O Desenvolvimento da Soka Gakkai no Japão do Pós-Guerra Toda foi libertado da prisão em 3 de julho de 1945. Embora fisicamente debilitado, ele mantinha o ardente desejo de reconstruir a Soka Kyoiku Gakkai – praticamente dissolvida durante a Segunda Guerra Mundial. No início de 1946, Toda retomou a realização de reuniões de palestra e de campanhas de propagação, bem como explanações do Sutra de Lótus. Ele alterou o nome da organização para Soka Gakkai (Sociedade de Criação de Valores ), excluindo a palavra kyoiku, que significa educação ou pedagogia, objetivando englobar um compromisso mais amplo com a paz, a felicidade e prosperidade da sociedade. Infância e Adolescência de Daisaku Ikeda Daisaku Ikeda nasceu em 2 de Janeiro de 1928 em Oomorikita, bairro de Ota, Tóquio. No início de 1937, seus quatro irmãos mais velhos foram convocados, um a um, para servir no exército japonês, que estava em guerra com a China. Ikeda tinha 13 anos quando a Guerra do Pacífico eclodiu em 1941. Mesmo sofrendo de tuberculose, o jovem Ikeda passou a trabalhar em uma indústria de armamentos para ajudar no sustento da família. Ikeda vivenciou os horrores da Guerra. Sua família perdeu duas casas durante os ataques aéreos. Quando estava de licença da guerra, Kiichi, seu irmão mais velho, descrevia as atrocidades desumanas que ele havia presenciado, o que entristecia e enraivecia profundamente Ikeda. Quando Kiichi morreu batalhando, a dor de Ikeda aumentou, agravada pelo sofrimento dos seus pais. Passada a guerra, o jovem Ikeda buscava um entendimento em meio à dor e ao caos de um Japão totalmente devastado. Os conceitos tradicionais de valor haviam se provado falsos; como muitos da sua idade, Ikeda sentia um imenso vazio espiritual. Nessas circunstâncias, Ikeda participou de uma reunião de palestra da Soka Gakkai no dia 14 de agosto de 1947. Ao ser apresentado a Toda, Ikeda fez uma série de perguntas sobre a vida, patriotismo, o imperador e Nam-myoho-rengue-kyo. As respostas de Toda foram sempre diretas, lógicas e sem pretensão, expressando forte convicção. ‘Ele responde tão sucintamente!’ Ikeda pensou consigo. ‘E não se confunde com nada. Acho que posso confiar nesse homem e seguí-lo.’¹ Ikeda respeitou o fato de que Toda havia sido preso por se recusar a renegar sua crença perante à pressão sofrida por oficiais do governo japonês. Quando terminaram de conversar, Ikeda perguntou-lhe se ele poderia estudar com Toda. 2 Dez dias depois, em 24 de agosto, Ikeda uniu-se à Soka Gakkai e prometeu seguir Toda como seu mestre. Em janeiro de 1949, dois anos após iniciar sua prática budista, ele foi contratado pela editora de Toda como editor de uma revista para jovens. Daisaku Ikeda apoia totalmente seu mestre Em julho de 1949 a Soka Gakkai lançou sua primeiro revista de estudo budista, The Daibyakurenge. Ao final do mesmo ano, a caótica situação econômica de pós-guerra ficou ainda pior e a editora de Toda passou por sérios problemas. A revista para jovens que Ikeda editava havia sido suspensa. Mudando rapidamente de estratégia, Ikeda dedicou-se a reconstruir a associação de crédito de Toda, a qual sofreu inúmeros contratempos. Ele abriu mão de tudo para apoiar seu mestre tanto nos negócios quanto em questões pessoais, bem como em sua responsabilidade de liderar a Soka Gakkai. Em 1950, a situação econômica se agravou seriamente, impedindo Toda de prosseguir com suas empresas. Embora seus negócios tenham financiado o crescimento inicial da Soka Gakkai, à medida que suas empresas foram falindo e suas dívidas crescendo, alguns membros – especialmente aqueles ligados à sua fracassada associação de crédito – perderam a confiança nele e na Soka Gakkai. Em 23 de agosto, a associação de crédito foi suspensa. Para evitar envolver a organização em seus problemas financeiros, Toda renunciou seu cargo de diretor geral da Soka Gakkai em 24 de agosto. Um a um, os funcionários de Toda foram desistindo, mas ele manteve-se ativo, devotando todo seu tempo e esforço para conseguir pagar a enorme dívida da sua empresa. Ikeda fervorosamente o apoiou, determinado a ajudá-lo a tornar-se financeiramente bem e a vê-lo assumir a presidência da Soka Gakkai. Toda ministrou aulas particulares para seu jovem discípulo - que deixou os estudos para apoiar integralmente seu mestre – que abrangeram várias matérias acadêmicas além