GSUM Entrevista Dr. Mauricio Dorfler, Diretor de Assuntos Políticos e de Defesa da UNASUL Por Camila dos Santos “Se a UNASUL tem uma virtude, é a de trabalhar nisso [resolução de conflitos] sem constantemente dizer que o faz” René Mauricio Dorfler Ocampo é licenciado em Relações Internacionais e Ciência Política (1993) pela Universidad de Belgrano, frequentou a Academia Diplomática Boliviana “Rafael Bustillo” (1995), é mestre em Cooperação Internacional e doutor em Ciência Política e Sociologia pela Universidad Complutense de Madrid (1997). Além de recentemente assumir a Diretoria de Assuntos Políticos e de Defesa da UNASUL, Dr. Dorfler tem ampla experiência diplomática, tendo atuado como Representante da Secretaria Permanente do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), bem como Diretor Executivo da Organização do Tratado (OTCA) junto à UNASUL e CELAC. Foto: OTCA Em visita ao Equador, no dia 27 de agosto de 2015, a delegação da Unidade de Mediação para o Sul Global (GSUM) foi recebida pelo secretariado geral da União de Nações SulAmericanas (UNASUL) e teve a oportunidade de entrevistar o Dr. Mauricio Dorfler, Diretor dos Assuntos Políticos e de Defesa do bloco. Dorfler também foi Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da Bolívia no Brasil; Consul Geral da Bolívia no Rio de Janeiro; Alto Funcionário da Bolívia na UNASUL; Vice-ministro de Relações Exteriores da Bolívia; Diretor Geral de Integração e Acordos Comerciais do Ministério das Relações Exteriores boliviano; e Representante Suplente da Bolivia na Comissão do Acordo de Cartagena. Confira a seguir a entrevista: GSUM: Quando falamos de resolução de conflitos na América do Sul, quais são as agendas e prioridades da UNASUL? Dorfler: Quando alguém revisa as declarações feitas em Cuzco, Brasília e Cochabamba se dá conta de que, essencialmente, o que se pretendeu construir na América do Sul é um mecanismo de integração, que se constitui em um espaço de diálogo para os países da região em termos holísticos. Isso significa que há um enfoque global na integração, fazendo com que todos os temas cotidianos às políticas nacionais de inserção regional e de desenvolvimento local pudessem encontrar um espaço de articulação e complementariedade. É importante olhar para o Tratado Constitutivo e para a UNASUL com essa visão de espaços de diálogo entre os distintos atores do processo de integração regional. Inclusive nos níveis dos órgãos judiciais, também se promove um diálogo. Isto é, todos os poderes constitutivos dos Estados fazem parte desse processo de integração e terão de outra maneira um espaço no qual poderão interagir e atuar, dotando-se de suas próprias capacidades. Assim, a partir de uma perspectiva jurídica, se avançamos para uma posição mais política-estratégica, nos damos conta que na realidade o projeto teve como objetivo dotar a América do Sul de dois elementos essenciais. Primeiro, constituir-se em região como tal. Porque, sejamos sinceros, até o processo do ano 2000, com a primeira Cúpula que se realizou entre os Chefes de Estados, até 2006, na Cúpula de Cochabamba, com a participação de Guiana e Suriname no processo regional, o que tínhamos era uma participação esporádica – na qual os países, em função de determinados temas ou interesses, se aproximavam ou não. Acredito que a UNASUL tem essa principal virtude estratégica, que é consolidar a região como tal. E é uma região que busca ser integração. Não é uma região que está buscando uma identidade própria, ela se constitui e se consolida através de um mecanismo de integração. Talvez a visão estratégica também seja dotar-se de meios para resolver os conflitos, mas isso não é feito de maneira explícita. Creio que isso é importante porque a missão da UNASUL não parte da resolução dos conflitos regionais. Parte de outra visão. Parte da visão das oportunidades comuns que temos na região. E isso é o mais relevante, porque uma coisa é você começar construindo um espaço para solucionar problemas. Na