GSUM Entrevista Dr. Mauricio Dorfler,
Diretor de Assuntos Políticos e de Defesa da UNASUL
Por Camila dos Santos
“Se a UNASUL tem uma virtude, é a de
trabalhar nisso [resolução de conflitos]
sem constantemente dizer que o faz”
René Mauricio Dorfler Ocampo é
licenciado em Relações Internacionais e
Ciência Política (1993) pela Universidad de
Belgrano, frequentou a
Academia
Diplomática Boliviana “Rafael Bustillo”
(1995), é mestre em Cooperação
Internacional e doutor em Ciência Política e
Sociologia pela Universidad Complutense
de Madrid (1997).
Além de recentemente assumir a Diretoria
de Assuntos Políticos e de Defesa da
UNASUL, Dr. Dorfler tem ampla experiência
diplomática,
tendo
atuado
como
Representante da Secretaria Permanente
do Tratado de Cooperação Amazônica
(TCA), bem como Diretor Executivo da
Organização do Tratado (OTCA) junto à
UNASUL e CELAC.
Foto: OTCA
Em visita ao Equador, no dia 27 de agosto de
2015, a delegação da Unidade de Mediação
para o Sul Global (GSUM) foi recebida pelo
secretariado geral da União de Nações SulAmericanas (UNASUL) e teve a
oportunidade de entrevistar o Dr. Mauricio
Dorfler, Diretor dos Assuntos Políticos e de
Defesa do bloco.
Dorfler
também
foi
Embaixador
Extraordinário e Plenipotenciário da Bolívia
no Brasil; Consul Geral da Bolívia no Rio de
Janeiro; Alto Funcionário da Bolívia na
UNASUL; Vice-ministro de Relações
Exteriores da Bolívia; Diretor Geral de
Integração e Acordos Comerciais do
Ministério das
Relações
Exteriores
boliviano; e Representante Suplente
da
Bolivia na Comissão do Acordo de
Cartagena.
Confira a seguir a entrevista:
GSUM: Quando falamos de resolução de
conflitos na América do Sul, quais são as
agendas e prioridades da UNASUL?
Dorfler: Quando alguém revisa as
declarações feitas em Cuzco, Brasília e
Cochabamba se dá conta de que,
essencialmente, o que se pretendeu
construir na América do Sul é um
mecanismo de integração, que se constitui
em um espaço de diálogo para os países da
região em termos holísticos. Isso significa
que há um enfoque global na integração,
fazendo com que todos os temas cotidianos
às políticas nacionais de inserção regional e
de desenvolvimento local pudessem
encontrar um espaço de articulação e
complementariedade.
É importante olhar para o Tratado
Constitutivo e para a UNASUL com essa
visão de espaços de diálogo entre os
distintos atores do processo de integração
regional. Inclusive nos níveis dos órgãos
judiciais, também se promove um diálogo.
Isto é, todos os poderes constitutivos dos
Estados fazem parte desse processo de
integração e terão de outra maneira um
espaço no qual poderão interagir e atuar,
dotando-se de suas próprias capacidades.
Assim, a partir de uma perspectiva jurídica,
se avançamos para uma posição mais
política-estratégica, nos damos conta que na
realidade o projeto teve como objetivo
dotar a América do Sul de dois elementos
essenciais. Primeiro, constituir-se em
região como tal. Porque, sejamos sinceros,
até o processo do ano 2000, com a primeira
Cúpula que se realizou entre os Chefes de
Estados, até 2006, na Cúpula de
Cochabamba, com a participação de Guiana
e Suriname no processo regional, o que
tínhamos era uma participação esporádica –
na qual os países, em função de
determinados temas ou interesses, se
aproximavam ou não. Acredito que a
UNASUL tem essa principal virtude
estratégica, que é consolidar a região como
tal. E é uma região que busca ser integração.
Não é uma região que está buscando uma
identidade própria, ela se constitui e se
consolida através de um mecanismo de
integração.
Talvez a visão
estratégica também
seja dotar-se de meios
para resolver os
conflitos, mas isso não é
feito de maneira
explícita.
Creio que isso é importante porque a missão
da UNASUL não parte da resolução dos
conflitos regionais. Parte de outra visão.
