmente o fato de ela apresentar um nível cultural superior ao do
cônjuge. Podemos inferir que faz parte de seu mundo presumido acreditar em sua superioridade
em relação ao cônjuge, o que jamais foi abalado, mesmo após a descoberta da infidelidade
conjugal. Com os mecanismos de defesa utilizados pela participante, ela jamais reviu seu mundo
presumido.
A partir do modelo bidimensional de avaliação da vinculação no adulto de Kim
Bartholomew, foi possível perceber que Karen apresenta uma representação de si própria positiva
e um modelo negativo de seu parceiro, o que Bartholomew e Horowitz (1991) definem como
sujeitos desinvestidos. Na perspectiva dos autores, esses sujeitos acreditam nas suas capacidades,
desvalorizam ativamente o papel dos relacionamentos nas suas vidas, apresentam-se
emocionalmente frios, racionais e distantes, dando uma imagem de arrogância. A desvalorização
ou a supressão dos sentimentos pessoais são visíveis no seu comportamento. Quase não se
observa protesto de separação nestes sujeitos e a procura de proximidade também é baixa. Tais
características foram observadas em Karen.
Ademais, conforme vimos no presente, a identidade pessoal é organizada através da
construção da narrativa. Quando uma perda invade uma narrativa pessoal construída previamente,
o senso de continuidade do tempo é quebrado e, com isso, a aparente compreensão de si. A
tensão resultante desafia o indivíduo a acomodar novas perspectivas a si, sendo esta uma tensão
entre continuidade e descontinuidade. O primeiro impulso é o de se tornar a velha pessoa, com a
antiga identidade novamente. Todavia, nem sempre isso pode ocorrer plenamente. Após a perda,
deve-se reaprender o mundo e reconstruir a própria identidade, procurando novos significados e
reorganizando construções prévias sobre si (NEIMEYER et al., 2002). No caso de Karen, o
impulso de continuar aquela pessoa com a antiga identidade foi notável. A participante não
reaprendeu o mundo ou reconstruiu significados sobre ele. Ao contrário, permaneceu com as
construções prévias sobre si e o mundo ao seu redor.
A participante comentou que, atualmente, o relacionamento conjugal é tranquilo.
Contudo, antes de a infidelidade conjugal ser revelada, ela já se separou do cônjuge duas vezes
por curtos períodos devido à ingestão excessiva de álcool e aos negócios da família do mesmo,
sendo que estes sempre foram motivos de desavença entre o casal. O excesso de ingestão de
álcool ainda é uma característica de Silas, que também fuma, o que incomoda Karen,
especialmente porque esses fatores têm interferido em seu desempenho sexual.
106
A infidelidade conjugal
Com relação à infidelidade, esta ocorreu há cerca de treze anos, mas foi revelada há três
anos, em um momento no qual o casamento estava tranquilo e estabilizado. Karen afirmou que
sua revelação foi devida a um processo judiciário contra o cônjuge, porque a pensão alimentícia
do filho, que foi gerado durante o relacionamento extraconjugal, nunca havia sido paga. Quando
o processo chegou até Silas, ele já estava com ordem de prisão, e por isso, o segredo não poderia
ser mantido. Ela contou: “Eu acabei tomando conhecimento... Porque chegou um processo na
minha casa... E não foi nem pelo processo. Ele acabou contando, porque esse processo chegou e
ele ia ter que manifestar”.
Karen passou a impressão de considerar a revelação da infidelidade conjugal, feita pelo
cônjuge, ainda pior que sua prática. Ela afirmou: “E foi uma judiação ele ter aprontado o que
aprontou e o que é pior, eu tomar conhecimento! Isso aí eu acho que foi uma judiação no nosso
casamento”. A partir disso, pode-se inferir que Karen prefere não conhecer os problemas
conjugais, e menos ainda, reconhecê-los. Seu desejo parece ser o de permanecer intocável e de
não ter que passar por um trabalho de elaboração diante de suas vivências (KAUFFMAN, 2002).
Karen atribui como motivo da infidelidade conjugal a intromissão da família de seu
cônjuge e a sua permissão para que isso acontecesse. Segundo Karen, a família de Silas mandouo realizar alguns negócios em outra cidade e não permitia que o marido voltasse nem sequer para
vê-la. Foi nesse período que ocorreu a relação extraconjugal. Desse modo, para ela, a
responsabilidade pela infidelidade conjugal é da família do cônjuge; e também sua, por permitir
que eles mandassem em suas vidas. A participante comentou:
Eu falo que de tudo o que aconteceu na minha vida, eu não me sinto a culpada, mas eu
tenho consciência que foi falta de posicionamento meu, meu! Porque eu deixei a família
levar. Eu deixei todo mundo ditar regras na vida dele. Eu deixei, eu deixei tudo
acontecer. Eu nunca me posicionei... E eu só não sei por que.
Ainda com a intenção de demonstrar que suas atitudes não correspondem à pessoa que de
fato é, ela completou: “... que eu falo para você que eu me traí, quando eu fingi que deixei tomar
conta. Porque eu nunca aprovei. Eu amava ele, mas não tinha que aprovar eles vivendo a nossa
vida, e dentro da minha casa, e palpitando, e levando”.
Assim sendo, Karen não apontou a infidelidade conjugal como responsabilidade do
107
cônjuge, mas sim de sua família e principalmente dela, por permitir que eles comandassem a vida
do casal e seus filhos. A imagem do cônjuge permanece idealizada e, embora a participante tenha
afirmado não tem um sentimento de culpa, mas sim consciência de sua responsabilidade, foi
perceptível que existe uma autoculpabilização de sua parte.
De acordo com a participante, outro erro cometido por ela foi ter se dedicado à sua família
de origem. Karen sempre foi a irmã cuidadora. Era ela quem cuidava dos irmãos mais novos
durante sua infância, e isso se estendeu por toda a vida. Na velhice dos pais e durante o período
em que eles mantiveram-se separados devido ao alcoolismo do pai, era ela quem cuidava dele. E
mesmo a mãe, que passou a residir em uma cidade vizinha, era assistida por ela. Diante de
qualquer tipo de ajuda da qual a família necessitasse, Karen cumpria o papel de cuidadora. Ela
afirmou: “Eu sempre acudi a minha família! Sempre coloquei a minha família em primeiro
plano, como se eu tivesse a obrigação de acudir o mundo! E eu abri mão dele. Eu sempre abri
mão dele, sempre deixei ele em função disso”. Assim, ela acredita que ter optado por priorizar a
família de origem pode ter contribuído para a ocorrência da infidelidade conjugal: “Mas eu tenho
consciência que por muitas vezes eu falhei nesse lado conjugal, nessa parte da minha vida, por
escolher acudir a minha família, entendeu?”. Desse modo, na perspectiva da participante, os
problemas conjugais enfrentados por ela sempre tiveram origem exterior. Para ela, a família do
cônjuge e sua própria família atrapalhavam seu relacionamento conjugal.
Podemos compreender o caso de Karen a partir da afirmação de Kauffman (2002) sobre a
relação entre o conceito de luto não reconhecido e o conceito de melancolia de Freud, no qual o
narcisismo está presente, pois, ao invés de ser realizado o trabalho de luto, o ego preocupa-se
com sua própria culpa. Karen parece estar tão presa neste sentimento, que não abre espaço para o
reconhecimento de sua realidade, e o consequente processo de luto. Este, nem sequer inicia-se.
Ela ainda apontou como motivo para a infidelidade conjugal as oportunidades frequentes
na cidade em que o cônjuge residiu. Ela comentou: “Não sei te falar se era a ausência, a
distância... Tudo muito fácil, porque lá tudo era muito fácil”. Podemos encontrar no modelo de
investimento, utilizado frequentemente a fim de apontar preditores para a infidelidade, as
alternativas ou oportunidades disponíveis como um dos fatores que podem contribuir para a
prática da infidelidade. Como vimos no presente estudo, de acordo com esse modelo, indivíduos
menos comprometidos, menos satisfeitos, com menos investimentos no relacionamento atual e
com mais alternativas apresentam maiores possibilidades de serem infiéis aos seus parceiros
108
(RUSBULT, 1980; DRIGOTAS, SAFSTROM e GENTILLA, 1999). Contudo, Karen, em
momento algum, menciona o nível de compromisso de seu cônjuge ou seu investimento no
relacionamento como preditores da infidelidade. Ela vê apenas as alternativas disponíveis e
também suas falhas no relacionamento conjugal, não sendo capaz de identificar as de seu
cônjuge, mantendo sua imagem idealizada.