realidade a UNASUL, inclusive antes de entrar na vigência própria do Tratado, já começa a atuar na resolução de algumas crises regionais. Como é o caso da Bolívia (2008), do Equador, do próprio Paraguai, da Venezuela... Mas independentemente dos critérios e dos valores que podemos ter, a UNASUL atuou e atua de uma maneira decidida a respeitar a ordem integralmente constituída no sistema democrático dos governos que foram legítima e legalmente eleitos. E esse é um dos principais méritos da UNASUL nos últimos anos: ter preservado a institucionalidade do estado de direito na região, o que se consolida com a aprovação da cláusula democrática apresentada no protocolo adicional. Além disso, do ponto de vista institucional, se consolida o que chamamos de conselhos setoriais. Temos 12 conselhos setoriais. E quando alguém revisa a história se dá conta que vários dos conselhos possuem um interesse estratégico essencial para mostrar esse cenário de diálogo, como é o caso do Conselho de Defesa Sul-americano (CDS). Não podemos nos esquecer de que esse não é um feito casual, nem podemos simplesmente o associar apenas a esse conselho, mas acredito que aí tentamos resolver muitos problemas pendentes na região em respeito à geração de confiança mútua entre os países. Não podemos nos esquecer de que viemos de doutrinas militares bastante rígidas quanto à sua concepção, que ao longo do período de retorno e consolidação democrática veio adaptando-se a essa nova ordem. E o setor da defesa se constitui um pouco como o cenário no qual os países vão avançando nesta lógica de prevenção de conflitos. Quando falamos de conflitos em organismos intergovernamentais, temos duas formas de afrontá-los: partindo da mesma premissa que diz respeito à plena soberania nacional, ou seja, atuando a partir do requerimento das partes ou de uma das partes interessadas em determinados momentos de crise; e, atuando a partir de medidas de prevenção de conflitos. Uma dessas medidas se dá através da geração de confiança através da troca de informações entre os países. Isso significa estabelecer transparência entre as políticas públicas, trocando informações, gerando espaços de diálogo que possam construir opções comuns, para desenvolver certas áreas. Isso é o que tem feito os conselhos setoriais nos últimos anos. O próprio Conselho Energético Sul-americano (CES) teve sua primeira reunião no ano 2008, antes mesmo da vigência do Tratado, e em função disso articulou-se posteriormente como uma missão específica do Tratado. Energia, defesa, saúde, educação... todos esses setores não devem ser encarados simplesmente como algo vinculado a políticas públicas, mas sim como fruto desse diálogo, dessa geração de confiança entre os países, que é o que aponta essencialmente uma prevenção de conflitos. Então, no fundo creio que a aproximação ao tema [da mediação] é positiva para a UNASUL. GSUM: A UNASUL já produziu ou tem o desejo de gerar expertise que apoie regionalmente os processos mediação na América do Sul? de Dorfler: A UNASUL às vezes lida com expectativas que vão mais além do que suporta sua própria história. O tratado foi escrito em 23 de Maio de 2008 e entrou em vigência em Março de 2011. Entrou em vigência apenas 4 anos atrás, o que nos impossibilita dizer que é algo de longa data. Ainda assim, demonstra avanços significativos, estamos gerando publicações no próprio âmbito da defesa, para tornar público os gastos militares a partir dos dados oficiais disponibilizados pelos próprios países e obtidos por metodologias acordadas. Construir indicadores a nível nacional já é um desafio. Quando temos que construir indicadores a nível regional, necessitamos possuir não apenas dados disponíveis e oficiais, mas também a vontade de compartilhá-los. Gerar informação sobre as politicas nacionais de defesa, sobre os gastos militares que cada país possui, sobre as ações realizadas pelas forças armadas, sobre a possibilidade de trabalhar conjuntamente em outros âmbitos