Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza
Instituto de Geociências
Programa de Pós-graduação em Geografia
Gestão Ambiental e Gerenciamento Costeiro Integrado
no Brasil: uma análise do Projeto Orla em Cabo Frio - RJ
Ricardo Voivodic
Rio de Janeiro - 2007
Gestão Ambiental e Gerenciamento Costeiro
Integrado no Brasil: uma análise do Projeto Orla em
Cabo Frio - RJ
ii
Gestão Ambiental e Gerenciamento Costeiro Integrado
no Brasil: uma análise do Projeto Orla em Cabo Frio - RJ
Por
Ricardo Augusto de Almeida Voivodic
Dissertação apresentada para o cumprimento parcial das exigências para o título de
Mestrado em Geografia
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Banca examinadora:
Cláudio Antônio Gonçalves Egler (orientador)
Dieter Muehe
Antônio Carlos Robert Moraes
Rio de Janeiro – março de 2007
iii
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do sem autorização
da Universidade, do autor e do orientador
Voivodic, Ricardo Augusto de Almeida.
Gestão Ambiental e Gerenciamento Costeiro Integrado no Brasil: uma análise do
Projeto Orla em Cabo Frio - RJ
Rio de Janeiro: UFRJ / IGEO/PPGG, 2007
v., 181 f.; 29,7 cm
Dissertação apresentada para o cumprimento parcial das exigências para o título
de Mestrado em Geografia - Universidade Federal do Rio de Janeiro – Instituto
de Geociências
Inclui Referências bibliográficas
1. Gestão Ambiental
2. Gerenciamento Costeiro Integrado
3. Planejamento Urbano
4. Projeto Orla
iv
Gestão Ambiental e Gerenciamento Costeiro Integrado
no Brasil: uma análise do Projeto Orla em Cabo Frio - RJ
Por
Ricardo Augusto de Almeida Voivodic
Dissertação apresentada para o cumprimento parcial das exigências para o título de
Mestrado em Geografia
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Aprovada em: 15 de março de 2007
Banca examinadora
_________________________________________________________________________
Prof. Dr. Cláudio Antônio Gonçalves Egler - Orientador
IGEO/PPGG - URFJ
_________________________________________________________________________
Prof. Dr. Dieter Muehe
IGEO/PPGG - URFJ
_________________________________________________________________________
Prof. Dr. Antônio Carlos Robert Moraes
Universidade de São Paulo
v
“O real não está na saída nem na chegada:
Ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”
Guimarães Rosa
vi
Para a Bel
Agradecimentos
Antes de tudo, gostaria de destacar a importância para a minha formação o fato de
ter me graduado e feito o mestrado na Geografia da UFRJ, agradecendo a essa
instituição e seu corpo docente e funcionários pelo apoio recebido. Mas não posso
deixar de mencionar que trabalhar no Instituto Brasileiro de Administração
Municipal tem me oferecido mais do que uma excelente escola de vida, tem sido a
possibilidade real de atuar nas questões ambientais, sociais e democráticas, e que
me permite sonhar e ajudar a construir uma realidade um pouco melhor e mais
justa.
A todos os colegas e funcionários do IBAM, que certamente fazem da
instituição referência área de planejamento urbano, na descentralização
administrativa e no apoio aos municípios. E, em especial, a Ana Lúcia Nadalutti La
Rovere, superintendente da Área de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente,
por todo o apoio e confiança.
A Alberto Lopes, por ter sempre estado disposto a me ouvir e ajudar com
importantes conselhos e orientações. Aos amigos do IBAM: Pedro, Rodrigo, Ninô,
Jansen, Maurício, Flavia, Gil, Alexandre, Adriana, Leo e Paula, por fazerem com
que as horas de trabalho sejam momentos de grande descontração e aprendizado
Ao Professor Cláudio Egler, meu orientador, que sempre apoiou e me
concedeu liberdade para conduzir esse estudo.
Ao João, amigo de todas as horas e peça fundamental na discussão dos
assuntos tratados neste trabalho.
Aos colegas de mestrado, em especial à Mariana, que compartilhou comigo
as mesmas dificuldades.
Um agradecimento especial aos grandes amigos que são parte integrante da
minha própria constituição: Vitor, Gui-gui, Laura, Henrique, Paulada, Flavinho,
Roger e Tapajós.
À Tânia, pela ajuda com a redação.
À Bel, pelo companheirismo, compreensão e todo o carinho nas horas boas
e difíceis.
À minha mãe, por tudo, mas principalmente por ter me despertado o amor
pelas ciências humanas. Sem esquecer, é claro, o apoio prático nas correções e
leitura crítica.
vii
RESUMO
Palavras-chave: Gestão Ambiental; Gerenciamento Costeiro Integrado;
Planejamento Urbano; Projeto Orla
O Brasil abriga ao longo do litoral diversos ecossistemas de alta relevância do
ponto de vista ecológico, mas pressões da ocupação antrópica, no entanto,
constituem grave ameaça a esse patrimônio ambiental. A degradação do ambiente
costeiro é fruto de um acelerado processo de ocupação. A gestão ambiental é um
grande desafio, pois os instrumentos de planejamento e gestão implementados ao
longo das últimas décadas para a Zona Costeira Brasileira apresentam diversos
problemas.
O propósito deste trabalho é avaliar os conflitos de competência
institucional existentes no Projeto Orla, decorrentes da falta de definição de escalas
de atuação nas formas de descentralização do poder. Um estudo de caso foi
realizado tendo como foco o Município de Cabo Frio-RJ, onde foram identificadas
estratégias locais voltadas para o desenvolvimento do município que incorporam a
dimensão ambiental em seu discurso, mas não rompem com práticas e com
modelos de desenvolvimento altamente lesivos ao meio ambiente, pondo em risco
o patrimônio paisagístico do local.
viii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1:
Ações Essenciais que Correspondem aos Passos do Ciclo de
Gerenciamento Costeiro Integrado ....................................................
Quadro 2:
Principais Ações e Medidas Identificadas no Âmbito do Projeto
Orla ........................................................................................................
Quadro 3:
103
Relação entre Escalas de Apreensão dos Fenômenos e Atividades
de Gestão ..............................................................................................
Quadro 4:
73
115
Cabo Frio – População Total, Urbana e Rural, e Taxa de
Crescimento Médio Anual entre 1950 e 20000.....................................
140
Quadro 5:
Divisão em Unidades de Paisagem.......................................................
150
Quadro 6:
Classificação dos Trechos da Orla de Cabo Frio ..............................
160
ix
LISTA DE FIGURAS
Figura 1:
Municípios Participantes do Projeto Orla Cuja Execução Coube ao
IBAM .................................................................................................
xvii
Figura 2:
Municípios que Compõem a Zona Costeira Brasileira .....................
Figura 3:
Ciclos do Gerenciamento Costeiro Integrado ...................................
Figura 4:
Localização de Cabo Frio na Micro-região das Baixadas
Litorâneas - RJ
Cabo Frio – Evolução da População Total e Urbana entre 1950 e
2000 ........................................................................................................
Figura 5:
25
72
133
140
Figura 6:
Lançamento de Esgoto in Natura no Canal do Itajuru ......................
Figura 7:
Município de Cabo frio – Abrangência das Áreas Atendidas por
Coleta de Esgoto ..................................................................................
147
148
Figura 8:
Unidades Paisagísticas ........................................................................
Figura 9:
Unidade I – Rio São João.......................................................................
Figura 10:
Praias do distrito de Tamoios...............................................................
Figura 11:
Praia do Forte..........................................................................................
Figura 12:
Dunas do Braga......................................................................................
Figura 13:
Dunas do Braga......................................................................................
Figura 14:
Praia das Conchas..................................................................................
Figura 15:
Praia Brava, Costão e Farol de Cabo Frio............................................
Figura 16:
Canal do Itajuru.......................................................................................
Figura 17
Dunas do Braga – área de intervenção prioritária...............................
Figura 18
Dunas do Braga – área de intervenção prioritária...............................
Figura 19
Dunas do Braga – área de intervenção prioritária...............................
Figura 20
Barracas de praia padronizadas pela prefeitura..................................
150
152
152
154
155
155
156
157
158
163
163
163
167
x
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CILJS – Consórcio Intermunicipal Lagos São João
CIRM – Comissão Interministerial para os Recursos do Mar
CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente
FEEMA – Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente
FIRJAN – Federação das Indústrias do Rio de Janeiro
GCI – Gerenciamento Costeiro Integrado
GERCO – Gerenciamento Costeiro
GESAMP – Joint Group of Experts on the Scientific Aspects of Marine
Environmental Protection
GIGERCO – Grupo de Integração de Gerenciamento Costeiro
GRPU – Gerências Regionais do Patrimônio da União
IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal
INEPAC – Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
MMA – Ministério do Meio Ambiente
MPO – Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão
OEMA – Órgãos Estaduais de Meio Ambiente
PMCF – Prefeitura Municipal de Cabo Frio
PMGC – Plano Municipal de Gerenciamento Costeiro
PNMA – Política Nacional de Meio Ambiente
PNGC – Programa Nacional de Gestão Costeira
POOC – Planos de Ordenamento da Orla Costeira (de Portugal)
SERLA – Superintendência Estadual de Rios e Lagoas
SIG – Sistemas de Informações Geográficas
SIGERCO – Sistema de Informações do Gerenciamento Costeiro
SPU – Secretaria do Patrimônio da União
SQA/MMA – Secretaria de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
ZEEC – Zoneamento Ecológico Econômico Costeiro
xi
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ..............................................................................................
xiii
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................
20
1.1 Conextualização do Tema ..........................................................................
1.2 Objetivos .....................................................................................................
1.3 Questões Norteadoras ...............................................................................
1.4.Estrutura da Dissertação ...........................................................................
1.5 Métodos de Pesquisa .................................................................................
1.6 Técnicas de Coleta de Dados ....................................................................
20
32
33
34
35
37
2 A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL NA ZONA COSTEIRA E MECANISMOS
DE GESTÃO ....................................................................................................
39
39
2.1 Espaço Costeiro – Particularidades e Pressões .....................................
2.2 Urbanização Turística no Litoral - O Fenômeno da Segunda
Residência ...................................................................................................
2.3 Dificuldades na Gestão Ambiental na Zona Costeira .............................
2.4 Definindo Conceitualmente o Gerenciamento Costeiro Integrado ........
2.5 Gerenciamento Costeiro no Brasil ............................................................
42
58
64
76
3 O PROJETO ORLA .........................................................................................
81
3.1 Uma mudança de escala no âmbito do Gerenciamento Costeiro ..........
3 2 O Uso dos Terrenos de Marinha e seus Acrescidos ...............................
3.3 Os Planos de Intervenção na Orla Marítima .............................................
89
97
101
4. ENQUADRAMENTO TEÓRICO SOBRE A QUESTÃO INSTITUCIONAL ....
107
4.1 Centralização ou Descentralização no Brasil - A Política de Escalas
no Gerenciamento Costeiro .......................................................................
4.2 A Questão das Escalas e seu Debate na Geografia ................................
116
125
5 ESTUDO DE CASO: A IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO ORLA EM
CABO FRIO .....................................................................................................
5.1 Histórico da Ocupação ...............................................................................
5.2 Evolução Demográfica do Município ........................................................
5.3 O Processo Histórico de Apropriação de Terras em Cabo Frio .............
5.4 Impactos Ambientais do Processo de Urbanização de Cabo Frio ........
5.5 Os Impactos da Urbanização Turística na Orla Marítima de Cabo Frio
5.6 O Projeto Orla em Cabo Frio .....................................................................
131
134
139
141
144
149
150
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................
168
REFERÊNCIAS ..................................................................................................
173
xii
APRESENTAÇÃO
Esta dissertação não tem a pretensão de ser conclusiva, nem de exaurir
todas as possibilidades de análise sobre os elementos nela contidos. Ela é, isto
sim, o estudo de um processo e de como os fatos e as lições se dispuseram ao
longo dele, modificando o seu rumo e alterando suas conclusões. Por isso, tomo
como ponto de partida a minha própria inserção nesse processo.
Tendo sido graduado bacharel em geografia pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), e tendo dado ênfase especial ao papel da geografia no
Planejamento Urbano e Territorial, tive o meu primeiro exercício profissional no
Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), que atualmente conta com
54 anos de experiência em atendimento aos municípios. A missão institucional do
IBAM é promover o Município enquanto esfera autônoma de Governo, fortalecendo
sua capacidade de formular políticas, implementar projetos de desenvolvimento e
promover o ordenamento urbano.
Dentre as diversas áreas de atuação do IBAM, realizei a maior parte dos
meus trabalhos em projetos vinculados à Área de Desenvolvimento Urbano e Meio
Ambiente, na qual tive experiências diversas que envolveram estudos e relatórios
de indicadores ambientais e urbanos, consórcios municipais de desenvolvimento,
cadastro multifinalitário, Plano Diretor e o Projeto Orla. Desses, o primeiro que
pressupunha uma participação real com uma atuação em campo, isto é, a partir do
município, contribuir diretamente para a formulação de propostas e políticas, foi o
Projeto Orla.
xiii
O Projeto Orla – Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima é uma
iniciativa do Ministério do Meio Ambiente (MMA), em parceria com o Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão (MPO), via Secretaria do Patrimônio da União
(SPU), que atua nos municípios, buscando aplicar diretrizes de ordenamento de
uso e ocupação da Orla Marítima.
A concepção de gestão apresentada nos documentos e manuais do Projeto
Orla vincula-o aos princípios da política ambiental brasileira e tem como
pressupostos legais: a Lei n° 7661/1988, que institui o Plano Nacional de
Gerenciamento Costeiro, o Decreto n° 5300/2004 e a Lei n° 9636/1998, que dispõe
sobre regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de
domínio da União, incluindo os localizados na orla marítima.
O arranjo institucional proposto pelo Projeto Orla é orientado no sentido da
descentralização de ações de planejamento e gestão dos terrenos defrontantes
com o mar, da esfera federal para a do município. Cumpre ressaltar que tais áreas,
em sua grande maioria, são Terrenos de Marinha, isto é, estão sob domínio da
União; esse instituto legal será analisado no capítulo 2 desta dissertação. A
proposta do Projeto visa a articular os órgãos de meio ambiente e as Gerências
Regionais do Patrimônio da União (GRPU) às administrações municipais e
organizações não-governamentais locais, além de estabelecer contatos com outras
entidades e instituições relacionadas ao patrimônio histórico, artístico e cultural,
bem como vinculá-los a questões fundiárias ou a atividades econômicas
específicas – como as portuárias ou relativas à exploração petrolífera – cuja
atuação tenha reflexo destacado naquele espaço.
xiv
São apresentados, como objetivos estratégicos do Projeto Orla: o
fortalecimento da capacidade de atuação e a articulação de diferentes atores do
setor público e privado na gestão integrada da orla; o desenvolvimento de
mecanismos institucionais de mobilização social para sua gestão integrada; e o
estímulo de atividades sócio-econômicas compatíveis com o desenvolvimento
sustentável da orla (BRASIL, 2002).
O IBAM iniciou sua participação no Projeto Orla, em caráter ad hoc, na fase
de desenvolvimento e validação da metodologia, incluindo sua aplicação e
avaliação em quatro Municípios-piloto, todos do Piauí. Participou, também, da
Reunião de Trabalho sobre Procedimentos de Implementação do Projeto Orla,
realizada em Brasília nos dias 23 e 24 de maio de 2002. Essa reunião tinha como
objetivos: a articulação das equipes dos Órgãos Estaduais de Meio Ambiente
(OEMAs/GERCO)
e
das
Gerências
Regionais
do
Patrimônio
da
União
(GRPUs/SPU); a discussão da estratégia de condução do projeto na esfera
estadual; e a discussão da minuta do Termo de Convênio entre SPU e Municípios
(IBAM, 2004).
Além das atividades de concepção e planejamento, descritas acima,
participei diretamente, pelo IBAM, em conjunto com a coordenação nacional do
Projeto Orla, das seguintes fases:
•
Capacitação dos instrutores – etapa que compreendeu: a realização da
oficina de treinamento dos instrutores para o repasse da metodologia do
Projeto Orla; a preparação do programa das atividades presenciais; a
organização do material didático de apoio e de informações básicas a serem
xv
disponibilizadas nas oficinas; e reuniões para definição e ajuste das
estratégias de execução das atividades.
•
Aplicação prática da metodologia – atividade realizada junto aos Municípios
selecionados, em dois momentos do cronograma de trabalho:
- Atividade presencial I – repasse da metodologia que conduz à
elaboração do Plano de Intervenção na Orla Marítima (diagnóstico
da situação socioeconômica e ambiental, definição e delimitação
da faixa de orla, seleção e classificação de trechos para
intervenção, formulação de cenários e propostas). Apresentação
do Roteiro de Elaboração do Plano de Intervenção.
- Atividade presencial II – apresentação da versão preliminar do
Plano de Intervenção, elaborado pela equipe local, seguida de
discussão e sugestões para a complementação do documento.
Detalhamento dos itens do Roteiro relativos às estratégias de
implementação, legitimação, acompanhamento e avaliação do
Plano de Intervenção. Definição da composição e das atribuições
do Comitê Gestor.
•
Acompanhamento da elaboração dos Planos de Intervenção na Orla
Marítima – atividade realizada no intervalo entre as Atividades Presenciais I
e II; a etapa posterior às Atividades consistiu na assistência técnica prestada
às equipes locais responsáveis pela elaboração dos planos.
Ao longo de dois anos, atuei diretamente na implementação do Projeto Orla
realizando as atividades descritas para fornecer assistência técnica a quarenta
Municípios (ver Figura 1), selecionados em dez Estados, que estavam em fase de
execução de projetos de gerenciamento costeiro no âmbito do PNMA II, a saber:
- Amapá – Macapá e Santana;
- Ceará – Beberibe e Icapuí;
- Paraíba – João Pessoa e Cabedelo;
- Pernambuco – Cabo de Santo Agostinho e S. José da Coroa Grande;
- Sergipe – Itaporanga d´Ajuda; e Estância;
- Bahia – Conde;
xvi
- Rio de Janeiro – Araruama, Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia e
Saquarema; Armação dos Búzios, Arraial do Cabo, Cabo Frio,
Casemiro de Abreu, Rio das Ostras, Campos dos Goytacazes,
Carapebus, Macaé, Quissamã, Angra dos Reis, Mangaratiba e Paraty;
- Paraná – Pontal do Paraná, Matinhos e Guaratuba;
- Santa Catarina – Navegantes, Itajaí, Balneário de Camboriú, Itapema,
Porto Belo e Bombinhas;
- Rio Grande do Sul – Torres, Arroio do Sal, Capão da Canoa e Rio
Grande.
Figura 1: Municípios Participantes do Projeto Orla Cuja Execução Coube ao IBAM
Em contato direto com os técnicos dos municípios, diante dos problemas,
conflitos e frente às ações propostas para mitigá-los, observei um conjunto de
questões, reincidentes nas preocupações de municípios muito diferentes entre si.
De um modo geral, refletiam, por diversos aspectos, preocupações com a atração
de investimentos, a promoção imobiliária e o desenvolvimento turístico, revelando
os interesses de grupos específicos ou disputas políticas. Muitas vezes, embora
xvii
houvesse consenso durante a oficina de repasse da metodologia e preparação do
Plano de Intervenção sobre determinadas questões de caráter preservacionista,
secretários ou técnicos mais próximos às instâncias decisórias na política municipal
mostravam-se céticos, afirmando que seriam diretrizes ou ações inócuas, pois
dificilmente seriam implementadas.
De um modo geral, percebe-se que o poder público municipal tem um
conjunto de questões que lhes são próprias. Em parte, elas refletem tanto a
consolidação do poder e interesses econômicos que se manifestam na escala local
(como interesse imobiliário ou políticas clientelistas, por exemplo), quanto a disputa
em torno da distribuição de funções e competências entre esferas de governo para
a gestão de assuntos que dizem respeito aos interesses locais.
Nesse
sentido,
pude
observar
que
esferas
de
governo
e
seus
representantes e atores institucionais, alocados em diversas escalas, se utilizam de
estratégias discursivas e de mecanismos legais que determinam as capacidades
de atuação e promoção de seus interesses, ou de interesses de grupos de pressão
específicos de cada escala.
Da observação dessa delicada mediação de interesses e da necessidade de
se construírem políticas integradas, surgiu a preocupação por discutir teoricamente
a questão das escalas e dos arranjos interinstitucionais, buscando identificar como
diferentes escalas se articulam especificamente dentro do sistema de governo a
partir de uma perspectiva de gestão integrada, nos marcos políticos e conceituais
da Gestão Integrada da Zona Costeira ou Gerenciamento Costeiro Integrado.
xviii
Assim, de posse de um conjunto de questionamentos. Surgiu o interesse em
incorporar a observação crítica, oriunda do trabalho técnico, que se situa na ponta
do processo, para aprofundar o estudo e a conceituação sobre os benefícios e as
deficiências do Projeto Orla. Dessa forma, visando identificar as possibilidades de
implementação de uma política de Gerenciamento Costeiro Integrado ainda mais
coerente e sustentável, é que enfrentei o desafio (e os riscos) de analisar um
processo que ainda está em curso e que, portanto, conta com diversas dificuldades
de avaliação. A vantagem, por outro lado, é que as analises aqui feitas podem
subsidiar alterações no Projeto, uma vez que o caminho a ser percorrido por ele
apenas começou.
xix
1 INTRODUÇÃO
1.1 Contextualização do Tema
Desde o descobrimento do Brasil, as regiões costeiras vêm sendo utilizadas
como espaços privilegiados para o assentamento humano, e a relação do homem
com esses espaços é permeada por aspectos culturais e socioeconômicos
altamente relevantes. Junto a isso, é necessário salientar a importância, nos
últimos cinqüenta anos, do crescimento do turismo como fenômeno sociocultural
de grande magnitude, principalmente por sua relevância na incorporação e
modificação dos espaços litorâneos.
Os ambientes marinhos e costeiros do Brasil têm sofrido, nos últimos anos,
um contínuo processo de degradação, gerado pela crescente pressão da atividade
humana sobre os recursos naturais marinhos e continentais e pela capacidade
limitada de esses ecossistemas absorverem os impactos dela resultantes. A
modificação do balanço de nutrientes, a alteração ou destruição de hábitats , as
mudanças na sedimentação, a superexploração de recursos pesqueiros, a poluição
industrial, principalmente por poluentes persistentes, e a introdução de espécies
exóticas constituem-se nos maiores impactos ambientais verificados na Zona
Costeira brasileira (SANTOS; CÂMARA 2002).
Podem ser encontrados, ao longo do litoral brasileiro, diversos ecossistemas
de alta relevância do ponto de vista ecológico, tais como: mangues, campos de
20
dunas e falésias, baías e estuários, recifes e corais, praias e cordões arenosos,
costões rochosos e planícies de marés, entre outros. É também na Zona Costeira
que se localizam as maiores manchas residuais de mata atlântica. Tal mosaico de
situações
e
ambientes
diversificados
confere
à
Zona
Costeira
diversas
oportunidades para atividades econômicas, como, por exemplo, a pesca, a
agricultura, a aqüicultura, a exploração de recursos minerais, e a exploração
turística, entre outros (SANTOS; CÂMARA, 2002).
As pressões da ocupação antrópica, no entanto, constituem grave ameaça a
esse patrimônio ambiental. Além disso, a diversidade de condicionantes ao longo
da Zona Costeira torna a gestão integrada desses espaços um desafio, uma vez
que situações freqüentemente díspares e pressões de grupos sociais com
interesses econômicos nas áreas litorâneas dificultam a elaboração e a
implementação de políticas preventivas e corretivas. Ao longo da Zona Costeira
brasileira, grandes centros urbanos (cinco das nove regiões metropolitanas
brasileiras encontram-se à beira-mar) são entremeados por áreas de baixa
densidade de ocupação, onde ocorrem ecossistemas de grande importância
ambiental. Entretanto, essas áreas costeiras com baixa densidade populacional
vêm sofrendo um rápido processo de ocupação, que tem como vetores a
urbanização, o turismo e a industrialização.
Quando se consideram, além das cinco regiões metropolitanas costeiras, os
efetivos de outras conurbações litorâneas, chega-se a quase 25 milhões de
habitantes, distribuídos em apenas onze aglomerações urbanas na costa. Metade
da população brasileira reside a não mais de duzentos quilômetros do mar, o que
21
equivale a um efetivo de mais de setenta milhões de habitantes, cuja forma de vida
impacta diretamente os ambientes litorâneos.
As diversas situações existentes ao longo da Zona Costeira brasileira têm,
como elemento comum, a fragilidade dos ecossistemas encontrados e a
complexidade da sua gestão, com uma demanda enorme por insumos e material
técnico e científico que subsidie a elaboração e a implantação de políticas públicas
para esse espaço.
Os mecanismos de planejamento implementados ao longo das décadas de
80 e 90 para a Zona Costeira brasileira apresentaram problemas e dificuldades
gerais comuns aos modelos tradicionais de planejamento, quais sejam: a
fragmentação da produção do conhecimento, a identificação histórica com o
tecnocratismo (legitimador de uma matriz conservadora) e a falta de articulação
entre esferas de governo. Além dessas dificuldades gerais, existe o fator agravante
de que essa área apresenta um mosaico com imensa variedade de situações,
unidades fisiográficas, níveis e formas de ocupação do território.
De fato, como veremos no capítulo 2, a Zona Costeira é um ambiente
repleto de particularidades no tocante às dimensões ambientais e sociais. Em parte
devido a esse motivo, até mesmo a definição dos termos “Zona Costeira” e
“Ambiente Costeiro” estão sujeitos a várias formas de interpretação e delimitação,
que variam de acordo com o tipo de análise ou interesse (MORAES, 1999). Para
fins político-institucionais, é mais interessante, por exemplo, definir a Zona Costeira
a partir de limites político-administrativos, como foi feito na revisão do Programa
22
Nacional de Gerenciamento Costeiro, o PNGC (BRASIL, 2001). Já discussões
acadêmicas, pesquisas científicas ou instituições estritamente vinculadas à
dinâmica dos ecossistemas comumente utilizam critérios biofísicos para delimitar
os limites geográficos desse espaço, tais como acidentes geográficos, rios,
estuários ou outro ecossistema natural relevante (MARRONI; ASMUS, 2005).
Tomemos como ponto de partida a definição mais tradicional e também mais
geral de Zona Costeira, isto é, um sistema ambiental formado pela interação direta
de sistemas ambientais localizados no continente, sistemas ambientais localizados
no oceano e sistemas atmosféricos. Embora essa delimitação pareça um tanto
quanto genérica e pouco elucidativa, ela está presente na legislação brasileira
desde a elaboração da primeira versão do Plano Nacional de Gestão Costeira
(PNGC), em maio de 1988, que no Parágrafo Único de seu artigo 2° define: “Para
os efeitos desta Lei, considera-se Zona Costeira o espaço geográfico de interação
do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo
uma faixa marítima e outra terrestre, que serão definidas pelo Plano” (BRASIL,
1998). Encontra-se presente, novamente, na Resolução 01 da Comissão
Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), de 21 de novembro de 1990, que
definiu a Zona Costeira como: “a área de abrangência dos efeitos naturais
resultantes das interações terra-mar-ar” (BRASIL, 1990).
A definição final dos limites legais da Zona Costeira brasileira foi, portanto,
estabelecida na atualização do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNCG
II) (CIRM, 1997) (BRASIL, 2001), dirigindo sua definição ao atendimento de uma
intencionalidade de gestão desse espaço, ficando compreendida uma faixa
23
terrestre e uma marítima. A faixa terrestre abrange municípios selecionados de
acordo com os critérios estabelecidos no PNGC II, totalizando cerca de
quatrocentos municípios, distribuídos ao longo de 7.367 km de costa (que alcança
8.698 km de extensão ao se considerar as reentrâncias), numa área de
aproximadamente 388 mil km² (Figura 2). A faixa marítima vai até as 12 milhas
marítimas, compreendendo a totalidade do Mar Territorial brasileiro.
24
Figura 2: Municípios que Compõem a Zona Costeira Brasileira
Fonte: Tagliani, 2005
A Zona Costeira está presente também no texto constitucional em seu Título
VIII, Capítulo VI, nas disposições sobre o meio ambiente, Artigo 225, que afirma:
25
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações (BRASIL, 1998).
Sobre a Zona Costeira, o 4º Parágrafo define:
A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal
Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização
far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação
do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais (id. ibid.).
Se observarmos, como fez Moraes (1999), que os remanescentes de Mata
Atlântica e a Serra do Mar encontram-se, quase em sua totalidade, inseridos na
Zona Costeira, temos uma tripla conceituação da Zona Costeira enquanto
Patrimônio Nacional, alçando-a a um alto grau de prioridade para a gestão
ambiental.
A despeito de tal importância, diversos problemas decorrentes do uso
intensivo desses espaços, principalmente a partir de meados do século passado,
têm se tornado entraves ao desenvolvimento sustentável da Zona Costeira.
Intervir no meio ambiente costeiro objetivando protegê-lo significa atuar
sobre uma unidade espacial complexa, constituída pela interação de elementos
diversos, atores e interesses convergentes e conflitantes. Por isso, é fundamental
ao gestor a inter-relação entre os meios técnicos e político-institucionais e o meio
acadêmico, visando a uma constante retroalimentação e reavaliação dos
problemas e técnicas disponíveis a essa gestão.
Ao pensar em Desenvolvimento Sustentável e Gestão Integrada da Zona
Costeira, é importante ter-se clareza de que o meio ambiente é, segundo Becker e
26
Gomes (1993, p. 167) “um elemento constitutivo da transformação do final do
milênio que vem redefinindo a economia, a sociedade, a política e a ciência”.
Desse modo, é preciso entender a Gestão Integrada da Zona Costeira como sendo
inserida no marco mais amplo da gestão do território. Nesse sentido, vista a partir
da questão do território, é imprescindível uma ótica social na análise dos
problemas, uma vez que eles decorrem do modo de apropriação e uso do território
e seus recursos. Analisado dessa forma, o significado desses termos é muito mais
político do que simplesmente técnico, pois se trata da apropriação da coisa pública.
