PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 0 PUC-SP Ana Cristina Costa Figueiredo Os lutos da mulher diante da infidelidade conjugal MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA SÃO PAULO 2013 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ana Cristina Costa Figueiredo Os lutos da mulher diante da infidelidade conjugal MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Psicologia Clínica, sob a orientação da Profa. Dra. Rosane Mantilla de Souza. SÃO PAULO 2013 Banca Examinadora _______________________________ _______________________________ _______________________________ AGRADECIMENTOS Agradeço, em primeiro lugar, a Deus, aquele que é fonte de força para que eu supere os obstáculos inerentes à vida. À professora e orientadora Dra. Rosane Mantilla de Souza, a quem admiro muito não apenas profissionalmente, por sua inspiração, conhecimento, estímulo intelectual, e pelas palavras tão sábias e úteis para a concretização do trabalho, mas também pela pessoa tão generosa e carinhosa que é. Sou grata à professora Dra. Maria Helena Pereira Franco e à Dra. Valéria Maria Meirelles, pela honrosa participação na banca de defesa. Agradeço à Dra. Camila Alves Fior, que me ensinou a amar a pesquisa e a vida acadêmica. A escrita de uma dissertação é fruto de muita interlocução não apenas com a literatura levantada, como também com as pessoas com as quais compartilhamos nossas dúvidas, ideias e descobertas. Por isso, agradeço aos meus colegas, pela amizade e pela rica troca de experiências. Retribuo minha gratidão especialmente a duas amigas que estiveram sempre ao meu lado nesta etapa: Michele e Cíntia. Agradeço à Mariana, pela indicação preciosa de algumas participantes e sua amizade incondicional. Estudar as mulheres é adentrar em um universo singular, repleto de significados enigmáticos, muitas vezes, indecifráveis até mesmo por elas. Sou profundamente grata às mulheres que participaram da pesquisa e se dispuseram a abrir suas vidas comigo, tratando de questões íntimas e delicadas. Ao CNPQ, pelo apoio financeiro. Sou eternamente agradecida à minha família. Aos meus pais, Pedro e Ana, que com muito carinho, não mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa de minha vida. E ao meu irmão, Pedro Júnior, pelo apoio contínuo. Por fim, agradeço ao meu esposo, Paulo, por seu amor, companheirismo, compreensão e cumplicidade. “E de te amar tanto assim muito e amiúde É que um dia em teu corpo de repente Hei de morrer de amar mais do que pude”. (Soneto do Amor Total – Vinícius de Moraes) RESUMO A infidelidade refere-se a qualquer forma de envolvimento romântico e/ou sexual, de curto ou longo período, que ocorre enquanto o indivíduo está em um relacionamento com outra pessoa. Seus impactos são diversos, especialmente no que se refere às perdas do que se esperava para si, o parceiro e o relacionamento. Pode-se compreender a infidelidade conjugal como uma perda ambígua, dado que mesmo com a presença do parceiro infiel, este não é visto da mesma maneira, ocorrendo mudanças em seu papel na família. Por envolver ambivalência, pode gerar luto não reconhecido, um fator de risco para o luto complicado. Diante disso, o objetivo do presente foi compreender a experiência de mulheres que vivenciaram a infidelidade de seus cônjuges e identificar as perdas envolvidas nesse processo. Foram realizados estudos de caso com quatro mulheres heterossexuais que tenham descoberto ou tenha sido revelada a infidelidade do cônjuge. As informações foram coletadas por meio de entrevistas semiestruturadas e analisadas qualitativamente com base nas teorias que se referem a relacionamento conjugal e luto. Com a análise dos casos, foi possível perceber que a infidelidade conjugal realmente acarreta perdas múltiplas. Todavia, pode apresentar aspectos positivos, como criatividade e amadurecimento, sendo propulsora de mudanças. Foi perceptível que todas as participantes, de alguma forma, valorizam o amor romântico. Por outro lado, influências históricas no que se refere à naturalização do comportamento sexual masculino estão presentes em seus discursos. Foram confirmados os riscos inerentes ao não reconhecimento social ou intrapsíquico das perdas, o que pode dificultar o processo integrativo de elaboração. A compreensão da infidelidade conjugal como perda ambígua e luto não reconhecido pode auxiliar na validação social e intrapsíquica dessa vivência, contribuindo para a construção de uma sociedade que reconhece o luto em suas diferentes manifestações. Os resultados reafirmam as perdas envolvidas na vivência de mulheres diante da infidelidade conjugal e sugerem a necessidade de novos estudos empíricos referentes a esta temática. Palavras-chave: Infidelidade conjugal. Perda ambígua. Luto não reconhecido. ABSTRACT Infidelity refers to any form of romantic and/or sexual involvement, for a short or a long period, which occurs while the individual is in a relationship with another person. It has several impacts, especially regarding the losses about what was expected for self, partner and relationship. Marital infidelity can be understand as an ambiguous loss, since even with the presence of the unfaithful partner, he is not seen in the same way, and changes occur in his role within the family. Since it involves ambivalence, it can result in disfranchised grief, a risk factor for complicated grief. Therefore, the aim of this study was to understand the experience of women who faced the infidelity of their spouses, and identify the losses involved in this process. Case studies were conducted with four straight women who discovered the infidelity of spouse or it was revealed. Data were collected through semi-structured interviews and analyzed qualitatively based on theories that refer to marital relationships and grief. With the analysis of the cases, it was possible to realize that marital infidelity actually result in multiple losses. However, it may have positive aspects such as creativity and maturity, propelling changes. It was noticeable that all participants, somehow, value romantic love. On the other hand, historical influences regarding the naturalization of male sexual behavior are present in their speech. The inherent risks of disfranchised and self-disfranchised grief were confirmed, which may difficult the integration process of elaboration. The understanding of marital infidelity as ambiguous loss and disfranchised grief can help to validate this experience socially and intrapsychically, contributing to build a society that recognizes the mourning in its different manifestations. The results reaffirm the losses involved in the experience of women in the face of marital infidelity, and suggest the need for new empirical studies related to this subject. Keywords: Marital infidelity. Ambiguous loss. Disfranchised grief. SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 5 1 RELACIONAMENTO CONJUGAL................................................................................ 10 Aspectos históricos do casamento, sexualidade e amor....................................................... 10 Relacionamento conjugal na atualidade............................................................................... 16 2 INFIDELIDADE CONJUGAL......................................................................................... Aspectos históricos da infidelidade conjugal....................................................................... Definições de infidelidade conjugal e o dever da fidelidade no Brasil................................ Fatores que podem contribuir para a infidelidade conjugal................................................. Os impactos da infidelidade conjugal masculina na vida da mulher................................... 23 24 26 28 33 3 RELACIONAMENTO CONJUGAL SOB A ÓTICA DA TEORIA DO APEGO...... Uma breve explanação da Teoria do Apego........................................................................ Apego na vida adulta............................................................................................................ Desenvolvimento de um relacionamento afetivo-sexual..................................................... 37 37 39 47 4 LUTOS DA MULHER DIANTE DA INFIDELIDADE CONJUGAL......................... Teoria do Apego e reações às perdas................................................................................... Infidelidade conjugal e perda do mundo presumido............................................................ Infidelidade conjugal: uma perda ambígua.......................................................................... Infidelidade conjugal: um luto não reconhecido.................................................................. 54 54 56 61 66 5 MÉTODO............................................................................................................................ Participantes......................................................................................................................... Instrumentos......................................................................................................................... Procedimentos...................................................................................................................... Análise dos Resultados......................................................................................................... 72 74 75 76 76 6 RESULTADOS E DISCUSSÃO....................................................................................... Caso 1 - “Roupa suja se lava em casa”................................................................................ Histórico da participante....................................................................................... Histórico do relacionamento amoroso................................................................... A infidelidade conjugal.......................................................................................... Pós infidelidade conjugal....................................................................................... Caso 2 - “Quando você me quiser rever, já vai me encontrar refeita, pode crer”................ Histórico da participante....................................................................................... Histórico do relacionamento amoroso................................................................... A infidelidade conjugal.......................................................................................... Pós infidelidade conjugal....................................................................................... Caso 3 - Que luto?................................................................................................................ Histórico da participante........................................................................................ Histórico do relacionamento amoroso................................................................... A infidelidade conjugal........................................................................................... Pós infidelidade conjugal....................................................................................... 78 78 78 79 84 88 90 90 92 95 97 101 101 102 106 109 Caso 4 - Processo de luto normal.......................................................................................... Histórico da participante........................................................................................ Histórico do relacionamento amoroso................................................................... A infidelidade conjugal........................................................................................... Pós infidelidade conjugal....................................................................................... Discussão integrada dos casos............................................................................................. 114 114 115 117 119 122 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 126 REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 129 ANEXO A................................................................................................................................ 140 5 INTRODUÇÃO A infidelidade conjugal esteve presente desde os primórdios da humanidade e se relaciona à maneira de se pensar e viver o relacionamento conjugal em cada momento histórico. Ao longo do tempo, amor, sexo e casamento não caminharam juntos nos relacionamentos (ARIÉS, 1985; VAINFAS, 1992). Foi apenas nas sociedades contemporâneas ocidentais que se tornaram uma expectativa conjunta. Atualmente, o amor é considerado a base do relacionamento conjugal e a satisfação individual é buscada na conjugalidade. As pessoas se unem por razões próprias e não mais para preservar a linhagem ou proteger o patrimônio da família. Segundo Féres-Carneiro (1998), a constituição e a manutenção do casamento nas últimas décadas são influenciadas pelos valores do individualismo, pois a autonomia e a satisfação de cada cônjuge são mais valorizadas do que os laços de dependência entre eles. Embora a satisfação individual seja almejada, no ideal contemporâneo de casamento, deseja-se fusão amorosa, há um aumento de expectativas, uma idealização do outro e de si mesmo. A ocorrência de divórcios deve-se não à desvalorização do casamento, mas porque não se aceita que ele não satisfaça às expectativas individuais, o que mostra a relevância dessa instituição na atualidade. O fato de os divorciados voltarem a casar também indica o grande valor dado ao casamento na sociedade cristã ocidental contemporânea (FÉRES-CARNEIRO, 1998). Tal fato tem redundado em grande produção sobre conjugalidade e, no presente trabalho pretendemos considerar um aspecto desta, relativo à infidelidade, que pode ocorrer tanto no namoro quanto no casamento, a despeito de os indivíduos casaram-se por razões próprias e terem a possibilidade de ruptura de seus relacionamentos afetivo-sexuais. A infidelidade é um conceito mais amplo que o adultério. O Código Civil de 2002, no artigo 1.573, cita o adultério como um dos motivos que pode caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida. O adultério envolve a “cópula propriamente dita” (DINIZ, 2002, p.259), não incluindo relacionamentos afetivos nos quais não haja intercurso sexual. A despeito da normatização, há diferentes aportes para o conceito de infidelidade. Brand, Markey, Mills e Hodges (2007, p.4) definem-na como “qualquer forma de envolvimento romântico e/ou sexual, de curto ou longo período, incluindo o beijo, enquanto o indivíduo está num relacionamento com outra pessoa”. Goetz e Causey (2009) diferenciam a infidelidade sexual, que inclui o intercurso sexual, 6 da infidelidade emocional, que não envolve a relação sexual propriamente dita. Esta concepção de infidelidade envolvendo aspectos emocionais e não sexuais tem ganhado destaque na atualidade (ALLEN et al., 2005), especialmente por causa da possibilidade de infidelidade online ou virtual (WHITTY, 2003), que não envolve contato físico. Concordamos com Brand et al. (2007) e trataremos neste trabalho da infidelidade como definida pelos autores, envolvendo tanto a infidelidade sexual como a emocional. A infidelidade on-line estará incluída no presente estudo e considerada como emocional, visto que não se refere ao intercurso sexual propriamente dito e abarca envolvimento com um terceiro. A opção pela inclusão da infidelidade emocional está relacionada ao fato de que a concepção de infidelidade é subjetiva e depende de expectativas individuais. Por exemplo, um indivíduo pode sofrer caso seu parceiro ou parceira envolva-se emocionalmente com outra pessoa, mesmo que este não leve ao intercurso sexual, se sua expectativa de relacionamento implicar tanto em fidelidade sexual como emocional. Na sociedade cristã ocidental, por muito tempo houve condenação daqueles que praticavam a infidelidade conjugal, principalmente a mulher infiel (VAINFAS, 1992). Enquanto relacionamentos extraconjugais masculinos eram tolerados e naturalizados, o mesmo não ocorria com os femininos, que eram reprovados ou criminalizados (RICOTTA, 2002). Podemos afirmar que ainda nos dias atuais, na sociedade cristã ocidental, a infidelidade masculina é mais tolerada, enquanto a feminina é mais desaprovada. Diversos fatores podem contribuir para a prática da infidelidade conjugal. Revendo as pesquisas realizadas no assunto, é possível perceber que não há ainda consenso acerca dos fatores contribuintes para essa prática. No Brasil, Jablonski (1991) cita: a busca pelo novo; a incompatibilidade no amor e no sexo; a liberação sexual; o impacto da mídia; e o aumento da longevidade. Matos (2000) aponta a fragmentação e a multiplicação das experiências, além de a crescente individualização, como transformações que podem contribuir para a infidelidade conjugal. O ciúme ainda pode ser uma das causas da infidelidade na atualidade (COSTA, 2000). Em pesquisas realizadas no exterior, destaca-se a utilização do ‘modelo de investimento’ a fim de apontar os fatores que podem contribuir para a prática da infidelidade. De acordo com este modelo, o compromisso, a satisfação, os investimentos no relacionamento atual e as alternativas disponíveis estão interrelacionados e devem ser analisados (RUSBULT, 1980; DRIGOTAS, SAFSTROM e GENTILLA, 1999). 7 O estilo de apego evitativo também é citado como um dos possíveis preditores da infidelidade (JOSEPHS E SHIMBERG, 2010; DEWALL et al., 2011). Segundo Josephs e Shimberg (2010), pessoas com estilo de apego evitativo tendem a ter atitudes mais permissivas referentes ao sexo de maneira geral, e são mais propensas a ter relações sexuais fora de relacionamentos, o que está relacionado à pouca capacidade de empatia ou culpa frente à tentação sexual. Investigar a respeito da infidelidade conjugal é importante, pois além de ser considerada um dos assuntos mais desafiadores para ser tratado na terapia de casais (WHISMAN, DIXON e JOHNSON, 1997), pode trazer consequências diversas, para os parceiros e para o relacionamento. De acordo com Fitness (2001), a infidelidade é devastadora porque interrompe um relacionamento significativo no qual os parceiros investiram recursos materiais e emocionais. A partir da afirmação da autora, é possível pensar que cada casal possui um contrato conjugal ou de relacionamento explícito ou implícito. Caso a infidelidade conjugal ocorra em um casamento no qual há promessa e expectativa de fidelidade, implicará na frustração de projetos e sonhos, causando decepção e dor perante a constatação de impotência pessoal e de que o parceiro e o relacionamento idealizados não existem. As consequências da infidelidade conjugal podem ser desiguais para homens e mulheres devido às diferenças de gênero. A frustração em casamentos nos quais há um contrato implícito ou explícito de fidelidade pode ocorrer tanto com homens quanto com mulheres (FÉRESCARNEIRO, 1998). Todavia, enquanto a maioria dos homens relaciona a infidelidade conjugal ao intercurso sexual em si, as mulheres geralmente relacionam-na a um contexto mais afetivo (JABLONSKI, 1991; BRAND et al., 2007). A idealização feminina a respeito do casamento e amor pode acarretar em decepção quando suas expectativas são frustradas (FÉRES-CARNEIRO, 1995, 1998; JABLONSKI, 1991; KOLBENSCHLAG, 1991). Devido a estas diferenças de abordagem entre homens e mulheres, no presente estudo, optou-se por limitar o escopo da investigação no sentido da compreensão da vivência da mulher diante da infidelidade conjugal, ou seja, aquela que tenha ocorrido em um momento no qual os indivíduos estavam casados. Quando revelada ou descoberta, a infidelidade conjugal exige do parceiro o enlutamento por perdas múltiplas: de si, da relação, e do parceiro idealizado como fiel ao contrato de exclusividade afetivo-sexual. Com a infidelidade, a identidade de esposa e a do esposo, anteriormente fiel, precisam ser 8 reconstruídas. Paradigmas são quebrados, sonhos destruídos. A infidelidade conjugal implica em desilusão com relação ao projeto de casamento, ao parceiro almejado, e a si mesmo pela incapacidade de concretizar o que se esperava, o que remete ao luto. Um novo plano para o futuro deve ser construído, o relacionamento deve ser ressignificado. O luto é um processo que tem especificidades em função do tipo de perda que, no caso da infidelidade conjugal, pode ser considerada como uma perda ambígua, independentemente da manutenção ou rompimento do relacionamento conjugal. Consideramos ambígua, dado que mesmo com a presença do parceiro infiel, este não é visto da mesma maneira, ocorrendo mudanças em seu papel na família (BOSS, 1999). Além disso, nestes casos, muito frequentemente, a perda não é oficialmente validada e ritualizada, o que dificulta o processo de elaboração, trazendo risco de luto complicado (FRANCO, 2002; WALSH, 2005; BOSS, 1999). Segundo Casellato (2005), a perda que envolve ambivalência gera o luto não reconhecido, uma vez que passa a ser considerada superável, principalmente quando comparada às perdas por morte. Kauffman (2002) enfatizou casos em que ocorre não apenas um não reconhecimento social do luto, mas também por parte do próprio indivíduo, o que ocorre quando este se recusa ou não consegue legitimar seu próprio luto, o que pode gerar sentimentos de culpa ou vergonha, impedindo-os de procurar suporte social e causando danos psicológicos. Em casos de mulheres que vivenciam infidelidade conjugal, a perda geralmente não é reconhecida e nem vista como significativa dada a naturalização social do comportamento sexual masculino. Na maioria das vezes, ela é mantida em segredo, e quando revelada, é frequente o discurso de que “todo homem trai” e “toda mulher passa por isso”, não havendo um reconhecimento social da perda. É possível que a perda não seja reconhecida nem mesmo pelo próprio indivíduo, o que Kauffman (2002) define como luto não reconhecido intrapsiquicamente. O luto não reconhecido pode ser concebido como um perigoso paradoxo. Trata-se de vivenciar uma perda em completo isolamento, o que pode se tornar um fator de risco para o luto complicado (CASELLATO, 2005). O não reconhecimento do luto pode levar ao adiamento ou inibição de seu processo, o que implica em dificuldade de aceitação da realidade, impossibilitando a busca de outros relacionamentos ou figuras de apego que possam atender às necessidades afetivas das pessoas que vivenciam a perda. De fato, em nossa prática clínica percebemos que a infidelidade conjugal manifesta-se como uma perda ambígua e, muitas vezes, o luto pode não ser reconhecido tanto socialmente 9 quanto de forma intrapsíquica. Ademais, casos de infidelidade conjugal são frequentemente mantidos em segredo e regidos por sentimentos de culpa, raiva, medo e vergonha. O silêncio da dor pode provocar um sofrimento adicional ao que já é doloroso e a repressão de sentimentos pode tornar essa perda ainda mais dolorosa. Buscar novas formas de pensar e agir não apenas a respeito da infidelidade conjugal, mas também de outros lutos não reconhecidos, são de fundamental relevância para a saúde em nossa sociedade. Destaca-se que embora a infidelidade conjugal possa ser compreendida como uma perda ambígua, gerando um luto não reconhecido, ela não precisa ser devastadora. Ao contrário, pode acarretar em crescimento, conhecimento, amadurecimento, desenvolvimento pessoal e de novas competências. Diante disso, o objetivo do presente foi compreender a experiência de mulheres que vivenciaram a infidelidade de seus cônjuges e identificar as perdas envolvidas nesse processo. A compreensão desta temática possibilitará auxiliar mulheres que sofrem perante a descoberta ou revelação de infidelidade conjugal. Com isso, as práticas clínicas psicológicas poderão contribuir ainda mais para a promoção, a prevenção e a reabilitação da saúde de mulheres. Para a realização do trabalho, no primeiro capítulo são abordadas questões relacionadas ao relacionamento conjugal. Há uma ênfase na história da sexualidade, do amor e da evolução do casamento, pois a súbita mudança nos valores e crenças na sociedade ocidental referentes aos relacionamentos afetivo-sexuais podem gerar conflitos. A infidelidade conjugal é delineada no segundo capítulo, abordando seus impactos psicológicos, físicos e psicossociais na vida da mulher. O estudo destaca uma das implicações psicossociais que se refere à decisão das mulheres sobre a manutenção ou não do relacionamento. Independentemente da decisão tomada pela mulher, a revelação ou descoberta da infidelidade conjugal envolve a elaboração do luto por esse tipo de perda. Posteriormente, a Teoria do Apego, escolhida para a compreensão do processo de formação e rompimento dos vínculos afetivos, é esboçada, com ênfase no apego adulto. No quarto capítulo, buscamos a compreensão dos lutos acarretados pela infidelidade conjugal. Posteriormente, serão apresentados o objetivo do trabalho, o método que subsidiou sua realização, os resultados e discussões dos casos e, por fim, as considerações finais. 10 1. RELACIONAMENTO CONJUGAL A infidelidade conjugal existe desde os primórdios da humanidade e tem profunda relação com a maneira de pensar e viver o relacionamento conjugal em cada momento histórico. A fim de compreender a infidelidade conjugal, é importante conhecer a história da sexualidade e do amor, e sua evolução no casamento, visto que a expectativa presente acerca dos relacionamentos amorosos mudou subitamente com relação ao passado, gerando descontinuidade e angústia. A igualdade entre os sexos em relacionamentos afetivo-sexuais é uma demanda muito recente, pois o casamento por séculos consagrou uma relação hierárquica na qual o homem detinha o poder (FIGUEIRA, 1987), o que enfatiza a relevância do conhecimento histórico de relacionamentos em diferentes épocas. Por isso, serão delineadas a seguir as histórias da sexualidade, do prazer sexual e do amor, que raramente caminharam juntos no casamento. Aspectos históricos do casamento, sexualidade e amor Como afirmado anteriormente, amor, prazer sexual e casamento raramente coexistiram em um relacionamento conjugal. A partir dos escritos bíblicos, Ricotta (2002) afirma que os hebreus, por exemplo, casavam-se muito jovens, sendo que a escolha dos cônjuges era feita pelos pais. O casamento era considerado um decreto divino, uma obrigação moral que tinha como objetivo gerar filhos. A virgindade da mulher era muito valorizada e, também, a fidelidade feminina após o casamento. Já com relação aos homens, eram aceitas a poligamia, as concubinagens e o direito de possuir escravas. Eles podiam estabelecer sentimentos de amor e obter o prazer do sexo com mulheres fora do casamento, sendo que o sexo dentro do casamento tinha apenas a finalidade de reprodução. Na Grécia Clássica, o casamento era determinado pelos pais. O amor era considerado um divertimento, um passatempo. Há também a comprovação da existência de homossexualidade masculina com alta frequência, na qual estava presente o que era considerado o desenvolvimento do real sentimento amoroso. A mulher era considerada pouco atraente, ocupando uma posição decorativa (RICOTTA, 2002). Portanto, enquanto relações extraconjugais masculinas eram comuns, especialmente as com parceiros do mesmo sexo, a infidelidade feminina não era aceita pelos gregos. Na Antiguidade Romana, um dos pilares de nossa cultura contemporânea, de acordo com 11 Vainfas (1992), o casamento estava vinculado à formação da descendência e à transmissão do patrimônio. No final do Império Romano, a vontade dos noivos começou a ter alguma influência na união. Todavia, eram comuns relações entre homens casados e concubinas, sendo que a infidelidade feminina não era tolerada. Também em Roma Antiga, a intolerância à infidelidade feminina era perceptível na obrigação que a esposa tinha de não permitir ser violada, sendo que mulheres vítimas de estupro poderiam ser condenadas à morte. Tratava-se do dever de garantir que os filhos seriam indubitavelmente descendentes sanguíneos do cônjuge. A fidelidade não se relacionava a um sentimento conjugal, mas era uma consequência do dever da mulher em garantir que seu cônjuge iria investir confiavelmente em sua própria descendência (PEREIRA, 2009). Com a difusão do Cristianismo, o casamento passou a ter significado simbólico e sacramental, e os noivos o consentiam livremente (RICOTTA, 2002), o que, no entanto, não significava escolha livre do parceiro. No século IX, a Igreja passou a ser mais atuante e estabeleceu normas a respeito do casamento, como a de que o ato carnal não deveria visar o prazer, mas a procriação, e a de que a esposa não poderia ser repudiada, salvo por adultério. Estas normas mostram a função reprodutora do casamento e reafirmam a importância da fidelidade feminina ao longo da história (VAINFAS, 1992). Nos séculos XII e XIII, obrigava-se o ato carnal, mas se condenava o excesso. Os movimentos do ato deveriam ser controlados e não poderia haver paixão entre os parceiros, objetivava-se apenas a procriação. O lugar e o tempo do coito eram pré-estabelecidos, sendo o ato proibido, por exemplo, durante a gravidez e a menstruação, pois durante esses períodos não atenderia à sua função procriadora (VAINFAS, 1992). O controle do prazer sexual no casamento instaurado pelo Cristianismo estava associado à desvalorização simbólica e social da mulher, à qual era atribuída, devido à sua natureza, a essência da maternidade. Ela era excluída da esfera pública e acreditava-se em sua inferioridade social e política (ROSADO-NUNES, 2008). Esta crença foi questionada com alguma eficiência, nas sociedades ocidentais, apenas a partir do século XX. A história do casamento está diretamente relacionada à história da sexualidade. Foucault (1977) mostra como a produção da sexualidade está ligada a dispositivos de poder, o que consideramos como a melhor maneira de compreender a desigualdade entre homens e mulheres, mesmo na atualidade. Na perspectiva do autor, inicialmente, a sexualidade fez parte de uma 12 técnica de poder centrada na aliança, na qual ficou estabelecido um sistema de casamento, fixação de parentescos e transmissão de nomes e bens. Posteriormente, o dispositivo da sexualidade não mais se referia à lei, mas ao próprio corpo e aos prazeres. O sistema de aliança passou então para a ordem da sexualidade. A função do dispositivo de sexualidade na forma de família permite compreender porque ela mantém a homeostase do corpo social e se tornou lugar obrigatório dos afetos, além de ser o principal ponto de eclosão da sexualidade. Como afirma Foucault (1977), o dispositivo da sexualidade na forma de família leva à compreensão dos motivos pelos quais ela tornou-se lugar obrigatório do amor. Todavia, o amor também não se impôs como valor no matrimônio antes do século XIX ou XX. Até esse período, amar significava entrar na religião, dedicar-se à caridade e ser obediente. No século XII e nos seguintes, o amor entre os cônjuges não pertencia ao matrimônio, exceto quando se tratava de uma representação terrena da erótica celeste. Como foi banido do casamento, o amor buscava seu estímulo em relações ilícitas. Tal fato exemplifica um dos motivos da infidelidade nesta época (RICOTTA, 2002). Com o Romantismo, no século XVII, o amor passou a ser considerado como força poderosa e a finalidade nobre da vida. Todavia, embora os homens falassem de amor, fugiam da sexualidade e a mulher apreciada era aquela acanhada e virgem. Ela deveria ser frágil, temerosa, necessitada de ser amparada por um homem robusto, caseiro e devotado à família (RICOTTA, 2002). Segundo Ricotta (2002), a Era Vitoriana, no século XIX, foi caracterizada por uma veneração à demonstração do amor romântico. O sexo no casamento não era mais considerado pecaminoso, mas algo da natureza inferior do homem, de modo que somente as prostitutas podiam manifestar desejos sexuais. Nos finais do século XIX e início do século XX, houve alto índice de prostituição e de doenças venéreas. O casamento era incompleto e insatisfatório. Assim, nesse momento histórico, embora houvesse demonstração do amor romântico, a forma de amor estava ligada à preservação da família e da sociedade, e não era fonte de satisfação e realização pessoal. O século XX foi considerado a Era do Amor, sendo que este sentimento era dado como a condição para uma vida feliz. Houve combinação de sexo, amizade, afeto e procriação. As relações passaram a se voltar para o presente, já que com a Primeira Guerra Mundial, não se sabia se os parceiros estariam vivos no outro dia (RICOTTA, 2002). 13 Como o presente estudo pretende compreender a experiência de mulheres que vivenciaram a infidelidade de seus cônjuges e identificar as perdas envolvidas nesse processo, é importante perceber como a igualdade ou aspiração de igualdade entre os sexos no relacionamento conjugal ocidental é recente. Del Priore e Bassanezi (1997), em estudo a respeito das revistas femininas dos anos 50, no Brasil, mostram-nos as ideias predominantes na época a respeito da sexualidade conjugal e, mais especificamente, da infidelidade conjugal masculina. Em matéria do Jornal das Moças de abril de 1952, foi encontrado o seguinte teste: Teste de Bom Senso: Suponhamos que você venha, a saber, que seu marido a engana, mas tudo não passa de uma aventura banal, como há tantas na vida dos homens. Que faria você? 1. Uma violenta cena de ciúmes? 2. Fingiria ignorar tudo e esmerar-se-ia no cuidado pessoal para atraí-lo? 3. Deixaria a casa imediatamente? Resposta *A primeira resposta revela um temperamento incontrolado e com isso se arrisca a perder o marido, que, após uma dessas pequenas infidelidades, volta mais carinhoso e com certo remorso. *A segunda resposta é mais acertada. Com isso atrairia novamente seu marido e tudo se solucionaria inteligentemente. *A terceira é mais insensata. Qual mulher inteligente que deixa o marido só porque sabe de uma infidelidade? O temperamento poligâmico do homem é uma verdade; portanto, é inútil combatê-lo. Trata-se de um fato biológico que para ele não tem importância. (DEL PRIORE e BASSANEZI, 1997, p. 607). Desse modo, enquanto a sexualidade feminina deveria ser restrita ao casamento, relacionamentos extraconjugais masculinos eram aceitáveis e naturalizados. Destaca-se a crença de um “temperamento poligâmico do homem” em 1950, o que justificava a infidelidade conjugal masculina. Santos (1987) analisou mudanças em uma revista feminina nas décadas de 60 e 70, período em que conhecimentos psicológicos foram difundidos e mudanças profundas na mentalidade, nos valores e comportamentos marcaram a sociedade brasileira. A autora examinou a coluna “A Arte de ser mulher” da revista Cláudia, e percebeu a maneira como D. Letícia, uma consultora leiga responsável pela coluna, aconselhava as mulheres de modo a contribuir para consolidar as diferenças entre os sexos, e a mudança radical ocorrida quando em 1963 quando ela foi substituída por uma psicanalista. D. Letícia aconselhou uma mulher casada, com filhos e que se queixava da infidelidade de seu cônjuge da seguinte maneira: “Suporte-o pelos seus filhos. Procure apenas controlá-lo, exercendo uma discreta e firme defesa de seus direitos, enquanto dura essa fase lamentável na 14 vida de todos os homens” (LETÍCIA, 1962 apud SANTOS, 1987, p.93). A infidelidade masculina era concebida, assim, como parte da natureza do homem. Santos (1987) discute como a infidelidade masculina, nos textos de D. Letícia, parecia simbolizar traços fomentados nos homens, como independência, tenacidade e autoconfiança. D. Letícia explicou às mulheres como deveriam proceder para não sufocarem em seus maridos aquilo que os definem como homens: “Todos os homens têm dentro de si um diabinho extravagante que os arrasta fora dos trilhos traçados. São pequenas manias, hobbies, viciozinhos que é sempre perigoso contrariar” (LETÍCIA, 1961 apud SANTOS, 1987, p.94). Desse modo, os homens eram apresentados como essencialmente infiéis e mulherengos. Reinava a certeza de que homens e mulheres eram, em sua natureza, essencialmente diferentes (SANTOS, 1987). Quando a psicanalista Carmen da Silva tornou-se a consultora responsável pela coluna, novos valores que equipararam homem e mulher passaram a ser difundidos. Para ela, parecia importante ampliar as possibilidades de escolha, de autonomia e independência da mulher, além de buscar soluções individuais e únicas para realização de desejos antes considerados ilegítimos. Ao contrário do casamento tradicional, no qual se esperava que a mulher renunciasse às aspirações individuais em prol do cônjuge e dos filhos, Carmem da Silva defendia a flexibilidade de papéis (SANTOS, 1987). A partir dos parágrafos anteriores, é possível perceber que as mulheres, ao longo da história, foram destinadas à dependência e à submissão enquanto a infidelidade masculina era naturalizada. As análises de revistas femininas das décadas de 50, 60 e 70 revelam que o casamento era uma relação hierárquica e, durante esse período, a hierarquia e a diferença de privilégios entre os membros da família passaram a ser questionadas sistematicamente e a ideologia do igualitarismo exerceu grande impacto sobre as famílias. Figueira (1987) menciona as diferenças entre a família hierárquica e a igualitária. A família hierárquica era marcada pela crença de que o poder masculino era superior ao feminino, o que era caracterizado pela relação privilegiada do homem com o trabalho fora de casa e pelo fato de que a exclusividade sexual poderia ser esperada apenas pelo homem com relação à mulher, e não vice-versa. O adulto também era visto como superior à criança. Na família hierárquica, portanto, a identidade era definida a partir da posição ocupada, sexo e idade. Quando este tipo de relação familiar foi questionado, surgiu a família igualitária caracterizada pela identidade idiossincrática, ou seja, homem e mulher se percebem como 15 diferentes pessoal e idiossincraticamente, mas como iguais porque indivíduos (FIGUEIRA, 1987). Assim sendo, o processo de transformação da família hierárquica para a igualitária alterou substancialmente o relacionamento entre homens e mulheres, o que ocorreu simultaneamente a mudanças políticas, sociais e legais. Com os primórdios do Movimento Feminista, ainda no século XX, as mulheres obtiveram diversas conquistas. Elas foram consideradas capazes de estabelecer amizade com seus maridos e consideradas como seres iguais. Nesse mesmo período, o divórcio passou a dispensar o consentimento eclesiástico (RICOTTA, 2002). Em 1942, o Artigo 315 do Código Civil estabeleceu o desquite, uma dissolução da sociedade conjugal, pela qual se separam os cônjuges e seus bens, sem quebra do vínculo matrimonial. Neste mesmo ano, houve a regulamentação da anulação do casamento (ABREU, 2005). Em 1977, foi instituído o divórcio (Lei 6.515, de 26/12/1977) lei esta que permitiu que os divorciados contraíssem um novo matrimônio. Destaca-se que a possibilidade do rompimento do casamento surgiu a partir da emancipação feminina, liberdade sexual e a valorização do amor no relacionamento conjugal (COSTA, 2006). A partir dos anos 60, no exterior, e dos anos 70, no Brasil, tomou impulso as mudanças sobre a posição de homens e mulheres. O que a princípio era uma luta pela igualdade em termos de lei e direitos trabalhistas para as mulheres, chegou rapidamente às relações interpessoais, refletindo no papel da mulher na família e junto ao seu parceiro. A mulher passou a ter mais liberdade, inclusive sexual. Ela ainda obteve maior autossuficiência, colocando em questão antigas crenças baseadas na dependência feminina frente ao homem (MORAES, 1999). Podendo usufruir de seu próprio dinheiro, a mulher ganhou maior autonomia e mais segurança no relacionamento conjugal. Muitas mulheres passaram a se casar não mais para garantir seu sustento financeiro, não necessitando permanecer em casamentos insatisfatórios (COSTA, 2006). Algumas mulheres passaram a ter voz ativa, com uma reinvindicação de igualdade entre homens e mulheres. Tornou-se cada vez mais importante para a mulher estudar, ter uma carreira própria e participar do