Estratégias para integração sul-americana: uma análise do papel do Brasil. Cintiene Sandes Monfredo Mendes (Universidade Federal do Rio de Janeiro ) Flávia Matilde Seidel Osorio (Universidade Federal Fluminense) Artigo preparado para FLACSO-ISA Joint International Conference, Buenos Aires, Argentina, 23-25 de Julho de 2014. Buenos Aires, Argentina, 2014. RESUMO Este trabalho tem como principal objetivo analisar o papel do Brasil, por meio de sua política externa, enquanto agente incentivador do processo de integração regional. Desde seu ingresso como membro do Mercosul, o Brasil vem valorizando sua relação diplomática com os países vizinhos através da cooperação, e mais, em recentes anos, os laços desta relação tem se estreitado por meio do que se chamou relações eixo sul-sul, como prioridade. Nesta ação externa, o Brasil ganhou credibilidade em órgãos internacionais e também na América do Sul e fomentou o projeto de criação pela defesa conjunta – Unasul – atualmente com 12 países membros. Embora mantenha a diversidade de uma “inserção estelar” (AMORIM, 1993) em sua política externa, a primeira prioridade do Brasil é a América do Sul. A integração para o Brasil tem um sentido estratégico e se inicia no âmbito econômico com a formação do Mercosul, enquanto União Aduaneira, extrapolando para os âmbitos político, cultural, geopolítico, social e de defesa a caminho de uma integração mais consolidada e de confiança institucional, com a criação da Unasul. Por conseguinte, a análise das variáveis citadas correlacionadas à abordagem da Política Externa Brasileira, caracterizada como cooperativa, darão escopo a este trabalho. Uma possível hipótese para este trabalho é a ideia de que o exercício diplomático brasileiro com uma reputação cooperativa tem sido colaborador no processo de uma integração regional mais efetiva. Esta última, embora exposta às críticas de um sistema institucional ainda de baixo nível, tem-se ampliado como modelo estratégico para atender interesses coletivos regionais. ABSTRACT This paper aims to analyze the role of Brazil, through its foreign policy, while encouraging the regional integration process. Since joining as a member of Mercosur, Brazil is enhancing its diplomatic relations with neighboring countries through cooperation, and, in recent years, the bonds of this relationship have been narrowed by what was called South-South relations, as a priority axis. Brazil has gained credibility in international organizations and in South America, and promoted the project of creating Unasur, currently with 12 member countries, through that external action. Although Brazil maintains the diversity of a “stellar insertion" (AMORIM, 1993) in its foreign policy, South America is its first priority. Integration to Brazil has a strategic direction and starts in the economic field with the formation of Mercosur, while customs union, extrapolating to the political, cultural, geopolitical, social and in defense en route to a more consolidated and institutional trust levels integration with the creation of Unasur. Therefore, the analysis of mentioned variables correlated to the Brazilian foreign policy approach - characterized as cooperative, give scope to this work. A possible hypothesis for this work is the idea that the Brazilian diplomatic exercise with a cooperative reputation has been collaborator in a more effective regional integration process. The latter, although exposed to the criticism of a low level institutional system, has expanded as a strategic model to meet regional collective interests. Introdução O Brasil tem um papel relevante no processo de integração regional, bem como no processo de cooperação como um todo. É atuante em dois blocos importantes e estratégicos: O Mercosul e a Unasul. O potencial de desenvolvimento econômico, social, político, a proximidade cultural, incentivos no campo da defesa e segurança são questões conjuntas e articuladas por ambos os blocos. As relações de política externa brasileira apresentam características de eixo horizontal e vertical (PECEQUILO, 2008), o que demonstra o multilateralismo como escolha de relações internacionais. A diplomacia brasileira durante o período do governo de Luiz Inácio da Silva – o presidente Lula- do período de 2003 a 2011, ganhou forte projeção internacional e legitimou-se pelas relações de cooperação em diversas situações de conflito no mundo. Desde a América do Sul até relações no Oriente Médio, o Brasil mediou divergências de interesses que envolviam inclusive grandes potências da política internacional como os Estados Unidos. As percepções acerca da política