Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza Instituto de Geociências Programa de Pós-graduação em Geografia Gestão Ambiental e Gerenciamento Costeiro Integrado no Brasil: uma análise do Projeto Orla em Cabo Frio - RJ Ricardo Voivodic Rio de Janeiro - 2007 Gestão Ambiental e Gerenciamento Costeiro Integrado no Brasil: uma análise do Projeto Orla em Cabo Frio - RJ ii Gestão Ambiental e Gerenciamento Costeiro Integrado no Brasil: uma análise do Projeto Orla em Cabo Frio - RJ Por Ricardo Augusto de Almeida Voivodic Dissertação apresentada para o cumprimento parcial das exigências para o título de Mestrado em Geografia Universidade Federal do Rio de Janeiro Banca examinadora: Cláudio Antônio Gonçalves Egler (orientador) Dieter Muehe Antônio Carlos Robert Moraes Rio de Janeiro – março de 2007 iii Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do sem autorização da Universidade, do autor e do orientador Voivodic, Ricardo Augusto de Almeida. Gestão Ambiental e Gerenciamento Costeiro Integrado no Brasil: uma análise do Projeto Orla em Cabo Frio - RJ Rio de Janeiro: UFRJ / IGEO/PPGG, 2007 v., 181 f.; 29,7 cm Dissertação apresentada para o cumprimento parcial das exigências para o título de Mestrado em Geografia - Universidade Federal do Rio de Janeiro – Instituto de Geociências Inclui Referências bibliográficas 1. Gestão Ambiental 2. Gerenciamento Costeiro Integrado 3. Planejamento Urbano 4. Projeto Orla iv Gestão Ambiental e Gerenciamento Costeiro Integrado no Brasil: uma análise do Projeto Orla em Cabo Frio - RJ Por Ricardo Augusto de Almeida Voivodic Dissertação apresentada para o cumprimento parcial das exigências para o título de Mestrado em Geografia Universidade Federal do Rio de Janeiro Aprovada em: 15 de março de 2007 Banca examinadora _________________________________________________________________________ Prof. Dr. Cláudio Antônio Gonçalves Egler - Orientador IGEO/PPGG - URFJ _________________________________________________________________________ Prof. Dr. Dieter Muehe IGEO/PPGG - URFJ _________________________________________________________________________ Prof. Dr. Antônio Carlos Robert Moraes Universidade de São Paulo v “O real não está na saída nem na chegada: Ele se dispõe para a gente é no meio da travessia” Guimarães Rosa vi Para a Bel Agradecimentos Antes de tudo, gostaria de destacar a importância para a minha formação o fato de ter me graduado e feito o mestrado na Geografia da UFRJ, agradecendo a essa instituição e seu corpo docente e funcionários pelo apoio recebido. Mas não posso deixar de mencionar que trabalhar no Instituto Brasileiro de Administração Municipal tem me oferecido mais do que uma excelente escola de vida, tem sido a possibilidade real de atuar nas questões ambientais, sociais e democráticas, e que me permite sonhar e ajudar a construir uma realidade um pouco melhor e mais justa. A todos os colegas e funcionários do IBAM, que certamente fazem da instituição referência área de planejamento urbano, na descentralização administrativa e no apoio aos municípios. E, em especial, a Ana Lúcia Nadalutti La Rovere, superintendente da Área de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, por todo o apoio e confiança. A Alberto Lopes, por ter sempre estado disposto a me ouvir e ajudar com importantes conselhos e orientações. Aos amigos do IBAM: Pedro, Rodrigo, Ninô, Jansen, Maurício, Flavia, Gil, Alexandre, Adriana, Leo e Paula, por fazerem com que as horas de trabalho sejam momentos de grande descontração e aprendizado Ao Professor Cláudio Egler, meu orientador, que sempre apoiou e me concedeu liberdade para conduzir esse estudo. Ao João, amigo de todas as horas e peça fundamental na discussão dos assuntos tratados neste trabalho. Aos colegas de mestrado, em especial à Mariana, que compartilhou comigo as mesmas dificuldades. Um agradecimento especial aos grandes amigos que são parte integrante da minha própria constituição: Vitor, Gui-gui, Laura, Henrique, Paulada, Flavinho, Roger e Tapajós. À Tânia, pela ajuda com a redação. À Bel, pelo companheirismo, compreensão e todo o carinho nas horas boas e difíceis. À minha mãe, por tudo, mas principalmente por ter me despertado o amor pelas ciências humanas. Sem esquecer, é claro, o apoio prático nas correções e leitura crítica. vii RESUMO Palavras-chave: Gestão Ambiental; Gerenciamento Costeiro Integrado; Planejamento Urbano; Projeto Orla O Brasil abriga ao longo do litoral diversos ecossistemas de alta relevância do ponto de vista ecológico, mas pressões da ocupação antrópica, no entanto, constituem grave ameaça a esse patrimônio ambiental. A degradação do ambiente costeiro é fruto de um acelerado processo de ocupação. A gestão ambiental é um grande desafio, pois os instrumentos de planejamento e gestão implementados ao longo das últimas décadas para a Zona Costeira Brasileira apresentam diversos problemas. O propósito deste trabalho é avaliar os conflitos de competência institucional existentes no Projeto Orla, decorrentes da falta de definição de escalas de atuação nas formas de descentralização do poder. Um estudo de caso foi realizado tendo como foco o Município de Cabo Frio-RJ, onde foram identificadas estratégias locais voltadas para o desenvolvimento do município que incorporam a dimensão ambiental em seu discurso, mas não rompem com práticas e com modelos de desenvolvimento altamente lesivos ao meio ambiente, pondo em risco o patrimônio paisagístico do local. viii LISTA DE QUADROS Quadro 1: Ações Essenciais que Correspondem aos Passos do Ciclo de Gerenciamento Costeiro Integrado .................................................... Quadro 2: Principais Ações e Medidas Identificadas no Âmbito do Projeto Orla ........................................................................................................ Quadro 3: 103 Relação entre Escalas de Apreensão dos Fenômenos e Atividades de Gestão .............................................................................................. Quadro 4: 73 115 Cabo Frio – População Total, Urbana e Rural, e Taxa de Crescimento Médio Anual entre 1950 e 20000..................................... 140 Quadro 5: Divisão em Unidades de Paisagem....................................................... 150 Quadro 6: Classificação dos Trechos da Orla de Cabo Frio .............................. 160 ix LISTA DE FIGURAS Figura 1: Municípios Participantes do Projeto Orla Cuja Execução Coube ao IBAM ................................................................................................. xvii Figura 2: Municípios que Compõem a Zona Costeira Brasileira ..................... Figura 3: Ciclos do Gerenciamento Costeiro Integrado ................................... Figura 4: Localização de Cabo Frio na Micro-região das Baixadas Litorâneas - RJ Cabo Frio – Evolução da População Total e Urbana entre 1950 e 2000 ........................................................................................................ Figura 5: 25 72 133 140 Figura 6: Lançamento de Esgoto in Natura no Canal do Itajuru ...................... Figura 7: Município de Cabo frio – Abrangência das Áreas Atendidas por Coleta de Esgoto .................................................................................. 147 148 Figura 8: Unidades Paisagísticas ........................................................................ Figura 9: Unidade I – Rio São João....................................................................... Figura 10: Praias do distrito de Tamoios............................................................... Figura 11: Praia do Forte.......................................................................................... Figura 12: Dunas do Braga...................................................................................... Figura 13: Dunas do Braga...................................................................................... Figura 14: Praia das Conchas.................................................................................. Figura 15: Praia Brava, Costão e Farol de Cabo Frio............................................ Figura 16: Canal do Itajuru....................................................................................... Figura 17 Dunas do Braga – área de intervenção prioritária............................... Figura 18 Dunas do Braga – área de intervenção prioritária............................... Figura 19 Dunas do Braga – área de intervenção prioritária............................... Figura 20 Barracas de praia padronizadas pela prefeitura.................................. 150 152 152 154 155 155 156 157 158 163 163 163 167 x LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CILJS – Consórcio Intermunicipal Lagos São João CIRM – Comissão Interministerial para os Recursos do Mar CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente FEEMA – Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente FIRJAN – Federação das Indústrias do Rio de Janeiro GCI – Gerenciamento Costeiro Integrado GERCO – Gerenciamento Costeiro GESAMP – Joint Group of Experts on the Scientific Aspects of Marine Environmental Protection GIGERCO – Grupo de Integração de Gerenciamento Costeiro GRPU – Gerências Regionais do Patrimônio da União IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal INEPAC – Instituto Estadual do Patrimônio Cultural MMA – Ministério do Meio Ambiente MPO – Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão OEMA – Órgãos Estaduais de Meio Ambiente PMCF – Prefeitura Municipal de Cabo Frio PMGC – Plano Municipal de Gerenciamento Costeiro PNMA – Política Nacional de Meio Ambiente PNGC – Programa Nacional de Gestão Costeira POOC – Planos de Ordenamento da Orla Costeira (de Portugal) SERLA – Superintendência Estadual de Rios e Lagoas SIG – Sistemas de Informações Geográficas SIGERCO – Sistema de Informações do Gerenciamento Costeiro SPU – Secretaria do Patrimônio da União SQA/MMA – Secretaria de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro ZEEC – Zoneamento Ecológico Econômico Costeiro xi SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .............................................................................................. xiii 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 20 1.1 Conextualização do Tema .......................................................................... 1.2 Objetivos ..................................................................................................... 1.3 Questões Norteadoras ............................................................................... 1.4.Estrutura da Dissertação ........................................................................... 1.5 Métodos de Pesquisa ................................................................................. 1.6 Técnicas de Coleta de Dados .................................................................... 20 32 33 34 35 37 2 A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL NA ZONA COSTEIRA E MECANISMOS DE GESTÃO .................................................................................................... 39 39 2.1 Espaço Costeiro – Particularidades e Pressões ..................................... 2.2 Urbanização Turística no Litoral - O Fenômeno da Segunda Residência ................................................................................................... 2.3 Dificuldades na Gestão Ambiental na Zona Costeira ............................. 2.4 Definindo Conceitualmente o Gerenciamento Costeiro Integrado ........ 2.5 Gerenciamento Costeiro no Brasil ............................................................ 42 58 64 76 3 O PROJETO ORLA ......................................................................................... 81 3.1 Uma mudança de escala no âmbito do Gerenciamento Costeiro .......... 3 2 O Uso dos Terrenos de Marinha e seus Acrescidos ............................... 3.3 Os Planos de Intervenção na Orla Marítima ............................................. 89 97 101 4. ENQUADRAMENTO TEÓRICO SOBRE A QUESTÃO INSTITUCIONAL .... 107 4.1 Centralização ou Descentralização no Brasil - A Política de Escalas no Gerenciamento Costeiro ....................................................................... 4.2 A Questão das Escalas e seu Debate na Geografia ................................ 116 125 5 ESTUDO DE CASO: A IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO ORLA EM CABO FRIO ..................................................................................................... 5.1 Histórico da Ocupação ............................................................................... 5.2 Evolução Demográfica do Município ........................................................ 5.3 O Processo Histórico de Apropriação de Terras em Cabo Frio ............. 5.4 Impactos Ambientais do Processo de Urbanização de Cabo Frio ........ 5.5 Os Impactos da Urbanização Turística na Orla Marítima de Cabo Frio 5.6 O Projeto Orla em Cabo Frio ..................................................................... 131 134 139 141 144 149 150 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 168 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 173 xii APRESENTAÇÃO Esta dissertação não tem a pretensão de ser conclusiva, nem de exaurir todas as possibilidades de análise sobre os elementos nela contidos. Ela é, isto sim, o estudo de um processo e de como os fatos e as lições se dispuseram ao longo dele, modificando o seu rumo e alterando suas conclusões. Por isso, tomo como ponto de partida a minha própria inserção nesse processo. Tendo sido graduado bacharel em geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e tendo dado ênfase especial ao papel da geografia no Planejamento Urbano e Territorial, tive o meu primeiro exercício profissional no Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), que atualmente conta com 54 anos de experiência em atendimento aos municípios. A missão institucional do IBAM é promover o Município enquanto esfera autônoma de Governo, fortalecendo sua capacidade de formular políticas, implementar projetos de desenvolvimento e promover o ordenamento urbano. Dentre as diversas áreas de atuação do IBAM, realizei a maior parte dos meus trabalhos em projetos vinculados à Área de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, na qual tive experiências diversas que envolveram estudos e relatórios de indicadores ambientais e urbanos, consórcios municipais de desenvolvimento, cadastro multifinalitário, Plano Diretor e o Projeto Orla. Desses, o primeiro que pressupunha uma participação real com uma atuação em campo, isto é, a partir do município, contribuir diretamente para a formulação de propostas e políticas, foi o Projeto Orla. xiii O Projeto Orla – Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima é uma iniciativa do Ministério do Meio Ambiente (MMA), em parceria com o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPO), via Secretaria do Patrimônio da União (SPU), que atua nos municípios, buscando aplicar diretrizes de ordenamento de uso e ocupação da Orla Marítima. A concepção de gestão apresentada nos documentos e manuais do Projeto Orla vincula-o aos princípios da política ambiental brasileira e tem como pressupostos legais: a Lei n° 7661/1988, que institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, o Decreto n° 5300/2004 e a Lei n° 9636/1998, que dispõe sobre regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União, incluindo os localizados na orla marítima. O arranjo institucional proposto pelo Projeto Orla é orientado no sentido da descentralização de ações de planejamento e gestão dos terrenos defrontantes com o mar, da esfera federal para a do município. Cumpre ressaltar que tais áreas, em sua grande maioria, são Terrenos de Marinha, isto é, estão sob domínio da União; esse instituto legal será analisado no capítulo 2 desta dissertação. A proposta do Projeto visa a articular os órgãos de meio ambiente e as Gerências Regionais do Patrimônio da União (GRPU) às administrações municipais e organizações não-governamentais locais, além de estabelecer contatos com outras entidades e instituições relacionadas ao patrimônio histórico, artístico e cultural, bem como vinculá-los a questões fundiárias ou a atividades econômicas específicas – como as portuárias ou relativas à exploração petrolífera – cuja atuação tenha reflexo destacado naquele espaço. xiv São apresentados, como objetivos estratégicos do Projeto Orla: o fortalecimento da capacidade de atuação e a articulação de diferentes atores do setor público e privado na gestão integrada da orla; o desenvolvimento de mecanismos institucionais de mobilização social para sua gestão integrada; e o estímulo de atividades sócio-econômicas compatíveis com o desenvolvimento sustentável da orla (BRASIL, 2002). O IBAM iniciou sua participação no Projeto Orla, em caráter ad hoc, na fase de desenvolvimento e validação da metodologia, incluindo sua aplicação e avaliação em quatro Municípios-piloto, todos do Piauí. Participou, também, da Reunião de Trabalho sobre Procedimentos de Implementação do Projeto Orla, realizada em Brasília nos dias 23 e 24 de maio de 2002. Essa reunião tinha como objetivos: a articulação das equipes dos Órgãos Estaduais de Meio Ambiente (OEMAs/GERCO) e das Gerências Regionais do Patrimônio da União (GRPUs/SPU); a discussão da estratégia de condução do projeto na esfera estadual; e a discussão da minuta do Termo de Convênio entre SPU e Municípios (IBAM, 2004). Além das atividades de concepção e planejamento, descritas acima, participei diretamente, pelo IBAM, em conjunto com a coordenação nacional do Projeto Orla, das seguintes fases: • Capacitação dos instrutores – etapa que compreendeu: a realização da oficina de treinamento dos instrutores para o repasse da metodologia do Projeto Orla; a preparação do programa das atividades presenciais; a organização do material didático de apoio e de informações básicas a serem xv disponibilizadas nas oficinas; e reuniões para definição e ajuste das estratégias de execução das atividades. • Aplicação prática da metodologia – atividade realizada junto aos Municípios selecionados, em dois momentos do cronograma de trabalho: - Atividade presencial I – repasse da metodologia que conduz à elaboração do Plano de Intervenção na Orla Marítima (diagnóstico da situação socioeconômica e ambiental, definição e delimitação da faixa de orla, seleção e classificação de trechos para intervenção, formulação de cenários e propostas). Apresentação do Roteiro de Elaboração do Plano de Intervenção. - Atividade presencial II – apresentação da versão preliminar do Plano de Intervenção, elaborado pela equipe local, seguida de discussão e sugestões para a complementação do documento. Detalhamento dos itens do Roteiro relativos às estratégias de implementação, legitimação, acompanhamento e avaliação do Plano de Intervenção. Definição da composição e das atribuições do Comitê Gestor. • Acompanhamento da elaboração dos Planos de Intervenção na Orla Marítima – atividade realizada no intervalo entre as Atividades Presenciais I e II; a etapa posterior às Atividades consistiu na assistência técnica prestada às equipes locais responsáveis pela elaboração dos planos. Ao longo de dois anos, atuei diretamente na implementação do Projeto Orla realizando as atividades descritas para fornecer assistência técnica a quarenta Municípios (ver Figura 1), selecionados em dez Estados, que estavam em fase de execução de projetos de gerenciamento costeiro no âmbito do PNMA II, a saber: - Amapá – Macapá e Santana; - Ceará – Beberibe e Icapuí; - Paraíba – João Pessoa e Cabedelo; - Pernambuco – Cabo de Santo Agostinho e S. José da Coroa Grande; - Sergipe – Itaporanga d´Ajuda; e Estância; - Bahia – Conde; xvi - Rio de Janeiro – Araruama, Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia e Saquarema; Armação dos Búzios, Arraial do Cabo, Cabo Frio, Casemiro de Abreu, Rio das Ostras, Campos dos Goytacazes, Carapebus, Macaé, Quissamã, Angra dos Reis, Mangaratiba e Paraty; - Paraná – Pontal do Paraná, Matinhos e Guaratuba; - Santa Catarina – Navegantes, Itajaí, Balneário de Camboriú, Itapema, Porto Belo e Bombinhas; - Rio Grande do Sul – Torres, Arroio do Sal, Capão da Canoa e Rio Grande. Figura 1: Municípios Participantes do Projeto Orla Cuja Execução Coube ao IBAM Em contato direto com os técnicos dos municípios, diante dos problemas, conflitos e frente às ações propostas para mitigá-los, observei um conjunto de questões, reincidentes nas preocupações de municípios muito diferentes entre si. De um modo geral, refletiam, por diversos aspectos, preocupações com a atração de investimentos, a promoção imobiliária e o desenvolvimento turístico, revelando os interesses de grupos específicos ou disputas políticas. Muitas vezes, embora xvii houvesse consenso durante a oficina de repasse da metodologia e preparação do Plano de Intervenção sobre determinadas questões de caráter preservacionista, secretários ou técnicos mais próximos às instâncias decisórias na política municipal mostravam-se céticos, afirmando que seriam diretrizes ou ações inócuas, pois dificilmente seriam implementadas. De um modo geral, percebe-se que o poder público municipal tem um conjunto de questões que lhes são próprias. Em parte, elas refletem tanto a consolidação do poder e interesses econômicos que se manifestam na escala local (como interesse imobiliário ou políticas clientelistas, por exemplo), quanto a disputa em torno da distribuição de funções e competências entre esferas de governo para a gestão de assuntos que dizem respeito aos interesses locais. Nesse sentido, pude observar que esferas de governo e seus representantes e atores institucionais, alocados em diversas escalas, se utilizam de estratégias discursivas e de mecanismos legais que determinam as capacidades de atuação e promoção de seus interesses, ou de interesses de grupos de pressão específicos de cada escala. Da observação dessa delicada mediação de interesses e da necessidade de se construírem políticas integradas, surgiu a preocupação por discutir teoricamente a questão das escalas e dos arranjos interinstitucionais, buscando identificar como diferentes escalas se articulam especificamente dentro do sistema de governo a partir de uma perspectiva de gestão integrada, nos marcos políticos e conceituais da Gestão Integrada da Zona Costeira ou Gerenciamento Costeiro Integrado. xviii Assim, de posse de um conjunto de questionamentos. Surgiu o interesse em incorporar a observação crítica, oriunda do trabalho técnico, que se situa na ponta do processo, para aprofundar o estudo e a conceituação sobre os benefícios e as deficiências do Projeto Orla. Dessa forma, visando identificar as possibilidades de implementação de uma política de Gerenciamento Costeiro Integrado ainda mais coerente e sustentável, é que enfrentei o desafio (e os riscos) de analisar um processo que ainda está em curso e que, portanto, conta com diversas dificuldades de avaliação. A vantagem, por outro lado, é que as analises aqui feitas podem subsidiar alterações no Projeto, uma vez que o caminho a ser percorrido por ele apenas começou. xix 1 INTRODUÇÃO 1.1 Contextualização do Tema Desde o descobrimento do Brasil, as regiões costeiras vêm sendo utilizadas como espaços privilegiados para o assentamento humano, e a relação do homem com esses espaços é permeada por aspectos culturais e socioeconômicos altamente relevantes. Junto a isso, é necessário salientar a importância, nos últimos cinqüenta anos, do crescimento do turismo como fenômeno sociocultural de grande magnitude, principalmente por sua relevância na incorporação e modificação dos espaços litorâneos. Os ambientes marinhos e costeiros do Brasil têm sofrido, nos últimos anos, um contínuo processo de degradação, gerado pela crescente pressão da atividade humana sobre os recursos naturais marinhos e continentais e pela capacidade limitada de esses ecossistemas absorverem os impactos dela resultantes. A modificação do balanço de nutrientes, a alteração ou destruição de hábitats , as mudanças na sedimentação, a superexploração de recursos pesqueiros, a poluição industrial, principalmente por poluentes persistentes, e a introdução de espécies exóticas constituem-se nos maiores impactos ambientais verificados na Zona Costeira brasileira (SANTOS; CÂMARA 2002). Podem ser encontrados, ao longo do litoral brasileiro, diversos ecossistemas de alta relevância do ponto de vista ecológico, tais como: mangues, campos de 20 dunas e falésias, baías e estuários, recifes e corais, praias e cordões arenosos, costões rochosos e planícies de marés, entre outros. É também na Zona Costeira que se localizam as maiores manchas residuais de mata atlântica. Tal mosaico de situações e ambientes diversificados confere à Zona Costeira diversas oportunidades para atividades econômicas, como, por exemplo, a pesca, a agricultura, a aqüicultura, a exploração de recursos minerais, e a exploração turística, entre outros (SANTOS; CÂMARA, 2002). As pressões da ocupação antrópica, no entanto, constituem grave ameaça a esse patrimônio ambiental. Além disso, a diversidade de condicionantes ao longo da Zona Costeira torna a gestão integrada desses espaços um desafio, uma vez que situações freqüentemente díspares e pressões de grupos sociais com interesses econômicos nas áreas litorâneas dificultam a elaboração e a implementação de políticas preventivas e corretivas. Ao longo da Zona Costeira brasileira, grandes centros urbanos (cinco das nove regiões metropolitanas brasileiras encontram-se à beira-mar) são entremeados por áreas de baixa densidade de ocupação, onde ocorrem ecossistemas de grande importância ambiental. Entretanto, essas áreas costeiras com baixa densidade populacional vêm sofrendo um rápido processo de ocupação, que tem como vetores a urbanização, o turismo e a industrialização. Quando se consideram, além das cinco regiões metropolitanas costeiras, os efetivos de outras conurbações litorâneas, chega-se a quase 25 milhões de habitantes, distribuídos em apenas onze aglomerações urbanas na costa. Metade da população brasileira reside a não mais de duzentos quilômetros do mar, o que 21 equivale a um efetivo de mais de setenta milhões de habitantes, cuja forma de vida impacta diretamente os ambientes litorâneos. As diversas situações existentes ao longo da Zona Costeira brasileira têm, como elemento comum, a fragilidade dos ecossistemas encontrados e a complexidade da sua gestão, com uma demanda enorme por insumos e material técnico e científico que subsidie a elaboração e a implantação de políticas públicas para esse espaço. Os mecanismos de planejamento implementados ao longo das décadas de 80 e 90 para a Zona Costeira brasileira apresentaram problemas e dificuldades gerais comuns aos modelos tradicionais de planejamento, quais sejam: a fragmentação da produção do conhecimento, a identificação histórica com o tecnocratismo (legitimador de uma matriz conservadora) e a falta de articulação entre esferas de governo. Além dessas dificuldades gerais, existe o fator agravante de que essa área apresenta um mosaico com imensa variedade de situações, unidades fisiográficas, níveis e formas de ocupação do território. De fato, como veremos no capítulo 2, a Zona Costeira é um ambiente repleto de particularidades no tocante às dimensões ambientais e sociais. Em parte devido a esse motivo, até mesmo a definição dos termos “Zona Costeira” e “Ambiente Costeiro” estão sujeitos a várias formas de interpretação e delimitação, que variam de acordo com o tipo de análise ou interesse (MORAES, 1999). Para fins político-institucionais, é mais interessante, por exemplo, definir a Zona Costeira a partir de limites político-administrativos, como foi feito na revisão do Programa 22 Nacional de Gerenciamento Costeiro, o PNGC (BRASIL, 2001). Já discussões acadêmicas, pesquisas científicas ou instituições estritamente vinculadas à dinâmica dos ecossistemas comumente utilizam critérios biofísicos para delimitar os limites geográficos desse espaço, tais como acidentes geográficos, rios, estuários ou outro ecossistema natural relevante (MARRONI; ASMUS, 2005). Tomemos como ponto de partida a definição mais tradicional e também mais geral de Zona Costeira, isto é, um sistema ambiental formado pela interação direta de sistemas ambientais localizados no continente, sistemas ambientais localizados no oceano e sistemas atmosféricos. Embora essa delimitação pareça um tanto quanto genérica e pouco elucidativa, ela está presente na legislação brasileira desde a elaboração da primeira versão do Plano Nacional de Gestão Costeira (PNGC), em maio de 1988, que no Parágrafo Único de seu artigo 2° define: “Para os efeitos desta Lei, considera-se Zona Costeira o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre, que serão definidas pelo Plano” (BRASIL, 1998). Encontra-se presente, novamente, na Resolução 01 da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), de 21 de novembro de 1990, que definiu a Zona Costeira como: “a área de abrangência dos efeitos naturais resultantes das interações terra-mar-ar” (BRASIL, 1990). A definição final dos limites legais da Zona Costeira brasileira foi, portanto, estabelecida na atualização do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNCG II) (CIRM, 1997) (BRASIL, 2001), dirigindo sua definição ao atendimento de uma intencionalidade de gestão desse espaço, ficando compreendida uma faixa 23 terrestre e uma marítima. A faixa terrestre abrange municípios selecionados de acordo com os critérios estabelecidos no PNGC II, totalizando cerca de quatrocentos municípios, distribuídos ao longo de 7.367 km de costa (que alcança 8.698 km de extensão ao se considerar as reentrâncias), numa área de aproximadamente 388 mil km² (Figura 2). A faixa marítima vai até as 12 milhas marítimas, compreendendo a totalidade do Mar Territorial brasileiro. 