multilaterais, já mostra grandes avanços no âmbito da UNASUL. Este é um conselho que tem a mesma estrutura que todos os outros conselhos. Possui uma instância ministerial, uma instância executiva, um plano de ação que todos conhecem, cumprem e executam. E existem ainda grandes linhas de trabalho, temas de informação, de capacitação, de indústria... Então eu creio que, realmente, o Conselho Sul-americano de Defesa é um exemplo do que estamos trabalhando na UNASUL, um exemplo de um espaço de diálogo e de geração de confiança mútua. Além disso, o CDS conta com um Centro de Estudos Estratégicos para a Defesa e com a Escola Sul-americana de Defesa, cuja sede está instalada aqui [em Quito], na secretaria geral da UNASUL. Estas são mostras de que há realmente uma vontade de avançar conjuntamente. Obviamente que os objetivos almejados para longo prazo são ambiciosos. Contar com uma doutrina militar Sul-americana é um objetivo muito ambicioso. É um caminho que há de se construir e andar, e eu creio que não há porque temê-lo. É uma questão que atualmente a região pode discutir para dotar-se de uma visão comum. Por aí não necessariamente sairá uma visão homogênea ou uniforme, mas uma visão comum de objetivos que podemos alcançar. E por isso todas essas medidas constituem elementos para gerar confiança e prevenir conflitos. Acredito que se a UNASUL tem uma virtude, é a de trabalhar nisso [resolução de conflitos] sem constantemente dizer que o faz. Isso é bom, porque na medida em que se constroem as ferramentas institucionais necessárias, que se consolida e implementa um discurso, isso mostra que há uma vontade de avançar nesta linha. Nós não possuímos um grupo de trabalho para a prevenção de conflitos, não há, evidentemente. Mas sim, há instâncias políticas que atuam na organização, como o Conselho de Delegadas e Delegados, de Ministras e Ministros de Relações Exteriores, ou o Conselho de Chefes e Chefas de Estado. Então não é necessário ter toda uma estrutura ou uma engrenagem [específica para mediação], porque tudo isso já funciona. A estrutura da UNASUL funciona e atua nessa lógica sem ter especificamente um tema ou instância que trabalhe a resolução de conflitos como tal. e sua contribuição para a estabilidade democrática de alguns países. Então isso parece ser algo que poderia ser de interesse comum, mas obviamente aí há que se perguntar a parte interessada... é certo que pode haver esse interesse acadêmico, mas há que se perguntar aos atores se eles querem documentar suas ações. Em princípio entendo que como aporte histórico é necessário, senão depois parece que os organismos internacionais não tiveram uma contribuição ampla, quando a tiveram. Então enquanto um processo, sim, é interessante documentar, e espero que em algum momento possamos considerar a possibilidade de escrever sobre isso. GSUM: Nesse sentido, há algum tipo de cooperação técnica que promova a troca de expertise entre a UNASUL e demais organizações regionais ou multilaterais? Além disso, estamos em um processo de diálogo com a Organização das Nações Unidas (ONU) para ver que possibilidades existem em termos de cooperação nas trocas de conhecimento, capacitação... É um processo em curso, não está pronto, mas existe um diálogo. Dorfler: Na realidade esta é uma aprendizagem contínua. Não há uma escola onde fazemos capacitação para prevenção de conflitos, e obviamente isso é algo que nós nunca podemos descartar, porque é uma decisão política e é algo que a secretaria tem trabalhado. Acredito que é muito complexo, num cenário político, pensar na formulação de um manual de mediação de conflitos da UNASUL, por exemplo. O que sim é interessante pensarmos é documentar como temos trabalhado em determinados espaços, e obviamente isso ainda está pendente. Não há publicações da secretaria que documentem esses processos. Essa é uma realidade. Esse é um projeto interessante, porque é um projeto que documenta o aporte da UNASUL GSUM: Dentre os processos de mediação empreendidos, qual