Karen ainda mencionou que, para ela, optar pela não consumação de um caso
extraconjugal é uma questão de caráter, sendo este o motivo para a manutenção de sua fidelidade
durante todos esses anos de casamento. Todavia, em momento algum, apontou para a
responsabilidade de seu cônjuge pelos seus atos.
Ao ser revelada a infidelidade conjugal, sua reação imediata foi a de agredir o cônjuge e
mandá-lo embora de sua casa. Logo em seguida, ela estragou o carro do marido ao chutá-lo
repetidas vezes. Posteriormente, pegou seu próprio carro e dirigiu o mesmo durante muito tempo,
enquanto chorava muito. Então, ela foi à casa de uma de suas irmãs, com a qual dividiu o
ocorrido. Ela contou: “Eu precisava falar, eu precisava... Eu não acreditava, entendeu? Eu
precisava falar pra escutar, pra ver se era real o que eu estava ouvindo”.
No outro dia, Karen trabalhou normalmente e levou sua vida da maneira como estava
habituada. O cônjuge mandou flores para ela no local onde trabalha, pediu perdão, e depois de
algum tempo, eles acabaram reconciliando.
Outra atitude tomada por Karen logo após a revelação da infidelidade conjugal foi a de
romper definitivamente com a família do cônjuge. Ela contou:
E quando eu tomei essa decisão foi por conta da traição, porque eu acho que eles me
traíram mais do que o Silas... que eles mandavam na minha vida, eles manipulavam a
minha vida, eles vigiavam a minha vida. Porque eu não tinha o gosto de ir na missa
quando o Silas estava viajando. Eles não deixavam eu escrever carta pro meu marido.
Tudo eles faziam do jeito deles! Eles manipulavam a minha vida e a vida dessa idiota (a
amante). Porque diz que ela não contou porque eles falaram pra ela que eu era
extremamente brava e que, com certeza, que eu ia tomar uma atitude que ela não ia ficar
satisfeita, então, que era pra ela tomar cuidado comigo... Manipularam a vida dela e a
minha! Eles não tinham esse direito de brincar de ser Deus!
Karen relatou um episódio ocorrido durante o período em que ela morou na cidade em
que ocorreu a infidelidade conjugal. Ela estava na mesa com o cônjuge, seus pais e irmãs. Eles
perguntaram a ela qual seria sua reação caso descobrisse que outra mulher estava grávida de
Silas. Ela disse que se separaria dele, e ainda afirmou: “Então eu simplesmente daria as costas
pra ele, ia cuidar dos meus filhos e se fosse preciso, cuidaria dessa criança também!”. Em sua
109
perspectiva, foi sua resposta que contribuiu para que o caso não fosse revelado. A participante
mencionou que a família do cônjuge, então, acabou abafando o caso extraconjugal, tendo
inclusive, convencido a mulher que se encontrava grávida, naquela época, a permanecer calada.
Ou seja, para ela, a família do cônjuge foi a responsável pelo o que aconteceu em sua vida
conjugal, além de ela ter sido culpada por ter permitido a intromissão dos mesmos.
Para Karen, ter rompido com a família de Silas foi sua principal reação à infidelidade
conjugal. Tal fato mostra mais uma vez a permanência do que foi idealizado e como não houve
nenhum tipo de reconhecimento ou elaboração da perda. O relacionamento e o parceiro
permanecem idealizados, assim como suas crenças sobre si própria, já que ela ainda se considera
uma mulher forte, inteligente, e que teve atitude por ter rompido com a família de Silas. Já a
família do mesmo, continua sendo vista como a vilã da história, como sempre foi desde sua
gravidez.
Pós Infidelidade Conjugal
Quanto aos impactos da revelação da infidelidade conjugal, Karen contou que a maioria
deles surtiu um efeito positivo em sua vida. Para ela, com a infidelidade conjugal, foi possível
assumir a posição que ela sempre quis referente à imposição de limites para a família de seu
cônjuge. O relacionamento conjugal também se dá ao seu modo atualmente, visto que as regras
são impostas por ela e o cônjuge não tem mais como argumentar. Ademais, ela retomou alguns
de seus sonhos, como o de realizar um curso de graduação.
Mesmo quando se separou durante curtos períodos, duas vezes anteriormente à revelação
da infidelidade conjugal, devido à ingestão excessiva de álcool pelo marido e aos negócios de sua
família, para ela, os efeitos em sua vida sempre foram positivos. Porém, na vida do cônjuge,
negativos. Karen contou que na primeira vez que saiu de casa, ela realizou cursos, e tirou sua
carteira de habilitação. Assim sendo, em sua perspectiva, tanto a infidelidade conjugal quanto as
duas separações enfrentadas pelo casal acabaram suscitando impactos positivos em sua vida.
Tal suposição mantém seu mundo presumido, que parece como uma de suas suposições a
de que ela é quem leva o relacionamento conjugal e o próprio cônjuge para frente. Sem ela, a
vida dele não daria certo!
É exatamente por não reconhecer essa perda e não sentir ameaças em seu mundo
110
presumido que a infidelidade conjugal não abalou a autoestima de Karen, que se considera uma
mulher interessante até os dias atuais e acredita que a infidelidade conjugal não pode ser
justificada por falta de sensualidade ou atratividade de sua parte. A participante disse: “Não me
traiu porque eu era uma mulher feia, não me traiu porque eu deixei de ser interessante ou
sensual, não me traiu porque eu sou ruim de cama”.
Para Karen, os impactos positivos da infidelidade conjugal foram bem maiores que os
negativos. Em meio aos impactos negativos, a perda da admiração que tinha pelo cônjuge foi
citada por ela. Contudo, isto não pareceu ter ocorrido. Ela ainda contou que jamais sentiu ódio do
cônjuge, mas sim de sua família. Segundo a participante, atualmente não sente nada pela família
do mesmo, nem mesmo ódio, é simplesmente indiferente a eles, o que também contradiz suas
atitudes.
Ela mencionou sentir nojo da mulher com quem seu cônjuge relacionou-se: “Porque dela,
é lógico que eu tenho rancor, tenho nojo”. Já com relação aos seus sentimentos pela criança,
provável fruto desse relacionamento, ela afirmou:
Eu não sinto pena, mas também não sinto raiva, mas também não gosto do menino! Não
gosto também! Só que ao mesmo tempo, acabo tendo dó, porque é uma fatalidade
também... Caramba! Que destino dessa pessoa! Vir para o mundo sendo renegado desse
jeito!
Todavia, Karen disse que tanto seu cônjuge quanto o pai dele relacionaram-se
sexualmente com a mesma mulher naquela época. Por isso, ela desconfia que a criança possa ser
de seu sogro. Silas ainda não realizou o exame de DNA, o que aumenta sua desconfiança.
Enquanto isso, ele tem pagado a pensão alimentícia, mas jamais chegou a conhecer a criança. Tal
fato também mostra seu desejo de deixar a situação como está, de não ter que realizar nenhum
tipo de trabalho de elaboração da perda, já que, podemos supor, que se ela quisesse conhecer a
realidade profundamente, teria lutado para que o marido realizasse o exame de DNA. Acreditar
na possibilidade de a criança ser de seu sogro mantém o mesmo como o vilão da história, mas
contraditoriamente, não apaga a infidelidade conjugal, visto que é sabido que tanto seu cônjuge
quanto o sogro tiveram relações sexuais com a mesma mulher. Mesmo assim, mantém sua
suposição de que os sogros são os vilões, e o cônjuge, uma pobre vítima.