externa brasileira são pontos importantes no desenvolvimento deste trabalho, visto que o debate que se insere aqui faz referência aos objetivos e relações do Brasil com a América do Sul, tida como prioritária nos assuntos internacionais e na diplomacia brasileira. Portanto, os blocos de integração regional passaram a ser elementos estratégicos para a acentuada liderança que o Brasil pode vir a ter no hemisférico sul e que atualmente é assunto de muita divergência entre especialistas de política externa. Afinal, o Brasil é uma liderança ou ainda não conseguiu se estabelecer como tal? O Mercado Comum do Sul (Mercosul) é um modelo de integração regional que visa ao desenvolvimento econômico e social. Atualmente com cinco países membros - Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai1 e Venezuela – o bloco tem aspecto comercial, ampliando as trocas entre os Estados membros e também geoestratégico, convidando membros e observadores a cooperarem acerca dos diversos valores estabelecidos no Tratado de Assunção (1991), dentre eles a livre circulação de bens, serviços e pessoas. 1 Suspenso desde 2012, quando do golpe constitucional do então presidente do Paraguai, Fernando Lugo. O Mercosul tem destaque na política externa brasileira, entretanto o pouco engajamento político e econômico dos Estados no bloco tem bloqueado seu aprofundamento institucional, necessário para ampliação da integração. As divergências entre os membros têm deixado as expectativas de cooperação aquém das possibilidades de resolução das crises políticas e econômicas, e em pouco tempo o Mercosul, de uma situação inalterada em sua política, observou a suspensão do Paraguai, as políticas de reciprocidade aplicadas entre Brasil e Argentina acerca de divergências comerciais e uma enfraquecida atuação do Brasil enquanto liderança regional, ou seja, um retrocesso no processo de integração. A Unasul, conjuntamente ao Mercosul, possui objetivos voltados ao desenvolvimento econômico, político e social, mas sua atuação maior é no campo da defesa e segurança regionais, com investimento em áreas de energia e infraestrutura. As negociações coordenadas pela Unasul a fim de prevenir e resolver conflitos entre os membros tem sido eficiente, ampliando o diálogo político entre as nações. O objetivo deste trabalho é analisar a participação do Brasil no incentivo ao processo de integração regional mediante atuação nos blocos Mercosul e Unasul, bem como verificar o significativo papel da política externa brasileira na cooperação regional. Para tal, iniciaremos com uma descrição da política externa brasileira e seus avanços e seguiremos com a apresentação dos blocos. Os Rumos da Política Externa Brasileira “(...) This agreement does not make Brazil a world power. Brazil has a population of 100 million, vast economic resources, a very rapid rate of economic development. Brazil is becoming a world power, and it does not need our approval to become one, and it is our obligation in the conduct of foreign policy to deal with the realities that exist”. (Henry Kissinger)2 O Brasil tem um papel singular na política internacional e ao longo dos anos manteve-se confiante na perspectiva cooperativa para ganhar espaço e reputação. Suas relações de proximidade com potências como os Estados Unidos e seu desempenho 2 Apud. KISSINGER, Henry. Does America Need a Foreign Policy. Toward a Diplomacy for 21st Century. Nova York: Simon and Schuster, 2001, pp. 159-160. In: BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O Brasil como potência regional e a importância estratégica da América do Sul na sua política exterior. Temas & Matizes, nº 14 – Segundo semestre de 2008. www.unioeste.br/saber. diplomático no eixo sul-sul demonstram as mudanças conjunturais externas e as escolhas da potência emergente na qual se tornou. Durante o período final da Guerra Fria, a aproximação política e econômica com os Estados Unidos influenciou as relações exteriores do Brasil e mesmo na tentativa autônoma do processo decisório manteve-se atrelado ao dinamismo da política norte-americana. A superpotência ajustava sua agenda sob o viés da cooperação, entretanto condicionava o crescimento dos países parceiros ao seu próprio interesse e poder. Na década de 1980 os países da América Latina, inclusive o Brasil passavam por crises econômicas, processos internos de privatização, dependência do capital internacional, influência de empresas estrangeiras e, portanto, uma considerável vulnerabilidade no plano político-econômico. Foi considerada a “década perdida” (PECEQUILO, 2008), uma vez que o Brasil não conseguia se inserir como liderança