do budismo. Toda compartilhou sua visão do futuro com Ikeda. Suas metas abrangiam desde criação de um jornal para Kossen-rufu até a fundação de uma universidade. Com o tempo, tanto o jornal Seikyo Shimbun (1951) quanto a Universidade Soka (1971) tornaram-se realidade, como fruto de seus esforços. Jossei Toda toma posse como segundo presidente da Soka Gakkai Jossei Toda e Daisaku Ikeda esforçaram-se intensamente entre 1950 e 1951 para transformar a situação financeira de Toda. A resolução de Toda: “Qualquer problema que cruze o meu caminho, terá que ser deixado de lado. Farei isso não por mim, mas para que eu consiga me concentrar em alcançar meus objetivos e missão. Em hipótese alguma permitirei que um único ensinamento de Nitiren seja negligenciado.”³ Durante essa época tumultuada, Ikeda lutou para concretizar seus desejos mais profundos – que seu mestre se libertasse dos problemas financeiros e se tornasse o presidente da Soka Gakkai. Dentro de um ano, os problemas financeiros de Toda tinham se resolvido por completo, embora tanto ele quanto Ikeda lidassem com problemas de saúde. Ikeda descreve a luta desse período como “fatores decisivos para o desenvolvimento e a própria existência da Soka Gakkai de hoje.”⁴ Em 3 de maio de 1951, Jossei Toda tomou posse como segundo presidente da Soka Gakkai. Ele lançou o objetivo de concretizar 750 mil conversões. Era um número quase impossível de ser alcançado na época, considerando que a Soka Gakkai tinha aproximadamente 3.000 membros. Muitos dos que estavam presente não sabiam como essa meta seria atingida. Mas Toda já havia preparado diversas estratégias visando a ampliação do movimento por Kossen-rufu e estava tão confiante que disse aos membros: “Se eu não alcançar minha meta antes de morrer, não se preocupem com meu funeral e apenas joguem meus restos mortais na costa de Shinagawa, entenderam?”⁵ Pouco antes de sua posse presidencial em 20 de abril, Toda publicou a primeira edição do jornal Seikyo Shimbun. Além disso, fundou a divisão feminina em 10 de junho, a divisão masculina de jovens em 11 de julho e a divisão feminina de jovens em 19 de julho. Em Janeiro de 1952, Toda indicou Ikeda para ser o responsável pelo Distrito Kamata da organização. Ikeda se empenhou para encorajar pessoalmente muitos membros e já no mês seguinte o Distrito alcançou o inédito resultado de 201 conversões. Toda firmemente acreditava que o correto e constante estudo dos escritos de Nitiren eram indispensáveis para o progresso de Kossen-rufu e portanto encarregou Nitiko Hori - sumo prelado e estudioso do Budismo Nitiren - para ajudá-lo na compilação de todos os escritos existentes de Nitiren. Gosho Zenshu (Coletânea dos Escritos de Nitiren Daishonin) foi publicado em abril de 1952 em comemoração dos 700 anos de fundação do Budismo Nitiren. Isso possibilitou aos membros da Soka Gakkai fazer dos escritos e ensinamentos de Nitiren Daishonin uma sólida fundação para sua prática budista. Em setembro, o governo japonês formalmente reconheceu a Soka Gakkai como uma organização religiosa. Enquanto isso, Ikeda assumiu várias responsabilidades dentro da organização. Em janeiro de 1953, ele se tornou líder da divisão masculina de jovens e em abril foi nomeado líder interino do Distrito Bunkyo. Em março Ikeda se tornou líder da Divisão de Jovens da Soka Gakkai. A natureza maligna do poder A determinação de Nitiren Daishonin de estabelecer “o ensinamento correto pela paz da nação”, definiu a longa batalha de sua vida pela felicidade de todas as pessoas e pela paz na sociedade. Com base no mesmo espírito e para enfrentar a corrupção na política que causava o sofrimento do povo e acabou ocasionando a repressão religiosa, a Soka Gakkai, pela primeira vez, endossou candidatos para o Senado em abril de 1955. Daisaku Ikeda liderou uma ampla campanha de propagação na região de Kansai atingindo, apenas durante o mês de maio de 1956, o inédito resultado de 11.111 conversões. Em julho, Ikeda foi colocado como responsável pela campanha eleitoral da Soka Gakkai em Osaka. Os três candidatos apoiados pela organização em Osaka venceram nas eleições nacionais. Com essa vitória, a Soka Gakkai passou a ser o foco das atenções como uma organização influente. Ao mesmo tempo, começou a sofrer pressões injustas por parte do vários grupos que se sentiam ameaçados pela sua