A gestão do território é entendida por Becker e Gomes (op. cit., p. 168)
como “uma prática que visa superar a crise do planejamento cujas dificuldades são
crescentes”, incorporando efetivamente o princípio das relações de poder. Ela é
definida como “uma prática estratégica, científico-tecnológica do poder que dirige,
no espaço e no tempo, a coerência de múltiplas decisões e ações para atingir uma
finalidade” (id. ibid.).
Adotando-se o conceito de Gestão Ambiental definido por Lanna (1995,
p.18), devemos entender a gestão como:
(...) processo de articulação das ações dos diferentes agentes sociais que
interagem em um dado espaço, visando garantir, com base em princípios e
diretrizes previamente acordados/definidos, a adequação dos meios de
exploração dos recursos ambientais – naturais, econômicos e sócio-culturais
– às especificidades do meio ambiente.
Assim, é possível observar a complexidade do processo de gestão
ambiental, visto que envolve tanto um processo técnico-científico – que engloba a
interação entre elementos físicos e bioquímicos e sociais –, bem como um
processo político, que mescla elementos da administração e elementos da
27
governabilidade. O bom funcionamento da gestão ambiental pressupõe a interação
dessas duas vertentes.
É necessário observar, ainda, o conceito de planejamento ambiental
expresso por Lanna (1995, p. 18), como
(...) um processo organizado de obtenção de informações, reflexão sobre os
problemas e potencialidades de uma região, definição de metas e objetivos,
definição de estratégias de ação, definição de projetos, atividades e ações,
bem como definição do sistema de monitoramento e avaliação que irá
retroalimentar o processo. Este processo visa organizar a atividade sócioeconômica no espaço, respeitando suas funções ecológicas, de forma a
promover o desenvolvimento sustentável.
Percebe-se nesse ponto de vista que, embora a gestão ambiental se
caracterize por ações bastante diferenciadas do planejamento ambiental, não
deveria ser desvinculada deste. Dessa forma, planejamento e gestão ambiental
deveriam acontecer concomitantemente, num processo iniciado pelo planejamento
e retroalimentado continuamente pelas ações de gestão ambiental. A preocupação
com a gestão ambiental é um assunto cuja discussão vem crescendo no País,
muito embora o Brasil detenha uma das mais importantes biodiversidades mundiais
e possa contar com um aparato legal considerado suficiente para poder facilitá-la.
Na tentativa de analisar as mudanças que ocorreram no âmbito das ações
governamentais e que resultaram na adoção de políticas públicas como estratégias
e diretrizes da própria ação governamental, é importante identificar o espaço
privilegiado de atuação dessas políticas que têm como meta e objetivo a
sustentabilidade ambiental na Zona Costeira. Nesse sentido, para Meadowcroft
(1997), o planejamento e a gestão ambiental, não devem objetivar apenas a
elaboração de soluções amplas e acabadas, mas sim assumir um caráter de
28
processo com capacidade incremental e que seja suficientemente dinâmico, a
ponto de ser capaz de incluir a sua própria reestruturação enquanto institutional
design, de forma a minimizar, assim, as necessidades de constantes intervenções.
Essa concepção nos aproxima bastante do conceito de Gestão Costeira Integrada,
que é exposto por Cicin-Sain como:
Gerenciamento Costeiro Integrado é um processo, pois o mesmo caracterizase por ser participativo, contínuo, interativo e adaptativo, e que inclui uma
série de deveres associados, e que também devem alcançar metas e
objetivos pré-determinados. Este envolve, ainda, uma avaliação abrangente
da realidade em que está inserida e objetiva o planejamento de usos, e o
gerenciamento dos sistemas e recursos, levando também em consideração
aspectos de natureza histórica, cultural e das tradições, bem como os
conflitos de interesses e a utilização do espaço a ser analisado (CICIN-SAIN,
apud POLETTE & SILVA, 2003, p. 3).
As políticas públicas, por sua vez, constituem instrumentos da ação
governamental sendo, como destaca Bucci (2002, p. 45), “programas de ação
governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as
atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e
politicamente determinados”. Em realidade, há um componente prático e finalístico
na idéia de política pública como “programa de ação governamental para um setor
da sociedade ou um espaço geográfico” (id. ibid.), buscando a concretização de
determinados objetivos e metas.
É importante, que a Geografia utilize os instrumentos de análise de que
dispõe para contribuir com o debate e a formulação de políticas públicas sobre o
ambiente, visto que a ciência ainda é um fórum privilegiado de discussões e
reflexão. O propósito de ampliar o debate sobre Gerenciamento Costeiro Integrado
na Geografia é particularmente interessante, pois trata-se de um campo sob o qual
a capacidade de análise pode contribuir para demonstrar a importância das
29
relações sócio-espaciais e da estrutura de classe no entendimento da problemática
ambiental. Coelho (2001, p. 20) afirma: “Além dos aspectos sociais e políticos,
cabe aos geógrafos, especificamente, analisar a estruturação e reestruturação
sociespacial”, processo em que os benefícios e riscos ambientais são repartidos
desigualmente no seio de uma sociedade heterônoma. Segundo essa lógica, a
Geografia é um fórum privilegiado para a discussão da gestão ambiental integrada,
na visão de Becker e Gomes:
A geografia pretende dar sempre à questão do ambiente uma dimensão mais
ampla, que inclua suas múltiplas e complexas relações com a sociedade, a
qual também contextualiza e conduz a reflexão sobre a natureza. Esta
pretensão de síntese cria a via de uma obrigatória solidariedade disciplinar e,
simultaneamente, coloca a geografia como produtora de um discurso
específico, centrado não na “naturalidade” pura dos fenômenos, mas sim em
suas imbricações com os fatos sociais (BECKER; GOMES, 1993, p. 148).
Nessa perspectiva, ainda que não caiba a nenhum campo acadêmico a
propriedade sobre a questão ambiental ou urbana – enquanto objetos de
investigação próprios –, visto que ambas são temáticas interdisciplinares por
excelência, pretende-se, neste estudo, explorar as formas e instrumentos de
análise com que a Geografia pode contribuir para a gestão ambiental, supondo-se
que tais análises podem vir a configurar valiosos aportes na formulação de políticas
públicas nesses temas.
De início, a Gestão Integrada da Zona Costeira requer, conforme o seu
próprio nome aponta, uma necessária articulação entre diferentes setores e níveis
de atuação. Tal processo de articulação estende-se desde a participação da
sociedade na formulação do diagnóstico, a definição de prioridades e a
implementação de programas, à organização de uma base político-institucional
30
para a gestão costeira, que envolva, necessariamente, uma articulação mais
harmônica e eficiente entre os três níveis de governo. Essa articulação, como
aponta Moraes (2005, p. 1), “revela-se problemática no Brasil, onde a questão
federativa nunca foi bem equacionada. Operar na prática o princípio da atuação
cooperativa e concorrente presente na Constituição Federal não é tarefa fácil”. O
autor deixa claro que tal tarefa fatalmente gera conflitos de competência e entraves
ao planejamento e gestão integrados nos três níveis de governo.
Assim, pretende-se discutir, nesta dissertação, o papel da representação
espacial dos fenômenos e das estratégias operacionais e discursivas adotadas
para tratar dos problemas ambientais identificados na Zona Costeira brasileira,
observando como a desregulamentação e re-regulamentação institucional tornamse estratégias para a dinamização da economia local. Trata-se de evidenciar como
a retórica de transferência de competências e gestão local, baseada em
intervenções pontuais e localizadas, integra um entrelaçamento de discursos e
práticas que têm o espaço como referência, configurando o que vem a ser
chamado de “política de escalas” (ACSELRAD, 2006, p. 14). De acordo com esse
autor,
(...) para entender os meandros de uma tal política, não poderemos tomar a
desconstrução e reconstrução de escalas espaciais como auto-evidentes;
devemos, ao contrário, procurar captá-las ao mesmo tempo como expressão
de relação de poder e como dinâmicas que, por sua vez redistribuem este
poder sobre o território e seus recursos, sejam eles materiais, institucionais
ou políticos (id. ibid.).
31
1.2 Objetivos
O objetivo geral da presente dissertação é, portanto, analisar se ocorre no
Brasil uma efetiva Gestão Integrada da Zona Costeira, a partir da análise do papel
da representação espacial dos fenômenos e das estratégias operacionais e
discursivas adotadas para tratar dos problemas ambientais identificados na zona
costeira. Pretende-se observar a implementação e a execução do Projeto Orla,
particularmente no município de Cabo Frio, no Estado do Rio de Janeiro, posto que
tal município pode ser visto como uma situação emblemática de crescimento sob
uma enorme pressão turística e de incorporação imobiliária.
A partir dessa análise, pretende-se identificar a ocorrência de problemas e
dificuldades decorrentes das relações institucionais que se tornaram verdadeiros
obstáculos à Gestão Integrada da Zona Costeira.
Para concretizar-se essa meta, definiram-se os seguintes objetivos
específicos:
•
Analisar, com vistas ao seu perfeito entendimento, os agentes
envolvidos e as pressões sobre a Zona Costeira, com foco na
observação dos mecanismos institucionais de gestão desse espaço;
•
Identificar o enquadramento legal e o arcabouço jurídico-institucional
que rege os espaços costeiros e a política urbana;
32
•
Explicar o significado e os procedimentos do Projeto Orla enquanto
um dos principais mecanismos de Gerenciamento Costeiro em
implementação pelo governo federal nos dias atuais;
•
Realizar um estudo de caso sobre as pressões da ocupação e a
implementação do Projeto Orla em Cabo Frio, RJ.
1.3 Questões Norteadoras
No
contexto
apresentado,
esta
pesquisa
utilizou-se
de
alguns
questionamentos básicos:
•
Quais são os principais conflitos identificados no âmbito do Projeto Orla?
Eles são inerentes apenas às dinâmicas e aos processos locais, ou há interações
com processos mais amplos que a esfera municipal? Qual a capacidade dos
municípios em gerir esses conflitos?
•
Que mudanças na forma de apropriação do território pretende-se conquistar
com o Projeto Orla e quais as implicações e o reflexo dessas mudanças no meio
físico-natural e na qualidade de vida dos grupos sociais afetados?
•
Qual é o papel do Projeto Orla frente às necessidades de articulação política
entre esferas e agências de governo? Ele atua para que haja o necessário apoio
institucional ao município (num processo, de transferência de poder)? Contribui
para gerir conflitos territoriais (associados ao uso e ocupação do solo) e conflitos
ambientais nas esferas da própria competência administrativa do município?
33
1.4 Estrutura da Dissertação
Esta dissertação está organizada em mais cinco capítulos, além deste,
introdutório.
O capítulo 2 foi pensado a partir, da dialética existente entre as pressões
exercidas por variados grupos de interesse, em constante conflito com o
compromisso do Estado no que diz respeito aos dispositivos legais relativos à
preservação do meio ambiente, e a interação possível entre essas duas realidades
em oposição. Entende-se que essa é uma estrutura coerente para fazer uma
apresentação clara dos problemas ambientais e suas origens, bem como da
atuação de grupos de interesses sobre o espaço costeiro. Assim, busca-se analisar
como os principais problemas da atualidade na Zona Costeira são tratados em
resposta a essas pressões, observando os instrumentos de gestão urbana e de
Gestão Integrada da Zona Costeira, bem como as estratégias político-institucionais
associadas a essa gestão, em especial no âmbito do Projeto Orla.
No capítulo 3, são apresentadas todas as características do Projeto Orla,
mostrando as mudanças previstas no gerenciamento costeiro, os usos de Terrenos
de Marinha e os planos de intervenção a serem aplicados na orla marinha.
O capítulo 4 apresenta uma análise conceitual mais aprofundada das
implicações do sistema político e das escalas de interpretação e apreensão desses
fenômenos e processos. Entende-se que a estrutura político-institucional responde
34
por parte das dificuldades de implementação de um processo de Gestão Costeira
Integrada (GCI) mais abrangente e coerente.
No capítulo 5, foi realizado um estudo de caso que buscou avaliar a
implementação do Projeto Orla em Cabo Frio, no Rio de Janeiro, onde buscou-se
avaliar como grupos de interesse que estabelecem relações de poder com atuação
na escala do município determinam diferentes estratégias discursivas e práticas de
gestão que são capazes de mobilizar consensos e perpetuar suas esferas de
influência sem alterar substancialmente suas próprias práticas e formas de
apropriação dos recursos naturais e paisagísticos.
Finalmente, são apresentadas, no capítulo 6, algumas considerações, à
guisa de conclusão, sobre as relações entre o que foi observado nos capítulos
teóricos e a sua analogia com o que é observado na realidade municipal, buscando
fornecer caminhos para pensar mudanças que garantam melhores condições de
implementação de um processo de Gestão Integrada da Zona Costeira.
1.5 Métodos de Pesquisa
Quanto ao nível pretendido, a pesquisa é de natureza qualitativa, pois não
procura quantificar, mas sim elaborar uma “análise complexa com o objetivo de
buscar aspectos [do problema da articulação institucional para a gestão ambiental
e implementação de um programa de gerenciamento costeiro integrado] que ainda
não foram investigados” (RIZZINI, 1999, p. 89). Esta pesquisa está lidando com a
imprecisão de analisar um processo dinâmico ainda em execução. Considera-se,
35
ainda, que, como o Projeto Orla funciona a partir de bases técnicas e conceituais
extremamente inovadoras, o presente estudo só se tornou possível por meio de
uma pesquisa participativa, que permitiu a observação direta e ampla de variadas
situações. Só assim, com a participação efetiva deste pesquisador, foi possível a
identificação das idiossincrasias próprias de cada caso e dos problemas comuns
ao processo como um todo.
1.6 Procedimentos Técnicos de Coleta de Dados
A opção quanto aos meios de investigação e procedimentos técnicos de
coleta de dados foi, inicialmente, encetar uma pesquisa documental, pois, de
acordo com Vergara (2004), a pesquisa documental é aquela que “busca
informações em documentos conservados no interior de órgãos públicos”
(VERGARA, 2004, p. 49). Para este estudo, buscam-se dados na leitura de
documentos normativos e técnicos relativos aos instrumentos de Gerenciamento
Costeiro e à gestão ambiental e urbana.
Além da realização de uma pesquisa documental, porém, foi imprescindível
utilizar, também, a busca de fundamentação teórica em livros, por meio de uma
pesquisa bibliográfica, o que deu sustentação para a discussão da temática tratada
neste trabalho. A opinião abalizada de teóricos em Ciência Política possibilitou o
contraditório entre o que é ideal, na ação política responsável, comprometida com
a preservação do meio ambiente e, por outro lado, os elementos de pressão
representados por grupos de interesse na sociedade civil.
36
E, como principal foco deste estudo, utilizou-se, ainda, a experiência
adquirida por este pesquisador ao longo de dois anos de trabalho com os gestores
municipais para subsidiar o entendimento dos problemas e situações analisados
nessa dissertação, tendo realizado, dessa forma, uma observação participante. De
acordo com Almeida Pinto, na pesquisa participante, as diversas técnicas
reforçam-se, sendo sujeitas a uma constante vigilância e adaptação segundo as
reações e as situações. (ALMEIDA; PINTO, 1995). Assim, nesta pesquisa foi
utilizado não só o conhecimento formal, lógico, mas também um conhecimento
“experencial”, em que estão envolvidas sensações, percepções, impressões e
intuições. Segundo Lüdke e André (1986), este caráter subjetivo é importante no
processo de análise dos dados, porque enriquece a pesquisa qualitativa, visto que,
na observação participante, o principal instrumento de pesquisa, é o investigador,
num contacto direto, freqüente e prolongado com os atores sociais e os seus
contextos.
A estratégia escolhida para se examinarem os acontecimentos focados
neste trabalho foi o estudo de caso que de acordo Yin (2001), é a mais indicada no
estudo
de
eventos
contemporâneos,
quando
não
se
podem
manipular
comportamentos relevantes. Para esta dissertação foi escolhido, como caso a ser
estudado, o processo de implantação do Projeto Orla no município de Cabo Frio,
RJ.
A maneira como a sociedade – nela compreendidos os Governos nos
âmbitos municipal, estadual e federal, bem como os diversos grupos de interesses
que se interpõem às normas e legislações – interage, gerando pressões, é um fator
primordial para qualquer estudo acerca da implementação de um projeto de Gestão
37
Integrada. É, pois, da dinâmica causadora dos principais conflitos de interesses
que este estudo parte, para obter a compreensão do processo como um todo. É
importante, então, que o primeiro passo deste trabalho se volte para uma reflexão
sobre a problemática ambiental, frente aos mecanismos de gestão, e as pressões
dela decorrentes.
38
2 A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL NA ZONA COSTEIRA E MECANISMOS DE
GESTÃO
2.1 Espaço Costeiro – Particularidades e Pressões
As zonas costeiras são sistemas altamente complexos, resultantes da
intercepção da hidrosfera, da geosfera, da atmosfera e da biosfera. É
precisamente desta complexidade que resultam não apenas a elevada
variabilidade que apresentam, mas também as grandes potencialidades que
as caracterizam (DIAS, 2003).
Com uma faixa de 8.698 quilômetros de costa, o Brasil abriga, ao longo do
litoral, diversos ecossistemas de alta relevância do ponto de vista ecológico, tais
como: mangues, campos de dunas e falésias, baías e estuários, recifes e corais,
praias e cordões arenosos, costões rochosos e planícies de marés, entre outros. É
também na zona costeira que se localizam as maiores manchas residuais de mata
atlântica. Tal mosaico de situações e ambientes diversificados confere à zona
costeira diversas oportunidades para atividades econômicas, como, por exemplo, a
pesca, a agricultura, a aqüicultura, a exploração de recursos minerais, etc
(SANTOS; CÂMARA, 2002).
Esses ambientes originais da Zona Costeira foram profundamente alterados
pela ocupação humana. Essa área detém quase um quarto (23,9%) da população
do País, isto é, 40,6 milhões de pessoas (censo demográfico de 2000),
concentradas em 7% dos municípios brasileiros (são cerca de 400 os municípios
costeiros, de um total de 5.561). A densidade média é de 105 hab/Km², número
cinco vezes superior à média nacional (20 hab/Km²) (ASMUS; KITZMANN 2004). O
número de habitantes em áreas urbanas correspondia, em 1991, a 87,66% do total,
39
destacando-se que treze das dezessete capitais dos estados litorâneos situam-se à
beira-mar. Além disso, para Egler (2001, p. 28), ocorre na Zona Costeira uma
(...) concentração espacial do equipamento produtivo e energético em zonas
e centros industriais. A associação de centrais energéticas com terminais
especializados e complexos industriais aumenta sobremaneira o risco de
acidentes, bem como favorece a exposição a longo prazo da população a
substâncias tóxicas na água e no ar.
Sobre os usos da área litorânea, esse autor afirma: “É evidente a
concentração produtiva na Zona Costeira, onde estão presentes campos de
extração, terminais e dutos de petróleo e gás, usinas termoelétricas e nuclear e
expressiva concentração dos complexos químico e metal-mecânico” (id. ibid.).
Dessa forma, os riscos de acidentes como derramamentos de óleo, vazamentos de
gases e efluentes tóxicos são maiores em vários trechos do litoral brasileiro em
comparação com outras áreas menos frágeis do País, pondo em risco os
ecossistemas naturais e o patrimônio paisagístico representado por esse espaço.
Para Souza et al (2003), a Zona Costeira pode ser considerada como um
espaço repleto de contrastes, constituindo-se, dessa forma, um campo privilegiado
para o exercício de diferentes estratégias de gestão ambiental. Ao longo do litoral,
são encontradas áreas para onde convergem intensa urbanização, atividades
industriais de ponta e atividades portuárias, bem como uma exploração turística em
larga escala (principalmente junto às metrópoles litorâneas, que constituem centros
difusores dos movimentos de ocupação territorial, do litoral).
Um aspecto fundamental associado à questão dos usos desse espaço e dos
recursos ambientais da Zona Costeira reside no fato de que, nesses locais,
40
definem-se, em geral, quadros problemáticos do ponto de vista da gestão
ambiental, o que demanda ações de caráter corretivo, com a mediação dos
"múltiplos conflitos de uso" dos espaços e recursos comuns e de controle do
impacto sobre o ambiente marinho, decorrente de poluição e contaminação por
diferentes tipos e fontes (SOUZA et al, 2003).
Por outro lado, os espaços litorâneos são permeados por áreas de baixa
densidade de ocupação1 aliada à ocorrência de ecossistemas de grande
significado ambiental, que, no entanto, vêm sendo objeto de acelerado processo de
ocupação, demandando ações preventivas, de direcionamento das tendências
associadas à dinâmica econômica emergente (a exemplo do turismo e da segunda
residência para fins de veraneio, por exemplo) e o reflexo desse processo na
utilização dos espaços litorâneos e no aproveitamento dos respectivos recursos
ambientais.
Optou-se, nessa dissertação, em focalizar o fenômeno urbano na Zona
Costeira, observando a ampliação da ocupação a partir de uma dinâmica de
incorporação turística e de lazer do espaço costeiro, visto que tal fenômeno tem
representado uma grande fonte de pressão sobre os recursos e ecossistemas
contidos nesse espaço.
1
Para Moraes (1999), essa característica de espaços densamente povoados entremeados por
outros ainda relativamente preservados está associada ao processo histórico de ocupação do litoral
brasileiro.
41
Na atualidade, praticamente em todo o litoral, especialmente próximo às
áreas metropolitanas, estende-se uma faixa de urbanização ao longo da orla
marítima. Apenas alguns espaços mais isolados, seja por condicionantes
fisiográficos ou pela distância de centros populacionais permanecem alheios a
esse processo.
Historicamente observando, foi no último quarto do século XX que, com
grande magnitude no caso brasileiro, se verificou um boom turístico, a maior parte
do qual direcionado para os pequenos municípios costeiros, vistos a partir de então
como verdadeiros paraísos. Essa expansão foi determinada, entre outros fatores,
pelo aumento do poder de compra, derivado do intenso crescimento econômico
registrado a partir de meados da década de 60; pela generalização do transporte
rodoviário, isto é ampliação da acessibilidade, advinda do grande incremento da
utilização do automóvel e da melhoria da rede viária; e, finalmente, mas não menos
importante, pela progressiva facilitação do acesso ao crédito, com disponibilidade
de capitais e surgimento de interesse pela incorporação de novas áreas. Esse
quadro desdobra-se em forte acréscimo do número de segundas residências na
Zona Costeira, de tal forma que adquirir um imóvel na praia passou a ser um dos
objetos de consumo da grande maioria da classe média.
2.2 Urbanização Turística no Litoral - O Fenômeno da Segunda Residência
Perante o incremento de utilização observado, ampliam-se, obviamente, as
pressões imobiliárias. Em maior ou menor grau, os litorais arenosos oceânicos
rapidamente são ocupados com empreendimentos turísticos, com urbanizações
42
variadas e com pequenos povoados costeiros sendo convertidos em grandes
cidades. Muitos trechos litorâneos, que ao longo de toda a história quase não
tinham sido ocupados, ficaram sobre-ocupados em poucas décadas (Dias, 2003).
Dessa maneira, é imprescindível analisar as dinâmicas do processo de
urbanização a partir do fenômeno turístico e da incorporação de novas áreas. Tal
fenômeno é impulsionado por um processo mais amplo de articulação do Estado à
expansão capitalista. Assim, conforme exposto por Macedo (1993, p.55), “o mar
como valor cênico e a praia como espaço de lazer são incorporados (...) ao
repertório urbano brasileiro”. Em função desse fenômeno, o autor estipula algumas
conseqüências geradas na organização espacial dessas cidades turísticas. Entre
elas destacam-se:
Como conseqüência de seu uso exclusivamente sazonal, tais áreas
apresentam características próprias, sendo a principal o total
desvinculamento de grande parte de sua população de veranistas (donos da
maior parte das residências) com o município em que estão instaladas suas
propriedades. (...)
Esse fato se reflete diretamente na forma de estruturação da trama urbana,
que em geral é ineficiente para receber elevados contingentes de veranistas
que durante o ano multiplicam em muitas vezes a população destas cidades.
As deficiências são muitas: desde a inexistência de serviços de
abastecimento adequados de água, até a ausência total de esgotos. Por
muitas vezes a vida urbana e até mesmo a economia da cidade e do
município estão estruturadas em função exclusiva da temporada de verão
(MACEDO, 1993, p. 61).
Macedo ressalta, ainda, que raros são os municípios que conseguem
aparelhar suas sedes para atender contingentes tão grandes de população
unicamente com a renda advinda desse tipo de turismo. De fato, ao longo de dois
anos de implementação do Projeto Orla em cerca de quarenta municípios ao longo
da costa brasileira, constata-se que, por diversas vezes, técnicos dos municípios
43
informaram que o índice de inadimplência no pagamento de IPTU era
extremamente alto no caso de segundas residências.
Outro problema apontado por Macedo diz respeito ao fato de que tais
ocupações são voltadas para a máxima exploração dos valores paisagísticos
ligados à praia e ao mar, pois estes são os principais focos de atração deste tipo
de ocupação, e que “os demais valores paisagísticos e ambientais, como barras de
rios, manguezais e matas, não são objetos de atenção imediata nem para o
empreendedor, nem para a maior parte do público consumidor e são eliminados
quando necessário” (MACEDO 1993, p. 61). Dessa forma, as áreas planas junto às
praias são as mais pressionadas, sendo as preferidas para a implantação de
loteamentos turísticos de segunda residência. Outro aspecto dessa questão é que
tais residências, que ficam fechadas a maior parte do ano, além de alterarem a
paisagem, criam um custo de infra-estrutura que é absorvido e pago pelos
moradores locais.
Assim, observa-se que a dilatação de áreas residenciais em linha ao logo da
orla marítima tem-se constituído um dos processos básicos da urbanização
turística. Tais áreas diferenciam-se no meio urbano em função da divisão social do
espaço, o que reflete a divisão em classes sociais da população urbana: as áreas
residenciais expressam as condições de reprodução de cada classe social em
função da sua localização, do acesso a equipamentos sociais, da qualidade das
moradias, mas, fundamentalmente, no caso da incorporação turística do espaço,
das amenidades naturais, que são apropriadas de maneira diferencial.
44
O crescimento dos processos de urbanização turística, ou de segunda
residência, esteve associado, inicialmente, ao provimento de novos padrões de
consumo de bens de longa duração (casas de veraneio) para as classes de maior
poder aquisitivo. Entretanto, por se constituírem em expressões de necessidades e
mecanismos intrínsecos ao próprio desenvolvimento capitalista, envolvem
população e capital na busca de um ajustamento aos padrões de produção e
consumo, por isso esse mesmo processo já foi incorporado às aspirações de
consumo de classes médias.
As regiões litorâneas, de áreas naturais conservadas, e os atributos
paisagísticos tornam-se alvo dessa aspiração de consumo, sendo intensa a
procura pelo litoral nas proximidades de áreas metropolitanas, de maneira que
suas características originais são transformadas e suas paisagens modificadas.
Assim, os potenciais atrativos, decorrentes de praias límpidas, vegetação
abundante e diversidade topográfica, tornam-se ameaçados pelo uso indevido e
pela ausência de um planejamento adequado.
Nesse contexto, observa-se que existe uma clara associação do fenômeno
da urbanização turística a um processo de expansão metropolitana, pois as
metrópoles detêm condições e especificidades favoráveis ao surgimento e
desenvolvimento desse tipo de expansão. Entre tais condições, podem ser citados:
-
A disponibilidade de capital e a necessidade de incorporação de
novas áreas e formas de investimento.
45
-
A presença de população suficientemente favorecida capaz de se
constituir em demanda potencial para investir em novas formas de
consumo.
-
O crescimento da chamada indústria do lazer, capaz de mobilizar
instrumentos de promoção e ampliação de uma cultura de consumo de
massa do turismo litorâneo, que se manifesta, essencialmente, nas
formas de expansão e ocupação do espaço.
Para fazer uma análise da composição de forças e de interesses que atuam
na incorporação desse espaço de consumo turístico-balnear, é fundamental ter
clareza de que essa incorporação se dá nas estruturas de apropriação do espaço
vinculadas ao meio urbano, ou seja, a apropriação do espaço ocorre dentro de uma
expansão urbana inserida em um contexto capitalista. Nesse sentido, Roberto
Lobato Corrêa (1989) já havia observado a composição dos atores chave no
contexto urbano: os moradores, os proprietários fundiários, promotores imobiliários,
os incorporadores imobiliários e, fundamentalmente, o Estado.
Nesse processo, entretanto, é preciso salientar que, independentemente de
se tratar de urbanização turística ou não, existem diferentes formas de análise da
relação sociedade-espaço, e que esta pode ser vista também como uma relação
valor-espaço, principalmente levando-se em conta que a apropriação de recursos
naturais e a própria dominação e substituição do espaço natural por um espaço
humanizado é um processo de criação de valor. Vale também observar que a
noção de valor do espaço está intrinsecamente associada ao seu valor de uso,
46
embora as condições de uso e as formas de apropriação do espaço nem sempre
sejam iguais para todos (MORAES; COSTA,1999). Além disso, a noção de valor de
um determinado local dentro do espaço urbano faz-se essencialmente a partir de
elementos que permitem uma diferenciação espacial, isto é, o valor de
determinados locais está associado ao não-valor de outros, seja pela presença de
amenidades naturais, equipamentos sociais e urbanísticos ou pelo valor simbólico
associado a determinados locais (CASTELLS, 1972).
Nesse sentido, observamos que os principais mecanismos de produção da
cidade capitalista estão baseados no princípio econômico da maximização do
benefício, segundo o qual o solo torna-se valor de troca, ao se aplicar capital e
trabalho mediante a urbanização e a construção. Assim, não apenas os elementos
da cidade (edifícios, habitações, terrenos) convertem-se em mercadorias, a serem
comercializados, mas também o diferencial de amenidades naturais que compõem
o processo de valorização do solo também se converte em mercadoria.
Desta maneira, é possível afirmar que a propriedade privada, fundamento do
modo de produção capitalista, beneficia-se do valor de troca e apropria-se,
enquanto elemento diferencial de valor, do patrimônio paisagístico que, a princípio,
pertence a toda a coletividade. Além disso, altera e põe em risco esses próprios
valores paisagísticos. As contínuas transformações da paisagem urbana também
são conseqüências da busca do máximo benefício pelo capital.