da região na nova ordem mundial e mantinha a proximidade bilateral aos Estados Unidos como prioritária. Na América latina, este processo foi conhecido como a “Década perdida”. Mesmo o Brasil, que desenvolvera sua agenda autônoma e consolidara sua potência não escaparia deste destino: a hiperinflação, estagnação, instabilidade, pressões da comunidade internacional nos “novos temas” meio ambiente, proliferação e direitos humanos. Frente a estes desafios internos e externos, a pergunta que surgia era como superar a crise e se reenquadrar. Tal pergunta gerou fissuras no debate doméstico sobre qual seria o caminho mais adequado a seguir: alguns argumentavam que era preciso retomar o eixo bilateral-hemisférico, devido a supremacia dos EUA, aderindo o país aos padrões sócio, político e econômicos do pós-Guerra Fria, enquanto isso, outros sugeriram a correção dos rumos da postura global-multilateral. (PECEQUILO, 2008) Nesta perspectiva, a política externa brasileira sustentava a “autonomia pela exclusão”. A escolha alinhava o Brasil ao eixo vertical – com o Primeiro Mundo, na qual cooperava com as potências de maneira estratégica e, talvez naquela conjuntura, única. O capitalismo, com sua versão mais competitiva, ampliava os espaços entre Primeiro Mundo e o Terceiro Mundo, nomenclaturas atualmente superadas, tendo sido substituídas respectivamente por países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Deste modo, a cooperação regional passou a ser uma frente de credibilidade e de se adequar à nova ordem mundial com a chamada “autonomia da integração”, que viria com a participação do Brasil no cenário internacional por meio das organizações internacionais (PECEQUILO, 2008). A conjuntura ainda dos anos 90, assistia tanto a perspectiva da dependência às grandes potências quanto a criação e implementação de projetos de integração com países vizinhos que pudessem ampliar as trocas comerciais, culturais, sociais, com harmonização política e de forma geoestratégica. O Brasil, em 1991, em conjunto com Argentina, Paraguai e Uruguai, incentivados pelas políticas desenvolvimentistas e por outros projetos de integração que já eram parte histórica da América Latina, como a ALADI (Associação Latino-Americana de Integração), estabeleceram o tratado constitutivo do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) – Tratado de Assunção. A consolidação do Mercosul como uma união aduaneira iniciava uma nova proposta para o Brasil enquanto política externa: a possibilidade de alcançar uma liderança na América do Sul e que posteriormente, ampliou a expectativa para o hemisfério sul, não somente em relações de cooperação com os países vizinhos, mas também com países da África e Ásia. O multilateralismo passou a ser o ponto estratégico da cooperação e associou de forma equilibrada a relação de eixo combinado vertical-horizontal (PECEQUILO, 2008) Três conceitos definem a prática do multilateralismo, segundo John Ruggie. Princípios norteiam a coordenação entre os Estados, como o princípio da não-discriminação ou nação mais favorecida, o qual governa o regime de comércio multilateral. O conceito de indivisibilidade indica que os princípios acordados são aplicados a todos os Estados envolvidos. Finalmente, o conceito de reciprocidade difusa, mais amplo de abstrato do que a ideia de troca mútua, marca essa arquitetura das relações internacionais. A associação entre o multilateralismo e as OIGs é intensa, pois provêem o espaço social e os recursos necessários para a prática do multilateralismo poder avançar. Por outro lado, os princípios, a lógica da indivisibilidade e a reciprocidade difusa favorecem o processo de legitimação das OIGs o sistema internacional (HERZ, HOFFMANN, 2004). O multilateralismo é característica da política externa brasileira, que se engaja portanto, em relações com diversas nações de maneira cooperativa e ampliando sua reputação positiva. A formação histórica da Política Externa Brasileira sempre apresentou como alternativa às divergências o uso da diplomacia e negociação e não o recurso à guerra. Esta posição brasileira tornou-se nos últimos anos estratégica para sua inserção na política internacional como um ator relevante e com grande credibilidade. Contudo, não somente a política diplomática e cooperativa brasileira ganhou projeção internacional. Seu crescimento econômico e sua atuação principalmente na América do Sul o tornou potência regional. Os discursos por justiça social e cooperação além da expansão positiva da ação brasileira juntamente à ONU com a participação na MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para