Área de Preservação Permanente localizadas na orla de municípios
costeiros: Subsídios para uma Gestão Costeira Integrada.
Cláudia Regina dos Santos, Dra. Ministério do Meio Ambiente, email [email protected]
Márcia Regina Oliveira, Msc. Ministério do Meio Ambiente, email [email protected]
Reinaldo Magalhães Redorat, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, email
[email protected]
Resumo
A preocupação com a integridade e o equilíbrio ambiental da zona costeira decorre
do fato de serem as mais ameaçadas do planeta, justamente por representarem
para as sociedades humanas um elo de intensa troca de mercadorias. Apesar da
restrição da ocupação das áreas de preservação permanente estabelecidas pela Lei
4.771/65 e Resoluções CONAMA correlatas, a maioria dos municípios brasileiros
localizados na Zona Costeira permite a implantação de empreendimentos e
estruturas públicas sobre área de preservação permanente (vegetação de restinga
fixadora de dunas e manguezais), onde a cada ano que passa, vêm sendo
suprimidos e descaracterizados. Para garantir a sustentação e a vitalidade das
funções econômica, ecológica e sócio-cultural no espaço litorâneo, de forma
simultânea, torna-se necessário que os municípios desenvolvam ações de
planejamento e gestão para a integração das mesmas, de modo a reduzir conflitos e
eliminar antagonismos. Nesse contexto este estudo objetiva fornecer subsídios aos
municípios visando a gestão Integrada das Áreas de Preservação Permanente
(restinga fixadora de dunas e manguezais) localizadas na Zona Costeira brasileira.
Palavras-chave – Plano de Gestão Integrada, Área de Preservação Permanente,
Planejamento Urbano, Plano Diretor
Abstract
The concern for health and environmental balance of the coastal zone is due to the
fact they are the most endangered of the world, precisely because they represent to
human societies an intense bond of commodity exchange. Despite the restriction of
ocupation of all permanent preservation areas established by Law 4.771/65 and
correlated CONAMA’s Resolution, most municipalities located in the Coastal Zone
allows implementation of projects and public facilities at Permanent Preservation
Areas (restinga vegetation and and mangroves) where every year, have been
suppressed and defaced. To ensure the sustainability and vitality of economic,
ecological and socio-cultural functions in coastal space, simultaneously, it is
necessary for municipalities to develop planning and management actions to
integrate them, in order to reduce conflicts and eliminate antagonisms. In this context
this study aims to provide support to municipalities aiming the integrated
management of the Permanent Preservation Area (restinga vegetation and
mangroves) located in the Coastal Zone of Brazil.
Abstract as key-words – Integrated Management Plan, Permanent Preservation
Area, Urban Planning, Master Plan
Introdução
A preocupação com a integridade e o equilíbrio ambiental da zona costeira decorre
do fato de serem as mais ameaçadas do planeta, justamente por representarem
para as sociedades humanas um elo de intensa troca de mercadorias. Tornam-se,
assim, alvo privilegiado da exploração desordenada e predatória, servindo como
principal local de lazer, de turismo ou de moradia de grandes massas de populações
urbanas.
A zona costeira, como região de interface entre os ecossistemas terrestres e
marinhos, é responsável por ampla gama de funções ecológicas tais como a
prevenção de inundações, da intrusão salina e da erosão costeira, a proteção contra
tempestades, a reciclagem de nutrientes e de substâncias poluidoras e a provisão
direta ou indireta de habitats e de recursos para uma variedade de espécies
exploradas.
A biodiversidade exerce papel fundamental no que se refere à maior parte desses
mecanismos reguladores, contribuindo assim para a caracterização do conjunto da
Zona Costeira como um recurso finito, resultante de um sistema complexo e sensível
que envolve uma extraordinária inter-relação de processos e de pressões.
A gestão dos recursos naturais é o grande desafio da atualidade. Iniciativas de
gestão costeira vêm sendo desenvolvidas por diversos países dentre eles: GuinéBissau, Panamá, Portugal, Estados Unidos, Costa Rica, Austrália e Espanha
(SANTOS, 2007).
O Governo Brasileiro também tem dado especial atenção ao uso sustentável dos
recursos costeiros. Tal atenção se expressa no compromisso governamental com o
planejamento integrado da utilização desses recursos, visando o ordenamento da
ocupação dos espaços litorâneos. Para atingir esse objetivo, concebeu e implantou
o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC), implementando um processo
marcado pela experimentação e pelo aprimoramento constante.