orçamento doméstico, o que introduziu o questionamento das relações de poder e hierarquia, tanto no âmbito doméstico quanto no social. Foram levantadas questões relacionadas à divisão de papéis no casamento, tornando a satisfação afetiva e sexual mútua um componente fundamental para a continuidade no relacionamento, 16 por parte das mulheres. Neste contexto, o amor passou a ser mais importante do que o ato de procriar e a mulher pôde viver o casamento dissociado do sustento por ter alcançado independência financeira. A maior independência econômica e emocional da mulher modificou significativamente o quadro do casamento nos últimos anos, visto que este é caracterizado pela busca do sentimento amoroso e de prazer sexual, ao invés uma relação de dependência econômica e afetiva (COSTA, 2006). As mudanças do papel da mulher ao longo da história contribuíram para que atualmente, em nossa sociedade, o casamento esteja relacionado ao amor e ao desejo. Vale destacar que muitas mulheres ainda não alcançaram independência, de maneira que, na sociedade ocidental atual, é perceptível a convivência de valores hierárquicos e igualitários (FIGUEIRA, 1987). Na sociedade contemporânea, além do prazer sexual estar diretamente relacionada ao casamento, o sexo encontra-se dissociado da procriação. Segundo Rios e Gomes (2009), o casamento e a maternidade passaram a ser opção ao invés de destino, e a mulher passou a possuir maiores possibilidades de se sentir independente. Com isso, muitas pessoas têm optado por não ter filhos e a conjugalidade mostra-se pautada nas questões da afetividade, das escolhas subjetivas pessoais e do desejo. Este breve delineamento histórico mostra como prazer sexual, amor e casamento tornaram-se uma expectativa conjunta apenas nas sociedades contemporâneas ocidentais. Atualmente, a maioria das pessoas casa-se buscando satisfação pessoal e prazer no casamento. As pessoas buscam também o amor mútuo, considerado a base do relacionamento conjugal, o que é muito recente em nossa história. Tendo sido apresentados aspectos históricos referentes ao casamento, ao amor e à sexualidade, discutiremos a seguir o relacionamento conjugal na atualidade. Relacionamento conjugal na atualidade Como descrito no início deste estudo, nem sempre o casamento foi uma escolha dos cônjuges e tampouco fonte de satisfação pessoal. Atualmente, busca-se o casamento como realização e bem-estar pessoal. O processo de transformação social é tão acelerado que têm surgido novos arranjos matrimoniais e diferentes possibilidades de viver sua conjugalidade. Além das várias formas de relacionamentos afetivo-sexuais, a diversidade da família atual é perceptível. Rios e Gomes 17 (2009) citam que a família atual pode ser nuclear, monoparental, homoparental, recomposta, desconstruída, gerada artificialmente, entre tantas possibilidades. Dessa maneira, as pessoas buscam ser felizes, elas se unem por razões próprias e pessoais, e não mais para preservar a linhagem familiar ou proteger o patrimônio da família. Uma das principais características dos relacionamentos amorosos e conjugais da atualidade refere-se à demanda de satisfação conjugal, que implica em um processo no qual os parceiros sentem as próprias necessidades e desejos satisfeitos, assim como correspondem ao que o outro espera, definindo um dar e receber recíproco e espontâneo (NORGREN, 2002). Na perspectiva que Bruckner (2002), fazemos de tudo para sermos felizes e buscamos a felicidade em todos os lugares. A depressão é resultante da imposição de felicidade a qualquer preço que impera em nossa sociedade atualmente, na qual as pessoas sentem vergonha quando não estão felizes. Nesse contexto de busca de felicidade e satisfação pessoal, esses valores também são buscados no casamento. Calligaris (2001) menciona que a paixão pelo novo tem como consequência o surgimento da cultura do descartável. As pessoas frequentemente odeiam a mesmice, buscam a novidade, e por viverem em um sistema de consumo, o cônjuge torna-se culpado pela desistência do novo e tédio. Com isso, o casal é simplesmente jogado fora quando não funciona mais. Giddens (1993) identifica dois processos relativos à qualidade das relações conjugais: a emergência da sexualidade plástica e do amor confluente. A sexualidade plástica é descrita pelo autor como o rompimento entre a sexualidade e a reprodução, através dos métodos contraceptivos e das técnicas reprodutivas. O casamento deixou de ser o sustentáculo indissolúvel da família tornando-se uma aliança definida por escolhas mais autônomas, pelo igualitarismo, pelo prazer mútuo e pela satisfação emocional. Nesse contexto, a busca de satisfação no relacionamento amoroso tornou-se o tema central da vida adulta. Desse modo, ao olharmos para a história dos relacionamentos conjugais nos quais a mulher submetia-se ao homem em relacionamentos hierárquicos, percebemos que as transformações ocorridas significam uma maior autonomia, principalmente para a mulher, e a possibilidade de relações igualitárias. Para Costa (2006), uma das características de um bom relacionamento é o compartilhamento de atividades e interesses comuns aos cônjuges, com a manutenção simultânea de interesses particulares. Em outras palavras, é necessário que marido e mulher compartilhem 18 seu tempo, afeto, interesses, porém, mantendo suas individualidades. Dessa forma, um cônjuge torna-se complemento do outro, ao invés de uma extensão. Féres-Carneiro (1998) aponta que constituir um casal exige a criação de uma identidade conjugal, mas o casal contemporâneo é confrontado, o tempo todo, por duas forças antagônicas, havendo um difícil convívio da individualidade com a conjugalidade. Para a autora, o fascínio e a dificuldade de ser casal está no fato de o casal encerrar duas individualidades e uma conjugalidade, ou seja, de o casal conter dois sujeitos, duas identidades individuais que, na relação amorosa, convivem com uma conjugalidade, uma identidade conjugal. Nicolló (1995) mostra a contradição da relação conjugal ao afirmar que o espaço interno do casal trata-se de um espaço de oscilação contínua, no qual cada cônjuge é uma "extensão do outro", mas simultaneamente é "diferenciado do outro". A vida psíquica deve permitir a presença simultânea da capacidade de viver a fusão e da capacidade de se diferenciar do outro. Dessa forma, é necessário ser “um" sendo "dois". Berger e Kellner (1970) descrevem o casamento como um ato dramático, no qual dois estranhos que tiveram um passado individual diferente, se encontram e se redefinem. Para eles, o casal constrói não apenas a realidade presente, mas reconstrói a realidade passada, fabricando uma memória comum na qual está integrada dois passados individuais. Ainda na perspectiva dos autores, o casamento possui relevância institucional e serve como proteção contra a anomia do indivíduo, como um instrumento de construção nômica. Desta forma, o casamento tem como função social criar para o indivíduo uma ordem, para que ele possa experimentar a vida com algum sentido. Mudanças vêm ocorrendo, mas o casamento é ainda mais valorizado (FÉRESCARNEIRO, 1998; JABLONSKI, 2003). O casamento continua sendo um dos sonhos que o ser humano mais ambiciona realizar, mesmo após o fracasso de uma ou mais experiências. A relação conjugal faz parte do processo de desenvolvimento do indivíduo, que necessita de um parceiro para complementá-lo (JABLONSKI, 2003). No ideal contemporâneo de casamento, deseja-se o outro por inteiro, o que traz como consequência um aumento das expectativas, uma idealização do outro e uma exigência elevada consigo mesmo. As pessoas divorciam-se não porque desvalorizam o casamento, mas porque sua importância é tão grande que os casais não aceitam que ele não corresponda às suas expectativas. É exatamente por isso que os divorciados acabam buscando o recasamento, o que mostra o 19 grande valor dado ao relacionamento conjugal na sociedade contemporânea (FÉRESCARNEIRO, 1998). Ao levarmos em conta que homens e mulheres desfrutam de uma considerável liberdade e autonomia atualmente, sendo possível manter vínculos separados entre amor e sexo, pode parecer antiquado discutir sobre a permanência do ideal romântico nos relacionamentos afetivo-sexuais como condição importante para a felicidade, o que inclui a expectativa de fidelidade nesses relacionamentos. Todavia, a expectativa de exclusividade nos relacionamentos afetivo-sexuais e a idealização do parceiro e do relacionamento estão presentes e motivam as uniões conjugais. Por isso, a seguir, discutiremos a persistência do ideal de amor romântico na sociedade ocidental, a consequente exigência de fidelidade trazida por esse ideal, e sua difícil convivência com os desejos de liberdade e individualidade. A fidelidade está atada ao amor romântico, herdeiro do mito da existência de uma metade, uma alma gêmea, que pode completar cada indivíduo e possibilitar uma fusão amorosa completa. O romantismo reinterpretou o mito dos andrógenos, mencionado por Platão, em “O Banquete”. Foi analisado o aspecto referente aos seres primordiais que ansiavam tomar poder de Zeus. Este os partiu no meio e os condenou a viver vagando pelo mundo em busca de sua outra metade, com o objetivo de refazer sua unidade originária, mantendo a crença de que para cada indivíduo existe um parceiro amoroso ideal que irá satisfazê-lo plenamente (HADDAD, 2009). Green (1988, p.47) afirma: “O amor não existe sem uma idealização”. O ideal de amor romântico leva em conta uma união conjugal duradoura e exclusiva, que implica um sentimento de completude sexual e amorosa (HADDAD, 2009). Segundo Lejarraga (2002), o objeto escolhido deve ser único, insubstituível e fiel, o único capaz de produzir uma satisfação sexual plena. A fidelidade, então, além de ser parte integrante dessa idealização amorosa, é causa recorrente das dores de amor. Costa (1998) cita que a persistência do caráter idealizado do amor no imaginário popular é confirmada pelas referências oferecidas pela cultura, como nos filmes e telenovelas, e até mesmo pelo privilégio que as relações amorosas ocupam nas demandas de análise, o que indica sua naturalização. Por outro lado, o desejo de ser o objeto insubstituível de amor, sexo, e gratidão de outro indivíduo não encontra possibilidade de ser concretizado na contemporaneidade. Para Costa (1998), a insistência da aspiração à junção do amor e sexo convergindo na escolha amorosa de um único sujeito seria um equívoco. 20 Tanto Goldenberg (2004) quanto Heilborn (2004) realizaram pesquisas no universo social das camadas médias urbanas cariocas e perceberam a existência de um paradoxo. Em ambas as pesquisas, a maioria dos participantes afirmou apostar em um relacionamento afetivo-sexual duradouro e exclusivo, mas reconhece a dificuldade na manutenção da fidelidade ao parceiro. Foi perceptível que, embora a união permanente entre os casais tenha sofrido grandes transformações, o ideal romântico permanece de forma majoritária, mas é difícil a convivência do desejo de exclusividade sexual com uma intenção de liberdade. Há, portanto, um desajuste entre o ideal almejado e a experiência vivida. A fidelidade continua sendo um quesito reverenciado nas uniões amorosas modernas. Ela serviu à manutenção da família tradicional, regulou a obrigação moral da monogamia e ainda reina como norma nos relacionamentos afetivo-sexuais no mundo ocidental. Todavia, a fidelidade habita um território complexo e sua teia de significações vai além da moral, das leis e dos bons costumes (HADDAD, 2009). O anseio por fidelidade relaciona-se à necessidade de se sentir amado e valorizado de forma exclusiva, sendo exigida como prova de amor verdadeiro. As promessas de fidelidade acabam por produzir imaginariamente um amálgama entre amor e sexo. Embora a condição do amor romântico seja essa ilusão de completude, a infidelidade revela insistentemente o caráter ilusório dessa construção social. Haddad (2009, p. 174) afirma: “A expectativa de fidelidade parece tentar encobrir a verdade sobre a necessidade de aceitar a atenuação do prazer absoluto, assim como as infidelidades desvendam essa ilusão”. A liberdade sexual atual não impede a busca por uma união mítica, e a realização de acordos mútuos que forneçam um mínimo de certezas. Conforme Haddad (2009, p. 176): “Embora a transitoriedade do amor seja mais aceita, ele faz parte mais do que nunca das grandes ilusões humanas ocidentais, já que seu reiterado fracasso não parece fazer com que se abdique de buscá-lo assim como de se esperar a fidelidade do amado”. Assim, na perspectiva da autora, não é fácil renunciar a essa promessa de exclusividade e completude que se mantém através do amor romântico. Os relacionamentos afetivo-sexuais atuais são constituídos por indivíduos que apostam no amor verdadeiro, mas, ao mesmo tempo, acreditam que o amor é ilusório, e no espaço entre uma crença e outra circulam negociações que podem ou não sustentar a relação amorosa. Talvez o próprio romantismo, em sua constituição paradoxal, insista em encantar o mundo através da 21 busca de uma unidade total, mesmo consciente de que tal anseio seja impossível. Quem sabe seja esse adjetivo romântico que guarde o paradoxo do ideal amoroso, ao comportar a reflexão e a utopia, a consciência da perda e a esperança em resgatá-la, a experiência do limite e a luta para superá-lo, mantendo-se como um espaço ainda importante para nossos sonhos e ilusões (HADDAD, 2009, p.180). Na perspectiva da autora, muitas das aspirações dos indivíduos na contemporaneidade entram em contradição com seus ideais. Todavia, o ideal romântico ainda produz efeitos de um real, move a produção de um acervo poético e está no centro das escolhas amorosas, o que enfatiza a importância de se refletir sobre sua permanência na atualidade. Ao mesmo tempo em que a fidelidade promete segurança para aqueles que sonham com uma união duradoura, confronta com a liberdade que cada um deseja para si. Conflitos surgem quando o desejo de manter um relacionamento afetivo-sexual duradouro nos moldes do amor romântico é confrontado com a infidelidade (HADDAD, 2009). A aposta do amor romântico é elevada, ao propor que um laço de amor com um único parceiro possa sustentar uma ligação conjugal eterna que realize funções diversas, como: a satisfação erótica, o sentimento de amar e ser amado, cumplicidade, fidelidade, entre outras. “Tamanhas expectativas depositadas sobre as relações com um parceiro constituem o terreno propício para a frustração e para a decepção desse projeto de realização erótica e existencial a dois, tão ardentemente acalentado” (PEREIRA, 2009, p.15). Desse modo, o ideal romântico e a expectativa de fidelidade estão presentes em nossa sociedade, mesmo que paradoxais ao anseio por liberdade, que também é recorrente. A infidelidade conjugal pode ser frustrante por interromper o projeto romântico tão almejado, sonhado e idealizado. Portanto, a partir dos parágrafos anteriores, foi possível perceber que mudanças no relacionamento conjugal ocorreram ao longo do tempo e o casamento é almejado nos dias atuais. As pessoas casam-se repletas de desejos, expectativas e idealizações referentes a seus parceiros e ao próprio relacionamento conjugal. A valorização do relacionamento conjugal torna relevante pesquisar também a respeito da infidelidade, que pode ocorrer tanto no namoro quanto no casamento, acarretando em frustração e decepção. Com a descoberta ou revelação da infidelidade conjugal, escolhida como nosso objeto de estudo, há um processo de enlutamento pelas perdas envolvidas, por isso, estes temas também serão aqui desenvolvidos. A seguir, questões referentes 22 especificamente à infidelidade conjugal serão discutidas. 23 2. INFIDELIDADE CONJUGAL Infame, dá-me a prova de que minha mulher é prostituta. Fica certo: quero prova evidente; ou, pelo mérito de minha alma imortal, melhor te fora teres nascido cão que responderes agora à minha cólera desperta. William Shakespeare. Otelo, o Mouro de Veneza. (Martin Claret, 2004, p.58). O trecho de “Otelo, o Mouro de Veneza”, de Shakespeare, ilustra uma temática bastante instigante na literatura: a infidelidade conjugal. Shakespeare tematiza as consequências da simples desconfiança de infidelidade. Na tragédia “Otelo”, composta no século XVII, o autor mostra a suspeita de Otelo de que sua esposa Desdêmona o esteja traindo com um de seus soldados. Otelo enlouquece de ciúme e acaba assassinando sua esposa, inocente. Machado de Assis também aponta consequências trágicas da desconfiança da infidelidade feminina em seu romance “Dom Casmurro”. A possibilidade da traição de Capitu com seu melhor amigo fez com que Bentinho pensasse até mesmo em tomar um veneno - descrito no livro como “uma substância” - para se matar, o que revela a agonia vivenciada por ele devido à suposta traição. Consequências negativas da infidelidade feminina também são mencionadas em “O Primo Basílio”, no qual Luísa acaba enfraquecida após suportar a tirania de sua empregada, que a ameaçava por saber de seu romance secreto. Luísa foi acometida por uma violenta febre e morreu. Basílio, que havia fugido, deixando-a sem apoio, voltou e com seu cinismo, revelou que Luísa fora apenas usada e jamais amada por ele. É perceptível que na literatura clássica o tema da infidelidade conjugal relacionou-se à ideia de punição e tragédia feminina, o que se relaciona ao fato de a infidelidade masculina ter sido aceita ao longo da história, havendo condenação apenas para a mulher infiel. A infidelidade conjugal esteve presente não apenas na burguesia ociosa, descrita frequentemente por autores durante o Realismo, ou na sociedade inglesa do século XVII, mas ocorre no nosso cotidiano. A despeito de a escolha dos cônjuges pelo casamento e da possibilidade de sua ruptura, muitas pessoas são infiéis. E assim como Bentinho ou Otelo, muitos têm sofrido as consequências da infidelidade ou até mesmo da simples desconfiança de tal prática nos dias atuais. Destaca-se, no entanto, a desigualdade de gênero. Enquanto os sentimentos ou a 24 honra destes homens são feridos, o que ocorre com as mulheres é outro tipo de violência no passado e no presente. A despeito de leis mais severas e da maior visibilidade da violência contra a mulher, persiste um número alarmante de crimes justificados como passionais, em nome da honra masculina. Assim, Westin (2013), no Jornal do Senado de 4 de julho de 2013, indica que a cada 15 segundos, uma mulher é agredida no Brasil. A cada duas horas, uma é assassinada. Nas últimas três décadas, 92 mil brasileiras perderam a vida de forma violenta. A própria casa é o lugar mais perigoso para a mulher e o parceiro, seu maior algoz. Aspectos históricos da infidelidade conjugal Conforme apresentado no presente estudo, ao longo do tempo, houve condenação para aqueles que praticaram infidelidade, principalmente para a mulher. Segundo Vainfas (1992), a Igreja fez com que a noção de sexo como um mal persistisse e havia condenação para diversas práticas sexuais, entre elas, o adultério. Antes do século XI, a prática judiciária estabelecia desigualdade entre os sexos, castigava levemente o adultério do marido e fixava rigorosas punições para a transgressão da esposa, sendo seu ato considerado uma causa justa para o divórcio. Puniam-se pecados que ameaçavam a instituição matrimonial. Foi apenas após o século XI que se passou a punir os homens que praticavam o rapto, principalmente se ele roubasse a mulher de outrem. O autor afirma: Os severos castigos aos adúlteros aplicavam-se às situações de raptura, nas quais um homem raptava a esposa alheia ou repudiava a sua própria. Por detrás da rigorosa condenação ao adultério encontrava-se, pois, a luta pela indissolubilidade matrimonial. (VAINFAS, 1992, p.78). Os livros hebreus não defendiam uma monogamia estrita por admitirem o adultério masculino ao lado da união legítima e condenarem apenas os homens que repudiassem suas próprias esposas ou raptassem a esposa alheia. Havia mais permissividade para a prática do adultério masculino que o feminino. Vainfas (1992) afirma que quando o adultério era praticado pela mulher, este era reconhecido como motivo suficiente para o divórcio e ela poderia até mesmo ser punida com a morte pela lei civil. Contudo, quando o adultério era cometido pelo homem, este só era punido com rigor se implicasse rapto da esposa alheia, sendo maior a penitência se o raptor fosse casado. Diaz-Santos (1973) também mostra a condenação inerente à infidelidade feminina na 25 Antiguidade. Segundo a autora, a Lei Mosaica ou de Moisés, descrita na Torá, já tratava o adultério como um delito extremamente grave, castigado com a morte dos culpados. No Egito, a mulher adúltera sofria a mutilação de seu nariz e a morte era reservada para o seu amante. Na Índia, o adultério implicava em dupla ofensa, aos deuses e à indesejada mistura de raças. Por isso, a mulher deveria ser devorada por cachorros em praça pública. Entre os chineses, caso a adúltera tivesse planejado a morte do esposo, ela seria mutilada pouco a pouco, numa ordem determinada por sorteio de papéis nos quais estava escrito a parte do corpo a ser cortada. Já em Roma, a mulher adúltera era castigada com o desterro e o confisco de metade de seu patrimônio. Durante a era de Justiniano, a adúltera era açoitada e trancada num mosteiro, e se, durante dois anos o marido não a reclamasse ou viesse a falecer sem perdoá-la, as religiosas aplicavam-lhe um castigo e uma surra, diante de toda a comunidade. Ainda na perspectiva da autora, é no Direito Romano que passa a ser reconhecido o perdão como causa de extinção da responsabilidade pelo adultério, quando o marido permanecia ao lado da esposa adúltera. Desta forma, é perceptível que na Antiguidade, a infidelidade masculina era tolerada, ao contrário da infidelidade praticada pela mulher. Nos primórdios da Modernidade no Ocidente, com a continuação de uma longa tradição, a primazia de sexualidade masculina assegurava aos homens o poder social e político. A moral era pensada por homens e endereçada aos homens. As mulheres, por outro lado, eram desqualificadas culturalmente enquanto sujeitos (HADDAD, 2009). O cenário sociocultural burguês foi marcado por uma dupla moral que permitia aos homens dividir-se entre mulheres santas e prostitutas, e defendia a maior necessidade de relacionamentos sexuais do homem, quer no que se refere à frequência de relações sexuais, quer no que se refere à variedade de parceiras. Eles podiam extravasar seus excessos sexuais com mulheres moralmente depreciadas, mas as mulheres não recatadas, que expunham sua sensualidade, eram motivo de desconforto geral. Tal fato contribuiu para a naturalização da infidelidade masculina, ou seja, como uma consequência direta de seu sexo e não uma construção social, discurso que ainda faz parte do imaginário ocidental atual (HADDAD, 2009). A masculinidade atravessou a história ocidental moderna como equivalente à virilidade, sendo que as infidelidades masculinas ajudaram a manter o mito do bom desempenho sexual (FRANÇA, 2005). As relações de domínio entre os sexos circunscreveram-se no contexto cultural de cada 26 época, sendo a igualdade de direitos inédita na história da civilização. Atualmente, de maneira lenta, alguns tabus e mitos relacionados à dominação masculina têm sido desconstruídos. A naturalização da infidelidade masculina, por exemplo, encontra-se hoje entre as negociações de cada par diante de suas demandas de amor e sexo, tendo sofrido um desgaste referente ao lugar de conforto no qual permaneceu durante séculos no Ocidente moderno (HADDAD, 2009). No presente estudo, que tem como objeto a experiência de mulheres que vivenciaram a infidelidade de seus cônjuges, é interessante notar como as relações extraconjugais masculinas foram toleradas ao longo da história, visto que as relações conjugais eram hierárquicas e o poder concentrava-se nas mãos dos homens. Embora nos relacionamentos conjugais atuais, aspire-se por igualdade e busca por satisfação para ambos os sexos, podemos admitir com Figueira (1987) que a mudança no ideal social é mais fácil de ser realizada do que aquela da subjetividade e dos relacionamentos familiares, fazendo com que ideais modernos e arcaicos coexistam na família brasileira. E, mesmo tendo-se passado décadas de seu estudo, percebe-se que esta igualdade ainda é mais desejo ou crença do que realidade, pois, como afirmado por Haddad (2000), muitas das aspirações dos indivíduos na contemporaneidade entram em contradição com seus ideais, o que também se aplica ao desejo de igualdade entre os sexos. Tendo sido apresentados os aspectos históricos referentes à infidelidade, a seguir, apresentaremos as definições de infidelidade conjugal e aquela que optamos por utilizar no presente trabalho. Será também descrito o dever na fidelidade em nosso país. Definições de infidelidade conjugal e o dever da fidelidade no Brasil A infidelidade é um conceito mais amplo que o adultério. O Código Civil de 2002, no artigo 1.573, cita o adultério como um dos motivos que pode caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida. Segundo Diniz (2002, p.259), “o adultério (CC, art. 1.573, I) é a infração ao dever recíproco de fidelidade, desde que haja voluntariedade de ação e consumação da cópula propriamente dita”. Como se pode notar, essa definição não inclui relacionamentos afetivos nos quais não haja intercurso sexual. Quanto à infidelidade, há diferentes aportes para seu conceito. Brand et al., (2007, p.4) definem-na como “qualquer forma de envolvimento romântico e/ou sexual, de curto ou longo período, incluindo o beijo, enquanto o indivíduo está num relacionamento com outra pessoa”. 27 Drigotas, Safstrom e Gentilla (1999) conceituam a infidelidade como uma combinação do sentimento de que o parceiro violou uma norma do relacionamento e do fato de que a violação desta norma geralmente provoca ciúme e rivalidade sexual. No presente estudo, trabalharemos com a noção de infidelidade proposta por Brand et al. (2007), considerando-a como envolvendo tanto a infidelidade sexual como a emocional. Nossa opção deve-se ao fato de que a concepção de infidelidade é subjetiva. Além disso, limitaremos o estudo à infidelidade conjugal. Na sociedade ocidental, é comum a exigência de fidelidade ao parceiro conjugal, pois, segundo Jablonski (1991), sob influência da tradição judaico-cristã, a exclusividade sexual no casamento é socialmente legitimada. Destaca-se que o estudo de Jablonski citado acima foi publicado em 1991, e, por isso, é necessário cautela ao citá-lo, visto que transformações com relação aos valores e crenças da população ocorreram de maneira acelerada nas últimas décadas. Por outro lado, fazer referência ao mesmo é útil, pois no Brasil, são poucos os artigos científicos ou livros publicados envolvendo a temática da infidelidade conjugal. Madaleno (2008, p.3) fala a respeito do dever da fidelidade no Brasil e afirma: No Direito brasileiro, que segue a cultura ocidental, construída à luz dos costumes judeucristãos e que restringem as relações sexuais à figura dos cônjuges, quebrar o dever de fidelidade num relacionamento, que deve ser eminentemente monógamo, é romper com um acordo conjugal que se sustenta no amor, na estima e no mútuo respeito, ofendendo, ademais, a instituição jurídica do casamento. É importante destacar que, embora, para o novo Código Civil (2002), a fidelidade seja dever matrimonial e justificativa para separação ou divórcio, o adultério não se constitui mais crime, já que, com o advento da Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005, em seu art. 5, foi revogado o art. 240 do Código Penal, onde o adultério encontrava-se tipificado, portanto tal conduta deixou de ser crime. Desta forma, o adúltero não perde mais seus direitos e nem há mais a possibilidade de que ele seja preso. Embora a infidelidade conjugal não seja mais considerada crime, o dever da fidelidade é destacado pelo Código Civil. Sabendo-se de aspectos históricos da infidelidade conjugal, da definição escolhida para ser abordada no presente trabalho e de seu dever em nosso país, a seguir serão citados fatores que podem contribuir para a sua prática. Destaca-se que esses são múltiplos e não devem ser analisados isoladamente, mas sim dentro do contexto conjugal. 28 Fatores que podem contribuir para a infidelidade conjugal Internacionalmente, o modelo de investimento é utilizado frequentemente a fim de apontar os preditores para a infidelidade. O modelo do investimento é baseado em princípios da teoria da interdependência (KELLEY e THIBAUT, 1978 apud RUSBUT, 1980) e afirma que, de maneira geral, as pessoas são motivadas a maximizarem as recompensas e minimizarem os custos das ações em uma relação (RUSBUT, 1980). De acordo com esse modelo, a força central dos relacionamentos amorosos é o compromisso, que envolve vínculo psicológico e motivação para continuar na relação (RUSBUT, 1980; DRIGOTAS, SAFSTROM e GENTILLA, 1999). Drigotas, Safstrom e Gentilla (1999) afirmam que indivíduos comprometidos, ao tomarem decisões no que se refere à infidelidade, tendem a avaliar melhor as consequências que podem surgir em longo prazo do que os benefícios imediatos de suas ações. Por também estarem interessados no bem-estar de seus parceiros, eles costumam considerar as consequências da infidelidade para eles próprios, para o relacionamento e para o parceiro. Três elementos estão interrelacionados e trabalham juntos para manter um indivíduo mais ou menos comprometido em um relacionamento: satisfação, investimento e alternativa. Satisfação representa os efeitos positivos do relacionamento e está positivamente relacionada ao compromisso. Investimento representa tudo aquilo que pode ser perdido com o fim do relacionamento, o que pode ser tangível (como posses ou propriedades) ou intangível (como tradições compartilhadas), e se relaciona positivamente ao compromisso. O último elemento representa os resultados esperados de uma alternativa considerada melhor que o relacionamento atual (como namorar outra pessoa ou namorar mais de uma pessoa, por exemplo) e está negativamente relacionada ao comprometimento. Rusbut (1980) realizou dois estudos a fim de comprovar a eficácia do modelo de investimento na predição de satisfação e compromisso no desenvolvimento de relacionamentos. O primeiro contou com 82 homens e 89 mulheres de uma universidade norte-americana como participantes. A cada participante, foi solicitado que se colocasse no lugar da personagem principal de uma história, imaginando seus sentimentos, atitudes, crenças e comportamentos. As histórias dos homens e mulheres eram idênticas, exceto pelas mudanças no sexo da personagem principal, do parceiro e da pessoa alternativa. Na história feminina, por exemplo, a protagonista Sarah tinha como parceiro romantico Robert, que havia recentemente se mudado para um lugar 29 distante, o que acarretou em menos possibilidade para os encontros do casal. John, a alternativa interessada em namorar Sarah, entrava em cena. Sarah precisava decidir-se entre se manter no relacionamento com Robert ou começar a namorar John – a alternativa disponível. Os resultados mostraram que o compromisso aumenta os investimentos intrínsicos e extrínsicos no relacionamento e diminui a valorização de alternativas disponíveis. O segundo estudo contou com a participação de 58 homens e 53 mulheres da mesma universidade. Foi utilizado como instrumento um questionário com questões referentes a relacionamentos românticos nos quais os participantes já haviam se envolvido, e foram avaliados os custos e benefícios desses relacionamentos, alternativas, investimentos, satisfação e comprometimento. Os resultados indicaram que a satisfação poderia ser prevista pela análise dos custos e benefícios do relacionamento. O compromisso estava positivamente associado à valorização das recompensas e aos investimentos no relacionamento, e negativamente associado à valorização das alternativas disponíveis e dos custos no relacionamento. A partir de ambos os estudos, o modelo de investimento foi considerado como adequado para prever compromisso e satisfação em relacionamentos interpessoais. De modo semelhante a Rusbut (1980), mas analisando a infidelidade propriamente dita, Drigotas, Safstrom e Gentilla (1999), no artigo intitulado “An investment model prediction of dating infidelity”, realizaram dois estudos para testar a eficácia do modelo de investimento na predição da infidelidade no namoro. No primeiro estudo, a força do modelo de investimento na predição da infidelidade foi confirmada. Os fatores compromisso, satisfação, qualidade da alternativa e investimentos previram significativamente subsequentes infidelidades. O segundo estudo utilizou medidas prévias do modelo de investimento para predizer intimidade física e emocional em interações com pessoas do sexo oposto durante uma semana de intervalo de um semestre (“spring break”), tendo sido utilizados diários como instrumento. Os resultados mostraram que aqueles indivíduos que relataram mais compromisso em seus relacionamentos antes do “spring break” apresentaram menos intimidade nas interações com amigos ou estranhos. O compromisso, constructo central do modelo de investimento, foi uma variável que predisse a infidelidade. Os resultados dos dois estudos, que utilizaram diferentes métodos, deram um forte suporte para o uso do modelo de investimento na predição da infidelidade em namoros de casais heterossexuais. Na perspectiva de Drigotas, Safstrom e Gentilla (1999), o compromisso 30 representa uma ligação psicológica no relacionamento e se relaciona à resistência às tentações e à decisão da manutenção da fidelidade. Sendo assim, os estudos mencionados acima confirmaram a eficácia do modelo de investimento na predição da infidelidade. Foi perceptível que a força central dos relacionamentos amorosos é o compromisso, e que este se relaciona à satisfação, ao investimento e às alternativas. Estes fatores estão, assim, interrelacionados e devem ser considerados ao se prever a infidelidade. Também estão positivamente relacionados a uma potencial infidelidade: estilo de apego evitativo (DEWALL et al., 2011), baixo controle cognitivo (PRONK, KARREMANS e WIGBOLDUS, 2011), abertura à experiência, impulsividade, narcisismo, consumo de álcool e insatisfação sexual (ATKINS et al., 2005). Vale destacar que todas estas pesquisas, embora analisando aspectos específicos, corroboram a teoria do modelo de investimento. No Brasil, são apontados como fatores que podem contribuir para a infidelidade conjugal: incompatibilidade no amor e no sexo (BRAZ et al., 2005; JABLONSKI, 1991), busca pelo novo, liberação sexual, impacto da mídia, aumento da longevidade, envelhecimento (e a necessidade de provar que “ainda” está bem), imaturidade, alcoolismo, surgimento de oportunidades, retaliação/vingança (JABLONSKI, 1991), fragmentação e multiplicação das experiências, crescente individualização (MATOS, 2000), e ciúme (COSTA, 2000). Na perspectiva de Costa (2006), as motivações da infidelidade sexual podem ser geradas pelo próprio relacionamento conjugal, muitas vezes, ocasionando diferentes tipos de triângulos amorosos: 1- Consentido: um dos cônjuges mantém com o outro uma relação materna e tolera que se ligue a um terceiro, desobrigando-o de uma vida sexual; 2- Piedoso: existe uma limitação física ou psíquica que é reconhecida pelo que se deixa enganar; 3- Perverso: o outro é induzido a desempenhar um papel que satisfaça suas fantasias; 4- Maturativo: a infidelidade é induzida com o objetivo de buscar o modelo desejado; 5- Tampão: através dos relacionamentos extraconjugais o indivíduo atenua o medo de ser abandonado pelo cônjuge; 6- Oculto: característico de indivíduos que apresentam divisão de personalidade, o que os leva a ter relacionamentos simultâneos; 7- Triângulo amoroso por competição: o cônjuge se sente excluído, quando a esposa está grávida ou se dedicando exclusivamente ao filho recém-nascido, por exemplo; 8- Incestuoso: quando os cônjuges possuem aproximadamente a mesma idade e um deles busca alguém que represente pai/mãe ou quando se casa com alguém que represente pai/mãe e busca um parceiro para satisfação sexual; 9- Vingativo: ocorre quando a pessoa sente-se frustrada ou maltratada pelo 31 cônjuge e esforça-se para que ele saiba de sua infidelidade; 10- Reconstrutivo: o indivíduo reencontra-se com alguém ligado ao passado e através de relacionamento extraconjugal tenta preencher uma lacuna em sua vida afetiva. Jablonski (1991) realizou uma pesquisa acerca das atitudes e comportamentos relacionados ao casamento. Esta foi feita no Rio de Janeiro, com uma amostra de 400 sujeitos de classe média, sendo metade do sexo feminino e metade do sexo masculino, distribuídos igualmente nas condições de solteiros, casados, separados e idosos casados. A partir desta, o autor percebeu que existe em nossa sociedade uma ambivalência, pois a promessa de amor e sexualidade plena confronta-se com a constatação de que a paixão é solúvel no tempo. A questão atual é a impossibilidade de conviver com as demandas antagônicas impostas pela sociedade: monogamia versus permissividade, tradição versus novidade, entre outros. Com tantas contradições, muitas vezes a infidelidade acaba ocorrendo. Segundo a argumentação de Bauman (2004), a infidelidade conjugal da atualidade encontra-se no “líquido mundo moderno”, que detesta o que é durável, preferindo o uso instantâneo de pessoas e objetos. Todavia, como já citado anteriormente no presente estudo, consideramos importante ressaltar que embora as relações afetivo-sexuais atuais possam ser vistas como manifestação de individualismo, por outro lado, são mais igualitárias, especialmente porque a mulher contemporânea não precisa se submeter à dominação masculina. De acordo com Rougemont (2003), surge um problema a partir da promessa de fidelidade, tida como absoluta. O autor afirma que os moralistas e sociólogos tentaram provar que a monogamia é natural, mas que isso pode ser discutido infinitamente. Para as pessoas do século XX, a fidelidade pode ser vista como a menos natural das virtudes e como algo desfavorável à felicidade. Para o autor, a fidelidade conjugal pode ser considerada como um esforço desumano e uma disciplina imposta por um preconceito absurdo e cruel. Em sua perspectiva, não é ao homem infiel que devemos acusar, mas à ordem social estabelecida na qual os obstáculos têm sido destruídos. Segundo Rougemont (2003), a poligamia seria o modo de vida natural. O autor cita que a fidelidade pode ser considerada como uma barreira para a felicidade nos dias atuais. Ele apresenta algumas desculpas que o marido infiel pode dar à esposa, e afirma: Ele tanto pode dizer: “Isso não tem importância, não muda em nada nossa relação, foi uma aventura, um erro sem consequência”, como: “Isso é vital para mim, muito mais importante do que sua moral tacanha e sua garantia de felicidade burguesa!” 