Quanto à reação de seus filhos quando descobriram a infidelidade conjugal do pai, Karen
mencionou que eles ficaram muito tristes e chocados. Todavia, Karen considera que o
111
relacionamento dos filhos com o cônjuge também melhorou após essa descoberta, especialmente
porque o cônjuge aceitou sua exigência de deixar de conviver com a família dele. Com isso, e
pelo fato de Silas atualmente trabalhar e viver sem a ajuda dos pais, Karen acredita que os filhos
passaram a respeitá-lo mais.
Com relação ao cônjuge, Karen acredita que a infidelidade conjugal gerou consequências
negativas em sua vida. Além do pagamento da pensão alimentícia, ela acredita que o episódio
acarretou em muito sofrimento para Silas, sendo que este ainda está presente até os dias atuais.
Karen descreveu: “Porque ele sofre! Ele sofre por ter feito o que fez, porque ele fala pra mim
que eu não merecia”.
Karen revelou que, devido à infidelidade conjugal, pensou na possibilidade de divórcio.
Ela disse: “Foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça... A primeira coisa! E eu bati um
tempo nessa tecla!”. Entretanto, acabou optando por permanecer casada especialmente por
desejar vingar-se da família de seu cônjuge. Ela afirmou: “De imediato, eu acho que foi fazer
queda de braço com a família”. Desse modo, segundo Karen, tanto a sua decisão por se casar
quanto a de manutenção do matrimônio foram motivados pelo desejo de se vingar da família do
cônjuge. Ou seja, suas falas indicam um motivo superficial para seu casamento e decisão de
permanência matrimonial. Não há nenhum tipo de elaboração e compreensão de sua realidade.
A participante ainda pensou na possibilidade de ele ficar com outra mulher ou até mesmo
com a mãe da criança, o que contribuiu para que ela permanecesse casada. Todavia,
posteriormente, afirmou não ter se deixado mais influenciar por esses pensamentos, até porque
acreditava que tal fato jamais aconteceria e que ela não se importaria caso acontecesse. Ou seja,
manteve sua crença de que é intocável e de que, em seu mundo presumido, ela jamais será
trocada por outra mulher. Ao afirmar que, caso isso acontecesse, não se importaria, apresentou-se
emocionalmente fria, racional e distante, desvalorizando os sentimentos pessoais, o que, mais
uma vez, corrobora nossa hipótese de Karen enquadrar-se na categoria dos sujeitos desinvestidos
descritos por Bartholomew e Horowitz (1991).
Ela também optou por permanecer casada por gostar do cônjuge e de sua companhia. Ela
admira algumas qualidades do cônjuge, como a de ele ser trabalhador, humano e amável.
Ademais, Karen acredita que, sem ela, Silas não vive bem, pois observou que quando eles se
separaram anteriormente, sua vida permaneceu estática e ele também ingeriu bebidas alcoólicas
excessivamente. Por isso, ela não gostaria de ver tais fatos acontecendo novamente. Vale notar
112
que na perspectiva de Karen, seu cônjuge precisa e depende dela para levar sua vida. Ela afirmou
que tem convicção de que sem ela, a vida do mesmo não vai para frente. Novamente, ela colocase como a heroína que salva a vítima dos vilões: seus sogros e bebidas alcoólicas.
Karen não acredita ser melhor que o marido por jamais ter sido infiel, pois considera
apresentar defeitos assim como ele. A participante citou que evitou, por diversas vezes, o
envolvimento do cônjuge em situações que ela diz ser do “mundo” dela, por temer sentir-se
constrangida em relação a ele. Sendo assim, ela acredita que não pode ser vista como uma pessoa
tão boa. Afinal, temeu envergonhar-se do próprio marido devido ao seu baixo nível cultural. Com
isso, mais uma vez, ela á apontada como culpada e a imagem do cônjuge permanece idealizada,
além de descrevê-la como culta, e o cônjuge, como ignorante.
Ademais, para Karen, até mesmo sonhar e desejar outros homens é considerado
infidelidade conjugal: “Mas a gente sonhar, desejar ou imaginar, isso já é traição!”. Desse
modo, em seu ponto de vista, ela não tem motivo para se considerar superior ao marido por
sonhar com outros homens, apesar de não concretizar esses desejos.
Tanto ela quanto o cônjuge veem o caso extraconjugal relacionado apenas a uma
necessidade física, sem qualquer envolvimento emocional. Silas até mesmo chegou a afirmar que
teria sido melhor ter se relacionado sexualmente com um animal, o que revela sua concepção de
que sua atitude foi motivada apenas por uma necessidade biológica. Tal fato pode ter contribuído
para que ela permanecesse casada e mantivesse a concepção de que Silas foi uma vítima da
necessidade sexual masculina, que é naturalizada pelo casal.
Com relação à vida conjugal atual, de acordo com Karen, a convivência com o cônjuge
atualmente é tranquila, mas um fator que prejudica o casamento é o fato de ele beber
excessivamente. Todavia, ela afirmou que atualmente não se incomoda com as atitudes do
cônjuge. Embora seu casamento passe por períodos de altos e baixos, ela procura não se afetar
devido aos problemas conjugais. Ela disse: “Só que eu gosto que seja assim! Porque me
incomodava quando eu sofria... E eu não sofro! Entendeu? É tranquilo!”. Assim, a participante
adotou como estratégia não se deixar afetar pelas dificuldades presentes no casamento. Em outras
palavras, optou por não enxergar, conhecer ou reconhecer as dificuldades conjugais e as perdas
vivenciadas no relacionamento, mantendo tudo como está. Não lidar com as dificuldades é, então,
uma característica de Karen que foi demonstrada em diversos momentos.
Por outro lado, ela acabou afirmando estar incomodada pelos problemas sexuais do casal,
113
especialmente por gostar muito de sexo. Ela acredita que o desempenho sexual do cônjuge tem
sido prejudicado pela ingestão excessiva de bebidas alcoólicas e por ele ainda fumar muito. Ou
seja, na área sexual, ela vê a responsabilidade de Silas mantendo apenas a idealização de si
própria como uma mulher desejável, atraente e “boa de cama”.
Desse modo, as perdas que podem ser vivenciadas em casos de infidelidade conjugal,
como a do parceiro e relacionamento idealizados, além da perda da própria imagem esperada,
simplesmente não foram reconhecidas por Karen. Este não reconhecimento impediu o processo
de luto, que é uma reação normal às perdas enfrentadas durante a vida, e pode auxiliar na
compreensão daquilo que foi vivenciado, na significação e prosseguimento da vida (FREUD,
1917; CASELLATO, 2004, 2005). Podemos inferir que esse processo não foi realizado e suas
idealizações permanecem presentes.
Já com relação às demais perdas enfrentadas durante a vida, para Karen, a mais difícil foi
a de seus pais devido ao forte vínculo existente no relacionamento com os mesmos. Enquanto a
infidelidade conjugal não foi reconhecida como uma perda, a morte de seus pais foi concebida
como dolorosa, o que pode ter possibilitado elaboração. A participante chorou e lamentou por
essa perda, tendo havido a chance de o trabalho integrativo do processo de luto ter sido realizado.
Todavia, como as informações que temos são insuficientes e nosso foco não são perdas por morte
concreta, não será analisada aqui a possibilidade de este processo de luto ter sido ou não
complicado.
Karen citou como fator que a ajudou a lidar com as perdas reconhecidas por ela a não
desistência de sonhos. Dentre esses sonhos, estão a faculdade que está realizando, e o desejo de
conhecer seus bisnetos. Karen assegurou amar muito a vida, o que a faz prosseguir sempre. Podese afirmar também que o vínculo com as irmãs podem auxiliá-la no enfrentamento de perdas. Ela
tem suas irmãs como bases seguras e contou como elas sempre contam histórias e constroem
narrativas a respeito da época em que os pais eram vivos. Uma serve como suporte e apoio à
outra em momentos de crise referentes à perda dos pais.