Os proprietários fundiários são os agentes responsáveis, em grande parte,
pela criação do padrão de segregação urbana, uma vez que seus interesses estão
47
voltados para o valor de troca da terra. Não raro estão preocupados em expandir
os limites urbanos, sendo essa expansão particularmente grave no caso da Zona
Costeira, pois, na grande maioria dos casos, cria-se uma faixa de urbanização ao
longo da orla marítima sobre terrenos ocupados por areais, dunas e matas de
restingas. O volume dessa ocupação é tal, que se torna incapaz de ser
acompanhado pela expansão das redes de provimento de infra-estrutura. Além
disso, há uma atuação contínua para a valorização subjetiva dessas localidades,
adotando estratégias de valorização que envolvem a concepção de atração de
investimentos e de dinamização da cidade.
A expansão das frentes de atuação da indústria imobiliária, segundo
Macedo (1993), é constante, e a associação entre o esgotamento das
possibilidades de ocupação e a necessidade de novos empreendimentos tem
provocado uma ampliação significativa das áreas ocupadas, inclusive com aterros
de mangues e urbanizações das barras de rios.
Segundo Trindade Júnior (2005), outro importante agente no processo de
incorporação de áreas é o Estado, que detém uma grande amplitude de formas de
atuação: consumidor de espaços e de localizações públicas, proprietário fundiário,
promotor imobiliário e agente regulador do uso do solo urbano, entre outros.
A ação estatal no problema da ocupação desordenada de terrenos frágeis
da Zona Costeira e mesmo da expansão indistinta da urbanização, ao longo da
linha de costa, é bastante complexa: vai desde o licenciamento de atividades
econômicas (inclusive imobiliárias) incompatíveis com a sua própria capacidade de
48
regulação dos problemas dessa ocupação, a uma ação mais direta, com
construção de moradias, por exemplo, ou buscando auxiliar instituições financeiras,
incorporadores e a indústria de construção, promovendo isenção de impostos,
garantindo lucros ou eliminado riscos. Mas mesmo quando impõe e administra uma
variedade de restrições institucionais na operação do mercado de moradia, como
zoneamento de uso do solo, alocação de serviços e dotação de infra-estrutura
urbana, que modificam o ambiente construído, sua atuação é necessariamente
limitada pelos alinhamentos institucionais do Estado capitalista, pois, segundo
Giddens (apud Goldblatt, 1996), o Estado depende das economias capitalistas
para receber suas receitas fiscais, e por isso existem grandes pressões para
restringir a imposição de custos ecológicos às suas atividades.
Em função do que foi visto, Trindade Júnior (2005) afirma que o papel do
Estado não é o de simples administrador do conflito de classes, através da função
de acumulação e legitimação. Ele tem um papel fundamental na reprodução das
relações capitalistas de produção. Isto pressupõe descartar, também, o espaço
como simples receptáculo da ação reguladora do Estado:
O papel do Estado, nesse processo, é contraditório. De um lado, precisa
intervir a fim de preservar as coerências do espaço social em face de sua
destruição pelas transformações capitalistas dos valores de uso em valores
de troca - isto é, de espaço social em espaço abstrato. De outro, suas
intervenções são explicitadas pela relação de dominação. Por conseguinte,
as intervenções do Estado não resgatam o espaço social; ao contrário, ele
apenas ajuda a hegemonia do espaço abstrato, produzindo alguns de seus
próprios espaços através do planejamento (TRINDADE JÚNIOR, 2005).
A afirmação apresentada por esse autor mostra a intervenção do Estado
capitalista na configuração do ambiente construído, como elemento que garante,
49
em última análise, a existência do espaço como mercadoria, proporcionando a
sustentação das relações capitalistas.
Na visão de Castells (1972), o Estado atua como regulador do conflito de
classe e reflete, através de suas intervenções, as relações políticas entre classes
diferentes, representando, assim, uma estrutura para o exercício do poder. Para
Castells, o “Estado só pode ser entendido como referência à estrutura de classes
de uma sociedade, e, em particular, das classes dominantes e de sua relação com
as classes dominadas”. Dialeticamente, para Castells o “Estado exerce (...) a
dominação de uma classe, mas trata de regular, na medida do possível, as crises
do sistema, a fim de preservá-lo” (CASTELLS, 1972, p. 295).
Na acepção de Castells, o Estado é estruturado de forma hierárquica e
dotado de capacidade concreta de exercício do poder – em uma relação de
subordinação-dominação, que, em última análise, é utilizada por burocratas para o
exercício de controle sobre a sociedade.
Além disso, ele concebe sua essência, a tarefa concreta de dominação, da
mesma forma que realiza o poder econômico – historicamente pela
destruição, no curso do tempo, do espaço social e pela sua substituição por
um espaço instrumental, fragmentado, e uma estrutura administrativa
hierárquica desenvolvida no espaço (GOTTDIENER, 1993, p.146).
É essa capacidade de dominação que garante, segundo Acselrad (2004),
que os recursos, danos e benefícios ambientais sejam apropriados, tanto em sua
dimensão material, quanto simbólica, de maneira diferenciada entre as classes
com maior acesso aos centros decisórios. Dessa maneira, para esse autor, “ o
50
Estado insere-se na luta pela apropriação simbólica da base material, impondo a
definição de natureza estatizada, integrada ao capital, e de uma natureza residual
onde se acomodam os agentes que resistem ou são excluídos” (Ibidem, p. 21).
É importante aqui fazer um breve parêntesis na tentativa de delimitar
conceitualmente o que está sendo entendido como Estado. Afinal, mesmo no
âmbito da ciência política, esse conceito ainda é um tanto impreciso, conforme
aponta Bresser-Pereira (1995, p. 86):
É comum confundir-se Estado com governo, com estado-nação ou país, e
mesmo com regime político, ou com sistema econômico. Na tradição anglosaxã, fala-se em governo e não em Estado. Dessa forma, perde-se a
distinção entre governo e Estado, o primeiro entendido como a cúpula
político-administrativa do segundo. Na tradição européia, o Estado é
freqüentemente identificado ao estado-nação, ou seja, ao país. Expressões
como “Estado liberal” ou ‘Estado burocrático’ são normalmente uma indicação
que a palavra “Estado” está sendo utilizada como sinônimo de regime
político. Finalmente, expressões do tipo “Estado capitalista” ou “Estado
socialista”, identificam o Estado com um sistema econômico. É válido utilizar
expressões como essas quando desejamos definir o tipo de Estado
predominante em diferentes tipos de regimes políticos e modos de produção.
Nesse caso, não estamos confundindo o Estado com o regime político ou
com o sistema econômico, mas simplesmente dizendo que o Estado em uma
democracia será diferente de um Estado em um regime autoritário, ou que o
Estado no capitalismo é diverso do Estado no feudalismo ou no estatismo.
Independentemente dessa imprecisão, o conceito de Estado utilizado para
este trabalho será claramente diferenciado dos conceitos de governo, de estadonação, de regime político ou mesmo de território. O Estado é visto aqui como uma
parte da sociedade. É uma estrutura política e organizacional que se sobrepõe à
sociedade ao mesmo tempo em que dela faz parte.
Em uma perspectiva histórico-materialista, entende-se o Estado enquanto
um poder, isto é, uma estrutura organizacional e política que emerge da
51
progressiva complexificação da sociedade e da sua divisão em classes. Essa
divisão é destinada a manter a ordem dentro da sociedade, e, portanto, a manter o
sistema de classes vigente (BRESSER-PEREIRA, 1995). Complementarmente,
esse autor destaca:
Adotando-se uma perspectiva lógico-dedutiva ao invés de histórica, é
possível afirmar que o Estado é o resultado político-institucional de um
contrato social através do qual os homens cedem uma parte de sua liberdade
a esse Estado para que o mesmo possa manter a ordem ou garantir os
direitos de propriedade e a execução dos contratos (BRESSER-PEREIRA,
1995, p. 89).
Nesse sentido, não será adotada, aqui, uma perspectiva marxista
generalista, que entenda que a ação estatal simplesmente age de acordo com os
interesses da classe dominante, sendo uma expressão política da estrutura de
classes vigente. Desdobrando essa concepção, entende-se o Estado também
como uma formação pluralista, onde se destaca a existência de numerosos grupos
de interesses difusos. Ainda assim, que fique claro que não se está negligenciando
o papel exercido na mediação dos conflitos sociais, nos quais o Estado está
profundamente envolvido.
Para CASTRO (2005, p. 41), “os conflitos de interesses surgem das
relações sociais e se territorializam, ou seja, materializam-se em disputas entre
esses grupos e classes sociais para organizar o território da maneira mais
adequada aos objetivos de cada um, ou seja, do modo mais adequado aos seus
interesses”.
No contexto da determinação das funções do Estado na Gestão Ambiental e
de suas atividades no âmbito do planejamento e da gestão, alguns aspectos e
52
escalas de análise merecem ser mais bem detalhados, principalmente tomando por
base que o poder público na escala do município é, segundo Moraes (1999), um
espaço privilegiado para o exercício do planejamento e da ação política.
Situando
essa
afirmação
juridicamente,
podemos
observar
que
a
Constituição de 1988 concedeu ao Município um significativo ganho em autonomia
administrativa, desde que este ente federado obedeça às normas constantes da
legislação federal. Com relação à questão ambiental, ocorreu um aumento das
atribuições do Município, ampliando a esfera de sua competência na proteção
compartilhada do meio ambiente, assim como foi acrescentada a responsabilização
dos governos locais na proteção do patrimônio ambiental. Essa diretriz é expressa
no Art. 30 da Constituição Federal, que afirma que a proteção ao meio ambiente e
o combate à poluição em todas as suas formas são competências comuns à União,
Estados e Municípios. Entre outras questões com impactos presumíveis na
dinâmica ambiental da zona costeira, cabe salientar que compete ao Município
planejar o uso e a ocupação do solo em seu território, em especial na área urbana;
estabelecer normas de construção, de loteamento, de arruamento e de
zoneamento urbano, bem como as limitações urbanísticas convenientes à
ordenação do seu território; conceder licença para localização e funcionamento de
estabelecimentos industriais, comerciais, prestadores de serviço e quaisquer
outros, renovar a licença e determinar o fechamento de estabelecimentos que
funcionem irregularmente.
Sendo assim, cabe ao poder público municipal uma função fundamental no
âmbito do planejamento, que deve ser visto como uma proposta técnica
53
consistente para a execução de suas políticas públicas. Nesse sentido, os critérios
de sustentabilidade e de preocupação com a manutenção de ecossistemas e com
a preservação do patrimônio ambiental e paisagístico deveriam ser tomados como
pano de fundo para qualquer proposição e política do Município. Por outro lado,
entretanto, observam-se no Município conflitos internos entre setores componentes
da sua estrutura administrativa que não internalizam em sua esfera de atuação as
diretrizes da política ambiental (MORAES, 2005).
O planejamento municipal acaba refém de uma certa dualidade entre, por
um lado, práticas sociopolíticas de caráter patrimonialista e, por outro, uma
formalidade e um aparato jurídico-institucional, aparentemente compatível com a
de uma moderna sociedade democrática, mas que não impede a presença de um
forte cunho patrimonialista nas formas de gerir a coisa pública.
Dessa forma, ainda que haja princípios legais norteadores da ação do
Estado, estes são por demais vagos, permitindo que surjam más interpretações e
que se mantenham as formas tradicionais de relacionamento entre Estado e
sociedade, mantendo vivas as práticas clientelistas e patrimonialistas. Tais
práticas, historicamente, refletem formas de apropriação usadas por interesses
privados para o controle do Estado (não deixando de ser, deste modo, uma
usurpação do poder por grupos sociais específicos). Os ganhos no campo da
autonomia administrativa da esfera municipal não representam, portanto, por si
sós, avanços na gestão democrática e na conquista de cidadania e justiça social e
ambiental.
54
Em função disso, será considerada tanto mais positiva a atuação política de
um governo local, quanto mais ambiciosa for sua disposição em romper com
práticas políticas que privatizam as esferas decisórias, a definição de prioridades e
os caminhos para a gestão.
Ao projetar um cenário de atuação política no meio urbano, a tendência
natural de um governo comprometido com a questão ambiental é buscar prover
algum tipo de resposta à sociedade. Os governos locais, entretanto, têm
encontrado dificuldade para fazer frente às demandas por políticas ambientais que
amenizem a dramática situação da maior parte das grandes cidades brasileiras.
Isso é fruto de um processo histórico criado por uma economia que se
industrializou e provocou urbanização descontrolada, com crescente concentração
de renda, acumulando um passivo ambiental elevado.
Esse conjunto de políticas ambientais pode ser definido como medidas ou
intervenções que pressupõem uma tentativa de mediação dos conflitos pela
apropriação de recursos, uma redução dos processos que acarretam perda do
patrimônio ambiental e paisagístico e uma equalização de desníveis sociais e
ambientais visando à recuperação e ao acesso da população a esses bens. É
necessário, no entanto, que haja clareza quanto a: (a) as limitações do poder local,
dada sua escala de atuação e capacidade de investimento para promover
mudanças estruturais em nível de sociedade, uma vez que contradições inerentes
ao sistema não podem ser alteradas apenas por adoção de políticas locais; e (b) os
governos locais permanecem pressionados, por um lado pela escassez de
recursos, e, por outro, pela pressão de interesses privados de grupos locais de
55
poder.
Por esses motivos, a lógica da intervenção governamental obedece a
distintas estratégias, que se formam de acordo com as tensões organizacionais e
com a estruturação, em maior ou menor grau, de grupos de pressão no interior do
espaço urbano (VOIVODIC, 2002). Assim, essas intervenções tendem a variar de
acordo com os diferentes níveis de governo ou com as estruturas das agências
burocrático-administrativas. Ou, ainda, a intervenção governamental obedece a
estruturas de relacionamento político entre sociedade e grupos de poder
(historicamente construídas), e segue, diversas vezes, por caminhos que nem
sempre conduzem ao fortalecimento da cidadania e da participação política.
Nesse contexto, segundo Acselrad (2004b), a prática do planejamento
urbano e do próprio urbanismo passa a ser concebida just in time, comandada em
grande parte pela lógica do mercado imobiliário. Os grupos de poder localizados
retiram da esfera do estado central certos papéis de coordenação das condições
de reprodução do capital e atribuem a si um papel mais pró-ativo nas estratégias
de desenvolvimento local. Para Ribeiro (2000, p. 237), “beneficiam-se dessa lógica
projetos de renovação urbana que segmentam o tecido social e que mercantilizam
a vida espontânea, favorecendo o embelezamento apenas da paisagem e
ampliando os obstáculos à apropriação social da cidade”.
Assim, para Oliveira (2004, p. 110) a retórica da proteção ao meio ambiente
e da conservação e defesa da natureza são elementos que passam a servir como
recursos discursivos em processos de reestruturação do espaço e reordenamento
56
de usos – recursos esses utilizados na construção de novas lógicas sócioespaciais com o fim de redefinir novas territorialidades, inclusive no interior dos
aparelhos do estado (e em suas diversas esferas).
A questão da ocupação da Zona Costeira e da tendência à expansão da
urbanização turística torna-se particularmente grave em função da fragilidade
desses ambientes. Além do mais, o fenômeno da urbanização turístico-balnear
processou-se com tal rapidez, que a capacidade institucional dos organismos de
gestão foi incapaz de conferir mecanismos regulatórios que impedissem a
degradação ambiental. Antes da abertura de rodovias, os litorais oceânicos eram
de tal modo sub-ocupados, que não havia preocupações relevantes com a sua
gestão. Perante os benefícios econômicos diretos do turismo (essencialmente a
entrada de divisas), e diante da forte pressão pela incorporação imobiliária
(inclusive com um boom de emancipações municipais), e da falta de corpo técnico
e capacidade institucional local, que garantisse um contraponto mínimo à
voracidade com que a urbanização ocorreu, quase tudo foi permitido. A partir de
então, começam a surgir os problemas: contaminação das águas devido a
deficiências (ou ausência) dos sistemas de saneamento básico; carências de água
potável devido à sobre-exploração de aqüíferos e à contaminação dos corpos
d’água superficiais; perda de valores culturais; forte sazonalidade das atividades
econômicas, com sobrecarga dos sistemas de abastecimento e saneamento nos
períodos de pico; decaimento (e, em alguns casos, desaparecimento) da maior
parte das atividades tradicionais; destruição de ecossistemas importantes; perda
do patrimônio paisagístico e, até mesmo, perda do próprio novo patrimônio
57
edificado, que põe-se em risco ameaçado pelos temporais ou pela erosão costeira.
2.3 Dificuldades na Gestão Ambiental na Zona Costeira
É clara a necessidade de, urgentemente, o poder público proceder a uma
regulação política eficaz. A intervenção política necessária para detectar as
conseqüências ecológicas da atividade econômica, para avaliar os custos das
externalidades e para garantir mecanismos regulatórios que restrinjam, pelo
menos, a forma como a ocupação se dá, é, no entanto, freqüentemente limitada
pelos alinhamentos institucionais do Estado capitalista. Isso porque, uma vez que
os estados contam com as economias capitalistas para receberem suas receitas
fiscais, existem grandes pressões para restringirem a imposição de custos
ecológicos às atividades econômicas, nelas incluídas a própria urbanização.
A dificuldade que as institucionalidades demonstram em regulamentar as
questões ambientais passa pela dicotomia entre o ganho eleitoral da promulgação
de leis ambientais e o custo político de sua implementação de fato. Existe, segundo
Habermas, uma tensão básica entre os princípios normativos de um Estado
democrático e as exigências funcionais da acumulação capitalista: “O Estado
democrático confere primazia à integridade do mundo natural, e a acumulação
capitalista atinge os seus limites legítimos no ponto em que a integridade social do
mundo natural é ameaçada” (HABERMAS, 1988, apud GOLDBLAT,1996, p.178).
Outro problema tem relação com as distintas esferas e escalas em que os
problemas ambientais são observados bem como os diferentes escalões
58
institucionais entre a concepção da ação planejadora e a sua implementação,
como será mostrado no capítulo 4.
Segundo Lowry (2002), um dos maiores problemas atuais da gestão
ambiental é a dificuldade de transformar as metas ambientais em ações efetivas. O
resultado dessa dificuldade é chamado de lacuna de implementação ou
“implementation gap”. Essa lacuna, segundo esse autor, está associada à
inconsistência entre metas políticas estabelecidas em um nível de governo e a
translação dessas metas para atividades específicas de manejo em outros níveis
ou em outras agências de governo.
Nas disputas que envolvem a produção do espaço – urbano em geral e da
Zona Costeira especificamente – existe, por parte dos atores envolvidos, uma
apropriação de estratégias e variados recursos retóricos, no esforço de
concretização de seus interesses. Inclui-se, nesse rol, a propagação da
modernidade e do emprego como estratégias de valorizar a atração de
investimentos e de incorporações turísticas e imobiliárias para determinadas
cidades. Nesse sentido, a questão da degradação ambiental é tomada como um
mal secundário, sem haver uma clareza no entendimento dos supostos benefícios
oriundos do crescimento urbano.
Assim, dentro da lógica de um novo protagonismo do Município quanto à
regulação urbana, os espaços públicos tornam-se instrumentos primordiais na
competição por investimentos. Nesse contexto, o que está posto é dotá-los de
significados, para que atuem na promoção das cidades. Esse fenômeno pode até
59
responder por uma requalificação desses espaços, segundo um ponto de vista de
melhoria das condições ambientais. Entretanto, os fins que justificam essa melhoria
raramente são estritamente ambientais, e sim uma lógica de valorização do espaço
urbano a ser incorporado ou reestruturado para fins imobiliários. Em geral, esses
novos espaços têm-se caracterizado por serem construtores ou reafirmadores de
identidades e por estarem voltados para o consumo. A qualidade paisagística,
nesse caso, ganha um novo sentido, pois nesses espaços a apropriação privada
do patrimônio ambiental se coloca como fator constituinte.
Sobre esse aspecto, é fundamental observar que espaços públicos e
privados são regidos por regras e mecanismos de controle distintos, conforme
observa Eva (2004, p.05),
Private space is organized according to the dimension and the concept of
property; who has the biggest property has a proportional level of power;
private space is organized according the concept of inequality. (…)
Private property of the territory cut strongly the space, separating the private
one (with its proper authoritarian rules) and leaving us the public space
(represented by the state) as a simulacrum of participation/negociation; the
fact is that the social space the private owners are in condition to have more
decisional power and there’s a continuous fight between inequalities.
Para Gomes (2002, p. 164-165), o espaço público é “o resultado de um
gênero de relação contratual com o espaço”. É também o “lugar das inscrições e
do reconhecimento do interesse público sobre determinadas dinâmicas e
transformações da vida social”.
As formas de organização desse espaço e o arranjo físico das coisas e
elementos que compõem o espaço público são consideradas por Gomes (idem, p.
60
172) como agentes ativos “na realização de determinadas ações sociais, e essa
ordem espacial é concebida como uma condição para que essas ações se
produzam”. Esse ponto de vista nos remete à dialética do espaço, isto é, as
praticas sociais são fruto de uma dada forma de organização do espaço, ao
mesmo tempo em que condicionam essa mesma organização espacial.
Nesse sentido, esse autor defende que “um olhar geográfico sobre o espaço
público deve considerar, por um lado, sua configuração física e, por outro, o tipo de
práticas e dinâmicas sociais que aí se desenvolvem” (GOMES, 2002, p. 172).
A opção por tratar do problema ambiental da Zona Costeira a partir das
relações existentes no âmbito do espaço urbano decorre justamente do
entendimento de que a cidade é um palco privilegiado dessa combinação – repleta
de conflitos – entre a apropriação pública e privada do espaço. A Zona Costeira e a
orla marítima, em especial, revelam-se exemplos bastante paradigmáticos desse
tipo de relação, pois trata-se de espaços dotados de particularidades que lhes
conferem status privilegiado, seja como Patrimônio Nacional (a zona costeira), seja
como bens de domínio da União (os terrenos de marinha e seus acrescidos) ou
bem de uso comum do povo brasileiro – as praias, ou seja como propriedades
privadas de alto valor comercial, no caso de residências, hotéis, etc.
Cada município tem, hoje, a tarefa de combater a degradação ambiental e,
por isso, todos eles devem adotar políticas públicas e sistemas de gestão que
permitam compatibilizar a construção e a manutenção de infra-estruturas
necessárias ao desenvolvimento econômico, com o controle da poluição e do uso e
61
ocupação do solo urbano, a criação de áreas de preservação ambiental e a
participação da população na gestão ambiental.
A degradação do ambiente costeiro é fruto do complexo e acelerado
processo de apropriação do espaço e das relações sociais que aí se impõem,
conforme foi apresentado. Essa apropriação, no entanto, revela um significativo
paradoxo, pois ao mesmo tempo em que ela é o fator da perda do patrimônio
ambiental e cultural do litoral, é também um potencial de desenvolvimento. É
preciso, entretanto, observar que a qualidade paisagística, a beleza cênica e a
salubridade do ambiente são os fatores de atratividade dos espaços litorâneos e
representam um importante ativo ambiental e que, assim, o comprometimento
desses fatores pode significar a estagnação econômica, derivada da perda da
qualidade ambiental (BUTLER, 1980). Por isso, o ordenamento desse espaço, nos
termos da proteção ao ambiente natural, passou a ser uma prioridade (BRASIL,
1996), e modelos de desenvolvimento regional compatíveis ecologicamente
permearam o discurso técnico e acadêmico vigente a partir de meados dos anos
80.
A incorporação da questão da degradação ambiental na Zona Costeira no
discurso acadêmico é particularmente importante, pois, segundo Hanningan
(1995), existem seis fatores que são fundamentais para a construção com êxito de
um problema ambiental e para a busca de soluções:
62
1.
Autoridade científica para a validação das exigências;
2.
Existência de “propagadores” que possam estabelecer a ligação entre ambientalismo e a
ciência;
3.
Atenção dos meios de comunicação social onde o problema é estruturado como novidade e
importante;
4.
Dramatizaçãp do problema em termos simbólicos e visuais;
5.
Incentivo econômico para tomar uma ação pró ativa;
6.
Existência de uma estrutura institucional que possa assegurar legitimidade e continuidade.
Modificado a partir de Hanningan, 1995.
Dessa forma, a primeira questão é vista como o ponto de partida
fundamental para a percepção coletiva do problema:
Primeiro, um problema ambiental deve ter uma autoridade científica para a
validação de suas exigências, (...) é virtualmente impossível para uma
condição ambiental ser transformada num problema sem um corpo de dados
de confirmação que tenha origem nas ciências físicas e da vida (...)
(HANNINGAN, 1995).
Mas também a última questão é fundamental, pois a existência de marcos
regulatórios e de um ambiente institucional capaz de fornecer subsídios técnicos e
suficiente força política para a implementação de programas e projetos na área
ambiental é fundamental para o Gerenciamento Costeiro Integrado (GCI).
O planejamento é, portanto, estritamente vinculado à política, sendo
inclusive afirmado por Hall (2001) que ele se trata de uma ação política, antes de
ser técnica. Desta forma, as relações de poder existentes, precisam ser bem
analisadas, pois suas conseqüências no processo de planejamento são decisivas.
Assim, o planejamento e a gestão desse espaço devem ser debatidos tanto
no meio acadêmico quanto no meio técnico-político. Tem sido observado no Brasil
o crescimento desse debate. Do ponto de vista político-institucional, o Brasil
63
apresenta um arranjo institucional inovador, conferido pela criação da Comissão
Interministerial dos Recursos do Mar – CIRM e por uma vasta legislação e
instrumentos regulatórios, como veremos no capítulo seguinte. Assim, pode-se
definir como um dos pressupostos básicos do Gerenciamento Costeiro a sua busca
por atuar na gestão de conflitos sócio-ambientais que se manifestam na Zona
Costeira, culminando, recentemente, com um projeto específico voltado para a orla
marítima.
Dada a complexidade de situações observada na Zona Costeira, é
necessária uma constante avaliação dos mecanismos de planejamento e gestão
associados a esses espaços. Os desafios existentes incorporam a necessidade de
incluir, nos modelos de planejamento, mecanismos voltados para garantir a
preservação ambiental e, dessa forma, mediar essa complexa equação entre
desenvolvimento econômico e conservação dos ecossistemas naturais.
2.4 Definindo Conceitualmente o Gerenciamento Costeiro Integrado
O Gerenciamento Costeiro Integrado (GCI), na definição de Cicin-Sain e
Knecht é “um processo dinâmico e contínuo, no qual são tomadas decisões para
um uso racional e sustentável para o desenvolvimento e proteção de áreas e
recursos marinhos e costeiros” (CICIN-SAIN; KNECHT, 1998, p. 39 – tradução
nossa). Para Cicin-Sain e Knecht (1998), Polette e Silva (2003), Marroni e Asmus
(2005), Tagliani (2005) e muitos outros teóricos e estudiosos do GCI, este deve ser
entendido enquanto processo, isto é, algo que requer constante retroalimentação e
64
revisão, sendo, portanto, adaptativo, de tal forma que as instituições utilizem as
próprias experiências para melhorar a prática de gestão. Um aspecto fundamental
do GCI é que ele também se propõe a superar a fragmentação de abordagem
setorial que domina a esfera tradicional de planejamento e gestão: seja referente
aos usos (pesca, turismo, mineração, qualidade da água, etc.), ou em relação às
esferas governamentais (níveis de governo). O objetivo dessa superação é garantir
que o processo decisório seja organizado e esteja em consonância com as
políticas costeiras da Nação, dentro de um arranjo institucional equilibrado. Dessa
forma, segundo Tagliani 2005, o GCI não substitui o manejo setorial de recursos,
mas assegura que todas as atividades funcionem harmoniosamente, isto é, sejam
tão integradas, quanto estão interconectados os próprios ecossistemas naturais.
O gerenciamento integrado da Zona Costeira leva em consideração a
característica diferenciada desse espaço, em termos de recursos, processos e
feições naturais, o que torna a região litorânea de grande atratividade para as
atividades humanas. Esses atrativos, responsáveis pelo adensamento populacional
crescente desta região, são também as origens de inúmeros conflitos (espaço finito
e múltiplos usos). Tagliani reconhece, também, a complexidade de manejo
integrado nos dois “lados” da Zona Costeira – continente e mar, devido à
característica pública da área oceânica (onde as autoridades governamentais têm
propósitos simples), e geralmente pública e privada das áreas emersas (propósitos
múltiplos) (TAGLIANI, 2005).
65
Segundo Tagliani (2005, p.13),
(...) o GCI não é uma ‘receita’ que se aplica a todas as situações e não é uma
metodologia baseada na experiência de uma ou outra nação, mas um
processo contínuo que assegura que todas as atividades e decisões relativas
à zona costeira de um país são consistentes e suportadas por objetivos e
metas acordados para a região e a nação.
2.4.1 Antecedentes
O marco referencial em manejo de áreas costeiras ocorreu na década de
60, quando foram realizadas, por nações desenvolvidas, ações de recuperação e
controle ambiental, em decorrência da degradação ambiental provocada pelo
desenvolvimento inapropriado e pela falta de planejamento. Entretanto, tratava-se
de ações isoladas que procuravam resolver problemas específicos, não
caracterizando um processo integrado.
O primeiro marco institucional da gestão costeira ocorreu com a Lei do
Gerenciamento da Zona Costeira (Coastal Zone Management Act) nos Estados
Unidos, em 1972. Após esses esforços iniciais, muitas nações iniciaram esforços
de manejo costeiro, inclusive países em desenvolvimento, encorajados e apoiados
por organizações ou nações financiadoras. Até 1996, aproximadamente 150
esforços de GCI foram iniciados por aproximadamente 65 países soberanos ou
semi-soberanos em todo o mundo (CICIN-SAIN; KNECHT, 1998).
Parte dos avanços conceituais e metodológicos do GCI ocorreu em
decorrência dos acordos, princípios e declarações derivados de convenções
internacionais sobre meio ambiente e desenvolvimento, marcos regulatórios que
66
tiveram uma grande influência na evolução do processo de GCI em direção a uma
abordagem mais abrangente e integrada.