estabilização do Haiti) foram essenciais para o fortalecimento da imagem de uma potência emergente. Conhecer a inserção geopolítica do Brasil é crucial para se entender a definição de seus interesses nacionais, entendidos os últimos como as orientações substantivas das políticas internacionais do país, bem como a visão da elite pertencente à comunidade da política externa. Um dos principais vetores da inserção internacional do país tem sido sua localização no Hemisfério Ocidental, historicamente uma área da projeção de poder e influência econômica e cultural dos Estados Unidos, mas que, com exceção da Segunda Guerra Mundial, de escasso valor estratégico na política externa daquele país. Por outro lado, o Brasil tem se deparado com um contexto geopolítico regional estável, uma vez que já no final do século XIX e início do XX, havia resolvido a seu favor praticamente todos os conflitos territoriais com seus vizinhos, a ponto de se autodeterminar um “país geopoliticamente satisfeito”. Em certo sentido e ao contrário de seus vizinhos, o processo de construção do Estado brasileiro foi realizado antes, pelo recurso da negociação diplomática do que pela guerra. Finalmente, desde a segunda metade do século XX, o Brasil ocupa uma posição dominante com relação aos demais países sul-americanos. (LIMA, 2005) Neste sentido, o Brasil passou a ter uma importante influência na América do Sul e um maior incentivo para sua projeção internacional. No escopo deste trabalho, ressaltamos os blocos Mercosul e Unasul como estratégicos na expansão e credibilidade brasileira, bem como do estabelecimento de uma política externa mais autônoma em relação ao processo decisório de grandes potências. O arranjo político e institucional por meio dos blocos incentiva o desenvolvimento cooperativo e a capacidade de inserção internacional de forma mais equilibrada em meio ao sistema capitalista, bem como estabelece uma série de objetivos de harmonização política, diminuição das assimetrias econômicas, planejamento social, investimento em infraestrutura e educação. A integração na América do Sul passou ser ponto referente na política externa brasileira e promoveria na região a estabilidade democrática e segurança regional, bem como o desenvolvimento econômico. “A vocação da América do Sul é a de ser um espaço econômico integrado, um mercado ampliado pela redução ou eliminação das dificuldades e obstáculos ao comércio, e pelo aperfeiçoamento das conexões físicas em transportes e comunicações”3. Construção Histórica do Mercosul e seu papel atual O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) foi constituído em 1991 por quatro Estados-membros: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai por meio do Tratado de Assunção. A proximidade comercial entre Brasil e Argentina e a Associação Latino Americana de Integração (ALADI) foram processos que antecederam a construção do bloco e incentivaram a cooperação comercial como forma de desenvolvimento econômico regional. Assim, o Mercosul se estabeleceu com propósitos, a princípio, aduaneiros, com a busca de diminuição de assimetrias na região e com a ampliação de seus mercados ao mercado internacional angariando melhores formas de competição. Neste contexto, o Tratado de Assunção de 1991 tem como objetivo a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, a coordenação de políticas macroeconômicas, a implantação de uma Tarifa Externa Comum (TEC) e a harmonização das legislações como possibilidade de ampliar acordos para a integração. O artigo 1º do Tratado de Assunção aborda: 1La circulación de bienes, servicios y factores productivos entre los países, a través, entre otros, de la eliminación de los derechos aduaneiros y restricciones no arancelarias a la circulación de mercadorias y de cualquier outra medida equivalente; 2El establecimiento de um arancel externo común y la adopción de uma política comercial común com relación a terceiros estados o agrupaciones de Estados y la coordenación de posiciones em foros económicos comerciales regionales e internacionales. 