Até o momento constata-se que dos 17 Estados costeiros apenas 10 possuem o
Planos Estaduais de Gerenciamento Costeiro (AP, CE, RN, PE, PB, ES, SP, PR, SC,
RS) e 5 Estados possuem o Zoneamento Ecológico Econômico Costeiro finalizado
(CE, PB, ES, PR e SC). No que diz respeito à elaboração do Plano de Gestão
Integrada do Projeto Orla (PGI) até o momento cerca de 80 municípios costeiros
realizaram seus planos. Os Estados do Rio Grande do Norte e Pernambuco
apresentam os maiores números de municípios atendidos (MMA, 2012).
Apesar da restrição da ocupação das áreas de preservação permanente
estabelecidas pela Lei 4.771/65 e Resoluções CONAMA correlatas, a maioria dos
municípios brasileiros localizados na Zona Costeira permite a implantação de
empreendimentos e estruturas sobre área de preservação permanente (vegetação
de restinga fixadora de dunas e manguezais) onde a cada ano que passa, vêm
sendo suprimidos e descaracterizados (SANTOS, 2007).
Para garantir a sustentação e a vitalidade das funções econômica, ecológica e
sócio-cultural no espaço litorâneo, de forma simultânea, torna-se necessário que os
municípios desenvolvam ações de planejamento e gestão para a integração das
mesmas, de modo a reduzir conflitos e eliminar antagonismos.
Nesse contexto este estudo objetiva fornecer subsídios aos municípios visando a
gestão Integrada das Áreas de Preservação Permanente (caracterizadas como
restinga fixadora de dunas e manguezais) localizadas na Zona Costeira brasileira.
Resultados e Discussão
Qualidade ambiental da zona costeira e os seus vetores de pressão
A percepção da evolução da qualidade ambiental da zona costeira nos últimos anos
tem como referencia os documentos Macrodianóstico da Zona Costeira (MDZC)
(MMA, 2008) e o Plano de Ação Federal para Zona Costeira (PAF). O primeiro diz
respeito a informações, em escala nacional, sobre as características físico-naturais e
socioeconômicas da zona costeira, com a finalidade de orientar ações de
preservação, conservação, regulamentação e fiscalização. As respostas políticas
são orientadas no PAF (2005), que estabelece o referencial acerca da zona costeira
e da atuação da União, com uma síntese das concepções e responsabilidades
federais para o seu planejamento e a sua gestão.
Segundo o MMA (2008) a concepção de risco ambiental na zona costeira envolve
desde a ocorrência de catástrofes naturais e os impactos sobre a infraestrutura
(portos, aeroportos, terminais, refinarias, fábricas, gasodutos, aquicultura, parques
eólicos, estaleiros, etc.) no território, até as resultantes das condições sociais de
geração de pobreza com reflexo na saúde ambiental. A análise de risco ambiental
deve ser vista como um indicador dinâmico das relações entre os sistemas naturais,
a estrutura produtiva e as condições sociais, podendo ser considerado como
resultante de três categorias básicas: natural, social e tecnológico.
Risco Natural
O Risco Natural está associado ao comportamento dinâmico dos sistemas naturais,
considerando o seu grau de estabilidade/instabilidade manifestado na sua
vulnerabilidade tanto a eventos críticos de curta, como de longa duração, tais como
inundações, desabamentos e aceleração de processos erosivos.
Cerca de 60% dos eventos com causas naturais que atingiram o Brasil, entre 1948 a
2006, estiveram relacionados com inundações fluviais e/ou avanços do mar. Os
riscos de inundação nessas regiões vinculam-se fortemente aos avanços do mar,
seja em face dos fenômenos naturais e / ou induzidos, às modificações do regime de
ondas incidentes e ao déficit de sedimentos que, em face da dinâmica costeira,
preservam ou alteram a estabilidade da linha de costa (MMA, 2008).
O potencial de risco à inundação é produto da combinação de aspectos altimétricos
com dados populacionais, acrescidos da avaliação dos graus de vulnerabilidade às
inundações por eventos meteorológicos extremos, chuvas intensas e perspectivas
de elevação do nível marinho. Quando se associa um cenário de intensa ocupação
humana, com as características ambientais da costa, as questões relacionadas às
inundações são de grande relevância.