32 (ROUGEMONT, 2003, p.384). Na perspectiva do autor, nos dois casos, trata-se de fugir de um compromisso tido como uma limitação odiosa. Em outras palavras, a fidelidade serve com uma limitação, o que contradiz os valores atuais de buscar compromisso, satisfação pessoal e liberdade. Destaca-se que, nesse caso, Rougemont (2003) retrata apenas a infidelidade masculina, sem descrever se o mesmo poderia valer para mulheres infiéis. Em outras palavras, o autor não parece considerar a igualdade de gênero, o que se difere de nossa compreensão a respeito dessa temática. No que se refere ao sexo fora do casamento, de acordo com Goldenberg (2006), os homens costumam explicar a infidelidade como fruto de uma mistura de diversos elementos, tais como atração física, vontade, oportunidade ou instinto. Com relação especificamente à infidelidade feminina, as mulheres podem trair por vingança (ARENT, 2009). Jablonski (1991) menciona que tanto homens quanto mulheres praticam a infidelidade atualmente, mas os homens ainda têm um maior número de relacionamentos sexuais extraconjugais, já que vigora em nossa cultura monogâmica o padrão de dupla moral, que concede ao homem muita liberdade e, à mulher, falta de liberdade. Ainda na perspectiva de Jablonski (1991, p. 127), “a emancipação feminina aliada à liberação está fazendo com que as relações extramaritais deixem de ser uma prerrogativa eminentemente masculina”. Assim, atualmente a infidelidade feminina também tem sido frequente em nossa sociedade. Ressalta-se que homens e mulheres concebem a infidelidade de diferentes maneiras. De acordo com o próprio autor, a maioria dos homens procura a relação sexual mais pela relação em si, enquanto as mulheres a procuram por um contexto mais afetivo. Desse modo, a infidelidade funciona de maneira diferente para homens e mulheres. Trabalhar com a infidelidade em relacionamentos heterossexuais envolvendo os dois sexos, num estudo qualitativo, seria difícil em um mestrado. Dessa forma, a fim de delimitar o tema da pesquisa, apenas os impactos da infidelidade conjugal masculina para a mulher serão abordados no presente trabalho. A partir dos parágrafos anteriores, é possível perceber que são muitos os fatores que contribuem para infidelidade conjugal, não havendo um consenso entre os autores com relação aos mesmos. Consideramos que a infidelidade conjugal é um fenômeno amplo e complexo, podendo haver diferentes motivações para a sua prática. Estas estão interrelacionadas, não havendo um único motivo que explique esse fenômeno. Concordamos, então, com o modelo de 33 investimento citado por Rusbult (1980) e Drigotas, Safstrom e Gentilla (1999). Tendo sido apresentados os fatores que podem contribuir para a infidelidade conjugal, a seguir, serão apresentados seus possíveis impactos na vida da mulher. Os impactos da infidelidade conjugal masculina na vida da mulher A infidelidade pode trazer impactos para os parceiros e para o relacionamento, e pode implicar em frustração perante a constatação de que o parceiro e o relacionamento idealizados não existem. Conforme Mathes, Adams e Davies (1989), perder um parceiro romântico devido a alguma fatalidade, como a morte, não é tão doloroso quanto perdê-lo para um rival. Sendo assim, podemos concluir que em casos extraconjugais nos quais se troca o cônjuge por um/uma amante, a perda pode ser extremamente dolorosa. De maneira geral, são consequências da infidelidade conjugal: violência ao parceiro, ideação suicida, sintomas muito semelhantes aos do transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade (CANO e LEARY, 2000), depressão (BUUNK e VAN DRIEL, 1989; CANO e LEARY, 2000) e possíveis dissoluções de relacionamentos (GOETZ e CAUSEY, 2009). Ter sido traído (a) pode trazer um amargado sentimento de rejeição, angústia e humilhação (BUUNK e VAN DRIEL, 1989). No que se refere aos impactos da infidelidade especificamente na vida do homem, Goetz e Causey (2009) mencionam danos na reputação. Quanto às conseqüências para a mulher, o aumento no risco de contrair Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) é citado pelo autor. O divórcio pode ser uma consequência da descoberta ou da revelação da infidelidade conjugal e pode ser visto simultaneamente como um problema e uma solução (JABLONSKI, 1991). A decisão de a mulher pela permanência matrimonial ou pelo divórcio pode ser conflituosa por haver diversos obstáculos para o divórcio e por este ser vivenciado como uma situação extremamente dolorosa e estressante, que traz sentimentos de fracasso, impotência e perda. Por outro lado, a separação conjugal pode ser construtiva para os membros de uma família. Independentemente da atitude tomada pela mulher após a descoberta da infidelidade de seu parceiro, esta exerce um impacto na sua vida. Devido à multiplicidade de fatores envolvidos quando se considera a possibilidade de divórcio, estes serão descritos a seguir. 34 Há diversos empecilhos para o divórcio, como: filhos (JABLONSKI, 1991; BERNSTEIN, 2002; KOLBENSCHLAG, 1991), medo do sofrimento e da solidão, sentimento de culpa, motivos religiosos (JABLONSKI, 1991), sentimento de fracasso (KOLBENSCHLAG, 1991), pressões familiares e sociais (JABLONSKI, 1991; PITTMAN, 1994), questões financeiras (JABLONSKI, 1991; PITTMAN, 1994; MORAES, 1999; KOLBENSCHLAG, 1991), dificuldades de lidar com a quebra da identidade conjugal construída durante o casamento e iniciar uma nova etapa que envolve redefinir sua identidade individual (BARBOZA, 2009; FÉRES-CARNEIRO, 2003). Na perspectiva de Souza (2008), mesmo que o relacionamento estivesse ruim, ambos os parceiros sofrem com término da relação e com as perdas. O divórcio apresenta-se como o maior rompimento do ciclo de vida da família, aumentando as tarefas desenvolvimentais vivenciadas no momento da crise. O ciclo de vida familiar é interrompido nesse processo, implicando necessidade de reformulação de regras de funcionamento familiar, além do desenvolvimento de novas capacidades adaptativas nos papéis que cada membro desenvolve no contexto de novos subsistemas familiares que se formam (CARTER e MCGOLDRICK, 1989/1995). Embora o divórcio seja uma experiência dolorosa para todos, algumas mulheres são mais vulneráveis ao sofrimento durante esse processo por terem se casado em tempos do “para sempre” e mantido relações hierárquicas e de dependência com relação ao cônjuge, ao contrário daquelas que tinham um projeto de vida mais amplo que o conjugal (SOUZA, 2008). Ainda que muitos fatores possam contribuir para a manutenção do casamento perante a infidelidade, nos dias atuais, muitas mulheres não toleram mais permanecer em relacionamentos conjugais insatisfatórios. São fatores que podem contribuir para a decisão pela separação matrimonial: a cultura do divórcio, que o vê como uma solução para os conflitos inerentes ao casamento (HACKSTAFF, 1999); o fato de a sociedade acenar para as mulheres uma enorme gama de coisas novas e boas, tais como: “mais liberdade de escolha, facilidades tecnológicas, promessas de uma vida sexual fantástica e maravilhosa, dinheiro, autonomia, independência”. (JABLONSKI, 1991, p. 123); a emancipação da mulher, a autonomia feminina e a busca pela satisfação individual no casamento (GIDDENS, 1993. JABLONSKI, 1991); impactos dos meios de comunicação; adultério (JABLONSKI, 1991); a idealização feminina a respeito do casamento e amor, que pode levá-la a requisitar o divórcio quando acredita que este sentimento está escasso em seu relacionamento ou quando suas expectativas são frustradas (FÉRES-CARNEIRO, 1995, 35 1998; JABLONSKI, 1991; KOLBENSCHLAG, 1991), Desse modo, a infidelidade conjugal é apenas um dos fatores que pode contribuir para o divórcio. Trata-se de um fenômeno complexo e pluridimensional, que ocorre de forma individual entre cada casal. Os relacionamentos extraconjugais podem servir para estabilizar o casamento ou como uma tentativa de manter o casamento. Madaleno (2008, p.4) afirma: "tanto a fidelidade, quanto a infidelidade, por caminhos inversos, operam no sentido de buscar segurança e estabilidade emocional, buscando o cônjuge, com isso, preencher o seu inquietante estado de insatisfação”. Em função dos apontamentos dos parágrafos anteriores, pode-se concluir que a infidelidade conjugal apresenta impactos físicos, psicológicos e psicossociais. Dentre os impactos físicos, destacam-se as Doenças Sexualmente Transmissíveis (GOETZ e CAUSEY, 2009); em meio aos impactos psicológicos estão a angústia (BUUNK e VAN DRIEL, 1989), depressão (BUUNK e VAN DRIEL, 1989; CANO e LEARY, 2000) e ansiedade (CANO e LEARY, 2000); com relação aos impactos psicossociais, o fato de a infidelidade relacionar-se o divórcio é de grande relevância (JABLONSKI, 1991), já que estudos apontam implicações da infidelidade na decisão de mulheres sobre a manutenção ou não do relacionamento. Pesquisar a respeito da infidelidade masculina e suas consequências na vida da mulher pode ser importante, pois na prática profissional, psicólogos podem lidar tanto com mulheres que têm sofrido por não terem sido correspondidas em suas expectativas, quanto com homens que foram ou são infiéis. Através de pesquisas referentes a este assunto, é possível ter maiores subsídios para compreender a dinâmica da infidelidade e suas conseqüências. A compreensão desta temática possivelmente acrescentará conhecimentos importantes que possibilitarão auxiliar pacientes em conflitos que poderão surgir em suas vidas. Outro fato que torna relevante pesquisar os impactos da infidelidade masculina na vida da mulher é o de que, ao se abordar a consequência da infidelidade, muitos estudos centralizam-se no divórcio. Uma vez que a infidelidade tem um conjunto de implicações ao indivíduo, justifica-se um estudo para melhor compreender esses impactos. Independentemente da decisão da mulher pela manutenção matrimonial ou pelo divórcio, há lutos que devem ser elaborados referentes às perdas do que se esperava do parceiro, do relacionamento e de si próprio. Para a compreensão desse processo, optamos pelo emprego da Teoria do Apego no presente estudo, que descreve muito bem tanto o processo de formação 36 quanto o de rompimento de vínculos, conforme delinearemos a seguir. 37 3. RELACIONAMENTO CONJUGAL SOB A ÓTICA DA TEORIA DO APEGO A Teoria do Apego possibilita um enquadramento organizacional e integrativo para a pesquisa de relacionamentos íntimos (HAZAN e SHAVER, 1987). Consideramos que a teoria proposta por Bowlby (1969/1990, 1973/1998b, 1979/1997, 1988/1989) descreve de modo consistente o processo de formação e rompimento dos laços afetivos, e por isso, optamos por utilizá-la no presente estudo. Alguns de seus constructos serão apresentados a seguir. Uma breve explanação da Teoria do Apego Bowlby (1969/1990) alicerça sua teoria no pressuposto de que existe nos bebês uma propensão inata para o contato físico com um ser humano. Na perspectiva do autor, existe nos bebês uma necessidade de objeto tão primária quanto a necessidade de alimento. Assim como a alimentação, o comportamento de apego é necessário para a sobrevivência e sua função biológica é proteger o ser humano, quando pequeno, dos perigos que podem ameaçá-lo. Existe uma propensão nos seres humanos para estabelecer fortes vínculos afetivos com outras pessoas e o comportamento de apego resulta na manutenção de proximidade com a figura de apego. Para Bowlby (1969/1990), o primeiro relacionamento estabelecido entre a criança e seus cuidadores, especialmente a mãe ou a pessoa que desempenha a função materna, caracteriza o apego. Bowlby (1979/1997) afirma que, em geral, é a mãe que se torna a principal figura de apego do bebê, mas outra pessoa pode tratar a criança de forma maternal, tornando-se, assim, esta figura. A criança procura-a quando está cansada, faminta, ou quando se sente insegura pelo fato de não tê-la por perto. Quando próxima a ela, a criança sente-se confiante e segura. Bowlby (1979/1997) menciona que o relacionamento da mãe com o filho é uma necessidade, e a qualidade da relação estabelecida entre eles é de extrema importância. A qualidade do vínculo estabelecido primeiramente num indivíduo determinará em grande medida seus vínculos futuros e os recursos disponíveis para seu enfrentamento de perdas e rompimentos, embora possam ocorrer mudanças ao longo da vida, como será explicitado adiante. O apego, além de prover segurança e proteção para a criança, tem outras funções importantes durante a infância, tais como: desenvolver confiança básica e reciprocidade que servem como base para futuros relacionamentos emocionais; explorar o espaço com sentimentos de segurança e despreocupação, o que possibilita um desenvolvimento cognitivo e emocional 38 saudável; desenvolver habilidade para o autocontrole; criar uma fundação para a formação da identidade que envolve autovalorização, senso de competência e equilíbrio entre dependência e autonomia; estabelecer uma estrutura moral pró-social que inclui empatia, consciência e compaixão; prover defesas contra estresse e trauma, fornecendo recursos internos e externos (BOWLBY, 1969/1990). Na perspectiva de Bowlby (1969/1990), as crianças internalizam experiências com seus cuidadores de modo que as relações primitivas de apego formam um protótipo para futuros relacionamentos extrafamiliares. O autor cita que na relação com a figura de apego, a criança descobre se, quando ameaçada por um perigo, pode ou não contar com respostas favoráveis. Tais experiências geram impactos positivos ou negativos e formam uma representação mental de si, do outro e do contexto ao seu redor, o que é denominado modelo operativo interno. Os modelos operativos internos guiam os relacionamentos das crianças com seus pais e outros indivíduos. Eles baseiam-se na história anterior de relacionamentos de apego do indivíduo e nas interações atuais entre o self e a figura de apego, quando o sistema comportamental é ativado. Para Bowlby (1973/1998a), no modelo operativo interno construído pelo indivíduo está a noção de quão aceitável ou inaceitável ele é, aos olhos de suas figuras de apego. Outro aspecto importante da teoria proposta por Bowlby é a compreensão dos padrões de apego que vão sendo desenvolvidos a partir da relação com a figura de apego. Ainsworth et al. (1978) detalhou os seguintes padrões de apego: seguro, evitador (inseguro) e ambivalente (inseguro). O desenvolvimento de um vínculo seguro é de grande importância para nosso desenvolvimento emocional, pois permite uma boa formação da autoconfiança. A mãe que caracteriza esse tipo de vínculo é aquela mais sensível aos sinais da criança e mais dedicada. Com isso, ela explora o ambiente, utilizando a mãe como base segura e porto seguro para o qual pode voltar-se em situações de ameaça. Já nos casos de apego inseguro/evitador, a mãe geralmente apresenta dificuldades em responder às necessidades de apego da criança, o que consequentemente, faz com que ela fique pouco autoconfiante e com inabilidade para procurar ajuda. Com relação ao apego inseguro/ambivalente, as mães de indivíduos que apresentam esse tipo de sistema de apego frequentemente são imprevisíveis e caóticas, ocasionado em seus filhos variações em suas formas de se comportar perante as diferentes situações da vida, além de medo do abandono e culpa. Os autores Hazan e Shaver (1987) e Feeney e Noller (1996) enfatizam que a Teoria do 39 Apego oferece uma perspectiva de desenvolvimento, mostrando que diferentes orientações para o amor romântico originam-se nas primeiras experiências sociais, mediadas por processos que envolvem os modelos operativos e possibilitam sua continuidade ou mudanças. Desse modo, o amor romântico não é concebido isoladamente, mas como parte integrante do processo de vinculação afetiva. Tendo sido delineados aspectos importantes da Teoria do Apego, especialmente na infância, a seguir será descrito o apego na vida adulta. Apego na vida adulta Embora a Teoria do Apego enfatize as crianças e os relacionamentos com as figuras de apego, esta não é apenas uma teoria de desenvolvimento infantil, já que se trata de um fenômeno que ocorre durante todo o ciclo vital (SANTOS, 2000). No presente estudo, que objetiva compreender a experiência de mulheres que vivenciaram a infidelidade de seus cônjuges e identificar as perdas envolvidas nesse processo, é importante abranger o apego na vida adulta, mais especificamente, no amor romântico conjugal. Para Bowlby (1969/1990), o primeiro e mais estável vínculo começa entre mãe e filho e perdura menos ativo, até a adolescência. Neste período, o apego de uma criança aos seus pais sofre mudanças e outro adulto pode assumir uma importância igual ou maior que eles. Nesta idade, as ligações românticas são a tônica da fase, e o desejo de companhia, de aconchego, de se sentir pertencente a alguém e de proximidade é dirigido, geralmente, para alguém externo ao círculo familiar manifestando-se a atração física, o desejo sexual, e o sentimento de amor pelo parceiro. Na perspectiva de Bowlby (1969/1990), o comportamento de apego na vida adulta pode ser uma continuação direta do comportamento na infância. É importante destacar que embora estes padrões de apego tendam a persistir, eles não são imutáveis. Hazan e Shaver (1987) apresentam uma análise teórica do amor e do apego, com o argumento básico de que o amor conjugal pode ser conceituado como um processo de apego. Os relacionamentos entre parceiros românticos são, assim, concebidos como relacionamentos de apego. Os autores descrevem o amor como emoção, sendo a emoção conceituada como um padrão complexo de avaliações e tendências de ação. Para cada emoção, há um conjunto de 40 ativadores e reações. No caso do amor conjugal, são citados como possíveis ativadores: familiaridade com o outro, ter o outro satisfazendo as necessidades do indivíduo, e ter o outro como alguém que inspire confiança. São mencionadas como possíveis reações: sentimento de segurança e autoconfiança, desejar responder ao outro e querer proximidade física com o outro. Hazan e Shaver (1987) também propõem relações existentes ente o amor e o apego. Dentre elas, podemos citar: as similaridades comportamentais e emocionais do contato frequente de olhar; o toque; o desejo de compartilhar descobertas e reações com o outro; empatia. Assim como Hazan e Shaver (1987), Feeney e Noller (1996) discutiram o amor romântico como um processo de apego, pois os relacionamentos baseados no amor romântico constituem frequentemente vínculos afetivos duradouros. Os autores afirmam que o amor romântico como emoção e também como vínculo de apego é estimulado pela familiaridade do outro, pela satisfação de necessidades que o outro possibilita, assim como pela segurança e confiança proporcionada por ele. Esses estímulos conduzem ao desejo e busca de proximidade física e emocional com o outro. Hazan e Shaver (1987) conceituaram o amor romântico como um processo de apego, e ainda, conceberam-no em termos de três sistemas comportamentais: apego, cuidado e sexo. Eles acrescentaram que os comportamentos sexuais são regidos por um sistema sexual inato, sendo as preferências e as respostas sexuais reflexos da ativação e funcionamento deste sistema. Desse modo, no apego adulto, a figura de apego tem simultaneamente a função de parceiro sexual, provedor primário e é recipiente de conforto e de apoio emocional (HAZAN e ZEIFMAN, 1994). A sexualidade é, portanto, uma das diferenças entre relacionamentos pais-filhos e românticos. Na escolha do parceiro romântico, a atração sexual desempenha um papel importante. Após a escolha do parceiro, o comportamento sexual torna-se um aspecto central do relacionamento, podendo gerar um vínculo de apego (FURMAN e SIMON, 1999). Enquanto na infância a necessidade de segurança do bebê é um estimulador de proximidade, nos relacionamentos românticos é a atração sexual que figura como fator de aproximação (HAZAN e SHAVER, 1987). Segundo West e Keller (1994), a definição de relacionamento de apego para adultos deve preencher três requisitos: deve ser teoricamente congruente com a definição de apego para crianças, delinear como o apego para adultos difere do apego para crianças, e diferenciar o apego de qualquer outro relacionamento social. Os autores definem o apego adulto como 41 relacionamentos nos quais se procura a proximidade com uma pessoa especial com o objetivo de se alcançar uma sensação de segurança. Assim como as crianças, os adultos procuram uma proximidade relacional com um indivíduo em particular que promove segurança ao ser encontrada. Hazan e Zeifman (1994) mostra que a fase de atração e do período de formação de apego entre parceiros amorosos acaba por volta de dois anos após o início do relacionamento, sendo que depois deste período o relacionamento começa a se deteriorar ou a se transformar em um laço de apego duradouro. O relacionamento conjugal passa pelas fases de atração (um período de formação do apego que vai de zero a dois anos) e do apego (mais de dois anos). Enquanto a função evolutiva da fase de atração é de manter o casal tempo suficiente para garantir a continuação da espécie, a da fase do apego é de manter o casal junto para criar os filhos. Com relação aos componentes do apego envolvidos, a fase de atração é marcada apenas pela busca de proximidade. Já a fase do apego, além de abranger a busca de proximidade, inclui o protesto de separação e ter o parceiro como porto seguro e base segura. Carter e McGoldrick (1989/1995) mencionam que a formação do casal é uma das fases mais complexas dentro do ciclo familiar. Na fase inicial do casamento, é necessário o casal renegociar algumas questões definidas previamente de forma individual ou até mesmo pelas respectivas famílias de origem. Procura-se, assim, colocar em prática as expectativas de cada parceiro conjugal, e integrar o projeto de vida pessoal e a dois. Muitas decisões e escolhas precisam ser tomadas, como dividir tarefas e responsabilidades, distribuir o tempo de trabalho e de lazer, chegar a um consenso sobre o emprego do dinheiro, definir quando e como realizar simples tarefas cotidianas, entre outras. A partir das experiências na família de origem, é preciso ocorrer diferenciação, sendo estabelecido um nós conjugal. Ainda no que se refere à formação do casal, na perspectiva de Simões e Souza (2010), o processo de construção do nós conjugal envolve dois níveis de adaptação: o interpessoal (conjugal) e a elaboração interna. A construção do nós conjugal envolve em um percurso de elaboração de diferenciação. Segundo Kernberg (1995), o “amar” implica em um processo de luto relacionado a crescer, tornar-se independente e ter maturidade como adulto. Furman e Simon (1999) comparam os relacionamentos pais-filhos e os relacionamentos românticos, indicando que o sistema de apego é significativo em ambos. Assim como uma criança busca proximidade no relacionamento com seus pais, um adulto regularmente busca 42 proximidade do seu parceiro. De mesma maneira como um pai ou mãe, um parceiro ou parceira romântica podem funcionar como porto seguro, e proporcionar conforto e proteção. Separações ou ameaças ao relacionamento geram, em ambos os casos, demonstrações de protestos, e a perda de um pai ou um parceiro, ocasiona tristeza e dor. Não obstante, enquanto nos relacionamentos pais-filhos os papéis são assimétricos, nos relacionamentos românticos os papéis são recíprocos, visto que cada parceiro torna-se apegado ao mesmo tempo em que serve como figura de apego para o outro (FURMAN e SIMON, 1999). Enquanto o relacionamento de apego existente entre uma criança e seu cuidador primário objetiva preencher apenas as necessidades da criança, os relacionamentos adultos existem a fim de preencher as necessidades de ambos os membros do casal, podendo ser caracterizados como recíprocos por envolverem mais dar e receber de ambas as partes (HAZAN e SHAVER, 1987). Assim, na vida adulta, os relacionamentos modificam-se, visto que os relacionamentos conjugais possuem laços de apego recíprocos. Ocorre também uma mudança hierárquica da importância do apego das figuras parentais para os parceiros. Na perspectiva de Furman e Simon (1999), as concepções dos relacionamentos pais-filhos relacionam-se ao apego, e as concepções dos relacionamentos com os pares relacionam-se à afiliação. Já as concepções dos relacionamentos românticos, que nos interessam mais no presente estudo, estão relacionadas à afiliação, sexualidade, apego e cuidado. As autoras consideram que essas concepções são organizadas hierarquicamente. As primeiras experiências com os pais influenciam as noções de intimidade e proximidade e também as concepções de intimidade e proximidade nos relacionamentos em geral. Ao se falar sobre o apego na vida adulta e no amor romântico, é também importante retomar o conceito de modelos operativos internos, que exercem influência nos relacionamentos afetivo-sexuais. Desse modo, a seguir este conceito será definido e seus efeitos em relacionamentos serão citados. Bowlby (1969/1990) descreveu as representações dos modelos de apego como dinâmicos, construídas através das experiências nos relacionamentos de apego ao longo da vida. Ele afirmava que os padrões de apego refletem a interação existente entre a personalidade do indivíduo, sua família e ambiente social (BOWLBY, 1969/1990, 1973/1998a, 1973/1998b). Conforme Bowlby (1969/1990), os modelos operativos internos são componentes necessários do sistema comportamental de apego e servem para a ação em situações novas, com a 43 utilização simultânea da experiência e do inconsciente. Segundo a definição de Main (1991), modelo operativo interno é a representação individual em relação ao mundo, às suas figuras de apego e à sua relação com eles. Na perspectiva de Feeney e Noller (1996), os modelos operativos internos são mais passíveis de revisão dentro do contexto de outros relacionamentos que não os familiares. Assim, a formação de novos relacionamentos oferece a oportunidade de modificar os modelos operativos internos baseados em experiências negativas prévias e a revisão dos modelos também pode ser facilitada pelos aspectos de desenvolvimento interno do indivíduo. Em sua dissertação intitulada “O amor em movimento: casamento e mudança no apego”, Santos (2000) mostra como os modelos operativos internos são passíveis de mudança. A autora ainda aponta que os relacionamentos íntimos adquirem uma importância particular no final da adolescência e na idade adulta, pois podem ajudar a moldar o modo como um indivíduo relaciona-se com as pessoas em geral, e a visão que ele tem de si e dos outros. Berman, Marcus e Berman (1994) citam que os modelos operativos internos mediam o relacionamento conjugal de cada um dos parceiros de um casal, o que promove um interjogo entre comportamentos e significados que cada um deles constrói acerca desses comportamentos. O estilo de apego de cada um, embora guardando um sentido de um elemento da personalidade individual, é afetado pela relação e pelo estilo de apego do parceiro. As representações mentais de si e dos outros parecem ser estruturas flexíveis, visto que fontes de estresse podem ativar estratégias de regulação de afeto relativas ao apego, podendo transformar as representações de si e dos outros (MIKULINCER, ORBACH e IAVNIELI, 1998). Furman e Simon (1999) concordam que os conceitos básicos dos modelos operativos internos e estilos de apego podem ser aplicados a outros relacionamentos, não somente ao relacionamento pais-filhos. Tanto os relacionamentos pais-filhos quanto os românticos poderiam ser classificados a partir das três categorias primárias de apego: seguro, inseguro/evitativo e inseguro/ambivalente. Todavia, enquanto no apego das crianças em relação aos cuidadores esses padrões são manifestados pelo comportamento, nos relacionamentos românticos adultos os padrões se refletem não apenas no comportamento, como também nas expectativas ou representações cognitivas que se referem ao comportamento de apego. A partir disso, é possível compreender como as crenças, ou concepções, segundo as autoras, acerca de como pode ser um relacionamento amoroso ou acerca do amor (conjugal) modificam-se historicamente (no 44 indivíduo e na sociedade), conforme indicamos no primeiro capítulo. As diferenças individuais nas representações cognitivas desempenham um importante papel nos relacionamentos românticos. Furman e Simon (1999) encontraram diferenças referentes aos três estilos de apego, assim como aos sistemas de cuidado, sexualidade e afiliação. Pode-se citar, no que se refere ao comportamento de cuidado, que homens com estilo de apego seguro mostram mais suporte emocional e preocupações com o bem-estar de suas parceiras que homens evitativos. Com relação ao sistema de afiliação, as pessoas seguramente apegadas têm relacionamentos românticos marcados por confiança, amizade, satisfação, mutualidade, intimidade, compromisso, e colaboração para a resolução de problemas, ao contrário das pessoas com outros estilos de apego. Como essas diferenças são encontradas não somente em relação ao comportamento de apego, mas também aos sistemas de sexualidade, cuidado e afiliação, as autoras denominam-nas concepções relacionais, que são expectativas com relação à intimidade e à proximidade. Assim, uma pessoa com concepção segura no relacionamento romântico acredita que pode contar com o parceiro quando angustiada, além de valorizar o cuidado e a atenção do outro, desejar investir energia no processo de construção de um relacionamento mútuo, e valorizar os elementos de afeto e carinho da sexualidade. Já uma pessoa com concepção evitativa pode apresentar pouco interesse no cuidado, investir pouco na relação e conceber o sexo apenas como oportunidade para autogratificação. Hazan e Shaver (1987) não utilizam o termo concepções relacionais, mas também descreveram diferenças entre pessoas com estilos de apego distintos. A partir do estudo realizado pelos autores, eles afirmam que as pessoas com estilo de apego seguro desenvolvem relacionamentos caracterizados pela confiança, amizade e emoções positivas. Elas acreditam em amor duradouro e têm propensão a desenvolver uma relação conjugal satisfatória. Montoro (2004) acrescenta que pessoas com esse estilo de apego têm equilíbrio entre proximidade e autonomia nas relações, facilidade e desejo de intimidade, pouca preocupação com o abandono, manejo de afetos negativos de maneira construtiva e orientados para a ação, boa autoestima e impressão do outro. Conforme Feeney, Noller e Callan (1994), indivíduos com apego seguro tendem a apresentar poucas dúvidas com relação a si mesmas e um alto senso de valor pessoal. São caracterizadas também pelas tendências a ver os outros como pessoas bem intencionadas e a confiar nas mesmas. Karen (1994) menciona que adultos seguros apresentam fácil acesso a uma variedade e 45 intensidade de sentimentos e memórias, positivas e negativas; visão equilibrada dos pais; caso tenham sido inseguros na infância, conseguiram superar a raiva e a mágoa, mas usualmente tiveram estilo de apego seguro na infância. Com relação aos relacionamentos dos adultos com estilo de apego evitativo, Hazan e Shaver (1987) afirmam que estes são marcados pelo medo da proximidade, altos e baixos emocionais, e ciúme. Ao contrário dos indivíduos com apego seguro, os evitadores tendem a ver o outro com desconfiança e suspeita. Por isso, acabam distanciando-se das pessoas com frequência (HAZAN e SHAVER, 1994). As pessoas com esse estilo de apego não desenvolvem uma relação com uma dimensão positiva de experiência do amor, e acreditam não precisar de um parceiro romântico para alcançar felicidade. Montoro (2004) afirma que em pessoas com esse estilo de apego a autonomia prevalece sobre a intimidade, elas apresentam necessidade de manter distância, desconfiança, dificuldade em confiar, dúvidas quanto à honestidade e integridade dos próprios pais e das pessoas em geral, valorização da realização e do sucesso profissional, manejo do sofrimento psíquico suprimindo a raiva da consciência, pouca expressão emocional do sofrimento, pouca disposição para discutir problemas, tendência a evitar manifestações e expressões de sofrimento, baixa autoconfiança em situações sociais, percepção de que os parceiros reclamam de falta de intimidade e de apoio em momentos de sofrimento, menor investimento e pouco compromisso nos relacionamentos amorosos, visão pouco positiva do amor, descrença da paixão e do amor duradouro, baixo envolvimento e pouca satisfação nas interações diárias com o parceiro. Karen (1994) aponta que pessoas que tiveram estilo de apego evitativo na infância usualmente tornam-se adultos rejeitados e apresentam as seguintes particularidades: desinteresse da importância do amor e da ligação; idealização frequente dos pais, mas memórias atuais não colaboram; autorreflexão superficial, se houver. No que se refere às pessoas com estilo de apego ansioso-ambivalente, segundo Hazan e Shaver (1987), estas enxergam o amor como uma preocupação, além de serem propensas a se fundirem ao outro. Envolvem-se com frequência e facilidade em relacionamentos amorosos, mas enfrentam dificuldades para mantê-lo. Montoro (2004) adiciona que essas pessoas apresentam medo da rejeição, desejo constante de união, reciprocidade e fusão com o outro, percepção de que os parceiros se assustam com o desejo excessivo de intimidade ou reclamam dele, intimidade prevalece sobre a autonomia, sofrimentos psíquicos constantes e amplificação de problemas, percepção de que o outro é complexo e difícil de entender, manifestação exagerada de sofrimento 46 e raiva, servilismo e submissão para ganhar aceitação, facilidade de se apaixonar, sensação de serem mal compreendidos/injustiçados. Karen (1994) descreve os adultos preocupados, que usualmente tiveram estilo de apego ambivalente/ansioso durante a infância, e são caracterizados por: manutenção de sentimentos de raiva e mágoa com os pais; incapacidade de ver sua própria responsabilidade nos relacionamentos; temor do abandono. Baseando-se nos conceito de modelos operativos internos de Bowlby, que reúnem expectativas de si próprio e dos outros, Kim Bartholomew desenvolveu o modelo bidimensional de avaliação da vinculação no adulto. Segundo Bartholomew e Horowitz (1991), os modelos internos do self podem ser positivos (o self como merecedor de amor e de apoio) ou negativos (o self como não merecedor de amor e de apoio), bem como os modelos internos dos outros podem ser positivos (os outros são responsivos e confiáveis) ou negativos (os outros são rejeitadores e indisponíveis). Os autores dicotomizaram estas duas dimensões do self e do outro em positivo e negativo, formulando um modelo de quatro protótipos de vinculação: o seguro, o preocupado, o amedrontado e o desinvestido. Os sujeitos seguros apresentam autoconfiança, abordagem positiva dos outros, e graus elevados de intimidade nos seus relacionamentos. As representações que têm de si e dos outros são claramente positivas. Eles tendem a utilizar estratégias de coping ativas que incluem o recurso aos outros como fonte de apoio em situações propiciadoras de ansiedade. Suas relações são caracterizadas pelas qualidades da mutualidade, intimidade e pelo envolvimento. Com um modelo negativo de si e um modelo dos outros no extremo da positividade, os indivíduos preocupados costumam ser consumidos pelos relacionamentos, já que tendem a idolatrar as suas relações. Frequentemente, são dependentes dos outros na busca de autoestima. Suas estratégias de resolução de problemas implicam o recurso aos outros. A autoconfiança desses indivíduos é baixa e quando sujeitos a situações de separação, exibem graus elevados de ansiedade. Eles procuram ativamente companhia e atenção. Todavia, experimentam sentimentos de falta de valorização pessoal por parte dos outros. Tentam um envolvimento total, o que pode ser percebido pelo parceiro como sufocante. Ciúme e possessividade caracterizam os relacionamentos destes sujeitos. Já os sujeitos desinvestidos são aqueles que apresentam uma representação de si próprios positiva e um modelo negativo dos outros. Acreditam nas suas capacidades, desvalorizam ativamente o papel dos relacionamentos nas suas vidas. Apresentam-se emocionalmente frios, 47 racionais e distantes, dando uma imagem de arrogância. As suas estratégias de resolução de problemas são, na maioria das vezes, a defesa e o evitamento relacional. A desvalorização ou a supressão dos sentimentos pessoais são visíveis no seu comportamento. O protesto de separação e a procura de proximidade são baixos nesses sujeitos. Os relacionamentos pessoais tendem a ser muito pobres em termos de proximidade emocional, intimidade e expressividade. Finalmente, com representações negativas tanto de si quanto do outro, os sujeitos amedrontados são caracterizados pelo medo da rejeição, o que parece ser a razão para o evitamento da intimidade. Vulnerabilidade, falta de confiança e insegurança definem estes sujeitos. Suas estratégias de enfrentamento são frequentemente recorrentes e repetitivas, não procurando a proximidade e o conforto dos outros. Imaginam que a representação que deles fazem, é a de alguém ausente de qualidades, com especificidades negativas e de desvalorização. Caracteristicamente dependentes nas suas relações de intimidade, dificilmente as iniciam e só o fazem quando têm a certeza de que não serão rejeitados, o que raramente acontece (BARTHOLOMEW e HOROWITZ, 1991). Desse modo, é perceptível que os estilos de apego individuais influenciam os relacionamentos amorosos. A seguir, serão apresentados seus efeitos nos estágios de desenvolvimento de um relacionamento afetivo-sexual: flerte e namoro, consolidação e manutenção. Desenvolvimento de um relacionamento afetivo-sexual A Teoria do Apego é utilizada para a compreensão da escolha do parceiro romântico. Na escolha de um parceiro na vida adulta, a pessoa é atraída por indivíduos que apresentem características similares à figura de apego na infância com base na receptividade e intimidade. A atração se dá pela semelhança, sejam nos valores, atitudes, opiniões ou até mesmo nas características físicas (HAZAN e SHAVER, 1987). Mikulincer e Shaver (2007) examinam os efeitos dos estilos de apego de cada indivíduo em três estágios do desenvolvimento de um relacionamento afetivo-sexual: no flerte e namoro, na consolidação e na manutenção do mesmo. Segundo os autores, estratégias de apego são evidentes até mesmo no início de um relacionamento romântico, influenciam o flerte e o namoro, além de afetar a probabilidade de 48 uma pessoa formar ou não um vínculo romântico duradouro. O sistema de apego pode gerar esperança de cuidado e apoio, assim como medo de desaprovação e rejeição. Segundo Mikulincer e Shaver (2007), o estilo de apego seguro pode servir como uma atratividade psicológica, visto que a maioria das pessoas sente-se atraída por pessoas seguras na fase inicial de um relacionamento afetivo-sexual. Além da posição de desvantagem das pessoas com estilo de apego inseguro na fase de flerte e namoro, elas são prejudicadas por preferências problemáticas na escolha do parceiro. De acordo com Klohnen e Luo (2003), pessoas com estilo de apego inseguro, ao serem comparadas com pessoas de estilo de apego seguro, sentem-se mais atraídas por um parceiro potencialmente inseguro. Mikulincer e Shaver (2007) afirmam que, de maneira geral, as pessoas com estilo de apego seguro são favorecidas, mas as pessoas inseguras, ao serem comparadas com as seguras, apresentam maiores chances de se sentirem atraídas por aquelas inseguras. As pessoas com estilo de apego ansioso tendem a sentir atração por pessoas que também tenham estilo de apego ansioso, com quem dividirão ansiedade. Já pessoas com estilo de apego evitativo tendem a ser atraídas por pessoas com o mesmo estilo de apego, de modo que elas possam dividir a evitação. Os autores acrescentam que relacionamentos afetivo-sexuais compostos por duas pessoas inseguras tendem a ter um futuro pior que aqueles que incluem pelo menos uma pessoa com estilo de apego seguro. Quanto à consolidação de um relacionamento afetivo-sexual duradouro, esta pode ser facilitada ou prejudicada pelos diferentes estilos de apego (MORGAN e SHAVER, 1999). Crenças positivas de indivíduos com estilo de apego seguro sobre o apoio e confiabilidade favorecem um prospecto otimista para relacionamentos duradouros. Essas crenças motivam pessoas com estilo de apego seguro a se comprometerem com um relacionamento duradouro, a tratarem o parceiro como figura de apego (fonte de apoio e conforto), e a servirem de figura de apego para o parceiro. Já pessoas com estilo de apego inseguro (evitativo ou ansioso) tendem a distorcer crenças e expectativas sobre o relacionamento, o que interfere na formação de um relacionamento afetivo-sexual duradouro, mutuamente íntimo, caracterizado por apoio e compromisso (MIKULINCER e SHAVER, 2007). Pessoas com estilo de apego seguro, comparadas às com estilo de apego ansioso ou evitativo, têm crenças mais otimistas sobre o amor romântico, a possibilidade de manter um amor intenso por um longo período, e a de encontrar um parceiro que possa realmente amar (HAZAN e 49 SHAVER, 1987). Pessoas com estilo de apego ansioso apresentam maiores possibilidades de possuírem expectativas pessimistas a respeito de relacionamentos românticos (GRAU e DOLL, 2003), o que sugere o aumento de crenças