Parte da visão das oportunidades comuns
que temos na região. E isso é o mais
relevante, porque uma coisa é você começar
construindo um espaço para solucionar
problemas. Na realidade a UNASUL,
inclusive antes de entrar na vigência
própria do Tratado, já começa a atuar na
resolução de algumas crises regionais.
Como é o caso da Bolívia (2008), do
Equador, do próprio Paraguai, da
Venezuela... Mas independentemente dos
critérios e dos valores que podemos ter, a
UNASUL atuou e atua de uma maneira
decidida a respeitar a ordem integralmente
constituída no sistema democrático dos
governos que foram legítima e legalmente
eleitos. E esse é um dos principais méritos
da UNASUL nos últimos anos: ter
preservado a institucionalidade do estado
de direito na região, o que se consolida com
a aprovação da cláusula democrática
apresentada no protocolo adicional.
Além disso, do ponto de vista institucional,
se consolida o que chamamos de conselhos
setoriais. Temos 12 conselhos setoriais. E
quando alguém revisa a história se dá conta
que vários dos conselhos possuem um
interesse estratégico essencial para mostrar
esse cenário de diálogo, como é o caso do
Conselho de Defesa Sul-americano (CDS).
Não podemos nos esquecer de que esse não
é um feito casual, nem podemos
simplesmente o associar apenas a esse
conselho, mas acredito que aí tentamos
resolver muitos problemas pendentes na
região em respeito à geração de confiança
mútua entre os países. Não podemos nos
esquecer de que viemos de doutrinas
militares bastante rígidas quanto à sua
concepção, que ao longo do período de
retorno e consolidação democrática veio
adaptando-se a essa nova ordem. E o setor
da defesa se constitui um pouco como o
cenário no qual os países vão avançando
nesta lógica de prevenção de conflitos.
Quando falamos de
conflitos em organismos
intergovernamentais,
temos duas formas de
afrontá-los:
partindo da mesma
premissa que diz respeito
à plena soberania
nacional, ou seja, atuando
a partir do requerimento
das partes ou de uma das
partes interessadas em
determinados momentos
de crise; e, atuando a
partir de medidas de
prevenção de conflitos.
Uma dessas medidas se dá através da
geração de confiança através da troca de
informações entre os países. Isso significa
estabelecer transparência entre as políticas
públicas, trocando informações, gerando
espaços de diálogo que possam construir
opções comuns, para desenvolver certas
áreas. Isso é o que tem feito os conselhos
setoriais nos últimos anos. O próprio
Conselho Energético Sul-americano (CES)
teve sua primeira reunião no ano 2008,
antes mesmo da vigência do Tratado, e em
função disso articulou-se posteriormente
como uma missão específica do Tratado.
Energia, defesa, saúde, educação... todos
esses setores não devem ser encarados
simplesmente como algo vinculado a
políticas públicas, mas sim como fruto desse
diálogo, dessa geração de confiança entre os
países, que é o que aponta essencialmente
uma prevenção de conflitos. Então, no fundo
creio que a aproximação ao tema [da
mediação] é positiva para a UNASUL.
GSUM: A UNASUL já produziu ou tem o
desejo de gerar expertise que apoie
regionalmente
os
processos
mediação na América do Sul?
de
Dorfler: A UNASUL às vezes lida com
expectativas que vão mais além do que
suporta sua própria história. O tratado foi
escrito em 23 de Maio de 2008 e entrou em
vigência em Março de 2011. Entrou em
vigência apenas 4 anos atrás, o que nos
impossibilita dizer que é algo de longa data.
Ainda
assim,
demonstra
avanços
significativos, estamos gerando publicações
no próprio âmbito da defesa, para tornar
público os gastos militares a partir dos
dados oficiais disponibilizados pelos
próprios países e obtidos por metodologias
acordadas. Construir indicadores a nível
nacional já é um desafio.
Quando temos que construir indicadores a
nível regional, necessitamos possuir não
apenas dados disponíveis e oficiais, mas
também a vontade de compartilhá-los.