popularidade. Em junho de 1957, por exemplo, Ikeda foi para Hokkaido, onde a filial Yubari do Sindicato dos Mineradores de Carvão do Japão – que mantinha forte conexão com o partido comunista do país – tentou oprimir e intimidar mineradores de carvão locais, que pertenciam à Soka Gakkai. Ikeda protestou tal tratamento, agindo através do diálogo para solucionar o problema. Logo após esse acontecimento, em 3 de julho de 1957, Ikeda foi detido pela polícia de Osaka sob falsa acusação de fraude eleitoral, quando outros membros da Soka Gakkai haviam ingenuamente cometido as infrações. Ikeda foi interrogado por 15 dias. Promotores ameaçaram prender Toda caso Ikeda não assumisse a culpa. A saúde de Toda estava debilitada e Ikeda não podia suportar a idéia de ver o seu mestre retornar à prisão. Para protegê-lo, Ikeda viu-se obrigado a assumir a responsabilidade das acusações. Em 17 de julho, foi indiciado e libertado do Centro de Detenção de Osaka. Após um processo judicial que se arrastou por quatro anos, Ikeda foi declarado inocente em 15 de janeiro de 1962. Confiando o futuro de Kossen-rufu aos jovens Em 8 de setembro de 1957, Jossei Toda publicamente – e intensamente – condenou o uso de armas nucleares, exigindo sua imediata eliminação. Já que as armas nucleares não causam nada além de matança e devastação, Toda chamou de “demoníacos” e “encarnação do mal” aqueles que fazem uso delas. Ele prometeu derrotar a sombria tendência existente nas pessoas que busca justificar o uso de armas nucleares. Essa declaração tornou-se diretriz do movimento da Soka Gakkai em prol da paz. 6 Em dezembro, Toda concluiu o maior empreendimento de sua existência, quando a organização atingiu 750 mil conversões. Em março de 1958, ficou pronto o Grande Salão de Palestras doado pela Soka Gakkai ao templo Taisekiji, perto do Monte Fuji. Em 16 de março, seis mil membros da divisão de jovens de todo o país se reuniram em Taisekiji. Nesse encontro, embora muito debilitado por sua doença, Toda corajosamente passou a responsabilidade de Kossen-rufu aos jovens, declarando: “A Soka Gakkai é a soberana do mundo religioso.”⁷ Duas semanas depois, em 2 de abril, Toda faleceu aos 58 anos. Tendo se lembrado da sua iluminação na prisão como uma fonte de coragem e força, ele alcançou todas as suas metas como reconstruir a Soka Gakkai e criar uma sólida fundação pra Kossen-rufu. Seu legado inclui os inúmeros sucessores que ele educou, entre eles, o futuro terceiro presidente da Soka Gakkai, seu discípulo mais dedicado, Daisaku Ikeda. Revisão de um artigo publicado na revista Living Buddhism de setembro-outubro de 2009, páginas 42-49. 1. Revolução Humana, pág. 232. 2. Revolução Humana, págs. 224-32. 3. Revolução Humana, pág. 529. 4. Revolução Humana, pág. 539-40. 5. Revolução Humana, pág. 563. 6. Revolução Humana, págs. 485-87. 7. Revolução Humana, pág. 1895. A História da Soka Gakkai (1) Os fundadores da Soka Gakkai A criação da Soka Gakkai foi possível através da unicidade de mestre e discípulo entre o primeiro presidente Tsunessaburo Makiguti e o segundo presidente, Jossei Toda. Makiguti nasceu em 6 de junho de 1871 em uma pequena comunidade na região noroeste do Japão, onde é hoje a cidade de Kashiwagi, na província de Niigata. Ele passou a maior parte da sua juventude estudando e trabalhando em Hokkaido, a maior ilha da região norte do Japão. Aos 18 anos iniciou seu estágio como professor e após sua formatura, tornou-se professor de escola primária. Durante seus estudos, Makiguti desenvolveu um profundo interesse por geografia. Como professor, continuou a refinar suas idéias sobre o assunto, buscando a melhor maneira de ensiná-lo. Em 1901, mudou-se de Hokkaido para Tóquio e dois anos depois publicou seu principal trabalho, Geografia da Vida Humana. Nele, Makiguti rejeita o método tradicional de estudo da geografia pela memorização puramente mecânica. Ao invés disso, ele ofereceu uma abordagem sistemática com base na interação da vida com a natureza e a sociedade. Antes de tornar-se o diretor da Escola Primária Tossei em 1913, Makiguti trabalhou em diferentes campos voltados para a educação tais quais editor dos jornais educacionais e professor de alunos estrangeiros, além de ter desenvolvido livros e estabelecido cursos à distância para mulheres que não podiam receber uma educação formal. Jossei Toda nasceu