negativas sobre relacionamentos em pessoas com esse estilo de apego. Já o estilo de apego evitativo está associado a menos atitudes construtivas referentes ao amor romântico (MIKULINCER e SHAVER, 2007). Com relação aos efeitos dos estilos de apego em comportamentos sexuais, Hazan e Shaver (1987) levantaram a hipótese de que diferenças individuais no estilo de apego que aparecem durante a infância podem influenciar os parâmetros do sistema sexual quando este se manifesta mais tarde com as transformações hormonais e a capacidade de sexualidade genital. Shaver, Hazan e Bradshaw (1988) supõem que pessoas com estilo de apego seguro sejam atentas a sinais de excitação sexual e atração, percebam os interesses do parceiro precisamente e sejam aptas a engajar em relações sexuais genitais mutuamente satisfatórias. As pessoas com esse estilo de apego desfrutam de sexo com intimidade e por possuírem modelos positivos de si próprias, sentem-se desejadas e estimadas durante a atividade sexual, o que as ajudam a manter confiança na habilidade de gratificar as necessidades sexuais do parceiro e as próprias necessidades. Segundo Mikulincer e Shaver (2007), por serem autoconfiantes, essas pessoas não precisam utilizar o sexo como uma maneira de se sentirem amadas, aceitas ou admiradas. Elas são também propensas a ter consciência de suas motivações para o sexo a das conseqüências do mesmo, além de serem capazes de direcionar o sexo para a satisfação mútua, relacionamentos românticos duradouros ou casamento. Já pessoas com estilo de apego inseguro são propensas a enfrentar mais problemas sexuais. O estilo de apego evitativo é marcado pelo desconforto com a intimidade e imagem negativa dos outros, o que pode interferir na intimidade psicológica e na sensibilidade interpessoal em situações sexuais e torná-las propensas à prática de sexo sem compromisso. A evitação pode estar associada à erotofobia (medo ou recuo do sexo), abstinência sexual ou preferência por sexo impessoal e sem compromisso. O foco nas próprias necessidades pode tornar as pessoas com esse estilo de apego cegas aos desejos sexuais dos outros. Paradoxalmente, elas podem ser promíscuas sexualmente devido à insegurança, narcisismo ou desejo de elevar a autoestima (MIKULINCER e SHAVER, 2007). Quanto ao estilo de apego ansioso e sua relação com a sexualidade, esta é marcada por 50 ambivalência. Como o sexo é um caminho para a intimidade e proximidade, as pessoas com este estilo de apego tendem a utilizá-lo como uma maneira de preencher suas necessidades de segurança e amor. Todavia, por focarem em suas próprias necessidades, essas pessoas podem apresentar dificuldade em atender precisamente aos desejos sexuais de seus parceiros. Ademais, pessoas com esse estilo de apego podem apresentar modelos negativos de si e preocupações excessivas com a rejeição, o que pode fazer com que seja difícil para elas relaxar durante a relação sexual. Estilos de apego inseguros estão associados a atitudes em direção ao sexo casual e sem compromisso. Pessoas com estilo de apego evitativo parecem direcionar as atividades sexuais de modo a tornar difícil a possibilidade de intimidade e interdependência, podendo apresentar preferências pelo sexo casual (ALLEN e BAUCOM, 2004). Desse modo, pode-se supor que exista uma associação entre o estilo de apego evitativo e a prática de infidelidade. Elas ainda apresentam menor tendência a se envolver em relacionamentos afetivo-sexuais com exclusividade e são mais propensas a terem relações sexuais com estranhos ou a se relacionarem sexualmente com alguém apenas por uma noite (BOGAERT e SADAVA, 2002). Já as pessoas com estilo de apego ansioso apresentam preferência por relacionamentos afetivo-sexuais duradouros, provavelmente devido ao anseio por amor, aceitação e proteção (GILLATH e SCHACHNER, 2006). No que se refere a associações entre estilos de apego e motivações para o sexo, segundo o estudo de Schachner e Shaver (2004), pessoas com estilo de apego evitativo apresentam o desejo de autoafirmação como motivação para o sexo, e menos tendência a ter relações sexuais a fim de aumentar a intimidade ou expressar afeição pelo parceiro. Já pessoas com estilo de apego ansioso tendem a ter relações sexuais com o objetivo de se sentirem amadas, evitar a rejeição dos parceiros e induzi-los a amá-los ainda mais. Os estilos de apego relacionam-se à infidelidade conjugal. Allen e Baucom (2004) encontraram em seu estudo que o estilo de apego ansioso está associado a motivações ligadas à intimidade para ter relações sexuais extraconjugais, como quando se sentem sozinhas ou negligenciadas em seus relacionamentos conjugais e procuram cuidado e atenção fora dos mesmos. Pessoas com esse estilo de apego são mais propensas a relatar uma prática de infidelidade com características obsessivas, ou seja, mencionam que estavam obcecadas por outra pessoa. Já as relações extraconjugais de pessoas com estilo de apego evitativo têm motivos 51 relacionados à autonomia, como o desejo de liberdade ou de ter um espaço do parceiro primário. Estilos de apego também podem interferir no compromisso, sendo que o estilo de apego inseguro está associado a baixo compromisso. Todavia, ao se comparar pessoas com estilo de apego ansioso às com estilo de apego evitativo, aquelas com estilo de apego ansioso desejam mais um relacionamento com alto nível de comprometimento (MIKULINCER e EREV, 1991). Com relação ao investimento no relacionamento, em estudo realizado por Pistole, Clark e Tubbs (1995), pessoas com estilo de apego evitativo foram as que relataram menos investimento em relacionamentos românticos. Vale destacar que, conforme apresentado no presente estudo, o modelo de investimento, utilizado frequentemente a fim de apontar preditores para a infidelidade, aponta que indivíduos menos comprometidos, menos satisfeitos, com menos investimentos no relacionamento atual e com mais alternativas apresentaram maiores possibilidades de serem infiéis aos seus parceiros (RUSBULT, 1980; DRIGOTAS, SAFSTROM e GENTILLA, 1999). De acordo com os parágrafos anteriores, indivíduos com estilo de apego evitativo podem apresentar menores níveis de comprometimento e investimento no relacionamento, portanto, as chances de serem infiéis podem ser maiores. A resposta a reais ou potenciais transgressões do parceiro romântico também se relaciona aos estilos de apego. Mikulincer (1998) realizou um estudo sobre reações à traição da confiança do parceiro que demonstrou que pessoas inseguras, ao serem comparadas com as seguras, apresentam menos tendência a falar abertamente com seus parceiros a respeito da decepção sofrida. Pessoas com estilo de apego ansioso tendem a ruminar a traição do parceiro e reagir com fortes emoções negativas, o que superativa o sistema de apego. Em um estudo sobre sentimentos de mágoa em relacionamentos afetivo-sexuais realizado por Feeney (2004), as pessoas com estilo de apego ansioso reportaram que a situação trouxe efeitos negativos duradouros em suas autoestimas. Por outro lado, pessoas com estilo de apego evitativo aumentam a distância do parceiro transgressor e negam a importância do episódio ameaçador, o que exemplifica o esforço dessas pessoas para manter o sistema de apego desativado. Com relação ao perdão de transgressões do parceiro romântico, no estudo de Kachadourian, Fincham e Davila (2004) foi encontrado que pessoas com estilo de apego inseguro (ansioso ou evitativo) são menos propensas a perdoarem seus parceiros. As pessoas seguras reportam baixos níveis de ciúme e estratégias construtivas diante de transgressões, como um 52 diálogo aberto com o parceiro (HAZAN e SHAVER, 1987). Pessoas com estilo de apego ansioso tendem a reagir de maneira disfuncional a transgressões do parceiro ou ao interesse dos mesmos por outras pessoas atraentes. Altos níveis de ciúme, suspeita, preocupações sobre a exclusividade no relacionamento, medo, culpa, vergonha, tristeza e sentimento de inferioridade intensificam o estresse e a desarmonia do casal. Ao contrário, pessoas com estilo de apego evitativo preferem evitar falar sobre o problema, outro sinal de estratégia de desativação do sistema de apego (MIKULINCER e SHAVER, 2007). Com relação à administração de conflitos em relacionamentos românticos, segundo Mikulincer e Shaver (2007), pessoas inseguras geralmente apresentam dificuldade em administrar os conflitos interpessoais. As pessoas com estilo de apego inseguro, ao serem comparadas com as seguras, são menos propensas a expressar afeição e empatia durante conflitos, além de serem menos comprometidas e utilizarem mais estratégias coercitivas, destrutivas ou evitativas perante conflitos. Pessoas com estilo de apego evitativo tendem a apresentar insatisfação nos relacionamentos afetivo-sexuais e a demonstrar a insatisfação deixando o relacionamento. Já as com estilo de apego ansioso também tendem a apresentar insatisfação nos relacionamentos, mas são mais propensas a permanecer em relacionamentos insatisfatórios, a menos que seus parceiros os deixem. A relutância em romper com seus parceiros podem deixá-los vulneráveis a abusos psicológicos e físicos. Pessoas com estilo de apego seguro podem permanecer em um relacionamento afetivo-sexual quando há possibilidade de se solucionar os problemas, mas eles também têm autoconfiança e provavelmente uma rede social de apoio que podem ajudá-las a deixar relacionamentos perigosos ou insatisfatórios. Desse modo, a resolução efetiva de conflitos parece ser rara em relacionamentos nos quais as pessoas tenham estilo de apego ansioso, pois a tensão, a ambivalência e a suspeita acabam interferindo nos mesmos. Ademais, pessoas com estilo de apego inseguro podem apresentar dificuldade em lidar com o estresse ou prover suporte e conforto ao parceiro em situações estressantes. O estilo de apego inseguro interfere na satisfação sexual, coloca as pessoas em risco de desenvolverem problemas emocionais ou transtornos psicológicos, podendo prejudicar os relacionamentos afetivo-sexuais. A Teoria do Apego auxilia na compreensão dos motivos pelos quais indivíduos envolvidos com parceiros e relacionamentos prejudiciais também podem apresentar relacionamentos estáveis. Furman e Simon (1999) afirmam que expectativas e concepções sobre 53 os relacionamentos românticos também são formados pela observação do casamento dos pais. Collins e Read (1994) identificaram similaridades entre o estilo de apego descrito pelo parceiro e o que o indivíduo descreveu como vivenciado por ele com a figura parental do sexo oposto. Comportamentos associados a um padrão de apego possivelmente negativo podem ser familiares ao indivíduo, pois refletem aqueles exibidos pelo cuidador durante a infância. Desse modo, é possível que um indivíduo selecione um parceiro que cumpra suas expectativas sobre uma figura de apego, mesmo que estas não levem a um relacionamento satisfatório. Ademais, indivíduos com padrão preocupado de apego tendem a se preocupar com a possibilidade de serem abandonados e podem trabalhar muito para manter um relacionamento, mesmo quando este não seja satisfatório. Os relacionamentos que envolvem indivíduos com padrão preocupado de apego apresentam tendência de serem tão estáveis quanto os de relacionamentos seguros, mesmo não sendo tão satisfatórios (KIRKPATRICK e DAVIS, 1994). Portanto, a Teoria do Apego pode ser útil para se compreender os relacionamentos afetivo-sexuais a também pode auxiliar na compreensão da infidelidade a das respostas à mesma. Embora suas contribuições sejam ainda mais vastas e ricas, optamos por nos ater ao nosso tema de estudo. Tendo sido apresentados alguns aspectos da teoria escolhida para compreender o processo de formação e rompimento de vínculos amorosos no presente estudo, a seguir discorremos sobre os lutos da mulher diante da infidelidade conjugal. 54 4. LUTOS DA MULHER DIANTE DA INFIDELIDADE CONJUGAL Durante a pesquisa bibliográfica a respeito da infidelidade conjugal, nos deparamos frequentemente com estudos a respeito de motivos e justificativas para a infidelidade, e da decisão da mulher pela permanência conjugal ou divórcio após a descoberta de casos extraconjugais, além das possíveis consequências dessa escolha. Poucos autores debruçam-se sobre essa vivência abrangendo todas as perdas envolvidas, concebendo-a como uma perda ambígua e, menos ainda, como um luto não reconhecido. No presente estudo, defendemos a ideia de que a infidelidade conjugal pode ser compreendida sob esta perspectiva, e consideramos que esta pode contribuir expressivamente para a prática profissional de psicólogos e outros profissionais que trabalham com aqueles que vivenciam não apenas infidelidade, mas também outros lutos não reconhecidos. A seguir, será realizada uma breve explanação das contribuições da Teoria do Apego para o entendimento das reações às perdas. Além disso, a infidelidade conjugal será descrita como uma experiência que abarca a perda de um mundo presumido, e que pode ser compreendida como uma perda ambígua e um luto não reconhecido. Teoria do Apego e reações às perdas Apresentaremos a seguir alguns aspectos da Teoria do Apego que podem contribuir para o entendimento de reações às perdas. Tal fato se deve à nossa concepção da infidelidade como perda ambígua, conforme exposto anteriormente. Com a vivência da mulher perante a infidelidade conjugal, ela passa por um processo de enlutamento, sendo este, muitas vezes, um luto não reconhecido. A Teoria do Apego auxilia na compreensão desse processo, visto que as perdas foram abordadas por Bowlby (1969/1990, 1973/1998b, 1979/1997, 1988/1989) ao longo de sua obra como elemento de grande importância. Separação e perdas fizeram parte do tema principal com o qual Bowlby (1969/1990) começou suas investigações sobre o apego. Portanto, sua teoria tem muito a contribuir para o entendimento de como as pessoas reagem a diversas situações, como a rompimentos de relacionamentos afetivo-sexuais ou até mesmo, a vivências de infidelidade conjugal. Na perspectiva de Bowlby (1969/1990), mesmo com variações culturais, as respostas humanas a quebra de vínculos não são diferentes. Todavia, a maneira como uma criança e um 55 adulto enfrentam uma separação na perda da figura de apego é essencialmente diferente. O rompimento de uma relação de apego, seja ela por morte ou separação voluntária, leva os indivíduos a terem as seguintes reações emocionais: protesto, desespero e desapego. O momento do protesto apresenta-se, geralmente, como choro e resistência aos esforços das pessoas que tentam acalmá-la. Posteriormente, vem a fase do desespero na qual são manifestas ansiedade, preocupação e impulso de procurar pela figura de apego, como se estivesse tentando desfazer a perda. Após o desespero, vem um período de profunda tristeza. Aos poucos, a pessoa vai se adaptando, fechando o ciclo com o desapego emocional do parceiro perdido (BOWLBY, 1969/1990). Essas fases auxiliam-nos a compreender as reações das pessoas perante diferentes tipos de perda. O sistema de apego adulto, do mesmo modo como ocorre com as crianças, pode ser ativado a partir de várias situações ou emergir a partir de uma grande ameaça. É provável que os modelos operativos internos sejam automaticamente ativados em situações de estresse (FEENEY e NOLLER, 1996). O estilo de apego de cada indivíduo influencia a maneira como ele reagirá à perda. Como já afirmado no presente trabalho, o estilo de apego está associado a um modelo operativo interno para a criança de como são os relacionamentos íntimos entre as pessoas, o que futuramente influenciará na forma como ela se relacionará com os outros. A forma como os vínculos primários foram estabelecidos e os sistemas de apego de cada indivíduo (seguro, inseguros/evitadores e inseguros/ambivalente) estão relacionados às diferentes formas de reação às perdas. A constituição e manutenção desses modelos não são consideradas um processo linear, visto que as experiências da criança e do adolescente contribuem para sua plasticidade (SOUZA e RAMIRES, 2006). Todavia, Mary Main, por meio de suas pesquisas (MAIN e GOLDWYN, 1984; MAIN e HESSE, 1990; MAIN e SOLOMON, 1990) tem mostrado que algumas pessoas alcançam a vida adulta com seus modelos relativamente fechados e consequentemente, suas capacidades de autorreflexão e mudança ficam comprometidas. Essas pessoas procuram o mesmo tipo de padrão repetidamente, exibindo comportamentos que mantêm transtornos ao longo dos relacionamentos. Para a autora, a chave para ser um adulto seguro e autônomo não é apenas a experiência de apego seguro com os pais, mas a capacidade de distinguir um modo coerente e aberto de refletir sobre seus apegos, a forma como lida com seus relacionamentos e sentimentos. Assim, a pessoa poderá 56 deixar o passado para trás e seguir com sua vida, o que está relacionado ao processo de elaboração perante perdas ambíguas (como a infidelidade conjugal) e pode explicar porque algumas pessoas conseguem reconciliação com a dor, enquanto outras apresentam dificuldade de elaboração por não se permitirem mudar a figura de apego. Desse modo, a partir da Teoria do Apego, é possível compreender que rompimentos de vínculos, separações e perdas geram reações, sendo que estas estão relacionadas aos estilos de apego dos indivíduos. A seguir, descreveremos como, não apenas em relacionamentos afetivosexuais, mas também em todos os aspectos da vida, construímos expectativas para o futuro, além de interpretarmos o passado, o que se relaciona ao conceito de mundo presumido. Delinearemos ainda como a infidelidade conjugal implica na perda daquilo que temos como verdadeiro, de nosso mundo presumido. Infidelidade conjugal e perda do mundo presumido Conforme já apontado na introdução do presente estudo, a infidelidade conjugal implica em perdas múltiplas: do parceiro e relacionamento idealizados e do que se esperava de si próprio no relacionamento conjugal. Estas podem ser relacionadas à perda do mundo presumido. A expressão mundo presumido foi cunhada por Parkes (1971), e é definida como aquele aspecto do mundo interno que é tido como verdadeiro. Segundo o autor, ele é o único mundo que conhecemos e inclui tudo o que conhecemos ou supomos conhecer, nossa interpretação sobre o passado e expectativas para o futuro, além de nossos planos. O mundo presumido inclui modelos do mundo como ele deveria ser, situações prováveis, ideais ou temidas. Trata-se de um esquema organizado que contém tudo o que supomos ser verdadeiro com base em nossas experiências prévias. Mundo presumido é definido como constructos pessoais que os indivíduos utilizam para significar o mundo (RANDO, 1993), concepções arraigadas sobre o mundo e sobre si mesmo que são mantidas e utilizadas a fim de reconhecer, planejar e agir (PARKES, 1975). Tais concepções são confirmadas através da experiência de anos e criam expectativas sobre o mundo e sobre nós mesmos. Mundo presumido é, portanto, um esquema organizado que contém tudo o que assumimos ser verdadeiro (sobre o mundo, si próprio e os outros) com base em nossa experiência prévia. 57 Esse modelo interno de mundo orienta-nos, faz-nos reconhecer o que está acontecendo e planejar nosso futuro comportamento. O mundo presumido torna-se automaticamente hábitos de cognição e comportamento, sendo fundamental para a antecipação, organização e processamento da experiência (PARKES, 1988). O ser humano vive histórias de vida únicas e estabelece suas identidades baseadas nas mesmas. Aprendemos a contar com a estabilidade do mundo e com a regularidade do comportamento e resposta dos outros. Também aprendemos como antecipar o que acontecerá e o que resultará de nossas ações. Contamos com nossas expectativas e assumimos lugares no mundo. Procuramos estabilidade, ordem e constância em nosso ambiente. Desejamos nos sentir confortáveis e seguros. Sentimo-nos em casa e que pertencemos a experiências que nos são familiares. Adotamos crenças e teorias que nos orientam em nossa compreensão e interpretações do mundo (ATTIG, 2002). Na perspectiva de Parkes (2009), tudo o que consideramos garantido faz parte do nosso mundo presumido. A crença de que uma visão particular do mundo é verdadeira e real, capacitanos a abordar o mundo a nossa volta, sentindo-nos seguros. Sem nosso mundo presumido, ficamos perdidos, já que ele é o único recurso para nos orientarmos e alcançarmos nossos objetivos. Janoff-Bulman (1985) cita três grandes suposições que podem ser ameaçadas em casos de perda: a suposição da invulnerabilidade; a suposição do mundo como dotado de sentido, o que inclui a crença de que as pessoas merecem o que recebem e recebem o que merecem; suposições positivas sobre si próprio, como a de que se é bom e decente. Perdas ameaçam essas suposições, fazendo com que as pessoas sintam-se fracas, dependentes, desamparadas e sem controle sobre a situação. Com a perda do mundo presumido, ficamos confusos e frustrados, nossas vidas perdem o ritmo ao qual estávamos acostumados e sentimos a necessidade de mudar de direção. A perda do mundo presumido requer ajustamento em crenças ou interpretações sobre a realidade e uma reestruturação na maneira de ver o mundo (ATTIG, 2002). As perdas frequentemente desafiam nossos constructos, levando à tentativa de reconstrução do mundo presumido (DOKA, 2002a). Em alguns casos de perda, o sistema de crenças e suposições prévio não se adequa aos novos acontecimentos, por isso, deve ser modificado e redefinido. 58 Todos os acontecimentos que provocam mudanças significativas na vida, especialmente os inesperados, desafiam nosso mundo presumido e provocam uma crise até que mudanças necessárias sejam realizadas. Nosso mundo presumido é uma fonte de segurança muito importante, sendo que qualquer coisa que o mine também minará nossa segurança (PARKES, 2009). O autor cita como exemplo a perda de uma pessoa amada, que trará a necessidade de nos enlutarmos por essa pessoa, e de rever nosso mundo presumido simultaneamente. Podemos afirmar que o mesmo ocorre quando uma mulher vivencia a infidelidade conjugal, visto que esta implica no enlutamento pela perda daquilo que era esperado do parceiro, do relacionamento e de si próprio, sendo necessária uma revisão do mundo presumido. Segundo Attig (2002), quando amamos uma pessoa, assumimos um lugar em seu mundo e ela assume um lugar no nosso mundo. Tal pessoa torna-se presente em nossa vida diária. Cada pessoa e cada relacionamento são únicos e insubstituíveis. Nós adotamos crenças sobre as pessoas que amamos e nossos relacionamentos. Sentimo-nos seguros e em casa com o mundo que experimentamos ao lado das pessoas que amamos. Em um relacionamento conjugal, podemos supor que serão adotadas crenças sobre o relacionamento e as pessoas envolvidas no mesmo. Por exemplo, uma mulher pode contar para si mesma que tem um parceiro fiel, um relacionamento baseado em confiança e o que ela é uma ótima pessoa por estar com um parceiro fiel. Da mesma forma, seu parceiro terá suas crenças sobre o relacionamento, sua esposa e ele próprio. Portanto, na conjugalidade, há uma conjugalidade de mundos presumidos. Ao se referir à perda do mundo presumido que ocorre a partir da morte de uma pessoa amada, Attig (2002) menciona que quando perdemos sua presença contínua, a vida não pode continuar da mesma forma, seu ritmo é interrompido e sua rotina não pode mais continuar. Somos desafiados a reaprender nosso modo de ser no mundo. Emocionalmente, somos desafiados a aprender a carregar a dor da perda pela pessoa amada. Psicologicamente, tem-se que retomar o senso de identidade própria, a autoconfiança e autoestima. Comportamentalmente, é necessário aprender novas maneiras de se fazer as coisas, mudando hábitos e motivações. Fisicamente, precisam-se utilizar velhas e novas maneiras de satisfazer as necessidades de comida, abrigo e especialmente, proximidade. Socialmente, tem-se que mudar padrões de dar e receber dos outros. Intelectualmente, procuram-se respostas para perguntas, compreensão, interpretação e significado para os acontecimentos. O enfrentamento intelectual inclui a reconsideração de crenças sobre si 59 mesmo, relacionamentos, a maneira de funcionamento do mundo, e nosso lugar no mesmo. Espiritualmente, é preciso aprender maneiras para superação do sofrimento e novos padrões, modificando nossas esperanças e redirecionando nossas histórias de vida. A perda do mundo presumido leva, então, à construção do significado da perda e à reconstrução do significado da vida e de suposições sobre o mundo e sobre si mesmo (NEIMEYER et al., 2002). O conceito de mundo presumido ajusta-se à teoria construtivista, segundo a qual a visão de realidade de cada pessoa é única, não existindo uma única verdade ou realidade a ser conhecida (PARKES, 2009). Os construtivistas mostram que as pessoas validam teorias sobre experiências de vida que as permitem organizar o passado, direcionar suas escolhas no presente e antecipar o futuro (KELLY, 1991). O processo de construção de significado, incluindo o desenvolvimento de um senso de identidade pessoal, supõem uma narrativa e uma estrutura de antecipação. A narrativa é uma maneira de organizar episódios e ações, permitindo a inclusão de razões para as ações e causas para os acontecimentos (NEIMEYER et al., 2002). A identidade pessoal é organizada através da construção da narrativa. Ao contar uma história, significados são dados aos acontecimentos. Quando uma perda invade uma narrativa pessoal construída previamente, o senso de continuidade do tempo é quebrado e, com isso, a aparente compreensão de si. A tensão resultante desafia o indivíduo a acomodar novas perspectivas a si, sendo esta uma tensão entre continuidade e descontinuidade. O primeiro impulso é o de se tornar a velha pessoa, com a antiga identidade novamente. Todavia, nem sempre isso pode ocorrer plenamente. Após a perda, deve-se reaprender o mundo e reconstruir a própria identidade, procurando novos significados e reorganizando construções prévias sobre si (NEIMEYER et al., 2002). Desse modo, perdas envolvem um rompimento do mundo presumido e estão associadas à reconstrução de significado. Luta-se para atribuir algum sentido e encontrar algum valor na perda, reconstruindo a própria identidade. Neimeyer et al. (2002) cita o exemplo de um pai que perdeu o filho, que se suicidou. O pai havia investido altamente na antecipação do sucesso futuro do filho, o que foi rompido. Seu próprio senso de identidade como pai foi quebrado. Situação similar ocorre em casos de infidelidade conjugal, especialmente quando uma mulher investe na relação porque idealiza e antecipa a realização de suas expectativas. Com a infidelidade, sua identidade de esposa e a identidade do esposo, anteriormente fiel, precisam ser reconstruídas. Paradigmas são quebrados, 60 sonhos destruídos. Um novo plano para o futuro deve ser construído, o relacionamento deve ser ressignificado. A partir dos parágrafos anteriores é possível perceber o ajustamento do conceito de mundo presumido à teoria construtivista, e também que, em casos de infidelidade conjugal, o mundo presumido pode ser abalado. A seguir, a relação entre a vivência da mulher perante a infidelidade conjugal e a perda do mundo presumido será abordada. A infidelidade conjugal, especialmente quando esta ocorre em um casamento no qual há promessa e expectativa de fidelidade, implicará na frustração de projetos e sonhos, causando decepção e dor perante a constatação de impotência pessoal e de que o parceiro e o relacionamento idealizado não existem. Em casos de infidelidade conjugal, há um luto referente a perdas múltiplas: do relacionamento e do parceiro idealizados, do que se espera de si próprio, de sonhos, desejos e expectativas. Parkes (1971) menciona que o luto é uma emoção que surge da consciência da discrepância entre o mundo como é e o mundo como deveria ser. Ao vivenciar infidelidade, as expectativas referentes ao casamento e ao parceiro podem ser frustradas. A promessa realizada pelos cônjuges na cerimônia matrimonial de fidelidade até que a morte os separe é quebrada. A infidelidade conjugal implica em desilusão com relação ao projeto de casamento, ao parceiro almejado, e a si mesmo pela incapacidade de concretizar o que se esperava, o que remete ao luto. Desse modo, em casamentos no qual o contrato do casal implique em fidelidade, e esta seja esperada, almejada e idealizada, a infidelidade conjugal acarreta em uma perda do mundo presumido. O mundo cai! Uma mulher que se casa com a certeza de que terá a fidelidade de seu cônjuge, sentindo-se segura com sua presença, terá que rever seu mundo presumido após a descoberta ou revelação do relacionamento extraconjugal. É importante enfatizar que ter o mundo presumido abalado não precisa ser devastador. Um desafio a nossas premissas básicas sobre o mundo pode fazer com que ocorra uma eliminação das premissas habituais, levando a uma nova visão de mundo, mais apropriada e realista que aquela precedente (PARKES, 2009). A perda pode ser um processo de transformação e crescimento (TEDESCHI et al., 1998). Assim sendo, a infidelidade conjugal implica na perda do mundo presumido. As premissas sobre o relacionamento, o parceiro e si próprio são perdidas. Todavia, esta perda pode também levar ao crescimento e desenvolvimento pessoal. A seguir, descreveremos a infidelidade 61 conjugal como perda ambígua. Infidelidade conjugal: uma perda ambígua Ao vivenciar infidelidade, as expectativas referentes ao casamento e ao parceiro podem ser frustradas. A promessa realizada pelos cônjuges na cerimônia matrimonial de fidelidade até que a morte os separe é quebrada com a infidelidade conjugal, o que implica em diversas perdas, como já mencionado no presente. Assim como o divórcio implica em desilusão com relação ao projeto social de casamento, ao parceiro que não satisfez seus desejos e ainda, a uma desilusão consigo mesmo pela incapacidade de enganar a finitude, o que remete ao luto (SOUZA, 2008), a infidelidade conjugal também alude ao luto, ao choro e ao lamento pela perda. Na perspectiva de Freud (1917), o luto normal é um processo longo e doloroso, que acaba por resolver-se por si só, quando o enlutado encontra objetos de substituição para o que foi perdido. O trabalho de luto consiste, portanto, num desinvestimento libidinal do objeto perdido e no restabelecimento de outros interesses e propósitos no mundo externo. Para Freud (1917, p. 275), "O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante”. Martin e Doka (2000) definem o luto como uma energia psíquica que resulta da tensão criada pelo forte desejo de um indivíduo de manter seu mundo presumido da mesma maneira como ele era antes da perda, adaptar-se à nova realidade resultante da perda e incorporar essa realidade ao novo e emergente mundo presumido. Desse modo, um indivíduo que perde um ideal, expectativas ou sonhos também passa por um processo de luto. Como vimos anteriormente, a infidelidade conjugal pode acarretar na perda de um mundo presumido, o que implica em reação a essa perda, ou seja, em luto. Assim como Freud (1917), muitos autores definem luto como uma reação à perda. Parkes (2009, p.41) menciona que “o luto é um processo de mudança pelo qual as pessoas passam”. Para o autor, uma definição satisfatória de luto deve distingui-lo de outros eventos psicológicos. Os componentes do luto são a experiência da perda e a ansiedade de separação. O luto tem especificidades em função do tipo de perda que, no caso da infidelidade conjugal, pode ser considerada como uma perda ambígua. De acordo com Boss (1998), há dois tipos básicos de perda ambígua. No primeiro, a pessoa está ausente e as circunstâncias de sua 62 ausência apontam para a possibilidade de morte, como no caso de um membro da família que desaparece. Já o segundo tipo não se relaciona à morte propriamente dita e ocorre quando a pessoa está fisicamente presente, mas psicologicamente ou emocionalmente ausente. A autora exemplifica esse tipo de perda com casos de demência, coma, extrema drogadição, enfermidades mentais crônicas, workholism, além de divórcios e rompimentos de relacionamentos significativos. Nesses casos, a pessoa está viva e presente como membro da família, mas já não apresenta as características que a fizeram reconhecer-se como a pessoa que sempre foi, o mesmo ocorrendo com seu papel e função na família. Segundo Boss (2006), nem a presença física, nem a ausência psicológica demonstram exatamente quem está dentro e quem está fora da vida de alguém. Nós não nos desligamos de uma pessoa simplesmente porque ela se foi fisicamente, e nem sempre nos conectamos com alguém apenas por estar fisicamente presente em nossa vida diária. A perda de um relacionamento idealizado, que ocorre independentemente de a mulher permanecer casada ou optar pelo divórcio após a descoberta da infidelidade, pode ser considerada como perda ambígua, pois apesar de sonhos e expectativas morrerem, o parceiro permanece presente. A cada vez que a mulher vê seu parceiro, pode reviver os sintomas de ansiedade e a dor que vivenciou com a infidelidade. Mesmo com a permanência matrimonial, o infiel não é visto da mesma maneira, ocorrendo mudanças em seu papel na família. Boss (1999) cita casos extraconjugais como exemplo de perda ambígua resultante de ausência psicológica. De acordo com a autora, o relacionamento conjugal torna-se ameaçado pela presença parcial de um dos cônjuges. Com a infidelidade conjugal, o parceiro idealizado é perdido, mas partes dele continuam presentes. A identidade de esposo fiel é perdida, mas nem tudo é perdido, visto que a infidelidade conjugal não apaga o que foi vivenciado pelos cônjuges, nem as boas e nem as más experiências. Uma esposa, ao manter o cônjuge psicologicamente presente na família quando ele se encontra fisicamente ausente, pode afetar negativamente tanto a si própria quanto a sua família. É o que pode acontecer nos casos em que a infidelidade conjugal acarreta em divórcio. Mesmo com a separação física dos cônjuges, caso a mulher continue ligada psicologicamente ao cônjuge, o sofrimento pode ser inevitável. Da mesma forma, a manutenção física do cônjuge quando ele se encontra psicologicamente ausente, pode afetar negativamente tanto a esposa quanto sua família. Tal fato pode ocorrer quando a esposa opta pela manutenção do relacionamento conjugal nos 63 casos em que o cônjuge infiel está apaixonado pela amante. Fisicamente, ele permanece presente no relacionamento conjugal, mas psicologicamente, está ausente, visto que seus pensamentos e sentimentos são direcionados a outra pessoa. Espera-se que as pessoas fisicamente presentes, mas psicologicamente ausentes ajam como sempre agiram, ou ainda, elas são prematuramente excluídas como se estivessem mortas. Algumas pessoas desconectam-se psicologicamente da pessoa ambiguamente presente/ausente como meio de se protegerem (BOSS, 2006). Desse modo, a mulher que vivencia infidelidade conjugal pode permanecer esperando o cônjuge agir como sempre agiu quando demonstrava fidelidade. Por outro lado, ela pode excluí-lo de sua vida, como se ele estivesse morto. Ressaltase que ambas as resoluções não estão necessariamente ligadas ao status de casados ou divorciados, visto que se pode matar psicologicamente o cônjuge, mesmo convivendo com o mesmo diariamente. O cônjuge também pode permanecer psicologicamente presente, mesmo após o divórcio. Ausência psicológica com presença física, assim como ausência física com presença psicológica, pode acarretar ansiedade, depressão e sintomas psicossomáticos. A persistência da ambiguidade bloqueia a cognição, congelando o processo de luto (BOSS, 1999). Em casos de perda ambígua, a perda não é oficialmente validade e ritualizada, o que dificulta o processo de elaboração do luto, trazendo risco de luto complicado (FRANCO, 2002; WALSH, 2005; BOSS, 1998). Amigos e parentes geralmente desconhecem a existência de perdas ambíguas, o que pode complicar seu processo de elaboração (BOSS, 2006). A infidelidade conjugal ainda apresenta outro complicador: ela é mantida em segredo na maioria das vezes, o que pode dificultar o apoio da rede social da mulher que sofre ao descobrir ou ser revelada a existência do caso extraconjugal. Para Boss (1999), a perda ambígua é a perda mais difícil enfrentada pelas pessoas e pode causar problemas individuais e familiares, dificultando seu processo de elaboração. Ela é a mais estressante das perdas, desorganiza a família, altera papéis e gera nova estrutura de funcionamento. Nela, o ausente permanece presente, atuando, de forma velada, no grupo familiar. Em casos de perda ambígua não há um processo linear de enfrentamento e não há encerramento. O que pode ocorrer é uma aceitação do paradoxo da ausência e presença da pessoa querida (BOSS, 2006). Na perspectiva de Boss (2006), pessoas vinculadas que são separadas por perda ambígua 64 sofrem um trauma ainda maior que pela morte. Novas vinculações são bloqueadas porque o vínculo anterior ainda apresenta possibilidades nesses casos. Boss (1999) afirma que perdas graduais são mais difíceis de serem reconhecidas. A autora cita como exemplo casais que se separam gradualmente, com um dos cônjuges chegando tarde à casa a cada noite e depois, nem sequer indo a sua casa. Maridos e esposas podem parar de se falar, de celebrarem feriados e aniversários juntos, parar de se tocarem e serem íntimos, desenvolver vidas separadas, e finalmente, deixam de interagir. O relacionamento está morto (BOSS, 1999, p.88). Perdas ambíguas geram emoções ambíguas. Por exemplo, é possível sentir ódio e, ao mesmo tempo, amor; aceitação e, simultaneamente, rejeição (BOSS, 1999). Ao sofrer uma perda ambígua, as pessoas não sabem se devem ter esperança ou desistir, odiar ou amar a pessoa perdida, permanecer ou sair de onde se encontram (BOSS, 2006). Boss (2006) cita o exemplo de um casal que tinha uma boa comunicação, bom relacionamento sexual, e participava de eventos esportivos e sociais juntos frequentemente. De repente, tudo isso foi interrompido, quando a esposa foi acometida pelo mal de Alzheimer. O marido amava-a, mas também a odiava por tê-lo deixado. Embora sejam contextos diferentes, algo muito semelhante pode acontecer quando ocorre infidelidade conjugal. A esposa que participava de eventos sociais com o marido e tinha uma vida sexual saudável ao seu lado pode ficar tão desapontada e frustrada de modo a não conseguir manter o mesmo estilo de vida. Ao mesmo tempo em que continua a amar seu marido, odeia-o por ter sido infiel. Repleta de ambiguidade, uma perda que não pode ser verificada ou clarificada pode se tornar traumática, porque a inabilidade de resolver a situação causa dor, confusão, choque, estresse e, frequentemente, imobilização (BOSS, 2006). A ambivalência pode causar danos no relacionamento conjugal ou na família, mesmo quando não há divórcio (BOSS, 1999). A ambiguidade e a incerteza confundem a dinâmica familiar, forçando as pessoas a questionarem o papel que cada um desempenha na família. A perda ambígua traz incerteza sobre identidades, papéis e relacionamentos (BOSS, 1999). Identidade é definida por Boss (2006) como saber quem se é e qual papel desempenhar na relação com outras pessoas. Na perspectiva da autora, em casos de perda ambígua, a identidade é um conceito relacional. A identidade do casal é definida como “a compreensão subjetiva que duas pessoas em um relacionamento íntimo têm sobre eles como unidade e sobre o lugar que ocupam juntos no mundo” (BOSS, 2006, p.118). 