24 Figura 2: Municípios que Compõem a Zona Costeira Brasileira Fonte: Tagliani, 2005 A Zona Costeira está presente também no texto constitucional em seu Título VIII, Capítulo VI, nas disposições sobre o meio ambiente, Artigo 225, que afirma: 25 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1998). Sobre a Zona Costeira, o 4º Parágrafo define: A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais (id. ibid.). Se observarmos, como fez Moraes (1999), que os remanescentes de Mata Atlântica e a Serra do Mar encontram-se, quase em sua totalidade, inseridos na Zona Costeira, temos uma tripla conceituação da Zona Costeira enquanto Patrimônio Nacional, alçando-a a um alto grau de prioridade para a gestão ambiental. A despeito de tal importância, diversos problemas decorrentes do uso intensivo desses espaços, principalmente a partir de meados do século passado, têm se tornado entraves ao desenvolvimento sustentável da Zona Costeira. Intervir no meio ambiente costeiro objetivando protegê-lo significa atuar sobre uma unidade espacial complexa, constituída pela interação de elementos diversos, atores e interesses convergentes e conflitantes. Por isso, é fundamental ao gestor a inter-relação entre os meios técnicos e político-institucionais e o meio acadêmico, visando a uma constante retroalimentação e reavaliação dos problemas e técnicas disponíveis a essa gestão. Ao pensar em Desenvolvimento Sustentável e Gestão Integrada da Zona Costeira, é importante ter-se clareza de que o meio ambiente é, segundo Becker e 26 Gomes (1993, p. 167) “um elemento constitutivo da transformação do final do milênio que vem redefinindo a economia, a sociedade, a política e a ciência”. Desse modo, é preciso entender a Gestão Integrada da Zona Costeira como sendo inserida no marco mais amplo da gestão do território. Nesse sentido, vista a partir da questão do território, é imprescindível uma ótica social na análise dos problemas, uma vez que eles decorrem do modo de apropriação e uso do território e seus recursos. Analisado dessa forma, o significado desses termos é muito mais político do que simplesmente técnico, pois se trata da apropriação da coisa pública. A gestão do território é entendida por Becker e Gomes (op. cit., p. 168) como “uma prática que visa superar a crise do planejamento cujas dificuldades são crescentes”, incorporando efetivamente o princípio das relações de poder. Ela é definida como “uma prática estratégica, científico-tecnológica do poder que dirige, no espaço e no tempo, a coerência de múltiplas decisões e ações para atingir uma finalidade” (id. ibid.). Adotando-se o conceito de Gestão Ambiental definido por Lanna (1995, p.18), devemos entender a gestão como: (...) processo de articulação das ações dos diferentes agentes sociais que interagem em um dado espaço, visando garantir, com base em princípios e diretrizes previamente acordados/definidos, a adequação dos meios de exploração dos recursos ambientais – naturais, econômicos e sócio-culturais – às especificidades do meio ambiente. Assim, é possível observar a complexidade do processo de gestão ambiental, visto que envolve tanto um processo técnico-científico – que engloba a interação entre elementos físicos e bioquímicos e sociais –, bem como um processo político, que mescla elementos da administração e elementos da 27 governabilidade. O bom funcionamento da gestão ambiental pressupõe a interação dessas duas vertentes. É necessário observar, ainda, o conceito de planejamento ambiental expresso por Lanna (1995, p. 18), como (...) um processo organizado de obtenção de informações, reflexão sobre os problemas e potencialidades de uma região, definição de metas e objetivos, definição de estratégias de ação, definição de projetos, atividades e ações, bem como definição do sistema de monitoramento e avaliação que irá retroalimentar o processo. Este processo visa organizar a atividade sócioeconômica no espaço, respeitando suas funções ecológicas, de forma a promover o desenvolvimento sustentável. Percebe-se nesse ponto de vista que, embora a gestão ambiental se caracterize por ações bastante diferenciadas do planejamento ambiental, não deveria ser desvinculada deste. Dessa forma, planejamento e gestão ambiental deveriam acontecer concomitantemente, num processo iniciado pelo planejamento e retroalimentado continuamente pelas ações de gestão ambiental. A preocupação com a gestão ambiental é um assunto cuja discussão vem crescendo no País, muito embora o Brasil detenha uma das mais importantes biodiversidades mundiais e possa contar com um aparato legal considerado suficiente para poder facilitá-la. Na tentativa de analisar as mudanças que ocorreram no âmbito das ações governamentais e que resultaram na adoção de políticas públicas como estratégias e diretrizes da própria ação governamental, é importante identificar o espaço privilegiado de atuação dessas políticas que têm como meta e objetivo a sustentabilidade ambiental na Zona Costeira. Nesse sentido, para Meadowcroft (1997), o planejamento e a gestão ambiental, não devem objetivar apenas a elaboração de soluções amplas e acabadas, mas sim assumir um caráter de 28 processo com capacidade incremental e que seja suficientemente dinâmico, a ponto de ser capaz de incluir a sua própria reestruturação enquanto institutional design, de forma a minimizar, assim, as necessidades de constantes intervenções. Essa concepção nos aproxima bastante do conceito de Gestão Costeira Integrada, que é exposto por Cicin-Sain como: Gerenciamento Costeiro Integrado é um processo, pois o mesmo caracterizase por ser participativo, contínuo, interativo e adaptativo, e que inclui uma série de deveres associados, e que também devem alcançar metas e objetivos pré-determinados. Este envolve, ainda, uma avaliação abrangente da realidade em que está inserida e objetiva o planejamento de usos, e o gerenciamento dos sistemas e recursos, levando também em consideração aspectos de natureza histórica, cultural e das tradições, bem como os conflitos de interesses e a utilização do espaço a ser analisado (CICIN-SAIN, apud POLETTE & SILVA, 2003, p. 3). As políticas públicas, por sua vez, constituem instrumentos da ação governamental sendo, como destaca Bucci (2002, p. 45), “programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”. Em realidade, há um componente prático e finalístico na idéia de política pública como “programa de ação governamental para um setor da sociedade ou um espaço geográfico” (id. ibid.), buscando a concretização de determinados objetivos e metas. É importante, que a Geografia utilize os instrumentos de análise de que dispõe para contribuir com o debate e a formulação de políticas públicas sobre o ambiente, visto que a ciência ainda é um fórum privilegiado de discussões e reflexão. O propósito de ampliar o debate sobre Gerenciamento Costeiro Integrado na Geografia é particularmente interessante, pois trata-se de um campo sob o qual a capacidade de análise pode contribuir para demonstrar a importância das 29 relações sócio-espaciais e da estrutura de classe no entendimento da problemática ambiental. Coelho (2001, p. 20) afirma: “Além dos aspectos sociais e políticos, cabe aos geógrafos, especificamente, analisar a estruturação e reestruturação sociespacial”, processo em que os benefícios e riscos ambientais são repartidos desigualmente no seio de uma sociedade heterônoma. Segundo essa lógica, a Geografia é um fórum privilegiado para a discussão da gestão ambiental integrada, na visão de Becker e Gomes: A geografia pretende dar sempre à questão do ambiente uma dimensão mais ampla, que inclua suas múltiplas e complexas relações com a sociedade, a qual também contextualiza e conduz a reflexão sobre a natureza. Esta pretensão de síntese cria a via de uma obrigatória solidariedade disciplinar e, simultaneamente, coloca a geografia como produtora de um discurso específico, centrado não na “naturalidade” pura dos fenômenos, mas sim em suas imbricações com os fatos sociais (BECKER; GOMES, 1993, p. 148). Nessa perspectiva, ainda que não caiba a nenhum campo acadêmico a propriedade sobre a questão ambiental ou urbana – enquanto objetos de investigação próprios –, visto que ambas são temáticas interdisciplinares por excelência, pretende-se, neste estudo, explorar as formas e instrumentos de análise com que a Geografia pode contribuir para a gestão ambiental, supondo-se que tais análises podem vir a configurar valiosos aportes na formulação de políticas públicas nesses temas. De início, a Gestão Integrada da Zona Costeira requer, conforme o seu próprio nome aponta, uma necessária articulação entre diferentes setores e níveis de atuação. Tal processo de articulação estende-se desde a participação da sociedade na formulação do diagnóstico, a definição de prioridades e a implementação de programas, à organização de uma base político-institucional 30 para a gestão costeira, que envolva, necessariamente, uma articulação mais harmônica e eficiente entre os três níveis de governo. Essa articulação, como aponta Moraes (2005, p. 1), “revela-se problemática no Brasil, onde a questão federativa nunca foi bem equacionada. Operar na prática o princípio da atuação cooperativa e concorrente presente na Constituição Federal não é tarefa fácil”. O autor deixa claro que tal tarefa fatalmente gera conflitos de competência e entraves ao planejamento e gestão integrados nos três níveis de governo. Assim, pretende-se discutir, nesta dissertação, o papel da representação espacial dos fenômenos e das estratégias operacionais e discursivas adotadas para tratar dos problemas ambientais identificados na Zona Costeira brasileira, observando como a desregulamentação e re-regulamentação institucional tornamse estratégias para a dinamização da economia local. Trata-se de evidenciar como a retórica de transferência de competências e gestão local, baseada em intervenções pontuais e localizadas, integra um entrelaçamento de discursos e práticas que têm o espaço como referência, configurando o que vem a ser chamado de “política de escalas” (ACSELRAD, 2006, p. 14). De acordo com esse autor, (...) para entender os meandros de uma tal política, não poderemos tomar a desconstrução e reconstrução de escalas espaciais como auto-evidentes; devemos, ao contrário, procurar captá-las ao mesmo tempo como expressão de relação de poder e como dinâmicas que, por sua vez redistribuem este poder sobre o território e seus recursos, sejam eles materiais, institucionais ou políticos (id. ibid.). 31 1.2 Objetivos O objetivo geral da presente dissertação é, portanto, analisar se ocorre no Brasil uma efetiva Gestão Integrada da Zona Costeira, a partir da análise do papel da representação espacial dos fenômenos e das estratégias operacionais e discursivas adotadas para tratar dos problemas ambientais identificados na zona costeira. Pretende-se observar a implementação e a execução do Projeto Orla, particularmente no município de Cabo Frio, no Estado do Rio de Janeiro, posto que tal município pode ser visto como uma situação emblemática de crescimento sob uma enorme pressão turística e de incorporação imobiliária. A partir dessa análise, pretende-se identificar a ocorrência de problemas e dificuldades decorrentes das relações institucionais que se tornaram verdadeiros obstáculos à Gestão Integrada da Zona Costeira. Para concretizar-se essa meta, definiram-se os seguintes objetivos específicos: • Analisar, com vistas ao seu perfeito entendimento, os agentes envolvidos e as pressões sobre a Zona Costeira, com foco na observação dos mecanismos institucionais de gestão desse espaço; • Identificar o enquadramento legal e o arcabouço jurídico-institucional que rege os espaços costeiros e a política urbana; 32 • Explicar o significado e os procedimentos do Projeto Orla enquanto um dos principais mecanismos de Gerenciamento Costeiro em implementação pelo governo federal nos dias atuais; • Realizar um estudo de caso sobre as pressões da ocupação e a implementação do Projeto Orla em Cabo Frio, RJ. 1.3 Questões Norteadoras No contexto apresentado, esta pesquisa utilizou-se de alguns questionamentos básicos: • Quais são os principais conflitos identificados no âmbito do Projeto Orla? Eles são inerentes apenas às dinâmicas e aos processos locais, ou há interações com processos mais amplos que a esfera municipal? Qual a capacidade dos municípios em gerir esses conflitos? • Que mudanças na forma de apropriação do território pretende-se conquistar com o Projeto Orla e quais as implicações e o reflexo dessas mudanças no meio físico-natural e na qualidade de vida dos grupos sociais afetados? • Qual é o papel do Projeto Orla frente às necessidades de articulação política entre esferas e agências de governo? Ele atua para que haja o necessário apoio institucional ao município (num processo, de transferência de poder)? Contribui para gerir conflitos territoriais (associados ao uso e ocupação do solo) e conflitos ambientais nas esferas da própria competência administrativa do município? 33 1.4 Estrutura da Dissertação Esta dissertação está organizada em mais cinco capítulos, além deste, introdutório. O capítulo 2 foi pensado a partir, da dialética existente entre as pressões exercidas por variados grupos de interesse, em constante conflito com o compromisso do Estado no que diz respeito aos dispositivos legais relativos à preservação do meio ambiente, e a interação possível entre essas duas realidades em oposição. Entende-se que essa é uma estrutura coerente para fazer uma apresentação clara dos problemas ambientais e suas origens, bem como da atuação de grupos de interesses sobre o espaço costeiro. Assim, busca-se analisar como os principais problemas da atualidade na Zona Costeira são tratados em resposta a essas pressões, observando os instrumentos de gestão urbana e de Gestão Integrada da Zona Costeira, bem como as estratégias político-institucionais associadas a essa gestão, em especial no âmbito do Projeto Orla. No capítulo 3, são apresentadas todas as características do Projeto Orla, mostrando as mudanças previstas no gerenciamento costeiro, os usos de Terrenos de Marinha e os planos de intervenção a serem aplicados na orla marinha. O capítulo 4 apresenta uma análise conceitual mais aprofundada das implicações do sistema político e das escalas de interpretação e apreensão desses fenômenos e processos. Entende-se que a estrutura político-institucional responde 34 por parte das dificuldades de implementação de um processo de Gestão Costeira Integrada (GCI) mais abrangente e coerente. No capítulo 5, foi realizado um estudo de caso que buscou avaliar a implementação do Projeto Orla em Cabo Frio, no Rio de Janeiro, onde buscou-se avaliar como grupos de interesse que estabelecem relações de poder com atuação na escala do município determinam diferentes estratégias discursivas e práticas de gestão que são capazes de mobilizar consensos e perpetuar suas esferas de influência sem alterar substancialmente suas próprias práticas e formas de apropriação dos recursos naturais e paisagísticos. Finalmente, são apresentadas, no capítulo 6, algumas considerações, à guisa de conclusão, sobre as relações entre o que foi observado nos capítulos teóricos e a sua analogia com o que é observado na realidade municipal, buscando fornecer caminhos para pensar mudanças que garantam melhores condições de implementação de um processo de Gestão Integrada da Zona Costeira. 1.5 Métodos de Pesquisa Quanto ao nível pretendido, a pesquisa é de natureza qualitativa, pois não procura quantificar, mas sim elaborar uma “análise complexa com o objetivo de buscar aspectos [do problema da articulação institucional para a gestão ambiental e implementação de um programa de gerenciamento costeiro integrado] que ainda não foram investigados” (RIZZINI, 1999, p. 89). Esta pesquisa está lidando com a imprecisão de analisar um processo dinâmico ainda em execução. Considera-se, 35 ainda, que, como o Projeto Orla funciona a partir de bases técnicas e conceituais extremamente inovadoras, o presente estudo só se tornou possível por meio de uma pesquisa participativa, que permitiu a observação direta e ampla de variadas situações. Só assim, com a participação efetiva deste pesquisador, foi possível a identificação das idiossincrasias próprias de cada caso e dos problemas comuns ao processo como um todo. 1.6 Procedimentos Técnicos de Coleta de Dados A opção quanto aos meios de investigação e procedimentos técnicos de coleta de dados foi, inicialmente, encetar uma pesquisa documental, pois, de acordo com Vergara (2004), a pesquisa documental é aquela que “busca informações em documentos conservados no interior de órgãos públicos” (VERGARA, 2004, p. 49). Para este estudo, buscam-se dados na leitura de documentos normativos e técnicos relativos aos instrumentos de Gerenciamento Costeiro e à gestão ambiental e urbana. Além da realização de uma pesquisa documental, porém, foi imprescindível utilizar, também, a busca de fundamentação teórica em livros, por meio de uma pesquisa bibliográfica, o que deu sustentação para a discussão da temática tratada neste trabalho. A opinião abalizada de teóricos em Ciência Política possibilitou o contraditório entre o que é ideal, na ação política responsável, comprometida com a preservação do meio ambiente e, por outro lado, os elementos de pressão representados por grupos de interesse na sociedade civil. 36 E, como principal foco deste estudo, utilizou-se, ainda, a experiência adquirida por este pesquisador ao longo de dois anos de trabalho com os gestores municipais para subsidiar o entendimento dos problemas e situações analisados nessa dissertação, tendo realizado, dessa forma, uma observação participante. De acordo com Almeida Pinto, na pesquisa participante, as diversas técnicas reforçam-se, sendo sujeitas a uma constante vigilância e adaptação segundo as reações e as situações. (ALMEIDA; PINTO, 1995). Assim, nesta pesquisa foi utilizado não só o conhecimento formal, lógico, mas também um conhecimento “experencial”, em que estão envolvidas sensações, percepções, impressões e intuições. Segundo Lüdke e André (1986), este caráter subjetivo é importante no processo de análise dos dados, porque enriquece a pesquisa qualitativa, visto que, na observação participante, o principal instrumento de pesquisa, é o investigador, num contacto direto, freqüente e prolongado com os atores sociais e os seus contextos. A estratégia escolhida para se examinarem os acontecimentos focados neste trabalho foi o estudo de caso que de acordo Yin (2001), é a mais indicada no estudo de eventos contemporâneos, quando não se podem manipular comportamentos relevantes. Para esta dissertação foi escolhido, como caso a ser estudado, o processo de implantação do Projeto Orla no município de Cabo Frio, RJ. A maneira como a sociedade – nela compreendidos os Governos nos âmbitos municipal, estadual e federal, bem como os diversos grupos de interesses que se interpõem às normas e legislações – interage, gerando pressões, é um fator primordial para qualquer estudo acerca da implementação de um projeto de Gestão 37 Integrada. É, pois, da dinâmica causadora dos principais conflitos de interesses que este estudo parte, para obter a compreensão do processo como um todo. É importante, então, que o primeiro passo deste trabalho se volte para uma reflexão sobre a problemática ambiental, frente aos mecanismos de gestão, e as pressões dela decorrentes. 38 2 A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL NA ZONA COSTEIRA E MECANISMOS DE GESTÃO 2.1 Espaço Costeiro – Particularidades e Pressões As zonas costeiras são sistemas altamente complexos, resultantes da intercepção da hidrosfera, da geosfera, da atmosfera e da biosfera. É precisamente desta complexidade que resultam não apenas a elevada variabilidade que apresentam, mas também as grandes potencialidades que as caracterizam (DIAS, 2003). Com uma faixa de 8.698 quilômetros de costa, o Brasil abriga, ao longo do litoral, diversos ecossistemas de alta relevância do ponto de vista ecológico, tais como: mangues, campos de dunas e falésias, baías e estuários, recifes e corais, praias e cordões arenosos, costões rochosos e planícies de marés, entre outros. É também na zona costeira que se localizam as maiores manchas residuais de mata atlântica. Tal mosaico de situações e ambientes diversificados confere à zona costeira diversas oportunidades para atividades econômicas, como, por exemplo, a pesca, a agricultura, a aqüicultura, a exploração de recursos minerais, etc (SANTOS; CÂMARA, 2002). Esses ambientes originais da Zona Costeira foram profundamente alterados pela ocupação humana. Essa área detém quase um quarto (23,9%) da população do País, isto é, 40,6 milhões de pessoas (censo demográfico de 2000), concentradas em 7% dos municípios brasileiros (são cerca de 400 os municípios costeiros, de um total de 5.561). A densidade média é de 105 hab/Km², número cinco vezes superior à média nacional (20 hab/Km²) (ASMUS; KITZMANN 2004). O número de habitantes em áreas urbanas correspondia, em 1991, a 87,66% do total, 39 destacando-se que treze das dezessete capitais dos estados litorâneos situam-se à beira-mar. Além disso, para Egler (2001, p. 28), ocorre na Zona Costeira uma (...) concentração espacial do equipamento produtivo e energético em zonas e centros industriais. A associação de centrais energéticas com terminais especializados e complexos industriais aumenta sobremaneira o risco de acidentes, bem como favorece a exposição a longo prazo da população a substâncias tóxicas na água e no ar. Sobre os usos da área litorânea, esse autor afirma: “É evidente a concentração produtiva na Zona Costeira, onde estão presentes campos de extração, terminais e dutos de petróleo e gás, usinas termoelétricas e nuclear e expressiva concentração dos complexos químico e metal-mecânico” (id. ibid.). Dessa forma, os riscos de acidentes como derramamentos de óleo, vazamentos de gases e efluentes tóxicos são maiores em vários trechos do litoral brasileiro em comparação com outras áreas menos frágeis do País, pondo em risco os ecossistemas naturais e o patrimônio paisagístico representado por esse espaço. Para Souza et al (2003), a Zona Costeira pode ser considerada como um espaço repleto de contrastes, constituindo-se, dessa forma, um campo privilegiado para o exercício de diferentes estratégias de gestão ambiental. Ao longo do litoral, são encontradas áreas para onde convergem intensa urbanização, atividades industriais de ponta e atividades portuárias, bem como uma exploração turística em larga escala (principalmente junto às metrópoles litorâneas, que constituem centros difusores dos movimentos de ocupação territorial, do litoral). Um aspecto fundamental associado à questão dos usos desse espaço e dos recursos ambientais da Zona Costeira reside no fato de que, nesses locais, 40 definem-se, em geral, quadros problemáticos do ponto de vista da gestão ambiental, o que demanda ações de caráter corretivo, com a mediação dos "múltiplos conflitos de uso" dos espaços e recursos comuns e de controle do impacto sobre o ambiente marinho, decorrente de poluição e contaminação por diferentes tipos e fontes (SOUZA et al, 2003). Por outro lado, os espaços litorâneos são permeados por áreas de baixa densidade de ocupação1 aliada à ocorrência de ecossistemas de grande significado ambiental, que, no entanto, vêm sendo objeto de acelerado processo de ocupação, demandando ações preventivas, de direcionamento das tendências associadas à dinâmica econômica emergente (a exemplo do turismo e da segunda residência para fins de veraneio, por exemplo) e o reflexo desse processo na utilização dos espaços litorâneos e no aproveitamento dos respectivos recursos ambientais. Optou-se, nessa dissertação, em focalizar o fenômeno urbano na Zona Costeira, observando a ampliação da ocupação a partir de uma dinâmica de incorporação turística e de lazer do espaço costeiro, visto que tal fenômeno tem representado uma grande fonte de pressão sobre os recursos e ecossistemas contidos nesse espaço. 1 Para Moraes (1999), essa característica de espaços densamente povoados entremeados por outros ainda relativamente preservados está associada ao processo histórico de ocupação do litoral brasileiro. 41 Na atualidade, praticamente em todo o litoral, especialmente próximo às áreas metropolitanas, estende-se uma faixa de urbanização ao longo da orla marítima. Apenas alguns espaços mais isolados, seja por condicionantes fisiográficos ou pela distância de centros populacionais permanecem alheios a esse processo. Historicamente observando, foi no último quarto do século XX que, com grande magnitude no caso brasileiro, se verificou um boom turístico, a maior parte do qual direcionado para os pequenos municípios costeiros, vistos a partir de então como verdadeiros paraísos. Essa expansão foi determinada, entre outros fatores, pelo aumento do poder de compra, derivado do intenso crescimento econômico registrado a partir de meados da década de 60; pela generalização do transporte rodoviário, isto é ampliação da acessibilidade, advinda do grande incremento da utilização do automóvel e da melhoria da rede viária; e, finalmente, mas não menos importante, pela progressiva facilitação do acesso ao crédito, com disponibilidade de capitais e surgimento de interesse pela incorporação de novas áreas. Esse quadro desdobra-se em forte acréscimo do número de segundas residências na Zona Costeira, de tal forma que adquirir um imóvel na praia passou a ser um dos objetos de consumo da grande maioria da classe média. 2.2 Urbanização Turística no Litoral - O Fenômeno da Segunda Residência Perante o incremento de utilização observado, ampliam-se, obviamente, as pressões imobiliárias. Em maior ou menor grau, os litorais arenosos oceânicos rapidamente são ocupados com empreendimentos turísticos, com urbanizações 42 variadas e com pequenos povoados costeiros sendo convertidos em grandes cidades. Muitos trechos litorâneos, que ao longo de toda a história quase não tinham sido ocupados, ficaram sobre-ocupados em poucas décadas (Dias, 2003). Dessa maneira, é imprescindível analisar as dinâmicas do processo de urbanização a partir do fenômeno turístico e da incorporação de novas áreas. Tal fenômeno é impulsionado por um processo mais amplo de articulação do Estado à expansão capitalista. Assim, conforme exposto por Macedo (1993, p.55), “o mar como valor cênico e a praia como espaço de lazer são incorporados (...) ao repertório urbano brasileiro”. Em função desse fenômeno, o autor estipula algumas conseqüências geradas na organização espacial dessas cidades turísticas. Entre elas destacam-se: Como conseqüência de seu uso exclusivamente sazonal, tais áreas apresentam características próprias, sendo a principal o total desvinculamento de grande parte de sua população de veranistas (donos da maior parte das residências) com o município em que estão instaladas suas propriedades. (...) Esse fato se reflete diretamente na forma de estruturação da trama urbana, que em geral é ineficiente para receber elevados contingentes de veranistas que durante o ano multiplicam em muitas vezes a população destas cidades. As deficiências são muitas: desde a inexistência de serviços de abastecimento adequados de água, até a ausência total de esgotos. Por muitas vezes a vida urbana e até mesmo a economia da cidade e do município estão estruturadas em função exclusiva da temporada de verão (MACEDO, 1993, p. 61). Macedo ressalta, ainda, que raros são os municípios que conseguem aparelhar suas sedes para atender contingentes tão grandes de população unicamente com a renda advinda desse tipo de turismo. De fato, ao longo de dois anos de implementação do Projeto Orla em cerca de quarenta municípios ao longo da costa brasileira, constata-se que, por diversas vezes, técnicos dos municípios 43 informaram que o índice de inadimplência no pagamento de IPTU era extremamente alto no caso de segundas residências. Outro problema apontado por Macedo diz respeito ao fato de que tais ocupações são voltadas para a máxima exploração dos valores paisagísticos ligados à praia e ao mar, pois estes são os principais focos de atração deste tipo de ocupação, e que “os demais valores paisagísticos e ambientais, como barras de rios, manguezais e matas, não são objetos de atenção imediata nem para o empreendedor, nem para a maior parte do público consumidor e são eliminados quando necessário” (MACEDO 1993, p. 61). Dessa forma, as áreas planas junto às praias são as mais pressionadas, sendo as preferidas para a implantação de loteamentos turísticos de segunda residência. Outro aspecto dessa questão é que tais residências, que ficam fechadas a maior parte do ano, além de alterarem a paisagem, criam um custo de infra-estrutura que é absorvido e pago pelos moradores locais. Assim, observa-se que a dilatação de áreas residenciais em linha ao logo da orla marítima tem-se constituído um dos processos básicos da urbanização turística. Tais áreas diferenciam-se no meio urbano em função da divisão social do espaço, o que reflete a divisão em classes sociais da população urbana: as áreas residenciais expressam as condições de reprodução de cada classe social em função da sua localização, do acesso a equipamentos sociais, da qualidade das moradias, mas, fundamentalmente, no caso da incorporação turística do espaço, das amenidades naturais, que são apropriadas de maneira diferencial. 44 O crescimento dos processos de urbanização turística, ou de segunda residência, esteve associado, inicialmente, ao provimento de novos padrões de consumo de bens de longa duração (casas de veraneio) para as classes de maior poder aquisitivo. Entretanto, por se constituírem em expressões de necessidades e mecanismos intrínsecos ao próprio desenvolvimento capitalista, envolvem população e capital na busca de um ajustamento aos padrões de produção e consumo, por isso esse mesmo processo já foi incorporado às aspirações de consumo de classes médias. As regiões litorâneas, de áreas naturais conservadas, e os atributos paisagísticos tornam-se alvo dessa aspiração de consumo, sendo intensa a procura pelo litoral nas proximidades de áreas metropolitanas, de maneira que suas características originais são transformadas e suas paisagens modificadas. Assim, os potenciais atrativos, decorrentes de praias límpidas, vegetação abundante e diversidade topográfica, tornam-se ameaçados pelo uso indevido e pela ausência de um planejamento adequado. Nesse contexto, observa-se que existe uma clara associação do fenômeno da urbanização turística a um processo de expansão metropolitana, pois as metrópoles detêm condições e especificidades favoráveis ao surgimento e desenvolvimento desse tipo de expansão. Entre tais condições, podem ser citados: - A disponibilidade de capital e a necessidade de incorporação de novas áreas e formas de investimento. 