Ainda que Cicin-Sain e Knecht (1998) defendam que o GCI não deva ser
tomado como uma receita pré-estabelecida, esses autores oferecem um modelo de
manejo integrado da Zona Costeira que auxilia o entendimento de um programa de
GCI. Os subitens, a seguir, sintetizam esse modelo.
2.4.2 Objetivos e metas do gerenciamento integrado da Zona Costeira
Para Cicin-Sain e Knecht (1998), Tagliani (2005); Asmus e Marroni, 2004, entre
outros, as metas do gerenciamento integrado da Zona Costeira são, em geral:
promover o desenvolvimento sustentável de áreas marinhas e costeiras; reduzir a
vulnerabilidade da Zona Costeira aos perigos naturais (tais como inundações e
erosão); e sustentar os processos ecológicos essenciais e seus ecossistemas,
garantindo a diversidade biológica tanto na zona marinha quanto na área costeira.
O pressuposto do GCI segue algumas orientações básicas, analisa as implicações
do desenvolvimento, os usos conflitivos e as inter-relações que acontecem entre a
bacia de drenagem, zona de contato entre o mar e a terra, e o próprio mar territorial
e plataforma continental; busca, assim, promover uma harmonização entre os usos
nesses setores costeiros.
67
2.4.3 O objeto e função do Gerenciamento Costeiro Integrado
Os variados usos e atividades que ocorrem na Zona Costeira apropriam-se
de maneira diferenciada dos recursos naturais existentes. De um modo geral, todas
essas atividades estão sob regulamentação de instituições ou agências
especializadas. Não se espera que o Gerenciamento Costeiro Integrado substitua
as práticas de gerenciamento setoriais, mas, fundamentalmente, que as oriente, de
forma a harmonizar as sobreposições e conflitos. A integração dessas esferas
políticas é particularmente difícil, conforme foi posto, pois as formas de gestão do
território estão sujeitas à disputa política de grupos de interesse com maior ou
menor acesso às instâncias decisórias. Além disso, a natureza da propriedade
(pública/privada) e os diferentes interesses governamentais associados a cada
escala (local, regional, nacional ou internacional) são elementos que tornam a
composição de forças para uma efetiva gestão integrada um processo complexo.
Assim, para Tagliani (2005, p. 14), “o termo ‘integração’ deve levar em conta várias
dimensões para lidar com essas características diferenciadas, devendo considerar
a integração a nível setorial, intergovernamental, espacial, entre ciência e manejo e
também internacional”.
Tagliani (2005) aponta cinco funções elementares de programas de GCI.
Observa-se que elas se relacionam fundamentalmente a padrões de uso e à
manutenção da qualidade ambiental:
•
Planejamento Ambiental - harmonizar e balancear os usos reais e potenciais da
Zona Costeira, dentro de uma visão de longo período.
•
Promoção do desenvolvimento econômico - promover usos apropriados para as
áreas costeiras e marinhas.
68
•
Gerenciamento de recursos – proteger a base ecológica, preservar a biodiversidade
e promover as condições ecológicas desejadas para a biota
•
Resolução de conflitos
•
Proteção de terras e águas públicas
2.4.4 Gerenciamento Costeiro Integrado e o Policy Cycle
Autores como Polette e Silva (2003) e Olsen (2003), entre outros, utilizam as
discussões oriundas do GESAMP (Joint Group of Experts on the Scientific Aspects
of Marine Environmental Protection) – que é um grupo composto por profissionais e
especialistas de inúmeras agências internacionais (IMO, FAO, UNESCO-COI,
WMO, IAEA, UNEP) os quais se reuniram durante os anos de 1994 a 1996 com o
intuito de entender o Gerenciamento Costeiro Integrado (POLETTE; SILVA, 2003)
– para conceituar e oferecer uma estrutura de análise ao GCI. Nessa perspectiva, o
Gerenciamento
Costeiro
Integrado
deve
ser
baseado
em
princípios
de
procedimentos semelhantes ao conceito de Policy Cycle, isto é, que incorpore em
sua
estratégia
de
ação
mecanismos
que
enfatizem
adaptações
e
retroalimentações.
O Policy Cicle parte do entendimento de que as arenas políticas podem
sofrer modificações no decorrer dos processos de elaboração e implementação
das políticas. Em função disso, é fundamental que haja uma análise que leve em
conta tanto o caráter dinâmico como a complexidade temporal dos processos
político-administrativos. Dessa forma, o policy cicle subdivide o agir público em
69
fases parciais do processo político-administrativo e mostra-se um modelo bastante
interessante de análise da vida de uma política pública (FREY, 2000 p. 226).
As fases do policy cicle, segundo Frey, tradicionalmente diferenciam-se
apenas gradualmente, sendo comum a todas as propostas as fases de formulação,
de implementação e de controle dos impactos das políticas. Naturalmente, divisões
mais sofisticadas e que incorporem a percepção e a construção coletiva dos
problemas, a definição de arranjos institucionais e sociais, a elaboração de
programas e avaliação são absolutamente pertinentes, podendo aumentar o grau
de complexidade e auxiliar a eventual correção eventual da ação (FREY, 2000).
Com relação aos princípios que orientam o policy cicle do GCI, é preciso ter
clareza de que ele é voltado para uma diretriz de desenvolvimento sustentável.
Assim também, quanto aos procedimentos, entende-se que estes devam estar
baseados na participação do público, considerem os valores socioculturais, e as
diferenças sociais.
A adoção de processos partitivos supostamente garantiria as necessárias
adaptações do plano de gerenciamento a ser seguido. É preciso, porém, manter
aberto o canal de participação em todos os momentos, pois a formulação – que
compreende a fase na qual se define a estratégia geral de uma dada política
pública (objetivos, metas, recursos, entre outros) – é desenvolvida por uma
autoridade, ou por um conjunto de autoridades que expressam suas escolhas e
preferências. Estas, em algumas situações, podem divergir das que a sociedade
considera relevantes. Nesses casos, a formulação pode ter um caráter de
70
isolacionismo, pois impõe superioridade excessiva em relação às outras fases do
policy cycle, remetendo a questionamentos quanto a práticas clientelistas e
corporativas.
Para Tagliani (2005) um programa de gerenciamento integrado da Zona
Costeira deve ter três partes principais:
1. Um processo continuado de coleta da informação necessária sobre os
recursos (naturais/artificiais) e problemas costeiros, e sobre os anseios e
necessidades da comunidade.
2. Um processo de estabelecer um conjunto de metas e políticas para a
Zona Costeira de forma integrada, e de desenvolver uma estratégia de
planejamento e gerenciamento de processos costeiros que aplique essas
políticas à Zona Costeira nacional ou estadual.
3. A adoção, o desenvolvimento ou o fortalecimento dos meios (legais,
institucionais, técnicos, financeiros e humanos) para atingir as metas e
políticas do programa.
Para Polette e Silva (2003), o processo de gerenciamento costeiro integrado
deve buscar um balanceamento entre as potenciais atividades, visando planejar os
espaços costeiros e oceânicos, de forma a permitir um planejamento em escalas
temporais distintas, isto é, uma visão de curto, médio e longo prazos. Com isso,
promove e estimula usos mais apropriados da Zona Costeira.
Esse autor adota, assim, a concepção de GCI proposta pelo GESAMP,
definindo os cinco estágios de desenvolvimento do GCI, quais sejam:
71
1.
2.
3.
4.
5.
Identificação de Problema e Análise;
Preparação do Programa;
Adoção Formal e Financiamento;
Implementação;
Avaliação.
Tais estágios representam, nessa ótica, uma geração do processo de GCI
(Figura 3). Mas, segundo Polette e Silva (2003), muitas vezes para se alcançar os
resultados esperados, ou seja, as mudanças comportamentais necessárias para
reversão dos problemas, são requeridas várias gerações de um processo desta
natureza.
Figura 3: Ciclos do Gerenciamento Costeiro Integrado
Fonte: Olsen, 2003
72
Para Polette e Silva (2003), esse ciclo é concebido enquanto marco de
referência ao processo de GCI. As ações consideradas por esses autores como
essenciais, que correspondem a cada fase do ciclo, encontram-se no Quadro 1.
Quadro 1: Ações Essenciais que Correspondem aos Passos do Ciclo de
Gerenciamento Costeiro Integrado
Fases
Fase 1
Identificação e
Análise
Ações Essenciais
A. Identificar e evaliar os principais assuntos ambientais, sociais e institucionais e
suas implicações.
B. Identificar os principais atores (governamentais e não governamentais) e seus
respectivos interesses.
C. Verificar as lideranças governamentais e não-governamentais sobre os assuntos
selecionados.
D. Selecionar os assuntos sobre os quais se concentrarão os esforços da iniciativa
de gerenciamento.
E. Definir as metas do gerenciamento costeiro integrado.
A. Realizar as pesquisas identificadas como prioritárias;
B. Preparar o plano de gerenciamento e a estrutura institucional sobre as quais será
implementada;
Fase 2
Preparação do C. Iniciar o desenvolvimento da capacidade técnica local.
D. Planejar a sustentação financeira.
Programa
E. Desenvolver ações de implementação em escala piloto (atividade demonstrativa
em temas ou áreas relativamente novas de um programa, que se executa para
desenvolver a experiência, criar interesse e capacidade para esforços de
gerenciamento de maior escala, bem como com visão de futuro).
F. Realizar programas de educação pública e conscientização.
Fase 3:
A. Obter a aprovação governamental da proposta.
Adoção Formal B. Implementar o marco institucional básico do processo de Gerenciamento Costeiro
e
Integrado e obter o respaldo governamental para os diversos arranjos institucionais.
Financiamento C. Prover os fundos requeridos para a implementação do programa.
A. Modificar as estratégias do programa conforme seja necessário.
B. Promover o cumprimento das políticas e estratégias do programa.
C. Fortalecer o marco institucional e o marco legal do programa.
Fase 4
D. Fortalecer o compromisso da administração do processo e dos atores de acordo
Implementação com as estratégia e os resultados a serem obtidos.
E. Fortalecer a capacidade gerencial, técnica e de gerenciamento financeiro do
programa.
F. Assegurar a construção e manutenção da infra-estrutura física.
G. Alimentar a participação aberta de quem respalda o programa.
H. Implementar os procedimentos da resolução dos conflitos.
I. Alimentar o apoio político e a presença do programa na agenda de grandes temas
em nível local, estadual e nacional.
J. Monitorar o desempenho do programa e as tendências do ecossistema.
Fase 5:
A. Adaptar o programa a sua própria experiência, bem como às novas condições
Avaliação
ambientais, políticas e sociais.
B. Determinar os propósitos e impactos da avaliação.
Fonte: Olsen et all, 1999, apud Polette e Silva, 2003
73
É interessante observar que, nessa concepção, as ações estipuladas por
Polette e Silva, desvinculam o GCI de sua concepção de ação estritamente
governamental. Isso fica claro ao se observar o item “A” da Fase 3 – “Adoção
formal” – em que a referida ação seria – Obter a aprovação governamental da
proposta. Essa concepção é fundamental para que se abram possibilidades de que
instituições de pesquisa desvinculadas do setor de formulação de políticas, em seu
sentido estrito, possam participar não apenas com subsídios e pesquisas
preliminares ou avaliações, mas também na fase de formulação e concepção das
políticas públicas.
O Ciclo de Gerenciamento Costeiro apresentado aproxima-se muito,
conforme foi mencionado, do conceito de policy cicle da ciência política. Dessa
forma, serão utilizadas algumas análises oriundas da ciência política para avaliar
alguns aspectos do ciclo de gerenciamento costeiro.
O policy cicle, enquanto modelo, oferece uma seqüência de passos para o
processo de resolução de um problema político. Entretanto, na prática, para Frey,
(2000, p.229), “os atores político-administrativos dificilmente se atêm a essa
seqüência. Isso vale especialmente para programas políticos mais complexos que
se baseiam em processos interativos cuja dinâmica é alimentada por reações
mútuas dos atores envolvidos”. Esse ponto é particularmente interessante, pois já
que o processo de GCI é pautado por uma dinâmica participativa e interativa, é
preciso observar que os processos de aprendizagem política e administrativa
podem ser encontrados em todas as fases do ciclo político. Isso significa que a
avaliação não precisa ser realizada exclusivamente no final do processo e que
74
constantes adaptações à realidade local, principalmente em um processo de
descentralização de políticas, são necessárias.
Frey ressalta, entretanto, que “o fato de os processos políticos reais não
corresponderem ao modelo teórico não indica, necessariamente, que o modelo
seja inadequado para a explicação desses processos”, o que sublinha o seu papel
enquanto instrumento de análise. Para esse autor, o policy cicle fornece um quadro
de referência para a análise processual.
Ao atribuir funções específicas às diversas fases do processo políticoadministrativo, obtemos – mediante a comparação dos processos reais com
o tipo puro – pontos de referência que nos fornecem pistas às possíveis
causas dos déficits do processo de resolução de problema (FREY, 2000, p.
229).
Entende-se, nesse sentido, que o ciclo de gerenciamento costeiro deva ser
aplicado da mesma forma. Isto é, deve, sim, subsidiar a formulação das políticas
de GCI, mas não de maneira estanque, sendo constantemente redimensionado e
reavaliado para se adaptar às dinâmicas do processo de implementação dos
programas e políticas de GCI. Dessa forma, deve-se compartilhar a visão de
Polette e Silva (2003), que entendem que o Ciclo do GCI, enquanto processo,
(...) ocorre por loops que estão continuamente se confrontando e se
adaptando, conforme a realidade local e/ou regional. Existem contextos e
oportunidades, por exemplo, em que se pode iniciar o processo pela fase 2, e
inclusive na fase 3. Algumas vezes, novos dados são requeridos para o
desenvolvimento do processo, logo é possível retornar a fases e passos
anteriores, de tal forma que estes possam ser modificados por meio da
análise obtida até então (POLETTE; SILVA, 2003, p-30).
75
2.5 Gerenciamento Costeiro no Brasil
No Brasil, o principal instrumento definidor da política nacional de
gerenciamento Costeiro é o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro do Brasil, o
qual define gerenciamento costeiro como um conjunto de atividades e
procedimentos que, por meio de instrumentos específicos, conduz à gestão dos
recursos da Zona Costeira. O plano foi instituído pela Lei 7661/88 e expressa um
importante compromisso com o desenvolvimento sustentável da Zona Costeira,
considerada pela Constituição Federal como um patrimônio nacional. Sua
finalidade primordial está vinculada à promoção do ordenamento do uso dos
recursos naturais e da ocupação dos espaços costeiros, utilizando, como estratégia
para tal, a identificação das potencialidades, vulnerabilidades e tendências
existente na Zona Costeira.
2.5.1 Evolução do Gerenciamento Costeiro no Brasil
As primeiras formulações para um programa nacional de gerenciamento
costeiro surgiram em um seminário internacional promovido pela Subcomissão de
Gerenciamento Costeiro da Comissão Interministerial de Recursos do mar – CIRM,
em 1983, no Rio de Janeiro. Em 1987, a CIRM estabeleceu o Programa Nacional
de Gerenciamento Costeiro (PNGC), especificando a metodologia de zoneamento
e o modelo institucional para sua aplicação. Em 1988, o PNGC foi legalmente
estabelecido pela Lei 7.661/88, com o apoio político e jurídico da CIRM e do
CONAMA. A Lei 7.661/88 estabeleceu que todas as normas e regras deveriam ser
76
detalhadas em um documento específico a ser produzido pela CIRM, o que foi feito
em 1990 com a Resolução CIRM 001/90. Essa Resolução aprovou a primeira
versão do PNGC, assentando as bases metodológicas do Gerenciamento Costeiro
(GERCO), definindo seu modelo institucional e seus instrumentos de gestão
(TAGLIANI, 2005).
O PNGC, entretanto, não alcançou os objetivos almejados, tendo sido alvo
de severas críticas após os dois primeiros anos de implantação. Foi nesse
momento, também, que a coordenação do GERCO deixou de ser atribuição do
IBAMA e passou a compor a estrutura do recém-criado Ministério do Meio
Ambiente (Em 1992, a Lei 8.490 transformou a SEMAM/PR em Ministério do Meio
Ambiente) (TAGLIANI, 2005). Nesse momento, ocorreu uma avaliação por parte da
coordenação do GERCO sobre os problemas do PNGC. Um resumo dessa
avaliação é apresentado por Tagliani (2005, p. 14):
¾
Confusão das equipes quanto aos objetivos e finalidades do Programa, tendente a um
caráter exclusivamente impeditivo.
¾
Atividades de coordenação não claramente definidas deixando a esfera federal sem uma
função clara no organograma de trabalho do programa.
¾
Impossibilidade do desenvolvimento de ações emergenciais em função do atrelamento da
implementação dos planos de gestão à conclusão do zoneamento.
¾
Metodologia do zoneamento apresentava uma excessiva rigidez para uma atividade
descentralizada, atuando em realidades variadas, seja em relação às características
naturais e sociais dos espaços abordados, seja no que pese a capacidade técnica e
gerencial de cada estado.
¾
O detalhamento cartográfico rígido era incompatível com a velocidade dos processos de
ocupação da zona costeira, além de custo elevado e morosidade na obtenção dos
resultados
¾ Quanto ao Sistema de Informações do Gerenciamento Costeiro (SIGERCO), este estava
concebido apenas como apoio ao zoneamento e não como um instrumento de auxílio à
tomada de decisão no processo de gestão.
77
O principal desdobramento dessa avaliação foi uma mudança na concepção
de planejamento que se pretendia com o PNGC, que deixou de ser uma política
principalmente restritiva e passou a ser considerado, também, como indutor de
desenvolvimento. Fruto desse processo de mudança nos paradigmas de
planejamento que norteavam a política de gerenciamento costeiro, ocorrem, entre
1992 e 1997, intensos debates e avaliações do modelo a ser implementado.
Em 1997, a coordenação do GERCO forneceu a proposta definitiva para a
atualização do PNGC, que permitia uma revisão da metodologia e do modelo
institucional. Dessa forma, é aprovada pela Comissão Interministerial de Recursos
do Mar a segunda versão do Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro,
denominada de PNGC II.
Dentre as principais alterações, Tagliani (2005) ressalta que, nesta nova
versão, o PNGC:
-
Reafirma o modelo institucional adotado anteriormente, mas acentua a
presença das esferas federal e municipal e da sociedade civil na condução
do programa.
-
Acentua o enfoque político do documento em comparação com o
anterior, mais técnico.
-
Prevê a criação de um Grupo de Integração do Gerenciamento Costeiro
(GIGERCO) no âmbito da CIRM, para facilitar a integração interinstitucional,
e, também, um subgrupo de integração dos Estados, vinculado a este.
78
-
Reafirma
os
instrumentos
básicos
do
programa
(Zoneamento,
SIGERCO, Planos de gestão e monitoramento), mas sem detalhamentos
técnicos, e salienta a referência a outros instrumentos existentes na Política
Nacional do Meio Ambiente, passíveis de serem acionadas pelo GERCO,
como o Relatório de Qualidade Ambiental da Zona Costeira.
-
Rompe com o atrelamento tanto do SIGERCO quanto dos planos de
gestão à conclusão da proposta de zoneamento, orientando para a adoção
simultânea de todos os instrumentos e de estabelecimento de contatos com
outros instrumentos e ações praticados na Zona Costeira.
-
A definição de “Zona Costeira” recebe uma conceituação menos
acadêmica e mais voltada à prática do planejamento, sendo substituída pela
noção de “município litorâneo”.
No contexto dessa reformulação do PNGC, é importante ressaltar que não
houve mudança significativa em termos das atribuições das esferas federal e
estadual na coordenação e na implementação do PNGC II. Entretanto, deve-se
observar que é no dia-a-dia dos municípios e localidades litorâneas que as
pressões, os conflitos e os impactos são mais facilmente perceptíveis, ainda que os
mecanismos de envolvimento dessa esfera de planejamento ocorram até hoje de
maneira muito embrionária.
Assim, entende-se que a questão das escalas de atuação é um aspecto
crucial do planejamento da Zona Costeira, uma vez que os conflitos vêm sendo
79
tratados em âmbito regional ou nacional, quando muitas vezes a escala local seria
o nível mais adequado para tal discussão, e vice- versa.
O projeto de Gerenciamento Costeiro mais recente é chamado Projeto Orla
e busca atuar na gestão desse tipo de conflitos sócio-ambientais que se
manifestam na orla marítima. O Projeto Orla almeja o aumento da eficiência da
gestão da orla, por meio da descentralização dos procedimentos de destinação de
usos de bens da União para os municípios, viabilizando o controle das atividades
de fiscalização, regulamentação dos usos e da ocupação e estímulo a alternativas
econômicas sustentáveis.
A seguir, o capítulo 3 traz as mais importantes informações sobre esse
Projeto.
80
3 O PROJETO ORLA
O Projeto de Gestão Integrada para a Orla Marítima – Projeto Orla – é uma
iniciativa do governo federal, desenvolvida a partir de uma proposição do Grupo de
Integração do Gerenciamento Costeiro (GIGERCO) da Comissão Interministerial
para os Recursos do Mar (CIRM) e que tem como coordenadores a Secretaria de
Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (SQA/MMA) e a Secretaria do
Patrimônio da União do Ministério do Planejamento (SPU/MP). O Projeto Orla vem
sendo implementado desde 2001, inicialmente em caráter experimental e,
posteriormente, nos municípios participantes do PNMA II. Até o presente momento,
o Projeto foi implementado em 58 municípios, em catorze estados.
Dentro de seu escopo de trabalho, o principal objetivo do Projeto é a busca
por compatibilizar as políticas ambiental e patrimonial do Governo Federal no trato
dos espaços litorâneos sob propriedade ou guarda da União. Assim, propõe-se,
inicialmente, a estabelecer uma nova normalização no uso e gestão dos terrenos e
acrescidos de marinha, que consolide uma orientação cooperativa e harmônica
entre as ações e políticas de governo praticadas na orla marítima.
O Projeto Orla é amparado por um conceito de planejamento governamental
que preconiza a gestão compartilhada e concorrente entre os níveis de governo e
busca, em sua concepção, a efetivação de parcerias intragovernamentais e com a
sociedade civil organizada, com objetivo de estabelecer uma atuação articulada e
solidária nos vários setores da administração pública. Nesse sentido, o princípio
que se tenta adotar está coerente com os mais recentes preceitos conceituais e
81
acadêmicos que estudam o Gerenciamento Costeiro Integrado: a descentralização
na gestão costeira, com a esfera da União responsabilizando-se pela definição de
normas gerais de conduta, e com os governos estaduais e municipais como os
efetivos condutores das ações planejadas (BRASIL, 2002). A implementação
prática dessa descentralização, entretanto, é um processo delicado e cheio de
idiossincrasias.
A intenção contida nos documentos técnicos preliminares do Projeto Orla
coloca-o como uma ação sistemática que visa repassar atribuições de gestão
desse espaço para a esfera do município (atribuições essas atualmente alocadas
no Governo federal), introduz a perspectiva e as normas ambientais na política de
regulamentação dos usos dos terrenos e acrescidos de marinha e buscando uma
mobilização social nesse processo. Trata-se, portanto, de um programa de
descentralização de políticas públicas, que enfoca um espaço de alta peculiaridade
natural e jurídica: a orla marítima (BRASIL, 2002).
Em sua concepção, o Projeto Orla partia do princípio de que a articulação
interinstitucional seria o elemento primordial que garantiria o sucesso do projeto.
Dessa forma, a concretização das metas buscadas dependeria do estabelecimento
e da harmonização de relações intersetoriais e interinstitucionais variadas e de
diferentes naturezas, entre elas:
- Articulação das distintas políticas setoriais praticadas na orla nos três níveis
de governo;
- Articulação entre os poderes executivo, legislativo e judiciário em suas
atuações na orla, nos três níveis de governo;
- Articulação entre as esferas de governo federal, estadual e municipal em
suas ações na orla marítima;
82
- Articulação entre governo e sociedade civil nos programas de gestão da
orla;
- Articulação entre diferentes áreas do conhecimento nos estudos e
diagnósticos requeridos por uma competente gestão da orla;
- Articulação do conhecimento e das ações referentes ao meio terrestre e ao
meio aquático na orla marítima (BRASIL, 2002, p. 4).
Esse formato de planejamento requer o estabelecimento de canais de
articulação entre esferas de Governo que são dificílimos, principalmente em função
da pluralidade de interesses em jogo na apropriação do espaço costeiro. A atuação
conjunta e a cooperação interinstitucional ainda são obstáculos a serem vencidos
no contexto de um federalismo cujas competências e atribuições ainda não são
bem demarcadas, como é o caso brasileiro. Conforme mencionadoo por Moraes,
as atribuições e competências da União, dos estados e dos municípios não
estão bem demarcadas nas diferentes legislações, gerando conflitos de
sobreposição legal. Notadamente nos assuntos de licenciamento de
atividades produtivas e de ordenamento do uso do solo observam-se fortes
choques institucionais intragovernamentais (MORAES, 2005, p. 1).
Naturalmente, tais dificuldades eram esperadas pela equipe formuladora do
Projeto Orla, tanto que foi proposto como primeiro objetivo específico: “Fortalecer a
capacidade de atuação e a articulação dos diferentes atores do setor público para
a gestão integrada da orla, aperfeiçoando o arcabouço normativo para o
ordenamento de uso e ocupação desse espaço” (BRASIL, 2002, p 4).
Os outros objetivos específicos também caminham nessa direção:
- Desenvolver mecanismos institucionais de mobilização social para a gestão
integrada da orla;
- Estimular o desenvolvimento sustentável na orla, com a regularização dos
usos inadequados e a implantação de usos compatíveis;
- Proteger os recursos naturais e ambientais presentes na orla, buscando
resguardar a integridade de seus ecossistemas (id. ibid.).
83
A lógica que rege esses objetivos é a espera de uma melhoria, em termos
de eficiência e controle, na gestão da orla. Isso ocorreria a partir da
descentralização dos procedimentos de destinação de usos de bens da União para
os municípios. Nesse processo, espera-se que se viabilize um controle mais efetivo
das atividades de fiscalização, licenciamento, regulamentação de usos e da
ocupação a partir do momento em que tais ações passem a ser geridas na escala
local, como uma nova competência dos governos municipais. Espera-se, assim,
que o poder municipal promova alternativas econômicas sustentáveis para o uso
desse espaço (a orla marítima).
É preciso atenção, entretanto, para o fato de que nem todos os municípios
estão preparados ou interessados em assumir essa responsabilidade. Durante o
processo de capacitação para a implementação do Projeto Orla, por exemplo, o
Secretário de Meio Ambiente do município de Armação dos Búzios, no estado do
Rio de Janeiro externou seu desconforto com a forma de tratamento dessa
questão. Em suas palavras:
O processo de planejamento proposto pelo Projeto Orla passa a ter um
caráter arrogante e prepotente, uma vez que responsabiliza exclusivamente o
município pelos problemas da orla. Ignora-se, dessa forma, que os processos
de licenciamento da prefeitura são comprometidos pela falta de comunicação
entre as diversas esferas de governo, federal e estadual (Luiz Celso
Fernandes – em entrevista no dia 20 de fevereiro de 2003).
Para esse Secretário, existiam problemas de relacionamento com a SPU,
que possivelmente se resolveriam a partir do Projeto Orla, em especial o fato de
que a GRPU “libera terrenos sem consultar a prefeitura para saber se há ações
84
planejadas para aquele espaço”. Entretanto, para ele, as relações com órgãos
estaduais de meio ambiente, especialmente a FEEMA e a SERLA, permaneceriam
sendo um problema, pois “projetos ambientais como a demarcação da faixa
marginal de lagoas esbarram na ineficiência da SERLA, recaindo sobre a prefeitura
uma responsabilidade que não é dela”, e a “demora no licenciamento da FEEMA
acaba onerando o correto e estimulando a ocupação irregular” (id. ibid.).
Outra questão tem relação com a variedade de situações ambientais, sociais
e institucionais presente ao longo da orla brasileira, o que representa uma linha
tênue entre a ação de controle e restrição de atividades potencialmente poluidoras
e a indução do desenvolvimento. Esse é um ponto absolutamente complexo, pois
embora haja um grande avanço conceitual e uma grande sofisticação teórica que
fornecem análises sobre a capacidade de suporte de determinadas atividades, o
fato de existirem problemas difusos, tais como a urbanização sem o devido
acompanhamento por parte do provimento de infra-estrutura, é, por si só, uma
grande dificuldade que nem sempre é devidamente contabilizada. Assim, entender
que o estímulo à atividade turística será, a priori, uma possibilidade de
desenvolvimento sustentável, sem observar a capacidade real dessas cidades em
enfrentar a questão da sobrecarga dos seus sistemas de saneamento é, no
mínimo, uma incoerência.
Este ponto, em especial, requer que a União defina diretrizes mais claras
com respeito ao que é possível e permissível em relação à administração de seu
patrimônio, para que os municípios, no desempenho das funções de gestor da orla,
85
possam exercer essa gestão de maneira mais adequada e sem comprometer tal
patrimônio.
Para o Governo brasileiro, entretanto, os benefícios da implantação do
Projeto Orla eram relativamente claros, e foram expressos na documentação do
projeto na forma de escalas espaciais de observação dos benefícios:
- Em termos nacionais, o projeto atende aos propósitos de uma ação
convergente do poder público no sentido de valorizar o conceito de
patrimônio coletivo da orla. A garantia de acesso às praias - legalmente
caracterizadas como bens públicos - possui um forte significado na formação
da cidadania, e será enriquecida pela competência municipal da gestão, a
qual aproxima a responsabilidade do cidadão ao lhe abrir possibilidades de
intervenção;
- Em termos regionais, o uso adequado da orla permite a potencialização
desse ativo ambiental como elemento de atração do turismo, atividade básica
no desenvolvimento das localidades costeiras. A adequada gestão da orla
contribui para a manutenção dos recursos estratégicos e orienta a
implantação de infra-estruturas de interesse para o crescimento econômico
regional;
- Em termos locais, os benefícios são evidentes com a preservação das
paisagens e das condições naturais, a conservação e utilização sustentável
da biodiversidade, o estímulo à geração de pequenos negócios, e a própria
mobilização política da sociedade local (BRASIL, 2002).