O Macrodiagnóstico mostrou que na grande maioria do território costeiro brasileiro
predominam relevos pouco elevados, conjugados a extensas áreas com baixas
taxas de ocupação humana, o que lhe confere, genericamente, médio a baixo
potencial de risco à inundação, um quadro que poderá ser alterado, ao persistirem
os padrões desordenados de ocupação do território (MMA, 2008).
Os setores costeiros com maior potencial de risco à inundação estão em geral
combinados com áreas de maior concentração urbana, principalmente nas capitais e
suas regiões metropolitanas.
A associação entre erosão e urbanização envolve dois aspectos: a erosão
provocada por interferências de obras costeiras no balanço sedimentar e os
fenômenos ou tendências erosivas relacionados à presença de uma orla “fixada”
pela urbanização. A construção de edificações dentro da faixa de resposta dinâmica
da praia às tempestades, que tende a ser retomada pelo mar, traz sérios prejuízos
socioeconômicos e ambientais (MMA, 2006).
A falta de suprimento sedimentar é outra causa de processos erosivos, que pode ter
origem no esgotamento da fonte natural (plataforma continental interna), na retenção
de sedimentos nos rios, na perda de sedimentos por formação de dunas ou na
retenção de sedimentos por obras de engenharia.
Risco Social
O Risco Social é resultante das carências sociais ao pleno desenvolvimento
humano, as quais contribuem para a degradação das condições de vida. Sua
manifestação mais aparente está nas condições de habitabilidade, expressa no
acesso aos serviços básicos, tais como água tratada, esgotamento de resíduos e
coleta de lixo. No entanto, em uma visão em longo prazo pode atingir às condições
de emprego, renda e capacitação técnica da população local, como elementos
fundamentais ao pleno desenvolvimento humano sustentável.
A acelerada urbanização da zona costeira nas últimas décadas não foi
acompanhada por uma equivalente oferta de serviços básicos, o que faz com que a
maioria dos municípios, desde as grandes concentrações metropolitanas até os
centros urbanos de menor porte, não disponham de sistemas eficientes de
esgotamento sanitário e coleta de resíduos.
Esse crescimento urbano se expressa, notadamente, no adensamento das periferias
e do entorno dos grandes centros urbanos, áreas críticas para gestão corretiva da
zona costeira, em função de baixíssimos níveis de qualidade de vida da maior parte
da população nessas aglomerações. São as maiores fontes de contaminação do
meio marinho no território brasileiro.
Segundo o MCZC, cerca de 30 milhões de brasileiros que vivem na zona costeira
estão expostos ao risco social, ou seja, é aquela parcela da população dos
municípios costeiros com renda menor que 3 (três) salários mínimos, carente em
matéria de serviços de saneamento e coleta de lixo. Que vivem em condições
inadequadas de moradia, sem acesso aos serviços básicos, podendo estar expostos
também a outros contaminantes ambientais, como a poluição por produtos químicos
e a poluição atmosférica. Com relação ao contingente populacional exposto ao risco
social, as regiões mais problemáticas são as regiões Sudeste e Nordeste, com 14
milhões e 12 milhões de habitantes, respectivamente.
Outra visão não menos preocupante e que também se associa fortemente aos
serviços urbanos, é o crescimento do setor de turismo e a consequente expansão da
rede hoteleira, como é o caso da região Nordeste e em segundo plano da região
Sudeste. O turismo é considerado como expressiva atividade econômica e, por
consequência, importante fonte de receitas para regiões tão carentes de recursos.
Em Natal, por exemplo, segundo a administração local, o fluxo de turistas aumentou
30,8% de 2003 para 2004, o que significa um aumento real de 1,7 milhão de turistas
com impacto direto e indireto na geração de resíduos e sobre as demandas por
esgotamento sanitário.
Áreas de baixo adensamento demográfico, habitadas por comunidades tradicionais
estão sendo, gradativamente, incorporadas à economia de mercado. A especulação
imobiliária contribui para o deslocamento de populações locais (pescadores,
agricultores e extrativistas), que passam a ocupar áreas ambientalmente frágeis —
beira dos córregos, encostas deslizantes, várzeas inundáveis, áreas de proteção dos
mananciais — contribuindo para a degradação ou mesmo para a destruição destas
áreas e colocando em risco a vida de suas famílias.