considera o mais exitoso para a UNASUL? Dorfler: Bolívia. Sem dúvidas. Por muitas circunstâncias. Bolivia foi sem dúvida o que desempenhamos um papel... O encontro dos Chefes de Estado no Palácio de La Moneda (Chile, 2008) em plena crise boliviana foi um ponto de estabilização e, sobretudo, um esforço regional de manter a ordem constituída no Estado boliviano. Esse é um exemplo de como uma atuação regional rápida poderia ajudar outros processos. Esse foi realmente um processo que se resolveu de maneira muito rápida. GSUM: E qual tem sido o papel da UNASUL na crise Venezuelana? Dorfler: Nos conflitos internos de seus países membros, a UNASUL é absolutamente respeitosa à situação de cada um deles. Não se esqueçam que o Tratado Constitutivo já estabelece, entre todos os seus princípios, que há um irrestrito respeito à soberania, ao direito interno, à legislação nacional... Então no caso da UNASUL, na Venezuela, nos momentos em que foi solicitada a comparecer, o faz através da troika [formada por ministros das relações exteriores de Brasil, Colômbia e Equador] que têm ajudado no processo interno venezuelano, seja com questões de trato mais reservado, que não são necessariamente publicadas nos meios de comunicação, seja através do aval de uma secretaria. Nossa agenda tem que ser mais de apoio e acompanhamento, e não tanto de ação, no sentido de tentar atribuir à secretaria da UNASUL a capacidade de resolução. Não. Os Estados têm a capacidade suficiente de resolver seus problemas. Quando eles consideram que deve haver algum tipo de acompanhamento eles o solicitam, e nessa linha é que a UNASUL tem trabalhado. De maneira coordenada com as autoridades venezuelanas, dialogando com todos os setores. Acredito que o aporte central da UNASUL é gerar condições para que qualquer alternativa de solução que os venezuelanos encontrem entre eles mesmos, seja realizada pelos canais de diálogo e respeito ao Estado de direito. Nosso papel é basicamente assegurar que esse seja o caminho a seguir. Não há uma tomada de posição porque não pode haver uma tomada de posição. Não somos chamados para tal. Mas há sim um acompanhamento, um diálogo com todos os setores na Venezuela. A Venezuela convidou a UNASUL a fazer uma missão de acompanhamento eleitoral, e nós estamos em pleno processo de preparação. Nós temos o Conselho Eleitoral Sul-americano, no qual estão representados todos os conselhos eleitorais de nossos países membros, temos a presidência protempore que está atualmente a cargo do Uruguai, e desde o ponto de vista do ministério de relações exteriores uruguaio, há um diálogo permanente com as autoridades venezuelanas para estabelecer as condições da missão que irá acompanhar as eleições no dia 6 de dezembro. Esse é um procedimento um pouco complexo, que toma certo tempo para ser posto em prática. É importante entender que no caso da UNASUL, as missões são de alta especialidade técnica. Quem as compõe são autoridades responsáveis ou especialistas dos órgãos eleitorais de cada um dos 11 países que acompanharão as eleições. Isso nos leva a afirmar que aqui não se trata de quantidade, mas de qualidade. Você pode lançar uma missão de grande número, mas que não tenha qualidade da parte de quem está acompanhando o processo. É muito importante entender que o que está sendo feito pela UNASUL é cuidar desses padrões eleitorais nos termos que a legislação do país que se acompanha determina. A UNASUL já fez 16 missões de acompanhamento eleitoral, ou seja, essa não é nossa primeira experiência. Já o fizemos em todos os níveis: nacional, parlamentar, municipal, regional, referendos... Então há uma tradição e o desenvolvimento de conhecimento. Muitas vezes querem transmitir esta imagem de que UNASUL não é fidedigna, mas no fundo, o que estão dizendo é que seus próprios órgãos eleitorais não o são, porque quem está fazendo o acompanhamento são os órgãos eleitorais de nossos países. Assim, quando um país questiona isso, no fundo questiona a si mesmo. E