Analisando os benefícios esperados pelo projeto, observa-se certo nível de
generalização quanto a algumas questões, em especial no que se refere à questão
do turismo enquanto “atividade básica para o desenvolvimento das localidades
costeiras”. É preciso entender que nem todo turismo é sustentável e promotor de
benefícios para as localidades costeiras; assim como nem toda ação voltada para
promover o turismo o é, tampouco. Em muitos municípios, onde o IBAM atuou,
observou-se, conforme veremos a seguir, uma concentração de intenções de ação
em projetos de intervenção físico-territorial. Ao estabelecer que o município é
86
soberano na definição de seu plano de Intervenção na Orla Marítima, é preciso ter
clareza de que, em função dos vários aspectos mencionados ao longo dessa
dissertação, muitos municípios vão optar por ações que nem sempre irão conduzir
às melhores formas de gestão ambiental. Por isso, talvez fosse mais eficiente
definir previamente diretrizes básicas e normas gerais de atuação que sejam mais
claras e direcionadas a determinados fins, evitando, dessa maneira, o desgaste
político decorrente de se conduzir um processo de construção, em base local, de
propostas que posteriormente serão invalidadas, seja pela incoerência ou
inconsistência do ponto de vista dos benefícios ambientais esperados, seja pela
falta de recursos ou capacidade técnica para implementar tais ações.
As ações implementadas no âmbito do Projeto Orla tiveram como foco
central a elaboração de Planos de Intervenção para as orlas dos municípios e a
capacitação de gestores locais responsáveis pela implementação desses planos,
numa perspectiva de descentralização da gestão da orla marítima.
Os Planos de Intervenção na Orla Marítima representaram os produtos finais
do processo de fortalecimento institucional proposto pelo Projeto Orla. A
elaboração desses documentos propiciou, ou deveria propiciar, não só um
aumento da capacidade técnica municipal, mas também a criação de um canal de
articulação entre agentes públicos e comunitários para a gestão da orla.
Nos Planos de Intervenção, a orla marítima foi tomada como objeto de
ações de planejamento e intervenção pelo município. As ações são definidas a
partir de um diagnóstico simples e rápido, baseado na análise da paisagem, o que
87
forneceria a síntese da qualificação dos atributos naturais e das tendências de uso
e ocupação da orla.
O uso da paisagem, enquanto elemento estruturador do diagnóstico,
propiciou vantagens operacionais, reduzindo o excesso de sofisticação teórica que
modelos tradicionais de planejamento foram incorporando ao longo do tempo. Isso
permitiu um entendimento mais simples e objetivo e, fundamentalmente, uma
capacidade de comunicação com a sociedade civil participante da fase de
implementação do projeto que minimizou o viés tecnocrático normalmente
associado ao planejamento.
Entretanto, a utilização da paisagem, enquanto ferramenta de análise, traz
também algumas deficiências inerentes à própria definição conceitual do termo.
Para Santos (2002 , p. 103), “A paisagem é o conjunto de formas que, num dado
momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações
localizadas entre homem e natureza”. Assim, a paisagem se define pela
configuração territorial e pelo resultado material acumulado das ações humanas
através do tempo. Dessa forma, o problema do uso da paisagem, enquanto objeto
de análise, é o risco de negligenciar o espaço, que na sua visão é a união entre
essas formas mais a vida que as anima (op. cit., p 103). Santos afirma:
O espaço, uno e múltiplo, por suas diversas parcelas, e através do seu uso, é
um conjunto de mercadorias, cujo valor individual é função do valor do que a
sociedade, em um dado momento, atribui a cada pedaço da matéria, isto é,
cada fração da paisagem (SANTOS, 2002, p. 104).
O espaço, assim, é a síntese entre a paisagem e as ações atuais, que no
momento presente lhe atribuem um dinamismo e uma funcionalidade.
88
Em função dessa negligência com a dinâmica social e com a apropriação
dos benefícios esperados pelo Projeto Orla, é que pode-se atribuir o fato de ter
havido uma priorização de aspectos de intervenções de caráter físico-territoriais na
definição das suas ações. Naturalmente, em sua concepção, o Projeto Orla
considerou aspectos ambientais, econômicos, sociais, culturais, fundiários, mas
observam-se, sobretudo, ações de caráter meramente estético-paisagístico.
3.1 Uma Mudança de Escala no Âmbito do Gerenciamento Costeiro
A partir da análise das ações definidas nos Planos dos municípios
participantes do Projeto, tornaram-se nítidas algumas lacunas de implementação
existentes entre as distintas escalas de concepção e planejamento das ações,
evidenciando-se os conflitos de interesse existentes entre os órgãos estaduais e
federais e os órgãos municipais e as organizações da sociedade civil, assim como
ficaram expostos os conflitos existentes nos vários municípios e as dificuldades e
possibilidades para a construção de ações integradas.
Os planos refletiram as características de cada local quanto aos seus
aspectos ambientais, sociais, institucionais e quanto às peculiaridades do processo
de ocupação urbana.
Entretanto, foi requisitado aos municípios que as ações implementadas não
ultrapassassem os limites sugeridos pela coordenação do Projeto, restringindo a
ação planejadora a um espaço extremamente diminuto – de 50 m em áreas
89
urbanizadas e de 200 m em áreas ainda não ocupadas, conforme a diretriz
orientadora do Projeto.
Essa delimitação de orla marítima, enquanto figura jurídico-administrativa,
foi regulamentada durante o processo: após o Projeto Orla haver sido
implementado em diversos municípios, foi instituído do Decreto Federal n°
5.300/2004, que regulamenta essa definição na legislação brasileira. Dessa
maneira, a própria regulamentação de sua definição e delimitação representa um
processo de amadurecimento e fortalecimento na gestão dos espaços litorâneos,
pois introduz uma nova escala de atuação do poder público na estrutura do
gerenciamento costeiro.
A orla marítima integra a Zona Costeira, sendo um espaço interno a ela,
podendo ser qualificada como uma subdivisão desta. Vale lembrar que essa
proposição foi inspirada na experiência internacional sobre o tema, notadamente
na experiência portuguesa, com os Planos de Ordenamento da Orla Costeira
(POOC) e na experiência espanhola, com os Planos de Gestión de la Zona de
Servidumbre de Protección del Dominio Público Maritimo Terrestre, sendo que
estes têm uma metodologia extremamente semelhante à proposta pelo Projeto
Orla. Além disso, essa definição contou com o acúmulo de conhecimentos e da
prática existente no planejamento brasileiro na gestão do litoral, tendo sido
discutida com especialistas e, também, no âmbito do GIGERCO (BRASIL, 2002).
De acordo com os documentos preliminares de elaborados para subsidiar o
Projeto Orla (BRASIL, 2002b), definiu-se a orla marítima como “a área imediata de
90
fronteira entre a borda continental ou insular e o mar”. Por essa definição, observase que se trata da zona de contato direto entre as massas terrestres e oceânicas,
sendo, por isso, a porção de maior fragilidade da Zona Costeira. Do ponto de vista
da geomorfologia, ela pode ser formada por sedimentos inconsolidados (praias e
feições associadas) ou rochas e sedimentos consolidados (geralmente na forma de
escarpas e falésias) (MUEHE, 2004). Esse ambiente caracteriza-se por um
equilíbrio morfodinâmico bastante delicado, sob influência de fenômenos terrestres
e marinhos, sendo os processos geológicos e oceanográficos os elementos
básicos de conformação dos principais tipos de orla2 (BRASIL, 2002).
Assim, percebe-se uma grande variedade de situações bastante frágeis, do
ponto de vista ambiental, que ocorrem nesse recorte espacial, ainda que sua
extensão territorial, em comparação com a escala da Zona Costeira seja
extremamente exígua. Conforme foi visto no inicio do capítulo, os espaços praiais,
dado o significativo adensamento de usos no seu entorno, são extremamente
valorizados e pressionados e, portanto, merecem ser considerados enquanto
objeto prioritário das ações de ordenamento e regulamentação.
Utilizou-se, para a delimitação da orla, a mesma lógica empregada para
conceituar a Zona Costeira como um todo, isto é, entende-se que ela é composta
por uma porção aquática e uma porção em terra, e uma faixa de contato e
sobreposição entre estes meios. Os limites estabelecidos no Decreto n° 5.300/2004
(BRASIL, 2004) para a orla marítima são os seguintes:
2
O documento preliminar da CIRM (2002) oferece os seguintes tipos de orla: costa rochosa (alta e baixa),
falésia erodível, praia arenosa, praia de seixos, planície lamosa, pântanos, manguezais e formações recifais.
91
I - marítimo: isóbata de dez metros, profundidade na qual a ação das ondas passa a
sofrer influência da variabilidade topográfica do fundo marinho, promovendo o transporte de
sedimentos;
II - terrestre: cinqüenta metros em áreas urbanizadas ou duzentos metros em áreas
não urbanizadas, demarcados na direção do continente a partir da linha de preamar ou do limite
final de ecossistemas, tais como as caracterizadas por feições de praias, dunas, áreas de escarpas,
falésias, costões rochosos, restingas, manguezais, marismas, lagunas, estuários, canais ou braços
de mar, quando existentes, onde estão situados os terrenos de marinha e seus acrescidos.
§ 1º Na faixa terrestre será observada, complementarmente, a ocorrência de aspectos
geomorfológicos, os quais implicam o seguinte detalhamento dos critérios de delimitação:
I - falésias sedimentares: cinqüenta metros a partir da sua borda, em direção ao
continente;
II - lagunas e lagoas costeiras: limite de cinqüenta metros contados a partir do limite da
praia, da linha de preamar ou do limite superior da margem, em direção ao continente;
III - estuários: cinqüenta metros contados na direção do continente, a partir do limite da
praia ou da borda superior da duna frontal, em ambas as margens e ao longo delas, até onde a
penetração da água do mar seja identificada pela presença de salinidade, no valor mínimo de 0,5
partes por mil;
IV - falésias ou costões rochosos: limite a ser definido pelo plano diretor do Município,
estabelecendo uma faixa de segurança até pelo menos um metro de altura acima do limite máximo
da ação de ondas de tempestade;
V - áreas inundáveis: limite definido pela cota mínima de um metro de altura acima do
limite da área alcançada pela preamar;
VI - áreas sujeitas à erosão: substratos sedimentares como falésias, cordões litorâneos, cabos ou pontais, com larguras inferiores a cento e cinqüenta metros, bem como áreas
próximas a desembocaduras fluviais, que correspondam a estruturas de alta instabilidade, podendo
requerer estudos específicos para definição da extensão da faixa terrestre da orla marítima.
Além dessa delimitação, que é defendida pela coordenação do projeto como
sendo necessária para que haja um foco em ações concretas que possibilitem o
uso dos terrenos de marinha e seus acrescidos, o Decreto N° 5.300/2004 oferece,
no seu Artigo 27, um sistema de classificação que sintetiza e hierarquiza o
diagnóstico paisagístico e sócio-ambiental:
92
Art. 27. Para efeito da classificação mencionada no inciso II do art. 25, os trechos da
orla marítima serão enquadrados nas seguintes classes genéricas:
I - classe A: trecho da orla marítima com atividades compatíveis com a preservação e
conservação das características e funções naturais, possuindo correlação com os tipos que
apresentam baixíssima ocupação, com paisagens com alto grau de conservação e baixo potencial
de poluição;
II - classe B: trecho da orla marítima com atividades compatíveis com a conservação
da qualidade ambiental ou baixo potencial de impacto, possuindo correlação com os tipos que
apresentam baixo a médio adensamento de construções e população residente, com indícios de
ocupação recente, paisagens parcialmente modificadas pela atividade humana e médio potencial de
poluição;
III - classe C: trecho da orla marítima com atividades pouco exigentes quanto aos
padrões de qualidade ou compatíveis com um maior potencial impactante, possuindo correlação
com os tipos que apresentam médio a alto adensamento de construções e população residente,
com paisagens modificadas pela atividade humana, multiplicidade de usos e alto potencial de
poluição sanitária, estética e visual.
O artigo seguinte do referido Decreto fornece diretrizes de ação compatíveis
com cada uma dessas classificações, determinando o caráter da ação, se
preventiva ou corretiva, e os tipos de uso esperados ou compatíveis com aquelas
características da orla, identificadas nos diversos trechos do litoral do município
previamente subdividido em trechos de homogeneidade paisagística.
Art. 28. Para as classes mencionadas no art. 27 serão consideradas as estratégias de ação
e as formas de uso e ocupação do território, a seguir indicadas:
I - classe A: estratégia de ação preventiva, relativa às seguintes formas de uso e
ocupação:
a) unidades de conservação, em conformidade com o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação da Natureza - SNUC, predominando as categorias de proteção integral;
b) pesquisa científica;
c) residencial e comercial local em pequenas vilas ou localidades isoladas;
d) turismo e lazer sustentáveis, representados por complexos ecoturísticos isolados
em meio a áreas predominantemente nativas;
e) residencial e lazer em chácaras ou em parcelamentos ambientalmente planejados,
acima de cinco mil metros quadrados;
f) rural, representado por sítios, fazendas e demais propriedades agrícolas ou extrativistas;
g) militar, com instalações isoladas;
h) manejo sustentável de recursos naturais;
93
II - classe B: estratégia de ação de controle relativa às formas de uso e ocupação
constantes da classe A, e também às seguintes:
a) unidades de conservação, em conformidade com o SNUC, predominando as
categorias de uso sustentável;
b) aqüicultura;
c) residencial e comercial, inclusive por populações tradicionais, que contenham
menos de cinqüenta por cento do seu total com vegetação nativa conservada;
d) residencial e comercial, na forma de loteamentos ou balneários horizontais ou
mistos;
e) industrial, relacionada ao beneficiamento de recursos pesqueiros, à construção e
reparo naval de apoio ao turismo náutico e à construção civil;
f) militar;
g) portuário pesqueiro, com atracadouros ou terminais isolados, estruturas náuticas de
apoio à atividade turística e lazer náutico; e
h) turismo e lazer;
III - classe C: estratégia de ação corretiva, relativa às formas de uso e ocupação
constantes da classe B, e também às seguintes:
a) todos os usos urbanos, habitacionais, comerciais, serviços e industriais de apoio ao
desenvolvimento urbano;
b) exclusivamente industrial, representado por distritos ou complexos industriais;
c) industrial e diversificado, representado por distritos ou complexos industriais;
d) militar, representado por complexos militares;
e) exclusivamente portuário, com terminais e marinas;
f) portuário, com terminais e atividades industriais;
g) portuário, com terminais isolados, marinas e atividades diversas (comércio, indústria, habitação e serviços); e
h) turismo e lazer, representado por complexos turísticos.
Nesse sentido, existe uma contradição ou incompatibilidade entre a escala
de atuação prevista para o Projeto Orla e as diretrizes e o caráter das ações
previstas. É importante utilizar os terrenos de marinha e seus acrescidos para
implementar ações que se enquadrem nas características descritas no Art. 28 do
Decreto 5.300/2004, mas, por outro lado, se a implementação do projeto não
estiver vinculada a uma reestruturação da política urbana do município ou a ações
de implementação de infra-estrutura (como saneamento ou drenagem urbana, por
exemplo), as ações sobre o espaço da orla marítima acabam tendo um caráter
94
muito pontual ou meramente estético-paisagístico, não atingindo a fonte dos
problemas e conflitos existentes na orla. Assim, situações podem ocorrer em que
loteamentos com altos índices de adensamento se utilizem dessa requalificação
paisagística para agregar valor aos seus empreendimentos e potencializar ainda
mais o seu adensamento e ocupação.
Outra situação pode ocorrer com a potencialização do uso em áreas
inadequadas do ponto de vista da balneabilidade e condições de salubridade das
praias. A crítica feita pelos técnicos da FEEMA ao Plano de Intervenção na Orla de
Araruama é um bom exemplo da situação paradoxal gerada por essa deficiência do
Projeto: o ordenamento territorial e a recuperação paisagística de uma praia
localizada às margens da lagoa de Araruama foi a prioridade definida no âmbito do
referido Plano. No entanto, segundo os padrões da FEEMA, a praia em questão
não apresenta condições de balneabilidade, o que seria incompatível com o
objetivo da ação – “aumento do fluxo turístico e democratização do acesso e do
uso” (Prefeitura de Araruama, 2003) da referida praia. Como a ampliação do
sistema de coleta e de saneamento básico não pôde ser incluída no Plano (por não
pertencer ao escopo do Projeto Orla), o Plano foi aprovado, mas se a prefeitura
realmente implementar as ações de paisagismo e abertura do acesso à praia,
reformando e fornecendo concessões de uso do espaço para a implantação de
quiosques, essa ação possivelmente não será licenciada pelo órgão ambiental
estadual.
Atinge-se, assim, uma situação paradoxal: utiliza-se o recurso de limitar as
ações a um espaço restrito para que efetivamente haja uma possibilidade concreta
95
de ação, mas por ser um espaço tão diminuto não se consegue garantir que o
entorno e que os desdobramentos dessa ação conduzam a um aproveitamento
sustentável dela. Essa questão, entretanto, pode ser equacionada com o
cumprimento de um dispositivo legal pouquíssimo utilizado no Brasil até o
momento, que é a elaboração do Plano Municipal de Gerenciamento Costeiro
(PMGC), um dos instrumentos previstos no PNGC e regulamentados pelo Decreto
n° 5.300/2004, ou mesmo a realização do Zoneamento Ecológico-Econômico
Costeiro (ZEEC), cuja função é:
(...) orientar o processo de ordenamento territorial, necessário para a
obtenção das condições de sustentabilidade do desenvolvimento da Zona
Costeira, em consonância com as diretrizes do Zoneamento EcológicoEconômico do território nacional, como mecanismo de apoio às ações de
monitoramento, licenciamento, fiscalização e gestão (BRASIL, 2004).
O PMGC e o ZEEC, articulados ao Plano de Intervenção na Orla Marítima,
podem orientar o Município na utilização das ferramentas que ele dispõe para
implementar uma política ambiental própria, cabendo destacar: a Lei Orgânica
Municipal, o Plano Diretor do Município, o Código Tributário e os instrumentos de
controle do uso e ocupação do solo urbano, como a Lei de Parcelamento, o Código
de Obras e Edificações, o Código de Posturas e os regulamentos para a prestação
de serviços de limpeza urbana. Todas essas leis municipais têm profundo reflexo
na forma como a orla marítima é ocupada e nos usos permitidos e estimulados
pelo poder público municipal. Além disso, o Município pode criar a sua própria Lei
de Meio Ambiente, onde poderá estipular os objetivos e as diretrizes da política
municipal, definir os instrumentos de proteção e controle ambiente, prever as
96
infrações e suas respectivas sanções e criar Conselho e Fundo Municipal de Meio
Ambiente, importante canal de gestão participativa (XAVIER, 2005).
3.2 O Uso dos Terrenos de Marinha e seus Acrescidos
Historicamente, os terrenos defrontantes com o mar, chamados terras de
marinha ou terrenos de marinha tinham como função principal a defesa do
território, sendo estratégico ao Brasil Colônia o domínio das terras junto à costa.
Além disso, cumpriam importante papel no controle da dinâmica econômica,
garantindo áreas públicas para embarque e desembarque de pessoas e produtos
(FREITAS, 2004).
O Decreto-Lei nº 9.760 de 1946, que dispõe sobre os bens imóveis da
União, estabelece:
Art. 2º - São “terrenos de marinha” em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros medidos
horizontalmente, para a parte da terra, da posição da Linha de Preamar Média de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça
sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.
Art. 3º São “terrenos acrescidos de marinha” os que se tiverem formado, natural ou artificialmente,
para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.
A Constituição de 1988 forneceu um reconhecimento explícito dos terrenos
de marinha como bens públicos, antes referidos apenas em legislação
infraconstitucional. A partir disso, novos dispositivos legais completaram a
legislação concernente aos terrenos de marinha: a Lei nº 9.636 de 1988, que
97
dispôs sobre a regularização, administração, aforamento e alienação dos bens
imóveis de domínio da União, flexibiliza os mecanismos de repasse de atribuições
e responsabilidades no trato dos terrenos e acrescidos de marinha e amplia as
possibilidades de concessões nesses espaços. Tal disposição foi incorporada pelo
Projeto Orla, que pode ser visto como um dos desdobramentos operacionais deste
documento legal (BRASIL, 2002).
Da mesma forma, o Decreto nº 3.725, de 2001, "dispõe sobre a
regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio
da União" e reforça a estratégia de flexibilização apontada na Lei 9.636/1998,
novamente ampliando os fundamentos legais do Projeto Orla.
A Orientação Normativa da SPU, nº 2, de 2001, dispôs sobre a demarcação
dos terrenos de marinha, ampliando o rol de orientações metodológicas para se
determinar a linha de preamar média de 1831. Em tese, esse fato corroboraria a
intenção de flexibilização contida no Decreto nº 3.275/2001 e na Lei nº. 9636/1998,
ampliando a capacidade de que o Município atue na delimitação e demarcação dos
terrenos de marinha. Na prática, entretanto, observamos uma difícil relação entre o
município e as GRPU, em que dificuldades de comunicação e acusações de parte
a parte tornam a gestão integrada um processo difícil. As gerências regionais do
patrimônio da União acusam o Município de não exercer sua função fiscalizadora e
de, muitas vezes, liberar alvarás de ocupação e licenciamento sem o cumprimento
dos devidos trâmites de cessão dos terrenos de marinha (aforamento e enfiteuse).
Os municípios, por sua vez, reclamam que a GRPU autoriza a ocupação de
terrenos de marinha sem consultar os planos da Prefeitura para aqueles terrenos e,
98
ainda, que são incumbidos de exercer a fiscalização sobre bens da União sem
receber uma contrapartida financeira que forneça os meios para tal.
As formas de uso dos terrenos de marinha são variadas: eles podem ser
cedidos a estados, municípios e entidades, sem fins lucrativos, de caráter
educacional, cultural ou de assistência social; ou aforados, podendo ser utilizados
por terceiros privativamente (enfiteuse). No regime de aforamento, a União fica
com o domínio direto e transfere ao enfiteuta o domínio útil mediante pagamento
de importância anual denominada foro3.
Dessa forma, os terrenos de marinha – ao contrário das praias que são bens
de uso comum do povo brasileiro – compõem o que juridicamente é chamado de
bens dominicais, isto é, são bens que se encontram dentro do domínio privado da
União. Isso significa que os bens dominicais têm diferenças jurídicas importantes
em relação aos de uso comum do povo, já que são regidos pelo direito privado e
comportam uma função patrimonial, isto é, destinam-se a assegurar rendas ao
Estado, em oposição aos demais bens públicos, que são afetados a uma
destinação de interesse geral (FREITAS, 2004). Naturalmente, não é sempre ou
estritamente necessário que esses bens cumpram uma destinação visando apenas
à renda, podendo cumprir um interesse geral, inclusive, ambiental.
Nesse sentido, o Projeto Orla é uma tentativa de articular a política
ambiental costeira e a política patrimonial do governo federal, servindo como elo de
3
“Domínio útil consiste no direito de usufruir o imóvel do modo mais completo possível e de
transmiti-lo a outrem, Domínio direto é o direito à substância do imóvel, sem as suas utilidades”
(MEIRELES, apud FREITAS, 2004, p.156)
99
articulação entre estes setores do aparato governamental. Entretanto, existem
aspectos que poderiam ser mais bem equacionados.
Se, no passado, a propriedade dos terrenos de marinha se justificava a
partir da ótica da defesa do território, essa justificativa hoje carece de fundamento.
Segundo Freitas (2004), não há situação fatídica que justifique a existência de
terrenos de marinha de propriedade da União como recurso estratégico de
segurança nacional. Manter como bens públicos os terrenos de marinha, mesmo
que dominicais, com intuito de arrecadar dinheiro para os cofres públicos, em
forma de foros, laudêmios e taxas de ocupação, não atende ao interesse público.
Como se trata de terrenos públicos, o interesse da coletividade deveria prevalecer,
mas o que se vê são prédios, casas e loteamentos. Na posição de proprietária, a
União apenas autoriza as pessoas a ali habitar, sem nenhuma contraprestação
para a coletividade (FREITAS, 2004).
Assim, o único fundamento para a manutenção desse instituto seria destinar
áreas à proteção ambiental, ao lazer e até mesmo à atividade turística, enquanto
atividades de cunho social coletivo. Como os terrenos de marinha estão inseridos
na Zona Costeira e, em grande parte, na definição de orla marítima constante no
Decreto nº 5.300/2004, é clara a necessidade de conservação de suas
características ambientais.
Nesse sentido, a proposta do Projeto Orla é justamente coadunar essas
duas funções, patrimonial e ambiental. Entretanto, é apresentada ao Município,
como uma das vantagens do Projeto, a possibilidade de repasse dessa tributação
100
específica da SPU (laudênio, taxa de ocupação, etc) para o governo municipal,
através de um termo de cooperação celebrado a partir do Projeto Orla, permitindo
repasses até o montante de 50% dos tributos, conforme a legislação patrimonial
vigente. Cabe perguntar se não há uma contradição entre o estímulo à preservação
das características ambientais desses terrenos em oposição ao estímulo de
conceder aforamentos visando à obtenção de recursos financeiros, uma vez que a
situação financeira de muitos municípios é precária.
3.3 Os Planos de Intervenção na Orla Marítima
Conforme foi visto, o Plano de Intervenção é o produto final da etapa de
capacitação do Projeto Orla. O seu conteúdo é definido de acordo com a realidade
e o interesse de cada Município. Assim, o conjunto dos documentos revela as
diferenças de perfil das equipes gestoras locais, a diversidade da capacidade
instalada para o planejamento e gestão, a maturidade dos arranjos institucionais e
o grau de organização da sociedade civil, assim como as prioridades conferidas
para a intervenção.
O processo de capacitação e fortalecimento institucional do Projeto Orla
permitiu a observação da exata dimensão da deficiência de capacidade
institucional instalada existente em muitos municípios da Zona Costeira.
Naturalmente, aqueles municípios maiores ou mais próximos aos grandes centros,
embora mais pressionados pela urbanização turística, possuíam equipe técnica
com boa capacidade de assimilação dos conteúdos e capaz de fazer propostas
101
técnicas consistentes. Municípios menores ou com capacidade financeira reduzida,
porém, não tinham corpo técnico, em número e qualidade de formação, para
produzir peças técnicas consistentes. Além disso, uma deficiência crônica de
material cartográfico, equipamentos e meios de comunicação dificultava o processo
de elaboração dos Planos. Nesse sentido, o Projeto Orla representa um ganho
significativo quanto à capacitação de técnicos e desenvolvimento institucional.
Entretanto, novamente as contradições inerentes às dificuldades gerais do
planejamento se manifestaram. Ao definir o perfil das equipes que participariam do
processo de fortalecimento institucional, o GERCO nos estados (responsável pela
mobilização dos atores) sinalizou clara preferência por técnicos que fizessem parte
do corpo permanente da prefeitura, isto é, técnicos concursados, em detrimento de
técnicos oriundos de cargos comissionados. Essa preferência manifestava uma
intenção correta de que seria fundamental que a ampliação da capacidade técnica
efetivamente ficasse na prefeitura, não sendo substituída com mudanças de
governo. O dilema, no entanto, é que, não estimulando a participação dos técnicos
comissionados, boa parte dos atores institucionais com maior poder decisório no
âmbito da formulação de políticas públicas em nível local ficou de fora do processo
de elaboração dos Planos de Intervenção na Orla, fato que pode comprometer a
implementação dessas ações.
As ações e medidas propostas nos Planos de Intervenção podem ser
divididas segundo os blocos temáticos definidos no Quadro 2:
102
Quadro 2: Principais Ações e Medidas Identificadas no Âmbito do Projeto Orla
AÇÕES e MEDIDAS
CARACTERÍSTICAS das
OBJETO das AÇÕES e
AÇÕES e MEDIDAS
MEDIDAS
A. Planejamento e gestão
Sistema de Governo envolvendo
Ações de gestão formais, de
Normativas
as três esferas (federal, estadual,
fortalecimento institucional,
Capacitação
municipal) e as articulações
segundo competências legais e
Organização administrativa necessárias para a integração. Foco atribuições exclusivas de
Controle
nas ações do Governo local naquilo
Articulação
que diz respeito à sua autonomia e
interinstitucional
capacidade de formular políticas e
Patrimoniais/ Fundiárias
leis.
Meio natural e/ou construído da
B. Intervenção Física
Governo.
Ações voltadas para a
integração e intersetorialidade.
Ação direta preventiva ou
corretiva, sobre o meio físico da
orla.
orla.
C. Sensibilização/
Legitimação
. Sensibilização/ Educação
Sociedade civil, seu sistema de
Ações focadas ou difusas
organizações e população em geral. sobre o comportamento, a atitude
Setor privado e oportunidades de cidadã e o protagonismo social
ambiental
negócio
com
.Comunicação
ambiental e social.
responsabilidade interessado na preservação do
meio ambiente, visando à
Fortalecimento das
utilização sustentável dos
organizações sociais
recursos da orla do Município.
Fonte: Projeto Orla - Relatório Final das Atividades Realizadas. IBAM – Outubro de 2004
Destacam-se, dentre o conjunto de ações propostas, quatro linhas principais
de ações que são adotadas pela maioria dos municípios. São elas:
103
1. ações normativas – relacionadas à elaboração ou revisão do Plano Diretor
através de recomendações e subsídios para adequação das leis de uso do solo,
de parcelamento e de posturas na faixa de orla. Observa-se, também, uma
concentração nas propostas de criação de unidades de conservação ambiental
na orla e de implantação de planos de manejo.
2. ações de controle – voltadas para a fiscalização das atividades desenvolvidas
na orla que, embora sejam rotina dos Municípios, muitas vezes se confundem e
até se sobrepõem a atribuições de outras esferas. O controle é, às vezes, uma
tarefa de grande complexidade para Municípios que possuem orlas extensas ou
para aqueles com corpo técnico muito reduzido e sem os meios necessários
para essa tarefa. A fiscalização também está relacionada ao fato de que, muitas
vezes, existe um conflito de caráter econômico – atividades que geram
empregos e movimentam a economia municipal, com o uso sustentável ou de
proteção da área de orla – existindo a necessidade de geração de alternativas
que possam viabilizar o uso desejável, sem as quais a fiscalização de forma
isolada não terá sucesso.