Risco Tecnológico
A densidade da estrutura produtiva em áreas determinadas da Zona Costeira
contribui sobremaneira para agravar o risco ambiental. Na escala regional, o
principal fator de risco está associado à concentração espacial do equipamento
produtivo e energético em zonas e centros industriais. A associação de centrais
energéticas com terminais especializados e complexos industriais aumenta o risco
de acidentes, bem como favorece a exposição em longo prazo da população a
substâncias tóxicas na água e no ar.
A dimensão regional da componente tecnológica do risco ambiental exige medidas
de prevenção de acidentes por parte das empresas que operam na zona costeira,
bem como um monitoramento efetivo da presença de metais pesados, matéria
orgânica e nutrientes nas baías e estuários.
De acordo com EGLER (1996), em nível regional, é necessária a definição de um
sistema de prevenção de acidentes e de monitoramento efetivo das condições
ambientais em áreas da zona costeira.
Uso e proteção das áreas de preservação permanente
As áreas de preservação permanentes apresentam a função ambiental de preservar
os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo
gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações
humanas. No caso da vegetação de restinga fixadora de dunas e manguezais, a
cobertura vegetal atua como proteção de marés de ressaca. Além disso, a erosão
causada pela falta de preservação das APPs elimina as camadas mais superficiais
do solo, conhecidamente as que contêm maior concentração de nutrientes,
essenciais para a sobrevivência da flora daquelas áreas. Apesar de reconhecidas
por suas qualidades e funções ambientais, e mesmo protegidas pela legislação
federal, as APPs continuam a ser degradadas por ações antrópicas próprias dos
espaços urbanos.
Além de ser uma paisagem de grande beleza cênica conferem às dunas
importantes funções ambientais, tais como na proteção das áreas adjacentes
(campos, banhados, marismas, cursos d'água e zonas urbanas) contra os efeitos
das marés altas, ventos e invasão de areia inconsolidada; como depósito de areia
para substituir areia erodida por ondas ou levadas por tempestades; para garantir a
estabilidade a longo prazo da frente da praia; como barreira contra a penetração de
água salgada no nível freático, mediante a pressão de água doce que armazenam
(CLARK,1977).
Devido às descaracterizações constatadas em diferentes setores do litoral brasileiro
os municípios litorâneos já vêm sofrendo com os reflexos desta ocupação sem levar
em consideração a fragilidade e os processos naturais costeiros. Em geral as obras
de infra-estruturas (calçadão, estradas, redes de drenagem, salva-vidas) e as
edificações implantadas nesta zona comprometem a estabilidade natural da praia,
instalando um processo erosivo provocado pelo rompimento da troca de sedimentos
entre a duna e a praia, acentuando assim a ação de marés de ressaca sobre as
propriedades costeiras, além das alterações provocadas no equilíbrio morfodinâmico
da linha de costa, na fragmentação do sistema com a supressão de habitats, na
perda da biodiversidade, na redução da cobertura nativa e na descaracterização e
perda da identidade do ambiente costeiro.
Desde a década de 80 Tommasi & Griesinger (1983), alertavam que o
desenvolvimento de residências isoladas, grupos de residências, hotéis, vilas,
cidades, loteamentos, provocam efeitos adversos diretos e indiretos de vários tipos
sobre os ecossistemas costeiros. Entre esses efeitos estão a erosão do solo e de
vertentes costeiras, assoreamentos de enseadas e estuários, aumento da turbidez
das águas, poluição fecal, poluição por detergentes, óleo, metais pesados,
pesticidas, destruição de marismas e de manguezais, redução do fluxo de água em
canais naturais, enseadas e estuários, aterros e outros, agravando problemas de
poluição e de assoreamento. Muito grave também é a drenagem e aterro de
marismas e manguezais para a expansão urbana. Ainda, a extração de areia de
praias e baixios pode destruí-las, através da erosão causada pelo mar, podendo
levar a modificação de padrões da circulação das águas.
Uma das atribuições importantes das APPs é a de assegurar o bem-estar das
populações humanas, algo que só é possível se estas áreas estiverem com a
vegetação nativa devidamente preservada e protegida.
Os efeitos nefastos decorrentes das mudanças climáticas já se fazem sentir nas
mais diferentes regiões do país. Santa Catarina, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas
Gerais, Maranhão, são o exemplo mais contundente e recente desses problemas
que implicam em prejuízos econômicos e perdas de vidas humanas, decorrentes da
ocupação ilegal de tais áreas. O número cada vez maior de vítimas e os prejuízos
econômicos provocados pelas enchentes e deslizamentos, poderiam ter sido
significativamente amenizados ou evitados, se as áreas com declividade superior a
45o, topos de morro e margens de nascentes, riachos, rios e dunas estivessem
preservadas e livres da ocupação ilegal.