creio que aqui devemos ter muito cuidado, porque a institucionalidade eleitoral dos países da UNASUL – desde o ponto de vista institucional, legislativo, técnico –, nos últimos anos tem dado provas. Cada um pode ter suas motivações políticas, mas há que se esquecer das capas de jornais e averiguar o que institucionalmente está aí. Se algo tecnicamente está bem desenhado, está bem desenhando. E se algumas autoridades eleitorais dos países dizem isso, é porque existe aí um grau de confiabilidade muito grande. Esses questionamentos às missões de acompanhamento da UNASUL são muito delicados. Porque no fundo, você questiona a si mesmo. Às vezes, as motivações políticas não conseguem entender o alcance e a sensibilidade do que se diz. Você pode ter uma primeira página [de jornal] muito bonita, mas você não pode se esquecer da responsabilidade institucional que tem. Então o acompanhamento eleitoral da UNASUL é basicamente esse: são especialistas, autoridades, gente que não colocará em jogo o prestígio de suas organizações eleitorais. Qualitativamente essa é a segurança que as missões da UNASUL fornecem. Esse é um elemento que temos que entender muito bem, porque, insisto, não é a quantidade, mas a qualidade de quem o faz. GSUM: Além de monitorar as eleições parlamentares venezuelanas no dia 6 de dezembro, que outros temas centrais ao diálogo estabelecido entre oposição e governo na Venezuela a UNASUL tem participado? Dorfler: O diálogo interno que um país decide estabelecer se dá através dos mecanismos internos desse país. A UNASUL acompanha esse processo, e o tem promovido através da troika de ministros em vários espaços de diálogo, e isso é público, é conhecido. Esse é o nosso trabalho. Agora, é muito difícil que a responsabilidade da agenda, dos temas, da metodologia e dos resultados para o diálogo seja transferida para a UNASUL. Essa é uma responsabilidade do Estado e dos atores do Estado. A UNASUL acompanha na medida em que é requisitada, e na forma pela qual é requisitada. Não é possível que a UNASUL decida ou estabeleça as regras. Não é assim. [Isso não ocorreu] nem quando tivemos a crise boliviana, na qual, vocês recordarão, houve uma grande presença não apenas da UNASUL, mas também de outras instituições para garantir o diálogo. A metodologia foi designada pelo governo boliviano e pelos atores bolivianos, então isso é algo que eu te digo que devemos preservar. Porque senão seria claramente uma violação da soberania de cada país. Um não pode ajudar a gerar as condições para [a solução de conflitos]. Isso é um erro. GSUM: Mas no caso Venezuelano há muitos questionamentos acerca de uma possível posição pró-governo por parte da UNASUL. Dorfler: Nós trabalhamos com os governos e eles são os nossos interlocutores. É normal [que seja assim]. Este é um organismo dos governos. Então a UNASUL não assume uma posição a favor ou de encontro [a algum Estado]. Não podemos negar que desde o ponto de vista midiático se dizem muitas coisas. Mas você pode imaginar que se nós acreditarmos em tudo o que se publica na imprensa, nossa vida seria um pouco mais complicada do que já é. Tem que haver algum grau de objetividade na análise, desde a perspectiva institucional. Desde o ponto de vista institucional, devemos estar conscientes de que o papel de uma instituição como a UNASUL é acompanhar o processo. E eu vejo que a troika de ministros, em sua própria composição, garante isso. Os três chanceleres que fazem parte da troika [Mauro Viera, Brasil; Maria Angela Holguin, Colômbia; e Ricardo Patiño, Equador] os faz em caráter pessoal. Eles vão representando a seus Estados e em nome dos outros oito Estados da UNASUL que os pediram para fazer esse acompanhamento. Isso é sempre bom recordar. Essas missões não acontecem porque ocorreu a alguém que elas devam ir. Elas são frutos de um processo de diálogo entre os doze Estados, e há um que aceita esse acompanhamento, ou que o pede... Há outros onze que dizem, “bem, vamos nos organizar desta