45 - A presença de população suficientemente favorecida capaz de se constituir em demanda potencial para investir em novas formas de consumo. - O crescimento da chamada indústria do lazer, capaz de mobilizar instrumentos de promoção e ampliação de uma cultura de consumo de massa do turismo litorâneo, que se manifesta, essencialmente, nas formas de expansão e ocupação do espaço. Para fazer uma análise da composição de forças e de interesses que atuam na incorporação desse espaço de consumo turístico-balnear, é fundamental ter clareza de que essa incorporação se dá nas estruturas de apropriação do espaço vinculadas ao meio urbano, ou seja, a apropriação do espaço ocorre dentro de uma expansão urbana inserida em um contexto capitalista. Nesse sentido, Roberto Lobato Corrêa (1989) já havia observado a composição dos atores chave no contexto urbano: os moradores, os proprietários fundiários, promotores imobiliários, os incorporadores imobiliários e, fundamentalmente, o Estado. Nesse processo, entretanto, é preciso salientar que, independentemente de se tratar de urbanização turística ou não, existem diferentes formas de análise da relação sociedade-espaço, e que esta pode ser vista também como uma relação valor-espaço, principalmente levando-se em conta que a apropriação de recursos naturais e a própria dominação e substituição do espaço natural por um espaço humanizado é um processo de criação de valor. Vale também observar que a noção de valor do espaço está intrinsecamente associada ao seu valor de uso, 46 embora as condições de uso e as formas de apropriação do espaço nem sempre sejam iguais para todos (MORAES; COSTA,1999). Além disso, a noção de valor de um determinado local dentro do espaço urbano faz-se essencialmente a partir de elementos que permitem uma diferenciação espacial, isto é, o valor de determinados locais está associado ao não-valor de outros, seja pela presença de amenidades naturais, equipamentos sociais e urbanísticos ou pelo valor simbólico associado a determinados locais (CASTELLS, 1972). Nesse sentido, observamos que os principais mecanismos de produção da cidade capitalista estão baseados no princípio econômico da maximização do benefício, segundo o qual o solo torna-se valor de troca, ao se aplicar capital e trabalho mediante a urbanização e a construção. Assim, não apenas os elementos da cidade (edifícios, habitações, terrenos) convertem-se em mercadorias, a serem comercializados, mas também o diferencial de amenidades naturais que compõem o processo de valorização do solo também se converte em mercadoria. Desta maneira, é possível afirmar que a propriedade privada, fundamento do modo de produção capitalista, beneficia-se do valor de troca e apropria-se, enquanto elemento diferencial de valor, do patrimônio paisagístico que, a princípio, pertence a toda a coletividade. Além disso, altera e põe em risco esses próprios valores paisagísticos. As contínuas transformações da paisagem urbana também são conseqüências da busca do máximo benefício pelo capital. Os proprietários fundiários são os agentes responsáveis, em grande parte, pela criação do padrão de segregação urbana, uma vez que seus interesses estão 47 voltados para o valor de troca da terra. Não raro estão preocupados em expandir os limites urbanos, sendo essa expansão particularmente grave no caso da Zona Costeira, pois, na grande maioria dos casos, cria-se uma faixa de urbanização ao longo da orla marítima sobre terrenos ocupados por areais, dunas e matas de restingas. O volume dessa ocupação é tal, que se torna incapaz de ser acompanhado pela expansão das redes de provimento de infra-estrutura. Além disso, há uma atuação contínua para a valorização subjetiva dessas localidades, adotando estratégias de valorização que envolvem a concepção de atração de investimentos e de dinamização da cidade. A expansão das frentes de atuação da indústria imobiliária, segundo Macedo (1993), é constante, e a associação entre o esgotamento das possibilidades de ocupação e a necessidade de novos empreendimentos tem provocado uma ampliação significativa das áreas ocupadas, inclusive com aterros de mangues e urbanizações das barras de rios. Segundo Trindade Júnior (2005), outro importante agente no processo de incorporação de áreas é o Estado, que detém uma grande amplitude de formas de atuação: consumidor de espaços e de localizações públicas, proprietário fundiário, promotor imobiliário e agente regulador do uso do solo urbano, entre outros. A ação estatal no problema da ocupação desordenada de terrenos frágeis da Zona Costeira e mesmo da expansão indistinta da urbanização, ao longo da linha de costa, é bastante complexa: vai desde o licenciamento de atividades econômicas (inclusive imobiliárias) incompatíveis com a sua própria capacidade de 48 regulação dos problemas dessa ocupação, a uma ação mais direta, com construção de moradias, por exemplo, ou buscando auxiliar instituições financeiras, incorporadores e a indústria de construção, promovendo isenção de impostos, garantindo lucros ou eliminado riscos. Mas mesmo quando impõe e administra uma variedade de restrições institucionais na operação do mercado de moradia, como zoneamento de uso do solo, alocação de serviços e dotação de infra-estrutura urbana, que modificam o ambiente construído, sua atuação é necessariamente limitada pelos alinhamentos institucionais do Estado capitalista, pois, segundo Giddens (apud Goldblatt, 1996), o Estado depende das economias capitalistas para receber suas receitas fiscais, e por isso existem grandes pressões para restringir a imposição de custos ecológicos às suas atividades. Em função do que foi visto, Trindade Júnior (2005) afirma que o papel do Estado não é o de simples administrador do conflito de classes, através da função de acumulação e legitimação. Ele tem um papel fundamental na reprodução das relações capitalistas de produção. Isto pressupõe descartar, também, o espaço como simples receptáculo da ação reguladora do Estado: O papel do Estado, nesse processo, é contraditório. De um lado, precisa intervir a fim de preservar as coerências do espaço social em face de sua destruição pelas transformações capitalistas dos valores de uso em valores de troca - isto é, de espaço social em espaço abstrato. De outro, suas intervenções são explicitadas pela relação de dominação. Por conseguinte, as intervenções do Estado não resgatam o espaço social; ao contrário, ele apenas ajuda a hegemonia do espaço abstrato, produzindo alguns de seus próprios espaços através do planejamento (TRINDADE JÚNIOR, 2005). A afirmação apresentada por esse autor mostra a intervenção do Estado capitalista na configuração do ambiente construído, como elemento que garante, 49 em última análise, a existência do espaço como mercadoria, proporcionando a sustentação das relações capitalistas. Na visão de Castells (1972), o Estado atua como regulador do conflito de classe e reflete, através de suas intervenções, as relações políticas entre classes diferentes, representando, assim, uma estrutura para o exercício do poder. Para Castells, o “Estado só pode ser entendido como referência à estrutura de classes de uma sociedade, e, em particular, das classes dominantes e de sua relação com as classes dominadas”. Dialeticamente, para Castells o “Estado exerce (...) a dominação de uma classe, mas trata de regular, na medida do possível, as crises do sistema, a fim de preservá-lo” (CASTELLS, 1972, p. 295). Na acepção de Castells, o Estado é estruturado de forma hierárquica e dotado de capacidade concreta de exercício do poder – em uma relação de subordinação-dominação, que, em última análise, é utilizada por burocratas para o exercício de controle sobre a sociedade. Além disso, ele concebe sua essência, a tarefa concreta de dominação, da mesma forma que realiza o poder econômico – historicamente pela destruição, no curso do tempo, do espaço social e pela sua substituição por um espaço instrumental, fragmentado, e uma estrutura administrativa hierárquica desenvolvida no espaço (GOTTDIENER, 1993, p.146). É essa capacidade de dominação que garante, segundo Acselrad (2004), que os recursos, danos e benefícios ambientais sejam apropriados, tanto em sua dimensão material, quanto simbólica, de maneira diferenciada entre as classes com maior acesso aos centros decisórios. Dessa maneira, para esse autor, “ o 50 Estado insere-se na luta pela apropriação simbólica da base material, impondo a definição de natureza estatizada, integrada ao capital, e de uma natureza residual onde se acomodam os agentes que resistem ou são excluídos” (Ibidem, p. 21). É importante aqui fazer um breve parêntesis na tentativa de delimitar conceitualmente o que está sendo entendido como Estado. Afinal, mesmo no âmbito da ciência política, esse conceito ainda é um tanto impreciso, conforme aponta Bresser-Pereira (1995, p. 86): É comum confundir-se Estado com governo, com estado-nação ou país, e mesmo com regime político, ou com sistema econômico. Na tradição anglosaxã, fala-se em governo e não em Estado. Dessa forma, perde-se a distinção entre governo e Estado, o primeiro entendido como a cúpula político-administrativa do segundo. Na tradição européia, o Estado é freqüentemente identificado ao estado-nação, ou seja, ao país. Expressões como “Estado liberal” ou ‘Estado burocrático’ são normalmente uma indicação que a palavra “Estado” está sendo utilizada como sinônimo de regime político. Finalmente, expressões do tipo “Estado capitalista” ou “Estado socialista”, identificam o Estado com um sistema econômico. É válido utilizar expressões como essas quando desejamos definir o tipo de Estado predominante em diferentes tipos de regimes políticos e modos de produção. Nesse caso, não estamos confundindo o Estado com o regime político ou com o sistema econômico, mas simplesmente dizendo que o Estado em uma democracia será diferente de um Estado em um regime autoritário, ou que o Estado no capitalismo é diverso do Estado no feudalismo ou no estatismo. Independentemente dessa imprecisão, o conceito de Estado utilizado para este trabalho será claramente diferenciado dos conceitos de governo, de estadonação, de regime político ou mesmo de território. O Estado é visto aqui como uma parte da sociedade. É uma estrutura política e organizacional que se sobrepõe à sociedade ao mesmo tempo em que dela faz parte. Em uma perspectiva histórico-materialista, entende-se o Estado enquanto um poder, isto é, uma estrutura organizacional e política que emerge da 51 progressiva complexificação da sociedade e da sua divisão em classes. Essa divisão é destinada a manter a ordem dentro da sociedade, e, portanto, a manter o sistema de classes vigente (BRESSER-PEREIRA, 1995). Complementarmente, esse autor destaca: Adotando-se uma perspectiva lógico-dedutiva ao invés de histórica, é possível afirmar que o Estado é o resultado político-institucional de um contrato social através do qual os homens cedem uma parte de sua liberdade a esse Estado para que o mesmo possa manter a ordem ou garantir os direitos de propriedade e a execução dos contratos (BRESSER-PEREIRA, 1995, p. 89). Nesse sentido, não será adotada, aqui, uma perspectiva marxista generalista, que entenda que a ação estatal simplesmente age de acordo com os interesses da classe dominante, sendo uma expressão política da estrutura de classes vigente. Desdobrando essa concepção, entende-se o Estado também como uma formação pluralista, onde se destaca a existência de numerosos grupos de interesses difusos. Ainda assim, que fique claro que não se está negligenciando o papel exercido na mediação dos conflitos sociais, nos quais o Estado está profundamente envolvido. Para CASTRO (2005, p. 41), “os conflitos de interesses surgem das relações sociais e se territorializam, ou seja, materializam-se em disputas entre esses grupos e classes sociais para organizar o território da maneira mais adequada aos objetivos de cada um, ou seja, do modo mais adequado aos seus interesses”. No contexto da determinação das funções do Estado na Gestão Ambiental e de suas atividades no âmbito do planejamento e da gestão, alguns aspectos e 52 escalas de análise merecem ser mais bem detalhados, principalmente tomando por base que o poder público na escala do município é, segundo Moraes (1999), um espaço privilegiado para o exercício do planejamento e da ação política. Situando essa afirmação juridicamente, podemos observar que a Constituição de 1988 concedeu ao Município um significativo ganho em autonomia administrativa, desde que este ente federado obedeça às normas constantes da legislação federal. Com relação à questão ambiental, ocorreu um aumento das atribuições do Município, ampliando a esfera de sua competência na proteção compartilhada do meio ambiente, assim como foi acrescentada a responsabilização dos governos locais na proteção do patrimônio ambiental. Essa diretriz é expressa no Art. 30 da Constituição Federal, que afirma que a proteção ao meio ambiente e o combate à poluição em todas as suas formas são competências comuns à União, Estados e Municípios. Entre outras questões com impactos presumíveis na dinâmica ambiental da zona costeira, cabe salientar que compete ao Município planejar o uso e a ocupação do solo em seu território, em especial na área urbana; estabelecer normas de construção, de loteamento, de arruamento e de zoneamento urbano, bem como as limitações urbanísticas convenientes à ordenação do seu território; conceder licença para localização e funcionamento de estabelecimentos industriais, comerciais, prestadores de serviço e quaisquer outros, renovar a licença e determinar o fechamento de estabelecimentos que funcionem irregularmente. Sendo assim, cabe ao poder público municipal uma função fundamental no âmbito do planejamento, que deve ser visto como uma proposta técnica 53 consistente para a execução de suas políticas públicas. Nesse sentido, os critérios de sustentabilidade e de preocupação com a manutenção de ecossistemas e com a preservação do patrimônio ambiental e paisagístico deveriam ser tomados como pano de fundo para qualquer proposição e política do Município. Por outro lado, entretanto, observam-se no Município conflitos internos entre setores componentes da sua estrutura administrativa que não internalizam em sua esfera de atuação as diretrizes da política ambiental (MORAES, 2005). O planejamento municipal acaba refém de uma certa dualidade entre, por um lado, práticas sociopolíticas de caráter patrimonialista e, por outro, uma formalidade e um aparato jurídico-institucional, aparentemente compatível com a de uma moderna sociedade democrática, mas que não impede a presença de um forte cunho patrimonialista nas formas de gerir a coisa pública. Dessa forma, ainda que haja princípios legais norteadores da ação do Estado, estes são por demais vagos, permitindo que surjam más interpretações e que se mantenham as formas tradicionais de relacionamento entre Estado e sociedade, mantendo vivas as práticas clientelistas e patrimonialistas. Tais práticas, historicamente, refletem formas de apropriação usadas por interesses privados para o controle do Estado (não deixando de ser, deste modo, uma usurpação do poder por grupos sociais específicos). Os ganhos no campo da autonomia administrativa da esfera municipal não representam, portanto, por si sós, avanços na gestão democrática e na conquista de cidadania e justiça social e ambiental. 54 Em função disso, será considerada tanto mais positiva a atuação política de um governo local, quanto mais ambiciosa for sua disposição em romper com práticas políticas que privatizam as esferas decisórias, a definição de prioridades e os caminhos para a gestão. Ao projetar um cenário de atuação política no meio urbano, a tendência natural de um governo comprometido com a questão ambiental é buscar prover algum tipo de resposta à sociedade. Os governos locais, entretanto, têm encontrado dificuldade para fazer frente às demandas por políticas ambientais que amenizem a dramática situação da maior parte das grandes cidades brasileiras. Isso é fruto de um processo histórico criado por uma economia que se industrializou e provocou urbanização descontrolada, com crescente concentração de renda, acumulando um passivo ambiental elevado. Esse conjunto de políticas ambientais pode ser definido como medidas ou intervenções que pressupõem uma tentativa de mediação dos conflitos pela apropriação de recursos, uma redução dos processos que acarretam perda do patrimônio ambiental e paisagístico e uma equalização de desníveis sociais e ambientais visando à recuperação e ao acesso da população a esses bens. É necessário, no entanto, que haja clareza quanto a: (a) as limitações do poder local, dada sua escala de atuação e capacidade de investimento para promover mudanças estruturais em nível de sociedade, uma vez que contradições inerentes ao sistema não podem ser alteradas apenas por adoção de políticas locais; e (b) os governos locais permanecem pressionados, por um lado pela escassez de recursos, e, por outro, pela pressão de interesses privados de grupos locais de 55 poder. Por esses motivos, a lógica da intervenção governamental obedece a distintas estratégias, que se formam de acordo com as tensões organizacionais e com a estruturação, em maior ou menor grau, de grupos de pressão no interior do espaço urbano (VOIVODIC, 2002). Assim, essas intervenções tendem a variar de acordo com os diferentes níveis de governo ou com as estruturas das agências burocrático-administrativas. Ou, ainda, a intervenção governamental obedece a estruturas de relacionamento político entre sociedade e grupos de poder (historicamente construídas), e segue, diversas vezes, por caminhos que nem sempre conduzem ao fortalecimento da cidadania e da participação política. Nesse contexto, segundo Acselrad (2004b), a prática do planejamento urbano e do próprio urbanismo passa a ser concebida just in time, comandada em grande parte pela lógica do mercado imobiliário. Os grupos de poder localizados retiram da esfera do estado central certos papéis de coordenação das condições de reprodução do capital e atribuem a si um papel mais pró-ativo nas estratégias de desenvolvimento local. Para Ribeiro (2000, p. 237), “beneficiam-se dessa lógica projetos de renovação urbana que segmentam o tecido social e que mercantilizam a vida espontânea, favorecendo o embelezamento apenas da paisagem e ampliando os obstáculos à apropriação social da cidade”. Assim, para Oliveira (2004, p. 110) a retórica da proteção ao meio ambiente e da conservação e defesa da natureza são elementos que passam a servir como recursos discursivos em processos de reestruturação do espaço e reordenamento 56 de usos – recursos esses utilizados na construção de novas lógicas sócioespaciais com o fim de redefinir novas territorialidades, inclusive no interior dos aparelhos do estado (e em suas diversas esferas). A questão da ocupação da Zona Costeira e da tendência à expansão da urbanização turística torna-se particularmente grave em função da fragilidade desses ambientes. Além do mais, o fenômeno da urbanização turístico-balnear processou-se com tal rapidez, que a capacidade institucional dos organismos de gestão foi incapaz de conferir mecanismos regulatórios que impedissem a degradação ambiental. Antes da abertura de rodovias, os litorais oceânicos eram de tal modo sub-ocupados, que não havia preocupações relevantes com a sua gestão. Perante os benefícios econômicos diretos do turismo (essencialmente a entrada de divisas), e diante da forte pressão pela incorporação imobiliária (inclusive com um boom de emancipações municipais), e da falta de corpo técnico e capacidade institucional local, que garantisse um contraponto mínimo à voracidade com que a urbanização ocorreu, quase tudo foi permitido. A partir de então, começam a surgir os problemas: contaminação das águas devido a deficiências (ou ausência) dos sistemas de saneamento básico; carências de água potável devido à sobre-exploração de aqüíferos e à contaminação dos corpos d’água superficiais; perda de valores culturais; forte sazonalidade das atividades econômicas, com sobrecarga dos sistemas de abastecimento e saneamento nos períodos de pico; decaimento (e, em alguns casos, desaparecimento) da maior parte das atividades tradicionais; destruição de ecossistemas importantes; perda do patrimônio paisagístico e, até mesmo, perda do próprio novo patrimônio 57 edificado, que põe-se em risco ameaçado pelos temporais ou pela erosão costeira. 2.3 Dificuldades na Gestão Ambiental na Zona Costeira É clara a necessidade de, urgentemente, o poder público proceder a uma regulação política eficaz. A intervenção política necessária para detectar as conseqüências ecológicas da atividade econômica, para avaliar os custos das externalidades e para garantir mecanismos regulatórios que restrinjam, pelo menos, a forma como a ocupação se dá, é, no entanto, freqüentemente limitada pelos alinhamentos institucionais do Estado capitalista. Isso porque, uma vez que os estados contam com as economias capitalistas para receberem suas receitas fiscais, existem grandes pressões para restringirem a imposição de custos ecológicos às atividades econômicas, nelas incluídas a própria urbanização. A dificuldade que as institucionalidades demonstram em regulamentar as questões ambientais passa pela dicotomia entre o ganho eleitoral da promulgação de leis ambientais e o custo político de sua implementação de fato. Existe, segundo Habermas, uma tensão básica entre os princípios normativos de um Estado democrático e as exigências funcionais da acumulação capitalista: “O Estado democrático confere primazia à integridade do mundo natural, e a acumulação capitalista atinge os seus limites legítimos no ponto em que a integridade social do mundo natural é ameaçada” (HABERMAS, 1988, apud GOLDBLAT,1996, p.178). Outro problema tem relação com as distintas esferas e escalas em que os problemas ambientais são observados bem como os diferentes escalões 58 institucionais entre a concepção da ação planejadora e a sua implementação, como será mostrado no capítulo 4. Segundo Lowry (2002), um dos maiores problemas atuais da gestão ambiental é a dificuldade de transformar as metas ambientais em ações efetivas. O resultado dessa dificuldade é chamado de lacuna de implementação ou “implementation gap”. Essa lacuna, segundo esse autor, está associada à inconsistência entre metas políticas estabelecidas em um nível de governo e a translação dessas metas para atividades específicas de manejo em outros níveis ou em outras agências de governo. Nas disputas que envolvem a produção do espaço – urbano em geral e da Zona Costeira especificamente – existe, por parte dos atores envolvidos, uma apropriação de estratégias e variados recursos retóricos, no esforço de concretização de seus interesses. Inclui-se, nesse rol, a propagação da modernidade e do emprego como estratégias de valorizar a atração de investimentos e de incorporações turísticas e imobiliárias para determinadas cidades. Nesse sentido, a questão da degradação ambiental é tomada como um mal secundário, sem haver uma clareza no entendimento dos supostos benefícios oriundos do crescimento urbano. Assim, dentro da lógica de um novo protagonismo do Município quanto à regulação urbana, os espaços públicos tornam-se instrumentos primordiais na competição por investimentos. Nesse contexto, o que está posto é dotá-los de significados, para que atuem na promoção das cidades. Esse fenômeno pode até 59 responder por uma requalificação desses espaços, segundo um ponto de vista de melhoria das condições ambientais. Entretanto, os fins que justificam essa melhoria raramente são estritamente ambientais, e sim uma lógica de valorização do espaço urbano a ser incorporado ou reestruturado para fins imobiliários. Em geral, esses novos espaços têm-se caracterizado por serem construtores ou reafirmadores de identidades e por estarem voltados para o consumo. A qualidade paisagística, nesse caso, ganha um novo sentido, pois nesses espaços a apropriação privada do patrimônio ambiental se coloca como fator constituinte. Sobre esse aspecto, é fundamental observar que espaços públicos e privados são regidos por regras e mecanismos de controle distintos, conforme observa Eva (2004, p.05), Private space is organized according to the dimension and the concept of property; who has the biggest property has a proportional level of power; private space is organized according the concept of inequality. (…) Private property of the territory cut strongly the space, separating the private one (with its proper authoritarian rules) and leaving us the public space (represented by the state) as a simulacrum of participation/negociation; the fact is that the social space the private owners are in condition to have more decisional power and there’s a continuous fight between inequalities. Para Gomes (2002, p. 164-165), o espaço público é “o resultado de um gênero de relação contratual com o espaço”. É também o “lugar das inscrições e do reconhecimento do interesse público sobre determinadas dinâmicas e transformações da vida social”. As formas de organização desse espaço e o arranjo físico das coisas e elementos que compõem o espaço público são consideradas por Gomes (idem, p. 60 172) como agentes ativos “na realização de determinadas ações sociais, e essa ordem espacial é concebida como uma condição para que essas ações se produzam”. Esse ponto de vista nos remete à dialética do espaço, isto é, as praticas sociais são fruto de uma dada forma de organização do espaço, ao mesmo tempo em que condicionam essa mesma organização espacial. Nesse sentido, esse autor defende que “um olhar geográfico sobre o espaço público deve considerar, por um lado, sua configuração física e, por outro, o tipo de práticas e dinâmicas sociais que aí se desenvolvem” (GOMES, 2002, p. 172). A opção por tratar do problema ambiental da Zona Costeira a partir das relações existentes no âmbito do espaço urbano decorre justamente do entendimento de que a cidade é um palco privilegiado dessa combinação – repleta de conflitos – entre a apropriação pública e privada do espaço. A Zona Costeira e a orla marítima, em especial, revelam-se exemplos bastante paradigmáticos desse tipo de relação, pois trata-se de espaços dotados de particularidades que lhes conferem status privilegiado, seja como Patrimônio Nacional (a zona costeira), seja como bens de domínio da União (os terrenos de marinha e seus acrescidos) ou bem de uso comum do povo brasileiro – as praias, ou seja como propriedades privadas de alto valor comercial, no caso de residências, hotéis, etc. Cada município tem, hoje, a tarefa de combater a degradação ambiental e, por isso, todos eles devem adotar políticas públicas e sistemas de gestão que permitam compatibilizar a construção e a manutenção de infra-estruturas necessárias ao desenvolvimento econômico, com o controle da poluição e do uso e 61 ocupação do solo urbano, a criação de áreas de preservação ambiental e a participação da população na gestão ambiental. A degradação do ambiente costeiro é fruto do complexo e acelerado processo de apropriação do espaço e das relações sociais que aí se impõem, conforme foi apresentado. Essa apropriação, no entanto, revela um significativo paradoxo, pois ao mesmo tempo em que ela é o fator da perda do patrimônio ambiental e cultural do litoral, é também um potencial de desenvolvimento. É preciso, entretanto, observar que a qualidade paisagística, a beleza cênica e a salubridade do ambiente são os fatores de atratividade dos espaços litorâneos e representam um importante ativo ambiental e que, assim, o comprometimento desses fatores pode significar a estagnação econômica, derivada da perda da qualidade ambiental (BUTLER, 1980). Por isso, o ordenamento desse espaço, nos termos da proteção ao ambiente natural, passou a ser uma prioridade (BRASIL, 1996), e modelos de desenvolvimento regional compatíveis ecologicamente permearam o discurso técnico e acadêmico vigente a partir de meados dos anos 80. A incorporação da questão da degradação ambiental na Zona Costeira no discurso acadêmico é particularmente importante, pois, segundo Hanningan (1995), existem seis fatores que são fundamentais para a construção com êxito de um problema ambiental e para a busca de soluções: 62 1. Autoridade científica para a validação das exigências; 2. Existência de “propagadores” que possam estabelecer a ligação entre ambientalismo e a ciência; 3. Atenção dos meios de comunicação social onde o problema é estruturado como novidade e importante; 4. Dramatizaçãp do problema em termos simbólicos e visuais; 5. Incentivo econômico para tomar uma ação pró ativa; 6. Existência de uma estrutura institucional que possa assegurar legitimidade e continuidade. Modificado a partir de Hanningan, 1995. Dessa forma, a primeira questão é vista como o ponto de partida fundamental para a percepção coletiva do problema: Primeiro, um problema ambiental deve ter uma autoridade científica para a validação de suas exigências, (...) é virtualmente impossível para uma condição ambiental ser transformada num problema sem um corpo de dados de confirmação que tenha origem nas ciências físicas e da vida (...) (HANNINGAN, 1995). Mas também a última questão é fundamental, pois a existência de marcos regulatórios e de um ambiente institucional capaz de fornecer subsídios técnicos e suficiente força política para a implementação de programas e projetos na área ambiental é fundamental para o Gerenciamento Costeiro Integrado (GCI). O planejamento é, portanto, estritamente vinculado à política, sendo inclusive afirmado por Hall (2001) que ele se trata de uma ação política, antes de ser técnica. Desta forma, as relações de poder existentes, precisam ser bem analisadas, pois suas conseqüências no processo de planejamento são decisivas. Assim, o planejamento e a gestão desse espaço devem ser debatidos tanto no meio acadêmico quanto no meio técnico-político. Tem sido observado no Brasil o crescimento desse debate. Do ponto de vista político-institucional, o Brasil 63 apresenta um arranjo institucional inovador, conferido pela criação da Comissão Interministerial dos Recursos do Mar – CIRM e por uma vasta legislação e instrumentos regulatórios, como veremos no capítulo seguinte. Assim, pode-se definir como um dos pressupostos básicos do Gerenciamento Costeiro a sua busca por atuar na gestão de conflitos sócio-ambientais que se manifestam na Zona Costeira, culminando, recentemente, com um projeto específico voltado para a orla marítima. Dada a complexidade de situações observada na Zona Costeira, é necessária uma constante avaliação dos mecanismos de planejamento e gestão associados a esses espaços. Os desafios existentes incorporam a necessidade de incluir, nos modelos de planejamento, mecanismos voltados para garantir a preservação ambiental e, dessa forma, mediar essa complexa equação entre desenvolvimento econômico e conservação dos ecossistemas naturais. 2.4 Definindo Conceitualmente o Gerenciamento Costeiro Integrado O Gerenciamento Costeiro Integrado (GCI), na definição de Cicin-Sain e Knecht é “um processo dinâmico e contínuo, no qual são tomadas decisões para um uso racional e sustentável para o desenvolvimento e proteção de áreas e recursos marinhos e costeiros” (CICIN-SAIN; KNECHT, 1998, p. 39 – tradução nossa). Para Cicin-Sain e Knecht (1998), Polette e Silva (2003), Marroni e Asmus (2005), Tagliani (2005) e muitos outros teóricos e estudiosos do GCI, este deve ser entendido enquanto processo, isto é, algo que requer constante retroalimentação e 64 revisão, sendo, portanto, adaptativo, de tal forma que as instituições utilizem as próprias experiências para melhorar a prática de gestão. Um aspecto fundamental do GCI é que ele também se propõe a superar a fragmentação de abordagem setorial que domina a esfera tradicional de planejamento e gestão: seja referente aos usos (pesca, turismo, mineração, qualidade da água, etc.), ou em relação às esferas governamentais (níveis de governo). O objetivo dessa superação é garantir que o processo decisório seja organizado e esteja em consonância com as políticas costeiras da Nação, dentro de um arranjo institucional equilibrado. Dessa forma, segundo Tagliani 2005, o GCI não substitui o manejo setorial de recursos, mas assegura que todas as atividades funcionem harmoniosamente, isto é, sejam tão integradas, quanto estão interconectados os próprios ecossistemas naturais. O gerenciamento integrado da Zona Costeira leva em consideração a característica diferenciada desse espaço, em termos de recursos, processos e feições naturais, o que torna a região litorânea de grande atratividade para as atividades humanas. Esses atrativos, responsáveis pelo adensamento populacional crescente desta região, são também as origens de inúmeros conflitos (espaço finito e múltiplos usos). Tagliani reconhece, também, a complexidade de manejo integrado nos dois “lados” da Zona Costeira – continente e mar, devido à característica pública da área oceânica (onde as autoridades governamentais têm propósitos simples), e geralmente pública e privada das áreas emersas (propósitos múltiplos) (TAGLIANI, 2005). 