65 A identidade transforma-se com as perdas e mudanças ao longo da vida. Quando ocorrem alterações no relacionamento, consequentemente as identidades modificam-se. A perda ambígua gera confusão de identidade. A ausência ou presença parcial de algum membro da família requer uma reconstrução emocional e cognitiva de papéis, status, fronteiras e rituais familiares (BOSS, 2006). Após uma perda ambígua, o processo de reconstrução de identidade requer a abrangência da mudança com a manutenção de continuidade histórica. A reconstrução da identidade requer uma discussão sobre ex-identidades, como por exemplo, de ex-esposa, e os papéis e status deixados para trás. Integrar a identidade passada com a presente é essencial (BOSS, 2006). A perda ambígua é estressante e frequentemente traumática devido ao mistério sobre a presença ou ausência da pessoa amada (BOSS, 2006). Estresse é definido pela autora como uma pressão no status quo do sistema, enquanto trauma é descrito como um estresse tão grande que não pode ser enfrentado. Na perspectiva da autora, a perda ambígua é usualmente traumática, entretanto, é possível concebê-la como um estresse crônico, mas manejável. Embora a perda ambígua seja frequentemente fundamentada como uma tragédia pessoal, ela não tem que ser necessariamente devastadora, e pode apresentar aspectos positivos, como criatividade, amadurecimento, conhecimento e aceitação de limitações e fragilidades. Aprender a viver situações de incerteza possibilita um desenvolvimento pessoal e familiar que leva as pessoas a assumirem riscos. Tais situações podem fazer com que as pessoas consigam depender menos da estabilidade e passem a contar mais com a espontaneidade e com as trocas de experiências (BOSS, 2006). Apesar da possibilidade de diversas consequências negativas acarretadas pela perda ambígua, muitas pessoas conseguem aceitá-la (BOSS, 1999). A maioria dos indivíduos consegue lidar com o estresse e se recuperar da crise se é dada informação suficiente sobre a situação, para que possam prosseguir com o processo de enfrentamento (BOSS, 2006). Boss (1999) ainda afirma que viver com uma combinação de ambiguidade e ambivalência pode causar problemas, mas não tem necessariamente que causá-los. A dor pela perda ambígua pode imobilizar, mas pode também impulsionar a mudança (BOSS, 2006). Com a correta intervenção, as pessoas podem aprender a viver bem, mesmo sofrendo perda ambígua (BOSS, 1999). Ainda na perspectiva de Boss (1999), algumas pessoas podem utilizar a experiência da perda ambígua para aprender a viver em circunstâncias difíceis que passam pela vida, procurando 66 assim equilibrar o que se perdeu com o reconhecimento da dor e a fé nas possibilidades oferecidas pela vida. É possível pensar que o mesmo pode ocorrer com mulheres que vivenciam infidelidade conjugal. Tais mulheres podem apresentar capacidade de desenvolver novos aspectos e competências que talvez não se fizessem presentes na ausência da crise. A partir dos parágrafos anteriores, pôde-se notar que embora perdas ambíguas possam proporcionar adaptação às mudanças e crescimento, elas não são socialmente reconhecidas, o que pode dificultar o processo de luto em casos que as envolvam. Desse modo, perdas que envolvem ambivalência geram frequentemente lutos não reconhecidos, conforme delinearemos a seguir. Infidelidade conjugal: um luto não reconhecido Conforme apresentado no presente, a infidelidade conjugal pode ser compreendida como uma perda ambígua e na perspectiva de Boss (1998), este tipo de perda não é oficialmente validada e ritualizada. Podemos ainda conceber a infidelidade conjugal implicando em um luto não reconhecido pela própria pessoa ou pela sociedade. Casellato (2005, p.24) mostra como uma perda ambígua pode gerar um luto não reconhecido: A vivência do luto pode se tornar ainda mais difícil quando se trata de uma perda que envolve ambivalência. Perdas ambíguas são aquelas que se caracterizam pela falta de clareza com relação ao que foi perdido, sobre quem perdeu, ou ainda, se houve a perda ou não. Com a incerteza sobre como reagir nestas situações, as pessoas frequentemente não fazem nada, ou melhor, não expressam nenhum tipo de reação. Neste sentido, a perda que envolve ambivalência gera o luto não reconhecido, uma vez que passa a ser considerada “pequena e superável”, principalmente quando comparada às perdas por morte, após determinada convivência e vinculação com a pessoa amada. Foi citado anteriormente que a infidelidade conjugal implica na perda de um mundo presumido e segundo Reynolds (2002), o luto resultante dessas ameaças ao mundo presumido são concebidos como lutos não reconhecidos. Assim sendo, a infidelidade conjugal gera um luto, e este frequentemente não é reconhecido socialmente e/ou intrapsiquicamente. A fim de compreendermos melhor o fenômeno do luto não reconhecido, é necessário esclarecer que o luto é uma reação esperada não apenas em casos de perda por morte concreta (FREUD, 1917; CASELLATO, 2004). É possível afirmar que em casos de perda ambígua também é necessário uma reorganização de ordem emocional e cognitiva para que ocorra adaptação à nova realidade. Desse modo, assim como em situações de perda concreta, implica um 67 processo de luto. Bowlby (1969/1990) cita que o processo de luto implica em reconhecer e aceitar a realidade, e em experimentar e lidar com as emoções consequentes à perda. Enfatizamos, portanto, que o reconhecimento da realidade é necessário no processo de luto. Segundo Casellato (2004), luto é um processo esperado de elaboração das perdas, e pode proporcionar reconstrução de recursos e adaptação às mudanças. O processo de luto é necessário, pois o ser humano necessita dar sentido ao que acontece em sua vida, além de retomar o controle sobre as relações afetivas. O trabalho de luto implica na revelação de que o objeto não existe mais ou está inacessível. É a aceitação dessa realidade que possibilita a desistência dessa relação e o redirecionamento da meta fixada para outras relações afetivas. Consequentemente, o indivíduo pode se reorganizar diante do vínculo rompido e prosseguir com a sua vida (CASELLATO, 2004). Caselllato (2005) lembra que esse processo é individual e, ao mesmo tempo, social, sendo afetados todos os membros da família. Portanto, é necessário conhecer e aceitar a realidade da perda no processo de luto, mas nem sempre essa perda é reconhecida, tratando-se de um luto não reconhecido. Lutos não reconhecidos são frequentemente ignorados. São dadas poucas oportunidades para que o indivíduo expresse suas emoções, ocorrendo pouco ou nenhum suporte social, pouca empatia dos outros, além de ausência de rituais. Desse modo, o processo de luto pode ser complicado, visto que o processo de elaboração pode ser inibido. O termo luto não reconhecido ou “disenfranchised grief” foi descrito por Doka (1989), pioneiro no estudo sobre essa temática, como situações de perda não reconhecidas socialmente, sendo o “direito de se enlutar” publicamente negado a esses indivíduos. Na perspectiva de Doka (2002b), a sociedade apresenta normas para o luto, dita as perdas que merecem ser lamentadas, como e quem legitimamente pode se enlutar, e como e para quem se deve responder com suporte e apoio. Em casos de lutos não reconhecidos, a validação social e a expressão de empatia não são permitidas, o que pode trazer sérias implicações ao processo de luto, podendo complicá-lo ou bloqueá-lo. Segundo Doka (2002b), lutos não reconhecidos foram ignorados pela literatura, todavia, eles precisam ser investigados e compreendidos, de modo a auxiliar a sociedade a conhecê-los e reconhecê-los. Na perspectiva do autor, todos os tipos de perda devem ser reconhecidos e validados, não apenas as perdas relacionadas à morte, pois, ao longo da vida, muitas outras 68 podem ser significativas para um indivíduo, como em casos de divórcios, adoções, abortos, perdas de empregos e animais de estimação, entre outras. Todavia, enquanto em casos de morte, os rituais estão presentes, testificando o direito de se enlutar, quando o luto não é reconhecido, este direito é negado ao enlutado. Casellato (2005, p.18) afirma: “A dor só deixará de ser silenciosa quando não for mais silenciada”. Doka (1989), em seu livro “Disenfranchiesed Grief: recognizing, hidden, sorrow”, cita três categorias de luto não reconhecido. Mais tarde, no livro: “Disenfranchiesed Grief: new directions, challenges, and stratagies for practice”, o autor acrescentou mais duas categorias, totalizando cinco. Ressalta-se que, em muitas situações, ocorre uma sobreposição das mesmas, comprometendo ainda mais a elaboração da perda. São elas: 1- O relacionamento não é reconhecido: alguns tipos de relacionamento podem não ser reconhecidos, como aqueles não tradicionais ou não sancionados pela sociedade. O autor cita os exemplos de relacionamentos homossexuais e casos extraconjugais. Relacionamentos não percebidos como dotados de intimidade ou proximidade o suficiente para serem lamentadas suas perdas também podem não ser reconhecidos, como aqueles com amigos ou colegas de trabalho. Ademais, relacionamentos que aconteceram no passado podem não ser franqueados pela sociedade, como o com ex-cônjuges, amantes ou amigos do passado. 2- A perda não é reconhecida: a perda não é considerada como significativa. Os exemplos incluem abortos, adoções, perda de animal de estimação, abandono e rompimento de vínculos amorosos. 3- O enlutado não é reconhecido: isto ocorre quando a pessoa é socialmente definida como incapaz de compreender a morte ou vivenciar o luto, o que inclui os idosos, as crianças e os doentes mentais. O parceiro amoroso que toma a iniciativa separatória também pode não ter permissão social para se enlutar. 4- A morte não é reconhecida: a morte é estigmatizada ou produz ansiedade, o que pode inibir o recebimento de suporte social. Por exemplo, mortes resultantes de AIDS, suicídio ou execuções. 5- Modo de se enlutar e o estilo de expressão do pesar não são validados socialmente: a forma de se expressar do enlutado não é condizente com o que se espera na situação. Por exemplo, uma mãe que expressa seu luto de forma contida, sem chorar intensamente, pode ter o apoio social inibido, pois sua expressão pode ser julgada como de frieza. 69 Da mesma forma, pode ser inesperado o choro compulsivo de um homem tido como forte e racional, podendo ocorrer um consequente desconforto da sociedade e inibição de apoio. Corr (2002) acrescentou outras situações nas quais ocorre luto não reconhecido, além daquelas propostas por Doka (1989, 2002b). Ele cita que alguns aspectos do luto podem não ser legitimados ou tidos como inapropriados. Por exemplo, podem-se aceitar sentimentos e emoções no processo de luto, enquanto outras reações, como sensações físicas, distúrbios comportamentais e mudanças no funcionamento cognitivo, podem não ser reconhecidas. O autor ainda menciona que o enlutamento pode não ser reconhecido, sendo desconsiderado o trabalho intrapsíquico do enlutado ou depositadas expectativas irrealistas sobre ele, como dizer que para que não fique preso à perda. Por último, Corr (2002) faz referência ao fato de que se pode assumir que há um ponto final para o luto, negando a legitimidade do luto que vá além desse tempo estabelecido previamente. Kauffman (2002) enfatizou casos em que ocorre não apenas um não reconhecimento social do luto, mas também do próprio indivíduo, o que ele chama de “self-disenfranchisement”. A dimensão intrapsíquica de lutos não reconhecidos é citada tanto por Corr (2002) quanto por Kauffman (2002). Segundo o primeiro, o processo de luto implica em um diálogo ou reflexão interna sobre as perdas vivenciadas, suas implicações e significados, o que faz parte do trabalho consciente e inconsciente que ocorre na psique do enlutado. Todavia, o luto não reconhecido pelo indivíduo que o vivencia envolve o fracasso na legitimação desse trabalho intrapsíquico do luto. Kauffman (2002) vai na mesma direção de Corr (2002) ao afirmar que tal fato ocorre quando o indivíduo recusa-se ou não consegue legitimar seu próprio luto, o que pode gerar sentimentos de culpa ou vergonha, impedindo-os de procurar suporte social e causando danos psicológicos. O autor mostra que nesses casos, o não reconhecimento parte do próprio indivíduo que transmite para a sociedade e recebe em troca mensagens como “Isto não é uma perda, não é um luto”, impedindo que o processo de luto inicie-se e que ocorra seu trabalho integrativo. Kauffman (2002) cita a relação entre o conceito de luto não reconhecido e o conceito de melancolia de Freud. Este considera o narcisismo na melancolia, já que ao invés de ser realizado o trabalho de luto, o ego preocupa-se com sua própria culpa. A autoculpabilização acaba sendo uma defesa conta a culpabilização de outros, uma arma virada contra si próprio e não contra outros. Marcado por vergonha e culpa, o superego não sanciona ou permite o reconhecimento do luto. A vergonha e o consequente não reconhecimento do luto mantêm a idealização e a ilusão, de 70 modo a esconder de si próprio o que se perdeu. Para o autor, a injúria narcísica de não reconhecimento do luto merece atenção clínica no tratamento de lutos não reconhecidos e complicados, pois o ato de não reconhecer o próprio luto impõe uma desvalorização de si próprio, não apenas impedindo o processo de luto, como também negando a vivência dessa realidade e bloqueando a percepção e elaboração da perda. Em casos de mulheres que vivenciam infidelidade conjugal, pode ocorrer sobreposição de categorias. Primeiramente, a perda não é reconhecida e nem vista como significativa. Na maioria das vezes, ela é mantida em segredo, e quando revelada, é frequente o discurso de que “todo homem trai” e “toda mulher passa por isso”, não havendo um reconhecimento social da perda. É possível que a perda não seja reconhecida nem mesmo pela própria mulher que a vivencia, não ocorrendo um reconhecimento intrapsíquico, assim como afirmado por Kauffman (2002). Também podemos considerar que o modo de se enlutar e o estilo de expressão do pesar não são validados socialmente. Como afirmado anteriormente, na maioria das vezes, uma mulher que vivencia infidelidade conjugal mantém a situação em segredo. Entretanto, quando desvelado, é possível que não ocorra empatia ou compreensão de seu sofrimento devido à naturalização da infidelidade masculina. É comum escutarmos “ele não merece suas lágrimas”, o que pode inibir a expressão dos sentimentos da mulher, não havendo reconhecimento para seu pesar. Ademais, podem ocorrer situações como as citadas por Corr (2002), como a não legitimação de reações físicas acarretadas pela infidelidade conjugal, ou ainda, a crença de que o luto durará um período de tempo específico com o consequente não reconhecimento quando tal tempo é ultrapassado. O luto não reconhecido implica na vivência da perda em completo isolamento, não só por não ser validado socialmente, mas também porque, em algumas situações, não pode ser revelado para que não resulte em uma resposta social ainda mais negativa, o que pode se tornar um fator de risco para o luto complicado (CASELLATO, 2005). Na perspectiva de Neimeyer e Jordan (2002), lutos não reconhecidos são caracterizados por um fracasso na empatia, um não entendimento do significado na experiência, o que leva à inibição de sentimentos, e por isso, merece preocupação clínica. Doka (2002b) cita que um luto não reconhecido pode complicar o luto de duas formas. Primeiramente, pode intensificar as reações emocionais, como raiva, culpa, ou tristeza. Como os indivíduos não reconhecem que têm o direito de se enlutar, evitam expressar tais emoções. Como não são expressadas, estas acabam sendo intensificadas. Em segundo lugar, o suporte social é 71 diminuído em casos de lutos não reconhecidos. Como o apoio social facilita o processo de elaboração, sua ausência pode bloquear o processo de luto. Gilbert (1996) cita algumas características e consequências desse luto não sancionado: o estigma social; o segredo e o consequente isolamento social; a falta de rituais que permitiriam a construção de significados e o compartilhamento de sentimentos; a repressão de emoções; a negação do luto; e problemas emocionais resultantes do sufocamento das emoções relacionadas às perdas (como tristeza, culpa, ou raiva), o que pode intensificar ou prolongar essas reações, caracterizando luto complicado. Desse modo, o não reconhecimento social do luto pode levar ao adiamento ou inibição de seu processo, o que também pode ocorrer em nível intrapsíquico. Lutos não reconhecidos intrapsiquicamente podem levar anos e serem acionados por perdas posteriores. Eles podem ainda se tornar lutos crônicos, estagnando a vida do indivíduo. As reações do luto podem ser mascaradas e manifestadas por outros sintomas, como físicos, comportamentais e/ou psicológicos (CASELLATO, 2005). Portanto, a infidelidade conjugal trata-se de uma perda ambígua e, muitas vezes, o luto pode não ser reconhecido tanto socialmente quanto de forma intrapsíquica. Ademais, casos de infidelidade conjugal são frequentemente mantidos em segredo e regidos por sentimentos de culpa, raiva, medo e vergonha. A não expressão da dor pode provocar um sofrimento adicional ao que já é doloroso. A repressão desses sentimentos pode tornar essa perda ainda mais dolorosa. Buscar novas formas de pensar e agir não apenas a respeito da infidelidade conjugal, mas também de outros lutos não reconhecidos, são de fundamental relevância para a saúde em nossa sociedade. 72 5. MÉTODO A fim de contemplar o objetivo de compreender a experiência de mulheres que vivenciaram a infidelidade de seus cônjuges e identificar as perdas envolvidas nesse processo, foi utilizada como método a pesquisa qualitativa, que favorece as descrições das realidades vivenciadas pelas participantes. A abordagem qualitativa tem sido frequentemente utilizada em estudos voltados para a compreensão da vida humana em grupos, em campos como sociologia, antropologia, psicologia, dentre outros das ciências sociais. Esta abordagem abrange estudos nos quais se localiza o observador no mundo, constituindo-se num enfoque naturalístico e interpretativo da realidade (DENZIN e LINCOLN, 2000). De acordo com Guba e Lincoln (1994), nesse tipo de pesquisa, podemos refletir melhor sobre os comportamentos humanos, considerando seus significados e intenções. A objetividade científica é substituída pela ideia de uma realidade construída, por meio de negociações de significados, sendo as “verdades” produzidas a partir da intersubjetividade. Compreende-se que a construção da realidade é um processo individualmente cunhado e socialmente legitimado, de maneira recursiva entre indivíduo e cultura. Devido a essas características da pesquisa qualitativa, esta foi escolhida para ser utilizada no presente estudo, tornando possível um maior entendimento de particularidades no comportamento dos sujeitos da pesquisa. Foram realizados estudos de caso, que permitem vislumbrar o fenômeno através do quadro de referências do próprio sujeito e alcançar o que cada indivíduo tem de único e como lidou com os acontecimentos de sua vida. Gil (1987) caracteriza o estudo de caso como um profundo e exaustivo estudo de um ou de poucos objetos, de maneira a permitir conhecimento amplo do mesmo, tarefa esta praticamente impossível perante os outros delineamentos considerados. O estudo de caso se fundamenta na ideia de que a análise de uma unidade de determinado universo possibilita a compreensão da generalidade do mesmo. A pesquisa que envolve o estudo de caso envolve: a escolha do referencial teórico sobre o qual se pretende trabalhar (YIN, 1984); a seleção dos casos e o desenvolvimento de protocolos para a coleta de dados; a condução do estudo de caso, com a coleta e análise de dados, 73 culminando com o relatório do caso; a análise dos dados obtidos à luz da teoria selecionada, interpretando os resultados (YIN, 2001). Segundo Yin (1984), o estudo de caso visa oferecer uma visão holística do fenômeno estudado. O autor descreve três situações nas quais o estudo de caso é indicado. A primeira ocorre quando o caso em pauta é crucial para testar uma hipótese ou teoria previamente explicitada. A segunda razão que justifica a opção por um estudo de caso é o fato de ele ser extremo ou único. A terceira situação descrita por Yin (1984) é o caso revelador, até então inacessível à investigação científica. O autor acrescenta que estudos de caso são também usados como etapas exploratórias na pesquisa de fenômenos pouco investigados ou como estudos-piloto para orientar o design de estudos de casos múltiplos, levando à identificação de categorias de observação ou à geração de hipóteses para estudos posteriores. Na perspectiva de Stake (2000), o estudo de caso como estratégia de pesquisa caracterizase pelo interesse em casos individuais e não pelos métodos de investigação. O autor distingue três tipos de estudos de caso a partir de suas finalidades: instrumental, coletivo e intrínseco. O estudo de caso instrumental visa à compreensão de algo amplo. O estudo de caso coletivo pode ser entendido como um estudo instrumental estendido a vários casos, já que o pesquisador estuda conjuntamente alguns casos para investigar um dado fenômeno. Ambos pretendem favorecer ou contestar uma generalização aceita. Já o estudo intrínseco, em princípio, não se preocupa com isso. Seu objetivo é buscar melhor compreensão de um caso apenas pelo interesse despertado por aquele caso em particular. Stake (2000) destaca que em estudos de caso, os pesquisadores buscam o que é comum ou particular em cada caso e, para isso, é preciso estar a par da discussão corrente. Segundo Stake (2000), não se pode compreender um caso em toda a sua complexidade e cabe ao pesquisador decidir até onde é necessário ir, lembrando-se de que o fenômeno nunca está isolado, mas inserido em um contexto, e o ser humano é influenciado pelos acontecimentos que o cercam. O autor também aponta que a pesquisa que utiliza o estudo de caso não tem como finalidade fazer generalizações, mas dar um pequeno passo a fim de se compreender um fenômeno. Conforme Stake (1978), o estudo de caso deve ser utilizado quando a pesquisa busca compreensão, ampliação da experiência e aumento de uma convicção já conhecida. Ele é útil para a exploração e explicação de fenômenos, e para a compreensão profunda de um fenômeno em 74 particular e seu reconhecimento em novos contextos, o que mostra sua relevância. De acordo com o autor, devido à importância da compreensão experiencial, pode-se esperar que estudos de caso continuem apresentando vantagens epistemológicas sobre outros métodos de investigação baseados na generalização naturalística. Alves-Mazzotti (2006) compara os dois autores e afirma que tanto Yin (1984) quanto Stake (2000) concordam que nem todo estudo de uma única unidade pode ser considerado um estudo de caso, e que estudos de caso implicam em grande complexidade. Ademais, a autora afirma que ambos os autores defendem a impossibilidade de se fazer generalizações de tipo estatístico a partir de estudos de caso. Por outro lado, ambos reconhecem a importância de se ir além do caso, permitindo a acumulação do conhecimento. Assim, para a realização do presente trabalho, o estudo de caso foi adequado. Podemos compreender que os estudos de caso realizados foram estudos instrumentais coletivos, assim como mencionados por Stake (2000), que em princípio, não se preocuparam com a generalização dos dados, mas com a compreensão dos casos devido ao interesse por um fenômeno, em particular. Foram realizados profundos e exaustivos estudos, de maneira a permitir conhecimento amplo dos mesmos, como propõe Gil (1987). Reconhecemos a complexidade dos estudos de caso e tivemos como objetivo ir além de cada um deles, a fim de colaborar para a acumulação do conhecimento (YIN, 1984; STAKE, 2000). Procuramos relatar os casos assim como descreve Yin (1984), escritos de maneira atraente, clara e instigante, para que o leitor permaneça interessado na narrativa até o final. Participantes Foram realizados estudos de caso com mulheres heterossexuais que tenham descoberto ou tenha sido revelada a infidelidade do cônjuge independentemente de terem ou não filhos, e de terem ou não se mantido no relacionamento. É importante destacar que o processo de luto pelas múltiplas perdas decorrentes da infidelidade conjugal não implicam em ter optado pelo divórcio. Sendo assim, ter optado pelo divórcio ou pela permanência matrimonial não foi critério de exclusão. Foi critério de inclusão ter estado casada por no mínimo dois anos antes da ocorrência da infidelidade conjugal, visto que esse é o período de adaptação à vida conjugal, no qual o casal 75 está descobrindo as regras do casamento (GIUSTI, 1987; CARTER e MACGOLDRICK, 1989/1995; HETHERINGTON, 1991). O tempo total de relacionamento não foi considerado importante por nós, e por isso, não foi critério de inclusão ou exclusão. As participantes foram indicadas por método de “bola de neve” a partir da rede da autora. Instrumentos Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, que foram gravadas e transcritas posteriormente. De acordo com Richardson (1999), esta técnica de entrevista permite certo grau de liberdade ao entrevistado e um aprofundamento do tema em questão, com perguntas préestabelecidas e ordenadas pelo pesquisador. Segundo o autor, este instrumento visa capturar do participante o que se acredita ser mais importante de determinado problema, através das descrições da situação em estudo. Assim, a entrevista não estruturada atendeu às necessidades do presente trabalho e apresentou vantagem com relação a outros instrumentos de coleta de dados. Na entrevista, os seguintes temas foram explorados, que foram definidos de acordo com os objetivos do trabalho: I- Dados demográficos; II- Histórico da família de origem; III- Informações sobre o projeto de vida da participante (construção de identidade profissional e satisfação com a vida atual) e rede de relacionamentos; IV- Histórico das experiências afetivo-sexuais da participante (formação e rompimento); V- Informações sobre a concepção e as expectativas acerca do casamento e a vivência da conjugalidade; VI- Questões ligadas à infidelidade (como descobriu ou foi revelada a infidelidade conjugal, as possíveis razões para a infidelidade e contexto da vida do casal na época); VII- Implicações imediatas da infidelidade na vida da participante (como reagiu à perda, grau de revelação à rede imediata, implicações nas atividades diárias, busca e apoios recebidos); VIII- Implicações na percepção e na relação com o cônjuge; IX- Consequências e decisões; 76 X- Implicações na vida atual; XI- Perdas enfrentadas durante a vida e reações às perdas. A entrevista trata-se de um processo interativo complexo de caráter reflexivo, num intercâmbio contínuo entre significados e o sistema de crenças e valores, atravessados pelas emoções e sentimentos do entrevistador e do entrevistado. Assim, o linguajar poderá modificar-se no decorrer do processo relacional, em face das mudanças emocionais que ocorrem frequentemente. “A entrevista face a face é fundamentalmente uma situação de interação humana, em que estão em jogo as percepções do outro e de si, expectativas, sentimentos, preconceitos e interpretações para os protagonistas: entrevistador e entrevistado”. (SZYMANSKI, 2002, p.12). Por isso, ressalta-se que, apesar de a intenção de seguir o roteiro, a entrevista foi conduzida obedecendo ao fluxo do discurso das participantes. Procedimentos As participantes foram contatadas por telefone. Foi explicado o objetivo da pesquisa, o tempo médio de duração estimado da entrevista (cerca de duas horas) e, nos casos de anuência, foram marcados o horário e local convenientes, garantidas as condições de privacidade. A entrevista foi realizada de acordo com a disponibilidade das participantes, que foram informadas dos objetivos, das implicações éticas e assinaram um termo de consentimento demonstrando estar de acordo com o fim do projeto (ANEXO A). As entrevistas foram gravadas e transcritas posteriormente. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e aprovado com o protocolo de número CAAE: 10699012.0.0000.5482. Análise dos resultados As entrevistas foram transcritas na íntegra e transformadas em texto, a fim de que se chegasse a uma compreensão geral de seus sentidos. Por motivos éticos, as transcrições completas das entrevistas não estão presentes neste texto. Após a transcrição, foi realizada a leitura exaustiva do material, criando-se um resumo do 77 relato de cada mulher. As entrevistas passaram por um processo de interpretação fundamentado nas teorias que se referem a relacionamento conjugal e luto, no qual foram destacadas as narrativas que evidenciavam a vivência de cada participante diante da infidelidade conjugal e as perdas envolvidas nesse processo. Foram utilizados quatro organizadores do relato: 1- Histórico da participante; 2- Histórico do relacionamento amoroso; 3- Infidelidade conjugal; 4- Pós infidelidade conjugal. 78 6. RESULTADOS E DISCUSSÃO No presente estudo, buscamos explorar como as mulheres vivenciaram a infidelidade de seus cônjuges e identificar as perdas envolvidas nesse processo. Para isso, foram analisados os históricos das participantes e dos relacionamentos amorosos vividos por elas, a infidelidade conjugal propriamente dita, e as mudanças percebidas por essas mulheres após o caso extraconjugal. Desse modo, buscamos identificar o antes e o depois da infidelidade conjugal, os comportamentos atuais e as expectativas futuras no que se refere a relacionamentos amorosos. Embora apresentem semelhanças, cada caso ilustra diferentes processos de luto diante da infidelidade conjugal e, por isso, optamos por apresentar cada um individualmente, expressando a singularidade dos mesmos. Cada caso comporta uma riqueza psicodinâmica que, se explorada, favoreceria outras possíveis interpretações. Buscamos responder ao problema que nos propomos a investigar, sem cair na tentação de fugirmos do foco do estudo. É importante destacar que todos os nomes utilizados são fictícios e que a forma de apresentação de cada caso leva em conta o compromisso ético de não expor as participantes que se propuseram a contribuir com o trabalho. Caso 1 – “Roupa suja se lava em casa” Histórico da participante Mariana, 46 anos, católica, é casada há 24 anos com Luciano, e tem um filho. Ela é donade-casa e trabalha com vendas esporadicamente. Relata pouco de sua infância e refere que o casamento de seus pais foi marcado por muitas brigas. Atualmente, Mariana atribui o relacionamento sexual como motivo para as mesmas, já que estas só aconteciam à noite. Ela imagina que enquanto seu pai desejava ter relações sexuais com a mãe, esta não concordava, provavelmente porque seu irmão dormia no mesmo quarto do casal. Mariana relatou: Era uma “brigaiada”... Nossa Senhora! Eles brigavam e na época a gente não entendia por que... Porque eles acordavam, eles começavam a brigar de noite... Eles tinham mania de brigar de noite. Até, assim... Hoje eu acho que era por conta de sexo, né? Além disso, Mariana acredita que sua mãe era ciumenta por se lembrar de ir atrás de seu pai com a mãe a fim de descobrir onde ele estava indo. Todavia, as verdadeiras dificuldades 79 enfrentadas pelo casal jamais foram ditas, ficaram implícitas. Foi Mariana quem hipoteticamente atribuiu ao relacionamento sexual do casal o motivo para as desavenças conjugais. As crianças internalizam experiências com seus cuidadores de modo que as relações primitivas de apego formam um protótipo para futuros relacionamentos extrafamiliares (BOWLBY, 1969/1990). Conforme Furman e Simon (1999), as primeiras experiências com os pais influenciam não apenas as noções de intimidade e proximidade naqueles relacionamentos, mas também as concepções de intimidade e proximidade nos relacionamentos em geral. Nos relacionamentos românticos, estas concepções estão relacionadas à afiliação, sexualidade, apego e cuidado, e são organizadas hierarquicamente. Podemos pensar que a partir de sua experiência com os seus pais e também da observação do relacionamento conjugal não apenas deles, bem como de outras pessoas com as quais conviveu, Mariana construiu concepções sobre relacionamentos românticos e, como exemplo, pode-se inferir a concepção de que o desejo sexual do homem e da mulher é diferente. Tais concepções exerceram influência em seus relacionamentos futuros, como veremos adiante. Durante a adolescência, Mariana saía com alguns rapazes, mas só passava a namorar sério quando realmente ficava interessada pelos mesmos. Em outras palavras, no que se referia a relacionamentos românticos, ela era seletiva. Ela teve três namoros sérios, e o último, que ocorreu antes de conhecer Luciano, marcou-a muito. Mariana gostava muito daquele namorado, mas ele provavelmente a traía, pois o sobrinho dele contava para ela o que acontecia, além de ter havido outros indícios de infidelidade. Por isso, ela acabou rompendo o relacionamento, embora fosse apaixonada pelo rapaz, conforme sua fala: “Ah, eu achava que ele estava me traindo e eu achava sacanagem, né? Porque final de semana, me deixa aqui sozinha, vai pra outra cidade e está com outra pessoa, né? E mesmo se não estivesse! Só o fato do outro falar, e ela era jovem”. Mariana também relatou como foi o período após o rompimento do namoro: “Foi sofrido... Foi sofrido. Eu demorei pra me refazer. Mas, assim, também, eu era jovem, né? E a gente não esquenta muito a cabeça, mas no começo foi bem traumático, não foi fácil não”. Histórico do relacionamento amoroso Foi após o rompimento desse namoro, marcado pela infidelidade, que Mariana e Luciano começaram a namorar. Luciano veio em um momento de recuperação, já que Mariana havia 80 perdido um grande amor recentemente. Ela conhecia Luciano já há muito tempo, pois ele trabalhava com sua prima. Contudo, ela o considerava chato e se incomodava com o fato de ele beber excessivamente, por isso, nem sequer pensava em ter um relacionamento com o mesmo. Nesta época, ele estava noivo, mas acabou rompendo o noivado e se interessando por Mariana. Ela contou que não pretendia assumir um relacionamento sério por também ter rompido seu namoro há pouco tempo, mas acabou sendo conquistada por Luciano, conforme ilustra a seguinte fala: Aí eu falei: “Não... Nem quero me relacionar com alguém, que faz muito pouco tempo”. Porque fazia meses só que eu tinha largado dele. Mas aí agrada, manda bilhetinho, manda essas coisas que você não estava acostumada, porque você estava carente... Aí é onde você se apaixona, né? Mariana ainda relatou a maneira como Luciano a conquistou com seu romantismo. Como ela não estava habituada com manifestações do amor romântico, ficou encantada e foi seduzida: Mas aí ele começou a pegar no meu pé... Ele ia atrás aonde a gente ia, e ele me agradava, mandava flores, ia me buscar no serviço... E aí ele me conquistou, porque era coisa que eu não estava acostumada, porque os meus namorados não faziam isso... Não mandavam flor, bilhetinho... Ele mandava bilhetinho todo dia (risos). Assim, logo após o rompimento de um namoro no qual havia ocorrido infidelidade e Mariana provavelmente havia vivenciado um amargado sentimento de rejeição, angústia e humilhação (BUUNK e VAN DRIEL, 1989), ela foi conquistada por um homem romântico. Este a seduziu e a conquistou, além de provavelmente tê-la feito sonhar e idealizar um relacionamento caracterizado pelo romantismo ao mandar flores e bilhetes, demonstrando seu carinho todos os dias. Este novo modelo de relacionamento pode ter sido comparado ao modelo do relacionamento conjugal de seus pais e também de seus próprios relacionamentos anteriores, o que pode ter levado Mariana a pensar que com Luciano seria diferente. No que se refere à cerimônia de casamento, Mariana não sonhava em se casar na igreja, vestida de branco. Isto não aconteceu porque ela casou-se grávida e ficou menos dispendioso casar-se apenas no civil, mas como este nunca foi seu desejo, não houve decepção. Eles planejavam casar-se em janeiro do outro ano quando Mariana engravidou. Por isso, o casamento foi antecipado para julho. Em outubro, nasceu Lorenzo. A partir da decisão de anteciparem o casamento, podemos perceber que, provavelmente, para eles, seria inaceitável ter um filho antes de se casarem. Possivelmente, eles introjetaram 81 valores tradicionais impostos pela sociedade a respeito do casamento e do relacionamento conjugal. Mariana casou-se grávida e com uma possível idealização do relacionamento. Como vimos no presente estudo, o ideal de amor romântico tem como consequência a exigência de fidelidade, que é herdeira do mito da existência de uma metade, uma alma gêmea, que pode completar cada indivíduo e possibilitar uma fusão amorosa completa (HADDAD, 2009). Como vimos no presente, historicamente, o romantismo relaciona-se a uma dupla moral que permitia aos homens extravasar seus excessos sexuais com mulheres moralmente depreciadas, mas as mulheres deveriam ser recatadas, o que contribuiu para a naturalização da infidelidade masculina, e ainda faz parte do imaginário ocidental atual (HADDAD, 2009). Podemos pensar que, por um lado, Mariana poderia naturalizar a infidelidade masculina. Por outro lado, o romantismo de Luciano provavelmente remetia à possibilidade de uma fusão amorosa e de fidelidade. Podemos ainda supor que, naquele momento, fazia parte de suas crenças e expectativas a respeito do parceiro conjugal, um homem romântico, carinhoso, atencioso e fiel. Foi nesse contexto que o casamento ocorreu, após menos de um ano de namoro, na fase inicial de relacionamento, que conforme Hazan e Zeifman (1994), trata-se da fase de atração e do período de formação de apego entre os parceiros amorosos. Na perspectiva dos autores, a fase de atração tem como função manter o casal tempo suficiente para garantir a continuação da espécie e é marcada apenas pela busca de proximidade. Já a fase do apego, inicia-se após dois anos de relacionamento. O casamento aconteceu, assim, em uma fase de atração e paixão, em um contexto no qual provavelmente grandes expectativas referentes ao relacionamento conjugal estavam presentes. Embora na juventude Mariana desejasse ser professora, com o casamento, não quis mais seguir seus planos profissionais. O casamento da participante pode ser compreendido como tradicional e hierárquico. Conforme Figueira (1987), este é marcado pela crença da superioridade do poder masculino sobre o feminino, caracterizado pela relação privilegiada do homem com o trabalho fora de casa e pelo fato de que a exclusividade sexual pode ser esperada apenas pelo homem com relação à mulher, e não vice-versa. Influências históricas referentes à dependência e à submissão feminina parecem ser exercidas sobre a participante. No que se refere à adaptação conjugal, Carter e McGoldrick (1989/1995) descrevem muito bem o processo que envolve a formação do casal e a fase inicial do casamento. Na 82 perspectiva das autoras, a família é mais do que a soma das partes. Ela é um sistema que se move através do tempo e enfrenta várias dificuldades em seu percurso, sendo o estresse familiar geralmente maior nos pontos de transição de um estágio para outro no processo de desenvolvimento da família. A formação do casal é uma das fases mais complexas dentro do ciclo familiar. Na fase inicial do casamento, é necessário o casal renegociar algumas questões definidas previamente de forma individual ou até mesmo pelas respectivas famílias de origem. Procura-se, assim, colocar em prática as expectativas de cada parceiro conjugal, e integrar o projeto de vida pessoal e a dois. Muitas decisões e escolhas precisam ser tomadas, como dividir tarefas e responsabilidades, distribuir o tempo de trabalho e de lazer, chegar a um consenso sobre o emprego do dinheiro, definir quando e como ter relações sexuais, brigar, comer e dormir, entre outras. A partir das experiências na família de origem, é preciso ocorrer diferenciação, sendo estabelecido um nós conjugal. No caso de Mariana, essas primeiras adaptações foram sobrepostas a outras transições, como a parentalidade, o que pode ter tornado esse processo ainda mais difícil. O início do casamento foi marcado por muitas dificuldades: para Mariana, foi muito complicado ter que se adaptar ao jeito de Luciano. A participante comentou que em pequenas situações do dia-a-dia, manifestavam-se grandes diferenças entre eles. Como exemplo, ela citou um episódio no qual cortou o queijo de uma maneira diferente de seu cônjuge, que insatisfeito, ficou muito bravo. Com isso, foi preciso elaborar o luto pelo parceiro idealizado. Aquele homem tão romântico e carinhoso também ficava bravo e a irritava. Provavelmente, ela precisou construir novos significados sobre o relacionamento e o parceiro conjugal. A seguinte fala ilustra o início do relacionamento e as dificuldades presentes naquele momento: Então, até você encaixar os seus gostos e os gostos da outra pessoa, é complicado! Então, assim, os dois primeiros anos foram complicados, foram muito difíceis. Eu lembro uma vez, eu não esqueço disso, que eu fui cortar um queijo... E eu cortei o queijo do jeito que eu estava acostumada a cortar na minha casa. Aí o Luciano: “Nossa Senhora, mas que que é isso? Olhe o jeito de cortar o queijo!”