3La coordinación de políticas macroeconómicas y sectoriales entre los Estados Partes: de comercio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambiaria y de capitales, de servicios, aduaneira, de transportes y comunicaciones y otras que se acuerden a fin de assegurar condiciones adecuadas de competencia entre los Estados Partes; 4El compromiso de los Estados Partes de harmonizar sus legislaciones en las áreas pertinentes, para lograr el fortalecimento del proceso de integración. (TRATADO DE ASSUNÇÃO, 1991) 3 BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O Brasil como potência regional e a importância estratégica da América do Sul na sua política exterior. Temas & Matizes, nº 14 – Segundo semestre de 2008. www.unioeste.br/saber. A estrutura institucional do Mercosul foi definida a partir do Protocolo de Ouro Preto em 1994 constituindo um Conselho Mercado Comum, Grupo Mercado Comum e Comissão de Comércio Comum. O processo decisório pautado no princípio intergovernamental forma o arranjo institucional do bloco, passando também pelo Parlamento Mercosul (Parlasul), atualmente apenas com efeito consultivo e com diretiva democrática. Além da definição estrutural do Mercosul, o mesmo tem priorizado o compromisso democrático por meio do Protocolo de Ushuaia I e de sua reafirmação com o Protocolo de Ushuaia II; estabeleceu em 2002 o Protocolo de Olivos com o Sistema de Solução de Controvérsias do Mercosul, para fins de resolução pacífica de divergências implantando os Tribunais Ad Hoc e Permanente de Revisão e ainda, possui o Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM), aprovado em 2004 para a realização de projetos em benefício das economia menores. O Brasil tem grande participação para o FOCEM. Atualmente é a economia de maior investimento no órgão com mais de 70% de participação em comparação com as economias menores: 27% de investimento da Argentina, 2% do Uruguai e 1 % do Paraguai. Com a entrada da Venezuela, houve um investimento equivalente ao da Argentina o que somou mais capital ao bloco. Com os investimentos da Venezuela, o FOCEM contou com recursos anuais de US$ 127 milhões de dólares. Este valor necessita ser ampliado para atender as demandas de investimentos em áreas sociais e de infraestrutura do bloco. Tabela disponível mercosul-focem em http://www.mercosul.gov.br/fundo-de-convergencia-estrutural-do- Assim como o Brasil exerce uma importância econômica no Mercosul, sua atuação política como mediador e negociador de conflitos intrabloco também é muito relevante. Contudo, podemos avaliar a ausência de participação e liderança brasileira na negociação de alguns conflitos, como por exemplo a chamada “Questão das Papeleiras” que envolveu Uruguai e Argentina em um contencioso levado ao Tribunal Arbitral Ad Hoc do Mercosul e à Corte Internacional de Justiça de Haia. Para uma resolução rápida deste contencioso, o Uruguai solicitou ao Brasil a mediação do mesmo, que se absteve de qualquer negociação no conflito. Para uma análise mais apurada da Política Externa Brasileira na América do Sul, a abstenção em mediar os conflitos no bloco tem atendido à perspectiva da própria liderança que se quer exercer, sendo um risco para o Brasil, ser avaliado como ausente em questões de conflito. Entretanto, para não arriscar-se ser considerado um país “subimperialista” na região, optou por deixar a resolução do conflito sob os auspícios do Tribunal do Mercosul, órgão responsável para tal. O caso das papeleras envolveu diretamente em um conflito Argentina e Uruguai. O contencioso referia-se à autorização do Uruguai na construção em seu território de fábricas de papel e celulose que, segundo o governo Argentino afetariam ambientalmente o Rio Uruguai, um rio transfronteiriço. A empresa espanhola Ence S.A e finlandesa Botnia foram autorizadas a construir duas fábricas de papel e celulosa às margens do Rio Uruguai, o que levou a Argentina a questionar se as fábricas seriam uma ameaça à contaminação das águas, que passam pela fronteira de seu território, e que não somente afetaria o rio mas também as populações ribeirinhas. (MONFREDO, 2012) Para não afetar sua reputação e credibilidade regional, o Brasil não exerceu de fato uma liderança e uma atuação efetiva na resolução da crise das papeleiras. Muitos especialistas em política externa criticaram a ausência de liderança do Brasil, mas foi estratégico naquela conjuntura para consolidar seu papel de potência regional. Logo, o Mercosul tem um papel importante para o Brasil enquanto atuação de política externa na América do Sul e no mundo. O desenvolvimento regional e a possibilidade de ampliar o mercado e o poder de barganha são características provenientes da relação Brasil – Mercosul e Brasil-Unasul (sendo a relação brasileira e o bloco Unasul explicado no item seguinte). Para a política exterior do Brasil, o Mercosul constitui um projeto político, que a crise do neoliberalismo e a permanência de assimetrias tornaram mais flexível. Segmentos organizados da sociedade brasileira pretendem utilizá-lo em benefício de seus negócios, enquanto a diplomacia o percebe como instrumento de reforço do poder de barganha internacional. Tudo somado, a integração