Gerar informação sobre as politicas
nacionais de defesa, sobre os gastos
militares que cada país possui, sobre as
ações realizadas pelas forças armadas,
sobre a possibilidade de trabalhar
conjuntamente
em
outros
âmbitos
multilaterais, já mostra grandes avanços no
âmbito da UNASUL. Este é um conselho que
tem a mesma estrutura que todos os outros
conselhos. Possui uma instância ministerial,
uma instância executiva, um plano de ação
que todos conhecem, cumprem e executam.
E existem ainda grandes linhas de trabalho,
temas de informação, de capacitação, de
indústria... Então eu creio que, realmente,
o Conselho Sul-americano
de Defesa é um exemplo
do que estamos
trabalhando na UNASUL,
um exemplo de um espaço
de diálogo e de geração de
confiança mútua.
Além disso, o CDS conta com um Centro de
Estudos Estratégicos para a Defesa e com a
Escola Sul-americana de Defesa, cuja sede
está instalada aqui [em Quito], na secretaria
geral da UNASUL. Estas são mostras de que
há realmente uma vontade de avançar
conjuntamente. Obviamente que os
objetivos almejados para longo prazo são
ambiciosos. Contar com uma doutrina
militar Sul-americana é um objetivo muito
ambicioso. É um caminho que há de se
construir e andar, e eu creio que não há
porque temê-lo. É uma questão que
atualmente a região pode discutir para
dotar-se de uma visão comum. Por aí não
necessariamente
sairá
uma
visão
homogênea ou uniforme, mas uma visão
comum de objetivos que podemos alcançar.
E por isso todas essas medidas constituem
elementos para gerar confiança e prevenir
conflitos.
Acredito que se a
UNASUL tem uma
virtude, é a de trabalhar
nisso [resolução de
conflitos] sem
constantemente dizer
que o faz.
Isso é bom, porque na medida em que se
constroem as ferramentas institucionais
necessárias, que se consolida e implementa
um discurso, isso mostra que há uma
vontade de avançar nesta linha. Nós não
possuímos um grupo de trabalho para a
prevenção
de
conflitos,
não
há,
evidentemente. Mas sim, há instâncias
políticas que atuam na organização, como o
Conselho de Delegadas e Delegados, de
Ministras e Ministros de Relações
Exteriores, ou o Conselho de Chefes e Chefas
de Estado. Então não é necessário ter toda
uma estrutura ou uma engrenagem
[específica para mediação], porque tudo
isso já funciona. A estrutura da UNASUL
funciona e atua nessa lógica sem ter
especificamente um tema ou instância que
trabalhe a resolução de conflitos como tal.
e sua contribuição para a estabilidade
democrática de alguns países. Então isso
parece ser algo que poderia ser de interesse
comum, mas obviamente aí há que se
perguntar a parte interessada... é certo que
pode haver esse interesse acadêmico, mas
há que se perguntar aos atores se eles
querem documentar suas ações. Em
princípio entendo que como aporte
histórico é necessário, senão depois parece
que os organismos internacionais não
tiveram uma contribuição ampla, quando a
tiveram. Então enquanto um processo, sim,
é interessante documentar, e espero que em
algum momento possamos considerar a
possibilidade de escrever sobre isso.
GSUM: Nesse sentido, há algum tipo de
cooperação técnica que promova a troca
de expertise entre a UNASUL e demais
organizações regionais ou multilaterais?
Além disso, estamos em um processo de
diálogo com a Organização das Nações
Unidas (ONU) para ver que possibilidades
existem em termos de cooperação nas
trocas de conhecimento, capacitação... É um
processo em curso, não está pronto, mas
existe um diálogo.
Dorfler: Na realidade esta é uma
aprendizagem contínua. Não há uma escola
onde fazemos capacitação para prevenção
de conflitos, e obviamente isso é algo que
nós nunca podemos descartar, porque é
uma decisão política e é algo que a
secretaria tem trabalhado.
Acredito que é muito complexo, num
cenário político, pensar na formulação de
um manual de mediação de conflitos da
UNASUL, por exemplo. O que sim é
interessante pensarmos é documentar
como temos trabalhado em determinados
espaços, e obviamente isso ainda está
pendente. Não há publicações da secretaria
que documentem esses processos. Essa é
uma realidade.
Esse é um projeto interessante, porque é um
projeto que documenta o aporte da UNASUL
GSUM: Dentre os processos de mediação
empreendidos, qual considera o mais
exitoso para a UNASUL?