. Aquilo me irritou! E assim, uma bobagem, né? Mas assim, cada um tem sua maneira de ser e você vai se adaptando. O processo de formação do casal e construção do nós conjugal envolve dois níveis de adaptação: o interpessoal (conjugal) e a elaboração interna. O nós conjugal, que estava ali sendo constituído, envolve em um percurso de elaboração de diferenciação (SIMÕES e SOUZA, 2010). O “amar” implica em um processo de luto relacionado a crescer, tornar-se independente e ter 83 maturidade como adulto (KERNBERG, 1995). Podemos, assim, compreender que esse processo de luto na fase inicial de um relacionamento conjugal é necessário. O cônjuge trabalhava durante o dia e também à noite, tendo pouquíssimo tempo para a família. Ele assumiu o papel de provedor dos casamentos tradicionais e com isso, não tinha tempo para a esposa, afastando-se das expectativas desenvolvidas a partir da conquista, e estabelecendo um sistema ambivalente (BOSS, 1999), conforme ilustra a fala de Mariana: No começo foi difícil, porque além dele trabalhar durante o dia, ele trabalhava à noite... Ele trabalhava até de madrugada, a única folga dele era na segunda-feira à noite, só à noite. Então, assim, eu que realmente cuidava do Lorenzo... E o Lorenzo daquele tamanhinho, “petitinho”, e ele o dia inteiro trabalhando, à noite trabalhando. Ainda no que se refere às adaptações iniciais de Mariana à vida conjugal, podemos pensar que não apenas o parceiro, como também o relacionamento idealizado foram perdidos, implicando em um processo de luto. Por outro lado, Luciano desempenhou muito bem o papel de provedor, já que trabalhava incessantemente. Desse modo, logo no início da vida conjugal, Mariana vivenciou uma perda ambígua (BOSS, 1999), já que o parceiro perdeu a característica do romantismo, que o fazia se reconhecer como quem era, mas permanecia presente e ainda cumpria o papel de provedor esperado em casamentos tradicionais. Como Mariana poderia se permitir reclamar, sofrer, lamentar ou se enlutar pela perda de um parceiro sonhado, se este desempenhava tão bem o papel de provedor? Sua dor deveria ser silenciada (CASELLATO, 2005). Podemos interpretar que esse trabalho de luto e conscientização da nova realidade, que são demandas necessárias no início de relacionamentos conjugais (SIMÕES e SOUZA, 2010; KERNBERG, 1995; CARTER e MCGOLDRICK, 1989/1995), também pode ter sido complicadas para Mariana por não ter havido tempo para a sua preparação. Ela pareceu ter ingressado na vida conjugal sem muita reflexão a respeito do que vivenciaria. Embora seja possível inferir que fazia parte de suas expectativas ter um cônjuge provedor, a sobreposição de transições pode ter tornado essa fase de adaptação complicada para a participante (SOUZA, 2008). No que se refere às adaptações do casal à fase inicial de casamento, pôde-se observar que esse período foi marcado por uma mulher que só soube ser mãe, e por um homem que se tornou apenas um provedor. Foi ainda complicado por dificuldades externas como a falta de privacidade e a limitação financeira, já que eles moraram em uma casa de aluguel que ficava entre a de duas 84 vizinhas, conforme ilustra sua fala: Casa de aluguel, no fundo, tinha duas vizinhas que brigavam pra caramba... Elas eram irmãs, e eram três casas: a casa da frente, a minha era a do meio, e a do fundo... E as duas eram irmãs, a da casa do fundo e a da casa da frente. Nossa! O dia que elas acordavam com a macaca! Mas elas brigavam! E aí você acordava com elas gritando! E, assim, eu não tinha privacidade nenhuma... Porque a janela era onde elas passavam, no corredor... A porta da cozinha também era onde elas passavam. Então, era a passagem de todo mundo que passava pra lá. Então, eu tinha que manter as portas praticamente fechadas. E a janela, eu fechava e puxava a cortina. De vez em quando, ela abria a cortina: “Oi, Mariana, tudo bem?”. Então, assim, você não podia ficar à vontade na tua casa. E lá eu morei cinco anos. Este período de adaptação que ainda foi complicado pela ausência de privacidade pode ser compreendido a partir da perspectiva de Berger e Kellner (1970) sobre o casamento. Os autores descrevem-no como um ato dramático, no qual dois estranhos que tiveram um passado individual diferente, se encontram e se redefinem. O casal constrói a realidade presente, reconstrói a realidade passada, e fabrica uma memória comum na qual está integrada dois passados individuais. Para Mariana e Luciano, que tiveram pouco tempo para se conhecerem efetivamente antes do casamento, foi difícil ter que integrar dois mundos diferentes e compartilhar crenças distintas. Tratavam-se de dois estranhos que precisavam construir uma identidade conjugal, mas nem sequer conviviam tempo suficiente para isso. Ademais, conforme vimos no presente, segundo Attig (2002), quando amamos uma pessoa, assumimos um lugar em seu mundo e ela assume um lugar no nosso mundo. Tal pessoa torna-se presente em nossa vida diária, sendo adotadas crenças sobre ela e o relacionamento. Sentimo-nos seguros com o mundo que experimentamos ao lado das pessoas que amamos. Há, na conjugalidade, uma conjugalidade de mundos presumidos. No caso de Mariana, foi possível perceber que não houve tempo ou condições de intimidade para que isso acontecesse. A Infidelidade Conjugal Quando tinham por volta de quatro anos de casados, embora a fase de adaptação ao relacionamento conjugal já houvesse passado, este ainda estava difícil devido aos trabalhos de Luciano, sua falta de tempo para a família, e a continuação de dedicação exclusiva ao filho da parte de Mariana, pois mesmo não sendo mais um recém-nascido, segundo Mariana, tratava-se de uma criança frágil que demandava cuidado. Foi nesse período que Luciano foi infiel. Destaca-se 85 que, na perspectiva de Costa (2006), a infidelidade pode ocorrer se o cônjuge se sente excluído, quando a esposa está grávida ou se dedicando exclusivamente ao filho, o que o autor chama de triângulo amoroso por competição, o que pudemos observar no presente caso. Mariana soube do relacionamento extraconjugal pela sogra de sua tia, que viu a foto de Luciano na carteira de outra mulher. Esta, por sua vez, contou que Luciano havia afirmado estar separando-se da esposa e que, por isso, ela estava tendo um relacionamento amoroso com o mesmo. Além disso, Mariana passou a receber ligações anônimas de pessoas que queriam avisála sobre a infidelidade. A mulher com quem Luciano estava tendo um relacionamento extraconjugal trabalhava no mesmo local que ele, durante o turno da noite. Mariana acredita que a iniciativa do relacionamento extraconjugal tenha partido de Luciano, devido à natureza masculina. Ela relatou: “Aí ele começou a jogar uma conversa nela”. Na concepção de Mariana, a outra mulher estava sendo enganada e convencida pela conversa sedutora de Luciano. Um dia, Mariana foi durante a madrugada, no fim do expediente até lá, quando viu Luciano saindo e se direcionando ao seu carro com duas mulheres: uma funcionária do estabelecimento comercial e a amante. Segundo Mariana, ele assustou-se muito por tê-la visto. Ela mandou que o cônjuge pagasse seu táxi e se sentou no banco da frente do carro de Luciano. Para Mariana, a amante também estava sendo enganada, pois ela acreditava que eles estavam se separando, mas percebeu que isso não era verdade. A participante acredita que o caso extraconjugal tenha terminado ali, tanto pela percepção da amante de que estava sendo enganada, quanto por Luciano ter se assustado muito quando notou que ela sabia do que estava acontecendo. A seguinte fala ilustra como tudo aconteceu e como Mariana compreendeu essa vivência: Ele estava enganando as duas pessoas. Porque a pessoa também que ele estava saindo, ele estava falando que o casamento estava acabado, que não sei o quê... E quando eu cheguei... A hora que eu cheguei, ele assustou tanto, que ele me beijou... E ele estava falando pra pessoa que o casamento estava acabando, que não sei o quê, que não sei o quê... E era tudo mentira, né? A pessoa se pôs no seu lugar e viu também que estava sendo passada pra trás, porque não era também só eu, era ela também... E nunca mais. Acabou. Podemos compreender a atitude de Mariana como uma repetição do comportamento materno. A participante construiu um conjunto de crenças e expectativas sobre o casamento baseadas no relacionamento conjugal de seus pais, bem como no de outras pessoas com as quais 86 conviveu. As atitudes tomadas pela participante e seus pensamentos relatados, leva-nos a pensar que a participante pode ter desenvolvido as seguintes crenças: relacionamentos conjugais são tumultuados; o desejo sexual de homens e mulheres é diferente; homens não são confiáveis; mulheres precisam conferir e checar os passos masculinos. Esse conjunto de crenças e expectativas influenciou sua vida conjugal. Infere-se ainda que a crença de que homens não são confiáveis, mas mulheres são, influenciou sua maneira de conceber o acontecido. Mariana atribuiu toda a culpa ao instinto masculino e percebeu a amante como uma pobre moça enganada, assim como quando ela foi enganada pelo namorado na juventude. A dor de ter sido enganada e não correspondida mesmo sendo uma esposa fiel e uma excelente mãe provavelmente acarretou em um trabalho de revisão de seu mundo presumido. Na perspectiva de Janoff-Bulman (1985), três grandes suposições que podem ser ameaçadas em casos de perda: a suposição da invulnerabilidade; a suposição do mundo como dotado de sentido, o que inclui a crença de que as pessoas merecem o que recebem e recebem o que merecem; suposições positivas sobre si próprio, como a de que se é bom e decente. Perdas ameaçam essas suposições, fazendo com que as pessoas sintam-se fracas, dependentes, desamparadas e sem controle sobre a situação. No caso de Mariana, provavelmente tais suposições foram ameaçadas e seu mundo presumido precisou ser revisto. Mariana não falou nada para a amante ou na presença da mesma. Conversou com Luciano apenas quando ficaram sozinhos, que negou o relacionamento extraconjugal, embora ela tenha certeza de sua ocorrência. Ele ainda fez promessas de amor e de mudanças na vida do casal. Ela atribui como um dos motivos para a infidelidade sua dedicação integral ao filho e a pouca atenção direcionada ao cônjuge. Ademais, o tempo dos dois juntos era escasso, já que ele trabalhava muito. Por isso, provavelmente, o cônjuge estaria insatisfeito. Pode-se corroborar que tais fatores podem contribuir para a prática da infidelidade conjugal, pois de acordo com o modelo do investimento, indivíduos menos comprometidos, menos satisfeitos, com menos investimentos no relacionamento atual e com mais alternativas apresentam maiores possibilidades de serem infiéis aos seus parceiros (RUSBULT, 1980; DRIGOTAS, SAFSTROM e GENTILLA, 1999). Luciano provavelmente estava insatisfeito, investindo pouco no relacionamento conjugal devido à dedicação excessiva ao trabalho, e teve como alternativa disponível uma mulher que trabalhava com ele e passava ao seu lado mais tempo que a própria esposa. 87 O par complementar da boa mãe com o bom provedor foi rompido. Mariana ficou profundamente magoada e entristecida, o que demorou muito para passar. Conforme vimos no presente estudo, mundo presumido é um esquema organizado que contém tudo o que assumimos ser verdadeiro (sobre o mundo, si próprio e os outros) com base em nossa experiência prévia. Esse modelo interno de mundo orienta-nos, faz-nos reconhecer o que está acontecendo e planejar nosso futuro comportamento (PARKES, 1988). Com sua perda, ficamos confusos e frustrados, o que requer ajustamento em crenças ou interpretações sobre a realidade e uma reestruturação na maneira de ver o mundo (ATTIG, 2002). Com a vivência da infidelidade conjugal, Mariana passou por um processo de enlutamento pela perda daquilo que esperava do parceiro, do relacionamento e de si própria, sendo necessária uma revisão do mundo presumido. A falta de confiança no cônjuge foi uma das implicações da infidelidade conjugal em sua vida, e só depois de muito tempo ela conseguiu recuperar a confiança no mesmo, conforme ilustra sua fala: Mas é uma coisa que me entristeceu muito na época. Demorou a passar... Muito! Pra mim voltar a confiar, foi mais de um ano. Assim, que se atrasava, você pensava assim: “Ah, está com alguém, né? Arrumou alguém”. Podemos interpretar que tal fato confirmou algumas crenças constituídas a partir do relacionamento conjugal de seus pais, como a de que homens não são confiáveis. Por outro lado, levou ao questionamento de novas crenças que surgiram a partir do romantismo de Luciano, especialmente a de que com ele, o relacionamento amoroso poderia ser diferente dos modelos observados e vivenciados por ela anteriormente. Foi, então, necessário um trabalho de reconstrução do significado da vida e de suposições sobre o mundo e sobre si mesma (NEIMEYER et al., 2002). Quando ocorreu o caso extraconjugal, ela não conseguia perceber que era corresponsável, apenas pensava que não merecia passar por aquela experiência, já que era uma mulher tão boa. Fazia, então, parte de suas crenças que pessoas de boa índole não passam e não merecem vivenciar situações tão ruins, o que precisou ser revisto, levando a um conflito interno, a uma crise (JANOFF-BULMAN, 1985). Com a infidelidade conjugal, Mariana passou por uma perda ambígua (BOSS, 1999), e um processo de luto não reconhecido pela sociedade (DOKA, 1989), vivenciado em silêncio e isolamento. Mariana manteve o caso extraconjugal em segredo, possivelmente devido aos seus 88 valores tradicionais e ao medo de perder seu par complementar: o bom provedor. O segredo pode ser compreendido como uma tentativa de minimizar as perdas, e de manter o mundo presumido o mais estável possível. Talvez seja por isso que escutemos frequentemente: “Roupa suja se lava em casa”. Pós Infidelidade Conjugal Depois da infidelidade conjugal, Mariana acredita ter melhorado muito como esposa e ter deixado de dar atenção apenas ao filho. Foi possível perceber que a perda foi uma oportunidade para crescimento e mudança, conforme as afirmações de Boss (1999). Segundo a autora, algumas pessoas podem utilizar a experiência da perda ambígua para aprender a viver em circunstâncias difíceis que passam pela vida. A dor pode, assim, impulsionar a mudança (BOSS, 2006). Embora a intenção inicial de Mariana fosse a de conseguir vingança ao fazer o mesmo que o cônjuge, Luciano melhorou muito, ficou mais carinhoso e conseguiu reconquistá-la. Com isso, ela abandonou seu plano inicial. Mais uma vez, foi reconquistada por um homem que correspondia às expectativas de amor romântico, o que ainda ocorre até os dias atuais. Um nós conjugal foi construído. Devido à infidelidade conjugal, Mariana considerou a possibilidade de divórcio e propôs a separação diversas vezes, mas Luciano não aceitou. Ela afirmou acreditar que, na realidade, ela não tinha coragem. Na época, questões financeiras foram ponderadas, pois o cônjuge ainda não ganhava bem, e mesmo com metade do que ele ganhava, provavelmente ela teria que voltar para a casa dos pais. A infidelidade conjugal acarretou na perda do ideal de eu, em uma revisão da concepção de si mesma. As concepções arraigadas sobre si mesma que são utilizadas a fim de reconhecer, planejar e agir (PARKES, 1975) precisaram ser revistas. Embora crenças sobre os homens tenham sido confirmadas, Mariana não se comportou como no namoro anterior à medida que considerou um complexo de implicações, tendo sido necessário lidar com a realidade, conforme ilustra a seguinte fala: Por conta do filho! Uma criança pequena. Como é que você vai... A gente morava de aluguel. Repartir... E dois aluguéis... Como é que ia fazer, né? Você para pra pensar, você fala assim: “Vichi! Será que vale a pena? Será que compensa?”. E assim, que ele também prometia... Mundos e fundos, né? Prometia que não ia fazer mais nada! Que não tinha feito nada e que não ia fazer nada, que gostava de mim e que não sei o quê... 89 Aquela conversa mole de homem, né? Que a nossa vida ia melhorar, e que não sei o quê, e que não sei o quê... E foi melhorando mesmo! Então, tudo o que ele prometeu, ele cumpriu. Podemos compreender sua decisão pela permanência matrimonial a partir da ideia de hierarquia de valores pessoais. Valores tradicionais como estabilidade e segurança parecem ter sido considerados mais importantes para Mariana que outros valores considerados modernos, como a experimentação, autonomia ou independência (ARENT, 2009). Provavelmente, para ela, manter o relacionamento conjugal era um meio de manter seus valores tradicionais arraigados e minimizar as perdas. Posteriormente, a vida do casal melhorou um pouco, pois se mudaram para uma casa na qual poderiam ter mais privacidade. Lorenzo cresceu, passou a frequentar a escola e não precisava mais de tantos cuidados. Luciano também passou a trabalhar um pouco menos aos finais de semana, embora ainda trabalhasse à noite. Foi apenas quando eles tinham dez anos de casados que o cônjuge parou de trabalhar à noite, o que melhorou ainda mais a vida do casal. Quando isso ocorreu, eles passaram a sair mais e se tornaram companheiros, além de terem ampliado a rede de amigos, o que permanece até os dias atuais, conforme o relato de Mariana: Ah, essa etapa foi a melhor! Graças a Deus! Aí a gente começou a sair mais... Fizemos novos amigos... Aí a gente sai direto e reto... Se a gente não está na casa dos amigos, a gente vai pra um barzinho mesmo eu e ele... E a gente, assim, nem precisa de companhia. Um é companhia do outro. Mariana ainda relatou que tanto ela quanto Luciano são pessoas flexíveis, maleáveis e pacientes. Ele também é muito carinhoso, o que ajuda a fazer com que o casamento seja bem sucedido. Além de ser um ótimo esposo, Mariana considera-o um excelente pai, embora ele tenha sido exigente com relação aos estudos do filho. Ela afirmou: “Se precisasse casar, ele casava de novo comigo, e eu casaria de novo com ele também porque é muito bom, apesar do que a gente passou”. Podemos interpretar que houve recuperação ou desenvolvimento de confiança no parceiro e relacionamento conjugal, o que caracteriza a concepção segura. Segundo Furman e Simon (1999), as pessoas com concepção segura têm relacionamentos românticos marcados por confiança, amizade, satisfação, mutualidade, intimidade, compromisso, e colaboração para a resolução de problemas. Atualmente, segundo Mariana, a infidelidade conjugal foi superada, embora ela ainda se 90 emocione ao falar sobre o ocorrido. Mariana contou: Tem coisa que entristece... (choro). Deixa eu chorar um pouquinho... (choro prolongado). Ah, isso ainda me entristece muito! Porque no fundo, no fundo, é uma coisa que passou, melhorou... Mas você volta a pensar e fala: “Poxa vida! Eu não merecia isso!”. (choro). Mas é uma coisa superada, eu já superei. A fala de Mariana revela novamente seu possível pensamento mágico de que mães boas e esposas fiéis e dedicadas, não merecerem sofrer infidelidade conjugal e não sofrerão (JANOFFBULMAN, 1985). Seu discurso mostra ainda a perda da ilusão adolescente. Provavelmente, ainda é difícil falar sobre o ocorrido por tê-lo mantido em segredo durante muito tempo. A participante ainda comentou que procura não pensar no que aconteceu. Além disso, Mariana ainda naturaliza a infidelidade masculina, conforme a seguinte fala: “Eu penso que sim, porque você acha? Homem! Mas também não fico pensando se teve (relação sexual), se foi realmente consumado... Não sofro mais com isso não. Não penso nisso! Foi há muitos anos e já passou, né?”. Sua fala remete ao fato de que a infidelidade é concebida subjetivamente. Enquanto para alguns esta apenas ocorre quando há, de fato, intercurso sexual, para outros, a infidelidade emocional pode ser tão dolorosa quanto a sexual. O que observamos permitiu-nos compreender que a infidelidade conjugal deve ser entendida dentro de um contexto no qual há uma conjugalidade de valores, crenças e expectativas sobre o relacionamento. O caso de Mariana mostra que relacionamentos extraconjugais levam a uma crise, e podem ocasionar revisão interna de crenças e do mundo presumido. Atualmente, o carinho e companheirismo estão presentes no relacionamento conjugal da participante e uma ampla rede social foi conquistada pelo casal. Foi possível ilustrar que a infidelidade pode ser propulsora de reflexão e mudanças. Caso 2: “Quando você me quiser rever, já vai me encontrar refeita, pode crer” (Chico Buarque) Histórico da participante: Ema, 35 anos, criada no catolicismo, atualmente é evangélica, embora não siga a doutrina 91 de sua igreja. Divorciada há cinco anos, tem um filho do ex-marido. Trabalha fora desde quatorze anos. Ema contou que suas lembranças com relação ao casamento dos pais são de brigas e desentendimento conjugal, como ilustra a seguinte fala: “Eu tenho de lembrança da minha família é de muita briga, muita briga... Do meu pai com minha mãe. E não era briguinha, não. Brigas feias, assim, de acordar no meio da noite e ver eles brigando”. Ela nem sequer concebe o que viu seus pais vivenciarem como casamento. Ema afirmou: Ah, nunca foi um casamento! Minha mãe... Eu tinha cinco anos e minha mãe já dormia na minha cama. Eu lembro que eu tinha muita vontade de dormir sozinha, porque a cama era de solteiro. O meu pai sempre brigando com ela por conta disso. Os dois sempre foram assim, mesmo quando eles eram mais velhos. Por outro lado, Ema relatou que quando seu pai ficou doente, foi sua mãe quem cuidou do mesmo, embora eles estivessem separados. Para ela, esse é o amor verdadeiro: sacrificar-se pelo outro até o final da vida, conforme sua fala: “Porque eu acho que é amor verdadeiro, entendeu? Porque um foi pelo outro até o final da vida dos dois”. Conforme vimos no presente, as primeiras experiências com os pais influenciam as concepções de intimidade e proximidade nos relacionamentos em geral (FURMAN e SIMON, 1999). A partir da afirmação de Ema, podemos inferir que sua concepção de amor conjugal inclui sacrifício mútuo e lealdade absoluta à crença do amor “até que a morte nos separe”, mesmo que o relacionamento seja marcado por conflitos e insatisfação. Ela é filha caçula e afirmou ter sido mimada durante toda a sua infância: “Ah, todo mundo fazia o que eu queria na hora que eu queria... Por eu ser mais nova! E eu era aquela que ninguém podia brigar também!”. Provavelmente, a entrevistada esperava um futuro parceiro conjugal que também realizasse todos os seus desejos. Ema idealizava muito seu futuro casamento, conforme ilustra sua fala: “Eu acho que casamento é isso: você se apaixonar pela mesma pessoa todos os dias”. Ela sonhava que teria “tipo família de margarina, de pote de margarina”, que viriam os filhos, e o casal trabalharia junto para adquirir estabilidade para criá-los. Também acreditava que mesmo que viessem os problemas, o casamento deveria ser mantido, pois considera importante lembrar-se da promessa realizada na cerimônia matrimonial. Como apresentado no presente estudo, o ideal de amor romântico leva em conta uma união conjugal duradoura e exclusiva. A fidelidade, além de ser parte integrante dessa idealização amorosa, é causa recorrente das dores de amor (HADDAD, 92 2009), visto que a idealização a respeito do casamento e amor pode acarretar em decepção quando as expectativas são frustradas (FÉRES-CARNEIRO, 1995, 1998; JABLONSKI, 1991; KOLBENSCHLAG, 1991). Além da idealização do casamento, a participante lembra que também sonhava em ter uma menina para colocar “um monte de lacinho na cabeça e aquelas roupinha de perua”, mas que desistiu desse desejo atualmente. Aos quatorze anos, teve seu primeiro namoro sério, que foi rompido devido a um caso de infidelidade do ex-namorado. Todavia, ela jamais decidiu pelo rompimento, este ocorreu apenas após muito tempo de traição quando foi trocada por outra mulher, pois ela acreditava que não seria capaz de viver sem ele. Ema contou: “Aí, como se diz, eu estava pedindo pra ser chifruda, né? Porque o cara não prestava, todo mundo sabia, eu sabia, só que mesmo assim eu não larguei dele”. Na época, ela chegava a discutir com o namorado quando ficava sabendo dos casos de infidelidade, mas ele negava e ela acabava permanecendo no relacionamento. Posteriormente, Ema acabou virando a “amante” do rapaz, conforme a seguinte fala: “Mesmo assim, eu virei de namorada pra amante, digamos assim... Porque aí ele virou namorado dela e eu saía com ele. Só que ao mesmo tempo que eu saía com ele, eu saía com todos”. O fim do relacionamento se deu porque o rapaz mudou de religião, tornou-se evangélico, encontrou uma esposa e se casou. Outra razão para o rompimento, segundo Ema, foi o fim do amor, o que mostra sua valorização do projeto amoroso. Histórico do relacionamento amoroso Ema considera ter se apaixonado à primeira vista pelo ex-cônjuge: E eu bati o olho nele e pensei: “É aí que eu vou me enroscar a vida inteira”. Eu tive essa sensação, sabe? Eu lembro... Eu fecho meu olho e lembro até hoje, assim, que ele estava parado no carro, com o braço e a perna cruzada, com uma camisa xadrez. E do jeito que eu entrei, ele deu um sorriso, assim, que foi a coisa mais linda pra mim. Foi lá que eu me apaixonei, eu acho. Na época, eles começaram a namorar, mas Ema morava em uma cidade interiorana, enquanto Augusto (nome fictício do ex-cônjuge) morava na cidade de São Paulo. Por isso, eles namoravam de quinze em quinze dias, o que perdurou por mais ou menos um ano. Ema mencionou que gostou muito dele: “Eu não sei gostar pouco, é ao extremo! E eu gostei dele, sabe?”. Durante o namoro, Augusto foi infiel ao sair com uma moça de sua cidade, o 93 que todos ficaram sabendo. Ela foi a última que soube, e quando descobriu, sofreu muito: “Na época, eu sofri horrores, horrores! Eu lembro que eu larguei, a gente largou, e eu emagreci acho que cinco quilos”. Conforme aqui apresentado, a infidelidade pode trazer impactos para os parceiros e para o relacionamento, e pode implicar em frustração perante a constatação de que o parceiro e o relacionamento idealizados não existem. Ela pode trazer um amargado sentimento de rejeição, angústia e humilhação (BUUNK e VAN DRIEL, 1989), o que parece ter sido vivenciado pela participante. Augusto passou a mandar mensagens com frequência para Ema, nas quais demonstrava seu interesse em reconciliar. Ela resolveu perdoá-lo devido ao amor que sentia por ele, o que mostra novamente a valorização de Ema ao amor romântico. Eles decidiram casar-se logo, já que o relacionamento estava difícil devido à distância. Desse modo, o namoro durou menos de um ano, além de uns poucos encontros quinzenais. O casamento ocorreu, portanto, na fase inicial de relacionamento, no período de atração e formação de apego entre os parceiros amorosos, marcado apenas pela busca de proximidade (HAZAN e ZEIFMAN, 1994). O contexto era de grandes expectativas referentes ao relacionamento conjugal, especialmente no que se referia ao amor romântico. Conforme apontado no presente, o estresse familiar é geralmente maior durante transições de estágios e no processo de desenvolvimento da família, sendo a formação do casal uma das fases mais complexas dentro do ciclo família, na qual são necessárias negociações, a integração do projeto de vida pessoal e a dois, e o estabelecimento do nós conjugal (CARTER e MCGOLDRICK, 1989/1995; KERNBERG, 1995; SIMÕES e SOUZA, 2010). Essa adaptação que é normativa na fase de formação do casal, no caso de Ema, foi sobreposta à migração e adaptação a uma nova cidade, já que, aos vinte e quatro anos, ela casou-se, largou sua família que a enchia de mimos e foi morar em São Paulo. Ela sentia muita falta da família, especialmente da mãe. De acordo com Ema, ela casou-se com a solidão, pois depois de um ano, o cônjuge não ficava em casa devido à infidelidade conjugal, conforme ilustra sua fala: “Então, eu vim a saber que durante o nosso casamento, o nosso relacionamento, ele me traiu uma vida inteira, ele me traiu os quatro anos. A única diferença é que antes ele era discreto, e no final, não foi tanto”. Além de o marido deixá-la sozinha frequentemente, Ema não tinha amigos na nova cidade, apenas uma amiga, com quem não podia contar sempre, pois seu tempo era escasso. Estes fatores 94 dificultaram sua adaptação à nova cidade e à nova vida. Ema considera ter repetido a história de seus pais: “Eu acho que eu não tive um casamento. Eu acho que eu acabei arrastando por um caminho, um mesmo caminho (dos pais)...”. Ela afirmou que o relacionamento conjugal foi complicado por ela não ser independente, não conseguir fazer as tarefas domésticas, ser uma péssima dona-de-casa e demandar o cuidado de seu esposo. Ademais, devido à depressão e outros problemas de saúde da mãe, Ema deixava o cônjuge sozinho com frequência para visitá-la. Desse modo, ela vê sua responsabilidade pelo fracasso conjugal. Tal fato relaciona-se ao modelo bidimensional de avaliação da vinculação no adulto de Kim Bartholomew. Na perspectiva de Bartholomew e Horowitz (1991), os modelos internos do self podem ser positivos (o self como merecedor de amor e de apoio) ou negativos (o self como não merecedor de amor e de apoio), bem como os modelos internos dos outros podem ser positivos ou negativos. A participante demonstrou apresentar uma visão negativa de si, uma imagem de si com especificidades desvalorizantes. No que se refere à visão do ex-cônjuge, embora esta tenha se modificado posteriormente, no início do relacionamento, era positiva. Ema pode, então, ser caracterizada como um indivíduo preocupado. Conforme a descrição de Bartholomew e Horowitz (1991), estes indivíduos costumam ser consumidos pelos relacionamentos, tendem a idolatrar as suas relações, são dependentes dos outros na busca de autoestima. Suas estratégias de resolução de problemas implicam o recurso aos outros. A autoconfiança desses indivíduos é baixa e quando sujeitos a situações de separação, exibem graus elevados de ansiedade. Tais características foram percebidas na participante. Por outro lado, ela não se sente culpada por tudo o que aconteceu com o casal. Em sua perspectiva, no início do relacionamento, eles não fizeram uma escolha consciente: “Porque na verdade, na verdade, a coisa já começou toda errada... Eu nem conhecia ele e ele nem me conhecia, e a gente casou”. Em sua perspectiva, não houve reflexão antes da decisão pela união matrimonial. O marido foi caracterizado como cuidadoso e carinhoso, como ilustra a seguinte fala: “Extremamente carinhoso! Sempre foi, sabe? De deixar bilhetinho na hora que eu acordasse, de deixar café pronto pra mim, as coisas que eu gosto... De comprar tudo as coisas que eu gostava de comer, de levar café na cama... Eu não posso reclamar não!”. Por outro lado, ele era acomodado e não lutava pelos propósitos dela, já que havia divergência de interesses. 95 Ema citou que eles moravam na casa do pai do ex-cônjuge e que ela desejava ter uma casa deles, o que para ele não era um objetivo. Seu comodismo também era percebido em outras áreas de sua vida, como vemos na afirmação de Ema: “Foi meio que uma decepção pra mim também quando eu descobri esse lado dele, que ele era muito acomodado e, nossa, só sabia ficar no sofá chocando e dormindo! Coisa que ele não mudou até hoje!”. Já Ema descreveu-se como uma mulher submissa durante o casamento. Ela deixou de trabalhar por certo período, e só depois voltou a trabalhar, mas sua remuneração era muito baixa. Para a entrevistada, era difícil depender financeiramente do cônjuge. Ademais, ela sentia-se inferior às mulheres que trabalhavam em escritórios ou que tinham outros empregos que pareciam mais importantes que o dela. Com quatro anos de casados, devido a divergências de interesses e ao fato de o excônjuge não ficar muito tempo em casa, o casamento estava caminhando para a separação. Foi quando Ema engravidou inesperadamente e descobriu tardiamente, o que fez com que ela se assustasse muito, pois não imaginava como cuidaria de uma criança, já que era muito dependente. A gravidez ocorreu, assim, em um momento de insatisfação conjugal da parte de Ema. Foi uma gravidez de risco que demandou muito cuidado. Com o nascimento, a entrevistada dedicou-se intensamente ao bebê, o que aumento ainda mais a distância do casal. A infidelidade conjugal Foi nesse contexto no qual Ema estava dedicando-se inteiramente ao bebê e no qual a distância entre os cônjuges estava ficando cada vez maior que Ema descobriu o caso extraconjugal, como demonstra a seguinte fala: Aí desabou de vez. Porque eu sempre atrás do menino e ele saindo, saindo, saindo... Antes, ele voltava pra casa mais cedo. Aí começou... Sabe quando volta pra casa meianoite, uma hora, duas horas... Até que depois de três meses, ele nem voltava. Só voltava no outro dia. Eu comecei a sentir cheiro de perfume horrível nele, que a mulher usava um perfume horrível. Mais uma vez, temos um caso que corrobora a afirmação de Costa (2006) de que a infidelidade pode ocorrer se o cônjuge se sente excluído, quando a esposa está grávida ou se dedicando exclusivamente ao filho, o que é chamado pelo autor de triângulo amoroso por competição. Ema tentava conversar, dialogar a fim de descobrir o que estava realmente acontecendo e 96 o que Augusto pretendia, porém, sem êxito. Ele dizia: “Ah, você está louca! Você está viajando! Imagina!”. Todavia, ela tinha certeza devido às inúmeras evidências como: cabelos da amante, sapatinhos dos filhos dela em seu carro, sinais de bilhetinhos escritos por ele, a reação dos vizinhos, e um número de telefone nas chamadas realizadas do celular para o qual Augusto ligava com frequência. Ema ligou para esse número, que era de um orelhão, o qual foi atendido por um desconhecido. Ela contou sua história e falou que desconfiava que seu marido estivesse tendo um caso extraconjugal com alguém que morava perto dali. Ao descrever as características de seu excônjuge, o interlocutor disse que o vira algumas vezes na casa de outra mulher e se propôs a ajudá-la. Com sua ajuda, Ema foi à casa da mulher e encontrou o ex-cônjuge lá, além de ter visto as roupas do mesmo no varal. Embora sua intenção fosse apenas de mostrar que sabia o que estava acontecendo para Augusto, sua reação imediata foi muito diferente. Seu ex-cônjuge foi mal educado com ela, o que a fez reagir agressivamente, conforme sua fala: Eu arrebentei ele! Peguei ele e bati. Acho que tudo o que estava guardado dentro de mim eu joguei nele. Até hoje eu não acredito na força que eu tive porque eu arrebentei. Só que eu só tive noção disso no outro dia. Porque ele estava todo esfolado, machucado. Augusto também enganava a amante, pois dizia que não tinha mais uma vida conjugal com Ema, mas quando ela percebeu que também estava sendo enganada, acabou sendo agressiva e violenta com ele. Após a briga, Augusto levou Ema para casa. No outro dia, ela ainda escutou o ex-cônjuge conversando com a amante e dizendo que a amava, como ilustra a seguinte frase: Eu ainda tive que acordar e escutar ele ligando pra outra dizendo que amava ela. Eu vou falar pra você, nossa, queria morrer! Ali meu mundo abriu assim, fiquei perdida! Porque ele faltou com respeito de todas as maneiras possíveis comigo, de todas as maneiras imagináveis... Levou uma mulher pra minha casa, pra minha cama, com as minhas coisas... E ainda ligar? Eu era a esposa! Como que ele liga e fala, e pede desculpa pra ela, pra ela perdoar ele? O mundo presumido de Ema precisou, então, ser revisto. Aquele aspecto do mundo interno tido como verdadeiro, sua interpretação sobre o passado e expectativas para o futuro, além de seus planos (PARKES, 1971) foram abalados. Também precisaram ser revistas as três grandes suposições que segundo Janoff-Bulman (1985) podem ser ameaçadas em casos de perda: a suposição da invulnerabilidade; a suposição do mundo como dotado de sentido, o que inclui a crença de que as pessoas merecem o que recebem e recebem o que merecem; suposições positivas sobre si próprio. A ameaça a essas suposições possivelmente trouxe como conseqüência 97 os sentimentos de fraqueza, dependência, desamparo e falta de controle sobre a situação. Ema resolveu voltar para a casa de sua mãe, todavia, ainda tinha a intenção de reconstruir o casamento. A entrevistada contou: Porque quando eu gostava muito dele ainda, eu ainda tinha esperança da gente voltar e dele acordar. Então, ele mesmo vinha pra cá de quinze em quinze dias pra ver o menino, ele dormia na casa da minha mãe... E eu tentava sim reconstruir o meu casamento com ele. Podemos interpretar esse desejo de Ema como uma tentativa de minimizar as perdas, mantendo tudo como estava, especialmente sua crença de que o amor deve ser para a vida toda. Foi Augusto quem decidiu que não queria mais manter o relacionamento conjugal com Ema, pois iria ficar com a amante. Podemos perceber que assim como em seu namoro da juventude, foi seu cônjuge quem optou pelo término do relacionamento. Após a decisão do ex-cônjuge, ela sofreu muito: “E sofri, nossa, como eu sofri! Eu morri por dentro!”. Mais uma vez, seu mundo presumido foi abalado e, conforme vimos no presente, o mundo presumido é uma fonte de segurança muito importante, sendo que qualquer coisa que o mine também minará a segurança (PARKES, 2009). Assim como ao vivenciar infidelidade, Ema enfrentou uma perda ambígua ao ser abandonada e trocada por outra mulher. Na perspectiva de Boss (1999), a perda ambígua é a perda mais difícil enfrentada pelas pessoas, desorganiza a família, altera papéis e gera nova estrutura de funcionamento. Nela, o ausente permanece presente, não havendo um processo linear de enfrentamento. Assim, Ema sofreu muito durante esse processo. Todavia, com o passar do tempo, conseguiu aceitar esse paradoxo. Ema resolveu procurar um advogado para legalizar a separação, o que Augusto não queria para não ter que pagar a pensão alimentícia ao seu filho. Ela passou a lutar pelos seus direitos e desejava que Augusto pagasse por tudo de ruim que havia feito com ela. Portanto, ela decidiu esquecê-lo, como ilustra a seguinte afirmação da participante: “Porque eu sou do tipo assim: eu gosto, gosto até o fim; quando eu esqueço, eu esqueço de vez”. A ambiguidade que anteriormente estava tão presente foi, assim, sendo substituída por pensamentos claros e concretos. Pós infidelidade conjugal Segundo Attig (2002), quando perdemos a presença contínua da pessoa amada, a vida não 98 pode continuar da mesma forma. Emocionalmente, somos desafiados a aprender a carregar a dor da perda pela pessoa amada. Psicologicamente, tem-se que retomar o senso de identidade própria, a autoconfiança e autoestima. Comportamentalmente, é necessário aprender novas maneiras de se fazer as coisas, mudando hábitos. Fisicamente, precisam-se utilizar velhas e novas maneiras de satisfazer as necessidades de comida, abrigo e proximidade. Socialmente, tem-se que mudar padrões de dar e receber dos outros. Intelectualmente, procuram-se respostas para perguntas e significado para os acontecimentos. O enfrentamento intelectual inclui a reconsideração de crenças sobre si mesmo, relacionamentos e a maneira de funcionamento do mundo. Espiritualmente, é preciso redirecionar nossas histórias de vida, aprender novos padrões e maneiras para superação do sofrimento, modificando nossas esperanças. Ema precisou rever todos esses aspectos de sua vida: aprendeu a conviver com a dor pela perda do ex-cônjuge; conseguiu um novo emprego a fim de satisfazer suas necessidades de comida e abrigo e também as de seu filho; novas amizades foram conquistadas; as crenças sobre si mesma, os relacionamentos e o funcionamento do mundo foram revisadas; ela buscou apoio espiritual. Finalmente, aprendeu a ver o lado positivo da vida e a ter novas esperanças. Segundo Ema, ela não sente nenhuma mágoa pelo ex-cônjuge nos dias atuais, mas sim pena: “Pra falar a verdade, tenho até pena. Porque eu construí tanta coisa na minha vida... Eu tenho uma casa confortável, eu tenho uma casa minha, eu tenho uma família... Sou feliz com meu filho... Tenho amigos maravilhosos, minha casa vive cheia!”