destina-se a criar o pólo regional com que melhor se possa realizar metas do multilateralismo, da reciprocidade e da globalização da economia brasileira. No fundo, como em todos os países e quadrantes das relações internacionais, a hegemonia do nacional se impõe. (CERVO, BUENO, 2010) A Construção Histórica da Unasul e seu papel atual Um momento que poderia-se determinar como o marco inicial das negociações que levariam alguns anos depois à formação da Unasul, foi a primeira reunião de cúpula dos países da América do Sul em Brasília, no ano 2000. A ideia de se fazer progredir a integração regional, partiu do Mercosul, e um plano de ação para a integração da infra-estrutura regional foi então instituído, sob o nome de IIRSA, denominado desde 2013 COSIPLAN, ou Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento. A Unasul (União de Nações Sul-Americanas) foi formada em 2008 através de seu tratado constitutivo, durante a III Cúpula de chefes e chefas de Estado e de Governo na américa do Sul, em 23 de maio de 2008. Dela constam os 12 países sulamericanos, os quais foram ratificando o tratado nos anos subsequentes até 2011, quando o tratado constitutivo, de fato, entra em vigor. O objetivo geral da Unasul é: Construir de maneira participativa e consensuada, um espaço de integração e união no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus povos, priorizando o diálogo político, as políticas sociais, a educação, a energia, a infra-estrutura, o financiamento e o meio ambiente, entre outros, com vistas a eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no marco do fortalecimento da soberania e independência dos Estados. (Tratado Constitutivo da Unasul, 2008). No mesmo ano em que foi criada, o Brasil propôs a criação também de um órgão diretivo, para a segurança e defesa do subcontinente. O Conselho de Defesa e Segurança (CDS) também foi bem sucedido, mesmo após a reticência do governo colombiano de Uribe, que condicionou sua adição ao tratado a: que a tomada de decisões da união fosse por consenso, que a participação fosse exclusivamente das forças institucionais dos países membros e, por fim, que houvesse “rechaço total aos grupos violentos” (BBC Brasil, 2008), referindo-se às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), a qual fazia parte da lista de grupos terroristas divulgada pelos Estados Unidos e aceita sem restrições pela Colômbia. A Unasul e mais especificamente o CDS, embora não sejam uma aliança militar, enfatizam a segurança regional zelando pela não ingerência de fora da região, afastando consequentemente, quando no caso de contenciosos na área, “a interferência de potências e órgãos externos em sua solução, tais como a OEA [Organização dos Estados Americanos], o Grupo do Rio e o velho Tratado Interamericano de Assistência Recíproca [TIAR] firmado no início da Guerra Fria” (CERVO e BUENO, 2010). No seu escopo de argumentação para que a cooperação traga resolução de problemas internos aos países, o tratado constitutivo da Unasul diz que esta integração ajudará no avanço rumo ao desenvolvimento sustentável e bem-estar dos povos, e na contribuição da resolução da pobreza, exclusão e desigualdade social (Tratado Constitutivo da Unasul, 2008). No seu escopo de relações externas, ou seja, do bloco para alhures, a integração busca fortalecer o multilateralismo global, de maneira equilibrada e justa, com a prevalecência da igualdade soberana dos Estados e de uma cultura de paz em um mundo livre de armas nucleares e de destruição em massa (Tratado Constitutivo da Unasul, 2008). Também, baseia-se no respeito à autodeterminação dos povos, cooperação, paz e direitos humanos universais, dentre outros atributos, também encontrados no artigo 4º da Constituição Brasileira, demonstrando a harmonia de interesses encontrados em ambos. Tal perspectiva se corrobora com o que diz Cervo e Bueno (2010) de que “o pólo de poder criado, [na América do Sul], se efetivamente operacional, realizará interesses brasileiros”. É importante salientar, contudo, que embora, ao reconhecimento da liderança do Brasil venham atreladas ideias de imperialismo precedentes à quaisquer tentativas de integração durante o século XX, este pensamento é um equívoco. Demonstração dessa nova capacidade integracional que se configura na região é a atual crise na Venezuela, que vem sendo tratada pela Unasul, juntamente com a Alba (Aliança Bolivariana para as Américas) e a Caricom (Comunidade do Caribe) e cuja liderança do Brasil se demonstra em sua escolha política e estratégica de dar voz ativa a todos os membros, abstendo-se de maior penetração no caso, o que se