3. articulação interinstitucional – especialmente entre o Município e os
diferentes órgãos das três esferas de Governo. Esse aspecto está fortemente
relacionado com a necessidade de fiscalização mencionada acima – é
entendimento que, com o suporte de órgãos de outras esferas, os eventuais
conflitos locais são passíveis de serem enfrentados com maiores possibilidades
de sucesso.
104
4. ações de intervenção física – O foco é em projetos de urbanização,
paisagismo e ações corretivas, tais como ordenamento e padronização de
quiosques, de contenção de erosões e obras de engenharia ambiental em
geral. Essas ações têm como objetivo principal valorizar o potencial turístico da
orla assegurando conforto, acessibilidade e padrão estético, e garantir uma
ocupação não predatória das áreas escolhidas. Em outros casos, são parques
ou Unidades de Conservação que demandam instalações para atendimento aos
visitantes, trilhas e sinalização. Há necessidade generalizada de implantação de
infra-estrutura de esgotamento sanitário nas frentes de ocupação urbana das
orlas, apesar de esse tema não ser objeto do Projeto Orla (IBAM, 2004).
A concentração de propostas nas referidas linhas de ação reflete o estado
de carência de capacidade e de estrutura administrativa para elaborar e
implementar projetos que dêem conta da complexidade de processos existentes na
orla. Dessa forma, é necessário reconhecer que há, atualmente, uma sobrecarga
de atribuições no poder municipal e que a gestão integrada dos espaços costeiros
deve ser implementada tanto em seu âmbito setorial – associando políticas
setoriais –, quanto no âmbito das esferas e competências institucionais –
integrando diversos níveis de governo.
A partir dessas reflexões sobre as dificuldades na implantação das ações
imprescindíveis ao sucesso de um projeto de gestão, chega-se, forçosamente, à
necessidade de buscar o conhecimento de estudiosos que se debruçaram sobre
temas sociais. Assim, o próximo capítulo traz importantes contribuições teóricas da
105
Ciência Política a respeito das instituições e do seu papel com relação à
organização social.
106
4. ENQUADRAMENTO TEÓRICO SOBRE A QUESTÃO INSTITUCIONAL
No presente capítulo, busca-se ampliar o entendimento da construção do
Gerenciamento Costeiro Integrado (GCI), superando a abordagem político
processual e buscando coadunar essa dimensão material do GCI com a dimensão
institucional. Para isso, procurou-se construir parte do referencial teórico deste
trabalho utilizando uma abordagem oriunda da Ciência Política contemporânea: a
teoria das instituições, um campo conhecido como institucionalismo.
Essa corrente teórica amplia o debate sobre o papel das instituições na
organização da sociedade e tem, nas últimas décadas, promovido um movimento
de questionamento dos tradicionais modelos explicativos utilizados nas Ciências
Sociais (principalmente na Ciência Política) e na teoria econômica clássica.
Uma questão fundamental no debate da corrente teórica pautada no
institucionalismo diz respeito à importância que se atribui ao poder, em particular
às relações de poder assimétricas. Segundo Hall e Taylor (2003), grande parte dos
estudos institucionais têm incidência direta sobre relações de poder. É primordial
conferir atenção, sobretudo, ao modo como as instituições repartem o poder de
maneira desigual entre os grupos sociais. Assim, ao invés de basear seus cenários
sobre a visão da liberdade dos indivíduos de firmar contratos, eles preferem
postular um mundo onde as instituições conferem a certos grupos ou interesses um
acesso desproporcional ao processo de decisão.
107
A abordagem institucionalista aponta, como estratégia para se compreender
a ação dos indivíduos e suas manifestações coletivas, a necessidade de se
considerar as mediações entre as estruturas sociais e os comportamentos
individuais.
Dessa forma, convém ampliar o entendimento dos condicionantes do
processo de decisão política envolvidos nas relações institucionais existentes no
âmbito dos municípios. Tomio (2002) identificou algumas premissas a partir de
esquemas ideais sobre as preferências, as escolhas e as estratégias dos atores
diretamente envolvidos na concepção dessas políticas.
Na sua concepção, o primeiro pressuposto geral, implícito nesse esquema
interpretativo, sustenta que os atores:
1) são indivíduos conscientes de suas preferências e agem racionalmente
(escolhem entre alternativas e definem suas estratégias na interação com
outros atores em função de suas expectativas futuras) para que os resultados
das decisões políticas atendam a seus interesses;
2) determinam a natureza de suas escolhas pela perspectiva de ganhos
individuais (reeleição, maximização da oferta de recursos fiscais, ganhos
pecuniários por esquemas fisiológicos, incremento e/ou melhora das políticas
públicas, etc.); e
3) definem suas estratégias, em situações de interação, constrangidos pelas
regras (instituições) e por suas expectativas quanto às escolhas dos outros
atores políticos envolvidos no processo decisório (TOMIO, 2002, p. 34).
Para TOMIO, o segundo pressuposto sugere que as instituições políticas
determinam as escolhas individuais de duas formas:
1) as instituições constrangem as escolhas dos atores políticos, moldando
suas estratégias como "regras do jogo" que arbitram sua interação com os
outros atores que participam do processo decisório; e
2) a própria dinâmica institucional determina não só as estratégias, mas
também pode modificar as preferências e interesses dos atores políticos. Isto
ocorreria por meio de um processo contínuo de retroalimentação. Isto é, a
forma pela qual os atores políticos percebem, negativa ou positivamente, as
108
conseqüências dos resultados políticos, e o papel regulatório das instituições
interfere nos sucessivos processos decisórios e na transformação dos
interesses dos atores (TOMIO, 2002, p. 35).
O processo de construção política torna-se mais complexo, no caso de
políticas setoriais novas e fortemente conflituosas, como, por exemplo, a política
ambiental. Para Frey,
(...) é inquestionável que o ‘descobrimento’ da proteção ambiental como uma
política ambiental peculiar levou a transformações significativas dos arranjos
institucionais em todos os níveis da ação estatal. Por outro lado, em
conseqüência da tematização da questão ambiental, novos atores políticos
(associações ambientais, institutos de pesquisa ambiental, repartições
públicas encarregadas com a preservação ambiental) entraram em cena,
transformando e reestruturando o processo político (FREY, 2000, p. 17).
A literatura sobre Gerenciamento Costeiro Integrado (GCI) tende a ter um
foco principal na questão da institucionalização de regras e marcos regulatórios
que promovam a mediação das relações com impactos sobre a zona costeira, isto
é, sobre o espaço de interface entre os espaços marinhos e terrestres,
promovendo, assim, estratégias, modelos e métodos para o controle dos usos dos
referidos espaços. Em decorrência disso, há um enfoque nos mecanismos de
controle e regulação dos espaços costeiros, que são geralmente implementados
por agências de planejamento estatal em diferentes esferas de governo, o que
coloca a questão do GCI, essencialmente, como um programa governamental, isto
é, um programa regulado institucionalmente. Posto isto, deve-se perceber a
existência de uma dependência, pelo menos parcial entre as políticas
implementadas no âmbito do GCI e a variável institucional.
Buscando-se fazer uma ponte entre a questão institucional e a geografia,
observa-se que o debate sobre o papel e as formas de atuação das instituições
109
reguladoras dos programas de gerenciamento costeiro, sob uma ótica geográfica,
permite uma analise do importante papel conferido às escalas de análise, que
devem ser vistas como um elemento crucial na definição dos espaços de poder
dessas instituições. Dessa forma, a proposta analítica da presente dissertação
busca um enfoque muiti-escalar, ao analisar o processo de implementação de
estratégias de GCI no Brasil; tem, entretanto, um enfoque mais específico na
abordagem relativa às questões urbanas, visto que o objeto do Projeto Orla,
enfoque prioritário do presente estudo, é a transferência de poder entre os órgãos
ambientais, da esfera federal para a esfera municipal.
Uma questão fundamental no tratamento conferido à Zona Costeira é
conseguir promover a mudança da percepção de problemas ambientais enquanto
“riscos e catástrofes”, que incorporam uma dimensão de evento ou de
eventualidade, à consciência de problemas cotidianos – tratamento de resíduos
sólidos e efluentes, devastações decorrentes de práticas fundiárias e imobiliárias
especulativas – aos quais se associam atores sociais e institucionais oriundos tanto
de esferas públicas quanto privadas. Desse modo, cabe, nessa perspectiva,
repensar a relação público/privado, reavaliando a visão simplista dos que
interpretam tal relação enquanto posições concorrentes – em uma oposição
simples que identifica o privado como “devastador” e o público como o “defensor”
do meio ambiente (PACHECO et al, 1992). Cabe, dessa forma, pensar o papel
regulador do Estado, principalmente na destinação conferida às suas propriedades
fundiárias (e possibilidades de utilização desses terrenos para fins de conservação
110
e regulação ambiental) e na identificação dos conflitos de uso dos espaços
públicos atingidos por agressões ambientais.
A análise dos problemas ambientais que incidem sobre áreas de grande
fragilidade, como a Zona Costeira, por exemplo, deve privilegiar tanto a
intermediação de interesses que envolvem atores plurais, quanto a problemática
das transformações das relações entre a esfera pública e a privada, especialmente
em um contexto de crise do Estado e de um anseio por um maior protagonismo por
parte dos municípios na busca por investimentos. Assim, conforme Acselrad,
As diferentes escalas geográficas – cidades, regiões e Estados-Nação –
encontram-se em concorrência. Utilizando os poderes do Estado, diferentes
grupamentos territoriais se esforçam por canalizar em sua vantagem os fluxos
de capital (ACSELRAD, 2002, p. 43).
Nesse processo, é importante perceber o surgimento de um modelo de
gestão urbana fundamentado em uma lógica de empresariamento. E constata-se
que as estratégias de gestão urbana associadas a este modelo têm transformado
as relações entre poder público e os agentes privados, mudando a forma e a
concepção do que é o espaço público para as administrações municipais. São
características desse tipo de prática: a busca pela implementação de grandes
projetos; a flexibilização das formas de gestão com o objetivo de gerar maior
competitividade na disputa por investimentos, incluindo nisso a liberação do
cumprimento de exigências ambientais e sociais, que são tomadas como entraves
ao “desenvolvimento”; e o discurso em prol do engajamento da população através
do esforço de construção de consensos, que geralmente mascaram os conflitos
existentes (HARVEY, 2005). No âmbito institucional, os atores responsáveis pela
111
implementação dessa proposta de gestão pública do espaço interagem com - e
complementam - o processo de transformação do ideal de espaço público
moderno, que procura atender aos requisitos necessários ao investimento de
capitais.
Dessa maneira,
cabe
pensar
que
os
problemas
ambientais,
que
tradicionalmente são tomados apenas a partir da perspectiva do risco de desastres
naturais, podem ser analisados a partir do conflito em torno da questão ambiental e
da apropriação do território, observando-se a complexa mediação entre interesses
difusos, direitos, responsabilidades e competências para a gestão ambiental,
especialmente para a Zona Costeira. Por isso, buscou-se o entendimento do
processo de apropriação do espaço costeiro, enquanto objeto da indústria turística.
Assim, propõe-se transformar uma sensibilidade existente, em face dos problemas
ambientais, em uma nova problemática analítica, que envolve o consumo de
espaços especialmente qualificados do ponto de vista paisagístico – no caso do
turismo litorâneo de veraneio, a orla marítima – e que gera conflitos entre
diferentes atores e interesses. Esses atores, por sua vez, têm competências para a
gestão do território em escalas (e esferas de poder) diferenciadas, o que cria, em
última análise, uma arena de conflitos e de pactos territoriais.
Nesse contexto, Pacheco et al (1992) identificam uma multilplicidade de
atores e conflitos que se entrecruzam em torno da questão ambiental urbana:
112
1.
2.
3.
4.
5.
Conflitos de competência entre esferas de governo;
Conflitos entre diferentes órgãos burocráticos;
Conflitos entre anéis burocráticos;
Conflitos entre grupos sociais;
Conflitos em torno de novos arranjos institucionais para a formulação e
gestão de políticas públicas para o setor;
Modificado a partir de PACHECO et al, 1992
Para
esses
autores,
as
disputas
em
torno
da
centralização
ou
descentralização estão no cerne da discussão dos problemas ambientais urbanos,
pois a partir da Constituição de 1988, adotou-se o sistema de competências
concorrentes entre os entes federados no trato da questão ambiental, fato que
contribuiu para alterar as relações entre esferas de governo. No âmbito desse
processo, as agências governamentais buscam renovar suas estratégias de
atuação, incorporando a temática ambiental. Assim, além das disputas setorizadas,
já bastante observadas pela literatura sobre questões ambientais, é preciso, ainda,
uma especial atenção à territorialidade das ações em disputa. Em outras palavras,
é preciso reavaliar os conceitos de como diferentes tipos de políticas
“espacialmente qualificadas” se relacionam com a organização territorial estatal.
Assim também, como cada agência tem a sua atuação pautada pela sua escala de
atuação (enquanto agências dotadas de territorialidades e capazes de fazer uso de
instrumentos de controle também territorializados), é preciso atentar para a
existência de conflitos de interesse entre tais agências. Cada forma de política tem
sua própria arena territorial definida: política local e governo local (Município);
política regional e estruturas estatais regionais (estados), etc.
113
A definição das escalas como local, regional, nacional e global é
freqüentemente utilizada por pesquisadores e planejadores na designação de
realidades e de espaços de ação. O seu uso, porém, raramente é objeto de análise
mais aprofundada, sendo aplicado como uma espécie de “senso comum” (SOUZA,
2002). Esse recorte em quatro diferentes espaços escalares tem sua força na
simplicidade e na fácil comunicabilidade desses termos. Enquanto conceito,
entretanto, são um tanto vagos e sem uma capacidade de precisão. Por isso, esse
autor explicita a importância do caráter relacional da definição das escalas e
discute a importância dos recortes político-administrativos na transformação de
limites apenas convencionais em limites reais.
Nesse sentido, Souza (op. cit.) oferece uma breve classificação, na intenção
de delimitar conceitualmente algumas escalas de análise mais comumente
adotadas, fazendo uma tentativa de delimitação e subdivisão desses quatro níveis
analíticos. Com uma breve síntese da classificação apontada por Souza, pode-se
definir melhor o conceito de escala local tratado nesta dissertação. O autor
apresenta referências e detalhamentos sobre os quatro níveis escalares
tradicionalmente adotados, mas uma vez que o objeto deste estudo trata mais das
relações estabelecidas no nível do Município, esta é a escala que interessa
conhecer:
1 - Escala (ou nível) local –Trata-se da escala do planejamento e da gestão
das cidades. A escala local refere-se a recortes espaciais que, em graus
variados de acordo com seu tamanho, expressam a possibilidade de uma
vivência pessoal intensa do espaço e a formação de identidades sócioespaciais sobre a base dessa vivência. (...) É a escala a que se vinculam os
níveis mais inferiores da administração estatal (municípios e, eventualmente,
suas subdivisões político-administrativas). (...) Três variantes distintas devem
ser distinguidas:
114
(a) Escala (ou nível) microlocal. Corresponde a recortes territoriais (...) que
têm em comum o fato de que se referem a espaços passíveis de serem
experimentados intensa e diretamente no cotidiano. (...) Esses recortes
são o quarteirão, o sub-bairro, o bairro e o setor geográfico.
(b) Escala (ou nível) mesolocal. Corresponde ao que se poderia chamar de
‘nível local stricto senso’: a cidade ou o recorte associado ao Estado
local, o município. (...) ao corresponder a um nível de governo define,
igualmente, um espaço de referência para mobilizações, reivindicações e
a prática política.
(c) Escala (ou nível) macrolocal. Equivale a uma espécie de ‘nível local
ampliado’ e corresponde à situação típica das metrópoles (e regiões
metropolitanas), em que diversas unidades mesolocais se integram de
modo denso (Souza, 2002, p. 106-108).
Souza (op. cit.) aponta, conforme mostrado no quadro 3, uma síntese entre
as escalas de apreensão dos fenômenos – em que não apenas as questões são
observadas, mas também em quais se localizam as competências para a atuação
– e os diversos instrumentos e atividades de planejamento e gestão possíveis em
que tais fenômenos podem ser equacionados e onde soluções podem ser
elaboradas. Essa síntese revela um pouco das possibilidades de interpretar as
escalas de análise como elementos constitutivos do sistema de planejamento.
Quadro 3: Relação entre Escalas de Apreensão dos Fenômenos e Atividades de
Gestão
Escala
Geográfica
Plano/ atividade de planejamento ou gestão
Internacional
(global)
Planejamento econômico (menos ou mais espacializado) realizado por
grandes empresas transnacionais ou entidades supranacionais – EU,
MERCOSUL, etc.
Nacional
Políticas públicas em nível nacional – PNMA, PNGC, Plano Nacional de
Turismo, etc.
Regional
Planos de desenvolvimento regional realizados por agências de
desenvolvimento.
Zoneamento Ecológico-Econômico.
Macrolocal
Planos de desenvolvimento e macrozoneamento de regiões metropolitanas.
115
Mesolocal
Planos Diretores municipais, Planos Setoriais de uma única cidade.
Microlocal
Projetos de estruturação urbana.
Projetos de reurbanização pontuais.
Extraímos dessa análise que não apenas para o gerenciamento costeiro,
mas em qualquer esfera de gestão, a definição clara dos atores institucionais e
suas escalas de atuação na operação do jogo político do planejamento territorial é
fundamental para o funcionamento e a aplicabilidade das políticas públicas
definidas por essas institucionalidades.
Para tanto, buscamos conceituar a questão das escalas, observando a sua
pertinência no âmbito do planejamento e a dimensão de sua definição enquanto
elemento orientador de políticas públicas.
4.1 Centralização ou Descentralização no Brasil - A Política de Escalas no
Gerenciamento Costeiro.
Conforme foi visto, o Gerenciamento Costeiro é, essencialmente, um
programa governamental com o propósito de utilizar ou conservar um recurso
costeiro, ou um ambiente específico ali localizado. Para Argento (1993, p. 49) o
Gerenciamento Costeiro é “um processo onde está embutida uma perspectiva
espacial e uma interação multidisciplinar” no qual é “fundamental a adoção de
escalas condizentes com o tratamento que se quer dar ao problema ambiental em
questão”. Dessa forma, ainda que haja a concentração de responsabilidades no
116
âmbito federal, está claro que a redistribuição de atividades de gerenciamento
costeiro é primordial para o seu adequado funcionamento.
Ao se pensar o Gerenciamento Costeiro Integrado, enquanto programa
governamental, entretanto, é fundamental ter clareza de que a relação entre
política e gestão é um tema complexo. Em geral, as abordagens a respeito
centram-se no estudo dos determinantes macroestruturais das políticas públicas,
ou apenas se limitam a aspectos descritivos dos processos decisórios e
administrativos em que se desdobram a partir das políticas em fase de sua
implementação. Essa dicotomização dos enfoques, em torno dessas duas visões,
geralmente induz a uma negligência, nos diagnósticos institucionais, ao fato de que
a gestão é um efeito da política e que os problemas administrativos e gerenciais
decorrem principalmente da forma como as políticas foram-se configurando e
concretizando ao longo do tempo (LABRA, 1988).
Essa autora considera que as políticas públicas são a materialização de
questões socialmente relevantes colocadas na agenda do governo num dado
momento histórico, numa formação sócio-econômica específica, e como produto da
luta que se trava em torno da materialização de interesses contraditórios no
arcabouço jurídico-institucional do Estado (LABRA, 1988).
Ela afirma que “não somente a formulação das políticas, mas também sua
implementação dificilmente correspondem a decisões tomadas racionalmente no
seio do governo em nome de um mítico ‘interesse geral’” (LABRA, 1988). Ao invés
disso,
a
análise
das
políticas
públicas
revela
os
percalços
de
sua
117
institucionalização e mostra que as decisões a ela pertinentes são determinadas
pelo caráter das relações que se estabelecem entre o Estado e a Sociedade Civil.
Isto remete não apenas à natureza de classe do Estado capitalista, mas,
fundamentalmente, à esfera de composição das forças que imprimiram
determinada territorialidade à política em questão.
Assim, para LABRA (1988), “a construção dos aparatos institucionais,
através dos quais se executam as políticas e programas, nunca segue uma
trajetória predefinida”. Em função disso, ela observa que as análises institucionais
sistematicamente indicam a existência de “inúmeras instâncias de diferente
hierarquia, dependência administrativa e tamanho, que implementam ações
superpostas, descontínuas, erráticas ou até contraditórias em torno da consecução
de um mesmo objetivo” (LABRA, 1988).
Essa autora, entretanto, defende que não se deve discutir apenas a questão
de entender a burocracia como sujeito – tanto quanto como instrumento –
devendo-se, isto sim, analisá-la enquanto relação com o poder. Nesta ótica, para
Labra, “a autonomia do Estado e, portanto, de seus aparelhos, é relativa na medida
em que estes constituem a condensação material e específica de uma relação de
forças entre classes e frações de classe”.
Nesse sentido, para essa autora, a burocracia – e mesmo os escalões
estritamente técnicos – não teriam poder político próprio, pois seriam, em última
instância, um sistema específico de organização e funcionamento interno do
aparelho de Estado que manifesta o efeito específico da ideologia burguesa, da
118
natureza do Estado capitalista e, sobretudo, das relações da luta de classes com
esse Estado (Id.Ibidem).
Segundo Lowry (2002), um dos maiores problemas atuais da gestão
ambiental é a dificuldade de transformar as metas ambientais em ações efetivas. O
resultado dessa dificuldade é chamado de lacuna de implementação ou
“implementation gap”. Essa lacuna, segundo esse autor, está associada à
inconsistência entre metas políticas estabelecidas em um nível de governo e a
translação dessas metas para atividades específicas de manejo em outros níveis
ou em outras agências de governo.
Para Lowry (2002), algumas das principais tarefas da construção de
sistemas intergovernamentais de gestão ambiental dizem respeito à distribuição de
autoridade e responsabilidade entre agências centrais de governo e agências
provinciais ou locais. Para ele, os processos de descentralização são uma forma
conveniente de caracterizar este tipo de sistema. As formas de relação entre os
diferentes níveis de governo podem variar de coercitiva a cooperativa, e a
autoridade e responsabilidade sobre o território podem ser distribuídas de variadas
maneiras.
A questão da divisão político territorial do poder vem ganhando cada vez
mais importância: se, até meados da década de 70, os sistemas centrais de gestão
eram predominantes na maioria dos países, tal situação sofreu profundas
mudanças ao longo da década de 80. Nesse período, especialistas, acadêmicos e
119
agências internacionais passaram a promover a descentralização como solução
para a reforma governamental (LOWRY, 2002).
No Brasil, o discurso pela descentralização associou-se à luta pela
democracia no processo de redemocratização brasileiro. Aconteceu uma grande
renovação política no plano local, à qual se somou a redistribuição de recursos e
responsabilidades, bem como a produção de modos inovadores de produção de
políticas públicas – como o orçamento participativo, por exemplo (ABRUCIO,
2001).
O conceito de federalismo envolve noções como descentralização políticoadministrativa e democratização da gestão pública. A Constituição Federal de 1988
representa, sob esse ponto de vista, um marco importante, por incluir fortes
princípios descentralizadores, inclusive na política ambiental.
O texto constitucional define competências concorrentes, proporcionando
ampla margem de responsabilidade aos Municípios que dela desejarem fazer uso.
Um dos temas centrais num país federativo são as atribuições e responsabilidades
que devem ser assumidas pela União, pelos Estados e pelos Municípios.
Especificamente, as relações entre escalas de governo na gestão ambiental
baseiam-se em alguns princípios jurídicos importantes. O primeiro é o princípio da
cooperação ou solidariedade, no qual, independente da circunstância partidária ou
política conjuntural, a cooperação entre distintos níveis de governo deve ser
realizada, pois ela evita custos que oneram os empreendedores e agiliza os prazos
para que as questões sejam resolvidas (BRUSCHI et al, 2002).
120
O
segundo
princípio
para
a
ação
ambiental
federativa
é
o
da
subsidiariedade, pelo qual tudo aquilo que puder ser realizado pelo nível municipal,
com competência e economia, não deve ser atribuído ao nível estadual e federal, e
assim por diante. Na distribuição de competências entre nível municipal, estadual,
federal, e supranacional, quando a ação não puder ser feita de forma econômica e
eficiente num nível decisório, é preciso elevá-la para o nível imediatamente
superior (BRUSCHI et al, 2002).
O princípio da subsidiariedade é aquele que entende a necessidade de que
as soluções das questões devem ser encontradas o mais próximo possível do local
em que estas são geradas, evitando a burocratização, o ônus econômico e a
sobrecarga administrativa dos órgãos de atuação mais ampla. No campo da gestão
ambiental, ocorrem, eventualmente, sobreposições de competências e indefinições
legais que levam à superposição de decisões diferentes sobre um mesmo tema,
tomadas em níveis distintos do poder público (BRUSCHI et al, 2002).
Essa forma de descentralização ocorrida no Brasil, entretanto, é bastante
peculiar, segundo Abrucio (2001), não trazendo apenas aspectos positivos em seu
bojo. Ao instituir o Município como ente federativo, a Constituição de 1988,
estabelece um modelo de municipalismo autárquico, no qual cada município,
independente de suas diferenças, deveria assumir esse rol de políticas públicas
que cabem a este ente federativo. Reduziu-se, dessa forma, a descentralização à
municipalização.
121
Para Abrucio (2001, p. 102), existem três obstáculos a essa forma de tratar
a descentralização:
Em primeiro lugar, a grande maioria dos municípios brasileiros não tem
como se auto-sustentar, mesmo recebendo repasse de recursos dos demais níveis
de governo. A desigualdade do País e a heterogeneidade de situações no plano
local inviabilizam o municipalismo autárquico. Como meio de salvar tal modelo,
ocorreu um aumento da disputa selvagem por dinheiro público e investimentos
privados e estabeleceu-se, em certas situações, uma forma predatória de lidar com
as regiões vizinhas.
Depois disso, há um desnível muito grande entre os governos locais,
também na configuração administrativa e política. Muitos não têm, ainda, a
capacidade e os quadros técnicos para, sozinhos, resolverem os seus problemas
de ação coletiva e a produção de políticas públicas. Os instrumentos de parceria e
cooperação no plano subnacional são reduzidos ou, quando existentes, frágeis
institucionalmente. A ótica de valorização do local, prevalecente nos últimos anos,
teme a criação de instâncias supramunicipais e é incapaz de propor mecanismos
de gestão compartilhada (ABRUCIO, 2001, p. 102).
Há, ainda, o problema da indefinição e ambigüidade quanto ao
estabelecimento de competências entre esferas de Governo – principalmente no
âmbito dos órgãos de fiscalização e controle – o que, pela generalização de
competências concorrentes, tende a gerar inércia e paralisia administrativa.
122
Neste contexto, é importante lembrar que, a partir da Constituição de 1988,
compete ao município, através de seu poder legislativo, determinar o que considera
como de interesse local, na área do meio ambiente. A atuação municipal nessa
área não resulta apenas da determinação constitucional, mas também das leis
orgânicas municipais. Atualmente, como ressalta Góes Filho (2000, p. 28):
(...) tem sido bastante intensa a municipalização de numerosas atividades de
controle ambiental, repassadas pelos Estados aos Municípios por delegação
de competência. Esse repasse, entretanto, não tem sido acompanhado pelos
recursos necessários ao pleno exercício dessa atividade, o que tem
acarretado uma sobrecarga de responsabilidades para o nível local.
Ao propor a escala municipal como palco concreto de ações de
planejamento e gestão da zona costeira, é necessário que haja a clareza de que
grande parte dos municípios carece de base institucional e de instrumentos
técnicos de planejamento e controle para a promoção do desenvolvimento local em
bases de sustentabilidade ecológica. Além disso, os municípios sofrem diversas
pressões, por setores de peso na composição política local, em sentido contrário à
perspectiva da conservação ambiental.
Outra questão particularmente relevante para a gestão ambiental diz
respeito ao fato de que problemas ambientais não respeitam fronteiras políticas; ao
invés disso, eles perpassam jurisdições preestabelecidas ou conectam regiões não
contíguas (MEADOWCROFT, 2002). Há um consenso de que a escala das
respostas políticas aos dilemas ambientais é inadequada (muito pequena ou muito
lenta). A grande preocupação é a aparente inabilidade das instituições
governamentais existentes para restringir o comportamento social e econômico de
123
acordo com as “fronteiras da sustentabilidade ecológica” (MEADOWCROFT, 2002,
p. 169).
Meadowcroft (2002) ressalta, ainda, que a atuação política concreta é
sempre definida sobre escalas temporal e espacial específicas, sendo tal definição
parte de um “inquestionável” arcabouço da vida política. A escala espacial estaria,
portanto, associada à delimitação territorial do poder político ou à área física sobre
a qual uma estrutura política, ao invés de outra, exerce domínio. Para esse autor,
uma vez que as jurisdições políticas podem ser divididas e combinadas em
diferentes hierarquias ou configuradas de acordo com os diferentes propósitos
administrativos, a matriz territorial de políticas públicas existentes em um
determinado momento pode ser extremamente complexa.
Dessa forma, a delimitação e a criação de arranjos institucionais em
diferentes escalas tornam-se um assunto de suma importância para a discussão no
âmbito da Geografia, pois como defende Lacoste (1988, p. 84), o problema das
escalas é fundamental no raciocínio geográfico, ressaltando, inclusive, que
(...) o fato de privilegiar certos níveis de análise que correspondem a certos
tipos do espaço de conceituação provoca (...) a deformação, ou a ocultação
dos fatores que não podem ser convenientemente apreendidos senão em
outros níveis de análise.
A escolha, portanto, de um determinado nível de análise ou de uma
determinada área de abrangência de uma estrutura institucional é primordial na
definição do alcance e da composição de forças que irão atuar sobre o espaço.
Esse processo é chamado por alguns autores de construção social das escalas ou
de política de escalas. Um frutífero debate tem ocorrido sobre a noção dessa
124
construção social das escalas. A seguir, será contextualizado esse debate no
âmbito da produção acadêmica recente da Geografia – especialmente da
Geografia Política.