O caso de Karen pode ser caracterizado por um luto não reconhecido intrapsiquicamente,
conforme citado por Corr (2002) e descrito por Kauffman (2002). Ao longo da entrevista, foi
perceptível que a participante não conseguiu ou se recusou a reconhecer seu próprio luto, não
tendo ocorrido nenhum tipo de reflexão interna sobre a situação. O sentimento de culpa apareceu
várias vezes, além da culpabilização de seus sogros, enquanto a imagem de seu cônjuge
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permaneceu idealizada. A culpa e o consequente não reconhecimento do luto têm mantido a
idealização e a ilusão, de modo a esconder de Karen aquilo que foi perdido. Ela transmitiu a
mensagem de que não ocorreu perda alguma, negando a vivência de sua realidade. Tal fato
possivelmente impediu o início do processo de luto e seu trabalho integrativo.
O caso da participante demonstrou a possibilidade de perdas não concretas (como as
acarretadas pela morte) não serem reconhecidas pela sociedade, e também de maneira
intrapsíquica. Devido ao impedimento do processo de luto e elaboração das perdas, lutos não
reconhecidos de maneira intrapsíquica merecem atenção clínica e consideramos que este caso
pode ter contribuído para a compreensão dessa vivência e da relevância de se franquear, validar e
legitimar esse tipo de luto.
Caso 4 – Processo de luto normal
Histórico da participante
Helena, 44 anos, foi criada no catolicismo e atualmente, frequenta uma igreja evangélica
esporadicamente. É bem-sucedida profissionalmente, com uma vida social ativa, uma ampla rede
de amigos, recém-divorciada e a poucos meses de um novo casamento. Enfatizou o quanto sua
infância foi maravilhosa, o quanto se sente realizada ao se falar desse período da sua vida e como
suas lembranças dessa fase são ótimas. Ela tem um irmão com quem é muito unida e atribui essa
união à sabedoria de sua mãe.
Com relação ao casamento de seus pais, lembra-se de altos e baixos devido ao fato de seu
pai não ter tido equilíbrio com relação ao uso do dinheiro. Ademais, eles brigavam muito devido
à intromissão da família de seu pai na vida do casal. Quando Helena tinha dezesseis anos, o pai
morreu inesperadamente ao ser acometido por um infarto em uma partida de futebol.
A mãe de Helena teve como o grande amor de sua vida um namorado da juventude. O
namoro deles foi interrompido porque a família dela era contra, especialmente por ele não ser
bem-sucedido financeiramente. Devido à intromissão da família, ela acabou por se casar com o
pai de Helena. Apenas dois meses após ter ficado viúva, casou-se novamente com aquele
namorado pelo qual era apaixonada, que se tornou o padrasto de Helena. O histórico de
115
relacionamentos amorosos da mãe é muito semelhante ao de Helena, como veremos adiante.
Podemos dizer que, ao observar a história de sua mãe, Helena construiu um conjunto de
crenças sobre os relacionamentos e as pessoas (FURMAN e SIMON, 1999). Uma delas
possivelmente é a que a paixão da juventude pode ser aquela metade tão almejada, a alma gêmea
descrita por Haddad (2009).
Com relação aos projetos da participante para sua vida futura quando jovem, ela desejava
viver intensamente, viajar, conhecer novos lugares e ser independente financeiramente. Helena
contou:
Eu sempre gostei de ser independente. Então, se hoje eu estou aqui, foi porque aqui me
deu uma independência. Eu não fui por amor à minha profissão, eu fiz por amor à minha
independência. Então, eu precisava do dinheiro e eu gostava de me manter.
O casamento tradicional não fazia parte de seus planos, embora vivências amorosas e
experiências românticas fizessem. Ela relatou: “Eu sempre fui namoradeira, mas eu nunca
sonhei em entrar de véu e grinalda na igreja. Meu sonho era viajar, passear, ter muitos amores,
muitas experiências”.
Foram muitos seus namoros durante a adolescência e juventude. Ela também foi estudar
no exterior, o que a ajudou a adquirir independência e autonomia sobre a própria vida.
Foi perceptível que, diferentemente das demais mulheres entrevistadas, Helena jamais
sonhou ou teve um relacionamento amoroso hierárquico, mas sim igualitário (FIGUEIRA, 1987).
Ao contrário de um modelo caracterizado pela relação privilegiada do homem com o trabalho
fora de casa, Helena sempre estudou, trabalhou e foi financeiramente independente.
Histórico do relacionamento
Helena conheceu seu ex-cônjuge, Rafael, enquanto namorava outro rapaz. Com isso,
rompeu imediatamente seu namoro. Helena contou: “Na hora! Na hora! Rompi na hora! Eu, o
dia que eu vi o Rafael, eu sabia que ele era o homem da minha vida... Eu me apaixonei
perdidamente”. Todavia, sua família era contra, especialmente porque o namorado de Helena da
época era de uma família conhecida na cidade e muito bem-sucedido financeiramente. Rafael, por
sua vez, estava em processo de divórcio, tinha uma filha e não tinha tanto dinheiro na época.
Como estava apaixonada, Helena enfrentou a família e se casou, mesmo sem a presença de
116
nenhum familiar no dia do casamento.
Pôde-se perceber que Helena valorizava o amor romântico, a fusão amorosa, tendo se
disposta a enfrentar sua família em prol de sua paixão. Sem deixar de prezar sua independência
financeira, entregou-se completamente a Rafael. Ademais, a expectativa de fidelidade estava
presente (HADDAD, 2009).
O ex-sogro de Helena era muito bem-sucedido e deu todo o dinheiro que poderia ser
usado uma festa de casamento para eles gastarem na lua-de-mel, visto que ela optou por não tê-la
devido à ausência de sua mãe. Segundo Helena, a lua-de-mel foi maravilhosa, assim como o
início de sua vida conjugal. Entretanto, assim como a vida conjugal de seus pais, a dela foi
marcada por altos e baixos porque Rafael também não tinha equilíbrio no que se referia ao uso do
dinheiro. Helena afirmou: “A minha vida com o Rafael era um looping”.
O ex-cônjuge
presenteava-a com frequência, eles viajavam bastante e tinham uma vida luxuosa. Por outro lado,
ela nunca sabia se poderiam manter o mesmo padrão de vida, conforme sua fala: “E, ao mesmo
tempo, quando eu achava que ele estava rico, ele estava pobre; quando eu achava que ele estava
pobre, ele estava rico. Eu nunca sabia do dinheiro, das finanças dele”. Quem auxiliava o casal a
manter uma vida suntuosa era sua ex-sogra, e ela temia perder essa ajuda. Helena relatou:
E a minha bronca foi justamente isso... Enquanto a mãe dele estivesse viva, eu ia viver
que nem uma rainha, mas e depois? O que eu ganho não ia dar pra sustentar nós dois no
luxo que era.
Segundo Helena, o ex-cônjuge trocava de hobbies frequentemente, e estes eram
caríssimos. O último foi construir um ultraleve, sendo que ele iria viajar com o mesmo aos finais
de semana e ela não concordava em participar dessa aventura. Helena já estava desejando a
separação, mas a construção do avião foi definida pela participante como a gota d´água para a sua
decisão. Ela relatou que quando o ex-cônjuge contou a ela o quanto iria gastar com essa
construção, ela não considerou justo até porque jamais chegaria perto do ultraleve. Ele ainda
desmontou toda a sala a fim de concretizar seu projeto. Ao questioná-lo, ele disse: “Ninguém
mandou você ser jacu!”. A partir desse momento, Helena decidiu que iria divorciar-se.
Podemos compreender essa vivência de Helena como uma perda ambígua (BOSS, 1998,
2002, 2006). A participante casou-se completamente apaixonada por Rafael e com a possível
idealização que de eles seriam companheiros e parceiros um do outro por toda a vida. Tal fato
realmente ocorreu por muito tempo, pois o casal viajava junto frequentemente e Rafael incluía a
117
esposa em todos os seus hobbies. Helena chegou a optar por não ter filhos por considerar, na
época, que a companhia do cônjuge seria suficiente para sua satisfação. A construção do ultraleve
implicava na exclusão de Helena das atividades de Rafael, visto que ele afirmou que iria viajar
com o mesmo todos os finais de semana, deixando-a em casa. Foi então, preciso que Helena
elaborasse o luto pelo parceiro idealizado. Aquele homem que sempre esteve ao seu lado, iria
deixá-la frequentemente e ainda, demonstrou desprezo por ela ao afirmar: “Ninguém mandou
você ser jacu!”. Esta frase demonstrava que o fim da parceria do casal simplesmente não iria
fazer falta para ele, o que magoou Helena profundamente.