maneira”, então quando um olha para a composição da troika, se dá conta que ali há um equilíbrio de representação, a não ser que não queira enxergar assim. Eu acredito que há um equilíbrio institucional, e no fundo, quando vemos a composição da troika estamos conscientes de que qualquer dúvida nesse sentido está clara. Nenhum país vai se prestar a fazer questionamentos em termos de favorecimento, é muito difícil. A secretaria acompanha e apoia esse deslocamento, [a troika] não é um ator propriamente. GSUM: Quais são as diferenças no processo de mediação na Venezuela e as outras iniciativas de mediação já empreendidas pela UNASUL? Dorfler: Não há formas de comparar. A crise boliviana tem causas estruturais e um desfecho dos acontecimentos, um momento político, uma realidade e uma transformação histórica própria de seu país. No Equador as circunstâncias são outras. Dá-se em outro momento histórico, outro contexto. Se há aí sinais de coincidências e ambições dos países, isso pode ser coincidência ou não. É muito difícil fazer uma análise comparativa. As missões ou intervenções que tivemos em alguns conflitos internos não é objeto de uma metodologia comparativa. elementos comuns sejam esses: o marco do Tratado, o respeito aos princípios, o fomento ao diálogo, a geração de condições para que esses diálogos aconteçam, evitando que existam maiores conflitos internos, buscando prevenir a violência. Ou seja, uma série de princípios ou alinhamentos que sim podemos identificar como elementos comuns à todas as missões. GSUM: Muito se diz que, no caso Venezuelano, especificamente, a UNASUL não tem feito muito em respeito aos direitos humanos, pois os concebe como parte de um direito à democracia. Como a UNASUL tem tratado deste diálogo entre direitos humanos e democracia? Em todos os casos, a UNASUL tem atuado junto ao Tratado Constitutivo e ao protocolo adicional de manutenção da democracia, quando este entra em vigência. Dorfler: O tema dos direitos humanos na UNASUL transcende uma visão dos direitos humanos desde os direitos civis ou políticos, e vai ao encontro dos direitos socioeconômicos, culturais, coletivos. No âmbito dos direitos humanos, além de possuirmos um grupo de trabalho especializado no tema, estamos neste momento promovendo sua transversalização por todos os conselhos setoriais que possuímos. E o tem feito – insisto, ainda que às vezes seja cansativo repetir – não apenas por uma posição de discurso. Não é assim. O fazemos em pleno respeito à soberania de nossos países. Independentemente da situação que seja não nos esquecemos de que há governos legais e legitimamente constituídos e que formam parte da organização, e que em ultima instância são os que solicitam em determinado momento o apoio da organização. Me custa muito pensar em comparar. Quem sabe os Somos um organismo regional que nos últimos anos vem promovendo o diálogo entre os países para que o exercício dos direitos humanos se amplie o mais possível e se faça um marco no âmbito específico dos direitos humanos. Esse é um trabalho muito importante na UNASUL. Não vejo os direitos humanos como simplesmente uma parte da Cláusula Democrática. São também parte integrante desta, e não poderia ser de outra maneira. Os direitos humanos estão no Tratado Constitutivo como um capítulo específico, como um âmbito de trabalho próprio, com um espaço institucional próprio, onde se promovem uma série de ações e de diálogos entre os países. A responsabilidade da UNASUL é chamar a atenção dos Estados para o cumprimento destes compromissos. O que a UNASUL faz neste momento é precisamente promover um intercâmbio acerca dos avanços alcançados por seus países membros, como cada um deles vem trabalhando. Eu veria o trabalho dos direitos humanos na UNASUL mais como um aspecto integral e completo. Não o veria como segmentado ou esporádico... Não é como dizer “neste país sim, naquele não”... Há um principio geral e isso é o que a UNASUL segue. GSUM: Em termos práticos, como acontecem os