no Japão em 11 de fevereiro de 1900, na região central da costa oeste do país, onde hoje é a cidade de Kaga, na província de Ishikawa. Dois anos depois, sua família se mudou para Atsuta, na costa oeste de Hokkaido. Após graduar-se na escola Atsuta (equivalente ao ensino médio), Toda estudou independentemente enquanto trabalhava, adquirindo de vez em quando uma licença provisória de professor. Em junho de 1918, tornou-se professor adjunto do ensino primário. Jossei Toda encontra seu mestre Entre 1913 e 1932, Makiguti aprimorou sua teoria educacional e aplicações práticas enquanto seguia com sua carreira de diretor. Ele defendia a idéia de estudos comunitários nos quais alunos aprendiam a cuidar e valorizar suas comunidades. Buscou soluções para que crianças menos afortunadas recebessem oportunidades idênticas de educação, indo além da sala de aula para ajudar seus alunos, como por exemplo, quando comprava almoço para os alunos que não tinham como pagar. Em dias frios, disponibilizada água quente para esquentar as mãos dos alunos. Em 1920 Toda visitou Tóquio, onde foi apresentado a Makiguti. Ambos conversaram exaustivamente sobre o futuro do Japão e da prática educacional e pesquisas. Pouco tempo depois, Toda se mudou para Tóquio e lecionou na escola primária Nishimati, onde Makiguti era o diretor. Toda trabalhou com Makiguti e o apoiou durante os próximos 23 anos. A sociedade criadora de valores Toda acompanhou seu mestre quando este foi transferido para a escola primária Mikasa. Em 1923, quando Makiguti foi transferido para outra escola, Toda criou a escola particular Jishu Gakkan, de ensino preparatório para os exames de admissão da escola fundamental. Aqui, Makiguti intensificou sua pesquisa e desenvolveu suas teorias educacionais. Quando Makiguti encontrou o Budismo Nitiren, ele descobriu que os ensinamentos de Nitiren Daishonin conciliavam profundamente com seus ideais. Em 1928, aos 57 anos, Makiguti se converteu ao Budismo Nitiren. Toda o seguiu. Apoiando totalmente o desejo de Makiguti de publicar sua teoria educacional, Toda editou e organizou as anotações que seu mestre havia feito durante muitos anos de pesquisa educacional, práticas e experiência. Toda ainda investiu seu próprio dinheiro para publicar o trabalho de Makiguti. Em 18 de novembro de 1930, com a ajuda de Toda, Makiguti publicou o primeiro dos quatro volumes do Soka kyoikugaku taikei - Teoria do Sistema Educacional da Criação de Valores. Tsunessaburo Makiguti aparece como autor do livro enquanto que Jossei Toda é o editor através da "Soka Kyoiku Gakkai" (Sociedade Educacional de Criação de Valores) - antecessora da Soka Gakkai (Sociedade de Criação de Valores). A data dessa publicação é considerada como o dia de fundação da Soka Gakkai. Neste trabalho, Makiguti utiliza-se da palavra Soka, que significa criação de valor – um termo que nasceu das conversas entre Toda e Makiguti. Soka engloba a teoria de longa data de Makiguti, de que o propósito da educação e da vida é criar felicidade, e para que isso aconteça, é preciso saber como se criar valor. Ele escreve: “Começamos com o reconhecimento de que os humanos não são os criadores da matéria viva, mas são capazes de criar valor. Criar valor, aliás, é sinônimo da nossa própria natureza. Quando elogiamos as pessoas pelo seu ‘caráter’, estamos na verdade reconhecendo sua superior capacidade de criar valor”. Prática do Budismo Nitiren Em 1937, a Soka Kyoiku Gakkai começou a promover reuniões regularmente como uma organização composta de educadores que simpatizavam com o sistema educacional Soka. A organização rapidamente passou a incorporar novos membros de outras áreas e das mais diversas ocupações. Seu interesse comum era aplicar os ensinamentos do Budismo Nitiren para transformar seu destino bem como a sociedade japonesa. Com o tempo, a Soka Kyoiku Gakkai tornou-se uma sociedade de leigos praticantes da escola Nitiren Shoshu. No entanto, ao invés de depender de sacerdotes como as outras organizações budistas dependiam, Makiguti e Toda eram totalmente responsáveis por coordenar cada reunião e proporcionar orientação pela fé. Desde o início, a Soka Gakkai foi uma organização de leigos praticantes, que não se restringiram às formalidades do clero. Desde a sua criação, a prática dos membros da Soka Gakkai se baseou na intenção original de Nitiren