4.2 - A Questão das Escalas e seu Debate na Geografia
A discussão conceitual da escala, no âmbito da Geografia, é bastante
antiga, conforme apresentou Castro (1995 p. 117), entretanto, houve controvérsias
derivadas da freqüente analogia entre escala cartográfica e escala geográfica, o
que dificultou a problematização do conceito.
A origem dessa dificuldade de entendimento do termo está no fato de que a
escala é um recurso fundamental à cartografia, sendo uma fração que indica a
relação entre as medidas no terreno e as medidas no mapa. Castro (op. cit. p. 118)
afirma:
O empirismo geográfico satisfez-se, durante muito tempo, com a objetividade
geométrica associando a escala geográfica à escala cartográfica (...). Tudo
reduzia-se e solucionava-se nas diferentes representações gráficas,
confundindo-se a escala fração com a escala extensão.
Esse entendimento do termo provocou grande confusão quando se usam os
termos “grande” e “pequena” escala para designar superfícies de tamanho inverso,
uma vez que se referir ao local como grande escala e ao mundo como pequena
escala, é utilizar a fração como base descritiva e analítica, quando ela é apenas
instrumental (CASTRO, 1995).
125
Como o uso desse conceito não é novo e nem exclusividade da geografia
humana, alguns autores têm se preocupado em prover diferenciações das
variações e possíveis usos do termo. Assim, geógrafos mais associados à
Geografia Física ou às teorizações sobre sistemas de informações geográficas
(SIG) têm dedicado crescente atenção às distintas acepções de escala. Quattrochi
e Goodchild (1997, apud MARSTON, 2000, p. 220) elaboraram um sumário,
brevemente descrito a seguir, das três principais conotações de escala utilizadas
para representar a questão dos dados geográficos:
•
Escala Cartográfica – É a relação entre a distância no mapa e distância
correspondente no “solo”.
•
Escala Geográfica – Se refere à extensão espacial de um fenômeno ou
de um estudo.
•
Escala operacional – Corresponde ao nível no qual um processo
relevante opera.
Segundo Marston (2000) houve, desde o início da década de 90, um
crescente interesse dos geógrafos “humanos” sobre o entendimento que a
produção da escala tem implicações na produção do espaço. Para essa autora, o
debate existente no âmbito das teorias sociais da geografia revela um consenso na
rejeição da escala como uma categoria ontológica dada, isto é, de que a escala
não é necessariamente um quadro hierárquico fechado e previamente estabelecido
para o ordenamento do mundo – local, regional, nacional e global. Nessa lógica, a
escala de análise é socialmente construída e representa o foco no entendimento de
processos que delineiam e constituem práticas sociais em diferentes níveis de
análise.
126
Visões semelhantes à de Sallie Marston (2000) foram encontradas nas
recentes publicações de alguns importantes autores ligados à produção teórica na
Geografia. Podemos identificá-las nos trabalhos de: Kevin Cox (1998a e 1998b),
David Harvey (2000), David Delaney (1997), Katherine Jones (1998), Jamie Gough
(2004), entre outros.
Uma questão fundamental apontada por Marston (2000, p. 224) é relativa às
oportunidades de mobilização política de grupos sociais – que essa autora chama
de “political opportunity structures” – que podem ou não existir em um determinado
momento em diferentes escalas: nacional ou local, de acordo com as tensões que
existem entre as forças estruturais e as práticas de atores sociais na organização
do espaço (movimentos sociais, partidos, governo, mercado, etc). Esses espaços
de mobilização política são também descritos por Cox (1998a), que usa a política
de escalas como via de entendimento das políticas em nível local – as quais
podem fornecer um entendimento das “políticas do espaço” de um modo geral. A
principal colocação apontada por Cox (1998a) é que a questão referente a escalas
não deve ser pensada apenas como unidade de área (dimensão) – e sim como
rede de interações. Para ele, existe uma distinção que merece ser salientada entre
espaços de dependência e espaços de engajamento. Os espaços de dependência
são os espaços fixos – arenas localizadas – nas quais indivíduos estão imbuídos
de seus interesses sociais (empregos, negócios, etc.) São os espaços das
estruturas produtivas, da prestação de serviços, das áreas de influência de
espaços jurídicos, etc. Já os espaços de engajamento são o conjunto de relações
que se estendem em meio aos “espaços de dependência”, mas também fora deles,
127
construindo redes de associações, de intercâmbio e de política. Eles estruturam
relações no interior de um amplo campo de eventos e forças nos espaços de
dependência. Para Cox, essa distinção entre espaços de dependência e espaços
de engajamento é importante, devido à grande variedade de formas em que as
escalas podem ser construídas. Assim, o que ele denomina de “pular escalas” não
significa apenas mudar do local para o global, mas deve ser visto como uma
estratégia política de deslocamento entre espaços de engajamento que vai ampliar
ou limitar espaços de dependência em circunstâncias específicas.
Segundo ele, é preciso reavaliar os conceitos de como diferentes tipos de
políticas “espacialmente qualificadas” se relacionam com a organização territorial
estatal, pois há divergências sobre a conotação das políticas de escala como
arenas ou espaços fechados onde cada forma de política tem sua própria arena
territorial definida: política local e governo local (Município); política regional e
estruturas estatais regionais (estados), etc. Dessa forma, ele defende que os
interesses locais e os “espaços de dependência” a eles relacionados são
precondição necessária à definição de políticas locais, mas os “espaços de
engajamento” para isso não independem de arranjos exclusivamente locais. Para
isso, deve-se entender a questão da escala não apenas enquanto jurisdições ou
arenas e sim como uma rede de interações que permeia diversos limites
jurisdicionais.
Para Harvey (2000, p. 75), as escalas são produtos de mudanças
tecnológicas, dos modos de organização social e da luta política, não sendo nem
imutáveis nem “naturais”. Assim sendo, a interação entre as escalas e o grau de
128
inferência política de cada uma delas não estão predeterminados, sendo, ao
contrário, parte do processo de criação histórica. Entretanto, conforme afirma
Souza (2002, p. 105), isso não significa que “limites formais, sob o ângulo político
administrativo e legal, não tenham relevância analítica ou sejam desprovidos de
efetividade”. Logo, quando se avalia a necessidade de se tratar as questões
relativas à sustentabilidade ambiental na escala local, devem-se levar em conta os
limites das capacidades das autoridades municipais de atuar.
Dessa forma, ainda que se concorde com David Satterthwaite (1997, p.
1682) quando ele afirma que “os governos locais, com suas muitas e variadas
atribuições, estão em posição privilegiada para avançar nos objetivos do
desenvolvimento sustentável”, é preciso manter uma visão crítica sobre o consenso
que institui o local como novo referente da coesão social. Pois, de acordo com
Acselrad, se o
(...) local apresenta-se como promotor de consensos, ele é também portador
de paradoxos. Em primeiro lugar, o fato de o discurso de revalorização do
local provir não apenas dos atores e de instâncias territorializados, mas
também dos escalões superiores da política. Além disso, há o risco de o
desenvolvimento local seguir um viés elitista, em que a chamada parceria
público-privada seja definida pelos meios empresariais e pela classe
política(...) (ACSELRAD, 2002, p. 40).
Afinal, as atribuições do poder público municipal não garantem, por si
mesmas, que a gestão ocorra de acordo com bases de sustentabilidade ecológica
e justiça social, uma vez que grupos de pressão com maior acesso às instâncias
decisórias
comumente
defendem
interesses
privados
contrários
tanto
à
preservação ambiental, quanto aos interesses de atores sociais tradicionais.
129
O conhecimento embutido nas teorias retomadas neste capítulo ilumina os
fundamentos da implantação de projetos de abrangência socioambiental que
pressupõem uma gestão descentralizada em nível municipal. Com isso, esses
elementos teóricos acima citados oferecem a base de compreensão para o Estudo
de Caso relatado no próximo capítulo, o qual versa sobre o Projeto Orla sendo
implementado em um município com pressão turística ímpar e de grande apelo de
incorporação imobiliária.
130
5 ESTUDO DE CASO: A IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO ORLA EM CABO
FRIO
Buscou-se, neste capítulo, aprofundar o estudo do Projeto Orla, enquanto
programa de gerenciamento costeiro – implementado em um sistema de
descentralização da gestão, isto é, na escala do Município. Para tanto, optou-se
por fazer a análise de uma situação emblemática de pressões imobiliárias e
turísticas pressionando e impactando ambientes de alta qualidade paisagística.
Assim, o município escolhido foi Cabo Frio. A escolha por esse município deu-se,
também, pelo fato de que os arranjos institucionais locais – que atuaram no
município na implementação do Projeto Orla – tiveram peculiaridades que,
observadas
posteriormente,
revelaram
ser
insuficientes
para
redirecionar
prioridades e estratégias de desenvolvimento que aparentemente são pouco
compatíveis com a manutenção de uma qualidade ambiental e paisagística
desejada pela equipe que elaborou o Plano de Intervenção.
Em uma breve descrição do Município, é importante observar que Cabo Frio
possui aproximadamente 51 quilômetros de orla, sem considerar as ilhas costeiras,
onde há um predomínio de praias arenosas de grande beleza cênica. Em função
disso, o Município de Cabo Frio possui uma posição de destaque na Costa do Sol
– que inclui a Região dos Lagos, maior região turística fora da capital do Estado do
Rio de Janeiro. A sua orla apresenta, em toda a extensão linear, expressiva e
crescente urbanização, com características de ocupação formal (loteamentos
planejados) e ocupações irregulares. Durante o período de veraneio, a população
131
do Município, que é de 136 mil habitantes, pode chegar a 700 mil habitantes
(CABO FRIO, 2003).
A faixa costeira do Município de Cabo Frio apresenta planícies sedimentares
fluviais e marinhas, formando cordões litorâneos arenosos, maciços rochosos e
planícies lacustres. Cabo Frio apresenta um grande campo de dunas, que se
localiza ao longo da costa oceânica, desde a barra do Rio São João, até os limites
com Arraial do Cabo, sendo interrompidas em alguns pontos pelos costões
cristalinos que adentram pelo mar. As planícies fluviais correspondem à área de
deposição de sedimentos dos rios São João e Una. Nesse contexto, podemos
destacar ecossistemas típicos de restingas, dunas, manguezais, costões rochosos,
falésias, lagunas de grande beleza e diversidade biótica.
Cabo Frio se consolidou como destino turístico da elite brasileira nos anos
1950 e, desde então, tem o seu processo de desenvolvimento intrinsecamente
ligado ao turismo. Entretanto, inerente ao desenvolvimento turístico, está associado
um processo de “popularização” dos locais turísticos. Nesse sentido, seguramente,
o produto turístico Cabo Frio está cada vez mais conhecido nacionalmente, mas,
por outro lado, parte da população denuncia um processo de popularização, num
sentido de pauperização do turista médio que freqüenta a cidade (ALCÂNTARA,
2005).
Para Alcântara (2005), é preciso que haja uma compreensão da posição e
da importância de Cabo Frio dentro do que é a Região dos Lagos, e das relações
intermunicipais existentes nas esferas econômica, política e sócio-cultural da
região, como também de sua posição em relação às diversas redes de turismo
132
para que se amplie o entendimento do processo de desenvolvimento de Cabo Frio
e da forma como o turismo é determinante nesse contexto.
Nesse sentido, Alcântara considera que as configurações regionais podem
ser determinantes no incremento das potencialidades de um lugar turístico e que,
portanto, a posição de Cabo Frio (figura 4) entre os vizinhos Búzios – local
consolidado enquanto destino internacional – e Arraial do Cabo – que vem se
consolidando como destino nacional para o turismo náutico, mais especificamente
para a prática de mergulho – pode configurar uma vantagem em uma situação de
competição por investimentos nessa área.
Figura 4: Localização de Cabo Frio na Micro-região das Baixadas Litorâneas - RJ
Fonte: Fundação CIDE, apud Prefeitura de Cabo Frio / FGV Projetos – Plano Diretor do município
de Cabo Frio, 2006
133
Para um perfeito entendimento de toda a complexidade dos processos
associados à questão ambiental em Cabo Frio, este estudo partiu de uma análise
que envolve o conhecimento prévio do Município e suas características de
ocupação. Essa análise permitiu que fossem desvendadas algumas das
características do fenômeno da segunda habitação, da criação de identidades
simbólicas do local associadas à praia e ao turismo e da emergência da questão
ambiental, bem como mostrou as estratégias institucionais associadas ao discurso
de sustentabilidade. Estratégias que, como será visto, mascaram um viés de
segregação associado ao processo de modernização da cidade, em função da
valorização e da requalificação do espaço.
5.1 Histórico da Ocupação
A ocupação de Cabo Frio teve início no século XVI, por meio da exploração
de pau-brasil praticada por portugueses e corsários franceses e holandeses, que
atuavam na região auxiliados pelos índios Tamoios.
Em 1615, o Governador do Rio de Janeiro, Constantino, recebeu ordens do
Rei Felipe III, da Espanha, para estabelecer uma povoação na região. Assim, em
13 de novembro de 1615, junto à Barra de Araruama, foi construída a Fortaleza de
Santo Inácio, local onde foi fundada a Cidade de Santa Helena do Cabo Frio, que
seria a sétima cidade a ser fundada no Brasil, até então. O núcleo atual urbano
teve a sua origem vinculada à criação do Forte de São Mateus, cuja construção
teve início em 1616, simultaneamente à mudança do sítio da povoação colonial
134
para o atual bairro da Passagem, sendo rebatizada como Cidade de Nossa
Senhora da Assunção do Cabo Frio.
Devido à localização de Cabo Frio, com acesso exclusivamente por via
marítima, e em função da inaptidão do solo para atividades agrícolas, o município
permaneceu relativamente isolado durante um amplo período, sobrevivendo
apenas em função da manutenção do Forte, de atividades religiosas e atividades
estritamente vinculadas às imposições do meio natural – a pesca e a extração de
sal (COELHO, 1986).
O cultivo de cana de açúcar, a pecuária e outras atividades econômicas
tiveram pouca importância na evolução do município, que permaneceu
relativamente estagnado até o início do século XX, mantendo uma ocupação
rarefeita associada à atividade rural e um pequeno núcleo urbano associado à
pesca e ao comércio portuário com o Rio de Janeiro.
A dinâmica econômica do município sofreu algumas mudanças após a
Primeira Guerra Mundial, quando foram introduzidas inovações nas atividades
tradicionais do local, associadas a novas técnicas de pesca e conservação do
pescado, bem como de extração e beneficiamento do sal. Nesse contexto, a
indústria salineira foi ainda beneficiada pela criação de leis protecionistas, e o
crescimento da população urbana na Região Sudeste representou um impulso ao
consumo do pescado (CABO FRIO, 2006).
Apesar da mudança na dinâmica econômica local e da consolidação da
Lagoa de Araruama como importante parque salineiro nacional, foi somente a partir
135
da década de 1940 que algumas transformações viabilizariam o engajamento de
Cabo Frio no processo de desenvolvimento urbano, o que viria a se desencadear a
partir de 1950. O marco desse processo foi a abertura da Rodovia Amaral Peixoto,
em meados da década de 1940, ligando o município a Niterói. Até então, as
comunicações com o Rio de Janeiro eram feitas, sobretudo, por via marítima, ou
pela estrada de Ferro Maricá, por meio da qual se atingia Niterói depois de mais de
um dia de viagem. Dessa forma, a construção da rodovia e o seu posterior
asfaltamento, em 1950, vieram facilitar consideravelmente as condições de acesso
de Cabo Frio à metrópole carioca, permitindo a convergência de população e de
novos investimentos para o município.
Outro marco fundamental para entender a inserção de Cabo Frio em uma
dinâmica econômica mais complexa foi a criação da Companhia Nacional de
Álcalis (CNA), em 1943, para produção de barrilha e soda cáustica. A instalação da
CNA se deu em Arraial do Cabo, então distrito de Cabo Frio, onde o complexo
fabril passou a extrair conchas da lagoa de Araruama para a fabricação de barrilha.
Associado a tais eventos, ocorreu um acentuado incremento populacional
em Cabo Frio, que entre 1950 e 1960 passou de 16.646 para 23.297 habitantes.
Além disso, a instalação da CNA colaborou, através da vinda de técnicos e de
pessoas de classes mais altas provenientes do Rio de Janeiro, para a descoberta e
divulgação das belezas naturais do município para o veraneio.
136
Em meados da década de 60, com a pavimentação da BR-101 e da RJ-124,
esta ligando a primeira a Cabo Frio, e com a inauguração da Ponte Rio-Niterói, em
março de 1974, completou-se a ligação da metrópole com o município.
Também teve início, em 1978, por meio do Programa Especial de
Desenvolvimento do Norte Fluminense (PRODENOR), realizado pelo DNOS, a
construção da barragem de Juturnaíba, projetada em 1972 pelo Ministério do
Interior, com a suposta finalidade prioritária de possibilitar o abastecimento de toda
a Região dos Lagos, diminuindo, assim, o déficit de água na região. Dessa forma, a
maior acessibilidade e a criação de infra-estrutura naquela área trouxeram um
aumento considerável da população residente (SAUNDERS et al, 2004).
Desse modo, a facilidade de acesso e a disponibilidade de terras,
associados às especificidades de Cabo Frio para o veraneio, conformaram uma
situação extremamente atrativa para a entrada das atividades imobiliárias no
município. Essas atividades já contavam com condições favoráveis de aporte de
capital, além de expressiva demanda potencial na metrópole carioca. (COELHO,
1986).
O desenvolvimento do turismo e do veraneio potencializou o setor industrial
associado a essas atividades. Assim, Cabo Frio presenciou o surgimento e o
crescimento de confecções associadas à moda de praia. Prática iniciada com
fábricas de fundo de quintal, o setor é, nos dias atuais, um pólo extremamente
dinâmico, com cerca de 400 empresas ligadas ao setor, o que gera cerca de 5.500
empregos (FIRJAN, 2006). Além disso, a presença e a importância dessas
137
atividades têm colaborado para o avanço das atividades terciárias locais, que
apresentam atualmente grande expressão e complexidade na economia do
município.
Mesmo com a perda de antigos e importantes distritos, como os atuais
municípios de Arraial do Cabo e Armação dos Búzios, Cabo Frio vem
experimentando, a partir os anos 1950, um crescente avanço do setor econômico e
demográfico. Os últimos anos, nesse contexto, foram particularmente importantes.
Informações da prefeitura de Cabo Frio demonstram, por exemplo, que a
arrecadação de ICMS no município dobrou entre 1997 e 2002. Houve um
significativo crescimento da rede hoteleira, assim como em relação ao número de
pousadas. Além disso, têm-se diversificado progressivamente os serviços
oferecidos na cidade (ALCÂNTARA, 2005). Dessa forma, o potencial turístico do
município e seu crescimento econômico recente fortalecem o ideário de
“desenvolvimentismo turístico” e de “vocação turística”, evidente nas formulações e
posturas da administração pública e no discurso corrente de parte da população
cabofriense.
Assim, para Alcântara:
(...) a coalizão que tem tocado a administração pública do município nos
últimos anos definiu claramente como opção acrescer sua competitividade
através do desenvolvimento turístico, centralizando neste os esforços de
busca de investimentos associados à potencialização do consumo (ibidem, p.
49).
Esse enfoque prioritário do município na temática do turismo define até
mesmo a lógica da sua estrutura administrativa, o que é decisivo do ponto de vista
138
da definição de prioridades e na condução das diretrizes de desenvolvimento da
cidade. Assim, observa-se que à Secretaria de Turismo conflui o poder de
comandar um grupo de trabalho que envolve outras secretarias, como as de
Planejamento, Fazenda, Meio Ambiente e Saneamento. Nessa organização, a
Secretaria de Turismo tem poder de veto, sendo a responsável pela organização e
liberação de projetos.
5.2 Evolução Demográfica do Município
A população de Cabo Frio cresceu de forma relativamente lenta até meados
do século vinte, quando mudanças na estrutura econômica local alteraram a
dinâmica demográfica. O aumento da atividade econômica se deu, em parte, pela
instalação da Companhia Nacional de Álcalis (CNA). Entretanto, não deve ser
menosprezado o expressivo papel que teve o desenvolvimento da atividade
turística e de veraneio, que estimulou o setor de construção civil e atividades
terciárias, sendo decisivo no processo de crescimento populacional. Seguindo uma
tendência que foi semelhante na maior parte do País, esse crescimento se deu,
majoritariamente, nos núcleos urbanos, reduzindo a participação relativa da
população rural no total da população do Município.
Observando o Quadro 4 e a Figura 5, verifica-se que a evolução da
população de Cabo Frio se deu de forma relativamente contínua, embora com
taxas elevadas de crescimento populacional. O período de maior crescimento
populacional ocorreu entre as décadas de 1950 e 1960, período de implantação da
139
CNA em Arraial do Cabo, então distrito de Cabo Frio, e também de início do ciclo
turístico de Cabo Frio.
Quadro 4: Cabo Frio - População Total, Urbana e Rural, e Taxa de Crescimento
Médio Anual entre 1950 e 2000
População Tx. de
total
Cresc.
Anos
1950
1960
1970
1980
1991
2000
Urbana
População
Taxa de
rural
cresc.
Tx de
cresc.
16.176
5,4
9.619
7,68
6557,00
1,07
27.441
4,9
20.151
6,46
7290,00
-0,84
44.379
4,8
37.680
4,48
6699,00
6,47
70.995
1,8
58.416
3,09
12.539
-7,58
84.915
4,0
79.217
2,98
5698,00
13,71
126828
106.237
20591
Fonte: IBGE, 2006
Figura 5: Cabo Frio - Evolução da População Total e Urbana entre 1950 e 2000
140.000
120.000
100.000
80.000
Total
Urbana
60.000
40.000
20.000
0
1950 1960 1970 1980 1991 2000
Fonte: IBGE, 2006
140
A análise do crescimento demográfico de Cabo Frio, por si só, não é um
indicativo suficiente para estabelecer uma relação que compreenda a dinâmica de
pressão sobre o meio ambiente, uma vez que grande parte do problema ambiental
dessa cidade está associada às dinâmicas relativas à população flutuante e seus
picos na alta temporada de veraneio e nos feriados. Conforme foi visto, a
Secretaria de Turismo possui estimativas que apontam uma oscilação populacional
da ordem de cerca de 500% entre população residente e população flutuante.
Assim, é preciso entender a magnitude do problema ambiental de Cabo Frio a
partir da dimensão do processo de urbanização, que é significativamente maior do
que apenas a dinâmica populacional.
5.3 O Processo Histórico de Apropriação de Terras em Cabo Frio
Após a fundação da cidade, no Século XVII, grandes sesmarias foram
doadas à elite colonial moradora no Rio de Janeiro e em outras grandes cidades da
colônia, ficando, ainda, muitas terras em poder dos jesuítas e dos frades
Beneditinos (COELHO, 1986). Coelho (id., p. 80) afirma: “A falta de interesse de
certo número de proprietários em se deslocarem para Cabo Frio, supõe-se tenha
sido uma das razões para as grandes doações aos jesuítas e beneditinos”.
Embora a maior parte das terras da Capitania de Cabo Frio já tivesse sido
doada, a parte da restinga, onde atualmente encontra-se assentado o núcleo
urbano de Cabo Frio, permaneceu desocupada, em virtude das terras terem sido
doadas à Câmara Municipal de Cabo Frio. Segundo Alves (op. cit., p. 80) “as terras
141
de restinga, impróprias para a agricultura, não interessavam ao clássico
proprietário rural”. A autora supõe que as razões para isso tenham sido a proteção
das salinas naturais e dos núcleos de pescadores, muito importantes para a
manutenção da cidade com pequena população, que no início era composta
majoritariamente por militares que guarneciam o Forte São Mateus.
Alguns fatos dinamizaram o fracionamento de terras em Cabo Frio ao longo
do período que se estende entre os séculos XVII e XX, mas sem grandes
alterações na dinâmica fundiária. Após a Independência do Brasil, são feitas
algumas doações de terras na área da restinga, principalmente voltadas para a
exploração das salinas, visto que até então a exploração e produção de sal eram
de monopólio da coroa portuguesa. Nesse período, após a Independência,
começam a surgir empreendimentos de maior porte para a exploração de sal,
sendo o maior deles uma concessão de D. Pedro II a um oficial alemão de sua
guarda pessoal, que dá origem a uma das maiores e mais modernas salinas da
região – as Salinas Perynas.
No Século XX, após a primeira Guerra Mundial, há um acentuado afluxo de
portugueses para a região de Cabo Frio. Já sendo salineiros em suas terras de
origem, esses portugueses recebem terras da Câmara com objetivo de propiciar o
desenvolvimento da exploração de sal no Município. Os salineiros instalam-se, com
suas famílias na área central da restinga, mais próxima ao núcleo urbano,
formando pela primeira vez, segundo Alves (1986), uma pequena burguesia local
que passa a investir na cidade e melhorar o padrão dos sobrados.
142
Concomitante à implantação da Companhia Nacional de Álcalis, em meados
da década de 1950, e a partir da melhoria das redes de ligação rodoviária, as
terras da restinga passam a sofrer um processo mais intenso de divisão por meio
de loteamentos urbanos. A CNA recebeu, nesta época, cerca de 200 Km² de terras
na área da restinga, aproximadamente onde hoje se encontra o limite de Cabo Frio
e Arraial do Cabo, englobando quase a totalidade deste. A Companhia, entretanto,
ocupou uma área de apenas 20% do terreno original, enquanto o resto acabou
sendo incorporado ao processo de especulação imobiliária que se iniciava na
época. A Álcalis inclusive criou uma empresa – a Alcatur – apenas para gerenciar
esse patrimônio e atuar no mercado especulativo de terras na região, não tendo
grandes avanços no processo especulativo apenas porque o governo do estado
tombou, no início dos anos 80, grande parte da área, que era constituída por
dunas.
As terras em torno do núcleo urbano de Cabo Frio, entretanto,
permaneceram disponíveis ao processo de incorporação imobiliária e, embora
representassem apenas 5% do total de terras da restinga, eram as terras de mais
alto valor, uma vez que se situavam próximas ao núcleo urbano e nos locais mais
privilegiados do ponto de vista da proximidade a amenidades naturais e belas
praias. Tais terrenos, segundo Alves (1986) foram doados a pessoas influentes do
próprio local e constituíram o grande impulso ao parcelamento do solo urbano, a
partir da década de 1950, para a adoção da configuração urbana que prevalece até
hoje.
143
Esse fracionamento do solo decorrente do intenso loteamento que sofreu o
núcleo urbano do distrito Sede de Cabo Frio coincidiu com a introdução do
processo de segunda residência no município, cuja fase inicial é caracterizada
justamente pela compra de terrenos. Segundo Alves, “os especuladores viam na
compra das terras a oportunidade de fazer aplicações com boa rentabilidade em
função da perspectiva que se abria para o veraneio em Cabo Frio e da expectativa
de valorização futura dos terrenos que se desencadearia com o desenvolvimento
previsto do mercado de segunda habitação” (COELHO, 1986, p 81).
5.4 Impactos Ambientais do Processo de Urbanização de Cabo Frio
A questão da dimensão do processo de loteamentos, principalmente para o
atendimento de uma demanda de segunda residência, em Cabo Frio, é a base
para uma série de problemas ambientais nessa cidade. Na busca por
investimentos, ou simplesmente por não contar com uma estrutura institucional
com capacidade de regulação, a ocupação se deu de forma caótica, sem que a
Prefeitura fizesse grandes exigências técnicas, urbanísticas ou ambientais; ao
passo que a empresa estatal concessionária de água e esgoto eximiu-se de
realizar investimentos e os órgãos ambientais do Estado pouco atuaram (CILSJ,
2006).
No início do processo de ocupação da região, a vegetação funcionava como
barreiras ou sumidouros de parcela considerável do esgoto. Os brejos funcionavam
como sistemas naturais de tratamento. O crescimento da ocupação, com o
144
conseqüente aumento do volume de dejetos, contudo, fez com que os esgotos
passassem a chegar em estado bruto nos corpos receptores. Segundo um
levantamento produzido pelo Projeto Iraruama e apresentado pelo Consórcio
Intermunicipal Lagos São João (CILSJ, 2006), foram identificados, em 1991, 365
pontos de lançamentos de efluentes na Laguna. Destes, 308 são canalizados e 57
correm a céu aberto, além de outros 76 pontos de despejo menores associados a
rios e 232 provenientes de condomínios. Especificamente em Cabo Frio, foram
encontrados, no canal de Itajuru, 197 pontos de despejo, sendo 194 canalizados e
três a céu aberto. Além disso, a rede hospitalar de Cabo Frio, também lançava
seus efluentes diretamente na laguna (CILSJ, 2006).
Em função do crescimento de ocupações irregulares, aterros e obras
urbanísticas, houve um significativo estreitamento do canal de Itajuru, o que
acarretou uma redução do volume de troca de água com o oceano e,
conseqüentemente, uma aceleração do processo de eutrofização da laguna.
Especula-se, ainda, que as dragagens para extração de conchas, feitas pela CNA,
tenham provocado um aumento da matéria orgânica em suspensão, pois revolveu
o lodo estocado no fundo da lagoa, contribuindo para a proliferação de algas.
Uma outra prática bastante nociva que foi observada no processo de
crescimento urbano de Cabo Frio refere-se à ocorrência de despejo ilegal, nos rios
e canais, de material orgânico extraído de fossas por empresas especializadas.
Em 1998, a PROLAGOS – concessionária de serviços públicos de água e
esgoto – assumiu os serviços de água e esgoto, tendo como área de concessão os
145
municípios de Armação dos Búzios, Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia, Arraial
do Cabo (somente água) e Cabo Frio, mas a prioridade dos editais de concessão,
em função de aumentar a atratividade do município para o turismo, foi o aumento
da oferta de água, considerado o grande problema na época4, ficando o
esgotamento sanitário para segundo momento.
Embora a prefeitura as Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Cabo
Frio já estejam concluídas e em operação, assim como a unidade de Tratamento
de Esgoto de Morubá, e que parte da área central de Cabo Frio já esteja sendo
atendida por coleta e tratamento de esgoto, ainda há inúmeros pontos de
lançamento clandestino e bairros não atendidos por esgoto na cidade.