Dorfler: Bolívia. Sem dúvidas. Por muitas
circunstâncias. Bolivia foi sem dúvida o que
desempenhamos um papel... O encontro dos
Chefes de Estado no Palácio de La Moneda
(Chile, 2008) em plena crise boliviana foi
um ponto de estabilização e, sobretudo, um
esforço regional de manter a ordem
constituída no Estado boliviano. Esse é um
exemplo de como uma atuação regional
rápida poderia ajudar outros processos.
Esse foi realmente um processo que se
resolveu de maneira muito rápida.
GSUM: E qual tem sido o papel da
UNASUL na crise Venezuelana?
Dorfler: Nos conflitos internos de seus
países
membros,
a
UNASUL
é
absolutamente respeitosa à situação de
cada um deles. Não se esqueçam que o
Tratado Constitutivo já estabelece, entre
todos os seus princípios, que há um
irrestrito respeito à soberania, ao direito
interno, à legislação nacional... Então no
caso da UNASUL, na Venezuela, nos
momentos em que foi solicitada a
comparecer, o faz através da troika
[formada por ministros das relações
exteriores de Brasil, Colômbia e Equador]
que têm ajudado no processo interno
venezuelano, seja com questões de trato
mais
reservado,
que
não
são
necessariamente publicadas nos meios de
comunicação, seja através do aval de uma
secretaria.
Nossa agenda tem que ser
mais de apoio e
acompanhamento, e não
tanto de ação, no sentido
de tentar atribuir à
secretaria da UNASUL a
capacidade de resolução.
Não. Os Estados têm a
capacidade suficiente de
resolver seus problemas.
Quando eles consideram que deve haver
algum tipo de acompanhamento eles o
solicitam, e nessa linha é que a UNASUL tem
trabalhado. De maneira coordenada com as
autoridades venezuelanas, dialogando com
todos os setores. Acredito que o aporte
central da UNASUL é gerar condições para
que qualquer alternativa de solução que os
venezuelanos encontrem entre eles
mesmos, seja realizada pelos canais de
diálogo e respeito ao Estado de direito.
Nosso papel é basicamente assegurar que
esse seja o caminho a seguir.
Não há uma tomada de
posição porque não pode
haver uma tomada de
posição. Não somos
chamados para tal.
Mas há sim um acompanhamento, um
diálogo com todos os setores na Venezuela.
A Venezuela convidou a UNASUL a fazer
uma missão de acompanhamento eleitoral,
e nós estamos em pleno processo de
preparação. Nós temos o Conselho Eleitoral
Sul-americano, no qual estão representados
todos os conselhos eleitorais de nossos
países membros, temos a presidência protempore que está atualmente a cargo do
Uruguai, e desde o ponto de vista do
ministério de relações exteriores uruguaio,
há um diálogo permanente com as
autoridades venezuelanas para estabelecer
as condições da missão que irá acompanhar
as eleições no dia 6 de dezembro. Esse é um
procedimento um pouco complexo, que
toma certo tempo para ser posto em prática.
É importante entender que no caso da
UNASUL, as missões são de alta
especialidade técnica. Quem as compõe são
autoridades responsáveis ou especialistas
dos órgãos eleitorais de cada um dos 11
países que acompanharão as eleições. Isso
nos leva a afirmar que aqui não se trata de
quantidade, mas de qualidade. Você pode
lançar uma missão de grande número, mas
que não tenha qualidade da parte de quem
está acompanhando o processo.
É muito importante entender que o que está
sendo feito pela UNASUL é cuidar desses
padrões eleitorais nos termos que a
legislação do país que se acompanha
determina. A UNASUL já fez 16 missões de
acompanhamento eleitoral, ou seja, essa
não é nossa primeira experiência. Já o
fizemos em todos os níveis: nacional,
parlamentar,
municipal,
regional,
referendos... Então há uma tradição e o
desenvolvimento de conhecimento.
Muitas vezes querem
transmitir esta imagem de
que UNASUL não é
fidedigna, mas no fundo, o
que estão dizendo é que
seus próprios órgãos
eleitorais não o são,
porque quem está fazendo
o acompanhamento são os
órgãos eleitorais de
nossos países.