. Desse modo, a participante valoriza o que conquistou, como a aquisição de sua casa, e a companhia do filho e dos amigos, e acredita que o mesmo não aconteceu com o ex-marido, que parece não ter construído nada durante a vida. Após a separação, Ema teve um namoro durante dois anos, todavia, o relacionamento foi rompido devido a problemas do ex-namorado relacionados ao uso do dinheiro. Atualmente, ela afirmou não estar procurando um parceiro romântico. Apesar de sair frequentemente com homens, não busca um relacionamento sério, pois acredita viver bem da maneira como está. Por outro lado, está aberta para um relacionamento sério, se este for com um homem que tenha os mesmos objetivos que ela. Recentemente, no aniversário de seu filho, Augusto foi à sua casa, pediu perdão à Ema e afirmou que ela é a mulher de sua vida. Contudo, ela disse que não quer mais nenhum tipo de relacionamento com o ex-cônjuge. Segundo Ema, por um lado, foi bom o que escutou porque torcia para que um dia Augusto se arrependesse de tudo o que fez. Por outro lado, atualmente, é 99 indiferente a ele por saber que não é o tipo de homem que deseja para sua vida. Com relação à sua adaptação quando voltou para a cidade de sua mãe, esta foi difícil, já que enfrentou dificuldades financeiras, pois Augusto casou-se com a mulher com quem tinha o relacionamento extraconjugal anteriormente, o que acarretou em diminuição do dinheiro recebido do ex-cônjuge. Além de dificuldade financeira, foi um período difícil em termos emocionais, visto que tinha se separado de Augusto e perdido o pai recentemente, e ainda estava enfrentando problemas no relacionamento com a mãe, que estava muito doente e depressiva, com oscilações de humor. Logo depois, sua mãe também faleceu, fazendo com que Ema vivenciasse muitas perdas em um curto período de tempo, conforme sua fala: O sofrimento que eu estava era de ter perdido ele. Mas se for ver, eu perdi tudo na minha vida numa socada só... Eu perdi meu pai, eu perdi a família que eu achei que eu tinha construído, e perdi minha mãe. Porque minha mãe morreu, o Pedro estava com um aninho. Ao longo da sua vida, portanto, Ema enfrentou diversas perdas, como a morte de seus pais, a perda de seu casamento, do que havia idealizado para o mesmo, além de ter perdido seu parceiro amoroso. Ela enfrentou perdas múltiplas, passando por um processo de luto. Segundo Parkes (2009), a perda é um resultado comum ao amor, é o preço que pagamos ao amar. O luto é uma reação à perda, é um processo de mudança pelo qual as pessoas passam. Cada pessoa fica enlutada de uma maneira, já que o luto é uma experiência única. “Cada um é único, não há dois iguais e isso se reflete nos vínculos que estabelecemos, bem como nas condições da perda daqueles que amamos” (FRANCO, 2002, p.28). No caso de Ema, em meio a tanto sofrimento, ela conseguiu uma reconciliação com a dor, decidiu ver o lado positivo do que estava vivenciando, especialmente por ter um filho carinhoso e amável que precisava dela. Optou por se dedicar ao mesmo e trabalhar muito a fim de proporcionar um bom futuro a Pedro. O relacionamento com sua mãe era intenso, o que a faz sentir falta da mesma até os dias atuais: “Era aquela, aquele tipo que eu deitava no colo dela, mesmo grandona, cavalona assim, eu sentava no colo, ela fazia carinho... Ela era uma pessoa, ah, excelente! Até hoje eu sinto saudade dela”. Todavia, a mãe era depressiva e suas atitudes eram marcadas por ambivalência. Ao mesmo tempo em que fazia tudo pela filha e era carinhosa, não falava com frequência que a amava. Ela também era uma pessoa muito solitária. A perda de sua mãe ocorreu há cerca de seis anos. Ema contou: “É difícil falar dela pra mim porque eu acho que até hoje eu não aceito a 100 morte dela... Porque minha vida ia ser diferente se ela estivesse aqui, seria menos complicado”. Já no que se refere à perda de seu pai, o processo de luto pela morte do pai foi relativamente tranquilo: “Quando meu pai faleceu, eu estava grávida de cinco meses. Só que é lógico, a gente sente, eu senti do meu pai, mas é complicado, né? Era só eu e ela, eu e ela”. Na perspectiva de Franco (2002), diversos fatores contribuem para a compreensão da experiência única do luto, destacando-se a natureza da relação com a pessoa que morreu, ou seja, o seu papel junto aos enlutados. No caso da participante, foi perceptível que o papel da mãe em sua vida era extremamente relevante, o que, dentre outros fatores, pode explicar a diferença entre as reações às perdas materna e paterna. Para superar as perdas, Ema contou que no que se refere à morte concreta, utiliza a estratégia cognitiva de pensar que não tem mais jeito, que deve seguir em frente. Ademais, a fé ajuda-a muito. Já no que se refere às perdas enfrentadas devido à infidelidade conjugal e a consequente separação matrimonial, Ema afirmou que, além da fé, pensa que não perdeu nada, mas que ocorreram apenas mudanças positivas em sua vida, o que a auxilia a seguir em frente. Ela afirmou: “Não é que a gente perde, é que a vida da gente vai mudando e Deus acaba tirando o que não é mais bom pra gente”. Ema ainda vê que sua história serve de ajuda para muitas mulheres, o que ela afirma ser gratificante e acaba fortalecendo-a também. O presente caso mostrou como a infidelidade conjugal pode ser compreendida a partir do conceito de perda ambígua de Boss (1998). Com o caso extraconjugal, o cônjuge estava fisicamente presente, mas emocionalmente ausente, já não apresentando as características que o faziam reconhecer-se como o homem cuidadoso que sempre foi, o mesmo ocorrendo com seu papel no relacionamento conjugal. Na perspectiva de Boss (2002), perdas ambíguas não têm que ser necessariamente devastadoras, e podem apresentar aspectos positivos, como criatividade, amadurecimento, conhecimento e aceitação de limitações. Tais aspectos positivos puderam ser observados na participante. O caso de Ema também mostrou como a infidelidade conjugal implica em perdas múltiplas, como a perda do relacionamento esperado, do parceiro idealizado, de sonhos, desejos e expectativas. Seu sofrimento deu-se especialmente pelo fato de ter sido trocada pela amante, o que acarretou em um intenso sentimento de rejeição (BUUNK e VAN DRIEL, 1989). Por outro lado, o caso extraconjugal propulsionou reflexão. Ema, que anteriormente sobrepunha o projeto amoroso a outros planos de vida, passou a ter outras motivações para viver, especialmente a 101 educação de seu filho e o desejo de mostrar ao ex-cônjuge e às pessoas ao seu redor que é capaz de se refazer, o que é tão bem descrito no seguinte verso da música de Chico Buarque: “Quando você me quiser rever, já vai me encontrar refeita, pode crer”. Caso 3: Que luto? Histórico da participante Karen é católica, tem 47 anos e seu marido, 48. São casados há 27 anos. Têm dois filhos. No que se refere à sua história na família de origem, ela tem duas irmãs e dois irmãos. O casamento de seus pais era caracterizado por brigas constantes, às quais ela atribui como motivos a diferença de idade (o pai era dez anos mais velho que a mãe), o ciúme e alcoolismo do pai, e a depressão da mãe, que chegou até mesmo a tentar suicídio. Durante a infância, Karen foi uma criança brava, chorona e medrosa. Devido ao medo de levantar durante a noite, ela urinava frequentemente na cama. Ademais, ela contou que era gorda e comia excessivamente. Desde a sua infância, foi a filha que se envolvia com os problemas da família, enquanto suas irmãs eram poupadas dos mesmos, o que perdurou por toda a vida, como ilustra a seguinte fala da participante: A Ema (nome fictício da irmã mais nova) não pode aborrecer, porque não está nem aí com a vida... A Kamila (nome fictício da irmã mais velha) porque é sensível, porque é delicada, porque depois pode ficar doente. E eu posso tudo! Eu aguento as pancadas da vida tudo! Na adolescência, Karen teve alguns namoros, mas nenhum deles sério. Ela chegou a ficar noiva, todavia, contra sua vontade. Tal fato ocorreu em um carnaval, quando a participante tinha 15 anos. Ela estava em uma chácara apenas com mulheres e um garoto que estava interessado por ela apareceu no local, o que, segundo Karen, era um absurdo para a época, pois somente as mulheres poderiam ter ido à chácara referida. No dia seguinte, ele foi à sua casa e disse para sua mãe que eles estavam namorando, o que teve início na chácara. Com medo de contar para a mãe que não se tratava de um relacionamento sério, mas que o garoto havia realmente ido à chácara, ela acabou se silenciando. Posteriormente, eles ficaram noivos, mesmo sem que este fosse o desejo da participante. O noivado perdurou por certo tempo, ainda que contra sua vontade. O rapaz chegou a comprar uma casa e o pai de Karen até mesmo auxiliou-o na escolha dos móveis. 102 Foi quando, finalmente, ela manifestou sua opinião, rompendo o noivado. Destaca-se o fato de ela ter compactuado com algo que não desejava por tanto tempo, sua falta de iniciativa e coragem para assumir a responsabilidade pelas próprias escolhas. Foi perceptível que a participante apresenta uma imagem idealizada de si, considera-se poderosa, uma heroína. Dado que a entrevista trata-se de uma construção conjunta, foi notado que Karen também buscava passar essa impressão sobre si mesma para a pesquisadora. No exemplo citado anteriormente, mesmo tendo se silenciado, ela afirmava ser forte, independente, autônoma, poderosa. Segundo Karen, seu principal projeto era profissional, conforme a seguinte afirmação: “Eu sonhava em arrumar um emprego, ter meu carro, ser independente, ter uma profissão”. Todavia, após ter se casado, seu cônjuge não aceitava o envolvimento da participante na área profissional, e ela acabou abrindo mão do que almejava. A participante ainda mencionou que jamais havia se apaixonado, até que conheceu Silas (nome fictício do cônjuge) e se apaixonou por ele. Histórico do relacionamento amoroso Aos 17 anos, Karen conheceu Silas, que foi descrito como a grande paixão de sua vida. Eles conheceram-se na empresa onde trabalhavam. O cônjuge trabalhou nessa empresa até ter se envolvido com os negócios de sua família, quando passou a depender financeiramente do pai, que o pagava quando desejava. Eles namoraram por quatro anos, quando ela engravidou. Karen comentou que Silas foi o primeiro e único homem com quem teve relações sexuais. Durante o namoro, eles costumavam “brincar muito”, ou seja, beijavam-se, abraçavam-se, agarravam-se, mas não ocorria penetração. Na primeira vez em que isso aconteceu, seu filho foi gerado. Devido à gravidez, morou durante um mês e dezesseis dias na casa dos sogros. Ela não suportou conviver com eles, e acabou rompendo com o namorado, voltando para a casa de seus pais, e assumindo o filho sozinha. Eles reconciliaram e acabaram se casando quando a criança tinha quatro meses de idade. Karen, assim, apaixonou-se e se casou com Silas, o que revela que embora sua fala seja marcada pela negação de idealização ou valorização do amor e da paixão, tais sentimentos eram valorizados e almejados por ela. O ideal de amor romântico estava presente e ainda está em sua 103 vida, o tem como consequência a exigência de fidelidade e o desejo por fusão amorosa completa (HADDAD, 2009). Paradoxalmente, foi perceptível em sua fala uma naturalização da infidelidade masculina e uma crença de que os homens necessitam de mais relações sexuais que as mulheres devido ao “instinto masculino”. Conforme aqui apresentado, historicamente, o romantismo relaciona-se a uma dupla moral, o que contribuiu para a naturalização da infidelidade masculina, e ainda faz parte do imaginário ocidental atual (HADDAD, 2009). Foi notável que esse discurso e essa crença estão presentes na vida de Karen. Quanto aos motivos que a levaram a decidir casar-se, Karen mencionou que sempre gostou muito do atual cônjuge. Todavia, em sua perspectiva, o principal fator que contribuiu para que ela aceitasse o casamento foi vingar-se da família de Silas. Segundo Karen, eles comandavam a vida de seu cônjuge e eram pessoas sem valores. Por isso, sua intenção era de dizer não no altar, de modo que conseguiria a vingança da referida família. Ela afirmou: “Porque a minha intenção na hora que o padre perguntasse, era falar não! Descer, pegar o menino no colo e ir embora! E eu ia vingar a família dele!”. Entretanto, Karen contou que muita coisa aconteceu na semana anterior ao casamento. Seu filho teve uma doença respiratória, e Silas passou a dormir em sua casa para ajudar a cuidar da criança. Mesmo assim, ela ainda pretendia dizer não, e foi apenas no altar que acabou optando por aceitar o casamento. Karen relatou: Na igreja, eu demorei pra chegar, foi uma choradeira... Quando eu entrei, o padre perguntou três vezes se eu queria casar... Três vezes ele falou... E eu olhava no colo da minha mãe... Estava todo mundo tenso... Porque eu sabia o que eu queria. Eu não tive coragem! Pensei bem... Falei alto: “Seja o que Deus quiser, eu vou aceitar, vou casar”! Juro que eu pensei isso: mesmo se não der certo, foi porque realmente não era pra ser. Ao menos eu tentei, não vou perder essa oportunidade. Quando se casou, Karen parou de trabalhar durante oito anos porque o marido não aceitava que ela trabalhasse. Dedicou-se aos filhos e se tornou uma excelente dona-de-casa. Todavia, afirmou ter se anulado e se arrependido de ter deixado sua vida profissional durante esse tempo: Não permitia que eu trabalhasse. Eu parei com toda a minha vida quando eu casei. E eu não sei por que... Porque ele me conheceu de saia curta, trabalhando pra arrebentar, e independente... É isso que eu falo pra você que eu não entendo... Eu me traí quando eu fingi que eu aceitei viver a vida dos outros. Porque não era essa mulher que ele casou. Para Karen, essa foi a maior traição de toda a sua vida: ela ter se traído quando se anulou, deixou de trabalhar e ainda permitiu que os sogros comandassem a vida do casal. Durante muitos 104 anos, seu marido participou de alguns negócios com seu pai e permitia que sua família tomasse conta da vida do casal, até mesmo financeiramente. Karen relatou que para realizar compras no supermercado, ela tinha que ir com sua sogra e comprar aquilo que era imposto por ela, o que a revoltava muito. Karen chegou a levantar hipóteses para explicar esse período de sua vida no qual ela afirmou ter se anulado. Ela perguntou: “Será que era curiosidade de conhecer o outro lado? Necessidade de ser taxada de boazinha?”. Compreender seus motivos para ter permitido a continuidade dessa situação é um desejo intenso de Karen, que foi mencionado várias vezes ao longo da entrevista. Mais uma vez, foi perceptível que a participante possui uma imagem idealizada de si e buscou passar essa impressão para a entrevistadora. Mesmo tendo sido passiva e desempenhado ações que não desejava, ela afirmava ser uma mulher forte e independente, como se seu comportamento naquele período não condissesse com quem de fato é. Embora o projeto profissional fosse valorizado pela participante, ela abriu mão do mesmo quando se casou com um homem pelo qual se apaixonou. Ou seja, sua fala apresenta contradições e ambiguidades. Embora tenha sido dito que seu plano era ter uma profissão, ficou implícito que o projeto amoroso sobrepôs-se ao profissional, mas que isto não é reconhecido pela participante. Karen renunciou às aspirações individuais em prol do cônjuge e dos filhos. Embora ela tenha voltado a trabalhar posteriormente, o casamento da participante foi tradicional e hierárquico por muito tempo, marcado pela crença da superioridade do poder masculino sobre o feminino, caracterizado pela relação privilegiada do homem com o trabalho fora de casa e pelo fato de que a exclusividade sexual podia ser esperada apenas pelo homem com relação à mulher, e não viceversa (FIGUEIRA, 1987). Mesmo com sua volta ao trabalho, tais crenças ainda permaneceram presentes em sua vida. Todavia, embora tal fato tenha sido perceptível, jamais foi mencionado por Karen, que se coloca como superior, independente e inabalável. Karen comentou as grandes diferenças existentes entre seu marido e ela: Porque a gente sempre se gostou, podia ser de maneiras erradas, mas a gente sempre se gostou de verdade, com todas as diferenças gritantes que somos... E somos até hoje... Até hoje! Eu amo tecnologia, meu marido abomina computador, essas coisas... Eu sou muito sociável, ele já é mais quieto no canto dele. Ele gosta de mato, de bicho... Eu gosto de gente, de grandes centros. É gritante a nossa diferença! Ela ainda acrescentou: “Era visível a nossa diferença de cultura, de gosto... Mas, ele foi a pessoa que me encantou”. É interessante notar o quanto Karen salientou as diferenças existentes 105 entre ela e o marido, especialmente o fato de ela apresentar um nível cultural superior ao do cônjuge. Podemos inferir que faz parte de seu mundo presumido acreditar em sua superioridade em relação ao cônjuge, o que jamais foi abalado, mesmo após a descoberta da infidelidade conjugal. Com os mecanismos de defesa utilizados pela participante, ela jamais reviu seu mundo presumido. A partir do modelo bidimensional de avaliação da vinculação no adulto de Kim Bartholomew, foi possível perceber que Karen apresenta uma representação de si própria positiva e um modelo negativo de seu parceiro, o que Bartholomew e Horowitz (1991) definem como sujeitos desinvestidos. Na perspectiva dos autores, esses sujeitos acreditam nas suas capacidades, desvalorizam ativamente o papel dos relacionamentos nas suas vidas, apresentam-se emocionalmente frios, racionais e distantes, dando uma imagem de arrogância. A desvalorização ou a supressão dos sentimentos pessoais são visíveis no seu comportamento. Quase não se observa protesto de separação nestes sujeitos e a procura de proximidade também é baixa. Tais características foram observadas em Karen. Ademais, conforme vimos no presente, a identidade pessoal é organizada através da construção da narrativa. Quando uma perda invade uma narrativa pessoal construída previamente, o senso de continuidade do tempo é quebrado e, com isso, a aparente compreensão de si. A tensão resultante desafia o indivíduo a acomodar novas perspectivas a si, sendo esta uma tensão entre continuidade e descontinuidade. O primeiro impulso é o de se tornar a velha pessoa, com a antiga identidade novamente. Todavia, nem sempre isso pode ocorrer plenamente. Após a perda, deve-se reaprender o mundo e reconstruir a própria identidade, procurando novos significados e reorganizando construções prévias sobre si (NEIMEYER et al., 2002). No caso de Karen, o impulso de continuar aquela pessoa com a antiga identidade foi notável. A participante não reaprendeu o mundo ou reconstruiu significados sobre ele. Ao contrário, permaneceu com as construções prévias sobre si e o mundo ao seu redor. A participante comentou que, atualmente, o relacionamento conjugal é tranquilo. Contudo, antes de a infidelidade conjugal ser revelada, ela já se separou do cônjuge duas vezes por curtos períodos devido à ingestão excessiva de álcool e aos negócios da família do mesmo, sendo que estes sempre foram motivos de desavença entre o casal. O excesso de ingestão de álcool ainda é uma característica de Silas, que também fuma, o que incomoda Karen, especialmente porque esses fatores têm interferido em seu desempenho sexual. 106 A infidelidade conjugal Com relação à infidelidade, esta ocorreu há cerca de treze anos, mas foi revelada há três anos, em um momento no qual o casamento estava tranquilo e estabilizado. Karen afirmou que sua revelação foi devida a um processo judiciário contra o cônjuge, porque a pensão alimentícia do filho, que foi gerado durante o relacionamento extraconjugal, nunca havia sido paga. Quando o processo chegou até Silas, ele já estava com ordem de prisão, e por isso, o segredo não poderia ser mantido. Ela contou: “Eu acabei tomando conhecimento... Porque chegou um processo na minha casa... E não foi nem pelo processo. Ele acabou contando, porque esse processo chegou e ele ia ter que manifestar”. Karen passou a impressão de considerar a revelação da infidelidade conjugal, feita pelo cônjuge, ainda pior que sua prática. Ela afirmou: “E foi uma judiação ele ter aprontado o que aprontou e o que é pior, eu tomar conhecimento! Isso aí eu acho que foi uma judiação no nosso casamento”. A partir disso, pode-se inferir que Karen prefere não conhecer os problemas conjugais, e menos ainda, reconhecê-los. Seu desejo parece ser o de permanecer intocável e de não ter que passar por um trabalho de elaboração diante de suas vivências (KAUFFMAN, 2002). Karen atribui como motivo da infidelidade conjugal a intromissão da família de seu cônjuge e a sua permissão para que isso acontecesse. Segundo Karen, a família de Silas mandouo realizar alguns negócios em outra cidade e não permitia que o marido voltasse nem sequer para vê-la. Foi nesse período que ocorreu a relação extraconjugal. Desse modo, para ela, a responsabilidade pela infidelidade conjugal é da família do cônjuge; e também sua, por permitir que eles mandassem em suas vidas. A participante comentou: Eu falo que de tudo o que aconteceu na minha vida, eu não me sinto a culpada, mas eu tenho consciência que foi falta de posicionamento meu, meu! Porque eu deixei a família levar. Eu deixei todo mundo ditar regras na vida dele. Eu deixei, eu deixei tudo acontecer. Eu nunca me posicionei... E eu só não sei por que. Ainda com a intenção de demonstrar que suas atitudes não correspondem à pessoa que de fato é, ela completou: “... que eu falo para você que eu me traí, quando eu fingi que deixei tomar conta. Porque eu nunca aprovei. Eu amava ele, mas não tinha que aprovar eles vivendo a nossa vida, e dentro da minha casa, e palpitando, e levando”. Assim sendo, Karen não apontou a infidelidade conjugal como responsabilidade do 107 cônjuge, mas sim de sua família e principalmente dela, por permitir que eles comandassem a vida do casal e seus filhos. A imagem do cônjuge permanece idealizada e, embora a participante tenha afirmado não tem um sentimento de culpa, mas sim consciência de sua responsabilidade, foi perceptível que existe uma autoculpabilização de sua parte. De acordo com a participante, outro erro cometido por ela foi ter se dedicado à sua família de origem. Karen sempre foi a irmã cuidadora. Era ela quem cuidava dos irmãos mais novos durante sua infância, e isso se estendeu por toda a vida. Na velhice dos pais e durante o período em que eles mantiveram-se separados devido ao alcoolismo do pai, era ela quem cuidava dele. E mesmo a mãe, que passou a residir em uma cidade vizinha, era assistida por ela. Diante de qualquer tipo de ajuda da qual a família necessitasse, Karen cumpria o papel de cuidadora. Ela afirmou: “Eu sempre acudi a minha família! Sempre coloquei a minha família em primeiro plano, como se eu tivesse a obrigação de acudir o mundo! E eu abri mão dele. Eu sempre abri mão dele, sempre deixei ele em função disso”. Assim, ela acredita que ter optado por priorizar a família de origem pode ter contribuído para a ocorrência da infidelidade conjugal: “Mas eu tenho consciência que por muitas vezes eu falhei nesse lado conjugal, nessa parte da minha vida, por escolher acudir a minha família, entendeu?”. Desse modo, na perspectiva da participante, os problemas conjugais enfrentados por ela sempre tiveram origem exterior. Para ela, a família do cônjuge e sua própria família atrapalhavam seu relacionamento conjugal. Podemos compreender o caso de Karen a partir da afirmação de Kauffman (2002) sobre a relação entre o conceito de luto não reconhecido e o conceito de melancolia de Freud, no qual o narcisismo está presente, pois, ao invés de ser realizado o trabalho de luto, o ego preocupa-se com sua própria culpa. Karen parece estar tão presa neste sentimento, que não abre espaço para o reconhecimento de sua realidade, e o consequente processo de luto. Este, nem sequer inicia-se. Ela ainda apontou como motivo para a infidelidade conjugal as oportunidades frequentes na cidade em que o cônjuge residiu. Ela comentou: “Não sei te falar se era a ausência, a distância... Tudo muito fácil, porque lá tudo era muito fácil”. Podemos encontrar no modelo de investimento, utilizado frequentemente a fim de apontar preditores para a infidelidade, as alternativas ou oportunidades disponíveis como um dos fatores que podem contribuir para a prática da infidelidade. Como vimos no presente estudo, de acordo com esse modelo, indivíduos menos comprometidos, menos satisfeitos, com menos investimentos no relacionamento atual e com mais alternativas apresentam maiores possibilidades de serem infiéis aos seus parceiros 108 (RUSBULT, 1980; DRIGOTAS, SAFSTROM e GENTILLA, 1999). Contudo, Karen, em momento algum, menciona o nível de compromisso de seu cônjuge ou seu investimento no relacionamento como preditores da infidelidade. Ela vê apenas as alternativas disponíveis e também suas falhas no relacionamento conjugal, não sendo capaz de identificar as de seu cônjuge, mantendo sua imagem idealizada. Karen ainda mencionou que, para ela, optar pela não consumação de um caso extraconjugal é uma questão de caráter, sendo este o motivo para a manutenção de sua fidelidade durante todos esses anos de casamento. Todavia, em momento algum, apontou para a responsabilidade de seu cônjuge pelos seus atos. Ao ser revelada a infidelidade conjugal, sua reação imediata foi a de agredir o cônjuge e mandá-lo embora de sua casa. Logo em seguida, ela estragou o carro do marido ao chutá-lo repetidas vezes. Posteriormente, pegou seu próprio carro e dirigiu o mesmo durante muito tempo, enquanto chorava muito. Então, ela foi à casa de uma de suas irmãs, com a qual dividiu o ocorrido. Ela contou: “Eu precisava falar, eu precisava... Eu não acreditava, entendeu? Eu precisava falar pra escutar, pra ver se era real o que eu estava ouvindo”. No outro dia, Karen trabalhou normalmente e levou sua vida da maneira como estava habituada. O cônjuge mandou flores para ela no local onde trabalha, pediu perdão, e depois de algum tempo, eles acabaram reconciliando. Outra atitude tomada por Karen logo após a revelação da infidelidade conjugal foi a de romper definitivamente com a família do cônjuge. Ela contou: E quando eu tomei essa decisão foi por conta da traição, porque eu acho que eles me traíram mais do que o Silas... que eles mandavam na minha vida, eles manipulavam a minha vida, eles vigiavam a minha vida. Porque eu não tinha o gosto de ir na missa quando o Silas estava viajando. Eles não deixavam eu escrever carta pro meu marido. Tudo eles faziam do jeito deles! Eles manipulavam a minha vida e a vida dessa idiota (a amante). Porque diz que ela não contou porque eles falaram pra ela que eu era extremamente brava e que, com certeza, que eu ia tomar uma atitude que ela não ia ficar satisfeita, então, que era pra ela tomar cuidado comigo... Manipularam a vida dela e a minha! Eles não tinham esse direito de brincar de ser Deus! Karen relatou um episódio ocorrido durante o período em que ela morou na cidade em que ocorreu a infidelidade conjugal. Ela estava na mesa com o cônjuge, seus pais e irmãs. Eles perguntaram a ela qual seria sua reação caso descobrisse que outra mulher estava grávida de Silas. Ela disse que se separaria dele, e ainda afirmou: “Então eu simplesmente daria as costas pra ele, ia cuidar dos meus filhos e se fosse preciso, cuidaria dessa criança também!”. Em sua 109 perspectiva, foi sua resposta que contribuiu para que o caso não fosse revelado. A participante mencionou que a família do cônjuge, então, acabou abafando o caso extraconjugal, tendo inclusive, convencido a mulher que se encontrava grávida, naquela época, a permanecer calada. Ou seja, para ela, a família do cônjuge foi a responsável pelo o que aconteceu em sua vida conjugal, além de ela ter sido culpada por ter permitido a intromissão dos mesmos. Para Karen, ter rompido com a família de Silas foi sua principal reação à infidelidade conjugal. Tal fato mostra mais uma vez a permanência do que foi idealizado e como não houve nenhum tipo de reconhecimento ou elaboração da perda. O relacionamento e o parceiro permanecem idealizados, assim como suas crenças sobre si própria, já que ela ainda se considera uma mulher forte, inteligente, e que teve atitude por ter rompido com a família de Silas. Já a família do mesmo, continua sendo vista como a vilã da história, como sempre foi desde sua gravidez. Pós Infidelidade Conjugal Quanto aos impactos da revelação da infidelidade conjugal, Karen contou que a maioria deles surtiu um efeito positivo em sua vida. Para ela, com a infidelidade conjugal, foi possível assumir a posição que ela sempre quis referente à imposição de limites para a família de seu cônjuge. O relacionamento conjugal também se dá ao seu modo atualmente, visto que as regras são impostas por ela e o cônjuge não tem mais como argumentar. Ademais, ela retomou alguns de seus sonhos, como o de realizar um curso de graduação. Mesmo quando se separou durante curtos períodos, duas vezes anteriormente à revelação da infidelidade conjugal, devido à ingestão excessiva de álcool pelo marido e aos negócios de sua família, para ela, os efeitos em sua vida sempre foram positivos. Porém, na vida do cônjuge, negativos. Karen contou que na primeira vez que saiu de casa, ela realizou cursos, e tirou sua carteira de habilitação. Assim sendo, em sua perspectiva, tanto a infidelidade conjugal quanto as duas separações enfrentadas pelo casal acabaram suscitando impactos positivos em sua vida. Tal suposição mantém seu mundo presumido, que parece como uma de suas suposições a de que ela é quem leva o relacionamento conjugal e o próprio cônjuge para frente. Sem ela, a vida dele não daria certo! É exatamente por não reconhecer essa perda e não sentir ameaças em seu mundo 110 presumido que a infidelidade conjugal não abalou a autoestima de Karen, que se considera uma mulher interessante até os dias atuais e acredita que a infidelidade conjugal não pode ser justificada por falta de sensualidade ou atratividade de sua parte. A participante disse: “Não me traiu porque eu era uma mulher feia, não me traiu porque eu deixei de ser interessante ou sensual, não me traiu porque eu sou ruim de cama”. Para Karen, os impactos positivos da infidelidade conjugal foram bem maiores que os negativos. Em meio aos impactos negativos, a perda da admiração que tinha pelo cônjuge foi citada por ela. Contudo, isto não pareceu ter ocorrido. Ela ainda contou que jamais sentiu ódio do cônjuge, mas sim de sua família. Segundo a participante, atualmente não sente nada pela família do mesmo, nem mesmo ódio, é simplesmente indiferente a eles, o que também contradiz suas atitudes. Ela mencionou sentir nojo da mulher com quem seu cônjuge relacionou-se: “Porque dela, é lógico que eu tenho rancor, tenho nojo”. Já com relação aos seus sentimentos pela criança, provável fruto desse relacionamento, ela afirmou: Eu não sinto pena, mas também não sinto raiva, mas também não gosto do menino! Não gosto também! Só que ao mesmo tempo, acabo tendo dó, porque é uma fatalidade também... Caramba! Que destino dessa pessoa! Vir para o mundo sendo renegado desse jeito! Todavia, Karen disse que tanto seu cônjuge quanto o pai dele relacionaram-se sexualmente com a mesma mulher naquela época. Por isso, ela desconfia que a criança possa ser de seu sogro. Silas ainda não realizou o exame de DNA, o que aumenta sua desconfiança. Enquanto isso, ele tem pagado a pensão alimentícia, mas jamais chegou a conhecer a criança. Tal fato também mostra seu desejo de deixar a situação como está, de não ter que realizar nenhum tipo de trabalho de elaboração da perda, já que, podemos supor, que se ela quisesse conhecer a realidade profundamente, teria lutado para que o marido realizasse o exame de DNA. Acreditar na possibilidade de a criança ser de seu sogro mantém o mesmo como o vilão da história, mas contraditoriamente, não apaga a infidelidade conjugal, visto que é sabido que tanto seu cônjuge quanto o sogro tiveram relações sexuais com a mesma mulher. Mesmo assim, mantém sua suposição de que os sogros são os vilões, e o cônjuge, uma pobre vítima. Quanto à reação de seus filhos quando descobriram a infidelidade conjugal do pai, Karen mencionou que eles ficaram muito tristes e chocados. Todavia, Karen considera que o 111 relacionamento dos filhos com o cônjuge também melhorou após essa descoberta, especialmente porque o cônjuge aceitou sua exigência de deixar de conviver com a família dele. Com isso, e pelo fato de Silas atualmente trabalhar e viver sem a ajuda dos pais, Karen acredita que os filhos passaram a respeitá-lo mais. Com relação ao cônjuge, Karen acredita que a infidelidade conjugal gerou consequências negativas em sua vida. Além do pagamento da pensão alimentícia, ela acredita que o episódio acarretou em muito sofrimento para Silas, sendo que este ainda está presente até os dias atuais. Karen descreveu: “Porque ele sofre! Ele sofre por ter feito o que fez, porque ele fala pra mim que eu não merecia”. Karen revelou que, devido à infidelidade conjugal, pensou na possibilidade de divórcio. Ela disse: “Foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça... A primeira coisa! E eu bati um tempo nessa tecla!”. Entretanto, acabou optando por permanecer casada especialmente por desejar vingar-se da família de seu cônjuge. Ela afirmou: “De imediato, eu acho que foi fazer queda de braço com a família”. Desse modo, segundo Karen, tanto a sua decisão por se casar quanto a de manutenção do matrimônio foram motivados pelo desejo de se vingar da família do cônjuge. Ou seja, suas falas indicam um motivo superficial para seu casamento e decisão de permanência matrimonial. Não há nenhum tipo de elaboração e compreensão de sua realidade. A participante ainda pensou na possibilidade de ele ficar com outra mulher ou até mesmo com a mãe da criança, o que contribuiu para que ela permanecesse casada. Todavia, posteriormente, afirmou não ter se deixado mais influenciar por esses pensamentos, até porque acreditava que tal fato jamais aconteceria e que ela não se importaria caso acontecesse. Ou seja, manteve sua crença de que é intocável e de que, em seu mundo presumido, ela jamais será trocada por outra mulher. Ao afirmar que, caso isso acontecesse, não se importaria, apresentou-se emocionalmente fria, racional e distante, desvalorizando os sentimentos pessoais, o que, mais uma vez, corrobora nossa hipótese de Karen enquadrar-se na categoria dos sujeitos desinvestidos descritos por Bartholomew e Horowitz (1991). Ela também optou por permanecer casada por gostar do cônjuge e de sua companhia. Ela admira algumas qualidades do cônjuge, como a de ele ser trabalhador, humano e amável. Ademais, Karen acredita que, sem ela, Silas não vive bem, pois observou que quando eles se separaram anteriormente, sua vida permaneceu estática e ele também ingeriu bebidas alcoólicas excessivamente. Por isso, ela não gostaria de ver tais fatos acontecendo novamente. Vale notar 112 que na perspectiva de Karen, seu cônjuge precisa e depende dela para levar sua vida. Ela afirmou que tem convicção de que sem ela, a vida do mesmo não vai para frente. Novamente, ela colocase como a heroína que salva a vítima dos vilões: seus sogros e bebidas alcoólicas. Karen não acredita ser melhor que o marido por jamais ter sido infiel, pois considera apresentar defeitos assim como ele. A participante citou que evitou, por diversas vezes, o envolvimento do cônjuge em situações que ela diz ser do “mundo” dela, por temer sentir-se constrangida em relação a ele. Sendo assim, ela acredita que não pode ser vista como uma pessoa tão boa. Afinal, temeu envergonhar-se do próprio marido devido ao seu baixo nível cultural. Com isso, mais uma vez, ela á apontada como culpada e a imagem do cônjuge permanece idealizada, além de descrevê-la como culta, e o cônjuge, como ignorante. Ademais, para Karen, até mesmo sonhar e desejar outros homens é considerado infidelidade conjugal: “Mas a gente sonhar, desejar ou imaginar, isso já é traição!”. Desse modo, em seu ponto de vista, ela não tem motivo para se considerar superior ao marido por sonhar com outros homens, apesar de não concretizar esses desejos. Tanto ela quanto o cônjuge veem o caso extraconjugal relacionado apenas a uma necessidade física, sem qualquer envolvimento emocional. Silas até mesmo chegou a afirmar que teria sido melhor ter se relacionado sexualmente com um animal, o que revela sua concepção de que sua atitude foi motivada apenas por uma necessidade biológica. Tal fato pode ter contribuído para que ela permanecesse casada e mantivesse a concepção de que Silas foi uma vítima da necessidade sexual masculina, que é naturalizada pelo casal. Com relação à vida conjugal atual, de acordo com Karen, a convivência com o cônjuge atualmente é tranquila, mas um fator que prejudica o casamento é o fato de ele beber excessivamente. Todavia, ela afirmou que atualmente não se incomoda com as atitudes do cônjuge. Embora seu casamento passe por períodos de altos e baixos, ela procura não se afetar devido aos problemas conjugais. Ela disse: “Só que eu gosto que seja assim! Porque me incomodava quando eu sofria... E eu não sofro! Entendeu? É tranquilo!”