Desse modo, seu casamento entrou em crise, especialmente devido à má administração
financeira de Rafael, ao seu novo hobby do qual ela não concordava em participar, e por último, à
suspeita de infidelidade conjugal.
A infidelidade conjugal
Helena descreveu que além das questões referentes ao uso do dinheiro, suspeitava de um
caso extraconjugal, conforme sua fala: “E outra, ou ele ia ficar paupérrimo ou ele vai ficar rico,
e eu não vou ficar aqui esperando. Sem contar que eu já suspeitava que ele estava me traindo, só
não consegui saber com quem, como, porque eu não consegui pegar, eu só peguei depois”.
Sua separação conjugal foi premeditada e planejada por seis meses. Helena decidiu que só
iria revelar sua decisão quando fosse possível sair com todos os seus direitos, conforme ilustra
seu relato sobre o que pensou naquele momento:
Eu vou sair com todos os meus direitos... Metade da casa, metade da roça, metade de
eucalipto, metade da herança que ele tem pra receber. Eu vou esperar! Se ele quiser ter
amante, ele pode ter amante. Vou viver minha vida, vou trabalhar, vou fazer minhas
coisas, vou gelar esse homem.
Foi possível perceber que tais ações objetivavam vingança do ex-cônjuge. Arent (2009)
descreve como as mulheres costumam ser vingativas e infiéis por vingança. Helena não teve um
caso extraconjugal, mas seus planos relacionados à separação conjugal, a exigência de bens
materiais, a falta de atenção e até mesmo de relações sexuais com o ex-cônjuge referem-se
claramente a atitudes vingativas. Também foi possível compreender que a participante utiliza os
argumentos relacionados ao dinheiro como uma forma de racionalização. Ao falar sobre o
118
mesmo, não descreve com profundidade seus sentimentos e controla a emoção.
Ela atribui como motivos para o relacionamento extraconjugal, a falta de caráter e
compromisso de Rafael, mas também sua atitude de evitar as relações sexuais, conforme ilustra a
seguinte fala: “Então, assim, eu tenho consciência que ele é um safado, sem vergonha, mas eu
também empurrei ele pra amante dele, porque eu também não quis mais sexo com ele desde
então. Não quis mesmo, eu peguei nojo dele”.
Foi notável a naturalização da infidelidade masculina (HADDAD, 2009) e a crença de
que os homens, quando têm conflitos conjugais, procuram sempre uma amante. Quando os
conflitos conjugais surgem, não se conversa sobre os mesmos. Tal profecia autorrealizável, que
se relaciona principalmente à cultura e ao gênero, serve também para que Helena continue com
uma visão positiva de si, “saindo-se bem” ao relatar sua história. Outra crença que podemos
apontar na participante é a de que assim como as pessoas apaixonam-se, desapaixonam-se. Tal
suposição também evita uma fala mais profunda a respeito de sentimentos, permitindo controle
emocional. Ademais, ela mantém uma visão positiva de si, conforme mencionado por
Bartholomew e Horowitz (1991).
Só depois de já ter se decidido pelo divórcio, Helena encontrou provas da infidelidade
conjugal ao ver no celular de Rafael uma mensagem da amante. Ela chegou a contratar um
detetive, mas este não conseguiu descobrir o caso extraconjugal na época. Apenas após a
separação, Helena soube quem era sua amante. Tratava-se de uma mulher casada, que chegou a
se divorciar para ficar com Rafael. Atualmente, provavelmente eles estão juntos, mas Helena não
sabe se é um relacionamento com exclusividade sexual.
Helena relatou que embora já estivesse decidida com relação ao divórcio, ter visto a
mensagem no celular de Rafael acarretou em muitas mudanças. Ela relatou: “Porque tanto que
quando eu vi a mensagem, eu queria matar ele! Só que aí eu fui fria, calculista”. Helena passou a
fazer com que o ex-cônjuge assinasse papéis que passavam os bens para seu nome, além de uma
procuração.
Mais tarde, após a separação, Helena soube que a amante de Rafael era uma mulher de
quem ela havia desconfiado ao vê-la piscando para o ex-cônjuge em um barzinho. Todavia, ele
negou, afirmou que jamais teria um caso extraconjugal com uma mulher casada e com filhos. Na
época, Helena acreditou, o que causa revolta na participante.
Ela afirmou que a construção do avião e outras questões relacionadas à área financeira
119
foram mais dolorosas para ela que o caso extraconjugal, conforme indica o seguinte relato:
“Olha, se fosse pela traição talvez teria jeito, mas a maior traição que ele fez comigo foi o
desprezo, foi ele chegar pra mim e falar: ‘Eu não mandei você ser jacu!’. Depois de todos os
anos juntos... E a mentirada, nossa, uma mentirada de dinheiro”.
A partir desse exemplo, podemos supor que Helena esperava de seu cônjuge um homem
companheiro, que solicitasse e desejasse sua presença. Por ter se casado apaixonada,
provavelmente, idealizava um parceiro que, mais tarde, constatou não existir. Essa desilusão
levou ao processo de luto pela perda do parceiro e relacionamento idealizados.
A infidelidade conjugal não foi o fator principal que a levou ao divórcio. Como já
apresentado no presente estudo, ao se considerar o divórcio, diversos fatores são considerados,
sendo a infidelidade, quando presente, apenas um deles. Rasmussen e Ferraro (1991) argumentam
que embora fatores como sexo extraconjugal, excesso de bebida e dificuldades financeiras
estejam frequentemente presentes nos processos de divórcio, não são necessariamente as causas
deste, conforme pudemos observar neste caso.
Embora Helena não tenha realmente ficado com todos os bens de Rafael, foi uma
vingança para ela ter mostrado os papéis para o mesmo, conforme sua fala: “Mas o meu gosto de
olhar na cara dele e mostrar para ele as cópias de tudo que ele tinha assinado para mim! (risos).
Esse dia não teve preço! (risos). Isso foi ótimo!”.
Pós infidelidade conjugal
Tanto com relação à infidelidade conjugal quanto ao processo de divórcio, Helena
acredita que o fato de não sentir mais nada por Rafael auxiliou-a a enfrentar essas situações. Para
ela, quando o caso extraconjugal foi descoberto, a falta de envolvimento emocional foi útil para
que ela fosse mais racional.
Assim que Helena separou-se de Rafael, ela reencontrou um namorado de sua juventude,
assim como a história de sua mãe. Durante a juventude, Paulo correspondia às suas expectativas
de amor romântico, conforme sua afirmação: “Ele era super romântico... Ele mandava flores
brancas todo mês onde eu estivesse”. Eles namoraram por quase dois anos. Como Paulo morava
em outra cidade, encontravam-se quinzenalmente. E como Helena gostava muito de namorar, às
vezes, ficava com outros rapazes, mas assim que Paulo chegava, largava de quem fosse para estar
120
com ele. Os momentos que passavam juntos eram muitos prazerosos, como ilustra a fala da
participante: “Então, foi uma delícia o namoro! Uma delícia! Era só passear de carro, ouvir
música, beijar na boca...”. Devido à distância, o namoro acabou não dando certo.
Posteriormente, Paulo ligou para Helena e disse que conseguiria ficar perto de sua cidade, mas
ela já estava com Rafael e apaixonada por ele.