Assim, quando um país questiona isso, no
fundo questiona a si mesmo. E creio que
aqui devemos ter muito cuidado, porque a
institucionalidade eleitoral dos países da
UNASUL – desde o ponto de vista
institucional, legislativo, técnico –, nos
últimos anos tem dado provas. Cada um
pode ter suas motivações políticas, mas há
que se esquecer das capas de jornais e
averiguar o que institucionalmente está aí.
Se algo tecnicamente está bem desenhado,
está bem desenhando. E se algumas
autoridades eleitorais dos países dizem isso,
é porque existe aí um grau de confiabilidade
muito grande.
Esses questionamentos às missões de
acompanhamento da UNASUL são muito
delicados. Porque no fundo, você questiona
a si mesmo. Às vezes, as motivações
políticas não conseguem entender o alcance
e a sensibilidade do que se diz. Você pode
ter uma primeira página [de jornal] muito
bonita, mas você não pode se esquecer da
responsabilidade institucional que tem.
Então o acompanhamento eleitoral da
UNASUL é basicamente esse: são
especialistas, autoridades, gente que não
colocará em jogo o prestígio de suas
organizações eleitorais. Qualitativamente
essa é a segurança que as missões da
UNASUL fornecem. Esse é um elemento que
temos que entender muito bem, porque,
insisto, não é a quantidade, mas a qualidade
de quem o faz.
GSUM: Além de monitorar as eleições
parlamentares venezuelanas no dia 6 de
dezembro, que outros temas centrais ao
diálogo estabelecido entre oposição e
governo na Venezuela a UNASUL tem
participado?
Dorfler: O diálogo interno que um país
decide estabelecer se dá através dos
mecanismos internos desse país. A UNASUL
acompanha esse processo, e o tem
promovido através da troika de ministros
em vários espaços de diálogo, e isso é
público, é conhecido. Esse é o nosso
trabalho. Agora, é muito difícil que a
responsabilidade da agenda, dos temas, da
metodologia e dos resultados para o diálogo
seja transferida para a UNASUL. Essa é uma
responsabilidade do Estado e dos atores do
Estado.
A UNASUL acompanha na
medida em que é
requisitada, e na forma
pela qual é requisitada.
Não é possível que a
UNASUL decida ou
estabeleça as regras.
Não é assim. [Isso não ocorreu] nem quando
tivemos a crise boliviana, na qual, vocês
recordarão, houve uma grande presença
não apenas da UNASUL, mas também de
outras instituições para garantir o diálogo.
A metodologia foi designada pelo governo
boliviano e pelos atores bolivianos, então
isso é algo que eu te digo que devemos
preservar. Porque senão seria claramente
uma violação da soberania de cada país. Um
não pode ajudar a gerar as condições para
[a solução de conflitos]. Isso é um erro.
GSUM: Mas no caso Venezuelano há
muitos questionamentos acerca de uma
possível posição pró-governo por parte
da UNASUL.
Dorfler: Nós trabalhamos com os governos
e eles são os nossos interlocutores. É
normal [que seja assim]. Este é um
organismo dos governos. Então a UNASUL
não assume uma posição a favor ou de
encontro [a algum Estado]. Não podemos
negar que desde o ponto de vista midiático
se dizem muitas coisas. Mas você pode
imaginar que se nós acreditarmos em tudo
o que se publica na imprensa, nossa vida
seria um pouco mais complicada do que já é.
Tem que haver algum grau de objetividade
na análise, desde a perspectiva institucional.
Desde o ponto de vista institucional,
devemos estar conscientes de que o papel
de uma instituição como a UNASUL é
acompanhar o processo. E eu vejo que a
troika de ministros, em sua própria
composição, garante isso. Os três
chanceleres que fazem parte da troika
[Mauro Viera, Brasil; Maria Angela Holguin,
Colômbia; e Ricardo Patiño, Equador] os faz
em caráter pessoal. Eles vão representando
a seus Estados e em nome dos outros oito
Estados da UNASUL que os pediram para
fazer esse acompanhamento. Isso é sempre
bom recordar. Essas missões não
acontecem porque ocorreu a alguém que
elas devam ir. Elas são frutos de um
processo de diálogo entre os doze Estados,
e há um que aceita esse acompanhamento,
ou que o pede... Há outros onze que dizem,
“bem, vamos nos organizar desta maneira”,
então quando um olha para a composição da
troika, se dá conta que ali há um equilíbrio
de representação, a não ser que não queira
enxergar assim. Eu acredito que há um
equilíbrio institucional, e no fundo, quando
vemos a composição da troika estamos
conscientes de que qualquer dúvida nesse
sentido está clara. Nenhum país vai se
prestar a fazer questionamentos em termos
de favorecimento, é muito difícil. A
secretaria acompanha e apoia esse
deslocamento, [a troika] não é um ator
propriamente.