. Assim, a participante adotou como estratégia não se deixar afetar pelas dificuldades presentes no casamento. Em outras palavras, optou por não enxergar, conhecer ou reconhecer as dificuldades conjugais e as perdas vivenciadas no relacionamento, mantendo tudo como está. Não lidar com as dificuldades é, então, uma característica de Karen que foi demonstrada em diversos momentos. Por outro lado, ela acabou afirmando estar incomodada pelos problemas sexuais do casal, 113 especialmente por gostar muito de sexo. Ela acredita que o desempenho sexual do cônjuge tem sido prejudicado pela ingestão excessiva de bebidas alcoólicas e por ele ainda fumar muito. Ou seja, na área sexual, ela vê a responsabilidade de Silas mantendo apenas a idealização de si própria como uma mulher desejável, atraente e “boa de cama”. Desse modo, as perdas que podem ser vivenciadas em casos de infidelidade conjugal, como a do parceiro e relacionamento idealizados, além da perda da própria imagem esperada, simplesmente não foram reconhecidas por Karen. Este não reconhecimento impediu o processo de luto, que é uma reação normal às perdas enfrentadas durante a vida, e pode auxiliar na compreensão daquilo que foi vivenciado, na significação e prosseguimento da vida (FREUD, 1917; CASELLATO, 2004, 2005). Podemos inferir que esse processo não foi realizado e suas idealizações permanecem presentes. Já com relação às demais perdas enfrentadas durante a vida, para Karen, a mais difícil foi a de seus pais devido ao forte vínculo existente no relacionamento com os mesmos. Enquanto a infidelidade conjugal não foi reconhecida como uma perda, a morte de seus pais foi concebida como dolorosa, o que pode ter possibilitado elaboração. A participante chorou e lamentou por essa perda, tendo havido a chance de o trabalho integrativo do processo de luto ter sido realizado. Todavia, como as informações que temos são insuficientes e nosso foco não são perdas por morte concreta, não será analisada aqui a possibilidade de este processo de luto ter sido ou não complicado. Karen citou como fator que a ajudou a lidar com as perdas reconhecidas por ela a não desistência de sonhos. Dentre esses sonhos, estão a faculdade que está realizando, e o desejo de conhecer seus bisnetos. Karen assegurou amar muito a vida, o que a faz prosseguir sempre. Podese afirmar também que o vínculo com as irmãs podem auxiliá-la no enfrentamento de perdas. Ela tem suas irmãs como bases seguras e contou como elas sempre contam histórias e constroem narrativas a respeito da época em que os pais eram vivos. Uma serve como suporte e apoio à outra em momentos de crise referentes à perda dos pais. O caso de Karen pode ser caracterizado por um luto não reconhecido intrapsiquicamente, conforme citado por Corr (2002) e descrito por Kauffman (2002). Ao longo da entrevista, foi perceptível que a participante não conseguiu ou se recusou a reconhecer seu próprio luto, não tendo ocorrido nenhum tipo de reflexão interna sobre a situação. O sentimento de culpa apareceu várias vezes, além da culpabilização de seus sogros, enquanto a imagem de seu cônjuge 114 permaneceu idealizada. A culpa e o consequente não reconhecimento do luto têm mantido a idealização e a ilusão, de modo a esconder de Karen aquilo que foi perdido. Ela transmitiu a mensagem de que não ocorreu perda alguma, negando a vivência de sua realidade. Tal fato possivelmente impediu o início do processo de luto e seu trabalho integrativo. O caso da participante demonstrou a possibilidade de perdas não concretas (como as acarretadas pela morte) não serem reconhecidas pela sociedade, e também de maneira intrapsíquica. Devido ao impedimento do processo de luto e elaboração das perdas, lutos não reconhecidos de maneira intrapsíquica merecem atenção clínica e consideramos que este caso pode ter contribuído para a compreensão dessa vivência e da relevância de se franquear, validar e legitimar esse tipo de luto. Caso 4 – Processo de luto normal Histórico da participante Helena, 44 anos, foi criada no catolicismo e atualmente, frequenta uma igreja evangélica esporadicamente. É bem-sucedida profissionalmente, com uma vida social ativa, uma ampla rede de amigos, recém-divorciada e a poucos meses de um novo casamento. Enfatizou o quanto sua infância foi maravilhosa, o quanto se sente realizada ao se falar desse período da sua vida e como suas lembranças dessa fase são ótimas. Ela tem um irmão com quem é muito unida e atribui essa união à sabedoria de sua mãe. Com relação ao casamento de seus pais, lembra-se de altos e baixos devido ao fato de seu pai não ter tido equilíbrio com relação ao uso do dinheiro. Ademais, eles brigavam muito devido à intromissão da família de seu pai na vida do casal. Quando Helena tinha dezesseis anos, o pai morreu inesperadamente ao ser acometido por um infarto em uma partida de futebol. A mãe de Helena teve como o grande amor de sua vida um namorado da juventude. O namoro deles foi interrompido porque a família dela era contra, especialmente por ele não ser bem-sucedido financeiramente. Devido à intromissão da família, ela acabou por se casar com o pai de Helena. Apenas dois meses após ter ficado viúva, casou-se novamente com aquele namorado pelo qual era apaixonada, que se tornou o padrasto de Helena. O histórico de 115 relacionamentos amorosos da mãe é muito semelhante ao de Helena, como veremos adiante. Podemos dizer que, ao observar a história de sua mãe, Helena construiu um conjunto de crenças sobre os relacionamentos e as pessoas (FURMAN e SIMON, 1999). Uma delas possivelmente é a que a paixão da juventude pode ser aquela metade tão almejada, a alma gêmea descrita por Haddad (2009). Com relação aos projetos da participante para sua vida futura quando jovem, ela desejava viver intensamente, viajar, conhecer novos lugares e ser independente financeiramente. Helena contou: Eu sempre gostei de ser independente. Então, se hoje eu estou aqui, foi porque aqui me deu uma independência. Eu não fui por amor à minha profissão, eu fiz por amor à minha independência. Então, eu precisava do dinheiro e eu gostava de me manter. O casamento tradicional não fazia parte de seus planos, embora vivências amorosas e experiências românticas fizessem. Ela relatou: “Eu sempre fui namoradeira, mas eu nunca sonhei em entrar de véu e grinalda na igreja. Meu sonho era viajar, passear, ter muitos amores, muitas experiências”. Foram muitos seus namoros durante a adolescência e juventude. Ela também foi estudar no exterior, o que a ajudou a adquirir independência e autonomia sobre a própria vida. Foi perceptível que, diferentemente das demais mulheres entrevistadas, Helena jamais sonhou ou teve um relacionamento amoroso hierárquico, mas sim igualitário (FIGUEIRA, 1987). Ao contrário de um modelo caracterizado pela relação privilegiada do homem com o trabalho fora de casa, Helena sempre estudou, trabalhou e foi financeiramente independente. Histórico do relacionamento Helena conheceu seu ex-cônjuge, Rafael, enquanto namorava outro rapaz. Com isso, rompeu imediatamente seu namoro. Helena contou: “Na hora! Na hora! Rompi na hora! Eu, o dia que eu vi o Rafael, eu sabia que ele era o homem da minha vida... Eu me apaixonei perdidamente”. Todavia, sua família era contra, especialmente porque o namorado de Helena da época era de uma família conhecida na cidade e muito bem-sucedido financeiramente. Rafael, por sua vez, estava em processo de divórcio, tinha uma filha e não tinha tanto dinheiro na época. Como estava apaixonada, Helena enfrentou a família e se casou, mesmo sem a presença de 116 nenhum familiar no dia do casamento. Pôde-se perceber que Helena valorizava o amor romântico, a fusão amorosa, tendo se disposta a enfrentar sua família em prol de sua paixão. Sem deixar de prezar sua independência financeira, entregou-se completamente a Rafael. Ademais, a expectativa de fidelidade estava presente (HADDAD, 2009). O ex-sogro de Helena era muito bem-sucedido e deu todo o dinheiro que poderia ser usado uma festa de casamento para eles gastarem na lua-de-mel, visto que ela optou por não tê-la devido à ausência de sua mãe. Segundo Helena, a lua-de-mel foi maravilhosa, assim como o início de sua vida conjugal. Entretanto, assim como a vida conjugal de seus pais, a dela foi marcada por altos e baixos porque Rafael também não tinha equilíbrio no que se referia ao uso do dinheiro. Helena afirmou: “A minha vida com o Rafael era um looping”. O ex-cônjuge presenteava-a com frequência, eles viajavam bastante e tinham uma vida luxuosa. Por outro lado, ela nunca sabia se poderiam manter o mesmo padrão de vida, conforme sua fala: “E, ao mesmo tempo, quando eu achava que ele estava rico, ele estava pobre; quando eu achava que ele estava pobre, ele estava rico. Eu nunca sabia do dinheiro, das finanças dele”. Quem auxiliava o casal a manter uma vida suntuosa era sua ex-sogra, e ela temia perder essa ajuda. Helena relatou: E a minha bronca foi justamente isso... Enquanto a mãe dele estivesse viva, eu ia viver que nem uma rainha, mas e depois? O que eu ganho não ia dar pra sustentar nós dois no luxo que era. Segundo Helena, o ex-cônjuge trocava de hobbies frequentemente, e estes eram caríssimos. O último foi construir um ultraleve, sendo que ele iria viajar com o mesmo aos finais de semana e ela não concordava em participar dessa aventura. Helena já estava desejando a separação, mas a construção do avião foi definida pela participante como a gota d´água para a sua decisão. Ela relatou que quando o ex-cônjuge contou a ela o quanto iria gastar com essa construção, ela não considerou justo até porque jamais chegaria perto do ultraleve. Ele ainda desmontou toda a sala a fim de concretizar seu projeto. Ao questioná-lo, ele disse: “Ninguém mandou você ser jacu!”. A partir desse momento, Helena decidiu que iria divorciar-se. Podemos compreender essa vivência de Helena como uma perda ambígua (BOSS, 1998, 2002, 2006). A participante casou-se completamente apaixonada por Rafael e com a possível idealização que de eles seriam companheiros e parceiros um do outro por toda a vida. Tal fato realmente ocorreu por muito tempo, pois o casal viajava junto frequentemente e Rafael incluía a 117 esposa em todos os seus hobbies. Helena chegou a optar por não ter filhos por considerar, na época, que a companhia do cônjuge seria suficiente para sua satisfação. A construção do ultraleve implicava na exclusão de Helena das atividades de Rafael, visto que ele afirmou que iria viajar com o mesmo todos os finais de semana, deixando-a em casa. Foi então, preciso que Helena elaborasse o luto pelo parceiro idealizado. Aquele homem que sempre esteve ao seu lado, iria deixá-la frequentemente e ainda, demonstrou desprezo por ela ao afirmar: “Ninguém mandou você ser jacu!”. Esta frase demonstrava que o fim da parceria do casal simplesmente não iria fazer falta para ele, o que magoou Helena profundamente. Desse modo, seu casamento entrou em crise, especialmente devido à má administração financeira de Rafael, ao seu novo hobby do qual ela não concordava em participar, e por último, à suspeita de infidelidade conjugal. A infidelidade conjugal Helena descreveu que além das questões referentes ao uso do dinheiro, suspeitava de um caso extraconjugal, conforme sua fala: “E outra, ou ele ia ficar paupérrimo ou ele vai ficar rico, e eu não vou ficar aqui esperando. Sem contar que eu já suspeitava que ele estava me traindo, só não consegui saber com quem, como, porque eu não consegui pegar, eu só peguei depois”. Sua separação conjugal foi premeditada e planejada por seis meses. Helena decidiu que só iria revelar sua decisão quando fosse possível sair com todos os seus direitos, conforme ilustra seu relato sobre o que pensou naquele momento: Eu vou sair com todos os meus direitos... Metade da casa, metade da roça, metade de eucalipto, metade da herança que ele tem pra receber. Eu vou esperar! Se ele quiser ter amante, ele pode ter amante. Vou viver minha vida, vou trabalhar, vou fazer minhas coisas, vou gelar esse homem. Foi possível perceber que tais ações objetivavam vingança do ex-cônjuge. Arent (2009) descreve como as mulheres costumam ser vingativas e infiéis por vingança. Helena não teve um caso extraconjugal, mas seus planos relacionados à separação conjugal, a exigência de bens materiais, a falta de atenção e até mesmo de relações sexuais com o ex-cônjuge referem-se claramente a atitudes vingativas. Também foi possível compreender que a participante utiliza os argumentos relacionados ao dinheiro como uma forma de racionalização. Ao falar sobre o 118 mesmo, não descreve com profundidade seus sentimentos e controla a emoção. Ela atribui como motivos para o relacionamento extraconjugal, a falta de caráter e compromisso de Rafael, mas também sua atitude de evitar as relações sexuais, conforme ilustra a seguinte fala: “Então, assim, eu tenho consciência que ele é um safado, sem vergonha, mas eu também empurrei ele pra amante dele, porque eu também não quis mais sexo com ele desde então. Não quis mesmo, eu peguei nojo dele”. Foi notável a naturalização da infidelidade masculina (HADDAD, 2009) e a crença de que os homens, quando têm conflitos conjugais, procuram sempre uma amante. Quando os conflitos conjugais surgem, não se conversa sobre os mesmos. Tal profecia autorrealizável, que se relaciona principalmente à cultura e ao gênero, serve também para que Helena continue com uma visão positiva de si, “saindo-se bem” ao relatar sua história. Outra crença que podemos apontar na participante é a de que assim como as pessoas apaixonam-se, desapaixonam-se. Tal suposição também evita uma fala mais profunda a respeito de sentimentos, permitindo controle emocional. Ademais, ela mantém uma visão positiva de si, conforme mencionado por Bartholomew e Horowitz (1991). Só depois de já ter se decidido pelo divórcio, Helena encontrou provas da infidelidade conjugal ao ver no celular de Rafael uma mensagem da amante. Ela chegou a contratar um detetive, mas este não conseguiu descobrir o caso extraconjugal na época. Apenas após a separação, Helena soube quem era sua amante. Tratava-se de uma mulher casada, que chegou a se divorciar para ficar com Rafael. Atualmente, provavelmente eles estão juntos, mas Helena não sabe se é um relacionamento com exclusividade sexual. Helena relatou que embora já estivesse decidida com relação ao divórcio, ter visto a mensagem no celular de Rafael acarretou em muitas mudanças. Ela relatou: “Porque tanto que quando eu vi a mensagem, eu queria matar ele! Só que aí eu fui fria, calculista”. Helena passou a fazer com que o ex-cônjuge assinasse papéis que passavam os bens para seu nome, além de uma procuração. Mais tarde, após a separação, Helena soube que a amante de Rafael era uma mulher de quem ela havia desconfiado ao vê-la piscando para o ex-cônjuge em um barzinho. Todavia, ele negou, afirmou que jamais teria um caso extraconjugal com uma mulher casada e com filhos. Na época, Helena acreditou, o que causa revolta na participante. Ela afirmou que a construção do avião e outras questões relacionadas à área financeira 119 foram mais dolorosas para ela que o caso extraconjugal, conforme indica o seguinte relato: “Olha, se fosse pela traição talvez teria jeito, mas a maior traição que ele fez comigo foi o desprezo, foi ele chegar pra mim e falar: ‘Eu não mandei você ser jacu!’. Depois de todos os anos juntos... E a mentirada, nossa, uma mentirada de dinheiro”. A partir desse exemplo, podemos supor que Helena esperava de seu cônjuge um homem companheiro, que solicitasse e desejasse sua presença. Por ter se casado apaixonada, provavelmente, idealizava um parceiro que, mais tarde, constatou não existir. Essa desilusão levou ao processo de luto pela perda do parceiro e relacionamento idealizados. A infidelidade conjugal não foi o fator principal que a levou ao divórcio. Como já apresentado no presente estudo, ao se considerar o divórcio, diversos fatores são considerados, sendo a infidelidade, quando presente, apenas um deles. Rasmussen e Ferraro (1991) argumentam que embora fatores como sexo extraconjugal, excesso de bebida e dificuldades financeiras estejam frequentemente presentes nos processos de divórcio, não são necessariamente as causas deste, conforme pudemos observar neste caso. Embora Helena não tenha realmente ficado com todos os bens de Rafael, foi uma vingança para ela ter mostrado os papéis para o mesmo, conforme sua fala: “Mas o meu gosto de olhar na cara dele e mostrar para ele as cópias de tudo que ele tinha assinado para mim! (risos). Esse dia não teve preço! (risos). Isso foi ótimo!”. Pós infidelidade conjugal Tanto com relação à infidelidade conjugal quanto ao processo de divórcio, Helena acredita que o fato de não sentir mais nada por Rafael auxiliou-a a enfrentar essas situações. Para ela, quando o caso extraconjugal foi descoberto, a falta de envolvimento emocional foi útil para que ela fosse mais racional. Assim que Helena separou-se de Rafael, ela reencontrou um namorado de sua juventude, assim como a história de sua mãe. Durante a juventude, Paulo correspondia às suas expectativas de amor romântico, conforme sua afirmação: “Ele era super romântico... Ele mandava flores brancas todo mês onde eu estivesse”. Eles namoraram por quase dois anos. Como Paulo morava em outra cidade, encontravam-se quinzenalmente. E como Helena gostava muito de namorar, às vezes, ficava com outros rapazes, mas assim que Paulo chegava, largava de quem fosse para estar 120 com ele. Os momentos que passavam juntos eram muitos prazerosos, como ilustra a fala da participante: “Então, foi uma delícia o namoro! Uma delícia! Era só passear de carro, ouvir música, beijar na boca...”. Devido à distância, o namoro acabou não dando certo. Posteriormente, Paulo ligou para Helena e disse que conseguiria ficar perto de sua cidade, mas ela já estava com Rafael e apaixonada por ele. Após vinte anos, Paulo e Helena reencontraram-se por acaso em um jardim da cidade, mas como a aparência física de Paulo não era mais atraente, Helena não se interessou pelo mesmo. Ademais, ela ainda estava satisfeita com seu casamento na época. Após esse reencontro, Paulo mandou flores para a participante, que nem sequer agradeceu por elas. Seis meses passaram-se, quando a mãe de Paulo ligou para Helena querendo saber como estava seu casamento. Ela afirmou que como optou por não ter filhos porque anteriormente, para ela, Rafael bastava, acreditava que estavam fazendo falta naquele momento, pois o relacionamento conjugal estava um pouco desgastado. Todavia, não considerava a possibilidade de divórcio. Mais seis meses passaram-se quando ela reencontrou Paulo em um shopping. Neste período, Helena já havia decidido que iria se separar e contou a Paulo sobre sua decisão. Com isso, Paulo ligou para a mãe de Helena e pediu para que ela o avisasse assim que ocorresse a separação conjugal porque aquela era a mulher de sua vida. Assim sua mãe o fez. Ela ligou para Paulo no dia seguinte à separação. Desse modo, pudemos observar uma repetição da história e do comportamento materno. Os dias após a separação foram de choro intenso. Paulo visitava Helena, que só conseguia chorar, ou seja, estava em processo de luto. Depois de alguns dias, ela resolveu sair em público com Paulo. A infidelidade conjugal serviu, portanto, como desculpa para a sociedade. Por ter sido traída, Helena podia sair com outro homem em público em uma cidade pequena, conforme seu relato: E isso facilitou pra todo mundo que chegou pra mim e falou: “Nossa, você separou?”. Aí eu falo: “Ah, é. Tive que separar. Ele me botou um chifre”. Ao invés deu contar do avião, da falta de juízo, das mentiras, blá-blá-blá, entendeu? Ele me botou um chifre! Aí ninguém questiona quando você fala isso. Ninguém questiona, entendeu? Quanto aos impactos negativos da infidelidade conjugal, Helena relatou ser muito difícil constatar essa realidade. Ela comentou: “Nossa, mas é duro! É muito triste saber que ficou, que te traiu, que te incentivou a viajar pra poder aprontar!”. 121 Com relação às perdas enfrentadas durante a vida, a perda de seu pai foi marcante. Aos dezesseis anos, ela soube que o pai, que tinha ido jogar futebol, morreu devido a um problema cardíaco logo após fazer um gol. Ela contou: “Eu acho que é Deus na minha vida mesmo... Eu aceitei numa boa, e meu irmão já não!”. Embora tenha sido um momento de sofrimento, Helena conseguiu reconciliar-se com a dor facilmente. Para ela, o fato de sua mãe ter se casado logo em seguida com o seu padrasto, com quem ela identificou-se, foi um fator facilitador. O padrasto ainda parecia ser muito rico, pois dava muitos presentes a Helena e seu irmão, o que a agradou bastante. O dinheiro foi, assim, um grande atrativo. Para enfrentar as perdas que vivenciou, como as perdas do pai, do padrasto, do casamento e relacionamento idealizados, Helena afirmou acreditar que o fato de ter tido uma infância muito boa possa ter contribuído para o enfrentamento. Ademais, ela não esconde seu sofrimento de ninguém, o que também considera como um fator contribuinte. Como exemplo, Helena contou que até mesmo em seu trabalho, mandou comunicar a todos que não estava em condições de trabalhar quando se divorciou: “Então, assim, se eu choro, eu choro... Se eu estou triste, eu estou triste... Eu não escondo. Eu me separei, eu mandei avisar todos que eu estava separada e que eu não tinha condição de vir aqui”. Ela complementou: “Eu não guardo. O que eu tenho que falar, eu falo. Eu acho que é isso que me faz aceitar... Eu aceito a morte sim com muita facilidade”. Walsh (2005) afirma que a comunicação clara e aberta facilita adaptação durante todo o processo de luto, o que foi observado na participante. Ao contrário de perdas não reconhecidas, que podem complicar o luto devido à intensificação de reações emocionais que não são expressas e à diminuição do suporte social (DOKA, 2002b), Helena reconhece suas perdas, chora e lamenta por elas, além de falar abertamente sobre as mesmas, obtendo suporte social. Além disso, quando Helena sofre alguma perda, aquilo que foi perdido é enterrado, assim como em casos de morte concreta, não permanecendo ambiguidades. Sua fala ilustra como foi esse processo ao se separar de Rafael: “Quando eu perco, eu perco mesmo!”. Ela acrescentou: “O Rafael, pra mim, já morreu! Eu já enterrei ele!”. Conforme apresentado no presente estudo, uma perda repleta de ambigüidade pode levar à imobilização (BOSS, 2006). O caso de Helena ilustrou como uma perda que, embora seja definida como ambígua, pode ser elaborada sem deixar espaço para que dúvidas e ambiguidades impeçam o trabalho integrativo do processo de luto, o que Boss (2006) afirma ser possível. Também podemos acrescentar que Helena consegue ver o lado positivo de suas 122 experiências. Com o divórcio, por exemplo, embora Helena tenha afirmado ter perdido o casamento idealizado e alguns amigos que foram divididos, por outro lado, foram muitos os ganhos pontuados por ela, como novas amizades e uma nova família, já que iniciou um novo relacionamento amoroso. Sua visão otimista no que se refere a relacionamentos amorosos permaneceu presente mesmo após uma decepção, e, segundo Walsh (2005), a visão otimista maximiza a probabilidade de um resultado positivo no processo de luto. O presente caso pode ser compreendido como um processo de luto normal. Para se definir luto normal, é importante conceituar luto complicado, que apresenta uma sintomatologia específica. Parkes (2009) caracteriza-o por altos escores de pesar/solidão, ansiedade/pânico e dependência afetiva. De acordo com Lobb (2010), o termo luto complicado envolve a apresentação de certos sintomas relacionados ao luto que duram mais que o tempo considerado como de adaptação. Estes sintomas incluem angústia da separação acentuada e crônica, e sintomas de estresse pós-traumático, tais como sentimentos de descrença, desconfiança, raiva, choque, e distanciamento dos outros. Tais sintomas não foram encontrados na participante, que conseguiu reconciliação com a dor em um intervalo de tempo relativamente curto. Podemos inferir que ocorreu um desinvestimento libidinal do objeto perdido e restabelecimento de outros interesses no mundo externo, o que Freud (1917) define como um processo de luto normal, que acaba por se resolver por si só. Helena mostrou a importância de se lamentar e chorar pelas perdas para que o processo de luto realize seu trabalho integrativo (DOKA, 1989, 2002b; CASELLATO, 2004, 2005). O otimismo da participante deve ser enfatizado (WALSH, 2005), pois certamente, contribuiu para sua reconciliação com a dor. Discussão integrada dos casos Como vimos no presente estudo, as expectativas e concepções sobre os relacionamentos românticos são formados inicialmente pela observação do casamento dos pais, exercendo influência sobre futuros relacionamentos (FURMAN e SIMON, 1999). A partir dos casos analisados, a única participante que mencionou ter tido uma infância avaliada como boa foi Helena, embora o casamento dos pais fosse marcado por altos e baixos devido ao mau uso 123 paterno do dinheiro. Quanto às demais participantes, estas se lembram de brigas frequentes entre os pais. Mariana hipoteticamente atribuía as brigas dos pais ao relacionamento sexual, o que demonstrou sua crença a respeito da diferença entre o comportamento sexual do homem e o da mulher desde a infância. Já Ema e Karen, ainda tiveram um pai alcoólatra e uma mãe depressiva, o que influenciou suas crenças no que se refere a relacionamentos, às pessoas de maneira geral e aos seus relacionamentos conjugais. Mesmo que as participantes tenham tido um modelo de relacionamento conjugal caracterizado por brigas, foi perceptível que, todas elas, de alguma forma, valorizaram e ainda valorizam o amor romântico. Mariana, embora com seu discurso de que jamais apresentou altas expectativas referentes a relacionamentos amorosos, deixou-se seduzir por um homem romântico, sonhando com a possibilidade de ter um relacionamento conjugal diferente do modelo dos pais e daqueles que já tinha tido. Já Ema, jamais negou seu romantismo, tendo relatado idealizar até mesmo uma “família margarina”. Karen, por sua vez, mesmo com um discurso no qual se mostrava fria emocionalmente, apaixonou-se pelo cônjuge, idealizou-o e, mesmo com a infidelidade conjugal, manteve sua imagem idealizada. Helena afirmou desejar apaixonar-se e demonstrou valorização ao amor romântico, porém, prioriza o projeto profissional e a independência financeira. Sendo assim, cada uma, de maneira diferente, confirmou valorizar o amor romântico, o que, como vimos no presente, traz como consequência a exigência de fidelidade e fusão amorosa (HADDAD, 2009). Destaca-se o fato de duas participantes (Mariana e Ema) terem sofrido infidelidade não apenas no casamento, como também no namoro. Mariana foi traída por outro namorado e, na época, optou pelo rompimento do relacionamento amoroso, o que não ocorreu quando a infidelidade deu-se em seu casamento, devido a uma questão de hierarquia de valores e de dados da realidade, como já demonstrado no presente trabalho. Ema, por sua vez, além de ter sido traída por outro namorado, sofreu infidelidade do ex-cônjuge também enquanto namoravam. Foi perceptível, que, para ela, a separação não foi considerada possivelmente por conceber o amor como um sacrifício em prol do parceiro que deve ser mantido até o fim da vida, assim como presenciou no relacionamento conjugal de seus pais. Os reflexos das transformações sociais que se deram de maneira acelerada nas últimas décadas principalmente no que se refere ao papel da mulher e ao casamento hierárquico foram evidenciados nesse estudo. Todas as participantes trabalhavam antes do casamento, sendo que 124 após o mesmo, apenas Helena permaneceu com a vida profissional. Foi notado que o trabalho não faz falta para Mariana, que não o tinha como projeto de vida. Já Ema, que parou de trabalhar por pouco tempo, mas depois foi para um emprego de baixa remuneração, transpareceu sentir-se incomodada, não apenas com essa decisão, como também com o fato de ter abandonado os estudos, o que a impede de optar por outro emprego até os dias atuais. Karen, por sua vez, é inconformada com sua atitude de ter deixado o trabalho por oito anos, o que, segundo a participante, não condiz com a pessoa que de fato é. No que se refere à adaptação inicial à vida conjugal, como já aqui apresentado, esta geralmente é estressante (CARTER e MCGOLDRICK, 1989/1995), e foi sobreposta a outras adaptações nas vidas de Mariana, Ema e Karen. A adaptação à vida conjugal foi sobreposta à parentalidade nos casos de Mariana e Karen, sendo a de Ema sobreposta à migração. Enquanto Mariana e Ema enfatizaram as complicações presentes, Karen, mantendo sua imagem de heroína, não as ressaltou. Quanto ao relacionamento conjugal das participantes, conflitos foram mencionados por diferentes razões. Mariana contou que o trabalho excessivo do cônjuge e sua dedicação exclusiva ao filho durante os primeiros anos de casados foram geradores de conflitos conjugais. Ema também mencionou sua dedicação ao filho como uma das razões para os conflitos. Como demonstrado no presente, este fator pode levar a uma crise e ser um dos motivos para a infidelidade (COSTA, 2006). Karen culpou os sogros e a si própria pelos problemas enfrentados. A dedicação excessiva à família de origem foi mencionada por Ema e Karen como um fator que levou a conflitos no casamento. Já Helena sempre se sentiu incomodada pelo mau uso do dinheiro da parte do ex-cônjuge. Em todos os casos, estes fatores mencionados como provocadores de crise conjugal também foram utilizados pelas participantes como justificativa para os relacionamentos extraconjugais. Destaca-se que a infidelidade conjugal deve ser analisada no contexto no qual o casal está inserido, tratando-se de um fenômeno complexo que se relaciona a diferentes fatores. A partir dos casos analisados, foi perceptível que todas as participantes naturalizam a infidelidade masculina e afirmam tratar-se de uma condição resultante de determinações biológicas e que, por isso mesmo, serve para diferenciar as expectativas a respeito da exclusividade sexual em relacionamentos amorosos de homens e mulheres. Podemos pensar que, embora com um discurso no qual a igualdade entre os sexos seja enfatizada, na prática, a 125 naturalização do comportamento sexual masculino permanece presente, o que pode funcionar como uma defesa social que preserva a autoestima ao considerar como não voluntário algo que é interpessoal. A infidelidade foi mantida em segredo apenas por Mariana, que permaneceu casada e não compartilhou o ocorrido até os dias atuais, o que, inclusive, fez com que a mesma se emocionasse ao relatá-lo. Podemos compreender a manutenção do segredo como uma tentativa de manter tudo como está, minimizando as possíveis perdas. Contudo, como foi aqui mencionado, ao esconder a infidelidade conjugal, sentimentos e expressões são reprimidos, o que pode dificultar o processo de luto e tornar o suporte social praticamente impossível (CASELLATO, 2005; DOKA, 2002b). Karen, por sua vez, embora não tenha mantido o caso extraconjugal em segredo, nem sequer o reconheceu como perda, o que dificulta o processo integrativo de elaboração (KAUFFMAN, 2002). Nosso trabalho reafirma os riscos inerentes à manutenção de segredo e ao não reconhecimento social ou intrapsíquico de perdas ambíguas, que podem ocasionar lutos complicados. A infidelidade conjugal foi seguida pelo divórcio em dois casos: o de Ema e o de Helena. Foi apenas Helena quem optou pelo mesmo, todavia, sem ter a infidelidade como principal motivo para essa decisão. Ema foi trocada pela amante, tendo sido este o motivo do rompimento do relacionamento conjugal. A partir dos casos, confirmamos que a manutenção ou não do casamento não significa elaboração da perda. O processo de luto é complexo e multifacetado, não podendo ser determinado apenas por este fator. Consideramos que, embora ao se abordar as consequências da infidelidade, alguns estudos centralizem-se no divórcio, estudos para melhor compreender o conjunto de implicações que a infidelidade pode trazer ao indivíduo são de extrema relevância. Com a análise dos casos, foi possível perceber que a infidelidade conjugal realmente acarreta em perdas múltiplas: de si, do relacionamento e parceiros idealizados. Contudo, ela não tem que ser necessariamente devastadora, e pode apresentar aspectos positivos, como criatividade, amadurecimento, conhecimento e aceitação de limitações. Esta vivência pode, então, ser propulsora de reflexão e mudanças, especialmente quando reconhecida pelo próprio indivíduo e também pela sociedade. 126 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho teve como objetivo compreender a experiência de mulheres que vivenciaram a infidelidade de seus cônjuges e identificar as perdas envolvidas nesse processo. A investigação foi conduzida por meio de entrevistas com quatro mulheres heterossexuais que sofreram infidelidade enquanto casadas. A análise e a discussão permitiram um alinhamento com os autores pesquisados e seus aportes teóricos, os quais foram utilizados como suporte aos estudos sobre o relacionamento conjugal, a infidelidade, perdas ambíguas e lutos não reconhecidos. Gostaríamos de destacar que a entrevista revelou-se um instrumento extremamente proveitoso para compreensão da vivência de mulheres perante a infidelidade masculina e das perdas envolvidas nesse processo. Conforme dissemos em um momento anterior, a entrevista trata-se de uma construção conjunta. No nosso caso, tivemos uma atitude de interesse e envolvimento por tudo que estava sendo relatado, favorecendo, para algumas mulheres, a expressão de sentimentos profundos. Tivemos uma participante como exceção, embora consideremos que ela não demonstrou os afetos envolvidos em sua experiência porque estes são escondidos de si própria. Com a análise dos casos e a revisão bibliográfica, foi possível perceber que a infidelidade conjugal realmente acarreta em múltiplas perdas, especialmente no que se refere às expectativas e idealizações a respeito de si, do relacionamento e do parceiro. Todavia, também foram notáveis as possibilidades de amadurecimento e crescimento acarretados por essa vivência. Desse modo, observamos que, quando reconhecida e enfrentada, a infidelidade conjugal pode ser propulsora de revisão interna e mudanças. Com o presente estudo, esperamos contribuir para a compreensão da infidelidade conjugal como perda ambígua e luto não reconhecido, o que pode auxiliar na validação social e intrapsíquica dessa vivência. Ao se nomear a infidelidade conjugal como uma perda ambígua, o estabelecimento dos objetivos terapêuticos pode ser facilitado. De acordo com Boss (2006), em casos de perdas ambíguas um dos objetivos terapêuticos é de trazer a ambivalência à cognição, tornando-a compreensível e administrável, auxiliando as pessoas a viverem bem a despeito do sofrimento da ambiguidade. Conscientizar-se dos sentimentos ambivalentes é essencial. O inconsciente torna-se 127 consciente através do apoio terapêutico para que o paciente fale sobre seus sentimentos negativos e o enfrentamento ocorre a partir da conscientização dos sentimentos conflitivos. A autora cita a relevância de se encontrar significação em casos de perda ambígua, visto que esta influencia a resiliência, a saúde e a sobrevivência humana. A significação é socialmente construída, expressada através da linguagem e leva à esperança, o que enfatiza a relevância do reconhecimento da perda e sua livre expressão. Os casos analisados no presente estudo confirmaram os riscos existentes na manutenção de segredo e não reconhecimento social ou intrapsíquico da vivência da infidelidade conjugal. Conforme afirmado anteriormente, a manutenção do segredo por uma das participantes tornou seu relato doloroso e repleto de emoções. A repressão de seus sentimentos ao longo desses anos também impossibilitou o apoio e possíveis manifestações de empatia da sociedade. Já a partir do relato da participante que não reconheceu intrapsiquicamente as perdas que vivenciou ao ser revelada a infidelidade de seu cônjuge, foi possível observar como o processo de elaboração foi impedido. Por outro lado, observamos Helena que, ao reconhecer as perdas enfrentadas e falar abertamente sobre elas, pôde contar com suporte social, o que a auxiliou no processo integrativo do luto. Ressalta-se que negar o impacto de uma perda significa negar os vínculos humanos, o amor e a humanidade (REYNOLDS, 2002). Segundo Doka (2002b), o conceito de luto não reconhecido apresenta implicações sociológicas, psicológicas, psicossociais, espirituais e políticas, além de contribuir para pesquisas e para a prática clínica. O autor afirma que quando os diferentes tipos de perdas são reconhecidos, existe uma necessidade premente de pesquisas que realmente descrevam as particularidades e respostas únicas a cada uma, comparem reações, consequências e problemas associados às mesmas, acessem possíveis intervenções e descrevam as variáveis que afetam cada perda. Essas pesquisas podem expandir nossa compreensão sobre lutos não reconhecidos, oferecer conhecimento e maneiras de auxiliar os indivíduos que os enfrentam, franqueando, validando e legitimando esse tipo de luto. Para Corr (2002), a conscientização do não reconhecimento de alguns tipos de perda pode servir para ensinar os profissionais sobre a sensitividade necessária para que importantes aspectos do processo de luto não sejam desvalorizados. Segundo o autor, não apenas os profissionais, mas toda a sociedade deve respeitar as complexidades e individualidades de cada experiência de perda, e apreciar o fato de o processo de luto ser essencial para aqueles que anseiam viver de maneira produtiva e 128 significativa após perdas tão dolorosas. Corr (2002) acrescenta que o conceito de luto não reconhecido cunhado por Doka (1989) pode contribuir para a construção dessa sociedade que compreende e reconhece o luto em suas diferentes manifestações. Os estudos de Boss (1998, 2002, 2006) e Doka (1989, 2002b) também mostram como a livre expressão traz benefícios para a saúde física e mental de pessoas que sofrem perda ambígua e lutos não reconhecidos, o que foi confirmado nos casos. Foi notável que a manutenção do segredo e o não reconhecimento intrapsíquico da infidelidade conjugal dificultaram o processo de luto, enquanto a expressão dos sentimentos envolvidos nessa vivência contribuiu para seu trabalho integrativo. Diante disso, acreditamos que, com a compreensão da relevância de se franquear as perdas envolvidas ao se descobrir ou ser revelada a infidelidade conjugal, as práticas clínicas psicológicas poderão contribuir ainda mais para a promoção, a prevenção e a reabilitação da saúde de pessoas que as enfrentam. É de extrema relevância que não apenas a infidelidade conjugal, como também outros tipos de lutos frequentemente ignorados socialmente ou até mesmo intrapsiquicamente, possam ser conhecidos e reconhecidos. Esta conscientização poderá promover um acolhimento por profissionais e também pela sociedade, de maneira geral, àqueles que vivenciam diversas situações de luto. Sancionar não apenas a infidelidade conjugal como também outros tipos de lutos não reconhecidos, poderá provocar efeitos significativos em intervenções com enlutados e no direcionamento de novas pesquisas. O fenômeno por nós investigado mostrou-se complexo e provocante, fazendo com que o nosso interesse por ele permaneça. Acreditamos que este estudo foi só um começo de outros que certamente iremos desenvolver no futuro. Seguiremos nossa trilha e outros projetos virão. Consideramos a relevância de se pesquisar a respeito da vivência da infidelidade conjugal e as perdas envolvidas nesse processo, pois na prática profissional, psicólogos podem lidar com pessoas que têm sofrido por não terem sido correspondidas em suas expectativas e idealizações. Através de pesquisas referentes a este assunto, será possível ter maiores subsídios para compreender e auxiliar pacientes com essa demanda. Por sua amplitude e complexidade, sugerimos a realização de novas investigações e aprofundamentos referentes a esta temática. 129 REFERÊNCIAS ABREU, A.K. O casamento em cena: representações da conjugalidade em duas peças de teatro. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2005. AINSWORTH M. D. S. et al. 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Porto Alegre: Bookman, 2001. 140 ANEXO A Termo de Consentimento para participação em Pesquisa Clínica Eu, ________________________________________________________, estou ciente de participar do trabalho intitulado “A vivência da mulher perante a infidelidade masculina e a elaboração de luto por um relacionamento idealizado”, de autoria da psicóloga Ana Cristina da Costa, que está sendo realizado como parte da dissertação de mestrado do Programa de Psicologia Clínica da Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), no núcleo Família e Comunidade, sob orientação da Prof. Dr. Rosane Mantilla de Souza, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre, e de acordo com as diretrizes e normas regulamentadas de pesquisa envolvendo seres humanos atendendo à Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde – Brasília – DF. Compreendo que minha participação é voluntária e que posso sair a qualquer momento do estudo, sem prejuízo algum. Estou ciente que minha participação no estudo consistirá na realização de entrevistas, realizadas de acordo com a minha disponibilidade, e conduzidas pela psicóloga acima mencionada. Minha colaboração é voluntária e sigilosa, pois não serei identificada quando o material de seu registro for utilizado, visto que meu nome não será divulgado pela pesquisadora. Além disso, as informações coletadas serão utilizadas exclusivamente para fins de pesquisa e, caso tenham alguma implicação na minha vida, serei encaminhada pela pesquisadora para outra psicoterapeuta. Fui informada de que não serei remunerada pela minha participação. Qualquer dúvida referente à pesquisa ou à minha participação, antes, durante, ou depois de meu consentimento, serão respondidas pela pesquisadora responsável, cujos dados de contato já foram fornecidos e estão presentes no rodapé deste documento. Declaro que li todas as informações acima e confirmo que recebi cópia deste termo de consentimento. Nome da participante (letra de forma): __________________________________________ Assinatura:_______________________________________________________________ CPF: ______________________ Data: ___/___/___ Contato da pesquisadora: Ana Cristina da Costa – Psicóloga Cel: (35) 84317696 Correio eletrônico: [email protected]