ECA AULA 02 DIREITOS FUNDAMENTAIS Prof. João Aguirre - Principais direitos a serem considerados: Direito à vida e à saúde = arts. 7º ao 14. Direito à liberdade, ao respeito e à dignidade = arts. 15 ao 18. Direito à convivência familiar e comunitária (família natural e substituta) = arts. 19 ao 32. Guarda = arts. 33 ao 35. Tutela = arts. 36 ao 38. Adoção = arts. 39 ao 52. Direito à educação, cultura, esporte e lazer = arts. 53 ao 59. Direito à profissionalização e à proteção no trabalho:arts.60 ao 69. 1- Direito à vida e à saúde (arts. 7º ao 14) - Proteção à vida e à saúde: visa garantir uma saudável gestação, bem como um nascimento e desenvolvimento sadio e digno à criança. - Forma de efetivação: assegurar o atendimento pré e perinatal gratuito à gestante, à mulher em fase de amamentação e à criança; fornecimento de medicamentos e tratamento médico necessário à gestante e ao recém-nascido; além de uma infância saudável. - Inclui, ainda, o direito da mulher em receber uma alimentação correta, necessária durante o período gestacional e também durante o período de amamentação. - O atendimento deve ser fornecido pelo SUS. - O ECA assegura à mulher em cumprimento de pena privativa de liberdade o direito ao aleitamento. Estipula que também as instituições e os empregadores devem propiciar os meios necessários à amamentação pela nutriz . - Alguns doutrinadores entendem que o desrespeito a esses direitos constitui também o crime de maus-tratos, tipificado no art. 136. CLT, Art. 396. Para amamentar o próprio filho, até que este complete 6 (seis) meses de idade, a mulher terá direito, durante a jornada de trabalho, a dois descansos especiais, de meia hora cada um. Parágrafo único. Quando o exigir a saúde do filho, o período de 6 (seis) meses poderá ser dilatado, a critério da autoridade competente. - Este período de descanso, de acordo com entendimento majoritário, deverá ser concedido realmente nos dois turnos de trabalho, sendo vedada sua unificação em uma hora em único turno. • Art. 389, § 1º Os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 (trinta) mulheres, com mais de 16 (dezesseis) anos de idade, terão local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da amamentação. § 2º A exigência do § 1º poderá ser suprida por meio de creches distritais mantidas, diretamente ou mediante convênios, com outras entidades públicas ou privadas, pelas próprias empresas, em regime comunitário, ou a cargo do SESI, do SESC, da LBA ou de entidades sindicais. (Redação de acordo com o Decreto-Lei nº 229, de 28.02.67). • CF, Art. 7º: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas; - Observação: A CLT, nos artigos 391 à 400 dispõe sobre a proteção à maternidade, impondo, inclusive penalidade em caso de descumprimento. - A portaria do MS/GM 1.016, de 26.08.1993 aprovou as Normas Básicas para a implantação do “Alojamento Conjunto” nos hospitais públicos. - Além disso, o ECA ainda estabelece algumas regras a serem cumpridas pelos estabelecimentos de saúde: a) Manutenção dos registros das atividades desenvolvidas à ocasião do acompanhamento da gestação e do nascimento por, no mínimo, 18 anos: a fim de facilitar eventuais pesquisas a prontuários médicos no futuro. b) Identificação do recém-nascido através de impressão plantar: apesar de não ser o mais adequado método de identificação, a priori, é o mais utilizado. c) Proceder a exames visando o diagnóstico de anormalidades e doenças: para que se viabilize, desde logo, o mais adequado tratamento. d) Obrigatoriedade de fornecer uma declaração de nascimento onde constem as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato: para possibilitar a continuidade no tratamento do neonato na infância. - Há também no estatuto a previsão de tratamento especializado à criança e ao adolescente portadores de deficiências físicas. - Afirma, ainda, a obrigatoriedade da vacinação. - O parágrafo segundo do art. 11 ainda impõe ao Poder Público a obrigação do fornecimento de medicação, próteses e outros recursos necessários ao tratamento, reabilitação ou habilitação àqueles que necessitarem. Tal direito também se encontra disposto nos arts. 23,II; 203, IV e 227, § 1º,II da CF. - O remédio jurídico adequado ao não atendimento dos direitos mencionados é o mandado de segurança. - Por fim, o ECA aduz: - necessidade de se propiciar condições para a permanência em tempo integral de um dos responsáveis no caso de internação da criança ou adolescente. - comunicação ao Conselho Tutelar dos casos de suspeita de maus tratos. A não comunicação implicará em sanção administrativa. INOVAÇÕES : - Consideram maus-tratos também como um problema de saúde e também de risco à vida. - Ao inserir o Conselho Tutelar transforma o problema dos maus-tratos num assunto social, que merece ser tratado pela comunidade à título de prevenção e não apenas em particular, contudo, sem exposição da criança e do adolescente. 