GSUM: Quais são as diferenças no
processo de mediação na Venezuela e as
outras iniciativas de mediação já
empreendidas pela UNASUL?
Dorfler: Não há formas de comparar. A
crise boliviana tem causas estruturais e um
desfecho dos acontecimentos, um momento
político,
uma
realidade
e
uma
transformação histórica própria de seu país.
No Equador as circunstâncias são outras.
Dá-se em outro momento histórico, outro
contexto. Se há aí sinais de coincidências e
ambições dos países, isso pode ser
coincidência ou não. É muito difícil fazer
uma análise comparativa. As missões ou
intervenções que tivemos em alguns
conflitos internos não é objeto de uma
metodologia comparativa.
elementos comuns sejam esses: o marco do
Tratado, o respeito aos princípios, o
fomento ao diálogo, a geração de condições
para que esses diálogos aconteçam,
evitando que existam maiores conflitos
internos, buscando prevenir a violência. Ou
seja, uma série de princípios ou
alinhamentos que sim podemos identificar
como elementos comuns à todas as missões.
GSUM: Muito se diz que, no caso
Venezuelano,
especificamente,
a
UNASUL não tem feito muito em respeito
aos direitos humanos, pois os concebe
como parte de um direito à democracia.
Como a UNASUL tem tratado deste
diálogo entre direitos humanos e
democracia?
Em todos os casos, a
UNASUL tem atuado junto
ao Tratado Constitutivo e
ao protocolo adicional de
manutenção da
democracia, quando este
entra em vigência.
Dorfler: O tema dos direitos humanos na
UNASUL transcende uma visão dos direitos
humanos desde os direitos civis ou políticos,
e vai ao encontro dos direitos
socioeconômicos, culturais, coletivos. No
âmbito dos direitos humanos, além de
possuirmos um grupo de trabalho
especializado no tema, estamos neste
momento
promovendo
sua
transversalização por todos os conselhos
setoriais que possuímos.
E o tem feito – insisto, ainda que às vezes
seja cansativo repetir – não apenas por uma
posição de discurso. Não é assim. O fazemos
em pleno respeito à soberania de nossos
países. Independentemente da situação que
seja não nos esquecemos de que há
governos
legais
e
legitimamente
constituídos e que formam parte da
organização, e que em ultima instância são
os que solicitam em determinado momento
o apoio da organização. Me custa muito
pensar em comparar. Quem sabe os
Somos um organismo regional que nos
últimos anos vem promovendo o diálogo
entre os países para que o exercício dos
direitos humanos se amplie o mais possível
e se faça um marco no âmbito específico dos
direitos humanos. Esse é um trabalho muito
importante na UNASUL. Não vejo os direitos
humanos como simplesmente uma parte da
Cláusula Democrática. São também parte
integrante desta, e não poderia ser de outra
maneira. Os direitos humanos estão no
Tratado Constitutivo como um capítulo
específico, como um âmbito de trabalho
próprio, com um espaço institucional
próprio, onde se promovem uma série de
ações e de diálogos entre os países.
A responsabilidade da
UNASUL é chamar a
atenção dos Estados para
o cumprimento destes
compromissos.
O que a UNASUL faz neste momento é
precisamente promover um intercâmbio
acerca dos avanços alcançados por seus
países membros, como cada um deles vem
trabalhando. Eu veria o trabalho dos
direitos humanos na UNASUL mais como
um aspecto integral e completo. Não o veria
como segmentado ou esporádico... Não é
como dizer “neste país sim, naquele não”...
Há um principio geral e isso é o que a
UNASUL segue.