Daishonin e no próprio budismo: ajudar as pessoas a conquistar a felicidade absoluta através da prática e da fé e lutar pela paz e prosperidade da sociedade. Nos anos 30 e no início dos anos 40, a Soka Kyoiky Gakkai cresceu gradualmente. Através dos esforços de propagação, reuniões de palestra na casa de membros e campanhas de propagação, a organização chegou a alcançar 3.000 associados. Guerra contra o militarismo Em meados dos anos 30, o governo japonês começou a impor restrições aos cidadãos, obrigando-os a apoiar suas as decisões bélicas. Seu objetivo era forçar a solidariedade pública e o nacionalismo exigindo que cidadãos adotassem o Xintoísmo – a religião oficial japonesa – e a crença na divindade do imperador e da nação. Makiguti e Toda atraíram a atenção de oficiais por se recusarem a renegar os princípios humanitários do Budismo Nitiren e por salientar as intenções errôneas do Xintoísmo que estavam direcionando o país para a guerra. A repressiva Polícia Especial de Segurança manteve as reuniões de palestra da Soka Kyoiku Gakkai sob constante vigilância. No início dos anos 40, as organizações religiosas enfrentaram pressão para apoiar e incorporar o Xintoísmo em suas crenças. Em junho de 1943, o clero da Nitiren Shoshu, temendo a repressão do governo militar, aceitou um talismã xintoísta e instruiu os dirigentes e membros da Soka Kyoiku Gakkai a fazerem o mesmo. A atitude do clero foi contrária aos ensinos de Nitiren Daishonin e Nikko Shonin. Ao invés de proteger corajosamente a Lei budista, eles cederam à imposição do Xintoísmo e seu sistema de crença voltado para promover a guerra. Aliás, o sacerdócio publicamente apoiou e elogiou a decisão do Japão de declarar guerra aos Estados Unidos e à Grã Bretanha. Em contrapartida, apesar da crescente pressão, Makiguti e Toda se recusaram a aceitar o talismã xintoísta e resolutamente reafirmaram o desejo de Nitiren de proteger o correto ensinamento budista. Em 6 de julho de 1943, Makiguti foi preso durante uma reunião de palestra em Izu. No mesmo dia, Toda foi preso em Tóquio, juntamente com outros vinte e um dirigentes da Soka Kyoiku Gakkai. Todos foram acusados de traição e violação da Lei de Preservação da Paz, a qual visava dissidência contra o governo. De todos os detidos, apenas Makiguti e Toda se recusaram a renunciar sua crença durante o rigor do interrogatório. Despertar do presidente Toda para a religião Na prisão, Makiguti continuou a compartilhar o Budismo Nitiren mesmo com seus interrogantes, enfatizando os erros da religião do Japão e da política de guerra. Nunca sucumbindo à pressão, ele manteve sua convicção no Budismo Nitiren com sua própria vida. A grande preocupação de Toda era com seu idoso mestre. Ele orou fervorosamente: “Ainda sou jovem. Meu mestre tem setenta e três anos. Se o liberarem, ainda que um dia mais cedo, assumirei a responsabilidade por tudo, por nós dois.”² Desde o início de 1944 Toda recitou fervorosamente Nam-myoho-rengue-kyo em sua cela e estudou o Sutra de Lótus. Ele contemplou profundamente uma passagem que o intrigou, do ‘Sutra dos Infinitos Significados’ – o prólogo ao Sutra de Lótus – que descreve a essência do Buda com trinta e quatro negativas. Após profunda oração ele chegou à conclusão de que Buda é essencialmente a própria vida; essa vida de Buda existe dentre dele e de todas as pessoas, bem como no vasto universo. Em novembro, após recitar o Daimoku com ainda mais determinação do que antes, Toda despertou para a verdade que ele próprio estava entre os Boddhisattvas da terra. No Sutra de Lótus, esses são os boddhisattvas incumbidos com a missão de difundir os ensinamentos do sutra nos Últimos Dias da Lei, a era impura após a morte do Buda Sakyamuni e que corresponde aos dias de hoje. Em 18 de novembro de 1944, fraco e desnutrido, Makiguti faleceu no Centro de Detenção de Tóquio, aos 73 anos. Sua morte coincide com o aniversário de fundação da Soka Kyoiku Gakkai. Sem esmorecer, Makiguti viveu de acordo com os ensinamentos de Nitiren, dedicados à restabelecer o espírito de Daishonin para salvar as pessoas do sofrimento através da propagação de Nam-myoho-rengue-kyo. Seu discípulo, Toda, através da percepção atingida na prisão, despertou para a sua missão de líder de Kossen-rufu. Esse despertar religioso tornou-se o ponto de partida para o desenvolvimento da Soka Gakkai no período pós-guerra. Após o término da guerra, na cerimônia em memória a Makiguti em 1946, Toda expressou sua gratidão ao seu mestre: Com sua vasta e ilimitada benevolência, o senhor permitiu-me acompanhá-lo até mesmo na prisão. Graças a isso, pude ler com minha própria vida a passagem do Sutra de Lótus “[Eles] / habitaram aqui e ali, em várias terras do Buda / renascendo constantemente na companhia de seus mestres.”