2- Direito à liberdade, ao respeito e à dignidade (arts. 15 ao 18) Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis. - Norma programática, que preceitua direitos já assegurados constitucionalmente. Possui verdadeiro conteúdo pedagógico. Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: = liberdade objetiva (José Afonso da Silva) I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; = liberdade física II - opinião e expressão; = liberdade de pensamento III - crença e culto religioso; = liberdade de pensamento IV - brincar, praticar esportes e divertir-se; V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; VI - participar da vida política, na forma da lei;= liberdade de pensamento VII - buscar refúgio, auxílio e orientação. Note que os incisos IV, V e VII são tipos de liberdades que escapam da classificação clássica, demonstrando com isso que o rol das liberdades humanas não é, e nem poderia ser taxativo. Note-se, ademais, que o inciso IV é tipo de liberdade próprio e peculiar à criança e ao adolescente. Tanto a criança quanto o adolescente não gozam da plena liberdade de ir, vir e permanecer. É necessária a restrição à sua locomoção mesmo em face de sua condição especial, que inspira cuidados. O artigo visa, sobretudo, impedir constrangimentos abusivos, cruéis e desnecessários. Dessa maneira, justificam-se os artigos 74 a 80 e 84 e 85 do Estatuto. - O remédio jurídico adequado é o Habeas Corpus. Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. a) Integridade física e psíquica inviolável Objetiva assegurar o desenvolvimento sadio, além de preservar direito da personalidade Tal proteção ainda aparece em outros artigos do ECA. A integridade física engloba o corpo, a vida e a saúde. A psíquica visa garantir o desenvolvimento mental, moral e espiritual da criança, de maneira sadia. b) Integridade moral Abrange o direito da criança em ver respeitados seus vários direitos da personalidade, como intimidade, segredo, honra, identidade pessoal, familiar e social, etc. É pois a tutela que garante à criança o direito de não ver-se atingida em sua honra pessoal, em sua fama, em seus sentimentos pessoais. - Vê-se a aplicação de tal matéria no que concerne ao direito de visitas do pai, da mãe e dos avós; ao direito da criança e do adolescente de ser informado, na medida do razoável, acerca das matérias que lhes digam respeito, dentre outros. - Eventual ferimento a tais direitos podem ensejar a propositura de ação indenizatória. c) Preservação da imagem R. Limongi França: direito classificado tanto no direito a integridade física quanto no direito à integridade moral. - A imagem da criança não poder ser exposta ou veiculada por outros sem autorização. A proteção se aplica ainda que não se veja de plano ofensa ao decoro ou a reputação. - Note-se que a proibição destina-se, inclusive, para fins policiais e judiciais. Art. 143. É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional. Parágrafo único. Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003, DOU 13.11.2003) Art. 247. Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional: Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. § 1º Incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente, fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente. § 2º Se o fato for praticado por órgão de imprensa ou emissora de rádio ou televisão, além da pena prevista neste artigo, a autoridade judiciária poderá determinar a apreensão da publicação ou a suspensão da programação da emissora até por dois dias, bem como da publicação do periódico até por dois números. (Declarado inconstitucional pela ADIN869-2) - - Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Reprodução de princípio constante da Declaração Universal dos Direitos da Criança, das Regras Mínimas da ONU para a Administração da Justiça de Menores e da Convenção sobre os Direitos da Criança Reprodução do conteúdo do art. 227 da CF. O desrespeito pode culminar em ação civil pública A intenção do legislador foi a de responsabilizar a sociedade como um todo e, para alguns, implica a manutenção do status dignitatis da criança em verdadeira preservação do Estado Democrático de Direito. 3- Direito à convivência familiar e comunitária (arts. 19 ao 32) Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. - Decorrência do art. 227 da CF. - O artigo acaba sendo verdadeira norma de orientação ao legislador ordinário - O direito pode ser exigido pelo menor em face de seus pais, naturais ou adotivos. Art. 20. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. - Cópia literal de dispositivo constitucional já estudado. Art. 21. O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência. - Ver CC, arts. 1.630 a 1.638 e CF, art. 226, § 5º Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. - Decorre do fato de a CF considerar a família como base da sociedade, sendo, portanto, da competência dos pais o atendimento às primeiras necessidades da criança e do adolescente. - O cumprimento dos deveres de guarda, sustento educação e outros está associado concomitantemente à necessidade da proteção e assistência a ser prestada pelo Estado no caso da impossibilidade insuficiência de recursos da família. Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder. Parágrafo único. Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio. - A criança e o adolescente devem ser mantidos na família de origem, independentemente da condição sócioeconômica desta, mesmo porque incumbe ao Estado promover-lhes a devida assistência quando necessário. Somente havendo motivos outros que seja relevantes é que poderá haver a retirada do menor de sua família. - Fica, assim, claro que o Estatuto restabeleceu o verdadeiro conceito de abandono como omissão voluntária da família em relação aos filhos. Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22. - As hipóteses legais que ensejam a decretação judicial da perda do pátrio poder previstas no art. 24 do ECA seriam: • CC, Art. 1637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão. Art. 1638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I - castigar imoderadamente o filho; II - deixar o filho em abandono; III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. - Pode, ademais, haver a perda ou a suspensão no caso do descumprimento dos deveres de guarda, sustento e educação dos filhos menores. - A suspensão perdurará até que removida a causa que a ensejou. - O processo exige contraditório e pode ser iniciado pelo MP ou por quem tenha legítimo interesse. - Não há proibição para o pedido de restituição do poder familiar. 3- Direito à convivência familiar e comunitária (família natural e substituta) = arts. 19 ao 32 Art. 26. Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação. Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou suceder-lhe ao falecimento, se deixar descendentes. Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça. • Segundo Paulo Luiz Neto Lobo: “A posse do estado de filiação constitui-se quando alguém assume o papel de filho em face daquele ou daqueles que assumem os papéis ou lugares de pai ou mãe ou de pais, tendo ou não entre si vínculos biológicos. A posse de estado é a exteriorização da convivência familiar e da afetividade, segundo as características adiante expostas, devendo ser contínua.” • E por último assevera: “Estado de filiação é gênero do qual são espécies a filiação biológica e a filiação não-biológica. Daí, é de se repelir o entendimento que toma corpo nos tribunais brasileiros de se confundir estado de filiação com origem biológica, em grande medida em virtude do fascínio enganador exercido pelos avanços científicos em torno do DNA. Não há qualquer fundamento jurídico para tal desvio hermenêutico restritivo, pois a Constituição estabelece exatamente o contrário, abrigando generosamente o estado de filiação de qualquer natureza, sem primazia de um sobre outro. Segundo GUSTAVO TEPEDINO, a identidade genética pode ser visualizada como forma da manifestação da dignidade e, para assegurar o respeito a tal direito há as ações de estado, que se utilizariam de três critérios básicos para aferição do vínculo filial: o vínculo jurídico, o sócio-afetivo e o biológico. Todos, concomitantemente, devem atuar de maneira a salvaguardar o conhecimento da origem biológica, mas temperá-lo diante dos demais vínculos de afeto construídos diante da posse do estado de filho. A jurisprudência, na esteira da posição da jurista ROSE MELO VENCESLAU e de PAULO LUIZ NETTO LOBO, manifesta-se no sentido de que deve prevalecer sempre o melhor critério a tutelar num caso concreto a dignidade da pessoa humana. “A ação negatória de paternidade é imprescritível, na esteira do entendimento consagrado na Súmula nº 149/STF, já que a demanda versa sobre o estado da pessoa, que é emanação do direito da personalidade. 2. No confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade socioafetiva, decorrente da denominada 'adoção à brasileira' (isto é, da situação de um casal ter registrado, com outro nome, menor, como se deles filho fosse) e que perdura por quase quarenta anos, há de prevalecer a solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana. 3. A paternidade socioafetiva, estando baseada na tendência de personificação do direito civil, vê a família como instrumento de realização do ser humano; aniquilar a pessoa do apelante, apagando-lhe todo o histórico de vida e condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular 'adoção à brasileira', não tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao caso concreto, mas, ao contrário, por critérios meramente formais, proteger-se-iam as artimanhas, os ilícitos e as negligências utilizadas em benefício do próprio apelado.” (TJPR/Ap.CIV. N. 108.417-9, Rel. Des. Accácio Cambi, j. unânime 12.12.2001)