65 Segundo Tagliani (2005, p.13), (...) o GCI não é uma ‘receita’ que se aplica a todas as situações e não é uma metodologia baseada na experiência de uma ou outra nação, mas um processo contínuo que assegura que todas as atividades e decisões relativas à zona costeira de um país são consistentes e suportadas por objetivos e metas acordados para a região e a nação. 2.4.1 Antecedentes O marco referencial em manejo de áreas costeiras ocorreu na década de 60, quando foram realizadas, por nações desenvolvidas, ações de recuperação e controle ambiental, em decorrência da degradação ambiental provocada pelo desenvolvimento inapropriado e pela falta de planejamento. Entretanto, tratava-se de ações isoladas que procuravam resolver problemas específicos, não caracterizando um processo integrado. O primeiro marco institucional da gestão costeira ocorreu com a Lei do Gerenciamento da Zona Costeira (Coastal Zone Management Act) nos Estados Unidos, em 1972. Após esses esforços iniciais, muitas nações iniciaram esforços de manejo costeiro, inclusive países em desenvolvimento, encorajados e apoiados por organizações ou nações financiadoras. Até 1996, aproximadamente 150 esforços de GCI foram iniciados por aproximadamente 65 países soberanos ou semi-soberanos em todo o mundo (CICIN-SAIN; KNECHT, 1998). Parte dos avanços conceituais e metodológicos do GCI ocorreu em decorrência dos acordos, princípios e declarações derivados de convenções internacionais sobre meio ambiente e desenvolvimento, marcos regulatórios que 66 tiveram uma grande influência na evolução do processo de GCI em direção a uma abordagem mais abrangente e integrada. Ainda que Cicin-Sain e Knecht (1998) defendam que o GCI não deva ser tomado como uma receita pré-estabelecida, esses autores oferecem um modelo de manejo integrado da Zona Costeira que auxilia o entendimento de um programa de GCI. Os subitens, a seguir, sintetizam esse modelo. 2.4.2 Objetivos e metas do gerenciamento integrado da Zona Costeira Para Cicin-Sain e Knecht (1998), Tagliani (2005); Asmus e Marroni, 2004, entre outros, as metas do gerenciamento integrado da Zona Costeira são, em geral: promover o desenvolvimento sustentável de áreas marinhas e costeiras; reduzir a vulnerabilidade da Zona Costeira aos perigos naturais (tais como inundações e erosão); e sustentar os processos ecológicos essenciais e seus ecossistemas, garantindo a diversidade biológica tanto na zona marinha quanto na área costeira. O pressuposto do GCI segue algumas orientações básicas, analisa as implicações do desenvolvimento, os usos conflitivos e as inter-relações que acontecem entre a bacia de drenagem, zona de contato entre o mar e a terra, e o próprio mar territorial e plataforma continental; busca, assim, promover uma harmonização entre os usos nesses setores costeiros. 67 2.4.3 O objeto e função do Gerenciamento Costeiro Integrado Os variados usos e atividades que ocorrem na Zona Costeira apropriam-se de maneira diferenciada dos recursos naturais existentes. De um modo geral, todas essas atividades estão sob regulamentação de instituições ou agências especializadas. Não se espera que o Gerenciamento Costeiro Integrado substitua as práticas de gerenciamento setoriais, mas, fundamentalmente, que as oriente, de forma a harmonizar as sobreposições e conflitos. A integração dessas esferas políticas é particularmente difícil, conforme foi posto, pois as formas de gestão do território estão sujeitas à disputa política de grupos de interesse com maior ou menor acesso às instâncias decisórias. Além disso, a natureza da propriedade (pública/privada) e os diferentes interesses governamentais associados a cada escala (local, regional, nacional ou internacional) são elementos que tornam a composição de forças para uma efetiva gestão integrada um processo complexo. Assim, para Tagliani (2005, p. 14), “o termo ‘integração’ deve levar em conta várias dimensões para lidar com essas características diferenciadas, devendo considerar a integração a nível setorial, intergovernamental, espacial, entre ciência e manejo e também internacional”. Tagliani (2005) aponta cinco funções elementares de programas de GCI. Observa-se que elas se relacionam fundamentalmente a padrões de uso e à manutenção da qualidade ambiental: • Planejamento Ambiental - harmonizar e balancear os usos reais e potenciais da Zona Costeira, dentro de uma visão de longo período. • Promoção do desenvolvimento econômico - promover usos apropriados para as áreas costeiras e marinhas. 68 • Gerenciamento de recursos – proteger a base ecológica, preservar a biodiversidade e promover as condições ecológicas desejadas para a biota • Resolução de conflitos • Proteção de terras e águas públicas 2.4.4 Gerenciamento Costeiro Integrado e o Policy Cycle Autores como Polette e Silva (2003) e Olsen (2003), entre outros, utilizam as discussões oriundas do GESAMP (Joint Group of Experts on the Scientific Aspects of Marine Environmental Protection) – que é um grupo composto por profissionais e especialistas de inúmeras agências internacionais (IMO, FAO, UNESCO-COI, WMO, IAEA, UNEP) os quais se reuniram durante os anos de 1994 a 1996 com o intuito de entender o Gerenciamento Costeiro Integrado (POLETTE; SILVA, 2003) – para conceituar e oferecer uma estrutura de análise ao GCI. Nessa perspectiva, o Gerenciamento Costeiro Integrado deve ser baseado em princípios de procedimentos semelhantes ao conceito de Policy Cycle, isto é, que incorpore em sua estratégia de ação mecanismos que enfatizem adaptações e retroalimentações. O Policy Cicle parte do entendimento de que as arenas políticas podem sofrer modificações no decorrer dos processos de elaboração e implementação das políticas. Em função disso, é fundamental que haja uma análise que leve em conta tanto o caráter dinâmico como a complexidade temporal dos processos político-administrativos. Dessa forma, o policy cicle subdivide o agir público em 69 fases parciais do processo político-administrativo e mostra-se um modelo bastante interessante de análise da vida de uma política pública (FREY, 2000 p. 226). As fases do policy cicle, segundo Frey, tradicionalmente diferenciam-se apenas gradualmente, sendo comum a todas as propostas as fases de formulação, de implementação e de controle dos impactos das políticas. Naturalmente, divisões mais sofisticadas e que incorporem a percepção e a construção coletiva dos problemas, a definição de arranjos institucionais e sociais, a elaboração de programas e avaliação são absolutamente pertinentes, podendo aumentar o grau de complexidade e auxiliar a eventual correção eventual da ação (FREY, 2000). Com relação aos princípios que orientam o policy cicle do GCI, é preciso ter clareza de que ele é voltado para uma diretriz de desenvolvimento sustentável. Assim também, quanto aos procedimentos, entende-se que estes devam estar baseados na participação do público, considerem os valores socioculturais, e as diferenças sociais. A adoção de processos partitivos supostamente garantiria as necessárias adaptações do plano de gerenciamento a ser seguido. É preciso, porém, manter aberto o canal de participação em todos os momentos, pois a formulação – que compreende a fase na qual se define a estratégia geral de uma dada política pública (objetivos, metas, recursos, entre outros) – é desenvolvida por uma autoridade, ou por um conjunto de autoridades que expressam suas escolhas e preferências. Estas, em algumas situações, podem divergir das que a sociedade considera relevantes. Nesses casos, a formulação pode ter um caráter de 70 isolacionismo, pois impõe superioridade excessiva em relação às outras fases do policy cycle, remetendo a questionamentos quanto a práticas clientelistas e corporativas. Para Tagliani (2005) um programa de gerenciamento integrado da Zona Costeira deve ter três partes principais: 1. Um processo continuado de coleta da informação necessária sobre os recursos (naturais/artificiais) e problemas costeiros, e sobre os anseios e necessidades da comunidade. 2. Um processo de estabelecer um conjunto de metas e políticas para a Zona Costeira de forma integrada, e de desenvolver uma estratégia de planejamento e gerenciamento de processos costeiros que aplique essas políticas à Zona Costeira nacional ou estadual. 3. A adoção, o desenvolvimento ou o fortalecimento dos meios (legais, institucionais, técnicos, financeiros e humanos) para atingir as metas e políticas do programa. Para Polette e Silva (2003), o processo de gerenciamento costeiro integrado deve buscar um balanceamento entre as potenciais atividades, visando planejar os espaços costeiros e oceânicos, de forma a permitir um planejamento em escalas temporais distintas, isto é, uma visão de curto, médio e longo prazos. Com isso, promove e estimula usos mais apropriados da Zona Costeira. Esse autor adota, assim, a concepção de GCI proposta pelo GESAMP, definindo os cinco estágios de desenvolvimento do GCI, quais sejam: 71 1. 2. 3. 4. 5. Identificação de Problema e Análise; Preparação do Programa; Adoção Formal e Financiamento; Implementação; Avaliação. Tais estágios representam, nessa ótica, uma geração do processo de GCI (Figura 3). Mas, segundo Polette e Silva (2003), muitas vezes para se alcançar os resultados esperados, ou seja, as mudanças comportamentais necessárias para reversão dos problemas, são requeridas várias gerações de um processo desta natureza. Figura 3: Ciclos do Gerenciamento Costeiro Integrado Fonte: Olsen, 2003 72 Para Polette e Silva (2003), esse ciclo é concebido enquanto marco de referência ao processo de GCI. As ações consideradas por esses autores como essenciais, que correspondem a cada fase do ciclo, encontram-se no Quadro 1. Quadro 1: Ações Essenciais que Correspondem aos Passos do Ciclo de Gerenciamento Costeiro Integrado Fases Fase 1 Identificação e Análise Ações Essenciais A. Identificar e evaliar os principais assuntos ambientais, sociais e institucionais e suas implicações. B. Identificar os principais atores (governamentais e não governamentais) e seus respectivos interesses. C. Verificar as lideranças governamentais e não-governamentais sobre os assuntos selecionados. D. Selecionar os assuntos sobre os quais se concentrarão os esforços da iniciativa de gerenciamento. E. Definir as metas do gerenciamento costeiro integrado. A. Realizar as pesquisas identificadas como prioritárias; B. Preparar o plano de gerenciamento e a estrutura institucional sobre as quais será implementada; Fase 2 Preparação do C. Iniciar o desenvolvimento da capacidade técnica local. D. Planejar a sustentação financeira. Programa E. Desenvolver ações de implementação em escala piloto (atividade demonstrativa em temas ou áreas relativamente novas de um programa, que se executa para desenvolver a experiência, criar interesse e capacidade para esforços de gerenciamento de maior escala, bem como com visão de futuro). F. Realizar programas de educação pública e conscientização. Fase 3: A. Obter a aprovação governamental da proposta. Adoção Formal B. Implementar o marco institucional básico do processo de Gerenciamento Costeiro e Integrado e obter o respaldo governamental para os diversos arranjos institucionais. Financiamento C. Prover os fundos requeridos para a implementação do programa. A. Modificar as estratégias do programa conforme seja necessário. B. Promover o cumprimento das políticas e estratégias do programa. C. Fortalecer o marco institucional e o marco legal do programa. Fase 4 D. Fortalecer o compromisso da administração do processo e dos atores de acordo Implementação com as estratégia e os resultados a serem obtidos. E. Fortalecer a capacidade gerencial, técnica e de gerenciamento financeiro do programa. F. Assegurar a construção e manutenção da infra-estrutura física. G. Alimentar a participação aberta de quem respalda o programa. H. Implementar os procedimentos da resolução dos conflitos. I. Alimentar o apoio político e a presença do programa na agenda de grandes temas em nível local, estadual e nacional. J. Monitorar o desempenho do programa e as tendências do ecossistema. Fase 5: A. Adaptar o programa a sua própria experiência, bem como às novas condições Avaliação ambientais, políticas e sociais. B. Determinar os propósitos e impactos da avaliação. Fonte: Olsen et all, 1999, apud Polette e Silva, 2003 73 É interessante observar que, nessa concepção, as ações estipuladas por Polette e Silva, desvinculam o GCI de sua concepção de ação estritamente governamental. Isso fica claro ao se observar o item “A” da Fase 3 – “Adoção formal” – em que a referida ação seria – Obter a aprovação governamental da proposta. Essa concepção é fundamental para que se abram possibilidades de que instituições de pesquisa desvinculadas do setor de formulação de políticas, em seu sentido estrito, possam participar não apenas com subsídios e pesquisas preliminares ou avaliações, mas também na fase de formulação e concepção das políticas públicas. O Ciclo de Gerenciamento Costeiro apresentado aproxima-se muito, conforme foi mencionado, do conceito de policy cicle da ciência política. Dessa forma, serão utilizadas algumas análises oriundas da ciência política para avaliar alguns aspectos do ciclo de gerenciamento costeiro. O policy cicle, enquanto modelo, oferece uma seqüência de passos para o processo de resolução de um problema político. Entretanto, na prática, para Frey, (2000, p.229), “os atores político-administrativos dificilmente se atêm a essa seqüência. Isso vale especialmente para programas políticos mais complexos que se baseiam em processos interativos cuja dinâmica é alimentada por reações mútuas dos atores envolvidos”. Esse ponto é particularmente interessante, pois já que o processo de GCI é pautado por uma dinâmica participativa e interativa, é preciso observar que os processos de aprendizagem política e administrativa podem ser encontrados em todas as fases do ciclo político. Isso significa que a avaliação não precisa ser realizada exclusivamente no final do processo e que 74 constantes adaptações à realidade local, principalmente em um processo de descentralização de políticas, são necessárias. Frey ressalta, entretanto, que “o fato de os processos políticos reais não corresponderem ao modelo teórico não indica, necessariamente, que o modelo seja inadequado para a explicação desses processos”, o que sublinha o seu papel enquanto instrumento de análise. Para esse autor, o policy cicle fornece um quadro de referência para a análise processual. Ao atribuir funções específicas às diversas fases do processo políticoadministrativo, obtemos – mediante a comparação dos processos reais com o tipo puro – pontos de referência que nos fornecem pistas às possíveis causas dos déficits do processo de resolução de problema (FREY, 2000, p. 229). Entende-se, nesse sentido, que o ciclo de gerenciamento costeiro deva ser aplicado da mesma forma. Isto é, deve, sim, subsidiar a formulação das políticas de GCI, mas não de maneira estanque, sendo constantemente redimensionado e reavaliado para se adaptar às dinâmicas do processo de implementação dos programas e políticas de GCI. Dessa forma, deve-se compartilhar a visão de Polette e Silva (2003), que entendem que o Ciclo do GCI, enquanto processo, (...) ocorre por loops que estão continuamente se confrontando e se adaptando, conforme a realidade local e/ou regional. Existem contextos e oportunidades, por exemplo, em que se pode iniciar o processo pela fase 2, e inclusive na fase 3. Algumas vezes, novos dados são requeridos para o desenvolvimento do processo, logo é possível retornar a fases e passos anteriores, de tal forma que estes possam ser modificados por meio da análise obtida até então (POLETTE; SILVA, 2003, p-30). 75 2.5 Gerenciamento Costeiro no Brasil No Brasil, o principal instrumento definidor da política nacional de gerenciamento Costeiro é o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro do Brasil, o qual define gerenciamento costeiro como um conjunto de atividades e procedimentos que, por meio de instrumentos específicos, conduz à gestão dos recursos da Zona Costeira. O plano foi instituído pela Lei 7661/88 e expressa um importante compromisso com o desenvolvimento sustentável da Zona Costeira, considerada pela Constituição Federal como um patrimônio nacional. Sua finalidade primordial está vinculada à promoção do ordenamento do uso dos recursos naturais e da ocupação dos espaços costeiros, utilizando, como estratégia para tal, a identificação das potencialidades, vulnerabilidades e tendências existente na Zona Costeira. 2.5.1 Evolução do Gerenciamento Costeiro no Brasil As primeiras formulações para um programa nacional de gerenciamento costeiro surgiram em um seminário internacional promovido pela Subcomissão de Gerenciamento Costeiro da Comissão Interministerial de Recursos do mar – CIRM, em 1983, no Rio de Janeiro. Em 1987, a CIRM estabeleceu o Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC), especificando a metodologia de zoneamento e o modelo institucional para sua aplicação. Em 1988, o PNGC foi legalmente estabelecido pela Lei 7.661/88, com o apoio político e jurídico da CIRM e do CONAMA. A Lei 7.661/88 estabeleceu que todas as normas e regras deveriam ser 76 detalhadas em um documento específico a ser produzido pela CIRM, o que foi feito em 1990 com a Resolução CIRM 001/90. Essa Resolução aprovou a primeira versão do PNGC, assentando as bases metodológicas do Gerenciamento Costeiro (GERCO), definindo seu modelo institucional e seus instrumentos de gestão (TAGLIANI, 2005). O PNGC, entretanto, não alcançou os objetivos almejados, tendo sido alvo de severas críticas após os dois primeiros anos de implantação. Foi nesse momento, também, que a coordenação do GERCO deixou de ser atribuição do IBAMA e passou a compor a estrutura do recém-criado Ministério do Meio Ambiente (Em 1992, a Lei 8.490 transformou a SEMAM/PR em Ministério do Meio Ambiente) (TAGLIANI, 2005). Nesse momento, ocorreu uma avaliação por parte da coordenação do GERCO sobre os problemas do PNGC. Um resumo dessa avaliação é apresentado por Tagliani (2005, p. 14): ¾ Confusão das equipes quanto aos objetivos e finalidades do Programa, tendente a um caráter exclusivamente impeditivo. ¾ Atividades de coordenação não claramente definidas deixando a esfera federal sem uma função clara no organograma de trabalho do programa. ¾ Impossibilidade do desenvolvimento de ações emergenciais em função do atrelamento da implementação dos planos de gestão à conclusão do zoneamento. ¾ Metodologia do zoneamento apresentava uma excessiva rigidez para uma atividade descentralizada, atuando em realidades variadas, seja em relação às características naturais e sociais dos espaços abordados, seja no que pese a capacidade técnica e gerencial de cada estado. ¾ O detalhamento cartográfico rígido era incompatível com a velocidade dos processos de ocupação da zona costeira, além de custo elevado e morosidade na obtenção dos resultados ¾ Quanto ao Sistema de Informações do Gerenciamento Costeiro (SIGERCO), este estava concebido apenas como apoio ao zoneamento e não como um instrumento de auxílio à tomada de decisão no processo de gestão. 77 O principal desdobramento dessa avaliação foi uma mudança na concepção de planejamento que se pretendia com o PNGC, que deixou de ser uma política principalmente restritiva e passou a ser considerado, também, como indutor de desenvolvimento. Fruto desse processo de mudança nos paradigmas de planejamento que norteavam a política de gerenciamento costeiro, ocorrem, entre 1992 e 1997, intensos debates e avaliações do modelo a ser implementado. Em 1997, a coordenação do GERCO forneceu a proposta definitiva para a atualização do PNGC, que permitia uma revisão da metodologia e do modelo institucional. Dessa forma, é aprovada pela Comissão Interministerial de Recursos do Mar a segunda versão do Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro, denominada de PNGC II. Dentre as principais alterações, Tagliani (2005) ressalta que, nesta nova versão, o PNGC: - Reafirma o modelo institucional adotado anteriormente, mas acentua a presença das esferas federal e municipal e da sociedade civil na condução do programa. - Acentua o enfoque político do documento em comparação com o anterior, mais técnico. - Prevê a criação de um Grupo de Integração do Gerenciamento Costeiro (GIGERCO) no âmbito da CIRM, para facilitar a integração interinstitucional, e, também, um subgrupo de integração dos Estados, vinculado a este. 78 - Reafirma os instrumentos básicos do programa (Zoneamento, SIGERCO, Planos de gestão e monitoramento), mas sem detalhamentos técnicos, e salienta a referência a outros instrumentos existentes na Política Nacional do Meio Ambiente, passíveis de serem acionadas pelo GERCO, como o Relatório de Qualidade Ambiental da Zona Costeira. - Rompe com o atrelamento tanto do SIGERCO quanto dos planos de gestão à conclusão da proposta de zoneamento, orientando para a adoção simultânea de todos os instrumentos e de estabelecimento de contatos com outros instrumentos e ações praticados na Zona Costeira. - A definição de “Zona Costeira” recebe uma conceituação menos acadêmica e mais voltada à prática do planejamento, sendo substituída pela noção de “município litorâneo”. No contexto dessa reformulação do PNGC, é importante ressaltar que não houve mudança significativa em termos das atribuições das esferas federal e estadual na coordenação e na implementação do PNGC II. Entretanto, deve-se observar que é no dia-a-dia dos municípios e localidades litorâneas que as pressões, os conflitos e os impactos são mais facilmente perceptíveis, ainda que os mecanismos de envolvimento dessa esfera de planejamento ocorram até hoje de maneira muito embrionária. Assim, entende-se que a questão das escalas de atuação é um aspecto crucial do planejamento da Zona Costeira, uma vez que os conflitos vêm sendo 79 tratados em âmbito regional ou nacional, quando muitas vezes a escala local seria o nível mais adequado para tal discussão, e vice- versa. O projeto de Gerenciamento Costeiro mais recente é chamado Projeto Orla e busca atuar na gestão desse tipo de conflitos sócio-ambientais que se manifestam na orla marítima. O Projeto Orla almeja o aumento da eficiência da gestão da orla, por meio da descentralização dos procedimentos de destinação de usos de bens da União para os municípios, viabilizando o controle das atividades de fiscalização, regulamentação dos usos e da ocupação e estímulo a alternativas econômicas sustentáveis. A seguir, o capítulo 3 traz as mais importantes informações sobre esse Projeto. 80 3 O PROJETO ORLA O Projeto de Gestão Integrada para a Orla Marítima – Projeto Orla – é uma iniciativa do governo federal, desenvolvida a partir de uma proposição do Grupo de Integração do Gerenciamento Costeiro (GIGERCO) da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM) e que tem como coordenadores a Secretaria de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (SQA/MMA) e a Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento (SPU/MP). O Projeto Orla vem sendo implementado desde 2001, inicialmente em caráter experimental e, posteriormente, nos municípios participantes do PNMA II. Até o presente momento, o Projeto foi implementado em 58 municípios, em catorze estados. Dentro de seu escopo de trabalho, o principal objetivo do Projeto é a busca por compatibilizar as políticas ambiental e patrimonial do Governo Federal no trato dos espaços litorâneos sob propriedade ou guarda da União. Assim, propõe-se, inicialmente, a estabelecer uma nova normalização no uso e gestão dos terrenos e acrescidos de marinha, que consolide uma orientação cooperativa e harmônica entre as ações e políticas de governo praticadas na orla marítima. O Projeto Orla é amparado por um conceito de planejamento governamental que preconiza a gestão compartilhada e concorrente entre os níveis de governo e busca, em sua concepção, a efetivação de parcerias intragovernamentais e com a sociedade civil organizada, com objetivo de estabelecer uma atuação articulada e solidária nos vários setores da administração pública. Nesse sentido, o princípio que se tenta adotar está coerente com os mais recentes preceitos conceituais e 81 acadêmicos que estudam o Gerenciamento Costeiro Integrado: a descentralização na gestão costeira, com a esfera da União responsabilizando-se pela definição de normas gerais de conduta, e com os governos estaduais e municipais como os efetivos condutores das ações planejadas (BRASIL, 2002). A implementação prática dessa descentralização, entretanto, é um processo delicado e cheio de idiossincrasias. A intenção contida nos documentos técnicos preliminares do Projeto Orla coloca-o como uma ação sistemática que visa repassar atribuições de gestão desse espaço para a esfera do município (atribuições essas atualmente alocadas no Governo federal), introduz a perspectiva e as normas ambientais na política de regulamentação dos usos dos terrenos e acrescidos de marinha e buscando uma mobilização social nesse processo. Trata-se, portanto, de um programa de descentralização de políticas públicas, que enfoca um espaço de alta peculiaridade natural e jurídica: a orla marítima (BRASIL, 2002). Em sua concepção, o Projeto Orla partia do princípio de que a articulação interinstitucional seria o elemento primordial que garantiria o sucesso do projeto. Dessa forma, a concretização das metas buscadas dependeria do estabelecimento e da harmonização de relações intersetoriais e interinstitucionais variadas e de diferentes naturezas, entre elas: - Articulação das distintas políticas setoriais praticadas na orla nos três níveis de governo; - Articulação entre os poderes executivo, legislativo e judiciário em suas atuações na orla, nos três níveis de governo; - Articulação entre as esferas de governo federal, estadual e municipal em suas ações na orla marítima; 82 - Articulação entre governo e sociedade civil nos programas de gestão da orla; - Articulação entre diferentes áreas do conhecimento nos estudos e diagnósticos requeridos por uma competente gestão da orla; - Articulação do conhecimento e das ações referentes ao meio terrestre e ao meio aquático na orla marítima (BRASIL, 2002, p. 4). Esse formato de planejamento requer o estabelecimento de canais de articulação entre esferas de Governo que são dificílimos, principalmente em função da pluralidade de interesses em jogo na apropriação do espaço costeiro. A atuação conjunta e a cooperação interinstitucional ainda são obstáculos a serem vencidos no contexto de um federalismo cujas competências e atribuições ainda não são bem demarcadas, como é o caso brasileiro. Conforme mencionadoo por Moraes, as atribuições e competências da União, dos estados e dos municípios não estão bem demarcadas nas diferentes legislações, gerando conflitos de sobreposição legal. Notadamente nos assuntos de licenciamento de atividades produtivas e de ordenamento do uso do solo observam-se fortes choques institucionais intragovernamentais (MORAES, 2005, p. 1). Naturalmente, tais dificuldades eram esperadas pela equipe formuladora do Projeto Orla, tanto que foi proposto como primeiro objetivo específico: “Fortalecer a capacidade de atuação e a articulação dos diferentes atores do setor público para a gestão integrada da orla, aperfeiçoando o arcabouço normativo para o ordenamento de uso e ocupação desse espaço” (BRASIL, 2002, p 4). Os outros objetivos específicos também caminham nessa direção: - Desenvolver mecanismos institucionais de mobilização social para a gestão integrada da orla; - Estimular o desenvolvimento sustentável na orla, com a regularização dos usos inadequados e a implantação de usos compatíveis; - Proteger os recursos naturais e ambientais presentes na orla, buscando resguardar a integridade de seus ecossistemas (id. ibid.). 