As tragédias ocorridas nos últimos anos apontam que a proteção conferida pelas
APPs é de extrema importância e relevância. Contudo, em diversas situações, onde
condições peculiares locais demonstram grau de fragilidade ambiental maior, fica
comprovado o acerto do legislador em remeter ao Poder Público Federal ou
Estadual a competência para, além das normas gerais de caráter nacional,
prescrever outras normas que atendam as peculiaridades locais. A não observância
desse preceito tem gerado inúmeras perdas, por exemplo, em áreas de encostas
que, mesmo com inclinação inferior aos limites da norma geral de caráter nacional,
por peculiaridades geológicas configuram áreas de grande fragilidade e
instabilidade, onde normas mais restritivas de uso e ocupação deveriam ter sido
estabelecidas.
No que diz respeito ao amparo legal, a área de preservação permanente está
protegida pela seguinte legislação: Constituição Federal de 1988, que em seu art.
225 estabelece que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações”; Lei n. 4.771/65, define a vegetação de
restinga fixadora de dunas e manguezais como de preservação permanente; Lei n.
6.938/81, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente; Lei n. 7.661/88,
instituidora do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, que contempla a
preservação dos recursos naturais e dos principais atributos do litoral brasileiro e a
Lei n. 9.605/1998, que trata de crimes ambientais. O CONAMA também inseriu
instrumentos para proteção legal das restingas através das Resoluções CONAMA n.
417/2009 (dispõe sobre parâmetros básicos para definição de vegetação primária e
dos estágios sucessionais secundários da vegetação de Restinga na Mata Atlântica);
a 303/2002 (dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação
Permanente), e a 369/2006 (dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade
pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção
ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente).
Os sistemas naturais desempenham funções vitais e fornecem bens e serviços ao
ser humano possibilitando a continuidade e manutenção de outras espécies
(CONSTANZA et al. 1997). Cerca de 60% (15 entre 24) dos serviços dos
ecossistemas examinados durante a Avaliação Ecossistêmica do Milênio têm sido
degradados ou utilizados de forma não sustentável, incluindo água pura, pesca de
captura, purificação do ar e da água, regulação climática local e regional, ameaças
naturais e epidemias. Muitos serviços dos ecossistemas se deterioraram em
consequência de ações voltadas para intensificar o fornecimento de outros serviços,
como alimentos. Em geral, essas mediações ou transferem os custos da degradação
de um grupo de pessoas para outro ou repassam os custos para gerações futuras
(MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT, 2005).
Instrumentos de planejamento
De acordo com EGLER (1996), o risco ambiental implica em avaliações que estão
determinadas em diversas escalas, definindo níveis de gestão que vão desde global
ao local. A análise do risco ambiental deve subsidiar a tomada de decisões sobre
alternativas e alocação de gastos públicos em condições democráticas de gestão de
território.
Instrumentos de Gestão Urbana
Silva, Salvador & Ueda (2009) defendem que, para a dissolução dos problemas
sócio-ambientais relacionados à APP urbana, há necessidade de implementação de
uma gestão baseada na articulação de quatro esferas fundamentais: a esfera do
conhecimento ambiental, a da gestão urbana-social-ambiental pública, a da
educação e informação e a da participação popular. Segundo os autores, a adoção
deste modelo de gestão promoveria o gerenciamento das cidades por meio de uma
visão sistêmica, acompanhada de uma consciência social e ambiental advinda das
esferas do conhecimento e educação, com participação de toda a sociedade.
No caso do Brasil, as cidades caracterizam-se pela irregularidade fundiária,
urbanística e ambiental. É uma enorme parcela da população que mora em favelas e
loteamentos irregulares sem acesso à infra-estrutura urbana e que se estendem por
áreas de risco e de áreas de proteção ambiental. O resultado é a intensa
degradação das condições ambientais urbanas, gerando um impacto sobre os
recursos naturais que provavelmente supera as médias mundiais.