³ Como resultado desse benefício, entendi o verdadeiro significado do ensino dos Boddhisatvas da Terra e pude, embora superficialmente, compreender o significado do Sutra de Lótus com a minha própria vida. Poderia existir felicidade maior do que essa?⁴ A frase "[Eles] ... renascendo constantemente na companhia de seus mestres” descreve o profundo laço de mestre e discípulo que sempre lutarão juntos pela felicidade da humanidade. As palavras de Jossei Toda expressam sua profunda gratidão pelo seu mestre, Tsunessaburo Makiguti. Esta é a revisão de um artigo publicado na revista Living Buddhism de julho-agosto de 2009, páginas 42-47. 1. Educação para uma vida criativa de Tsunessaburo Makiguti, editado por Dayle M. Bethel e traduzido por Alfred Birnbaum (Ames, Iowa: Imprensa da Universidade de Iowa, 1994), páginas 5 e 6. 2. Revolução Humana, pág. 90. 3. O Sutra de Lótus e seus sutras de abertura e encerramento, pág. 178. 4. Revolução Humana, pág. 1967. Criando uma rede mundial de budismo humanitário Em 3 de maio de 1960, Daisaku assumiu a terceira presidência da Soka Gakkai. Ele declarou “embora eu seja jovem, a partir de hoje liderarei como representante dos discípulos do presidente Toda e juntos avançaremos significativamente na realização de Kossen-rufu.”¹ Determinado a realizar o desejo do segundo presidente da Soka Gakkai, Jossei Toda, de propagar o Budismo Nitiren mundialmente, em 2 de outubro de 1960, cinco meses após tornar-se o novo presidente da organização, Ikeda visitou nove cidades na América do Sul e do Norte. Em cada país que visitava, encorajava os membros da Soka Gakkai que ali viviam, a maioria imigrantes japoneses. Em Nova Iorque o presidente Ikeda e sua comitiva visitaram a sede da Organização das Nações Unidas (ONU). Ali, ele contemplou o importante papel e o potencial dessa organização internacional na criação da paz mundial. Desde então ele tem apoiado ONU e explanando, através de propostas e diálogos, a visão da imensa responsabilidade que a organização tem, como o agente representante do desejo de pessoas do mundo inteiro pela paz e de trabalhar por esse objetivo. Em 1983, o presidente Ikeda escreveu sua primeira proposta de paz à ONU, oferecendo perspectivas e sugestões detalhadas sobre tópicos como a abolição das armas nucleares, o meioambiente e o fortalecimento da Organização. Desde então o presidente lhes envia uma proposta de paz anualmente. Em janeiro de 1961, suas viagens incluíram uma visita à Índia e particularmente à Bodhi Gaya – tradicionalmente conhecido como o local onde Sakyamuni alcançou sua iluminação – Ikeda considerou a idéia de criar ali uma instituição dedicada a pesquisar a filosofia e a cultura asiáticas como um meio de promover o diálogo e a paz. No ano seguinte ele fundou o Instituto de Filosofia Oriental. Em 1963, ele fundou a Associação de Concertos Min-On, dedicada a propagar a paz através do intercâmbio de programas artísticos e culturais. Ikeda declarou “pessoas cultas apreciam a paz e encaminham outros ao mundo da beleza, esperança e futuro brilhante. O autoritarismo, por sua vez, somente condena as pessoas à escuridão – o oposto da arte. Por esse motivo, proteger e propagar a verdadeira apreciação pela arte e pela cultura é primordial na criação da paz.”