83 A lógica que rege esses objetivos é a espera de uma melhoria, em termos de eficiência e controle, na gestão da orla. Isso ocorreria a partir da descentralização dos procedimentos de destinação de usos de bens da União para os municípios. Nesse processo, espera-se que se viabilize um controle mais efetivo das atividades de fiscalização, licenciamento, regulamentação de usos e da ocupação a partir do momento em que tais ações passem a ser geridas na escala local, como uma nova competência dos governos municipais. Espera-se, assim, que o poder municipal promova alternativas econômicas sustentáveis para o uso desse espaço (a orla marítima). É preciso atenção, entretanto, para o fato de que nem todos os municípios estão preparados ou interessados em assumir essa responsabilidade. Durante o processo de capacitação para a implementação do Projeto Orla, por exemplo, o Secretário de Meio Ambiente do município de Armação dos Búzios, no estado do Rio de Janeiro externou seu desconforto com a forma de tratamento dessa questão. Em suas palavras: O processo de planejamento proposto pelo Projeto Orla passa a ter um caráter arrogante e prepotente, uma vez que responsabiliza exclusivamente o município pelos problemas da orla. Ignora-se, dessa forma, que os processos de licenciamento da prefeitura são comprometidos pela falta de comunicação entre as diversas esferas de governo, federal e estadual (Luiz Celso Fernandes – em entrevista no dia 20 de fevereiro de 2003). Para esse Secretário, existiam problemas de relacionamento com a SPU, que possivelmente se resolveriam a partir do Projeto Orla, em especial o fato de que a GRPU “libera terrenos sem consultar a prefeitura para saber se há ações 84 planejadas para aquele espaço”. Entretanto, para ele, as relações com órgãos estaduais de meio ambiente, especialmente a FEEMA e a SERLA, permaneceriam sendo um problema, pois “projetos ambientais como a demarcação da faixa marginal de lagoas esbarram na ineficiência da SERLA, recaindo sobre a prefeitura uma responsabilidade que não é dela”, e a “demora no licenciamento da FEEMA acaba onerando o correto e estimulando a ocupação irregular” (id. ibid.). Outra questão tem relação com a variedade de situações ambientais, sociais e institucionais presente ao longo da orla brasileira, o que representa uma linha tênue entre a ação de controle e restrição de atividades potencialmente poluidoras e a indução do desenvolvimento. Esse é um ponto absolutamente complexo, pois embora haja um grande avanço conceitual e uma grande sofisticação teórica que fornecem análises sobre a capacidade de suporte de determinadas atividades, o fato de existirem problemas difusos, tais como a urbanização sem o devido acompanhamento por parte do provimento de infra-estrutura, é, por si só, uma grande dificuldade que nem sempre é devidamente contabilizada. Assim, entender que o estímulo à atividade turística será, a priori, uma possibilidade de desenvolvimento sustentável, sem observar a capacidade real dessas cidades em enfrentar a questão da sobrecarga dos seus sistemas de saneamento é, no mínimo, uma incoerência. Este ponto, em especial, requer que a União defina diretrizes mais claras com respeito ao que é possível e permissível em relação à administração de seu patrimônio, para que os municípios, no desempenho das funções de gestor da orla, 85 possam exercer essa gestão de maneira mais adequada e sem comprometer tal patrimônio. Para o Governo brasileiro, entretanto, os benefícios da implantação do Projeto Orla eram relativamente claros, e foram expressos na documentação do projeto na forma de escalas espaciais de observação dos benefícios: - Em termos nacionais, o projeto atende aos propósitos de uma ação convergente do poder público no sentido de valorizar o conceito de patrimônio coletivo da orla. A garantia de acesso às praias - legalmente caracterizadas como bens públicos - possui um forte significado na formação da cidadania, e será enriquecida pela competência municipal da gestão, a qual aproxima a responsabilidade do cidadão ao lhe abrir possibilidades de intervenção; - Em termos regionais, o uso adequado da orla permite a potencialização desse ativo ambiental como elemento de atração do turismo, atividade básica no desenvolvimento das localidades costeiras. A adequada gestão da orla contribui para a manutenção dos recursos estratégicos e orienta a implantação de infra-estruturas de interesse para o crescimento econômico regional; - Em termos locais, os benefícios são evidentes com a preservação das paisagens e das condições naturais, a conservação e utilização sustentável da biodiversidade, o estímulo à geração de pequenos negócios, e a própria mobilização política da sociedade local (BRASIL, 2002). Analisando os benefícios esperados pelo projeto, observa-se certo nível de generalização quanto a algumas questões, em especial no que se refere à questão do turismo enquanto “atividade básica para o desenvolvimento das localidades costeiras”. É preciso entender que nem todo turismo é sustentável e promotor de benefícios para as localidades costeiras; assim como nem toda ação voltada para promover o turismo o é, tampouco. Em muitos municípios, onde o IBAM atuou, observou-se, conforme veremos a seguir, uma concentração de intenções de ação em projetos de intervenção físico-territorial. Ao estabelecer que o município é 86 soberano na definição de seu plano de Intervenção na Orla Marítima, é preciso ter clareza de que, em função dos vários aspectos mencionados ao longo dessa dissertação, muitos municípios vão optar por ações que nem sempre irão conduzir às melhores formas de gestão ambiental. Por isso, talvez fosse mais eficiente definir previamente diretrizes básicas e normas gerais de atuação que sejam mais claras e direcionadas a determinados fins, evitando, dessa maneira, o desgaste político decorrente de se conduzir um processo de construção, em base local, de propostas que posteriormente serão invalidadas, seja pela incoerência ou inconsistência do ponto de vista dos benefícios ambientais esperados, seja pela falta de recursos ou capacidade técnica para implementar tais ações. As ações implementadas no âmbito do Projeto Orla tiveram como foco central a elaboração de Planos de Intervenção para as orlas dos municípios e a capacitação de gestores locais responsáveis pela implementação desses planos, numa perspectiva de descentralização da gestão da orla marítima. Os Planos de Intervenção na Orla Marítima representaram os produtos finais do processo de fortalecimento institucional proposto pelo Projeto Orla. A elaboração desses documentos propiciou, ou deveria propiciar, não só um aumento da capacidade técnica municipal, mas também a criação de um canal de articulação entre agentes públicos e comunitários para a gestão da orla. Nos Planos de Intervenção, a orla marítima foi tomada como objeto de ações de planejamento e intervenção pelo município. As ações são definidas a partir de um diagnóstico simples e rápido, baseado na análise da paisagem, o que 87 forneceria a síntese da qualificação dos atributos naturais e das tendências de uso e ocupação da orla. O uso da paisagem, enquanto elemento estruturador do diagnóstico, propiciou vantagens operacionais, reduzindo o excesso de sofisticação teórica que modelos tradicionais de planejamento foram incorporando ao longo do tempo. Isso permitiu um entendimento mais simples e objetivo e, fundamentalmente, uma capacidade de comunicação com a sociedade civil participante da fase de implementação do projeto que minimizou o viés tecnocrático normalmente associado ao planejamento. Entretanto, a utilização da paisagem, enquanto ferramenta de análise, traz também algumas deficiências inerentes à própria definição conceitual do termo. Para Santos (2002 , p. 103), “A paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza”. Assim, a paisagem se define pela configuração territorial e pelo resultado material acumulado das ações humanas através do tempo. Dessa forma, o problema do uso da paisagem, enquanto objeto de análise, é o risco de negligenciar o espaço, que na sua visão é a união entre essas formas mais a vida que as anima (op. cit., p 103). Santos afirma: O espaço, uno e múltiplo, por suas diversas parcelas, e através do seu uso, é um conjunto de mercadorias, cujo valor individual é função do valor do que a sociedade, em um dado momento, atribui a cada pedaço da matéria, isto é, cada fração da paisagem (SANTOS, 2002, p. 104). O espaço, assim, é a síntese entre a paisagem e as ações atuais, que no momento presente lhe atribuem um dinamismo e uma funcionalidade. 88 Em função dessa negligência com a dinâmica social e com a apropriação dos benefícios esperados pelo Projeto Orla, é que pode-se atribuir o fato de ter havido uma priorização de aspectos de intervenções de caráter físico-territoriais na definição das suas ações. Naturalmente, em sua concepção, o Projeto Orla considerou aspectos ambientais, econômicos, sociais, culturais, fundiários, mas observam-se, sobretudo, ações de caráter meramente estético-paisagístico. 3.1 Uma Mudança de Escala no Âmbito do Gerenciamento Costeiro A partir da análise das ações definidas nos Planos dos municípios participantes do Projeto, tornaram-se nítidas algumas lacunas de implementação existentes entre as distintas escalas de concepção e planejamento das ações, evidenciando-se os conflitos de interesse existentes entre os órgãos estaduais e federais e os órgãos municipais e as organizações da sociedade civil, assim como ficaram expostos os conflitos existentes nos vários municípios e as dificuldades e possibilidades para a construção de ações integradas. Os planos refletiram as características de cada local quanto aos seus aspectos ambientais, sociais, institucionais e quanto às peculiaridades do processo de ocupação urbana. Entretanto, foi requisitado aos municípios que as ações implementadas não ultrapassassem os limites sugeridos pela coordenação do Projeto, restringindo a ação planejadora a um espaço extremamente diminuto – de 50 m em áreas 89 urbanizadas e de 200 m em áreas ainda não ocupadas, conforme a diretriz orientadora do Projeto. Essa delimitação de orla marítima, enquanto figura jurídico-administrativa, foi regulamentada durante o processo: após o Projeto Orla haver sido implementado em diversos municípios, foi instituído do Decreto Federal n° 5.300/2004, que regulamenta essa definição na legislação brasileira. Dessa maneira, a própria regulamentação de sua definição e delimitação representa um processo de amadurecimento e fortalecimento na gestão dos espaços litorâneos, pois introduz uma nova escala de atuação do poder público na estrutura do gerenciamento costeiro. A orla marítima integra a Zona Costeira, sendo um espaço interno a ela, podendo ser qualificada como uma subdivisão desta. Vale lembrar que essa proposição foi inspirada na experiência internacional sobre o tema, notadamente na experiência portuguesa, com os Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) e na experiência espanhola, com os Planos de Gestión de la Zona de Servidumbre de Protección del Dominio Público Maritimo Terrestre, sendo que estes têm uma metodologia extremamente semelhante à proposta pelo Projeto Orla. Além disso, essa definição contou com o acúmulo de conhecimentos e da prática existente no planejamento brasileiro na gestão do litoral, tendo sido discutida com especialistas e, também, no âmbito do GIGERCO (BRASIL, 2002). De acordo com os documentos preliminares de elaborados para subsidiar o Projeto Orla (BRASIL, 2002b), definiu-se a orla marítima como “a área imediata de 90 fronteira entre a borda continental ou insular e o mar”. Por essa definição, observase que se trata da zona de contato direto entre as massas terrestres e oceânicas, sendo, por isso, a porção de maior fragilidade da Zona Costeira. Do ponto de vista da geomorfologia, ela pode ser formada por sedimentos inconsolidados (praias e feições associadas) ou rochas e sedimentos consolidados (geralmente na forma de escarpas e falésias) (MUEHE, 2004). Esse ambiente caracteriza-se por um equilíbrio morfodinâmico bastante delicado, sob influência de fenômenos terrestres e marinhos, sendo os processos geológicos e oceanográficos os elementos básicos de conformação dos principais tipos de orla2 (BRASIL, 2002). Assim, percebe-se uma grande variedade de situações bastante frágeis, do ponto de vista ambiental, que ocorrem nesse recorte espacial, ainda que sua extensão territorial, em comparação com a escala da Zona Costeira seja extremamente exígua. Conforme foi visto no inicio do capítulo, os espaços praiais, dado o significativo adensamento de usos no seu entorno, são extremamente valorizados e pressionados e, portanto, merecem ser considerados enquanto objeto prioritário das ações de ordenamento e regulamentação. Utilizou-se, para a delimitação da orla, a mesma lógica empregada para conceituar a Zona Costeira como um todo, isto é, entende-se que ela é composta por uma porção aquática e uma porção em terra, e uma faixa de contato e sobreposição entre estes meios. Os limites estabelecidos no Decreto n° 5.300/2004 (BRASIL, 2004) para a orla marítima são os seguintes: 2 O documento preliminar da CIRM (2002) oferece os seguintes tipos de orla: costa rochosa (alta e baixa), falésia erodível, praia arenosa, praia de seixos, planície lamosa, pântanos, manguezais e formações recifais. 91 I - marítimo: isóbata de dez metros, profundidade na qual a ação das ondas passa a sofrer influência da variabilidade topográfica do fundo marinho, promovendo o transporte de sedimentos; II - terrestre: cinqüenta metros em áreas urbanizadas ou duzentos metros em áreas não urbanizadas, demarcados na direção do continente a partir da linha de preamar ou do limite final de ecossistemas, tais como as caracterizadas por feições de praias, dunas, áreas de escarpas, falésias, costões rochosos, restingas, manguezais, marismas, lagunas, estuários, canais ou braços de mar, quando existentes, onde estão situados os terrenos de marinha e seus acrescidos. § 1º Na faixa terrestre será observada, complementarmente, a ocorrência de aspectos geomorfológicos, os quais implicam o seguinte detalhamento dos critérios de delimitação: I - falésias sedimentares: cinqüenta metros a partir da sua borda, em direção ao continente; II - lagunas e lagoas costeiras: limite de cinqüenta metros contados a partir do limite da praia, da linha de preamar ou do limite superior da margem, em direção ao continente; III - estuários: cinqüenta metros contados na direção do continente, a partir do limite da praia ou da borda superior da duna frontal, em ambas as margens e ao longo delas, até onde a penetração da água do mar seja identificada pela presença de salinidade, no valor mínimo de 0,5 partes por mil; IV - falésias ou costões rochosos: limite a ser definido pelo plano diretor do Município, estabelecendo uma faixa de segurança até pelo menos um metro de altura acima do limite máximo da ação de ondas de tempestade; V - áreas inundáveis: limite definido pela cota mínima de um metro de altura acima do limite da área alcançada pela preamar; VI - áreas sujeitas à erosão: substratos sedimentares como falésias, cordões litorâneos, cabos ou pontais, com larguras inferiores a cento e cinqüenta metros, bem como áreas próximas a desembocaduras fluviais, que correspondam a estruturas de alta instabilidade, podendo requerer estudos específicos para definição da extensão da faixa terrestre da orla marítima. Além dessa delimitação, que é defendida pela coordenação do projeto como sendo necessária para que haja um foco em ações concretas que possibilitem o uso dos terrenos de marinha e seus acrescidos, o Decreto N° 5.300/2004 oferece, no seu Artigo 27, um sistema de classificação que sintetiza e hierarquiza o diagnóstico paisagístico e sócio-ambiental: 92 Art. 27. Para efeito da classificação mencionada no inciso II do art. 25, os trechos da orla marítima serão enquadrados nas seguintes classes genéricas: I - classe A: trecho da orla marítima com atividades compatíveis com a preservação e conservação das características e funções naturais, possuindo correlação com os tipos que apresentam baixíssima ocupação, com paisagens com alto grau de conservação e baixo potencial de poluição; II - classe B: trecho da orla marítima com atividades compatíveis com a conservação da qualidade ambiental ou baixo potencial de impacto, possuindo correlação com os tipos que apresentam baixo a médio adensamento de construções e população residente, com indícios de ocupação recente, paisagens parcialmente modificadas pela atividade humana e médio potencial de poluição; III - classe C: trecho da orla marítima com atividades pouco exigentes quanto aos padrões de qualidade ou compatíveis com um maior potencial impactante, possuindo correlação com os tipos que apresentam médio a alto adensamento de construções e população residente, com paisagens modificadas pela atividade humana, multiplicidade de usos e alto potencial de poluição sanitária, estética e visual. O artigo seguinte do referido Decreto fornece diretrizes de ação compatíveis com cada uma dessas classificações, determinando o caráter da ação, se preventiva ou corretiva, e os tipos de uso esperados ou compatíveis com aquelas características da orla, identificadas nos diversos trechos do litoral do município previamente subdividido em trechos de homogeneidade paisagística. Art. 28. Para as classes mencionadas no art. 27 serão consideradas as estratégias de ação e as formas de uso e ocupação do território, a seguir indicadas: I - classe A: estratégia de ação preventiva, relativa às seguintes formas de uso e ocupação: a) unidades de conservação, em conformidade com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, predominando as categorias de proteção integral; b) pesquisa científica; c) residencial e comercial local em pequenas vilas ou localidades isoladas; d) turismo e lazer sustentáveis, representados por complexos ecoturísticos isolados em meio a áreas predominantemente nativas; e) residencial e lazer em chácaras ou em parcelamentos ambientalmente planejados, acima de cinco mil metros quadrados; f) rural, representado por sítios, fazendas e demais propriedades agrícolas ou extrativistas; g) militar, com instalações isoladas; h) manejo sustentável de recursos naturais; 93 II - classe B: estratégia de ação de controle relativa às formas de uso e ocupação constantes da classe A, e também às seguintes: a) unidades de conservação, em conformidade com o SNUC, predominando as categorias de uso sustentável; b) aqüicultura; c) residencial e comercial, inclusive por populações tradicionais, que contenham menos de cinqüenta por cento do seu total com vegetação nativa conservada; d) residencial e comercial, na forma de loteamentos ou balneários horizontais ou mistos; e) industrial, relacionada ao beneficiamento de recursos pesqueiros, à construção e reparo naval de apoio ao turismo náutico e à construção civil; f) militar; g) portuário pesqueiro, com atracadouros ou terminais isolados, estruturas náuticas de apoio à atividade turística e lazer náutico; e h) turismo e lazer; III - classe C: estratégia de ação corretiva, relativa às formas de uso e ocupação constantes da classe B, e também às seguintes: a) todos os usos urbanos, habitacionais, comerciais, serviços e industriais de apoio ao desenvolvimento urbano; b) exclusivamente industrial, representado por distritos ou complexos industriais; c) industrial e diversificado, representado por distritos ou complexos industriais; d) militar, representado por complexos militares; e) exclusivamente portuário, com terminais e marinas; f) portuário, com terminais e atividades industriais; g) portuário, com terminais isolados, marinas e atividades diversas (comércio, indústria, habitação e serviços); e h) turismo e lazer, representado por complexos turísticos. Nesse sentido, existe uma contradição ou incompatibilidade entre a escala de atuação prevista para o Projeto Orla e as diretrizes e o caráter das ações previstas. É importante utilizar os terrenos de marinha e seus acrescidos para implementar ações que se enquadrem nas características descritas no Art. 28 do Decreto 5.300/2004, mas, por outro lado, se a implementação do projeto não estiver vinculada a uma reestruturação da política urbana do município ou a ações de implementação de infra-estrutura (como saneamento ou drenagem urbana, por exemplo), as ações sobre o espaço da orla marítima acabam tendo um caráter 94 muito pontual ou meramente estético-paisagístico, não atingindo a fonte dos problemas e conflitos existentes na orla. Assim, situações podem ocorrer em que loteamentos com altos índices de adensamento se utilizem dessa requalificação paisagística para agregar valor aos seus empreendimentos e potencializar ainda mais o seu adensamento e ocupação. Outra situação pode ocorrer com a potencialização do uso em áreas inadequadas do ponto de vista da balneabilidade e condições de salubridade das praias. A crítica feita pelos técnicos da FEEMA ao Plano de Intervenção na Orla de Araruama é um bom exemplo da situação paradoxal gerada por essa deficiência do Projeto: o ordenamento territorial e a recuperação paisagística de uma praia localizada às margens da lagoa de Araruama foi a prioridade definida no âmbito do referido Plano. No entanto, segundo os padrões da FEEMA, a praia em questão não apresenta condições de balneabilidade, o que seria incompatível com o objetivo da ação – “aumento do fluxo turístico e democratização do acesso e do uso” (Prefeitura de Araruama, 2003) da referida praia. Como a ampliação do sistema de coleta e de saneamento básico não pôde ser incluída no Plano (por não pertencer ao escopo do Projeto Orla), o Plano foi aprovado, mas se a prefeitura realmente implementar as ações de paisagismo e abertura do acesso à praia, reformando e fornecendo concessões de uso do espaço para a implantação de quiosques, essa ação possivelmente não será licenciada pelo órgão ambiental estadual. Atinge-se, assim, uma situação paradoxal: utiliza-se o recurso de limitar as ações a um espaço restrito para que efetivamente haja uma possibilidade concreta 95 de ação, mas por ser um espaço tão diminuto não se consegue garantir que o entorno e que os desdobramentos dessa ação conduzam a um aproveitamento sustentável dela. Essa questão, entretanto, pode ser equacionada com o cumprimento de um dispositivo legal pouquíssimo utilizado no Brasil até o momento, que é a elaboração do Plano Municipal de Gerenciamento Costeiro (PMGC), um dos instrumentos previstos no PNGC e regulamentados pelo Decreto n° 5.300/2004, ou mesmo a realização do Zoneamento Ecológico-Econômico Costeiro (ZEEC), cuja função é: (...) orientar o processo de ordenamento territorial, necessário para a obtenção das condições de sustentabilidade do desenvolvimento da Zona Costeira, em consonância com as diretrizes do Zoneamento EcológicoEconômico do território nacional, como mecanismo de apoio às ações de monitoramento, licenciamento, fiscalização e gestão (BRASIL, 2004). O PMGC e o ZEEC, articulados ao Plano de Intervenção na Orla Marítima, podem orientar o Município na utilização das ferramentas que ele dispõe para implementar uma política ambiental própria, cabendo destacar: a Lei Orgânica Municipal, o Plano Diretor do Município, o Código Tributário e os instrumentos de controle do uso e ocupação do solo urbano, como a Lei de Parcelamento, o Código de Obras e Edificações, o Código de Posturas e os regulamentos para a prestação de serviços de limpeza urbana. Todas essas leis municipais têm profundo reflexo na forma como a orla marítima é ocupada e nos usos permitidos e estimulados pelo poder público municipal. Além disso, o Município pode criar a sua própria Lei de Meio Ambiente, onde poderá estipular os objetivos e as diretrizes da política municipal, definir os instrumentos de proteção e controle ambiente, prever as 96 infrações e suas respectivas sanções e criar Conselho e Fundo Municipal de Meio Ambiente, importante canal de gestão participativa (XAVIER, 2005). 3.2 O Uso dos Terrenos de Marinha e seus Acrescidos Historicamente, os terrenos defrontantes com o mar, chamados terras de marinha ou terrenos de marinha tinham como função principal a defesa do território, sendo estratégico ao Brasil Colônia o domínio das terras junto à costa. Além disso, cumpriam importante papel no controle da dinâmica econômica, garantindo áreas públicas para embarque e desembarque de pessoas e produtos (FREITAS, 2004). O Decreto-Lei nº 9.760 de 1946, que dispõe sobre os bens imóveis da União, estabelece: Art. 2º - São “terrenos de marinha” em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da Linha de Preamar Média de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés; b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés. Art. 3º São “terrenos acrescidos de marinha” os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha. A Constituição de 1988 forneceu um reconhecimento explícito dos terrenos de marinha como bens públicos, antes referidos apenas em legislação infraconstitucional. A partir disso, novos dispositivos legais completaram a legislação concernente aos terrenos de marinha: a Lei nº 9.636 de 1988, que 97 dispôs sobre a regularização, administração, aforamento e alienação dos bens imóveis de domínio da União, flexibiliza os mecanismos de repasse de atribuições e responsabilidades no trato dos terrenos e acrescidos de marinha e amplia as possibilidades de concessões nesses espaços. Tal disposição foi incorporada pelo Projeto Orla, que pode ser visto como um dos desdobramentos operacionais deste documento legal (BRASIL, 2002). Da mesma forma, o Decreto nº 3.725, de 2001, "dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União" e reforça a estratégia de flexibilização apontada na Lei 9.636/1998, novamente ampliando os fundamentos legais do Projeto Orla. A Orientação Normativa da SPU, nº 2, de 2001, dispôs sobre a demarcação dos terrenos de marinha, ampliando o rol de orientações metodológicas para se determinar a linha de preamar média de 1831. Em tese, esse fato corroboraria a intenção de flexibilização contida no Decreto nº 3.275/2001 e na Lei nº. 9636/1998, ampliando a capacidade de que o Município atue na delimitação e demarcação dos terrenos de marinha. Na prática, entretanto, observamos uma difícil relação entre o município e as GRPU, em que dificuldades de comunicação e acusações de parte a parte tornam a gestão integrada um processo difícil. As gerências regionais do patrimônio da União acusam o Município de não exercer sua função fiscalizadora e de, muitas vezes, liberar alvarás de ocupação e licenciamento sem o cumprimento dos devidos trâmites de cessão dos terrenos de marinha (aforamento e enfiteuse). Os municípios, por sua vez, reclamam que a GRPU autoriza a ocupação de terrenos de marinha sem consultar os planos da Prefeitura para aqueles terrenos e, 98 ainda, que são incumbidos de exercer a fiscalização sobre bens da União sem receber uma contrapartida financeira que forneça os meios para tal. As formas de uso dos terrenos de marinha são variadas: eles podem ser cedidos a estados, municípios e entidades, sem fins lucrativos, de caráter educacional, cultural ou de assistência social; ou aforados, podendo ser utilizados por terceiros privativamente (enfiteuse). No regime de aforamento, a União fica com o domínio direto e transfere ao enfiteuta o domínio útil mediante pagamento de importância anual denominada foro3. Dessa forma, os terrenos de marinha – ao contrário das praias que são bens de uso comum do povo brasileiro – compõem o que juridicamente é chamado de bens dominicais, isto é, são bens que se encontram dentro do domínio privado da União. Isso significa que os bens dominicais têm diferenças jurídicas importantes em relação aos de uso comum do povo, já que são regidos pelo direito privado e comportam uma função patrimonial, isto é, destinam-se a assegurar rendas ao Estado, em oposição aos demais bens públicos, que são afetados a uma destinação de interesse geral (FREITAS, 2004). Naturalmente, não é sempre ou estritamente necessário que esses bens cumpram uma destinação visando apenas à renda, podendo cumprir um interesse geral, inclusive, ambiental. Nesse sentido, o Projeto Orla é uma tentativa de articular a política ambiental costeira e a política patrimonial do governo federal, servindo como elo de 3 “Domínio útil consiste no direito de usufruir o imóvel do modo mais completo possível e de transmiti-lo a outrem, Domínio direto é o direito à substância do imóvel, sem as suas utilidades” (MEIRELES, apud FREITAS, 2004, p.156) 99 articulação entre estes setores do aparato governamental. Entretanto, existem aspectos que poderiam ser mais bem equacionados. Se, no passado, a propriedade dos terrenos de marinha se justificava a partir da ótica da defesa do território, essa justificativa hoje carece de fundamento. Segundo Freitas (2004), não há situação fatídica que justifique a existência de terrenos de marinha de propriedade da União como recurso estratégico de segurança nacional. Manter como bens públicos os terrenos de marinha, mesmo que dominicais, com intuito de arrecadar dinheiro para os cofres públicos, em forma de foros, laudêmios e taxas de ocupação, não atende ao interesse público. Como se trata de terrenos públicos, o interesse da coletividade deveria prevalecer, mas o que se vê são prédios, casas e loteamentos. Na posição de proprietária, a União apenas autoriza as pessoas a ali habitar, sem nenhuma contraprestação para a coletividade (FREITAS, 2004). Assim, o único fundamento para a manutenção desse instituto seria destinar áreas à proteção ambiental, ao lazer e até mesmo à atividade turística, enquanto atividades de cunho social coletivo. Como os terrenos de marinha estão inseridos na Zona Costeira e, em grande parte, na definição de orla marítima constante no Decreto nº 5.300/2004, é clara a necessidade de conservação de suas características ambientais. Nesse sentido, a proposta do Projeto Orla é justamente coadunar essas duas funções, patrimonial e ambiental. Entretanto, é apresentada ao Município, como uma das vantagens do Projeto, a possibilidade de repasse dessa tributação 100 específica da SPU (laudênio, taxa de ocupação, etc) para o governo municipal, através de um termo de cooperação celebrado a partir do Projeto Orla, permitindo repasses até o montante de 50% dos tributos, conforme a legislação patrimonial vigente. Cabe perguntar se não há uma contradição entre o estímulo à preservação das características ambientais desses terrenos em oposição ao estímulo de conceder aforamentos visando à obtenção de recursos financeiros, uma vez que a situação financeira de muitos municípios é precária. 3.3 Os Planos de Intervenção na Orla Marítima Conforme foi visto, o Plano de Intervenção é o produto final da etapa de capacitação do Projeto Orla. O seu conteúdo é definido de acordo com a realidade e o interesse de cada Município. Assim, o conjunto dos documentos revela as diferenças de perfil das equipes gestoras locais, a diversidade da capacidade instalada para o planejamento e gestão, a maturidade dos arranjos institucionais e o grau de organização da sociedade civil, assim como as prioridades conferidas para a intervenção. O processo de capacitação e fortalecimento institucional do Projeto Orla permitiu a observação da exata dimensão da deficiência de capacidade institucional instalada existente em muitos municípios da Zona Costeira. Naturalmente, aqueles municípios maiores ou mais próximos aos grandes centros, embora mais pressionados pela urbanização turística, possuíam equipe técnica com boa capacidade de assimilação dos conteúdos e capaz de fazer propostas 101 técnicas consistentes. Municípios menores ou com capacidade financeira reduzida, porém, não tinham corpo técnico, em número e qualidade de formação, para produzir peças técnicas consistentes. Além disso, uma deficiência crônica de material cartográfico, equipamentos e meios de comunicação dificultava o processo de elaboração dos Planos. Nesse sentido, o Projeto Orla representa um ganho significativo quanto à capacitação de técnicos e desenvolvimento institucional. Entretanto, novamente as contradições inerentes às dificuldades gerais do planejamento se manifestaram. Ao definir o perfil das equipes que participariam do processo de fortalecimento institucional, o GERCO nos estados (responsável pela mobilização dos atores) sinalizou clara preferência por técnicos que fizessem parte do corpo permanente da prefeitura, isto é, técnicos concursados, em detrimento de técnicos oriundos de cargos comissionados. Essa preferência manifestava uma intenção correta de que seria fundamental que a ampliação da capacidade técnica efetivamente ficasse na prefeitura, não sendo substituída com mudanças de governo. O dilema, no entanto, é que, não estimulando a participação dos técnicos comissionados, boa parte dos atores institucionais com maior poder decisório no âmbito da formulação de políticas públicas em nível local ficou de fora do processo de elaboração dos Planos de Intervenção na Orla, fato que pode comprometer a implementação dessas ações. As ações e medidas propostas nos Planos de Intervenção podem ser divididas segundo os blocos temáticos definidos no Quadro 2: 102 Quadro 2: Principais Ações e Medidas Identificadas no Âmbito do Projeto Orla AÇÕES e MEDIDAS CARACTERÍSTICAS das OBJETO das AÇÕES e AÇÕES e MEDIDAS MEDIDAS A. Planejamento e gestão Sistema de Governo envolvendo Ações de gestão formais, de Normativas as três esferas (federal, estadual, fortalecimento institucional, Capacitação municipal) e as articulações segundo competências legais e Organização administrativa necessárias para a integração. Foco atribuições exclusivas de Controle nas ações do Governo local naquilo Articulação que diz respeito à sua autonomia e interinstitucional capacidade de formular políticas e Patrimoniais/ Fundiárias leis. Meio natural e/ou construído da B. Intervenção Física Governo. Ações voltadas para a integração e intersetorialidade. Ação direta preventiva ou corretiva, sobre o meio físico da orla. orla. C. Sensibilização/ Legitimação . Sensibilização/ Educação Sociedade civil, seu sistema de Ações focadas ou difusas organizações e população em geral. sobre o comportamento, a atitude Setor privado e oportunidades de cidadã e o protagonismo social ambiental negócio com .Comunicação ambiental e social. responsabilidade interessado na preservação do meio ambiente, visando à Fortalecimento das utilização sustentável dos organizações sociais recursos da orla do Município. Fonte: Projeto Orla - Relatório Final das Atividades Realizadas. IBAM – Outubro de 2004 Destacam-se, dentre o conjunto de ações propostas, quatro linhas principais de ações que são adotadas pela maioria dos municípios. São elas: 103 1. ações normativas – relacionadas à elaboração ou revisão do Plano Diretor através de recomendações e subsídios para adequação das leis de uso do solo, de parcelamento e de posturas na faixa de orla. Observa-se, também, uma concentração nas propostas de criação de unidades de conservação ambiental na orla e de implantação de planos de manejo. 