Quando se analisa o quadro da política urbana no Brasil ao longo do tempo, verificase que as respostas do poder público para o enfrentamento da questão não foram
suficientes nem para conter o déficit habitacional, nem para atenuar a degradação
ambiental. Entre as décadas de 60 e 80, com o intenso fluxo migratório no sentido
campo – cidade, as ocupações sobre as áreas protegidas, em especial as APPs,
foram intensificadas e as políticas urbanas do período se restringiram a ações de
provisão habitacional, com consequente reassentamento das populações para
periferias urbanas, muitas vezes desprovidas de equipamentos, serviços urbanos e
infraestrutura (ALVES, 2007).
Naquele período, os processos especulativos incidentes sobre a terra urbana não
foram considerados pela política urbana até então vigente. Esses processos
ajudaram a construir um quadro socioespacial excludente, onde a terra urbana
passa a ser uma mercadoria inacessível à população de menor renda (VILLAÇA,
2001). A essa terra é agregado um valor econômico proveniente das estruturas
implantadas e do fator localização.
Entretanto, a partir do final da década de 80, com a paulatina inserção da
participação popular no planejamento urbano, o direito à moradia e a função social
da propriedade foram princípios incorporados ao texto constitucional brasileiro de
1988, nos artigos 182 e 183, que posteriormente, em 2001, seriam regulamentados
pelo Estatuto da Cidade, por meio da Lei 10.257, de 2001. O Estatuto da Cidade,
dessa forma, veio estabelecer as diretrizes gerais da atual política urbana brasileira.
Encarregada pela Constituição de definir o que significa cumprir a função social da
cidade e da propriedade urbana, esta Lei atribuiu esta tarefa para os municípios,
oferecendo para as cidades um conjunto inovador de instrumentos de intervenção
sobre seus territórios, além de uma nova concepção de planejamento e gestão
urbanos (SAULE JR & ROLNIK, 2001). De acordo com os autores, as inovações
contidas no Estatuto situam-se em três campos: um conjunto de novos instrumentos
de natureza urbanística voltados para induzir – mais do que normatizar – as formas
de uso ocupação do solo; uma nova estratégia de gestão que incorpora a ideia de
participação direta do cidadão em processos decisórios sobre o destino da cidade; e,
a ampliação das possibilidades de regularização das posses urbanas, até hoje
situadas na ambígua fronteira entre o legal e o ilegal.
No campo da indução de formas socialmente justas de uso e ocupação da cidade, o
Plano Diretor é considerado pelo Estatuto como o principal instrumento de
planejamento e ordenamento territorial urbano, cabendo a ele estabelecer, em cada
caso específico e em cada região da cidade, como se exerce a função social da
propriedade e quais os instrumentos específicos que devem ser utilizados para
induzir ou garantir que essa função social seja exercida plenamente.
Cabe ao Plano Diretor estabelecer, por exemplo: a) quais as regiões de interesse
ambiental ou cultural que devem ser protegidas e quais instrumentos serão
utilizados; b) quais as áreas que deverão ser destinadas prioritariamente para a
construção de habitações populares, quais os parâmetros urbanísticos especiais que
serão adotados nessas áreas, que investimentos públicos deverão ser realizados,
como será evitada a expulsão da população de baixa renda por segmentos de maior
poder econômico – o que se consegue com a utilização adequada do instrumento
das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e c) como estabelecer parcerias
com o setor privado para reabilitação de bairros ou preservação de áreas
ambientalmente frágeis ou do patrimônio cultural.
No campo da gestão democrática, dimensão fundamental desta Lei, parte-se da
premissa de que os instrumentos somente serão bem utilizados se for garantida a
participação e a possibilidade de decisão da maioria da população. Dessa forma, o
Estatuto da Cidade estabelece que a proposta de Plano Diretor a ser encaminhada
para a Câmara dos Vereadores deve ser elaborada a partir de audiências públicas
com ampla divulgação voltada para garantir a participação efetiva da população e
que a implementação do Plano Diretor deve ser acompanhada e fiscalizada por meio
de um comitê gestor com participação da sociedade civil.
O Estatuto da Cidade é, portanto, uma lei capaz de estruturar a gestão urbana
voltada para a concretização da função social da propriedade urbana e da evolução
para cidades socialmente justas e ambientalmente equilibradas, sendo um
instrumento capaz de articular, no âmbito municipal, o direito à moradia e o direito
ambiental.