² Presidente Ikeda viajou extensivamente pelo Japão para encorajar os membros da Soka Gakkai. Estava determinado a desenvolver a próxima geração de líderes, conduzindo palestras e estudos sobre os ensinamentos de Nitiren Daishonin para os representantes da divisão de estudantes. Em junho de 1964, ele criou uma divisão de escola do ensino fundamental e médio. Em 1965 Ikeda começou a escrever o romance Revolução Humana, publicado em séries e que relata a luta do presidente Toda para reconstruir a Soka Gakkai após ser libertado da prisão com o fim da Segunda Guerra Mundial. Essa obra e sua continuação Nova Revolução Humana, narram a história da Soka Gakkai no período de 80 anos. Criação da paz através do diálogo Com o objetivo de abrir caminho para a paz, o presidente Ikeda frequentemente dialogou com líderes culturais, políticos, educacionais e artísticos do mundo inteiro – mais de 1.600 encontros. Seu encontro mais conhecido, com o ilustre historiador britânico Arnold J. Toynbee, estendeu-se por dois anos e meio, no início dos anos 70. Esse diálogo abriu muitas portas para Ikeda se reunir e trocar idéias com pensadores notáveis ao longo dos anos, tais como o ex-presidente da União Soviética Mikhail Gorbachev, os laureados com o Nobel da Paz Linus Pauling e Betty Williams, a futurista Hazel Henderson e muitos outros. Em 1974 quando visitou a China, Ikeda viu que as pessoas viviam com medo de um ataque soviético. Pouco depois ele viajou para a União Soviética para obter a confirmação com os líderes desse país de que não atacariam a China e então retornou à China para transmitir essa promessa. No período de um ano o presidente Ikeda manteve intensos diálogos com representantes políticos dos dois países com o objetivo de criar laços de confiança entre eles e difundir a paz. Leon Strijak da Universidade de Moscou foi o intérprete do presidente Ikeda na reunião de 1974 com o então primeiro ministro soviético Aleksey Kosygin. Ele relembra: “O tópico do encontro entre Ikeda e Kosygin foi completamente diferente daqueles normalmente discutidos pelas delegações japonesas que vieram a Moscou. Eles conversaram sobre guerra e paz, sobre a guerra e suas vítimas e como prevenir a guerra.”³ Em janeiro do ano seguinte, Ikeda viajou aos Estados Unidos onde conversou com líderes capazes de encaminhar o mundo em direção à paz. Naquele mesmo mês ele viajou para a ilha de Guam, no Havaí, onde participou de eventos que culminaram com a fundação da Soka Gakkai Internacional em 26 de janeiro. Ele escreveu: “Em outras palavras, a SGI foi fundada em meio aos meus esforços de unir os Estados Unidos, a China e a União Soviética através do diálogo sincero, em um mundo encoberto pelas nuvens negras da Guerra Fria. “A história nos ensina a amarga lição onde o saldo que restou do poder coercitivo e das tentativas de apaziguar conflitos através da imposição militar apenas gerou uma distância ainda maior entre as pessoas. Optar pelo diálogo é essencial para se construir a paz e alcançar a vitória através da nossa própria humanidade. “Desde a fundação da SGI essa verdade continua a repercutir fortemente por todo o globo, como o clamor de todos os seus cidadãos.”⁴ Sun Pinghua, ex-presidente da Associação de Amizade Japão-China afirmou, em relação aos esforços diplomáticos do presidente Ikeda: “A ponte dourada [de confiança] erguida pelo presidente Ikeda tem uma construção bem peculiar. Quanto mais pessoas a cruzam, mais sólida se torna.”⁵ Separação da Nitiren Shoshu Desde a sua fundação em 1930, a Soka Gakkai apoiou e protegeu o clero da Nitiren Shoshu. O crescimento da Soka Gakkai após o término da Segunda Guerra Mundial, transformou a Nitiren Shoshu, de uma escola budista obscura e voltada aos pobres, à uma das mais importantes religiões do Japão. À medida que mais pessoas ingressavam na Soka Gakkai durante os anos 70, o presidente Ikeda começou a enfatizar, em discursos e palestras, que da perspectiva dos escritos de Nitiren Daishonin, praticantes leigos não deveriam, de forma alguma, ser considerados inferiores ao clero. Ikeda agiu dessa maneira devido aos crescentes relatos de que o clero agia com autoritarismo, condescendência e até mesmo abusivamente no tratamento de leigos. Os membros leigos reclamavam da crescente pressão para que doassem grandes quantias em dinheiro ao clero, quando ao mesmo tempo eram tratados de maneira desrespeitosa. O presidente Ikeda tentou dialogar sobre o assunto com o clero. Muitos sacerdotes sentiram-se ameaçados pelas suas declarações públicas e sua notável influência. Um advogado da Soka Gakkai tentou atormentar o presidente Ikeda através da exploração de tais medos, instigando o clero com falsos relatos sobre a suposta má intenção da Soka Gakkai. A animosidade cresceu em um clima de acusações e contra-acusações. Em um artigo sobre esse intenso período, o presidente Ikeda declarou: “Eu sofri com essa situação. Sabia que teria que evitar que mais sofrimento caísse sobre nossos membros e deveria