Após vinte anos, Paulo e Helena reencontraram-se por acaso em um jardim da cidade,
mas como a aparência física de Paulo não era mais atraente, Helena não se interessou pelo
mesmo. Ademais, ela ainda estava satisfeita com seu casamento na época. Após esse reencontro,
Paulo mandou flores para a participante, que nem sequer agradeceu por elas. Seis meses
passaram-se, quando a mãe de Paulo ligou para Helena querendo saber como estava seu
casamento. Ela afirmou que como optou por não ter filhos porque anteriormente, para ela, Rafael
bastava, acreditava que estavam fazendo falta naquele momento, pois o relacionamento conjugal
estava um pouco desgastado. Todavia, não considerava a possibilidade de divórcio. Mais seis
meses passaram-se quando ela reencontrou Paulo em um shopping. Neste período, Helena já
havia decidido que iria se separar e contou a Paulo sobre sua decisão. Com isso, Paulo ligou para
a mãe de Helena e pediu para que ela o avisasse assim que ocorresse a separação conjugal porque
aquela era a mulher de sua vida. Assim sua mãe o fez. Ela ligou para Paulo no dia seguinte à
separação. Desse modo, pudemos observar uma repetição da história e do comportamento
materno.
Os dias após a separação foram de choro intenso. Paulo visitava Helena, que só conseguia
chorar, ou seja, estava em processo de luto. Depois de alguns dias, ela resolveu sair em público
com Paulo. A infidelidade conjugal serviu, portanto, como desculpa para a sociedade. Por ter sido
traída, Helena podia sair com outro homem em público em uma cidade pequena, conforme seu
relato:
E isso facilitou pra todo mundo que chegou pra mim e falou: “Nossa, você
separou?”. Aí eu falo: “Ah, é. Tive que separar. Ele me botou um chifre”. Ao
invés deu contar do avião, da falta de juízo, das mentiras, blá-blá-blá, entendeu?
Ele me botou um chifre! Aí ninguém questiona quando você fala isso. Ninguém
questiona, entendeu?
Quanto aos impactos negativos da infidelidade conjugal, Helena relatou ser muito difícil
constatar essa realidade. Ela comentou: “Nossa, mas é duro! É muito triste saber que ficou, que
te traiu, que te incentivou a viajar pra poder aprontar!”.
121
Com relação às perdas enfrentadas durante a vida, a perda de seu pai foi marcante. Aos
dezesseis anos, ela soube que o pai, que tinha ido jogar futebol, morreu devido a um problema
cardíaco logo após fazer um gol. Ela contou: “Eu acho que é Deus na minha vida mesmo... Eu
aceitei numa boa, e meu irmão já não!”. Embora tenha sido um momento de sofrimento, Helena
conseguiu reconciliar-se com a dor facilmente. Para ela, o fato de sua mãe ter se casado logo em
seguida com o seu padrasto, com quem ela identificou-se, foi um fator facilitador. O padrasto
ainda parecia ser muito rico, pois dava muitos presentes a Helena e seu irmão, o que a agradou
bastante. O dinheiro foi, assim, um grande atrativo.
Para enfrentar as perdas que vivenciou, como as perdas do pai, do padrasto, do casamento
e relacionamento idealizados, Helena afirmou acreditar que o fato de ter tido uma infância muito
boa possa ter contribuído para o enfrentamento. Ademais, ela não esconde seu sofrimento de
ninguém, o que também considera como um fator contribuinte. Como exemplo, Helena contou
que até mesmo em seu trabalho, mandou comunicar a todos que não estava em condições de
trabalhar quando se divorciou: “Então, assim, se eu choro, eu choro... Se eu estou triste, eu estou
triste... Eu não escondo. Eu me separei, eu mandei avisar todos que eu estava separada e que eu
não tinha condição de vir aqui”. Ela complementou: “Eu não guardo. O que eu tenho que falar,
eu falo. Eu acho que é isso que me faz aceitar... Eu aceito a morte sim com muita facilidade”.
Walsh (2005) afirma que a comunicação clara e aberta facilita adaptação durante todo o processo
de luto, o que foi observado na participante. Ao contrário de perdas não reconhecidas, que podem
complicar o luto devido à intensificação de reações emocionais que não são expressas e à
diminuição do suporte social (DOKA, 2002b), Helena reconhece suas perdas, chora e lamenta
por elas, além de falar abertamente sobre as mesmas, obtendo suporte social.
Além disso, quando Helena sofre alguma perda, aquilo que foi perdido é enterrado, assim
como em casos de morte concreta, não permanecendo ambiguidades. Sua fala ilustra como foi
esse processo ao se separar de Rafael: “Quando eu perco, eu perco mesmo!”. Ela acrescentou:
“O Rafael, pra mim, já morreu! Eu já enterrei ele!”. Conforme apresentado no presente estudo,
uma perda repleta de ambigüidade pode levar à imobilização (BOSS, 2006). O caso de Helena
ilustrou como uma perda que, embora seja definida como ambígua, pode ser elaborada sem
deixar espaço para que dúvidas e ambiguidades impeçam o trabalho integrativo do processo de
luto, o que Boss (2006) afirma ser possível.
Também podemos acrescentar que Helena consegue ver o lado positivo de suas
122
experiências. Com o divórcio, por exemplo, embora Helena tenha afirmado ter perdido o
casamento idealizado e alguns amigos que foram divididos, por outro lado, foram muitos os
ganhos pontuados por ela, como novas amizades e uma nova família, já que iniciou um novo
relacionamento amoroso. Sua visão otimista no que se refere a relacionamentos amorosos
permaneceu presente mesmo após uma decepção, e, segundo Walsh (2005), a visão otimista
maximiza a probabilidade de um resultado positivo no processo de luto.
O presente caso pode ser compreendido como um processo de luto normal. Para se definir
luto normal, é importante conceituar luto complicado, que apresenta uma sintomatologia
específica. Parkes (2009) caracteriza-o por altos escores de pesar/solidão, ansiedade/pânico e
dependência afetiva. De acordo com Lobb (2010), o termo luto complicado envolve a
apresentação de certos sintomas relacionados ao luto que duram mais que o tempo considerado
como de adaptação. Estes sintomas incluem angústia da separação acentuada e crônica, e
sintomas de estresse pós-traumático, tais como sentimentos de descrença, desconfiança, raiva,
choque, e distanciamento dos outros. Tais sintomas não foram encontrados na participante, que
conseguiu reconciliação com a dor em um intervalo de tempo relativamente curto. Podemos
inferir que ocorreu um desinvestimento libidinal do objeto perdido e restabelecimento de outros
interesses no mundo externo, o que Freud (1917) define como um processo de luto normal, que
acaba por se resolver por si só.
Helena mostrou a importância de se lamentar e chorar pelas perdas para que o processo de
luto realize seu trabalho integrativo (DOKA, 1989, 2002b; CASELLATO, 2004, 2005). O
otimismo da participante deve ser enfatizado (WALSH, 2005), pois certamente, contribuiu para
sua reconciliação com a dor.
Discussão integrada dos casos
Como vimos no presente estudo, as expectativas e concepções sobre os relacionamentos
românticos são formados inicialmente pela observação do casamento dos pais, exercendo
influência sobre futuros relacionamentos (FURMAN e SIMON, 1999). A partir dos casos
analisados, a única participante que mencionou ter tido uma infância avaliada como boa foi
Helena, embora o casamento dos pais fosse marcado por altos e baixos devido ao mau uso
123
paterno do dinheiro. Quanto às demais participantes, estas se lembram de brigas frequentes entre
os pais. Mariana hipoteticamente atribuía as brigas dos pais ao relacionamento sexual, o que
demonstrou sua crença a respeito da diferença entre o comportamento sexual do homem e o da
mulher desde a infância. Já Ema e Karen, ainda tiveram um pai alcoólatra e uma mãe depressiva,
o que influenciou suas crenças no que se refere a relacionamentos, às pessoas de maneira geral e
aos seus relacionamentos conjugais.