Durante a implementação do Projeto Orla em Cabo frio, diversos pontos de
lançamento de esgoto in natura foram identificados durante o trabalho de campo
realizado em conjunto com os técnicos do município, conforme mostra a figura 6:
4
Note-se que a falta de água era apontada como um problema crônico da região, entretanto, tal problema
apenas se manifestava nos momentos de grande concentração populacional, como feriados e alta temporada.
Não era um problema que atingia quotidianamente a população a não ser em função da própria dinâmica
turística
146
Figura 6: Lançamento de Esgoto in Natura no Canal do Itajuru
Fonte: Arquivo pessoal
O Plano Diretor de Cabo Frio, em sua fase de diagnóstico, apresentou em
audiência pública um mapa indicativo da localização das estações de tratamento e
área de abrangência do sistema coletor de esgoto, que é reproduzido na figura 7:
147
Figura 7: Município de Cabo Frio - Abrangência das Áreas Atendidas por Coleta de
Esgoto
Fonte: Plano diretor de Cabo Frio - Prefeitura de Cabo Frio e FGV Projetos
148
5.5 Os Impactos da Urbanização Turística na Orla Marítima de Cabo Frio
A urbanização de Cabo Frio, observada a sua magnitude nos últimos 50
anos, pressionou enormemente os ecossistemas naturais existentes no território
municipal como um todo e, especialmente, a orla marinha. Dentre os principais
impactos observados, podemos ressaltar5:
¾ A transformação de salinas em loteamentos, com apropriação ilegal de
áreas públicas (espelhos de água antigos da lagoa e terrenos reservados) e
destruição de áreas de dunas e restingas;
¾ A descaracterização da paisagem original por parte de clubes náuticos,
marinas, restaurantes, bares, hotéis e casas de condomínios e loteamentos
de segunda residência;
¾ A construção de aterros com a finalidade de aumentar áreas para
construção de casas ou formação de condomínios, como no canal de Itajuru,
reduzindo as trocas de água;
¾ A instalação de estaleiros e de grande quantidade de pilares de diques e
portos, que favorecem o assoreamento, como no canal de Itajuru;
¾ A urbanização e construção de quiosques na orla sem controle sanitário e,
por vezes, com invasões e avanços sobre a praia ou sobre a lagoa;
¾ A retirada da cobertura vegetal original seguida de plantio de vegetação
exótica, tais como casuarinas e amendoeiras, ou ocupação da margem por
parte de ervas invasoras.
5
Impactos identificados pela FEEMA e pelo Consórcio Intermunicipal Lagos São João
149
5.6 O Projeto Orla em Cabo Frio
Na tentativa de equacionar os impactos observados, o Município realizou,
no primeiro semestre de 2003, as duas oficinas de capacitação do Projeto Orla –
as Atividades Presencial I e Presencial II – e elaborou o seu Plano de Intervenção
na Orla.
Seguindo a metodologia proposta e com base nos critérios de definição,
delimitação e caracterização, o Plano identificou sete diferentes “Unidades
Paisagísticas” e seus trechos de orla, conforme ilustram o Quadro 6 e a Figura 8:
Quadro 5: Divisão em Unidades
Figura 8: Unidades Paisagísticas
Unidade I - Rio São João
Unidade II Praias - Porção
Norte - Praias do Distrito de
Tamoios
Porção Centro Norte Caravelas/Peró
Porção Centro Sul- Praia do
Forte/Praia do Foguete
Unidade III - Praia das
Conchas
Unidade IV – Costões
Rochosos
Unidade V – Canal do Itajuru
Unidade VI – Laguna de
Araruama
Unidade VII – Ilhas Costeiras
Fonte: Prefeitura de Cabo Frio, 2003
150
A Unidade I – Rio São João – caracteriza-se por ser uma área estuarina. O
rio tem sua nascente no Município de Cachoeira de Macacu, na Serra do Sambê, a
800 metros de altitude, e a sua Bacia abrange inúmeros municípios, drenando
cerca de 133 Km e desaguando no oceano, entre as localidades de Barra de São
João (distrito de Casemiro de Abreu) e Santo Antônio (Cabo Frio), sendo o marco
físico da divisa desses dois municípios (CABO FRIO, 2003).
Esta Unidade é particularmente importante para o Plano se for observado o
desafio da gestão integrada. Uma vez que o estuário do Rio São João é a divisa
entre os dois municípios, é fundamental a adoção de medidas articuladas para
mitigar os impactos. Nesse sentido, o Plano observou uma grande variedade de
recursos naturais, como a formação de mangue, matas ciliares, matas associadas
e o próprio ambiente estuarino neste local (Figura 9), bem como uma grande
pressão de urbanização em ambos os municípios. Entretanto, não estipulou ações
ou medidas de ordenamento específicas para essa Unidade no Plano de
Intervenção, deixando-a para um momento posterior (id. ibid.).
151
Figura 9: Unidade I – Rio São João
Fonte: Digital Globe – Google Earth, 2007
Com relação às praias de Cabo Frio, o Plano de Intervenção delimitou três
conjuntos principais de faixas de praia:
O primeiro conjunto compreende as praias do distrito de Tamoios e se inicia
na Foz do Rio São João, limite ao norte do município de Cabo Frio com Casemiro
de Abreu, e acaba na localidade denominada Rasa, divisa de municípios de Cabo
Frio e Armação de Búzios, com extensão de aproximadamente quinze quilômetros
(Figura 10).
Figura 10: Praias do distrito de Tamoios
Fonte: Prefeitura de Cabo Frio, 2006
152
O segundo compreende a ponta das Caravelas e Peró, trecho incluído na
Área de Preservação Ambiental (APA) do Pau Brasil, encontrando-se altamente
pressionado pela urbanização, com concentração da maior parte dos loteamentos
aprovados nos últimos dez anos. Encontram-se nesse trecho importantes
remanescentes de mata atlântica e campos de dunas. Atualmente, há grande
discussão no Município sobre o estímulo que a Prefeitura tem concedido a
atividades esportivas de alto impacto sobre o campo de dunas – especialmente
nesse trecho – como rallies e competições diversas envolvendo o uso de veículos
automotores.
O terceiro conjunto corresponde às praias mais pressionadas pela área
urbana, isto é, a Praia do Forte (Enseada do Forte São Matheus), Algodoal (da
Duna Boa Vista, até o inicio Av. Litorânea), as Dunas do Braga (Inicio da Av.
Litorânea até o inicio da estrada para Arraial do Cabo); e o Foguete (Início nas
mediações do trevo que vai para Arraial do Cabo até o final do Foguete, na divisa
com os dois Municípios. Esse conjunto comporta o tipo de paisagem classificada
como urbana (figura 11), embora possam ser observados trechos com alta
originalidade do ecossistema, como no trecho Dunas do Braga, por exemplo. As
características de urbanização observadas no plano são de média a alta
densidade, havendo um nítido predomínio residencial (principalmente de segunda
residência - uso ocasional). A infra-estrutura urbana é incompleta, observando ruas
não pavimentadas e sem adequado sistema de drenagem pluvial. Essa área
comporta, ainda, espaços de preservação garantidos por um Tombamento Federal
153
(do conjunto arquitetônico do Forte São Matheus) e por Tombamento Estadual (do
conjunto paisagístico das Dunas de Cabo Frio).
Figura 11 - Praia do Forte
Fonte: Arquivo pessoal
Dentro dos limites da orla proposta para o projeto, foi observada nessa área
a ocorrência dos seguintes aspectos: dunas fixas e dunas móveis, com vegetação
nativa e alguma vegetação invasora; aterros; formação de veredas; loteamentos
não ocupados existentes desde a década de 50; instalações comerciais fixas sobre
o cordão de dunas em baixa qualidade arquitetônica e sanitária (como os
existentes nas Dunas do Braga), conforme se observa nas Figuras 12 e 13.
154
Figura 12 e Figura 13: Dunas do Braga
Fonte: Arquivo Pessoal
As demais unidades de paisagem definidas no Plano são:
UNIDADE III – CONCHAS
A Praia das Conchas, com características bastante diferentes das outras
praias citadas, encontra-se localizada entre costões, com a presença de estruturas
rochosas como o paredão que protege a enseada dos efeitos da energia das
ondas, mantendo-a protegida dos ventos predominantes da região devido à sua
geomorfologia. Não apresenta uma urbanização densamente consolidada, mas há
intensa pressão por parte de instalações comerciais junto às dunas (Figura 14)
(CABO FRIO, 2003).
155
Figura 14 - Praia das conchas
Fonte: Arquivo Pessoal
UNIDADE IV – COSTÕES
Constituído por paredões rochosos, com declividade acentuada e de difícil
acesso; o acúmulo de material orgânico e a fixação vegetal se dão somente nas
fendas, diáclases na rocha e depressões abruptas; as plantas que se estabelecem
nesses costões constituem uma flora rupícola, altamente adaptada a esse
ambiente, tais como cactáceas, orquidáceas, bromeliáceas, entre as mais
destacáveis. Tombamento Federal na parte onde se encontra o Farol de Cabo Frio
(Figura 15).
156
Figura 15: Praia Brava, Costão e Farol de Cabo Frio
Fonte: Arquivo Pessoal
UNIDADE V – CANAL DO ITAJURU
O Canal de Itajurú posicionado na extremidade leste da laguna de Araruama
é o único contato da referida laguna com o mar. Com aproximadamente 14 km de
extensão - inicia na extremidade da ilha do Anjo seguindo até sua embocadura
junto ao mar‚ voltada para Sul. A boca da barra, com cerca de 80 metros de largura
é guarnecida a Oeste, por pequena formação rochosa situada no final da praia do
Forte, a Leste, por outra elevação rochosa, chamada por ponta da Lajinha, ambos
elementos que definem a extensão de sua orla marítima (Figura 16) (CABO FRIO,
2003).
157
Figura 15: Canal do Itajuru
Fonte: CILJS, 2006
UNIDADE VI – LAGOA DE ARARUAMA
A Lagoa de Araruama, na verdade uma laguna, é um ecossistema recente,
com idade estimada entre 5 e 7 mil anos, estando sua origem vinculada à formação
das restingas de Massambaba e de Cabo Frio. Tem uma superfície de
aproximadamente 220 km2; um volume de 636 milhões de metros cúbicos; largura
máxima de 13 Km; com ventos predominantes de Nordeste (CABO FRIO, 2003).
Os limites da orla lagunar considerados pelo Plano compreendem toda a
orla da lagoa – entre a praia do Siqueira, numa linha praticamente contínua até o
limite com o município de Arraial do Cabo. Nesta região de planícies, encontramse antigas salinas do complexo Perynas e da Companhia Nacional de Álcalis (na
sua maioria desativadas), onde temos o projeto Perynas aprovado por todos os
órgãos de licenciamento e controle ambiental nas diferentes esferas de governo.
158
Parte desta área é tombada pelo INEPAC. Na restinga entre a lagoa e o mar,
localiza-se o Aeroporto de Cabo Frio, inaugurado no ano de 2000.
UNIDADE VII – ILHAS COSTEIRAS
As ilhas costeiras do Município de Cabo Frio são em um total de três ilhas
principais e 4 ilhotas.
5.6.1 Classificação da Orla
Seguindo a metodologia proposta nos documentos do projeto Orla, os
técnicos da prefeitura Municipal de Cabo Frio, técnicos de órgãos estaduais e
federais envolvidos e representantes da sociedade civil, que atuaram na
elaboração do Plano, elaboraram a classificação da orla com base nos atributos
paisagísticos. Os critérios usados para essa classificação foram a análise sucinta e
a avaliação de parâmetros ambientais, tais como: cobertura vegetal, integridade e
fragilidade dos ecossistemas, presença ou não de unidades de conservação,
condição de balneabilidade e saneamento básico. Em relação aos parâmetros
sociais, a presença ou não de comunidades tradicionais, cobertura urbana e
formas de acessos. E parâmetros econômicos tais como pressão imobiliária. O
quadro 7 apresenta a classificação dos trechos da orla.
159
Quadro 6: Classificação dos Trechos da Orla de Cabo Frio
Unidade Paisagística / Trecho
Unidade I - Rio São João
Rio São João
Unidade II - Praias
1º Conjunto - Praias Distrito Tamoio
Trecho 1 - Samburá
Trecho 2 - Orla 500
Trecho 3 - Florestinha
Trecho 4 - Marinha
Trecho 5 - Rasa
2º conjunto - Caravelas e Peró
Trecho 1 - Limite Búzios/Inicio das Dunas (Lilibeth)
Trecho 2 - Inicio Dunas / Urbanização do Peró (Dunas Caravelas)
Trecho 3 – Urbanização (Peró)
Trecho 4 – Pitangueira
3º Conjunto – Praia do Forte / Praia do Foguete
Trecho 1 - Forte (Enseada do Forte São Matheus)
Trecho 2 – Algodoal (da Duna Boa Vista, até o inicio Av.
Litorânea)
Trecho 3 - Dunas do Braga ( Inicio da Av. Litorânea até o inicio da
estrada para Arraial do Cabo)
Trecho 4 - Foguete ( Início nas mediações do trevo que vai para
Arraial
do Cabo até o final do Foguete, na divisa com
os dois
Municípios.
Unidade III - Praia das Conchas
Praia das Conchas
Unidade IV - Costões Rochosos
Costões Rochosos
Unidade V - Canal do Itajuru
Trecho 1 – Da entrada da Barra até a Ponte Feliciano Sodré.
Trecho 2 – Da Ponte Feliciano Sodré até a Ilha do Anjo.
Trecho 3 – Da Ilha do Anjo até a Praia do Siqueira.
Unidade VI - Laguna de Araruama
Trecho 1 - Praia do Siqueira
Trecho 2 - Perinas Sudoeste
Unidade VII - Ilhas Costeiras
Fonte: CABO FRIO, 2003
Classificação
Classe B
Classe C
Classe C
Classe C
Classe A
Classe C
Classe B
Classe A
Classe B
Classe A
Classe C
Classe C
Classe B
Classe B
Classe B
Classe B
Classe C
Classe C
Classe C
Classe C
Classe B
Classe A
160
5.6.2 Proposta de Intervenção no Trecho Selecionado
O trecho da orla do Município de Cabo Frio escolhido para iniciar o Projeto
Orla foi o trecho 3, pertencente ao 3º conjunto de praias da Unidade Paisagística II
– Dunas do Braga – em uma área localizada no meio do grande arco praial entre o
promontório rochoso do Farol de Cabo Frio e a divisa com o município de Arraial
do Cabo, sendo praticamente uma extensão da Praia do Forte, principal praia
urbana da Cidade de Cabo Frio.
Embora esta área esteja incluída no Tombamento Estadual SEC/E
07/201717184, de 01 de fevereiro de 1988, ela ainda não possui plano de
ocupação e uso estabelecido, e está, portanto, sujeita a uma série de atividades e
usos potencialmente prejudiciais à dinâmica ambiental.
As Dunas de Cabo Frio, também conhecidas por Dunas do Braga – em
função do Bairro do Braga, que se localiza em frente ao campo de dunas –
encontram-se justamente na área de expansão da atividade turística de Cabo Frio.
Visando replicar o modelo de urbanização implementado na Praia do Forte, a
prefeitura de Cabo Frio vem tentando estender a via litorânea – cortando o campo
de dunas – desde o final da década de 1990, o que gerou uma ação do Ministério
Público estadual contra a Prefeitura (Ação judicial número 1999.011.006975-5,
segunda vara cível). No processo de elaboração do Plano de Intervenção na Orla
Marítima de Cabo Frio, novamente a via litorânea foi tema de polêmica e parte da
equipe técnica da prefeitura, insistiu na inclusão da execução da Via Litorânea
como a principal ação do Projeto Orla em Cabo Frio, alegando que a trajetória da
161
Avenida Litorânea funcionaria como um limite físico importante para que, ao longo
do seu percurso de 1.850 m (até a RJ-140), as margens que faceiam com as
Dunas fossem “cerceadas contra usos não condizentes com a proteção do
ecossistema de dunas, bem como, com a grandeza de sua beleza cênica” (CABO
FRIO 2003).
A veemência da equipe técnica da Prefeitura de Cabo Frio em incorporar a
Via Litorânea no rol de ações previstas para o ordenamento da orla marítima deve
ser entendida como parte de um processo de modernização voltado para a atração
de capitais turísticos para o município. Nesse sentido, conforme analisou Alcântara
(2005, p. 87-88):
Para uma boa parte das administrações municipais brasileiras, principalmente
as de municípios economicamente debilitados e tidos como possuidores de
alguma "vocação turística", o turismo se apresenta como uma saída
duplamente sedutora. O padrão de investimentos públicos para o
desenvolvimento local do turismo pode, freqüentemente, atender às
reivindicações e pressões de frações da sociedade civil - "organizada" - local,
de relativo poder econômico e/ou político, favorecendo mais diretamente a
segmentos sociais específicos. Por outro lado, constata-se o forte apoio
popular que pode receber este tipo de política com um discurso pródesenvolvimento via turismo.
Assim, afirma Alcântara, o município de Cabo Frio, que tem seu potencial
turístico associado à beleza cênica e à qualidade paisagística de suas praias, tem
levado a cabo inúmeras intervenções urbanas voltadas para requalificar os
espaços de consumo turístico, tendo como objetivo ampliar a atratividade turística
da cidade. Nesse sentido, apresenta Alcântara (Id. ibidem, p.88):
Todas as principais praias, áreas voltadas ao lazer e suas vias de circulação
passaram por algum tipo de intervenção. Certamente, as intervenções
desencadeadas por este processo acarretaram numa enorme transformação
na configuração da paisagem das áreas centrais da cidade. Não obstante, do
162
início do processo, a partir de meados dos anos 90, até o ano de 2001, houve
um significativo acréscimo na arrecadação de ICMS
Essa orientação na equipe técnica local ficou clara ao longo das oficinas de
elaboração do Plano de Intervenção na Orla de Cabo Frio, nas quais um dos
membros da equipe da Prefeitura de Cabo Frio – que representava, segundo sua
própria definição, o Prefeito de Cabo Frio – nitidamente agia contra a definição de
ações restritivas no Plano de Intervenção, buscando sempre ampliar as formas de
atrair investimentos e favorecer a atividade econômica (fundamentalmente
turística) no município.
Figuras 17, 18 e 19: Dunas do Braga – área de intervenção prioritária
Fonte: Prefeitura de Cabo Frio (2003) e arquivo pessoal
163
5.6.3 O Processo Político
O processo de capacitação do Projeto Orla em Cabo Frio ampliou os canais
de comunicação entre os gestores na esfera do município com o Gerenciamento
Costeiro na esfera do Estado do Rio de Janeiro e na esfera do Governo Federal.
Teve como principal resultado prático a elaboração de um documento técnico de
propostas para a gestão da orla marítima do Município. Enquanto peça técnica, o
documento apresenta-se coerente e bem elaborado, mesmo que haja divergências
sobre se o caminho escolhido para o desenvolvimento do município seria o mais
adequado do ponto de vista da sustentabilidade do ecossistema de dunas – que
pode ser altamente impactado pelo aumento da freqüência turística no local. Como
resultado político do Projeto Orla, o Município de Cabo Frio estabeleceu, em junho
de 2005, um convênio de cooperação técnica com a União, por meio do Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão, com a interveniência do Ministério do Meio
Ambiente, cuja finalidade era o desenvolvimento de ações conjuntas destinadas à
implementação das ações estabelecidas no Plano de Intervenção na Orla Marítima.
Esse convênio, com duração inicial de um ano, poderia ser prorrogado por
até cinco anos. Entretanto não houve interesse do município em ampliar o prazo de
vigência do contrato, tendo este terminado em 2006, sem que o município tivesse
implementado a maior parte das ações previstas no Plano de Intervenção. A
alegação do município é que o convênio trazia mais responsabilidades do que
benefícios ao município, necessitando uma ampliação da capacidade de
fiscalização do município sem gerar contrapartidas financeiras.
164
O rompimento do convênio, entretanto, pode estar associado a pressões
ligadas ao capital imobiliário, que tem incorporado, recentemente, grande
quantidade de áreas de antigas salinas, que após Estudos de Impacto Ambiental
(EIA) passam a ser loteadas e vendidas como condomínios de luxo ou a
empreendimentos
turísticos
stricto
sensu,
representados
pelo
aporte
de
investimentos de grande monta que buscam áreas ainda preservadas do município
para a implantação de grandes complexos hoteleiros sob a fachada de Resorts
ecológicos.
A questão do “Resort Ecológico” do grupo Club Med – a ser implantado na
APA do Pau Brasil, no bairro do Peró – é particularmente polêmica, pois envolve
elementos obscuros, tais como a aprovação em caráter de urgência de alterações
na Lei Orgânica do município – especialmente o Art. 166, que considera Área de
Preservação Permanente as matas localizadas na APA do Pau Brasil – e a
aprovação “relâmpago” do Plano Diretor do Município, que é altamente permissivo
e generalista – e que, do ponto de vista ambiental, apenas se limitou a repetir e
registrar o Tombamento Estadual das Dunas. Com isso, aprovou-se a implantação
do Complexo turístico do Club Med antes da regulamentação e aprovação do
Plano de Manejo da APA do Pau Brasil, ainda sem previsão para a sua conclusão.
As argumentações dos vereadores que aprovaram os projetos deixam clara
a pressão exercida por parte dos empreendedores para a rápida tramitação do
processo. Em entrevista concedida ao programa “Bom Dia Litoral”, da Rádio Litoral
FM, no dia 22 de novembro de 2006, o vereador Alfredo Gonçalves afirmou:
165
O que aprovamos na Câmara foi a parte estrutural do Club Med, até mesmo
porque havia uma pressão por parte dos empreendedores e, se Cabo Frio
não viabilizasse, pelo menos uma parcela do projeto, perderíamos para outra
cidade do Estado, como Rio das Ostras. Eu votei a favor pois na lei que
aprovamos está claro que o projeto tomará apenas 7% da área total de 4,5
milhões metros quadrados. Cabo Frio precisa de um projeto dessa estrutura
para gerar empregos.
O abandono das ações previstas no Projeto Orla e a aprovação de um Plano
Diretor permissivo com a questão da expansão urbana do município denotam que
o impasse à Gestão Integrada da Zona Costeira se encontra na ponta do processo,
isto é, na implementação dos projetos e na definição de regras e mecanismos de
controle que garantam o efetivo comprometimento dos atores institucionais
envolvidos (e das instituições por eles representadas) na execução das ações
definidas nos fóruns ligados ao Gerenciamento Costeiro e ao meio ambiente.
Os grupos de interesse locais incorporam o discurso de preservação
ambiental e utilizam estratégias discursivas associadas ao desenvolvimento que se
pautam em uma racionalidade utilitária, onde determinados usos – ainda que
impactantes – geram "benefício à cidade" ou contribuem para o “desenvolvimento
local” e devem ser tolerados e, mesmo, estimulados, independente da perda do
patrimônio ambiental e paisagístico que tais usos representam.
Em função dessa lógica, mesmo atividades de pequeno porte, mas com alto
impacto visual e ambiental – e até mesmo social – acabam sendo permitidas e até
mesmo estimuladas por parte do poder público, como é o caso da implantação de
atividades econômicas que privatizam a praia. Desse modo, a atuação política da
Prefeitura Municipal de Cabo Frio reafirma a consolidação da praia como mais um
166
elemento de consumo e que concebe o turismo primordialmente como atividade
econômica. Essa visão desprestigia uma noção que perceba a praia como um
lugar público (Figura 20).
Figura 20 – Barracas de praia padronizadas pela Prefeitura com privatização da área
adjacente
Fonte: Alcântara, 2005
167
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A definição da escala adequada para tratar um determinado problema é
complexa, pois ela envolve a distribuição espacial de poder. Algumas questões
fundamentais devem ser freqüentemente observadas para que não haja nem a
tutelação do poder local por uma instância superior, nem uma sobrecarga de
atribuições no nível local, sem que este tenha capacidade técnica ou meios
financeiros para atuar sobre as novas funções.
É fundamental ter clareza de que o poder local não pode ser tratado
isoladamente, pois a eficiência da administração local depende da capacidade dos
governos para mobilizar recursos e articular atores, governamentais ou não, em
diferentes escalas, no sentido de criar coalizões que permitam ampliar a
governabilidade local e, assim, garantir o cumprimento das novas atribuições
demandadas pelo processo de descentralização administrativa em curso no Brasil
atualmente.
Dessa forma, as possibilidades existentes envolvem arranjos locais que
somente funcionariam em função de uma combinação de fatores, como recursos
ou capacidade técnica, articulados em escalas variadas. Entretanto, atualmente, a
nova territorialidade da política, conforme apresentou Acselrad (2002, p. 43),
(...) traduz-se, por certo, no fato que as diferentes escalas geográficas –
cidades, regiões e Estados-Nação – encontram-se em concorrência.
Utilizando os poderes do Estado, diferentes grupamentos territoriais se
esforçam por canalizar em sua vantagem os fluxos de capital (...) Por esse
expediente, porém, o poder de disposição sobre os recursos materiais e
institucionais passa a situar-se não mais propriamente em instâncias globais
ou locais, mas naqueles atores dotados de maior mobilidade espacial e de
168
maior capacidade de efetuar o que se entende crescentemente por ser uma
política de escalas.
Nesse contexto, o Gerenciamento Costeiro deve buscar uma articulação
mais efetiva com a política urbana na esfera municipal, evitando, porém, operar um
jogo de escalas que venha a mascarar responsabilidades sobre a gestão de
determinadas áreas. Os mecanismos de gestão da Zona Costeira deveriam ter sido
alvo das recentes mudanças no quadro de implementação da política urbana no
Brasil. Os mecanismos definidos pelo PNGC deveriam estar contemplados no
Estatuto da Cidade, o que teria contribuído para um aperfeiçoamento do arcabouço
institucional e legal dos municípios costeiros, etapa necessária à transição de
poder e de responsabilidade aos municípios.
Amparar legalmente o Projeto Orla no Decreto nº 5.300/2004 foi um grande
avanço para o sucesso do Projeto, entretanto consideramos que a falta de um
dispositivo legal que comprometa as prefeituras a cumprir com as medidas
expostas no Plano de Intervenção um aspecto falho do Projeto. Esse dispositivo
poderia vincular o Projeto Orla ao Plano Diretor do Município, evitando o que
ocorreu em Cabo Frio, onde o Plano Diretor do Município, realizado no ano de
2006, não mencionou nenhuma vez o Projeto Orla nem as diretrizes de ocupação
desse espaço. Sendo assim, não apenas as áreas urbanas próximas à orla
deixaram de ser reguladas à luz de uma preocupação com os princípios do
gerenciamento costeiro, mas até mesmo os avanços ocorridos a partir do Projeto
Orla foram deixados de fora do principal instrumento definidor da política urbana de
Cabo Frio. Sintomaticamente, o mesmo ocorreu em diversos outros municípios que
169
também realizaram Projeto Orla no Estado do Rio de Janeiro, como Araruama,
Casimiro de Abreu, Campos dos Goytacazes, entre outros.
Infere-se sobre essa análise que um elemento fundamental na dinâmica do
Projeto Orla foi negligenciado: a Fase de Implementação das Ações. Foi observada
na pesquisa uma recusa, por parte da coordenação, de um entendimento de que a
fase de implementação é algo além de apenas uma etapa subsequente à
formulação – No Policy Cicle do projeto Orla, as três etapas iniciais: Identificação
do Problema; Preparação do Programa; e Adoção Formal são equacionadas de
maneira satisfatória, contando com uma pluralidade de atores e com o devido
apoio ao município na formulação de estratégias de ação. Entretanto, as etapas
subseqüentes – Implementação e Avaliação – permanecem com os tradicionais
impasses e sem o devido apoio ao município no enfrentamento de grupos de
interesse localizados. Dessa forma, ao contrário, acirraram-se os conflitos
interjurisdicionais entre órgãos e instituições, permitindo o surgimento de brechas e
ambigüidades legais ou omissões de normas operacionais, além de outros fatores
que comprometem o sucesso da política. A implementação, portanto, deve ser
tomada como processo, tanto quanto (ou mais do que) as demais fases do ciclo,
pois ela implica em tomadas de decisões e se constitui em fonte de informações
para a formulação e para o entendimento da dinâmica e do sucesso da política em
questão.
Assim, se há um interesse em que o projeto não seja apenas uma
transferência formal da responsabilidade sobre a gestão dos Terrenos de Marinha
para a esfera do município, sem que este atenda minimamente aos interesses
170
formulados pela coordenação do Projeto Orla, é preciso que haja um
comprometimento maior dos atores envolvidos em suplantar os entraves
associados às diferenças de interesses envolvidas no projeto, seja definindo
diretrizes mais claras sobre o papel a ser cumprido pelos Terrenos de Marinha (e
seus acrescidos) na gestão ambiental, seja atuando de forma mais presente,
dividindo com o município o ônus político do enfrentamento de interesses
contrários a uma gestão mais restritiva desse espaço.
É fundamental, entretanto, observar que as estratégias discursivas adotadas
raramente irão se contrapor à idéia de preservação ambiental. Entretanto nem
sempre as ações preconizadas conduzirão a processos mais sustentáveis ou
equilibrados do que os que estão em curso atualmente.
Em Cabo Frio, ficou evidente o papel simbólico exercido pelo meio físico
como contribuinte para a formação de uma identidade local. As intervenções do
poder público sobre o meio físico e a conseqüente renovação da paisagem
revigoram um discurso desenvolvimentista baseado no turismo. Não há, porém,
uma perspectiva de mudança de rumos. A lógica predominante continua sendo a
mesma que condicionou toda a ocupação e que gerou processos altamente
impactantes sobre o meio físico.
Por isso, entende-se que o Projeto Orla só tem viabilidade se deixar de ser
uma peça meramente técnica e passar a servir como subsídio a um processo
político de mudança nas formas de gestão territorial. A análise realizada neste
estudo de caso permite afirmar que tal não ocorrerá se não houver mecanismos
institucionais que estimulem o município a efetuar esse processo, dividindo
171
responsabilidades e assumindo parte do ônus político representado por medidas
restritivas a interesses de grupos com maior acesso ao poder político local.
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