2. ações de controle – voltadas para a fiscalização das atividades desenvolvidas na orla que, embora sejam rotina dos Municípios, muitas vezes se confundem e até se sobrepõem a atribuições de outras esferas. O controle é, às vezes, uma tarefa de grande complexidade para Municípios que possuem orlas extensas ou para aqueles com corpo técnico muito reduzido e sem os meios necessários para essa tarefa. A fiscalização também está relacionada ao fato de que, muitas vezes, existe um conflito de caráter econômico – atividades que geram empregos e movimentam a economia municipal, com o uso sustentável ou de proteção da área de orla – existindo a necessidade de geração de alternativas que possam viabilizar o uso desejável, sem as quais a fiscalização de forma isolada não terá sucesso. 3. articulação interinstitucional – especialmente entre o Município e os diferentes órgãos das três esferas de Governo. Esse aspecto está fortemente relacionado com a necessidade de fiscalização mencionada acima – é entendimento que, com o suporte de órgãos de outras esferas, os eventuais conflitos locais são passíveis de serem enfrentados com maiores possibilidades de sucesso. 104 4. ações de intervenção física – O foco é em projetos de urbanização, paisagismo e ações corretivas, tais como ordenamento e padronização de quiosques, de contenção de erosões e obras de engenharia ambiental em geral. Essas ações têm como objetivo principal valorizar o potencial turístico da orla assegurando conforto, acessibilidade e padrão estético, e garantir uma ocupação não predatória das áreas escolhidas. Em outros casos, são parques ou Unidades de Conservação que demandam instalações para atendimento aos visitantes, trilhas e sinalização. Há necessidade generalizada de implantação de infra-estrutura de esgotamento sanitário nas frentes de ocupação urbana das orlas, apesar de esse tema não ser objeto do Projeto Orla (IBAM, 2004). A concentração de propostas nas referidas linhas de ação reflete o estado de carência de capacidade e de estrutura administrativa para elaborar e implementar projetos que dêem conta da complexidade de processos existentes na orla. Dessa forma, é necessário reconhecer que há, atualmente, uma sobrecarga de atribuições no poder municipal e que a gestão integrada dos espaços costeiros deve ser implementada tanto em seu âmbito setorial – associando políticas setoriais –, quanto no âmbito das esferas e competências institucionais – integrando diversos níveis de governo. A partir dessas reflexões sobre as dificuldades na implantação das ações imprescindíveis ao sucesso de um projeto de gestão, chega-se, forçosamente, à necessidade de buscar o conhecimento de estudiosos que se debruçaram sobre temas sociais. Assim, o próximo capítulo traz importantes contribuições teóricas da 105 Ciência Política a respeito das instituições e do seu papel com relação à organização social. 106 4. ENQUADRAMENTO TEÓRICO SOBRE A QUESTÃO INSTITUCIONAL No presente capítulo, busca-se ampliar o entendimento da construção do Gerenciamento Costeiro Integrado (GCI), superando a abordagem político processual e buscando coadunar essa dimensão material do GCI com a dimensão institucional. Para isso, procurou-se construir parte do referencial teórico deste trabalho utilizando uma abordagem oriunda da Ciência Política contemporânea: a teoria das instituições, um campo conhecido como institucionalismo. Essa corrente teórica amplia o debate sobre o papel das instituições na organização da sociedade e tem, nas últimas décadas, promovido um movimento de questionamento dos tradicionais modelos explicativos utilizados nas Ciências Sociais (principalmente na Ciência Política) e na teoria econômica clássica. Uma questão fundamental no debate da corrente teórica pautada no institucionalismo diz respeito à importância que se atribui ao poder, em particular às relações de poder assimétricas. Segundo Hall e Taylor (2003), grande parte dos estudos institucionais têm incidência direta sobre relações de poder. É primordial conferir atenção, sobretudo, ao modo como as instituições repartem o poder de maneira desigual entre os grupos sociais. Assim, ao invés de basear seus cenários sobre a visão da liberdade dos indivíduos de firmar contratos, eles preferem postular um mundo onde as instituições conferem a certos grupos ou interesses um acesso desproporcional ao processo de decisão. 107 A abordagem institucionalista aponta, como estratégia para se compreender a ação dos indivíduos e suas manifestações coletivas, a necessidade de se considerar as mediações entre as estruturas sociais e os comportamentos individuais. Dessa forma, convém ampliar o entendimento dos condicionantes do processo de decisão política envolvidos nas relações institucionais existentes no âmbito dos municípios. Tomio (2002) identificou algumas premissas a partir de esquemas ideais sobre as preferências, as escolhas e as estratégias dos atores diretamente envolvidos na concepção dessas políticas. Na sua concepção, o primeiro pressuposto geral, implícito nesse esquema interpretativo, sustenta que os atores: 1) são indivíduos conscientes de suas preferências e agem racionalmente (escolhem entre alternativas e definem suas estratégias na interação com outros atores em função de suas expectativas futuras) para que os resultados das decisões políticas atendam a seus interesses; 2) determinam a natureza de suas escolhas pela perspectiva de ganhos individuais (reeleição, maximização da oferta de recursos fiscais, ganhos pecuniários por esquemas fisiológicos, incremento e/ou melhora das políticas públicas, etc.); e 3) definem suas estratégias, em situações de interação, constrangidos pelas regras (instituições) e por suas expectativas quanto às escolhas dos outros atores políticos envolvidos no processo decisório (TOMIO, 2002, p. 34). Para TOMIO, o segundo pressuposto sugere que as instituições políticas determinam as escolhas individuais de duas formas: 1) as instituições constrangem as escolhas dos atores políticos, moldando suas estratégias como "regras do jogo" que arbitram sua interação com os outros atores que participam do processo decisório; e 2) a própria dinâmica institucional determina não só as estratégias, mas também pode modificar as preferências e interesses dos atores políticos. Isto ocorreria por meio de um processo contínuo de retroalimentação. Isto é, a forma pela qual os atores políticos percebem, negativa ou positivamente, as 108 conseqüências dos resultados políticos, e o papel regulatório das instituições interfere nos sucessivos processos decisórios e na transformação dos interesses dos atores (TOMIO, 2002, p. 35). O processo de construção política torna-se mais complexo, no caso de políticas setoriais novas e fortemente conflituosas, como, por exemplo, a política ambiental. Para Frey, (...) é inquestionável que o ‘descobrimento’ da proteção ambiental como uma política ambiental peculiar levou a transformações significativas dos arranjos institucionais em todos os níveis da ação estatal. Por outro lado, em conseqüência da tematização da questão ambiental, novos atores políticos (associações ambientais, institutos de pesquisa ambiental, repartições públicas encarregadas com a preservação ambiental) entraram em cena, transformando e reestruturando o processo político (FREY, 2000, p. 17). A literatura sobre Gerenciamento Costeiro Integrado (GCI) tende a ter um foco principal na questão da institucionalização de regras e marcos regulatórios que promovam a mediação das relações com impactos sobre a zona costeira, isto é, sobre o espaço de interface entre os espaços marinhos e terrestres, promovendo, assim, estratégias, modelos e métodos para o controle dos usos dos referidos espaços. Em decorrência disso, há um enfoque nos mecanismos de controle e regulação dos espaços costeiros, que são geralmente implementados por agências de planejamento estatal em diferentes esferas de governo, o que coloca a questão do GCI, essencialmente, como um programa governamental, isto é, um programa regulado institucionalmente. Posto isto, deve-se perceber a existência de uma dependência, pelo menos parcial entre as políticas implementadas no âmbito do GCI e a variável institucional. Buscando-se fazer uma ponte entre a questão institucional e a geografia, observa-se que o debate sobre o papel e as formas de atuação das instituições 109 reguladoras dos programas de gerenciamento costeiro, sob uma ótica geográfica, permite uma analise do importante papel conferido às escalas de análise, que devem ser vistas como um elemento crucial na definição dos espaços de poder dessas instituições. Dessa forma, a proposta analítica da presente dissertação busca um enfoque muiti-escalar, ao analisar o processo de implementação de estratégias de GCI no Brasil; tem, entretanto, um enfoque mais específico na abordagem relativa às questões urbanas, visto que o objeto do Projeto Orla, enfoque prioritário do presente estudo, é a transferência de poder entre os órgãos ambientais, da esfera federal para a esfera municipal. Uma questão fundamental no tratamento conferido à Zona Costeira é conseguir promover a mudança da percepção de problemas ambientais enquanto “riscos e catástrofes”, que incorporam uma dimensão de evento ou de eventualidade, à consciência de problemas cotidianos – tratamento de resíduos sólidos e efluentes, devastações decorrentes de práticas fundiárias e imobiliárias especulativas – aos quais se associam atores sociais e institucionais oriundos tanto de esferas públicas quanto privadas. Desse modo, cabe, nessa perspectiva, repensar a relação público/privado, reavaliando a visão simplista dos que interpretam tal relação enquanto posições concorrentes – em uma oposição simples que identifica o privado como “devastador” e o público como o “defensor” do meio ambiente (PACHECO et al, 1992). Cabe, dessa forma, pensar o papel regulador do Estado, principalmente na destinação conferida às suas propriedades fundiárias (e possibilidades de utilização desses terrenos para fins de conservação 110 e regulação ambiental) e na identificação dos conflitos de uso dos espaços públicos atingidos por agressões ambientais. A análise dos problemas ambientais que incidem sobre áreas de grande fragilidade, como a Zona Costeira, por exemplo, deve privilegiar tanto a intermediação de interesses que envolvem atores plurais, quanto a problemática das transformações das relações entre a esfera pública e a privada, especialmente em um contexto de crise do Estado e de um anseio por um maior protagonismo por parte dos municípios na busca por investimentos. Assim, conforme Acselrad, As diferentes escalas geográficas – cidades, regiões e Estados-Nação – encontram-se em concorrência. Utilizando os poderes do Estado, diferentes grupamentos territoriais se esforçam por canalizar em sua vantagem os fluxos de capital (ACSELRAD, 2002, p. 43). Nesse processo, é importante perceber o surgimento de um modelo de gestão urbana fundamentado em uma lógica de empresariamento. E constata-se que as estratégias de gestão urbana associadas a este modelo têm transformado as relações entre poder público e os agentes privados, mudando a forma e a concepção do que é o espaço público para as administrações municipais. São características desse tipo de prática: a busca pela implementação de grandes projetos; a flexibilização das formas de gestão com o objetivo de gerar maior competitividade na disputa por investimentos, incluindo nisso a liberação do cumprimento de exigências ambientais e sociais, que são tomadas como entraves ao “desenvolvimento”; e o discurso em prol do engajamento da população através do esforço de construção de consensos, que geralmente mascaram os conflitos existentes (HARVEY, 2005). No âmbito institucional, os atores responsáveis pela 111 implementação dessa proposta de gestão pública do espaço interagem com - e complementam - o processo de transformação do ideal de espaço público moderno, que procura atender aos requisitos necessários ao investimento de capitais. Dessa maneira, cabe pensar que os problemas ambientais, que tradicionalmente são tomados apenas a partir da perspectiva do risco de desastres naturais, podem ser analisados a partir do conflito em torno da questão ambiental e da apropriação do território, observando-se a complexa mediação entre interesses difusos, direitos, responsabilidades e competências para a gestão ambiental, especialmente para a Zona Costeira. Por isso, buscou-se o entendimento do processo de apropriação do espaço costeiro, enquanto objeto da indústria turística. Assim, propõe-se transformar uma sensibilidade existente, em face dos problemas ambientais, em uma nova problemática analítica, que envolve o consumo de espaços especialmente qualificados do ponto de vista paisagístico – no caso do turismo litorâneo de veraneio, a orla marítima – e que gera conflitos entre diferentes atores e interesses. Esses atores, por sua vez, têm competências para a gestão do território em escalas (e esferas de poder) diferenciadas, o que cria, em última análise, uma arena de conflitos e de pactos territoriais. Nesse contexto, Pacheco et al (1992) identificam uma multilplicidade de atores e conflitos que se entrecruzam em torno da questão ambiental urbana: 112 1. 2. 3. 4. 5. Conflitos de competência entre esferas de governo; Conflitos entre diferentes órgãos burocráticos; Conflitos entre anéis burocráticos; Conflitos entre grupos sociais; Conflitos em torno de novos arranjos institucionais para a formulação e gestão de políticas públicas para o setor; Modificado a partir de PACHECO et al, 1992 Para esses autores, as disputas em torno da centralização ou descentralização estão no cerne da discussão dos problemas ambientais urbanos, pois a partir da Constituição de 1988, adotou-se o sistema de competências concorrentes entre os entes federados no trato da questão ambiental, fato que contribuiu para alterar as relações entre esferas de governo. No âmbito desse processo, as agências governamentais buscam renovar suas estratégias de atuação, incorporando a temática ambiental. Assim, além das disputas setorizadas, já bastante observadas pela literatura sobre questões ambientais, é preciso, ainda, uma especial atenção à territorialidade das ações em disputa. Em outras palavras, é preciso reavaliar os conceitos de como diferentes tipos de políticas “espacialmente qualificadas” se relacionam com a organização territorial estatal. Assim também, como cada agência tem a sua atuação pautada pela sua escala de atuação (enquanto agências dotadas de territorialidades e capazes de fazer uso de instrumentos de controle também territorializados), é preciso atentar para a existência de conflitos de interesse entre tais agências. Cada forma de política tem sua própria arena territorial definida: política local e governo local (Município); política regional e estruturas estatais regionais (estados), etc. 113 A definição das escalas como local, regional, nacional e global é freqüentemente utilizada por pesquisadores e planejadores na designação de realidades e de espaços de ação. O seu uso, porém, raramente é objeto de análise mais aprofundada, sendo aplicado como uma espécie de “senso comum” (SOUZA, 2002). Esse recorte em quatro diferentes espaços escalares tem sua força na simplicidade e na fácil comunicabilidade desses termos. Enquanto conceito, entretanto, são um tanto vagos e sem uma capacidade de precisão. Por isso, esse autor explicita a importância do caráter relacional da definição das escalas e discute a importância dos recortes político-administrativos na transformação de limites apenas convencionais em limites reais. Nesse sentido, Souza (op. cit.) oferece uma breve classificação, na intenção de delimitar conceitualmente algumas escalas de análise mais comumente adotadas, fazendo uma tentativa de delimitação e subdivisão desses quatro níveis analíticos. Com uma breve síntese da classificação apontada por Souza, pode-se definir melhor o conceito de escala local tratado nesta dissertação. O autor apresenta referências e detalhamentos sobre os quatro níveis escalares tradicionalmente adotados, mas uma vez que o objeto deste estudo trata mais das relações estabelecidas no nível do Município, esta é a escala que interessa conhecer: 1 - Escala (ou nível) local –Trata-se da escala do planejamento e da gestão das cidades. A escala local refere-se a recortes espaciais que, em graus variados de acordo com seu tamanho, expressam a possibilidade de uma vivência pessoal intensa do espaço e a formação de identidades sócioespaciais sobre a base dessa vivência. (...) É a escala a que se vinculam os níveis mais inferiores da administração estatal (municípios e, eventualmente, suas subdivisões político-administrativas). (...) Três variantes distintas devem ser distinguidas: 114 (a) Escala (ou nível) microlocal. Corresponde a recortes territoriais (...) que têm em comum o fato de que se referem a espaços passíveis de serem experimentados intensa e diretamente no cotidiano. (...) Esses recortes são o quarteirão, o sub-bairro, o bairro e o setor geográfico. (b) Escala (ou nível) mesolocal. Corresponde ao que se poderia chamar de ‘nível local stricto senso’: a cidade ou o recorte associado ao Estado local, o município. (...) ao corresponder a um nível de governo define, igualmente, um espaço de referência para mobilizações, reivindicações e a prática política. (c) Escala (ou nível) macrolocal. Equivale a uma espécie de ‘nível local ampliado’ e corresponde à situação típica das metrópoles (e regiões metropolitanas), em que diversas unidades mesolocais se integram de modo denso (Souza, 2002, p. 106-108). Souza (op. cit.) aponta, conforme mostrado no quadro 3, uma síntese entre as escalas de apreensão dos fenômenos – em que não apenas as questões são observadas, mas também em quais se localizam as competências para a atuação – e os diversos instrumentos e atividades de planejamento e gestão possíveis em que tais fenômenos podem ser equacionados e onde soluções podem ser elaboradas. Essa síntese revela um pouco das possibilidades de interpretar as escalas de análise como elementos constitutivos do sistema de planejamento. Quadro 3: Relação entre Escalas de Apreensão dos Fenômenos e Atividades de Gestão Escala Geográfica Plano/ atividade de planejamento ou gestão Internacional (global) Planejamento econômico (menos ou mais espacializado) realizado por grandes empresas transnacionais ou entidades supranacionais – EU, MERCOSUL, etc. Nacional Políticas públicas em nível nacional – PNMA, PNGC, Plano Nacional de Turismo, etc. Regional Planos de desenvolvimento regional realizados por agências de desenvolvimento. Zoneamento Ecológico-Econômico. Macrolocal Planos de desenvolvimento e macrozoneamento de regiões metropolitanas. 115 Mesolocal Planos Diretores municipais, Planos Setoriais de uma única cidade. Microlocal Projetos de estruturação urbana. Projetos de reurbanização pontuais. Extraímos dessa análise que não apenas para o gerenciamento costeiro, mas em qualquer esfera de gestão, a definição clara dos atores institucionais e suas escalas de atuação na operação do jogo político do planejamento territorial é fundamental para o funcionamento e a aplicabilidade das políticas públicas definidas por essas institucionalidades. Para tanto, buscamos conceituar a questão das escalas, observando a sua pertinência no âmbito do planejamento e a dimensão de sua definição enquanto elemento orientador de políticas públicas. 4.1 Centralização ou Descentralização no Brasil - A Política de Escalas no Gerenciamento Costeiro. Conforme foi visto, o Gerenciamento Costeiro é, essencialmente, um programa governamental com o propósito de utilizar ou conservar um recurso costeiro, ou um ambiente específico ali localizado. Para Argento (1993, p. 49) o Gerenciamento Costeiro é “um processo onde está embutida uma perspectiva espacial e uma interação multidisciplinar” no qual é “fundamental a adoção de escalas condizentes com o tratamento que se quer dar ao problema ambiental em questão”. Dessa forma, ainda que haja a concentração de responsabilidades no 116 âmbito federal, está claro que a redistribuição de atividades de gerenciamento costeiro é primordial para o seu adequado funcionamento. Ao se pensar o Gerenciamento Costeiro Integrado, enquanto programa governamental, entretanto, é fundamental ter clareza de que a relação entre política e gestão é um tema complexo. Em geral, as abordagens a respeito centram-se no estudo dos determinantes macroestruturais das políticas públicas, ou apenas se limitam a aspectos descritivos dos processos decisórios e administrativos em que se desdobram a partir das políticas em fase de sua implementação. Essa dicotomização dos enfoques, em torno dessas duas visões, geralmente induz a uma negligência, nos diagnósticos institucionais, ao fato de que a gestão é um efeito da política e que os problemas administrativos e gerenciais decorrem principalmente da forma como as políticas foram-se configurando e concretizando ao longo do tempo (LABRA, 1988). Essa autora considera que as políticas públicas são a materialização de questões socialmente relevantes colocadas na agenda do governo num dado momento histórico, numa formação sócio-econômica específica, e como produto da luta que se trava em torno da materialização de interesses contraditórios no arcabouço jurídico-institucional do Estado (LABRA, 1988). Ela afirma que “não somente a formulação das políticas, mas também sua implementação dificilmente correspondem a decisões tomadas racionalmente no seio do governo em nome de um mítico ‘interesse geral’” (LABRA, 1988). Ao invés disso, a análise das políticas públicas revela os percalços de sua 117 institucionalização e mostra que as decisões a ela pertinentes são determinadas pelo caráter das relações que se estabelecem entre o Estado e a Sociedade Civil. Isto remete não apenas à natureza de classe do Estado capitalista, mas, fundamentalmente, à esfera de composição das forças que imprimiram determinada territorialidade à política em questão. Assim, para LABRA (1988), “a construção dos aparatos institucionais, através dos quais se executam as políticas e programas, nunca segue uma trajetória predefinida”. Em função disso, ela observa que as análises institucionais sistematicamente indicam a existência de “inúmeras instâncias de diferente hierarquia, dependência administrativa e tamanho, que implementam ações superpostas, descontínuas, erráticas ou até contraditórias em torno da consecução de um mesmo objetivo” (LABRA, 1988). Essa autora, entretanto, defende que não se deve discutir apenas a questão de entender a burocracia como sujeito – tanto quanto como instrumento – devendo-se, isto sim, analisá-la enquanto relação com o poder. Nesta ótica, para Labra, “a autonomia do Estado e, portanto, de seus aparelhos, é relativa na medida em que estes constituem a condensação material e específica de uma relação de forças entre classes e frações de classe”. Nesse sentido, para essa autora, a burocracia – e mesmo os escalões estritamente técnicos – não teriam poder político próprio, pois seriam, em última instância, um sistema específico de organização e funcionamento interno do aparelho de Estado que manifesta o efeito específico da ideologia burguesa, da 118 natureza do Estado capitalista e, sobretudo, das relações da luta de classes com esse Estado (Id.Ibidem). Segundo Lowry (2002), um dos maiores problemas atuais da gestão ambiental é a dificuldade de transformar as metas ambientais em ações efetivas. O resultado dessa dificuldade é chamado de lacuna de implementação ou “implementation gap”. Essa lacuna, segundo esse autor, está associada à inconsistência entre metas políticas estabelecidas em um nível de governo e a translação dessas metas para atividades específicas de manejo em outros níveis ou em outras agências de governo. Para Lowry (2002), algumas das principais tarefas da construção de sistemas intergovernamentais de gestão ambiental dizem respeito à distribuição de autoridade e responsabilidade entre agências centrais de governo e agências provinciais ou locais. Para ele, os processos de descentralização são uma forma conveniente de caracterizar este tipo de sistema. As formas de relação entre os diferentes níveis de governo podem variar de coercitiva a cooperativa, e a autoridade e responsabilidade sobre o território podem ser distribuídas de variadas maneiras. A questão da divisão político territorial do poder vem ganhando cada vez mais importância: se, até meados da década de 70, os sistemas centrais de gestão eram predominantes na maioria dos países, tal situação sofreu profundas mudanças ao longo da década de 80. Nesse período, especialistas, acadêmicos e 119 agências internacionais passaram a promover a descentralização como solução para a reforma governamental (LOWRY, 2002). No Brasil, o discurso pela descentralização associou-se à luta pela democracia no processo de redemocratização brasileiro. Aconteceu uma grande renovação política no plano local, à qual se somou a redistribuição de recursos e responsabilidades, bem como a produção de modos inovadores de produção de políticas públicas – como o orçamento participativo, por exemplo (ABRUCIO, 2001). O conceito de federalismo envolve noções como descentralização políticoadministrativa e democratização da gestão pública. A Constituição Federal de 1988 representa, sob esse ponto de vista, um marco importante, por incluir fortes princípios descentralizadores, inclusive na política ambiental. O texto constitucional define competências concorrentes, proporcionando ampla margem de responsabilidade aos Municípios que dela desejarem fazer uso. Um dos temas centrais num país federativo são as atribuições e responsabilidades que devem ser assumidas pela União, pelos Estados e pelos Municípios. Especificamente, as relações entre escalas de governo na gestão ambiental baseiam-se em alguns princípios jurídicos importantes. O primeiro é o princípio da cooperação ou solidariedade, no qual, independente da circunstância partidária ou política conjuntural, a cooperação entre distintos níveis de governo deve ser realizada, pois ela evita custos que oneram os empreendedores e agiliza os prazos para que as questões sejam resolvidas (BRUSCHI et al, 2002). 120 O segundo princípio para a ação ambiental federativa é o da subsidiariedade, pelo qual tudo aquilo que puder ser realizado pelo nível municipal, com competência e economia, não deve ser atribuído ao nível estadual e federal, e assim por diante. Na distribuição de competências entre nível municipal, estadual, federal, e supranacional, quando a ação não puder ser feita de forma econômica e eficiente num nível decisório, é preciso elevá-la para o nível imediatamente superior (BRUSCHI et al, 2002). O princípio da subsidiariedade é aquele que entende a necessidade de que as soluções das questões devem ser encontradas o mais próximo possível do local em que estas são geradas, evitando a burocratização, o ônus econômico e a sobrecarga administrativa dos órgãos de atuação mais ampla. No campo da gestão ambiental, ocorrem, eventualmente, sobreposições de competências e indefinições legais que levam à superposição de decisões diferentes sobre um mesmo tema, tomadas em níveis distintos do poder público (BRUSCHI et al, 2002). Essa forma de descentralização ocorrida no Brasil, entretanto, é bastante peculiar, segundo Abrucio (2001), não trazendo apenas aspectos positivos em seu bojo. Ao instituir o Município como ente federativo, a Constituição de 1988, estabelece um modelo de municipalismo autárquico, no qual cada município, independente de suas diferenças, deveria assumir esse rol de políticas públicas que cabem a este ente federativo. Reduziu-se, dessa forma, a descentralização à municipalização. 121 Para Abrucio (2001, p. 102), existem três obstáculos a essa forma de tratar a descentralização: Em primeiro lugar, a grande maioria dos municípios brasileiros não tem como se auto-sustentar, mesmo recebendo repasse de recursos dos demais níveis de governo. A desigualdade do País e a heterogeneidade de situações no plano local inviabilizam o municipalismo autárquico. Como meio de salvar tal modelo, ocorreu um aumento da disputa selvagem por dinheiro público e investimentos privados e estabeleceu-se, em certas situações, uma forma predatória de lidar com as regiões vizinhas. Depois disso, há um desnível muito grande entre os governos locais, também na configuração administrativa e política. Muitos não têm, ainda, a capacidade e os quadros técnicos para, sozinhos, resolverem os seus problemas de ação coletiva e a produção de políticas públicas. Os instrumentos de parceria e cooperação no plano subnacional são reduzidos ou, quando existentes, frágeis institucionalmente. A ótica de valorização do local, prevalecente nos últimos anos, teme a criação de instâncias supramunicipais e é incapaz de propor mecanismos de gestão compartilhada (ABRUCIO, 2001, p. 102). Há, ainda, o problema da indefinição e ambigüidade quanto ao estabelecimento de competências entre esferas de Governo – principalmente no âmbito dos órgãos de fiscalização e controle – o que, pela generalização de competências concorrentes, tende a gerar inércia e paralisia administrativa. 122 Neste contexto, é importante lembrar que, a partir da Constituição de 1988, compete ao município, através de seu poder legislativo, determinar o que considera como de interesse local, na área do meio ambiente. A atuação municipal nessa área não resulta apenas da determinação constitucional, mas também das leis orgânicas municipais. Atualmente, como ressalta Góes Filho (2000, p. 28): (...) tem sido bastante intensa a municipalização de numerosas atividades de controle ambiental, repassadas pelos Estados aos Municípios por delegação de competência. Esse repasse, entretanto, não tem sido acompanhado pelos recursos necessários ao pleno exercício dessa atividade, o que tem acarretado uma sobrecarga de responsabilidades para o nível local. Ao propor a escala municipal como palco concreto de ações de planejamento e gestão da zona costeira, é necessário que haja a clareza de que grande parte dos municípios carece de base institucional e de instrumentos técnicos de planejamento e controle para a promoção do desenvolvimento local em bases de sustentabilidade ecológica. Além disso, os municípios sofrem diversas pressões, por setores de peso na composição política local, em sentido contrário à perspectiva da conservação ambiental. Outra questão particularmente relevante para a gestão ambiental diz respeito ao fato de que problemas ambientais não respeitam fronteiras políticas; ao invés disso, eles perpassam jurisdições preestabelecidas ou conectam regiões não contíguas (MEADOWCROFT, 2002). Há um consenso de que a escala das respostas políticas aos dilemas ambientais é inadequada (muito pequena ou muito lenta). A grande preocupação é a aparente inabilidade das instituições governamentais existentes para restringir o comportamento social e econômico de 123 acordo com as “fronteiras da sustentabilidade ecológica” (MEADOWCROFT, 2002, p. 169). Meadowcroft (2002) ressalta, ainda, que a atuação política concreta é sempre definida sobre escalas temporal e espacial específicas, sendo tal definição parte de um “inquestionável” arcabouço da vida política. A escala espacial estaria, portanto, associada à delimitação territorial do poder político ou à área física sobre a qual uma estrutura política, ao invés de outra, exerce domínio. Para esse autor, uma vez que as jurisdições políticas podem ser divididas e combinadas em diferentes hierarquias ou configuradas de acordo com os diferentes propósitos administrativos, a matriz territorial de políticas públicas existentes em um determinado momento pode ser extremamente complexa. Dessa forma, a delimitação e a criação de arranjos institucionais em diferentes escalas tornam-se um assunto de suma importância para a discussão no âmbito da Geografia, pois como defende Lacoste (1988, p. 84), o problema das escalas é fundamental no raciocínio geográfico, ressaltando, inclusive, que (...) o fato de privilegiar certos níveis de análise que correspondem a certos tipos do espaço de conceituação provoca (...) a deformação, ou a ocultação dos fatores que não podem ser convenientemente apreendidos senão em outros níveis de análise. A escolha, portanto, de um determinado nível de análise ou de uma determinada área de abrangência de uma estrutura institucional é primordial na definição do alcance e da composição de forças que irão atuar sobre o espaço. Esse processo é chamado por alguns autores de construção social das escalas ou de política de escalas. Um frutífero debate tem ocorrido sobre a noção dessa 124 construção social das escalas. A seguir, será contextualizado esse debate no âmbito da produção acadêmica recente da Geografia – especialmente da Geografia Política. 