diálogos na Venezuela? Os chanceleres vão até o local, conversam separadamente? Como a UNASUL implementa essa função de mediador? Dorfler: Quando o governo venezuelano solicita, se constitui a troika, e ambos acordam quando acontecerão visitas às cidades para as quais a troika fora convidada a comparecer. Aí se estabelece uma agenda de diálogo com todos os atores políticos e sociais. Iniciam-se os diálogos e depois geram-se as condições para um encontro entre as partes. Esse é o nosso papel. Não tem um papel diferente disto. É muito diálogo. Basicamente diálogo com as partes, entender a situação, entender quais serão as missões, e dialogar com o governo, que é quem em última instância, tem a capacidade e a iniciativa para estabelecer o diálogo. A UNASUL ajuda nesses termos. Nosso papel é muito importante, na medida em que geramos canais entre as partes para que possam estabelecer pontos comuns sobre os quais poderão dialogar. GSUM: E qual é o envolvimento da UNASUL no recente conflito entre Venezuela e Guiana? Dorfler: São temas bilaterais. Os Estados devem buscar uma solução entre eles, e o estão fazendo a partir dos marcos dos acordos que possuem entre si. A UNASUL tem cumprido seu papel de gerar, ou tentar gerar, as condições para um diálogo entre as partes. Mas para isso deve haver a vontade das partes para dialogar. A UNASUL não pode impor a ninguém que se sente em uma mesa de diálogo. Então a UNASUL desempenha este papel de acompanhamento, de promover soluções pacíficas e espaços de diálogo. Entretanto, não necessariamente todos os temas caem sob a UNASUL. Há conflitos que os países querem resolver bilateralmente, via UNASUL, ou através de outros meios que o direito internacional reconhece. É assim. Não houve um pedido explícito de um papel da UNASUL nessa questão. A UNASUL tem sim acompanhado, mas não há um pedido explícito de participação. GSUM: E qual tem sido o papel da UNASUL nas negociações de paz na Colômbia? Dorfler: No caso colombiano o que há é um convite das partes para que se possa fazer um acompanhamento do processo de arrefecimento [da violência] que estão negociando. Neste momento o que foi feito é um convite à presidência pro-tempore, que está a cargo do Uruguai, que tem designado uma pessoa para que atue como representante. Esse é o estado da situação. Não se esqueçam que a UNASUL, além dos três órgãos de governo principal, possui também a presidência pro-tempore, que representa os Estados. Então a presidência pro-tempore recebeu esse convite, e tem que dar uma resposta a esse pedido. É um tema que está sendo administrado pela presidência. GSUM: Por um lado, a UNASUL é uma organização que representa os Estados, como você muito bem destacou. Por outro, a organização demonstra alguma capacidade de autonomia, de gerar certa agenda, de escolher um ou outro tema. Em particular, os secretários gerais também podem dar certa prioridade a determinados assuntos dentro de um organismo. Como você vê esta característica presente na administração de Ernesto Samper? Quais seriam as suas prioridades? Dorfler: Acredito que as prioridades do presidente Samper é passar da visão para a ação. Ele fez uma proposta aos chefes de Estado em que se considerava, valorizava e aprovava, na última reunião, avançar em temas prioritários para a região. Estes vão desde a cidadania Sul-americana, até a geração de projetos de infraestrutura em termos de implementações específicas, avançar em uma visão comum sobre o problema mundial das drogas. Isto é, há um conjunto de iniciativas que o secretário geral vem promovendo para passar do texto da visão para a ação. A principal tarefa da secretaria geral a cargo do presidente Samper vai por aí... Realizações concretas em temas que são de interesse e prioridade dos países, e que são benefícios diretos aos cidadãos. O tema da cidadania Sulamericana é um tema, por exemplo, muito concreto e claro de que isso é possível. É preciso facilitar a vida da gente que vive e trabalha nesta região.