Mesmo que as participantes tenham tido um modelo de relacionamento conjugal
caracterizado por brigas, foi perceptível que, todas elas, de alguma forma, valorizaram e ainda
valorizam o amor romântico. Mariana, embora com seu discurso de que jamais apresentou altas
expectativas referentes a relacionamentos amorosos, deixou-se seduzir por um homem romântico,
sonhando com a possibilidade de ter um relacionamento conjugal diferente do modelo dos pais e
daqueles que já tinha tido. Já Ema, jamais negou seu romantismo, tendo relatado idealizar até
mesmo uma “família margarina”. Karen, por sua vez, mesmo com um discurso no qual se
mostrava fria emocionalmente, apaixonou-se pelo cônjuge, idealizou-o e, mesmo com a
infidelidade conjugal, manteve sua imagem idealizada. Helena afirmou desejar apaixonar-se e
demonstrou valorização ao amor romântico, porém, prioriza o projeto profissional e a
independência financeira. Sendo assim, cada uma, de maneira diferente, confirmou valorizar o
amor romântico, o que, como vimos no presente, traz como consequência a exigência de
fidelidade e fusão amorosa (HADDAD, 2009).
Destaca-se o fato de duas participantes (Mariana e Ema) terem sofrido infidelidade não
apenas no casamento, como também no namoro. Mariana foi traída por outro namorado e, na
época, optou pelo rompimento do relacionamento amoroso, o que não ocorreu quando a
infidelidade deu-se em seu casamento, devido a uma questão de hierarquia de valores e de dados
da realidade, como já demonstrado no presente trabalho. Ema, por sua vez, além de ter sido traída
por outro namorado, sofreu infidelidade do ex-cônjuge também enquanto namoravam. Foi
perceptível, que, para ela, a separação não foi considerada possivelmente por conceber o amor
como um sacrifício em prol do parceiro que deve ser mantido até o fim da vida, assim como
presenciou no relacionamento conjugal de seus pais.
Os reflexos das transformações sociais que se deram de maneira acelerada nas últimas
décadas principalmente no que se refere ao papel da mulher e ao casamento hierárquico foram
evidenciados nesse estudo. Todas as participantes trabalhavam antes do casamento, sendo que
124
após o mesmo, apenas Helena permaneceu com a vida profissional. Foi notado que o trabalho não
faz falta para Mariana, que não o tinha como projeto de vida. Já Ema, que parou de trabalhar por
pouco tempo, mas depois foi para um emprego de baixa remuneração, transpareceu sentir-se
incomodada, não apenas com essa decisão, como também com o fato de ter abandonado os
estudos, o que a impede de optar por outro emprego até os dias atuais. Karen, por sua vez, é
inconformada com sua atitude de ter deixado o trabalho por oito anos, o que, segundo a
participante, não condiz com a pessoa que de fato é.
No que se refere à adaptação inicial à vida conjugal, como já aqui apresentado, esta
geralmente é estressante (CARTER e MCGOLDRICK, 1989/1995), e foi sobreposta a outras
adaptações nas vidas de Mariana, Ema e Karen. A adaptação à vida conjugal foi sobreposta à
parentalidade nos casos de Mariana e Karen, sendo a de Ema sobreposta à migração. Enquanto
Mariana e Ema enfatizaram as complicações presentes, Karen, mantendo sua imagem de heroína,
não as ressaltou.
Quanto ao relacionamento conjugal das participantes, conflitos foram mencionados por
diferentes razões. Mariana contou que o trabalho excessivo do cônjuge e sua dedicação exclusiva
ao filho durante os primeiros anos de casados foram geradores de conflitos conjugais. Ema
também mencionou sua dedicação ao filho como uma das razões para os conflitos. Como
demonstrado no presente, este fator pode levar a uma crise e ser um dos motivos para a
infidelidade (COSTA, 2006). Karen culpou os sogros e a si própria pelos problemas enfrentados.
A dedicação excessiva à família de origem foi mencionada por Ema e Karen como um fator que
levou a conflitos no casamento. Já Helena sempre se sentiu incomodada pelo mau uso do
dinheiro da parte do ex-cônjuge. Em todos os casos, estes fatores mencionados como
provocadores de crise conjugal também foram utilizados pelas participantes como justificativa
para os relacionamentos extraconjugais. Destaca-se que a infidelidade conjugal deve ser
analisada no contexto no qual o casal está inserido, tratando-se de um fenômeno complexo que se
relaciona a diferentes fatores.
A partir dos casos analisados, foi perceptível que todas as participantes naturalizam a
infidelidade masculina e afirmam tratar-se de uma condição resultante de determinações
biológicas e que, por isso mesmo, serve para diferenciar as expectativas a respeito da
exclusividade sexual em relacionamentos amorosos de homens e mulheres. Podemos pensar que,
embora com um discurso no qual a igualdade entre os sexos seja enfatizada, na prática, a
125
naturalização do comportamento sexual masculino permanece presente, o que pode funcionar
como uma defesa social que preserva a autoestima ao considerar como não voluntário algo que é
interpessoal.
A infidelidade foi mantida em segredo apenas por Mariana, que permaneceu casada e não
compartilhou o ocorrido até os dias atuais, o que, inclusive, fez com que a mesma se emocionasse
ao relatá-lo. Podemos compreender a manutenção do segredo como uma tentativa de manter tudo
como está, minimizando as possíveis perdas. Contudo, como foi aqui mencionado, ao esconder a
infidelidade conjugal, sentimentos e expressões são reprimidos, o que pode dificultar o processo
de luto e tornar o suporte social praticamente impossível (CASELLATO, 2005; DOKA, 2002b).
Karen, por sua vez, embora não tenha mantido o caso extraconjugal em segredo, nem sequer o
reconheceu como perda, o que dificulta o processo integrativo de elaboração (KAUFFMAN,
2002). Nosso trabalho reafirma os riscos inerentes à manutenção de segredo e ao não
reconhecimento social ou intrapsíquico de perdas ambíguas, que podem ocasionar lutos
complicados.
A infidelidade conjugal foi seguida pelo divórcio em dois casos: o de Ema e o de Helena.
Foi apenas Helena quem optou pelo mesmo, todavia, sem ter a infidelidade como principal
motivo para essa decisão. Ema foi trocada pela amante, tendo sido este o motivo do rompimento
do relacionamento conjugal. A partir dos casos, confirmamos que a manutenção ou não do
casamento não significa elaboração da perda. O processo de luto é complexo e multifacetado, não
podendo ser determinado apenas por este fator. Consideramos que, embora ao se abordar as
consequências da infidelidade, alguns estudos centralizem-se no divórcio, estudos para melhor
compreender o conjunto de implicações que a infidelidade pode trazer ao indivíduo são de
extrema relevância.
Com a análise dos casos, foi possível perceber que a infidelidade conjugal realmente
acarreta em perdas múltiplas: de si, do relacionamento e parceiros idealizados. Contudo, ela não
tem que ser necessariamente devastadora, e pode apresentar aspectos positivos, como
criatividade, amadurecimento, conhecimento e aceitação de limitações. Esta vivência pode, então,
ser propulsora de reflexão e mudanças, especialmente quando reconhecida pelo próprio indivíduo
e também pela sociedade.
126
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo compreender a experiência de mulheres que
vivenciaram a infidelidade de seus cônjuges e identificar as perdas envolvidas nesse processo.
A investigação foi conduzida por meio de entrevistas com quatro mulheres heterossexuais
que sofreram infidelidade enquanto casadas. A análise e a discussão permitiram um alinhamento
com os autores pesquisados e seus aportes teóricos, os quais foram utilizados como suporte aos
estudos sobre o relacionamento conjugal, a infidelidade, perdas ambíguas e lutos não
reconhecidos.
Gostaríamos de destacar que a entrevista revelou-se um instrumento extremamente
proveitoso para compreensão da vivência de mulheres perante a infidelidade masculina e das
perdas envolvidas nesse processo. Conforme dissemos em um momento anterior, a entrevista
trata-se de uma construção conjunta. No nosso caso, tivemos uma atitude de interesse e
envolvimento por tudo que estava sendo relatado, favorecendo, para algumas mulheres, a
expressão de sentimentos profundos. Tivemos uma participante como exceção, embora
consideremos que ela não demonstrou os afetos envolvidos em sua experiência porque estes são
escondidos de si própria.
Com a análise dos casos e a revisão bibliográfica, foi possível perceber que a infidelidade
conjugal realmente acarreta em múltiplas perdas, especialmente no que se refere às expectativas e
idealizações a respeito de si, do relacionamento e do parceiro. Todavia, também foram notáveis
as possibilidades de amadurecimento e crescimento acarretados por essa vivência. Desse modo,
observamos que, quando reconhecida e enfrentada, a infidelidade conjugal pode ser propulsora de
revisão interna e mudanças.