Instrumentos de Gestão Costeira
O estabelecimento de programas e planos de gerenciamento costeiro integrado e
critérios de gestão de ordenamento é uma ação que vem sendo defendida por
diversos autores: Governo do Estado de São Paulo (1998), Polette (1998), MMA &
SDS (2002), Moraes (2004), Projeto Orla (2002), Polette, et al. (2004), Comunidade
Europeia (2001), Barragän (2004) e Decreto 5.300/2004. No Brasil, o Estado de São
Paulo, em 1998, foi pioneiro quanto à elaboração dos critérios de ordenamento do
litoral paulista, uma vez que estabeleceu o zoneamento, os critérios de ocupação, os
usos permitidos e as metas a serem alcançadas. O Projeto Orla, em 2002, e o
Decreto 5.300/2004 desenvolveram e regulamentaram, respectivamente, as regras
de uso e ocupação da zona costeira e os critérios de gestão da orla marítima
brasileira.
A articulação entre os instrumentos de ordenamento o - Plano Diretor e o Plano de
Gestão Integrada do Projeto Orla - é uma ação estratégica a ser perseguida pelos
gestores, pois esses instrumentos possuem objetivos convergentes voltados para a
regulação das formas de uso e ocupação do território local. O processo de
gerenciamento costeiro integrado é, por sua natureza, compatível nesse caso,
especialmente tendo como referenciais os planos de ação nos quais a sociedade é
ponto central da mudança.
O Projeto Orla, que completou seus dez anos de criação em 2011, introduz uma
ação sistemática de planejamento da ação local visando a gestão compartilhada
desse espaço, incorporando normas ambientais e urbanas na política de
regulamentação dos usos dos terrenos de marinha acrescidos e do espelho d’agua
contiguo a esses, como um processo mais inclusivo de alocação de recursos e
tomada de decisões. Trata-se, portanto, de uma política estratégica que contribui
para qualificar a tomada de decisão com vista a cumprir a função socioambiental da
orla marítima. Suas linhas de ação estão embasadas em métodos que exploram
fundamentos de avaliação paisagística, a dinâmica geomorfológica e de uso e
ocupação do litoral, para pensar cenários com rebatimentos na aplicação dos
instrumentos de ordenamento do uso do solo para gestão da orla (OLIVEIRA &
NICOLODI, prelo).
Um aspecto importante a ser considerado no processo de implementação do Projeto
Orla está relacionado à redefinição ocorrida a partir de 2004, da missão institucional
da Secretaria do Patrimônio da União, órgão do Ministério do Planejamento
incumbido da gestão das áreas públicas federais, que passou a adotar um novo
paradigma no qual todo imóvel da União deverá cumprir a sua função
socioambiental, em harmonia com a função arrecadadora, por meio da articulação
com outras instituições e programas estratégicos do governo federal.
Portanto, o Plano de Gestão Integrada (PGI), como orientador das ações do Projeto
Orla, é um importante instrumento da gestão costeira integrada, promovendo um
espaço de conhecimento, informação e comunicação que envolve comunidade e as
três esferas de governo, e estabelece transparência na gestão do patrimônio
Imobiliário da União, com destaque para os terrenos de marinha e acrescidos.
Pretende-se, assim, definir de maneira participativa as diretrizes que orientarão a
ocupação de uma área cuja gestão é feita pelo Governo Federal, mas que está
inserida no território municipal, reforçando, assim, a aproximação do Projeto Orla ao
Estatuto das Cidades.
Na escala local, o PGI seria um detalhamento do Plano Diretor referente aos limites
de gestão para a orla, com a finalidade de identificar uma possível linha de
segurança da costa, abarcando as áreas de grande dinamismo geomorfológico, que
servem de suporte para ecossistemas relevantes sob o aspecto ambiental, tais como
os manguezais, costão, praia, restinga, duna, matas de restinga e os recifes de
coral, entre outras feições. Desta forma, as diretrizes devem atender a combinação
de critérios de fragilidade e/ou vulnerabilidade naturais com as situações e ritmos de
ocupação ocorrentes no litoral brasileiro, sintetizados na seguinte divisão: (A) orla
não-urbanizada, (B) orla em processo de urbanização e (C) orla urbanizada .
De acordo com EGLER (1996), em nível local, a vulnerabilidade dos sistemas
ambientais só pode ser mitigada por meio de uma participação efetiva da
comunidade e dos órgãos públicos estaduais e, principalmente, municipais na
adoção de medidas que evitem o desmatamento indiscriminado de mangues e
encostas, a obstrução de canais fluviais e lagunares, bem como a adoção de
medidas preventivas para evitar a ação erosiva do mar, principalmente em áreas
urbanas situadas em muito baixa altitude (menos de 10 metros).