4.2 - A Questão das Escalas e seu Debate na Geografia A discussão conceitual da escala, no âmbito da Geografia, é bastante antiga, conforme apresentou Castro (1995 p. 117), entretanto, houve controvérsias derivadas da freqüente analogia entre escala cartográfica e escala geográfica, o que dificultou a problematização do conceito. A origem dessa dificuldade de entendimento do termo está no fato de que a escala é um recurso fundamental à cartografia, sendo uma fração que indica a relação entre as medidas no terreno e as medidas no mapa. Castro (op. cit. p. 118) afirma: O empirismo geográfico satisfez-se, durante muito tempo, com a objetividade geométrica associando a escala geográfica à escala cartográfica (...). Tudo reduzia-se e solucionava-se nas diferentes representações gráficas, confundindo-se a escala fração com a escala extensão. Esse entendimento do termo provocou grande confusão quando se usam os termos “grande” e “pequena” escala para designar superfícies de tamanho inverso, uma vez que se referir ao local como grande escala e ao mundo como pequena escala, é utilizar a fração como base descritiva e analítica, quando ela é apenas instrumental (CASTRO, 1995). 125 Como o uso desse conceito não é novo e nem exclusividade da geografia humana, alguns autores têm se preocupado em prover diferenciações das variações e possíveis usos do termo. Assim, geógrafos mais associados à Geografia Física ou às teorizações sobre sistemas de informações geográficas (SIG) têm dedicado crescente atenção às distintas acepções de escala. Quattrochi e Goodchild (1997, apud MARSTON, 2000, p. 220) elaboraram um sumário, brevemente descrito a seguir, das três principais conotações de escala utilizadas para representar a questão dos dados geográficos: • Escala Cartográfica – É a relação entre a distância no mapa e distância correspondente no “solo”. • Escala Geográfica – Se refere à extensão espacial de um fenômeno ou de um estudo. • Escala operacional – Corresponde ao nível no qual um processo relevante opera. Segundo Marston (2000) houve, desde o início da década de 90, um crescente interesse dos geógrafos “humanos” sobre o entendimento que a produção da escala tem implicações na produção do espaço. Para essa autora, o debate existente no âmbito das teorias sociais da geografia revela um consenso na rejeição da escala como uma categoria ontológica dada, isto é, de que a escala não é necessariamente um quadro hierárquico fechado e previamente estabelecido para o ordenamento do mundo – local, regional, nacional e global. Nessa lógica, a escala de análise é socialmente construída e representa o foco no entendimento de processos que delineiam e constituem práticas sociais em diferentes níveis de análise. 126 Visões semelhantes à de Sallie Marston (2000) foram encontradas nas recentes publicações de alguns importantes autores ligados à produção teórica na Geografia. Podemos identificá-las nos trabalhos de: Kevin Cox (1998a e 1998b), David Harvey (2000), David Delaney (1997), Katherine Jones (1998), Jamie Gough (2004), entre outros. Uma questão fundamental apontada por Marston (2000, p. 224) é relativa às oportunidades de mobilização política de grupos sociais – que essa autora chama de “political opportunity structures” – que podem ou não existir em um determinado momento em diferentes escalas: nacional ou local, de acordo com as tensões que existem entre as forças estruturais e as práticas de atores sociais na organização do espaço (movimentos sociais, partidos, governo, mercado, etc). Esses espaços de mobilização política são também descritos por Cox (1998a), que usa a política de escalas como via de entendimento das políticas em nível local – as quais podem fornecer um entendimento das “políticas do espaço” de um modo geral. A principal colocação apontada por Cox (1998a) é que a questão referente a escalas não deve ser pensada apenas como unidade de área (dimensão) – e sim como rede de interações. Para ele, existe uma distinção que merece ser salientada entre espaços de dependência e espaços de engajamento. Os espaços de dependência são os espaços fixos – arenas localizadas – nas quais indivíduos estão imbuídos de seus interesses sociais (empregos, negócios, etc.) São os espaços das estruturas produtivas, da prestação de serviços, das áreas de influência de espaços jurídicos, etc. Já os espaços de engajamento são o conjunto de relações que se estendem em meio aos “espaços de dependência”, mas também fora deles, 127 construindo redes de associações, de intercâmbio e de política. Eles estruturam relações no interior de um amplo campo de eventos e forças nos espaços de dependência. Para Cox, essa distinção entre espaços de dependência e espaços de engajamento é importante, devido à grande variedade de formas em que as escalas podem ser construídas. Assim, o que ele denomina de “pular escalas” não significa apenas mudar do local para o global, mas deve ser visto como uma estratégia política de deslocamento entre espaços de engajamento que vai ampliar ou limitar espaços de dependência em circunstâncias específicas. Segundo ele, é preciso reavaliar os conceitos de como diferentes tipos de políticas “espacialmente qualificadas” se relacionam com a organização territorial estatal, pois há divergências sobre a conotação das políticas de escala como arenas ou espaços fechados onde cada forma de política tem sua própria arena territorial definida: política local e governo local (Município); política regional e estruturas estatais regionais (estados), etc. Dessa forma, ele defende que os interesses locais e os “espaços de dependência” a eles relacionados são precondição necessária à definição de políticas locais, mas os “espaços de engajamento” para isso não independem de arranjos exclusivamente locais. Para isso, deve-se entender a questão da escala não apenas enquanto jurisdições ou arenas e sim como uma rede de interações que permeia diversos limites jurisdicionais. Para Harvey (2000, p. 75), as escalas são produtos de mudanças tecnológicas, dos modos de organização social e da luta política, não sendo nem imutáveis nem “naturais”. Assim sendo, a interação entre as escalas e o grau de 128 inferência política de cada uma delas não estão predeterminados, sendo, ao contrário, parte do processo de criação histórica. Entretanto, conforme afirma Souza (2002, p. 105), isso não significa que “limites formais, sob o ângulo político administrativo e legal, não tenham relevância analítica ou sejam desprovidos de efetividade”. Logo, quando se avalia a necessidade de se tratar as questões relativas à sustentabilidade ambiental na escala local, devem-se levar em conta os limites das capacidades das autoridades municipais de atuar. Dessa forma, ainda que se concorde com David Satterthwaite (1997, p. 1682) quando ele afirma que “os governos locais, com suas muitas e variadas atribuições, estão em posição privilegiada para avançar nos objetivos do desenvolvimento sustentável”, é preciso manter uma visão crítica sobre o consenso que institui o local como novo referente da coesão social. Pois, de acordo com Acselrad, se o (...) local apresenta-se como promotor de consensos, ele é também portador de paradoxos. Em primeiro lugar, o fato de o discurso de revalorização do local provir não apenas dos atores e de instâncias territorializados, mas também dos escalões superiores da política. Além disso, há o risco de o desenvolvimento local seguir um viés elitista, em que a chamada parceria público-privada seja definida pelos meios empresariais e pela classe política(...) (ACSELRAD, 2002, p. 40). Afinal, as atribuições do poder público municipal não garantem, por si mesmas, que a gestão ocorra de acordo com bases de sustentabilidade ecológica e justiça social, uma vez que grupos de pressão com maior acesso às instâncias decisórias comumente defendem interesses privados contrários tanto à preservação ambiental, quanto aos interesses de atores sociais tradicionais. 129 O conhecimento embutido nas teorias retomadas neste capítulo ilumina os fundamentos da implantação de projetos de abrangência socioambiental que pressupõem uma gestão descentralizada em nível municipal. Com isso, esses elementos teóricos acima citados oferecem a base de compreensão para o Estudo de Caso relatado no próximo capítulo, o qual versa sobre o Projeto Orla sendo implementado em um município com pressão turística ímpar e de grande apelo de incorporação imobiliária. 130 5 ESTUDO DE CASO: A IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO ORLA EM CABO FRIO Buscou-se, neste capítulo, aprofundar o estudo do Projeto Orla, enquanto programa de gerenciamento costeiro – implementado em um sistema de descentralização da gestão, isto é, na escala do Município. Para tanto, optou-se por fazer a análise de uma situação emblemática de pressões imobiliárias e turísticas pressionando e impactando ambientes de alta qualidade paisagística. Assim, o município escolhido foi Cabo Frio. A escolha por esse município deu-se, também, pelo fato de que os arranjos institucionais locais – que atuaram no município na implementação do Projeto Orla – tiveram peculiaridades que, observadas posteriormente, revelaram ser insuficientes para redirecionar prioridades e estratégias de desenvolvimento que aparentemente são pouco compatíveis com a manutenção de uma qualidade ambiental e paisagística desejada pela equipe que elaborou o Plano de Intervenção. Em uma breve descrição do Município, é importante observar que Cabo Frio possui aproximadamente 51 quilômetros de orla, sem considerar as ilhas costeiras, onde há um predomínio de praias arenosas de grande beleza cênica. Em função disso, o Município de Cabo Frio possui uma posição de destaque na Costa do Sol – que inclui a Região dos Lagos, maior região turística fora da capital do Estado do Rio de Janeiro. A sua orla apresenta, em toda a extensão linear, expressiva e crescente urbanização, com características de ocupação formal (loteamentos planejados) e ocupações irregulares. Durante o período de veraneio, a população 131 do Município, que é de 136 mil habitantes, pode chegar a 700 mil habitantes (CABO FRIO, 2003). A faixa costeira do Município de Cabo Frio apresenta planícies sedimentares fluviais e marinhas, formando cordões litorâneos arenosos, maciços rochosos e planícies lacustres. Cabo Frio apresenta um grande campo de dunas, que se localiza ao longo da costa oceânica, desde a barra do Rio São João, até os limites com Arraial do Cabo, sendo interrompidas em alguns pontos pelos costões cristalinos que adentram pelo mar. As planícies fluviais correspondem à área de deposição de sedimentos dos rios São João e Una. Nesse contexto, podemos destacar ecossistemas típicos de restingas, dunas, manguezais, costões rochosos, falésias, lagunas de grande beleza e diversidade biótica. Cabo Frio se consolidou como destino turístico da elite brasileira nos anos 1950 e, desde então, tem o seu processo de desenvolvimento intrinsecamente ligado ao turismo. Entretanto, inerente ao desenvolvimento turístico, está associado um processo de “popularização” dos locais turísticos. Nesse sentido, seguramente, o produto turístico Cabo Frio está cada vez mais conhecido nacionalmente, mas, por outro lado, parte da população denuncia um processo de popularização, num sentido de pauperização do turista médio que freqüenta a cidade (ALCÂNTARA, 2005). Para Alcântara (2005), é preciso que haja uma compreensão da posição e da importância de Cabo Frio dentro do que é a Região dos Lagos, e das relações intermunicipais existentes nas esferas econômica, política e sócio-cultural da região, como também de sua posição em relação às diversas redes de turismo 132 para que se amplie o entendimento do processo de desenvolvimento de Cabo Frio e da forma como o turismo é determinante nesse contexto. Nesse sentido, Alcântara considera que as configurações regionais podem ser determinantes no incremento das potencialidades de um lugar turístico e que, portanto, a posição de Cabo Frio (figura 4) entre os vizinhos Búzios – local consolidado enquanto destino internacional – e Arraial do Cabo – que vem se consolidando como destino nacional para o turismo náutico, mais especificamente para a prática de mergulho – pode configurar uma vantagem em uma situação de competição por investimentos nessa área. Figura 4: Localização de Cabo Frio na Micro-região das Baixadas Litorâneas - RJ Fonte: Fundação CIDE, apud Prefeitura de Cabo Frio / FGV Projetos – Plano Diretor do município de Cabo Frio, 2006 133 Para um perfeito entendimento de toda a complexidade dos processos associados à questão ambiental em Cabo Frio, este estudo partiu de uma análise que envolve o conhecimento prévio do Município e suas características de ocupação. Essa análise permitiu que fossem desvendadas algumas das características do fenômeno da segunda habitação, da criação de identidades simbólicas do local associadas à praia e ao turismo e da emergência da questão ambiental, bem como mostrou as estratégias institucionais associadas ao discurso de sustentabilidade. Estratégias que, como será visto, mascaram um viés de segregação associado ao processo de modernização da cidade, em função da valorização e da requalificação do espaço. 5.1 Histórico da Ocupação A ocupação de Cabo Frio teve início no século XVI, por meio da exploração de pau-brasil praticada por portugueses e corsários franceses e holandeses, que atuavam na região auxiliados pelos índios Tamoios. Em 1615, o Governador do Rio de Janeiro, Constantino, recebeu ordens do Rei Felipe III, da Espanha, para estabelecer uma povoação na região. Assim, em 13 de novembro de 1615, junto à Barra de Araruama, foi construída a Fortaleza de Santo Inácio, local onde foi fundada a Cidade de Santa Helena do Cabo Frio, que seria a sétima cidade a ser fundada no Brasil, até então. O núcleo atual urbano teve a sua origem vinculada à criação do Forte de São Mateus, cuja construção teve início em 1616, simultaneamente à mudança do sítio da povoação colonial 134 para o atual bairro da Passagem, sendo rebatizada como Cidade de Nossa Senhora da Assunção do Cabo Frio. Devido à localização de Cabo Frio, com acesso exclusivamente por via marítima, e em função da inaptidão do solo para atividades agrícolas, o município permaneceu relativamente isolado durante um amplo período, sobrevivendo apenas em função da manutenção do Forte, de atividades religiosas e atividades estritamente vinculadas às imposições do meio natural – a pesca e a extração de sal (COELHO, 1986). O cultivo de cana de açúcar, a pecuária e outras atividades econômicas tiveram pouca importância na evolução do município, que permaneceu relativamente estagnado até o início do século XX, mantendo uma ocupação rarefeita associada à atividade rural e um pequeno núcleo urbano associado à pesca e ao comércio portuário com o Rio de Janeiro. A dinâmica econômica do município sofreu algumas mudanças após a Primeira Guerra Mundial, quando foram introduzidas inovações nas atividades tradicionais do local, associadas a novas técnicas de pesca e conservação do pescado, bem como de extração e beneficiamento do sal. Nesse contexto, a indústria salineira foi ainda beneficiada pela criação de leis protecionistas, e o crescimento da população urbana na Região Sudeste representou um impulso ao consumo do pescado (CABO FRIO, 2006). Apesar da mudança na dinâmica econômica local e da consolidação da Lagoa de Araruama como importante parque salineiro nacional, foi somente a partir 135 da década de 1940 que algumas transformações viabilizariam o engajamento de Cabo Frio no processo de desenvolvimento urbano, o que viria a se desencadear a partir de 1950. O marco desse processo foi a abertura da Rodovia Amaral Peixoto, em meados da década de 1940, ligando o município a Niterói. Até então, as comunicações com o Rio de Janeiro eram feitas, sobretudo, por via marítima, ou pela estrada de Ferro Maricá, por meio da qual se atingia Niterói depois de mais de um dia de viagem. Dessa forma, a construção da rodovia e o seu posterior asfaltamento, em 1950, vieram facilitar consideravelmente as condições de acesso de Cabo Frio à metrópole carioca, permitindo a convergência de população e de novos investimentos para o município. Outro marco fundamental para entender a inserção de Cabo Frio em uma dinâmica econômica mais complexa foi a criação da Companhia Nacional de Álcalis (CNA), em 1943, para produção de barrilha e soda cáustica. A instalação da CNA se deu em Arraial do Cabo, então distrito de Cabo Frio, onde o complexo fabril passou a extrair conchas da lagoa de Araruama para a fabricação de barrilha. Associado a tais eventos, ocorreu um acentuado incremento populacional em Cabo Frio, que entre 1950 e 1960 passou de 16.646 para 23.297 habitantes. Além disso, a instalação da CNA colaborou, através da vinda de técnicos e de pessoas de classes mais altas provenientes do Rio de Janeiro, para a descoberta e divulgação das belezas naturais do município para o veraneio. 136 Em meados da década de 60, com a pavimentação da BR-101 e da RJ-124, esta ligando a primeira a Cabo Frio, e com a inauguração da Ponte Rio-Niterói, em março de 1974, completou-se a ligação da metrópole com o município. Também teve início, em 1978, por meio do Programa Especial de Desenvolvimento do Norte Fluminense (PRODENOR), realizado pelo DNOS, a construção da barragem de Juturnaíba, projetada em 1972 pelo Ministério do Interior, com a suposta finalidade prioritária de possibilitar o abastecimento de toda a Região dos Lagos, diminuindo, assim, o déficit de água na região. Dessa forma, a maior acessibilidade e a criação de infra-estrutura naquela área trouxeram um aumento considerável da população residente (SAUNDERS et al, 2004). Desse modo, a facilidade de acesso e a disponibilidade de terras, associados às especificidades de Cabo Frio para o veraneio, conformaram uma situação extremamente atrativa para a entrada das atividades imobiliárias no município. Essas atividades já contavam com condições favoráveis de aporte de capital, além de expressiva demanda potencial na metrópole carioca. (COELHO, 1986). O desenvolvimento do turismo e do veraneio potencializou o setor industrial associado a essas atividades. Assim, Cabo Frio presenciou o surgimento e o crescimento de confecções associadas à moda de praia. Prática iniciada com fábricas de fundo de quintal, o setor é, nos dias atuais, um pólo extremamente dinâmico, com cerca de 400 empresas ligadas ao setor, o que gera cerca de 5.500 empregos (FIRJAN, 2006). Além disso, a presença e a importância dessas 137 atividades têm colaborado para o avanço das atividades terciárias locais, que apresentam atualmente grande expressão e complexidade na economia do município. Mesmo com a perda de antigos e importantes distritos, como os atuais municípios de Arraial do Cabo e Armação dos Búzios, Cabo Frio vem experimentando, a partir os anos 1950, um crescente avanço do setor econômico e demográfico. Os últimos anos, nesse contexto, foram particularmente importantes. Informações da prefeitura de Cabo Frio demonstram, por exemplo, que a arrecadação de ICMS no município dobrou entre 1997 e 2002. Houve um significativo crescimento da rede hoteleira, assim como em relação ao número de pousadas. Além disso, têm-se diversificado progressivamente os serviços oferecidos na cidade (ALCÂNTARA, 2005). Dessa forma, o potencial turístico do município e seu crescimento econômico recente fortalecem o ideário de “desenvolvimentismo turístico” e de “vocação turística”, evidente nas formulações e posturas da administração pública e no discurso corrente de parte da população cabofriense. Assim, para Alcântara: (...) a coalizão que tem tocado a administração pública do município nos últimos anos definiu claramente como opção acrescer sua competitividade através do desenvolvimento turístico, centralizando neste os esforços de busca de investimentos associados à potencialização do consumo (ibidem, p. 49). Esse enfoque prioritário do município na temática do turismo define até mesmo a lógica da sua estrutura administrativa, o que é decisivo do ponto de vista 138 da definição de prioridades e na condução das diretrizes de desenvolvimento da cidade. Assim, observa-se que à Secretaria de Turismo conflui o poder de comandar um grupo de trabalho que envolve outras secretarias, como as de Planejamento, Fazenda, Meio Ambiente e Saneamento. Nessa organização, a Secretaria de Turismo tem poder de veto, sendo a responsável pela organização e liberação de projetos. 5.2 Evolução Demográfica do Município A população de Cabo Frio cresceu de forma relativamente lenta até meados do século vinte, quando mudanças na estrutura econômica local alteraram a dinâmica demográfica. O aumento da atividade econômica se deu, em parte, pela instalação da Companhia Nacional de Álcalis (CNA). Entretanto, não deve ser menosprezado o expressivo papel que teve o desenvolvimento da atividade turística e de veraneio, que estimulou o setor de construção civil e atividades terciárias, sendo decisivo no processo de crescimento populacional. Seguindo uma tendência que foi semelhante na maior parte do País, esse crescimento se deu, majoritariamente, nos núcleos urbanos, reduzindo a participação relativa da população rural no total da população do Município. Observando o Quadro 4 e a Figura 5, verifica-se que a evolução da população de Cabo Frio se deu de forma relativamente contínua, embora com taxas elevadas de crescimento populacional. O período de maior crescimento populacional ocorreu entre as décadas de 1950 e 1960, período de implantação da 139 CNA em Arraial do Cabo, então distrito de Cabo Frio, e também de início do ciclo turístico de Cabo Frio. Quadro 4: Cabo Frio - População Total, Urbana e Rural, e Taxa de Crescimento Médio Anual entre 1950 e 2000 População Tx. de total Cresc. Anos 1950 1960 1970 1980 1991 2000 Urbana População Taxa de rural cresc. Tx de cresc. 16.176 5,4 9.619 7,68 6557,00 1,07 27.441 4,9 20.151 6,46 7290,00 -0,84 44.379 4,8 37.680 4,48 6699,00 6,47 70.995 1,8 58.416 3,09 12.539 -7,58 84.915 4,0 79.217 2,98 5698,00 13,71 126828 106.237 20591 Fonte: IBGE, 2006 Figura 5: Cabo Frio - Evolução da População Total e Urbana entre 1950 e 2000 140.000 120.000 100.000 80.000 Total Urbana 60.000 40.000 20.000 0 1950 1960 1970 1980 1991 2000 Fonte: IBGE, 2006 140 A análise do crescimento demográfico de Cabo Frio, por si só, não é um indicativo suficiente para estabelecer uma relação que compreenda a dinâmica de pressão sobre o meio ambiente, uma vez que grande parte do problema ambiental dessa cidade está associada às dinâmicas relativas à população flutuante e seus picos na alta temporada de veraneio e nos feriados. Conforme foi visto, a Secretaria de Turismo possui estimativas que apontam uma oscilação populacional da ordem de cerca de 500% entre população residente e população flutuante. Assim, é preciso entender a magnitude do problema ambiental de Cabo Frio a partir da dimensão do processo de urbanização, que é significativamente maior do que apenas a dinâmica populacional. 5.3 O Processo Histórico de Apropriação de Terras em Cabo Frio Após a fundação da cidade, no Século XVII, grandes sesmarias foram doadas à elite colonial moradora no Rio de Janeiro e em outras grandes cidades da colônia, ficando, ainda, muitas terras em poder dos jesuítas e dos frades Beneditinos (COELHO, 1986). Coelho (id., p. 80) afirma: “A falta de interesse de certo número de proprietários em se deslocarem para Cabo Frio, supõe-se tenha sido uma das razões para as grandes doações aos jesuítas e beneditinos”. Embora a maior parte das terras da Capitania de Cabo Frio já tivesse sido doada, a parte da restinga, onde atualmente encontra-se assentado o núcleo urbano de Cabo Frio, permaneceu desocupada, em virtude das terras terem sido doadas à Câmara Municipal de Cabo Frio. Segundo Alves (op. cit., p. 80) “as terras 141 de restinga, impróprias para a agricultura, não interessavam ao clássico proprietário rural”. A autora supõe que as razões para isso tenham sido a proteção das salinas naturais e dos núcleos de pescadores, muito importantes para a manutenção da cidade com pequena população, que no início era composta majoritariamente por militares que guarneciam o Forte São Mateus. Alguns fatos dinamizaram o fracionamento de terras em Cabo Frio ao longo do período que se estende entre os séculos XVII e XX, mas sem grandes alterações na dinâmica fundiária. Após a Independência do Brasil, são feitas algumas doações de terras na área da restinga, principalmente voltadas para a exploração das salinas, visto que até então a exploração e produção de sal eram de monopólio da coroa portuguesa. Nesse período, após a Independência, começam a surgir empreendimentos de maior porte para a exploração de sal, sendo o maior deles uma concessão de D. Pedro II a um oficial alemão de sua guarda pessoal, que dá origem a uma das maiores e mais modernas salinas da região – as Salinas Perynas. No Século XX, após a primeira Guerra Mundial, há um acentuado afluxo de portugueses para a região de Cabo Frio. Já sendo salineiros em suas terras de origem, esses portugueses recebem terras da Câmara com objetivo de propiciar o desenvolvimento da exploração de sal no Município. Os salineiros instalam-se, com suas famílias na área central da restinga, mais próxima ao núcleo urbano, formando pela primeira vez, segundo Alves (1986), uma pequena burguesia local que passa a investir na cidade e melhorar o padrão dos sobrados. 142 Concomitante à implantação da Companhia Nacional de Álcalis, em meados da década de 1950, e a partir da melhoria das redes de ligação rodoviária, as terras da restinga passam a sofrer um processo mais intenso de divisão por meio de loteamentos urbanos. A CNA recebeu, nesta época, cerca de 200 Km² de terras na área da restinga, aproximadamente onde hoje se encontra o limite de Cabo Frio e Arraial do Cabo, englobando quase a totalidade deste. A Companhia, entretanto, ocupou uma área de apenas 20% do terreno original, enquanto o resto acabou sendo incorporado ao processo de especulação imobiliária que se iniciava na época. A Álcalis inclusive criou uma empresa – a Alcatur – apenas para gerenciar esse patrimônio e atuar no mercado especulativo de terras na região, não tendo grandes avanços no processo especulativo apenas porque o governo do estado tombou, no início dos anos 80, grande parte da área, que era constituída por dunas. As terras em torno do núcleo urbano de Cabo Frio, entretanto, permaneceram disponíveis ao processo de incorporação imobiliária e, embora representassem apenas 5% do total de terras da restinga, eram as terras de mais alto valor, uma vez que se situavam próximas ao núcleo urbano e nos locais mais privilegiados do ponto de vista da proximidade a amenidades naturais e belas praias. Tais terrenos, segundo Alves (1986) foram doados a pessoas influentes do próprio local e constituíram o grande impulso ao parcelamento do solo urbano, a partir da década de 1950, para a adoção da configuração urbana que prevalece até hoje. 143 Esse fracionamento do solo decorrente do intenso loteamento que sofreu o núcleo urbano do distrito Sede de Cabo Frio coincidiu com a introdução do processo de segunda residência no município, cuja fase inicial é caracterizada justamente pela compra de terrenos. Segundo Alves, “os especuladores viam na compra das terras a oportunidade de fazer aplicações com boa rentabilidade em função da perspectiva que se abria para o veraneio em Cabo Frio e da expectativa de valorização futura dos terrenos que se desencadearia com o desenvolvimento previsto do mercado de segunda habitação” (COELHO, 1986, p 81). 