GSUM: Em termos práticos, como
acontecem os diálogos na Venezuela? Os
chanceleres vão até o local, conversam
separadamente? Como a UNASUL
implementa essa função de mediador?
Dorfler: Quando o governo venezuelano
solicita, se constitui a troika, e ambos
acordam quando acontecerão visitas às
cidades para as quais a troika fora
convidada a comparecer. Aí se estabelece
uma agenda de diálogo com todos os atores
políticos e sociais. Iniciam-se os diálogos e
depois geram-se as condições para um
encontro entre as partes. Esse é o nosso
papel. Não tem um papel diferente disto. É
muito diálogo. Basicamente diálogo com as
partes, entender a situação, entender quais
serão as missões, e dialogar com o governo,
que é quem em última instância, tem a
capacidade e a iniciativa para estabelecer o
diálogo. A UNASUL ajuda nesses termos.
Nosso papel é muito importante, na medida
em que geramos canais entre as partes para
que possam estabelecer pontos comuns
sobre os quais poderão dialogar.
GSUM: E qual é o envolvimento da
UNASUL no recente conflito entre
Venezuela e Guiana?
Dorfler: São temas bilaterais. Os Estados
devem buscar uma solução entre eles, e o
estão fazendo a partir dos marcos dos
acordos que possuem entre si. A UNASUL
tem cumprido seu papel de gerar, ou tentar
gerar, as condições para um diálogo entre as
partes. Mas para isso deve haver a vontade
das partes para dialogar.
A UNASUL não pode impor
a ninguém que se sente
em uma mesa de diálogo.
Então a UNASUL
desempenha este papel de
acompanhamento, de
promover soluções
pacíficas e espaços de
diálogo.
Entretanto, não necessariamente todos os
temas caem sob a UNASUL. Há conflitos que
os países querem resolver bilateralmente,
via UNASUL, ou através de outros meios que
o direito internacional reconhece. É assim.
Não houve um pedido explícito de um papel
da UNASUL nessa questão. A UNASUL tem
sim acompanhado, mas não há um pedido
explícito de participação.
GSUM: E qual tem sido o papel da
UNASUL nas negociações de paz na
Colômbia?
Dorfler: No caso colombiano o que há é um
convite das partes para que se possa fazer
um acompanhamento do processo de
arrefecimento [da violência] que estão
negociando. Neste momento o que foi feito
é um convite à presidência pro-tempore,
que está a cargo do Uruguai, que tem
designado uma pessoa para que atue como
representante. Esse é o estado da situação.
Não se esqueçam que a UNASUL, além dos
três órgãos de governo principal, possui
também a presidência pro-tempore, que
representa os Estados. Então a presidência
pro-tempore recebeu esse convite, e tem
que dar uma resposta a esse pedido. É um
tema que está sendo administrado pela
presidência.
GSUM: Por um lado, a UNASUL é uma
organização que representa os Estados,
como você muito bem destacou. Por
outro, a organização demonstra alguma
capacidade de autonomia, de gerar certa
agenda, de escolher um ou outro tema.
Em particular, os secretários gerais
também podem dar certa prioridade a
determinados assuntos dentro de um
organismo. Como você vê esta
característica
presente
na
administração de Ernesto Samper?
Quais seriam as suas prioridades?
Dorfler: Acredito que as prioridades do
presidente Samper é passar da visão para a
ação. Ele fez uma proposta aos chefes de
Estado em que se considerava, valorizava e
aprovava, na última reunião, avançar em
temas prioritários para a região. Estes vão
desde a cidadania Sul-americana, até a
geração de projetos de infraestrutura em
termos de implementações específicas,
avançar em uma visão comum sobre o
problema mundial das drogas. Isto é, há um
conjunto de iniciativas que o secretário
geral vem promovendo para passar do texto
da visão para a ação. A principal tarefa da
secretaria geral a cargo do presidente
Samper vai por aí... Realizações concretas
em temas que são de interesse e prioridade
dos países, e que são benefícios diretos aos
cidadãos. O tema da cidadania Sulamericana é um tema, por exemplo, muito
concreto e claro de que isso é possível. É
preciso facilitar a vida da gente que vive e
trabalha nesta região.
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GSUM Entrevista Dr. Mauricio Dorfler, Diretor de Assuntos Políticos