O governo federal entendendo a conveniência do Projeto Orla vem trabalhando na
adequação metodológica do projeto aos ambientes fluviais e estuarinos do
Amazônia, primeiro passo para a interiorização do Projeto até as margens dos rios
federais o que, certamente, contribuirá para a consolidação das APPs.
Conclusão
Como foi citado anteriormente, o Brasil, nos últimos anos tem sido cenário de
catástrofes ambientais que atingiram diferentes regiões do país causadas por
enchentes e deslizamentos, atingindo um número cada vez maior de vítimas. Estas
calamidades têm seus efeitos potencializados nas áreas urbanas e poderiam ser
amenizadas se as áreas de preservação permanente estivessem livres de ocupação
ou intervenção. O que demonstra a fragilidade de se assumir o risco de permitir a
ocupação de áreas extremamente vulneráveis.
A costa brasileira vem sofrendo com a ação de fortes ressacas, atingindo obras de
infra-estrutura municipais, principalmente estradas e calçadões, além de moradias.
Os gastos resultantes da reparação dessas obras podem ser revertidos em
reabilitação ambiental das áreas passíveis de recuperação. O investimento dos
municípios em estabelecer uma faixa de não edificação em seu Plano Diretor
Participativo visando manutenção do cordão de dunas e manguezais é uma
importante decisão para diminuir os gastos públicos com a recuperação das obras
públicas implantadas e proteção das comunidades costeiras nestas áreas, afetadas
pela ação erosiva que já vem sofrendo os reflexos das mudanças climáticas, ou
seja, é necessário o planejamento de ações relacionadas a adaptação a essas
mudanças.
A recuperação ambiental do cordão de dunas já é uma prática frequente. Diversos
trabalhos de recuperação têm sido realizados. Os autores Silva Filho (1992), Wildner
(1997), Mendonça & Prudêncio (1997), Emerim & Wildner (2000), Emerim (2001) e
Santos & Emerim (2002), demonstraram que é possível recuperar estas áreas,
desde que retirados os tensores que impeçam sua recuperação.
Gerenciar as múltiplas paisagens costeiras constitui-se um dos grandes desafios
enfrentados pelos mais diversos setores da sociedade organizada, principalmente
aqueles que utilizam os recursos naturais existentes nessas áreas. A tarefa torna-se
ainda mais complexa se considerarmos que essas regiões estão sujeitas à
mudanças de diversas magnitudes (Polette et. al, 2004).
O Poder público municipal não pode se eximir de sua fundamental responsabilidade
de definir regras e interferir no tecido urbano. A legislação urbana - o Plano Diretor, o
Código de Obras, a legislação ambiental e patrimonial bem como as ações de
educação e fiscalização são decisivas nesse processo. De forma direta, os
investimentos em obras públicas interferem na estrutura básica do espaço urbano
(CECCA, 1996).
Nesse sentido, o Projeto Orla propõe a implantação de uma rede de parcerias que
visa realizar intervenções necessárias ao uso comum da orla marítima com
planejamento ambiental e territorial, e divisão clara de tarefas entre todas as partes
(OLIVEIRA & NICOLODI, prelo). É um importante instrumento de planejamento que
pode irradiar ações, no seu espaço de atuação, bem como do entorno, sobre áreas
de interesse à moradia social e aquelas que podem ser preservadas sob a forma de
criação de espaços protegidos, revitalização de espaços, e recuperação de áreas
degradadas.
Em vista do exposto e para fins de planejamento, não se pode isolar a orla da zona
costeira. Temos que considerar que a gestão da orla deve ser encaminhada de
forma integrada num processo mais amplo de gerenciamento da Zona Costeira.
Dificilmente, uma ação circunscrita a tal delimitação terá êxito sem uma estreita
articulação com a gestão de seus entornos, o que implica no estabelecimento de um
jogo inter-escalar na definição das metas e sua implementação (MORAES, 2004).
A gestão de conhecimentos e a participação cidadã são fundamentais para a
construção democrática e para o envolvimento co-responsável dos diversos atores
institucionais e da sociedade civil na elaboração, execução, gestão e monitoramento
dos instrumentos de planejamento apresentados.
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