5.4 Impactos Ambientais do Processo de Urbanização de Cabo Frio A questão da dimensão do processo de loteamentos, principalmente para o atendimento de uma demanda de segunda residência, em Cabo Frio, é a base para uma série de problemas ambientais nessa cidade. Na busca por investimentos, ou simplesmente por não contar com uma estrutura institucional com capacidade de regulação, a ocupação se deu de forma caótica, sem que a Prefeitura fizesse grandes exigências técnicas, urbanísticas ou ambientais; ao passo que a empresa estatal concessionária de água e esgoto eximiu-se de realizar investimentos e os órgãos ambientais do Estado pouco atuaram (CILSJ, 2006). No início do processo de ocupação da região, a vegetação funcionava como barreiras ou sumidouros de parcela considerável do esgoto. Os brejos funcionavam como sistemas naturais de tratamento. O crescimento da ocupação, com o 144 conseqüente aumento do volume de dejetos, contudo, fez com que os esgotos passassem a chegar em estado bruto nos corpos receptores. Segundo um levantamento produzido pelo Projeto Iraruama e apresentado pelo Consórcio Intermunicipal Lagos São João (CILSJ, 2006), foram identificados, em 1991, 365 pontos de lançamentos de efluentes na Laguna. Destes, 308 são canalizados e 57 correm a céu aberto, além de outros 76 pontos de despejo menores associados a rios e 232 provenientes de condomínios. Especificamente em Cabo Frio, foram encontrados, no canal de Itajuru, 197 pontos de despejo, sendo 194 canalizados e três a céu aberto. Além disso, a rede hospitalar de Cabo Frio, também lançava seus efluentes diretamente na laguna (CILSJ, 2006). Em função do crescimento de ocupações irregulares, aterros e obras urbanísticas, houve um significativo estreitamento do canal de Itajuru, o que acarretou uma redução do volume de troca de água com o oceano e, conseqüentemente, uma aceleração do processo de eutrofização da laguna. Especula-se, ainda, que as dragagens para extração de conchas, feitas pela CNA, tenham provocado um aumento da matéria orgânica em suspensão, pois revolveu o lodo estocado no fundo da lagoa, contribuindo para a proliferação de algas. Uma outra prática bastante nociva que foi observada no processo de crescimento urbano de Cabo Frio refere-se à ocorrência de despejo ilegal, nos rios e canais, de material orgânico extraído de fossas por empresas especializadas. Em 1998, a PROLAGOS – concessionária de serviços públicos de água e esgoto – assumiu os serviços de água e esgoto, tendo como área de concessão os 145 municípios de Armação dos Búzios, Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia, Arraial do Cabo (somente água) e Cabo Frio, mas a prioridade dos editais de concessão, em função de aumentar a atratividade do município para o turismo, foi o aumento da oferta de água, considerado o grande problema na época4, ficando o esgotamento sanitário para segundo momento. Embora a prefeitura as Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Cabo Frio já estejam concluídas e em operação, assim como a unidade de Tratamento de Esgoto de Morubá, e que parte da área central de Cabo Frio já esteja sendo atendida por coleta e tratamento de esgoto, ainda há inúmeros pontos de lançamento clandestino e bairros não atendidos por esgoto na cidade. Durante a implementação do Projeto Orla em Cabo frio, diversos pontos de lançamento de esgoto in natura foram identificados durante o trabalho de campo realizado em conjunto com os técnicos do município, conforme mostra a figura 6: 4 Note-se que a falta de água era apontada como um problema crônico da região, entretanto, tal problema apenas se manifestava nos momentos de grande concentração populacional, como feriados e alta temporada. Não era um problema que atingia quotidianamente a população a não ser em função da própria dinâmica turística 146 Figura 6: Lançamento de Esgoto in Natura no Canal do Itajuru Fonte: Arquivo pessoal O Plano Diretor de Cabo Frio, em sua fase de diagnóstico, apresentou em audiência pública um mapa indicativo da localização das estações de tratamento e área de abrangência do sistema coletor de esgoto, que é reproduzido na figura 7: 147 Figura 7: Município de Cabo Frio - Abrangência das Áreas Atendidas por Coleta de Esgoto Fonte: Plano diretor de Cabo Frio - Prefeitura de Cabo Frio e FGV Projetos 148 5.5 Os Impactos da Urbanização Turística na Orla Marítima de Cabo Frio A urbanização de Cabo Frio, observada a sua magnitude nos últimos 50 anos, pressionou enormemente os ecossistemas naturais existentes no território municipal como um todo e, especialmente, a orla marinha. Dentre os principais impactos observados, podemos ressaltar5: ¾ A transformação de salinas em loteamentos, com apropriação ilegal de áreas públicas (espelhos de água antigos da lagoa e terrenos reservados) e destruição de áreas de dunas e restingas; ¾ A descaracterização da paisagem original por parte de clubes náuticos, marinas, restaurantes, bares, hotéis e casas de condomínios e loteamentos de segunda residência; ¾ A construção de aterros com a finalidade de aumentar áreas para construção de casas ou formação de condomínios, como no canal de Itajuru, reduzindo as trocas de água; ¾ A instalação de estaleiros e de grande quantidade de pilares de diques e portos, que favorecem o assoreamento, como no canal de Itajuru; ¾ A urbanização e construção de quiosques na orla sem controle sanitário e, por vezes, com invasões e avanços sobre a praia ou sobre a lagoa; ¾ A retirada da cobertura vegetal original seguida de plantio de vegetação exótica, tais como casuarinas e amendoeiras, ou ocupação da margem por parte de ervas invasoras. 5 Impactos identificados pela FEEMA e pelo Consórcio Intermunicipal Lagos São João 149 5.6 O Projeto Orla em Cabo Frio Na tentativa de equacionar os impactos observados, o Município realizou, no primeiro semestre de 2003, as duas oficinas de capacitação do Projeto Orla – as Atividades Presencial I e Presencial II – e elaborou o seu Plano de Intervenção na Orla. Seguindo a metodologia proposta e com base nos critérios de definição, delimitação e caracterização, o Plano identificou sete diferentes “Unidades Paisagísticas” e seus trechos de orla, conforme ilustram o Quadro 6 e a Figura 8: Quadro 5: Divisão em Unidades Figura 8: Unidades Paisagísticas Unidade I - Rio São João Unidade II Praias - Porção Norte - Praias do Distrito de Tamoios Porção Centro Norte Caravelas/Peró Porção Centro Sul- Praia do Forte/Praia do Foguete Unidade III - Praia das Conchas Unidade IV – Costões Rochosos Unidade V – Canal do Itajuru Unidade VI – Laguna de Araruama Unidade VII – Ilhas Costeiras Fonte: Prefeitura de Cabo Frio, 2003 150 A Unidade I – Rio São João – caracteriza-se por ser uma área estuarina. O rio tem sua nascente no Município de Cachoeira de Macacu, na Serra do Sambê, a 800 metros de altitude, e a sua Bacia abrange inúmeros municípios, drenando cerca de 133 Km e desaguando no oceano, entre as localidades de Barra de São João (distrito de Casemiro de Abreu) e Santo Antônio (Cabo Frio), sendo o marco físico da divisa desses dois municípios (CABO FRIO, 2003). Esta Unidade é particularmente importante para o Plano se for observado o desafio da gestão integrada. Uma vez que o estuário do Rio São João é a divisa entre os dois municípios, é fundamental a adoção de medidas articuladas para mitigar os impactos. Nesse sentido, o Plano observou uma grande variedade de recursos naturais, como a formação de mangue, matas ciliares, matas associadas e o próprio ambiente estuarino neste local (Figura 9), bem como uma grande pressão de urbanização em ambos os municípios. Entretanto, não estipulou ações ou medidas de ordenamento específicas para essa Unidade no Plano de Intervenção, deixando-a para um momento posterior (id. ibid.). 151 Figura 9: Unidade I – Rio São João Fonte: Digital Globe – Google Earth, 2007 Com relação às praias de Cabo Frio, o Plano de Intervenção delimitou três conjuntos principais de faixas de praia: O primeiro conjunto compreende as praias do distrito de Tamoios e se inicia na Foz do Rio São João, limite ao norte do município de Cabo Frio com Casemiro de Abreu, e acaba na localidade denominada Rasa, divisa de municípios de Cabo Frio e Armação de Búzios, com extensão de aproximadamente quinze quilômetros (Figura 10). Figura 10: Praias do distrito de Tamoios Fonte: Prefeitura de Cabo Frio, 2006 152 O segundo compreende a ponta das Caravelas e Peró, trecho incluído na Área de Preservação Ambiental (APA) do Pau Brasil, encontrando-se altamente pressionado pela urbanização, com concentração da maior parte dos loteamentos aprovados nos últimos dez anos. Encontram-se nesse trecho importantes remanescentes de mata atlântica e campos de dunas. Atualmente, há grande discussão no Município sobre o estímulo que a Prefeitura tem concedido a atividades esportivas de alto impacto sobre o campo de dunas – especialmente nesse trecho – como rallies e competições diversas envolvendo o uso de veículos automotores. O terceiro conjunto corresponde às praias mais pressionadas pela área urbana, isto é, a Praia do Forte (Enseada do Forte São Matheus), Algodoal (da Duna Boa Vista, até o inicio Av. Litorânea), as Dunas do Braga (Inicio da Av. Litorânea até o inicio da estrada para Arraial do Cabo); e o Foguete (Início nas mediações do trevo que vai para Arraial do Cabo até o final do Foguete, na divisa com os dois Municípios. Esse conjunto comporta o tipo de paisagem classificada como urbana (figura 11), embora possam ser observados trechos com alta originalidade do ecossistema, como no trecho Dunas do Braga, por exemplo. As características de urbanização observadas no plano são de média a alta densidade, havendo um nítido predomínio residencial (principalmente de segunda residência - uso ocasional). A infra-estrutura urbana é incompleta, observando ruas não pavimentadas e sem adequado sistema de drenagem pluvial. Essa área comporta, ainda, espaços de preservação garantidos por um Tombamento Federal 153 (do conjunto arquitetônico do Forte São Matheus) e por Tombamento Estadual (do conjunto paisagístico das Dunas de Cabo Frio). Figura 11 - Praia do Forte Fonte: Arquivo pessoal Dentro dos limites da orla proposta para o projeto, foi observada nessa área a ocorrência dos seguintes aspectos: dunas fixas e dunas móveis, com vegetação nativa e alguma vegetação invasora; aterros; formação de veredas; loteamentos não ocupados existentes desde a década de 50; instalações comerciais fixas sobre o cordão de dunas em baixa qualidade arquitetônica e sanitária (como os existentes nas Dunas do Braga), conforme se observa nas Figuras 12 e 13. 154 Figura 12 e Figura 13: Dunas do Braga Fonte: Arquivo Pessoal As demais unidades de paisagem definidas no Plano são: UNIDADE III – CONCHAS A Praia das Conchas, com características bastante diferentes das outras praias citadas, encontra-se localizada entre costões, com a presença de estruturas rochosas como o paredão que protege a enseada dos efeitos da energia das ondas, mantendo-a protegida dos ventos predominantes da região devido à sua geomorfologia. Não apresenta uma urbanização densamente consolidada, mas há intensa pressão por parte de instalações comerciais junto às dunas (Figura 14) (CABO FRIO, 2003). 155 Figura 14 - Praia das conchas Fonte: Arquivo Pessoal UNIDADE IV – COSTÕES Constituído por paredões rochosos, com declividade acentuada e de difícil acesso; o acúmulo de material orgânico e a fixação vegetal se dão somente nas fendas, diáclases na rocha e depressões abruptas; as plantas que se estabelecem nesses costões constituem uma flora rupícola, altamente adaptada a esse ambiente, tais como cactáceas, orquidáceas, bromeliáceas, entre as mais destacáveis. Tombamento Federal na parte onde se encontra o Farol de Cabo Frio (Figura 15). 156 Figura 15: Praia Brava, Costão e Farol de Cabo Frio Fonte: Arquivo Pessoal UNIDADE V – CANAL DO ITAJURU O Canal de Itajurú posicionado na extremidade leste da laguna de Araruama é o único contato da referida laguna com o mar. Com aproximadamente 14 km de extensão - inicia na extremidade da ilha do Anjo seguindo até sua embocadura junto ao mar‚ voltada para Sul. A boca da barra, com cerca de 80 metros de largura é guarnecida a Oeste, por pequena formação rochosa situada no final da praia do Forte, a Leste, por outra elevação rochosa, chamada por ponta da Lajinha, ambos elementos que definem a extensão de sua orla marítima (Figura 16) (CABO FRIO, 2003). 157 Figura 15: Canal do Itajuru Fonte: CILJS, 2006 UNIDADE VI – LAGOA DE ARARUAMA A Lagoa de Araruama, na verdade uma laguna, é um ecossistema recente, com idade estimada entre 5 e 7 mil anos, estando sua origem vinculada à formação das restingas de Massambaba e de Cabo Frio. Tem uma superfície de aproximadamente 220 km2; um volume de 636 milhões de metros cúbicos; largura máxima de 13 Km; com ventos predominantes de Nordeste (CABO FRIO, 2003). Os limites da orla lagunar considerados pelo Plano compreendem toda a orla da lagoa – entre a praia do Siqueira, numa linha praticamente contínua até o limite com o município de Arraial do Cabo. Nesta região de planícies, encontramse antigas salinas do complexo Perynas e da Companhia Nacional de Álcalis (na sua maioria desativadas), onde temos o projeto Perynas aprovado por todos os órgãos de licenciamento e controle ambiental nas diferentes esferas de governo. 158 Parte desta área é tombada pelo INEPAC. Na restinga entre a lagoa e o mar, localiza-se o Aeroporto de Cabo Frio, inaugurado no ano de 2000. UNIDADE VII – ILHAS COSTEIRAS As ilhas costeiras do Município de Cabo Frio são em um total de três ilhas principais e 4 ilhotas. 5.6.1 Classificação da Orla Seguindo a metodologia proposta nos documentos do projeto Orla, os técnicos da prefeitura Municipal de Cabo Frio, técnicos de órgãos estaduais e federais envolvidos e representantes da sociedade civil, que atuaram na elaboração do Plano, elaboraram a classificação da orla com base nos atributos paisagísticos. Os critérios usados para essa classificação foram a análise sucinta e a avaliação de parâmetros ambientais, tais como: cobertura vegetal, integridade e fragilidade dos ecossistemas, presença ou não de unidades de conservação, condição de balneabilidade e saneamento básico. Em relação aos parâmetros sociais, a presença ou não de comunidades tradicionais, cobertura urbana e formas de acessos. E parâmetros econômicos tais como pressão imobiliária. O quadro 7 apresenta a classificação dos trechos da orla. 159 Quadro 6: Classificação dos Trechos da Orla de Cabo Frio Unidade Paisagística / Trecho Unidade I - Rio São João Rio São João Unidade II - Praias 1º Conjunto - Praias Distrito Tamoio Trecho 1 - Samburá Trecho 2 - Orla 500 Trecho 3 - Florestinha Trecho 4 - Marinha Trecho 5 - Rasa 2º conjunto - Caravelas e Peró Trecho 1 - Limite Búzios/Inicio das Dunas (Lilibeth) Trecho 2 - Inicio Dunas / Urbanização do Peró (Dunas Caravelas) Trecho 3 – Urbanização (Peró) Trecho 4 – Pitangueira 3º Conjunto – Praia do Forte / Praia do Foguete Trecho 1 - Forte (Enseada do Forte São Matheus) Trecho 2 – Algodoal (da Duna Boa Vista, até o inicio Av. Litorânea) Trecho 3 - Dunas do Braga ( Inicio da Av. Litorânea até o inicio da estrada para Arraial do Cabo) Trecho 4 - Foguete ( Início nas mediações do trevo que vai para Arraial do Cabo até o final do Foguete, na divisa com os dois Municípios. Unidade III - Praia das Conchas Praia das Conchas Unidade IV - Costões Rochosos Costões Rochosos Unidade V - Canal do Itajuru Trecho 1 – Da entrada da Barra até a Ponte Feliciano Sodré. Trecho 2 – Da Ponte Feliciano Sodré até a Ilha do Anjo. Trecho 3 – Da Ilha do Anjo até a Praia do Siqueira. Unidade VI - Laguna de Araruama Trecho 1 - Praia do Siqueira Trecho 2 - Perinas Sudoeste Unidade VII - Ilhas Costeiras Fonte: CABO FRIO, 2003 Classificação Classe B Classe C Classe C Classe C Classe A Classe C Classe B Classe A Classe B Classe A Classe C Classe C Classe B Classe B Classe B Classe B Classe C Classe C Classe C Classe C Classe B Classe A 160 5.6.2 Proposta de Intervenção no Trecho Selecionado O trecho da orla do Município de Cabo Frio escolhido para iniciar o Projeto Orla foi o trecho 3, pertencente ao 3º conjunto de praias da Unidade Paisagística II – Dunas do Braga – em uma área localizada no meio do grande arco praial entre o promontório rochoso do Farol de Cabo Frio e a divisa com o município de Arraial do Cabo, sendo praticamente uma extensão da Praia do Forte, principal praia urbana da Cidade de Cabo Frio. Embora esta área esteja incluída no Tombamento Estadual SEC/E 07/201717184, de 01 de fevereiro de 1988, ela ainda não possui plano de ocupação e uso estabelecido, e está, portanto, sujeita a uma série de atividades e usos potencialmente prejudiciais à dinâmica ambiental. As Dunas de Cabo Frio, também conhecidas por Dunas do Braga – em função do Bairro do Braga, que se localiza em frente ao campo de dunas – encontram-se justamente na área de expansão da atividade turística de Cabo Frio. Visando replicar o modelo de urbanização implementado na Praia do Forte, a prefeitura de Cabo Frio vem tentando estender a via litorânea – cortando o campo de dunas – desde o final da década de 1990, o que gerou uma ação do Ministério Público estadual contra a Prefeitura (Ação judicial número 1999.011.006975-5, segunda vara cível). No processo de elaboração do Plano de Intervenção na Orla Marítima de Cabo Frio, novamente a via litorânea foi tema de polêmica e parte da equipe técnica da prefeitura, insistiu na inclusão da execução da Via Litorânea como a principal ação do Projeto Orla em Cabo Frio, alegando que a trajetória da 161 Avenida Litorânea funcionaria como um limite físico importante para que, ao longo do seu percurso de 1.850 m (até a RJ-140), as margens que faceiam com as Dunas fossem “cerceadas contra usos não condizentes com a proteção do ecossistema de dunas, bem como, com a grandeza de sua beleza cênica” (CABO FRIO 2003). A veemência da equipe técnica da Prefeitura de Cabo Frio em incorporar a Via Litorânea no rol de ações previstas para o ordenamento da orla marítima deve ser entendida como parte de um processo de modernização voltado para a atração de capitais turísticos para o município. Nesse sentido, conforme analisou Alcântara (2005, p. 87-88): Para uma boa parte das administrações municipais brasileiras, principalmente as de municípios economicamente debilitados e tidos como possuidores de alguma "vocação turística", o turismo se apresenta como uma saída duplamente sedutora. O padrão de investimentos públicos para o desenvolvimento local do turismo pode, freqüentemente, atender às reivindicações e pressões de frações da sociedade civil - "organizada" - local, de relativo poder econômico e/ou político, favorecendo mais diretamente a segmentos sociais específicos. Por outro lado, constata-se o forte apoio popular que pode receber este tipo de política com um discurso pródesenvolvimento via turismo. Assim, afirma Alcântara, o município de Cabo Frio, que tem seu potencial turístico associado à beleza cênica e à qualidade paisagística de suas praias, tem levado a cabo inúmeras intervenções urbanas voltadas para requalificar os espaços de consumo turístico, tendo como objetivo ampliar a atratividade turística da cidade. Nesse sentido, apresenta Alcântara (Id. ibidem, p.88): Todas as principais praias, áreas voltadas ao lazer e suas vias de circulação passaram por algum tipo de intervenção. Certamente, as intervenções desencadeadas por este processo acarretaram numa enorme transformação na configuração da paisagem das áreas centrais da cidade. Não obstante, do 162 início do processo, a partir de meados dos anos 90, até o ano de 2001, houve um significativo acréscimo na arrecadação de ICMS Essa orientação na equipe técnica local ficou clara ao longo das oficinas de elaboração do Plano de Intervenção na Orla de Cabo Frio, nas quais um dos membros da equipe da Prefeitura de Cabo Frio – que representava, segundo sua própria definição, o Prefeito de Cabo Frio – nitidamente agia contra a definição de ações restritivas no Plano de Intervenção, buscando sempre ampliar as formas de atrair investimentos e favorecer a atividade econômica (fundamentalmente turística) no município. Figuras 17, 18 e 19: Dunas do Braga – área de intervenção prioritária Fonte: Prefeitura de Cabo Frio (2003) e arquivo pessoal 163 5.6.3 O Processo Político O processo de capacitação do Projeto Orla em Cabo Frio ampliou os canais de comunicação entre os gestores na esfera do município com o Gerenciamento Costeiro na esfera do Estado do Rio de Janeiro e na esfera do Governo Federal. Teve como principal resultado prático a elaboração de um documento técnico de propostas para a gestão da orla marítima do Município. Enquanto peça técnica, o documento apresenta-se coerente e bem elaborado, mesmo que haja divergências sobre se o caminho escolhido para o desenvolvimento do município seria o mais adequado do ponto de vista da sustentabilidade do ecossistema de dunas – que pode ser altamente impactado pelo aumento da freqüência turística no local. Como resultado político do Projeto Orla, o Município de Cabo Frio estabeleceu, em junho de 2005, um convênio de cooperação técnica com a União, por meio do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, com a interveniência do Ministério do Meio Ambiente, cuja finalidade era o desenvolvimento de ações conjuntas destinadas à implementação das ações estabelecidas no Plano de Intervenção na Orla Marítima. Esse convênio, com duração inicial de um ano, poderia ser prorrogado por até cinco anos. Entretanto não houve interesse do município em ampliar o prazo de vigência do contrato, tendo este terminado em 2006, sem que o município tivesse implementado a maior parte das ações previstas no Plano de Intervenção. A alegação do município é que o convênio trazia mais responsabilidades do que benefícios ao município, necessitando uma ampliação da capacidade de fiscalização do município sem gerar contrapartidas financeiras. 164 O rompimento do convênio, entretanto, pode estar associado a pressões ligadas ao capital imobiliário, que tem incorporado, recentemente, grande quantidade de áreas de antigas salinas, que após Estudos de Impacto Ambiental (EIA) passam a ser loteadas e vendidas como condomínios de luxo ou a empreendimentos turísticos stricto sensu, representados pelo aporte de investimentos de grande monta que buscam áreas ainda preservadas do município para a implantação de grandes complexos hoteleiros sob a fachada de Resorts ecológicos. A questão do “Resort Ecológico” do grupo Club Med – a ser implantado na APA do Pau Brasil, no bairro do Peró – é particularmente polêmica, pois envolve elementos obscuros, tais como a aprovação em caráter de urgência de alterações na Lei Orgânica do município – especialmente o Art. 166, que considera Área de Preservação Permanente as matas localizadas na APA do Pau Brasil – e a aprovação “relâmpago” do Plano Diretor do Município, que é altamente permissivo e generalista – e que, do ponto de vista ambiental, apenas se limitou a repetir e registrar o Tombamento Estadual das Dunas. Com isso, aprovou-se a implantação do Complexo turístico do Club Med antes da regulamentação e aprovação do Plano de Manejo da APA do Pau Brasil, ainda sem previsão para a sua conclusão. As argumentações dos vereadores que aprovaram os projetos deixam clara a pressão exercida por parte dos empreendedores para a rápida tramitação do processo. Em entrevista concedida ao programa “Bom Dia Litoral”, da Rádio Litoral FM, no dia 22 de novembro de 2006, o vereador Alfredo Gonçalves afirmou: 165 O que aprovamos na Câmara foi a parte estrutural do Club Med, até mesmo porque havia uma pressão por parte dos empreendedores e, se Cabo Frio não viabilizasse, pelo menos uma parcela do projeto, perderíamos para outra cidade do Estado, como Rio das Ostras. Eu votei a favor pois na lei que aprovamos está claro que o projeto tomará apenas 7% da área total de 4,5 milhões metros quadrados. Cabo Frio precisa de um projeto dessa estrutura para gerar empregos. O abandono das ações previstas no Projeto Orla e a aprovação de um Plano Diretor permissivo com a questão da expansão urbana do município denotam que o impasse à Gestão Integrada da Zona Costeira se encontra na ponta do processo, isto é, na implementação dos projetos e na definição de regras e mecanismos de controle que garantam o efetivo comprometimento dos atores institucionais envolvidos (e das instituições por eles representadas) na execução das ações definidas nos fóruns ligados ao Gerenciamento Costeiro e ao meio ambiente. Os grupos de interesse locais incorporam o discurso de preservação ambiental e utilizam estratégias discursivas associadas ao desenvolvimento que se pautam em uma racionalidade utilitária, onde determinados usos – ainda que impactantes – geram "benefício à cidade" ou contribuem para o “desenvolvimento local” e devem ser tolerados e, mesmo, estimulados, independente da perda do patrimônio ambiental e paisagístico que tais usos representam. Em função dessa lógica, mesmo atividades de pequeno porte, mas com alto impacto visual e ambiental – e até mesmo social – acabam sendo permitidas e até mesmo estimuladas por parte do poder público, como é o caso da implantação de atividades econômicas que privatizam a praia. Desse modo, a atuação política da Prefeitura Municipal de Cabo Frio reafirma a consolidação da praia como mais um 166 elemento de consumo e que concebe o turismo primordialmente como atividade econômica. Essa visão desprestigia uma noção que perceba a praia como um lugar público (Figura 20). Figura 20 – Barracas de praia padronizadas pela Prefeitura com privatização da área adjacente Fonte: Alcântara, 2005 167 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A definição da escala adequada para tratar um determinado problema é complexa, pois ela envolve a distribuição espacial de poder. Algumas questões fundamentais devem ser freqüentemente observadas para que não haja nem a tutelação do poder local por uma instância superior, nem uma sobrecarga de atribuições no nível local, sem que este tenha capacidade técnica ou meios financeiros para atuar sobre as novas funções. É fundamental ter clareza de que o poder local não pode ser tratado isoladamente, pois a eficiência da administração local depende da capacidade dos governos para mobilizar recursos e articular atores, governamentais ou não, em diferentes escalas, no sentido de criar coalizões que permitam ampliar a governabilidade local e, assim, garantir o cumprimento das novas atribuições demandadas pelo processo de descentralização administrativa em curso no Brasil atualmente. Dessa forma, as possibilidades existentes envolvem arranjos locais que somente funcionariam em função de uma combinação de fatores, como recursos ou capacidade técnica, articulados em escalas variadas. Entretanto, atualmente, a nova territorialidade da política, conforme apresentou Acselrad (2002, p. 43), (...) traduz-se, por certo, no fato que as diferentes escalas geográficas – cidades, regiões e Estados-Nação – encontram-se em concorrência. Utilizando os poderes do Estado, diferentes grupamentos territoriais se esforçam por canalizar em sua vantagem os fluxos de capital (...) Por esse expediente, porém, o poder de disposição sobre os recursos materiais e institucionais passa a situar-se não mais propriamente em instâncias globais ou locais, mas naqueles atores dotados de maior mobilidade espacial e de 168 maior capacidade de efetuar o que se entende crescentemente por ser uma política de escalas. Nesse contexto, o Gerenciamento Costeiro deve buscar uma articulação mais efetiva com a política urbana na esfera municipal, evitando, porém, operar um jogo de escalas que venha a mascarar responsabilidades sobre a gestão de determinadas áreas. Os mecanismos de gestão da Zona Costeira deveriam ter sido alvo das recentes mudanças no quadro de implementação da política urbana no Brasil. Os mecanismos definidos pelo PNGC deveriam estar contemplados no Estatuto da Cidade, o que teria contribuído para um aperfeiçoamento do arcabouço institucional e legal dos municípios costeiros, etapa necessária à transição de poder e de responsabilidade aos municípios. Amparar legalmente o Projeto Orla no Decreto nº 5.300/2004 foi um grande avanço para o sucesso do Projeto, entretanto consideramos que a falta de um dispositivo legal que comprometa as prefeituras a cumprir com as medidas expostas no Plano de Intervenção um aspecto falho do Projeto. Esse dispositivo poderia vincular o Projeto Orla ao Plano Diretor do Município, evitando o que ocorreu em Cabo Frio, onde o Plano Diretor do Município, realizado no ano de 2006, não mencionou nenhuma vez o Projeto Orla nem as diretrizes de ocupação desse espaço. Sendo assim, não apenas as áreas urbanas próximas à orla deixaram de ser reguladas à luz de uma preocupação com os princípios do gerenciamento costeiro, mas até mesmo os avanços ocorridos a partir do Projeto Orla foram deixados de fora do principal instrumento definidor da política urbana de Cabo Frio. Sintomaticamente, o mesmo ocorreu em diversos outros municípios que 169 também realizaram Projeto Orla no Estado do Rio de Janeiro, como Araruama, Casimiro de Abreu, Campos dos Goytacazes, entre outros. Infere-se sobre essa análise que um elemento fundamental na dinâmica do Projeto Orla foi negligenciado: a Fase de Implementação das Ações. Foi observada na pesquisa uma recusa, por parte da coordenação, de um entendimento de que a fase de implementação é algo além de apenas uma etapa subsequente à formulação – No Policy Cicle do projeto Orla, as três etapas iniciais: Identificação do Problema; Preparação do Programa; e Adoção Formal são equacionadas de maneira satisfatória, contando com uma pluralidade de atores e com o devido apoio ao município na formulação de estratégias de ação. Entretanto, as etapas subseqüentes – Implementação e Avaliação – permanecem com os tradicionais impasses e sem o devido apoio ao município no enfrentamento de grupos de interesse localizados. Dessa forma, ao contrário, acirraram-se os conflitos interjurisdicionais entre órgãos e instituições, permitindo o surgimento de brechas e ambigüidades legais ou omissões de normas operacionais, além de outros fatores que comprometem o sucesso da política. A implementação, portanto, deve ser tomada como processo, tanto quanto (ou mais do que) as demais fases do ciclo, pois ela implica em tomadas de decisões e se constitui em fonte de informações para a formulação e para o entendimento da dinâmica e do sucesso da política em questão. Assim, se há um interesse em que o projeto não seja apenas uma transferência formal da responsabilidade sobre a gestão dos Terrenos de Marinha para a esfera do município, sem que este atenda minimamente aos interesses 170 formulados pela coordenação do Projeto Orla, é preciso que haja um comprometimento maior dos atores envolvidos em suplantar os entraves associados às diferenças de interesses envolvidas no projeto, seja definindo diretrizes mais claras sobre o papel a ser cumprido pelos Terrenos de Marinha (e seus acrescidos) na gestão ambiental, seja atuando de forma mais presente, dividindo com o município o ônus político do enfrentamento de interesses contrários a uma gestão mais restritiva desse espaço. É fundamental, entretanto, observar que as estratégias discursivas adotadas raramente irão se contrapor à idéia de preservação ambiental. Entretanto nem sempre as ações preconizadas conduzirão a processos mais sustentáveis ou equilibrados do que os que estão em curso atualmente. Em Cabo Frio, ficou evidente o papel simbólico exercido pelo meio físico como contribuinte para a formação de uma identidade local. As intervenções do poder público sobre o meio físico e a conseqüente renovação da paisagem revigoram um discurso desenvolvimentista baseado no turismo. Não há, porém, uma perspectiva de mudança de rumos. A lógica predominante continua sendo a mesma que condicionou toda a ocupação e que gerou processos altamente impactantes sobre o meio físico. Por isso, entende-se que o Projeto Orla só tem viabilidade se deixar de ser uma peça meramente técnica e passar a servir como subsídio a um processo político de mudança nas formas de gestão territorial. A análise realizada neste estudo de caso permite afirmar que tal não ocorrerá se não houver mecanismos institucionais que estimulem o município a efetuar esse processo, dividindo 171 responsabilidades e assumindo parte do ônus político representado por medidas restritivas a interesses de grupos com maior acesso ao poder político local. 172 REFERÊNCIAS ABRUCIO, Fernando L. A reconstrução das funções governamentais no federalismo Brasileiro. In: HOFMEISTER, W. e CARNEIRO, J. M. B. (org.). Federalismo no Brasil e na Alemanha. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, Série Debates, nº 22, Vol. I, abril de2001. ACSELRAD, Henri. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais In: ACSELRAD, H. (org.). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará/ Fundação Heinrich Böll, 2004. ______. Desregulamentação, contradições espaciais e sustentabilidade urbana. Revista Paranaense de Desenvolvimento, v 1 nº 107 p. 25-38. Curitiba: jul./dez. 2004(b). ______. 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