protegê-los das perseguições do clero. Em certa ocasião, o Sr. Toda afirmou que a Soka Gakkai era mais preciosa para ele do que sua própria vida. A Gakkai é uma organização que segue a intenção e o decreto do Buda e portanto tem como objetivo a felicidade das pessoas, a propagação do budismo e a paz mundial. “Minha decisão de assumir total responsabilidade e de renunciar a presidência, foi gradativamente crescendo dentro de mim.” 6 Presidente Ikeda renunciou em 24 de abril de 1979. O clero estabeleceu duras restrições, proibindoo de entrar em contato com os membros da Soka Gakkai nas reuniões da organização e de contribuir com artigos para suas publicações. Apesar disso, Ikeda encontrou maneiras de encorajar os membros. Ele escreveu poemas curtos e individuais, viajou pelo país visitando membros em suas casas e transformou o que parecia ser um enorme retrocesso em uma oportunidade de atingir um objetivo ainda maior – fortalecer a SGI e a sua missão de criar uma sólida rede mundial pela propagação da paz. Com o tempo, o conflito entre a Soka Gakkai e o clero pareceu estar resolvido e o presidente Ikeda, como presidente honorário da Soka Gakkai e presidente da Soka Gakkai Internacional, novamente cumpriu seu papel público como líder budista. Nos anos seguinte, entretanto, o sumo-prelado Nikken continuou a conspirar para extinguir a Soka Gakkai ou para trazê-la sob o controle direto do clero. Após tornar pública uma lista de reclamações infundadas contra a organização leiga como pretexto, o clero excomungou a Soka Gakkei em novembro de 1991. Apesar dos inúmeros pedidos da Soka Gakkai, o clero recusou-se a manter qualquer diálogo direto com a organização. Com a excomunhão, Nikken esperava que um grande número de membros abandonasse a Soka Gakkai Internacional e seguisse o clero, mas apenas uma pequena porcentagem o fez. A grande maioria permaneceu na SGI, considerando a excomunhão como a libertação de uma instituição arcaica e opressiva. Com a separação, a SGI ficou mais livre para buscar uma abordagem mais humanística e moderna para aplicar o Budismo Nitiren às condições da sociedade global e criar laços de confiança e amizade no mundo todo. Construindo uma fundação duradoura pela paz Daisaku Ikeda, hoje com 83 anos, continua a dialogar com filósofos, cientistas e líderes mundiais, bem como a enviar, anualmente, propostas de paz à ONU. Inúmeras instituições, governos e organizações reconhecem Ikeda como um genuíno construtor da paz. Ikeda continuamente encoraja os membros a se desenvolverem e se fortalecerem através da prática budista para que possam edificar a paz em suas comunidades. Ele continua escrevendo os capítulos diários da Nova Revolução Humana, bem como mensagens, artigos, além da série de palestras de estudo em andamento, como por exemplo: “Aprendendo com as escrituras de Nitiren Daishonin: Os ensinamentos para a vitória.” Ikeda também encoraja continuamente a juventude para que aceitem o mesmo desafio que ele aceitou, de construir uma fundação duradoura para a paz mundial, com base nos compassivos princípios budistas. Por mais de seis décadas o presidente Ikeda manteve a visão de seu mestre, Jossei Toda, em seu coração. Ele afirmou: “O Sr. Toda estava focado no mundo. Ele pensava na humanidade como um todo. Certa vez, declarou firmemente: ‘O Budismo Nitiren é como a luz do sol. Através da fé na Lei Mística, inúmeros membros da Soka Gakkai emergiram das profundezas de seu desespero e revitalizaram sua vida. ‘A Lei Mística possibilita que os humanos transformem seus carmas. É onde encontramos a missão da Soka Gakkai, uma organização dedicada à construção da paz.”⁷ Essa é uma revisão de um artigo publicado na revista Living Buddhism de novembro-dezembro de 2009, pásg. 38-43. 1. Revolução Humana, pág. 1971. 2. Livro Discussions on Youth, segunda edição, pág. 169. 3. Documentário de Keiko Kimura Daisaku President Ikeda Up Close (Owners Promotion, Inc.: Tóquio, 2001). 4. Jornal World Tribune de 1º de janeiro de 2009, pág. 4. 5. Sun, Pinghua “Meiyo kaicho, chunichi yuko kyokai no Sonheika kaicho to kandan” (Diálogo do presidente Ikeda com Sun Pinghua, presidente da Associação de Amizade Japão-China), 20 de julho de 1990, jornal Seikyo Shimbun, pág.1 6. Jornal World Tribune de 14 de maio de 1999, pág. 7. 7. Jornal World Tribune de 20 de março de 2009, pág. 4.