Com o presente estudo, esperamos contribuir para a compreensão da infidelidade conjugal
como perda ambígua e luto não reconhecido, o que pode auxiliar na validação social e
intrapsíquica dessa vivência.
Ao se nomear a infidelidade conjugal como uma perda ambígua, o estabelecimento dos
objetivos terapêuticos pode ser facilitado. De acordo com Boss (2006), em casos de perdas
ambíguas um dos objetivos terapêuticos é de trazer a ambivalência à cognição, tornando-a
compreensível e administrável, auxiliando as pessoas a viverem bem a despeito do sofrimento da
ambiguidade. Conscientizar-se dos sentimentos ambivalentes é essencial. O inconsciente torna-se
127
consciente através do apoio terapêutico para que o paciente fale sobre seus sentimentos negativos
e o enfrentamento ocorre a partir da conscientização dos sentimentos conflitivos. A autora cita a
relevância de se encontrar significação em casos de perda ambígua, visto que esta influencia a
resiliência, a saúde e a sobrevivência humana. A significação é socialmente construída,
expressada através da linguagem e leva à esperança, o que enfatiza a relevância do
reconhecimento da perda e sua livre expressão.
Os casos analisados no presente estudo confirmaram os riscos existentes na manutenção
de segredo e não reconhecimento social ou intrapsíquico da vivência da infidelidade conjugal.
Conforme afirmado anteriormente, a manutenção do segredo por uma das participantes tornou
seu relato doloroso e repleto de emoções. A repressão de seus sentimentos ao longo desses anos
também impossibilitou o apoio e possíveis manifestações de empatia da sociedade. Já a partir do
relato da participante que não reconheceu intrapsiquicamente as perdas que vivenciou ao ser
revelada a infidelidade de seu cônjuge, foi possível observar como o processo de elaboração foi
impedido. Por outro lado, observamos Helena que, ao reconhecer as perdas enfrentadas e falar
abertamente sobre elas, pôde contar com suporte social, o que a auxiliou no processo integrativo
do luto.
Ressalta-se que negar o impacto de uma perda significa negar os vínculos humanos, o
amor e a humanidade (REYNOLDS, 2002). Segundo Doka (2002b), o conceito de luto não
reconhecido apresenta implicações sociológicas, psicológicas, psicossociais, espirituais e
políticas, além de contribuir para pesquisas e para a prática clínica. O autor afirma que quando os
diferentes tipos de perdas são reconhecidos, existe uma necessidade premente de pesquisas que
realmente descrevam as particularidades e respostas únicas a cada uma, comparem reações,
consequências e problemas associados às mesmas, acessem possíveis intervenções e descrevam
as variáveis que afetam cada perda. Essas pesquisas podem expandir nossa compreensão sobre
lutos não reconhecidos, oferecer conhecimento e maneiras de auxiliar os indivíduos que os
enfrentam, franqueando, validando e legitimando esse tipo de luto. Para Corr (2002), a
conscientização do não reconhecimento de alguns tipos de perda pode servir para ensinar os
profissionais sobre a sensitividade necessária para que importantes aspectos do processo de luto
não sejam desvalorizados. Segundo o autor, não apenas os profissionais, mas toda a sociedade
deve respeitar as complexidades e individualidades de cada experiência de perda, e apreciar o
fato de o processo de luto ser essencial para aqueles que anseiam viver de maneira produtiva e
128
significativa após perdas tão dolorosas. Corr (2002) acrescenta que o conceito de luto não
reconhecido cunhado por Doka (1989) pode contribuir para a construção dessa sociedade que
compreende e reconhece o luto em suas diferentes manifestações.
Os estudos de Boss (1998, 2002, 2006) e Doka (1989, 2002b) também mostram como a
livre expressão traz benefícios para a saúde física e mental de pessoas que sofrem perda ambígua
e lutos não reconhecidos, o que foi confirmado nos casos. Foi notável que a manutenção do
segredo e o não reconhecimento intrapsíquico da infidelidade conjugal dificultaram o processo de
luto, enquanto a expressão dos sentimentos envolvidos nessa vivência contribuiu para seu
trabalho integrativo. Diante disso, acreditamos que, com a compreensão da relevância de se
franquear as perdas envolvidas ao se descobrir ou ser revelada a infidelidade conjugal, as práticas
clínicas psicológicas poderão contribuir ainda mais para a promoção, a prevenção e a reabilitação
da saúde de pessoas que as enfrentam.
É de extrema relevância que não apenas a infidelidade conjugal, como também outros
tipos de lutos frequentemente ignorados socialmente ou até mesmo intrapsiquicamente, possam
ser conhecidos e reconhecidos. Esta conscientização poderá promover um acolhimento por
profissionais e também pela sociedade, de maneira geral, àqueles que vivenciam diversas
situações de luto. Sancionar não apenas a infidelidade conjugal como também outros tipos de
lutos não reconhecidos, poderá provocar efeitos significativos em intervenções com enlutados e
no direcionamento de novas pesquisas.
O fenômeno por nós investigado mostrou-se complexo e provocante, fazendo com que o
nosso interesse por ele permaneça. Acreditamos que este estudo foi só um começo de outros que
certamente iremos desenvolver no futuro. Seguiremos nossa trilha e outros projetos virão.
Consideramos a relevância de se pesquisar a respeito da vivência da infidelidade conjugal
e as perdas envolvidas nesse processo, pois na prática profissional, psicólogos podem lidar com
pessoas que têm sofrido por não terem sido correspondidas em suas expectativas e idealizações.
Através de pesquisas referentes a este assunto, será possível ter maiores subsídios para
compreender e auxiliar pacientes com essa demanda. Por sua amplitude e complexidade,
sugerimos a realização de novas investigações e aprofundamentos referentes a esta temática.
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140
ANEXO A
Termo de Consentimento para participação em Pesquisa Clínica
Eu, ________________________________________________________, estou ciente de
participar do trabalho intitulado “A vivência da mulher perante a infidelidade masculina e a
elaboração de luto por um relacionamento idealizado”, de autoria da psicóloga Ana Cristina
da Costa, que está sendo realizado como parte da dissertação de mestrado do Programa de
Psicologia Clínica da Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), no núcleo Família e Comunidade, sob orientação da Prof. Dr. Rosane Mantilla de Souza,
como exigência parcial para obtenção do título de Mestre, e de acordo com as diretrizes e normas
regulamentadas de pesquisa envolvendo seres humanos atendendo à Resolução nº 196, de 10 de
outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde – Brasília – DF.
Compreendo que minha participação é voluntária e que posso sair a qualquer momento do
estudo, sem prejuízo algum. Estou ciente que minha participação no estudo consistirá na
realização de entrevistas, realizadas de acordo com a minha disponibilidade, e conduzidas pela
psicóloga acima mencionada. Minha colaboração é voluntária e sigilosa, pois não serei
identificada quando o material de seu registro for utilizado, visto que meu nome não será
divulgado pela pesquisadora. Além disso, as informações coletadas serão utilizadas
exclusivamente para fins de pesquisa e, caso tenham alguma implicação na minha vida, serei
encaminhada pela pesquisadora para outra psicoterapeuta.
Fui informada de que não serei remunerada pela minha participação. Qualquer dúvida
referente à pesquisa ou à minha participação, antes, durante, ou depois de meu consentimento,
serão respondidas pela pesquisadora responsável, cujos dados de contato já foram fornecidos e
estão presentes no rodapé deste documento. Declaro que li todas as informações acima e
confirmo que recebi cópia deste termo de consentimento.
Nome da participante (letra de forma): __________________________________________
Assinatura:_______________________________________________________________
CPF: ______________________
Data: ___/___/___
Contato da pesquisadora:
Ana Cristina da Costa – Psicóloga
Cel: (35) 84317696
Correio eletrônico: [email protected]
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A DISSERTAÇÃO FINAL