coaduna até então, com sua política exterior diplomática, para com outros Estados, extrabloco. O Brasil, juntamente com a Venezuela (principalmente no governo de Hugo Chávez) tem sido o maior articulador no papel de integrador sul-americano nos últimos anos. Foi o mentor e articulador das negociações do Mercosul e da Unasul, apóia a CAN e outros mercados que venham a se formar no subcontinente, como no caso da, em vias de negociação, Aliança do Pacífico e busca manter sua posição, contudo, distribuindo atividades e lideranças pontuais, no sentido de fazer com que haja uma participação ativa e efetiva de todos os membros. A ideia é de fazer com que os blocos econômicos formados na região converjam e, não somente isto, trabalhem cooperativamente, no sentido de que haja uma real integração, também com a América Latina e o Caribe. De todas maneiras, vale salientar que, de acordo com CERVO e BUENO (2010): alguns governos não entendem a integração como estratégica eficiente para a superação das dificuldades. Nessas condições, a política exterior brasileira de forte caráter integracionista, utiliza os processos de integração para estabelecer ou consolidar a rede de cooperação e poder ao sul, partindo da América do Sul e avançando para alianças [também] com outras regiões. Diante de tal análise, vale salientar que, mesmo com esta proposta de expansão multilateral que projetou o Brasil no tabuleiro internacional, mormente no que concerte às relações sul-sul, com outros grupos encabeçados pelo país, formal ou informalmente e que se projetam para fora do subcontinente, a Unasul tem sido bastante produtiva em seu discurso e ações iniciais. O projeto integracionista tem apenas três anos de atuação e já vem funcionando, se não como uma união ativa, uma efetiva barreira para a projeção de outras organizações internacionais no subcontinente. Uma considerável demonstração disso, é a atual crise da Venezuela, cuja suposta falta de liderança do Brasil tem sido bastante criticada por vários analistas nacionais e internacionais. Não pode-se ignorar o fato de que a união prima pela soberania de cada Estado e a não-intervenção, a não ser que seja do interesse do próprio Estado afetado. Neste caso, ainda que o governo brasileiro não se manifeste de maneira incisiva, a própria existência da Unasul já é um poder defensivo eficaz na região para que haja autonomia nas resoluções dos conflitos internos dos Estados. Considerações Finais De acordo com a análise travada no artigo, pode-se considerar que a política externa brasileira tem acentuado na América do Sul o incentivo à cooperação regional. Em tratando-se dos conflitos existentes na região, o Brasil tem sido criticado fora do bloco por sua “falta de liderança”, quando se abstém de opinar. Entretanto, este também pode ser considerado um movimento estratégico, no sentido de afastar paulatinamente as históricas acusações de sub-imperialismo no subcontinente, por parte deste país. Destarte, o processo de integração regional tem sido relevante para a expansão da atuação brasileira na política internacional, bem como a liderança exercida pelo Brasil na região é movimento estratégico para um aprofundamento da cooperação e dos blocos regionais como Mercosul e Unasul. Somando-se a isto o país tem aos poucos gerenciado ações e investimentos em áreas de grande importância para o desenvolvimento regional e para seu próprio fortalecimento, em questões de segurança e defesa regionais, energética, infraestrutura, comercial, social e cultural. Deste modo, mediante priorização da cooperação e dos relacionamentos pacíficos, o Brasil fortalece sua credibilidade e reputação internacional. A política externa brasileira que ao longo de sua história esteve atrelada às grandes potências, como Estados Unidos, em uma relação de dependência, atualmente prioriza o multilateralismo, dando maior ênfase às relações no eixo sul-sul e mormente, na América do Sul. A visão brasileira tem como foco legitimar o país como potência emergente e como ator influente entre os Estados pares e, para isto, organizações internacionais regionais como o Mercosul e a Unasul são estratégicos e devem contar com maior engajamento dos Estados membros para o aprofundamento institucional e consequentemente uma efetiva integração na América do Sul. Referências Bibliográficas BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O Brasil como potência regional e a importância estratégica da América do Sul na sua política exterior. Temas & Matizes, nº 14 – Segundo semestre de 2008. www.unioeste.br/saber. BBC Brasil.com. 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